Profecia Poética e Tradução

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 119

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO


PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA TRADUO

Juliana Steil

PROFECIA POTICA E TRADUO.


AMERICA A PROPHECY, DE WILLIAM BLAKE,
TRADUZIDA E COMENTADA

FLORIANPOLIS
Maro / 2007

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO
PS-GRADUAO EM ESTUDOS DA TRADUO

Juliana Steil

PROFECIA POTICA E TRADUO.


AMERICA A PROPHECY, DE WILLIAM BLAKE,
TRADUZIDA E COMENTADA

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao


em Estudos da Traduo da Universidade Federal de
Santa Catarina como requisito parcial para a obteno
do ttulo de Mestre em Estudos da Traduo.

Orientador: Prof. Dr. Walter Carlos Costa


Co-orientador: Prof. Dr. John Angus Gledson

FLORIANPOLIS
Maro / 2007
ii

Meus agradecimentos:
Ao Prof. Walter, pela exigncia, pela orientao paciente, pelos Sete Livros Iluminados e por
confiar no meu trabalho;
Ao Prof. Gledson, exemplo de pesquisador a ser seguido, pela ateno, incentivo e leituras;
Ao Prof. Markus, pelo incentivo, disponibilidade e aulas de traduo;
Ao Prof. Mark Ridd, por aceitar o convite para compor minha banca;
Ao Prof. Philippe, por me encorajar quando eu quis desistir;
Ao Lenidas, que generosamente dividiu comigo as vrias tradues de Blake de sua
biblioteca pessoal;
Ao Prof. Marco Lucchesi, por suas palavras inspiradas;
A Jaqueline, Ricardo e rica;
Prof. Beth;
Ao Prof. Rafael;
A Karla, Malu, Mone e Pati, pela recepo na Ilha;
Wanessa, pelo companheirismo e discusses tradutolgicas;
A Adriana, Anatlia, Luciana e colegas da PGET;
Ao Juliano, pelo apoio e amizade, pelas aulas de Histria, de msica e de viver;
Ao Pablo, colega e amigo, pela ajuda em tarefas de computador e pelas conversas com mate;
Prof. Cludia, por sua leitura crtica, ensinamentos e confiana em meu trabalho;
Ane, por seu nimo e leveza num ambiente de trabalho agradvel;
Luana, pela gentileza de suas sugestes,
Ao Jlio, por sua valiosa leitura deste trabalho;
Ao Prof. Paulo Henriques Britto, pelas observaes mtricas;
famlia, pelo apoio e pacincia;
Alessandra & famlia Martins;
Ao mestre Rodrigo, por me indicar o caminho da poesia e da traduo.

iii

Para Ana Anglica Steil

iv

E a traduo um formidvel teatro de sombras.


Marco Lucchesi

ABSTRACT

This dissertation consists of a translation with commentary of the book America A Prophecy
(1793), by the English poet William Blake (1757-1827). It contextualizes America in the
ensemble of Blakes work and presents a summary of the published translations of his work in
Brazil. It also discusses some aspects of translation theory concerning poetical texts, which
are then used in the study of the elements of America which are most important for the new
translation rhythm (accentual scheme, anaphora, rhythmic parallelism and assonance,
rhythmic correspondence), alliterations, Blakean collocations, symbols, names of historical
characters , which is systematically confronted with a Portuguese version of the poem, by
Manuel Portela.

RESUMO

Esta dissertao consiste na traduo comentada do livro America A Prophecy (1793), do


poeta ingls William Blake (1757-1827). O trabalho contextualiza America no conjunto da
obra de Blake e apresenta um quadro de suas tradues publicadas no Brasil. Discute tambm
alguns tpicos da teoria da traduo de textos poticos utilizados a seguir no estudo dos
elementos mais importantes de America para a nova traduo proposta ritmo (esquema
acentual, anfora, paralelismo rtmico e assonncias, correspondncia rtmica), aliteraes,
colocaes blakeanas, smbolos, nomes de personagens histricas , que sistematicamente
confrontada com a verso portuguesa do poema, realizada por Manuel Portela.

vi

SUMRIO

INTRODUO..........................................................................................................................1
BLAKE, AMERICA E AS TRADUES DE BLAKE AO PORTUGUS .............................3
1.1 Blake.................................................................................................................................3
1.2 Posterior edio e reconhecimento da obra blakeana.....................................................19
1.3 America...........................................................................................................................23
1.4 Tradues de Blake no Ocidente ....................................................................................29
1.4.1 Blake em lngua portuguesa ....................................................................................32
1.4.2 Leituras de Blake.....................................................................................................37
A TRADUO DO POEMA ..................................................................................................41
2.1 Traduo .........................................................................................................................41
2.2 Traduo de poesia .........................................................................................................44
2.2.1 Traduo de poesia em poesia .................................................................................48
2.2.2 Traduo de poesia em prosa ..................................................................................55
2.3 Notas de tempo, lugar e tradio ....................................................................................57
ANLISE DA TRADUO DE AMERICA A PROPHECY..................................................60
3.1 Ritmo ..............................................................................................................................60
3.1.1 Esquema acentual ....................................................................................................60
3.1.2 Paralelismo verbal: anfora .....................................................................................73
3.1.3 Paralelismo rtmico e assonncias ...........................................................................75
3.1.4 Correspondncia rtmica..........................................................................................80
3.2 Aliteraes ......................................................................................................................82
3.3 Colocaes blakeanas .....................................................................................................84
3.4 Smbolos .........................................................................................................................91
3.5 Nomes de personagens histricas ...................................................................................94
CONCLUSES ......................................................................................................................103
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................105
ANEXO ..................................................................................................................................112

vii

INTRODUO

No raro encontrar-se nos livros sobre literatura inglesa a proposio de que o leitor
das obras mais complexas de Blake ser um apreciador persistente, disposto a internalizar seu
difcil universo simblico, sugerindo, em algumas ocasies, que no vale a pena considerlas. Por outro lado, o poeta Yeats, que descobriu Blake para os tempos modernos, diz que:
quando se l Blake, como se o jato de uma inexaurvel fonte de beleza
fosse soprado em nossas faces. No apenas quando se l as Canes da
Inocncia, ou os versos a que ele quis chamar Idias do Bem e do Mal,
mas quando se l os livros profticos, onde ele falou confusa e
obscuramente, pois falou coisas para as quais no podia achar modelos no
mundo sua volta (1984: 15).
Juzos como o de Yeats indicam que a poesia de Blake no se restringe s Canes e aO
Matrimnio do Cu e do Inferno, e merece ser lida e discutida entre ns atravs da traduo.
America A Prophecy constitui um marco na formao do mito de Blake e esta uma
das razes de sua escolha para esta traduo. Neste livro, Blake analisa a personagem Orc, o
esprito da revoluo, que nasce na Amrica. No universo de Blake, a Amrica representa o
Corpo e seus cinco sentidos, especialmente o sexo, o mais elevado e menos corrupto deles.
Assim como o Corpo est separado do resto do indivduo por sua forma material, a Amrica
est separada dos outros trs continentes pelo oceano (Damon, 1988).
A outra razo que motivou a escolha de America o fato de ainda no existir uma
traduo brasileira do poema.
Meu primeiro contato com a poesia de William Blake aconteceu atravs da
contracultura, que celebrava o Blake libertrio dos beat e dos hippies. Mais tarde, na
graduao, no curso de uma pesquisa sobre E. E. Cummings, travei contato com um texto de
Srgio Bellei (Bellei, 2002) que discutia o uso de bibliotecas virtuais na pesquisa literria.

Existia ali a referncia a um acervo virtual de Blake, amplo e confivel, com cpias de todos
os livros do poeta de acordo com as edies originais.
O texto utilizado neste trabalho foi extrado da ltima edio eletrnica dos escritos
completos de Blake: Electronic edition of The Complete Poetry and Prose of William Blake
organizada em formato eletrnico por David V. Erdman (Erdman, 1988), autor de Blake:
Prophet against Empire (Erdman, 1991), e as pginas ilustradas pertencem cpia guardada
pela Biblioteca Pierpont Morgan. As duas fontes esto disponveis em The William Blake
Archive (<www.blakearchive.org>) um arquivo hipermdia patrocinado pela Biblioteca do
Congresso, com apoio do Departamento de Preservao e Acesso do Incentivo Nacional para
as Humanidades, do Instituto para o Avano da Tecnologia em Humanidades da Universidade
da Virgnia, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, da Sun Microsystems e da
Inso Corporation (Eaves, Essick & Viscomi, 2006) indicado em Bellei, 2002. O acervo
reconhecido como um modelo de prtica editorial pela Modern Language Association, que
lhe outorgou o MLA Prize for a Distinguished Scholarly Edition 2003, por sua clareza,
beleza e erudio.
A dissertao est dividida em trs captulos. O primeiro captulo apresenta Blake e
sua obra, situando America no conjunto da produo do autor. Na ltima seo do captulo
apresento uma relao das obras de Blake traduzidas ao portugus.
No segundo captulo, abordo alguns problemas de traduo de textos poticos. No
terceiro captulo, estudo America no que se refere aos elementos mais relevantes na sua
traduo, analisando como America foi traduzido ao portugus lusitano por Manuel Portela
(Blake, 2005) e explicando, simultaneamente, as escolhas empreendidas na minha traduo de
America. O original ingls e o texto traduzido por mim so reproduzidos no anexo.

CAPTULO 1
BLAKE, AMERICA E AS TRADUES DE BLAKE AO PORTUGUS

1.1 Blake

No perodo vivido por William Blake (Londres, 1757-1827), a Inglaterra abandonava


um sistema de produo essencialmente agrrio e artesanal para ingressar em outro de cunho
industrial, dominado pela mquina. A intensificao do comrcio externo, a explorao
massiva do carvo e a instalao de fbricas txteis mais modernas e produtivas concentravam
cada vez mais o capital nas mos da burguesia, e uma grande massa de trabalhadores fora
submetida a condies subumanas de vida, num espao urbano despreparado para receb-los
(Vizioli, 1993: 09).
Do outro lado do Atlntico, a burguesia colonial da Amrica do Norte havia firmado o
seu prprio mercado interno. A metrpole inglesa tentou reprimir a expanso do comrcio
para outros pases, aumentando os impostos e a fiscalizao na Amrica, o que provocou a
Guerra da Independncia (17751783), com triunfo das Colnias Americanas.
Logo veio a Revoluo Francesa, resultando na vitria do poder da burguesia da
Frana sobre a aristocracia monrquica e a monarquia absolutista. As revolues burguesas
ento completaram a transio do sistema feudal para o capitalismo.
Essas revolues burguesas estavam amparadas pelos valores intelectuais iluministas,
que na Inglaterra tiveram um ambiente favorvel sua propagao. Com a religio catlica
longe do poder naquele pas, figuras como John Locke dispuseram de certa liberdade de
expresso para desenvolver seu pensamento.
Locke opunha-se f e valorizava a Razo como o caminho para a verdade e para a
liberdade individual. Ele defendia que nosso conhecimento tem origem na experincia

emprica, que possibilita a sensao dos objetos externos e a reflexo sobre esses objetos,
como idias simples e complexas. As idias complexas surgem dos processos de combinao
e abstrao das idias simples, que so o teste e o padro da realidade. Identificando a
realidade com a idia simples, o discurso de Locke sugere, em ltima anlise, que a existncia
objetiva produzida na mente humana sem qualquer interferncia desta, de modo natural.
Assim, atravs da faculdade das idias abstratas (impessoais, gerais), o homem pode agir
sobre os objetos reais organizando-os racionalmente conforme a sua necessidade. Uma vez
que propunham uma poltica que garantisse a liberdade do homem, pela Razo, tais preceitos
ajudaram a formar a postura das classes burguesas tanto quanto foram formados pelo
ambiente burgus , que agora reorganizavam a sociedade, tendo como base o interesse
individual (Uzgalis, 2001).
Nas artes, a reao contra essa postura veio com os romnticos. Inevitavelmente, os
artistas deste perodo estavam envolvidos pelos assuntos polticos:
Se fssemos resumir as relaes entre o artista e a sociedade nesta poca em
uma s frase, poderamos dizer que a Revoluo Francesa inspirava-o com
seu exemplo, que a revoluo industrial com seu horror, enquanto a
sociedade burguesa, que surgiu de ambas, transformava sua prpria
experincia e estilos de criao (Hobsbawm, 2003: 354).
Um desses artistas foi William Blake. Na opinio de Hobsbawm (2003: 354), poucos homens
antes de Blake na dcada de 1790 compreenderam o terremoto social causado pela mquina
e pela fbrica.
Blake expressou em sua poesia todo o seu dio em relao ao racionalismo
mecanicista de Bacon, Newton e Locke. Com a idia de reflexo, esses filsofos abstratos
separam sujeito e objeto; para eles, things do not cease to exist when we stop looking at
them, and therefore there must be some kind of nonmental reality behind our perception of
them (Frye, 1995: 17): a separao sujeito vs. objeto o ponto central da causa blakeana
contra Locke (Frye, 1995).

Blake insiste que tudo depende da atitude mental do observador. Para ele, nas palavras
de Frye (1995: 17), If you cannot accept what you see as real, the fact that you see it in a
microscope or test tube makes no difference. inaceitvel, para Blake, o pensamento de que
o homem material a ser moldado por um mundo externo e no um criador ou (imaginador)
do mundo material (Frye, 1995: 23). Segundo Blake, no somos passivamente estimulados
maturidade, mas crescemos para ela, e o ambiente no altera a nossa natureza (Frye, 1995:
23). J em Locke, idias inatas no existem, e ver as imagens, por exemplo, t-las impressas
na mente pelo objeto, automaticamente; em Blake, a mente dirige-se atravs do olho para o
objeto, criativamente (Frye, 1995: 22). Blake toma a percepo como um ato mental, e no
como algo passivamente percebido pelos sentidos. Na ilustrao de Frye (1995: 19), the legs
do not walk, but (...) the mind walks the legs.
No surpreenderia, assim, que Blake dissesse que uma rvore mais real para um
sbio do que para um tolo (Frye, 1995: 21). A imaginao de um homem a sua vida (Frye,
1995: 19) e o mais verdadeiro produto da vida imaginativa a obra de arte. Dessa forma,
arte organizao imaginativa da experincia sensorial, como a composio de msica a
organizao imaginativa da experincia sensorial do som (Frye, 1995: 24). Este poder
perceptivo do artista, Blake denomina viso, que seria o objetivo de toda liberdade, energia
e sabedoria (Frye, 1995: 25).
Liberdade, energia e sabedoria so defendidas como qualidades do homem de
Imaginao. A Imaginao infinita e eterna; a imagem divina da Unidade original. A arte
torna-se, em Blake, o caminho da salvao espiritual, como sintetiza Yeats (1984, 14):
[Blake deduziu que] as artes imaginativas eram a maior das revelaes
divinas, e que a compaixo por todas as coisas vivas, boas ou ms, que as
artes imaginativas despertam, o perdo dos pecados ordenado por Cristo.
A razo, e por razo ele concebia as dedues vindas da observao dos
sentidos, leva-nos mortalidade, pois nos restringe aos sentidos; separa-nos
uns dos outros, mostrando nossos interesses conflitantes. (...) Paixes,
porque mais vivas mais sagradas (um escandaloso paradoxo para sua
poca), e levado por suas asas que o homem entrar na eternidade.
5

Um pensamento que prioriza um olhar artstico sobre as coisas. Por exemplo, as abordagens
religiosas, filosficas e cientficas da realidade so, para Blake, formas de arte, e
desempenham uma funo necessria na cultura se julgados nos termos da imaginao
criativa do artista; de outra maneira, so doenas nocivas sociedade (Frye, 1995: 27).
Limitar e generalizar, seguir a Razo abstrata, fechar as portas da percepo, cultuar a
morte.
Blake acreditava, assim, que o esprito social de seu tempo o povo ingls
personificado em sua obra como o Gigante lbion estava doente. Esta a chave de sua
passagem sobre dark Satanic Mills, o preldio ao livro Milton. O poeta refere-se, aqui, s
leis mecanicistas de Bacon, Newton e Locke, das quais a paisagem industrial era reflexo e
expresso:
Man has made his machines in the image of his ideology. So, always, Blake
seeks to discover the source of social and private ills within man. Only a
change of the heart and mind of the nation can create a new society and new
cities less hideous than those created by an atheist and mechanistic
rationalism (Raine, 2000: 72-4).
O poeta, que viveu sua primeira juventude em tempo de relativa paz, no deixava de confiar
na mudana da conduta espiritual de seu pas, muito menos na responsabilidade que
acreditava ter com Deus e a sociedade em continuar produzindo obras de Imaginao (Frye,
1995: 04).
Blake mostrou-se dono de uma imaginao incomum j na infncia, tendo, inclusive,
vises. Suas habilidades artsticas tornaram-se evidentes quando ainda era criana, e foram
encorajadas pelos pais (Ackroyd, 1995; Cazamia, 1983; Vultee, Eaves, Essick & Viscomi,
2005).

No freqentou a escola1, que ele tambm viria a considerar como um lugar de


represso, o que transparece no poema The Schoolboy, de Songs of Innocence:
How can the bird that is made for joy
Sit in a cage and sing
Em outra ocasio, disse que Theres no use on education; I hold it wrong it is the great
Sin. Um aforismo em The Marriage of Heaven and Hell reflects Blakes thankfulness to
have escaped the instruction of the schoolmaster: Improvement makes strait roads; but the
crooked roads without Improvement are roads of Genius (Raine, 2001: 11).
Sua formao foi informal e variada. Cazamia (1983: 10) observa que Blake no teve
uma cultura extensa e profunda, e que isso se faz notar pelos no raros erros gramaticais e de
ortografia, e por alguns juzos sumrios e mal-informados. No entanto, foi um autodidata
prodigioso. A Bblia, que foi leitura constante na sua famlia, ajudou-lhe a desenvolver uma
forte sensibilidade visual (Ackroyd, 1995). Assimilou o estilo do discurso bblico, como se
pode constatar na literatura que produziu.
Blake no pde freqentar uma escola de pintura, mas foi enviado a uma boa escola de
desenho aos dez anos, a Henry Pars Drawing School, onde aprendeu principalmente a
esboar a figura humana a partir de rplicas de esttuas antigas (Vultee, Eaves, Essick &
Viscomi, 2005; Ackroyd, 1995: 36).
Reunia desenhos e escrevia versos, maneira de Milton ou Spencer, no seu caderno de
rascunhos (Ackroyd, 1995: 40). Em 1772, aos catorze anos, comeou a estudar gravura com
James Basire, que trabalhava para a Society of Antiquaries e para a Royal Society e era
conhecido por suas gravuras de trao simples, consideradas ultrapassadas na poca (Vultee,
Eaves, Essick & Viscomi, 2005). Passou longos meses desenhando as esculturas gticas,
esttuas e efgies sepulcrais de Westminster Abbey, adquiriendo as el amor por un arte que
se redescubrira entonces y ese sentido de la decoracin alegrica que caracteriza muchas de
1

Segundo Valent (in Blake, 1977: 28), Su padre tom la precaucin de no mandarle a la escuela, aduciendo
que el nio tena el carter difcil.

sus ilustraciones (Cazamia, 1983: 09-10). Na oficina de Basire, Blake aprendeu a tarefa da
cpia-gravao, tal como era praticada na Inglaterra no fim do sculo XVIII (Vultee, Eaves,
Essick & Viscomi, 2005), e fez seus primeiros trabalhos comerciais. Tornando-se gravador,
ele was part of the first great period of commercialism and mass manufacture in English
history, and he was one of its first casualties (Ackroyd, 1995: 79).
Em 1780, acontecem the Gordon Riots em Londres, de que Blake teria participado
(Eaves, Essick & Viscomi, 2005). Em 1782, casou-se com Catherine Boucher, jovem simples
e analfabeta, que foi sua companheira por toda a vida. Blake ensinou Catherine a ler e a
escrever, a gravar e a pintar; ela o ajudava no lento e minucioso trabalho de impresso dos
livros iluminados (Vizioli, 1993: 12; Cazamia, 1983: 11).
Ao mesmo tempo em que trabalhava para editoras da poca, Blake preparava-se para
ser pintor. Em 1779, admitido como aluno nas Royal Academy of Arts Schools of Design.
L teve oportunidade de expor alguns trabalhos, como uma srie em aquarela, com desenhos
sobre a histria da Inglaterra, bem como desenhos sobre temas bblicos (Vultee, Eaves, Essick
& Viscomi, 2005).
Blake publicou Poetical Sketches no incio de 1783, coletnea de poemas que ele
havia escrito nos ltimos catorze anos, financiado por John Flaxman e com a ajuda de outros
dois amigos, o reverendo Anthony Stephen Mathews e sua esposa Harriet. Poetical Sketches
traz poemas variados e um drama, King Edward the Third.
Escreve An Island in the Moon, stira inacabada cujo ponto de partida parece ter sido a
sociedade que se reunia na casa do seu amigo A.S. Matthews. Em An Island in the Moon, que
ter sido escrito por volta de 1784-85, as principais correntes do pensamento religioso,
filosfico, cientfico e artstico da sua poca surgem, ainda que implicitamente, nas vrias
situaes e dilogos de uma trupe de personagem meio amalucada (Portela, 1996: 11), e seu

alcance satrico parece no se ter perdido de todo, em grande parte porque a educao e a
cincia continuam a ser as nossas obsesses (Portela, 1996: 32).
Em 1784, Blake abriu uma casa de impresso e publicao, em sociedade com seu
colega James Parker. A casa de impresso no se manteve aberta por muito tempo. O irmo
preferido do poeta, Robert Blake, morreu em seguida, em 1787, aos 19 anos.
Blake esteve sempre muito prximo de seu irmo mais novo, a quem ensinara a
desenhar, e com quem dividia seus interesses e entusiasmos (Ackroyd, 1995: 84). Robert teria
lhe dado, numa viso, as instrues da tcnica da gravao em relevo, por volta de 1788. Esta
descoberta foi esteticamente importante para Blake, pois o mtodo possibilitava juntar
inveno e produo, que se tornou um dos seus princpios centrais como artista (Vultee,
Eaves, Essick & Viscomi, 2005; Ackroyd, 1995: 112).
Blake empregou a tcnica da gravao em relevo nos seus dois primeiros livros
iluminados, All Religions are One e There is No Natural Religion, ambos confeccionados em
1788. Em All Religions are One, Blake defende a unidade essencial de todas as religies
como manifestaes do Gnio Potico inerente a todos os seres humanos, sugerindo a
unidade da imaginao artstica e religiosa (Eaves, Essick & Viscomi, 2005):
PRINCIPLE. 5.
The Religions of all Nations are derived from each Nations different reception of the Poetic
Genius which is every where calld the Spirit of Prophecy.
(Erdman, 1988: 01)
There Is No Natural Religion, por sua vez, est dividido em dois grupos de proposies,
sendo que no primeiro o poeta parodia princpios bsicos da filosofia de John Locke, sobre a
percepo fsica, a razo e os limites do conhecimento:
I Man cannot naturally Percieve, but through his natural or bodily organs
II Man by his reasoning power can only compare & judge of what he has already percievd.
(Erdman, 1988: 02)

e no segundo, ele contesta o primeiro, argumentando sobre a infinitude das percepes


espirituais (Eaves, Essick & Viscomi, 2005):
I Mans perceptions are not bounded by organs of perception. he percieves more than sense
(tho ever so acute) can discover.
II Reason or the ratio of all we have already known. is not the same that it shall be when we
know more.
(Erdman, 1988: 02)
Supe-se que a traduo inglesa de Aphorisms on Man de Johann Caspar Lavater2, que teve o
frontispcio gravado por Blake, deve ter influenciado o poeta na idia de apresentar os textos
na forma de aforismos (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Termina seu prximo livro iluminado, Songs of Innocence, em 1789. Nesse mesmo
ano, Blake produz The Book of Thel, poema iluminado em versos no rimados de catorze
slabas. Thel, virgem pastora perturbada por seu sentimento de mortalidade, busca sentido
para a sua vida conversando com vrias criaturas um lrio, uma nuvem, um verme e um
torro de argila (Eaves, Essick & Viscomi, 2005), como nessa passagem, em que a nuvem
conversa com Thel:
Then if thou art the food of worms. O virgin of the skies,
How great thy use. how great thy blessing; every thing that lives,
Lives not alone, nor for itself: fear not and I will call
The weak worm from its lowly bed, and thou shalt hear its voice.
(Erdman, 1988: 05)
Quanto a Tiriel, poema narrativo datado de 1789, Blake parece t-lo planejado como
um livro ilustrado de maneira tradicional, mas foi deixado em manuscrito, acompanhado de
doze desenhos. Neste sombrio relato, que se desenvolve quase inteiramente nos primeiros
tempos do homem, , segundo a crtica, notria a influncia de Ossian (Calzamia, 1983: 69).

Johann Kaspar Lavater (1745-1801), poeta, dramaturgo, mstico e fisionomista suo, conselheiro espiritual de
milhares de Protestantes, entre eles Goethe, que registrou suas impresses sobre Lavater em Dichtung und
Wahrheit. Lavater fugiu para a Inglaterra com seu amigo e colega de universidade, o pintor Henry Fuseli, por
terem denunciado um oficial corrupto; quando retornou a Zurique, escreveu seu Aphorisms on Man, dedicando-o
a Fuseli, que fez uma traduo inglesa, impressa por Joseph Johnson em 1788. Blake gravou o frontispcio para a
traduo de Fuseli e ficou fascinado pelo livro (Damon, 1988: 136). As anotaes de Blake para Aphorisms on
Man encontram-se em Erdman, 1988, disponvel no Arquivo Blake: <www.blakearchive.org>.

10

The Marriage of Heaven and Hell ficou pronto em 1790. O livro chama a ateno pela
combinao de vrios gneros e por suas perspectivas heterodoxas. A energia e a paixo so
valorizadas, enquanto a razo e a temperana so mostradas como represso do senso
espiritual e da auto-expresso (Eaves, Essick & Viscomi, 2005). Segundo Vultee, Eaves,
Essick & Viscomi (2005), The Marriage of Heaven and Hell parece ter surgido da desiluso
do poeta com Emanuel Swedenborg, o mstico sueco.
Foi, provavelmente, John Flaxman quem apresentou as obras de Swedenborg a Blake.
Swedenborg era o filsofo que podia dar sustentao s vises do poeta (Ackroyd, 1995:
101). Graas a suas supostas conversas com anjos e espritos, Swedenborg pde construir sua
doutrina das correspondncias, na qual toda forma material reflete ou contm sua fonte
espiritual (Ackroyd, 1995: 101). Ele teria sido seguido na rua por Jesus Cristo, que teria
entrado em sua casa e lhe teria encarregado da misso de criar a Igreja de Jerusalm. Para
cumprir essa misso, teria tido a permisso de visitar o outro mundo, el mundo de los
espritus, con sus innumerables cielos e infiernos (Borges, 1985: 52). Das suas visitas ao
outro mundo, Swedenborg conta que o livre arbtrio no termina no instante da morte, mas
que os homens continuam vivendo e vo se tornando anjos ou demnios conforme sua prpria
vontade e afinidades. Diz ainda que tudo no outro mundo mais vvido, mais concreto e
tangvel do que neste. Para Swedenborg, a salvao no se d apenas pela tica, mas tambm
intelectualmente;
Y luego vendr William Blake, que agrega uma tercera salvacin. Dice que
podemos que tenemos que salvarnos tambin por medio del arte. Blake
explica que Cristo tambin fue un artista, ya que no predicaba por medio de
palabras sino de parbolas. Y las parbolas son, desde luego, expresiones
estticas. Es decir, que la salvacin sera por la inteligencia, por la tica y
por el ejercicio del arte (Borges, 1985: 60).
Mais tarde, porm, Blake rejeitou e criticou vrios aspectos da doutrina
swedenborgiana. A nova Igreja de Swedenborg foi se tornando mais ritualizada e
institucionalizada, o que ia totalmente contra as idias de Blake. Este foi um dos motivos que
11

fizeram o poeta voltar-se para os escritos de Paracelso e Bhme, que passou a considerar
muito mais profundos que os de Swedenborg (Ackroyd, 1995: 147):
os escritos de Swedenborg so uma recapitulao de todas as opinies
superficiais, e uma anlise das mais sublimes e nada mais. (...) Qualquer
homem de talento mecnico pode, a partir das obras de Paracelso ou Jacob
Bhme, produzir dez mil livros com o mesmo valor dos de Swedenborg, e a
partir dos de Dante ou Shakespeare, um nmero infinito (Blake, 2001: 49).
Blake expressou tambm suas crticas a Swedenborg nas notas marginais dos livros que
estudara do visionrio sueco. Nessas notas, Blake se exalta contra visiones que implican
predestinacin y seala sin mansedumbre errores y contradicciones (Cazamia, 1983: 26).
Em 1790, William e Catherine Blake instalam-se no bairro londrino de Lambeth, onde
Blake pde dispor de mais espao para seus experimentos com os livros iluminados. Nessa
poca, Lambeth era conhecida por seus vinhedos (Ackroyd, 1995: 127). From Lambeth / We
began our Foundations; lovely Lambeth: em Lambeth, o poeta entrou no perodo mais
produtivo da sua vida (Ackroyd, 1995: 133).
The French Revolution, epopia histrica, impressa em 1791. O subttulo A Poem,
in Seven Books sugere que esta uma obra incompleta, uma vez que se conhece apenas o
primeiro livro (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Blake produzia seus prprios livros, sem deixar de gravar ilustraes para os livreiros
de Londres, nesse tempo, especialmente para Joseph Johnson, que foi o primeiro editor a
contrat-lo como ilustrador. Johnson era um dissidente liberal interessado em detalhes do
progresso cientfico e industrial, ao mesmo tempo em que apoiava a causa da tolerncia
religiosa; por isso tinha preferncia em publicar material religioso, educativo e mdico, em
detrimento de poesia ou fico (Ackroyd, 1995: 86-7). Do crculo de Joseph Johnson, Blake
teve a oportunidade de conhecer William Godwin, autor de Political Justice, e Thomas Paine,
um dos mais importantes pensadores da revoluo americana, autor de The Rights of Man,
alm de Mary Wollstonecraft, entre outros.

