Sabourin - Manejo Dos Recursos Comuns Reicprocidade Os Aportes de Elinor Ostrom
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Eric Pierre Sabourin
Cirad - La recherche agronomique pour le d
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Eric Sabourin1
1
Recebido em 13.01.2010
Aceito em 04.05.2010
RESUMO
Palavras-Chave:
Manejo de recursos
comuns, Reciprocidade,
Troca, Recursos
naturais, Elinor
Ostrom, Brasil, Nova
Calednia.
O artigo analisa a importncia da reciprocidade nos processos e dispositivos de manejo de recursos comuns. Primeiro, examina o papel
que Ostrom atribui norma de reciprocidade na sua abordagem da
gesto dos recursos em propriedade comum. Uma segunda parte apresenta a leitura das relaes econmicas e sociais no manejo de recursos comuns pela tica da teoria da reciprocidade da antropologia econmica. Finalmente, a concluso apresenta um incio de dilogo entre
as propostas de Ostrom e a teoria da reciprocidade.
ABSTRACT
Key-words:
Common resources
management,
Reciprocity,
Exchange, Natural
resources, Elinor
Ostrom, Brazil, New
Caledonia.
Sustentabilidade em Debate
Introduo
No marco dos debates sobre a
sustentabilidade, tornou-se particularmente
crucial a questo da transformao e modernizao das estruturas tradicionais de manejo dos
recursos naturais de uso comum. Mais recentemente, a transferncia da sua gesto para organizaes de produtores ou de usurios constitui
um desafio e uma fonte inesgotvel de debates,
principalmente aps a implementao dos programas de descentralizao da sua governana
(RIBOT e PELUSO, 2003; OSTROM, 1990,
2008; BOUTINOT, 2008).
Vrios trabalhos, em particular em torno
da IASCP (International Association for Study
of Common Property Resources) e da equipe de
Elinor Ostrom, remobilizaram as teorias sociolgicas e polticas da ao coletiva. Em particular, levaram ao reexame do dilema da tragdia
dos comuns. De acordo com Hardin (1968), as
terras e pastos em propriedade comum estariam
condenados a um uso excessivo e a um esgotamento se no fosse realizada a sua privatizao e
gesto pelo mercado de troca. Portanto, esse
desafio ponto central no tocante ao papel das
organizaes camponesas e nativas.
Alm das suas fortes bases empricas,
Ostrom utiliza cada vez mais, desde 1997, a noo de reciprocidade como componente central
dos atributos, permitindo que as comunidades de
usurios gerenciem os recursos comuns
(OSTROM, 1998). Os objetivos desse trabalho
so analisar o papel da reciprocidade no manejo
dos recursos comuns segundo Ostrom e verificar a possibilidade de um dilogo entre a abordagem de Ostrom e a teoria da reciprocidade na
antropologia econmica.
Isso se justifica porque a gesto dos recursos naturais comuns (terras, guas, pastos, flo144
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que manifestam tal inteno e se recusam a cooperar se no houver reciprocidade. Existem sanes para aqueles que traem a confiana dos outros (OSTROM, 1998, p. 10). Ostrom critica a
interpretao redutora da norma de reciprocidade na estratgia do tit for tat (toma l, d c)
da teoria dos jogos, que consiste em fazer apenas aquilo que o outro faz. Para ela, a confiana mtua que explica a reciprocidade, considerada como uma norma moral internalizada, ou
como um princpio de troca social, caracterizado pela vontade de cooperar. Por outro lado,
segundo ela, a reciprocidade implica a considerao do outro como um cooperador potencial e
a expectativa de uma sano, caso no haja cooperao.
Participants must also have some level of
trust in the reliability of others and be willing
to use broad strategies of reciprocity. If
participants fear that others are going to
Neste sentido, Ostrom considera que a reputao constitui uma dessas informaes que
motivam a confiana no outro e, portanto, a reciprocidade na cooperao (OSTROM, 1998, p.
12). Finalmente, a densidade das redes de agentes cooperadores (strong reciprocators) e a probabilidade de eles interagirem so dadas como
uma condio da expresso da norma de reciprocidade, Visto que os indivduos
reciprocitrios so minoritrios numa sociedade, o seu impacto depende da densidade das suas
interaes:
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tiva frente a um modelo exterior pelo qual a sociedade melansia est, para um nmero importante de indivduos, menos preparada que outros
grupos sociais (NEAOUTYNE, 2001, traduo
nossa).
No Brasil
Acontece o mesmo com a gesto da gua.
No Nordeste do Brasil, no quadro da modernizao agrcola dos anos 1970 1980, importantes infra-estruturas de irrigao foram implantadas pelo Estado nacional, com o apoio do Banco
Mundial. O desengajamento do Estado, iniciado
nos anos 1990, mediante a transferncia da gesto dos permetros pblicos para organizaes
de usurios, teve, muitas vezes, conseqncias
dramticas (SABOURIN et al., 1998). A
descentralizao dos poos, dos reservatrios,
dos permetros irrigados e da sua gesto no deve
ser usada como lema ecolgico, opondo a pequena represa em terras comunitrias barragem pblica ou privada, ou transposio de
bacias. Ela se justifica na medida em que a produo da gua organizada socialmente. Qual o
significado disso? A ao coletiva permite
gerenciar o recurso com menor custo e maior
eficcia. A ao coletiva no significa to somente
organizao coletiva unitria ou cooperativa de
produo. Ela depende, principalmente, da promoo do dilogo, da negociao e da coordenao entre diferentes tipos de atores situados
numa mesma bacia. Isto se aplica s tarefas coletivas de ajuda mtua ou mutires para construo e manuteno de represas (SABOURIN et
al., 2002). A gesto partilhada se revelou adaptada ao manejo de recursos localizados e de interesse de pequenos grupos: mulheres de um
bairro ou agricultores que ocupam um mesmo
baixio.
