Os Limites Às Restrições de Direitos Fundamentais Na Constituição Brasileira de 1988

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OS LIMITES S RESTRIES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

NA CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988


Eduardo Rocha Dias
Procurador Federal, Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Cear,
Professor da Universidade de Fortaleza,
Doutorando pela Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa,
Membro do Instituto Cearense
de Estudos Tributrios

1- Introduo; 2 - As restries a direitos fundamentais:


principais concepes; 3 - Uma proposta de identificao dos
limites restrio de direitos na CF/88; 4 - Concepes ampla
e restrita do mbito de proteo dos direitos fundamentais e a
competncia para operar restries. O princpio da
concordncia prtica; 5 Concluses e exame de alguns
casos concretos.
1 - Introduo
Pretende-se examinar neste estudo o tema dos limites s restries de direitos
fundamentais de acordo com a Constituio Federal de 1988, tendo em vista a ausncia,
em referida Carta, de previso expressa sobre o papel que os poderes constitudos
podem desempenhar nesse campo.
Ressalta-se, inicialmente, o carter extremamente complexo e conflituoso das
sociedades modernas, que se reflete nas respectivas cartas constitucionais tanto na
consagrao do pluralismo poltico, quanto no reconhecimento de direitos fundamentais
dotados de uma vis expansiva geradora de freqentes colises. Diante de tal quadro, a
metodologia subsuntiva tradicional, originada no campo do direito privado, em que havia
uma pretenso globalizante e no lacunar de disciplina da realidade, mostra-se
insuficiente para dar conta da necessidade de concretizar conceitos indeterminados e
abertos e articular direitos fundamentais e valores conflitantes. Alternativas que busquem
fugir idia de sistema e fundar uma abordagem baseada na anlise exclusiva dos casos
concretos, como a tpica, correm o risco de originar insegurana e falta de
controlabilidade1. Parece mais adequada uma abordagem no baseada exclusivamente
na subsuno e que permita integrar a linguagem aberta e lacunosa das normas de
direitos fundamentais, sem que com isso se abandone uma idia de justificao racional
dos resultados. A partir das idias de FRIEDRICH MLLER2, a interpretao
constitucional deve ser vista como tarefa de concretizao, pela qual a norma jurdica no
se limita ao seu texto, abrangendo tambm uma dimenso que supera os aspectos
lingsticos, relacionada com a realidade social. A normatividade deve ser concretizada
mediante um processo estruturado e passvel de verificao e justificao intersubjetiva.
1

Ao referir-se tpica, THEODOR VIEHWEG esclarece no se tratar de um sistema, mas de uma tcnica baseada na
anlise dos problemas concretos e na apresentao de argumentos (topoi) destinados a possibilitar sua soluo (Tpica y
Jurisprudncia. Madri: Taurus, 1964, p. 24). Uma das principais crticas atribudas tpica que, muito embora o
raciocnio jurdico implique a apresentao de argumentos e pontos de vista, sua mera catalogao no suficiente para
desenvolver um pensamento ordenado, racional e passvel de justificao intersubjetiva. Nesse sentido, examinar KARL
LARENZ (Metodologia da Cincia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1989, p. 173).
2
Mtodos de Trabalho do Direito Constitucional. 2a Edio. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 61 et seq. Tambm
KONRAD HESSE adota referido entendimento (Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da
Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 49 et seq. e 61 et seq.).

Ao mesmo tempo, no entanto, a aplicao de normas que revestem a natureza de


princpios, por meio de um procedimento de ponderao, no pode cair no subjetivismo e
no decisionismo, havendo de incorporar uma dimenso crtica que permita aos intrpretes
e aos operadores do direito manter uma postura de vigilncia. Somente assim os
resultados podero ser justificados perante a sociedade, conforme exigem os postulados
do princpio do Estado de Direito Democrtico.
2 As restries a direitos fundamentais: principais concepes
Como restrio deve-se entender qualquer ao ou omisso dos poderes pblicos,
a includos o legislador, a Administrao e o Judicirio, que afete desvantajosamente o
contedo de um direito fundamental, reduzindo, eliminando ou dificultando a vias de
acesso ao bem nele protegido e as possibilidades de sua fruio por parte dos titulares
reais ou potenciais do direito fundamental, bem como enfraquecendo deveres e
obrigaes, em sentido lato, que da necessidade da sua garantia e promoo resultam
para o Estado3. Pode-se falar em restrio em sentido amplo, abrangendo, alm de
manifestaes de contedo jurdico, as intervenes fticas sobre direitos fundamentais4,
e em sentido restrito, compreendendo as atuaes normativas ou leis restritivas, nos
termos do artigo 18 da Constituio da Repblica Portuguesa5. Referido dispositivo, a
exemplo do artigo 19 da Lei Fundamental de Bonn, que o inspirou, regula a aplicao dos
chamados limites aos limites dos direitos fundamentais, ou seja, dos limites s
restries de referidas posies jurdicas.
Na Constituio brasileira de 1988, por sua vez, no se prev expressamente como
se deve proceder restrio de direitos fundamentais. A doutrina, porm, com base em
dispositivos constitucionais e na jurisprudncia do STF, vem identificando como limites
aos limites, alm da legalidade (artigo 5o, inciso II, da CF/88), a proteo ao ncleo
essencial dos direitos fundamentais, o princpio da proporcionalidade (fundado no
princpio do devido processo legal na sua dimenso substantiva, tal como decorre do
artigo 5o, inciso LIV, da CF/88) e a proibio de restries casustas (fundada no princpio
da igualdade)6.
As previses do artigo 18 da Constituio portuguesa e do artigo 19 da Lei
Fundamental de Bonn permitem concluir que a filiao terica a eles subjacente
chamada teoria externa dos limites aos direitos fundamentais, ou pensamento de
interveno e limites. Para essa corrente, e em termos resumidos, a funo principal dos
direitos fundamentais a defesa do indivduo ante atuaes estatais, tpica marca da
teoria liberal dos direitos fundamentais, para a qual toda interveno em referida esfera
3

NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 157. JORGE MIRANDA, ao tratar dos direitos, liberdades e garantias na ordem
jurdico-constitucional portuguesa, menciona as restries, distinguindo-as dos limites ao exerccio de direitos, dos
condicionamentos, da regulamentao e da concretizao legislativa (Manual de Direito Constitucional. Tomo IV.
Coimbra: Coimbra Editora, 3a Edio, 2000, p. 329 et seq.). As restries envolvem a amputao ou compresso das
faculdades compreendidas em um determinado direito, decorrentes de previses especficas. J os limites dizem respeito
ao modo de se exteriorizar a prtica de um direito, decorrente de razes ou condies de carter geral, o qual pode
desembocar em condicionamentos, ou seja, no estabelecimento de requisitos para o seu exerccio. A regulamentao,
por outro lado, compreende o preenchimento ou desenvolvimento legislativo do direito. A concretizao, por sua vez,
implica o estabelecimento de normas que conferem exeqibilidade a dispositivos que dela carecem total ou
parcialmente.
4
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 209 et seq.
5
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 227.
6
Examinar, a propsito, GILMAR FERREIRA MENDES (Hermenutica Constitucional e Direitos Fundamentais.
Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p. 241 et seq).

excepcional e deve ser expressamente prevista7. Ocorre que tal teoria pressupe que o
legislador constituinte tenha sido clarividente o bastante para introduzir reservas e
restries explcitas, j que, no silncio da Constituio, no so admitidas restries.
Malgrado tal finalidade garantstica, no factvel exigir que o legislador constituinte
possa prever todas as possveis hipteses de coliso de direitos fundamentais, muito
menos pretender que, dado o carter expansivo de referidas posies jurdicas, no
surjam conflitos entre direitos e bens jurdicos constitucionais fora das hipteses
expressamente previstas.
Diante de referidas deficincias, a chamada teoria interna dos limites dos direitos
fundamentais busca, basicamente, superar o carter liberal e individualista da teoria
externa, pela afirmao de que a liberdade somente faz sentido no quadro da sociedade
juridicamente conformada e ordenada e que o indivduo no existe isolado da
comunidade8. A afirmao de tal carter institucional e comunitrio do direito leva a
reconhecer o importante papel do legislador na efetivao e na conformao da
liberdade, bem como que os direitos fundamentais no podem violar bens jurdicos de
valor igual ou superior. Logo, os limites no seriam externos aos direitos fundamentais,
mas seriam suas fronteiras, afirmando-se desde dentro, ou seja, seriam limites
imanentes. A eventual previso destes ltimos como reservas de interveno do
legislador ou como restries teria, na verdade, o carter de mera declarao. As leis, por
sua vez, no constituiriam limites, mas simplesmente concretizariam, interpretariam e
revelariam as fronteiras do contedo dos direitos9. Contrariamente teoria externa, o
perigo da teoria interna que ela desarma o cidado ante o Poder Pblico, reforando o
mbito de interveno deste ltimo, o que origina um dfice no controle de sua atuao.
Ademais, torna prescindvel o recurso aos requisitos formais previstos na Constituio,
como o caso do artigo 18 da Carta portuguesa, para a restrio de direitos
fundamentais.
Diante de tais deficincias, costuma-se recorrer ao modelo dos direitos
fundamentais como princpios como tentativa de estabelecer um procedimento adequado
e controlvel de argumentao e fundamentao jurdica, de forma a justificar as
restries aos direitos fundamentais, no caso a metodologia da ponderao10. Os
princpios so normas dotadas de maior generalidade e abstrao, vinculando-se mais
nitidamente a valores, e carecendo de concretizao. So mandatos de otimizao, uma
vez que se aplicam na medidas das possibilidades fticas e jurdicas existentes.
Distinguem-se das regras, passveis de aplicao em termos definitivos, de tudo ou
nada, mediante uma subsuno dos fatos concretos. Os princpios possuem uma
7

NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 292 et seq. O fundamento de tal considerao encontra-se no princpio da
repartio ou diviso, formulado por CARL SCHMITT, que caracterizaria o Estado Liberal de Direito: a liberdade
dos indviduos em regra ilimitada; j o poder do Estado , em princpio, limitado (Dottrina della Costituzione. Milo:
Giuffr, 1984, p. 173).
8
HBERLE, Peter. Le Libert Fondamentali nello Stato Costituzionale. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1993, p. 79
et seq., especialmente p. 83-84; NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente
Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 310-311; MENDES, Gilmar Ferreira,
Hermenutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p. 225.
9
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 313-314.
10
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 339-341. No Brasil, GILMAR FERREIRA MENDES adota a perspectiva de que as
normas de direitos fundamentais tm a natureza de princpios, por definirem apenas posies prima facie, parecendo
pender para uma perspectiva de restries fundada na teoria externa mas que reconhece papel importante para a
metodologia da ponderao (Hermenutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p.
225-226). Entendendo, por sua vez, que as normas de direitos fundamentais podem revestir tanto a forma de regras
quanto de princpios, examinar SUZANA DE TOLEDO BARROS (O Princpio da Proporcionalidade e o Controle de
Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 1996, p. 155).