12

Blake tambm gravou ilustraes para o The Botanic Garden, o mais importante livro
de poesia de Erasmus Darwin3, a partir dos modelos de Fuseli4, pintor de formao clssica
admirado por Blake. Para Original Stories from Real Life de Mary Wollstonecraft, comps e
gravou seis ilustraes.
Voltou para a impresso iluminada em 1793, com Visions of the Daughters of Albion,
publicando em seguida America A Prophecy. No poema Visions of the Daughters of Albion,
Oothoon a figura central. Ela colhe a flor da sexualidade feminina, mas estuprada por
Bromion. Theotormon, seu amante, responde com silncio ou abstraes inteis. Oothoon
passa a questionar a moralidade convencional, e a insistir na sua pureza interior. a crtica de
Blake ao colonialismo, escravido, represso sexual e condio da mulher na sua poca
(Eaves, Essick & Viscomi, 2005). O poema uma espcie de anttese e preparao ao
tratamento do tema da liberao americana, desenvolvido em America.
Depois veio, tambm em 1793, For Children: The Gates of Paradise pequena
coleo de emblemas com palavras ou aforismos curtos sobre a trajetria da vida humana, do
nascimento morte gravado segundo o mtodo tradicional (Vultee, Eaves, Essick &
Viscomi, 2005).
Publicou Europe A Prophecy em 1794, continuando a combinar sua mitologia pessoal
com os acontecimentos do seu tempo, nas suas Profecias Continentais (Vultee, Eaves, Essick
& Viscomi, 2005). Em Europe, Blake discute as posies filosficas em conflito na sua era
revolucionria (Eaves, Essick & Viscomi, 2005). A narrao se desenvolve como um sonho:
Enitharmon slept,
Eighteen hundred years: Man was a Dream!
The night of Nature and their harps unstrung:
3

Erasmus Darwin (1731-1802), av paterno de Charles Darwin, era mdico e escreveu muito sobre medicina e
botnica, alm de ter sido poeta. Sua poesia foi admirada por Coleridge e Wordsworth, e seus experimentos em
galvanismo inspiraram Mary Shelley a escrever o Frankenstein (Parker, 2006).
4
Henry Fuseli (em alemo Johann Heinrich Fssli) (1741-1825), pintor e crtico de arte nascido em Zurique.
Seu pai destinou-o igreja, e assim recebeu uma educao clssica. Estudou pintura na Itlia e foi membro da
Academia Real inglesa. Como pintor, gostava de temas do sobrenatural, acreditando necessria certa dose de
exagero na grande pintura histrica (Parker, 2006).

13

She slept in middle of her nightly song,


Eighteen hundred years, a female dream!
(Erdman, 1988: 63)
Enitharmon ve, en la larga noche del tiempo, a travs de una historia oscura y catica, la
tirana y los celos extendiendo su imperio y corrompiendo los corazones, at que aparece
Orc, gnio da liberdade e da revoluo, en los rojos viedos de Francia (Cazamia, 1983:
78).
Nesse mesmo ano, 1794, Blake termina Songs of Experience, para completar Songs of
Innocence. A partir desse momento os dois livros sero editados no mesmo volume: Songs of
Innocence and of Experience Shewing The Two Contrary States of The Human Soul. Para
Cazamia (1983: 45), em nenhuma outra parte esto mais estreitamente fundidas as trs artes:
poesia, pintura e msica os trs meios de o homem comunicar-se com o Paraso, segundo o
poeta.
Sua prpria verso do problema das origens aparece no The [First] Book of Urizen,
que uma reescritura heterodoxa do Gnese, impresso em 1794. Na perspectiva de Blake, o
acto desencadeador da criao do universo no atribuvel omnipotncia e bondade divinas,
mas a uma infrao cometida por Urizen, espcie de demiurgo imperfeito (Flor in Blake,
1993: 11):
1. Lo, a shadow of horror is risen
In Eternity! Unknown, unprolific!
Self-closd, all-repelling: what Demon
Hath formd this abominable void
This soul-shuddring vacuum?--Some said
It is Urizen, But unknown, abstracted
Brooding secret, the dark power hid.
(Erdman, 1988: 70)
O tema continua em The Book of Ahania e The Book of Los, que vieram no ano seguinte, e
apresentam uma relativa unidade. Sua ltima Profecia Continental, The Song of Los, contm
frica e sia (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005). Em The Song of Los, Blake abandona
as referncias diretas aos acontecimentos da poca, encetando a narrativa bblica, as origens e
14

sua prpria nascente mitologia. Aqui, Ado, No, Scrates, Brama, Los, Urizen, representam
tanto perodos como estados de conscincia (Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Nesse ano, 1794, iniciou um grande projeto para o livreiro e editor Richard Edwards:
ilustrar o poema Night Thoughts, de Edward Young. Blake produziu 537 imagens em dois
anos; gravou 43 delas para o primeiro dos projetados quatro volumes. Edwards, no entanto,
desistiu do negcio e o projeto foi abandonado (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Influenciado pelo Night Thoughts, comeou a trabalhar no livro que originalmente
intitulou Vala, e tornou-se depois The Four Zoas. Neste longo poema, Blake expe sua
concepo da qudrupla diviso da conscincia, que teria ocorrido com a queda. A obra
permaneceu manuscrita, mas rendeu material para Milton e Jerusalem (Vultee, Eaves, Essick
& Viscomi, 2005).
Em 1800, por intermediao de Flaxman, Blake muda-se para Felpham, no condado
de Sussex, para trabalhar com William Hayley, poeta e bigrafo (Ackroyd, 1995: 215).
Blake mostrou entusiasmo nos primeiros tempos em Felpham: La paz, la belleza del
lugar le impresionaron profundamente y le proporcionaron una renovada inspiracin. Sus
visiones se hicieron ms frecuentes (Cazamia, 1983: 11). Ademais, comeara a aprender
lnguas e literaturas com Hayley mas logo caiu em profunda melancolia, pois percebeu que
seu tempo estava resumindo-se a encomendas de natureza trivial, simplesmente por dinheiro.
Hayley criticou o trabalho do artista, reclamou modificaes, discutiu sua inspirao. Isso
para Blake era poner en duda lo que tena por ms sagrado (Cazamia, 1983: 12). Sentia-se
impedido de continuar sua obra: His great fear was always that he was being forced to betray
his own gifts (Ackroyd, 1995: 233). Pois ele deveria ser um artista, no um arteso. Apesar
de reconhecer a generosidade de Hayley e seu apoio s artes, Blake passou a consider-lo seu
inimigo espiritual. Essa mudana de atitude teve conseqncias importantes diretamente na
sua obra, com a representao de Hayley na figura de Sat, ou como Hyle, the bad artist, em

15

Milton (Mark well my words! Corporeal Friends are Spiritual Enemies [Erdman, 1988: 98]) e
Jerusalem (Damon, 1988: 178).
De volta a Londres, Blake fez ilustraes para The Grave, de Robert Blair5, e comeou
sua maior gravura em placa separada, Chaucers Canterbury Pilgrims, feita em gravao de
entalhe. Exps este trabalho com outras 15 pinturas na loja de seu irmo James em 1809,
acompanhados de um Descriptive Catalogue, que era mais um manifesto esttico do que
propriamente um catlogo (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
No man can believe that either Homers Mythology, or Ovids, were the production of
Greece, or of Latium; neither will any one [P 5] believe, that the Greek statues, as they are
called, were the invention of Greek Artists; perhaps the Torso is the only original work
remaining; all the rest are evidently copies, though fine ones, from greater works of the
Asiatic Patriarchs.
(Erdman, 1988: 531)
Cazamia (1983: 41) conta que, a ponto de triunfar sobre a indiferena do pblico, quando
organizou esta exposio de suas obras, Blake teve de enfrentar violentos ataques dos jornais:
El Examiner de Leigh Hunt trat, sin ningn tipo de rodeos, de ambicioso exaltado e
ignorante y de loco cuyos escritos, cuadros y grabados no merecan ser tomados en serio.
Este episdio o feriu profundamente; afinal de contas, se senta inspirado por el cielo y, por
tanto, igual a los ms grandes (Cazamia, 1983: 41). Como resposta, escreveu um longo
ensaio, hoje conhecido como Public Address:
The manner in which my Character <has been blasted these thirty years> both as an artist &
a Man may be seen particularly in a Sunday Paper cald the Examiner Publishd in Beaufort
Buildings. <We all know that Editors of Newspapers trouble their heads very little about art

Robert Blair (1699-1746), sacerdote escocs, de famlia refinada. A publicao de seu nico poema, The
Grave, aconteceu no ano seguinte ao bem sucedido Night Thoughts (1742), de Edward Young. Em 1805, Robert
Hartley Cromek contratou Blake a fazer quarenta ilustraes para The Grave. Apesar do entusiasmo inicial com
o trabalho de Blake, Cromek tornou-se apreensivo em relao a seu estilo enrgico e, vido pelo sucesso do
livro, contratou o popular ilustrador Louis Schiavonetti para fazer as gravuras. O retrato que saiu como
frontispcio do livro, o poema que serviu de dedicatria e algumas das ilustraes eram do prprio Blake, mas
tudo foi atribudo ao nome de Schiavonetti. O livro foi um sucesso. Rudolph Ackermann, famoso por seus livros
ilustrados, reeditou a obra em 1813. As biografias de Blair, Schiavonetti e Cromek foram adicionadas, mas no
havia nenhuma informao sobre Blake. Em 1963, uma reproduo das gravuras foi publicada sem o texto de
Blair, sugerindo a condio de Livro Proftico srie de gravuras de Blake (Damon, 1988: 47-9). Atualmente, as
ilustraes de Blake para The Grave de Robert Blair podem ser vistas no Arquivo Blake (Eaves, Essick &
Viscomi, 2006).

16

& science & that they are always paid for what they put in [P 53] upon these ungracious
Subjects>
()
but the Public will know & Posterity will know
(Erdman, 1988: 572)
Blake trabalhou na gravao do livro Milton de 1804 (a data da pgina-ttulo) a 1810.
Essa obra grandiosa comea com John Milton retornando dos cus ao mundo mortal, unindose imaginao na pessoa de William Blake (Eaves, Essick & Viscomi, 2005). O poema que
serve de prefcio a Milton, musicado por Barry, foi adotado na Inglaterra como segundo hino
nacional:
I will not cease from Mental Fight,
Nor shall my Sword sleep in my hand:
Till we have built Jerusalem,
In Englands green & pleasant Land
(Erdman, 1988: 94-95)
Ainda mais tempo para ficar pronto levou Jerusalem The Emanation of The Giant
Albion, de 1804, mas que s terminou de ser impresso em 1820. seu maior livro iluminado;
constitui uma recapitulao de seus temas ranging from his own mythology to biblical
history, from sexuality to epistemology, and from the Druids to Newton, concluindo com
uma viso da conscincia humana em um universo ps-apocalptico (Eaves, Essick &
Viscomi, 2005).
Enquanto preparava Milton e Jerusalem, ilustrava obras do prprio Milton: Paradise
Lost, Nativity Ode; mais tarde, LAlegro, Il Penseroso e Paradise Regained, para Joseph
Thomas e Thomas Butts (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Em 1820, Blake revisa seu For Children: The Gates of Paradise, dando-lhe novo
ttulo, For the Sexes: The Gates of Paradise, e adicionando-lhe trs pginas ao final (Eaves,
Essick & Viscomi, 2005).
Apesar de seus esforos, porm, Blake continuava na obscuridade, e enfrentava dias
difceis. Foi quando conheceu John Linnel: Linnel, then a twenty-six-year-old landscape
17

painter, won Blake friendship both by bringing him work which he desperately needed
and by attempting to understand him on his own terms (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi,
2005).
Por intermdio de John Linnel, Blake conheceu John Varley, artista e astrlogo.
Varley encorajou Blake a desenhar as figuras que apareciam ao poeta durante suas vises.
Assim comeou a srie Visionary Heads, em 1819. Por volta de 1825, Blake j tinha
esboado mais de 100 delas, sendo a mais famosa The Ghost of a Flea, posteriormente
gravada por Linnel, para ilustrar Treatise on Zodiacal Phisiognomy de Varley, publicado em
1828 (Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Em 1820, os Blake mudaram-se para Fountain Court, onde o poeta passaria o resto da
sua vida (Ackroyd, 1995: 337). Em Fountain Court, Blake foi descoberto por um grupo de
jovens artistas, que se chamavam The Ancients, identificados com o lema Poetry and
Sentiment. Finalmente havia ali uma gerao que o admirava (Ackroyd, 1995: 338).
Publica, em 1822, The Ghost of Abel, curto drama dirigido a Lord Byron (cujo Cain, a
Mystery apareceu em 1821), e On Homers Poetry [and] On Virgil, dois brevssimos tratados
sobre arte. Laocon publicado em 1826, uma reinterpretao da famosa escultura grega
como a cpia de um original hebraico. Em torno do desenho central, Blake inscreveu suas
opinies sobre temas como dinheiro, imprio, moralidade e arte (Eaves, Essick & Viscomi,
2005).
Linnel foi responsvel pelos trabalhos mais importantes que ocuparam os ltimos anos
da vida de Blake: as ilustraes para o Livro de J e para a Divina Comdia de Dante, obra
interrompida por sua morte, em 12 de agosto de 1827.
Depois da morte de Blake, Catherine foi amparada por Linnell, at 1828, e depois por
Frederick Tatham, do crculo The Ancients. Ela continuou vendendo os trabalhos de Blake,
at sua morte, em 1831. Os trabalhos restantes ficaram com Tatham, que supostamente

18

destruiu muitos deles, por se ter convertido doutrina de Irving (Cazamia, 1983: 39-40;
Ackroyd, 1995; Vultee, Eaves, Essick & Viscomi, 2005).
Blake no participava de crculos intelectuais, e costumava rejeitar as idias que no
confirmassem a sua viso de mundo (Ackroyd, 1995: 88). As circunstncias e o seu prprio
temperamento isolaram-no, mas tambm lhe deram liberdade para criar a sua obra,
considerada genial por alguns, entre eles Yeats, e de certa maneira limitada e ingnua, por
outros, como Eliot.

1.2 Posterior edio e reconhecimento da obra blakeana

O nome do poeta permaneceu quase que completamente esquecido pelo pblico


depois de sua morte. Em 1863, aparece a biografia de Gilchrist e, em 1869, Reminiscences, de
Crabb Robinson. Ento veio, do crculo dos Rossetti, a primeira homenagem. Tendo
adquirido o Rossetti Manuscript, Dante Gabriel editou uma coleo de poemas com notas e
prefcios no segundo volume da biografia de Gilchrist, e William Michael publicou, em 1874,
uma seleo mais ampla precedida de um longo estudo. Swinburne reuniu, em 1868, um
volume com vrios ensaios sobre Blake. W. B. Yeats dedicou-lhe dois artigos na revista The
Savoy, em 1896, posteriormente includos em Ideas of Good and Evil, de 1903. E de Yeats,
em colaborao com E. J. Ellis, a primeira tentativa de reunir a obra completa de Blake, num
livro com notas, ilustraes e numerosos fac-smiles (1893). Os editores tomaram algumas
liberdades, escolhendo entre diferentes verses e modificando expresses do poeta, mas a
numerao e classificao que propuseram prepararam o terreno para as grandes edies do
conjunto, como a de J. Sampson (1905) e a de G. Keynes (1925). Foram importantes tambm
os ensaios crticos de Arthur Simons (1907) e de Osbert Burdett (1926) (Cazamia, 1983: 4243).
19

Segundo Carpeaux (1961: 1429-1430), os pr-rafaelitas foram os primeiros a conhecer


com mais intimidade a obra de Blake, mas que S os simbolistas abriram a porta do
tesouro.
No sculo XX, sofisticam-se os estudos sobre a obra de William Blake. Samuel Foster
Damon o patriarca desses estudos crticos to importantes para as interpretaes modernas
de sua poesia. O processo de consagrao de Blake comeou antes, mas aquelas dcadas
cruciais, dos anos 20 aos anos 60, foram marcadas pelos livros de Damon sobre o poeta, que,
com os trabalhos de Frye (1947) e Erdman (1954) e a leitura de sua obra por movimentos
literrios de ento consolidaram o nome William Blake no conjunto da grande literatura
(Eaves in Damon, 1988: 09).
Na dcada de 90, a Tate Galery produziu novas edies fac-similares dos livros
iluminados de Blake, um sculo depois da edio de Yeats & Ellis, em grandes formatos,
com uma cuidadosa reproduo integral de um exemplar autgrafo da obra, acompanhada de
transcrio textual, de reprodues adicionais de pginas de outros exemplares, com
extensos estudos baseados na investigao documental e interpretativa das ltimas dcadas
(Portela, 2005: 15).
Erdman (1988), na mais recente edio da poesia e prosa completas de Blake
(transcrio textual no caso dos livros iluminados), disponvel no The William Blake Archive
(<www.blakearchive.org>), organizou a obra em quinze grupos:
1) The Works in Illuminated Printing
- All Religions are One
- There is No Natural Religion
- The Book of Thel
- Songs Of Innocence and Of Experience
- For Children The Gates of Paradise
- The Marriage of Heaven and Hell
- Visions of the Daughters of Albion
- America a Prophecy
- Europe a Prophecy
- The Song of Los
20

- The [First] Book of Urizen


- The Book of Ahania
- The Book of Los
- Milton a Poem in 2 Books
- Jerusalem The Emanation of The Giant Albion
- For The Sexes The Gates of Paradise
- On Homers Poetry
- On Virgil
- The Ghost of Abel A Revelation In the Visions of Jehovah Seen by William Blake
- [The Laocon]
2) [Prophetic Works, Unengraved]
- Tiriel
- The French Revolution.
- The Four Zoas
3) Poetical Sketches.
4) [An Island In The Moon]
5) [Songs And Ballads]
6) [Satiric Verses And Epigrams]
7) The Everlasting Gospel
8) [Blakes Exhibition And Catalogue Of 1809]
9) [Descriptions Of The Last Judgment]
10) [Blakes Chaucer: Prospectuses]
11) [Public Address]
12) [The Marginalia]
13) [Inscriptions And Notes On Or For Pictures]
14) [Miscellaneous Prose]
15) [The Letters]
Como se pode ver, extensa a obra de Blake. Mas de que forma os seus livros tm
sido recebidos? Frye (1990) constata que Blake uma vtima das antologias, mais que a
maioria dos poetas. Incontveis coletneas de verso incluem meia dzia de seus poemas, but
if we wish to go further we are immediately threatened with a formidable bulk of complex
symbolic poems known as Prophecies, which make up the main body of his work (Frye,
1990: 03). De fato, nos manuais e antologias de literatura inglesa, Blake tem sido lembrado
por suas Songs of Innocence and of Experience e, sobre os outros livros fica o alerta de serem
difceis. A Enciclopdia Jackson (1956: 308), por exemplo, diz: Quando se disps a cantar a
alegria de viver, [Blake] imortalizou-se com: Canes da Inocncia e Canes da
Experincia. Sobre as outras obras do autor, somente informa que, sendo ele partidrio da

21

Revoluo Francesa, expressou seu descontentamento numa linguagem bblica, simblica e


obscura (...) em seus Livros Profticos, hoje apenas folheados [itlico meu].
No final de seu breve ensaio sobre o poeta, Cazamian (1964: 994) nota que a
linguagem de Blake, para ser entendida, exige um olhar experiente e treinado em decifr-la, e
que for a century the Prophetic Books whose full wealth of content was revealed only at
a recent date have had no influence except on a small group of faithful admirers.
Evans v em Blake um poeta e pintor de um gnio totalmente individual, cuja obra
fica isolada na literatura inglesa (Evans, 1990: 65-66). O que no impede o crtico de julgar
que As a prophet, and a liberator of the human spirit, Blake is of first importance, but as an
artist he is limited by his arbitrary methods, and by an absence of discipline (Evans, 1990:
67). Evans diz que, em seus Livros Profticos, Blake caiu na tentao de negligenciar
completamente a tradio, ao usar um simbolismo de sua prpria inveno, linguagem secreta
que, segundo ele, desnorteia o leitor e destri a unidade de seus poemas como obra de arte;
concluindo: As a poet Blake is at his best in his simplest poems, in the early Songs of
Innocence and Experience (Evans, 1990: 67).
Para Barnard (1990), Blake figura ainda mais extraordinria e idiossincrtica que
Robert Burns. Aqui se menciona, outra vez, a srie dos longos, obscuros e impactantes
Livros Profticos da fase madura do poeta, cuja complexidade of symbolism and
philosophy prevent their being treated briefly, contrariamente s Canes, de estilo simples
(Barnard, 1990: 73).
Thornley & Roberts (1998: 77), por seu lado, afirmam: Much of his poetry has
hidden meanings that are hard to understand. Tambm apontam as Canes como suas obras
mais conhecidas.
Percebe-se uma mudana de tom em Burgess (1999). Blake conhecido pela maioria
das pessoas como o autor de Canes da inocncia e de poemas como Tiger, Tiger, burning

22

bright, comenta, Mas sua obra vasta e seu objetivo imenso (Burgess, 1999: 181).
Parece que os livros considerados difceis de Blake comeam a atrair a ateno de um grupo
mais amplo do que o crculo dos especialistas. Frye (1990: 03) assinala, a propsito, que, se
os poemas que vemos nas antologias indicam que devemos levar Blake a srio como artista
consciente e deliberado, devemos estudar as chamadas profecias, corpo principal de sua
obra.

1.3 America

Grierson & Smith (1966) subdividem os livros de simbologia mais complexa em


Revolutionary Prophecies a includos The Daughters of Albion (1793), America A
Prophecy (1793), Europe A Prophecy (1794) e French Revolution (1791) , Prophetic Lays
The First Book of Urizen e The Book of Ahania (1794), The Book of Los e The Song of Los
(1975) e Prophetic Epics The Four Zoas, Milton (1804-1811) e Jerusalem (1804-1820).
O mesmo parece inspirar Drabble & Jenny (1996), que considera America como parte
das obras revolucionrias, juntamente com The French Revolution e Visions of The
Daughters of Albion.
Parece-me mais convincente a classificao de Damon (1988), Eaves, Essick &
Viscome (2005) e Ting (2005), para quem America parte da trilogia Continental
Prophecies, a series of prophetic and mythological writings about the four continents of
America, Europe, Asia and Africa (Ting, 2005: 01), a completar-se com Europe e The Song
of Los. Primeiro Blake escreveu America, continuando a narrativa em Europe. Ento, para
completar o ciclo, escreveu Asia e Africa. Para Damon (1988), o ttulo The Song of Los
vale para os quatro poemas. Africa, o continente da escravido, termina com o primeiro

23

verso de America, o continente da revoluo e da liberdade; e Asia a continuao de


Europe (Damon, 1988: 21).
Situei, ento, America entre os livros iluminados de Blake, de acordo com Erdman
(2001) e Eaves, Essick & Viscome (2005) e, ao mesmo tempo, entre as Profecias
Continentais, que so poemas da segunda parte da mitologia de Blake, que , de acordo com
a crtica, a mais complexa, considerando-se a simbologia prpria do autor. H alguns motivos
que fazem pensar em America como um livro especial na obra do poeta.
AMERICA, A PROPHECY. Lambeth, printed by William Blake in the Year 1793
foi o primeiro dos livros de Blake a informar o local da impresso (Damon, 1988: 20), grande
ousadia na poca. Afinal, publicar onde ele morava na capa de um livro to controverso, com
seu nome completo pela primeira vez, era uma atitude bastante corajosa quando se preparava
a contra-revoluo, tendo o governo emitido um decreto contra escritos sediciosos, em 21 de
maio (Damon, 1988: 20). O contedo de America poderia sem dvida passar como
provocativo num perodo em que os governos conservadores procuravam proteger-se usando
o sacerdote, o policial e o censor, que eram agora os trs principais apoios da reao contra a
revoluo (Hobsbawm, 2003: 319). Em todo caso, Blake preferiu cancelar a pgina do livro
na qual ele havia mencionado o nome do Rei George III em versos carregados de ironia6.
A sua tcnica de impresso traz uma novidade: a combinao da gravao em relevo
com a gravao em oco. No processo de gravao em oco (que Blake usou quase somente em
America), em vez de corroer partes da placa matriz de modo que a imagem ficasse impressa
em preto sobre fundo branco, a placa de cobre corroda de modo que a imagem ficasse

Esta pgina semelhante Gravura 4 nas ilustraes. A Gravura C tambm foi cancelada. Segundo
Erdman (1988), ela viria entre as Gravuras 8 e 9. justo mencionar tambm que a terceira estrofe da Gravura
3 aparece apenas em alguns exemplares da obra, como na cpia A, da Biblioteca Pierpont Morgan. J a
Gravura d foi encontrada, o texto coberto por pigmento, em duas cpias entre os impressos coloridos reunidos
em A Large Book of Designs, com o nmero 9 em caligrafia de Blake. O texto foi impresso na parte inferior
de uma placa do mesmo tamanho e estilo de letra de America. A traduo de America feita por Manuel Portela
no traz os versos cancelados; em minha traduo, foram dispostas ao final do poema, respeitando a edio de
Erdman (1988).

