Processo Constitucional Contemporâneo - Revista de Direito Processual - UERJ
Processo Constitucional Contemporâneo - Revista de Direito Processual - UERJ
Processo Constitucional Contemporâneo - Revista de Direito Processual - UERJ
Volume IV
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
SUMÁRIO
2
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume IV
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
LEONARDO GRECO
Professor Titular de Direito Processual Civil da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro; Professor Adjunto de
Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ocorre que o direito nasce dos fatos e não houve até hoje nenhuma ciência ou saber humano
que fosse capaz de empreender uma reconstrução dos fatos absolutamente segura e aceita por todos,
para que o juiz, no seu mister, pudesse limitar-se a dizer o direito a ela aplicável.
Nos livros em que estudamos, as questões de fato pareciam quase inteiramente alheias ao
mundo do Direito, como se fossem objeto ou de um saber vulgar naturalmente sujeito a erro,
resultante da percepção sensorial de qualquer pessoa, como a testemunha, em si pouco confiável, ou
de um sofisticado saber científico, revelado enigmaticamente pelo perito, investido de uma
confiança cega e incontestável, ou de documentos iguais aos que diariamente manipulamos nos
sucessivos episódios da nossa vida e que aprendemos a avaliar intuitivamente através do senso
comum.
O processo estudaria apenas os meios e o modo como o conhecimento dos fatos é produzido
como premissa necessária da sentença judicial, estabelecendo ainda, juntamente com o direito
material e em benefício deste, algumas regras mais ou menos interventivas na sua investigação ou
na sua avaliação.
Se essas regras jurídicas tiverem sido observadas, nenhuma importância terá o resultado, que
poderá tanto estar muito próximo quanto muito distante da realidade da vida.
Essa indiferença com o resultado da apuração dos fatos no processo encontrava justificativa
na inspiração divina da decisão judicial, aceita desde a Antiguidade grega, ou no poder absoluto do
soberano, que substituiu na Idade Moderna o poder divino, ou no individualismo da livre convicção
liberal, em que o juiz emanava a lei do caso concreto, mas seguramente não satisfaz aos ideais
democráticos do Estado contemporâneo, que assenta a legitimidade política do poder dos juízes na
credibilidade das suas decisões.
A sociedade do nosso tempo é mais exigente. Ela não mais se contenta com qualquer
reconstrução dos fatos, mas apenas com aquela que a consciência coletiva assimila e aceita como
autêntica, porque a exata reconstituição dos fatos é um pressuposto fundamental de decisões justas1
e da própria eficácia da tutela jurisdicional dos direitos, já que legitimadora do poder político de que
estão investidos os julgadores.
1
Michele Taruffo. “Idee per una teoria della decisione giusta”. In: Sui confini - scritti della giustizia civile. Bologna: Il
Mulino, 2002, p.224.
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Também Moniz de Aragão4 invoca o artigo 339 do CPC para observar que o descobrimento
da verdade é objetivo precípuo a ser alcançado para que se pronuncie o julgamento.
Outro autor italiano que não pode ser ignorado no trato da matéria é Michele Taruffo, já
agora representativo do salto qualitativo dado pelo Direito Processual no segundo Pós-Guerra, em
direção a um processo como instrumento de tutela efetiva dos direitos reconhecidos pelo
ordenamento jurídico, que precisa se reconciliar com a verdade, porque negar a capacidade do
processo de revelá-la implicaria em negar a própria possibilidade de o Estado assegurar o acesso ao
direito, que decorre dos fatos7.
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investigação fática capenga, incompleta, impedindo-o de obter a tutela dos direitos pela
impossibilidade de demonstrar a ocorrência dos fatos dos quais eles se originam. Ferrajoli qualifica
a garantia jurisdicional como o direito a um julgamento conforme à verdade jurídica e fática8. Mas a
verdade não compõe apenas essa garantia. É também pressuposto da justiça das decisões judiciais e,
como tal, da própria legitimidade política do Judiciário, como guardião da ordem jurídica e dos
direitos dos cidadãos, e limite intransponível ao arbítrio. Por isso Taruffo a qualifica como um dos
escopos institucionais do processo9.
Se a verdade no processo tem essa relevância humanitária e política, ela não pode ser uma
outra verdade senão aquela que resulta do mais qualificado método de investigação acessível ao
conhecimento humano, em qualquer área do saber.
Daí resulta que o discurso justificativo das decisões sobre os fatos deve ter por função a
demonstração lógico-racional da correspondência das afirmações aos fatos do mundo real, com o
emprego dos mesmos métodos e critérios das ciências correspondentes, quando for o caso11. Isso
não significa transformar o processo numa busca interminável da verdade absoluta, pois, mesmo a
investigação científica está sujeita a imposições temporais.
O fundamental é que as normas jurídicas relativas à produção das provas não podem
constituir obstáculos que dificultem a reconstrução objetiva dos fatos. Para que a celeridade não
constitua um obstáculo, certamente o processo deverá ser aperfeiçoado, através de técnicas mais
apropriadas de antecipação da atividade probatória, como a disclosure e a discovery do direito
anglo-americano.
Peter Häberle, no seu ensaio sobre Direito e Verdade, ressalta que a verdade é um valor
humanitário fundamental no Estado Democrático de Direito, porque dela dependem a eficácia da
liberdade, da justiça e do próprio bem comum. Depois da experiência do modelo autoritário, o
estado constitucional impõe a verdade como um valor cultural. Ao contrário de Hobbes (auctoritas
non veritas facit legem), podemos dizer que é a verdade e não a autoridade que origina a lei.
Correta, portanto, é a observação de Vaclav Havel de que “há nos sistemas pós-totalitários uma
característica particular: a aspiração humana à verdade” 12.
8
Luigi Ferrajoli, Diritto e ragione – teoría del garantismo penale. 7ª ed. Roma-Bari: Laterza, 2002, p.43.
9
V. M. Taruffo. La prova..., p.144; também citado por Gian Franco Ricci. Le prove atipiche. Milano: Giuffrè Editore,
1999, p. 1141.
10
M. Taruffo. La prova..., p.42.
11
Luigi Lombardo. La prova giudiziale – contributo alla teoria del giudizio di fatto nel processo. Milano: Giuffré,
1999, p.16; G. F. Ricci. Le Prove..., p.1138.
12
Vaclav Havel, Versuch in der Wahrheit zu leben, citado por Peter Häberle. Diritto e verità. Torino: Einaudi, 1995,
p.105.
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Como instrumento da verdade é que a prova vai cumprir aquela função social apontada por
Devís Echandia: dar segurança às relações sociais e comerciais, prevenir e evitar litígios e delitos,
servir de garantia dos direitos subjetivos e dos diversos status jurídicos13.
2. – CONCEITO
Gian Franco Ricci14 divide as limitações probatórias, quanto à função que desempenham no
processo, em três espécies: a) as que visam a repudiar provas supostamente suspeitas, como as
incapacidades, impedimentos e suspeições para depor; b) as que se destinam a garantir um ordenado
desenvolvimento do processo, como as preclusões, os prazos probatórios e muitas regras
procedimentais; e c) as que preservam valores constitucionais, como a intimidade, o segredo de
ofício ou o segredo profissional15.
13
Hernando Devis Echandia. Compendio de pruebas judiciales. Tomo I. Santa Fe : ed. Rubinzal-Culzoni, 1984, p.26.
14
Gian Franco Ricci. “Nuovi rilievi sul problema della ‘specificità’ della prova giuridica”. In: Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile. Milano: ed. Giuffrè, ano LIV, p.1148, 2000.
15
Proponho distribuir nessas três categorias as limitações probatórias que identifico no Código de Processo Civil: a)
limitações que visam a repudiar provas supostamente suspeitas: a incapacidade para prestar depoimento pessoal (CPC,
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Numa observação panorâmica das limitações probatórias e sem adiantar a análise das
limitações específicas de cada meio de prova, considero essencial tentar identificar os principais
fundamentos para a sua admissão ou rejeição, que deverão ser invocados na busca da sua
compatibilização com o escopo probatório de apurar a verdade objetiva, em nível de confiabilidade
compatível com o de quaisquer outras áreas de conhecimento.
Entretanto, muitos direitos fundamentais podem sofrer limitações à sua eficácia para
assegurar igual eficácia de outros. Bobbio dizia que há apenas dois direitos fundamentais absolutos
que, em nenhum caso e sob nenhum pretexto podem ser sacrificados: não ser torturado e não ser
escravizado16.
art. 8º); a proibição de requerer o próprio depoimento pessoal (CPC, art. 343); a proibição da presença da parte à
tomada de depoimento pessoal da outra (CPC, arts. 344 e 413); a limitação do depoimento pessoal à forma oral (CPC,
art. 344); a proibição de reperguntas pelo advogado do próprio depoente; a forma escrita da confissão extrajudicial
(CPC, art. 353); a subordinação da prova contra o autor do documento particular à assinatura (CPC, art.368); as
incompatibilidades para depor como testemunha; as incapacidades para depor como testemunha (CPC, art. 405, § 1º;
Código Civil, art. 228); os impedimentos e motivos de suspeição das testemunhas (CPC, art. 405, §§ 2º e 3º); a não
admissão da prova exclusivamente testemunhal nos contratos de valor superior a 10 salários mínimos (CPC, art. 401;
Código Civil, art. 227); a não admissão da prova testemunhal sobre fato já provado por documento ou confissão ou que
só por documento ou exame pericial possa ser provado (CPC, art.400); os impedimentos, os motivos de suspeição e a
carência de conhecimentos técnicos ou científicos (CPC, arts. 423 e 424); as limitações ao depoimento oral do perito
(CPC, art. 435); b) limitações que visam a garantir um ordenado desenvolvimento do processo: as preclusões
processuais, como a vedação à proposição e produção de provas não requeridas pelo autor na petição inicial e pelo réu
na contestação (CPC, arts. 282 e 300), a proibição de provas novas em grau de apelação (art. 517) e a cognição recursal
restrita à matéria de direito no recurso especial e no recurso extraordinário; a proibição de juntada de documentos
posteriormente aos articulados (CPC, arts. 396 a 398, 326 e 327); o prazo para oferecimento do rol de testemunhas
(CPC, arts. 407 e 435); o número máximo de testemunhas (art.407, parágrafo único); as restrições à substituição de
testemunhas (CPC, art. 408); a limitação temporal aos quesitos suplementares (CPC, art. 425); o prazo para intimação
do perito para prestar depoimento oral em audiência (CPC, art. 435); c) limitações que visam a preservar valores
constitucionais: a proibição de provas ilícitas (Constituição Federal, art. 5º, inc. LVI; CPC, art. 332); as provas legais de
determinados fatos, através dos registros públicos dos fatos da vida civil, como o nascimento, o casamento e o óbito
(CPC, arts. 320, inc. III, e 366: Código Civil, arts. 9, 10, 108 e 1.543); as escusas de prestar depoimento pessoal (CPC,
art. 347); a inadmissibilidade da confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis (CPC, art. 351); as escusas de
exibição (CPC, art. 363); a proibição de requisição do processo administrativo fiscal (Lei nº. 6.830/80, art.41); a
proibição de acesso a documentos acobertados pelo segredo de Estado (Constituição, art. 5º, inc. XXXIII); as escusas de
depor (CPC, art. 406; Código Civil, art. 229); a escusa do perito por motivo legítimo (CPC, art. 146).
16
Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, ed. Campus, Rio de Janeiro, 15ª tiragem, 1992, p.187.
8
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2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.”
Já a terceira, no artigo 11, após estabelecer que “toda pessoa tem direito ao respeito de sua
honra e ao reconhecimento de sua dignidade”, proíbe “ingerências arbitrárias ou abusivas” na vida
privada, na da família, no domicílio e na correspondência, cabendo definir o que sejam tais
ingerências.
17
Nicolò Trocker. “Il contenzioso transnazionale e il diritto delle prove”. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile. Milano: Giuffrè, p. 475 e ss., 1992; Vittorio Denti. “La evolución del derecho de las pruebas en los procesos
civiles contemporáneos”. In: Estudios de derecho probatório. Buenos Aires: EJEA, 1974, pp. 77 e ss.
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Esses limites vêm sendo construídos pouco a pouco pela doutrina e pela jurisprudência de
cada país em função das circunstâncias específicas de casos concretos, o que gera muitas incertezas,
que poderiam ser dissipadas se tivéssemos no ordenamento jurídico interno uma lei específica sobre
a privacidade. À sua falta, a invocação da doutrina e da jurisprudência continental européia,
especialmente a alemã, que mais avançou no estudo do tema, não obstante acendradas polêmicas e
frequentes hesitações, é inevitável, em face da afinidade do nosso sistema jurídico com o direito
europeu, inclusive na mais recente evolução da teoria dos direitos fundamentais e das garantias
fundamentais do processo.
Já quanto aos exames de sangue e exames de DNA, a meu ver é preciso verificar se se
destinam apenas a investigar e apurar características do próprio portador para avaliar a sua
capacidade de entendimento ou de vontade, hipótese em que devem considerar-se protegidos por
uma privacidade de primeiro grau; ou se visam a demonstrar uma relação jurídica com outras
pessoas da comunidade, como, por exemplo, para a prova da paternidade ou a prova da autoria de
um crime de elevada gravidade, caso em que me parece se enquadrarem no segundo grau.
18
Manuel da Costa Andrade. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra editora, 2006, pp.94-
96.
19
M. da C. Andrade. Sobre as proibições..., p.51.
20
M. da C. Andrade. Sobre as proibições..., p.78.
21
O § 136a do Código de Processo Penal alemão enumera exemplificativamente: maus tratos, fadiga, ofensas
corporais, administração de quaisquer meios (Verabreichung von Mitteln), tortura, fraude (Täuschung) ou hipnose.
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A esse propósito, não podem deixar de ser mencionadas as escutas telefônicas, previstas no
texto constitucional (art. 5º, inc. XII) e regulamentadas em lei (Lei nº. 9.296/96), vulgarizadas no
País como instrumento de investigação criminal, menos por esse fato, e mais porque o teor dessas
escutas poderá vir a ser utilizado como prova em algum processo civil.
Mais uma vez é o direito alemão que oferece balizamentos mais minuciosos a respeito da
utilização em juízo das gravações de escutas telefônicas. O direito germânico somente permite a
escuta telefônica para apuração de determinados crimes excepcionalmente graves, relacionados no §
100a do Código de Processo Penal. Enumeração legal taxativa é também feita pelo direito
português, no artigo 187º do seu Código de Processo Penal. A suspeita da prática de um desses
crimes deve fundar-se em fatos determinados. O recurso à escuta pressupõe que a apuração do
crime seja impossível ou extremamente difícil por qualquer outro meio. As escutas devem limitar-se
aos próprios investigados ou a pessoas em relação às quais há indícios, baseados em fatos
determinados, de que recebem ou transmitem comunicações provenientes dos investigados ou a eles
destinadas ou cujos telefones utilizem os investigados22. O dispositivo citado do código português
proíbe a escuta de conversas ou comunicações entre o investigado e seu defensor, “salvo se o juiz
tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime”. Quanto ao
conhecimento de outros fatos revelados pela escuta, alheios aos que a motivaram, exige-se para que
sirva de prova que se trate de fatos de natureza criminosa igualmente relacionados como
particularmente graves e que não haja outro meio de apurá-los23.
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Creio que esse dever de colaboração recai com mais intensidade, se o depoente ou o
informante é uma das partes, porque violaria a paridade de armas se uma delas, a pretexto de
proteção da sua privacidade, subtraísse da outra a possibilidade concreta de provar os fatos dos
quais pode resultar o seu direito. Nesse caso, a escusa de depor ou de exibir somente poderia ser
admitida se fundada em motivo do 1º grau de privacidade. Se o depoente ou o informante não for
parte, é preciso não esquecer que todo terceiro tem o dever de colaborar com a justiça no
descobrimento da verdade (CPC, art. 339) e, assim, também a prestação de depoimento ou a entrega
de documento decorrem desse dever, não podendo o ordenamento jurídico criar escusa com
fundamento no suposto direito de não se auto-incriminar, sob pena de grave limitação à busca da
verdade.
Mas, é claro que, se o depoente ou informante, parte ou terceiro, invocar o direito à não
auto-incriminação, e desde que não seja o caso de escusa de depor ou de exibir com fundamento em
privacidade de 1º grau, o juiz não deverá em princípio dispensá-lo, salvo se, num juízo de
ponderação reconhecer a recusa como legítima como meio de proteção indispensável de direito
fundamental excepcionalmente valioso. Em qualquer caso, se o juiz não dispensar a informação ou
o depoimento, mas reconhecer o seu direito a preservar a sua reserva, deverá impor ao processo o
segredo de justiça. Nesse caso, a parte beneficiada pelo acesso à informação estará vinculada ao
dever de conservar esse sigilo, especialmente quando o fato ou o documento incriminadores possam
ser geradores ou servir para provar outros direitos seus em relação a terceiros. Ao segredo de justiça
estará vinculado o próprio juiz, caso o fato ou a prova sejam reveladores de responsabilidade
criminal do depoente ou de terceiro.
25
Apud Joseph M. Jacob. Civil justice in the age of human rights. Hampshire: ed. Ashgate, 2007, p.169.
12
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Antes disso pode-se dizer que já era consensual na doutrina processual que a celeridade do
processo constituía um componente essencial do direito de acesso à Justiça e da própria eficácia dos
direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico26.
Não são mais aceitáveis demoras na solução de litígios justificadas pelo volume excessivo
de processos ou pela ineficiência da máquina judiciária. Todo processo judicial representa uma crise
na eficácia e no pleno gozo dos direitos dos cidadãos, que deve ter mínima duração, porque somente
assim o Estado estará cumprindo na prática a promessa constitucional de assegurar a mais ampla
efetividade a esses direitos.
Embora a razoabilidade da duração do processo seja um juízo valorativo, que deverá resultar
de uma série de circunstâncias, como tem sido explicitado em diversos estudos e por diversas
fontes, entre as quais se destaca a jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos, que tem
imposto repetidas censuras a Estados-membros do Conselho da Europa pela excessiva duração de
processos judiciais, pode-se dizer que a demora da prestação jurisdicional que pode ser considerada
razoável é aquela que é imposta pela necessidade de assegurar às partes a mais ampla possibilidade
de oferecer alegações, propor e produzir provas e de facultar ao juiz uma cognição adequada.
Tanto a rigidez do procedimento, quanto dos prazos, quanto das preclusões, em benefício de
um processo célere, podem constituir obstáculos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo
ou, no que nos interessa, ao pleno exercício do direito de produzir no processo todas as provas
relevantes, sendo necessário explicitar critérios objetivos que assegurem a sua flexibilização, sem
ultrapassar a fronteira do razoável, porque resolver um processo em tempo razoável não significa
simplesmente decidi-lo com a observância do procedimento, dos prazos e das preclusões
estabelecidos pela lei, mas considerar como legítimas e, portanto, razoáveis, ou não, eventuais
dilações, assim como considerar como legítimas, ou não, determinadas proibições a essas dilações.
Recorda o Autor que Chiovenda, em 1910, já manifestara o seu ceticismo com a imposição
de preclusões probatórias, sustentando que na audiência deveria ser possível “modificar, retificar,
abandonar qualquer declaração anunciada e fazer outras não anunciadas nos atos escritos”,
pregando que o remédio para evitar a procrastinação do processo não é evitar a proposição e
26
David Vallespín Pérez. El modelo constitucional de juicio justo en el ámbito del proceso civil. Barcelona: ed. Atelier,
2002, p.81, considera que o direito a um processo “sem dilações indevidas” faz parte do conteúdo próprio do direito a
um processo com todas as garantias, ou seja, do direito ao processo justo.
27
Giampiero Balena. “Le preclusioni istruttorie tra concentrazione del processo e ricerca della verità”. In: Le prove nel
processo civile – atti del XXV Convegno Nazionale – Cagliari, 7-8 ottobre 2005. Milano: Giuffrè, 2007, pp.201-264.
13
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produção de novas provas, mas, na esteira do direito alemão e austríaco, proibir aquelas
caracterizadas pela “manifesta intenção de retardar o processo28”.
Mas há razões específicas para admitir a produção de provas depois dos momentos
estabelecidos pela lei, como, por exemplo, a dificuldade do autor e do réu de proporem
justificadamente as provas na inicial e na contestação, por não conhecerem ainda os contra-
argumentos do adversário a respeito das suas próprias alegações.
Em síntese, se as partes puderam aduzir novos fatos jurígenos, novos fundamentos, novos
pedidos ou novos argumentos de defesa, consequentemente ambas devem ter o direito de propor e
produzir novas provas, tanto para que sejam acolhidos, como para que sejam rejeitados. Se, mesmo
que não haja qualquer inovação fática ou jurídica, surgiu a referência a algum fato secundário ou a
alguma outra prova, cujo esclarecimento ou produção possam ser úteis à apuração da verdade, deve
ter a parte interessada o direito a propor e produzir a prova suplementar. Se, mesmo sem qualquer
dado novo, a parte toma conhecimento de alguma outra prova após o momento próprio para a sua
produção, tem o direito de propô-la e produzi-la, salvo se for manifesta a sua intenção de retardar
excessivamente o andamento da causa, ou seja, no momento em que requerer a sua produção tardia,
deverá justificar o motivo do seu retardamento. O mesmo deve ocorrer se a prova é nova, como um
documento que surgiu depois do momento da sua proposição; se o conhecimento da existência da
prova nova pela parte foi posterior àquele momento; se o acesso à prova nova foi posterior àquele
28
G. Balena. “Le preclusioni ...”, p.215.
29
Apud G. Balena. “Le preclusioni ...”, p. 219.
30
G. Balena. “Le preclusioni ...”, p. 247.
14
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momento, como no caso de documento que está numa repartição pública, cuja certidão somente foi
obtida posteriormente; se a prova somente se tornou disponível após aquele momento, como o
depoimento do médico que somente pôde ser prestado após a liberação do sigilo profissional pelo
paciente.
Embora a segurança jurídica seja um princípio cuja origem pode ser encontrada na
Antiguidade e que apresenta manifestações em todas as épocas da História, adquire especial
importância na Idade Contemporânea com a evolução do conceito de Estado de Direito, que se
desprende do legalismo e se torna o fiador de valores humanos fundamentais. É o Estado de Direito
que pode ser qualificado de material.
31
Anne-Laure Valembois. La constitutionnalisation de l’exigence de sécurité juridique en droit français. Paris: ed.
L.G.D.J., 2005, p.4.
32
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, “O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo”. In: Revista
Forense, Rio de Janeiro, vol. 388, 2007, pp.11-28.
33
V. “Ainda a coisa julgada inconstitucional”. In: Estudos de Direito Processual. Campos: ed. Faculdade de Direito de
Campos, 2005, p.557-581.
34
Anne-Laure Valembois. La constitutionnalisation...,p.50-52.
35
Anne-Laure Valembois. La constitutionnalisation ..., p.58.
15
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Em contrapartida, a segurança jurídica também vai impor que certos fatos, aos quais o
sistema jurídico e os valores humanos nele agasalhados conferem especial relevância, somente
possam ser considerados provados em juízo mediante provas solenes, como a escritura ou o registro
público, que conferem a esses fatos, graças aos requisitos formais de que se revestem e à amplitude
de acesso a que essas provas estão sujeitas em razão da publicidade, a presunção de que
efetivamente ocorreram.
A segurança jurídica pode ser invocada, portanto, em matéria probatória, tanto para justificar
certas limitações probatórias como para repudiá-las, sendo indispensável a identificação de certas
regras básicas para a sua implementação, que permitam resolver as situações duvidosas.
Em matéria probatória, a confiança legítima não justifica, como poderia parecer, a absoluta
rigidez do procedimento, mas apenas que este não sofra desvios que sacrifiquem as oportunidades
de defesa anteriormente previstas. Se a proposição ou produção tardia de provas não resultou da
intenção manifesta de procrastinar, conforme a justificativa que a parte requerente deverá
apresentar, concilia-se a confiança legítima com a busca da verdade.
36
Moacyr Amaral Santos. Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol.I, São Paulo: Max Limonad, s.d, p. 47.
37
Anne-Laure Valembois. La constitutionnalisation..., pp. 348/357.
16
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Ao instituir essas regras, o legislador deve ter-se mirado na prática, nos costumes, nos
valores e nas máximas da experiência da sua época e da sua comunidade. São regras de sabedoria,
transmitidas de geração a geração, que criam padrões uniformes de julgamento. Elas são
justificadas na necessidade de que o juiz aprecie os fatos de acordo com provas objetivamente
confiáveis e de que todas as causas sejam examinadas e decididas através dos mesmos critérios, o
que teoricamente assegura que a justiça dê tratamento igual a todos os jurisdicionados.
Assim, quando o legislador proíbe o depoimento de um alienado mental, está impedindo que
a causa seja julgada com base numa prova que ele presume não ter qualquer credibilidade, pois
originária das declarações de pessoa absolutamente irresponsável e inteiramente impossibilitada de
compreender os fatos que percebeu ou de relatá-los com fidelidade. Do mesmo modo, quando a lei
proíbe a prova exclusivamente testemunhal em contratos de elevado valor, ela sinaliza ao juiz que é
uma máxima da experiência comum a de que aqueles que celebram um contrato de vulto procuram
cercar-se de garantias de que as cláusulas desse contrato sejam claras e objetivas e que estejam
cristalizadas em documentos que sirvam para comprovar o seu teor, se surgir alguma dúvida ou
alguma controvérsia.
Com essas regras, o legislador tenta suprir a imaturidade, a falta de cultura, a falta de
experiência de vida de juízes, ou ainda a diversidade de concepções de vida, perenizando costumes
e valores que, em última análise, são úteis para homogeneizar a sua atuação na apreciação das
questões de fato, para que as suas decisões respeitem os mesmos valores e concepções dominantes
na sociedade e sejam desse modo por esta acolhidas como legítimas e justas.
Algumas dessas limitações não têm previsão legal, mas decorrem do costume judiciário
sustentado pela doutrina, como atualmente ocorre com a proibição de reperguntas pelo advogado do
declarante no depoimento pessoal38.
Num processo que respeita amplamente o direito de defender-se provando, o juiz tem o
dever de acolher e considerar todas as provas relevantes dos fatos probandos, mesmo aquelas que a
lei presume suspeitas, desde que justifique racionalmente os motivos que o levaram a distanciar-se
da recomendação da lei.
38
M. A. Santos. Prova..., p.247.
17
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“(...) um dos aspectos mais notáveis das recentes discussões na história e na filosofia
da ciência é a compreensão de que eventos e desenvolvimentos como a invenção do
atomismo na Antiguidade, a Revolução Copernicana, o surgimento do atomismo
moderno (teoria cinética, teoria da dispersão, estereoquímica, teoria quântica) e a
emergência gradual da teoria ondulatória da luz ocorreram apenas porque alguns
pensadores decidiram não se deixar limitar por certas regras metodológicas ‘óbvias’,
ou porque as violaram inadvertidamente.
Essa prática liberal, repito, não é apenas um fato da história da ciência. É tanto
razoável quanto absolutamente necessária para o desenvolvimento do conhecimento.
Mais especificamente, pode-se mostrar o seguinte: dada qualquer regra, não importa
quão ‘fundamental’ ou ‘racional’, sempre há circunstâncias em que é aconselhável
não apenas ignorá-la, mas adotar a regra oposta”.
“Está claro, então, que a idéia de um método fixo ou de uma teoria fixa da
racionalidade baseia-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de suas
circunstâncias. Para os que examinam o rico material fornecido pela história e não
têm a intenção de empobrecê-lo a fim de agradar a seus baixos instintos, a seu anseio
por segurança intelectual na forma de clareza, precisão, ‘objetividade’ e ‘verdade’,
ficará claro que há apenas um princípio que pode ser defendido em todas as
circunstâncias e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio de
que tudo vale.”
Há dois valores humanos extremamente relevantes, ainda que não estejam explicitados em
textos constitucionais, a não ser em situações especiais (art. 5º, inc. XIV) ou de modo indireto ou
através da proteção da intimidade, que na sociedade contemporânea merecem especial proteção,
podendo constituir fundamentos de limitações probatórias: a confiança profissional e a
solidariedade familiar.
39
Paul Feyeraband. Contra o método. São Paulo: editora UNESP, 2007, pp.37-42.
18
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serem esses profissionais ou instituições forçados a fornecer a terceiros, ao próprio juiz ou aos
peritos, por meio de algum meio de prova, essas informações, depende do grau de privacidade em
que elas se situam, conforme já expusemos anteriormente.
Ainda assim, fora dessas hipóteses legalmente previstas, certos episódios revestidos de
grande dramaticidade têm sido objeto de intensas polêmicas, bastando citar dois exemplos. O
primeiro, do médico que, conhecedor da epilepsia do paciente, é chamado a depor numa ação em
que este pede a anulação da decisão do órgão de trânsito que cassou a sua carteira de habilitação por
ter causado um acidente grave e que, em benefício da segurança do trânsito, é exortado pelo juiz a
depor sobre o seu conhecimento a respeito do respectivo estado de saúde. O segundo, do sacerdote
que do púlpito da igreja no domingo alertou a população masculina de que havia tomado
conhecimento, em confissão de uma prostituta portadora de doença sexualmente transmissível, de
que ela vinha mantendo relações sexuais com o maior número possível de habitantes da cidade com
a intenção deliberada de contaminá-los. Chamado a depor posteriormente em ação de indenização
de familiares de um habitante que faleceu em virtude da referida doença contra a prostituta que
ouvira em confissão, é exortado pelo juiz a declarar se fora a ré que lhe havia confidenciado a
contaminação intencional.
Nos dois casos, a doença não é uma informação de interesse exclusivo do paciente,
incluindo-se, a meu ver, no segundo grau de proteção da privacidade, que deve ceder em benefício
de interesse individual ou coletivo particularmente relevante, como é o da segurança do trânsito ou
o da vida ou o da saúde. Se no primeiro caso, a anulação da cassação da carteira de habilitação vai
pôr em risco a segurança do trânsito e, consequentemente, a vida, a integridade física e o patrimônio
de inúmeras pessoas, no segundo caso, o dano à vida e à saúde, para uns já se consumou,
resolvendo-se em reparação puramente patrimonial, para outros pode ser por ele evitado, desde que
ao alerta do sacerdote seja dada adequada publicidade. Penso que no primeiro caso o médico não
pode se acobertar no sigilo profissional para escusar-se de depor, enquanto no segundo deve o
sacerdote invocá-lo, beneficiando-se da escusa e resguardando a privacidade da prostituta, porque
existe um outro meio, que é o alerta à população, de evitar futuras contaminações.
O sigilo profissional do advogado é particularmente intenso, porque não pode ser por ele
violado, nem mesmo se autorizado ou solicitado pelo cliente, segundo o artigo 7º, inciso XIX, da
Lei nº. 8.906/94.
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As trágicas experiências que a Humanidade viveu no século XX, daí decorrentes, não podem
voltar a ocorrer e, por isso, o Estado de Direito Contemporâneo assenta os seus fundamentos no
primado dos Direitos Humanos e não na sistemática supremacia do interesse público.
Entretanto, isso não quer dizer que sempre o interesse público deva ser sacrificado em
benefício de algum direito individual, porque isso significaria, em última análise, pôr em risco a
própria capacidade do Estado de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais de todos os
cidadãos.
40
V. sobre a noção de interesse público e o seu confronto com os interesses privados Daniel Sarmento (org.). Interesses
públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2ª tiragem, 2007.
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É claro que tal ponderação deverá ser antecedida do esgotamento de todos os meios
alternativos de acesso à prova do fato ou de preservação do interesse público, que possam ser
adotados sem que sobrevenha o dano a um ou a outro.
Não se deve aceitar a supremacia absoluta de qualquer indeterminado interesse público, nem
o acesso indiscriminado à prova em detrimento de preciso interesse público cujo sacrifício causará
prejuízo grave e de difícil reparação a valiosos direitos fundamentais de outros cidadãos.
41
G. Grünwald. “Anmerkung”. In: Strafverteidiger. 1987, p.457, e “Anmerkung”. In: Juristenzeitung. 1976, pp.772 e
ss., apud M. da C. Andrade. Sobre as proibições..., p.31.
42
J. Wolter. Aspekte einer Straprozessreform bis 2007. München, 1991, p. 23, apud M. da C. Andrade. Sobre as
proibições..., p.38.
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A segunda conclusão é a de que, para qualquer outro fim, a parte tem o direito de exigir a
requisição de todos os documentos que se encontrem em poder da Administração Pública, que
possam ser úteis à defesa em juízo dos seus interesses, porque o seu direito de defender-se provando
não pode ser prejudicado pela recusa ou demora no fornecimento de certidões (CPC, art. 399)45. A
requisição dos autos de qualquer procedimento administrativo também não pode ser obstada, salvo
quando a sua simples exibição, nos termos do artigo 41 da Lei das Execuções Fiscais (Lei
6.830/80), for suficiente para que dele a parte extraia todos os elementos necessários à sua defesa46.
De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, essa ressalva constante da parte final do preceito
“não pode ser banalizada, sob pena de se tornar inócua a garantia de que se cuida”47.
José Afonso da Silva elucida que a segurança do Estado é a garantia da sua inviolabilidade
especialmente em face de Estados estrangeiros; e a segurança da sociedade é a garantia da ausência
de conflitos que ponham em risco a ordem pública48.
43
V. Gilmar Ferreira Mendes et alii. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.589.
44
M. A. Santos. Prova..., pp. 276-277.
45
V. Lei 9.784/99, arts.37 e 46; Lei 10.259/01, art.11.
46
V. Leonardo Greco. “As garantias fundamentais do processo na execução fiscal”. In: Execução civil (aspectos
polêmicos). João Batista Lopes. Leonardo José Carneiro da Cunha (coord.). São Paulo: ed. Dialética, 2005, pp. 249/266.
47
G. F. Mendes et alii. Curso..., p.589.
48
José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.129.
22
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Em outros países, existem mecanismos mais aperfeiçoados para avaliar essas situações.
Assim, por exemplo, na França, admite-se que o Ministro de Estado ao qual está vinculado o órgão
público retire do documento requisitado pelo juiz a parte que deva ficar acobertada pelo sigilo,
fornecendo o teor restante. Nesse país, também, em alguns casos, a lei institui uma autoridade
independente para intermediar a requisição judicial e ponderar a conveniência ou não do seu
entendimento. Uma última solução possível, evitando o confronto entre os poderes, é o juiz, na
avaliação das provas, considerar a recusa da Administração como um indício de pretender ocultar a
prova de fato que lhe é desfavorável49. Isso pode funcionar quando na causa uma das partes é o
Estado, mas não quando o Estado é terceiro.
O certo é que a separação de poderes não pode servir de desculpa para que a Administração
Pública se esquive do seu dever de colaborar com o Judiciário no descobrimento da verdade, porque
o nosso Estado de Direito assenta-se sobre o primado dos direitos fundamentais e ao Judiciário cabe
o controle externo dos atos da Administração, sendo ele próprio o único juiz dos seus próprios
limites, segundo a lição insuperável de Pedro Lessa50. Assim, a busca e apreensão de documentos
ou a intervenção judicial em órgão administrativo para assegurar o acesso à prova serão
providências extremas, mas de que o Judiciário não deve ter receio de fazer uso, em cumprimento
da sua missão constitucional51.
Não por outra razão, o art. 24 da Lei 8.159/91 determina que o Poder Judiciário, em
qualquer instância, poderá “determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso,
sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da
parte”.
4.8 – BOA-FÉ
“No processo, como na guerra e na política, a moral não entra”, aforisma extraído por
Comoglio da obra clássica de Goldschmidt, O processo como situação jurídica, serve como ponto
de partida para demonstrar que a concepção que ele representa, foi inteiramente superada pela
noção de processo justo ou garantístico, vitoriosa a partir da segunda metade do século XX. Todo
processo é um drama humano, uma interação entre seres humanos, em busca do reconhecimento e
da efetividade de direitos por alguns deles invocados. É, portanto, um acontecimento da vida
humana, que interrelaciona pessoas que devem respeitar-se mutuamente, na sua dignidade humana e
nos seus direitos fundamentais. Se um desses direitos fundamentais é justamente o direito a um
processo justo, todos os sujeitos do processo têm o direito de exigir dos outros probidade e lealdade
49
Alain Plantey e François-Charles Bernard. La preuve devant le juge administratif. Paris: Economica, 2003, pp.117-
118.
50
Pedro Lessa. Do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1915, p.299.
51
V. o meu estudo “Execução de liminar em sede de mandado de segurança”. In: Estudos de Direito Processual.
Campos: ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p.131-174.
23
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A probidade ou boa-fé protege a busca da verdade, mas se trata de dever a que estão sujeitos
não apenas os litigantes, mas todos os sujeitos processuais, desde o juiz até qualquer participante
eventual, “como aqueles que fazem lances em hasta pública”53.
Desse modo, pode-se afirmar com segurança que, independentemente da ponderação dos
interesses em jogo, a boa-fé pode constituir critério útil para solucionar o conflito entre a busca
efetiva da verdade e algumas limitações probatórias.
A boa fé também deve ser invocada para legitimar a produção de provas ilícitas, quando o
sujeito responsável pela sua obtenção tiver motivos suficientes para supor que a sua obtenção não
foi ilícita. Se a lesão ao direito fundamental por ela violado é totalmente irreversível e o único efeito
prático da proibição seria o de evitar a repetição da sua prática (deterrent effect), não se justifica a
fragilização da busca da verdade, a não ser na medida em que eficiente como meio de tutela do
direito fundamental54.
52
Luigi Paolo Comoglio. Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: G. Giappichelli Editore, 2004, p.3-8.
53
Alcides de Mendonça Lima. O princípio da probidade no Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo,
v.16, São Paulo, 1979, p.15-42, apud Rui Portanova. Princípios do processo civil. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, Porto Alegre, 2003, p.157.
54
V. Marina Gascón Abellán. “Freedom of proof? El cuestionable debilitamiento de la regla de exclusión de la prueba
ilícita”. In: Jordi Ferrer Beltrán et alii. Estudios sobre La prueba. Ed. Universidad Nacional Autónoma de México,
2006, p.84-85, referindo-se a julgados da Corte Suprema americana nos casos United States v. Leon (1984), Illinois v.
Krull (1987) e Arizona v. Evans (1995), e à sentença 22/2003 do Tribunal Constitucional da Espanha.
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Lessona defendia essas espécies de prescrições legais, porque, segundo ele, a lei avalia os
resultados da lógica e da experiência e, desse modo, elimina arbítrios e injustiças55. Muitas limitações
probatórias, especialmente as que visam a repudiar provas presumivelmente suspeitas, são máximas da
experiência que o legislador extrai da observação do que comumente acontece, para resguardar a
credibilidade da prova. São alertas ao juiz para ir em busca, sempre que possível, da prova melhor,
que não podem impedi-lo, entretanto, de investigar a verdade, com os meios de que dispõe, quando
se afigurar necessária uma dessas provas como instrumento de sua apuração. Algumas dessas
limitações, como a proibição de reperguntas do advogado ao seu cliente que presta depoimento
pessoal, não têm previsão legal expressa, resultando do costume. À falta de provas mais seguras,
deve o juiz produzi-las e têm as partes o direito de que sejam superadas essas limitações,
justificando o juiz na decisão que as admitir a necessidade da sua produção. É o que ocorre, por
exemplo, com a proibição de depoimento pessoal de pessoas incapazes, com a limitação do
depoimento pessoal à forma oral (CPC, art. 344), com a forma escrita da confissão extrajudicial
(CPC, art. 353), com a subordinação da força probante do documento particular à assinatura, com as
incapacidades, os impedimentos e motivos de suspeição das testemunhas (CPC, art.405; Código
Civil, art.228), com a não admissão da prova exclusivamente testemunhal nos contratos de valor
superior a 10 salários mínimos (CPC, art. 401; Código Civil, art. 227) e com a não admissão da
prova testemunhal sobre fato já provado por documento ou confissão ou que só por documento ou
exame pericial possa ser provado.
55
Carlo Lessona. Trattato delle prove in materia civile. 3ª ed. Vol. I. Firenze: Casa Edtrice Libraria Fratelli Cammelli,
1922, pp.12/13.
25
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O juiz da causa não se encontra na posição ideal para definir se tal tipo de prova deve ou não
ser deferido, por inúmeras razões. A primeira delas é o risco de deixar-se impressionar por provas
ilícitas que, mesmo que desentranhadas depois de trazidas aos autos, já podem de algum modo
influenciá-lo, se ele não for suficientemente cuidadoso na formação do seu convencimento.
De outro lado, muitas vezes não há como trazer para o processo as informações necessárias
para elucidar o fato probando, sem que elas venham acompanhadas de outras informações
inteiramente dissociadas dessa função, e às quais as partes não têm o direito de ter acesso.
Na França, a devassa do patrimônio do devedor para apurar onde se encontram os seus bens
na execução, não cabe ao juiz da causa, nem ao executor judicial, mas ao Ministério Público, que
serve de intermediário entre o juiz da execução e todas as instituições públicas ou privadas em que
se encontram as informações desejadas, transmitindo àquele apenas os elementos necessários à
marcha da execução e preservando o sigilo das demais.
Em muitos países, como a própria França e a Itália, foram instituídos órgãos especiais
dotados de absoluta autonomia, as chamadas autoridades administrativas independentes, que
estabelecem critérios uniformes de solução desses conflitos de direitos fundamentais ou do conflito
destes com o interesse público, para assegurar, de um lado, o mais amplo acesso possível às provas
necessárias à instrução dos processos judiciais e, ao mesmo tempo, preservar ao máximo o interesse
público e os direitos fundamentais que possam sofrer ameaça em razão desse objetivo.
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No Brasil, não obstante a consistente sustentação dessa solução por Danilo Doneda, a
respeito da proteção dos dados pessoais cotidianamente difundidos com invasão da privacidade por
sítios da internet56, considero que seria utópico e até altamente perigoso adotar esse modelo, porque
não temos tradição da criação de órgãos administrativos dotados de verdadeira independência. Aí
estão as chamadas agências reguladoras para demonstrar essa nossa incapacidade.
Nas duas primeiras hipóteses, parece-me que a admissibilidade da prova deva ser decidida
pelo próprio juiz da causa. No primeiro caso, já tendo sido violado direito fundamental contraposto
ao direito à prova, caberia apenas examinar a possibilidade da sua utilização no processo em curso,
o que é matéria de interesse exclusivamente endoprocessual, sujeita à avaliação da boa-fé do
proponente. O risco de contaminação precisaria ser afastado, dando o juiz demonstração cabal na
sua futura decisão de que de nenhum modo deixou-se influenciar pela prova ilícita eventualmente
indeferida. Essa é uma têmpera, um vigor moral, que a sociedade tem o direito de exigir dos juízes,
o de saber separar os fatos e provas que podem ou não ser levados em consideração na formação do
seu convencimento. No segundo caso, também me parecem preponderantes o interesse na paridade
de armas dentro do processo e o equilíbrio entre as partes, objetivos que devem ser superiormente
atingidos por meio da apreciação do comportamento das partes pelo juiz da causa. Neste último
caso, poderia a lei processual vir a exigir que o juiz ouvisse o órgão do Ministério Público ou, ainda
que sigilosamente, auscultasse a opinião, como amici curiae, de pessoas e instituições públicas ou
privadas para instruir a sua decisão a respeito de que interesse deveria prevalecer ou de que modo
conciliá-los com o menor prejuízo possível para ambos.
Na terceira hipótese, entretanto, parece-me que a lei processual deveria determinar que fosse
provocado, pelo próprio juiz, por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou pelo terceiro
interessado, incidente perante um outro juízo especializado, que seria o único competente em
determinada área geográfica ou em toda a organização judiciária para resolver, quanto à requisição
de provas junto a terceiros, quando houvesse conflito entre direitos fundamentais ou entre estes e o
interesse público, assim como para colher as informações necessárias para decidir em que medida
podem ser parcialmente limitados os direitos fundamentais ou o interesse público contrapostos ao
direito à prova, para assegurar, de um lado, o mais amplo acesso à verdade e, de outro, a mais
adequada proteção do interesse contraposto.
Esse órgão jurisdicional poderia ser uma câmara ou turma de um tribunal superior. Não seria
a primeira vez em que a lei processual outorgaria a um tribunal de grau superior resolver um
incidente sobre questão suscitada em processo em curso no primeiro grau de jurisdição. Vejam-se
56
Danilo Doneda. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: ed. Renovar, 2006, pp. 385 e ss.
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os antecedentes dos conflitos de competência (CPC, arts. 118-124) e das exceções de impedimento
e de suspeição do juiz (arts. 313-314).
Aliás, em alguns países, como a França, certas questões urgentes, como as liminares
cautelares, são da competência originária de magistrados integrantes de tribunais de segundo grau.
Enquanto isso não ocorrer, ao próprio juiz da causa caberá a difícil missão de resolver esses
conflitos, atento ao alcance dos fundamentos das limitações probatórias e ao interesse superior de
busca da verdade.
6. CONCLUSÃO
De qualquer modo, a lição que espero poder extrair, desde logo, destas reflexões é a de que
as limitações probatórias previstas em lei não podem mais ser consideradas intangíveis e
insuperáveis. Para não ultrapassar o limite da inconstitucionalidade, à maioria delas deve ser
atribuído caráter meramente indicativo; outras devem ser predominantemente observadas em
benefício da boa marcha do processo, mas podem ser afastadas excepcionalmente em razão de
motivos relevantes; outras, ainda, deverão ser objeto de cuidadosa ponderação à luz do conflito de
direitos fundamentais; e, por fim, apenas algumas poucas devem considerar-se insuperáveis em
razão da necessidade de proteção de um núcleo duro e impenetrável de direitos da personalidade, ao
qual deve ceder até mesmo o elevado ideal de descoberta da verdade a que justamente aspiram os
seres humanos quando acorrem em busca da Justiça.
57
V. nota 15.
28
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1. Introdução:
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como o princípio da igualdade e a tutela das liberdades de culto e de expressão nas suas mais
variadas formas1.
Como é cediço, o Estado, no exercício de sua soberania, desempenha basicamente três funções:
administrativa, legislativa e jurisdicional. A última, também denominada jurisdição, guarda estreita
pertinência com o tema ora estudado2.
Em momento seguinte, passa a ser adotada a autocomposição como forma de solução de litígios.
Buscava-se, por meio desta, a solução dos conflitos por meio da desistência, renúncia ou transação.
Sem dúvida, tal método é infinitamente superior ao anteriormente adotado, de caráter
marcantemente desagregador e plenamente incompatível com os preceitos orientadores da vida em
sociedade.
Contudo, não obstante a evolução ocorrida, problemas continuavam a existir. Isto porque, a
parcialidade continuava a caracterizar as decisões e o que freqüentemente se observava era o
predomínio do mais forte em conseqüente detrimento do hipossuficiente. É a partir daí, que se
percebe a necessidade de atribuir-se o poder decisório a um agente eqüidistante das partes, capaz de
conferir ao caso concreto a justa decisão5, posto que dotado da devida neutralidade. Transfere-se,
então, ao Estado o exercício da função jurisdicional6.