dimenso de peso e as regras uma dimenso de validade. Isso significa que os primeiros,
caso entrem em conflito, no so excludos do ordenamento jurdico, mas submetidos a
uma ponderao, pela qual, na deciso do caso, ocorre a cedncia de um diante do
outro. Mas isso no impede que em outra situao se decida pela aplicao do princpio
oposto. J no caso de conflito entre regras, a soluo dever levar ao reconhecimento da
invalidade de uma das regras, ou aplicao de uma clusula de exceo que tenha sido
introduzida11.
As normas de direitos fundamentais tm, em regra, a natureza de princpios, levando
a que as posies jurdicas nelas assentadas somente se convertam em direitos
definitivos aps uma ponderao com os princpios opostos nas circunstncias do caso
concreto. de capital importncia, portanto, reconhecer as normas constitucionais que
revistam a natureza de princpios, para o fim de se proceder referida ponderao,
distinguindo-as das normas-regras, que se prestam a uma aplicao fundada na
metodologia subsuntiva. Tal nem sempre fcil, porm, principalmente se for adotado
um critrio forte de distino entre regras e princpios12. As regras, por exemplo, podem
tambm ser realizadas em maior ou menor medida, como aquela regra que probe a
ultrapassagem pela direita, mas que pode encontrar diferente acatamento por parte dos
condutores nas situaes concretas. Por outro lado, h grande diversidade nas formas de
proteo de bens jurdicos, tanto por meio de regras quanto de princpios, o que tambm
afasta uma distino forte entre referidas espcies de normas. Nos casos difceis, em que
no se possa reconhecer que uma dada norma reveste a natureza de regra ou de
princpio e se j foram efetuadas todas as ponderaes devidas pelas instncias
legitimadas para tal, a distino forte tambm se mostra problemtica. Admitir, por fim,
que a qualificao de uma norma como regra ou princpio possa depender de vicissitudes
histricas ou da vontade do constituinte, j que dela depender o reconhecimento de
maior ou menor margem de restrio por parte dos poderes constitudos, leva a que se
busque uma distino fraca e gradual entre as duas realidades13. Nos casos difceis,
lembre-se, no se recorre subsuno, mas ponderao, no se identificando uma
soluo apriorstica. Em alguns casos, evidentemente, poder a Constituio adotar um
determinado entendimento e resolver uma coliso entre direitos fundamentais de forma
tendencialmente inequvoca. A regra, porm, que no possvel tipificar-se e regular-se
todas as eventuais colises que venham a ocorrer.
Ao lado das restries imediatamente decorrentes da Constituio e das que so
estabelecidas por lei, com fundamento em autorizaes contidas nas normas
constitucionais, admitem-se restries no expressamente autorizadas pela
Constituio14. No se mostra adequado considerar estas ltimas como limites
11

SARMENTO, Daniel. Os Princpios Constitucionais e a Ponderao de Bens. In: Teoria dos Direitos
Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 50 et seq.
12
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 344-345.
13
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 353. No mesmo sentido, JOS MARA RODRGUEZ DE SANTIAGO (La
Ponderacin de Bienes e Interesses en el Derecho Administrativo. Madri: Marcial Pons, 2000, p. 46-47). Este ltimo
alude circunstncia de o prprio ALEXY referir-se a proposies que tm um duplo carter, de regra e princpio, o
que contraria uma distino qualitativa entre referidas espcies de normas (Teora de los Derechos Fundamentales.
Madri: Centro de Estdios Polticos y Constitucionales, 2001, p. 135 et seq.). Tal ocorre quando o que estatudo por
uma disposio de direito fundamental completado com normas susceptveis de subsuno, com a ajuda de clusulas
que fazem referncia a ponderaes. Em suma, tem-se que pode haver regras, princpios, normas que so
predominantemente regras e normas que so predominantemente princpios. Da mesma forma, pode-se afirmar que no
h uma diferena categorial entre a subsuno e a ponderao como mtodos de aplicao do direito. Uma norma
qualificvel como regra pode exigir a realizao de ponderaes em virtude de, por exemplo, conter um conceito
jurdico indeterminado carente de valorao.
14
Sobre o tema, J.J.GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7a Edio. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 1276-1277 e 1279-1283) e JORGE REIS NOVAIS (As Restries aos Direitos Fundamentais No