24

impressa em branco sobre fundo preto (Ting, 2005: 02). nesse momento que o processo de
criao dos livros iluminados de Blake chega sua maturidade.
Este processo consistia em submeter a chapa a um banho de cido ntrico (Portela,
2005: 09), fazendo os traos das imagens e palavras em relevo (o mtodo mais freqente) ou
em oco. Para isto, era necessrio ainda um verniz de betume, usado como base sobre a placa
de cobre uma vez aquecida a chapa, esta base endurecia e podia receber os traos; ou um
verniz de lcool resinoso (...), usado para escrever e desenhar diretamente na chapa (Portela,
2005: 09). Para a gravura em relevo, Blake traava as imagens com penas e pincis usando
esse verniz. A gravao ficava em oco quando eram usados buris e agulhas sobre a base
(Portela, 2005: 09). O trabalho era submergido o tempo necessrio para a gravao, isto ,
para que o cido mordesse a superfcie descoberta da placa de cobre (Portela, 2005: 09).
Eram ento impressas as gravuras, com tinta de cor escura, para serem depois acabadas mo
com aquarelas, por William e Catherine Blake, gerando variaes significativas na atmosfera
final das pginas (Portela, 2005: 09-10).
Reconstituindo o processo de gravao e iluminao em sua oficina, Joseph Viscomi
(2003) demonstrou que Blake gravava imagem e texto sobre a placa de cobre, e que essa
gravao no resultava da simples transferncia de um modelo previamente acabado, isto ,
inveno e execuo estavam integrados no momento de gravar o desenho e o texto sobre a
placa de cobre, usando geralmente a tcnica da gua-forte, por vezes com trabalho adicional
de buril sobre placa (Portela, 2005: 08). Portela (2005) percebe o processo de criao dos
livros iluminados de Blake como um nvel da criao de mundos, a oficina de gravao
tornando-se uma espcie de forja da divindade.
Est mais do que claro que a funo das ilustraes dos livros iluminados no pode ser
ignorada. Sem dvida, Blake considerara inaceptable publicar a sus obras, especialmente
sus libros profticos, sin sus grabados y pinturas (Valent in Blake, 1977: 48-49), pois stos

25

son parte integrante de la obra no ya como ilustraciones grficas de la palabra escrita, sino
como visiones de importancia igual a las partes literrias, aunque expresadas a travs de otro
medio (Valent in Blake, 1977: 49).
Para Preminge & Brogan (1993: 1361),
William Blake, generally agreed to be the greatest poet-painter, created a
startlingly wide range of compositions that vary from engraved poems with
little illustrative accompaniment to ambitious visual images with minimal
verbal reinforcement. Even when word and image are closely intertwined
(as in some of the most successful Songs of Innocence and Songs of
Experience), the precise function of this composite form is not necessarily
consistent. The illustration may reinforce the meaning of the poem, or it
may complicate or undermine it (as in many states of The Tyger); it is
also possible that the poem will make little sense without the visual images
that penetrate and frame it. In their interdependence of word an image,
Blakes designs represent a provocative reworking of the traditional
emblem, in which motto, verse, and engraving all serve to illuminate the
same idea (Preminge & Brogan, 1993: 1361).
No livro America, s vezes h mais ilustrao do que texto no espao da pgina (alis,
Blake decide tambm aumentar o tamanho da pgina, fazendo America duas vezes maior que
os livros anteriores: suas dezoito pginas medem 28,86cm x 9,04cm), e, na opinio de
Ackroyd (1995: 163-5), no ilustram de fato o texto, mas formam uma seqncia separada,
constituindo um texto icnico necessrio parte verbal do poema. Por exemplo, na terceira
pgina do livro (object 3 in Eaves, Essick & Viscomi, 2006), as duas primeiras estrofes do
Preludium apresentam Orc e Shadowy Female; Orc acorrentado, porm liberto em esprito,
pairando sobre paisagens mundanas, sob as formas de guia (ar), Leo (terra), Baleia (gua) e
Serpente (fogo). A ilustrao traz, por sua vez, Orc preso nas correntes do cime, debaixo da
rvore do Mistrio; Los e Enitharmon aterrorizados pela viso de seu filho em degradao. A
forma das razes da rvore, arranjadas na borda esquerda da pgina, lembram um casal em
cena de sexo. Orc, de novo, sob as razes, reprimido, com a imagem de uma Serpente
completando o quadro. Assim, a ilustrao adiciona parte verbal outros temas e smbolos.

26

Ackroyd (1995: 163) afirma que, a partir de America, os smbolos comeam a ser
representados de maneira sistemtica nos livros iluminados, ganhando propores de mito
organizado:
Here [in America] for the first time appears Orc, who together with Urthona
and Urizen will soon comprise the complex system of action and impulse
that makes up Blakes mature vision. For the moment, however, their roles
remain simple Orc, the principle of energy and rebellion, stands against
Urizen, who is tyrant, priest and lawgiver.
Para Frye, America no s mais bem integrado e menos experimental que seu
antecessor, The French Revolution, como mais importante para o prprio Blake (Frye, 1990:
205).
America certamente teve maior importncia para o poeta porque neste livro que ele
comea a estudar Orc, o primeiro Gigante ou personagem simblica da sua srie de
profecias. A base do enredo de America o duelo entre Orc e Urizen Amrica e Inglaterra
George Washington e George III (Ewen, 2004: 54). A histria de America, diz Ackroyd
(1995: 163), simples, consistindo na rebelio das treze colnias americanas e no fracasso da
resposta britnica. George Washington e The Guardian Prince of Albion envolvem-se num
conflito csmico que se estende por plancies de desespero, regies perdidas de Atlntida,
desertos de pedra e florestas de aflio.
A Revoluo Americana recebe, aqui, segundo Eaves, Essic & Viscome (2005), um
tratamento altamente imaginativo, combinando personagens histricas, tais como Washington
e Paine, e figuras mitolgicas inventadas pelo prprio poeta, que incluem Albions Angel,
Londons Guardian, Urizen e Orc. Eaves, Essic & Viscome (2005) sugerem que Blake
estuda a Revoluo Americana como manifestao da revoluo universal, tanto
epistemolgica quanto poltica. O conflito torna-se um impulso maior em direo ao
renascimento e revelao, opina Ackroyd (1995). Blake estaria, nesse ponto, tentando criar
uma profecia popular com smbolos prprios (Ackroyd, 1995: 163).

27

Blake no estaria mais interessado em dramatizar a histria, como em The French


Revolution, mas em registrar a frmula de toda revoluo (Damon, 1988: 20). Para Day,
Blake explora o tema no sentido histrico, tambm. No entanto, a Guerra da Independncia
entendida, no poema, como a energia revolucionria universal, personalizada em Orc, pronta
para varrer todas as tiranias (Day, 1996: 22).
Raine (2000: 74) faz um comentrio parecido. Os poemas profticos de Blake,
segundo ela, no mais se referem histria vigente; em lugar disso, o poeta v atravs da
histria, e dirige-se nao inglesa no nvel das causas espirituais, como os Profetas de Israel.
Lembra, a propsito, as seguintes palavras do poeta: Every Natural Effect has a Spiritual
Cause Not a Natural; for a Natural cause only seems (Raine, 2000: 74).
Procurando demonstrar que o autor no estava preocupado em simplesmente narrar o
acontecimento da ordem do dia, Erdman apontou discrepncias entre os episdios referidos
no poema e o que realmente aconteceu na histria da Revoluo Americana (in Damon, 1988:
20).
Para Blake, a Revoluo era um impulso de libertao: He was a Republican, and had
hailed revolution first in America, then in France, as an expression of freedom, and of that
spirit of life which was, for him, in whatever guise, holy (Raine, 2000: 52). Orc o desejo
humano de alcanar um mundo melhor, produzindo revoluo e prenunciando o apocalipse;
um desejo da volta ao Paraso, ou Atlntida, o que existia antes da Queda (Frye, 1995: 206).
Assim, no mito elaborado por Blake, de acordo com a interpretao de Frye (1995), o
surgimento de uma nova civilizao de origem inglesa na Amrica indica a restaurao da
Atlntida, o desaparecimento do Oceano Atlntico (o smbolo principal do mundo catico, e o
que aparta a Inglaterra do paraso americano) e o retorno da Era de Ouro. Blake sugere que,
como na natureza, a revoluo, no sentido de uma renovao de energia e do poder da vida,
no acontece por acaso, mas num processo cclico (Frye, 1995: 207). No h uma concluso

28

precisa em America, mas o final do livro mostra a Imaginao irrompendo atravs dos
sentidos a dissolver o caos de terra e gua em fogo (Frye, 1995: 205), ou seja, Orc em
vantagem sobre Urizen a superao da tirania, ou a Razo, pelo poder revolucionrio, ou a
Energia.
Num momento posterior, Blake deixaria mais claro que Orc e Urizen no so
prncpios separados. Se Orc representa a fora renovadora para um novo ciclo, tanto da
alvorada, como da primavera ou da histria, ele deve crescer e morrer no fim deste ciclo:
quando Orc envelhece, ele se torna Urizen (Frye, 1995: 110). Segundo Frye, a simbologia de
Blake busca explicar que a histria da humanidade tem um ritmo cclico de declnio e
renovao, que a histria toma a forma de uma srie de culturas e civilizaes, cada uma delas
com seu prprio movimento de ascenso, maturidade e queda.
a primeira vez que Blake denomina um de seus livros a prophecy expressamente
no ttulo (Damon, 1988: 20; Eaves, Essick & Viscome, 2005).

1.4 Tradues de Blake no Ocidente

A traduo um indicador de que um dado texto importa para a cultura de chegada;


um meio de ela apropriar-se da cultura estrangeira, do que ela no encontra em si, e valoriza
de alguma forma. Como diz Siewierski (2005),
A traduo literria pode ser vista como inoculao em outra lngua de algo
que ela dificilmente teria, por si s concebido como a infiltrao em seu
sistema imunolgico de um corpo estranho, que pode provocar alteraes
irreversveis, inclusive as indesejveis. Por outro lado, possvel ainda ver a
traduo como acolhimento de uma obra que vem de longe, que quer
emigrar de uma lngua para a outra, e ter uma vida tambm fora das suas
fronteiras.
E mais ainda: podemos encarar a traduo como a aproximao de
uma obra estranha por uma lngua insacivel, a que no basta o que nela
nasce naturalmente.

29

O exame das tradues um dos modos privilegiados de termos uma idia mais precisa do
quanto e de como a poesia de William Blake foi sendo recebida fora de seu pas de origem.
Por razes prticas, restringi-me a dar um breve panorama das tradues de Blake no
Ocidente, como introduo ao quadro das tradues de sua obra ao portugus.
Ao que parece, os franceses foram os primeiros a traduzir Blake, e os que mais
traduziram sua poesia at agora7. A primeira traduo, intitulada Le mariage du ciel et de
lenfer (1923) foi feita por Andr Gide. Chants dinnocence et dexprience, em traduo de
Marie-Louise e do poeta surreliasta Philippe Soupault, apareceu em 1927. Estas duas obras,
principalmente a primeira, foram bastante retraduzidas. As uvres de William Blake,
traduzidas por Pierre Leyris, compreende 5 volumes e contm at mesmo a marginlia. O
primeiro volume data de 1974.
H uma srie de tradues de Blake ao espanhol. A primeira, El Matrimonio del Cielo
y del Infierno / Cantos de inocencia y de experiencia, foi feita por Soledad Capurro e
publicada em 1979, tendo sido reeditada duas vezes. Songs of Innocence and of Experience
tem outras duas tradues a de Jos Luis Carams (1984) e a de Elena Valent (1984) e
The Marriange of Heaven and Hell tem as tradues de Fernando Castaedo (2002) e de Jos
Luis Palomares (2002), alm do fragmento Proverbios del Infierno (1992), traduo do
poeta e dramaturgo mexicano Xavier Villaurrutia, autor dos Autos Profanos (1943). H ainda
vrias tradues disponveis na internet. Registrem-se as tradues de Jerusaln (1997), Tiriel
y El Libro de Thel (2006) e vrias antologias. Mas a principal traduo de Blake ao espanhol
a Poesa Completa, publicada em 1986, trabalho do tradutor Pablo Ma Ganzn; tem sido
reeditada periodicamente desde ento. A traduo mais recente El Evangelio Eterno,
mexicana, de Evelio Rojas Robles, que assinala que, no Mxico, Blake ha sido um poeta mal
ledo y mal comprendido (Garca, 2006).
7

As informaes a seguir sobre os ttulos de Blake em vrias lnguas foram extradas do site:
http://databases.unesco.org/xtrans/xtra-form.shtml, exceto sobre a traduo mexicana El Evangelio eterno, cuja
fonte est referenciada no texto.

30

As Songs foram traduzidas ao catalo por Toni Turull, Canons dinnocncia i


dexperincia: Mostrant els dos costats de lnima humana, publicado em 1975. As maiores
profecias esto traduzidas ao catalo, com Llibres proftics (1976), uma seleo de Mari
Manent, Llibres Proftics de Lambeth I/II, traduzidos por Miquel Desclot (1987; 1989),
Jerusaln: la emanacin del gigante albin (traduo de Xavier Campos Vilanova, 1997) e
Milton (traduo de Enric Casasses, 2004).
Ao italiano, a primeira traduo foi a coletnea de Giacomo Conserva, Poesie,
publicada em 1976. Os principais tradutores italianos de Blake so Giuseppe Ungaretti, um
dos mais importantes poetas italianos do sculo XX, e Roberto Sanesi, crtico de arte, poeta e
ensasta falecido em 2001. As tradues de Blake feitas por Giuseppe Ungaretti dividem-se
em: Il Matrimonio del cielo e dellinferno (2003), 32 Poesie (1997), Visioni (1980), Poesie
Scelte (1994) e peas das Canes. Roberto Sanesi traduziu os Libri Profetici (1980), e em
1984 publicado Opere, do mesmo tradutor. Songs of Innocence and of Experience foi
traduzido por Gerald Parks (1985) e por Roberto Rossi (1997). H tambm Jerusalem,
traduo de Marcello Pagnini, sem contar as demais coletneas e as retradues de The
Marriage of Heaven and Hell.
The Four Zoas encontra-se traduzido ao romeno, por Mihai A. Stroe, Crile
profetice: Cei patru Zoa (1998).
Blake comeou a ser traduzido na Alemanha em 1954. J existe a sua poesia reunida
em lngua alem: Zwischen Feuer und Feuer. Poetische Werke (1996), traduo de Thomas
Eichhorn. The Marriage of Heaven and Hell o livro mais traduzido. Em neerlands h Het
huwelijk van hemel en hel, traduo de The Marriage of Heaven and Hell (2001), por Sylvia
Koetsier. No ramo nrdico existem Aegteskabet mellem Himmel og Helvede (The Marriage of
Heaven and Hell), em dinamarqus, e tradues dos livros The Marriage of Heaven and Hell

31

e Songs of Innocence and of Experience em noruegus: a primeira, publicada em 1993, e a


segunda, em 1997.
Das lnguas eslavas, esto publicados em polons Poezje wybrane (1991), Wiersze i
poematy (1994), por Tomasz Basiuk e Krzysztof Puawski, e Milton: poemat w dwu ksigach.
Zalubiny Nieba i Pieka (2001), por Wiesaw Juszczak. As Canes tambm foram
traduzidas ao russo, Pesni Nevinnosti i Opyta (1993), por S. Stepanov. Afora esta,
localizamos apenas uma traduo, Izbrannaja lirika: poemy, por S. Marak et al, publicada
em 1997. H coletneas de Blake em tcheco, croata e blgaro.
Em hngaro e finlands, registram-se, respectivamente, A tapasztals dalai : William
Blake ... versei s rsai e Taivaan ja helvetin avioliitto ja muuta proosaa.
Os gregos tm uma coletnea de Blake (William Blake, 1985), The Marriage of
Heaven and Hell (I gami tou ouranou ke tis kolasis, 1997) e Songs of Innocence and of
Experience (Ta tragoudia tis athootitas, 2002).
Blake tambm pode ser lido em leto, que traz Zem mirtes koka (1981), traduo de O.
Lisovska.

1.4.1 Blake em lngua portuguesa

Existe um nmero relativamente pequeno de tradues de Blake em portugus, e a


quantidade de novas tradues parece mostrar um interesse crescente pelo poeta ingls. Em
portugus lusitano, A Unio do Cu e do Inferno (1979), na didtica traduo anotada de Joo
Ferreira Duarte, foi o primeiro ttulo do poeta a ser publicado.
Manuel Portela indica, entre as escassas tradues de Blake em Portugal (Portela in
Blake, 1996: 22), uma seleo de poemas de Songs... e de Poetical Sketches, e excertos de

32

The Marriage... e Milton, traduzidos por Paulo Quintela e publicados na revista Biblos em
1981.
Em 1983, publica-se Primeiro Livro de Urizen, traduo de The [First] Book of
Urizen por Joo Almeida Flor. No ensaio introdutrio, William Blake e a questo das
origens, Almeida Flor, que afirma pretender fazer apenas uma sntese interpretativa do
livro em questo, justificada pela complexidade da rede simblica patente na escrita de
William Blake (Flor in Blake, 1993: 10-11), apresenta uma sntese da mensagem total do
autor.
Depois da traduo de Almeida Flor, aparecem as de Manuel Portela, responsvel pela
maior quantidade de obras traduzidas de William Blake em Portugal. Portela professor da
Universidade de Coimbra, autor de Cras! Bang! Boom! Clang! (1991), Pixel Pixel (1992) e
Rimas Fodidas e Outros Textos Escolares (1994). Publica artigos e profere comunicaes
sobre poesia, traduo, msica, arte moderna, cinema de animao, tipografia e histria do
livro. A obra dos irmos Campos um tema freqente no seu trabalho acadmico. Fez
tradues de Tony Harrison, Edwin Morgan, e tambm do romancista Laurence Sterne. Pela
obra de Sterne A Vida e Opinies de Tristram Shandy, Portela ganhou o Prmio Nacional de
Traduo Literria relativo ao ano de 1997. Como tradutor de Blake, tem quatro livros
publicados: Cantigas da Inocncia e da Experincia mostrando os dois estados contrrios
da alma humana [Songs of Innocence and of Experience Shewing the Two Contrary States
of the Human Soul] (1994); Uma ilha na lua [An Island in the Moon] (1996); Poemas do
Manuscrito Pickering / Os portes do Paraso [Pickering Manuscript / For the Sexes: The
Gates of Paradise] (1996) e Sete Livros Iluminados [All religions are one; There is no natural
religion; The book of Thel; America; Europe; The Song of Los; The Book of Los] (2005)8
(Portela, 2007).

Portela tambm traduziu The Book of Ahania, O Livro de Ahania (no prelo).

33

Em Cantigas da Inocncia e da Experincia, percebemos a preocupao de Portela em


avisar o leitor da importncia do elemento pictrico em Blake. Algumas pginas iluminadas
esto reproduzidas no volume. Na traduo das Cantigas9, Portela procura manter um estilo
prximo da lngua falada.
Portela surpreende ao escolher traduzir An island in the moon, a stira inacabada,
normalmente esquecida, da obra de Blake. Uma ilha na lua, talvez a melhor traduo que
Portela j tenha feito de Blake, um trabalho bastante cuidado, onde visvel uma pesquisa
minuciosa do contexto em que o texto foi escrito. Portela no s explica as condies
histricas que deram origem aos lances satricos da obra, como traa paralelos possveis com
a sociedade ps-moderna. O tradutor precisa adaptar criativamente a experimentao da
linguagem que aqui se manifesta em parte na aglutinao de palavras para criar os nomes ou
os eptetos das personagens e na recriao fontica de algumas falas (Portela in Blake,
1996: 25).
Em Sete Livros Iluminados, Portela rene a sua traduo de sete obras de Blake
impressas segundo o mtodo infernal inventado pelo artista: Todas as religies so uma s;
No h religio natural; O Livro de Thel; Amrica: uma profecia; Europa: uma profecia; A
Cano de Los; O Livro de Los. No ensaio que precede os textos bilnges, Oficina grfica
& forja divina a gravura como cosmogonia, o tradutor prefere ater-se ao assunto da tcnica
de impresso utilizada por Blake para produzir seus livros iluminados, analisando o mito de
Blake no que lhe parece ter a ver com o prprio processo de gravao desses livros. Para
Portela, o mito da criao , em Blake, noutro plano, o mito do prprio livro como revelao
de Deus e como revelao do mundo (Portela in Blake, 2005: 18). Uma interpretao da rede
simblica dos poemas, o tradutor deixa a cargo de Damon (1988), fonte da qual adapta um

Em palestra realizada na Universidade de Coimbra (03/05/2005), Tradues da inocncia e da experincia,


Portela falou sobre sua traduo das Cantigas como uma tentativa fracassada, em que Exemplos das minhas
opes ilustram a dificuldade extraordinria de recriar na lngua portuguesa a textura de regularidades de ritmo,
de som e de sentido da obra original (Portela, 2006).

34

Pequeno glossrio simblico de William Blake. Sete Livros Iluminados exibe fac-smilies
de algumas das pginas iluminadas dessas obras, num total de 32 iluminuras.
A antologia de Hlio Osvaldo Alves, A guia e a toupeira: poemas de William Blake
(1996), que, segundo o tradutor, permite-se a ousadia de querer ser um pequeno e humilde
dedo indicador num emaranhado de muitos caminhos (Alves in Blake, 1996: xxiii), guarda
certa semelhana com Escritos de William Blake, a coletnea de Marsicano e G (Blake,
1984). A guia e a toupeira, porm, um pouco mais abrangente; rene poemas das Canes
e fragmentos de A Unio do Cu e do Inferno, Livro de Notas, Vises das Filhas de Albion,
Amrica, Europa, Para os Sexos: Os Portais do Paraso, Vala, Jerusalm e Milton. Alves,
que no esconde seu entusiasmo profundo de traduzir, mesmo que fugazmente, um poeta,
um homem, como William Blake (in Blake, 1996: xxv), na introduo Poeta, Pintor e
Visionrio: William Blake no seu tempo e no nosso, d ateno especial ao poema America,
do qual traduz trs passagens, comentadas no final do livro, como os outros poemas e
fragmentos. Sua traduo de America mantm as quebras de versos originais e preza por uma
clareza do sentido.
As Npcias do Cu e do Inferno (1956) o primeiro livro de Blake em portugus
brasileiro, uma traduo anotada de Oswaldino Marques. Escritos de William Blake, por sua
vez, antologia preparada por Alberto Marsicano, msico e ensasta da contracultura e de
poesia japonesa, coreana e indiana, e por Regina de Barros Carvalho (G), foi publicado em
1984. Esta interessante antologia parcialmente bilnge faz, como A guia e a topeira, um
passeio pela obra completa de Blake. Traz fragmentos de O Casamento do Cu e do Inferno,
O Livro de Urizen, Milton, Jerusalm e tambm de Amrica, com um pequeno texto
explicativo precedendo cada um desses fragmentos. Esses pequenos textos introdutrios
foram preparados pelos tradutores, que se identificam ao final de cada traduo. Vm-se, alm
disso, na parte bilnge do volume, vrios poemas das Canes, fragmentos do Manuscrito

35

Pickering e algumas peas de Poetical Sketches. Na traduo de Amrica, Marsicano combina


diferentes passagens do poema (sem informar onde foram feitos os cortes), compondo um
texto em prosa potica. A antologia de Marsicano e G oferece ainda uma breve biografia,
uma cronologia do poeta, e os textos de Yeats e T.S. Eliot sobre Blake, o que serve ao seu
propsito de fazer uma apresentao do autor.
Tambm no Brasil, The Marriage of Heaven and Hell foi traduzido vrias vezes. Alm
da pioneira As Npcias do Cu e do Inferno, de Oswaldino Marques, existe a cuidada
traduo de Jos Antnio Arantes, O Matrimnio Do Cu E Do Inferno e O Livro De Thel
(1987), que est na quarta reimpresso. The Marriage... tambm foi traduzido por Julia Vidili,
Matrimnio do Cu e do Inferno, de 2004.
The Marriage... est, ainda, includo na coletnea de Mrio Alves Coutinho, que
aproxima Blake e D.H. Lawrence sob o ttulo de Tudo o que vive sagrado sentena
repetida por Blake vrias vezes em sua obra, uma delas em America , do ano de 2001, e na
Poesia e Prosa Selecionadas (1993), de Paulo Vizioli. A seleo de Vizioli compreende
poemas e fragmentos de nove obras diferentes de Blake (America no est entre elas). O
interesse de Vizioli est, de fato, voltado para os poemas curtos, como os de Canes, e
fragmentos onde o ritmo mais regular.
As tradues de The Marriage of Heaven and Hell em meio eletrnico, como, por
exemplo, a de Dnis Urgal10 (sem data), so vrias.
Os poemas mais famosos de Songs of Innocence and of Experience foram sendo
traduzidos em separado11. The Tyger, por exemplo, o poema mais popular da lngua inglesa
segundo Harmon (1992), ganhou tradues de Ivo Barroso, ngelo Monteiro e Paulo Vizioli.

10

Disponvel em <http://www.rizoma.net/interna.php?id=35&secao=hierografia>.
Parece que o mesmo acontece em Portugal. No artigo Traduzir no acaba: 1 tigre, 2 tigres, 3 tigres, n tigres
(in Relmpago, N17 (Outubro 2005), pp. 74-91), Manuel Portela analisa as tradues de The Tyger feitas por
Paulo Quintela, Antnio Herculano de Carvalho, Jorge de Sena, David Mouro Ferreira, Gasto Cruz, Manuel
Portela e Hlio Osvaldo Alves e tambm pelo brasileiro Augusto de Campos (http://um-buraco-nasombra.netsigma.pt/e_sombra/index.asp?op=6&ano=2006&mes=3).

11

36

Tambm traduziu The Tyger o poeta, tradutor, ensasta, crtico de literatura e msica
Augusto de Campos. Sua traduo para The Sick Rose (de Songs) reinventa o aspecto
visual do poema ao estilo concretista.
Outro dos tradutores de The Tyger Jos Paulo Paes. Para este ensasa, poeta e
tradutor, traduzir poesia um exerccio de aprendizagem como poeta: (...) nem acredito em
poeta que no aprenda com outros poetas, principalmente de outras lnguas que no a sua
prpria: da o [Paes] tradutor (Paes in Leo, 1998: 02). Paes considera a sua traduo de
The Tyger uma tentativa e adverte que foi escrita no para contrap-la criativa verso
de Augusto de Campos (Machado, 2005: 02).
Songs of Innocence and of Experience finalmente aparece traduzido integralmente no
Brasil em 2005, em dose tripla, trabalhos de Mrio Alves Coutinho e Leonardo Gonalves
(Canes da Inocncia e da Experincia Revelando os dois lados opostos da alma
humana), de Gilberto Sorbini e Weimar de Carvalho (Canes da Inocncia e Canes da
Experincia Os dois lados contrrios da alma humana) e de Renato Suttana (Canes da
Inocncia e da Experincia, traduo experimental disponvel na pgina do tradutor).

1.4.2 Leituras de Blake

Os lricos do ser e da presena (religiosa, ertica ou social) (Bosi, [...]: 515)


Murilo, Jorge de Lima, Schmidt e Vinicius talvez tenham preparado o ambiente literrio
para as tradues de Blake no Brasil. Bosi ([...]: 503-4) identifica certos arrancos erticomsticos que lembram a poesia prometeica de William Blake em poemas como Amor-Vida
e A Marcha da Histria de Murilo Mendes. A direo da objetividade (Bosi, [...]: 523)
que as presses histricas deram poesia brasileira criou condies para um Mrio Faustino,
com a riqueza, subjetiva e inovadora, dos seus textos constelados de mitos dionisacos e, ao
37

mesmo tempo, centrados na explorao dos significantes (Bosi, [...]: 530). Uma riqueza que,
para Bosi ([...]: 530), deve-se em parte Ao lastro neo-simbolista e surrealista, influncia de
Blake, Rimbaud, Nietzsche, Dylan Thomas e do nosso Jorge de Lima, somados, na segunda
fase da sua produo, presena do imagismo de Pound e de Cummings (Bosi, [...]: 530).
Como na poesia concreta o material significante assume o primeiro plano, parece natural
que os tradutores direta ou indiretamente envolvidos pela tendncia concretista se sentissem
atrados pela primeira fase de Blake, na qual ele, afirma T.S. Eliot, se interessa pela beleza
verbal (in Blake, 1984: 19), em poemas tecnicamente admirveis (Eliot in Blake, 1984:
18).
Minha breve pesquisa sobre as tradues de Blake mostra que uma tendncia geral
no Ocidente os livros The Marriage e Songs serem preferidos para as primeiras (re)tradues
do poeta. Percebendo esta tendncia, a tradutora espanhola Elena Valent sugere que Blake
vinha sendo recebido de duas maneiras. Ela afirma que
Al contrario del entusiasmo con que Yeats acogi la poesa de Blake, la
opinin ms corriente hasta hace poco entre los pocos que le han ledo es
que fue buen poeta lrico en sus tres primeros libros y en los poemas breves
que quedaron en manuscrito, pero se ha considerado sus libros profticos
como confusos e inteligibles (Valent in Blake, 1977: 49).
Por outro lado, nota Valent, entre los ambientes de la contracultura anglosajona (Valent in
Blake, 1977: 49) os mesmos ambientes que Willer (2005) menciona se le ha vuelto a
revalorizar, de nuevo por su anticientifismo, por su peculiar modo de protesta social y,
sobretodo, por su conviccin de que el hombre posee una capacidad visionaria que le pone en
contato con un nivel ms autenticamente real que el de la realidad objetiva (Valent in Blake,
1977: 49-50). Por essas caractersticas, diz Valent (in Blake, 1977: 50), Blake serviu para
justificar a veia psicodlica de certos artistas contemporneos, apoiando-se eles nas suas
palavras sobre a arte como expresso de um nvel superior do esprito.