Acreditava-se que, com tal atitude, todos os problemas relativos à solução dos litígios estariam
definitivamente resolvidos, pois os agentes estatais se incumbiriam de aplicar a lei aos casos
concretos com imparcialidade sem, contudo, perceber-se que, nem os diplomas legais eram capazes
de prever soluções para todos os problemas porventura existentes, nem tampouco possuíam tais
agentes os instrumentos processuais necessários para conferir às lides a rápida e justa solução que
se reclamava. Tais limitações culminam no panorama que hoje se vislumbra em que o Estado, e
conseqüentemente a função jurisdicional, vêm sendo muito criticados7.
1
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade, Para uma teoria geral da política, 7ª edição, São Paulo: Ed. Paz e
Terra, 1999.
2
MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Contemporâneo, in Estudos de Direito Processual Civil, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 13/66.
3
Hodiernamente, o exercício da chamada vingança privada, ainda que legítima, constitui crime tipificado no artigo 345,
do Código Penal.
4
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo, 2ª edição, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, capítulo 1.
5
FISS, O.M. Against Settlement, 93 Yale Law Journal 1073-90, may 1984.
6
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mecanismos de Solução Alternativa de Conflitos: algumas considerações
introdutórias, in Revista Dialética de Direito Processual, vol 17, pp. 09/14, São Paulo: Oliveira Rocha, 2004.
7
Por todos, FULLER, Lon. The forms and limits of adjudication, 92 Harvard Law Review, 353, 1978.
30
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Essa conquista processual ameniza, portanto, dois grandes problemas: a morosidade e o alto
custo dos processos judiciais que são, ainda, excessivamente burocráticos, alheios à realidade
econômica e social que os circundam, findando, em algumas hipóteses, em representar até a
formalização da injustiça.
8
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública, Rio de Janeiro:
Forense, 1999.
9
WATANABE, Kazuo. Assistência Judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas, publicado na obra coletiva
Juizados Especiais de Pequenas Causas, coord. de Kazuo Watanabe, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p.163.
10
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Access to Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective—a
General Report. Access to Justice: A World Survey. Mauro Cappelletti and Bryant Garth, eds. (Milan: Dott. A. Giuffre
Editore, 1978).
11
CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo nas Sociedades Contemporâneas, Revista Forense n°
318 pp. 123/124.
12
CAPPELLETTI, Mauro. (sem indicação de tradutor). Formações Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justiça
Civil, in Revista de Processo, vol. 5 – separata.
13
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A Tutela Coletiva no Brasil e a sistemática dos novos direitos. (artigo
publicado na Revista Direito Público II, organizada pela Escola Federal de Direito, Editora Federal, São Paulo, SP,
2005, pp. 91/112).
14
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação – a redescoberta de um velho aliado na solução de conflitos, in
Acesso à Justiça: efetividade do processo (org. Geraldo Prado). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
15
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de [organizador]. Teoria Geral da Mediação à luz do Projeto de Lei e do
Direito Comparado, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
31
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Cabe ainda ressaltar que estas formas alternativas de solução de litígios, perfeitamente
consoantes com o princípio de cunho constitucional do acesso à justiça, não implicam, nem de
longe, na formação de um movimento de privatização da justiça16.
É nesse cenário que se impõe a necessidade de uma detalhada reflexão acerca do termo de
ajustamento de conduta e de sua aplicação no âmbito do ordenamento atual e das perspectivas que
já se apresentam com o novel Projeto de Lei que visa a disciplinar a ação civil pública.
16
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Privatização do Processo? in Temas de Direito Processual, 7ª série, Rio de
Janeiro: Saraiva, 2001, pp. 7/18.
17
RODRIGUES, Geisa de Assis. A Ação civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta, 1ª edição, Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p.58.
18
HOBSBAWN, Eric. O breve século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
19
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça. Juizados especiais cíveis e ação civil pública. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, pp. 33/43.
20
O artigo 55, parágrafo único da lei 7244/84 é apontado pela doutrina como o antecedente do termo de ajustamento de
conduta. Dispõe tal artigo: “valerá como título executivo o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito,
referendado pelo órgão competente do Ministério Público”.
21
ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo Constitucional – o modelo constitucional do processo civil brasileiro, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 03/66.
32
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acentuada relevância e, por fim, é editado o Código de Defesa do Consumidor que veio a assumir
papel de extrema relevância diante da nova realidade processual que se apresentava.
Assim, o termo de ajustamento de conduta, já previsto no artigo 211 da lei 8069/90, passa a
ser regulamentado nos termos do artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor, instrumento que
veio a introduzir o parágrafo 6º no artigo 5º da Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), pelo que a
nova disposição passou a ser aplicável aos direitos coletivos lato sensu, ou seja, aos direitos difusos,
coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, considerada a norma do artigo 117 do Código de
Defesa do Consumidor, que acrescentou o artigo 21 à Lei da Ação Civil Pública.
Convém destacar que a previsão do compromisso de ajustamento de conduta pela Lei supra-
referida, acabou por tornar inócuo o veto ao parágrafo 3º do artigo 82 do Código de Defesa do
Consumidor, posto que repetia as disposições inicialmente vedadas.22
Há, ainda, previsão expressa nos parágrafos 1º ao 4º da Lei nº 8.884/94, Diploma que se
aplica à ordem econômica, e nos parágrafos 1º ao 8º do art. 79-A da Lei nº 9.605/98, que cuida das
infrações contra o meio ambiente.
Isto porque, como é cediço, no Estado Democrático de Direito, alia-se justiça e democracia,
entendida a última como o direito a ter direitos, recorrendo-se a mecanismos de proteção da tutela
preventiva e repressiva da agressão aos direitos como forma de acesso pleno à justiça, assim
compreendido o direito a uma ordem jurídica justa, conhecida e implementável. É o chamado
direito altruísta, ou seja, o direito a ter outros direitos.
Devemos ter sempre em mente que o direito que não se preocupa com o acesso à justiça não
tem compromisso com a realidade. Sendo certo que a tutela estritamente individual não mais era
capaz de permitir o real acesso à justiça, advém a proteção de direitos coletivos como decorrência
fundamental do Estado Democrático de Direito.
22
O veto ao dispositivo mencionado deu-se ao argumento de que seria impossível a execução de obrigação de fazer
fundada em título extrajudicial, o quem não mais procede com o advento da lei 8953/94. Para análise mais detalhada do
assunto, veja-se MAZZILLI. Hugo Nigro. O Inquérito Civil, São Paulo: Saraiva, 1999.
23
CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 1991,
p.195.
33
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Aliás, essa guinada na direção a ser seguida quando da análise e resolução dos litígios era a
única solução para que se pudesse prestar a tutela jurisdicional de forma satisfatória, posto que, nos
moldes em que tradicionalmente se apresentava, não mais correspondia aos anseios da sociedade
brasileira, que já era uma sociedade eminentemente de massa e encontrava-se desprovida de
qualquer proteção às relações de consumo24.
No segundo caso, a semelhança aparece quando da comparação de nossas ações coletivas com
as chamadas class actions.
Assim, o direito norte-americano26 prevê instituto correspondente à transação penal, mas não
possui nenhum instituto que seja equiparável ao termo de ajustamento de conduta, ou seja, não
prevê a existência de nenhum instituto que, ainda na fase investigatória, permita a formação de um
acordo que, uma vez cumprido, leve ao imediato arquivamento do feito e que, se descumprido,
permita a imediata execução do mesmo.
Nesse passo, a transação referendada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 585, inciso
II, do Código de Processo Civil e do artigo 57, parágrafo único, da lei 9099/95 é regulada pelo art.
840 e seguintes do Código Civil e pressupõe a disposição sobre direitos patrimoniais de caráter
privado.
24
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, capítulo 23.
25
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A Introdução do Instituto da Transação Penal no Direito Brasileiro e as
Questões daí Decorrentes, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p.48.
26
A Rule 23, “e” do FRCP cuida do “settlement” que não se confunde com o ajustamento de conduta.
34
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Muito embora ambas possuam, por expressa determinação legal, natureza de título executivo
extrajudicial, a Lei dos Juizados Especiais traz em seu bojo uma transação típica, realizada entre
partes capazes, acerca de direitos disponíveis, podendo a mesma vir a ser referendada pelo
Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.
Ressalte-se que tal instrumento é destinado à tutela de direitos individuais. Não obstante haja,
eventualmente, pluralidade de partes nos pólos ativo ou passivo da relação processual, haverá, na
totalidade dos casos, identidade entre o titular do direito e aquele que está legitimado a transigir.
Ainda no tocante ao instituto da transação, convém lembrarmos que, nesse caso, o integrante do
Ministério Público ou da Defensoria Pública poderá apenas mediar o acordo, atuando como
coadjuvante.
O termo de ajustamento de conduta, por sua vez, é celebrado pelo Parquet ou pelos demais
legitimados, com a outra parte. Desta forma, quando da celebração do referido compromisso, os
órgãos públicos serão os personagens principais da trama, pois atuarão como partes no acordo.
Nesse caso, a titularidade do direito não coincide com a legitimidade para firmar o ajuste de
conduta, posto que os direitos transindividuais pertencem à sociedade e não aquele que está
celebrando o ajuste. Como se torna evidente, temos aqui, ao contrário do que ocorre na transação,
hipótese de tutela coletiva de direitos.
4. Conceito e classificação:
Partimos, então, da definição deste instituto. Nesse diapasão, válida é a observação dos
ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho27:
27
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: Comentários por Artigo, 3ª edição, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p.4.
35
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“Podemos, pois, conceituar o dito compromisso como sendo o ato jurídico pelo
qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse
difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da
adequação de seu comportamento às exigências legais”.
Passando à classificação do instituto ora em tela, convém ressaltar que, em sede doutrinária,
é comum encontrarmos a subdivisão do termo de ajustamento de conduta em: compromisso
extrajudicial e judicial, o último compreendido como o ajuste firmado pelo réu perante o juiz, no
curso da ação civil pública.28
Parcela doutrinária, contudo, sustenta que, uma vez celebrado em juízo, o termo de
ajustamento de conduta adquire natureza de título executivo judicial com todas as particularidades a
ele inerentes, muito embora possua a mesma finalidade visada pelo compromisso de ajustamento de
conduta extrajudicial.29
28
A classificação citada é sustentada por CARVALHO FILHO, José dos Santos. Idem, p.7.
29
RODRIGUES, Geisa de Assis. Op. Cit, pp.234/236 e PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. A Transação no Curso
da Ação Civil Pública, artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor, nº 16, outubro-dezembro, 1995, p.123.
30
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. A Proteção dos Direitos Difusos Através do Compromisso de Ajustamento de
Conduta Previsto na Lei que Disciplina A Ação Civil Pública, tese aprovada no 9º Congresso Nacional do Ministério
Público, em Salvador, 1992. Ver livro de teses, tomo I, pp.398-409.
36
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descumprimento da obrigação de fazer31; e) mesmo que verse apenas acerca de obrigação de fazer,
pode ser executado independentemente da prévia ação de conhecimento; f) é imprescritível.
Isto porque, o legislador preferiu não estabelecer prazo específico de prescrição para a ação
civil pública e podia tê-lo feito, daí, frente os fundamentos do instituto e a singularidade da tutela
coletiva, tem-se a imprescritibilidade do compromisso de ajustamento de conduta.
Quanto aos requisitos formais, dispõe a doutrina inexistirem exigências expressas, como
ocorre, de ordinário, em todos os atos administrativos33, salvo exceções expressas, como, por
exemplo, as contidas no artigo 76-A da Lei 9605/98 e na Lei 8884/94.
Cumpre destacar que tal instrumento deverá ser sempre escrito em vernáculo e motivado.34
Além disso, deve o termo conter o prazo para cumprimento das obrigações, a identificação
das partes signatárias, deve ser público e a obrigação cumprida deve estar prevista de forma clara,
ou seja, deve ser líquida e certa.
Por fim, quanto aos requisitos de ordem temporal, ressaltamos que o termo de ajustamento
de conduta produz seus efeitos a partir do momento em que é regularmente tomado pelo órgão
legitimado e que não nos parece ser obrigatória a presença de cláusula prevendo o prazo de vigência
do compromisso, desde que o termo preveja um prazo para o adimplemento das obrigações que
fixou.
31
NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, Rio
de Janeiro: Forense universitária, 2000, pp. 643/644.
32
Conforme já expusemos, a doutrina não é pacífica acerca do uso dos substantivos compromitente e compromissário.
Em que pese a divergência existente, ratificamos nosso entendimento no sentido de ser o último referente ao obrigado e
o primeiro relativo ao órgão público envolvido.
33
Nos termos do artigo 22, da Lei 9.784/99, os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada
senão quando a lei expressamente a exigir.
34
É cabível, aqui, a aplicação analógica do artigo 21, parágrafo 1º, da lei 9784/99 que dispõe: “os atos do processo
devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade
responsável”.
37
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A razão para tal afirmação é bastante evidente, posto que, inexistindo previsão temporal para
o cumprimento das obrigações estabelecidas, inegável será a tendência ao inadimplemento e, por
conseguinte, o instituto tornar-se-á desprovido de qualquer eficácia.
6. Legitimidade:
A questão que surge a partir daí, consiste em verificar quais entes são abrangidos pela norma
na locução “órgãos públicos”. Embora esse vocábulo remeta a um conceito técnico específico de
direito administrativo, significando um centro de atribuições administrativas, sem personalidade
jurídica35, a lei parece ter adotado um significado mais amplo de órgãos públicos para dar ênfase às
atribuições públicas de quem poderá promover a tutela extrajudicial desse direito. Frente a essa
situação, a doutrina divide-se e diversos posicionamentos aparecem.
Assim, uma primeira vertente é defendida em sede doutrinária por Paulo Cezar Pinheiro
Carneiro36, no sentido de que a lei concede legitimidade apenas aos órgãos públicos elencados,
vedando sua fixação pelas associações.
Uma segunda vertente, capitaneada por Hugo Nigro Mazzilli, entende ser necessária a
subdivisão em:
a)Entes que incontroversamente podem fixar o termo de ajustamento de conduta: aqui estariam
incluídos, segundo o autor, o Ministério Público, a União, os estados, os municípios o distrito
federal e os órgãos públicos.
b)Entes que incontroversamente não podem fixar o termo de ajustamento de conduta: aqui incluir-
se-iam as associações civis e as fundações privadas.
c)Entes cuja legitimidade para fixação do compromisso de ajustamento de conduta é questionável:
estariam aqui as fundações públicas, as autarquias, as empresas públicas e as sociedade de
economia mista.
35
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.85.
36
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. A Proteção dos Direitos Difusos Através do Compromisso de Ajustamento de
Conduta Previsto na Lei que Disciplina A Ação Civil Pública, tese aprovada no 9º Congresso Nacional do Ministério
Público, em Salvador, 1992.
38
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Uma terceira posição é sustentada por Geisa de Assis Rodrigues38. Entende a doutrinadora
que o termo de ajustamento de conduta pode ser fixado pelo Ministério Público, União, estados,
municípios e distrito federal. Não poderia, por outro lado, ser fixado por empresas públicas,
sociedade de economia mista e organizações sociais, posto que são pessoas jurídicas de direito
privado, bem como pelas associações.
Acrescenta a autora que caberia a cada Ministério Público fixar o termo de ajustamento
dentro das suas atribuições mas, caso este viesse a ser celebrado por órgão ministerial desprovido de
atribuição para tanto, ou por outro ente fora da pertinência temática das suas atribuições, não
deveria ser o termo reputado nulo ou sem efeito.39
Em que pese a enorme divergência existente, parece-nos que, uma vez atingida a finalidade
social pretendida por meio a celebração do respectivo compromisso, passa a ser secundária a
questão relativa à legitimidade do órgão que o fixou.
O que nos parece realmente relevante é a anuência do Ministério Público, caso não seja ele o
formulador da proposta. Isto porque o legislador constitucional reserva ao Parquet a missão de
velar pelos direitos sociais.
37
Parte-se aqui da clássica distinção de Renato Alessi, que subdivide o interesse público em primário e secundário. O
interesse público primário seria o bem-estar da coletividade, aquele que gera benefícios para toda a população. O
interesse público secundário, por sua vez, é aquele que maiores benefícios traz à Administração, é a forma pela qual a
Administração vê o interesse público. Assim, sendo, nem sempre coincidirão tais interesses. Para maiores detalhes,
veja-se ALESSI, Renato. Sistema instituzionale del diritto amministrativo italiano, 1960, pp.197/198.
38
RODRIGUES, Geisa de Assis, op. cit, p.160/161.
39
Analisaremos, mais adiante, as questões relativas à nulidade do compromisso de ajustamento de conduta.
39
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Ou seja, como se trata de uma instância de consenso, é preciso dar oportunidade para que
todos possam se manifestar e contribuir; mais vale atrasar um pouco o fechamento do Termo a fim
de que se previna incidentes posteriores.
7. Natureza Jurídica:
Também Rodolfo de Camargo Mancuso41 admite transação no curso da ação civil pública,
ao argumento de que a indisponibilidade do objeto não é motivo suficiente para impedir o acordo
judicial, quando o recomende o interesse público ou, ainda, a natureza do interesse metaindividual
objetivado na ação. Para o autor, portanto, só não seria cabível transação na ação civil pública
quando expressamente vedada, tal qual ocorre em matéria de improbidade administrativa (Lei
8429/92).
40
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 12ª edição, São Paulo: Saraiva, 2001.
41
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. Conceito e legitimação para agir, 3ª edição, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1994.
42
CARNEIRO. Paulo Cezar Pinheiro. Artigo suprareferido.
43
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Op. Cit.
44
A opinião do autor é detalhadamente demonstrada em: SAMPAIO, Francisco José Marques. Negócio jurídico e
direitos difusos e coletivos, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999.
45
RODRIGUES, Geisa de Assis. Op. Cit, p.297.
40
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Como é cediço, o artigo 841 do Código Civil dispõe que somente direitos patrimoniais estão
sujeitos à transação. Contudo, entendemos que os direitos difusos e coletivos, apesar de não
possuírem caráter patrimonial, não podem se subordinar, de forma absoluta, ao disposto em tal
preceito legal. Assim, tal norma deve ser vista com moderação, posto que cindível, na medida em
que se permite ao Ministério Público discutir e estabelecer a melhor maneira para que se alcance a
defesa do interesse coletivo tutelado.
Logicamente, isto não significa que é permitido ao Parquet renunciar ao direito sobre o qual
se funda a ação, pois, se assim fosse, estaria o Ministério Público contrariando sua função
institucional, insculpida no artigo 127 da Carta Magna.
Portanto, não nos parece existir qualquer óbice para que haja, quando da realização do
compromisso, acordo entre as partes quanto, por exemplo, ao prazo em que devem as obrigações
estabelecidas serem cumpridas. O que não pode ocorrer, repita-se mais uma vez, é a prática de
transação entre as partes no tocante à essência do direito material controvertido, já que a titularidade
deste é conferida à coletividade.
É certo que o limite, por vezes, é tênue, mas a jurisprudência já vem entendendo que esse
princípio, com aliás quase todos os outros, não são absolutos, e devem ser conjugados com os
demais princípios constitucionais e analisados no caso concreto.
8. Finalidade e efeitos:
46
Publicado no DJ 21.06.02. Acórdão disponível na íntegra no site http: //www.stf.jus.br, acesso em 12.12.08.
41
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Com o citado instrumento processual busca-se, então, o acesso à justiça, a tutela preventiva
e específica e a aplicação negociada47 da norma jurídica. Desta forma, o compromisso de
ajustamento de conduta mostra-se decorrente do Princípio Democrático pois, conforme
demonstrado, acaba por complementar, por extensão, o rol de garantias individuais.
Ao ser fixado o compromisso, surge uma nova situação jurídica decorrente dos efeitos
produzidos por esse instrumento. Para fins de sistematização do trabalho, destacamos os quatro
principais efeitos advindos da fixação do termo. São eles:
a) Determinação da responsabilidade do obrigado pelo cumprimento do ajustado;
b) Formação de título executivo extrajudicial;
c) Suspensão do procedimento administrativo no qual foi tomado ou para o qual tenha
repercussão;
d) Encerramento da investigação após seu cumprimento.
Como já nos referimos diversas vezes aos dois primeiros efeitos e por serem os mesmos auto-
explicativos, nos eximiremos de reexaminá-los neste momento.
Sustenta a doutrina que, vindo a ser realizado no curso de um inquérito civil, o termo de
ajustamento de conduta leva à suspensão do procedimento até que as obrigações do previstas no
termo sejam cumpridas quando, então, será o procedimento arquivado. Neste sentido, posiciona-se
Geisa de Assis Rodrigues:
“Quanto ao Parquet já defendemos em item anterior que o
ajustamento de conduta tem sua eficácia a partir do momento em que
é celebrado, resultando na imediata suspensão do inquérito civil até
que seja devidamente cumprido. Após a certificação do cumprimento
47
Ao falarmos em aplicação negociada da norma jurídica estamos fazendo referência à aplicação informal,
desvinculada de um rito pré-definido, da norma jurídica. Ademais, conforme já expusemos, defendemos o entendimento
de que é impossível a negociação acerca do direito material controvertido, vez que pertencente à coletividade e, por
conseguinte, indisponível. Contudo, parece-nos ser cabível a negociação acerca das circunstâncias relativas ao tempo e
à forma segundo a qual serão cumpridas as obrigações fixadas no termo.
42
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Não obstante o entendimento acima exposto, parece-nos ser diferente a providência a ser
adotada nesta hipótese. Assim, vindo o termo de ajustamento de conduta a ser fixado no curso de
procedimento investigatório, deve o mesmo ser submetido a procedimento administrativo de
controle e monitoramento. Não se trata nem de arquivamento e nem de propositura de ação civil
pública, mas tão somente de acompanhamento interna corporis.
Sendo tal compromisso título executivo extrajudicial, como inúmeras vezes já afirmamos,
ocorrendo o seu descumprimento não há que se falar em prosseguimento do procedimento
investigatório, nem tampouco no ajuizamento de ação de conhecimento sendo cabível, na hipótese,
o ajuizamento de ação executiva.
Por evidente, defender entendimento contrário implica na negação de sua eficácia executiva,
e na criação de entraves ainda maiores à célere prestação jurisdicional.
O mesmo doutrinador entende que, realizado no curso da ação civil pública, o termo de
ajustamento de conduta leva à extinção do processo, devendo-se, em caso de descumprimento do
ajustado, ajuizar-se, imediatamente, ação de execução.50
Impende destacarmos que aqui se apresentam outras duas opções sobre a sorte da ação de
conhecimento quando no curso desta o termo é fixado. A primeira delas aponta para a suspensão do
processo judicial até o atendimento pleno das obrigações contidas no compromisso. A segunda, por
sua vez, sugere a imediata homologação do termo e a extinção do processo com julgamento do
mérito.
Parece-nos que as duas possibilidades são admissíveis51e a realidade de cada situação é que
determinará a solução mais adequada.
48
RODRIGUES, Geisa de Assis. Op. cit, p.220.
49
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Op. cit, p.14.
50
Assim se manifesta o autor: “A outra situação possível diz respeito à hipótese em que o compromisso é firmado pelo
réu no curso do processo, mas perante o órgão jurisdicional, normalmente ao momento da audiência de instrução e
julgamento. O efeito será, por conseguinte, rigorosamente idêntico ao ocorrido na situação anterior: extinção do
processo sem julgamento do mérito”. Op.cit. p. 17.
51
Neste sentido, confira-se RODRIGUES, Geisa de Assis. Op cit, p. 236.
43
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o ajuizamento de nova ação civil pública destinada à reparação dos danos não abrangidos pelo
primeiro instrumento celebrado52.
Inicialmente, compete destacar que, uma vez fixado o compromisso parcial, não só os outros
entes, como também o próprio legitimado que fixou o instrumento, pode ajuizar ação civil pública
em face do compromissário desde que demonstre os fundamentos que o levaram a pretender mais
do que aquilo que já havia sido consensualmente acordado e comprove, assim, que o termo fixado
não foi capaz de abranger todo o dano causado.
A propósito, apenas em uma hipótese seria possível prever que em matéria de direitos
metaindividuais os compromissos extrajudiciais poderiam obstar à propositura de ações individuais.
Tal ocorreria se a própria lei federal permitisse que eventual transação isentasse o devedor de outras
responsabilidades civis.
Mais uma vez, a doutrina diverge e uma primeira corrente capitaneada por Hugo Nigro
Mazzilli, sustenta a possibilidade de ajuizar-se ação civil pública superveniente na hipótese
descrita53.
Sustenta o autor que uma vez fixado o termo de ajustamento de conduta por um dos co-
legitimados estariam os demais impedidos de ajuizar ação civil pública pois, do contrário,
estaríamos negando a finalidade do instituto consagrado e a sua própria natureza jurídica.
52
Nesta hipótese, o ajuizamento de nova ação civil pública para que o dano fosse inteiramente reparado, implicaria em
novos gastos e dispêndio de tempo, o que depõe contra a celeridade processual e contraria os preceitos orientadores do
instituto ora em tela.
53
MAZZILLI, Hugo Nigro. Inquérito Civil, São Paulo: Saraiva, 1999, p.313.
54
VIEIRA, Fernando Grella. Op. cit, pp.235/237.
44
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Parece-nos, mais uma vez, que a divergência existente é apenas fictícia, posto que as
interpretações supramencionadas complementam-se, sendo necessário avaliá-las com moderação.
Nesse sentido, adota-se a noção mais ampla e flexível de litispendência para as demandas
coletivas e para os instrumentos de tutela nessa seara. Como a legitimação é política e institucional,
quando um dos possíveis legitimados age, ele não o faz em nome próprio, mas na defesa daquele
direito.
Essa situação não é a ideal. Seria melhor que houvesse uma forma de intervenção no
procedimento do compromisso daqueles que não ostentam legitimidade para a sua proposição, pois
assim poderia ser criado um sistema mais amplo e seguro àquele que se interessasse em firmá-lo
com o legitimado. Algo como uma preclusão suis generis; aquele que intervém no procedimento,
toma ciência e não manifesta objeção ou crítica, fica vinculado pelos efeitos do TAC e, por
conseguinte, impedido de, posteriormente, ingressar com uma demanda coletiva.
Situação diversa é a que ocorre quando o instrumento firmado é eivado de vício que acarreta
sua nulidade ou é incapaz de gerar a reparação do dano na sua integralidade, quando configura-se o
chamado compromisso parcial. Nestas hipóteses parece-nos perfeitamente possível que o ente que
fixou o termo ou qualquer outro co-legitimado, excepcionalmente, discorde do ajuste estabelecido,
desconsidere-o e busque os remédios jurisdicionais cabíveis, por meio da propositura de ação civil
pública ou da ação coletiva que entendam por bem deverem ajuizar.
Isto porque, se não foi capaz de abranger todo o dano ocorrido ou se possui qualquer
irregularidade, o termo não atingiu o fim a que se destina, razão pela qual permite-se que os demais
co-legitimados insurjam-se contra tal situação, e busquem alcançar o real escopo de tal instrumento,
qual seja a rápida reparação do dano ocorrido, com o retorno da situação, tanto quanto possível, ao
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status quo ante, sem, contudo, comprometer-se a necessária segurança e estabilidade das relações
jurídicas.
Não possuem maior complexidade as questões de que passamos a tratar neste momento.
Iniciando pelo estudo do foro, não nos parece haver necessidade de fixar-se no compromisso
o foro competente para dirimir eventual conflito entre as partes, salvo na hipótese específica da Lei
nº 9.605/98.
Quanto à responsabilidade pelo fixado no termo de ajustamento de conduta, essa só pode ser
atribuída ao signatário que, espontaneamente firmou o termo e obrigou-se a cumpri-lo.
Passando, por fim, à breve análise dos eventuais vícios contidos no termo de ajustamento,
ressaltaremos alguns aspectos que nos parecem mais relevantes.
Compete destacar que, se o instrumento é fixado por quem não tem legitimidade para tal,
diverge a doutrina acerca das conseqüências daí advindas.
Há quem sustente55, nesta hipótese, que o ato será juridicamente inexistente, não havendo
sequer a necessidade de sua desconstituição, pois ausente o ente legitimado, faltaria ao ato
pressuposto de constituição, razão pela qual seria reputado inexistente.
Outra parcela doutrinária56, contudo, sustenta que a ilegitimidade ativa na fixação do termo
só enseja a invalidação do ajuste quando o órgão com atribuição regular para fixação do
instrumento entender que o objeto do ajuste importou em transação indevida com relação ao direito
transindividual, ou seja, conjuga-se aqui a irregularidade subjetiva ativa com a irregularidade do
objeto.
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formalidade deve adquirir caráter secundário priorizando-se, na totalidade dos casos, a adequada
tutela do direito material controvertido.
Observe-se, ainda, que a presença de vícios no termo de ajustamento pode levar à sua
desconstituição, que ocorrerá da mesma forma como acontece nos atos jurídicos em geral, ou seja,
voluntária ou contenciosamente, por meio de ação anulatória. Se o compromisso foi firmado no
curso de ação civil pública, a ação cabível para desconstituí-lo será a anulatória pois, in casu, a
sentença é meramente homologatória do ato jurídico transacional.
Como é cediço, é vedada a prática de concessões no bojo do termo de ajustamento, pois este
instrumento não se destina a proteger terceiro que não está agindo em consonância com as
exigências legais.
Convém ressaltar, ainda, que o compromisso não pode implicar na renúncia a direitos, pois
como já dissemos, sendo os mesmos pertencentes à coletividade, torna-se evidente o caráter de
indisponibilidade dos mesmos.
Frisamos, uma vez mais, que pequenas concessões relativas à forma e ao prazo para
cumprimento das obrigações fixadas no termo, parecem-nos perfeitamente possíveis, posto que não
implicam em transação acerca do direito material controvertido, mas em pequenos benefícios que,
não só em nada comprometem a indisponibilidade do direito em questão, como ainda viabilizam a
formação do ajuste e, conseqüentemente, a reparação dos danos ocorridos e a tutela do interesse
coletivo.
Nesses casos, é inegável que haverá certa dose de discricionariedade na busca e na escolha
de tal alternativa, o que levará à negociação de cláusulas específicas e questões concretas quanto ao
adimplemento das obrigações pactuadas.
Passando à análise das vedações à fixação do termo de ajustamento, são basicamente, quatro
as hipóteses em que tal compromisso não poderá ser firmado, ou poderá ser fixado desde que não
possua determinadas cláusulas (algumas das quais já tivemos a oportunidade de analisar).
1- Não pode o termo de ajustamento fixar cláusulas impedindo o acesso dos lesados à
jurisdição. Como já dissemos, mesmo com o estabelecimento de compromisso de ajustamento de
conduta, aquele que se sentir individualmente lesado poderá recorrer ao Judiciário buscando seu
particular ressarcimento.
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2- Não pode o termo incluir renúncia a direitos materiais de que não são titulares os órgãos
públicos legitimados, mas sim a coletividade.
3- Não pode ocorrer, da mesma forma, transação quanto ao objeto material do litígio, pois
não têm os legitimados à ação civil pública disponibilidade sobre o direito material controvertido.
Numa primeira leitura, parece bastante claro que não há espaço para o termo de ajustamento
de conduta no âmbito da Lei . Independentemente da natureza que se queira emprestar ao
Compromisso, a vedação do dispositivo parece absoluta.
Contudo, tal comando passou a atrair a atenção de diversos autores nacionais que divergem
acerca de seu alcance e extensão. Passemos, agora, a examinar as principais manifestações
doutrinárias acerca do tema, para que se possa ter uma idéia da divergência.
Contudo, reconhece que, de lege ferenda, será útil e mais eficiente a mitigação do princípio
da indisponibilidade, para a adoção do instituto da "delação premiada", favorecendo co-autores,
beneficiários ou cúmplices que espontaneamente denunciassem os mentores e principais autores do
fato.
Fábio Medina Osório58 afirma que a Lei nº 8.429/92 equipara-se a um Código Geral de
conduta dos agentes públicos. Segundo o autor,
57
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, 2ª edição, Saraiva, São Paulo: 2002, pp. 362-363.
58
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa, Revista dos Tribunais, São Paulo: 2007, p. 197.
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"é uma Lei Geral, de caráter nacional, seguindo o art. 37§ 4ºm da
CF. Isso significa que a Lei alcança todos os agentes do setor público
e todas as instituições públicas brasileiras, do Presidente da nação
até o mais humilde dos servidores, porque não faz ressalva. Diga-se
que a única autoridade que ganhou uma referência autônoma, nesse
tópico, foi o Presidente da Nação, no art. 85, V, da CF, mas tampouco
tal previsão resulta suficiente a afastar essa máxima autoridade
pública dos ditames da LGIA. Diga-se que nem mesmo a prerrogativa
de foro alteraria esse quadro institucional, viso como não teria força
para eliminar o caráter geral do Código em comento".
No entanto, reconhece que a Lei está em crise, fruto de um fenômeno global, que atinge as
instituições fiscalizadoras. Para o autor59,
"há que se resgatar uma hermenêutica geral em torno ao fenômeno da
improbidade e bem assim fomentar postura comprometida com a
eficiência e resultados por parte das instituições de controle. Adotar
critérios razoáveis, seguros e previsíveis, na compreensão dos atos
improbos, equivale a percorrer o caminho institucional do controle
eficiente sobre a má gestão pública, sem descurar dos mecanismos
preventivos, tão ou mais importantes".
A dificuldade de se admitir um acordo lato sensu envolvendo interesse público nos remete a
própria dificuldade de se compreender os limites e a flexibilidade de tais interesses.
Como bem ressalta Maria Goretti Dal Bosco60, a expressão interesse público
"pode tomar diferentes matizes, conforme a época e as circunstâncias,
como ocorre com outros vocábulos utilizados no Direito
Administrativo, tais sejam, 'utilidade pública', 'interesse social', 'uso
público', 'interesse geral', entre outros, pois, o que hoje é considerado
interesse público, amanhã, poderá não sê-lo".
Prossegue a autora dizendo que o sentido do interesse público surgiu com o surgimento do
Estado, a partir da "transferência das responsabilidades sobre a proteção e provimento do grupo
social dos seres individuais para uma ficção criada elo Direito, uma personalidade jurídica que é a
expressão jurídica da coletividade que representa".
59
Op. Cit., p. 266.
60
DAL BOSCO, Maria Goretti. Responsabilidade do Agente Público por Ato de Improbidade, Lumen Juris, Rio de
Janeiro: 2004, p. 13.
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Marino Pazzaglini Filho63 afirma que a vedação do artigo 17 § 1º é expressa e enfatiza que
caso fosse permitida, inviabilizaria a persecução civil, frustrando as demais sanções previstas na
Lei. No entanto, admite uma exceção:
"Vislumbra-se, como exceção, uma única situação em que a
transação, em caso de improbidade administrativa, poderia ser
61
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática, 2ª edição,
Forense, Rio de Janeiro: 2006, p. 184/185.
62
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 203.
63
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada, 3ª edição, São Paulo: Atlas, 2007, p.
214.
50
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Nesse passo, o que for acordado entre o agente e o órgão legitimado quanto à reparação
integral do dano (condições, prazo e modo) não impedirá o ajuizamento da ação civil para a
aplicação das sanções de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de
multa e proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios.
Contudo, “a celebração do ajuste deve ser considerada pelo magistrado por ocasião da
dosimetria das referidas sanções civis, atuando a integral reparação do dano ou a reversão da
vantagem ilicitamente obtida como verdadeira circunstância atenuante no campo da ação por
improbidade administrativa".
Os autores concordam que, dentro desta perspectiva o ajustamento de conduta não será
muito atrativo ao réu. No entanto, vislumbram uma potencial aplicação do TAC em caráter
preventivo e em se tratando de obrigação de fazer.
Um exemplo dado é o
64
GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 4a edição, Rio de Janeiro: Lumen
Juris,2008, pp. 595/597.
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Como se pode perceber, a doutrina brasileira vem adotando postura conservadora, não
ousando questionar a redação do referido artigo 17, parágrafo 1º, quer pela adoção de uma
acomodada interpretação literal, quer pelo fundado receio de que a abertura da via consensual em
sede de improbidade administrativa venha a significar a tredestinação do ato, abrindo-se uma
inconveniente porta para outros e mais graves atos de improbidade administrativa, justamente no
procedimento que tinha como objetivo sancionar tal conduta.
A história recente do direito brasileiro viu surgir uma enorme gama de iniciativas
legislativas no sentido de se codificar o processo coletivo.
65
Disponível no sítio do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, em http://www.direitoprocessual.org.br,
acesso em 20 de novembro de 2008.
52
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O Projeto, após intensos debates, acabou arquivado e cedeu lugar a uma proposta de Lei
mais modesta, ou seja, ao invés de se propor a criação de um “Código”, seria feita uma sugestão
para uma Lei regulamentando as ações civis públicas.
A Lei apresenta, em primeiro lugar, uma hipótese de transação, não esclarecendo, contudo,
qual sua extensão, e ressalva, no parágrafo terceiro, que em caso de direito indisponível, as partes
poderão pactuar apenas quanto ao modo de cumprimento da obrigação.
Esse dispositivo tem causado certa perplexidade, pois parece contribuir para criar mais uma
discussão infindável em sede de ação civil pública, na medida em que não há parâmetros claros que
apontem para a disponibilidade ou não do direito.
66
Disponível em nosso blog, em http://humbertodalla.blogspot.com, acesso em 08 de abril de 2009.
53
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De qualquer forma, a avaliação neutra de terceiro, que também se pretende inserir no Projeto
de Lei sobre mediação, é instrumento de inspiração e traço cultural norte-americano, que
consideramos inadequado ao direito brasileiro, sobretudo porque acabará por gerar delongas no já
sobrecarregado procedimento coletivo, afrontando o Princípio da Tempestividade Jurisdicional.
Como temos tido a oportunidade de nos manifestar, entendemos que os meios alternativos
devem ser intensamente motivados como forma de exclusão do processo; em outras palavras,
devem ser tentados, exaustivamente, antes do início da relação processual.
Frisamos para que fique clara nossa posição. Somos entusiastas dos meios alternativos;
contudo, estamos em que eles devem ser utilizados fartamente antes da provocação da via
jurisdicional. A utilização incidental deve ser a exceção e não a regra.
Trata-se de regra inovadora, porém ainda imperfeita. Quer nos parecer que não basta a oitiva
do Ministério Público. Ou melhor dizendo: a simples oitiva de nada adianta na prática. A norma
teria mais sentido se dispusesse “após a concordância do Ministério Público”, já que, pela
inteligência do artigo 127, caput, da Carta de 1988, foi o Parquet o órgão escolhido pelo legislador
constitucional para tutelar os interesses transindividuais.
Quer nos parecer que, numa leitura teleológica da norma, ante a física impossibilidade de
ouvir todos os interessados, deve optar o legislador por eleger uma instituição que deve se
manifestar em nome de todos.
Finalmente, o T.A.C. vem tratado nos artigos 49 a 52, que não apresenta grandes distinções
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quanto ao modelo atual, salvo pela opção expressa de atribuir-lhe a natureza jurídica de “transação”,
embora limitada aos parâmetros de modalidades e prazos para cumprimento, ressalvando-se
expressamente a possibilidade de homologação judicial, mesmo quando tomado no curso do
procedimento administrativo.
Algumas posições que já vinham recebendo ampla acolhida na doutrina foram contempladas
no Projeto, como a possibilidade do lesado obter cópia do TAC para viabilizar sua demanda
individual, ou mesmo liquidar e executar a parcela que lhe cabe, após sentença condenatória nos
autos da ação coletiva.
A versão mais recente do Projeto de Lei nº 5.139/09 data de 15 de setembro de 2009 e está
ainda pendente de votação na Casa Legislativa.
Nota-se que houve a substituição do termo “transação” pelo termo “acordo” numa alusão
clara à indisponibilidade do direito coletivo. Reforçou-se também a posição do Ministério Público e
foram tornados mais claros alguns pontos, mediante a intervenção do Conselho Nacional dos
Procuradores-Gerais de Justiça.
67
Conferir em http://humbertodalla.blogspot.com, acesso em 09 de outubro de 2009.
55
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De se registrar que fica claro também nessa nova redação do Projeto de Lei nº 5.139/09 que
a nomenclatura “compromisso de ajustamento de conduta” fica reservada para o “acordo” firmado
pré-judicialmente, embora fique sempre em aberto a possibilidade de sua “judicialização” para que
o instrumento possa se beneficiar dos benefícios do regime do cumprimento de sentença, na
hipótese de seu descumprimento.
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Abstract. In this essay the author intends to verify the possibility of application of the “substantial
performance doctrine” in Brazilian Civil Procedural Law.
Keywords. Good faith. Substantial performance doctrine. Civil procedure.
Um dos efeitos do princípio da boa-fé é limitar o exercício das situações jurídicas ativas. A
vedação ao abuso do direito é uma dessas conseqüências.
Assim, o direito potestativo à resolução do negócio não pode ser exercido em qualquer
hipótese de inadimplemento. Se o inadimplemento for mínimo (ou seja, se o déficit de
adimplemento for insignificante, a ponto de considerar-se substancialmente adimplida a prestação),
o direito à resolução converte-se em outra situação jurídica ativa (direito à indenização, p. ex.), de
modo a garantir a permanência do negócio jurídico.
1
SILVA, Clóvis do Couto e. “O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português”. O Direito Privado brasileiro na
visão de Clóvis do Couto e Silva. Vera Jacob de Fradera (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 55.
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Mas não apenas a resolução do negócio pode ser impedida pela aplicação dessa teoria (repita-
se: derivada da aplicação do princípio da boa-fé)2. Pode-se, por exemplo, cogitar da extinção da
exceção substancial de contrato não cumprido3 (outra situação jurídica ativa): a parte não poderia
negar-se a cumprir a sua prestação, se a contraprestação tiver sido substancialmente adimplida.
Embora sem utilizar essa terminologia, MENEZES CORDEIRO demonstra que o desequilíbrio no
exercício jurídico que se revela pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o
sacrifício imposto pelo exercício a outrem é uma das espécies de exercício inadmissível de
situações jurídicas ativas4. Segundo o autor, trata-se do mais “promissor” subtipo de exercício em
desequilíbrio de posições jurídicas, que se verifica em situações como o “desencadear de poderes-
sanção por faltas insignificantes, a actuação de direitos com lesão intolerável de outras pessoas e o
exercício jussubjectivo sem consideração por situações especiais” 5. Os exemplos de exercício de
poder-sanção por falta insignificante mencionados pelo autor são exatamente o da exceção de
contrato não cumprido e o da resolução do negócio por uma falha sem relevo de nota na prestação
da contraparte6.
2
SCHREIBER, Anderson. “A boa-fé e o adimplemento substancial”. Direito Contratual – temas atuais. Giselda Maria
Hironaka e Flávio Tartuce (coord.). São Paulo: Ed. Método, 2007, p. 141.
3
ABRANTES, José João. A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil português – conceito e
fundamento.Coimbra: Almedina, 1986, p. 123-127; MORENO, María Cruz. La ‘exceptio non adimpleti contractus’.
Valência: Tirant lo Blanch, 2004, p. 75; BECKER, Anelise. “A doutrina do adimplemento substancial no Direito
brasileiro e em perspectiva comparativista”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, 1993, v. 09, p. 60 e 65; BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento
substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 104-106. Assim, também, STJ, 4ª T., REsp n. 656.103/DF, rel. Min.
Jorge Scartezzini, j. em 12.12.2006, publicado no DJ de 26.02.2007, p. 595.
4
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. 2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2001, p.
857-860
5
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 857.
6
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 858.
7
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2ª ed., cit., p. 87-92;
SCHREIBER, Anderson. “A boa-fé e o adimplemento substancial”. Direito Contratual – temas atuais. Giselda Maria
Hironaka e Flávio Tartuce (coord.). São Paulo: Ed. Método, 2007, p. 139.
8
BAUMGÄRTEL, Gottfried. “Treu und Glauben im Zivilprozess”. Zeitschrift für Zivilprozess, 1973, n. 86, Heft 3, p.
355; ZEISS, Walter. El dolo procesal: aporte a le precisacion teorica de una prohibicion del dolo en el proceso de
cognicion civilistico. Tomas A. Banzhaf (trad.). Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1979, passim;
HESS, Burkhard. “Abuse of procedure in Germany and Áustria”. Abuse of procedural rights: comparative standards of
procedural fairness. Michele Taruffo (coord). Haia/Londres/Boston: Kluwer Law International, 1999, p. 153-154;
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 11 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, v. 1, p. 47.
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que podem ser reunidas sob a rubrica do “abuso do direito” processual9 (desrespeito à boa-fé
objetiva)10.
Resta saber se a teoria do adimplemento substancial pode ser aplicada no âmbito do direito
processual.
É possível, porém, aplicar essa teoria em situações atípicas, a partir de uma concretização do
princípio da boa-fé processual pelo órgão julgador.
Vejamos alguns exemplos, que, não obstante sem exaurir a casuística, podem iluminar a
identificação de outras situações semelhantes.
9
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil, cit., p. 861-902
10
Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé
subjetiva). Ou seja, a cláusula geral da boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito
processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos
processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o
da boa-fé objetiva processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-
fé.
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Certamente há outras situações em que essa teoria pode ser aplicada ao processo. Este ensaio
tem o propósito apenas de despertar o estudioso e o aplicador do Direito para esta possibilidade.
11
STJ, 4a T., REsp n. 469.577/SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 25.03.2003, publicado no DJ de 05.05.2003,
p. 310.
12
“FALÊNCIA. Cobrança. Incompatibilidade. O processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de
instrumento de coação para a cobrança de dívidas. Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da
empresa, o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja
tão somente a satisfação do seu crédito. Propósito que se caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à
Contadoria, para apurar o valor do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado de pedido de
desistência da ação. (STJ, 4ª T., REsp n. 136.565/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 23.02.1999, publicado no
DJ de 14.06.1999, p. 198). Em sentido contrário, STJ, 3ª T., REsp n. 515.285/SC, rel. Min. Castro Filho, rel. p/ acórdão
Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 20.04.2004, publicado no DJ de 07.06.2004, p. 220)
13
Art. 94 da Lei 11.101/2005: “Será decretada a falência do devedor que: I – sem relevante razão de direito, não paga,
no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência”.
14
O texto normativo refere a “tornar sem efeito” a arrematação. O caso é, porém, rigorosamente, de resolução por
inadimplemento. A propósito, DIDIER Jr., Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da, BRAGA, Paula Sarno e
OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, v. 5, p. 657; ASSIS, Araken
de. Manual da execução. 11ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 759; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.
Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, t. 10, p. 298-300; ROCHA, José de
Moura. Sistemática do novo processo de execução. São Paulo: RT, 1978, p. 406.