imanentes aos direitos fundamentais15, mas elas se impem por uma necessidade de
ponderao entre direitos fundamentais e bens jurdico-constitucionais relevantes, ante a
impossibilidade de o legislador constituinte prever todas as possveis colises de direitos
e bens constitucionais, de forma a, em cada caso concreto, assegurar a convivncia entre
referidos bens e direitos. No se trata de hierarquiz-los, nem de identificar, com base em
uma teoria interna das restries aos direitos fundamentais, limites no escritos
apriorsticos. Todos os direitos fundamentais, nessa perspectiva, esto submetidos a uma
reserva geral imanente de ponderao, pela qual se busca compatibilizar, de um lado, a
interpretao que os poderes constitudos fazem do interesse pblico e, de outro lado, as
garantias decorrentes da liberdade individual16. Uma interpretao constitucionalmente
adequada e que leve em conta a fora normativa da Constituio deve levar, por outro
lado, a considerar as interpretaes e ponderaes efetuadas em abstrato pelo
constituinte, bem como as reservas colocadas nos direitos fundamentais. Isso pode levar
consagrao como regras de determinadas garantias jurdicas fundamentais, como o
caso da vedao da pena de morte no Brasil, passveis de uma aplicao subsuntiva e
definitiva. Na maior parte das vezes, contudo, as normas de direitos fundamentais
revestir-se-o da natureza de princpios, mediante o recurso a frmulas abertas e a
conceitos indeterminados carentes de um preenchimento valorativo, o que torna evidente
a necessidade de se adotar uma ponderao17.
3 Uma proposta de identificao dos limites restrio de direitos na CF/88
No Brasil, SUZANA DE TOLEDO BARROS18 e GILMAR FERREIRA MENDES19
aludem s restries legais simples, s reservas legais qualificadas e a direitos
fundamentais sem expressa previso de reserva legal. Nas primeiras, h uma remisso
abrangente ao legislador, que tem autorizada a possibilidade de restringir o mbito de
proteo de direitos fundamentais, inclusive por meio da densificao de conceitos ou
institutos jurdicos; nas segundas, a Constituio fixa as condies em que se far a
Expressamente Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 254 et seq.).
15
Adotando posio mais matizada, KONRAD HESSE (Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da
Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 251 et seq.) entende que a identificao de limites aos direitos
fundamentais significa a determinao do mbito da norma, da parcela da realidade que objeto de garantia, a qual
muitas vezes conformada juridicamente. Tal limitao pode dar-se em virtude de ordens normativas adicionais
eventualmente contidas na garantia do direito fundamental (como a limitao da liberdade de reunio a encontros
pacficos). So limites imanentes, a serem determinados por interpretao. Por outro lado, o autor distingue a
identificao de limites imanentes da previso de restries aos direitos fundamentais, com base em reservas de
interveno legislativa. JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (Os Direitos Fundamentais na Constituio
Portuguesa de 1976. 3a Edio. Coimbra: Almedina, 2004, p. 292 et seq.), por sua vez, apesar de aceitar a figura dos
limites imanentes, rejeita os pressupostos bsicos da chamada teoria interna das restries. Para ele, e semelhana de
KONRAD HESSE, h o primeiro momento de determinao do mbito normativo dos direitos fundamentais, por meio
da considerao de limites expressos ou implcitos, que leva a afastar de referido mbito situaes ou formas de
exerccio de direitos no aceitas pela Constituio de forma absoluta, que lesem os direitos dos outros ou valores
comunitrios fundamentais. Os limites imanentes, assim, so obtidos por interpretao, no se confundindo com o
segundo momento, o da restrio a direitos fundamentais por parte do legislador. No Brasil, SUZANA DE TOLEDO
BARROS (O Princpio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos
Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 1996, p. 166 et seq.), aps reconhecer ao legislador uma implcita
autorizao para regular conflitos entre direitos fundamentais e bens jurdicos em coliso na ausncia de uma reserva
de interveno expressa, em decorrncia dos princpios da unidade da Constituio e da concordncia prtica, faz
vincular tal possibilidade existncia de limites imanentes, fundados nos direitos dos outros e na clusula de
comunidade. Em ltima instncia, a natureza principiolgica das normas de direitos fundamentais e a necessidade de
ponderaes levariam afirmao de tais limites imanentes.
16
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 570 et seq.
17
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 574-575.
18
O Princpio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos
Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 1996, p. 161 et seq.
19
Hermenutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p. 227 et seq.

restrio, os fins a serem perseguidos e os meios a serem utilizados; por fim, na ausncia
de previso de interveno, ambos os autores entendem que o legislador pode intervir.
Para GILMAR FERREIRA MENDES, tal possibilidade decorre do inciso II do artigo 5o da
CF/88, que estabelece uma clusula de reserva legal subsidiria. Defende ele a idia de
que, no caso de direitos fundamentais no submetidos a reserva de lei restritiva, a ao
limitadora seja revestida de cautela redobrada. Quanto aos bens jurdicos em face dos
quais seria admissvel a restrio, defende o autor, com base na doutrina alem, a noo
de que devem tratar-se de direitos de terceiros ou revestir hierarquia constitucional.
Criticando esse ltimo entendimento, uma vez que aquilo que deve prevalecer o
contedo material do bem em causa, e no sua localizao formal em um plano
constitucional ou infra-constitucional, bem como o peso relativo de cada um dos bens em
coliso, examinar JORGE REIS NOVAIS20.
No tocante ao direito brasileiro, defende-se aqui a opinio de que devem em regra
ser observados os princpios da reserva legal, da proporcionalidade e da igualdade na
restrio de direitos fundamentais no dotados de uma reserva de interveno. No se
mostra adequado, por sua vez, invocar-se o respeito ao ncleo essencial do direito
fundamental que vier a ser restringido. Lembre-se que h duas concepes acerca do
ncleo essencial21. Para as chamadas teorias absolutas, ele seria um ncleo
fundamental, determinvel em abstrato, que seria intocvel por ser dotado de maior
intensidade valorativa. reconduzido dignidade da pessoa, ou projeo de referida
dignidade em cada direito, ou aos elementos tpicos que conferem carter ao direito,
dentre outras concepes. Para as teorias relativas, o ncleo essencial no poderia ser
apartado dos princpios da exigibilidade e da proporcionalidade. Ora, no apenas o
respeito ao ncleo essencial no se encontra previsto na CF/88 como sua aplicao no
traz qualquer reforo do nvel de tutela dos direitos fundamentais. Isso porque, se for
adotada uma perspectiva relativa da defesa do ncleo essencial, esta dificilmente pode
ser distinguida do princpio da proporcionalidade, da proibio do excesso e da
ponderao. A adoo de uma perspectiva absoluta, por sua vez, conduz quer sua
identificao com outros princpios constitucionais, como o caso do princpio da
igualdade ou da dignidade da pessoa, quer a uma difcil e pouco consistente tentativa de
identificar um ncleo irredutvel de proteo22.
20