38

Assim, diz-se que Recently, Blake had a particularly marked influence on The Beat
Generation and the English poets of the Underground movement, hailed [] as a liberator
(Drabble & Stringer, 1996: 60). Um desses artistas , sem dvida, Allen Ginsberg (19261997), que inclusive musicou as Songs of Innocence and of Experience. A gravao contou
com a participao de Bob Dylan na faixa A Dream12.
Outro poeta beat declaradamente influenciado pela poesia blakeana Michael
McClure (Foley, 2001). Atualmente envolvido em vrios projetos, de cinema a recitais, com
Ray Manzarek, tecladista da banda The Doors, McClure foi amigo de Jim Morrison, a quem
incentivou a publicar seu The Lords: Notes on Vision (McClure, 2004).
Morrison teria se tornado leitor de Blake atravs de Michael McClure (Lopes, 2006).
O nome de sua banda, The Doors, foi inspirado no livro The Doors of Perception (1954) de
Aldous Huxley, no qual ele conta sua experincia com mescalina, por sua vez inspirado na
agora famosa mxima de Blake:
If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite.13
Sites (2007) considera que It is probably not surprising that, among romantic poets,
Blake has been especially popular with rock musicians. Entre os muitos artistas de rock que
fizeram leituras de Blake, destaco o projeto do cantor e compositor Bruce Dickinson, que
lanou um disco, The Chemical Wedding (1998), inteiramente dedicado ao poeta. O disco foi
um estmulo traduo de Sorbini & Carvalho (Blake, 2005), conforme consta na pgina de
agradecimentos: Os autores gostariam de agradecer a Paul Bruce Dickinson, por ter neles
despertado o desejo de traduzir William Blake (Sorbini & Carvalho in Blake, 2005: 19).
Para Valent, no so os artistas da contracultura os que
12

As Canes de Blake musicadas por Ginsberg, includas no seu Holy Soul Jelly Roll: Poems And Songs, 19491993, podem ser ouvidas online: <http://www.english.uga.edu/wblake/SONGS/>. Existe um registro em vdeo,
Ginsberg Sings Blake: Songs of Innocence and Experience, de Ginsberg apresentando suas composies com
Steven Taylor e Heather Hardy (violino eltrico) (Sites, 2007).
13
Na traduo de Jos Antnio Arrantes (Blake, 2001: 36): se as portas da percepo estivessem limpas, tudo
se mostraria ao homem tal como , infinito.

39

necesariamente estn comprendiendo mejor a Blake, aunque gracias a la


contracultura se extienda el inters hacia l y actualmente se est
empezando a acumular estudios crticos que en conjunto aclaran la figura de
Blake, aunque como alguien ha observado, todava se necesiten una
veintena de aos ms para llegarle a ver con justeza (Valent in Blake, 1977:
50).
Talvez este movimento para traduo integral dos livros profticos ao portugus, tardio em
relao a outras lnguas, seja um sinal de que estamos chegando a esta leitura mais justa de
William Blake.
Manuel Portela o tradutor que inicia este movimento de traduo dos livros
profticos ao portugus, com a publicao dos Sete Livros Iluminados. Examinarei tambm a
traduo de America empreendida por Manuel Portela no terceiro captulo deste trabalho, mas
antes abordo alguns problemas de traduo de poesia.

40

CAPTULO 2
A TRADUO DO POEMA

2.1 Traduo

sabido que uma traduo14 que preserve todas as caractersticas do original coisa
impossvel. Para comear, nenhuma palavra de uma lngua perfeitamente igual a de uma
outra, como afirma Humboldt (in Shulte & Biguenet, 1992: 55; Heidermann, 2001: 91).
Janheiz Jahn, citado por Heidermann (2001: 09), afirma que uma traduo perfeita, por assim
dizer, somente seria possvel se as lnguas no tivessem diferenas, no tivessem uma alma,
o que anularia a necessidade da traduo. por isso que Jahn diz que na impossibilidade de
tradues perfeitas residem as possibilidades para o tradutor (Heidermann, 2001: 09).
DAlembert alerta que a impossibilidade em que o tradutor se encontra de reproduzir
exatamente o texto original lhe d uma liberdade perigosa. Para ele, o tradutor no podendo
dar cpia uma semelhana perfeita, deve temer no dar a ela toda a semelhana que pode
ter (in Faveri & Torres, 2004: 65). Dizer que impossvel reproduzir o texto no significa
negar qualquer lao de semelhana das expresses ou dos textos entre si: As semelhanas
existem, e por fora dessas semelhanas que as obras de arte podem ser includas neste ou
naquele grupo (Croce in Arrigoni & Guerini, 2005: 205). Nos traos comuns que o tradutor
pode reproduzir do original o esprito de uma obra que pode ser transportado de uma lngua
a outra , Nessas semelhanas se fundamenta a possibilidade relativa das tradues; no
enquanto reprodues das mesmas expresses semelhantes e mais ou menos prximas
daquelas (Croce in Arrigoni & Guerini, 2005: 205). Nesses termos, como afirma Benedetto

14

Quero referir-me traduo interlingual, no sentido de Jakobson (2001:65): A traduo interlingual ou


traduo propriamente dita consiste na interpretao dos signos verbais por meio de alguma outra lngua.

Croce, o trabalho do tradutor ser uma aproximao, que tem valor no original de obra de
arte, e pode subsistir por si (Croce in Arrigoni & Guerini, 2005: 205).
As possibilidades do tradutor, portanto, seguem em direo ao texto original; se assim
no o fosse, os traos comuns caractersticos dos dois textos se perderiam, e o texto traduzido
seria uma outra obra, e no a traduo de um modelo preexistente. E o que so esses traos
comuns entre o original e uma traduo? Para Benjamin, o contedo essencial, transmitido
com maior ou menor exatido na traduo; o significado inerente ao original que se exprime
na sua traduzibilidade. Assim, a traduo no pode significar algo para o original, mas
encontra-se numa relao de grande proximidade com ele (Benjamin in Heidermann, 2001:
193), que ser, esta relao, tanto mais ntima quanto nada mais significar para o prprio
original. Isto , se a traduo acrescenta algo que a essncia do original no comporta, assim
ela se mostrar mais imperfeita. Esta essncia, ou esprito do original, pode ser entendido
como a interseco de uma variedade de tradues de um mesmo texto. De maneira que,
eliminadas as imperfeies naturais de cada traduo permaneceriam somente as
coincidncias entre estas diferentes tradues, que remeteriam ao seu original. J
Schopenhauer notava que Quase nunca se consegue transpor uma frase caracterstica,
concisa, significativa de uma lngua para outra de modo que ela surta exata e integralmente o
mesmo efeito (Schopenhauer in Heidermann, 2001: 167-169). Teramos, ento, o verdadeiro
esprito daquele texto, na forma da pura lngua de Benjamin.
Entre as possibilidades do tradutor, Schleiermacher aponta dois mtodos de traduzir:
ou o tradutor deixa o autor em paz e leva o leitor at ele; ou deixa o leitor em paz e leva o
autor at ele (in Heidermann, 2001: 43). No primeiro caso, o tradutor deve esforar-se para
transmitir aos leitores a mesma imagem, a mesma impresso que ele prprio teve atravs do
conhecimento da lngua de origem da obra, de como ela , e tenta, pois, lev-los posio
dela, na verdade estranha para eles (p. 43-45). Este mtodo de traduzir teria o efeito de

42

manter o leitor consciente da expresso estrangeira. Ao contrrio, procurando levar o autor at


o leitor, o tradutor segue o objetivo inatingvel, segundo Schleiermacher de apresentar o
texto como o autor o teria escrito na lngua da traduo. De acordo com o terico, este mtodo
leva parfrase e imitao.
Querer que o texto estrangeiro parea ter sido escrito na lngua da traduo pressupe
uma adaptao segundo os modelos preexistentes desta lngua; pressupe imaginar o texto
como ele seria, no como ele . Se aproximasse o estranho do que j existe, no se
encontraria no tradutor alimentos novos para o pensamento, e defrontar-se-ia sempre com
o mesmo rosto, com enfeites minimamente diferentes (Stal in Faveri & Torres, 2004: 143).
Uma traduo deve levar o leitor at o autor, afirma Schleiermacher (in Heidermann, 2001:
49), e o tradutor deve ter como objetivo proporcionar ao seu leitor o efeito que ele prprio
experimentou do texto na lngua do original, que o efeito de uma obra estrangeira. Para
transplantar esse efeito no leitor, Schleiermacher acredita que a traduo precisa associar-se
de forma exata s expresses da lngua original o mximo que puder, pois assim tanto mais
estranha ela ser para o leitor (in Heidermann, 2001: 59).
Mas no estaria o tradutor de um poema, inevitavelmente, adaptando os elementos do
texto original lngua, cultura de chegada? Sabe-se que sim. Esta adaptao inevitvel,
porm, no intencional. Quando passa a ser intencional, a transposio do original a outra
lngua com o mesmo rosto de algo que j existe na lngua da traduo. Se se quiser Blake
em portugus brasileiro, e no um Blake abrasileirado, quer-se ver o esprito de Blake em
nosso idioma, sem, no entanto, que se mude a ndole do idioma (Leopardi in Arrigoni &
Guerini, 2005: 165). Traduzir de modo que ele seja ao mesmo tempo estrangeiro e familiar:
nisso reside a perfeio ideal de uma traduo e da arte de traduzir, segundo Leopardi (in
Arrigoni & Guerini, 2005: 167). Para Humboldt, a boa traduo deve fazer sentir o estranho
mas no a estranheza, o que provoca um efeito diferente, o que acaba fazendo com que o

43

conjunto adquira uma colorao desviante e um tom diverso (Humboldt, in Heidermann,


2001: 97).
Tudo isso vale para a traduo literria, e para a traduo em geral; a transmisso do
contedo essencial do original (Benjamin); a traduo como recodificao e transmisso de
uma mensagem recebida de outra fonte (Jakobson, 2001: 65). Mas h diferenas entre os
textos, o que levanta problemas especficos no assunto da traduo.

2.2 Traduo de poesia

DAlembert considera que os escritores caracterizam-se pela fineza do pensamento ou


do estilo, ou de ambos. Os escritores que combinam pensamento e estilo, segundo o filsofo,
oferecem mais recursos ao tradutor do que os que s atentam para o estilo; porque, no
primeiro caso, o tradutor pode se orgulhar de passar para a cpia o carter do pensamento, e,
em conseqncia, ao menos a metade do esprito do autor; no segundo caso, se no reproduz a
expresso, no reproduz nada (in Faveri & Torres, 2004: 69-71). Marmontel acredita que
quanto mais o carter do pensamento numa obra depende da expresso, mais difcil torna-se a
traduo (in Faveri & Torres, 2004: 127). Este parece ser o caso da poesia.
Na prpria concepo blakeana de poesia, o plano da expresso recebe relevncia
mxima. Blake was a poet whose poems were quite consistent with a theory of poetry, diz
diz Frye (1990: 147). Blake entendia o papel do poeta como sendo o mesmo do profeta, cuja
tarefa era explorar e registrar os mistrios da psique humana (Damon: 1988: 331), e seus
poemas no tinham apenas a forma das suas vises, como eram as prprias vises, vivas e
ntidas. Por isso, para ele, Poetry admits not a Letter that is Insignificant, assim como a
Pintura admits not a Grain of Sand or a Blade of Grass <Insignificant> much less an
Insignificant Blur or Mark> (Erdman, 1988: 559). Na teoria potica de Blake, a poesia une o
44

que Bousoo, na sua, separa em mundo real e o mundo imaginrio; porque, na verdade, o
mundo real o mundo imaginrio e vice-versa (Erdman, 1988: 702).
Poetry admits not a Letter that is Insignificant de algum modo este juzo de Blake
aproxima-se do que observa Jakobson sobre o potico. Diz ele que em poesia
as equaes verbais so elevadas categoria de princpio construtivo do
texto. As categorias sintticas e morfolgicas, as razes, os afixos, os
fonemas e seus componentes (traos distintivos) em suma, todos os
constituintes do cdigo verbal so confrontados, justapostos, colocados
em relao de contigidade de acordo com o princpio de similaridade e de
contraste, e transmitem assim uma significao prpria. A semelhana
fonolgica sentida como um parentesco semntico. O trocadilho, ou, para
empregar um termo mais erudito e talvez mais preciso, a paronomsia, reina
na arte potica (Jakobson, 2001: 72).
Um poema deve criar a iluso de uma composio indissolvel de som e de sentido, ainda
que no exista nenhuma relao racional entre esses dois constituintes da linguagem (Valry
in Faveri & Torres, 2004: 195). Assim, form and content are inseparable (are, in fact, one
and the same thing within the reality of the poem) (Holmes, 1970: 98). Sendo, uma
combinao de som e sentido, um fato muito particular da lngua na qual foi produzida, a
poesia, por definio, intraduzvel (Jakobson, 2001: 72).
Sob esta perspectiva do potico, poderamos afirmar que na traduo que os
elementos constitutivos da poesia tornam-se mais perceptveis, pois a se v que a fidelidade
rtmica e meldica e a dialtica e a gramatical estaro em luta implacvel uma contra a outra
(Schleiermacher in Heidermann, 2001: 55). por isso que Haroldo de Campos afirma que o
tradutor o melhor leitor (Campos, [...]: 31).
Pois bem, se, ao traduzir um poema a outra lngua, o tradutor atentar somente para o
contedo, perde a msica, e se contentar sempre mais com uma traduo que entra cada vez
no mais fcil, por assim dizer, no parafrstico (Schleiermacher in Heidermann, 2001: 55).
Ao contrrio, se o tradutor preocupar-se unicamente com a forma mtrica ou musical, h de
surgir uma impresso completamente diferente (Schleiermacher in Heidermann, 2001: 55).

45

Dir Valry: Os mais belos versos do mundo so insignificantes ou insensatos, uma


vez rompido seu movimento harmnico e alterada sua substncia sonora, que se desenvolve a
seu tempo prprio de propagao ritmada, e se substitudos por uma expresso sem demanda
musical intrnseca e sem ressonncia (in Faveri & Torres, 2004: 195). E, se admitirmos o
potico como o relacionamento proposital entre som e sentido, logo aceitaremos que um
poema ser tanto mais potico quanto maior for, nele, a tenso entre som e sentido, e
concordaremos com a idia do poeta Robert Frost, de que a poesia aquilo que se perde na
traduo. Seguindo esta idia, quanto mais potico, menos traduzvel o texto; e, por serem
mais valiosos enquanto poesia, os textos poticos que so mais difceis de se traduzirem sero
justamente os que mais merecem traduo (Campos, [...]). Sobre a necessidade da traduo
desses textos, pronunciam-se Victor Hugo e Humboldt. Hugo dizia que traduzir um poeta
estrangeiro aumentar a poesia nacional (in Faveri & Torres, 2004: 155) e Humboldt, que
a traduo, sobretudo a dos poetas, uma das tarefas mais necessrias
dentro de uma literatura: em parte para fornecer, queles que no conhecem
a lngua, formas que de outro modo lhes permaneceriam desconhecidas e
pelas quais toda nao obtm ganhos significativos, mas em parte tambm
e sobretudo para aumentar a importncia e a capacidade expressiva da
prpria lngua (in Heidermann, 2001: 93).
Reconheci no texto potico um tipo de texto intraduzvel por natureza, assinalando, ao
mesmo tempo, a necessidade de traduzir textos poticos. Jakobson (2001: 72) prope uma
sada para este impasse: possvel a transposio criativa (...) de uma forma potica a outra.
Seguindo o mesmo princpio, Campos afirma que A traduo de textos criativos ser sempre
recriao, ou criao paralela, autnoma porm recproca (Campos, [...]: 24). Esta seria,
para eles, a nica maneira de no desfazer a forma potica, a transcriao.
O tradutor como definido por Haroldo de Campos procura, em princpio, produzir na
lngua da traduo o efeito mais aproximado possvel ao experimentado por ele quando da
leitura da poesia que tem diante de si como original a traduzir. Deste modo, o tradutor o

46

leitor, e no o leitor que voc remonta conjecturalmente, mas o leitor concretizado no


momento em que voc faz a traduo (Campos, 1986: 61).
H aqui coincidncias com o ideal de traduo potica de Octavio Paz; tambm para
ele, o processo de traduo consiste numa reorganizao do texto potico, originrio de um
sistema lingstico especfico, para funcionar de modo paralelo no sistema de uma outra
lngua. Paz acredita que el poema traducido deber reproducir el poema original que, como
ya se ha dicho, no es tanto su copia como su transmutacin. El ideal de la traduccin potica,
segn alguna vez defini Paul Valry de manera insuperable, consiste em producir con
medios diferentes efectos anlogos (Paz, 1990: 23). Segundo ele, os efeitos poticos do
original precisam ser refeitos e ento [...] la traduccin potica [...] es una operacin anloga
a la creacin potica, slo que se despliega en sentido inverso. Paz explica que na traduo
do poema traduzido em poema, o original no deve ser tomado como modelo para um outro
poema (Paz, 1990: 20), mas um modelo para um poema anlogo, por isso a traduo constitui
uma operao em sentido inverso:
[...] poema: un objeto verbal hecho de signos insustituibles e inamovibles. El
punto de partida del traductor no es el lenguaje en movimiento, materia
prima del poeta, sino el lenguaje fijo del poema. Lenguaje congelado y, no
obstante, perfectamente vivo. Su operacin es inversa a la del poeta: no se
trata de construir con signos mviles un texto inamovible, sino desmontar
los elementos de ese texto, poner de nuevo en circulacin los signos y
devolverlos al lenguaje (Paz, 1990: 22).
De acordo com Jakobson, Campos, Paz e outros, possvel atingir um efeito anlogo
ao do original, atravs de uma transposio criativa. O termo criativa j sugere liberdade ao
tradutor. Se lembrarmos e formos mais longe no argumento de Jahn, mencionado no incio
desta discusso, chegaremos idia de que, quanto mais difcil o texto se apresente ao
tradutor, maior o nmero de possibilidades de traduo. Isso quer dizer que o texto potico
permite uma variedade maior de meios de traduo possveis para atingir um efeito paralelo

47

noutra lngua do que outros gneros nos quais no sejam to importantes os laos entre som e
sentido.

2.2.1 Traduo de poesia em poesia

Um dos meios de traduzir um poema metrificado pode ser a traduo metrificada,


segundo o qual o tradutor adota um metro que ele considera equivalente ao do original,
normalmente observando a tradio. Se na traduo em prosa o tradutor perde o controle
sobre o ritmo, a traduo metrificada oferece um meio de manter-se fiel ao original, diz
Lefevere (1975: 37). O terico menciona as palavras de James S. Holmes sobre as
correspondncias de esquemas mtricos entre lnguas: Holmes comenta que nenhuma forma
potica em qualquer lngua pode ser totalmente idntica a uma forma potica noutra lngua,
por mais parecidas que sejam suas nomenclaturas e por mais prximas que sejam as lnguas
envolvidas. Para Holmes, na iluso conveniente de que as formas possam ser idnticas entre
as lnguas que o tradutor mtrico busca a justificativa terica para a sua prtica (apud
Lefevere, 1975: 38).
Lefevere explica que a deciso de obedecer a um certo nmero de ps ou de slabas
por verso implica enfrentar a desagradvel conseqncia de no estar livre na escolha das
palavras como se gostaria. Isso significa que the metrical translator is forced to mutilate
words in a number of ways, in order to make them fit the all-important line (Lefevere, 1975:
38). Uma dessas maneiras a adaptao morfolgica, que pode dar como resultado palavras
truncadas, de acordo com o terico. Outra maneira seria pesquisar na evoluo da lngua-alvo
at encontrar palavras cujo formato morfmico se encaixe no verso sem distorc-lo.
Mas nem sempre necessrio tomar medidas drsticas como estas para satisfazer o
metro, observa Lefevere. possvel encontrar um equivalente a partir do sentido, que se
48

encaixe no verso. O tradutor tambm pode recorrer a palavras que no pertencem


verdadeiramente lngua de chegada, mas que so compreensveis pela maioria dos leitores.
Pode tambm, eventualmente, usar arcasmos e etimologismos, para o mesmo fim (Lefevere,
1975: 38).
Outras maneiras que Lefevere (1975: 39) encontra nos tradutores mtricos que
procuram no mutilar as palavras so o uso de expresses idiomticas e a expresso de uma
nica palavra do texto original por duas palavras relacionadas. A concluso do terico sobre a
traduo metrificada que, neste modo, o tradutor concentra-se exclusivamente em um
aspecto do original e, como a traduo literal, distorce o sentido, o valor comunicativo e a
sintaxe do texto-fonte.
Tratando da questo mtrica na traduo de poesia, Vizioli (in Coulthard & Caldas,
1991) acredita que ela parte intrnseca da linguagem da poesia e, portanto, no deve ser
destrudo. Por isso, diz ele, o tradutor no pode aumentar arbitrariamente o nmero de
slabas, pois, se o fizer, com certeza arruinar o efeito almejado pelo poeta (in Coulthard &
Caldas, 1991: 141). Tendo dito isto, Vizioli reconhece que, Entretanto, para manter o mesmo
nmero de slabas, ele freqentemente obrigado, em vista da aludida discrepncia, a
eliminar palavras e at mesmo imagens, tornando vago e incuo o que, antes, possua vigor e
preciso. E isso tambm condenvel (in Coulthard & Caldas, 1991: 141). E ento o tericotradutor se pergunta: Como preservar o ritmo sem estropiar o sentido? Ou como conservar
este sem prejudicar aquele? (in Coulthard & Caldas, 1991: 141). Vizioli responde que no h
soluo plenamente satisfatria para este problema, mas que Nessa permanente necessidade
de se escolher entre preservar o sentido em detrimento parcial do ritmo, ou manter o ritmo,
prejudicando um pouco o sentido, inclino-me, pessoalmente, a favor da primeira opo (in
Coulthard & Caldas, 1991: 142-143).

49

Sobre a traduo dos poetas em verso, DAlembert se pergunta se em versos, no


estamos condenados mais a imit-los que a traduzi-los (in Faveri & Torres, 2004: 71).
Segundo Lefevere (1975), a diferena entre a traduo, a verso e a imitao est no grau de
interpretao. O tradutor propriamente dito esfora-se por tornar a interpretao do autor
original sobre um determinado tema acessvel a um pblico diferente, enquanto o tradutor de
verses basicamente toma a substncia do texto-fonte, mudando a sua forma. O imitador,
afirma Lefevere, produz um poema seu, tendo apenas o ttulo e o ponto de partida, quando
muito, em comum com o original (1975: 76). A interpretao que o imitador faz do tema
radicalmente diferente da interpretao que o autor mostra no seu texto. J a interpretao do
escritor de verso basicamente a mesma do autor (Lefevere, 1975: 84). Mas, na verdade, o
escritor de verso no traduz o texto-fonte; ele d uma verso de como, na sua opinio, o
texto deveria ser reescrito para atender s exigncias da poca, ou o que ele imagina serem
essas exigncias (Lefevere, 1975: 84).
Por outro lado, Vizioli afirma que o caminho da traduo de poesia o da recriao
literria, entre os extremos da fidelidade literal (que sacrifica a poesia) e o da adaptao
livre (que nem sempre conserva o poeta) (in Coulthard & Caldas, 1991: 138). Vizioli
defende a traduo da poesia em poesia.
Holmes (1970: 93) situa a traduo em verso no conjunto da ampla variedade de
metaliteratura que pode se acumular em torno da interpretao de um poema e da poesia.
Ele explica que a traduo em verso interpretativa como um ensaio crtico na lngua do
poema, ou um ensaio numa lngua diferente daquela em que o poema foi escrito, ou a
traduo em prosa; e como a traduo em prosa em termos de extenso e temtica, ao
mesmo tempo que diferente deles, aproximando-se da imitao, do poema sobre um
poema e do poema inspirado em um poema, no princpio de que faz uso do verso como o seu

50

meio, e de que aspira abertamente ser um poema por si s, sobre o qual um novo leque de
metaliteratura pode se acumular.
A traduo, o poema de efeito anlogo na lngua de chegada (Paz) ou metapoema
(Holmes),
is a nexus of a complex bundle of relationships converging from two
directions: from the original poem, in its language, and linked in a very
specific way to the poetic tradition of that language; and from the poetic
tradition of the target language, with its more or less stringent expectations
regarding poetry which the metapoem, if it is to be successful as poetry,
must in some measure meet (Holmes, 1970: 92).
Assim, o tratamento dos efeitos poticos no processo de traduo estar sempre vinculado s
permisses e restries atuantes nas tradies poticas das lnguas, a comear pela escolha da
forma geral do texto de chegada.
Observando o trabalho dos tradutores de textos poticos, Holmes (1970) identifica
quatro tipos possveis de traduo da forma. O primeiro tipo a traduo em mimetic form:
that usually described as retaining the form of the original (Holmes, 1970: 95). O efeito da
forma mimtica reenfatizar a estranheza que ao leitor da traduo aparece inerente
mensagem semntica do poema original. O metapoema mimtico, explica Holmes, exige que
o leitor amplie os limites de sua sensibilidade literria, estenda sua viso para alm das
fronteiras do que tido como aceitvel na sua prpria tradio literria. Em alguns casos, a
traduo mimtica pode resultar num enriquecimento da tradio literria que a recebe, com
novas formas. Por esta razo, a forma mimtica tende a figurar num perodo em que os
conceitos de gnero esto enfraquecidos, as normas literrias so questionadas e a culturaalvo como um todo est aberta a impulsos exteriores (Holmes, 1970: 97-98).
O segundo tipo de traduo da forma segundo Holmes a analogical form:
[translators] looked beyond the original poem itself to the function of its form within its
poetic tradition, then sought a form that filled a parallel function within the poetic tradition of
the target language (in Holmes, 1970: 95). A forma analgica, por sua vez, tem o efeito de
51

trazer o original tradio nativa, de naturalizar. Este tipo de traduo normalmente


preferido em um perodo no qual se acredita que as normas na cultura-alvo oferecem um
modelo vlido por onde testar a literatura estrangeira. Perodos assim tendem a ter conceitos
de gnero to altamente desenvolvidos que qualquer outro tipo de forma que no a analgica
seria inaceitvel ao gosto literrio predominante (Holmes, 1970: 97).
Organic form o terceiro tipo de traduo da forma assinalado por Holmes:
the translator pursuing this approach does not take the form of the original
as his starting point, fitting the content into a mimetic or analogical form as
best as he can, but starts from the semantic material, allowing it to take on
its own unique poetic shape as the translation develops (Holmes, 1970: 96).
A forma orgnica, do metapoema segue o princpio de que, uma vez que forma e contedo
so inseparveis em poesia, impossvel encontrar uma forma extrnseca predeterminada na
qual se possa traduzir um poema, a nica soluo sendo permitir que uma nova forma
intrnseca se desenvolva a partir dos mecanismos internos do prprio texto (Holmes in
Holmes, 1970: 98).
O quarto tipo de traduo da forma potica na classificao de Holmes a extraneous
form: this form does not derive from the original poem at all [...]. The translator making use
of this approach casts the metapoem into a form that it is in no way implicit in either the form
or the content of the original (Holmes, 1970: 97). Nesta forma de traduo, h um mnimo de
conformidade da arte do metapoeta (Holmes, 1970) em relao s exigncias formais de sua
cultura potica, que ao mesmo tempo lhe d liberdade para transferir o significado do
poema com maior flexibilidade do que as formas mimtica e analgica permitiriam. Holmes
afirma que a extraneous form tem sido uma forma constante ao longo dos sculos, usada
particularmente por metapoetas inclinados imitao (Holmes, 1970: 98-99).
Para Kochol (in Holmes, 1970), ao traduzir um poema, que uma forma de expresso
lingstica limitada a um determinado ritmo mtrico, possvel proceder de duas maneiras:
aderir ao padro rtmico do original e copiar a forma do verso com todos os seus componentes
52

rtmicos, ou modificar o padro, substituindo o ritmo original por um outro, neste caso,
transpondo para uma forma de verso diferente (Kochol, 1970: 106). Numa substituio de
ritmo, Kochol observa que o tradutor pode preservar certos fatores rtmicos enquanto altera
outros. Se o tradutor preserva os fatores essenciais e altera os subsidirios, ele alcana o que
Kochol chama de substituio rtmica adequada. Aderindo aos elementos subsidirios e
deixando de lado os elementos essenciais, o tradutor faz uma substituio rtmica inadequada
(Kochol, 1970: 106). Depois de identificar esses dois tipos de substituio, Kochol distingue
trs modos de traduo rtmica: 1) cpia rtmica do original identidade; 2) substituio
rtmica adequada substituio e 3) substituio rtmica inadequada inadequao. Kochol
afirma que o primeiro modo, que supe um respeito escrupuloso pela forma do verso original
como ideal supremo da traduo em verso, no depende do fator subjetivo da habilidade do
tradutor, mas de fatores objetivos de lngua.
Alm da forma geral do poema, h outras qualidades poticas que devem ser levadas
em considerao. o caso da rima, que faz parte da linguagem da poesia (Vizioli, 1991:
145). Vizioli considera que [t]oda vez que sua presena esquecida, o seu nmero cortado,
alguma coisa se perde na traduo. Por isso, diz ele, quem realmente procura recriar o
poema deve, dentro de certos limites, esforar-se por conserv-la, mesmo que, para isso,
tenha, s vezes, que distorcer ligeiramente o significado de um ou de outro verso (Vizioli,
1991: 145). No basta, porm, que o tradutor as preserve em nmero e, se possvel, no
esquema originais, mas tambm em sua natureza, porque as rimas podem igualmente
reforar uma idia ou exprimir um sentimento (Vizioli, 1991: 146). Se so rimas imperfeitas,
o ideal, para Vizioli, que continuem imperfeitas na traduo (1991: 146).
Outras qualidades sonoras nem sempre recebem a mesma ateno dos tradutores,
afirma Vizioli (1991). o caso da repetio (de vocbulos e frases), da assonncia (que
a presena dos mesmos sons voclicos em palavras diferentes), da consonncia (que a

53

recorrncia de sons consonantais) e da aliterao (quando os sons repetidos se localizam no


incio das diferentes palavras) (Vizioli, 1991: 148). Estas qualidades tambm so
significativas e merecem cuidados na traduo, devendo o tradutor buscar a correspondncia
dos valores expressivos das sonoridades (Vizioli, 1991: 148). De fato, as assonncias e as
aliteraes no se limitam apenas produo de efeitos onomatopicos ou criao de elos
psicolgicos entre palavras opostas ou semelhantes, mas estes valores expressivos tambm
abrangem uma vasta gama de sugestes e estmulos emotivos, relacionados com as
diferentes naturezas dos sons (Vizioli, 1991: 148). Tambm deve-se procurar preservar a
preciso das imagens, s vezes mais, s vezes menos importantes na traduo, dependendo do
poema (Vizioli, 1991: 149).
Vizioli observa que necessrio, ainda, captar fielmente o tom do texto original.
Assim, no se pode traduzir em linguagem elevada o que um autor exprime em linguagem
trivial, e vice-versa (1991: 150). Por meio dos cuidados com o tom os textos traduzidos
adquirem, em grande parte, o sabor de uma poca ou as caractersticas de um estilo
individual (Vizioli, 1991: 150).
Assim, o princpio que sustenta as observaes dos tericos da traduo em verso o
da traduo como a recriao de todas as qualidades poticas do poema original:
Se a linguagem potica justamente aquela que utiliza com o mximo de
proveito os diferentes planos da fontica, morfossintaxe, semntica e
prosdia, o que se pode exigir de uma traduo potica seno que ela
reproduza o mximo de efeitos do poema original em todos esses planos?
(Britto, 2004: 09).
Como antes dito, justamente por ser em princpio intraduzvel, o texto potico est
aberto a muitas possibilidades de traduo. Para que a traduo de um poema faa sentir o
estranho de uma forma potica anloga ao original, deve necessariamente ser uma traduo
em verso?