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LA FORMACIÓN EN MEDIACIÓN:
ALGUNAS PERPLEJIDADES DE LOS FORMADORES EN MEDIACIÓN Y DIVERSAS
INQUIETUDES DE LOS ALUMNOS QUE SE FORMAN EN MEDIACIÓN
1. La formación en mediación
La mediación, como forma de gestión positiva de los conflictos, se rige por principios propios, y
se hace efectiva a través de un procedimiento no formal, combinando técnicas multidisciplinares,
por un profesional con formación específica en este campo, con la finalidad de alcanzar acuerdos
duraderos. El mediador no decide, no impone la solución. Es un facilitador que ayuda a las partes
enfrentadas a comunicarse y a gestionar positivamente su conflicto. La labor del mediador puede
extenderse a diversas áreas tales como la laboral, la comunitaria, la intercultural y, principalmente,
la familiar1.
1
Actualmente, son 11 las Leyes autonómicas vigentes en España sobre mediación familiar. La tendencia es la de que
lleguemos a disponer de diecinueve Leyes diferentes, una por Comunidad Autónoma.
Subrayamos que en Cataluña se ha promulgado una Ley que podríamos calificar de “segunda generación de
mediación”: la Ley 15/2009, de 22 de julio, de mediación en el ámbito de Derecho Privado en Cataluña. Como
aspectos más significativos podemos destacar:
Conveniencia de extender la mediación a otros conflictos surgidos en el ámbito de las comunidades y de las
organizaciones.
Esta Ley viene a colmar las aspiraciones que, con ocasión de la redacción de nuestra Ley de Mediación Familiar para
Castilla y León, se plantearon desde algunos sectores: que su ámbito de aplicación pudiera ir más allá de los conflictos
en el ámbito de la familia.
La mediación comunitaria, social o ciudadana son ejemplos evidentes de los conflictos derivados de compartir un
espacio común, así como las relaciones de vecindad, profesionales, asociativas, colegiales o, incluso, del ámbito de la
pequeña empresa.
2
Artículo 3
Definiciones
A efectos de la presente Directiva, se entenderá por:
a) «mediación»: un procedimiento estructurado, sea cual sea su nombre o denominación, en el que dos o más partes en
un litigio intentan voluntariamente alcanzar por sí mismas un acuerdo sobre la resolución de su litigio con la ayuda de
un mediador. Este procedimiento puede ser iniciado por las partes, sugerido u ordenado por un órgano jurisdiccional o
prescrito por el Derecho de un Estado miembro. Incluye la mediación llevada acabo por un juez que no sea responsable
de ningún procedimiento judicial vinculado a dicho litigio. No incluye las gestiones para resolver el litigio que el
órgano jurisdiccional o el juez competentes para conocer de él realicen en el curso del proceso judicial referente a ese
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Recordemos que en la mayoría de las legislaciones se han exigido requisitos mínimos para
ejercer como mediador, tales como estar en posesión de una titulación universitaria determinada y
una formación específica teórico-práctica en mediación –en el caso de la Comunidad Autónoma de
Castilla y León, ya hemos aludido a los requisitos que exige la normativa para ser mediador-,
exigencia que no debe extrañar, ya que el mediador debe conocer y aplicar una serie de técnicas,
entre ellas la negociación, y tener conocimientos tanto jurídicos como psicológicos para poder
manejar el conflicto y vigilar que no se vulnere derecho alguno.
El mediador debe dominar nociones básicas de esos diferentes campos de conocimiento para
que pueda comprender las muchas situaciones que se presentan en el conflicto, es decir, todo lo que
esté en juego, tanto desde el punto de vista jurídico, psicológico y social como desde el punto de
vista religioso, emocional, cultural y otros. Teniendo estas nociones, el mediador deberá saber
reconocer sus propios límites, buscando profesionales especializados para hacer un trabajo
interdisciplinar si fuera el caso -buscar la ayuda del equipo de mediadores, como permite la Ley de
Castilla y León- o derivar a las partes a otros profesionales –por ejemplo, a un terapeuta-, e incluso,
interrumpir el proceso de mediación si se considerara necesario, siempre por causas justificadas. El
mediador debe ser esa tercera persona que coordina el proceso de mediación, quien dicta las reglas
del juego a la hora de realizar la mediación.
Ante la falta de unas directrices generales de ámbito nacional, puede ocurrir que cada
Comunidad Autónoma regule independientemente la mediación familiar, haciendo que la normativa
resultante presente una clara impronta profesional determinada en función del colectivo que haya
impulsado el proyecto (abogados, psicólogos, etc.). No hay que olvidar que los mediadores suelen
litigio; b) «mediador»: todo tercero a quien se pida que lleve a cabo una mediación de forma eficaz, imparcial y
competente, independientemente de su denominación o profesión en el Estado miembro en cuestión y del modo en que
haya sido designado o se le haya solicitado que lleve a cabo la mediación.
Artículo 4
Calidad de la mediación
1 Los Estados miembros fomentarán, de la forma que consideren conveniente, la elaboración de códigos de
conducta voluntarios y la adhesión de los mediadores y las organizaciones que presten servicios de mediación a dichos
códigos, así como otros mecanismos efectivos de control de calidad referentes a la prestación de servicios de mediación.
2 Los Estados miembros fomentarán la formación inicial y continua de mediadores para garantizar que la
mediación se lleve a cabo de forma eficaz, imparcial y competente en relación con las partes.
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ejercer otras profesiones, por lo que también quedan sometidos a sus respectivos códigos de ética,
procurando que en su interpretación no se entre en competencia con la deontología de la profesión
de mediador.
Como apunta P. Ortuño: “La piedra angular de toda mediación es la figura del mediador: no
existe la mediación sino los buenos mediadores, y únicamente la formación sólida de los mismos,
en las técnicas de gestión de conflictos, en las técnicas de negociación, en el conocimiento de las
instituciones jurídicas y de los intereses en juego”4.
3
OYHANARTWE sostiene que el mediador: “(…) debe poseer cualidades personales (trayectoria ética, sensibilidad,
facilidad de comunicación, credibilidad), capacitación (para comprender y saber aplicar las etapas del proceso) y
manejo de habilidades (saber escuchar, crear armonía, evaluar intereses y necesidades, armas opciones, manejar ira,
saber parafrasear, saber reenfocar, romper estancamiento, planificar estrategias, equilibrar el poder, redactar acuerdos,
saber remitir a otros servicios)” (OYHANARTWE, M. Los nuevos paradigmas y la mediación” En GOTTHEIL, J. y J.
SCHIFFRIN, A., Mediación: una transformación en la cultura. Paidós: Buenos Aires, 1996, pp.31-32).
4
ORTUÑO, P., “El reto de la mediación en el panorama internacional”, en ROMERO NAVARRO, F. (Compilador):
La mediación. Una visión plural. Diversos campos de aplicación. Consejería de Presidencia y Justicia y Seguridad.
Gobierno de Canarias, 2005, p.61.
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Los Directores de Cursos de Formación en Mediación en España –como es nuestro caso, que
llevamos ya 6 años dirigiendo Cursos de estas características5- hemos ido encontrando en las
respectivas normativas autonómicas una gran ayuda a la que, al inicio, era una labor “a ciegas”. La
mayoría hemos empezado a dirigir Cursos de formación en mediación con anterioridad a que se
hubiera promulgado la correspondiente Ley en la Comunidad Autónoma.
Sería deseable una regulación de unos mínimos sobre formación, de ámbito nacional y no una
regulación fragmentaria por Comunidades Autónomas, de manera que se posibilitara la libre
5
Los Cursos de Mediación han dado lugar a la constitución de diversas Asociaciones de mediación. Durante los
primeros años, prácticamente, cada nueva promoción de Mediadores, al acabar su Curso, constituía una Asociación. Por
ejemplo, de la primera Promoción de Mediadores Familiares en Castilla y León en el curso 1999-2001, celebrado en la
Universidad Pontificia de Salamanca, surgió la primera Asociación en nuestra Comunidad: la Asociación para el
desarrollo y la Difusión de la Mediación de Castilla y León siendo su Presidente , inicialmente, D. Jorge de la Parra ,
Psicólogo y mediador familiar del Ayuntamiento de Ávila; Vicepresidenta y, actualmente, Dña. Nuria Belloso Martín,
Profesora Titular de la Facultad de Derecho de la Universidad de Burgos y Directora del Curso de Postgrado
Universitario en Mediación Familiar que se vienen impartiendo desde el año 2003 hasta la fecha; Secretario, D. Antonio
Sastre Peláez, abogado y Mediador Familiar, Director del Centro de Negociación Empresarial y Mediación Familiar de
Castilla y León y Director del Curso de Postgrado en Mediación, de la Universidad Europea Miguel de Cervantes de
Valladolid. Los miembros de la citada Asociación han realizado diversas actividades relacionadas con la mediación,
tales como formación de mediadores, organización y participación en Congresos nacionales e internacionales,
publicación de libros y trabajos sobre mediación y otras.
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Hay unos puntos que están presentes en las regulaciones internacionales y autonómicas: a) La
titulación adecuada y la formación en las materias objeto de la mediación; b) Independencia,
neutralidad e imparcialidad en relación con las partes mediadas en conflicto y transparencia y
responsabilidad en sus actuaciones.
6
El borrador de trabajo sobre la Situación de la mediación familiar en España, realizado por el Ministerio de Trabajo y
Asuntos Sociales, Dirección General de Familia e Infancia, con la colaboración de las Comunidades Autónomas en el
año 2001-2002, recogía algunas propuestas para una mediación familiar de calidad en España, y se afirmaba la
necesidad de establecer un “marco estatal de desarrollo y ordenación de la Mediación familiar, independientemente de
las regulaciones autonómicas existentes y que puedan existir en un futuro, entre otras, con las siguientes finalidades:
“(…) La regulación de unos mínimos sobre formación y capacitación de los mediadores familiares, con el fin de
posibilitar la libre circulación de los profesionales en el territorio nacional (…)” (GARCÍA VILLALUENGA, Leticia,
Mediación en conflictos familiares. Una construcción desde el Derecho de Familia. Madrid, Universidad Complutense
de Madrid, 2006, p.425).
7
No podemos dejar de destacar, como novedades legislativas en el panorama de la mediación en España, la reciente
promulgación , en Cataluña, de una Ley de Mediación -a la que podríamos calificar de segunda generación de
Mediación: Ley 15/2009, de 22 de julio, de mediación en el ámbito de Derecho Privado en Cataluña.
- Conveniencia de extender la mediación a otros conflictos surgidos en el ámbito de las comunidades y de
las organizaciones.
- Esta Ley viene a colmar las aspiraciones que, con ocasión de la redacción de nuestra Ley de Mediación
Familiar para Castilla y León, se plantearon desde algunos sectores: que su ámbito de aplicación pudiera
ir más allá de los conflictos en el ámbito de la familia.
- La mediación comunitaria, social o ciudadana son ejemplos evidentes de los conflictos derivados de
compartir un espacio común, así como las relaciones de vecindad, profesionales, asociativas, colegiales
o, incluso, del ámbito de la pequeña empresa.
-
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b) Creación de una comisión de Apoyo para elaborar una ley de Mediación de ámbito
nacional (Subdirección de Política legislativa): Se trata de establecer una especie de control de
calidad para que no existan distorsiones en el ordenamiento jurídico o que la mediación resulte
ineficaz.
Hay una gran asignatura pendiente en la formación en mediación: la parte práctica. Los
directores de los Cursos no estamos en condiciones de poder garantizar a los alumnos el que puedan
asistir a un proceso de mediación. Los profesores que participan en el Curso muestran su buena
disposición, ofreciendo que, en el caso de que en su ejercicio profesional como mediadores, deban
llevar a cabo una mediación, algunos alumnos podrían asistir. Pero para que esto sea una realidad,
son necesarias dos condiciones: a) Que las partes mediadas autoricen que, junto al mediador,
acudan otras personas –los alumnos que se están formando en mediación-; b) Que haya procesos de
mediación: y aquí radica la dificultad: hay muy poca demanda de mediación –nos referimos a
mediación familiar en la Comunidad de Castilla y León, de manera que a veces, transcurren los dos
últimos meses del Curso –que sería cuando el alumno estaba en condiciones de aprovechar
adecuadamente el ejercicio práctico de mediación- y no ha habido ningún caso.
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Algunos, a la luz de la modificación de los planes de estudio para adaptarlos a los nuevos
Grados, habían comenzado a barajar la posibilidad de implantar un Grado en “Gestión
complementaria de conflictos”. Podemos decir que, prácticamente ya concluido este proceso de
configuración de los nuevos Grados, no se ha habido ninguna oferta en este sentido. Incluso, se
había contemplado la posibilidad de introducir, como asignatura optativa “Gestión y resolución
complementaria de conflictos”, referida a los diversos ámbitos de aplicación (civil, penal, laboral, y
otros) pero las dificultades en hacerse con el mayor número de créditos por parte de las Áreas y la
reducción del número de créditos de los nuevos Grados (al reducirse de cinco a cuatro años) lo han
hecho también inviable. Sólo tenemos noticia de la oferta de una asignatura de tales características
en la facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid y, como asignatura optativa,
en la Universidad Europea Miguel de Cervantes, en Valladolid.
Otro tema sería el de la oferta de Cursos de mediación on line (la parte teórica resulta más
admisible. La dificultad estriba en la parte práctica -¿cómo puede participar el alumno virtual en el
desarrollo de simulaciones en mediación, de rol play, etc.?-. tal vez se pueda pensar en la
impartición de un Curso semi-presencial.
Un reto futuro de la formación en mediación será el de buscar los mecanismos adecuados para
que la práctica de la mediación pueda desarrollarse efectivamente, y no quedarnos meramente con
la teoría. Las técnicas y habilidades para conducir una mediación, que se puedan enseñar en los
Cursos de formación, serán siempre insuficientes hasta que el alumno se enfrente, en casos reales, a
la mediación.
8
Agradecemos la colaboración de Pedro Strozenberg, que nos ha guiado por algunas de las favelas más complicadas de
Río, donde hemos podido apreciar el enorme esfuerzo realizado para difundir la mediación como forma de gestionar los
conflictos en las zonas de favelas.
9
Merece especial mención el proyecto de “Lagamar”, en las afueras de la ciudad, que coordina Haradja Torrens. Hay
una especial preocupación por intentar ofrecer unas actividades alternativas a los jóvenes.
10
Subrayamos los esfuerzos del Profesor Raimundo Luiz de Andrade, que se ha preocupado por intentar vincular a los
universitarios a la ingente tarea que hay que realizar en las favelas. Los “Núcleos de Práctica jurídica” y la oferta de
servicios de mediación, han contribuido a ello.
11
El Foro Mundial de Mediación – como el que se va a celebrar el próximo mes de noviembre en Venezuela- podría ser
la sede adecuada para elaborar unos criterios de acreditación de los Cursos y unos estándares de calidad.
12
Esta red de formadores en mediación permitiría intercambiar experiencias sobre las dificultades y logros de la
formación en mediación. También facilitaría aunar esfuerzos de cara a la entrada en vigor del “Plan Bolonia”:
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ejemplos del interés por trabajar aunando esfuerzos entre todos aquellos que creen en la mediación
y se preocupan por profesionalizar adecuadamente la mediación.
Uno de los requisitos que más preocupan a los alumnos que están formándose en mediación
es el de cómo conciliar imparcialidad13 y neutralidad14 con la posibilidad de hacer sugerencias a las
partes mediadas, de ofrecerles un abanico de posibles actuaciones a llevar a cabo. Es decir, cómo
hacer para que el mediador no se limite a ser una figura rígida, pasiva, por ese temor a perder la
imparcialidad y neutralidad pero, por otro lado, que efectivamente realice su papel de facilitador.
Esta inseguridad en relación de ¿hasta dónde puedo llegar para que las partes mediadas conozcan
todas las posibles opciones que se presentan ante ellos?, les hace ser a veces, excesivamente
“cautelosos” a la hora de dirigir con soltura un proceso de mediación. Preguntas sobre ¿puedo decir
elaboración de un Programa y unos contenidos comunes e imprescindibles para los Cursos de formación en mediación;
revalorización de los títulos propios frente a Bolonia; establecimiento de un Módulo rotatorio, haciendo posible la
movilidad de alumnos entre los diversos Cursos de formación en mediación entre distintas Comunidades Autónomas en
España, o incluso, de carácter internacional.
13
El apartado III-I de la citada Recomendación establece que “el mediador debe ser imparcial en su relaciones con
las partes”. Por ejemplo, no podrá intervenir como persona mediadora familiar aquel que haya ejercicio
profesionalmente contra alguna de las partes y se considera como hecho constitutivo de infracción el incumplimiento
del deber de imparcialidad.
14
En el apartado III-II de la Recomendación se exige que el mediador sea neutral. Es decir, debe ayudar a
conseguir acuerdos sin imponer ni tomar parte por una solución o medida concreta, sin imponer su propia jerarquía de
valores o su ideología.
El apartado III-IV de la Recomendación impone al mediador el deber de abstenerse de imponer una decisión a las
partes. No debe confundirse este deber con el de neutralidad. El deber de no-imposición trata de salvaguardar la libertad
de las partes de manera que, a la hora de adoptar un determinado acuerdo, lo hagan haciendo uso de su autonomía de la
voluntad.
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esto? O miradas suplicantes de ayuda al mediador profesor de prácticas, cuando realizan las
simulaciones en mediación, lo ponen de manifiesto.
Esta situación de duda se produce tanto en relación a temas psicológicos ¿puedo intentar
bucear en el porqué de su conducta? ¿Porqué reacciona así? Porqué responde de esta forma? No son
pocos los casos en los que cuando un alumno intentaba ser más creativo, el resto de los alumnos ya
le acusaban de “estar intentado hacer terapia (…)”.
Y más complicada resulta la situación para los alumnos mediadores con formación jurídica,
pues tienen la sensación de estar bordeando la tenue línea entre el consejo jurídico y el facilitar
información jurídica a las partes15: ¿puede comentarles que el artículo del Código Civil establece
que (…)?; ¿puede advertirles de que el acuerdo al que están llegando bordea la legalidad?
La mediación es una técnica de ADR que requiere la intervención de un tercero que carece
de capacidad decisoria en la solución del conflicto, al contrario de otras figuras como el juez o el
árbitro. Sin embargo, el que el mediador no tenga en sus manos ofrecer la solución al conflicto no
puede entenderse como una intervención pasiva, limitada a la mera presencia junto a las partes, o al
establecimiento de un orden en el turno de palabra, sino que su participación debe ser entendida
como activa17.
Es decir, la actuación del mediador está dirigida a restablecer una comunicación cooperativa y
responsable entre las partes en conflicto, lo cual permitirá que éstas sean capaces de manifestar sus
posiciones e intereses de forma clara y concreta al otro, evitando los recelos y prejuicios que
cualquier conflicto genera.
No se trata de que el mediador actúe como mero transmisor de la comunicación sino que
permita a cada una de las partes mediadas que pueda dar a conocer su posición al otro: es un
facilitador de la comunicación. Esta función de “facilitador” también incluye que el mediador
informe a las partes de determinadas cuestiones jurídicas, psicológicas o sociales, que las partes
15
El apartado III-X de la Recomendación autoriza al mediador a facilitar la información jurídica a las partes pero “no
debe dar consejo jurídico”. Con todo, le permite, en los casos oportunos, informar a las partes de la posibilidad que
tienen de consultar a un abogado u otro profesional competente. La Recomendación está redactada en términos
ambiguos. Este punto X es el único del apartado III que no está redactado en un sentido imperativo. El mediador puede
facilitar información jurídica pero no debe dar consejo jurídico. La frontera entre facilitar información jurídica y dar
consejo jurídico puede ser muy tenue, y más en ocasiones en que las partes están ofuscadas y una simple información
la pueden interpretar como un consejo.
16
Un ejemplo significativo lo podemos encontrar en la Ley 18/2006, de 22 de noviembre, de Mediación familiar de la
Comunidad Autónoma de las Illes Balears que, en su art. 14, titulado “De la obligación principal”, establece que, al
aceptar el contrato, la persona mediadora queda obligada a cumplir su encargo y responde de los daños y perjuicios que
ocasione a la parte familiar en la ejecución de los contratos”.
17
Cfr. BLANCO CARRASCO, Marta, Mediación y sistemas alternativos de resolución de conflictos. Una visión
jurídica. Madrid; Universidad Complutense de Madrid, 2009, p.226.
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mediadas suelen plantear. En nuestra opinión, el mediador puede llevar a cabo esa labor de
información, pero no debe olvidar que tiene un límite importante y es que en ningún caso el
mediador puede ofrecer asesoramiento a las partes, ni dejar entrever la solución que le resulta más
adecuada, ya que los principios de neutralidad e imparcialidad se verían seriamente comprometidos.
En relación a esta función del mediador, una de las cuestiones que despierta más dudas entre
los alumnos es la de si el mediador tiene capacidad para proponer alternativas de solución. Esta
posibilidad es contemplada en el modelo estadounidense de mediación, siendo conocida como la
“evaluative mediation” o mediación valorativa, que es aquella en la que el mediador ayuda a las
partes a encontrar una solución proponiendo soluciones prácticas, frente a la “facilitative
mediation”, en la cual el mediador no propone en ningún caso soluciones. El principal problema
que puede derivar de esta posibilidad es que la alternativa de solución propuesta pueda dejar
entrever aquella que resulta más adecuada a criterio del mediador, según su propia escala de
valores, lo que acaba poniendo en peligro el principio de neutralidad que debe guiar su
intervención. Esto ha llevado a una parte de la doctrina a sostener que el mediador no debe realizar
propuestas de solución al conflicto planteado18.
Esta cuestión puede complicarse aún más cuando se constata que existen ciertos ámbitos en
el ordenamiento jurídico español y, también, en otros países, donde se admite la posibilidad de que
el mediador pueda ofrecer una propuesta formal de solución no vinculante para las partes. Es decir,
el mediador, después de conocer las posiciones de las partes en conflicto, podrá emitir la solución
que le parezca más adecuada en una propuesta que, en ningún caso, será vinculante para las partes.
Dicha propuesta, sea o no aceptada, dará fin a la función del mediador en dicho conflicto19.
18
Cfr. BLANCO CARRASCO, Marta, op.cit., p.232.
19
En España pueden encontrarse diversos ámbitos en los que este tipo de actuación está admitida: a) En el ámbito de
consumo, una vez que el mediador ha escuchado las posiciones de ambas partes emite una propuesta de solución que
podrá ser aceptada o rechazada por éstas, pero que en cualquier caso pone fin al proceso de mediación. En caso de ser
aceptada, las partes hacen suya la propuesta y se vincularían a la misma, mientras que en caso de ser rechazada, la
propuesta se daría por concluida la mediación y habría que acudir a otras instancias, arbitrales o jurisdiccionales, para la
solución del conflicto; b) en el ámbito laboral, el art.10.7 del ASEC-II establece que la función del mediador es ofrecer
una propuesta de solución del conflicto que podrá ser aceptada o rechazada por las partes; c) En el ámbito de la
mediación en conflictos sanitarios se distinguen dos etapas en el proceso de solución del conflicto: la etapa de
conciliación y la de mediación. El conciliador trata de informar a las partes sobre las distintas alternativas ante el
problema e intenta manifestar las ventajas de la consecución del acuerdo. Solo en el caso de no poder alcanzarlo por
ellos mismos (porque la participación del conciliador no es activa en este sentido) se pasa ala fase de mediación, que
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Una de las preocupaciones de los alumnos es la de qué sucede si, después de que las partes en
conflicto, tras el proceso de mediación conducido por el profesional mediador, han llegado a un
acuerdo y el juez no lo homologa. Es decir, se plantea la relación entre el mediador y las normas
jurídicas. No puede olvidarse que el acuerdo al que se llega, especialmente tras concluir una
mediación familiar -al que se le suele denominar desafortunadamente “Convenio regulador” aunque
lo adecuado es acuerdo de mediación-, debe tener presente unos límites legales.
El mediador ha de tener conocimientos jurídicos dado que debe tener en consideración los
límites que suponen las normas de Derecho de familia a los pactos que las partes mediadas puedan
acordar. Pero también es cierto que una de las características del proceso de mediación es la
flexibilidad que poco tiene que ver con la rigidez del marco normativo-jurídico. Si alguno de los
pactos parece que vulnera el orden público, el mediador debe ayudar a las partes a examinar y
comprender cuáles son las necesidades y si las soluciones que se proponen son viables con vistas a
salvaguardar el interés de los hijos. Si el mediador observa que alguna de esas necesidades está
quedando sin cubrir deberá hacérselo saber a las partes, por si fuera necesario un asesoramiento al
consiste en una proposición de acuerdo, al cual las partes podrán manifestar las objeciones o correcciones que
consideren y que el mediador incluirá o no en su propuesta. Una vez realizado esto, las partes aceptan o no el acuerdo;
d) En el ámbito de los servicios financieros, hay que destacar la figura del Comisionado, regulada por Real Decreto
303/2004, de 20 de febrero, por el que se aprueba el Reglamento de los comisionados para la defensa del cliente de
servicios financieros, que tiene encomendada la defensa de estos clientes a través de la resolución de quejas,
reclamaciones o consultas que éstos presenten frente a las entidades financieras, dentro del ámbito de su competencia.
La función del Comisionado es la de emitir un informe, según establece el artículo 5.4 del Real Decreto 303/2004 –no
utiliza el término Dictamen-, que ponga fin a la consulta, queja o reclamación. El informe del Comisionado no tiene
carácter vinculante para ninguna de las partes, siendo de carácter informativo (BLANCO CARRASCO, Marta, op.cit.,
pp.233-235).
20
Algunos autores han llegado a considerar la mediación como un sistema heterocompositivo, puesto que al formular el
mediador algunas propuestas de solución, interpretan que la solución se da por el tercero. Incluso, el que las partes
puedan aceptar o rechazar la propuesta realizada supone un reconocimiento de la autonomía de la voluntad que ha
permitido considerar la mediación como un sistema heterocompositivo de “menor medida” o de “bajo riesgo”,
considerándolo como una “intervención espontánea”, en la que las partes pueden rechazar, aceptar o modificar la
solución propuesta (BLANCA CARRASCO, Marta, op.cit., p.237).
21
Habría también que diferenciar la mediación de la conciliación (judicial o extrajudicial), evitar la confusión entre
mediación y arbitraje informa, y con figuras de otros terceros (el mediador no es un corredor, no es un juez, no es un
árbitro, no es un amigable componedor, no es un arbitrador.
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respecto. Como apunta L. García García, “(…) si se trata de acuerdos que por su creatividad se
apartan de los criterios jurisdiccionales, el mediador, con vistas a la homologación judicial, deberá
detallar cuidadosa y explícitamente las razones en que se fundamenta tal decisión, a fin de que el
juez pueda valorar las circunstancias que las partes han tomado en consideración para llegar al
acuerdo”22.
Si el acuerdo de mediación tiene naturaleza contractual, las partes han de tener la capacidad que
se exige para la celebración de los contratos en los artículos 1263 y 1264 del Código Civil. Pero ya
hemos indicado que los acuerdos de mediación no pueden ser contrarios a Derecho. Hay pues unos
límites.
Antes de analizar los límites que debe contemplar el acuerdo de mediación familiar, hay que
partir de que no todas las cuestiones controvertidas que puedan existir entre los sujetos del conflicto
pueden intentar dirimirse a través de un proceso de mediación familiar. En primer lugar, si se
procede a una aplicación analógica de la normativa del Código Civil en materia de Derecho de
Familia se observa que, en su mayoría, las normas son imperativas y en el único supuesto en que el
legislador permite que los actores del conflicto regulen las consecuencias del mismo es en los
procesos consensuales de nulidad, separación y divorcio. En al artículo 90 del C.Civ. se establece el
contenido mínimo del convenio regulador de los efectos de nulidad, separación y divorcio
permitiéndose la intervención de la autonomía privada pues nadie mejor que los cónyuges para
poder determinar aspectos sobre su crisis matrimonial.
Esto puede llevar a cuestionarse la operatividad de la mediación familiar dado que en los
procesos judiciales también puede llegarse a una solución consensuada. Pero como ya hemos
subrayado, el mérito de la mediación es que el rol del mediador no es el de un abogado o el del juez
sino que van a ser las propias partes en conflicto quienes elijan la solución para poner fin a su
conflicto.
En segundo lugar, hay materias que quedan excluidas de la mediación familiar, dado el
requisito de la voluntariedad y libertad, son todos aquellos casos en que existan malos tratos o
riesgo sobre la integridad física o moral de cualquiera de las partes pues, aparte de poder incurrir en
una conducta penal tipificada, estaríamos partiendo de una situación de profundo desequilibrio entre
las partes, por lo que no es posible la mediación.
La Ley admite dos tipos de separación judicial: Consensuada y por causa legal. Nos vamos a
referir a la separación por mutuo acuerdo que es la que resulta más similar al acuerdo de mediación.
Para que se decrete la separación, el artículo 81 del CCv. Exige la petición de ambos cónyuges o de
uno con el consentimiento del otro. Su decisión se funda en la voluntad de ambos. La función del
juez se limita a comprobar u homologar el cumplimiento de los requisitos legales. Con la demanda
debe presentarse una propuesta de convenio regulador de la situación de los cónyuges separados. El
juez accede generalmente a lo establecido en dicho convenio, salvo que resulte perjudicial para los
22
GARCÍA GARCÍA, Lucía, Mediación familiar: prevención y alternativa al litigio en los conflictos familiares,
Madrid: Dykinson, 2003.
74
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menores o para alguna de las partes. Si el acuerdo total no es posible, el procedimiento seguirá por
la vía contenciosa y será el juez quien determine la solución en los puntos conflictivos23.
Con respecto al acuerdo de mediación familiar como tal, hay que partir de que la citada
Recomendación no define este concepto. Nos adherimos a la definición de M. Torrero Muñoz, que
lo presenta como “el documento por el que los actores en conflicto dejan constancia de la solución
adoptada para resolver la crisis existente entre ellos. Documento que estará sometido a las reglas
generales de los contratos en orden a la capacidad de las partes y demás requisitos esenciales para
su validez”24. Con el convenio regulador se permite a los cónyuges que sean ellos mismos quienes
regulen las consecuencias derivadas de la separación o del divorcio. Es una concreción del principio
general de autonomía privada consagrado en el artículo 1.255 del CCv. Sin embargo, esta inicial
libertad no es ilimitada ya que está sometida al control que supone la aprobación judicial del
convenio.
El acuerdo de mediación que puedan suscribir las partes que participan en un proceso de
mediación y el convenio regulador que puedan acordar los cónyuges en una separación judicial
presentan analogías dada la función que tienen ambas, como es la de permitir a los cónyuges la
regulación de los efectos de su crisis matrimonial. De ahí surge el interrogante, para aquellos que se
aproximan a la mediación, en los casos de crisis matrimonial –que es a los supuestos a los que
únicamente estamos haciendo ahora referencia con el acuerdo de mediación, no a las parejas de
hecho ni a otros conflictos de familia, en los que no tiene campo de aplicación el convenio
regulador- qué diferencia hay entre el convenio regulador que pueden acordar los cónyuges, junto
con el auxilio de un abogado, que después revisará un juez, y el acuerdo de mediación, al que
llegan tras un proceso de mediación, y que después también será homologado por un juez.
En el convenio regulador se reconoce la libertad de pacto de los cónyuges, si bien sujeto a las
limitaciones impuestas por la propia autonomía privada y a las que derivan del necesario control
judicial establecido en el artículo 90.2 del CCV.
El acuerdo de mediación guarda una correlación evidente con los convenios extrajudiciales y,
atendiendo a la doctrina y a la jurisprudencia, se vino a establecer que tales pactos eran nulos por
tres causas: 1) ser contrarios a la ley, a las buenas costumbres o al orden público; 2) ser ilícita su
causa; 3) vulnerar la prohibición de transigir sobre cuestiones matrimoniales ex artículo 1814 CCv.
Con todo, a partir de la Ley 30/1981, de 7 de julio, que modifica la regulación del matrimonio
en el Código Civil, se introduce una importante novedad en materia de Derecho de Familia al
reconocer, por una parte, efectos jurídicos a la separación de hecho; y por otro lado, al permitir a los
cónyuges, en los procesos consensuales, la autorregulación de las consecuencias de su nulidad,
23
Las peticiones de separación y divorcio presentadas por ambos cónyuges, de común acuerdo, o por uno con el
consentimiento del otro, se tramitarán por el procedimiento establecido en el artículo 777 de la ley de Enjuiciamiento
Civil.
24
TORRERO MUÑOZ, M., “El acuerdo de mediación familiar”. En Estudios sobre la Ley valenciana de Mediación
Familiar, LLOPIS GINER, J.M. coord., Valencia, 2003, Editorial Práctica de Derecho, cit., p.92.
La autora subraya que su estudio se limita a estudiar el contenido del acuerdo de mediación adoptado en situaciones
de crisis matrimoniales o conyugales, sin perjuicio de que en este procedimiento se pueda buscar la solución a otro tipo
de crisis, como pudiera ser la paternofilial o la parental.
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separación o divorcio lo que obedece a una claro reconocimiento del principio de autonomía
privada. La mediación familiar también persigue el objetivo de reducir al ámbito de lo privado la
resolución de los conflictos matrimoniales, es decir, una desjudicialización de los conflictos
familiares, aunque en los convenios reguladores se precise de la correspondiente aprobación
judicial. Como establece M. Torrero Muñoz, si se está en presencia de un negocio jurídico de
Derecho de Familia, deberá admitirse su validez siempre y cuando concurran dos requisitos: 1) Que
verse sobre materias que son objeto de libre disposición por las particulares. Cuestión distinta es
determinar los límites entre lo disponible y lo indisponible por las partes, es decir, qué pactos
pueden ser homologables y cuáles no; 2) Que concurran elementos esenciales a todo negocio
jurídico ex artículo 1261 del Código Civil25.
Conforme al art. 90 del CCv. se admite la posibilidad de los convenios reguladores que, “serán
aprobados por el juez, salvo si son dañosos para los hijos o gravemente perjudiciales para uno de los
cónyuges” (Sentencia del Tribunal Supremo de 25 de junio de 1987). El convenio regulador (a que
se refieren los arts. 81 y 86 de este Código Civil) deberá referirse, al menos, a los siguientes
extremos:
25
TORRERO MUÑOZ, M., op.cit., pp.94-95.
26
Los cinco epígrafes del artículo 90 del CCv. Integran el contenido mínimo del convenio regulador, pudiendo incluir
además, otros extremos:
a) La determinación de la persona a cuyo cuidado hayan de quedar los hijos sujetos a la patria potestad de ambos, el
ejercicio de ésta y el régimen de visitas, comunicación y estancia de los hijos con el progenitor que no viva con
ellos;
b) La atribución del uso de la vivienda y del ajuar familiar;
c) La contribución a las cargas del matrimonio y alimentos, así como sus bases de actualización y garantías, en su
caso;
d) La liquidación, cuando proceda, del régimen económico del matrimonio;
e) La pensión que, conforme al artículo 97, correspondiere satisfacer, en su caso, a uno de los cónyuges.
Si un convenio regulador ha sido homologado judicialmente en el procedimiento de separación, no puede ser
rechazado por el juez que conozca del divorcio si no se ha producido una alteración de las circunstancias.
La sentencia que conceda o deniegue la separación o el divorcio, se pronunciará sobre el convenio, aprobándolo o
rechazándolo, en todo o en parte, y, en este último caso, concederá un plazo de diez días para que formulen una nueva
propuesta, limitada, en su caso, a los extremos que no hayan sido aprobados.
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Así pues, frente al acuerdo de mediación al que las partes pueden llegar en un proceso de
mediación se puede oponer que existe en nuestra legislación una posibilidad de resolución de
conflictos no contradictoria: el procedimiento de mutuo acuerdo. De hecho, en el procedimiento que
se tramita de común acuerdo, se prevé la posibilidad de que intervenga un solo abogado, cuya
intervención, en interés de ambas partes le reviste de un cierto carácter de componedor. Cierto que,
como hemos visto, comporta grandes ventajas con respecto a la vía contenciosa. Sin embargo, este
instrumento procesal por sí solo no sirve para resolver eficazmente la crisis y regular
satisfactoriamente para ambas partes, los efectos de la separación y divorcio.
El inconveniente es que muchas veces, los acuerdos alcanzados a través de un mutuo acuerdo,
se acaban por no cumplir. El núcleo de la cuestión está en la forma en que se llega a los acuerdos
que se presentan a la homologación judicial, si es por un acuerdo de mediación o por un convenio
regulador. La comprensión de los problemas que las partes desarrollan en el proceso de mediación
ayudados por el mediador, difiere del asesoramiento legal sobre “derechos y deberes” de como un
abogado va a asesorar a su defendido. Es por ello que el ser ya la formación del mediador, y su
específico rol, le hacen un profesional claramente distinto del abogado o del terapeuta.
El acuerdo de mediación tiene eficacia jurídica entre las partes que lo han firmado, es decir,
tiene efecto obligacional entre quienes lo han suscrito, como cualquier otro contrato. Su
legalización definitiva y su oponibilidad frente a terceros se puede conseguir: bien a través de la
homologación judicial en el correspondiente proceso de carácter consensual, bien acudiendo al
Notario, para que se transcriba en el correspondiente documento público, para su posterior
inscripción en el Registro oportuno.
3.3. Identificación, por parte del alumno, entre no haber conseguido un acuerdo entre las partes y no
haber dirigido con éxito y habilidad la mediación
El alumno concibe el acuerdo de mediación como la conclusión natural del proceso de mediación.
A pesar de que se le explica que su trabajo es el de facilitar la comunicación entre las partes,
ayudarles a reequilibrar sus emociones, restaurar bloqueos emocionales que pudieran existir y que
estuviera dificultando el proceso de comunicación, lo cierto es que les resulta difícil desprenderse
de la identificación “acuerdo de mediación” y “éxito del mediador”. Deben comprender que su
ayuda se dirige a facilitar una mejor gestión del conflicto de forma que, a veces, concluirá en un
acuerdo y, en otras ocasiones, las partes no llegarán a un consenso.
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El alumno debe entender que el régimen sancionador se ha tipificado para ofrecer una
seguridad a los potenciales usuarios de la mediación. Pero no hay que olvidar que una de las
características típicas de la mediación es la de no ser un proceso formal, la de su flexibilidad. Por
ello, el temor a una multa, a un periodo de inhabilitación de su profesión de mediadores, se
producirá sólo en situaciones en las que se pueda constatar su mala práctica profesional y el
perjuicio causado a las partes mediadas.
3.5. Dificultad de movilidad geográfica de los profesionales mediadores por el territorio nacional
4. Retos futuros
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Junto a este desideratum de futuro, las actividades más inmediatas que convendría llevar a
cabo son:
1) Continuar con las estrategias de difusión de la mediación, tarea aún por desarrollar más
ampliamente. Gran parte de la ciudadanía, de los potenciales usuarios, continúa sin saber
qué es la mediación.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
. BELLOSO MARTÍN, Nuria, “El ser y la formación del mediador familiar: deberes del mediador y
régimen sancionador”, en BELLOSO MARTÍN, Nuria (Coordinadora), Estudios sobre mediación:
la Ley de Mediación Familiar de Castilla y León, Valladolid, Indipress, Junta de Castilla y León,
2006, pp. 237-270.
. TORRERO MUÑOZ, M., “El acuerdo de mediación familiar”. En Estudios sobre la Ley
valenciana de Mediación Familiar, LLOPIS GINER, J.M. coord., Valencia, 2003, Editorial
Práctica de Derecho.
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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
INTRODUÇÃO
A tutela judicial transnacional é uma exigência dos tempos atuais, em que constantemente as
relações jurídicas, sob diversos aspectos, ultrapassam as fronteiras de um Estado. Assegurar a
efetividade da tutela judicial sem fronteiras significa muito mais do que apenas reconhecer decisões
judiciais estrangeiras transitadas em julgado, proferidas em processos de conhecimento. Tudo que
for necessário para que seja assegurada a efetividade da jurisdição deve estar compreendido na idéia
de tutela judicial transnacional, tais como os atos de urgência, os atos executórios, os atos
destinados à comunicação processual ou mesmo os atos probatórios. Pouco importa tratar-se de
direito público ou de direito privado; da mesma maneira, a jurisdição há de ser efetiva e estar
pautada nos mesmos princípios e ideais da justiça transnacional.
1
O presente documento foi enviado à redação da Revista pelo Prof. Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, Professor
Titular da Universidade Federal Fluminense e Juiz Federal no Rio de Janeiro.
2
Elaborado pela Comissão de Revisão da Proposta de Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Ibero-
América [Ada Pellegrini Grinover, Brasil <Presidente>; Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, Brasil <Secretário
Geral>; Abel Augusto Zamorano, Panamá; Angel Landoni Sosa, Uruguay; Carlos Ferreira da Silva, Portugal; Eduardo
Véscovi, Uruguay; Juan Antonio Robles Garzón, Espanha; Luiz Ernesto Vargas Silva, Colômbia; Roberto Omar
Berizonce, Argentina]. Aprovado na Assembléia Geral do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, ocorrida no
dia 17 de outubro de 2008, por ocasião das XXI Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal, Lima, Peru.
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presidida por Ada Pellegrini Grinover e secretariada por Ricardo Perlingeiro, compreenderam
discussões a distância (por e-mail) e duas reuniões presenciais. Com efeito, entre julho e dezembro
de 2005, a Comissão discutiu o assunto via Internet, sendo que, nos dias 9 e 10 de fevereiro de
2006, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, foi realizada a
primeira reunião presencial, onde se discutiu e aprovou uma das versões da Proposta de Código
Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Iberoamérica. Esta versão foi revista e
complementada pela mesma Comissão, no decorrer do III Congresso Panamenho de Direito
Processual, na Cidade de Panamá, realizado de 15 a 18 de agosto de 2006. O texto final foi
submetido à Assembléia-Geral do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, nas XX Jornadas
Ibero-americanas de Direito Processual, ocorridas entre 25 e 27 de outubro de 2006, em Málaga,
quando foi constituída a Comissão de Revisão, destinada à elaboração do Projeto do Código
Modelo, também presidida por Ada Pellegrini Grinover e secretariada por Ricardo Perlingeiro, e da
qual fizeram parte Abel Augusto Zamorano, Angel Landoni Sosa, Carlos Ferreira da Silva, Eduardo
Véscovi, Juan Antonio Robles Garzón, Luís Ernesto Vargas Silva e Roberto Omar Berizonce.
Sucederam-se discussões a distância (via e-mail) até que, no dia 15 de setembro de 2007, em
Salvador, quando do XIII Congresso Mundial de Direito Processual, da Associação Internacional de
Direito Processual, em reunião que contou com a participação do Presidente do Instituto, Jairo
Parra, a Comissão de Revisão aprovou a versão final do Projeto de Código Modelo de Cooperação
Interjurisdicional para Iberoamérica.
ALCANCE E PRINCÍPIOS
Primeiramente, vale registrar que o Projeto não consiste em um modelo para a cooperação “na
Iberoamérica", mas sim de um "Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para
Iberoamérica", isto para que não haja a falsa impressão de que a cooperação seria somente entre os
Estados Iberoamericanos. O Projeto de Código Modelo não é uma proposta de tratado internacional
a ser ratificado, mas sim uma proposta de normas nacionais a serem incorporadas internamente por
países Iberoamericanos, e destinado à cooperação interjurisdicional com qualquer Estado,
Iberoamericano ou não.
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O Projeto de Código Modelo, no art. 2º, III, rejeita qualquer diferença de tratamento entre
nacionais e estrangeiros, residentes ou não residentes, inclusive quanto à possibilidade de
extradição. O acesso à Justiça deve ser efetivo e as garantias correspondentes devem estar ao
alcance dos nacionais e dos estrangeiros, indistintamente. A gratuidade de justiça – indispensável
aos necessitados – deve incluir as despesas, em especial de tradutores.
3
Lei de Introdução ao Código Civil Alemão (EGBGB), art. 6º, Lei Austríaca de Direito Internacional Privado, §6º, e
Código Civil Português, art. 22.
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A respeito da autoridade central, é consenso de que este organismo deve servir à cooperação
interjurisdicional, na medida em que facilite a sua realização (art. 2º, VII). A tramitação dos pedidos
de cooperação perante uma autoridade central somente ocorrerá quando, a critério dos interessados,
for considerada necessária. Dessa maneira, não obstante os Estados sejam obrigados a manter a
estrutura administrativa de uma autoridade central, nos procedimentos de carta rogatória ou de
auxílio mútuo, admite-se que as entidades interessadas se comuniquem diretamente. Também deve
ser registrado que, diante do papel atribuído à autoridade central, não compete a esta valorar o
cabimento do pedido de cooperação, impedindo o seu processamento ou o seu atendimento.
MODALIDADES DE COOPERAÇÃO
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Modelo, que contém somente princípios e regras gerais, todos compatíveis com as relações
transnacionais afetas a ambos os ramos do direito. A diferença de tratamento foi prevista apenas
quando considerada necessária, mesmo em se tratando de princípios e regras gerais, admitindo-se a
cooperação penal como especial em relação à cooperação civil, residual. Por último, vale lembrar
que não seria enfrentado o importante tema “imunidade à jurisdição” (art. 8º, parágrafo segundo), se
não fosse incluída no Projeto a matéria de direito público (administrativo, tributário e
previdenciário).
COOPERAÇÃO CIVIL
Quanto aos atos de comunicação processual, estes não serão admitidos quando praticados em
relação a processo - em curso noutro Estado – que não seja capaz de ensejar uma decisão final em
condições de ser reconhecido pelo Estado requerido (art. 4º). Não faz sentido movimentar a
máquina judiciária ou administrativa do Estado requerido, ainda que se trate de atos judiciais
meramente ordinatórios, para contribuir com uma prestação jurisdicional que não seja compatível
com os princípios fundamentais deste Estado. Além disso, implicitamente, admitem-se neste artigo
os atos de comunicação processual pelo correio.
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As regras sobre competência internacional civil (arts. 7º e 8º) estão orientadas pelo princípio
da efetividade, que, afinado com o princípio do juiz natural e do forum non conviniens, impõem
limites ao princípio da submissão sempre que este levar ao forum shopping, sacrificando o acesso à
Justiça, a ampla defesa, o conhecimento dos fatos, a observância dos direitos adquiridos ou a
própria realização fática da tutela executiva ou de urgência (art. 7º, § 1º). De um modo geral, as
regras sobre competência internacional acompanham a orientação do legislador interno, preferindo
o tribunal do Estado que estiver mais próximo do litígio: mais próximo do demandado, assegurando
a ampla defesa (art. 7º, I, 1ª parte); mais próximo do autor, assegurando o amplo acesso à Justiça
(art. 7º, III); mais próximo dos fatos, assegurando uma eficaz instrução probatória (arts. 7º, I, 2ª
parte, e 8º, I); mais próximo da lei material que regulamente o fato constitutivo do direito subjetivo
sub judice (art. 7º, II); ou, ainda, mais próximo do local da execução, assegurando a efetividade da
tutela executiva ou da tutela de urgência (art. 8º, I e II). Nesse contexto, é competente o tribunal do
Estado que mantiver algum vínculo efetivo com o litígio capaz de assegurar um processo justo (art.