As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003, p. 620-621.
21
Nesse sentido, examinar JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (Os Direitos Fundamentais na Constituio
Portuguesa de 1976. 3a Edio. Coimbra: Almedina, 2004, p. 304 et seq.).
22
Examinar, nesse sentido, JORGE REIS NOVAIS (As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente
Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 779 et seq.) e MARIANO BACIGALUPO (La
Aplicacin de la Doctrina de los Limites Inmanentes a los Derechos Fundamentales Sometidos a Reserva de
Limitacin Legal. In: Revista Espaola de Derecho Constitucional, Ano 13, n. 38, maio-agosto de 1993. Madri:
Centro de Estudios Constitucionales, p. 301-302). Este ltimo autor ressalta que a garantia do respeito ao contedo ou
ncleo essencial perdeu boa parte de sua operatividade prtica em favor do princpio da proporcionalidade.
Normalmente, se este for respeitado, no h leso ao ncleo essencial do direito fundamental. O respeito ao ncleo
intangvel de um direito fundamental tem se transformado em mero filtro subsidirio e acessrio do princpio da
proporcionalidade. Reconhece-lhe, porm, alguma utilidade em situaes em que haja um conflito de bens e direitos e
um deles tenha um carter absolutamente preferencial, exemplificando com o direito intimidade. Segundo a
jurisprudncia atual do Tribunal Constitucional Federal alemo, faz-se referncia ao respeito ao ncleo duro de um
direito apenas quando se opem a intimidade pessoal e o direito informao, para o fim de admitir a limitao desta
ltima a fim de salvar o contedo essencial do primeiro. Assim, a referncia ao ncleo essencial somente admissvel,
na atualidade, nos casos, infreqentes sem dvida, de colises em que a preferncia absoluta outorgada a um dos
direitos em choque impossibilite uma ponderao. KONRAD HESSE tambm assevera que a proibio de limitaes
desproporcionais efetua tambm uma proteo do ncleo essencial (Elementos de Direito Constitucional da Repblica
Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 267-268). Em sentido contrrio, considerando que
a CF/88 ampararia a necessidade de se proteger o ncleo essencial dos direitos fundamentais em virtude da previso
constante do pargrafo 4o de seu artigo 60, examinar INGO WOLFGANG SARLET (Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituio Federal de 1988. 2a Edio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 120121). Referido dispositivo prev, como limite material do poder constituinte reformador, a vedao de propostas de

No caso brasileiro, a ausncia de uma norma geral sobre restries a direitos


fundamentais, em vez de uma deficincia, pode ser considerada um dado positivo, pois,
ao evitar o problema de interpretao do alcance de normas como o no 2 do artigo 18 da
Constituio portuguesa23, deixa para a jurisprudncia constitucional a possibilidade de
reconhecer a existncia de uma reserva geral de ponderao, com fundamento no artigo
5o, incisos II e LIV, da CF/88. Na Espanha, a propsito, onde o artigo 53, no 1, da Lei
Maior submete os direitos e liberdades do captulo II de seu ttulo primeiro a regulao
por lei, independentemente da existncia ou no de reservas de interveno, tambm se
reconhecem as vantagens de que da advm, ao evitar-se a referncia a um conceito
controvertido como o de limite imanente e ao ampliar as possibilidade de controle de leis
restritivas pela sua submisso aos limites dos limites24.
4 Concepes ampla e restrita do mbito de proteo dos direitos fundamentais e
a competncia para operar restries. O princpio da concordncia prtica
Tambm de se indagar se deve ser adotada uma concepo ampla ou restritiva da
previso normativa de direitos fundamentais. Isto , se deve ser mantido o mbito
protetivo prima facie de cada direito e, a posteriori, com fundamento em uma ponderao,
excluir-se determinados aspectos do aludido mbito que impedem uma concordncia
prtica entre os bens e valores constitucionais25 ou se possvel afastar de tal mbito
determinadas situaes e condutas. Com efeito, trata-se de dois momentos lgicos
distintos: o da determinao do mbito da norma e o da identificao de restries26. A
adoo de tal procedimento estruturado em fases permite afastar o recurso aos requisitos
procedimentais e institucionais de restries a direitos fundamentais nos chamados casos
fceis27. Ademais, mostra-se mais adequada constitucionalmente uma perspectiva
restritiva, que leve a afastar de referido mbito protetivo as situaes evidentes de leso
emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais.
23
JORGE REIS NOVAIS, a propsito (As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela
Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 587 et seq.), conclui que a previso normativa constante do no 2 do
artigo 18 da CRP no deve ser interpretada literalmente, seja porque inexeqvel, seja porque juridicamente
inconsistente, uma vez que implica o abandono do princpio da unidade da Constituio e da necessidade de harmonizar
e compatibilizar direitos e bens jurdicos em coliso, negando sua fora vinculante. O sentido de referida previso
normativa de um apelo ou advertncia dirigido aos poderes constitudos, no sentido de ressaltar o carter excepcional
e carente de especial justificao das restries no expressamente autorizadas. Estas ltimas devem se sujeitar a
controles adequados, de forma a respeitar o carter de trunfos ante o poder poltico dos direitos fundamentais. Mesmo
na ausncia de reservas expressas, sujeitam-se referidas posies jurdicas a uma reserva de ponderao; no entanto, a
ausncia de reservas significaria que o constituinte no procedeu a nenhuma ponderao prvia com outros bens e
direitos. Em conseqncia, deixou para os poderes constitudos a possibilidade de o fazer, devendo, porm, ser
observados critrios de legitimao e de justificao acrescidos, alm do respeito aos requisitos constitucionalmente
previstos para as restries. Na ausncia de reservas, a competncia do juiz, principalmente o constitucional, sobre as
ponderaes realizadas deve ser total, j que, quando os direitos so consagrados com reservas, estas ltimas
condicionam o mbito do controle jurisdicional (op. cit., p. 600-601).
24
Nesse sentido, examinar LUIS AGUIAR DE LUQUE (Los Limites de Los Derechos Fundamentales, in Revista del
Centro de Estudios Constitucionales, n. 14, janeiro/abril de 1993, p. 20).
25
Assim, no caso do direito de greve dos servidores pblicos, tem-se, que a princpio, ele seria amplo e irrestrito.
Posteriormente, diante da necessidade de ponderar o mbito protetivo de tal direito com outros bens e valores
constitucionais, como a tutela da sade e da vida, pode-se chegar ao reconhecimento da necessidade de se estabelecer
limites ao direito de greve dos servidores que atuam nos servios de sade, assegurando uma prestao mnima de
servios populao. Examinar, a propsito, J.J.GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da
Constituio. 7a Edio. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1282. Uma concepo ampla, no entanto, pode levar a situaes
constitucionalmente inadequadas, como na hiptese de integrar na liberdade religiosa a possibilidade de se efetuar
sacrifcios humanos ou na liberdade de manifestao artstica a possibilidade de se pintar veculos de terceiros.
Defendendo uma posio ampla da previso normativa dos direitos fundamentais, examinar ROBERT ALEXY (Teora
de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estdios Polticos y Constitucionales, 2001, p. 299 et seq.).
26
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, p. 251; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenutica Constitucional e Direitos Fundamentais.
Braslia: Braslia Jurdica, 2000, p. 212 et seq.