54

2.2.2 Traduo de poesia em prosa

Aparentemente, nenhum dos tradutores de Songs of Innocence and of Experience ao


portugus cogitou traduzi-las em prosa. Certamente porque estas peas to musicais
perderiam sua graa se no fossem traduzidas em verso. Como diz Marmontel (in Faveri &
Torres, 2004: 133), h poemas cujo mrito principal est na melodia. Estes decaem, se o
prestgio do verso no o sustenta, pois quando a alma est ociosa, o ouvido deseja ser
seduzido. Nas Canes h tambm pensamento, mas o mrito maior est, de fato na melodia
(Eliot in Blake, 1984). Mas peguem os trechos tocantes e sublimes dos antigos, continua
Marmontel, e apenas os traduzam como fez Brumoy, em prosa simples e decente; eles
produziro efeito (in Faveri & Torres, 2004: 133).
No somente Marmontel que admite, em alguns casos, pelo menos, a traduo de
poesia em prosa. Para Goethe, a riqueza maior da poesia o que fica de um poema quando
traduzido em prosa: Aprecio o ritmo, bem como a rima, por meio dos quais a poesia se torna
poesia, mas verdadeiramente profundo e eficaz, realmente formador o que resta do poeta
quando ele traduzido em prosa. Permanece ento o contedo puro e perfeito (Goethe in
Heidermann, 2001: 17).
Lefevere argumenta que a prosa no capaz de dirigir a ateno do leitor para certas
palavras como a poesia pode fazer (Lefevere, 1975: 43). O terico mostra como exemplo uma
traduo na qual a repetio foi preservada, mas teve seu efeito enfraquecido, porque a
palavra repetida perdeu sua posio estratgica (1975: 43).
Ainda assim, Lefevere (1975) observa que existem meios de o tradutor chamar
ateno para certas palavras numa traduo em prosa, procurando 1) pr no texto traduzido
um equivalente que soe estranho ao leitor, que parea uma escolha no bvia; 2) transplantar
a palavra do texto-fonte pela etimologia; 3) criar uma nova palavra a partir da base
55

etimolgica do termo original (Lefevere, 1975: 43-44). O tradutor tambm pode compensar o
valor de certas palavras do original pelo exagero ou pela adio de modificadores. Todas
essas possibilidades, porm, podem produzir confuso ou um efeito ridculo quando mal
utilizadas na traduo, segundo Lefevere.
Outro meio que Lefevere aponta de traduo de poesia em prosa a adio de toques
poticos ao texto traduzido. Nesse caso, a aliterao, por exemplo, usada em ingls para
poeticizar o texto-alvo (Lefevere, 1975: 46). Para tentar captar algo do ritmo do original
pois o controle sobre o ritmo da traduo em prosa muito menor que o do poeta,
precisamente porque ele abandona a forma em verso (Lefevere, 1975: 47) , o tradutor pode
aproximar a sintaxe do seu texto da sintaxe do texto-fonte. No entanto, este procedimento
pode causar sentenas que paream distorcidas aos olhos do leitor. The result, analisa
Lefevere, is fairly accurate, but not elegant, when the prose translator tries to superimpose
the source languages syntax on the target language; it is elegant, but not accurate, when he
decides to build long and carefully balanced periods (1975: 47).
Examinando tradues de poesia em prosa, Lefevere conclui que a traduo em prosa
distorce o sentido, o valor comunicativo e a sintaxe do original, e, principalmente, It fails to
make that source text available as a literary work of art in the target language (Lefevere,
1975: 49).
Kochol (in Holmes, 1970) refere-se traduo potica em prosa como o quarto
mtodo, marginal, de se traduzir um ritmo de verso (os outros mtodos que ele aponta so as
j mencionadas tradues por cpia idntica, por substituio adequada e por
substituio inadequada). O mtodo de substituio do ritmo versificado por um ritmo nomtrico deve ser considerado, segundo o terico, um caso extremo de substituio inadequada
(Kochol in Holmes, 1970: 107).

56

2.3 Notas de tempo, lugar e tradio

Lefevere (1975) tambm analisa os fatores de tempo, lugar e tradio que


freqentemente separam original e traduo. Ele observa que os tradutores adotam uma srie
de atitudes em relao a esses elementos, que s vezes podem tornar difcil o entendimento e a
apreciao total num outro tempo, lugar e tradio.
A soluo mais fcil, conta Lefevere, ignorar o problema (1975: 85). Ou ento, o
tradutor pode escolher preservar o status quo, atravs de notas de rodap, por exemplo (1975:
86-87). Assim, o tradutor explica os elementos de tempo, lugar e tradio nas notas, o que,
segundo Lefevere, constitui muitas vezes um meio injustificvel de dividir o texto-fonte, parte
dele sendo traduzido no texto-alvo, parte traduzido nas notas. De acordo com o terico, este
mtodo torna impossvel ao leitor acessar a traduo como uma obra de arte: He [the reader]
is forced to refer constantly to the notes, a procedure which destroys the autonomy of the
target text, which, in other words, destroys the necessary prerequisit for any work of art to
exist and leaves the reader with a large variety of notes (Lefevere, 1975: 87). Ao agrupar
todos os elementos de tempo, lugar e tradio do texto original em notas, o tradutor tambm
chama a ateno do leitor para elas de um modo que o texto-fonte no faz (1975: 87).
Outra alternativa que Lefevere observa nas tradues a interpretao ou traduo dos
elementos de tempo, lugar e tradio da mesma maneira que se traduzem os elementos
lingsticos. Alguns tradutores, ento, preferem substituir uma palavra ou frase
completamente estranha do original por uma palavra ou frase mais familiar na traduo.
Outros podem substituir o estranho pelo completamente familiar. Lefevere afirma que em
ambos os procedimentos corre-se o risco da inconsistncia. Pode-se, tambm, tentar alcanar
o mximo dos dois mundos atravs da substituio pelo mais familiar e pelo totalmente
familiar indiscriminadamente, ou ainda explicar o termo estranho no prprio texto traduzido,
57

atravs da adio de uma palavra ou de um grupo de palavras (1975: 88-90). Lefevere nota
que a maioria dos tradutores mostra-se relutante tcnica da explicao dentro do texto
quando esses elementos de tempo, ou de lugar, ou de tradio requerem algum tipo de
expanso verbal do texto. Isto , os tradutores normalmente usam esta tcnica quando podem
limitar a explicao a uma palavra, ou a poucas palavras, de modo que a expanso ou a
supresso do original geralmente sejam feitas em favor de um padro mtrico ou de um
esquema de rima. O terico reprova esta postura dos tradutores, argumentando que a traduo
no deve levar em conta apenas o elemento lingstico, negligenciando os outros elementos
em diferentes graus, mas deve atentar para todos os elementos do original (1975: 91-92).
Um outro modo de traduzir elementos de tempo, lugar e tradio do original usado por
alguns tradutores de poesia a parfrase (Lefevere, 1975: 92). Dos mtodos de traduo
desses elementos, Lefevere conclui que apenas a reinterpretao e a explicao no interior do
texto oferecem resultados satisfatrios, e que ignorar o problema, deixar de lado o termo
problemtico, ou parafrasear o original de maneira que a parfrase acabe to obscura quanto o
original, no resolve o problema.
Poemas no podem ser traduzidos, mas apenas repoetizados, o que sempre
delicado, no entender de Schopenhauer (in Heidermann, 2001: 169). Se pensssemos na
traduo como um texto completamente independente das suas razes no autor que o escreveu,
no nos preocuparamos com a semelhana ou com as diferenas em relao ao texto de
partida. Preocuparamo-nos, talvez, somente com o valor esttico do texto em si, como
esperava Borges (Borges, 2001: 94): Llegar un da en que a los hombres les importen poco
los accidentes, las circunstancias de la belleza; les importar la belleza misma. Puede que ni
siquiera les interesen los nombres ni las biografas de los poetas. Mas pensa-se no autor e no
valor da obra original quer-se ler Blake em portugus; quer-se que a traduo lembre o
mximo possvel as qualidades poticas de Blake. E, se Madame de Stal estiver certa,

58

Espera-se muito mais desfrutar de um prazer de mesmo tipo do que de traos perfeitamente
semelhantes (in Faveri & Torres, 2004: 149).

59

CAPTULO 3
ANLISE DA TRADUO DE AMERICA A PROPHECY

3.1 Ritmo

3.1.1 Esquema acentual

Para entender a organizao potica de America, til partir das noes de profeta e
de profecia como mensagem de redeno. Estas noes remetem ao contexto bblico, no
qual o profeta um mensageiro da palavra divina (Bblia de Jerusalm, 2002: 1230). A
mensagem do profeta sua profecia, e no apenas suas palavras, mas suas aes, sua vida,
tudo profecia (2002: 1231), e sua mensagem dirigida ao povo todo (2002: 1231).
Alguns utilizam o termo mstico para o indivduo excepcional no campo cientfico,
religioso, artstico ou outro. O profeta um indivduo excepcional no campo religioso, ento
pode ser, sob este ponto de vista, um mstico. A relao que o mstico estabelece com o
establishment sempre uma relao tensa: o mstico ou gnio, portador de uma idia nova,
sempre perturbador para o grupo institucionalizado, e o establishment trata de proteger o
grupo dessa disrupo (Grinberg et al, 1973: 40). Interessa-nos a seguinte questo: A fora
disruptiva do mstico-gnio fica limitada pelo meio de comunicao atravs do qual se
transmite sua mensagem; e depender da linguagem de xito sua qualidade criativa e
promotora de mudanas (Grinberg et al, 1973: 40). A linguagem que Blake, indivduo do
campo das artes, utiliza para codificar sua mensagem em direo ao establishment a poesia,
por ele identificada com a profecia.

Profetas no so adivinhos ocupados da previso do futuro; eles so reveladores de


verdades. Essas revelaes, sero, claro, estranhas ao establishment os profetas da Bblia, de
um modo geral, eram transgressores (Damon, 1988: 335). Blake defende a arte como la
nica salvacin del hombre y el artista como redentor, identificado, por lo tanto, con Jess
(Valent in Blake, 1977: 46). Assim, Blake considerava Jesus o maior dos profetas, pois
falava por meio de parbolas (Borges, 1985: 60; Damon, 1988: 213): El artista se identifica
con el profeta (Valent in Blake, 1997: 46).
Por pretender-se uma revelao, a mensagem proftica supostamente objetiva agir
contra o establishment, provocar o pblico. Esta faceta contestatria da proposta de Blake fica
mais clara quando comparada com o pensamento kantiano: Blakes poetry pursues a
contestatory aesthetic that is radically opposed to the Kantian and post-Kantian tradition of
aesthetic disinterestedness or artistic disengagement (Jerome McGann, 1988 apud Vine,
2002: 06). Segundo McGann, Blake persegue uma activist and contestatory poetics that
articulates social discourse as conflictual rather than harmonious, performative rather than
referential, na contramo da tradio romntico-ideolgica (inaugurada por Kant) que
entende a utilidade social da poesia como o suprimento de um space of aesthetic
disinterestedness [where] ... a feeling of fundamental harmony and order can be nurtured
(Vine, 2002: 06). Nesta tica, a prtica de Blake toma a linguagem e as idias como atos
sociais, no como meras representaes (McGann, 1988 apud Vine 2002: 06).
No caso do ritmo de America, h um estilo declamatrio que d uma impresso de
intensidade paixo no narrar da profecia15 , cujo resultado a sensao de uma convico
absoluta do narrador em relao sua mensagem; uma fora expressiva construda para
provocar o establishment. O poeta atinge este estilo em parte com o seu verso heptmetro.

15

Lembrando as palavras de Blake, Passion & Expression is Beauty Itself (Erdman, 1988: 652).

61

De acordo com Preminge & Brogan (1993: 516), o metro utilizado por Blake em
America incomum na tradio literria inglesa, e identificado como verso heptmetro:
the term [heptameter] is applicable mainly to the long line of William
Blakes later Prophetic Books, a line which Blake said avoided a
monotonous cadence like that of Milton and Shakespeare by achieving a
variety in every line, both in cadence and number of syllables. Syllable
count actually ranges as high as 21. Blakes sources would seem to be the
Bible, Macpherson, and late 18th-c. Ger. experiments in long-lined verse
such as those in Hlderlins Hyperion, but Blake himself claimed the form
was given him in automatic writing.
Blake evitou o ritmo miltoniano porque precisava de uma linha espaosa o suficiente to carry
the roll and thunder of apocalyptic vision (Frye, 1995: 185). Alm do mais, Blake recusavase a adotar um metro preexistente, no qual devesse enquadrar as suas idias, pois
in all genuine art the finished product is the exact shape of the conception
(...). The artist cannot achieve complete control of his medium without
complete freedom to do so. The only free verse worth regarding is a verse
that is free to reproduce with perfect accuracy every detail of the content in
the form (Frye, 1995: 95).
Como dizem Preminge & Brogan (1993: 04),Knowing the meter will elucidate the sense, e
vice-versa. Blake viu que, para seus propsitos, o verso teria de dispensar a unidade prosdica
recorrente: it would have to be treated as a line of seven beats rather than of seven feet
(Frye, 1995: 185). Estamos diante de um metro acentual: sometimes called strong stress
metre, is the type of metre based on an equal number of stresses per line, without respect to
the exact number of syllabes per stress (Leech, 1974: 118). Assim, o verso acentual pode
explorar todas as possibilidades de estrutura rtmica, de medidas de uma slaba a medidas de
quatro ou cinco slabas (embora na prtica as medidas de uma e de quatro slabas sejam raras)
(Leech, 1974: 118).
Por America ter um esquema acentual, abandono o termo metro e passo a falar em
ritmo, no sentido de Candido (1988: 76): o ritmo formado pela sucesso, no verso, de
unidades rtmicas, constitudas por uma alternncia de vogais, longas e breves, ou tnicas e

62

tonas. Pela mesma razo, utilizarei a medida16 para analisar o verso de Blake, e no o
p da escanso tradicional.
Optando por um verso mais longo, Blake fugia dos limites dos padres de verso que
permitiam um nmero menor de possibilidades rtmicas, e logo tornava montono um poema
longo, com o risco de perda da fora expressiva e distrao do leitor17:
The shadowy daughter of Urthona stood before red Orc,
x
/ x
/ x x x / x /
x / / /
When fourteen suns had faintly jorneyd oer his dark abode;
x
/ x /
x / x / x \
x / x /
His food she brought in iron baskets, his drink in cups of iron;
x / x /
x / x / x x / x / x / x
Crownd with a helmet & dark hair the nameless female stood;
/
x x / x x /
/ x /
x / x
/
A quiver with its burning stores, a bow like that of night,
x / x \ x / x
/
x / x / x /
When pestilence is shot from heaven; no other arms she need:
x / x x x
/
x
/
/ / x /
x
/
Invulnerable tho naked, save where clouds roll round her loins,
x / x x x
/ x /
x
/
/
/
x /
Their awful folds in the dark air; silent she stood as night;
x / x / x x / / / x x /
x /
For never from her iron tongue could voice or sound arise;
x / x \ x / x
/
x / x
/ x /
But dumb till that dread day when Orc assayd his fierce embrace.
x /
/ x /
/
x / x / x / x /
(Gravura 1, Preludium)

Esta a primeira estrofe do Preludium. O Preludium (re)apresenta o cenrio mtico a


partir do qual o poema se desenvolve. No contm ainda nenhuma informao histrica;
uma espcie de sntese do livro, da causa espiritual dos fatos reais18 a serem narrados no
corpo da Profecia, sob a viso eterna do poeta. Em outras palavras, no Preludium o poeta
concentra-se no plano do eterno, para no restante do poema revelar o eterno do plano
temporal.
Os versos 2, 5 e 9 desta estrofe so aparentemente idnticos, pois os trs parecem
heptmetros jmbicos. No entanto, cada um tem um andamento diferente. O segundo verso

16

() MEASURES, each of which begins with a stressed syllable (Leech, 1974: 106).
Smbolos de marcao rtmica de acordo com Leech (1974).
18
Realidade no sentido mais convencional do termo; no me refiro aqui realidade como concebida por
Blake.
17

63

conta duas pequenas pausas (indicadas com o sinal |), dividindo-se em trs membros19; o
quinto, est dividido em dois membros:
When fourteen suns had faintly jorneyd oer his dark abode;
x
/ x / | x / x / x |\
x / x /
A quiver with its burning stores, a bow like that of night,
x / x \ x / x
/
| x / x / x /

A seqncia do incio do segundo verso est dividida em dois membros de dois acentos cada
um, fazendo um ritmo simtrico entre si.
Os versos 2 e 9 tm o mesmo nmero de acentos e de membros. Os dois primeiros
membros de cada verso tm ritmo paralelo. Porm, realizam finais com andamentos
diferentes:
When fourteen suns had faintly jorneyd oer his dark abode;
x
/ x / | x / x / x |\
x / x /
For never from her iron tongue could voice or sound arise;
x / x \ |x / x /
| x
/ x / x /

Com uma slaba tona no incio do ltimo membro e vogal aberta no final, o verso 9 termina
com uma seqncia mais veloz que o verso 2, e realiza uma entoao crescente, quando o
verso 2 termina com entoao decrescente e fechada.
Os versos quinto e nono so perfeitamente simtricos no nmero de slabas e acentos:
A quiver with its burning stores, a bow like that of night,
x / x \ x / x
/
x / x / x /
For never from her iron tongue could voice or sound arise;
x / x \
x / x /
x / x
/ x /

mas o incio do nono verso tem paralelismo rtmico (Leech, 1974: 111) com a seqncia
inicial do dcimo verso (usando, neste exemplo, a barra invertida, \, para dar uma melhor
visualizao do andamento rtmico):
For never from her iron tongue could voice or sound arise;
x \ x / | x \ x / | x / x
/ x /
But dumb till that dread day when Orc assayd his fierce embrace.
x \
/ | x \
/ | x \ x / |x \ x /

19

Termo de Chociay, 1979: 39.

64

Os versos acima, nono e dcimo da primeira estrofe do Preludium, fazem uma


correspondncia na distribuio dos acentos nas duas seqncias iniciais, resultando na
sensao de que as duas tm o mesmo andamento:
For never from her iron tongue
x \ x / | x \ x / |
But dumb till that dread day
x \
/ | x \
/ |

Se atentarmos um pouco mais para as seqncias de finais de versos desta estrofe (isto
, as seqncias que vm depois da ltima pausa de cada verso), perceberemos que seis delas
contam trs acentos:
The shadowy daughter of Urthona stood before red Orc,
x
/ x
/ x x x / x| /
x / / /
When fourteen suns had faintly jorneyd oer his dark abode;
x
/ x / | x / x / x | \
x / x /
His food she brought in iron baskets, his drink in cups of iron;
x / x /
x / x / x | x
/ x / x / x
Crownd with a helmet & dark hair the nameless female stood;
/
x x / x x /
/ | x /
x / x /
A quiver with its burning stores, a bow like that of night,
x / x \ x / x
/ | x / x / x /
When pestilence is shot from heaven; no other arms she need:
x / x x x
/
x
/
| / / x /
x
/
Invulnerable tho naked, save where clouds roll round her loins,
x / x x x
/ x| /
x
/
/
/
x /
Their awful folds in the dark air; silent she stood as night;
x / x / x x / / | / x x /
x /
For never from her iron tongue could voice or sound arise;
x / x \ |x / x / | x
/ x / x /
But dumb till that dread day when Orc assayd his fierce embrace.
x /
/ | x /
/ | x / x / |x / x /

Os trs acentos em cada ltimo membro de metade dos versos da estrofe tm o efeito de
resolver a tenso inicial desses versos. Quando h encadeamento, como acontece no verso
quinto para o sexto, por exemplo:
A quiver with its burning stores, a bow like that of night,
x / x / x / x
/ | x / x / x /
When pestilence is shot from heaven; no other arms she need:
x / x/ x /
x / x | / x
/ x
/

aqui h um acmulo de tenses, do primeiro membro do quinto verso (A quiver with its
burning stores,) at o primeiro membro do verso seguinte (When pestilence is shot from
65

heaven;), para finalmente resolver-se no segundo e ltimo membro do sexto verso (no other
arms she need:).
Um dos versos que representam exceo do esquema predominante de trs acentos no
ltimo membro envolve um acmulo de tenses:
But dumb till that dread day when Orc assayd his fierce embrace.
x /
/ | x /
/ | x / x / |x / x /

Trs impulsos entoativos, interrompidos pelas pausas, que s se resolvem no ltimo membro
(his fierce embrace.). Este verso parece-me um exemplo bem claro da predominncia dos
acentos sobre o nmero total de slabas do verso ou a organizao em ps: o verso tem sete
ps, mas seus oito acentos, alm das trs pausas, so perceptveis o bastante para provocar a
sensao de ser um verso mais longo que os anteriores.
Seqncias acentuais diferentes de um verso a outro; simetrias de seqncias de
acentos num verso ou entre dois versos; as pausas em nmero e posies diferentes ou no;
um esquema regular de acentos nos ltimos membros dos versos de uma estrofe fazendo o
conjunto obedecer a uma mdia de sete medidas por verso: assim que o poeta mantm um
estilo entoativo, ao mesmo tempo em que varia o ritmo em cada verso. Isto tem a ver com o
fato de que o profeta antes de tudo um orador, pregador. A mensagem proftica, em sua
origem, falada (Bblia de Jerusalm, 2002: 1236).
Acreditando que o nmero de acentos segura a entoao caracterstica do poema,
inclinei-me a traduzir seguindo a forma mimtica, citada por Holmes (1970: 95) como that
usually described as retaining the form of the original20:
The morning comes, the night decays, the watchmen leave their stations;
x / x
/
| x / x / | x /
x
/ x / x
Chega a manh, decompe-se a noite, os vigias deixam seus postos;
/ x x / | x x / x / x| x x /x / x
x /

20

Nos exemplos que se seguem, utilizarei a letra S entre parnteses (S) para indicar a minha traduo, e
para a traduo de Portela, P entre parnteses (P).

66

The grave is burst, the spices shed, the linen wrapped up;
x / x / | x / x / | x / x /
/
A sepultura est arrombada, os aromas derramados, o linho enrolado;
xx x / x / x / x| xx / x x x / x|x / x x /
The bones of death, the covring clay, the sinews shrunk & dryd.
x / x / | x / x
/ | x x /
/
x /
Os ossos da morte, o barro que os cobre, msculos contrados & secos.
x / x x / x| x / x
x / x | / x x \ x / x x /
(Gravura 6)

Assim, procurei seguir os acentos em cada verso e a organizao dos membros. Fui levada, na
verdade, a tentar captar na traduo as mesmas medidas ou clulas mtricas percebidas do
original. As clulas mtricas so os tipos de combinaes de tonas e tnicas que, isoladas
ou agrupadas, podem estruturar o ritmo dos versos. De maneira mais ampla, so essas
combinaes ou clulas que estabelecem o ritmo da poesia tradicional ou livre, e at da prosa
lrica (Cavalcanti Proena, 1955: 17). Cavalcanti Proena mostra que So as tnicas, por
sua distribuio no verso, que determinam a natureza das clulas mtricas (Cavalcanti
Proena, 1955: 23). Prefiro cham-las clulas rtmicas em vez de clulas mtricas,
concordando com Chociay (1974: 07), para evitar que o termo de Cavalcanti possa provocar
algum tipo de confuso interpretao essencialmente acentual que fao do verso de
America.
Diante de um esquema predominantemente acentual, acredito que uma tentativa de
adaptao para um esquema silabo-mtrico produziria um outro modo de formao das
clulas rtmicas, desfigurando o estilo declamatrio do texto. Por exemplo, traduzindo
rapidamente os versos num esquema de catorze slabas:
Firme, a Filha de Urthona, // em face do rubro Orc,
Plidos sis passados // por sua casa escura;
Coroada de elmo negro, // firme, a Fmea Sem Nome
Dava-lhe de comer // do po dos frreos cestos.
Suas setas flamantes, // um arco igual o da noite,
Quando cada a peste, // no precisa de outra arma;
Pura mesmo que nua, // mas obscuras suas partes
Por cruis nuvens no ar negro, // ela foi noite muda,
Pois jamais se ouviu som // da sua lngua de ferro,
At sofrer de Orc // seu abrao de fogo.