7º, III); em caráter subsidiário, é competente o tribunal do Estado que for objeto de convenção,
expressa ou tácita, pelas partes litigantes (art. 7º, § 1º).
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local dessa execução, sob pena de serem expedidas tantas cartas rogatórias quantos atos executórios
forem necessários, inviabilizando o processamento.
A submissão ou escolha dos foros no plano transnacional deve ser subsidiária à observância
das regras de competência absoluta (concorrente e exclusiva), salvo se, no caso concreto, e também
em nome do princípio da efetividade, nenhum outro tribunal estiver em condições de prestar uma
jurisdição adequada (art. 7º, § 1º, segunda parte). No entanto, não se admite a prorrogação de
competência diante da ausência do réu ou, ainda, a eleição de foro que contrarie regra de
competência absoluta ou não autorizada pela própria norma processual internacional. No art. 7º § 1º
propõe-se a submissão expressa ou a submissão tácita, somente nos casos em que o tribunal do
Estado escolhido ou do Estado indicado for um dos legalmente previstos ou, ainda, não houver
ofensa à regra de competência absoluta, de acordo com o caso concreto. Portanto, não se admite
submissão (expressa ou tácita) a tribunais de Estados estranhos ou que sejam absolutamente
incompetentes. Tampouco se admite submissão tácita sem que haja presença do réu; o Projeto
preocupa-se com a certeza de que esteja sendo assegurado o direito de defesa, o que no plano
transnacional passa a ser da maior relevância, não se extraindo da revelia a renúncia ou submissão
tácita ao foro escolhido pelo demandante. É necessário que o demandado compareça e, contestando
o pedido, nada diga a respeito da incompetência (art. 7º § 3º).
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(art. 49). Convém registrar que, indiretamente, a eficácia automática da decisão estrangeira legitima
a admissão da litispendência e conexão internacionais.
Como regra geral, as medidas de urgência são processadas e decididas pelo tribunal da causa
principal. Porém, como o procedimento da execução de decisão estrangeira nem sempre é
apropriado à tutela de urgência, tem sido comum autorizar o aforamento destas medidas diretamente
no tribunal do Estado em cujo território se pretende sua execução. Esse fenômeno de dissociação
entre processo de conhecimento e processo cautelar no plano transnacional está sujeito a alguns
limites devidos aos seguintes princípios: 1- princípio do juiz natural – o tribunal da causa cautelar
ou de urgência é sempre o tribunal do processo principal, sendo possível atribuir a competência a
outro tribunal somente em situações extremas nas quais ficar demonstrado que o procedimento de
reconhecimento ou de exequatur de medidas de urgência for capaz de inviabilizar a realização do
direito alegado (art. 16, I); 2- princípio da ordem pública e da competência internacional – o
deferimento da tutela de urgência transnacional diretamente pelo tribunal do Estado em cujo
território seria executada, além da presença do periculum in mora e do fumus boni iuris (art. 17),
depende ainda: (a) da demonstração de que o direito material reclamado é compatível com os
princípios fundamentais daquele Estado e (b) de que a futura e definitiva declaração judicial do
direito no exterior será conseqüência de processo que observe as garantias do devido processo legal
perante tribunal que seja competente segundo as regras de competência internacional vigentes
naquele Estado (art. 16, II). A natureza provisória de qualquer medida jurisdicional de urgência
condiciona a sua eficácia ao advento, em tempo razoável, de decisão final no processo principal
(art. 18).
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COOPERAÇÃO PENAL
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No mesmo sentido, determina-se, como condição para a execução da extradição, que o Estado
requerente assuma o compromisso de que (art. 31): a- computará o tempo de prisão que, no Estado
requerido, foi imposta como conseqüência da cooperação internacional entre tribunais
jurisdicionais; b- não será o extraditado preso nem processado por fatos anteriores à requisição; c-
não será o extraditado entregue a outro Estado que o reclame pelo mesmo fato; d- será garantida a
devolução do extraditado, tratando-se de nacional do Estado requerido, para execução da pena que
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tenha sido ou venha a ser aplicada, salvo se houver recusa expressa dessa pessoa. Registre-se por
oportuno que o princípio da dupla incriminação opera tão-somente na extradição, não alcançando as
demais espécies de cooperação penal.
PROCEDIMENTOS
A lide perante o Estado requerido, de acordo com o sentido da expressão “delibação”, está
adstrita aos princípios fundamentais daquele Estado e à observância das normas sobre competência
internacional. Isto não significa exatamente que o tribunal do Estado requerido não adentre no
mérito da decisão estrangeira, porém somente o fará na proporção em que for necessário à luz dos
princípios fundamentais do Estado requerido. Lembre-se que o tribunal do Estado requerido não é
uma instância recursal do tribunal do Estado requerente (art. 44, segunda parte), mas negará efeito à
decisão que colidir ou à parte da decisão que colidir com seus princípios fundamentais. A
possibilidade desse controle judicial delibatório – sem o qual seguramente haveria ofensa à
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soberania - está previsto nos procedimentos de carta rogatória (art. 40), ação e incidente de
impugnação da eficácia de decisão estrangeira (art. 44), execução de decisão estrangeira (art. 49),
medida judicial de urgência (arts. 16, II, e 51) e extradição (art. 52).
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São essas as linhas gerais do Projeto de Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para
Iberoamérica que submetemos à apreciação desse Instituto Iberoamericano de Direito Processual.
Estamos convencidos de que o Projeto de Código Modelo constituirá uma ferramenta poderosa no
processo de reforma legislativa dos sistemas nacionais Iberoamericanos de cooperação
interjurisdicional, por reunir princípios e regras atuais e modernas, capazes de orientar o legislador
de cada país na elaboração de leis nacionais.
A COMISSÃO REVISORA
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EDUARDO VESCOVI
CAPÍTULO I
PARTE GERAL
Este Código dispõe sobre a cooperação entre Tribunais, órgãos administrativos, órgãos
administrativos e tribunais de Estados diversos, com o objetivo de assegurar a efetividade da
prestação jurisdicional transnacional.
A cooperação interjurisdicional de que trata este Código está sujeita aos seguintes princípios:
I. cláusula da ordem pública internacional: não será admitida a cooperação que se refira a atos
contrários aos princípios fundamentais do Estado requerido ou que seja suscetível de conduzir a um
resultado incompatível com esses princípios;
III. igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não, tanto no acesso aos
tribunais quanto na tramitação dos processos nos Estados requerente e requerido, assegurando-se a
gratuidade de justiça aos necessitados;
V. publicidade processual, exceto nos casos de sigilo previstos na lei do Estado requerente ou do
Estado requerido;
VI- tradução e forma livres para os atos e documentos necessários à prestação jurisdicional
transnacional, incluindo-se os meios eletrônicos e videoconferência;
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VII. existência de uma autoridade central para a recepção e transmissão dos pedidos de cooperação,
ressalvada a convalidação da recepção ou transmissão que não tenham sido perante essa autoridade;
CAPÍTULO II
SEÇÃO I
Esta Seção dispõe sobre a cooperação em matéria civil, que compreende a civil propriamente dita, a
comercial ou mercantil, a de família, a do trabalho, a da previdência social, a tributária, a financeira
e a administrativa.
SEÇÃO II
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A citação, intimação e notificação, que não sejam pelo correio, dependem da possibilidade de o
processo em curso no Estado requerente estar em condições de ensejar sentença que seja eficaz no
Estado requerido.
SEÇÃO III
III- a respeito do andamento de processo administrativo ou judiciais e das decisões neles proferidas,
salvo os casos de sigilo.
Parágrafo único. Não necessitam de tradução os documentos que podem ser compreendidos,
presumindo-se autênticos, salvo prova em contrário, os documentos tramitados por meio de
autoridades centrais ou por via diplomática.
SEÇÃO IV
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II- cuja lei regule o fato de acordo com suas normas de conflito;
III- com o qual o litígio tenha vínculo efetivo capaz de assegurar um processo justo.
§ 1º - É facultada a submissão expressa (eleição de foro) ou tácita a tribunais de um dos Estados que
seja concorrentemente competente, de acordo com os incisos anteriores, ou ainda nos casos em que
for demonstrada a impossibilidade ou ineficácia de acesso a outro tribunal estrangeiro.
I- em cujo território estiver situado o imóvel, nas causas de direito real imobiliário, ou estejam
localizados os bens hereditários registráveis e transmitidos por sucessão;
Quando, no curso do processo, se verificar a prévia pendência, em outro Estado, perante tribunal
internacionalmente competente, de demanda entre as mesmas partes, com iguais pedido e causa de
pedir, ou que seja capaz de levar a decisões incompatíveis, o juiz, de ofício ou a requerimento do
interessado, suspenderá o processo, por prazo razoável ou até a comprovação da coisa julgada,
desde que a decisão no Estado estrangeiro possa produzir eficácia extraterritorial.
SEÇÃO V
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II- haver sido proferida em processo em que tenham sido observadas as garantias do devido
processo legal;
III- haver sido proferida por tribunal internacionalmente competente segundo as regras do Estado
requerido ou as estabelecidas na Seção IV precedente;
V- não ser incompatível com outra decisão proferida, no Estado requerido, em ação idêntica ou, em
outro Estado, em processo idêntico que reúna as condições para ter eficácia no Estado requerido.
Parágrafo único. A eficácia da decisão estrangeira poderá ser aferida de ofício, pelo juiz, em um
processo em curso, observado o contraditório, ou mediante impugnação, nos termos dos artigos 42 a
47.
SEÇÃO VI
A execução de decisão estrangeira está sujeita à observância dos requisitos previstos no artigo
anterior.
A execução de decisão de uma medida judicial de urgência, decretada por tribunal do Estado
requerente, depende de o processo principal, em curso ou futuro, no qual será decidida a questão de
fundo, estar em condições de ensejar uma decisão que reúna os requisitos para ter eficácia no
Estado requerido.
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Não havendo coisa julgada, a execução da decisão judicial será provisória, facultada a exigência de
caução.
SEÇÃO VII
Art. 15.- Adoção de medida judicial de urgência por tribunal do Estado requerido.
I- ser impossível ou ineficaz o seu aforamento perante tribunal do Estado competente para conhecer
a questão de fundo;
II- estar o processo principal, em curso ou futuro, no qual será decidida a questão de fundo, em
condições de ensejar uma decisão que tenha eficácia no Estado requerido.
A concessão da medida judicial de urgência no Estado requerido obedecerá aos requisitos previstos
em suas normas processuais, podendo ser deferida liminarmente ou após ouvir a parte contrária.
CAPÍTULO III
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SEÇÃO I
VII- extradição;
Parágrafo único. Aplicam-se às modalidades de cooperação constantes dos incisos anteriores, salvo
as dos incisos “V”, “VI” e “VII”, as disposições do Capítulo II, no que forem compatíveis.
SEÇÃO II
INVESTIGAÇÃO CONJUNTA
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SEÇÃO III
Poderá ser solicitado o comparecimento de pessoas no Estado requerente, presas ou não, com o
objetivo de permitir a prática de atos processuais, quando a solicitação se fundar em tratado ou
promessa de reciprocidade e quando a presença da pessoa transferida for dispensável no processo
em curso no Estado requerido.
§2º- O comparecimento no Estado requerente de pessoa presa no Estado requerido somente será
concedido, se houver compromisso do Estado requerente em mantê-la presa durante o tempo em
que permanecer sob sua custódia.
SEÇÃO IV
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III- que não seja o do local do ilícito ou o da lei aplicável a esse ilícito, desde que haja falta ,
negativa ou impossibilidade de extradição fundada no artigo 30, I, IV, VI, VII e VIII, e no art 31.
SEÇÃO V
II- haver aumento das possibilidades de reintegração social do acusado ou condenado, com a
transferência para o Estado requerido;
III- encontrar-se a pessoa a cumprir, no Estado requerido, outra pena privativa de liberdade por fato
distinto do estabelecido na sentença cuja execução é ou poderá ser pedida;
IV- sendo o Estado requerido o de origem do acusado ou condenado e ter-se declarado disposto a
encarregar-se da execução;
V- não estar o Estado requerente em condições de executar a sanção, mesmo com recurso à
extradição, possuindo-as, entretanto, o Estado requerido.
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Parágrafo único. Ainda que se verifique uma das condições previstas nos incisos I, III, IV e V, não
haverá lugar à transferência para o Estado requerido se houver razões para crer que a mesma não
favorece a reintegração social do acusado ou condenado.
SEÇÃO VI
Sem prejuízo do disposto nos artigos 28 e 29, os efeitos civis e penais de caráter patrimonial de
decisão penal estrangeira são automáticos e independem de reconhecimento judicial prévio
A eficácia da decisão penal estrangeira está sujeita aos requisitos previstos no artigo 11 e nos
incisos do artigo 30, no que couberem.
A execução de decisão penal estrangeira e de medida judicial penal de urgência, decretada por
tribunal do Estado requerente, com efeito civil ou penal de caráter patrimonial, está sujeita às regras
dos artigos 12 a 18.
SEÇÃO VII
EXTRADIÇÃO
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A eficácia de decisão penal estrangeira restritiva de liberdade, para os fins de entrega ao Estado
requerente, depende do reconhecimento prévio perante tribunal do Estado requerido e da
observância das seguintes condições:
II- ser o fato considerado crime, ainda não prescrito, no Estado requerido e no Estado requerente, e
ser punível pelas leis de ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não
inferior a 12 meses ou, se a extradição tiver por finalidade o cumprimento de pena, o tempo de pena
por cumprir não ser inferior a seis meses;
III- não se revestir o processo ou a condenação no Estado requerente de caráter político ou não ser
consequência de considerações racistas, de religião, nacionalidade ou outra espécie de
discriminação, nem existirem razões sérias para supor que o pedido foi efetuado por alguma dessas
razões ou que a satisfação do pedido provocaria um prejuízo à pessoa requisitada por qualquer
dessas razões;
IV- não ser o litígio de competência de tribunal do Estado requerido, salvo se, na extradição
consentida, se verificar em relação ao Estado requerente uma das condições estabelecidas no artigo
25;
V- ser o tribunal do Estado requerente internacionalmente competente para o litígio nos termos do
disposto no artigo 24. Se o crime tiver sido cometido em terceiro Estado, pode exigir-se ainda que a
lei do Estado requerido dê competência à sua jurisdição em identidade de circunstâncias ou que o
Estado requerente comprove que aquele Estado não reclama a pessoa;
VI- não haver risco à pessoa requisitada de ser submetida a processo injusto no Estado requerente,
sem garantias indispensáveis à salvaguarda dos direitos humanos ou de cumprir pena em condições
degradantes ou de vir a ser submetida a tortura ou outro tratamento desumano ou cruel;
VII- não haver risco à pessoa requisitada, por motivos humanitários que digam respeito à sua idade
ou saúde;
VIII- o processo não ter corrido no Estado requerente à revelia, quando o acusado não tiver sido
encontrado para responder à ação penal, a menos que lhe seja garantida a possibilidade de requerer
um novo julgamento e de estar presente nele presente;
I- computará o tempo de prisão que, no Estado requerido, foi imposta como consequência da
cooperação internacional entre tribunais jurisdicionais;
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II- não será o extraditado preso nem processado por fatos anteriores à requisição;
III- não será o extraditado entregue a outro Estado que o reclame pelo mesmo fato;
IV- será garantida a devolução do extraditado, tratando-se de nacional do Estado requerido, para
execução da pena que tenha sido ou venha a ser aplicada, salvo se houver recusa expressa dessa
pessoa.
CAPÍTULO IV
SEÇÃO I
AUXÍLIO MÚTUO
A solicitação de auxílio mútuo poderá ser encaminhada, pelo órgão ou tribunal interessado,
diretamente àquele que for responsável pelo seu atendimento, competindo-lhe, ainda, assegurar sua
autenticidade e compreensão, no Estado requerido e no Estado requerente.
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I- citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, quando não for possível ou recomendável
a utilização do correio;
III- informação sobre processo administrativo ou judicial em curso no Estado requerido, salvo no
caso de sigilo;
IV- investigação conjunta entre autoridades policiais e órgãos de persecução penal, salvo se a
medida reclamar jurisdição no Estado requerido, a qual deverá ser objeto de medida judicial de
urgência;
V- realização de provas.
Parágrafo único. Poderão, porém, a pedido do Estado requerente, adotar um procedimento especial
previsto pela legislação desse Estado a menos que tal procedimento contrarie a ordem pública do
Estado requerido ou ocorram relevantes dificuldades de ordem prática na sua execução.
SEÇÃO II
CARTA ROGATÓRIA
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Entende-se por carta rogatória o pedido de cooperação entre tribunais de Estados diversos, no
intercâmbio de atos de impulso processual e caráter executório, que reclamem jurisdição ou
detenham natureza jurisdicional no Estado requerido, considerados essenciais à medida decretada,
de oficio ou por provocação das partes, pelo tribunal do Estado requerente, em incidente processual
próprio.
A carta rogatória poderá ser encaminhada pelo tribunal interessado diretamente àquele que for
responsável pelo seu cumprimento, competindo-lhe, ainda, assegurar sua autenticidade e
compreensão, no Estado requerido e no Estado requerente.
§2º. O tribunal competente do Estado requerido será o mesmo para aferir a eficácia e
executar o ato estrangeiro objeto da carta rogatória, observadas as regras de competência interna
que seriam aplicáveis à questão de fundo caso fosse o tribunal do Estado requerido originariamente
competente.
A defesa estará adstrita à observância dos requisitos previstos no artigo 11, não podendo a decisão
estrangeira, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.
I- informação sobre processo administrativo ou judicial e realização de provas que reclamem atos
jurisdicionais no Estado requerido;
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SEÇÃO III
A ação de impugnação da eficácia de decisão estrangeira será proposta por aquele que tenha
interesse jurídico no afastamento de seus efeitos no Estado requerido.
A impugnação estará adstrita à observância dos requisitos previstos no artigo 11, não podendo a
decisão estrangeira, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.
Os efeitos da decisão que acolher a impugnação retroagirão à data do início de sua eficácia no
Estado requerido.
Observado o disposto nos artigos 42 a 44, cabe incidente de impugnação da eficácia de decisão
estrangeira sempre que, invocada por uma das partes a coisa julgada estrangeira, a outra, ou o
terceiro juridicamente interessado, quiser discutir a observância dos requisitos previstos no artigo
11.
O incidente de impugnação poderá ser instaurado em face daquele que for favorecido pela
litispendência internacional.
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SEÇÃO IV
A execução de decisão estrangeira será proposta perante o tribunal que, segundo as normas
processuais do Estado requerido, seria competente para executar o título.
É facultado ao executado discutir a existência dos requisitos previstos nos artigos 11, 16, 17 e 18,
observadas as garantias do devido processo legal.
SEÇÃO V
Parágrafo único. O juiz poderá conceder a medida de urgência sem ouvir a parte contrária,
caso em que o contraditório previsto no caput deste artigo será posterior.
SEÇÃO VI
PROCEDIMENTO DE EXTRADIÇÃO
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A defesa estará adstrita aos requisitos previstos nos artigos 30 e 31, não podendo a decisão
estrangeira, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.
A decisão final relativa à extradição é comunicada de imediato ao Estado requerente devendo essa
comunicação, em caso de recusa, conter os fundamentos da mesma.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS
No que concerne aos procedimentos de auxílio mútuo e carta rogatória e, em geral, sempre que
esteja em causa a prática de um ato por parte de tribunal ou órgão administrativo requeridos, estes
executarão o pedido do Estado requerente com brevidade.
Parágrafo único. No caso de o pedido não ser satisfeito no prazo de 90 dias, será oferecida
justificação para a demora.
A execução de laudo arbitral estrangeiro está sujeita às regras dos artigos 12, 48 e 49.
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RESUMO:
A retórica da lesão ou ameaça a direitos fundamentais, ainda não implantados, a ser apreciada pelo
judiciário gera paradoxo incontornável, porque são tidos como lesados ou ameaçados direitos
inexistentes, aumentando a carga estratégica de normas constitucionais atinentes a direitos
constitucionalmente líquidos e certos quando interpretados segundo o princípio hermenêutico da
reserva do possível, portanto em descarte explícito ao paradigma do Estado Constitucional
Democrático de Direito.
Palavras Chaves: direito líquido e certo, reserva do possível, direitos fundamentais, devido
processo.
RÉSUMEN:
Palavras Llaves: derecho líquido y cierto, reserva del posíble, derechos fundamentales, devido
proceso.
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Nessa quadra jurídica, em que o direito democrático se enuncia por uma autopermissão de
fiscalidade processual como traço diferenciador de um direito liberal de aplicação heterônoma
(produtor-consumidor) ou ofertado a uma razão eficaz (instrumental ou estratégica) do pragmatismo
social extra-sistêmico de uma jurisprudência de valores, acolhe-se, como matéria inafastável de
apreciação judicial, lesão ou ameaça a direitos fundamentais. Entretanto, é de se esclarecer que,
para que haja lesão ou ameaça, o pressuposto é o da pré-existência de direitos fundamentais já
acertados por uma liquidez e certeza processualmente decididos nas bases constituintes a
legitimarem executividade incondicionada.
Estranha-se, portanto, que direitos já acertados por uma liquidez e certeza processualmente
pré-decididas em bases procedimentais constituintes sejam ainda submetidos a uma judicância
pleonástica e garantista (ações afirmativas) centrada na razão estratégica decisória de um combate
entre litigantes. A recusa judicial da concreção dos direitos fundamentais pelo artifício do acesso a
uma justiça rápida, por justas e prodigiosas tutelas judicacionais (atividades dos juízes) de urgência
resolutiva de conflitos resultantes do vazio da fundamentalidade jurídica esquecida, traz embaraços
à compreensão do que seja lesão ou ameaça a direitos fundamentais não implementados de vida,
liberdade e dignidade na teoria do direito democrático.
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Suplica-se, por isso, distinguir, em direito democrático, o que sejam normas de aplicação
imediata, porque produzidas no plano da processualidade constituinte e entregues a uma fiscalidade
processual ampla (controle irrestrito de constitucionalidade) e asseguradora dos direitos instituídos,
daquelas que, mesmo tendo origem e critérios idênticos de produção, reclamam acertamentos
cognitivos no plano in – fieri (operacional) da exigibilidade do ordenamento jurídico.
A expressão Estado Democrático é que, no contexto das cogitações feitas, não pode mais
significar instituição inesclarecida e agente fantasmal de direitos legislados ou adotados numa
ordem jurídica qualquer, sequer pode esse Estado se jactar como recinto axiológico de uma
decidibilidade governativa, administrativa e judiciária, comprometida com uma pauta de valores
não juridificados e não processualmente dada à fiscalidade irrestrita. No direito democrático, o que
primeiro se impõe é a despersonalização do Estado (disregard doctrine) para tornar visíveis as
individualidades componentes da Administração Governativa em todos os segmentos da
Comunidade Jurídica cuja proposta constitucional é sua transformação em Sociedade Jurídico-
Política Democrática de Direito pela possibilidade cognitiva de todos no espaço processual (Estado
Democrático) de produção, recriação, afirmação ou destruição da lei.
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O anúncio de direitos fundamentais e intocáveis pela decisão constituinte torna imperativa sua
existência institucional, uma vez que a liquidez e certeza desses direitos reclamam execução
ininterrupta de mérito pressuposto já pré-julgado (decidido) no horizonte instituinte do legislador
originário da constitucionalidade vigorante. É óbvio que qualquer instituto procedimental à garantia
desses direitos, em hipótese de lesão ou ameaça, seria inócuo e fantasioso se não antes adimplidos,
para todos igualmente, como requisito de tutela jurídica, em grau liminar antecipado ou não, de
conhecimento e acolhimento do objeto mediato do pedido mandamental.
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jurisprudenciados por valores de uma eticidade estranha (DWORKIN, 1999) aos destinatários
normativos a quem se nega o acesso processual à execução dos direitos fundamentais já acertados
em cognição constituinte.
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Não se conseguiu ainda, por apego às grades pedagógicas já envelhecidas do ensino jurídico,
sair das amarras hermenêuticas do milênio passado em que a interpretação malabarística, com base
em metodologias construtoras de uma jurisprudência de valores e de conceitos (MAXIMILIANO,
1995), impede a transição da Comunidade para a Sociedade Política pelo status democrático. Tem-
se ainda a esdrúxula situação de se constitucionalizar o status (espacialidade de processualização)
do direito e, no entanto, a correição de eficiência ou confirmação do ordenamento jurídico
(fiscalização da constitucionalidade) ser desenvolvida por instâncias corporativas ante uma
jurisdição de juízes guardiães e depositários infiscalizáveis (CLÈVER, 2001) e não pelo legislador
político direto (individual ou coletivo) como legitimado universal a produzir, atuar e recriar o
direito por via abstrata (concentrada) ou concreta (difusa, incidental) em ações (procedimentos)
constitucionais, ordinários, codificados ou não.
Nessa linha de cogitação, o argumento de certeza e liquidez do direito ao pleito das tutelas de
urgência a direitos fundamentais contra a Administração Governativa há de se articular por matéria
de ação e de meritum já na esfera de acatamento dos pressupostos subjetivos e objetivos de
admissibilidade estruturantes do procedimento, porque só é jurídico o atendimento tutelar in limine
litis no direito democrático, sem prévia instalação do contraditório, quando equivale a execuções
antecipadas de direitos fundamentais já acertados no título constitucional.
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BIBLIOGRAFIA
BARBI, Celso Agrícola – Do Mandado de Segurança, 10ª ed., Editora Forense, RJ, 2000.
BUENO, Cássio Scarpinella – Liminar em mandado de segurança, 2ª ed., Editora Rev. dos
Tribunais, 1999.
CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO – Teoria Geral do Processo, 8ª ed., RT, SP, 1991
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, 2ª ed., Lúmen Júris, RJ, 2000.
FERRAJOLI, Luigi – O Direito como sistema de garantias. In O Novo em Direito e Política (José
Alcebíades de Oliveira Júnior – Coordenador) – Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1997.
HÖFFE, Otfried – Justiça política: Fundamentação de uma filosofia crítica do Direito e do Estado.
Trad. Ernildo Stein, Petrópolis: Vozes, 1991.
JÚNIOR, Nelson Nery – Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 6ª ed., Editora
Revista dos Tribunais, SP, 2001.
LALANDE, André – Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, Martins Fontes, SP, 1996.
LEAL, Rosemiro Pereira – Teoria Processual da Decisão Jurídica, Editora Landy, SP, 2002.
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MAXIMILIANO, Carlos – Hermenêutica e Aplicação do Direito, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
1995.
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Resumo: Um dos objetivos do presente trabalho é investigar a distinção apontada por alguns autores
entre verdade formal e verdade material, especialmente no contexto dos litígios de direito público.
Examina-se o modo pelo qual os princípios dispositivo e do inquisitório incidem e afetam o direito
processual. Enquanto grande número de juristas brasileiros exige uma ampliação do poder judicial
na investigação dos fatos, outros fazem recair as bases do processo justo sobre a autonomia
processual das partes, a preservação da imparcialidade judicial e outras garantias processuais. A
segunda orientação guiou metodologicamente o exame dos problemas apresentados.
Abstract: One of the scopes of the work is to investigate the strict differentiation carried out by
some authors between formal and material truth particularly in the public law litigation context. It is
examined how the application of the adversarial principle and the inquisitorial principle affects the
procedural law. While great number of brazilian jurists demand an expansion of judicial power,
other jurists place on the procedural autonomy of the parties as well as the preservation of the
judicial impartiality and other procedural rights the basis of the fair process. The second orientation
was elected as the methodological starting point to guide the present analysis.
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1. Introdução
A técnica processual, enquanto objeto da Ciência do Direito Processual, pode ser entendida
como um conjunto de meios adequados destinados a produzir resultados úteis no processo.1 Como a
aplicação do Direito não é neutra ou indiferente, pode-se perceber a influência direta da ideologia
jurídica dominante sobre a utilização da técnica processual.2
Ao lado desse elemento subjetivo, existe ao menos um elemento objetivo importantíssimo que
(inter)age com a técnica processual: o direito material.3 Assim, cumpre reconhecer que fatores
extraprocessuais atuam sobre a técnica processual e, nesta linha, questiona-se, primeiramente, a
possibilidade de se extraírem conseqüências processuais a partir da natureza do direito material
deduzido em juízo.
Sabe-se que o Direito Administrativo, hoje, passa por mudanças profundas em suas
formulações teóricas. Isto se deve ao fato de que, nos países democráticos se espera uma
Administração que permita a participação dos cidadãos e que estes sejam ouvidos, e não uma
Administração autoritária.4
Em feliz metáfora, MAURO CAPPELLETTI5 afirmou que o direito processual pode ser
comparado a um espelho no qual são refletidos os movimentos do pensamento, da filosofia e da
economia de um determinado período histórico. E como o momento atual reclama formas de
promoção e proteção dos direitos fundamentais, não pode ser outra a preocupação do direito
processual.
1
Cf. AROLDO PLÍNIO GONÇALVES, Técnica Processual e Teoria do Processo, p. 45 e ss; CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. item 15, p. 59.
2
Sobre o tema, consulte-se: OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Processo e Ideologia, cap. I, p. 16 e ss.
3
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Direito e Processo, p. 46 e ss.
4
Sobre o modelo europeu de Administração participativa, consulte-se: ROBERTO CARANTA, LAURA FERRARIS,
SIMONA RODRIGUEZ, La partecipazione al procedimento amministrativo, p. 18 e ss.
5
O processo civil no direito comparado, p. 18.
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Existe uma necessidade garantística de apuração dos fatos no processo, porque uma decisão
justa está ancorada à verdade e isto deve ser tomado como pressuposto de uma tutela jurisdicional
efetiva dos direitos.6 Neste tópico, pretende-se descobrir como opera a técnica processual na busca
da verdade no processo, bem como traçar os seus limites.
Nesta linha, vem ganhando espaço a idéia de que o juiz deve desempenhar papel ativo na
produção de provas, porque com a atividade instrutória do magistrado tem-se a garantia de que se
busca a verdade.9 Contudo, pela incerteza na sua descoberta, tal busca revelou-se problemática.
Tentaram os juristas solucionar esse impasse a partir da distinção entre “verdade formal”
(construída dentro do processo e que muitas vezes não corresponde aos fatos reais pretéritos) e
“verdade material” (empírica).10 A propósito, é fácil encontrar, ainda hoje, nos manuais a assertiva
de que o processo civil se contenta com a verdade formal, enquanto que o processo penal deve
buscar a verdade material, muito embora tal distinção tenha sido muito contestada a partir de 1915,
sobretudo, por FRANCESCO CARNELUTTI:
6
LEONARDO GRECO, “O conceito de prova”, in: Estudos de Direito Processual, p. 448.
7
Sobre o garantismo processual, fundamental a consulta de LORCA NAVARRETE, “El Derecho Procesal como
sistema de garantias”, in: Boletín Mexicano de Derecho Comparado, Mayo-Agosto de 2003, Número 107, p. 531/557.
8
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Sobre a ‘participação’ do juiz no processo civil”, in: Participação e
Processo, p. 383-4.
9
Cf. TERESA ARRUDA ALVIM, “Reflexões sobre o ônus da prova”, in: Processo Civil: estudo em comemoração aos
20 anos de vigência do Código de Processo Civil, p. 247.
10
Cf. MICHELE TARUFFO, La prova dei fatti giuridici,p. 4 e 37.
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“...agevole osservare come la verità non possa essere che una, onde la verità
formale o giuridica o coincide con la verità materiale, e non è che verità, o ne
diverge, e non è che una non verità”.11
Tal assertiva está ancorada na premissa de que o direito privado cuida de direitos disponíveis
enquanto o direito público de direitos indisponíveis. Afigura-se, no entanto, questionável tal
diferenciação.12 Ademais, a reconstrução dos fatos no processo civil não é menos relevante que no
processo penal, porque as conseqüências daquele processo podem ser até mais graves, 13 como
ocorre com a perda do pátrio poder em comparação com a pena de multa criminal.
Agrava-se o problema ainda mais no campo do chamado direito processual público, ou seja,
aquele ramo do direito processual voltado para a composição de conflitos em que o Estado aparece
como parte em juízo.14
Não se quer negar importância aos litígios envolvendo particulares, tampouco asseverar que
inexiste interesse público na solução dos litígios privados. Deve-se reconhecer, todavia, que a
relação processual que envolve o particular e o Estado como partes é qualitativamente diversa,
porque nela há, normalmente, um desequilíbrio de forças. Tal desequilíbrio é ainda mais acentuado
no Brasil, quer pela presunção de legitimidade dos atos administrativos, quer pelos privilégios
processuais de que goza a Administração Pública.
Lembre-se que inexiste Brasil, ainda, uma lei que trate dos princípios e regras gerais do
contencioso judicial administrativo. Embora existam leis que tratam de alguns procedimentos
judiciais envolvendo a Administração, aplica-se, onde não houver norma especial, o Código de
Processo Civil, que contém poucas regras referentes à relação processual em que estão presentes o
particular e a Administração.
11
No vernáculo: “... fácil observar como a verdade só pode ser uma, de modo que ou a verdade formal ou jurídica
coincide com a verdade material, e não é mais que verdade, ou diverge dela, e não é mais que uma não verdade” (La
prove civile, p. 29).
12
Neste sentido: GABRIEL LACERDA TROIANELLI, “Os Princípios do Processo Administrativo Fiscal”, in:
Processo Administrativo Fiscal, vol. 4, p. 67.
13
EDUARDO CAMBI, Direito Constitucional à prova no processo civil, p. 73.
14
Cf. CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, O Poder Público em Juízo, p. 1; “A emergência do Direito Processual
Público”, in: Direito Processual Público: A Fazenda Pública em Juízo, p. 34 e ss.,
15
Por ex.: JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa (Lições), p. 430-431.
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Por outro lado, um juiz ativo, com poderes para descobrir a verdade a qualquer preço, pode
acabar substituindo o poder das partes na atividade destinada à produção de provas acarretando a
negação do princípio dispositivo,16 o que seria incompatível com o modelo processual garantista.17
Nesta linha, é curioso notar que, no âmbito da jurisdição penal de alguns países, assiste-se à
limitação dos poderes dos juízes para que não seja comprometida a imparcialidade, enquanto na
jurisdição civil ocorre o inverso, apesar de se tratar de direito privado.18
Seja como for, deve ser repudiada a distinção entre verdade formal e verdade material, porque
a verdade material como descrição minuciosa do fato exatamente como aconteceu esbarra na: 1)
impossibilidade jurídica (lei coloca limitações à busca da verdade, como o uso de provas ilícitas e
preclusões); 2) impossibilidade fática (quando o fato está registrado apenas na memória de
testemunhas, o tempo e a contradição das informações podem tornar a tarefa decisória deveras
difícil); 3) irrelevância prática (há fatos que não interessam ao direito (na maioria dos casos, a cor
da roupa, a altura das pessoas etc.); 4) interpretação diversa dos fatos (valorações e descrições
parciais que influenciam a decisão).20
16
Para MARCELO ABELHA RODRIGUES, “A distribuição do ônus da prova no Anteprojeto do Código Brasileiro de
Processos Coletivos”, in: Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, p.
245-246, assevera que, na busca da justiça, o juiz deve estar dotado de poderes instrutórios ilimitados, que lhe permitam
ser um “caçador da verdade”, desde que não contrariem os preceitos éticos.
17
Neste sentido, JUAN MONTERO AROCA, La Prueba en el Proceso Civil, p. 80-1.
18
Idem, p. 82. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “Processo civil e processo penal: mão e contramão?”, in:
Revista de Processo, vol. 94, p. 13 e ss.
19
Cf. CASSIO SCARPINELLA BUENO, “A emergência do Direito Processual Público”, in: Direito Processual
Público: A Fazenda Pública em Juízo, p. 34.
20
Cf. JUAN MONTERO AROCA, Los princípios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil, p. 109 e ss.
Lembra ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, “Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica
e uma possível solução”, in: Revista Dialética de Direito Processual, vol. 31, p. 17: “aquele que está em melhores
condições de provar está, também, em melhores condições de desvirtuar a prova”.
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Assim, tem-se que, para prestar a tutela jurisdicional, o magistrado deve realizar todos os
esforços para buscar a verdade, limitados pelos fatos trazidos pelas partes, e pelas limitações legais
e constitucionais de seus poderes de instrução.22
A verdade que se busca no processo, se é que pode ser assim qualificada, é a “verdade
processual”, a qual forma no julgador a “convicção de certeza”. Se a “verdade processual” – que é
meio para a realização do processo justo – não for encontrada (porque os fatos permanecem
controversos), valerá a decisão de acordo com as regras do ônus da prova (objetivo). Neste caso,
pouco importará que a verdade tenha sido encontrada, porque este é o preço que se paga pelo
processo justo. Ora, o processo judicial deve ser qualificado como justo sempre que ele torne
possível a busca da verdade; e não só quando ele a encontre. Ademais, seria ingênuo, considerando
os limites temporais do processo, que ele constitua instrumento capaz de permitir a determinação da
“verdade absoluta” a respeito dos fatos.
Em primeiro lugar, deve-se afirmar que tais princípios não se excluem mutuamente. A
propósito, se for lançado um olhar no contencioso judicial administrativo alemão, ver-se-á que o
princípio dispositivo coexiste com o princípio inquisitório: “Untersuchungsgrundsatz und
Dispositionsmaxime sind also kein gegensatz – sie ergänzen sich viehlmehr.”25
21
Elementos para uma Teoria Geral do Processo, p. 48.
22
Vejam-se as limitações expostas de forma didática em JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, op.cit., p. 48.
23
No sentido do texto: FRANCISCO MUÑOZ CONDE, Búsqueda de la verdad en el proceso penal, p. 102.
24
EDUARDO CAMBI, Direito Constitucional à prova no processo civil, p. 72.
25
“Princípio inquisitório e princípio dispositivo não são, portanto, opostos, mas complementares” (FRIEDHELM
HUFEN, Verwaltungsprozessrecht, p. 578).
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2) Poder processual de indicar os meios de prova (Das Recht der Partei zur Benennung von
Beweismitteln – VwGO, §82, I; §87b, II, 1 e 3; §128a, I, II),30 embora deva o tribunal de ofício, em
virtude do princípio inquisitório, fazer uso dos meios de prova que entender adequados (VwGO, §
86);
Isto significa que, em razão do princípio dispositivo, podem as partes determinar o início e
fim do processo, bem como chegar a uma composição acerca do objeto litigioso no contencioso
judicial administrativo alemão.31
Poder-se-ia, ainda, acrescentar a este rol, como manifestação do princípio dispositivo, o poder
processual de limitar a matéria fática (alegações) levada a juízo (Verhandlungsgrundsatz ou
Beibringungsgrundsatz).32
26
WOLFF/DECKER, VwGO/VwVfG, p. 295.
27
TETTINGER/WAHRENDORF, Verwaltungsprozessrecht, p. 30-31. Ver item 5.4.
28
Cf. FRIEDHELM HUFEN, Verwaltungsprozessrecht, S. 577; STEFAN KUNTZE in: Johann Bader et alii,
Verwaltungsgerichtordnung, § 86, p. 824; KOPP/SCHENKE, Verwaltungsgerichtordnung: Kommentar, § 86, p. 997.
29
EBERHARD SCHILKEN, Zivilprozessrecht, S. 18. „Wo kein Kläger, da kein Richter“ (onde não há autor, não há
juiz). Lembra WOLF-RÜDIGER SCHENKE, Verwaltungsprozessrecht, p. 23, que há duas exceções, referente ao
procedimento de controle de normas do §47 e nos procedimentos de urgência.
30
Cf. EBERHARD SCHILKEN, Zivilprozessrecht, p. 189 e ss.
31
TETTINGER/WAHRENDORF, Verwaltungsprozessrecht, p. 30. No direito brasileiro, pode a parte autora,
igualmente, desistir da ação proposta (art. 267, VIII, CPC); no entanto, se a desistência for apresentada após a resposta
do réu, terá de obter a sua concordância. Nada impede a autocomposição pelo reconhecimento jurídico do pedido, pela
transação ou pela renúncia à pretensão (art. 269, CPC).
32
Cf. WOLF-RÜDIGER SCHENKE, Verwaltungsprozessrecht, p. 8.
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No entanto, é preciso notar que no direito alemão a grande maioria dos autores opõe o
princípio inquisitório (Inquisitionsmaxime) ou da investigação de ofício dos fatos
(Untersuchungsgrundsatz) ao princípio das alegações deduzidas (Verhandlungsgrundsatz)33 ou
aportação (Beibringungsgrundsatz) dos fatos pelas partes.34 Já o princípio do impulso oficial
(Offizialmaxime) contrapõe-se ao princípio dispositivo (Dispositionsmaxime), o que contrasta com a
terminologia brasileira.
Nesta linha também pode ser inserido o modelo de Justiça Administrativa portuguesa, onde
coexistem o princípio dispositivo referente à condução e extinção do processo, e o princípio
inquisitório relativo à instrução.36
Na Justiça Administrativa italiana criou-se uma figura intermediária aos modelos dispositivo e
inquisitório para se referir ao fenômeno: sistema dispositivo con metodo acquisitivo.37 Isto significa
que, embora haja a vigência do princípio dispositivo, o juiz possui um papel ativo na fase de
instrução, devendo determinar a investigação dos fatos de ofício, mas somente aqueles que tenham
sido apresentados pela parte,38 com um princípio (mínimo) de prova.39
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No Brasil, embora um ou outro autor faça a distinção, o princípio dispositivo é tomado como
gênero, abrangendo: a) o princípio da demanda (arts. 2º, 128, 262 e 460, CPC); b) o poder das
partes de dispor do direito material (arts. 269, II, III e V, CPC); c) o princípio da aportação, que
vincula o juiz aos fatos alegados (art. 128 e 302, CPC);43 d) o princípio da disponibilidade das
provas, que vincula o juiz às afirmações provadas (arts. 282, VI e 300, CPC).44 Nesta linha de
pensamento, HUMBERTO THEODORO JR. diferencia o princípio inquisitivo ou inquisitório do
princípio dispositivo:
41
“1. El Juez o Tribunal podrá acordar de oficio el recibimiento a prueba y disponer la práctica de cuantas estime
pertinentes para la más acertada decisión del asunto. 2. Finalizado el período de prueba, y hasta que el pleito sea
declarado concluso para sentencia, el órgano jurisdiccional podrá también acordar la práctica de cualquier diligencia de
prueba que estimare necesaria. 3. Las partes tendrán intervención en las pruebas que se practiquen al amparo de lo
previsto en los dos apartados anteriores. 4. Si el Juez o Tribunal hiciere uso de su facultad de acordar de oficio la
práctica de una prueba, y las partes carecieran de oportunidad para alegar sobre ello en la vista o en el escrito de
conclusiones, el resultado de la prueba se pondrá de manifiesto a las partes, las cuales podrán, en el plazo de tres días,
alegar cuanto estimen conveniente acerca de su alcance e importancia. 5. El Juez podrá acordar de oficio, previa
audiencia a las partes, o bien a instancia de las mismas la extensión de los efectos de las pruebas periciales a los
procedimientos conexos. A los efectos de la aplicación de las normas sobre costas procesales en relación al coste de
estas pruebas se entenderá que son partes todos los intervinientes en los procesos sobre los cuales se haya acordado la
extensión de sus efectos, prorrateándose su coste entre los obligados en dichos procesos al pago de las costas.”
42
Cf. IGNACIO MARRERO FRANCÉS et alii, “Anális del art. 429, I, II y III LEC”, in: Los Poderes del Juez Civil en
Materia Probatoria, p. 61-62.
43
O art. 128 do Código de Processo Civil cuida não só do princípio da aportação (“questões suscitadas”), mas também
do princípio da adstrição da sentença ao pedido (“limites da lide”).
44
Assim, por exemplo, ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, vol. I, cap. I, item 4.
45
Curso de Direito Processual Civil, vol I, p. 29.
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e cuja prova não tenha sido postulada pelas partes.46 Nesta linha de pensamento situam-se
ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO
RANGEL DINAMARCO, mas advertem que o princípio dispositivo não pode ser confundido com
o princípio da disponibilidade, nestes termos:
Estes dois princípios geram alguma confusão, não só porque os próprios autores atribuem
função similar ao princípio da demanda (“possibilidade de apresentar a pretensão em juízo”), mas,
sobretudo, pela semelhança terminológica.47 Assim, o princípio da disponibilidade – e não o
princípio dispositivo – teria como termo espanhol correspondente princípio dispositivo e o alemão
seria Dispositionsmaxime ou Verfügungsgrundsatz.
Em razão da enorme confusão que seria trocar o conceito do princípio dispositivo em sentido
restrito no direito brasileiro para adequá-lo ao termo similar alemão e espanhol, melhor é tomá-lo
em sentido amplo. Assim, o princípio dispositivo confere às partes, no processo civil brasileiro, o
poder de provocar a atividade judicial (princípio da demanda), alegar ou provar os fatos a elas
pertinentes, bem como dispor do processo (desistência) e do direito material (autocomposição)
como bem entenderem.48
46
Por exemplo: OVÍDIO BATISTA DA SILVA, Curso de Processo Civil, vol. 1, item 3.1 e 3.2. Atualmente, há quem
restrinja ainda mais o princípio dispositivo, com o argumento que a produção não é monopólio das partes. Segundo
LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas Linhas do Processo Civil, p. 102, “Dizia-se antigamente: “judex iudicare,
debet secundum allegata et probata a partibus. Afirma-se hoje: judex iudicare, debet secundum allegata – a partibus”
(grifos nossos). Também defende esta última posição: ANTONIO JANYR DALL´AGNOL JÚNIOR, “Distribuição
Dinâmica dos Ônus Probatórios”, in: Revista Jurídica, vol. 280, p. 21; MARCELO ABELHA RODRIGUES, “A
distribuição do ônus da prova no Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos”, in: Direito Processual
Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 246.
47
JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, §68, b), nota de rodapé 117, p. 103,
faz menção à falta de clareza sobre qual o princípio antinômico da regra dispositiva. JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS
BEDAQUE, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 87, classifica-o de “termo altamente equívoco”.
48
Neste sentido: HUMBERTO THEODORO JR. Curso de Direito Processual Civil, vol I, p. 29; AFRÂNIO SILVA
JARDIM, “O princípio dispositivo e a intervenção do Ministério Público no processo civil moderno”, in: Revista de
Processo, vol. 44, p. 168, distingue o princípio dispositivo material (poder de a parte dispor de seus direitos ou
pretensões materiais) do princípio dispositivo formal (poder de a parte dispor de seus direitos, faculdades, ônus
processuais etc.). Esta classificação já aparecia em: SENTIS MELENDO, La Prueba, p. 19, denominando a
Dispositionsmaxime de princípio dispositivo em sentido substancial e a Verhandlungsmaxime de princípio dispositivo
em sentido processual.