aos princpios bsicos da ordem jurdica, sobretudo as que configuram ilcitos criminais ou
que produzam danos sociais intolerveis28. A definio de tal mbito inicia com a
interpretao das normas de direitos fundamentais, identificando o que pode de forma
segura ser includo na garantia que delas decorre. A anlise de conceitos contidos nas
normas de direito fundamental, levando em conta a integrao necessria entre norma e
realidade, serve para o apuramento inicial de referida esfera de proteo. Para tal fim,
de se referir o contributo de FRIEDRICH MLLER, que busca incluir no mbito normativo
do direito fundamental apenas as modalidades tpicas e no substituveis de ao. Nesse
sentido, a liberdade artstica no inclui a possibilidade de se cometer um assassinato
durante a encenao de uma pea, j que esto abertas ao titular do direito outras
modalidades tpicas de exerccio que no sejam proibidas29. Em seguida, deve-se buscar
definir o que est seguramente excludo de tal mbito, com fundamento em um juzo de
evidncia que dispense valoraes e ponderaes. Lembre-se que o critrio da evidncia
aqui lembrado pode eventualmente se mostrar problemtico por poder se revestir de
subjetivismo. Defende-se, porm, o argumento de que somente as situaes
caracterizadas como ilcitos penais materiais de forma incontroversa e universal (matar,
roubar, destruir o patrimnio alheio, violar, dentre outras), e no toda e qualquer situao
circunstancialmente contida na previso normativa de uma norma penal incriminadora, e
as situaes que, mesmo no passveis de sano criminal, sejam radicalmente
incompatveis com a vida em sociedade e ensejem uma reprovao social e jurdica
consensuais, que podem ser consideradas como excludas do mbito de proteo de
normas de direitos fundamentais30.
Por fim, de se lembrar os problemas de competncia e de habilitao decorrentes
da necessidade de determinar se os mesmos requisitos exigidos para as restries
decorrentes da atuao do legislador devem ser observados pelas intervenes restritivas
operadas pela Administrao. Se, a princpio, a resposta afirmativa, sobretudo nos
casos em que a atuao de autoridades administrativas prevista em normas
constitucionais e deve ser objeto de regulao legislativa, podem sobrevir situaes em
que a ausncia de norma habilitadora ou de suficiente densidade normativa no pode
constituir empeo a intervenes restritivas da Administrao destinadas a proteger bens
jurdicos relevantes ou a operar uma composio entre bens e interesses em coliso. o
caso de situaes de urgncia administrativa, muitas vezes associada a misses de
polcia administrativa, mas que exigem adequada ponderao por parte do intrprete e a
devida justificao da soluo encontrada31. Tambm o Judicirio, em razo de sua
atividade, pode vir a restringir direitos fundamentais e a compor conflitos entre referidas
posies jurdicas, devendo igualmente observar os requisitos referidos.
27

NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 431.
28
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 427.
29
Nesse sentido, examinar JORGE REIS NOVAIS (As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente
Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 400-401 e 419). O autor ressalta a importncia da
obra de MLLER para a afirmao da necessidade de uma perspectiva mais restritiva do mbito de proteo da norma
de direito fundamental. Critica, porm, o fato de MLLER tentar restringir ao momento da delimitao da previso
normativa a resoluo do problema dos limites aos direitos fundamentais consagrados sem reservas, entregando a
fixao do mbito normativo a especulaes subjetivas e transferindo para este momento a realizao de ponderaes e
valoraes que pretendia evitar.
30
No se pode esquecer de que h situaes neutras em termos de incluso na previso normativa ou de sua excluso,
em relao s quais JORGE REIS NOVAIS prope que seja adotada uma estratgia de defining out; ou seja, de incluso
inicial no mbito protegido e de posterior excluso de categorias ou modalidades de exerccio que apenas aparentemente
beneficiavam da proteo, impondo-se, porm, o nus de justificao de tal procedimento sobre quem sustenta a
excluso (As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio. Coimbra:
Coimbra Editora, 2003, p. 434-436). Este processo no necessariamente isento de valoraes e ponderaes.
31
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 475 et seq. e 866.