67

O alexandrino antigo (tetradecasslabo), com dois hemistquios hexasslabos graves no


esquema padro, est na poesia de Fagundes Varela, Castro Alves e outros, tendo sido usado
modernamente por Murilo Araujo, que o empregou necessitando de um ritmo pomposo,
longo e solene (apud Chociay, 1974: 125). Este ritmo, porm, no parece adequado para
Amrica, pois, como se pode observar no exemplo, por mais que variemos o curso intensivo
de cada hemistquio, muito difcil obter mais de seis slabas intensas em um verso. Alm
disso, as prprias variaes de lugar dos acentos so bastante limitadas, o ritmo tendendo para
a monotonia.
Manuel Portela pode ter percebido estas intenes rtmicas de America: o verso na sua
traduo no est arranjado num esquema mtrico pr-fixado; ou seja, no tem um nmero
fixo de slabas por verso. Porm, ao mesmo tempo, no vemos uma preocupao com seguir
as unidades de ritmo verso a verso. Um exemplo:
(P) A filha sombria de Urthona estava de p diante de Orc vermelho,
x / x x / x x / x / x x / \ x / x /
The shadowy daughter of Urthona stood before red Orc,
x
/ x
/ x x x / x| /
x /
/ /
(S) A filha sombrosa de Urthona firme ante o rubro Orc,
x / x x / x x / x|/
x x / x /

Na traduo de Portela (Blake, 2005: 79), o maior nmero de acentos sem pausa,
praticamente um nico membro na linha (note-se a sinalefa em Urthona^estava), fazem o
andamento do verso consideravelmente mais rpido (um tempo mais acelerado, porm com
mais batidas) que o original (um tempo mais lento, com menos batidas). O que alonga o verso
de Portela , podemos de pronto notar, o item stood. A dificuldade est no fato de que no
parece haver equivalente em portugus para stood, que expresse todo o seu significado.
Aqui, o tradutor, procurando alcanar todo o detalhe da imagem, e no encontrando a palavra
que compreendesse o sentido de stood, ou melhor, optou por um conjunto de quatro itens:
stood estava de p diante de. Para quem compara o original e a traduo, a traduo traz
um efeito explicativo. Para o leitor da traduo, a sentena d uma impresso semelhante
68

prosa. Preferi traduzir o item problemtico por firme, procurando afastar a semelhana com
a prosa, apesar do risco de no reproduzir totalmente o sentido de stood, o que certamente
prejudica o detalhe da imagem contido no original.
Observa-se o mesmo problema de traduo em alguns outros pontos do texto, que teve
solues diferentes nas duas tradues:
Heads deprest, voices weak, eyes downcast, hands work-bruisd
/
x / | / x
/ | /
/
\ | /
/
\
(P) Cabeas abatidas, vozes vacilantes, olhos cabisbaixos, mos maceradas do trabalho
x / x x x/ x| / x x x/ x |/ x x x / x | / x x / x x x /
(S) Cabeas desalentadas, vozes caladas, olhos abatidos, mos calejadas,
x / x x\ x / x | / x x / x|/ x x x/ x | / x x/
(Gravura 3)

Portela traduziu o neologismo work-bruisd com o sintagma/seqncia maceradas do


trabalho, procurando alcanar o mximo do sentido do original (Blake, 2005: 83). A palavra
calejadas, em minha traduo, acredito que consegue o mesmo sentido, fazendo o mesmo
nmero de acentos primrios que tem o ltimo membro deste verso. De todo modo, perdi o
neologismo.
Let the slave grinding at the mill, run out into the field
/ x /
/ x x x / | / / x x x /
(P) Que o escravo a labutar no engenho corra l para fora para os campos
x
/ x x x /
x / x |/ x / x x / x x x /
(S) Deixai o escravo que se esgota no moinho; correr para o campo;
x / x / x x x / x x / x |x / x x /
(Gravura 6)

Aqui, Portela (Blake, 2005: 87) novamente alonga o verso para deixar bem claro o sentido:
run out traduzido por corra l para fora, o que certamente d um efeito mais prosaico que
o original.
Rise and look out. his chains are loose, his dungeon doors are open
/
x \ / | x
/ x
/ | x / x /
x / x
(P) Se erga e olhe l para fora, as cadeias soltas, as portas do calabouo abertas
/ x / x / x x / x| x x / x / x | x / x x \ x / x / x
(S) Levantar e ver. Suas correntes esto soltas, e as portas da priso abertas
xx / x / | x x / x x x / x | x / x x x / x / x
(Gravura 6)

69

Analisando o exemplo acima, e o anterior, percebemos que o tradutor portugus teve uma
tendncia a alongar na traduo dos phrasal verbs. Tnhamos visto corra l para fora para o
ingls run out; agora vemos look out, olhe l para fora, na traduo de Portela (Blake,
2005: 87). Preferi traduzir simplesmente ver, que preserva o nmero de acentos, embora
no enfatize a imagem da liberdade do escravo (o complemento l para fora sem dvida
destaca que o escravo encontra-se dentro do calabouo).
J na traduo deste verso:
Blasfemous Demon, Antichrist, Hater of Dignities;
/ x x
/ x | / x \ | / x x / x \
(P) Demnio Blasfemo, Anti-Cristo, tu que odeias Dignidades
x / x x / x| / x / x| /
x / x x x /
(S) Blasfemo Demnio, Anticristo, inimigo das Dignidades;
x / x x / x| / x / x|xx/ x x \ x /
(Gravura 7)

aparentemente Portela e eu concordamos que a traduo direta para a o atributo hater of


Dignities que seria odiador das Dignidades no seria a melhor opo em portugus,
levando em conta o ritmo. tu que odeias Dignidades, a soluo de Portela (Blake, 2005: 89),
ainda que faa um acento primrio a mais que o original, mostra-se ritmicamente melhor
acomodada21 (/ x / x x x / ; que^odeias) que o meu inimigo das Dignidades (x x / x x \ x /),
embora assonante.
No somente no caso dos phrasal verbs que o tradutor portugus sente a necessidade
de explicitar o sentido, conforme mostra o seguinte verso (Gravura 11; Blake, 2005: 93):
And Bostons Angel cried aloud as they flew thro the dark night
x / x / x
/ x / x x / x
x /
/
(P) E o Anjo de Boston gritou bem alto enquanto voavam pela noite negra
x / x x / x x \
/ \ x / x / x x x / x /
(S) E o Anjo de Boston gritava enquanto voavam pela noite escura.
x / x x / x x / x / x / x x x / x /
21

Chociay dedica uma seo de sua Teoria do Verso anlise dos processos de acomodao, que so meios de
se alcanar a harmonia meldica de um poema, atravs da assimilao do acervo meldico da lngua por
parte de quem constri o verso: A feitura do verso pressupe o conhecimento e domnio tcnico de uma srie de
processos de acomodao silbica e acentual, para que se atinja o esquema desejado. A juno ou a separao de
vogais em contato, o acrscimo ou a supresso de slabas, o recuo ou o avano do acento forte vocabular so
algumas dessas solues que, atuantes ou latentes na fala, ganham no versejar valor operatrio (Chociay,
1974:14).

70

Em minha traduo, ao contrrio, suprimi informao, para manter o nmero de acentos na


linha, o que no foi possvel fazer em outro verso (Gravura 11; Blake, 2005: 95):
That mock him? who commanded this? what God? what Angel!
x
/
x |
/ x / x
/ | \
/ | \ / x
(P) Que faz pouco dele? Quem ordenou isto? Que Deus? Que Anjo?
x \ / x / x|
/ x/ x / x| x
/ | x / x
(S) Que escarnece dele? quem ordenou isto? qual Anjo? qual Deus!
x x / x / x | /
x / x / x| x
/ x| x
/

A dificuldade em manter os acentos na traduo do primeiro membro deste verso est no


verbo mock. Mas, nesse caso, penso que o acrscimo de acentos, especialmente na traduo
de Portela, revela-se um acrscimo positivo, pois torna possvel a simetria entre os dois
primeiros membros do verso, sem dar a sensao de que o verso se alongou, por serem
brevssimos os intervalos entre os acentos.
No verso n 4 da gravura 12, Portela expande o item down em l para baixo
(Gravura 12; Blake, 2005: 95):
(P) L para baixo, para a terra da Amrica; indignados desceram
/ x x / x | x x / x x / x x | x x / x x /
Down on the land of America. indignant they descended
/
x x
/ x x / x x|x / x / x / x
(S) Sobre a terra de Amrica. revoltados eles se lanam
/ x / x x / x x| x x / x / x x /

O verso acima est na passagem que revela ao leitor que o conflito at ento descrito acontece
nos cus:
So cried he, rending off his robe & throwing down his scepter.
In sight of Albions Guardian, and all the thirteen Angels
Rent off their robes to the hungry wind, & threw their golden scepters
Down on the land of America. indignant they descended
Headlong from out their heavnly heights, descending swift as fires
(Gravura 12)

O poeta refere-se, provavelmente, posio elevada, do ponto de vista do poder, que os Anjos
ocupam enquanto aliados do rei (aqui vemos os Anjos, ou os governantes das treze colnias
americanas, rebelando-se contra o rei), ou refere-se a um outro plano, batalha intelectual
entre as partes, agora em confronto. Aqui, embora Portela (Blake, 2005: 95) tenha conseguido
71

o mesmo nmero de acentos que o verso original, alonga a primeira parte do verso,
desdobrando-o em duas (L para baixo, | para a terra da Amrica;), quando no original
h uma seqncia de trs medidas dactlicas antes da primeira pausa intraversal. O
tradutor alonga o verso aparentemente porque sente a necessidade de marcar a
situao de conflito nesta altura do texto. Quando traduzi esta passagem, preferi
manter a construo do original, onde a situao de conflito nos cus est apenas
sugerida neste verso, para revelar-se propriamente no verso seguinte (Headlong from
out their heavnly heights, descending swift as fires / Das alturas celestiais, descendo velozes
como chamas). Alm de antecipar informao, a traduo de Portela inclui uma interferncia
do narrador: l para baixo sugere que o narrador est l em cima, quando no original o
narrador no participa dos fatos narrados.
In black smoke thunders and loud winds rejoicing in its terror
x /
/
/ x | x /
/ x/ x x x / x
(P) Em estrondos de fumo negro, os ventos atroavam rejubilando com o seu terror,
x x / x
x / x /
x / x x / x x \ x / x x x / x /
(S) Com troves de fumaa negra e ventos jubilantes de terror
x x / x x / x / x / x x x / x x x /
(Gravura 12)

Neste verso, Portela (Blake, 2005: 95) prefere seguir mais ou menos a ordem do original,
dando um movimento mais prosaico, enquanto optei por condensar o verso. A seguir, o
tradutor portugus procura seguir o sentido original, no verso cuja dificuldade o possessivo
de Bristols, que vai completar-se apenas no verso seguinte (And the Leprosy Londons
Spirit, sickening all their bands:):
Across the limbs of Albions Guardian, the spotted plague smote Bristols
x / x /
x / x
/ x | x / x /
/
/ x
(P) Aos membros do Guardio de Albion, a praga bexigosa atacou o Esprito de Bristol
x
/ x
x x
/
/ x |x / x x x / x x / x
/ xx x / x
(S) Pelo corpo do Guardio de Albion, a praga das manchas ganha Bristol
xx / x x x
/
/
x | x / x x / x
/ x / x
(Gravura 15)

72

Portela (Blake, 2005: 99) prefere explicitar em sua traduo (Esprito de Bristol),
quando opto por no acrescentar acentos, com prejuzo do sentido de Spirit, que personifica
a cidade de Bristol, como usual em Blake.

3.1.2 Paralelismo verbal: anfora

O verso de America ainda faz aproximao com o versculo de certos livros profticos,
no que se refere ao recurso do paralelismo verbal, especialmente a anfora. De Isaas, por
exemplo:
13And upon all the cedars of Lebanon, that are high and lifted up, and upon all the oaks of Bashan,
14And upon all the high mountains, and upon all the hills that are lifted up,
15And upon every high tower, and upon every fenced wall,
16And upon all the ships of Tarshish, and upon all pleasant pictures.
[Isaiah, Chapter 02, King James Version (Gospel Communications International, 2006)]

Na Bblia em portugus, os versculos de Isaas supracitados aparecem assim:


contra todos os cedros do Lbano, altaneiros e elevados, e contra todos os carvalhos de Bas;
contra todos os montes altaneiros e contra todos os outeiros elevados;
contra toda a torre alta e contra toda muralha fortificada;
contra todos os navios de Trsis e contra tudo o que parece precioso.
[Bblia de Jerusalm]
contra todos os cedros do Lbano, altos e sublimes; e contra todos os carvalhos de Bas;
contra todos os montes altos, e contra todos os outeiros elevados;
contra toda torre alta, e contra todo muro fortificado;
e contra todos os navios de Trsis, e contra toda a nau vistosa.
[Joo Ferreira de Almeida]
Todos os altos cedros do Lbano e os poderosos carvalhos de Bas se abaixaro at terra; todas as altas
montanhas e colinas, as altas torres, as muralhas, os altivos navios que cruzam os mares e as belas embarcaes
nos portos todos sero destrudos perante o Senhor nesse dia.
[O Livro]

O recurso utilizado nos versos de America:


They cannot smite the wheat, nor quench the fatness of the earth.
They cannot smite with sorrows, nor, subdue the plow and spade.
They cannot wall the city, nor moat round the castle of princes.
They cannot bring the stubbed oak to overgrow the hills.
(Gravura 9)

Estes versos foram traduzidos por Manuel Portela da seguinte forma:


73

Incapazes de destruir o trigo, ou de extinguir a abundncia da terra.


Incapazes de castigar com mgoas, ou de subjugar o arado e a p.
Incapazes de muralhar a cidade, ou de abrir fosso no castelo dos prncipes.
Incapazes de fazer o carvalho decepado cobrir as colinas.
(Blake, 2005: 91)

Como se v, o efeito rtmico parecido com o do original. Eu dei a seguinte traduo aos
mesmos versos:
No podem arrasar o trigo, nem assolar a fartura da terra.
No podem arrasar com tristezas, nem reprimir o arado e a enxada.
No podem muralhar a cidade, nem proteger o castelo com fosso.
No podem devolver s colinas os carvalhos decepados.
(Gravura 9)

Como Portela, tambm procurei trazer a anfora e o ritmo do original para a traduo.
Podemos identificar outras passagens que lembram o ritmo do livro de Isaas, mas
destacamos esta outra apenas:
Let the slave grinding at the mill, run out into the field;
Let him look up into the heavens & laugh in the bright air;
Let the inchained soul shut up in darkness and in sighing,
Whose face has never seen a smile in thirty weary years;
Rise and look out, his chains are loose, his dungeon doors are open.
And let his wife and children return from the opressors scourge;
They look behind at every step & believe it is a dream.
(Gravura 6)

Traduo de Portela:
Que o escravo a labutar no engenho corra l para fora para os campos,
Que olhe para os cus & ria no resplendor do ar;
Que a alma agrilhoada encerrada em escurido e mgoa,
Cujo rosto no conheceu sorriso em trinta penosos anos,
Se erga e olhe l para fora, as cadeias soltas, as portas do calabouo abertas.
E que a mulher e os filhos se libertem do ltego do opressor;
Olham para trs a cada passo & julgam que sonho.
(Blake, 2005: 87)

Minha traduo:
Deixai o escravo que se esgota no moinho; correr para o campo;
Deixai-o olhar para os cus & rir no ar brilhante;
Deixai a alma acorrentada calada no escuro aos suspiros,
Cujo rosto no viu sorriso durante tristes trinta anos;
Levantar e ver. Suas correntes esto soltas, e as portas da priso abertas
E deixai sua esposa e filhos retornarem do castigo dos tiranos;
Eles olham para trs a cada passo & acreditam que um sonho.
(Gravura 6)

74

A anfora de Portela apresenta-se mais como a expresso de um desejo, Que tal situao
acontea, o que no deixa de representar de alguma forma a anfora original. Porm, o
original, marcado com o verbo let, mais imperativo, mais urgente. Assim, preferi seguir a
anfora com o verbo deixar. De maneira geral, como vimos, um recurso que pode ser
reproduzido sem dificuldade, seguindo-se a ordem do original.

3.1.3 Paralelismo rtmico e assonncias

No mais, o verso de America segue mais enftico que o versculo ingls de Isaas,
devido maior freqncia das grandes pausas: a cada sete acentos. A dificuldade surge
quando h paralelismo rtmico das clulas num determinado verso ou membro de verso. Eis
alguns exemplos:
Meet on the coast glowing with blood from Albions fiery Prince.
/
x x / | / x
x
/ |
(Gravura 3)

A traduo de Portela faz um outro movimento:


Renem-se na costa incandescente do sangue do Prncipe furioso de Albion.
x / x x x / x x x / x x / x
(Blake, 2005: 83)

O mximo que consegui foi uma simetria por meio da rima interna luzente-ardente, que talvez
lembre o par coast-blood do original:
Renem-se na praia luzente do sangue ardente do Prncipe de Albion.
x / x x | x / x x / x| x /
x / x|
(Gravura 3)

O problema o possvel efeito de rima previsvel, com os dois adjetivos de terminao


igual.

75

Acredito que, do ponto de vista rtmico, a traduo de Portela (Blake, 2005: 87), neste
verso, foi mais feliz que a minha:
The morning comes, the night decays, the watchmen leave their stations;
x / x
/ | x /
x / |
(P) Chega a manh, a noite esmorece, os vigias deixam os postos;
/ x x / | x / x x / x|
(S) Chega a manh, decompe-se a noite, os vigias deixam seus postos;
/ x x / | x x /
x / |
(Gravura 3)

Neste outro exemplo, Portela (Blake, 2005: 87) opta por clarificar o sentido enquanto eu
produzo uma simetria rtmica parcial:
Let the slave grinding at the mill, run out into the field:
/
/
x / x / | /
/ x/ x /
Que o escravo a labutar no engenho corra l para fora para os campos,
/ x x x /
x / x | / x / x / x
x
/
Deixai o escravo que se esgota no moinho; correr para o campo;
x / x x
/ x| x / x x / x
(Gravura 6)

O tradutor portugus deixou sem traduzir as pginas canceladas do original. O verso seguinte
pertence a uma dessas pginas:
And Earth conglobd, in narrow room, rolld round its sulphur Sun.
x
/
x
/ | x / x
/ |
E a Terra em globo, num quarto estreito, girou em torno do sulfreo Sol.
x / x
/ x| x / x / x |
(Gravuras Canceladas)

onde tentei acompanhar o movimento do paralelismo rtmico, como se pode ver acima; mas
poderia traduzido E a Terra em globo, numa cmara estreita, girou em torno do sulfreo
Sol, por exemplo, o que talvez esteja mais prximo do sentido original.
Para produzir o efeito desses movimentos rtmicos nos versos, as posies dos acentos
so reforadas pelas assonncias, que aparecem consideravelmente em America: o verso Let
the slave grinding at the mill, run out into the field:, acima exposto, um exemplo desses
movimentos rtmicos assonantes. Neste caso em particular, o recurso utilizado para marcar a
oposio mill-field, que importante na poesia de Blake. O poeta refere-se freqentemente s
fbricas the dark satanic mills (Milton, Erdman, 1988: 95) , como uma sntese da
76

sociedade industrial. Nesta passagem, o jogo assonante remete oposio priso-liberdade.


Em minha traduo, a posio sinttica dos dois termos foi mantida, mas perdi a assonncia,
tirando o destaque da oposio de idias, pois a simetria da terminao em o de moinho e
campo praticamente irrelevante. A opo de Portela por engenho e campos tampouco
refaz a assonncia.
Da mesma forma, o movimento assonante Meet on the coast glowing with blood, no
verso j comentado, foi traduzido pelo tradutor portugus como Renem-se na costa
incandescente do sangue, perdendo a assonncia, e foi por mim traduzido como Renem-se
na praia luzente do sangue ardente, transferindo a simetria sonora dos objetos para os
atributos. Perdeu-se o tom lgubre criado pela assonncia com as vogais escuras.
Abaixo, temos um outro movimento assonante no interior de um verso:
Dark is the heaven above, & cold & hard the earth beneath;
(Gravura 14)

Procurei refazer a assonncia:


Escuro o cu nas alturas, & fria & dura embaixo a terra;
(Gravura 14)

quando Portela opta por traduzir:


Negros esto os cus l em cima, & fria & dura a terra c em baixo;
(Blake, 2005: 97)

fazendo um paralelismo mais direto, l em cima-c em baixo.


Nos versos 1 e 2 da gravura 9, vemos assonncias internas:
Sound! sound! my loud war-trumpets & alarm my Thirteen Angels!
Loud howls the eternal Wolf! the eternal Lion lashes his tail!

Blake faz assonncia nas palavras sound-loud-howls e war-alarm. Na traduo de Portela


ficou:

77

Soai! soai! estridentes trombetas de guerra & alertai os meus Treze Anjos!
Alto uiva o Lobo eterno! Estala a cauda o Leo eterno!
(Blake, 2005: 91)

o que d a rima soai-alertai e a assonncia alto-cauda. Minha traduo:


Soai! soai! minhas altas cornetas de guerra & alertai meus Treze Anjos:
Alto uiva o Lobo eterno! o Leo eterno agita a cauda!
(Gravura 9)

Creio que lembra o ritmo de Blake: soai-altas-alertai; cornetas-treze; alto-cauda.


Mais freqentes so as assonncias de um verso a outro. Por exemplo:
For every thing that lives is holy, life delights in life;
Because the soul of sweet delight can never be defild.
(Gravura 8)

As assonncias holy-soul e thing-in/sweet-be, mais as repeties life-life e delights-delight,


em assonncia com defild, so a chave do efeito rtmico desses versos. Manuel Portela
traduziu assim:
Pois tudo o que vive sagrado, a vida tem prazer na vida;
Pois jamais alma doce e deleitosa pode ser maculada.
(Blake, 2005: 89)

lembrando o ritmo do original no primeiro verso, com vive-vida-vida. O par prazer-ser recebe
menos destaque, pelo fato de os vocbulos estarem distantes um do outro.
Pois tudo o que vive sagrado, a vida tem prazer na vida;
Porque a alma de doce prazer no pode jamais ser maculada.
(Gravura 8)

Fao assonncia em alma-jamais-maculada (os a acentuados) lembrando um pouco o ritmo


do verso de Blake.
Um outro exemplo de assonncia entre versos seria:
Lover of wild rebellion, and transgresser of Gods Law;
Why dost thou come to Angels eyes in this terrific form?
(Gravura 7)

A traduo portuguesa no mostra preocupao com esses efeitos:

78

Amante da rebelio selvagem, e transgressor das Leis de Deus;


Porque apareces aos olhos do Anjo nesta forma terrfica?
(Blake, 2005: 89)

Procurei atentar para os movimentos assonantes; assim, traduzi:


Amante da louca revolta e transgressor das Leis de Deus;
Por que apareces aos Anjos sob esta forma espantosa?
(Gravura 7)

importante observar tambm as palavras onde caem os acentos, pois elas podem
estar recebendo um peso maior na construo das imagens, como no primeiro verso do
poema:
The shadowy daughter of Urthona stood before red Orc.
(Gravura 1)

no qual Orc, personagem central do poema, recebe todo o destaque, sendo o ltimo acento,
o que est disposto logo antes da pausa de fim de verso, normalmente o que fica mais vivo na
memria do leitor. Por esse motivo, deixei Orc no final do verso:
A filha sombrosa de Urthona firme ante o rubro Orc,
(Gravura 1)

Portela preferiu:
A filha sombria de Urthona estava de p diante de Orc vermelho,
(Blake, 2005: 79)

No verso 7 da gravura 2, a posio dos acentos d o destaque do verso palavra


thee:
I know thee, I have found thee, & I will not let thee go;
x /
/ |x x
/
/ |x x x / / x /
(Gravura 2)

Na traduo de Portela, esse destaque suavizado:


Sei quem s, encontrei-te, & no te deixarei ir embora;
(Blake, 2005: 81)

Em minha traduo, o destaque do verso passou Fmea Sombrosa, o eu da declarao:


79

Eu te conheo, eu te encontrei, & no te deixarei fugir;


(Gravura 1)

No sempre que encontramos este problema, a exemplo do verso Let the slave
grinding at the mill, run out into the field:, onde a posio dos acentos nas palavras por ele
destacadas no original foram mantidos sem esforo, tanto em minha traduo como na de
Portela, com prejuzo da assonncia mill-field, conforme j mencionado.

3.1.4 Correspondncia rtmica

Paulo H. Britto, em seu Para uma avaliao mais objetiva das tradues de poesia
(2002), formula o seguinte parmetro para a anlise do ritmo em traduo de poesia,
exemplificando com o caso do pentmetro jmbico ingls22:
x /|x/|x/|x/|x/
pentmetro jmbico
Pentmetro
verso longo

x /|x/|x/|x/|x/
decasslabo jmbico
decasslabo
verso longo

De acordo com esse parmetro, a medida que mais corresponde ao pentmetro jmbico seria o
decasslabo jmbico, considerando o ritmo de modo bem preciso. Passando gradativamente da
preciso para um tratamento geral do problema, consideraremos o mesmo pentmetro jmbico
um pentmetro apenas, traduzindo-o por um decasslabo, e no daremos importncia
natureza das clulas rtmicas. Se tomarmos o pentmetro jmbico simplesmente como um
verso longo, a traduo ser um verso longo, perdendo, assim, cada vez mais a preciso do
ritmo, correspondendo cada vez menos ao ritmo do original. Considerando a funo e a
configurao do ritmo em America, podemos reescrever o esquema da seguinte maneira:

22

Adaptei o esquema de Britto (2002) para o pentmetro jmbico padro.

80

Seqncias das clulas mtricas


Seqncias de acentos nos membros de versos
Seqncias de membros de versos
sete acentos por verso

clulas mtricas idnticas


seqncias idnticas de acentos nos membros de versos
seqncias idnticas de membros de versos
sete acentos por verso

Analisando o ritmo de America e sua traduo com base nos parmetros acima, temos
os seguintes resultados:
- As tradues apresentam um efeito entoativo prximo do original, por terem um nmero
parecido de acentos.
- Minha traduo mantm mais vezes o mesmo nmero de pausas intraversais do texto
original do que a traduo de Portela.
- Mostro uma preocupao maior com as seqncias dos membros de versos, ou nmero de
clulas rtmicas numa seqncia intraversal, fazendo aproximao com o ritmo original de
cada verso, tanto quanto me foi possvel.
- As seqncias de slabas nas clulas rtmicas no so perfeitamente idnticas s originais,
nas duas tradues. Na verdade, no h uma necessidade absoluta de equiparar perfeitamente
as clulas rtmicas, uma vez que o original explora todas as possibilidades de clulas rtmicas,
o que nos permite fazer clulas de cinco slabas (uma acentuada e trs tonas, que o limite
mximo de uma clula rtmica em portugus) sem destoar do efeito rtmico geral do poema;
no desejvel, porm, que se acumulem clulas longas numa seqncia, o que dilui o ritmo
e o torna prosaico. As clulas mais longas que as do original tambm dificultam seguir os
movimentos de cada verso. Holmes (1970) nota que a similaridade rtmica neste nvel
depende do quo parecidas sejam as estruturas das lnguas envolvidas na traduo. No caso da
traduo do ingls para o portugus, possvel reduzir o tamanho das clulas na lngua de
chegada, escolhendo-se palavras curtas. Embora desejasse obter na traduo clulas idnticas
s do original, para captar os mesmos movimentos de cada verso, estou segura de que o
procedimento de reduzir o nmero de tonas entre as tnicas repetido de maneira exagerada
neste poema produz um ritmo artificial, distante do que seria uma dico proftica em
81

portugus. America precisa de uma linha mais livre para comportar the roll and thunder of
apocalyptic vision (Frye, 1995: 185).

3.2 Aliteraes

Outra qualidade potica que vemos em America so as aliteraes. Disse


anteriormente que no stimo verso da primeira estrofe h recursos de grande efeito que
valorizam os ltimos trs acentos. uma seqncia assonante com aliteraes:
save where clouds roll round her loins,
/
x
/
/ /
x /

(Gravura 1)
onde os pares aproximados pelas assonncias clouds-round, where-her e roll-loins mais as
aliteraes em r (where-roll-round) e em l (clouds-roll-loins), que aproxima os dois
objetos da imagem, clouds e loins, enfatizam ou tornam mais visvel o movimento das
nuvens em torno dos quadris da Fmea Sombrosa. Tericos da traduo de poesia (Campos,
[...]; Britto, 2004, 2006; Vizioli, 1991) sugerem que, para preservar o potico, preciso
refazer a aliterao onde existe aliterao e refazer tambm os outros recursos similares
usados pelo poeta. Entende-se, porm, que no basta pr na traduo uma aliterao onde ela
ocorre no original, nem simplesmente compensar a aliterao do original com a aliterao em
outra passagem da traduo quando no for possvel coloc-la no lugar escolhido, quando a
aliterao mais que um ornamento; preciso que a aliterao seja relevante naquela
passagem, e que estabelea um lao entre o significante e o significado, como o caso no
verso 7 da gravura 1 de America. Examine-se a minha traduo da passagem aliterativa de
Blake em questo:
Invulnervel mesmo nua, salvo onde as nuvens envolvem seus rins,
(Gravura 1)

82

A aliterao em v no parece corresponder imagem que o poeta quis destacar, e teria sido
melhor evit-la no fosse a aproximao que provoca entre salvo e envolvem, que, junto do
som de

(salvo-nuvens-envolvem) capta algo do movimento rtmico, o que recupera parte do

efeito visual da passagem aliterativa. Talvez eu tivesse eliminado o v em nuvens, se o


termo no encerrasse um smbolo de Blake (ver nota 9 da traduo em Anexo).
Outros dois exemplos de aliteraes esto nos versos 9 e 10 da gravura 4 de America:
Of iron heated in the furnace; his terrible limbs were fire
With myriads of cloudy terrors banners dark & towers
(P) De ferro aquecida na fornalha; os seus membros terrveis eram fogo
Cercado de mirades de terrores nublados, estandartes negros &
(S) Do ferro abrasado em fornalha; seus terrveis membros eram fogo
De incontveis nebulosos terrores negros estandartes & torres
(Gravura 4)

Pude repetir, no par de versos acima com aliteraes em r, que se repete dez vezes
quatro vezes o som R e cinco vezes o r. Poderia ter feito um r mais, usando a palavra
mirades, como foi a opo de Portela (Blake, 2005: 85), mas preferi manter o jogo
assonante incontveis-estandartes / terrores-torres, para lembrar o original cloudy-terrors /
dark-towers.
Como ltimo exemplo de aliterao, temos o verso de encerramento do poema:
And the fierce flames burnt round the heavens, & round the abodes of men
(P) E as chamas ardentes cercaram os cus, & as moradas dos homens.
(S) E as flamas ferozes arderam em torno dos cus, & em torno das moradas dos homens
(Gravura 16)

O destaque primeiro deste verso est na aliterao em f. Como a circunstncia permitia


escolher entre um nmero razovel de possibilidades para fierce flames, consegui flamas
ferozes na traduo, que d o mesmo destaque que o existente no verso original. Na traduo
de Portela (Blake, 2005: 103), h cercaram os cus, que tem um efeito menor, pois h uma
distncia maior entre as slabas que formam a aliterao em c.