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Não se quer negar que o poder que a parte tem de provocar a instauração do processo
(princípio da demanda) é algo bem diferente do poder que a parte tem de alegar os fatos que ela
pretende provar. O que se quer dizer é que ambos podem ser considerados manifestações do
princípio dispositivo. Note-se que o próprio princípio da demanda, contém, sem prejuízo teórico,
pelo menos dois sub-princípios: a) princípio da inércia – cabe à parte provocar o exercício da
atividade judicial (arts. 2º e 315, CPC); b) princípio da adstrição – a sentença está limitada ao
pedido formulado pelas partes (arts. 128 e 460), subdividindo-se este último, ainda, em b.1)
princípio da congruência e b.2) princípio da correlação.49
49
JOSÉ AUGUSTO GALDINO DA COSTA, Princípios Gerais no Processo Civil, item 2.1.2, p. 47, explica que o
princípio da congruência se refere ao pedido imediato e o princípio da correlação ao pedido mediato.
50
NICETO ALCALÁ-ZAMORA E CASTILLO, “Autoridad y Libertad en el proceso civil”, in: Estudios de Teoria
General e Historia del Proceso (1945-1972), p. 235, assevera que o juiz inerte não resulta do Code de Procédure
napoleônico de 1806 ou falta de regulamentação legislativa, porém, muito mais de uma “abulia profissional”.
51
Em defesa do juiz autoritário, consulte-se: LUIZ MACHADO GUIMARÃES, “A Reforma Processual e a missão do
advogado”, in: O Processo Oral, p. 239 e ss. Note-se que na época o termo autoritário não possuía a conotação negativa
que possui hoje, porque era uma forma de expressão da autoridade. Isto se explica porque muitos defendiam uma
ideologia autoritária. Para estes era o termo liberal que possuía conotação negativa. Para uma visão crítica do juiz
autoritário no contexto do Código de Processo Civil de 1939, consulte-se: MOACYR AMARAL SANTOS, Prova
Judiciária no Cível e Comercial, vol. I, p. 114.
52
Cf. LEONARDO GRECO, “A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de 1.973 ao novo Código Civil”,
in: Direito Processual e Direitos Fundamentais, p. 102 e ss.
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Mas até que ponto pode o juiz levantar provas de ofício sem que haja o comprometimento de
sua imparcialidade e que diferenças podem ser encontradas entre os poderes do juiz no processo
civil e o juiz do contencioso judicial administrativo? Ensina FRANCESCO CARNELUTTI54 existir
uma relação íntima entre a alegação e a prova. Se as partes estão em condições de igualdade e as
afirmações de uma contradizem as da outra, nenhuma pode pretender que sua palavra valha mais
que a palavra da outra. Por isso, a própria parte sabe que tem de provar sua alegação, porque sem
prova esta de nada vale. Daí haver além do ônus de alegar, o ônus de provar. A idéia é que se o juiz
não pode, de ofício, procurar os fatos, também não pode buscar as provas.
53
“A Constituição Federal e o Princípio do Juiz Ativo”, in: Direito Processual e Direitos Fundamentais, p. 102
54
Diritto e processo, p. 264.
55
Cf. NICETO ALCALÁ-ZAMORA E CASTILLO, “Autoridad y Libertad en el proceso civil”, in: Estudios de Teoria
General e Historia del Proceso (1945-1972), p. 236.
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(art. 440).56 E ainda há a regra do art. 130 do Código de Processo Civil que confere carta branca ao
juiz para determinar, de ofício, as provas que entender pertinentes.
Aliás, não são poucas as tentativas – muitas vezes autoritárias – de redução da incidência do
princípio dispositivo no processo civil. Quando BAUMBACH57 propôs em 1938 o
redimensionamento do processo civil pela jurisdição voluntária, com um juiz dotado de poderes
extraordinários, recebeu prontamente a crítica de CALAMANDREI,58 porque isto acarretaria o fim
do processo civil.59
56
No art. 429, 1, da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000 existe importante dispositivo que reflete a limitação
do princípio dispositivo preservando, no entanto, a regra do diálogo processual no momento da audiência de conciliação
do procedimento ordinário, nestes termos: “Si no hubiese acuerdo de las partes para finalizar el litigio ni existiera
conformidad sobre los hechos, la audiencia proseguirá para la proposición y admisión de la prueba. Cuando el tribunal
considere que las pruebas propuestas por las partes pudieran resultar insuficientes para el esclarecimiento de los
hechos controvertidos lo pondrá de manifiesto a las partes indicando el hecho o hechos que, a su juicio, podrían verse
afectados por la insuficiencia probatoria. Al efectuar esta manifestación, el tribunal, ciñéndose a los elementos
probatorios cuya existencia resulte de los autos, podrá señalar también la prueba o pruebas cuya práctica considere
conveniente.
En el caso a que se refiere el párrafo anterior, las partes podrán completar o modificar sus proposiciones de prueba a la
vista de lo manifestado por el tribunal [grifos nossos].
Sobre o tema, consulte-se a seguinte coletânea: XAVIER ABEL LLUCH Y JOAN PICÓ I JUNOY (coord.), Los
Poderes del Juez Civil en Materia Probatoria.
57
“Zivilprozess und freiwillige Gerichtsbarkeit”, in: Zeitschrift der Akademie für Deutsches Recht, 1938, p. 583 e ss.
Registre-se que esta revista pertencia a um instituto nacional-socialista de juristas.
58
“Abolizione del processo civile?”, in: Rivista di Diritto Processuale Civile, 1938, I, p. 336 e ss.
59
Cf. a exposição e crítica à literatura da metade do século XX de NICETO ALCALÁ-ZAMORA E CASTILLO,
“Liberalismo y Autoritarismo en el proceso”, in: Estudios de Teoria General e Historia del Proceso (1945-1972), p.
246 e ss.
60
Los princípios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamiento Civil.
61
Consulte-se, a propósito, a obra coordenada por JUAN MONTERO AROCA, Proceso Civil e Ideología, com os
seguintes artigos: FRANCO CIPRIANI, “El proceso civil italiano entre revisionistas y negacionistas”, in: ob.cit., p. 51
e ss.; GIOVANNI VERDE, “Las ideologías del proceso en un reciente ensayo”, in: ob. cit., p. 67 e ss.; FRANCO
CIPRIANI, “El proceso civil entre viejas ideologías y nuevos eslóganes”, in: ob.cit., p. 81 e ss.; GlROLAMO
MONTELEONE, “Principios e ideologías del proceso civil: Impresiones de un "revisionista", ob.cit., p. 97 e ss.;
JOAN PICÓ I JUNOY, “El derecho procesal entre el garantismo y Ia eficacia: un debate mal planteado”, in: ob.cit., p.
109 e ss.; JUAN MONTERO AROCA, “El proceso civil llamado "social" como instrumento de ‘justicia’ autoritaria”,
in: ob.cit., p. 130 e ss.; GlROLAMO MONTELEONE, “El actual debate sobre Ias ‘orientaciones publicísticas’ del
proceso civil”, in: ob.cit., p. 173 e ss.; ADOLFO ALVARADO VELLOSO, “La imparcialidad judicial y el sistema
inquisitivo de juzgamiento”, in: ob.cit., p. 217 e ss.; JUAN MONTERO AROCA, “Sobre el mito autoritario de Ia buena
fe procesal”, in: ob.cit., p. 294 e ss.; EUGENIA ARIANO DEHO, “En los abismos de Ia «cultura» del proceso
autoritario”, in: ob.cit., p. 357 e ss.; LUÍS CORREIA DE MENDONÇA, “80 anos de autoritarismo: uma leitura
política do processo civil português”, in: ob.cit., p. 381 e ss. Há boa síntese da polémica em: LEONARDO GRECO.
“Publicismo e privatismo no processo civil”, in: Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, outubro de
2008, n. 164.
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do juiz é capaz de sanar, ou ao menos aliviar, os males de que padece o processo hodierno.62 Os
garantistas (e não neoprivatistas), longe de repudiarem a garantia da efetividade, concebem o
processo como instrumento construído não no interesse do juiz, mas dos cidadãos que dele fazem
uso.
Assim, as outras garantias não podem ser esquecidas e a perspectiva dos consumidores de
justiça deve ser priorizada, e no caso específico do contencioso judicial administrativo, a proteção
do cidadão, e não somente a defesa da ordem jurídica.63 Na verdade, parece que os publicistas estão
entrando na máquina do tempo para voltar à época do Código de Processo Civil de 1939, que
consignava em sua Exposição de Motivos, a preferência expressa pela concepção publicista:
62
Entre nós, os maiores representantes desta corrente – que é a majoritária no Brasil – são: CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO, A Instrumentalidade do processo, cap. I, item 5; JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “El
neoprivatismo en el proceso civil”, in: Proceso Civil e Ideología, p. 199 e ss.
63
Neste sentido, este estudo afasta-se de uma das teses da concepção publicista de que entre os escopos políticos do
processo está a missão de assegurar a autoridade do próprio Estado e do seu ordenamento, bem como dispensar a
“tradicional postura romântica consistente em referir todo o direito ao indivíduo (persona) e pensar no homem como
sujeito de direitos” (CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, A Instrumentalidade do processo, cap. VI, p. 169 e 174).
64
LUIZ MACHADO GUIMARÃES, “A Reforma Processual e a missão do advogado”, in: O Processo Oral, p. 242.
Este texto de, marca autoritária, deve ser lido no contexto de sua época, em que grandes nomes do pensamento
brasileiro rendiam homenagem às doutrinas de subordinação do indivíduo aos interesses do Estado.
65
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 68.
66
Ibidem, p. 69.
67
Ibidem. Também LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas Linhas do Processo Civil, item 2.4.3.3, p. 39, quando
invoca MORTARA na defesa da ordem objetiva; Idem, Teoria Geral do Processo: “Quando a caracterização do
processo se importava apenas com a iniciativa dos particulares, e não com a função do juiz, era natural que se
concebesse o processo como mero ‘negócio das partes’, e não como um lugar em que o Estado exprime a sua
autoridade”, mas logo a frente, aparentemente, revê sua posição ao caracterizar a jurisdição como dever estatal de
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Sem embargo, é preciso observar que dentro dos rótulos garantistas e publicistas podem-se
encontrar posicionamentos radicais e moderados, não sendo estranho que soluções para problemas
judiciais sejam convergentes entre as posturas moderadas. A perspectiva aqui perfilhada é a do
garantismo moderado. Nesta linha, define-se o garantismo processual como o modelo normativo
(dever ser) imposto à função judicante do Estado para assegurar os direitos processuais dos
cidadãos, como o devido processo legal e a paridade de armas, exigindo-se, ao mesmo tempo, dos
juristas o espírito crítico e a incerteza permanente sobre a validade das leis vigentes quando
confrontadas com as garantias processuais inscritas na Constituição.71
O “juiz ativo”, de marca publicista, deve, na verdade, ser substituído pelo “juiz garante”,72
que dialoga com as partes.
Gize-se: o reforço exagerado dos poderes do juiz pode levar a grandiosos desastres, como os
das últimas reformas processuais, que estabeleceram a declaração da prescrição, de ofício, referente
a direitos disponíveis (art. 219, §5º, CPC);73 declaração, de ofício, de incompetência relativa (art.
112, parágrafo único, CPC); e outras inovações que desconsideram por completo o interesse da
parte. A melhor doutrina tem, no entanto, buscado suprir o défice garantista destas novas
disposições, aplicando a garantia do contraditório.74 A análise cuidadosa de HUMBERTO
THEODORO JR. merece destaque:
proteger os direitos, acrescentando que “o juiz, muito mais do que simplesmente aplicar a lei, tem o dever de
compreendê-la a partir dos direitos fundamentais.
68
JOÃO BATISTA LOPES, A prova no Direito Processual Civil, p. 48.
69
“Vírus autoritário e processo civil”, in: Julgar, n. 1, p. 72.
70
Veja-se, a propósito, JOSÉ IGNACIO BOTELHO DE MESQUITA, Teses, estudos e Pareceres de Processo Civil, p.
270 e 311-312, especialmente no tópico “visão privatística versus visão publicística do processo, uma meia verdade”.
71
Cf. FERRAJOLI, Teoria do Garantismo Penal, p. 684-5; FERNANDO GAMA DE MIRANDA NETTO, “Juizados
Especiais Cíveis entre autoritarismo e garantismo”, in: Revista de Processo, n. 165, p. 185 e ss.
72
A expressão é de LUIS CORREIA DE MENDONÇA, “Vírus autoritário e processo civil”, in: Julgar, n. 1, p. 67 e ss.
73
Vejam-se as críticas de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, “Reconhecimento de ofício da prescrição: uma reforma
descabeçada e inócua”, in: A Nova Reforma Processual, p. 1/14.
74
Cf. CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, obra em três
volumes.
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A regra do diálogo exige do magistrado uma postura que respeite as garantias das partes.
Regra de ouro é que o juiz não deve decidir sem permitir a prévia manifestação das partes. É a
maior homenagem que se pode fazer ao princípio do contraditório. Com razão apontou
LEONARDO GRECO76 a hipocrisia do art. 36, III da Lei Complementar n.º 35/79 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional), que veda ao juiz “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião
sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. Assim, ensina o autor:
Realmente, a ciência processual moderna afastou o dogma irracional de que o juiz que revela
o que pensa viola o dever de imparcialidade.78 Cumpre agora investigar em que medida a
disponibilidade do direito interfere nos poderes do “juiz garante” na busca da verdade.
75
As Novas Reformas do Código de Processo Civil, p. 63.
76
“Garantias Fundamentais do Processo: o processo justo”, in: Revista Jurídica, março de 2003, vol. 305, p. 67.
77
Ibidem.
78
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. item 88, p. 223-224.
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Mas tal regra não legitima a conclusão sedutora em doutrina de que no processo penal incide
o princípio inquisitório, enquanto no processo civil vige o princípio dispositivo.81
PIERO CALAMANDREI arremata dizendo que “el hecho de que el Estado se halle
interesado directamente en la relación sustancial sometida a decisión, o de que en absoluto figure
como parte en el proceso, no lleva consigo con consecuencia necesaria la transformación del
proceso de dispositivo en inquisitorio.”83
Por meio do princípio dispositivo, pretende-se, que a imparcialidade do juiz seja preservada.
Diz-se, no entanto, que, no processo civil brasileiro, o princípio dispositivo é mitigado, porque
permite que o juiz realize atividades instrutórias ex officio, de acordo com o art. 130 do Código de
Processo Civil.84
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA confere máxima aplicação ao citado artigo, nestes
termos:
79
PIERO CALAMANDREI, “Líneas fundamentales del proceso civil inquisitorio”, in: Estúdios sobre el proceso civil,
p. 231.
80
“A ideologia no processo civil”, in: Revista da AJURIS, vol. 23, p. 21.
81
No sentido do texto: PIERO CALAMANDREI, “Líneas fundamentales del proceso civil inquisitorio”, in: Estúdios
sobre el proceso civil, p. 232. O autor lembra que o princípio inquisitório exige que o juiz, ainda que tenha diante de si
duas partes, busque a verdade independentemente da provocação daquelas. Tal princípio não se confunde com a forma
inquisitória (juiz também é o autor da ação) em oposição à forma acusatória. Assim, embora tenhamos a vigência da
forma acusatória no processo penal, há incidência do princípio inquisitório (idem, p. 251).
82
Veja-se, a propósito, com visão crítica do instituto: GERALDO PRADO, Elementos para uma Análise Crítica da
Transação Penal.
83
“Líneas fundamentales del proceso civil inquisitorio”, in: Estúdios sobre el proceso civil, p. 236.
84
LUCIANA AMIUCCI CAMPANELLI, Poderes Instrutórios do juiz e a isonomia processual, p. 66-67.
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Parece que nos conflitos entre particulares, toda manifestação do princípio inquisitivo deve
estar prevista em lei, porque a regra é o princípio dispositivo, expressão da liberdade; ao revés, o
princípio inquisitório terá incidência quando estiver em jogo algum direito indisponível. Embora a
regra do art. 130, já citada, confira, aparentemente, amplos poderes de investigação ao magistrado,
parece que o sistema recomenda que a norma tenha uma interpretação diferenciada, quer se trate de
direitos disponíveis, quer se trate de direitos indisponíveis, de acordo com a lição de CELSO
AGRÍCOLA BARBI:
85
O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 56. Neste sentido: JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Poderes
Instrutórios do Juiz, p. 134.
86
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 5.
87
Neste sentido: MOACYR AMARAL SANTOS, Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol. I, p. 465-467.
LEONARDO GRECO, “A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de 1.973 ao novo Código Civil”, in:
Direito Processual e Direitos Fundamentais, item 5; e também ENRICO TULLIO LIEBMAN, “Fondamento del
principio dispositivo”, in: Problemi del processo civile, Milano: Morano, 1962, p. 15-17, embora rejeite o critério da
(in)disponibilidade do direito para fins de atribuição de poderes de instrução ao magistrado; Contra, afirmando que a
imparcialidade não é atingida: JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 106-114;
LUIZ GUILHERME MARINONI, Novas Linhas do Processo Civil, p. 102; Teoria Geral do Processo, p. 414-415.
Estes autores entendem que a produção de provas não é monopólio das partes e que o princípio dispositivo não possui
qualquer ligação com a instrução da causa. Uma terceira solução é apresentada por AFRÂNIO SILVA JARDIM, “O
princípio dispositivo e a intervenção do Ministério Público no processo civil moderno”, in: Revista de Processo, vol.
44, p. 167 e ss., entendendo, a partir de uma concepção publicista, que para que a imparcialidade do juiz seja preservada
e compatibilizada com a busca da verdade, imprescindível será a entrega de poderes investigatórios ao Ministério
Público, devendo este intervir em todas as causas.
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juizados especiais, quando a parte comparece sem advogado. LEONARDO GRECO sintetiza a
melhor doutrina, nestes termos:
Assim, duas situações devem ser observadas para a aplicação do princípio inquisitório: a)
indisponibilidade do direito material; b) situação de desigualdade entre as partes. Esses casos
autorizam a incidência plena do referido princípio no que tange os poderes probatórios do
magistrado, sendo irrelevante a regra contida no art. 282, VI do Código de Processo Civil, que
prescreve como requisito da petição inicial a indicação das provas com as quais o autor pretende
demonstrar a verdade dos fatos alegados.
Vale dizer que, uma vez alegados os fatos, o juízo deve investigá-los de ofício, não podendo
rejeitar de plano a petição inicial insuficientemente instruída. Não poderá, no entanto, ir o
magistrado além dos fatos deduzidos.
Nos sistemas liberais, o juiz não pode condenar a Administração ou o particular por fatos
diversos daqueles que foram levados em juízo. Curioso notar que os países que aboliram o princípio
da disponibilidade das provas mantenham, em contrapartida, o princípio da disponibilidade da parte
em tema de alegações. A razão, segundo MAURO CAPPELLETTI,90 é que tais princípios operam
em planos radicalmente diversos: enquanto o primeiro expressa uma concepção publicista do
fenômeno processual, o segundo cuida de uma concepção muito mais radical, qual seja, a
desprivatização do direito material.
Assim, é de reconhecer que o juiz do contencioso judicial administrativo deve ter uma postura
diferente do juiz do processo civil, porque enquanto este decide, em regra, sobre direitos
disponíveis entre partes iguais; no contencioso judicial administrativo a desigualdade das partes e a
88
“O conceito de prova”, in: Estudos de Direito Processual, p. 465-466.
89
A Instrumentalidade do processo, p. 135.
90
“Iniciativas probatorias del juez y bases prejuridicas de la estructura del proceso”, in: La oralidad e las pruebas em el
proceso civil, p. 122.
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indisponibilidade do direito material constituem a regra. O cidadão, que deduz em juízo uma
situação jurídica perante uma Administração Pública forte, detentora de prerrogativas materiais e
processuais, deve fazer jus a uma tutela judicial efetiva, não podendo o juiz permitir qualquer
afronta à isonomia processual.
O mesmo autor ensina que da posição privilegiada que a Administração goza em relação aos
particulares, decorre: 1) a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos; 2)
prazos especiais de prescrição; 3) o benefício de prazos maiores em processo judicial; 4) a
transferência ao particular do ônus da prova nas situações em que o Poder Público é réu.93
Na mesma linha, encontra-se JOSÉ CARVALHO DOS SANTOS FILHO, sustentando que,
havendo conflito entre o interesse público e o interesse privado, deverá o interesse público
prevalecer, porque pelo primado do interesse público, “o indivíduo tem que ser visto como
integrante da sociedade.”94
MARIA SYLVIA DI PIETRO deixa escapar que esses atributos do ato administrativo, assim
como todas as outras prerrogativas do Estado, “são inerentes à idéia de poder como um dos
91
PAULO RICARDO SCHIER, “Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico
dos direitos fundamentais”, in: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o princípio da
supremacia do interesse público, p. 218.
92
Curso de Direito Administrativo, p. 381.
93
Idem, p. 60-61. Veja-se o nosso trabalho: Ônus da Prova no Direito Processual Público, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009.
94
Manual de Direito Administrativo, p. 20-21.
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elementos integrantes do conceito de Estado, e sem o qual este não assumiria a sua posição de
supremacia sobre o particular”.95
Os efeitos da adoção de tal princípio são desastrosos para a promoção dos direitos
fundamentais. Nesta linha, explica PAULO RICARDO SCHIER:
95
Direito Administrativo, p. 191.
96
“Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais”, in:
Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, p. 218-
219.
97
Curso de Direito Administrativo, p. 87.
98
Cf. KARL-PETER SOMMERMANN, “La Justicia Administrativa Alemana”, p. 38.
99
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, cap. III, Segunda Parte, p. 134.
100
“Princípios informativos do contencioso administrativo tributário federal”, in: Revista Forense, vol. 271, p. 5.
101
“A proteção da boa-fé no Direito Administrativo”, in: Revista dos Tribunais, vol. 688, p. 268.
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Felizmente, há uma renovação na doutrina pátria, que aponta para a substituição do princípio
da supremacia do interesse público sobre o particular pelo primado dos direitos fundamentais.102
Com um tom provocativo, PAULO RICARDO SCHIER tece a seguinte observação:
Com efeito, o autor extrai a ilação de que no conflito entre interesses público e privado:
102
Assim, por exemplo, DEMIAN GUEDES, “A Presunção De Veracidade Dos Atos Da Administração Pública e o
Processo Administrativo: O Dever De Fiscalizar Provando”, in: Interesse Público, vol. 35, p. 99 e 122.
103
“Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais”, in:
Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, p. 233.
104
“Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico dos direitos fundamentais”, in:
Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, p. 234.
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Parece que uma supremacia absoluta do interesse público deve ser vista com alguma cautela.
Basta pensar na hipótese de haver risco de deslizamentos em estrada que se situa entre dois morros,
utilizada por alguns particulares para chegarem até a sua residência. Impedir a modificação do meio
ambiente sob o argumento do interesse público em detrimento da segurança dos cidadãos afigurar-
se-ia autoritário.
Seja como for, fato é que a principiologia de direito público acaba influenciando o modelo de
justiça. O século XIX, a partir da codificação napoleônica, parece ter sido a época do culto à lei, na
qual o Poder Legislativo ocupava lugar de destaque. O século XX foi marcado pelo Poder
Executivo, com o modelo de Estado-Providência (Welfare State) de índole paternalista, que em
nome do interesse público sabia o que era melhor para o seu súdito. Com a crise deste modelo, tudo
leva a crer que o século XXI seja o do Poder Judiciário, mas não para cumprir as promessas
paternalistas do Estado-Providência na figura do juiz-hércules ou do juiz super-homem, mas para
assegurar o primado dos direitos fundamentais. Aí sim estar-se-á muito próximo do “século dos
cidadãos”. Ensina LEONARDO GRECO, a propósito:
105
O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, p. 28.
106
Processo Administrativo Federal, p. 58.
143
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O exemplo alemão, da tutela dos direitos subjetivos, que inspira não só Portugal,109 mas
diversos outros países do bloco europeu, constitui hoje o paradigma vigente,110 e coloca em cheque
o culto da autoridade e da legalidade objetiva do movimento publicista.
Não se pense, porém, que toda esta perspectiva garantista se realiza ao arrepio da lei.
Tampouco se sustenta aqui o fetichismo da lei. O que se propõe é que os limites e a a leitura da lei
sejam feitos pelo primado dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Poderá o
Estado, assim, realizar os seus verdadeiros fins, que são a promoção e tutela dos direitos
fundamentais do cidadão. Por isso, diz-se que em primeiro plano está o cidadão, os seus direitos
fundamentais constitucionalmente assegurados, e só depois a lei, a ordem jurídica e até os limites
orçamentários que não podem sobrepor-se, por exemplo, à tutela da vida.111 O Estado não pode
deixar de salvar seus cidadãos, portadores de grave enfermidade, com o argumento da “reserva do
possível”, devendo a alegada dificuldade financeira não só ser provada pelo ente público, mas
também deve este demonstrar que o orçamento não pode, concretamente, destinar verbas de outras
áreas menos importantes.
107
“A prova no processo civil: do Código de Processo Civil de 1.973 ao novo Código Civil”, in: Direito Processual e
Direitos Fundamentais, item 5.
108
Ventos de Mudança no Contencioso Administrativo, p. 80.
109
Nas palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes Linhas da Reforma
do Contencioso Administrativo, p. 6: “salta-se do tradicional modelo francês de contencioso administrativo para um
modelo mais próximo do modelo alemão de jurisdição administrativa.”
110
EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA, “La crisis del contencioso-administrativo francés: el fin de un paradigma”,
in: Revista de Direito Púbico, vol. 91, passim.
111
MARIA CRISTINA BARROS GUTIÉRREZ SLAIBI, “Direito Fundamental à Saúde – Tutela de Urgência”, in:
Doutrina, vol. 14, p. 45, lembra que o argumento de que o Estado não pode realizar despesas sem previsões
orçamentárias é verdadeiro no que toca o orçamento fiscal, mas não no que concerne ao orçamento da seguridade
social, nos termos dos arts. 165, §5º, III; 196 e 197 da Constituição brasileira de 1988.
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Não se defende aqui a vitória do cidadão no processo a qualquer preço, porque isto seria cair
no extremo oposto. O processo justo deve sê-lo para o particular e também para a Administração.112
Nessa ordem de idéias, LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES defende um contencioso judicial
administrativo que assegure não só as garantias do cidadão, mas também as garantias da
Administração, nestes termos:
Com efeito, o autor argumenta haver equívoco em considerar-se que de um lado da relação
está sempre uma Administração forte, um centro de poder, e, de outro, um sujeito débil merecedor
de tutela – o que caracteriza um “hipergarantismo ingênuo”.114
A ciência moderna deve romper com a separação entre episteme (saber teórico) e téchne
(saber aplicado), de forma a integrar o discurso científico à técnica, sob pena de manutenção do
status quo e inviabilização do progresso científico.
8. Conclusões
112
SCHMIDT-AβMANN, in: Maunz/Dürig, Grundgesetz, Art. 19 Abs. 4 Rdnr. 31, p. 33.
113
Para um Direito Administrativo de garantia do cidadão e da Administração, p. 72.
114
LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, Para um Direito Administrativo de garantia do cidadão e da Administração,
p. 74-75.
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Nos conflitos entre particulares, toda manifestação do princípio inquisitivo deve estar prevista
em lei, porque a regra é o princípio dispositivo, expressão da liberdade; ao revés, o princípio
inquisitório terá incidência quando estiver em jogo algum direito indisponível. Embora a regra do
art. 130 do Código de Processo Civil confira, aparentemente, amplos poderes de investigação ao
magistrado, parece que o sistema recomenda que a norma tenha uma interpretação diferenciada,
quer se trate de direitos disponíveis, quer se trate de direitos indisponíveis. Nas causas sobre direitos
disponíveis a iniciativa probatória do juiz deve ter sempre caráter subsidiário para suprir as
deficiências das partes em caráter assistencial, justamente para não correr o risco de comprometer a
sua imparcialidade.
Deve ser repudiada a distinção entre verdade formal e verdade material, em especial para
diferenciar o processo civil do processo penal. A verdade que se busca no processo, se é que pode
ser assim qualificada, é a “verdade processual”, a qual forma no julgador a “convicção de certeza”.
Se a “verdade processual” – que é meio para a realização do processo justo – não for encontrada
(porque os fatos permanecem controversos), valerá a decisão de acordo com as regras do ônus da
prova (objetivo). Neste caso, pouco importará que a verdade tenha sido encontrada, porque este é o
preço que se paga pelo processo justo. Ora, o processo judicial deve ser qualificado como justo
sempre que ele torne possível a busca da verdade; e não só quando ele a encontre.
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1. Introdução
Uma ação coletiva, por definição, envolve a tutela de interesses compartilhados por outras
pessoas, que não atuam formalmente no processo1. Em qualquer ação dessa natureza, a pretensão
deduzida estará vinculada a uma coletividade, categoria, classe ou grupo, bem como a indivíduos,
não pertencendo o bem tutelado, com exclusividade, às partes formais do processo. Diferencia-se o
instituto em questão do litisconsórcio, na medida em que tal fenômeno seria incapaz de tutelar de
forma minimamente eficiente e adequada os interesses de milhares ou até mesmo de milhões de
pessoas em um único processo, sem comprometer seu bom andamento e sua razoável duração.
Como se pode constatar, qualquer ação coletiva pressupõe necessariamente que pessoas que
não tenham participado formalmente do processo sejam de alguma forma vinculadas ao seu
resultado, ainda que não na mesma extensão que seria verificada em um processo individual
eventualmente ajuizado.
1
Segundo MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, Ações coletivas no direito nacional e comparado, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 26, a noção de legitimidade extraordinária (que se caracteriza pela falta de coincidência
entre as partes da relação jurídica processual e as partes da relação jurídica de direito material defendida em juízo) seria
essencial à definição de uma ação coletiva.
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No direito brasileiro, por exemplo, a extensão dos efeitos da coisa julgada às esferas jurídicas
individuais ocorre in utilibus, somente para favorecer a coletividade, nos termos do art. 103 do
Código de Defesa do Consumidor, ressalvado apenas o caso de intervenção na ação coletiva em
defesa de direitos individuais homogêneos, na forma prevista no art. 94 do aludido código. Isso não
significa, porém, que não haja prejuízo ao grupo em caso de improcedência porque, pelo menos
quanto aos direitos e interesses difusos e coletivos stricto sensu, a repropositura de uma demanda
coletiva somente seria possível na hipótese de improcedência anterior por insuficiência probatória,
exigindo-se ainda a apresentação de nova prova para sua admissão.
Como se sabe, o devido processo legal em sua concepção tradicional exige, entre outras
condições, que os litigantes tenham a oportunidade de tomar ciência dos atos processuais e que
possam apresentar suas razões para influenciar o convencimento do juiz. Em outras palavras, para
que alguém esteja vinculado a um julgamento, é preciso que tenha participado como parte formal do
processo e que haja sido comunicado de sua existência, normalmente pela citação. Em uma ação
coletiva, no entanto, não se pode conceber o devido processo legal em sua acepção clássica, dada a
inviabilidade prática de que todos os membros do grupo atuem formalmente no processo.
O Direito Processual Coletivo ou o microssistema das ações coletivas – enfim, qualquer que
seja a denominação utilizada – possui seus próprios princípios e institutos jurídicos. Ele se encontra
submetido aos princípios e garantias de origem constitucional que, contudo, devem ser adaptados à
realidade do processo coletivo. Nesse sentido, não se deve interpretar o devido processo legal como
um obstáculo para as ações coletivas. Ao contrário do que ocorre no processo individual, o devido
processo legal coletivo2 não impõe a citação ou mesmo a participação formal de todos os
interessados, mas sim que seus interesses sejam representados de forma adequada.
2
O termo pode ser encontrado, por exemplo, em MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada
– Teoria geral das ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 269.
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Entretanto, um projeto substitutivo resultante dos trabalhos dos promotores de justiça Antônio
Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior foi assumido pelo Ministério
Público de São Paulo e pela Confederação Nacional do Ministério Público, sendo então
encaminhado ao Ministério da Justiça. A proposta do Ministério Público teve tramitação legislativa
mais célere e acabou sendo transformada, com algumas modificações e vetos, na atual Lei de Ação
Civil Pública3. O substitutivo do Ministério Público preferiu adotar a fórmula da legitimação ope
legis, sem referência expressa ao controle judicial da representatividade adequada.
Na ausência de previsão expressa em lei, a doutrina mais tradicional sustenta que não se
admite no Brasil o controle judicial de adequação do representante nas ações coletivas5. Com a
devida vênia aos seus defensores, porém, esse entendimento não pode ser acolhido. Caso não se
permitisse este controle judicial, quaisquer que fossem as circunstâncias do caso concreto, ainda
que se evidenciasse a incompetência, má-fé, mediocridade ou mesmo fraude cometida pelo
representante, o juiz estaria obrigado a aceitar passivamente a situação e dar prosseguimento ao
processo, como se nada de errado estivesse acontecendo bem diante de seus olhos.
Evidentemente, estes doutrinadores têm seus próprios argumentos para afastar o controle
judicial de adequação. Além de a própria lei estabelecer um rol de legitimados que se presumem
adequados iuris et de iure, sustenta-se ainda que a coisa julgada nas ações coletivas brasileiras
destina-se unicamente a beneficiar o grupo. Por outro lado, o direito brasileiro conta com a
3
Vide, sobre a tramitação da Lei de Ação Civil Pública, entre outros, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações
coletivas.... Op. Cit., p. 194/195.
4
Nesse sentido, é sintomática a posição de Richard Cappalli e Claudio Consolo, para quem o juiz italiano e
provavelmente os juízes de todos os outros países da Europa continental seriam incapazes de exercer as mesmas
funções de um juiz norte-americano, incluindo o controle da representatividade adequada em uma ação coletiva. Ao que
parece, a lei brasileira seguiu raciocínio muito semelhante. Vide CAPPALLI, Richard; CONSOLO, Claudio. Class
actions for continental Europe? A preliminary inquiry, Temple International & Comparative Law Journal, v. 6, 1992, p.
291.
5
Vide DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 201/202 (“Dessa forma, entre
nós não existe um verdadeiro requisito da representatividade adequada para que os legitimados possam ajuizar uma
ação civil pública...”); NERY JR., Nélson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis civis comentadas. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 247, nota 9 (sustentando que o juiz está proibido de avaliar a adequação do representante).. É
conhecida ainda a antiga posição de Ada Pellegrini Grinover no mesmo sentido. Nada obstante, a ilustre processualista
mudou seu entendimento em suas obras mais recentes, como se examinará a seguir. Também contrário ao exame
judicial de adequação, de forma ainda mais radical, ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do Direito
Processual Coletivo Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 113/116 (asseverando que o controle judicial não
poderia ser incorporado no ordenamento jurídico pátrio nem mesmo mediante lei expressa nesse sentido, porque seria
inconstitucional).
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participação do Ministério Público em todas as lides coletivas propostas pelos outros legitimados,
na qualidade de “fiscal da lei”. Como o promotor estaria, em regra, em melhores condições de
avaliar a situação como um todo, não faria sentido permitir o controle judicial de adequação do
representante.
No entanto, os argumentos não convencem. Com relação à coisa julgada, deve-se ter em
mente que o direito brasileiro não incorporou a sistemática secumdum eventum litis em toda a sua
extensão. A coisa julgada coletiva no Brasil opera diferentemente nos planos coletivo e individual.
Na esfera coletiva, em princípio, ela vinculará a todos os co-legitimados, independentemente do
resultado do processo (pro et contra), impedindo que sejam propostas novas ações coletivas. A
única exceção se verifica quando o pedido for julgado improcedente por falta de provas nas
demandas em defesa de direitos difusos e coletivos stricto sensu, hipótese em que não haverá
formação de coisa julgada material (secundum eventum probationem)6. No plano individual é que a
coisa julgada somente será eficaz para beneficiar o grupo, conforme previsto no art. 103, parágrafos
1º e 2º do Código de Defesa Consumidor. Assim, existe o risco de comprometimento dos interesses
coletivos pela atuação de um representante inadequado. Caso a ação não seja julgada improcedente
por falta de provas, a possibilidade de ajuizamento de uma nova demanda coletiva restará
irremediavelmente prejudicada7.
A prática demonstra que a presunção absoluta de adequação dos representantes arrolados pelo
legislador pode não passar de simples ilusão8. Problemas graves têm sido observados pelo manejo
6
Para as ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos, segundo entendimento dominante, haverá
formação da coisa julgada no plano coletivo independentemente do resultado da demanda, ainda que a ação tenha sido
julgada improcedente por deficiência de instrução probatória. Nesse sentido, entre outros, vide GIDI, Antonio. Coisa
julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 139/140; LENZA, Pedro. Teoria geral da
ação civil pública. 2 ed. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 264/266 e VENTURI, Elton. Processo
civil coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 392.
7
Vide, nesse sentido, o trabalho de GIDI, Antonio. A representação adequada nas ações coletivas brasileiras: uma
proposta, Revista de Processo, n. 108, 2002, p. 63.
8
Vide VENTURI, Elton. Processo civil coletivo... Op. Cit., p. 220.
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Da mesma forma, acompanhamos em nossa experiência profissional uma ação civil pública
proposta por um ente estatal, declarando-se o demandante representante do interesse dos
consumidores cujos prejuízos foram formalmente imputados a dois réus. Os argumentos lançados
na petição inicial, entretanto, foram destinados quase que na sua totalidade contra somente um dos
demandados. A conduta do segundo réu foi mencionada de forma superficial, apenas que não se
alegasse sua ilegitimidade passiva. Posteriormente, verificou-se que o Poder Público havia falhado
na sua obrigação de fiscalizar a atividade econômica exercida pelo segundo demandado,
contribuindo para a ocorrência dos danos relatados na petição inicial. Dadas as circunstâncias do
caso, não se poderia descartar a hipótese de que o ente estatal não estivesse litigando em benefício
dos consumidores, mas sim na defesa dos seus interesses patrimoniais, antecipando-se a uma
eventual ação civil pública que poderia ser proposta pelos demais co-legitimados, em que
fatalmente seria descoberta a falha de fiscalização estatal.
Por todos esses motivos, alguns autores brasileiros começaram a defender de forma acertada
que, muito embora o sistema brasileiro não contemple expressamente o controle judicial da
adequação do representante, tal providência não apenas é possível, como aconselhável11. O acerto
dessa posição é inequívoco.
A experiência do direito norte-americano é muito importante neste aspecto, porque ela mostra
que não basta uma representação formal. É necessário, por definição, que ela seja adequada. Um
representante inadequado é um não-representante, visto que não estará agindo de acordo com os
interesses da coletividade, mas segundo a vontade de terceiros ou mesmo na proteção egoística de
seus próprios interesses individuais, como na hipótese do ente estatal que falhou no seu dever de
9
Vide GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas questões sobre a legitimação e a coisa julgada nas ações coletivas. In: O
processo – estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 213. Vide, ainda, VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Alguns
aspectos sobre a ineficácia do procedimento especial destinado aos interesses individuais homogêneos. In: MILARÉ,
Édis (Coord.). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 327
(aludindo à hipocrisia do legislador neste aspecto e aos riscos de se criar uma cultura cartorária de legitimação das
associações).
10
Vide GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas questões sobre a legitimação... Op. Cit., p. 213 (aludindo ao caso do pedido
de reserva da cota de 50% das vagas do exame de acesso à universidade aos egressos do ensino público, em prejuízo
direito aos interesses dos candidatos oriundos de escolas particulares)
11
Sobre o tema, GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas questões sobre a legitimidade... Op. Cit., p. 212/215;
WATANABE, Kazuo. Disposições gerais (arts. 81 a 90). In: GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 9 ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p. 844/846; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Alguns aspectos sobre a ineficácia...Op. Cit., p.
325/327; LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 205; DIDIER JR., Fredie. O controle jurisdicional da legitimação coletiva e as
ações coletivas passivas. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Processo civil coletivo. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 96/99 e GOMES JR., Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2 ed. rev. e amp.
São Paulo: SRS, 2008, p. 143/145.
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fiscalização e se utilizou da ação coletiva para acobertar a sua negligência. Os integrantes do grupo
não devem ser vinculados aos atos de um representante inadequado que não elegeram ou sequer
aprovaram. A falta de adequação do representante acarreta a ausência da própria representação e,
portanto, também a inexistência de qualquer fundamento jurídico-constitucional capaz de justificar
a vinculação do grupo à luz do devido processo legal, tanto no direito brasileiro como no modelo
norte-americano.
Uma das maiores dificuldades, a partir do momento em que se admite o controle judicial da
adequação do representante no direito brasileiro, consiste em estabelecer o alcance e extensão do
instituto. Em outras palavras, na ausência de previsão expressa na lei, quais os critérios a serem
seguidos pelo juiz no caso concreto?
Não se ignora que já foram apresentadas algumas propostas para a disciplina do controle
judicial da representatividade adequada no direito brasileiro. No Anteprojeto elaborado no âmbito
da pós-graduação stricto sensu da USP, sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover, o art. 20
relacionou os seguintes critérios para que o juiz pudesse aferir a adequação do representante: a)
credibilidade, capacidade e experiência; b) seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos
interesses coletivos; c) sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado. O
Anteprojeto elaborado no âmbito da pós-graduação stricto sensu da UERJ/UNESA, por sua vez,
elencou em seu art. 8º, § 1º todos os critérios do Anteprojeto da USP e mais os seguintes: d) a
coincidência entre os interesses do legitimado e o objeto da demanda coletiva; e) o tempo de
instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa física.
Nada obstante, nenhuma dessas propostas foi contemplada no Projeto de Lei nº 5.139/09, que
se encontra em tramitação no Congresso Nacional e tem por finalidade dar nova disciplina à ação
civil pública. Sua eventual aprovação não acarretaria maior repercussão para o controle judicial da
representatividade adequada, que deve continuar a ser admitido mesmo na falta de previsão legal
expressa, visto que decorre diretamente do devido processo legal coletivo. Persiste, entretanto, a
12
Vide GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas questões sobre a legitimação... Op. Cit., p. 213/214 (afirmando que as duas
hipóteses constituem seguros indícios da admissibilidade do controle judicial da adequação)
13
A propósito, José Carlos Barbosa Moreira já defendia, em 1981, que a lei conferisse legitimação coletiva em termos
flexíveis, reservando ao juiz uma margem razoável de liberdade no exame de cada caso concreto. Vide BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da efetividade do processo. Temas de direito processual (Terceira
Série). São Paulo: Saraiva, 1984, p. 36.
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Em razão disso, como ponto de partida para estabelecer critérios mais seguros de controle
judicial da adequação do representante no direito brasileiro, torna-se necessário apresentar um
estudo a respeito da experiência norte-americana sobre a matéria, que já se encontra razoavelmente
consolidada naquele país. É preciso levar em consideração, porém, uma circunstância muito
importante: nos Estados Unidos, pessoas físicas podem ingressar com ações coletivas, de modo que
muitos dos critérios desenvolvidos pelos tribunais naquele país não podem ser aplicados ao direito
brasileiro de forma literal, sem que se façam as devidas adaptações.
A adequação do representante constitui um dos principais requisitos para que se possa admitir
uma ação coletiva (class action) nos Estados Unidos. Prevista na Regra 23, alínea (a)(4) das
Federal Rules of Civil Procedure (FRCP), conjunto de normas que regula o processo civil no
âmbito da Justiça Federal americana, a representatividade adequada (adequacy of representation) é
considerado um requisito fundamental de certificação das class actions para garantir a observância
ao devido processo legal14, que se encontra consagrado nas Emendas V e XIV da Constituição dos
Estados Unidos, em relação aos membros ausentes da classe defendida em juízo.
Assim como ocorre no direito brasileiro, as class actions também representam exceção à
concepção tradicional do devido processo legal. Para proporcionar economia processual e permitir
que se apreciem pretensões que, de outra maneira, jamais seriam submetidas ao Judiciário (porque o
seu valor econômico é extremamente reduzido, as partes são hipossuficientes, não tiveram acesso às
informações necessárias para pleitear seus direitos ou por qualquer outro motivo), admitem-se os
chamados “processos de natureza representativa” (representative suits). Como seria impossível
exigir que todos os envolvidos participassem formalmente de uma ação coletiva, permite-se que
atuem através de um ou mais representantes, que devem tomar as decisões sempre no interesse do
grupo, contratando advogados, comparecendo perante o juiz, apresentando provas e tudo mais o que
for necessário para a tutela dos interesses do grupo.
Como explicitado pela Suprema Corte em Hansberry v. Lee, precedente em que foram pela
primeira vez articuladas as relações entre o princípio do devido processo legal e as class actions,
todos os membros ausentes de uma ação coletiva, embora não participantes do processo na
14
Assim dispõe a Emenda V da Constituição americana: “No person shall (...) be deprived of life, liberty, or property,
without due process of law...”. No mesmo sentido exposto no texto, WOOLLEY, Patrick. Rethinking the adequacy of
adequate representation, Texas Law Review, v. 75, 1997, p. 571 e BONE, Robert G. Rethinking the “day in court” ideal
and non party preclusion, New York University Law Review, v. 67, 1992, p. 214.
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qualidade de partes formais, podem estar vinculados ao julgamento desde que representados
adequadamente15. Eles participam e são ouvidos no processo coletivo, mas somente através de seus
representantes, que funcionam como um porta-voz de todo o grupo em juízo16.
Para que a vinculação por representação dos ausentes não implique violação ao devido
processo legal, afigura-se indispensável que o representante defenda de forma justa e adequada os
interesses da coletividade. Isto quer dizer que, na medida do possível, a sua atuação deverá ser de
tal maneira que muito provavelmente o resultado final seria o mesmo se todos os representados
tivessem litigado pessoalmente em ações separadas. Caso contrário, ele não terá representado
efetivamente os interesses do grupo e, portanto, não poderá existir vinculação17. Representatividade
e adequação são dois conceitos complementares: não se pode conceber um representante não
adequado pois, desse modo, estaria agindo segundo seus interesses próprios ou, pelo menos, alheios
ao grupo dos membros ausentes. Representante inadequado é o mesmo que ausência de
representação, o que justifica a desvinculação dos representados.
15
Vide Hansberry v. Lee, 311 US 41-43 (1940) (“To these general rules there is a recognized exception that, to an
extent not precisely defined by judicial opinion, the judgment in a 'class' or 'representative' suit, to which some
members of the class are parties, may bind members of the class or those represented who were not made parties to it.
(...) It is familiar doctrine of the federal courts that members of a class not present as parties to the litigation may be
bound by the judgment where they are in fact adequately represented by parties who are present ...”).
16
Nesse sentido, COMMENT. The importance of being adequate: due process requirements under Rule 23, University
of Pennsylvania Law Review, v. 123, 1975, p. 1227.
17
Vide COMMENT. The importance of being adequate... Op. Cit., p. 1223, nota 28.
18
O caso Hansberry v. Lee, por exemplo, não era propriamente uma class action, mas sim uma ação autônoma em que
se questionavam os efeitos da coisa julgada numa ação coletiva anterior, Burke v. Kleiman. Na hipótese vertente, a
Suprema Corte reformou decisão da Justiça do estado de Illinois e afastou os efeitos da coisa julgada porque os
demandados em Hansberry não podiam ser considerados membros da classe na primeira ação.