No entanto, a construo e, principalmente, a manuteno de obras comunitrias so tambm motivos de tenses e conflitos que evidenciam a insuficincia ou ineficincia das instituies (regras, normas) coletivas para governar os
recursos comuns. As formas de apropriao individual ou coletiva incidem sobre os processos
de excluso, como mostra a histria violenta dos
conflitos em torno da gua e das terras no Nordeste. Entretanto, os conflitos podem tambm
trazer novas solues, por causa das negociaes que eles provocam e dos processos de aprendizagem que podem gerar.
Desde os anos 1970 - 1980, com a interveno da Igreja Catlica e do Estado, e depois
das ONG e agncias multilaterais, a distribuio
de poos, de bombas, de cisternas, de barragens
e de sistemas de irrigao se fortaleceu muito.
Outrora, a organizao da manuteno das reservas dgua coletivas era controlada pelo pa-
triarca da comunidade, contra uma forma especifica de ajuda mtua. Com a distribuio
clientelista das cisternas e das barragens pblicas, o rigor e a motivao para essas tarefas,
muitas vezes, diminuem ou do lugar discusso. O estatuto dessas infra-estruturas coletivas
em matria de direitos de uso e de responsabilidade tornou-se ambguo. Tradicionalmente, existem regras de acesso e de uso para cada tipo de
reservatrio comunitrio ou individual. Muitas
vezes, essas regras foram perturbadas por causa
das intervenes externas.
As ddivas recebidas sem se inscrever na
lgica das estruturas de reciprocidade so difceis de ser manejadas pelas comunidades. Elas
provocam conflitos quanto aos direitos de uso e
aos deveres de manuteno, ou, at mesmo, destroem as prticas de reciprocidade, desvalorizando-as ou submetendo-as, por ignorncia, dependncia dos poderes pblicos ou a obrigaes
local. Alis, foi o mesmo princpio de transferncia das responsabilidades de gesto das obras e
equipamentos para os usurios que, finalmente,
prevaleceu no caso dos grandes permetros pblicos de irrigao, mas dentro de condies que
no deixaram muita escolha aos pequenos produtores em matria de organizao.
Sustentabilidade em Debate
dispositivos de gesto dos recursos comuns pelos usurios (as estruturas de reciprocidade).
Ostrom (1998) considera precisamente que
as normas das comunidades de usurios (confiana, reciprocidade, sentimento de
pertencimento, percepo comum e
interdependncia do recurso) so historicamente
e socialmente construdas no marco de uma
racionalidade limitada. No entanto, ela procura
uma explicao por meio das cincias duras
(OSTROM, 2003) e se baseia em trabalhos sobre a origem biolgica da reciprocidade e da confiana (KURZBAN, 2003) e sobre a noo de
altrusmo recproco da sociobiologia (TRIVER,
1971).
The evidence of altruism as a stable
evolutionary behavior is explained as a result
of reciprocal behavior. To explain the
existence of altruism on the basis of
reciprocity, Kurzban defines natural
154
pcie. Porm, se situarmos a origem humana no no individuo, mas na relao de reciprocidade, ento possvel afirmar que a
interatividade recproca a matriz de um
valor irredutvel s prprias competncias
e aos interesses particulares das partes em
jogo. Esse valor o sentimento compartilhado por cada um que d sentido a ambos
em relao ao que foi investido na
interatividade, e corresponde ao bem comum (TEMPLE, 2003, traduo nossa).
Apesar das evidncias empricas e de uma
intuio recorrente em torno da relao ntima
entre reciprocidade, confiana e reputao,
Ostrom permanece dentro dos limites do postulado binrio da troca e das expectativas da sua
regulao por uma minoria de indivduos altrustas e reciprocitrios, interagindo via redes. Para
explicar a reciprocidade, ela recorre previamente confiana, enquanto que, para a teoria da
reciprocidade, so as relaes de reciprocidade
simtrica nas estruturas de compartilhamento (de
recursos comuns) que produzem a confiana.
Alis, o que mostram as repeties modeladas
de jogos que fazem intervir a confiana e a reciprocidade, quando introduzem uma varivel de
conhecimento do comportamento do outro a
partir da experincia (KAHAN, 2005).
, alis, uma constatao comum entre as
duas abordagens que explica que a gesto partilhada de recursos funciona apenas em grupos de
proximidade onde funcionam o inter-conhecimento ou o respeito de regras e comuns. As relaes mtuas funcionam tanto melhor quando
cada um sabe que o outro se situa tambm num
quadro de reciprocidade. neste sentido que o
reconhecimento institucional ou pblico dos dispositivos de manejo partilhado de recursos fundados em relaes de reciprocidade pode garantir ou facilitar tanto a perenizao dessas estru-
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