83

A questo de traduzir uma aliterao exige cuidado, pois uma escolha pode
ridicularizar o texto traduzido, como diz Lefevere (1975), sendo prefervel, como ltima
alternativa, ignorar o recurso.

3.3 Colocaes blakeanas

Alm do ritmo proftico, as assonncias e as aliteraes, um aspecto muito marcante


neste texto so as colocaes peculiares, que constituem um forte sinal da identidade potica
blakeana. Colocao designa uma combinao lxico-sinttica (Sinclair, 1991), casos de coocorrncia lxico-sinttica, ou seja, palavras que usualmente andam juntas (Tagnin apud
Costa & Guerini: 02). O conceito de colocao, afirmam Costa & Guerini (2006: 02),
parece talhado para ajudar a explicar a elusiva noo de poeticidade, assim como o idioleto
de certos autores, sobretudo os inovadores.
Quando falo nas colocaes peculiares de Blake, refiro-me principalmente sua
maneira de apresentar os objetos, vindo sempre acompanhados de adjetivos. Blake geralmente
atribui um ou mais adjetivos para cada objeto; por exemplo:
Silent as despairing love, and strong as jealousy,
The hairy shoulders rend the links, free are the wrists of fire;
Round the terrific loins he siezd the panting struggling womb;
It joyd: she put aside her clouds & smiled her first-born smile;
As when a black cloud shews its lightnings to the silent deep.
(Gravura 2)

Para Blake, era importante delinear suas imagens, que elas aparecessem aos olhos do leitor de
um modo muito vivo e claro, pois suas obras da Imaginao se caracterizam justamente pela
vivacidade. A obra de arte, segundo Blake, o melhor meio de mostrar que as formas mentais
so mais reais que a realidade percebida pelos sentidos (em contraste com a realidade
percebida atravs dos sentidos) (Erdman, 1988: 492).

84

Como essas colocaes blakeanas do tipo panting struggling womb constituem um


trao importante do poema, e mesmo do conjunto da obra potica de Blake, sua recriao
poderia contribuir para produzir no texto traduzido o que os leitores do original reconhecem
como estilo, ou tom, blakeano. o que sugerem Costa & Guerini (2006: 02-03) para a
traduo das colocaes poticas, valendo-se de exemplos de Leopardi e Hopkins no original
e em traduo para o portugus. No encontrei outro modo de fazer isto que no fosse
praticamente a traduo direta do original:
Mudos como amor desesperante, e fortes como cime,
Os braos peludos rompem os elos, os punhos livres do fogo;
Cercando os rins alarmantes ele domina o ventre convulso;
Alegria: ela afasta as nuvens & sorri o primognito sorriso;
Como nuvem negra que revela relmpagos ao mudo abismo.
(Gravura 2)

Analisando a poeticidade a partir do conceito de colocao, Costa & Guerini (2006) afirmam
que A combinao das colocaes idiossincrticas e expressivas nos causam um certo
estranhamento motivado, ou seja, no apenas o estranhamento por ser diferente do uso normal
da lngua mas um estranhamento que vem carregado de informao (emotiva, imaginativa,
intelectual). Para levantar dados sobre esse tipo de uso colocacional, pode ser til a
ferramenta de busca Google, que, embora
no seja um instrumento cem por cento fidedigno como indexador das
pginas disponveis na internet, certamente um dos mais eficientes e
confiveis para explorar o conjunto de pginas online em portugus que
formam o mais completo corpus da lngua no momento. To confivel que o
WebCorp (http://www.webcorp.org.uk/), um site mantido pela School of
English, da University of Central England, Birmingham, Reino Unido, usa o
Google como seu motor de busca padro (Costa & Guerini, 2006: 04).
Assim, uma pesquisa simples no Google, alm de contribuir para um conhecimento mais
refinado do texto, pode oferecer bases para uma avaliao da traduo. Analise-se a minha
traduo dos sintagmas dos versos acima apresentados:

85

silent as despairing love


strong as jealousy
hairy shoulders
terrific loins
panting struggling womb
first-born smile
black cloud
silent deep

ocorrncias Google
19 (de America e
The Four Zoas)
18 (15 de Blake)

(S)
mudos como amor desesperante

ocorrncias Google
0

fortes como cime

681
(vrios
contextos)
35 (32 de Blake)
23 (America)
28 (21 de Blake)
839.000
(vrios
contextos)
16.800
(vrios
contextos)

braos peludos

2 (texto informativo,
resenha)
295
(vrios
contextos)
0
3
1 (prosa potica)
52.400
(vrios
contextos)
2

rins alarmantes
ventre convulso
primognito sorriso
Nuvem negra
mudo abismo

Segundo os resultados, h uma correspondncia balanceada entre original e traduo no que


se refere s colocaes estranhas e as mais usuais. Assim, mudos como amor desesperante
to incomum quanto silent as despairing love do original blakeano. As combinaes fortes
como cime e primognito sorriso no so totalmente incomuns em portugus, e tampouco
strong as jealousy e first-born smile. Hairy shoulders e braos peludos so
colocaes mais ou menos comuns nas duas lnguas; black cloud e nuvem negra so
colocaes muito comuns no ingls e no portugus. A combinao mudo abismo pouco
usada, enquanto silent deep comum em ingls; terrific loins, que no exclusivamente
blakeano, deu rins alarmantes que no apresenta resultados na rede. Infelizmente, na
traduo de panting struggling womb, uma construo muito blakeana, decidi deixar
ventre convulso, para no ultrapassar o nmero de sete acentos no verso.
A traduo de Portela para os mesmos versos foi:
Silenciosos como o amor desesperado, e fortes como o cime,
Os ombros peludos quebram os elos, libertam-se os punhos de fogo;
Rodeando os terrveis rins ele agarrou o ventre ofegante e convulsivo,
Que rejubilou: ela afastou as nuvens & sorriu o sorriso primognito,
Como quando da nuvem negra os raios rasgam o abismo silente.
(Blake, 2005: 81)

A busca de suas escolhas na rede deram o seguinte resultado:

86

silent as despairing love


strong as jealousy
hairy shoulders
terrific loins
panting struggling womb
first-born smile
black cloud
silent deep

ocorrncias Google
19 (de America e
The Four Zoas)
18 (15 de Blake)
681
(vrios
contextos)
35 (32 de Blake)
23 (America)
28 (21 de Blake)
839.000
(vrios
contextos)
16.800
(vrios
contextos)

(P)
Silenciosos como
desesperado
fortes como o cime
ombros peludos

amor

terrveis rins
ventre ofegante e convulsivo
sorriso primognito
nuvem negra
abismo silente

ocorrncias Google
0
0
5 (vrios contextos)
0
0
0
52.400
contextos)
0

(vrios

As escolhas de Portela para as mesmas colocaes desta passagem do poema so


aparentemente mais estranhas em portugus que as originais em ingls. Por exemplo, abismo
silente e ombros peludos so muito menos comuns que silent deep e hairy shoulders.
Para panting struggling womb, Portela fez ventre ofegante e convulsivo, que, apesar de
ser, a colocao exata, incomum (ventre ofegante apresenta uma ocorrncia na rede), no
corresponde bem ao efeito blakeano, pelo uso da conjuno, que torna prosaica a orao.
Este tipo de construo, com excesso de adjetivos, exerce um papel importante na
configurao simblica do texto. Por exemplo, tudo o que branco, cinza, azul, glacial, velho
e outros adjetivos do mesmo campo semntico tem a ver com Urizen:
The Heavens melted from north to south; and Urizen who sat
Above all heavens in thunders wrapd, emergd his leprous head
From out his holy shrine, his tears in deluge piteous
Falling into the deep sublime! flagd with grey-browd snows
And thunderous visages, his jealous wings wavd over the deep;
Weeping in dismal howling woe he dark descended howling
Around the smitten bands, clothed in tears & trembling shuddring cold.
His stored snows he poured forth, and his icy magazines
He opend on the deep, and on the Atlantic sea white shivring.
Leprous his limbs, all over white, and hoary was his visage.
(Gravura 16)

E assim, na traduo de Portela:

87

Os Cus derretem de Norte a Sul; e Urizen, que estava sentado


Acima dos cus, envolto em troves, assomou a cabea leprosa
Do seu templo sagrado, as suas lgrimas em triste dilvio
Caam no abismo sublime! Flanqueadas por neves de frontes cinzentas
E rostos trovejantes, as suas asas ciumentas ondularam sobre o abismo;
Num pranto de dor lancinante, desceu negro a gritar
Em redor das hostes desbaratadas, de lgrimas vestido & a tremer de frio.
Derramou as neves armazenadas, e lanou o seu paiol de gelo
Sobre o abismo, e sobre o mar Atlntico num calafrio branco.
Os membros leprosos, inteiramente brancos, e encanecido o rosto.
(Blake, 2005: 101-103)

e em minha traduo:
Os Cus derreteram de norte a sul; e Urizen que sentou-se para alm
De todos os cus em troves envolto, emergiu sua cabea leprosa
Para fora do seu templo sagrado, suas lgrimas em trgico dilvio
Caindo no sublime abismo! Revestido de neve cinzenta
E de aparncia trovejante, suas asas ciumentas voaram sobre o abismo;
Gritando em descomunal desgraa escuro desceu uivando
Em torno das tropas arrasadas, vestido de lgrimas & tremendo estremecendo frio.
Sua neve acumulada verteu, e seus depsitos gelados
Abriu sobre o abismo, e sobre o mar Atlntico tiritando branco.
Leproso o seu corpo, todo branco, grisalha de gelo sua aparncia.
(Gravura 16)

Uma pesquisa no Google ajudou a identificar as colocaes mais caractersticas do


autor e tambm as de uso freqente no original e nas duas tradues desta passagem sobre
Urizen:

88

in
thunders
wrapd
Leprous head
holy shrine
Deluge piteous
deep sublime
grey-browd
snows
thunderous
visages
Jealous wings
dismal howling
woe
dark descended
howling
Smitten bands

G
3 (todas de
Blake, America)
34 (13 de
Blake,
America)
191.000
(contextos
variados)
16
(15
de
Blake,
America)
2.700 (maioria
de
contexto
sexual)
17
(16
de
America)
65
(Blake,
algumas de A
Song of Liberty)

(P)
envolto
em
troves
cabea leprosa

G
1 (Pokmon)

templo sagrado

templo sagrado

triste dilvio

58.800
(contextos
variados)
1 (poesia)

abismo sublime

sublime abismo

neves de frontes
cinzentas
rostos
trovejantes

neve cinzenta
aparncia
trovejante

1.540 (maioria
de
Milton,
LAllegro)
20 (Blake e
sobre Blake)

asas ciumentas

1 (traduo de
A
Song
of
Liberty,
por
Denis Urgal)
1 (Uma Cano
de Liberdade,
Urgal)
0
(dor
lancinante:
541, contextos
diversos)
0

17 (contextos
variados)
0

11 (todas de
America)
21 (4 de outros
contextos)
6 (5 de Blake, 1
de
outro
contexto
potico)
16 (Blake)

Stored snows

11
(10
Blake)

icy magazines
white shivring

clothed in tears

trembling
shuddring cold

leprous his
limbs
all over white
Hoary was his
visage

pranto de dor
lancinante
desceu negro a
gritar
hostes
desbaratadas
de
lgrimas
vestido

(S)
em troves
envolto
cabea leprosa

trgico dilvio

asas ciumentas
descomunal
desgraa
escuro desceu
uivando
tropas arrasadas

vestido de
lgrimas

a tremer de frio

481 (contextos
diversos)

neves
armazenadas

tremendo
estremecendo
frio
neve acumulada

10 (7 de Blake)

paiol de gelo

87
(vrios
contextos)
11 (s Blake)

calafrio branco

Membros
leprosos
inteiramente
brancos
encanecido
rosto

17.200
(diversos)
9 (todos
Blake)

de

de

446 (diversos)
o

depsitos
gelados
tiritando branco
leproso o seu
corpo
todo branco
grisalha de gelo
sua aparncia

G
0
0
58.800
(contextos
variados)
1 (contexto
bblico)

1 (Uma Cano
de Liberdade,
Urgal)
1 (teatro)

0
4 (texto
informativo)
32 (msica
popular, poesia)
0
1.370
(contextos
diversos)
3 (texto
informativo)
0
0
32.900
(diversos)
0

No caso de thunderous visages, uma colocao exclusivamente blakeana segundo a


pesquisa, foi traduzido por Portela como rostos trovejantes, e por mim como aparncia
trovejante, ambas sem nenhuma ocorrncia no Google, um dado que aproxima ambas as
89

tradues do original. Holy shrine, de uso corrente, permaneceu nas duas tradues templo
sagrado, que tambm uma colocao usual.
No entanto, comparando o nmero de ocorrncias, v-se que o efeito das colocaes
nos dois textos traduzidos nem sempre corresponde s do original. Para smitten bands, que
no pode ser considerada propriamente uma colocao blakeana, visto que foram encontradas
ocorrncias em outros contextos, Portela usou hostes desbaratadas, que no existe na
pesquisa Google, o que, sob o princpio da originalidade, parece mais efetivo que a
construo original, embora no faa uma boa acomodao rtmica na linha.
Minha opo para clothed in tears que na rede ocorre uma vez fora do contexto
blakeano , vestido de lgrimas, aparece vrias vezes em contexto de msica popular ou
poesia, mas, por considerar uma bela imagem, nessa exata seqncia lxico-sinttica, preferi
mant-la assim. A colocao de Portela, com a inverso, nica.
J com relao ao sintagma trembling shuddring cold, muito blakeana, no abri
mo de procurar algo que pudesse lembr-la, tentando a colocao tremendo estremecendo
frio. No portugus lusitano de Portela, a tremer de frio, que d muitas ocorrncias na rede
em contextos variados, provavelmente est mais longe de representar o original.
Foi encontrado um resultado para stored snows fora do contexto de Blake, nenhum
para neves armazenadas, traduo de Portela, e muitas ocorrncias para neve acumulada,
a minha opo. Icy magazines aparece dez vezes na pesquisa, a maioria em America de
Blake. A escolha de Portela, paiol de gelo, no aparece nenhuma vez, enquanto depsitos
gelados, minha traduo, traz alguns resultados.
White shivring no uma colocao idiossincrtica, que Portela transformou numa
bela traduo: calafrio branco, dando a mesma idia. tiritando branco a minha escolha,
que aparentemente tampouco uma colocao comum.

90

Portela traduz a usual all over white, por inteiramente branco, menos usado que
minha colocao todo branco, a qual talvez transmita melhor a inteno do original.
As diferentes tradues parecem sugerir, para esse texto, que o tradutor pode explorar
formas variadas de adjetivos, no necessariamente tendo de recorrer ao equivalente sugerido
pelo original, desde que o item escolhido faa parte do mesmo campo semntico. Afinal, o
leitor precisa ser situado e gradativamente acostumado a identificar que, quando a imagem
traz um adjetivo como branco ou velho, a situao est relacionada a Urizen.
No h dvida de que a colocao idiossincrtica em poesia um dos elementos
marcantes em America. Porm, a pesquisa das colocaes nos confirma que uma colocao
estranha na traduo no garantia de se atingir um efeito anlogo ao original. Ainda que a
traduo de Portela para smitten bands (hostes desbaratadas) seja uma combinao
incomum na lngua, talvez tropas arrasadas cause mais efeito no verso 8 da gravura 16. Ou
seja, a originalidade pode ser apenas um dos aspectos de uma colocao potica, aspectos
estes que nem sempre so fceis de se descrever objetivamente.
Para mostrar alguns detalhes do estilo blakeano de discurso, isolei colocaes que
correspondessem do original s tradues. Esta me pareceu a nica maneira de analisar, uma
vez que as duas tradues no se afastam do original nesse sentido, talvez por causa dos
smbolos de Blake.

3.4 Smbolos

A poesia simblica blakeana vem de uma tradio que remete doutrina das
correspondncias, cuja principal influncia o misticismo do alemo Jakob Bhme (15751624) e do sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772), que viam o mundo externo como um
sistema de smbolos a revelar o mundo espiritual na forma material (Preminge & Brogan,
91

1993: 1251). Na poca de Blake, a idia de que a natureza a linguagem visual de Deus, ou
Esprito, tornou-se um dos pilares da poesia, com duas transformaes fundamentais: os
mundos material e espiritual agora esto fundidos, no sendo mais vistos simplesmente como
a representao e a coisa representada; e, em conseqncia, os sentidos dos smbolos
tornaram-se menos fixos e mais ambguos (Preminge & Brogan: 1251). Segundo Damon
(1985: 17), a simbologia, para Blake, um recurso literrio no qual realidades psicolgicas
surgem do subconsciente e assumem formas sensoriais. Blake parece antecipar os Novos
Crticos na teoria de que poetry gives us another and higher kind of truth, a truth of human
existence which is more complex and profound than that of mere fact and science (Preminge
& Brogan, 1993: 1251-2).
Dentre as abordagens modernas do conceito de smbolo, a que se adequa melhor a este
trabalho aquela segundo a qual os smbolos podem derivar de imagens literais ou figurativas
ou ambas, as a kind of figurative language in which what is shown (normally referring to
something material) means, by virtue of some sort of resemblance, suggestion, or association,
something more or something else (normally immaterial) (Preminge & Brogan, 1993). Com
base em Damon (1988), refiro-me aos smbolos de Blake como itens que realizam sentido
para alm da linguagem comum. Recorrentes nos diferentes livros, compem um sistema
prprio do poeta e significam mais do que seu significado aparente.
Apesar de se tornarem termos especiais (cloud, por exemplo) dentro do contexto de
sua obra, reconhecveis de um poema a outro, os smbolos de Blake como os termos
filosficos are also parts of anyones unreflective vocabulary. (...) words that anyone knows
how to use, at least as long as they do not stop to think about them (Re, 2001: 230). Essa
dupla referncia do termo simblico blakeano remeter ao mesmo tempo a alguma coisa
conhecida e a alguma coisa desconhecida da linguagem corrente que impe a necessidade
de uma traduo exata desses itens, quer esta necessidade seja ilusria ou no. Assim, o

92

tradutor levado a escolher equivalentes diretos dos itens originais, por meio da traduo
literal. Como os termos simblicos de Blake so universais (isto , nuvem pode funcionar
como smbolo mais ou menos da mesma forma que cloud), no h maiores dificuldades em
traduzi-los dessa maneira para que continuem smbolos. por isso que, ao traduzir America,
tomei cuidado na escolha das palavras, principalmente dos substantivos, um cuidado
excessivo, talvez, mas justificvel pela natureza da obra. Acredito que Portela tambm tenha
se sentido desconfortvel para fazer combinaes mais ousadas, como tentar traduzir uma
aliterao, por exemplo, por causa da complexa rede simblica do texto.
Procurei esclarecer os smbolos em notas de rodap; por meio delas, podemos ter uma
idia da simbologia de Blake em America. S na gravura 1 (Erdman, 1988; object 3 in Eaves,
Essick & Viscomi, 2006), por exemplo, identifiquei 19 smbolos23:
Shadowy Female
Urthona
Orc
fourteen
Sun
Iron
Bow
Night
Cloud
Loins
Air
Tongue
tenfold
Serpent
Eagle from Mexico
Lion from Peru
Whale from the South-sea
Serpent from Canada
Cavern

A lista ilustra a dificuldade que o tradutor enfrenta em fugir dos equivalentes imediatos desses
itens em favor de algum outro elemento potico do texto. Assim, procurei equivalentes que
julguei adequados para cada um dos itens simblicos:

23

Considerando, claro, apenas o texto escrito da pgina. Se considerasse o texto pictrico, distinguiria mais
smbolos, como a rvore do conhecimento, Los e Enitharmon.

93

Shadowy Female
Urthona
Orc
fourteen
Sun
Iron
Bow
Night
Cloud
Loins
Air
Tongue
tenfold
Eagle from Mexico
Lion from Peru
Whale from the South-sea
Serpent from Canada
Cavern

(S)
Fmea Sombrosa
Urthona
Orc
Catorze
Sol
Ferro
Arco
Noite
Nuvem
Rins
Ar
Lngua
Decuplas
guia do Mxico
Leo do Peru
Baleia do Mar do Sul
Serpente do Canad
Caverna

(P)
Mulher Sombria
Urthona
Orc
Catorze
Sol
Ferro
Arco
Noite
Nuvem
Rins
Ar
Lngua
--guia do Mxico
Leo do Peru
Baleia dos Mares do Sul
Serpente do Canad
Caverna

e confesso que, em alguns casos, no consegui uma traduo que me deixasse satisfeita, como
o caso de rins.
Portela tambm procurou seguir os equivalentes diretos dos termos simblicos de
Blake, e este talvez seja o motivo de sua traduo ser um pouco menos cuidadosa na questo
do ritmo. No entanto, percebemos a omisso de tenfold, do dcimo segundo
verso/Preludium. Como se trata de uma referncia aos Dez Mandamentos recebidos por
Moiss, achei importante mostr-la na traduo, atravs do equivalente direto dcuplas.

3.5 Nomes de personagens histricas

As personagens histricas, tambm sinalizadas nas notas, esto na minha traduo,


bem como na traduo de Portela, pois elas so as referncias que ligam a profecia eterna
ao plano temporal. Cabe apenas comentar a traduo dos nomes prprios.
Definir o que um nome prprio uma tarefa difcil (Moya, 2000: 30), mas iniciemos
com o seguinte argumento:

94

la realidad es que, como elementos lingsticos carentes de significado, son


meras etiquetas, pero, como etiquetas utilizadas pra sustituir a entes reales,
son algo ms y gozan parcialmente de significacin para los hablantes de
una comunidad lingstica, dadas las convenciones existentes en torno a sus
nombres propios. Lo que quiere decir que los nombres propios, hasta los
ms opacos (o sea, los que no transparentan ningn contenido informativo),
aportan elementos metalingsticos, tnicos, poticos y humorsticos (Moya,
2000: 31-32).
Em sntese, nenhum nome por si constitui uma etiqueta aleatrea totalmente desprovida de
sentido. Alguns nomes so mais opacos, para usar o termo de Moya, enquanto outros
carregam alguma intencionalidade exposta, ou transparecem contedo informativo, o que
certamente ter implicaes para a traduo. Alm disso, h o peso da tradio na questo da
traduo dos nomes.
Muitos tradutores tm preferido ultimamente usar a tcnica da transferncia, isto ,
deixar no texto traduzido o nome como ele aparece no original (Moya, 2000). Mas nem
sempre foi assim; por isso temos ainda muitos nomes adaptados ou totalmente traduzidos
arraigados em nossa cultura (Moya, 2000).
Moya acredita que, na verdade, todos os nomes prprios so traduzveis e traduzidos,
at mesmo nos casos de transferncia. Assim, los contenidos del nombre propio Helmut
(cuyo significado es una persona llamada Helmut), del texto original y traducido, se hallan
entre s en una relacin de 1 a 1, con el permiso de Barthes y Nabokov (Moya, 2000: 28-9).
Na concluso de seu estudo sobre a traduo dos nomes prprios na imprensa
espanhola, Moya (2000: 173) enumera as seguintes possibilidades bsicas de traduo desses
nomes:
a)
b)
c)
d)
e)
f)

nombre propio el mismo nombre propio


nombre propio diferente nombre propio
nombre propio no nombre propio
nombre propio (omisin total)
no nombre propio nombre propio
(omisin total) nombre propio

95

Em Amrica, minha traduo, e em Amrica, traduo de Manuel Portela, encontramos duas


dessas possibilidades: a) traduo de nome prprio pelo mesmo nome prprio (traduo por
transferncia) e b) traduo de nome prprio por um nome prprio diferente (nome traduzido
querr decir que se naturalizan o adaptan (Moya, 2000: 38) John por Joo, por
exemplo).
Talvez seja um pouco exagerado dizer, como disse Moya (2000: 28-9), que os nomes
transferidos constituem casos de traduo perfeita: John para um leitor ingls certamente ter
um efeito diferente do mesmo John para um leitor brasileiro. Mas o relevante para a
traduo o propsito que o nome assume naquele contexto determinado. Se tomarmos, por
exemplo, o nome Green, como grafado por Blake no verso 5 da gravura 3 de America, o
contexto nos dir que o importante ali a referncia a um certo militante na Guerra da
Independncia Americana (ver nota 31 da traduo em anexo), e pouco importar se o nome
do tal General em portugus d Verde, ou se um nome popular ou no em lngua inglesa.
Ento, a princpio no haver problema em transferir o nome Green para o texto em
portugus, se no existe nenhuma outra forma traduzida arraigada na lngua. E quando, por
causa da distncia temporal, a mera transposio do nome no revela o seu propsito no
contexto a referncia histrica do General Green, no caso uma soluo seria a nota do
tradutor:
desde el punto de vista de la traduccin, lo ms relevante en el asunto que
nos ocupa es que si el contexto no aclara de alguna manera la entidad
(individuo, lugar, organismo, etc.) a la que el nombre propio extranjero
remite, el traductor debera aadir cierta informacin enciclopdica. As, los
lectores destinatarios de la traduccin podran interpretar el texto (Moya,
2000: 32-3).
E assim ocorreu na traduo de America com os nomes de figuras histricas, que foram
transferidos:

96

Washington
Franklin
Paine
Warren
Gates
Hancock
Green
Bernard
Allen
Lee
George the third
Ariston

(P)
Washington
Franklin
Paine
Warren
Gates
Hancock
Green
Bernard
Allen
Lee
--Arston

(S)
Washington
Franklin
Paine
Warren
Gates
Hancock
Green
Bernard
Allen
Lee
George terceiro
Ariston

Estes nomes certamente ainda circulavam pela Inglaterra na poca em que o texto foi
publicado, mas provavelmente muitas destas personagens no so familiares para o leitor
portugus ou brasileiro de hoje. Por isso, em minha traduo, esses nomes foram esclarecidos
em notas de rodap.
Os nomes George Washington e George the third so s vezes traduzidos em
portugus: Jorge Washington e Jorge terceiro; contudo, optei por tambm transferir
George Washington (em nota 25 da traduo) e George terceiro (nas Gravuras
Canceladas), j que,
Modernamente, los antropnimos ya no se suelen naturalizar: simplemente
se transfieren aunque en traduccin no hay absolutos (...) , tengan o no
correspondencia en nuestra lengua. Pero es ms, no slo se transfieren los
antropnimos actuales, sino que se adivina tambin cierta tendencia a
transferir tambin nombres que se adaptaron en el pasado (Moya, 2000: 38).
Pudemos observar que Manuel Portela tambm usou a transferncia, com a diferena
de no ter dado as referncias histricas das personagens reais, apenas para a personagem
mtica Arston, que aparece em seu Pequeno glossrio mitolgico de William Blake, no
final da traduo dos Sete Livros Iluminados.
No caso dos topnimos, em geral observou-se a tradio, nas duas tradues:

97

Canada
Africa
Mexico
Peru
Albion
South-sea
America
Atlantic sea
England
Mars
Boston
New-York
Pensylvania
Virginia
London
York
Ireland
Scotland
Wales
France
Spain
Italy
Thames
Saint James
Vale of Leutha

(P)
Canad
frica
Mxico
Peru
Albion
Mares do Sul
Amrica
oceano / mar Atlntico
Inglaterra
Marte
Boston
Nova Iorque
Pensylvania
Virginia
Londres
Iorque
Irlanda
Esccia
Gales
Frana
Espanha
Itlia
-------

(S)
Canad
frica
Mxico
Peru
lbion
Mar do Sul
Amrica
Mar Atlntico
Inglaterra
Marte
Boston
Nova York
Pensilvnia
Virgnia
Londres
York
Irlanda
Esccia
Gales
Frana
Espanha
Itlia
Tmisa
Saint James
Vale de Leutha

Quando os topnimos tm adaptao histrica em portugus, como o caso de


Canad, frica, Mxico, Peru, Amrica, Oceano/Mar Atlntico, Inglaterra,
Marte, Londres, Irlanda, Esccia, Gales, Frana, Espanha, Itlia e Tmisa,
mantiveram-se os correspondentes. Boston, tradicionalmente transferido, continuou
transferido. Transferi tambm Saint James, por no encontrar em portugus uma adaptao
para o nome do parque ingls.
Curiosamente, Portela preferiu transferir os nomes dos Estados americanos
Pensylvania e Virginia, que tm sua adaptao ao portugus, Pensilvnia e Virgnia,
quando, por outro lado, adapta New York em Nova Iorque e Iorque. Para o nome New
York, que usado em portugus de duas maneiras, Nova York e Nova Iorque, escolhi
Nova York, para concordar com o nome da cidade inglesa York, que em portugus se usa o
mesmo: York.