19
Nesse sentido, Phillips Petroleum Co. v. Shutts, 472 US 797, 805 (1985) (“While it is true that a court adjudicating a
dispute may not be able to predetermine the res judicata effect of its own judgement...”).
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também possui o direito de vincular o grupo ao resultado da ação20. Além disso, nada garante que
os membros representados sairiam vencedores se tivessem ingressado com demandas individuais.
Para fins de representatividade adequada, basta assegurar que os interesses dos membros ausentes
sejam defendidos com o necessário vigor, sem que isto signifique necessariamente o êxito das
pretensões da coletividades.
20
A Suprema Corte já reconheceu este direito em Phillips Petroleum Co. v. Shutts, 472 US 797, 805 (1985), como se
pode verificar pela seguinte passagem: “While it is true that a court adjudicating a dispute may not be able to
predetermine the res judicata effect of its own judgement, petitioner has alleged that it would be obviously and
immediately injured if this class-action judgement against it became final without binding the plaintiff class. We think
that such injury is sufficient to give petitioner standing on its own right to raise the jurisdiction claim in this Court”.
21
Vide KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation. St. Paul: Thomson West, 2004, p. 49.
22
Um exemplo disso foi a certificação em primeira instância do caso Castano, uma class action ajuizada em benefício
de milhões de fumantes e de seus parentes contra a indústria do tabaco, onde se questionavam os danos causados à
saúde pelos efeitos maléficos do cigarro. A Corte de Apelações do 5º Circuito reformou a decisão de certificação, por
entender que variações nas leis estaduais aplicáveis e questões individuais atinentes a cada um dos membros da classe
comprometeriam a admissibilidade da ação coletiva. Vide Castano v. American Tobacco, 84 F.3d 734 (5th Cir. 1996).
23
Vide NOTE. Developments in the law – Class actions, Harvard Law Review, v. 89, 1976, p. 1411. É possível, no
entanto, que a jurisprudência não esteja cumprindo bem esta tarefa. Segundo apontado por Robert H. Klonoff em um
estudo empírico das decisões proferidas entre 1994 e 2003, a grande maioria dos juízes admite ações coletivas sem
enfrentar detidamente a representatividade adequada, notadamente quando a parte contrária não impugna este ponto.
Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application of Rule 23’s ‘adequacy of representation’ requirement,
Michigan State Law Review, v. 2004, 2004, p. 671. Linda S. Mullenix sugere que as cortes estaduais são ainda mais
complacentes na análise desse fundamental requisito de admissibilidade: MULLENIX, Linda S. Taking adequacy
seriously: the inadequate assessment of adequacy in litigation and settlement classes, Vanderbilt Law Review, v. 57,
2004, especialmente p. 1699, nota 61.
24
Vide Key v. Gillette Co., 782 F.2d 5 (1st Cir. 1986) (class action decertificada após o veredito do júri por ter sido
muito deficiente a instrução probatória).
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revelar desinteressado ou inapto, o juiz pode perceber que se equivocou ou até mesmo que foi
enganado25.
Mesmo após formada a coisa julgada na ação coletiva, é possível ainda que, em alguma ação
posterior (collateral attack) se realize novo controle de representatividade adequada para
determinar os efeitos vinculantes da coisa julgada na primeira ação. Caso não se reconheça a
adequação do representante, desvinculando-se os membros ausentes do grupo da decisão que foi
proferida na class action anterior, as questões ali apreciadas poderão ser rediscutidas e
reexaminadas no segundo processo26.
Apesar disso, o critério da tipicidade não esgota a representatividade adequada, que se trata de
uma verificação bem mais ampla, tanto sob o ponto de vista objetivo como subjetivo. Um
representante pode ter pretensões típicas do grupo e ainda assim não proteger adequadamente os
interesses coletivos. Pelo aspecto objetivo, enquanto na tipicidade se proporciona uma análise
comparativa entre as pretensões do representante e do grupo, o exame de representatividade
adequada enfatiza duas dimensões: ausência de conflito de interesses entre o representante e o
restante da classe e capacidade de defesa vigorosa dos interesses da coletividade.
Sob o ponto de vista subjetivo, a representatividade adequada também é mais ampla que a
tipicidade. Principalmente com relação à dimensão da capacidade de tutela vigorosa dos interesses
da classe, a jurisprudência examina não apenas os atributos do representante, como também de seu
advogado28.
25
Vide MILLER, Arthur R. An overview of federal class actions: past, present and future. Washington: Federal Judicial
Center, 1977, p. 30.
26
Vide WOOLLEY, Patrick. The availability of collateral attack for inadequate representation in class suits, Texas Law
Review, v. 79, 2000, p. 383 (sustentando que o collateral attack deve ser admitido ainda que o juiz, na class action
original, tenha decidido expressamente pela representatividade adequada, uma vez que o tribunal na ação posterior
poderá eventualmente ter melhores condições de apreciar a matéria).
27
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v.1, p. 413.
28
Nesse sentido, entre outros, vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Newberg on class actions. 4. ed. St. Paul:
Thomson West, 2002, v. 1, p. 416; BURNS, Jean Wegman. Decorative figureheads: eliminating class representatives in
class actions, Hastings Law Journal, v. 42, 1990, p. 185; MARCUS, Richard L.; SHERMAN, Edward F. Complex
litigation – cases and materials on advanced civil procedure. 4 ed. St. Paul: Thomson West, 2004, p. 298; KLONOFF,
Robert H. Class actions and other multi-party litigation... Op. Cit., p. 48 e MACEY, Jonathan R.; MILLER, Geoffrey
P. The plaintiff’s attorney’s role in class action and derivative litigation: economic analysis and recommendations for
reform, University of Chicago Law Review, v. 58, 1991, p. 1.
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Nos Estados Unidos, o advogado não é considerado pela lei e muito menos pela Constituição
indispensável à administração da justiça, ao contrário do que acontece no Brasil, sendo permitido,
na maioria dos casos, que as partes compareçam em juízo sem um patrono (pro se litigation),
embora tal aventura seja fortemente desaconselhável. No caso das class actions, no entanto, em
virtude dos interesses dos membros ausentes, que não podem estar submetidos a posturas
aventureiras, os tribunais não admitem a pro se litigation por ausência de representatividade
adequada29.
No ano de 2003, ocorreu uma importante alteração na Regra 23 das FRCP consolidando a
prática jurisprudencial. Foi acrescentada uma alínea (g), estabelecendo que sempre que for
certificado o processamento coletivo da class action, o juiz deverá indicar na própria decisão quem
será o advogado da classe, salvo expressa disposição legal em sentido contrário (alínea (g)(1)(A)).
O advogado deverá representar justa e adequadamente os interesses de todo o grupo, não somente
do representante (alínea (g)(4)), sendo tal requisito aferido segundo os critérios definidos na
subseção (g)(1)(A): a qualidade do trabalho do patrono em identificar as possíveis pretensões na
ação; sua experiência em ações coletivas, em outros procedimentos complexos e para a defesa de
pretensões da mesma natureza; seu conhecimento do direito aplicável à espécie e os recursos do
advogado disponíveis para representar a coletividade.
É curioso observar que a Regra 23 em vigor delimita de forma mais ou menos precisa os
critérios para analisar a representatividade adequada do advogado, sem indicar quais seriam os
fatores a serem avaliados para examinar a adequação do próprio representante, que continuam a ser
construídos exclusivamente pela jurisprudência. Isto reforça a hipótese de que, cada vez mais,
aumenta a importância dos advogados nas class actions, que muitas vezes financiam o litígio
esperando receber altos honorários, investigam a existência de pretensões de natureza coletiva e
depois vão procurar alguma pessoa para ser o representante do grupo30. Isto se dá especialmente em
casos em que as pretensões individuais envolvidas são de reduzido valor econômico.
29
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v.1, p. 417
30
Vide BURNS, Jean Wegman. Decorative figureheads... Op. Cit., 180/186. Em seu artigo, o autor sustenta uma
proposta radical: suprimir o requisito da tipicidade e eliminar a figura decorativa do representante da classe, deixando
que os advogados ingressem com class actions por si mesmos, desde que indiquem alguns membros do grupo, em
caráter exemplificativo, para assegurar que existe um conflito concreto em proporções coletivas.
31
Vide, por exemplo, Ballan v. Upjohn Co., 159 F.R.D. 473 (W.D. Mich. 1994) (presumindo a representação adequada
do advogado); Lichoff v. CSX Transp., Inc., 218 F.R.D. 564 (N.D. Ohio 2003) (“Unlike the other requirements of Rule
23(a), defendant has the burden of showing that representation is inadequate under Rule 23(a)(4).”). Isto explica, em
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ônus probatório32, visto que se trata justamente do mais importante dos requisitos para que se
admita uma ação coletiva, tal questão ainda não foi enfrentada pela Suprema Corte.
larga medida, a passividade de alguns tribunais em examinar a representatividade adequada, como apontado por Robert
Klonoff e Linda Mullenix.
32
Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application... Op. Cit., p. 676; MULLENIX, Linda S. Op. Cit., p.
1692 e MACEY, Jonathan R.; MILLER, Geoffrey P. Op. Cit., p. 66.
33
Vide HENSLER, Deborah R. Resolving mass toxic torts: myths and realities. University of Illinois Law Review, v.
1989, 1989, p. 93 (referindo-se a uma pesquisa realizada em três cortes de primeira instância, onde se apurou que 25%
dos clientes nunca se encontraram pessoalmente com seus advogados ou somente o fizeram uma única vez).
34
Vide, entre outros, COMMENT. The class representative: the problem of the absent plaintiffs, Northwestern
University Law Review, v. 68, 1974, p. 1136.
35
Entre outros, COMMENT. The class representative: the problem of the absent plaintiffs, Northwestern University
Law Review, v. 68, 1974, p. 1134; DONELAN, Charles. Prerequisites to a class action under new Rule 23, Boston
College Industrial & Commercial Law Review, v. 10, 1969, p. 536; COMMENT. Adequate representation, notice and
the new class action rule: effectuating remedies provided by the Securities laws, University of Pennsylvania Law
Review, v. 116, 1968, p. 901/902. Segundo Alba Conte e Herbert Newberg, a idéia de que classes com um número
grande de pessoas somente poderiam ser representadas por muitos indivíduos foi superada após a reforma de 1966:
CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 438. Apenas por questão de conveniência processual,
recomenda-se que o número de representantes não seja superior a dez, para evitar problemas na condução do processo.
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demandante seja o melhor representante possível da classe, mas apenas que seja adequado36. Se dois
ou mais membros do grupo competem entre si para a posição de representante, o juiz deverá
escolher aquele que reputar mais adequado para a função.
O conhecimento pelo representante dos fatos debatidos na causa tem sido objeto de
impugnação com certa frequência pela parte adversa à coletividade. Por um lado, representantes
plenamente instruídos e com profundos conhecimentos técnicos podem ter dificuldades em alegar
que foram iludidos por declarações enganosas. Esta questão tem sido suscitada principalmente em
class actions envolvendo disputas empresariais e o mercado de valores mobiliários, com diferentes
resultados práticos. Na maioria dos casos, contudo, este tipo de alegação costuma ser rejeitado
porque tal afirmação acaba se confundindo com o mérito da pretensão individual do representante,
não impedindo o processamento coletivo da demanda38.
Vide MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION. 3 ed. Federal Judicial Center: Washington, 1995, p. 219.
Curiosamente, a orientação não foi reproduzida nem afastada na quarta edição do Manual for Complex Litigation,
publicada em 2004.
36
Vide KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party.... Op. Cit., p. 48. O Private Securities Litigation
Reform Act de 1995 estabeleceu, em caráter excepcional, que nas class actions em matéria de mercado de valores, o juiz
deve escolher sempre o melhor representante disponível, presumivelmente aquele que possuir a pretensão individual de
maior valor.
37
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 439.
38
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 458.
39
Vide Surowitz v. Hilton Hotels Cops., 383 US 363, 372/373 (1966) (“In fact the opinion of the Court of Appeals
indicates in several places that a woman like Mrs. Surowitz, who is uneducated generally and illiterate in economic
matters, could never under any circumstances be a plaintiff in a derivative suit brought in the federal courts to protect
her stock interests. We cannot construe Rule 23 or any other one of the Federal Rules as compelling courts to
summarily dismiss, without any answer or argument at all, cases like this where grave charges of fraud are shown by
the record to be based on reasonable beliefs growing out of careful investigation.”). Vide, no entanto, MULLENIX,
Linda S. Op. Cit., p. 1710, sustentando que o precedente em Surowitz vem sendo aplicado pelos tribunais norte-
americanos de forma indevida nos dias de hoje, porque se tratava de uma ação ajuizada ainda sob a redação original da
Regra 23 e cuja decisão foi proferida com base em fundamentos distintos.
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maioria dos juízes tem seguido a orientação da Suprema Corte mesmo para as hipóteses em que se
alega faltar conhecimento dos próprios fatos envolvidos no litígio40, o que reforça ainda mais a
relativa desimportância do representante em uma class action.
40
Vide os inúmeros precedentes em CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 461/464. Segundo uma
pesquisa empírica feita por Robert H. Klonoff, no período de 1994 a 2003, apenas 18 de todos os 763 casos (ou 2,4%)
em que se enfrentou o requisito da representatividade adequada considerou-se inadequado o representante da classe por
absoluta falta de conhecimento sobre os fatos envolvidos na causa. Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed
application... Op. Cit., p. 682. Vide, outrossim, MACEY, Jonathan R.; MILLER, Geoffrey P. Op. Cit., p. 93/94
(sustentando que não faz sentido qualquer investigação acerca das capacidades intelectuais e dos conhecimentos
específicos sobre o caso que os representantes da classe detêm ou não, porque na realidade eles não passam de figuras
decorativas que não têm influência nenhuma sobre a representatividade coletiva).
41
Vide MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION. Op. Cit., p. 277 e a decisão proferida no caso In re Storage Tech.
Corp. Sec. Litig., 113 F.R.D. 113 (D. Colo. 1986) (considerando inadequados os representantes da classe que deixaram
de prestar depoimento e que se revelaram excessivamente passivos para prosseguir vigorosamente na defesa dos
interesses da coletividade).
42
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 498. Segundo a pesquisa de Robert Klonoff, apenas 4
em 763 decisões na Justiça Federal consideraram este fator para denegar a certificação de uma class action por falta de
representatividade adequada, ao passo que inúmeras outras decisões em sentido contrário entenderam ser irrelevantes
tais alegações. Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application... Op. Cit., p. 685.
43
O precedente In re Proxima Corp. Securities Litigation se encontra referido na obra de CONTE, Alba; NEWBERG,
Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 500.
44
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 500. Segundo a pesquisa apresentada por Robert
Klonoff, apenas uma única decisão de todas as que foram consultadas pelo autor em seu estudo deixava de admitir a
class action por tal fundamento. Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application... Op. Cit., p. 687.
45
Vide Kriendler v. Chem. Waste Magmt, 877 F.Supp. 1140 (N.D.Ill. 1995).
168
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autor por seus descendentes, embora o juiz possa convidar outros membros do grupo a intervir no
feito para reforçar a representatividade adequada46.
Nada obstante, nos Estados Unidos, as class actions costumam ser financiadas não pelo
representante, mas pelos advogados, ou melhor, pelos escritórios de advocacia, que muitas vezes se
associam para suportar as pesadas despesas processuais. As Regras-Modelo de Conduta Profissional
(Model Rules of Professional Conduct) da American Bar Associaton (ABA), entidade responsável
pela disciplina da advocacia naquele país, permitem que os causídicos adiantem todas as despesas
processuais, condicionando o ressarcimento apenas a uma vitória na ação ou à celebração de um
acordo48. Na hipótese de representante hipossuficiente, as despesas poderão ser livremente
adiantadas pelo advogado. Dessa forma, ponderam alguns juízes, é a saúde financeira do escritório
de advocacia que precisa ser avaliada49. Este entendimento predomina na jurisprudência, embora
com algumas divergências pontuais.
Uma solução para esta questão, válida especialmente para demandas em que se defendem
direitos fundamentais, com pretensões mandamentais e declaratórias – não havendo, portanto, a
perspectiva de uma indenização – está em permitir que as despesas processuais sejam suportadas
por terceiros, sobretudo por associações interessadas na defesa desses direitos. As Regras-Modelo
da ABA permitem tal prática, desde que haja o consentimento da classe, a ser obtido através de seu
representante, sob a supervisão do juiz. A Regra 1.8 (f) das Regras-Modelo prevê ainda que não
pode haver interferência desses terceiros na independência profissional do causídico.
46
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 503/504.
47
Vide, entre outros, Palmer v. BRG of Georgia, Inc., 874 F.2d 1417 (11th Cir. 1989), amend. on den’l reh’ng, 893 F.2d
293 (11th Cir. 1990); Beal v. Midlothian Indep., 2002 WL 1033085 (N.D. Tex. 2002).
48
Ressalte-se, porém, que alguns estados americanos não adotaram as Regras-Modelo da ABA de 1983, permanecendo
com o antigo Código-Modelo de Responsabilidade Profissional de 1969. O antigo Código-Modelo permite ao advogado
adiantar as despesas processuais, mas a parte será sempre responsável pelo devido ressarcimento. Condicioná-lo à
vitoria na ação é considerado uma conduta antiética, podendo até mesmo afastar a representatividade adequada do
advogado em uma ação coletiva. Vide, por exemplo, Weber v. Goodman, 9 F.Supp.2d 163 (E.D.N.Y. 1998) (“Since
Illinois has adopted the ABA’s Model Rule of Professional Conduct 1.8(e), Edelman & Combs’ typical fee arrangement
is ethical in Illinois. Because its fee arrangement is considered inappropriate in New York, Edelman & Combs is not an
adequate plaintiff counsel, and class certification must be denied on that ground”).
49
Vide Rand v. Monsanto Co., 926 F.2d 596 (7th Cir 1991) (sustentando que não se pode esperar que o autor gaste toda
a sua fortuna em uma ação que muitas vezes lhe trará benefícios econômicos reduzidos); In re Alcoholic Beverages
Litigation, 95 F.R.D. 321 (E.D.N.Y. 1982) (enfatizando que os advogados adiantariam as despesas processuais, não
havendo razão para investigar as condições econômicas dos autores)
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Outras questões têm sido suscitadas pelos demandados ainda em termos de tutela vigorosa
dos interesses da classe pelo representante, geralmente mal sucedidas. Alegações de que o autor
estaria agindo com propósitos de vingança normalmente costumam ser rejeitadas, por se tratar de
afirmação hipotética e especulativa. Em ações propostas em benefício de acionistas, é comum
alegar a falta de representatividade adequada porque o objetivo do demandante, na verdade, seria
assumir o controle da empresa ré. Embora exista alguma controvérsia, o entendimento
predominante é que tal alegação somente será admitida se forem apresentados fatos ou indícios
concretos, evidenciando a inadequação do autor para defender em juízo os interesses dos demais
acionistas50. Dependendo das circunstâncias do caso, a simples mudança de residência do
representante para um outro estado também pode ser motivo para que se alegue sua inadequação e
incapacidade em acompanhar de perto a ação coletiva, desde que se demonstre o seu desinteresse na
condução do processo51.
Diversas são também as soluções que podem ser adotadas pelo juiz em caso de conflito de
interesses: admitir o processamento coletivo apenas de forma limitada a algumas pretensões ou a
uma parte do grupo; determinar a formação de subclasses; obrigar a intervenção de novos
integrantes do grupo para reforçar a representação da coletividade; assegurar o direito de exclusão
(opt-out), aliviando as tensões internas ao grupo, ou mesmo inadmitir integralmente a class action,
caso os antagonismos sejam insuperáveis. Sempre que possível, a ação coletiva deverá ser
50
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 457. Em William Penn Management Corp. v.
Provident Fund for Income, Inc., 68 F.R.D. 456 (E.D.Pa. 1975), por exemplo, a corte distrital considerou inadequado o
representante porque seu interesse pessoal em assumir o controle da empresa poderia motivá-lo a recusar propostas de
acordo que beneficiassem o resto da classe.
51
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 517.
52
Vide KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application... Op. Cit., p. 687 (quase 53% dos casos em que se
considerou inadequado o representante foi por ter sido verificado um conflito de interesses).
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preservada, pelos menos em parte, quando o conflito se der somente com uma parcela do grupo,
mas apenas as circunstâncias concretas indicarão se isto será viável ou não53.
53
Vide os precedentes em CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 424/426 e a posição que se
sustentou em COMMENT. The class representative... Op. Cit., p. 1140 (conflitos com apenas uma parte do grupo não
podem acarretar a inadmissão de toda a ação coletiva). Vide, contudo, NOTE. Class actions: defining the typical and
representative plaintiff under subsections (a)(3) and (4) of Federal Rule 23, Boston University Law Review, v. 53, 1973,
p. 427/428 (a criação de subclasses pode não ser a melhor alternativa em decorrência da necessidade de determinar em
qual dos subgrupos cada um dos integrantes da classe original se insere).
54
Vide KAPLAN, Benjamin. Continuing work of the civil committee: 1966 amendments of the Federal Rules of Civil
Procedure (I), Harvard Law Review, v. 81, 1967, p. 387, nota 120.
55
Vide Horton v. Goose Creek Independent School District, 677 F.2d 471 (5th Cir. 1982)
56
Vide Green v. Cady, 90 F.R.D. 622 (E.D.Wis. 1981).
57
Vide MARCUS, Richard F.; SHERMAN, Edward F. Op. Cit., p. 296/297, ressalvando os casos em que há
divergência de estratégia da maioria dos representados quanto a aspectos fundamentais da class action.
58
Alguns autores propõem que os tribunais levem em consideração outros aspectos. Vide, por exemplo, MILLER,
Geoffrey P. Conflicts of interest in class action litigation: an inquiry into the appropriate standard, University of
Chicago Legal Forum, v. 2003, 2003, p. 581 (propondo que se adote a sistemática do “consentimento hipotético”, ou
seja, somente se reconhecerá um conflito de interesses se um autor razoável, ignorando o seu papel dentro da
coletividade, não aceitasse a conduta proposta na ação).
59
Vide precedentes nesse sentido em NOTE. Developments in the law... Op. Cit., p.1497.
171
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conflito é um reflexo direto de tensões internas do grupo, que se encontra dividido em facções mais
ou menos definidas por uma diversidade de motivos, que podem ter fundamentos de ordem
econômica (receber ou não do réu a maior indenização possível), jurídica (notadamente a espécie da
pretensão postulada) ou mesmo na conveniência da propositura de uma class action contra o
demandado60.
O conflito pode surgir também em diferentes momentos, desde o ajuizamento da ação até a
distribuição do fundo de indenizações obtido com o êxito da class action. Não obstante, conflitos
especulativos ou hipotéticos devem ser desconsiderados, sendo apenas debelados quando se
tornarem reais e efetivos61. Caso se verifique, por exemplo, que os integrantes da classe podem vir a
divergir quanto à forma de distribuição de um fundo limitado de recursos indenizatórios, ainda
assim será possível admitir a class action para apurar coletivamente a responsabilidade do
demandado. Na hipótese do grupo prevalecer, então o juiz deverá resolver o problema, aplicando a
solução mais apropriada62. Por isso, é indispensável que o juiz controle sempre a representatividade
adequada e verifique o eventual surgimento de um conflito de interesses durante todo o andamento
do processo coletivo.
60
Vide NOTE. Class actions: defining the typical... Op. Cit., p. 418/427.
61
Nesse sentido, CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 422 e MARCUS, Richard L.; SHERMAN,
Edward F. Op. Cit., p. 297.
62
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 454.
63
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 435.
64
Vide Sunrise Toyota, Ltd. v. Toyota Motor Co., 55 F.R.D. 519, 533 (S.D.N.Y. 1972) (“Although on one level all
members of the plaintiff class are competitors in the sale of Toyota vehicles within the Region, nonetheless as to the
class claims their interests are alike. There is no ground for fear that plaintiff’s interests are antagonistic to those of
others in the class as to the subject matter of the case.”).
65
Vide, porém, NOTE. Class actions: defining the typical... Op. Cit., p. 425, propugnando pela extinção da ação sempre
que se verificar oposição dos membros representados.
66
Vide, contudo, os precedentes trazidos em CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 449/450,
considerando irrelevantes eventuais divergências neste aspecto.
172
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esportivas, uma pesquisa revelou que a maioria das alunas preferia que a situação permanecesse
como estava, indicando forte discordância quanto à pretensão mandamental deduzida67.
Eventualmente, até mesmo a indiferença do grupo pode ser um fator contra a admissibilidade
da ação coletiva, como se verificou no caso Liberty Lincoln Mercury, Inc. v. Ford Marketing Corp.,
em que somente um único integrante do grupo interveio no feito após cinco meses do ajuizamento
da ação68. Na dúvida, todavia, a maioria dos tribunais não reconhece a falta da representatividade
adequada nestas circunstâncias. No caso Larry James Oldsmobile-Pontiac-GMC Truck Co., Inc. v.
General Motors Corp., por exemplo, apesar de o réu ter apresentado declarações de 65 diferentes
agências de veículos manifestando oposição à representação em juízo, a ação foi certificada porque
o demandante demonstrou que alguns dos membros ausentes tinham receio de sofrer retaliações do
fabricante69.
O mesmo se dá quando o representante já não mantém relação jurídica alguma com o réu,
enquanto que outros membros ainda têm interesse na sua continuidade. Embora a questão esteja
relacionada também com o requisito da tipicidade, em termos de adequação da representação, é
preciso verificar se existe um conflito de interesses ou não. Um antigo empregado, franqueado,
acionista, segurado, investidor ou revendedor pode querer receber somente a maior indenização
possível, ainda que venha a causar a ruína da atividade econômica do réu, ao passo que
67
Vide Alston v. Virginia High School League, Inc., 184 F.R.D. 574 (W.D.Va. 1999).
68
Vide Liberty Lincoln Mercury, Inc. v. Ford Marketing Corp., 149 F.R.D. 65 (D.N.J. 1993)
69
Vide Larry James Oldsmobile-Pontiac-GMC Truck Co., Inc. v. General Motors Corp., 164 F.R.D. (N.D.Miss 1996)
70
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 448.
71
Vide, entre outros, NOTE. Class actions: defining the typical... Op. Cit., p. 420 e NOTE. Developments in the law...
Op. Cit., p.1493.
72
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 451.
73
Vide, por exemplo, Amchem Products, Inc. v. Windsor, 521 US 591 (1997) (não foi admitida a aprovação de um
acordo envolvendo vítimas presentes e futuras do amianto, entre outros motivos, por existir um conflito de interesses na
classe a respeito da tutela pretendida e da forma de distribuição dos fundos disponibilizados a título de indenização).
173
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A distribuição de fundos de indenização obtidos em uma class action também pode ser fonte
de conflito de interesses. Membros atuais da classe, por exemplo, podem querer receber logo a
maior indenização possível do fundo, ao passo que os membros futuros provavelmente vão preferir
preservá-lo para se precaver contra possíveis danos que venham a surgir em um momento
posterior76. Como discutido, geralmente estes casos não impedem de forma absoluta a certificação
de uma ação para processamento coletivo, mas podem provocar graves conflitos quando forem
distribuídos os recursos ou mesmo por ocasião da aprovação de um acordo.
A tendência se reforçou ainda mais com a reforma da Regra 23 aprovada em 2003, passando a
se determinar expressamente na alínea (g) que os advogados devem proteger justa e adequadamente
os interesses da classe. Na verdade, neste aspecto, a reforma apenas consolidou algumas práticas já
adotadas nos tribunais norte-americanos, de maneira que os precedentes anteriores ao ano de 2003
ainda podem ser invocados sem maiores dificuldades79.
74
Nesses termos, vide COMMENT. The class representative... Op. Cit., p. 1141/1142; CONTE, Alba; NEWBERG,
Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 487 e segs.; MILLER, Geoffrey P. Op. Cit., p. 605/606.
75
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 491.
76
Vide, por exemplo, Amchem Products, Inc. v. Windsor, 521 US 591, 626 (1997) (“In significant respects, the
interests of those within the single class are not aligned. Most saliently, for the currently injured, the critical goal is
generous immediate payments. That goal tugs against the interest of exposure-only plaintiffs in ensuring an ample,
inflation-protected fund for the future”) e Ortiz v. Fibreboard Corp. 527 US 815 (1999).
77
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 416.
78
Vide, por exemplo, BURNS, Jean Wegman. Decorative figureheads... Op. Cit., p. 485.
79
Vide, nesse sentido, o senso crítico de MULLENIX, Linda S. Taking adequacy seriously... Op. Cit., p. 1690 (“In
large measure, these new provisions are relatively unmaginative, noninnovative and work to simply codify existing case
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Apesar disso, a realidade mostra ser muito difícil questionar a adequação de um advogado80.
Normalmente, os tribunais presumem a sua capacidade em termos de experiência, competência,
ética e até mesmo quanto aos recursos financeiros e logísticos para defender os interesses da
coletividade, salvo provas inequívocas em contrário81. Em algumas decisões, os juízes tecem
detidas considerações a respeito da capacidade do patrono em promover a defesa dos direitos de
toda a classe, mesmo sem ter sido suscitada a questão pelo demandado, mas se trata claramente de
exceções que apenas servem para confirmar a regra geral82.
De todo o modo, a adequação do advogado deve sempre ser aferida em relação a todo o
grupo, não apenas quanto ao representante. Assim, ele deve agir na defesa dos interesses da
coletividade a todo momento, ainda que venham eventualmente a conflitar com os do representante.
Ainda que o número de casos em que se discutiu o assunto não seja expressivo, alguns critérios tem
sido utilizados pela jurisprudência para avaliar a adequação do causídico e foram consagrados na
Regra 23 (g)(1)(A).
law”) e, ainda, em MULLENIX, Linda S. No exit: mandatory class actions in the new millenium and the blurring of
categorical imperatives, University of Chicago Legal Forum, v. 2003, 2003, p. 177/178.
80
Segundo pesquisa empírica apresentada por KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed application.... Op. Cit., p.
689/690, o advogado foi considerado inadequado em somente 31 dos 687 casos (4,5% das decisões) em que se
enfrentou a questão. A relutância de alguns juízes em emitir avaliações negativas sobre advogados já havia sido
detectada pela doutrina desde os primeiros anos após a reforma de 1966. Vide DONELAN, Charles. Op. Cit., p. 536 e
COMMENT. The class representative... Op. Cit., p. 1137. Uma das explicações para tal fenômeno, como se poderia
imaginar, é o possível desconforto para um julgador emitir juízos de valor a respeito da carreira profissional e atuação
dos advogados. Vide, nesse sentido, MULLENIX, Linda S. Taking adequacy seriously... Op. Cit., p. 1701/1702.
81
Vide, nesse sentido, os numerosos precedentes em CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 530/531
(sustentando que a presunção de competência do advogado é apropriada). Vide, entretanto, as críticas de KLONOFF,
Robert H. The Judiciary’s flawed application.... Op. Cit., p. 697 (criticando a postura passiva dos juízes).
82
Vide, por exemplo, Jerry Enter v. Allied Beverage Group, LLC, 178 F.R.D. 437 (D.N.J. 1997) (enfrentando a
representatividade adequada do advogado de ofício); Gilmore v. Southwestern Bell Mobile Systems, 210 F.R.D. 212
(N.D.Ill. 2001) (questionando se o ônus de afastar a representatividade adequada deveria mesmo ser atribuído ao réu);
In re Cardinal Health, Inc. ERISA Litigation, 225 F.R.D. 552 (S.D.Ohio 2005) (discutindo em várias páginas as
qualificações dos advogados)
83
Vide COMMENT. Preserving adequacy of representation when dropping claims in class actions, University of
Missouri-Kansas City Law Review, v. 74, 2005, p. 105.
84
Vide KLONOFF, Robert H. Class actions and multi-party litigation.... Op. Cit., p. 57.
85
Vide Key v. Gillette Co., 782 F.2d 5 (1st Cir. 1986) (a ação de classe foi decertificada após o veredito porque o
advogado apresentou as testemunhas de forma ininteligível e teve péssimo desempenho no julgamento). Esta hipótese é
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Os prazos para requerer a certificação podem estar disciplinados em regras locais das cortes
distritais ou podem ser fixados pelo juiz da causa. Algumas vezes, o atraso será devido a
determinações do próprio julgador ou em decorrência de não se ter completado alguma fase do
processo, não podendo a culpa ser imputada ao causídico. Se não se puder aferir de plano qual o
motivo do retardamento, o advogado terá que prestar explicações e a razoabilidade de sua
justificativa poderá ser decisiva para sua permanência na ação87. A ocorrência de fatos fora de seu
controle, como sua internação em um hospital, a perda de um familiar ou um incêndio no escritório,
normalmente são admitidos. De qualquer maneira, simples atrasos no pedido de certificação, por si
só, não são suficientes para que se considere o patrono inadequado, desde que se evidencie que não
houve prejuízos para os representados88. Em fases mais avançadas do processo, a substituição do
causídico pode gerar maiores retardamentos do que a concessão de um novo prazo, devendo o juiz
analisar a totalidade da situação89.
excepcional, todavia, na medida em que o réu também tem o direito, pelo menos a princípio, de vincular toda a
coletividade a uma sentença de improcedência.
86
Nesse sentido, vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 543. Vide, entretanto, McKinnon v.
Talladega County, Ala., 745 F.2d 1360 (11th Cir. 1984) (class action mantida mesmo após o advogado não ter cumprido
o prazo estabelecido para requerer a certificação, porque este fato não acarreta automaticamente a inadequação do
patrono para defender os interesses da coletividade).
87
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 546.
88
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 546/547.
89
Vide Kramer v. Scientific Control Corp., 534 F.2d, 1085, 1094 (3rd Cir. 1976) (“There may be cases that have
progressed so far and are so complex that requiring substitution of counsel would substantially delay the termination of
the litigation and substancially harm the interests of the class members. In such instances, the district court may allow
the litigation to proceed...”).
90
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 533.
91
Vide Jornson v. Georgia Highway Exp., Inc., 488 F.2d 714, 719 (5th Cir. 1974) (“If a young attorney demonstrates
the skill and ability, he should not be penalized for only recently being admitted to the bar”)
92
Vide Ikonen v. Hartz Mountain Corp., 122 F.R.D. 258 (S.D.Cal. 1988) (enfatizando que o advogado escreveu obras
doutrinárias sobre class actions e que seu escritório tinha experiência em tais casos).
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determinam que ele se associe com outro advogado que possua tais atributos para que a class action
seja admitida neste aspecto93.
O último critério expresso na Regra 23 se refere aos recursos destinados pelo advogado à
proteção da classe. Na ausência de delimitação do conceito de “recursos” na norma ou nas notas do
Comitê Consultivo responsável pela reforma de 2003, podem aqui ser considerados uma série de
fatores: capacidade de o advogado financiar o litígio, adiantando as despesas processuais,
principalmente nos estados americanos em que se admite condicionar o ressarcimento a uma vitória
na ação; dedicação à causa, revelada pela qualidade do trabalho e pelo pronto cumprimento das
determinações judiciais; capacidade de coordenar demandas coletivas e individuais paralelas em
outros juízos federais ou estaduais94; e, finalmente, os recursos logísticos do escritório, que deverá
ser capaz de fornecer auxílio e informações para o grupo.
Os critérios previstos na alínea (g) são apenas exemplificativos. Com efeito, existem pelo
menos outros dois fatores relacionados ao advogado que costumam ser suscitados com relativa
frequencia. O primeiro deles é a prática de condutas antiéticas ou mesmo ilegais pelo causídico.
Muito embora alguns juízes sejam intolerantes neste aspecto96, a maioria dos tribunais dificilmente
afasta um advogado por esse fundamento, ainda quando existam sérias preocupações a respeito97.
No caso Hawkins v. Comparet-Cassani, por exemplo, considerou-se infundada a alegação de
inadequação do patrono, apesar de o mesmo ter sido suspenso de praticar a advocacia pelo período
de um ano98. Normalmente, os tribunais determinam que a parte adversa informe a conduta antiética
do causídico através dos meios disciplinares próprios ou, ainda, requeira a aplicação das sanções
previstas em lei, que podem acarretar a condenação da parte, do advogado ou mesmo do escritório
de advocacia em uma multa ou em uma condenação a título de honorários advocatícios e despesas
93
Vide KLONOFF, Robert H. Class actions and other multi-party litigation... Op. Cit., p. 56.
94
Vide MANUAL FOR COMPLEX LITIGATION. Op. Cit., p. 278/279.
95
Vide Walton v. Franklin Collection Agency, Inc., 190 F.R.D. 404 (N.D.Miss. 2000).
96
Vide, por exemplo, Taub v. Glickman, 1970 WL 210 (S.D.N.Y. 1970) (considerando inadequado o advogado por
conduta imprópria, ainda que não tenha cometido nenhuma infração disciplinar); Weber v. Goodman, 9 F.Supp.2d 163
(E.D.N.Y. 1998) (considerando inadequados os patronos que adiantaram as despesas do processo e condicionaram o
ressarcimento apenas a uma vitória, não sendo permitida tal prática em Nova Iorque). Como observa KLONOFF,
Robert H. Class actions and other multi-party litigation... Op. Cit., p. 57, os tribunais se mostram particularmente
intolerantes com advogados que orientam clientes a prestar falso testemunho ou que destroem provas pertinentes ao
processo. Vide, nesse mesmo sentido, embora enfatizando o requisito sobre os representantes, não em relação ao
advogado, Kaplan v. Pomerantz, 132 F.R.D. 504 (N.D.Ill. 1990) (ação inadmitida por terem os autores prestado falso
testemunho, ainda que a respeito de fatos sem maior relevância para a tutela coletiva).
97
Segundo a pesquisa de KLONOFF, Robert H. The Judiciary’s flawed... Op. Cit., p. 692, somente em 3 de 687
decisões se considerou inadequado o advogado pela prática de conduta antiética ou ilegal.
98
Vide Hawkins v. Comparet-Cassani, 33 F.Supp.2d 1244 (C.D.Cal. 1999).
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processuais99 em favor da parte contrária. A eventual aplicação das penalidades cominadas na Regra
11, porém, não implica automaticamente o afastamento do advogado em uma class action100.
Um outro fundamento que costuma ser invocado pelos demandados e não se encontra
previsto na alínea (g) da Regra 23 diz respeito ao completo desconhecimento do representante a
respeito dos fatos da causa. Embora tal questão também possa ser considerada inadequação do
próprio representante, alguns juízes entendem que, em tais hipóteses, foi o advogado quem falhou
no dever de orientar seu cliente101. Na realidade, a ação acaba sendo conduzida apenas pelas
decisões do próprio causídico, sem a supervisão do representante (lawyer driven class action). Um
exemplo disso se encontra no caso Wein v. Master Collectors, Inc., no qual se considerou
inadequado o advogado porque o autor não teve a oportunidade de rever a petição inicial, nem sabia
onde havia sido originalmente proposta a ação102.
Os altos valores frequentemente envolvidos em uma class action podem resultar em conflitos
de interesses entre o advogado e a coletividade. Como já discutido, as despesas em uma ação
coletiva podem ser enormes, principalmente com a investigação dos fatos na fase da discovery e a
notificação dos membros ausentes, chegando à casa dos milhares ou mesmo dos milhões de dólares.
O incentivo do advogado em financiar o litígio está na perspectiva de uma recompensa ao final do
processo em caso de vitória ou acordo, quando serão ressarcidas as despesas adiantadas e recebidos
99
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 536/537.
100
Vide CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 537.
101
Vide KLONOFF, Robert H. Class actions and multi-party litigation... Op. Cit., p. 57.
102
Vide Wein v. Master Collectors, Inc., 1995 WL 550475 (N.D.Ga. 1995).
103
Vide Gonzales v. Cassidy, 474 F.2d 67 (5th Cir. 1973).
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Uma das peculiaridades do direito americano é que cada parte deve arcar com os honorários
do advogado que contratou, independentemente do resultado do processo. A parte vencida não paga
honorários de sucumbência, ao contrário do que se verifica no processo civil brasileiro105. A ação se
transforma então em um verdadeiro investimento para o profissional, que financia seus processos e
trabalha neles a fim de maximizar o valor obtido por seus clientes e, consequentemente, seus
próprios honorários. A postura nitidamente empresarial assumida por alguns escritórios dá origem
ao que se chama de advocacia empreendedora (enterpreneurial advocacy).
Mesmo em ações indenizatórias, o conflito de interesses pode surgir, devido à regra de que o
vencido não paga honorários de sucumbência. Em algumas class actions, o demandado paga um
montante alto, normalmente formando um fundo de recursos, a ser distribuído pelos membros da
classe. O problema é que o advogado costuma retirar desse montante um percentual, a título de
ressarcimento das despesas e honorários. Em alguns casos, sobretudo quando as pretensões
individuais são de valor reduzido, o valor que caberá ao advogado pode praticamente esgotar os
recursos obtidos na ação ou inviabilizar um acordo satisfatório com o réu106.
O caso paradigmático sobre o tema é Kamilewicz v. Bank of Boston. Na espécie, uma ação
coletiva havia sido ajuizada anteriormente na justiça do estado do Alabama, sendo pouco depois
aprovado um acordo com o banco réu, em que o mesmo concordava em restituir os valores
cobrados indevidamente de seus correntistas. O problema é que se autorizou no acordo que o banco
descontasse um total de US$ 8,5 milhões de seus clientes para pagar os honorários dos advogados
que defenderam o grupo. Ao final, a maioria dos membros ausentes ficou no prejuízo, porque o
desconto realizado era maior do que a restituição obtida. Um dos clientes, que teve descontado de
sua conta US$ 91,33 para ganhar apenas US$ 2,19, ajuizou uma ação na Justiça Federal contra o
Bank of Boston e os advogados do grupo na class action em que se celebrou o acordo. Nada
104
Sobre a contigency fee, vide, entre outros, KRITZER, Herbert M. The wages of risk: the returns of contigence fee
legal practice, DePaul Law Review, v. 47, 1998, p. 267.
105
Esta particularidade quanto à distribuição dos honorários advocatícios é conhecida como American Rule. A regra
americana se diferencia de quase todos os demais ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil. Sobre o assunto, entre
outros, JAMES JR., Fleming; HAZARD JR., Geoffrey C.; LEUBSDORF, John. Civil Procedure. 5 ed. New York:
Foundation Press, 2001, p. 51; HAZARD JR., Geoffrey C.; TARUFFO, Michele. American civil procedure: an
introduction. New Haven and London: Yale University Press, 1993, p. 96.
106
Vide JAMES JR., Fleming et alii. Op. Cit., p. 665.
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obstante, a ação proposta por este cliente foi extinta porque se considerou impossível rever uma
decisão transitada em julgado da justiça estadual do Alabama107.
Por vezes, o conflito do advogado com uma parcela da coletividade é apenas reflexo das
tensões internas do próprio grupo representado. Em Ortiz v. Fibreboard, por exemplo, a Suprema
Corte dos Estados Unidos demonstrou certa preocupação com o fato de as vítimas presentes e
futuras dos efeitos à exposição do amianto estarem representadas pelos mesmos profissionais109.
Como já se viu acima, a eventual disputa entre membros presentes e futuros é resultado de um
conflito de interesses dos próprios representados, principalmente quanto à tutela processual
pretendida, que pode se refletir sobre os representantes e os advogados.
107
Vide Kamilewicz v. Bank of Boston, 92 F.3d 506 (7th Cir. 1996).
108
Vide, entre outros, NOTE. In-kind class action settlements, Harvard Law Review, v. 109, 1996, p. 810 e JAMES JR.,
Fleming et alii. Op. Cit., p. 665.
109
Vide Ortiz v. Fibreboard, 527 U.S. 815, 856 (1999) (“First, it is obvious after Amchem that a class divided between
holders of present and future claims (some of the latter involving no physical injury and attributable to claimants not
yet born) requires division into homogeneous subclasses under Rule 23(c)(4)(B), with separate representation to
eliminate conflicting interests of counsel.”)
110
Vide, por exemplo, In re Hotel Telephone Charges, 500 F.2d 86 (9th Cir. 1974); Bachman v. Pertschuk, 437 F.Supp.
973 (D.D.C. 1977).
111
Vide, entre outros, Turoff v. May Co., 531 F.2d 1357 (6th Cir. 1976).
112
Vide London v. Wal-Mart Stores, Inc., 340 F.3d 1246 (11th Cir. 2003).
113
Vide Jaroslawicz v. Safety Kleen Corp., 151 F.R.D. 324 (N.D.Ill. 1993).
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patrono, presume-se não haver independência suficiente para que controle efetivamente a atuação
do causídico. O que importa, para a maioria dos tribunais, é se o representante tem condições de
supervisionar as decisões do advogado ou não, devendo ser analisadas as circunstâncias de cada
caso concreto. Isso justifica decisões como em Fetcher v. HMW Industries, em que um advogado
foi considerado inadequado simplesmente porque, apesar de nem mesmo figurar como
representante, era um membro muito influente sobre o restante do grupo114. A questão, entretanto,
está longe de ser pacífica. Alguns juízes e autores defendem a possibilidade de cumulação das
funções em maior ou menor extensão115, enquanto que outros sustentam até mesmo a completa
supressão da figura do representante, entregando a defesa do grupo unicamente nas mãos dos
advogados116.
Dentro da realidade americana, parece desejável que representantes e patronos sejam pessoas
diferentes pelos fundamentos já expostos, mas não se pode proibir em termos peremptórios esta
alternativa. Imagine-se, por exemplo, uma class action em que se questione uma determinada lei
tributária onerando indevidamente a prestação de serviços advocatícios. Em tese, todos os
advogados poderiam ser incluídos na classe nesta hipótese, sendo impossível exigir que o patrono
fosse alguém não interessado diretamente no resultado da demanda. Este é apenas um exemplo para
mostrar que, embora indesejável, a cumulação de funções não pode ser descartada de plano.
4. Considerações finais
O controle judicial da representatividade adequada, embora deva ser admitido nas ações
coletivas brasileiras, entre outras dificuldades examinadas, esbarra na falta de critérios claros e
precisos para que o magistrado possa aferir a adequação do legitimado para defender em juízo os
interesses da coletividade.
Elaborar uma proposta mais consistente e afinada com o direito brasileiro sobre os critérios de
aferição da representatividade adequada extrapolaria os estreitos limites deste trabalho. Nada
obstante, é necessário destacar pelo menos quatro circunstâncias que exigiriam maior reflexão em
um estudo mais aprofundado sobre o assunto: a) no Brasil, não se contemplou a possibilidade de
que pessoas físicas ingressem em juízo com ações coletivas; b) não se vislumbra, no direito
114
Vide Fechter v. HMW Industries, 117 F.R.D. 362 (E.D.Pa. 1987).
115
Vide, nesse sentido, CONTE, Alba; NEWBERG, Herbert B. Op. Cit., v. 1, p. 524/528 (minimizando os possíveis
conflitos de interesses e sustentando a possibilidade de cumulação das funções).