Lembre-se a possibilidade de ser alegado o fato de que a atuao do Judicirio e,


em ltima instncia, dos tribunais constitucionais poderia vir a subverter o princpio
democrtico, uma vez que alteraria uma deciso legislativa oriunda de representantes
eleitos. Tal afirmao, no entanto, no atenta para a adequada caracterizao do
princpio democrtico e do princpio do Estado de Direito na atualidade. A afirmao de
direitos fundamentais afasta do mbito de disponibilidade do legislador e dos demais
poderes uma srie de matrias, vinculando o Estado no sentido de concretiz-los32.
Caber ao Judicirio efetuar o controle das ponderaes realizadas pelo legislador (e
tambm pela Administrao) luz dos direitos fundamentais, que constituem o
parmetro da aferio da respectiva constitucionalidade. A atuao do Judicirio e das
cortes constitucionais, portanto, que s legtima enquanto puder fundar-se em
parmetros jurdicos do Estado Constitucional e no como alternativa poltica ao
legislador, no viola a repartio constitucional de competncias, mas deve se manifestar
como controle dos limites e requisitos que a prpria Constituio impe ao legislador33.
Cumpre, ainda, aclarar a distino entre ponderao e o chamado princpio da
concordncia prtica, freqentemente invocado como pauta a disciplinar a interpretao
constitucional34. Por meio da concordncia prtica, de certa forma uma conseqncia do
princpio da unidade da Constituio, tem-se que os poderes pblicos, ao concretizarem
as disposies desta ltima, devem buscar harmoniz-las e alcanar um equilbrio timo
entre elas, ou seja, pressupe-se um conflito entre direitos fundamentais e bens jurdicoconstitucionais e predica-se, para sua soluo, que seja adotada uma interpretao que
evite o total aniquilamento de um dos direitos ou bens em causa. Pode-se reconhecer na
concordncia prtica um plus em relao ponderao, ou seja, no apenas se impe
esta ltima, de forma a se evitar que um dos bens ou direitos em coliso seja
sobreavaliado em detrimento da satisfao do outro, mas vai-se alm e se determina que
seja alcanada a efetividade tima possvel entre eles35. O apelo chamada
concordncia prtica destina-se nitidamente a domesticar a ponderao, evitando que
esta ltima leve ao sacrifcio de um bem diante de outro36. de se ressaltar, no entanto,
que as situaes concretas de conflitos entre direitos raramente chegam a opor a
totalidade de um deles contra outro. mais comum o choque entre aspectos parcelares
do mbito protegido de um e de outro bem jurdico. Ademais, a medida tima de
realizao de um bem ou direito em face de outro, nos casos concretos, e na ausncia de
uma medida menos restritiva, pode ser justamente o total afastamento de um ante o
outro; mas, aqui, o que se afasta ou se aniquila no o direito fundamental em
abstracto ou a liberdade por ele protegida, mas sim uma concreta modalidade de
exerccio ou parcela do bem que se acolhia sob a sua proteco37. Tal aniquilamento,
portanto, no absoluto, no podendo ser ilimitado no tempo, nem abranger todas as
pessoas ou todos os domnios da vida dos indivduos. H que se respeitar, por outro lado,
32

Nesse sentido, KONRAD HESSE (Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 230).
33
A propsito, examinar JORGE REIS NOVAIS (As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente
Autorizadas pela Constituio. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 696-697).
34
Nesse sentido, KONRAD HESSE (Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, p. 66-67); J.J.GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da
Constituio. 7a Edio. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1225); INOCNCIO MRTIRES COELHO (Interpretao
Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 91) e MRCIO AUGUSTO VASCONCELOS
DINIZ (Constituio e Hermenutica Constitucional. 2a Edio. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 263).
35
Nesse sentido, JOS MARA RODRGUEZ DE SANTIAGO (La Ponderacin de Bienes e Interesses en el Derecho
Administrativo. Madri: Marcial Pons, 2000, p. 28-29).
36
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, p. 66.
37
NOVAIS, Jorge Reis. As Restries aos Direitos Fundamentais No Expressamente Autorizadas pela Constituio.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 690.

disposies que consagram uma tutela em termos definitivos e absolutos, como a


proibio da pena de morte.
Ademais, como tradicionalmente expresso, o chamado princpio da concordncia
prtica desconhece e mesmo entra em choque com a necessidade de se atribuir s
normas de direitos fundamentais, na maior parte das vezes, a natureza de princpios; isto
, disposies que devem ser aplicadas de forma gradual e na medida das possibilidades
fticas e tambm jurdicas. O afastamento de uma concreta modalidade de exerccio de
um direito, em um determinado caso, ante o maior peso de um direito contrrio, no leva
expulso da norma por meio da qual ele se expressa do ordenamento jurdico; ou seja,
as situaes de coliso entre princpios no se resolvem no plano da validade, mas sim
no plano do peso38. Mostra-se, com efeito, imprescindvel a realizao de ponderaes,
com o eventual afastamento, nos casos concretos, de um dos bens ou direitos em
coliso. Da por que a concordncia prtica deve ser entendida em termos. No realista
predicar que se pode sempre alcanar um ponto de equilbrio e de satisfao tima entre
os bens e direitos que no implique a possibilidade de se afastar uma modalidade de
exerccio destes nas situaes concretas.
5 Concluses e exame de alguns casos concretos
Adota-se neste estudo o entendimento de que a restrio a direitos fundamentais
em geral, incluindo aqueles cujas normas no prevem a possibilidade de interveno
legislativa, deve observar os requisitos da legalidade, da proporcionalidade e da
igualdade, vedando-se casusmos. Como um dos contributos da metdica concretista de
FRIEDRICH MLLER, mencione-se a maior adequao constitucional de uma
perspectiva mais restritiva do mbito protegido por normas de direitos fundamentais.
Defende-se neste estudo a idia de que se deve afastar do momento posterior
identificao de tal mbito, qual seja, a ponderao entre bens e direitos, condutas
consagradas universal e consensualmente como criminosas ou geradoras de grandes
danos. Evita-se, assim, a mobilizao dos limites s restries de direitos fundamentais
em hipteses em que na verdade no h uma autntica coliso entre direitos
fundamentais.
Exemplifique-se com o exame da inviolabilidade de correspondncia, prevista pelo
inciso XII do artigo 5o da Constituio. Lembre-se que, apesar de prevista aparentemente
sem possibilidade de restrio, referida inviolabilidade poder ser condicionada nas
hipteses de Estado de Defesa e de Estado de Stio, nos termos, respectivamente, da
alnea b, do inciso I, do pargrafo 1o do artigo 136 e do inciso III do artigo 139 da CF/88.
Trata-se, no entanto, de restries temporrias e excepcionais. Mas, e em situaes de
normalidade institucional? A inviolabilidade referida reveste-se da natureza de regra ou
poder ser tratada como princpio e, portanto, ceder ante outros bens e direitos? Tal
norma, na maior parte dos casos, deve ser considerada uma regra, susceptvel, portanto,
de aplicao em termos definitivos, ante a proximidade do valor que pretende tutelar da
dignidade da pessoa. No parece, no entanto, que o legislador esteja impedido de regular
eventuais colises com outros direitos ou bens jurdicos, servindo-se do artigo 5o, inciso II,
da CF/88 e do princpio da proporcionalidade. Devem, porm, ser apresentadas boas
razes e argumentos que justifiquem tal cedncia.
Condutas criminosas ou que produzam grandes danos no devem ser consideradas
como abrangidas pelo seu mbito de proteo. Assim, se algum pretender enviar
txicos, dinheiro falso ou um produto nocivo sade por meio da correspondncia, no
38

DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 26-27; ALEXY,
Robert. Teora de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estdios Polticos y Constitucionales, 2001, p. 89-90.

pode invocar a inviolabilidade referida. A Administrao, por sua vez, seja a Empresa
Brasileira de Correios e Telgrafos ou a direo de uma penitenciria, por exemplo, pode
usar dos meios necessrios (aparelhos de raio X, ces farejadores de substncias
proibidas) para coibir referidas prticas, independentemente de lei, desde que de forma
devidamente justificada e motivada. No h aqui qualquer coliso de direitos nem
restrio que tornem necessrio ponderar posies jurdicas e aplicar os requisitos da
legalidade e da proporcionalidade39.
Examine-se, ainda, o direito de greve dos servidores pblicos. Ele previsto pelo
inciso VII do artigo 37 da Constituio, uma norma que consagra um reserva simples de
interveno do legislador, ou seja, que entrega a este em termos amplos a definio de
como se dar o seu exerccio. Estaro a Administrao e o Judicirio, em conseqncia,
na ausncia de lei, impedidos de atuar, por exemplo, no tocante a uma greve que tenha
paralisado os servios de emergncia de um hospital pblico ou em que tenha ocorrido a
ocupao de um prdio pblico ou o impedimento da entrada de quem queira trabalhar?
No parece. A greve no servio pblico deve ser tratada de forma diversa da greve na
iniciativa privada. Os danos que ela pode provocar no afetam apenas o patro
governamental, mas toda a sociedade. A prestao de servios pblicos, alguns dos
quais so essenciais, no pode sofrer interrupo em decorrncia do princpio da
continuidade. Ademais, a atuao do Poder Pblico, por meio de seus servidores,
indispensvel satisfao inadivel de necessidades coletivas. Por tais razes, dever o
legislador ponderar adequadamente os bens em conflito, de forma a possibilitar o
exerccio de referido direito sem, no entanto, ensejar graves prejuzos sociedade.
Paralisar a emergncia de um hospital pblico, com a possibilidade de causar mortes e
leses graves integridade fsica, no , porm, uma conduta que possa ser coberta pelo
direito de greve. Pode-se presumir que o legislador jamais consagraria referida conduta.
Como est fora do mbito de proteo do direito, pode ser coarctada por medidas
administrativas (corte do ponto, desconto dos dias parados), que devero ser motivadas e
dotadas de suficiente fundamento normativo, e judiciais (reintegrao de posse no caso
de invaso das dependncias, aplicao de multa para permitir o acesso de quem queira
trabalhar, imposio do comparecimento de um percentual mnimo da fora de trabalho,
destinado a atender a situaes emergenciais e inadiveis, dentre outras). Tais medidas
no invadem o mbito de proteo do direito, nem a competncia do legislador para
dispor sobre o direito de greve dos servidores pblicos, pois, como visto, as condutas
coibidas esto fora do mbito de proteo do direito fundamental em causa.
O Supremo Tribunal Federal, a propsito, no Mandado de Injuno no 20 (Relator
Ministro Celso de Mello) se manifestou no sentido de que a norma constitucional que
consagra o direito de greve dos servidores pblicos no auto-aplicvel, carecendo da
edio de lei, sem o que referido direito no poder ser exercido. Em outra deciso, a
referida corte entendeu que no ofende a competncia privativa da Unio para disciplinar
o direito em comento o decreto de Governador que - a partir da premissa de ilegalidade
da paralisao, falta da lei exigida pela Constituio - discipline suas conseqncias
administrativas, disciplinares ou no (ADInMC 1306, 30.6.95, julgamento: 16/05/2002,
DJU de 14/06/2002, p. 126). Sobre os limites do direito de greve dos servidores,
39

ALEXANDRE DE MORAES lembra que o Supremo Tribunal Federal, no HC 70.814-5/SP e na Carta Rogatria
7.323-2, admitiu a interceptao das cartas de presidirios pela administrao penitenciria, respeitados certos
parmetros, sempre que elas estejam sendo utilizadas como instrumentos de crimes, no sendo admissvel que a sua
inviolabilidade sirva para acobertar ilcitos (Direito Constitucional. 13a Edio. So Paulo: Atlas, 2003, p. 84).
Lembrou-se a possibilidade de restringir referido direito com fundamento na segurana pblica, na disciplina prisional
ou na preservao da ordem jurdica. No caso das penitencirias, de se lembrar o pargrafo nico do artigo 41 da Lei
de Execuo Penal, que trata da possibilidade de se restringir a correspondncia do preso, por ato motivado do diretor
do estabelecimento. Entende-se neste estudo, porm, que a hiptese no de restrio, mas sim de explicitao de uma
modalidade de conduta no includa no mbito de proteo da norma que consagra a inviolabilidade da
correspondncia.

examinar, ainda, a deciso proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4a Regio na AMS
81228 (Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJU de 20/11/2002,
p. 413). A distino efetuada neste estudo entre o mbito protegido do direito
fundamental e as condutas que podem ser consideradas, de forma consensual e
evidente, como excludas de tal mbito, permite justificar a interveno da Administrao
e do Judicirio no caso das segundas, afastando o argumento de que se trata de uma
invaso do campo atribudo pela Constituio ao legislador na regulao do direito em
comento.

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