98

Albion tambm est transferido na traduo de Portela; acrescentei o acento, conforme


a adaptao existente em portugus, e utilizada pelo tradutor Jos Antnio Arantes (Blake,
2001), lbion. Para o topnimo mtico Vale of Leutha, traduzi Vale de Leutha.
Na traduo dos nomes das personagens simblicas, o problema mais complicado,
pois so nomes criados pelo poeta. Orc vem da associao com a palavra orca (Erdman,
1991: 25-6), e o efeito no se perde ao simplesmente transferirmos o nome para o texto
traduzido, mas para Urthona (= Earth + owner) e em Urizen (= you + reason), a tcnica da
transferncia por si no suficiente. O ideal poderia ser recriar os nomes que dessem em
portugus o mesmo efeito, por escolhas de combinao fnica, a partir de palavras-atributos
que identificassem as personagens simblicas, de acordo com a inteno do autor. Optei por
manter os nomes no original ingls, por dois motivos bsicos: a) considero que o material
crtico existente em portugus j tenha consolidado os nomes transferidos do original; b) a
recriao dos nomes poderia causar no texto um estranhamento maior que no original.
Provavelmente Portela seguiu os mesmos princpios:
Shadowy Female
Urthona
Orc
Enitharmon
Urizen
Sotha
Thiralatha

(P)
Mulher Sombria
Urthona
Orc
Enitharmon
Urizen
-----

(S)
Fmea Sombrosa
Urthona
Orc
Enitharmon
Urizen
Sotha
Thiralatha

As aluses so explicadas nas notas de rodap em minha traduo, e no Pequeno glossrio


mitolgico de William Blake (in Blake, 2005: 170), na traduo de Portela, antes da
explicao do smbolo:
Urizen (ecoa your reason [tua razo] e horizon [horizonte]): (...).
Urthona (earth owner [dono da terra]): (...).
Shadowy Female, como Urthona, Orc e Urizen, um nome que traz um contedo
informativo relevante para o contexto, e, por no ter o problema de ser um trocadilho do

99

poeta, foi traduzido; na traduo de Portela ficou Mulher Sombria, e em minha traduo,
Fmea Sombrosa.
Ainda sobre a traduo dos nomes, temos os ttulos polticos:
King
Governors
[House of] Lords
[House of] Commons

(P)
Rei
Governadores
-----

(S)
Rei
Governadores
Lordes
Comuns

que foram traduzidos conforme a tradio (Rei, Governadores, Lordes e Comuns).


Talvez as notas, fora do presente contexto, estritamente o estudo da traduo de
America, fossem dispensveis numa edio normal. Lefevere observa que as notas, num
poema, distraem o leitor, da narrativa e mesmo da entoao, e mais ainda: h a questo de que
os espaos em branco e no precisa nem ser um poema de Cummings so relevantes na
significao de uma pea potica (Faleiros, 2005), e que, por esta razo, as notas poluem os
brancos do poema. Especialmente em Blake, onde os brancos no so brancos, mas arte
visual.
claro que uma traduo de Blake exige algum tipo de paratexto, e parece-me que o
Pequeno glossrio mitolgico de William Blake de Portela, adaptado de A Blake Dictionary
(Damon, 1988, ainda sem traduo ao portugus), uma boa alternativa. O glossrio
caracteriza brevemente as figuras referidas nos poemas traduzidos nesta edio (Portela in
Blake, 2005: 159), a saber, Todas as religies so uma s, No h religio natural, O livro de
Thel, Amrica: uma profecia, Europa: uma profecia, A cano de Los e O livro de Los. Os
smbolos diretamente mencionados em America e que esto no glossrio organizado pelo
tradutor so:
frica
Albion
Amrica
Arston
Atlntico
Bardo
Diralada ou Thiralatha
Enitharmon

100

Leutha
Lngua
Nuvem
Olho
Orc
Sotha
Urizen
Urthona

Podemos excluir da lista os itens Diralada ou Thiralatha, Leutha e Sotha que aparecem
nas Gravuras Canceladas de America, no traduzidas por Manuel Portela. O glossrio para
os Sete Livros Iluminados assumidamente pequeno; mesmo assim, fica disponvel uma
interpretao de alguns smbolos que talvez no paream claros para o leitor num primeiro
momento. um material que o leitor consulta se quiser, ao passo que as notas de rodap
explicam o texto de um modo um tanto autoritrio. Contudo, numa verso para estudo, as
anotaes de p de pgina so teis, esclarecendo lances importantes do texto que, de outra
maneira, o leitor poderia esquecer.
Manuel Portela certamente evitou as notas de rodap no curso dos poemas pensando
em sua forma original como livros iluminados: pintura e escrita indissociveis em uma
realizao una. Como o prprio tradutor faz questo de enfatizar, Gravao, impresso e
iluminao constituem portanto o todo da forma que Blake tentou afeioar sua imaginao
(Portela, 2005: 10). E assim, seu esforo para que o leitor passe alm das limitaes da edio
do seu conjunto de tradues inicia j no ttulo. Para manter o leitor sempre consciente do
aspecto visual da poesia de Blake, o tradutor deixa os textos livres de notas e mostra a
distribuio dos textos nos livros iluminados, anotando os nmeros das pginas onde
aparecem, alm de ter selecionado 32 gravuras para a edio, procurando aproximar os
leitores da materialidade grfica das obras originais. Seu prefcio explica detalhadamente o
processo de confeco dos livros, afirmando a importncia das edies modernas de facsmiles das obras iluminadas, como o ambicioso projeto da Tate Gallery na dcada de 90 e,
sobretudo, o Arquivo Blake (<www.blakeachive.org>):

101

estas novas edies permitem agora reproduzir e distribuir a obra de Blake


de uma forma nunca antes possvel, contribuindo para a percepo da
imagem e do texto como um todo integrado, isto , fora da diviso
tradicional entre tecnologia literria e tecnologia pictrica, que tendia a
olhar para a sua obra a partir da diviso institucional assente naquela diviso
tecnolgica (Portela, 2005: 15).
A reproduo de fac-smiles em cores e medidas originais numa edio impressa rara e tem
seus custos. Portanto, o mnimo que um tradutor de Blake (de sua obra iluminada, pelo
menos) pode fazer acerca deste problema recomendar que o leitor veja as pginas
iluminadas em outra fonte, com a vantagem de que elas esto disponveis atualmente numa
fonte de fcil acesso, o Arquivo Blake. Portela da opinio de que uma traduo
verdadeiramente adequada materialidade do livro iluminado deveria integrar o texto
portugus nas prprias gravuras, como acontece com as tradues de banda desenhada
(Portela, 2005: 16), o que talvez seja ir longe demais. No entanto, seria a nica maneira de
conferir traduo o status de obra independente. A verdade que, a menos que no houvesse
a necessidade de associ-la ao nome de William Blake, qualquer traduo de um livro
iluminado, por melhor que seja como objeto de literatura, est condenada a ser uma espcie de
guia para a leitura do original.

102

CONCLUSES

De ilustrador praticamente annimo e poeta incompreendido no seu tempo, William


Blake passou a ser mestre de grande tcnica potica e tambm uma das principais influncias
da contracultura dos anos 50 e 60, com The Marriage of Heaven and Hell e Songs of
Innocence and of Experience, que so seus primeiros livros a serem traduzidos e retraduzidos.
Os livros profticos, que so o corpo principal de sua obra (Frye, 1995), passaram a
receber mais ateno recentemente. Embora j traduzidos ao francs, catalo, espanhol,
italiano e alemo, s agora comeam a ganhar traduo ao portugus. At o momento, no
existe nenhuma traduo integral desses livros profticos publicada no Brasil.
Com este trabalho, quis contribuir para uma leitura mais justa (Valent in Blake,
1977) de Blake no Brasil, por meio da traduo, acreditando que a traduo um dos
melhores meios de se estudar um poeta (Campos, [...]).
Entre as muitas possibilidades e preceitos tericos da traduo de textos poticos,
segui a tendncia dos que defendem a traduo da poesia em poesia, procurando dar igual
valor aos elementos da forma e do contedo, que so indissociveis nesse caso. Estes
princpios me serviram de instrumento para a leitura do original e para uma reflexo sobre a
prpria teoria.
Se certo que em poesia o contedo semntico exibido na forma, e todos os
constituintes do cdigo verbal so relevantes (Jakobson, 2001), como pude observar na
traduo de America, o princpio da traduo de poesia em poesia parece operar
diferentemente em textos poticos de natureza diferente.
Em minha leitura de America, o andamento do heptmetro produz um estilo entoativo
que participa de uma dico proftica, sendo um dos atrativos deste poema; ento, uma
traduo satisfatria deve, para mim, aproximar-se do original nesse sentido. Como procurei

demonstrar em meus comentrios, no creio necessria uma transposio de formas poticas


para fazer uma substituio adequada (Kochol, 1970), tendo em mente, ao mesmo tempo,
que uma equivalncia absoluta da forma rtmica inatingvel (Holmes, 1970).
Na mesma condio est a traduo do paralelismo verbal em America. Este recurso
potico pode, neste poema, ser refeito sem que o tradutor precise fazer um esforo de
transposio ou remodelagem do material verbal.
J as aliteraes, estas sim, so passveis de remodelagem criativa. A dificuldade em
traduzir estes elementos acentuada pela grande carga de simbologia do livro proftico de
Blake. Os termos bblicos e os smbolos criados pelo autor pedem, a meu ver, uma certa
exatido, como os termos de filosofia. As minhas notas ou o glossrio de Portela so
exerccios de interpretao, uma continuao de nossas leituras, ou melhor, de nosso estudo a
partir da interpretao mais aceita atualmente a respeito dos smbolos de Blake. Para o leitor,
este material serve como um guia para o conjunto da obra do poeta, de acordo com aquela
interpretao.
De meu trabalho de traduo comentada, confirmo que o olhar do tradutor conduzir a
sua traduo, com a possibilidade tradutria que ele escolher, e aqui entram a experincia, a
formao intelectual, o envolvimento com o texto. Este olhar e os princpios tericos do
tradutor ajudaro a determinar a natureza do texto a ser traduzido.
Pela menor correspondncia dos elementos de ritmo, assonncias e aliteraes em sua
traduo, parece-me que a prioridade de Portela foi a simbologia. Segundo a minha anlise de
America e das duas tradues, acredito que cheguei mais perto do original. Se no atingi os
resultados que gostaria com os preceitos tericos que escolhi, espero ter evidenciado, atravs
de meus comentrios, um pouco da natureza do texto que estudei, como uma preparao ou,
quem sabe, uma inspirao para futuras tradues dos livros profticos de Blake.

104

BIBLIOGRAFIA

Ackroyd, Peter. Blake. London: Sinclair-Stevenson, 1995.


Arantes, Jos Antnio. Imagem de Blake. In: Blake, William. O Matrimnio Do Cu E Do
Inferno e O Livro De Thel. Trad. Jos Antnio Arantes. 4 ed. So Paulo: Iluminuras, 2001.
pp. 09-12.
Arrigoni, Maria Teresa & Andria Guerini (orgs.). Clssicos da Teoria da Traduo:
Antologia Bilnge vol. 3/italiano-portugus. Florianpolis: UFSC/Ncleo de Traduo,
2005.
Barnard, Robert. A Short History of English Literature. 2nd ed. Oxford/Cambridge: Blackwell,
1990.
Bellei, Srgio Luiz Prado. Estudos literrios e bibliotecas hipertextuais Bibliotecas virtuais
e pesquisa literria. In: Bellei, Srgio Luiz Prado. O livro, a literatura e o computador.
Florianpolis: Educ/UFSC, 2002. pp. 81-96.
Bblia de Jerusalm. So Paulo: Paulus, 2002.
Blake, William. A guia e a toupeira: poemas de William Blake. Introduo, Seleco,
Traduo e Notas de Hlio Osvaldo Alves. Pedra Formosa Edies, 1996.
_____. As Npcias do Cu e do Inferno. Traduo de Oswaldino Marques. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1988. (1 ed.: Rio de Janeiro: Philibiblion, 1956.)
_____. Canes da Inocncia e Canes da Experincia: os Dois Estados Contrrios da
Alma Humana. Ed. bilnge comentada. Trad. Gilberto Sorbini & Weimar de Carvalho. So
Paulo: Disal, 2005.
_____. Canes da Inocncia e da Experincia. Traduo de Renato Suttana. Disponvel em:
<http://www.arquivors.com/wblake1.pdf>. Acesso em: 05 jun 2007.
_____. Canes da Inocncia e da Experincia Revelando os dois lados opostos da alma
humana. Traduo, prefcio e notas de Mrio Alves Coutinho & Leonardo Gonalves. Belo
Horizonte: Crislida, 2005.
_____. Escritos de William Blake. Traduo de Alberto Marsicano e Regina de Barros
Carvalho (G). Porto Alegre: L&PM, 1984.
_____. Matrimnio do Cu e do Inferno. Traduo de Julia Vidili. So Paulo: Madras, 2003.
_____. O Matrimnio Do Cu E Do Inferno e O Livro De Thel. Trad. Jos Antnio Arantes.
4 ed. So Paulo: Iluminuras, 2001.

_____. Poesia e Prosa selecionadas. Ed. Bilnge. Traduo e prefcio de Paulo Vizioli. So
Paulo: Nova Alexandria, 1993.
_____. Primeiro Livro de Urizen. Verso e Prefcio de Joo Almeida Flor. 2 ed. Bilnge.
Lisboa: Assrio & Alvim, 1993.
_____. Sete Livros Iluminados. Traduo, introduo e notas de Manuel Portela. Lisboa:
Antgona, 2005.
Borges, Jorge Luis. La msica de las palabras y la traduccin. In: ___. Arte Potica.
Barcelona: Editorial Crtica, 2001. pp. 75-95.
_____. Swedenborg. In: Borges, Jorge Luis. Borges Oral. Barcelona: Brugera, 1985.
Bosi, Alfredo. Histria Concisa da Literatura Brasileira. 3 ed., 9 tiragem. So Paulo:
Cultrix, [...].
Britto, Paulo Henriques. Augusto de Campos como tradutor. In Sssekind, Flora, e
Guimares, Jlio Castaon (orgs.). Sobre Augusto de Campos. Rio de Janeiro: Fundao Casa
de Ruy Barbosa / 7 Letras, 2004.
_____. Padro e desvio no pentmetro jmbico ingls: um problema para a traduo.
Indito, 2006.
_____. Para uma avaliao mais objetiva das tradues de poesia. In Krause, Gustavo
Bernardo. As margens da traduo. Rio: FAPERJ/Caets/UERJ, 2002.
Bousoo, Carlos. Teora de la expresin potica. Sexta edicin. Madrid: 1976.
Burgess, Anthony. A Literatura Inglesa. 2 ed. Trad. Duda Machado. So Paulo: tica, 1999.
Burns, Thomas Laborie. Problems in Poetic Translation. In: Ensaios de semitica. Belo
Horizonte: UFMG, 1986. pp. 23-30.
Campos, Augusto de. Biografia. Augusto de Campos, 1999. Disponvel
<http://www2.uol.com.br/augustodecampos/biografia.htm>. Acesso em: 03 nov 2005.

em:

Campos, Haroldo de. Turgimano A Mano No Aleph: entrevista revista Fahrenheit e Prof
Eneida Maria de Souza. Transcrita por Marcelo Dolabela. In: Ensaios de Semitica. Belo
Horizonte: UFMG, 1986. pp. 57-63.
_____. Metalinguagem: Ensaios de Teoria e Crtica Literria. 3 ed. So Paulo: Cultrix, [...].
Candido, Antonio. Na sala de aula Caderno de Anlise Literria. 5 ed. So Paulo: tica,
1988.
Carpeaux, Otto Maria. Histria da Literatura Ocidental vol. III/parte VI. Rio de Janeiro: O
Cruzeiro, 1961.

106

Castro, Alex. A Bblia Como Literatura. In: SobreSites. <Disponvel


<http://www.sobresites.com/alexcastro/artigos/biblia.htm>. Acesso em 09 fev 2007.

em:

Cazamia, M. L. William Blake. Coleccion Los Poetas. Madrid: Ediciones Jucar, 1983.
Cazamian, Louis. A History of English Literature Modern Times (1660-1963). London: J.
M. Dent and Sons Ltd, 1964.
Chociay, Rogrio. Teoria do Verso. So Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1974.
Costa, Walter & Andria Guerini. Colocao e qualidade na poesia traduzida. In: Traduo
em Revista, v. 3, p. 1-15, 2006.
Coulthard, Malcolm. Linguistic Constraints on Translation. In: Ilha do Desterro n 28.
Florianpolis: UFSC, pp. 08-23.
Damon, Samuel Foster. A Blake Dictionary: the Ideas and Symbols of William Blake.
Hanover: University Press of New England, 1988.
Day, Aidan. Romanticism. London: Routledge, 1996.
Drabble, Margaret & Stringer, Jenny. Blake, William. In: Oxford Concise Companion to
English Literature. Rev. edition. Oxford: Oxford University Press, 1996. pp. 59-60.
Eaves, Morris; Robert N. Essick & Joseph Viscomi (eds.). The William Blake Archive.
<http://www.blakearchive.org/>.
Eaves, Morris; Robert N. Essick & Joseph Viscomi. [Preface to] America A Prophecy. 27
January 2006. <http://www.blakearchive.org/>.
Enciclopdia Prtica Jackson Conjunto de Conhecimentos para a Formao Autodidtica.
Vol. 9. Rio de Janeiro/So Paulo/Porto Alegre/Recife: W. M. Jackson, 1956.
Evans, Ifor. A Short History of English Literature. 4th ed. London: Penguin Books, 1990.
Ewen, Frederic. Heroic Imagination: The Creative Genius of Europe from Waterloo (1815) to
the Revolution of 1848. New York: New York University Press, 2004.
Erdman, David V. (ed.). Electronic edition of The Complete Poetry and Prose of William
Blake. Newly revised edition. University of Georgia/Department of English: The Digital
Blake Text Project, 1988.
Erdman, David V. Blake: Prophet against Empire. 3rd ed. New York: Dover, 1977 (1991
printing).
Faleiros, lvaro S. O tipogrfico e o topogrfico na traduo de Voyage de Apollinaire.
In: Cadernos de Traduo (Florianpolis), v. XV, p. 25-38, 2005.

107

Faveri, Cludia Borges de & Marie-Hlne Catherine Torres. Clssicos da Teoria da


Traduo: Antologia Bilnge vol. 2/francs-portugus. Florianpolis: UFSC/Ncleo de
Traduo, 2004.
Foley, Jack. What are souls? An Interview with Michael McClure. Oackland, 2001.
Disponvel em: <http://www.alsopreview.com/columns/foley/jfmminterview3.html>. Acesso
em 05 jun 2007.
Frye, Northrop. Fearful Symmetry A Study of William Blake. 10th printing. Princeton
University Press, 1990.
Garca, Enrique Morales. Blake un poeta revolucionario, tanto en lo social como en lo
potico. In: []. Disponvel em: <http://literaturainba.com/notas06/evangelio.htm>. Acesso
em: 20 ago 2006.
Gospel Communications International. Bible: King James Version. Disponvel em:
<http://www.biblegateway.com/>. Acesso em 31 jan 2006.
Gourlay, Alexander S. An emergency online glossary of terms, names, and concepts in Blake.
In: <http://www.blakearchive.org/>. 15 August 2006.
Grierson, Herbert & J. C. Smith. A Critical History of English Poetry. 3rd ed. Harmondsworth:
Penguin Books/Chatto & Windus, 1966.
Grinberg, Leon et al. Introduo s idias de Bion. Rio de Janeiro: Imago, 1973.
Harmon, William. The Top 500 Poems. New York: Comlumbia University Press, 1992.
Heidermann, Werner (org.). Clssicos da Teoria da Traduo: Antologia Bilnge vol.
1/alemo-portugus. Florianpolis: UFSC/Ncleo de Traduo, 2001.
Hobsbawm, Eric J. A Era das Revolues 1789-1848. Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira &
Marcos Penchel. 17 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2003.
Holmes, James S. Forms of Verse Translation and the Translation of Verse Form. In:
Holmes, James S. (ed.). The Nature of Translation. Bratislava: Publishing House of the
Slovak Academy of Sciences, 1970. pp. 91-105.
Jakobson, Roman. Lingstica e Comunicao. Trad. Izidoro Blikstein & Jos Paulo Paes. 18
ed. So Paulo: Cultrix, 2001.
_____. Lingstica. Potica. Cinema. So Paulo: Perspectiva, 1970.
Janowitz, Anne. Lyric and Labour in the Romantic Tradition. Cambridge: Cambridge
University Press, 1998.
Kochol, Viktor. The Problem of Verse Rhythm in Translation. In: Holmes, James S. (ed.).
The Nature of Translation. Bratislava: Publishing House of the Slovak Academy of Sciences,
1970. pp. 106-111.

108

Leo, Rodrigo de Souza. Entrevista com Jos Paulo Paes. Jornal de Poesia, 1998. Disponvel
em: <http://secrel.com.br/jpoesia/r2souza08c.html>. Acesso em: 10 jan 2007.
Leech, Geoffrey N. A linguistic guide to English poetry. London: Longman, 1969.
Lefevere, Andr. Translating Poetry. Van Gorcun: Amsterdam, 1975.
Lopes, Rodrigo Garcia. Michael McClure O leo rebelde da poesia norte-americana
Disponvel em: <http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/mcclure.htm>. Acesso em: 17 jan
2007. (Entrevista originalmente publicada em: ____. Vozes & Vises: Panorama da Arte e
Cultura Norte-Americanas Hoje. Iluminuras, 1996.)
Machado,
Carlos.
Tigre!
Tigre!
Poesia.net,
2003.
Disponvel
em:
<http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet071.htm>. Acesso em: 03 nov 2005.
McClure, Michael. Michael McClure on Jim and Poetry. 2004. In: Jim Morrison Waiting
for
the
Sun.
Disponvel
em:
<http://archives.waiting-forthesun.net/Pages/Legacy/Poetry/McClure.html>. Acesso em: 17 jan 2007.
Moya, Virgilio. La traduccin de los nombres propios. Madrid: Ediciones Ctedra, 2000.
Parker, Philip M. Websters Online Dictionary: The Rosetta Edition. Disponvel em:
<http://www.websters-online-dictionary.com>. Acesso em 23 dez 2006.
Paz, Octavio. Traduccin: Literatura y Literalidad. 3 ed. Barcelona: Tusquets, 1990.
Portela, Manuel. manuelportelaweb. Disponvel em: <http://www.uc.pt/pessoal/mportela/>.
Acesso em: 18 jan 2007.
_____. Oficina grfica e forja divina a gravura como cosmogonia. In: Blake, William.
Sete Livros Iluminados. Traduo, introduo e notas de Manuel Portela. Lisboa: Antgona,
2005.
_____. Prefcio Uma Ilha na Lua. In: Blake, William. Uma Ilha na Lua. Traduo,
Prefcio e Notas de Manuel Portela. Lisboa: Antgona, 1996. pp. 09-32.
Preminge, Alex & Brogan T.V.F. (Eds.). The New Princeton Encyclopedia of Poetry and
Poetics. Princeton: Princeton University Press, 1993.
Proena, Cavalcanti M. Ritmo e Poesia. Rio de Janeiro: Organizao Simes, 1955.
Raine, Kathleen. William Blake. London: Thames & Hudson, 2000.
Re, Jonathan. The Translation of Philosophy. New Literary History, 2001, 32. pp. 223257.
Schulte, Rainer & John Biguenet (eds.). Theories of Translation: An Anthology of Essays
from Dryden to Derrida. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.

109

Siewerski, Henryk. Ao sabor (e saberes) das palavras. In: II Colquio de Literatura


Traduzida. Florianpolis: PGET/UFSC, 20 set 2005. Comunicao oral.
Sinclair, John. Corpus Concordance Collocation. Oxford: Oxford University Press, 1991.
Sites, Melissa J. Pop Culture Interpretations of Romantic Literature. 1999. In: Romantic
Circles Scholarly Resources. Disponvel em: <http://www.rc.umd.edu/reference/misc/ficrep/
poprend.html>. Acesso em 17 jan 2007.
Thornley, G. C. & Roberts, Gwyneth. An Outline of English Literature. 8th impression. Essex:
Longman, 1998.
Ting, Kennie. America A Prophecy A Publication History. Berkeley: Ashes Sparks and
Hypertext, 2000. Disponvel em <http://www.clayfox.com/ashessparks/reports/kennie.html>.
Acesso em 20 set 2005.
Uzgalis, William. John Locke. 2001. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponvel
em: <http://plato.stanford.edu/entries/locke/>. Acesso em: 05 jan 2007.
Valent, Elena. William Blake y la posteridad. In: Blake, William. Cantos de Inocencia.
Cantos de Experiencia. Cronologia, introduccin, notas y traduccin de Elena Valent.
Barcelona: Bosch, 1977. pp. 48-50.
Vine, Steve. Blakes material sublime. In: Studies in Romanticism, Boston University:
Summer 2002, v. 41. pp. 237(22).
Viscomi, Joseph. Illuminated Printing. In:
<www.blakearchive.org>. Acesso em 04 abr 2005.

The

William

Blake

Archive,

Vizioli, Paulo. A traduo de poesia em lngua inglesa: problemas e sugestes. In:


Coulthard, Malcolm & Caldas, Carmen Rosa. Traduo: teoria e prtica. Florianpolis:
EdUFSC, 1991. pp. 137-154.
_____. William Blake: o Poeta e o Visionrio. In: Blake, William. Poesia e Prosa
selecionadas. Ed. Bilnge. Traduo e prefcio de Paulo Vizioli. So Paulo: Nova
Alexandria, 1993. pp. 09-20.
Vultee, Denise; Morris Eaves; Robert N. Essick & Joseph Viscomi. Biography. In: The
William Blake Archive. Ed. Morris Eaves, Robert N. Essick, and Joseph Viscomi. 09 February
2006 <http://www.blakearchive.org/>.
Willer, Cludio. Resenha sobre Canes da Inocncia e da Experincia, de William Blake
[traduo, prefcio e notas de Mrio Alves Coutinho & Leonardo Gonalves]. Crislida. Belo
Horizonte. 2005. In: Agulha Revista de Cultura n 46. Fortaleza/So Paulo, jul 2005.
Disponvel em < http://www.revista.agulha.nom.br/ag46livros.htm>. Acesso em 08 fev 2006.
Williams, Nicholas M. Ideology and Utopia in the Poetry of William Blake. Cambridge:
Cambridge University Press, 1998.

110

Yeats, William Butler. William Blake e a Imaginao. Trad. Regina de Barros Carvalho. In:
Blake, William. Escritos de William Blake. Trad. Alberto Marsicano & Regina de Barros
Carvalho. Porto Alegre: L&PM, 1984. pp. 13-16.

111

ANEXO

Você também pode gostar