116
Vide BURNS, Jean Wegman. Decorative figureheads... Op. Cit., p. 185 e MACEY, Jonathan R.; MILLER, Geoffrey
P. Op. Cit., p. 58.
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brasileiro, a possibilidade de o juiz determinar que a coletividade seja defendida por um advogado
específico, diferente do profissional constituído pelo legitimado para propor a ação coletiva; c) não
existe, no direito brasileiro, um modelo de advocacia empreendedora que se assemelhe ao dos
Estados Unidos, o que torna bem menos provável a ocorrência de conflitos de interesses entre o
profissional que atua na ação coletiva e o grupo; d) a celebração de acordos nas ações coletivas
brasileiras não apresenta, nem de longe, o destaque que possui nas class actions norte-americanas,
especialmente devido às severas restrições para a negociação de interesses metaindividuais,
considerados indisponíveis.
Espera-se, de todo modo, que o presente estudo tenha contribuído positivamente para uma
compreensão mais aprofundada da representatividade adequada.
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CLARISSA GUEDES
Mestre em Direito Processual pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro UERJ e Doutoranda em
Direito Processual pela Universidade de São Paulo
- USP.
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of this paper is to systematize the development of interlocutory appeals as a remedy
used for contesting interlocutory decisions in the scope of the Portuguese Law. The adoption of this
remedy in Brazilian civil procedural Law has always raised controversy about its application,
procedure and the way it is used since the inception of Justice, and continues until today. We
address the description of the development of the interlocutory appeal and its respective
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systematization in the Law of the Kingdom in order to provide a view of the legal principles that
originated the interlocutory appeal in Brazil. From this historic perspective, we were able to see that
systematization of Portuguese interlocutory appeals maintain meaningful similarities with our
method for contesting interlocutory decisions. What we seek with this type of analysis is to
demonstrate the importance of disseminating the historic studies and teachings which raise the
interest for a change in the methods perspective in the study of procedural Law.
Introdução
“Sem o exame direto das fontes em que deita suas raízes, nenhum instituto recursal pode ser
devidamente entendido em sua evolução”. E para compreender sua trajetória no decorrer do tempo
“é indispensável apurar-se quando o recurso surgiu, em que circunstâncias histórico-sociais, e qual
o primeiro diploma legal que o consagrou, servindo de fundamento para a posterior construção
dogmática de sua figura e de sua conceituação histórica”. 117
Foi esse o espírito que guiou as pesquisas de Moacyr Lobo da Costa na cuidadosa tarefa de
desvendar o momento do surgimento do agravo no direito lusitano118 e, especificamente, do agravo
117
COSTA, Moacyr Lobo da. Origem do agravo no auto do processo. In: AZEVEDO, Luiz Carlos de. COSTA, Moacyr
Lobo da. Estudos de História do Processo: Recursos. São Paulo: FIEO, 1996, p. 176.
118
A origem do agravo no direito lusitano. In: AZEVEDO, Luiz Carlos de. COSTA, Moacyr Lobo da. Estudos de
História do Processo: Recursos. São Paulo: FIEO, 1996, p. 135-158.
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O tema já havia sido objeto, entre outros, da desvelada análise de Alfredo Buzaid120, cujas
conclusões divergem, sob alguns aspectos, daquelas a que posteriormente chegou Lobo da Costa.
Essas discrepâncias, porém, num ou noutro ponto, não têm o condão de desmerecer esse ou aquele
estudo; as pesquisas empreendidas possuem, ao contrário, o mérito de, juntas e agregadas a algumas
outras sobre a matéria121, traçar linhas gerais do desenvolvimento do agravo no direito lusitano, com
a rara fidedignidade que somente se pode esperar de estudos históricos aprofundados, decorrentes
de consulta direta às fontes mais remotas, muitas das quais de difícil acesso na atualidade.
Sem a pretensão de formular uma nova teoria sobre a origem do agravo no direito lusitano, o
trabalho que se inicia objetiva sistematizar a evolução desta modalidade recursal como instrumento
destinado à impugnação de decisões interlocutórias, cuja adoção no direito brasileiro suscitou e
suscita, desde os primórdios da criação da justiça até os dias atuais, constante polêmica acerca de
seu cabimento, procedimento e modalidades.
Espera-se que algum proveito possa ser extraído desta sistematização, menos pela
originalidade e mais pela importância de se difundirem os estudos e ensinamentos históricos, que
despertam o interesse pela mudança de perspectiva metodológica no estudo do direito processual.
1.1. Periodização da História do Direito Lusitano e Sistemas que influíram na Formação do Sistema
Recursal das Ordenações
119
Origem do agravo no auto do processo, op. cit., p. 160-191.
120
BUZAID, Alfredo. Do agravo de Petição no sistema do Código de Processo Civil. 2ª. ed. Saraiva: São Paulo,
1956.
121
PINTO, Antonio Joaquim Gouvêa. Manual das Appellações e Aggravos ou dedução systematica dos princípios
mais sólidos e necessários á sua matéria. Rio de Janeiro: Casa dos Editores Eduardo e Henrique Laemmert, 1846;
GARCEZ, Martinho, Dos aggravos – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: J. Ribeiro Dos Santos,1914; SIDOU, Othon,
Os recursos Processuais na História do Direito, Rio de Janeiro, 1978. Mais recentemente, foram elaborados estudos
monográficos e obras de peso que contêm informações históricas fidedignas, dentre as quais citamos: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. Dos Agravos no CPC Brasileiro. São Paulo: RT, 2005; PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. O
Recurso de Agravo como meio de impugnação das decisões interlocutórias de primeiro grau . Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 5. Rio
de Janeiro: Forense, 2008.
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Há, entre os processualistas que se dedicaram ao estudo da evolução histórica dos recursos
cíveis com a devida seriedade, um certo consenso quanto ao fundamento da existência dos recursos
que, além de psicológico, é eminentemente político122.
Em épocas mais remotas detecta-se que, a partir do momento em que surge uma organização
estatal burocrática e hierarquizada, é de interesse do soberano exercer o controle sobre as decisões
administrativas e jurisdicionais. E como, na prática, é inviável atribuir-lhe competência originária
para todos os litígios, atribui-se-lhe competência para rever as decisões judiciais. As hipóteses em
que cabível tal ‘revisão’, a princípio desprovidas de uma teoria ou estrutura que as pudesse
sistematizar cientificamente, vão, pouco a pouco, tomando a forma de instrumentos processuais
próximos àqueles que hoje se denominam recursos.
Importa-nos analisar os direitos que maior influência exerceram sobre a formação do direito
processual civil lusitano: o direito romano, canônico e germânico. A sistematização da História do
Direito Português fornece a exata percepção desta influência, sobretudo quando se tem em mente a
sistematização adotada por Nuno J. Espinosa Gomes da Silva,123 que divide a evolução do direito
lusitano em quatro etapas.
122
Sobre o fundamento político do poder jurisdicional do monarca e, subseqüentemente recursos, v. TUCCI, José
Rogério Cruz e. Jurisdição e Poder. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 20, onde se afirma: “Assim, tal como pretendemos
demonstrar – após termos individuado, em suas grandes linhas, os múltiplos aspectos da tutela dos direitos subjetivos na
milenar evolução do direito processual – a faculdade de dizer o direito afigura-se ínsita ao vértice do poder político,
como expressão da vontade do soberano, mesmo nos mais antigos agrupamentos sociais, que, embora possuíssem uma
estrutura institucional de cunho profundamente pragmático, não chegaram a uma elaboração técnico-científica do
direito”. Mais adiante, confirma, amparado na autorizada obra de Calamandrei (La cassazione civile), acerca do recurso
de apelação no ordenamento processual romano, que: “a centralização da jurisdição nas mãos do príncipe possibilitou
que a interpretação e a aplicação das normas legais culminassem exclusivas de um único órgão, em situação de deixar
sobre toda e qualquer decisão a marca da própria vontade. De tal modo, a apellatio constituía um instrumento político
idôneo para a obtenção e unificação do ordenamento jurídico em todos os quadrantes do império.” (Idem, p. 40). Luiz
Carlos Azevedo alude constantemente ao fato de que o surgimento dos recursos somente foi possível diante de uma
estruturação estatal hierarquizada (AZEVEDO, Luiz Carlos de. A origem da Apelação no Direito Lusitano. São
Paulo: FIEO, 1996, passim).
123
SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português. I vol. Fontes de Direito. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1985, p. 16-19.
124
Op. cit., p. 17.
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À segunda fase convencionou-se chamar período de influência do direito comum: vai desde o
começo do reinado de D. Afonso III, por volta da metade do século XIII, até meados do século
XVIII (reinado de D. José). Como designa o nome, trata-se de período de sensível recepção do
direito comum126, quando, após cerca de cinco séculos de aplicação do direito romano da
compilação bizantina, Portugal passa a aplicar o direito romano justinianeu: o rei, então, “legislará
para esclarecer, completar, ou, até, afastar as soluções romanas, mas o direito romano será sempre
ponto de referência: e, o direito canônico, em coordenação com o romano, igualmente se
aplicará”127. Neste segundo período, distinguem-se duas épocas:
Uma primeira (até ao aparecimento das Ordenações Afonsinas – meados do século XV),
época de legislação avulsa, em que a lei geral do monarca, do mesmo passo que vai combatendo as
formações consuetudinárias, é veículo de romanização do direito protuguês – época em que se
poderá designar de época de recepção do direito comum. A Segunda época, que se caracteriza pela
codificação dessa legislação avulsa e por uma sistematização das várias fontes, pode denominar-se
época das Ordenações128.
125
Idem ibidem. Nesse ponto, Nuno Espinosa faz menção Paulo Merêa (Estudos de Direito Hispânico Medieval –
Tomo I, Coimbra, 1952), que rejeita a idéia de uma prevalência germânica sobre o “peso insofismável da tradição
romana.”
126
Luiz Carlos de Azevedo e José Rogério Cruz e Tucci, ao mesmo passo em que ponderam sobre a adequação da
denominação ‘direito comum’, assinalam as características do direito por este designado: “A despeito das inúmeras
designações para indicar o ordenamento legal originado em Bolonha a partir do início do século XI, a expressão mais
adequada é direito comum por se revelar menos parcial do que as demais e por traduzir as seguintes idéias: a) apresenta,
como primeira característica, a unidade, visto que unifica (harmoniza) as várias fontes do direito (direito romano-
justinianeu, direito canônico e direitos locais); e b) encerra objeto único (ou comum) de toda a ciência jurídica
européia, quer ainda enquanto ‘trata’este objeto segundo os métodos de uma comum ‘ciência’do direito, fruto de um
ensino universitário do direito que era comum por toda a Europa, e vulgarizada por uma literatura escrita ou
traduzida numa língua também comum – o latim” (TUCCI, José Rogério e AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de
História do Processo Civil Canônico (história e direito vigente). São Paulo: RT, 2001, p. 43 – destaques nossos).
127
Silva, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português, op. cit., p. 18.
128
Idem ibidem.
129
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. 2 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 140, em citação a
Tomás Antonio de Villa Nova Portugal (Memórias da Literatura Portuguesa. [S.l.]: Academia Real da Ciência de
Lisboa, [s.d.]. T.V., p. 377 e 383).
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nos costumes dos senhorios, nos estatutos das universidades, nos direitos dos mercadores e das
demais profissões e atividades”130.
Nesse panorama, a recepção do Direito Romano deflagrada em fins do século XII pode ser
atribuída, em princípio, à influência exercida pela Escola dos Glosadores, de Bolonha. No Reinado
de D. Diniz, tem-se a fundação da Universidade Portuguesa em Lisboa, no século XIII,
posteriormente transferida para Coimbra,131 como fator contributivo ao renascimento do Direito
Justinianeu.
Para Almeida Costa, não é exato cogitar de um “renascimento” canonístico, pois não ocorreu
quebra de continuidade na evolução jurídico canônica que autorizasse tal entendimento. O que
houve foi, tão-somente, “um impulso de transformação normativa e dogmática”. 132
130
AZEVEDO, idem, p. 140.
131
COSTA, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português. 3 ed. Almedina, p. 231. Posteriormente, sob o
Reinado de D. Fernando, o Estudo Geral, juntamente com a Universidade, é transferido mais uma vez para Lisboa, onde
permanece por 160 anos (CAETANO, Marcello. História do Direito Português, (sécs. XII – XVI) – seguida de
subsídios para a História das Fontes do Direito em Portugal do séc. XVI. 4 ed. Lisboa/São Paulo: LAEL, 2000, p.
426).
132
COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p. 246.
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Além destas normas, os influxos romanos se fizeram sentir pela tradução para o vernáculo das
obras ‘Flores de Las Leyes’, de Jácome de Ruiz e ‘Lei das Siete Partidas’, esta última editada em
Castela por Afonso X. Ambas as iniciativas parecem ter ocorrido no Reinado de D. Diniz134.
A esta altura, registra Paulo Merêa, a recepção do direito Romano-Canônico já provocara uma
“profunda remodelação” no âmbito do processo, antes caracterizado pelo formalismo germânico e
pela postura inerte do juiz, notadamente no processo criminal, que deixa de possuir o caráter de
vingança privada e assume natureza pública137.
133
Op. cit., p. 142.
134
Idem Ibidem. Mário Júlio de Almeida Costa registra, no entanto, a existência de controvérsia no que diz respeito ao
período em que teriam sido traduzidas as referidas obras e, bem assim, acerca do alcance das Siete Partidas como fonte
do Direito (cf. COSTA, Mário Júlio de Almeida, História do Direito Português. 3 ed. Almedina, p. 233/235)
135
COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p. 235.
136
Acerca da distinção entre as técnicas utilizadas pelos Glosadores e Comentadores, esclarece Mário Júlio de Almeida
Costa que a atitude destes últimos revestia-se de maior pragmatismo e se destinava a uma dogmática direcionada à
solução dos problemas concretos. Embora os Glosadores também se ocupassem dos problemas de seu tempo, os
Comentadores foram mais além, chegando a se distanciar da coletânea Justianéia: “quer dizer, em vez de estudarem os
próprios textos romanos, aplicaram-se, de preferência, às glosas e, depois, aos comentários sucessivos que sobre elas se
iam elaborando” (Op. cit., p. 238).
137
. MERÊA, Manuel Paulo. Resumo das Lições de História do Direito Português. Coimbra: Tipografia da Editora
Coimbra, 1925, p. 119.
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Entre 1446 e 1447, teve início a vigência das Ordenações Afonsinas; As Ordenações de D.
Manuel vigeram entre 1521 e 1603, quando passaram a vigorar as Ordenações Filipinas, cuja
vigência se estendeu pelo interregno de dois séculos.
São as duas primeiras fases, porém, e mais especificamente a segunda, as que atraem o
interesse imediato desse estudo, pelo fato de guardarem as raízes do sistema recursal gradualmente
positivado nas Ordenações do Reino, as quais, por sua vez, foram aplicadas ao direito brasileiro até
muito depois da independência, chegando a superar o período de regência em terras portugueses,
como registra José Frederico Marques:
No campo das instituições processuais civis, a sujeição às formas do direito comum perdurou
na íntegra até a promulgação do Código de Processo Civil de 1939, pois as leis e códigos, que até
então haviam existido, continuavam fieis, em suas linhas básicas, ao procedimento romano-
canônico do direito medieval138.
Antes, pois, de analisar a sistemática do agravo nas Ordenações, é conveniente fazer uma
breve incursão no sistema recursal dos direitos romano, canônico e germânico, a fim de assinalar os
aspectos que possam ter servido de inspiração ao sistema luso quando da introdução do Direito
Comum em Portugal, com especial enfoque na disciplina da revisão das decisões interlocutórias.
138
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. v. 1.Campinas: Millennium, 1998, 114.
190
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Quanto à suplicatio, há quem a identifique como o instituto recursal que teria originado o
agravo139. Malgrado tenha evoluído no Direito Lusitano para o recurso denominado ‘Agravo
Ordinário’, tal instituto não possuía a finalidade de impugnar decisões interlocutórias de primeiro
grau; destinava-se à impugnação de sentenças dos Sobrejuizes e vinculava-se a alegação de matérias
determinadas. Está, portanto, mais próximo da apelação ou do nosso recurso ordinário, de
competência dos Tribunais Superiores e, em alguns pontos, há como assemelhá-lo aos recursos de
direito estrito direcionados aos Tribunais Superiores.
Não se pode atribuir-lhe, pois, a gênese do agravo, tal como conhecido no direito processual
civil brasileiro, vocacionado à impugnação de decisões interlocutórias140. A apelação coincide com
o período de desenvolvimento da extraordinária cognitio, já que, nos modelos das primeiras fases
do direito romano, não se conhecia a possibilidade de as sentenças serem revisadas por magistrado
hierarquicamente superior, nos moldes da appellatio.
As duas primeiras fases do processo romano (legis actiones e procedimento per formulae),
reunidas, formaram o ordo iudiciorum privatorum, quando o processo era desmembrado em duas
etapas: na fase in iure, perante o pretor, cuidava-se da formulação da demanda e nomeação do
iudex, ao qual seria submetida a lide; já na fase apud iudicem, o árbitro analisava a pretensão do
autor.
Até então, não havia apelação, pois: a) na primeira fase (in iure), a nomeação do árbitro pelo
pretor não configurava julgamento propriamente; e, b) os poderes decisórios conferidos ao árbitro
na segunda fase (apud iudicem) decorriam de sua condição de cidadão romano, “tão igual quanto as
139
NORONHA, Carlos Silveira. O agravo na história do processo português como gravame e como recurso. Revista de
Processo, n. 78, pp. 65-66, 1995; PEÑA, Eduardo Chemale Senistre. O Recurso de Agravo como meio de
impugnação das decisões interlocutórias de primeiro grau . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 19.
140
Esse ponto foi objeto de nota por Tereza Arruda Alvim Wambier: “Mais tarde, o recurso de ‘sopricação’ passou a ser
chamado de ‘agravo ordinário’. Este recurso, no entanto, nada tinha das feições dos agravos que existem nas legislações
hodiernas, exceto a denominação. O agravo ordinário, nascido da ‘sopricação’, de origem romana, substancialmente
equivalia à apelação. Aspectos como tipo de decisão, objeto de impugnação, prazo de interposição, contornos gerais do
aspecto devolutivo etc. coincidiam com relação a ambos os recursos, embora houvesse pontos em que ambos se
afastassem”. Em seguida, reproduz a lição de Martinho Garcez, extraída da obra Dos aggravos – Teoria e Prática,
1914, p. 1, onde se detectam os pontos de convergência e as distinções entre a apelação e a suplicatio ou agravo
ordinário: “O aggravo ordinário apenas se distinguia da apellação, em que: 1o. O aggravo era de direito restricto, não
assim a apellação; 2o., a apellação devolvia ao juízo superior o conhecimento inteiro da causa e aproveitava mesmo à
parte que não tivesse apellado; no aggravo ordinário o juiz só podia prover o aggravante e no objecto do aggravo; 3o, o
apellante podia aproveitar do benefício da restituição na hipótese da Ord. 3, 68, parágrafo 6o; no aggravo ordinário, só
em favor dos menores se dava a restituição” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Dos Agravos no CPC Brasileiro. São
Paulo: RT, 2005, pp. 38-39).
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partes, não cabendo, por isso, recurso algum”141. Além disso, o compromisso da “litis contestatio”
configurava verdadeiro assentimento das partes com a decisão que viria a ser proferida.
Assim, por mais natural que pudesse parecer a possibilidade de se requerer a revisão de uma
sentença proferida por um magistrado a outro, de superior hierarquia, tal expediente inexistiu no
procedimento romano mais antigo. A apelação somente foi introduzida mais adiante, nos
primórdios do império, em decorrência, mais do que de um imperativo jurídico, da superveniência
de uma estrutura administrativa hierarquizada142.
Havia, porém, remédios de outra índole, que se fundavam, não na noção da necessidade de
revisão da sentença, mas em conceitos diferentes, como, por exemplo, o de nulidade de um julgado.
Alguns remédios, tais como a provocatio ad populum, os interdicta e a intercessio, propiciavam,
por vezes, a cassação da sentença do árbitro ou obstavam-lhe a produção de efeitos, sem que
houvesse, propriamente, a substituição da sentença por outra.
Daí a distinção, noticiada por Cruz Tucci, entre o fundamento do poderes outorgados ao juiz
nos procedimentos do ordo iudiciorum privatorum – adotado como regra geral no período da
república romana – e aqueles delegados ao magistrado na extraordinaria cognitio – cujo espectro de
utilização foi gradativamente ampliado no período que coincide com a ascensão do principado: “se
141
AZEVEDO, Luiz Carlos de; COSTA, Moacyr Lobo da. Estudos de História do Processo: Recursos. São Paulo:
FIEO, 1996, p. 31.
142
Quanto mais organizada e burocratizada a estrutura administrativa romana, maior a regulamentação do instituto da
appellatio. Tal relação de proporcionalidade pode ser inferida da assertiva de Cruz e Tucci, ao referir-se à dinâmica de
ordinarização do recurso de apelação: “Com o andar dos tempos, verifica-se um incremento da estrutura burocrática do
império, sobretudo pelas modificações introduzidas por Adriano (117-138 d.C) no campo do direito, inclusive no
sentido de tentar, pela primeira vez, a regulamentação do instituto da appellatio” (Jurisdição e Poder, op. cit., p. 41).
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143
Jurisdição e poder, op. cit., p. 35.
144
Quanto ao momento exato em que teria se originado a appellatio romana, aduzem Carlos Azevedo (A origem da
apelação, p. 44) e Cruz e Tucci (Jurisdição e Poder, op. cit., p. 31), com embasamento em pesquisa aprofundada das
fontes diretas e, também, mediante análise dos estudos empreendidos por Ricardo Orestano na consagrada obra sobre
apelação no direito romano (L’Appello Civile in Diritto Romano, Turim: Giappicheli 2a. ed., 1966), afirmam a
impossibilidade de se precisar o momento da criação do recurso, mas admitem ser verossímil que à época da instituição
do Império já fosse possível a utilização da apelação ao Imperador.
145
A partir do Principado de Augusto, o império romano, antes moderado, passa por uma fase de transição para a
monarquia absoluta. O direito pretoriano passa, então, a ser utilizado como instrumento da política imperial e submete-
se a aprimoramento constante pelos juristas clássicos, estimulados pelos imperadores. Kaser (Derecho Romano
Privado. 5ª ed. Madrid: Instituto Editorial Reus, 1968, p. 08) assinala que o período clássico, embora tenha conduzido o
direito romano jurisprudencial à beira da perfeição, não se equipara ao caráter criativo do período precedente. O mesmo
se pode extrair de Pugliese (Istituzioni di diritto romano. 2ª ed. Torino: G. Giappichelli, 1990, p. 180). Para se ter uma
idéia da concentração de poderes nas mãos de Otaviano Augusto, elucidativa passagem narrada por Moreira Alves: “Em
13 de janeiro de 27 a.C., surge o Principado. Otaviano, diante do Senado, depõe seus poderes extraordinários, e declara
retornar à condição de simples cidadão romano. O Senado lhe suplica volte atrás nessa resolução, ao que Otaviano
acede, impondo duas limitações o seu poder: 1ª, que as províncias romanas se repartam entre o Senado (províncias
senatoriais, pacificadas, e, portanto, carecedoras de exército nelas sediado) e ele (províncias imperiais, conturbadas por
agitações, e, demandando, conseqüentemente, a presença de tropas); 2ª, que o exercício de suas funções extraordinárias
se limitem, no tempo, por dez anos” (ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
1997 p. 30).
146
COSTA, Moacyr Lobo da. A origem do agravo no direito lusitano. In: AZEVEDO, Luiz Carlos de. COSTA, Moacyr
Lobo da. Estudos de História do Processo: Recursos. São Paulo: FIEO, 1996, p. 135.
147
“Ante sententia appellari potest si quaestionem in civili negotio habendum iudex interlocutus sit; vel in criminali, si
contra leges hoc faciat”.
148
“Eius, qui ideo causam agere frustratur, quod dicit se libellum Principi dedisse, et sacrum Rescriptum expectare,
audiri desiderium prohibetur: et si ob eam causam provocaverit, appellatio eius recipi Sacris Constitutionibus vetatur”.
193
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149
Código Theodosiano 11.36.16 (“Interpositas appellationes a praeiudicio vel ab exsecutione damnantes et eum, qui
ab istiusmodi titulis provocaverit, et officium, quod non renuntiarit, quinquagenas argenti libras fisco nostro iubemus
inferre, litem suam faciente iudice qui recepit. Dat. VIII id. octob. Altino; accepta XVI kal. nov. divo Ioviano et
Varroniano conss. (364 oct. 8)”); 11.36.18 (“Nullum audiri provocantem ante definitivam sententiam volumus, si tamen
in iudicio competenti negotium fuerit inchoatum, salva scilicet iuris antiqui moderatione atque sententia, cum vel
exceptio obponitur vel ad agendum locus poscitur vel dilatio instrumentorum causa aut testium postulatur atque haec
impatientia vel iniquitate iudicum denegantur. (365 dec. [?] 20)”; e 11.36.23 (“Exceptis praescriptionibus peremptoriis
si quis ab articulo appellare temptaverit, non audiatur, sed neglecta appellatione iudex discussis omnibus tendat ad
finem, reservata post ultimum facultate partibus appellandi, si displicuerit definitiva sententia. neque tamen sit iudici
potestas irrogandae multae. Satis enim poenae videtur non audiri ab articulo provocantem. Et cetera. Dat. III kal. feb.
Treviris accepta VI kal. mai. Valente VI et Valentiniano II aa. conss. (378 ian. 30)”.
150
Código Theodosiano 11.36.1: “Moratorias dilationes frustratoriasque non tam appellationes quam ludificationes
admitti non convenit. Nam sicut bene appellantibus negari auxilium non oportet, ita his, contra quos merito iudicatum
est, inaniter provocantibus differri bene gesta non decet. Unde quum homicidam vel adulterum vel maleficum vel
veneficum, quae atrocissima crimina sunt, confessio propria vel dilucida et probatissima veritatis quaestio
probationibus atque argumentis detexerit, provocationes suscipi non oportet, quas constat non refutandi spem habere,
quae gesta sunt, sed ea potius differre tentare. Qui de variis litibus causisque dissentiunt, nec temere, nec ab articulis
praeiudiciisque, nec ab his, quae iuste iudicata sunt, provocare debebunt. Quod si reus in homicidii vel maleficii vel
adulterii vel veneficii crimine partem pro defensione sui ex testibus quaestioneque proposita possit arripere, parte vero
obrui accusarique videatur, tunc super interposita appellatione ab eodem, qui sibi magis, quae pro se faciant,
testimonia prodesse debere affirmat, quam ea, quae adversus ipsum egerint, nocere, deliberationi nostrae plenum
arbitrium relinquatur. Dat. III. non. nov. Treviris. acc. XV. kal. mai. Hadrumeti, Volusiano et Anniano coss”.
151
A disciplina parece ser análoga à do agravo retido. A transcrição traduzida do grego para o latim e as traduções para
o italiano e para o espanhol podem ser encontradas em AZEVEDO, Luiz Carlos de. O agravo no direito lusitano, op.
cit., p. 135.
194
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Como se verá nas linhas subseqüentes, esse direito romano clássico exercerá significativa
influência quando do momento da recepção do direito romano, no período do desenvolvimento do
direito comum na Europa.
Antes disso, contudo, os influxos do direito romano fazem-se presentes no Império Romano
Ocidental de forma impura, pela constante vulgarização que, no condado Portucalense, proveio da
utilização da Lex Romana.
1.3. Linhas Gerais sobre o Sistema Recursal no Direito Germânico e Apelabilidade das
Interlocutórias:
Como registra Buzaid152, a prática judiciária germânica difundida na Europa a partir das
invasões bárbaras é informada por princípios diversos do direito romano.
O processo germânico se divide em fases determinadas, das quais são fundamentais a fase
probatória e a do julgamento. Um dos objetivos é estabelecer sobre quem recai o ônus da prova,
entendida a prova como duelo ou juramento.
Esta cisão, segundo explica o autor, vem permitir que o processo germânico se desenvolva
intercalado por um conjunto de sentenças que resolvem questões processuais e substanciais, à
medida que surgem. Cada uma destas sentenças prolatadas no curso do processo tem seu próprio
valor e é imediatamente apelável. Não sendo impugnada, torna-se imutável.
Daí se inferir que o sistema recursal germânico estivesse aberto à ampla possibilidade de
impugnação das decisões proferidas no curso do processo, a uma, porque possuíam, muitas vezes,
conteúdo que encerrava verdadeira análise – ainda que parcial – da causa; e, a duas, pois a ausência
de impugnação acarretava a impossibilidade de fazê-lo supervenientemente, devido à imutabilidade
do comando.
1.4. Linhas Gerais do Sistema Recursal no Direito Canônico e a Apelabilidade das Interlocutórias
até o Concílio de Trento
152
Do Agravo de Petição no Sistema do Código de Processo Civil, p. 22.
195
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A rigidez das fases processuais e a exigência de que os atos do procedimento ordinário fossem
escritos tornavam-no excessivamente lento e custoso. Porém, tal sistematização decorrida da
necessidade de reforçar o Poder do Sumo Pontifício mediante ordenação do direito positivo e
reafirmação de sua autoridade de legislador, sobrepondo-a à dos concílios154.
Essa postura permissiva no tocante aos recursos, em contraste com o processo romano
clássico, seguiu no processo canônico até o período da Contra-Reforma, quando, então, houve uma
reação da Igreja, de sorte a instituir normas mais rígidas na condução do processo. A questão da
morosidade processual, lançada e enfrentada - providencialmente - nesse período no processo
canônico, estimulou a adoção da vedação romana à apelação contra as decisões interlocutórias,
ressalvadas aquelas que possuíssem força de definitivas, regra que restou consignada na bula papal
153
TUCCI, José Rogério Cruz e. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de Processo Civil Canônico, op. cit., p. 53.
154
TUCCI, José Rogério Cruz e. AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de Processo Civil Canônico, op. cit., p. 59.
155
Idem Ibidem. Nesse período foi admitida também a supplicatio no direito canônico e a apelação não poderia ser
interposta quando se atingisse a tríplice conformidade (Decretais 2.28.65).
196
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Benedictus Deus, do Papa Pio IV, onde se consignaram e aprovaram as deliberações do Concílio de
Trento (1547-1563)156.
Deve-se consignar, contudo, que a recepção do direito comum pelo Direito Lusitano ocorreu
em período anterior à Contra- Reforma, quando, a princípio, o processo civil se mostrou mais
sensível à influência canônica no que tange à apelabilidade das decisões interlocutórias. A regra da
inapelabilidade, de inspiração romana, só foi adotada no direito canônico após o período do
renascimento do direito romano-canônico.
2.1. A Recepção do Direito Comum e a Apelabilidade das Sentenças como regra geral até o
Reinado de D. Afonso IV
156
Idem ibidem.
157
BUZAID, Alfredo. Op. cit., p. 25.
197
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Sobre o período da introdução do direito comum em Portugal, Luiz Carlos de Azevedo faz
minuciosa exposição da doutrina que analisou a questão e conclui, coerentemente, que a penetração
gradativa do direito romano na legislação se dá a partir do estudo propagado nas universidades,
situando-se a princípio num campo erudito para, depois, propagar-se de maneira mais ampla.
Assim, elucida que “muito embora conhecido desde o princípio da Monarquia, poder-se-á situá-lo,
com mais precisão, no Reinado de Afonso III, quando este soberano o traz de corte francesa, mais
tranqüila por certo, para haurir novas idéias do saber”159.
Embora, até onde se saiba, o período da Reconquista não tenha sido profícuo em produção
legislativa, a adoção do Código Visigótico, com inúmeras interpolações, conviveu com a variedade
de fontes senhoriais e municipais de natureza consuetudinária, decorrentes da fragmentação política
ocasionada pelas invasões bárbaras e da necessidade do monarca de atribuir privilégios à nobreza.
Daí a necessidade de se reduzirem a escrito essas fontes locais, o que foi feito mediante concessão
de forais pelos monarcas aos senhores, onde se continham as regras jurídicas de determinado
povoado.161
Quanto aos poderes do monarca para revisar as decisões emanadas de jurisdições locais,
observa Tucci, com apoio em Marcelo Caetano e Garcia Gallo:
Mesmo que a comunicação dos súditos com o tribunal régio estivesse mediatizada pelo
senhor, tornando embaraçosa a queixa ou súplica àquele, verdade é que, ao analisarmos algumas
fontes de direito consuetudinário desse período histórico, chegaremos facilmente à conclusão de que
o monarca detinha amplas prerrogativas, dentre as quais a suprema jurisdição162.
158
Idem, p. 27.
159
Origem e Introdução da Apelação no Direito Lusitano, op. cit., p. 87.
160
COSTA, Moacyr Lobo da. O agravo no direito lusitano, op. cit., p. 141-145.
161
TUCCI, Jurisdição e poder, op. cit., p. 131-132.
162
Idem, p. 132.
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E como somente se pode falar na concepção de uma sistemática recursal a partir da existência
de uma organização judiciária hierarquizada, é, principalmente no Reinado de D. Afonso III (século
XIII) que se permite indagar sobre a matéria, quando, então, houve a preocupação do soberano em
reforçar sua posição política mediante um processo de centralização das questões de ordem jurídica
e financeira.
Aqui convém uma explicação sobre o Reinado D. Afonso III e a configuração política do
Estado português naquela época.
D. Afonso III assume o trono para substituir o irmão, Sancho II, mediante consentimento da
Igreja Católica, cujo interesse era de estabelecer a ordem no reino incipiente de Portugal. Uma vez
que o Rei anterior, Sancho II, não conseguia conter as freqüentes inquietações e disputas locais, o
Papa Inocêncio IV houve por bem estabelecer um acordo com o irmão do monarca, de molde a
destitui-lo e apoiar o Reinado de D. Afonso III, cuja missão primodial consistiria em amainar os
ânimos no território do novo Reino.
Até então, o direito lusitano não conhecia os recursos, da forma elaborada, pois “não é
possível se confundir a apelação, instituto estruturado em moldes romanos e com características e
163
Em trabalho sobre a recepção do direito romano no ocidente europeu Medieval, Fátima Regina Fernandes faz
interessante análise dos dados biográficos de Afonso III e narra como se deu o Juramento de Paris, onde vivia o
monarca, primo de Luís IX. Narra, ainda, que D. Afonso possuía o precedente título de Conde de Bolonha, por haver
sido casado com a Condessa Matilde de Bolonha. Posteriormente, D. Afonso repudiaria a primeira mulher e se
consorciaria com D. Beatriz, filha bastarda de Afonso X de Castela, numa manobra matrimonial diplomática. Apesar
disso, Afonso III jamais abandonaria o título de Conde de Bolonha. (FERNANDES, Fátima Regina. A Recepção do
Direito Romano no Ocidente Europeu Medieval. História: Questões & Debates. Curitiba, n. 41, p. 73-83, 2004. Ed.
UFPR 74).
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requisitos próprios (...) com as queixas, querimas e querimônias dirigidas ao rei, quando sua
passagem pelas cidades e castelos do reino.”164 165
De acordo com o estudo das fontes legais feito por Luiz Carlos Azevedo, “o atestado
comprobatório da introdução da apelação no direito português está na lei de D. Afonso III, passada
nas cortes de Leiria – 1254, quando, por primeiro, o povo se fazer representar - ou –e Coimbra, -
1261 - ”166.
A apelação, no Direito Português, surge, pois, tal qual no Império Romano, para reforçar a
crescente centralização administrativa e jurídica nas mãos do soberano, permitindo-lhe controlar as
decisões proferidas no âmbito local e, com isso, limitando os poderes nobiliárquicos. Mais tarde, a
recepção do direito comum se acentuaria com D. Diniz, cujo reinado é notório pela expansão
jurídica, a partir da tradução das fontes hispânicas,167. da organização do processo e da fundação da
Universidade de Portugal.
164
Origem e introdução da apelação no direito lusitano, op. cit., p. 104.
165
Essas queixas, querimas e querimônias foram tradicionalmente utilizadas no direito português como sucedâneos
recursais, à míngua de instrumento elaborado para impugnar as decisões judiciais. De início, se prestaram, ao que
parece, a impugnar decisões de toda as espécies; subseqüentemente à introdução da apellatio, como se demonstrará,
foram utilizadas como artifício para driblar a inapelabilidade das decisões interlocutórias.
166
A origem da Apelação no Direito Lusitano, op. cit., p. 104. Posteriormente, em artigo intitulado “Ainda a origem
da Apelação no Direito Lusitano” (Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 90, 1995, p.
67 e s.), Azevedo aprofunda a discussão acerca da preexistência da apelação como costume e do real sentido da
expressão “apele logo, ca tal como quero seja costume de meu Reyno”, contida na lei que que consta no livro das leis e
posturas, devidamente reproduzida no primeiro trabalho do autor (A origem da apelação, op. cit., p. 127 e s.). A
polêmica, travada com o autor português Marcello Caetano, diz respeito à dúvida quanto à intenção do soberano: se
pretendia positivar um costume ou se estava, de fato, “criando” o costume com a feitura da lei. A conclusão de
Azevedo, tanto no segundo trabalho, (Ainda sobre a origem ..., op. cit., p. 81) é de que “a introdução da apelação do
direito lusitano ocorre com a edição da lei de D. Afonso III”, sendo difícil precisar quando exatamente teria dimanado o
selo real, “mas é certo que se deu entre 1254, e deste dez anos para a frente, pois os manuscritos repetem: Leiria,
Coimbra e Lisboa, sendo esta última cidade o local para onde D. Afonso vai transferindo em caráter permanente a sede
de seu reino”. Desta forma, Azevedo conclui que a Lei de D. Afonso III, contida no Livro de Leis e Posturas, somente
eram utilizadas as querimas e querimônias, de ascendência germânica.
167
Especificamente as Flores de las Leyes e as Siete Partidas.
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Qual a necessidade de se criar um recurso novo para substituir em parte o usado, quando êste
atendia plenamente ao seu fim? O recurso de agravo, até o reinado de D. Afonso III, era, portanto,
inteiramente desconhecido, ou melhor, só existia, além da apelação, o de suplicação, ou sopricação,
o qual vai receber pouco depois a denominação de agravo ordinário. Mas o que parece certo é que
o agravo de petição, de instrumento ou no auto do processo ainda não começam a configurar-se.
Pelo contrário, difundia-se cada vez mais o uso da apelação, admissível não só de sentenças
definitivas, mas também de interlocutórias, não só dos atos judiciais, mas também dos
extrajudiciais168.
Essa orientação se reafirma na Lei de 1316, do referido D. Diniz, onde se faculta a apelação
de sentenças definitivas e interlocutórias, e que viria a ser reproduzida nas Ordenações Afonsinas,
em estilo compilatório169.
Nas palavras de Gouvêa Pinto, “ganhou o Processo na brevidade; porém o Direito das Partes
Offendido pelas outras interlocutorias ficou sem remédio.”171
Caso o juiz não se retratasse, a parte agravada pela interlocutória poderia tirar ‘estormento’ ou
‘carta testemunhável’, que ainda não configuravam um recurso, no sentido formal, mas remontavam
às antigas querimas ou querimônias. Nesse estormento ou carta testemunhável, apresentado ao
168
Op. cit., p. 32.
169
A prática de apelar das interlocutórias teria produzido “efeitos perniciosos, porque entravou a marcha dos processos,
alimentou a chicana e entibiou a confiança dos litigantes numa pronta administração da justiça” (BUZAID, Alfredo,
op.cit., p. 33), em razão de que se estabeleceria a proibição de D. Afonso IV.
170
A regra imposta nas Ordenações Afonsinas foi a da inapelabilidade das interlocutórias, instituída por D. Afonso IV,
restando claro que a referência à Lei de D. Diniz era apenas digressiva, como era o estilo das primeiras Ordenações.
171
PINTO, Antonio Joaquim Gouvêa. Manual das Appellações e Aggravos ou dedução systematica dos princípios
mais sólidos e necessários á sua matéria. Rio de Janeiro: Casa dos Editores Eduardo e Henrique Laemmert, 1846, p.
36.
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A Lei de D. Afonso IV é, portanto, o primeiro passo dessa evolução, a que se agrega Lei de
D. Duarte que proibiu, posteriormente, a utilização de querimas ou querimônias mediante cartas de
justiça, meio usualmente utilizado em terras lusitanas, mediante o qual se acolhia o pleito daquele
que se queixava partindo do pressuposto que os fatos teriam ocorrido “tal como se querelou”.
A adoção dessas cartas de justiça causou perplexidades e, embora fosse uma medida célere, os
problemas gerados superaram as vantagens oferecidas, de forma que, a partir do momento em que
se consagram o estormento e a carta testemunhável, não mais irá se justificar a querima fundada na
mera alegação da parte. Os estormentos e cartas testemunháveis, por conterem a resposta do juiz, da
parte contrária e a fé pública das informações prestadas pelo tabelião ou escrivão, evitarão o
desnecessário gasto de tempo com querimas baseadas em informações inexatas.
Observa-se, pois, que o influxo do Direito Romano restringe a permissão geral da apelação,
herdada dos Direitos Canônico e Germânico, a ponto de se vedar a apelação contra as sentenças
interlocutórias, ressalvadas as hipóteses que contidas na Lei de D. Afonso IV, posteriormente
transplantadas para as Ordenações Afonsinas.
172
Cf. COSTA, Moacyr Lobo da. O Agravo no Direito Lusitano, op. cit., p. 152 – tenha-se em mente que a Corte, à
época, deambulava.
173
As Ordenações Afonsinas são produto de compilação encomendada por D. João I ao jurista João Mendes, cuja
elaboração prosseguiu após a morte deste monarca, sob a égide de D. Duarte, a cargo de Rui Fernandes e foi,
posteriormente, revista por Lobo Vasques, Luiz Martins e Fernão Rodrigues, já na regência de D. Pedro. A conclusão
da obra parece ter ocorrido em Villa de Arruda, aos 28 de julho de 1446, sob o reinado de D. Afonso V (Cf.
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007).
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de D. Duarte (1433-1438) acerca da competência para o julgamento das apelações nos processos
cíveis.
Cuidava-se de critério territorial, pelo qual se determinava que todas as apelações dos feitos
cíveis viessem aos Sobrejuizes da Casa do Cível, salvo aquelas cujos feitos estivessem no mesmo
lugar onde a Corte de Justiça estivesse, ou a até cinco léguas ao redor deste local, porque essas
deveriam ser desembargadas pelos Ouvidores da Corte deambulante
Como dito, o modelo recursal da compilação afonsina é aquele instituído por D. Afonso IV
que, receoso da morosidade processual, impõe a regra da inapelabilidade das sentenças
interlocutórias, ressalvadas as que tivessem força de definitiva e aquelas suscetíveis de causar dano
irreparável.
Nesse segundo diploma, editado pelo filho de D. Diniz, o Rei Afonso IV, considerando as
delongas excessivas do processo devido à interposição de sucessivas apelações, veda a apelação das
sentenças interlocutórias (regra geral), excetuadas as situações: i) em que fosse possível advir dano
à parte que não pudesse ser corrigido com a apelação da sentença definitiva, ii) ou naquelas
situações em que a sentença interlocutória contivesse vício de tal natureza que após ela não pudesse
vir a sentença definitiva (sentença terminativa), naquelas em que o julgador não possuísse
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jurisdição, quando o demandante não pudesse demandar, o demandado não pudesse ser demandado,
a petição não trouxesse direito ou os artigos não fossem pertinentes (Afonsinas, 3.72.2 a 3.72.6).
Estava estabelecida, então, nas Ordenações, a diferença entre sentenças definitivas e sentenças
interlocutórias. E, entre estas últimas, a distinção entre interlocutórias simples e interlocutórias com
força de definitivas.
Com efeito, o título LXVII do Livro III das Afonsinas cuida especificamente da sentença
interlocutória, definindo-a, no proêmio, como “qualquer Sentença, ou Mandado, que o Juiz dá, ou
manda em alguum feito, ante que dé Sentença definitiva”.
Na primeira hipótese, observa Marcello Caetano, “mantém-se a regra de que o juiz deve
comparecer perante o tribunal da corte para verbalmente expor o caso, mas admite-se que os
ouvidores ou sobrejuizes mandem vir à sua presença o processo ‘para verem por ele cumpridamente
o direito das partes e darem aí o desembargo como acharem por direito que se deve dar’” Isso está
em Afonsinas, 3.72.9174.
Se a sentença recorrida houvesse sido proferida fora do lugar onde a corte estivesse, havia a
distinguir duas hipóteses: o juiz recebia, ou não, a apelação. Caso o juiz não recebesse a apelação, a
parte inconformada deveria pedir que a sentença fosse trasladada em estormento de agravo (lavrado
por tabelião) ou carta testemunhável (certificada pelo escrivão dos autos), juntamente com a
resposta do juiz às razões do recurso, para tudo ser enviado aos sobrejuízes (competentes do Cível)
dentro de 30 dias contados da data da apelação. Se os sobrejuizes recebessem a apelação (“se estes
acharem que foi bem apelado”), determinariam a anulação de todos os autos praticados a partir da
interposição do recurso cuja prática o apelante não tivesse consentido (Afonsinas, 3.72.10). Caso o
174
.CAETANO, Marcello. História do Direito Português (sécs. XII – XVI). Subsídios para a história das fontes
do Direito em Portugal no séc. XVI. 4a ed. São Paulo/Lisboa: Editorial Verbo, 2000, p. 587.
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juiz recebesse a apelação, então deveria atribuir-lhe efeito suspensivo e remeter o processo ao
tribunal ad quem (Afonsinas, 3.72.11) 175.
No proêmio do Título XXVII, das Ordenações Afonsinas, é dito que “todo Juiz pode
revoguar fua Sentença Intrelucutoria, ante que dee a definitiva; ca depois que a definitiva he dada,
já fe nam pode mais o juiz tremeter para julguar aquelle feito, que já he findo por sentença
definitiva” e, ainda, “que a Sentença definitiva nam pode fer mais revoguada, pois o Juiz deu per
ella fim a todo o feu Juizo”.
Era possível ao juiz rever a sentença interlocutória por ele proferida, até a prolação da
sentença definitiva, a qual encerrava o ofício jurisdicional.
A revogação das sentenças interlocutórias poderia se dar em dez dias, contados do dia em que
fora dada, sempre que requerido pela parte sucumbente; já em caso de o juiz, independentemente de
requerimento da parte, querer revogar sua própria sentença interlocutória, em tal caso poderia fazê-
lo a qualquer tempo, enquanto não houvesse sentença definitiva (Afonsinas, 3.67.2).
Na hipótese em que, requerida a revogação da sentença interlocutória ao juiz pela parte, este
não a revogasse, poderia a parte apelar, devendo ser recebida a apelação, e os Juizes, que dela
conhecessem, revogariam ou confirmariam a sentença interlocutória, segundo achasse por direito
(Afonsinas, 3.67.4).
Quando a apelação não fosse recebida, o interessado deveria extrair um “estormento” ou carta
testemunhável para apresentar em até 30 dias (v. Afonsinas, 3.72.10 e 3.67.5).
175
Idem Ibidem.
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contra a qual não era permitido apelar”176. Não se tratava, ainda, do recurso de agravo de
instrumento.
Esse entendimento discrepa daquele consignado por Alfredo Buzaid, segundo o qual, já antes
das Ordenações Afonsinas, quando da proibição de D. Duarte da concessão de “cartas direitas” por
meras informações da parte, tinha-se uma forma primitiva de agravo e, no Livro 3, Título 67, § 5,
das Ordenações Afonsinas estaria configurado o agravo de instrumento177, embora não tivesse ainda
surgido o agravo de petição. Também Noronha alude aos estormentos e cartas testemunháveis como
modalidades primitivas do agravo de instrumento, com apoio na opinião de Buzaid178.
A doutrina, porém, tende a concordar com a afirmativa de Lobo da Costa179, pois, de fato,
parece que o agravo, como recurso impugnativo das sentenças interlocutórias de primeiro grau,
ainda não se encontrava devidamente elaborado e sistematizado nas Ordenações Afonsinas.
Já nestas Ordenações se observava “o equívoco que desde cedo se estabeleceu no uso dos
termos ‘apelação’ e ‘agravo’” enumerado em uma série de passagens das Afonsinas por Marcello
Caetano180. Após citar trechos das ditas ordenações, enuncia o autor que:
A tendência será, pois, para o emprego dos termos << agravar >> ou << agravo >> no sentido
genérico de << recorrer >> e de << recurso >>, compreendendo a apelação, a simples queixa e a
suplicação. E daí para marcar bem a exclusão da possibilidade de qualquer recurso impugnar uma
decisão se frise ser esta insuscetível de apelação ou agravo. É o que se vê, por exemplo no livro V,
109, ao reproduzir a lei de D. Afonso IV de 1355 que estabeleceu a competência exclusiva dos
juízes das terras para com os vereadores de julgarem certos feitos: << e de qualquer sentença
definitiva que por eles for dada entre as sobreditas partes, que se essas partes apelarem ou
agravarem, que lhes não recebam apelação nem agravo, nem lha dêem para Nós nem para aqueles
que, antes desta lei, de direito e por costume deviam de apelar >> (§ 3)181.
Não se pode dizer, porém, que esta imprecisão terminológica permita identificar a figura do
agravo de instrumento já como recurso típico nas Ordenações Afonsinas, até porque o uso da
176
O Agravo no Direito Lusitano, op. cit., p. 153.
177
Do Agravo de Petição ... , op. cit., p. 36-37.
178
NORONHA, Carlos Silveira. Do Agravo de Instrumento. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 26.
179
Nesse sentido, Barbosa Moreira: “As Ordenações Manuelinas consagram o agravo como recurso típico das decisões
interlocutórias simples”(Comentários ao Código de Processo Civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 485);
180
CAETANO, Marcello. História do Direito Português (sécs. XII – XVI). Subsídios para a história das fontes do
Direito em Portugal no séc. XVI. 4a ed. São Paulo/Lisboa: Editorial Verbo, 2000, p. 585
181
Op. cit., p. 586-587.
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expressão ‘agravo’ naquele diploma designava, senão sempre, como aduz Lobo da Costa, no mais
das vezes, o gravame causado à parte. É o que se percebe quando se analisam os exemplos
fornecidos pelo autor, contidos em: 3.29.8; 3.36.12; 3.67.5; 3.67.4; 3.72.1; 3.75. pr.; 3.77.1; 3.77.3;
3.77.4; 3.77.5; 3.115.1 e 3.80.1182.
Diante de tão numerosos e significativos exemplos, e ante o fato de que a expressão “agravo
de instrumento” não é utilizada uma única vez nas Ordenações Afonsinas – o que, certamente,
exclui a tipicidade do instrumento e, portanto, a conformação recursal – conclui o professor Lobo da
Costa que “as Ordenações Afonsinas tratam, em diversos textos do livro primeiro, do ‘Extormento
d’ Agravo’, que ainda não é o recurso do ‘agravo de instrumento’ ”. E, posteriormente, contrariando
a idéia de que a expressão agravo, nas Ordenações Afonsinas, teria sempre o significado de
gravame, atesta que “a imprecisão terminológica perdura, pelo emprego indiscriminado do termo
‘agravo’, ora para designar ‘gravame’ com o seu tradicional significado, ora para conceituar o
respectivo instrumento escrito, ora para caracterizar o recurso contra a decisão gravosa”183.
182
COSTA, Moacyr da. O agravo no direito lusitano. In: COSTA, Moacyr Lobo da. AZEVEDO, Luiz Carlos de.
Estudos de História no Processo, op. cit., p. 154-157.
183
O agravo no direito lusitano, op. cit., p. 157.
184
Encomendadas por D. Manuel aos Jurisconsultos Rui Boto, Rui da Grã e João de Contrim, com a finalidade de
compilar a já significativa legislação extravagante no início do Século XVI, além de atualizar, modificar e interpretar as
Ordenações Afonsinas. Paulo Merêa esclarece que “para essa resolução concorreram não só a necessidade de rever e
esclarecer as Ordenações de Afonso V e de lhes acrescentar as numerosas leis publicadas posteriormente, mas ainda o
desejo, que teria o glorioso monarca, de ligar seu nome ao corpo de direito nacional.” (MERÊA, Manuel Paulo, op. cit.,
p. 137).
185
Op. cit., p. 188.
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Foi D. Manuel, em realidade, nosso primeiro governante: ademais, durante seu reinado,
promulgaram-se as ordenações que levam o seu nome, certamente o primeiro corpo legislativos que
aqui conheceu efetiva vigência; com efeito, nas duas décadas que o antecederam, as Afonsinas
tiveram mínima ou nenhuma repercussão na terra de Sta Cruz, pois a política de assentamento e
colonização só se iniciaria anos após a descoberta, dado que o interesse maior da metrópole se
dirigia ao comércio com o Oriente e com as Índias186.
A estrutura das Ordenações Manuelinas é igual à das Afonsinas; a principal diferença entre
elas se verifica no aspecto formal: o estilo das Manuelinas é decretório e conciso e só em caráter
excepcional faz alusão a extratos de lei, sem contudo, reproduzir-lhes o teor. Suprimiram-se as
lacunas e obscuridades e introduziram-se algumas inovações, como é o caso da introdução do
agravo de instrumento como recurso típico no processo civil lusitano.
186
Idem Ibidem.
187
MERÊA, Manuel Paulo. Op. cit., p. 137.
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O Título LIII exemplificava as interlocutórias mistas, das quais se podia apelar, por exceção,
já que a regra da inapelabilidade das interlocutórias segue disciplinando a generalidade dos casos:
quando o juiz julga que o demandado não possa ser citado ou quando a citação realizada é
‘nenhuma’ ou ‘não valiosa’, ou pronunciada por um ‘não juiz’; quando julga que o demandado não
por ser demandado ou que o libelo ou petição ‘não procede’, não havendo mais prazo para corrigi-
lo; e, assim, ‘em todos os casos semelhantes’.
Porém, observa Buzaid188, não era lícito apelar de toda interlocutória definitiva: as sentenças
que emanassem da Relação do Porto, do Corregedor do Paço ou do Corregedor de Lisboa, admitia
suplicação ou agravo ordinário (Manuelinas, 3.53.1 e 54).
Essas duas modalidades de agravo ordinário - por estormento ou por petição - consagraram-
se também como modalidades de agravo contra as interlocutórias. Também sagrou-se o critério
territorial a que estava subordinada a modalidade de agravo cabível, passando-se, a partir de então,
a se interpor agravo por instrumento quando não houvesse no local (i.e. até cinco léguas ao redor)
tribunal superior que pudesse julgá-lo; e por petição, quando os Sobrejuízes se encontrassem no
mesmo local (i.e., até cinco léguas ao redor) que o juiz que proferisse a sentença interlocutória.
188
BUZAID, op. cit., p. 39-40.
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De fato, como adiante se verá, o critério territorial é repetido em diversos trechos, servindo
para delinear os limites da competência dos Julgadores, tal como se verifica, por exemplo, em
1.6.10, acerca “Do Corregedor da Corte dos Feitos Cíveis” e em 1.7.1, acerca “Dos Juizes dos
Nossos Feitos”:
Também em 3.48.8 e 3.50.6, apenas para citar algumas passagens que reforçam o argumento,
observa-se a adoção deste parâmetro peculiar de definição do regime de agravo a ser adotado, que
se revelava muito consentâneo com os prováveis problemas de locomoção dos juízes, transporte dos
autos e demora dos feitos que certamente deveriam sondar o processo na vigência das Manuelinas.
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direito lusitano, era considerada como o termo final do ofício jurisdicional, impedindo o juiz de
analisar a causa e as decisões nela proferidas, salvo raras exceções, de que é exemplo a própria
denegação da apelação em primeiro grau, enunciada neste mesmo parágrafo, parte final.
O § 5 deste título disciplina a hipótese de, embora tendo sido requerido pela parte, a
revogação ser indeferida pelo juízo. Nesse caso, poderia a parte apelar ou requerer estormento ou
carta testemunhável, conforme a hipótese, onde se remete ao título LIX, “Da maneira que se terá,
quando o Juiz non recebe apellaçam contra sentença interlocutoria”.
De acordo com o proêmio do título mencionado, quando alguma parte apelasse de sentença
interlocutória e o juiz não recebesse a apelação, poderia o apelante pedir estormento de agravo ao
tabelião, ou carta testemunhável ao escrivão do feito, nos moldes do título 72 das Ordenações
Afonsinas.
Pode-se notar, portanto, pelo que até aqui se expôs, que, a par do agravo ordinário, que não
nos interessa senão acidentalmente, por razões que já foram enumeradas, foram introduzidos no
processo, para remediar a falta das apellações das interlocutórias, três espécies de agravo: o agravo
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de petição189, que possuía o inevitável efeito suspensivo, o agravo por estormento ou carta
testemunhável190 e o agravo no auto do processo191, que não possuíam o condão de sobrestar o feito.
A origem do agravo nos autos do processo, observa Lobo da Costa, não havia sido objeto de
análise acertada por nenhum dos ensaios monográficos de autores portugueses e brasileiros, devido
à insistência em se atribuir à Lei de D. João III, de 1526, a instituição de tal remédio, olvidando-se,
assim, a sobredita norma, contida no Livro III, Título 57, § 8, da edição de 1521 das Ordenações
Manuelinas .192
Essa modalidade de agravo, também adotada para impugnar o ‘recebimento indevido’ dos
agravos ordinários contra as sentenças interlocutórias simples dos Sobrejuizes, Ouvidores ou do
Corregedor da Corte (Manuelinas, 3.77.17), prestou-se à simplificação do procedimento, permitindo
que, mesmo nos casos em que o Julgador do recurso estivesse a menos de cinco léguas do juízo que
prolatara a sentença interlocutória, fosse utilizado um mecanismo menos moroso para impugnar a
sentença interlocutória que recebia a apelação ou o agravo ordinário (suplicatio). A grande
vantagem do agravo no auto do processo consistia em que, tal como o agravo na modalidade retida
entre nós conhecido, e a exemplo do que já ocorria com o agravo por extormento, não tinha o
condão de suspender o trâmite do feito.
189 “Porque o Juiz, para quem se aggravava, estava na terra, ou perto; em tal caso ião os proprios Autos ao Juiz
Superior, para que se faziam huma Petição, como agora, ao mesmo Juiz, em que se lhe relatava o caso do aggravo, para
que avocando os autos conhecesse delle; o que deo causa aos Aggravos de Petição, nos quaes o Juiz a quo não pode
proceder por falta de Autos”(Antonio Joaquim Gouvêa. Manual das Appellações…, op. cit., p. 36.
190
“Se, (…), o Juiz Superior não estava na terra onde se aggravava, e fóra de cinco legoas, então hiam os Aggravos por
Instrumento; porque de outro modo a prohibição das Appellações nas interlocutorias ficaria inteiramente inutil”. (Idem
ibidem)
191
“Esta praxe, que não tem fundamento nem no Direito Romano, nem no Canonico, que não tiverão idea de taes
Aggravos de Petição, Instrumento, ou nos Autos, não só ha mais de dous seculos passou para a Legislação; porém
depois continuou com mais extensão; de maneira que até das sentenças que tem força de Definitivas, taes como as de
que falla a Ord., Liv. 3, titulo 20, § 18, 22, &, se manda aggravar por Petição, ou Instrumento. Parece que quando as
Leis fizerão caso de Aggravo onde competia o remedio de Appelação, tiverão em vista a maior expedição do Processo;
e que quando os Aggravantes usarão o de Aggravo, competindo-lhes o de Appellação, attenderão a poderem usar delle
diante de hum Magistrado Superior, que muitas vezes estava na mesma terra, e diante do qual não podião interpor
Appellação.Temos, portanto, que os Aggravos de Petição, ou instrumento, tiverão, segundo o melhor pensar, a sua
origem nas queixas aos Soberanos, ou Cartas de Justiça, que por esse motivo se mandavão dar; e que quando ao
Aggravo no Auto do Processo; foi obra de pratica posterior” (Idem, p. 39).
192
A origem do agravo no auto do processo, passim. Essa correção de Lobo da Costa ensejou reparo à doutrina de
diversos juristas, como se depreende o excerto de Barbosa Moreira em edição recente: “As Ordenações Manuelinas
consagraram o agravo como recurso típico das decisões interlocutórias simples, e regularam duas modalidades: quando
o órgão ad quem ficasse sediado no mesmo lugar do órgão a quo, o agravo subia por petição; na hipótese contraria, por
instrumento. Mais tarde, fixou-se uma distância-limite (cinco léguas) entre as sedes dos dois juízos; abaixo dela, o
agravo seria de petição, e acima, de instrumento. A essas duas modalidades vieram acrescentar-se três outras: o agravo
ordinário (anteriormente denominado suplicação), o agravo de ordenação não guardada e o agravo no auto do processo,
cuja instituição como figura autônoma se costuma atribuir à Carta Régia de D. João III, mas que, conforme mais recente
e acurada investigação, remonta à segunda publicação das Ordenações Manuelinas (1521)”. (Comentários..., op. cit., p.
485).
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Tais aspectos foram apontados no seguinte trecho, extraído da obra de Gouvêa Pinto:
Que qual fosse a razão do novo invento d’este aggravo não he facil advinhar; mas que
conjectura for a esta: via o Legislador o Direito Canonico antigo permittindo appellar de toda a
Interlocutoria; via pelo contrario o Romano prohibindo-a das Interloctorias, que não tivessem força
de Definitivas; vio n’essa Lei duas razões, huma, que multiplicadas as appellações das
interlocutorias se eternisarião as demandas; outras, que a Appellação da Definitiva devolvia ao
Superior os gravames das Interlocutorias para ahi serem corrigidos: por isso entre estes Direitos
elegeo o Legislador uma media, mas providente via, adptando a Legislação Romana enquanto
concedeo Appellação propria das Sentenças Interlocutorias com força de Definitivas; e quando ás
mais, que são algum tanto gravosas, permittio o Aggravo de Instrumento, com as vistas de que lá
hia mandar (ou estava mandando) na Manoelina, Liv. 3,, tit. 59, § 3 (de que foi compilada a
Filippin., Liv. 3, tit. 74), que taes Aggravos não suspendem o expediente da causa; admittio os de
Petição com as vistas em se decidirem brevemente, apresentando-se no Juízo Superior em dez dias
(5): das interlocutórias sobre a ordem do Processo, e menos gravosas, permittio o Agravo no
Processo, fazendo-o preciso, e interposto em tempo devido, para mostrar de algum modo a sua
queixa, e que não aquiesceo tacitamente a esses despachos; porque, alias, tacens in judiciabilis
consentire videntur193
Do exame detido das Ordenações de D. Manuel, deflui que, se até as Afonsinas, o termo
“agravo” designava o gravame causado à parte, a partir das Ordenações Manuelinas, embora não
tenham sido eliminadas as confusões terminológicas acerca do vocábulo, ocorre uma inversão de
liguagem pela qual o mal passa a designar o remédio específico.194
193
Op. cit., p. 39.
194
Cf. NORONHA, Carlos Silveira. O agravo na história do processo português como gravame e como recurso.
Revista de Processo, n. 78, pp. 65-66.
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As Ordenações Manuelinas vigoraram até sua revogação pelas Filipinas, o que ocorreu em
1603. Ainda na sua vigência, foi editada a Coleção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes Lião,
designada por ‘Código Sebastianico’ ou simplesmente ‘Carta Régia de 1526’.
Esta Coleção de Leis Extravagantes previu o que alguns denominam ‘agravo de ordenação
não guardada’ (S 3.7.21), que alguns consideram nova modalidade de agravo195, cujo objeto
consistia na “inobservância da ordenação acerca de ordenar o processo”.
A autonomia desse remédio, que alguns consideram como embrião da correição parcial, é
discutível, na medida em que poderia ser interposto por instrumento ou por petição, de acordo com
o propalado critério da distância de cinco léguas entre juízo a quo e juízo ad quem.
É que, consoante observou Martinho Garcez, “o aggravo de ordenação não guardada, não
sendo em rigor uma nova especie dos aggravos de petição ou de instrumento, tinha, todavia, esta
particularidade: ao passo que estes últimos só cabiam nos casos expressos em lei, este podia ser
interposto de quaesquer despachos e mesmo de sentenças definitivas, quando o juiz deixada de
guardar a Ordenação acerca da ordem do processo”196.
A partir da Carta Régia de 1526, além da introdução do agravo (ou da hipótese de cabimento
de agravo) de “ordenação não guardada”, assinalou algumas modificações na estrutura da
impugnação das decisões interlocutórias.
195
Lobo da Costa refere-se a cinco espécies de agravo previstas nas Ordenações Filipinas (A origem do agravo no
auto do processo, op. cit., p. 176), do que se dessume serem o agravo de petição, o de instrumento, o agravo no auto do
processo, o agravo de ordenação não guardada e o agravo ordinário. José Carlos Barbosa Moreira também arrola as
citadas modalidades (Comentários..., op. cit., p. 485). Autores há, porém, que sequer fazem referência ao agravo de
ordenação não guardada (por exemplo, LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos Recursos Cíveis. 2a. Ed. São
Paulo: RT, 1976, p. 153).
196
Dos aggravos – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: J. Ribeiro Dos Santos,1419, p. 2.
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quando for concluso no dito incidente, antes que se despache em relação acerca do caso”. Do
contrário, não pedindo a parte pelo modo sobredito, não mais poderia ser ouvida acerca do dito
agravo, nem os desembargadores poderiam prover, ainda que lhes parecesse que tivesse sido
prejudicada (S. 3.7.22).
2.4. Dos Agravos e da Impugnação das Interlocutórias de Primeiro Grau nas Ordenações Filipinas
197
A elaboração das novas Ordenações ficou na incumbência de vários desembargadores, cujos nomes de que se tem
notícia são os dos jurisconsultos Pedro Barbosa, Jorge de Cabedo, Paulo Afonso, Damião Aguiar e Afonso Vaz
Tenreiro (MERÊA, Manuel Paulo. Op. cit., p. 140).
198
Embora a regência do Livro III das Ordenações Filipinas, com as alterações introduzidas pela Disposição Provisória
e Legislação Posterior, tenha perdurado até que determinação contida no Dec. 763/1890 mandasse aplicar às causas
cíveis o Regulamento 737/1850, noticia Moacyr Lobo da Costa que dois exímios processualistas da época - Paula
Batista e Ramalho - escreveram suas obras tendo presentes, sempre, os dispositivos do Regulamento 737, que a todo
momento utilizavam para respaldar suas proposições doutrinárias De qualquer sorte, como o Regulamento 737 data da
metade do século XIX, ainda assim o Livro III das Ordenações Filipinas pode ser mencionado como o Diploma
Processual que por mais tempo vigorou em no Direito Brasileiro. Ressalta, pois, a significativa influência desta
compilação na evolução do processo civil pátrio. (COSTA, Moacir Lobo da. Breve notícia histórica do direito
processual civil brasileiro e de sua literatura. São Paulo: RT/ EDUSP, p. 51).
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No caso das primeiras, assinala Paula Baptista ser responsabilidade do juiz, ‘sua honra e
dignidade’, a apuração e reparação do erro ou injustiça; já quando às segundas, seria inconveniente
anular uma interlocutória ‘sem influência, e já cumprida’, sob pena de se causar “um mal maior do
que aquele que se quer sanar”. Para se evitar esse inconveniente, prossegue, deverá o juiz
desatender a parte que se diz prejudicada, “logo que reclama fóra de tempo, e com seu
consentimento expresso aquiescia á interlocutoria.” Segundo Paula Baptista, essa seria uma
interpretação não literal das ordenações, consentânea com os ‘principios geraes da sciencia’200. É,
em última análise, uma interpretação que prima pela economia processual.
199
Ordenações Filipinas. Fundação Calouste Gulbekian: Lisboa, p. 666.
200
Paula Baptista, Processo Civil, apud. Nota 1 da p. 666 das Ordenações anotadas por Cãndido Mendes de Almeida,
Calouste Gulbekian, op. cit., p. 666.
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Outro paralelo que se pode fazer com os dias atuais diz respeito à própria dificuldade de se
distinguirem as sentenças das interlocutórias e, nas Filipinas, em particular, as sentenças definitivas
das sentenças interlocutórias com força de definitivas (ou mistas),
Muito embora se possam verificar parâmetros conceituais bem definidos acerca do conceito
de sentenças definitivas e sentenças interlocutórias, constatou-se na prática certa dificuldade em
discernir as hipóteses, mormente quando se alude a interlocutórias mistas e definitivas.
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Quanto às interlocutórias com força de definitivas, arrolava: a que determina, que alguém não
seja citado (3.69. pr.); a que julga sêr nulla a citação fêita (3.69.pr..); ou que o demandado não é
obrigado á responder (3.69.pr.); ou que o autor não é pessoa legítima para demandar (3.65.1);ouOu
que o petitório da ação não procede (3.65.1.); a que totalmente absolve o réu, assim da instância,
como da ação ( 3. 14. pr.,3.20.17 e 22, 3.65.1)202.
Não eram, porém, consideradas interlocutórias com força de definitivas: a que só absolve da
instância por alguma omissão da outra parte no processado (3.14.pr ); a que julga provada a
excepção peremptória definitivamente quanto à esta, interlocutoriamente quanto à ação; a proferida
na causa de embargos à primeira, quando logo os despreza, e julga procedente o precêito
cominatório; a que anula o processo por falta de alguma solenidade (3. 2036); a proferida sobre
reforma de autos perdidos, ou queimados, que já estavam afinal julgados (Ass. de 23 de Maio de
1758, que distinguiu entre a reforma depois e antes do julgamento final; sendo o recurso neste
ultimo caso o de agravo de petição ou de instrumento, com a confirmação do Art. 15 do Regul. De
15 de Março de 1842); a proferida em ação de assignação de dez dias, quando não se-vem com
embargos, ou estes não são recebidos (3.25. 1); a declarada, ou interpretada, se ainda, for duvidosa
(3.66.6)203.
Não menos elaboradas que as modalidades de decisão eram as modalidades de agravo: agravo
de petição, de instrumento e no auto do processo, cujos pontos de contato e de divergência são
apontados por Lobão205. Todas as espécies de agravo deveriam ser interpostas em dez dias. Os
agravos de instrumetno não suspendiam o curso do processo; já os agravos de petição sim. Os
agravos no auto do processo, naturalmente, nunca tinham efeito suspensivo. Registra Lobão, ainda,
que tanto o agravo de petição como o de instrumento poderiam ser itnerpsotos das mesmas
interlocutórias, e que os agravos nos autos do processo guardavam o prcedimento específico a que
202
Op. cit., pp. 22-23.
203
Op. cit., p. 24.
204
Op. cit., p. 25.
205
SOUZA, Manoel de Almeida e Segundas Linhas sobre Processo Civil, ou antes adicções às Primeiras do
Bacharel Joaquim José Caetano Pereira e Souza. Imprensa Nacional: 1855, v. II, p. 184-185.
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já se aludiu, onde era necessária a argüição no Juízo ad quem, quando da primeira oportunidade ---
o que nos remonta à reiteração do agravo retido.
Mas estes agravos diferiam, dentre outros pontos, em que “os de Petição ou instrumento se
devem interpor em Audiência, intimar-se os Juízes, e por termo escripto pelo Escrivão”, (...) porém
ao Aggravo do Processo basta (dentro de dez dias) se escreva nos autos pelo advogado”; “na forma,
e ordem com que se deferem, e decidem os Juízos Superiores: Quando de Petição ou instrumento se
decidem pela fórma pratica, (....) quando do Processo se despachão no Juízo Superior pela fórma, e
ordem, que ensinou o Leit. de Gravam. Q. Causa, Ord. L. 3.T7.§ 16, T. 8 § 9, in. pr., T. 58, § 25
(...)”206
Essas características dos agravos, como se sabe, exceto pelo critério geográfico, e pela figura
do agravo de petição, terminaram, por frutificar nos dois recursos cabíveis contra as interlocutórias,
tendentes à reforma ou invalidação destas decisões.
Tal era a configuração dos recursos no direito luso-brasileiro quando das Ordenações
Filipinas.
CONCLUSÕES
A afinidade do agravo no processo civil brasileiro com esta modalidade recursal no direito
lusitano não se limita à circunstância daquele haver se originado nas Ordenações Reinícolas.
Além da origem comum, o agravo brasileiro se identifica com a figura do direito processual
lusitano, porque este também enfeixa as diversas nuances do paradoxo justiça e certeza ou justiça e
celeridade, sendo este impasse causa principal das idas e vindas na disciplina recursal contra as
interlocutórias.
206
Op. cit., p. 187.
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Pode-se, também, vislumbrar certo paralelismo entre o agravo por estormento ou carta
testemunhável e o agravo nos autos do processo com o agravo de instrumento e o agravo retido.
A identidade, porém, não é --- nem poderia ser --- perfeita, já que, mesmo no direito pátrio, a
classificação das decisões judiciais foi alvo de mudanças, de sorte que não há como traçar
paralelismo perfeito entre o agravo surgindo nas Manuelinas e aquele de que trata o Código de
Processo Civil de 1973.
Seja como for, o exame é válido por fornecer a exata dimensão da dificuldade de se adequar o
sistema recursal relativo às decisões interlocutórias (na dicção atual) ou àquelas que não atingem o
escopo final da jurisdição, que é a sentença de mérito
Sem querer mergulhar num fatalismo histórico ou num futurismo, esta visão crítica do agravo
nos conduz à conclusão de que os cíclicos progressos e retrocessos legislativos na utilização do
agravo como mecanismo para impugnar as decisões que resolvem questões incidentes (ou aquelas
que o fazem com forca de conduzir à extinção do feito, como ocorreu em determinadas épocas)
permanece a consternar os juristas, na busca do equilíbrio no binômio justiça e celeridade.
Em verdade, essa constatação apenas leva a concluir que a solução do problema extravasa
previsões em texto de lei e compreende, antes disso, uma verdadeira indagação acerca daquilo que,
num sistema jurídico, estimula os litigantes a recorrerem tanto e tão frequentemente das decisões
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interlocutórias e, principalmente, dos métodos que seriam hábeis a coibirem a utilização excessiva
deste mecanismo.
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PROCESSO CONSTITUCIONAL:
UMA ABORDAGEM A PARTIR DOS DESAFIOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
CONSTITUTIONAL PROCESS:
ONE APPROACH TO THE CHALLENGES OF THE DEMOCRATIC RULE OF LAW
Abstract: The article presents the dilemmas of the study of the constitutional process in Brazil,
rebuilding the Constitutional Procedural Law history, while demonstrating its social-historic reality
– related to the recognition of normative systems for the protection of Human Rights, and the
scientific one; dimensions that currently the doctrine tends to merge. Analyzes the application of
constitutional principles and the democratization process.
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No entanto, como bem aponta Mac-Gregor, soa paradoxal o fato dos processualistas, em
média, mostrarem-se pouco interessados no trato mais aprofundado das questões inerentes aos
impactos do estudo do direito processual constitucional, em face da assertiva recorrente da
constitucionalização do ordenamento jurídico e da criação de processos e órgãos jurisdicionais
especializados na matéria constitucional; aspecto que conduziria a uma necessária aproximação do
Processo com a Constituição.4
Conforme mostrar-se-á adiante, o Processo Civil sofre uma ruptura paradigmática a partir do
final do século XIX, quando num primeiro momento se autonomiza, se articula nos moldes do
1
Tradução livre - FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
2
ANDOLINA; VIGNERA, 1990.
3
cf. MAC-GREGOR, 2008, p. 529-657.
4
MAC-GREGOR, 2008, p. 537 e 2009.
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Desde texto publicado em 1956, na Revista “Justicia”, passando pelo seu famoso ensaio da
“Revista de Derecho Procesal” do Uruguai (posteriormente republicado pelo “Boletín Mexicano de
Derecho Comparado”, em 1977), FIX-ZAMUDIO, referindo-se ao trabalho de Couture, nos dá
notícia do nascimento de uma nova disciplina, o “derecho constitucional procesal”, surgido como
“resultado de la confluencia de otras dos ramas de la ciencia jurídica: el derecho constitucional y
el derecho procesal”.7 O jurista chama a atenção para a anterioridade e a repercussão dos trabalhos
de Couture (especialmente o seu “Las Garantías Constitucionales del Proceso Civil”) no âmbito
processual mostrando a transcendência constitucional dos institutos processuais.8
A constatação é clara, “ação, jurisdição e processo” devem ser repensados desde uma
perspectiva mais ampla: processual e constitucional.
1. Constitucionalização do Processo
Tem-se falado muito hoje em dia em “Direito Civil Constitucional”,10 “Direito Penal
Constitucional”, e outras combinações entre os mais variados ramos do Direito e a Constituição (ou
o Direito Constitucional). Essa é uma tendência bastante positiva, haja vista um aparente
5
KLEIN, 1958, p. 15; BÜLOW, 2003; NUNES, 2008.
6
BARACHO, 1980-82, p. 59.
7
FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 315.
8
FIX-ZAMUDIO, p. 317. Para compreensão da importância do pensamento de Couture no desenvolvimento do estudo
da ciência processual constitucional cf. MAC-GREGOR,2008, p. 597 et seq.
9
FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
10
PERLINGIERI, 2007.
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reconhecimento da importância e da primazia da Constituição sobre todo o Direito, nas suas mais
variadas manifestações. 11
Assim, quer se queira atualmente trabalhar em juízo com o Direito ou quer se queira
simplesmente estudá-lo, dificilmente será possível fazê-lo no Brasil sem se reportar à Constituição
da República Federativa de 1988.12
Isso se torna ainda mais complexo em uma Constituição com um elenco tão longo de direitos
e garantias fundamentais13. De fato, a Constituição Brasileira de 1988 consagrou inúmeros direitos
e garantias especificamente processuais, confirmando a tendência à constitucionalização do
processo, dando a este (seja processo civil, penal, procedimentos administrativos e mesmo
privados) uma nova conformação adequada ao Estado Democrático de Direito.14 Só para citar
alguns: inafastabilidade do controle jurisdicional (5º, XXXV); Juízo natural (5º, XXXVII);
princípio da legalidade e anterioridade da norma penal (5º, XXXIX); devido processo legal (5º,
LIV); direito ao contraditório e à ampla defesa (5º, LV); fundamentação racional das decisões e
publicidade (art. 93, IX); duração razoável do processo (5°, LXXVIII) princípio da presunção de
inocência (5º, LVII); além das garantias do habeas corpus (5º, LXVIII), mandando de segurança
(5º, LXIX), mandado de injunção (5º, LXXI), habeas data (5º, LXXII) e a ação popular (5º,
LXXIII).
11
O fenômeno da “constitucionalização” do Direito ocorre, como lembra SARMENTO (2009), com a nova
configuração das Constituições que surgem após a 2ª Guerra, quando elas deixam de ter um papel apenas inspirativo
(isto é, não vinculante do legislador e, logo, não judicializável) e passam a conter um extenso catálogo de (novos)
direitos fundamentais que reclamam a atuação do Estado, espraiando seu alcance por sobre todas as áreas do Direito.
Diante do descumprimento de boa parte dos “programas” previstos nas Constituições, com a crise do Estado de Bem-
Estar (principalmente em países subdesenvolvidos), cresce a importância do Poder Judiciário, o que irá importar “na
adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da tradicional subsunção” . SARMENTO, 2009, p. 15. Cf.
também BAHIA, 2004.
12
Aqui não poderia deixar de fazer uma consideração: Os processualistas devem se abrir para os ganhos da teoria do
direito, da Constituição e da filosofia. Essa afirmação não advoga o retorno a posturas conceitualistas próprias do inicio
da ciência processual, mas, ao ver ainda, manifestações de “desprezo” aos avanços do constitucionalismo, da filosofia,
da sociologia e, mesmo, das ciências gerenciais percebemos a repetição de posturas e preleções típicas dos praxistas
(dos idos tempos) como se ao falar de processo nos reduzíssemos a falar de formas e formalidades de um mecanismo
técnico neutro, ou pior, de um mecanismo aberto às concepções pessoais de cada aplicador.
13
Como observa ALEXY, referindo-se especificamente à Constituição brasileira de 1988: “Os problemas de
interpretação jurídico-fundamentais que aparecem em toda a parte são, por meio dessa regulação relativamente
detalhada, abafados em parte ampla mas não eliminados; em alguns casos nascem até novos. Assim o artigo 5º, IV,
declara a manifestação dos pensamentos como livre. Isso quer dizer que todas as manifestações de opinião são
permitidas, também tais que violam a honra de outros e tais com conteúdo racista?” (1999, p. 63).
14
cf. BARACHO, 1985, p. 60 e 2000, p. 13-14.
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Como se percebe desse breve levantamento, a partir de 1988 toda a processualística brasileira
mudou; garantias foram ampliadas (com a criação, por exemplo, do mandado de segurança coletivo,
recentemente normatizado pela lei 12.016/09) e novas garantias surgiram (como o mandado de
injunção, o habeas data). Vários dispositivos dos Códigos de Processo Civil e Penal simplesmente
não foram recepcionados.
Dessa forma que o processo — como outros ramos do Direito, consoante anotado supra —
também vai se tornando “Processo Constitucional”, num desenvolvimento contínuo.
15
NUNES, 2008, p. 88 et seq.
16
As primeiras referências a escopos políticos, sociais e econômicos ao processo se encontram nas obras de Menger e
Klein (cf. NUNES, 2008, p. 79 et seq.) Sobre a retomada dessas ideias na atualidade ver Dinamarco (2001).
17
FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 317.
18
Já ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, 2000, p. 103-104 mostrava a dificuldade de se tentar enquadrar a jurisdição
como pertencente ao direito processual ou ao constitucional. O autor inclusive lembrava que Couture, ao tratar dos
“fundamentos do direito processual” não tratou da jurisdição, o que foi objeto de críticas no meio processual. Cf.
também FIX-ZAMUDIO (1977, p. 317) e SANTOS, 1994.
19
FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 318.
20
ANDOLINA E VIGNERA , 1990, p. 13.
21
1977, p. 320ss
22
Cf. também CATTONI DE OLIVEIRA, (2001, p. 211 et seq.
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inicial desta disciplina estaria na obra de Kelsen e seus estudos sobre os meios processuais que
garantiriam a efetividade da Constituição. Segundo Alcalá-Zamora y Castillo,24 o processo
constitucional possui, como antecedentes, de um lado,
Assim, no Brasil e cada vez mais em toda parte, a Constituição estabelece um verdadeiro
“modelo constitucional do processo”, estruturante do Direito processual, que não pode ser
23
Noutro texto Fix-Zamudio (1968, p. 12) explica que o termo “Justiça Constitucional” corresponde ao que noutros
países se denominou “judicial review”, “processo (ou jurisdição) constitucional”, “controle de constitucionalidade”.
Entretanto, entende mais adequado aquele outro termo, já que, filosoficamente, representaria melhor o estágio em que
nos encontraríamos (à época), no qual as normas fundamentais trariam um caráter marcadamente axiológico (isto é,
seriam “normas programáticas”).
24
ALACALÁ ZAMORA Y CASTILLO, 2000, p. 214-216
25
FIX-ZAMUDIO (1977, p. 321) acrescenta a influência da obra de Kelsen sobre Constituições européias pós-2ª
Guerra. Cf. também MARTÍNEZ ESTAY (2005b).
26
Por influência de Couture, as “Primeiras Jornadas Latino-americanas de Direito Processual”, ocorridas em 1957
(assim como as subsequentes) deliberaram, entre suas conclusões, vários temas referentes a “garantias constitucionais
do processo” (cf. FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 323-324).
27
Anota também outra razão: para CATTONI DE OLIVEIRA (2001, p. 212), o meio ordinário de controle de
constitucionalidade no Brasil é o difuso, o que faz com que em todo processo a “questão constitucional” esteja sempre
presente. Nesse sentido também BAHIA (2005b). Em sentido contrário, e.g., MENDES (1998).
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O debate em torno do Processo constitucional ganha inúmeras nuances, não se resumindo tão
somente à problemática do controle de constitucionalidade30, mas, também se referindo ao
necessário exercício de quaisquer poderes públicos e privados, servindo como pressuposto de
participação e formação das decisões (provimentos).
28
Essa associação é recorrente no Brasil. Só para citar um exemplo, observe-se o título de um dos livros de MENDES
(1998): “Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha”.
29
FIX ZAMUDIO, 1968, p. 207
30
Mesmo a respeito do controle de constitucionalidade há que se observar a emergência do controle no nível de
entidades supranacionais. É o caso da União européia, onde já se fala em um sistema comunitário de controle de
“constitucionalidade”. Cf. a respeito MARTÍNEZ ESTAY (2005a).
31
CAPPELLETTI, 1978.
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do século XX parece ter alcançado seu objetivo: trouxeram acesso. No entanto, com isso
introduziram um problema, qual seja, o acesso defendido gerou o aumento exponencial de
demandas e com esta a potencializaçao da questão em torno da celeridade. Assim, passa-se a uma
nova fase: é preciso diminuir o acesso, primeiro aos Tribunais Superiores (v.g., com os mecanismos
das Súmulas impeditivas de recursos, repercussão geral das questões constitucionais, 32 Súmulas
Vinculantes etc.) e mais recentemente até ao primeiro grau (art. 285-A do CPC Brasileiro).
O próprio papel do Poder Judiciário necessita ser revisitado em face do aumento de sua
participação em esferas políticas e da necessária contraposição entre vertentes ativistas e
minimalistas (de auto-restrição) na aplicação do direito, porque tanto umas quanto outras não
promovem adequadamente os direitos fundamentais porque partem ora das virtudes diferenciadas (e
pessoais) dos magistrados,33 ora acreditam numa neutralidade judicial mediante a objetivação dos
conteúdos a serem aplicados.34
Como dito, o congestionamento dos tribunais tem ensejado a adoção de um grande número de
medidas de restrição de acesso. Entretanto, a grande maioria dessas está sendo realizada sem
respeitar as bases processuais constitucionais necessárias, que imporiam a busca de uma eficiência
sem desrespeitar as garantias processuais constitucionais que asseguram a legitimidade da formação
da decisão em uma renovada concepção do Estado Constitucional.
Nesse sentido, pode-se apontar uma coincidência nas várias reformas processuais que a
America Latina vem sofrendo.
32
Cf. THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA (2009).
33
NALINI, 2006.
34
SUNSTEIN, 1999.
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Entretanto, um balanço dessas reformas processuais realizadas demonstra que elas foram
pouco eficientes quanto aos objetivos de minorar o congestionamento judiciário. Mas, por que? A
resposta de Bou i Novensà36 é que políticas que não visem integrar, simultaneamente, reformas
legais ao lado de aumento de mecanismos de acesso à jurisdição e de eficiência, terão muito poucas
chances de êxito. Mais ainda, que a formulação destas políticas tem de contar com a participação e
contribuição da sociedade civil organizada, não podendo ser tida como um assunto exclusivo de
experts.37
Esse também é o diagnóstico de boa parte daqueles que têm se debruçado sobre as reformas
judiciais na América Latina, como mostram Smulovitz e Urribarri:
35
BANDEIRA, 2002, p. 135.
36
BOU I NOVENSÀ, 2004.
37
cf. BAHIA, 2007, p. 150.
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Cuarezma Terán, referindo-se às reformas judiciais na América Central, destaca que no:
38
SMULOVITZ E URRIBARRI, 2008, p. 10.
39
Cf. também Relatório do IFES, produzido por Henderson e Autheman (2003, p. 25-26).
40
SORJ E MARTUCCELLI, 2008, p. 163.
41
CUAREZMA TERÁN, 2004, P. 117-131.
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Uma segunda perspectiva de eficiência (qualitativa) seria aquela na qual um dos elementos
principais de sua implementação passaria a ser a qualidade das decisões e de sua fundamentação e
que conduziria à necessidade de técnicas processuais adequadas, corretas, justas, equânimes44 e,
completaríamos, democráticas para aplicação do direito.
Não se pode ainda olvidar que a partir da década de 1990, os governos Collor e Fernando
Henrique Cardoso colocaram em curso boa parcela das medidas do Consenso de Washington, entre
elas, uma ampla privatização dos serviços públicos, contra a qual o Poder Judiciário não exerceu
grandes controles.45
Desse modo, as medidas governamentais tiveram que adequar a leitura que se fazia do texto
da Constituição de 1988, recém promulgada, de modo a impedir os direitos nela assegurados.
Assim, não seria conveniente o uso do aparato jurisdicional e do processo como instituto de
participação e controle da função estatal e nem mesmo o intervencionismo judicial da teoria
socializadora do processo.46
42
TARUFFO, 2008. p. 185 et seq.
43
TARUFFO, 2008, p. 187.
44
TARUFFO, 2008, p. 187-188.
45
OLIVEIRA, 2005.
46
NUNES, 2008.
47
HABERMAS, 1994, p. 105.
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Ademais, o modelo defendido deveria assegurar: a) uma uniformidade decisional que não
levaria em consideração as peculiaridades do caso concreto, mas asseguraria alta produtividade
decisória, de modo a assegurar critérios de excelência e de eficiência requeridos pelo mercado
financeiro; e/ou b) a defesa da máxima sumarização da cognição que esvaziaria, de modo
inconstitucional, a importância do contraditório e da estrutura comparticipativa processual que
garantem procedimentos de cognição plena para o acertamento dos direitos.48
Analisam-se o sistema processual e seus institutos como se esses, seu dimensionamento e sua
interpretação pudessem se resumir ao cumprimento de funções econômicas, dentro da tônica que,
face à globalização, ocorreria a imposição de modelos jurídicos pelos sujeitos econômicos
dominantes,50 sem qualquer compromentimento com a busca de legitimidade de um Estado
democrático de direito e com a compreensão adequada das bases do processo constitucional.
48
NUNES (2008). Na busca de eficiência e máxima rapidez procedimental o discurso de neoliberalismo processual
permite a defesa da máxima sumarização cognitiva, com redução do espaço discursivo processual. Um dos possíveis
frutos desse movimento se consubstancia na tentativa de introdução de nova técnica processual, por razões
eminentemente pragmáticas, mediante um anteprojeto de reforma que visa introduzir a denominada estabilização da
tutela antecipada derivada da référé-provision francesa (CADIET, 200, p. 564) e dos provvedimenti cautelares a
contenuto antecipatorio dos art. 23 e 24 da normatização do rito societário italiano (D. legs. de 17 de janeiro de 2003,
n.5) que permitirá, caso aprovada, a obtenção, em cognição sumaríssima, de antecipação de tutela em procedimento
antecedente (Art.273 A, CPC, projetado), similar as cautelares preparatórias, que poderá obter a força de coisa julgada
(art. 273 C, parágrafo único, projetado). O instituto, tipicamente neoliberal, distorce a tônica socializadora de nossa
“antecipação” e fere de morte o modelo constitucional brasileiro que garante, como o italiano, um contraditório
dinâmico implementado em procedimentos de cognição plena. Para uma visão crítica da questão na Itália cf.
(LANFRANCHI; CARRATA, 2005). Não se pode ainda esquecer que nos moldes que o instituto brasileiro está sendo
delineado, a decisão alcançará a autoridade da coisa julgada material, algo negado nos institutos de direito comparado.
49
As colocações aqui realizadas somente visam demonstrar as deficiências de uma suposta atividade compensadora de
desigualdades pelo juiz e não a de se realizar ou acatar posições de “Análise Econômica do Direito” (Economic
Analysis of Law) típica do movimento do “Direito e Economia” (Law and Economics). Tais posições pragmatistas que
buscam “moldar o direito para ajustá-lo às normas econômicas” (POSNER, 2007, p. 35), em perspectiva “instrumental”
(POSNER, 2007, p. 40-43), e que almejam a “maximização da riqueza” através de uma intervenção judicial (POSNER,
2007, p. 477), que busca máxima eficiência com o fim de reduzir os custos sociais (POSNER, 2007, p. 483), são
constitucionalmente inadequadas já que sua adoção implicaria o descumprimento dos objetivos assumidos por nosso
Texto maior (art. 3º, CRFB/88).
50
TARUFFO, 2002, p. 25
51
DAKOLIAS, 1996, p. 10.
52
“O ensino jurídico e o treinamento são fundamentais para a reforma do judiciário, incluindo treinamento para
estudantes, educação continuada para advogados, treinamento jurídico para magistrados e informações legais para a
população em geral. A qualidade dos cursos de direito tem se deteriorado e, conseqüentemente, existe a necessidade de
aperfeiçoar o nível educacional universitário, bem como promover treinamento continuado para profissionais. Na
maioria dos países da América Latina as universidades públicas não exigem requisitos para admissão onde cada
estabelecimento educacional fixa seus próprios critérios. Devido a baixos salários, os professores de direito não
trabalham em dedicação integral, e conseqüentemente, tem pouco tempo para se dedicar a pesquisa. Como resultado,
freqüentemente os juízes não estão preparados para a magistratura” (DAKOLIAS, 1996, p. 13).
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Nesse contexto, apesar de se afirmar que as reformas são realizadas de acordo com os
princípios processuais constitucionais e com a perspectiva constitucional democrática e/ou
socializadora, verifica-se que o discurso de boa parcela da doutrina processual brasileira53 se deixou
contaminar por concepções funcionais e de eficácia que não se preocupam com o viés público e
garantista do sistema processual constitucional.
O Judiciário não é visto prioritariamente como uma entidade que desempenha uma função
estatal, mas, sim, como um mero órgão prestador de serviços. O conceito de racionalidade aqui
presente é somente aquele instrumental, de custo-benefício.56
53
De modo exemplificativo cf. as recentes defesas funcionais da constitucionalidade do art. 285 A, CPC: CAMBI
(2006) e TESHEINER et al (2006).
54
O termo “garantista” guarda aqui correlação com a defesa comparticipativa ligada a uma aplicação dinâmica dos
princípios processuais constitucionais, nos moldes do marco téorico habermasiano adotado. Não existe qualquer filiação
ou análise em perspectiva neopositivista ou de “positivismo crítico” com v. g. a de FERRAJOLI (2004, p. 270 et seq.).
55
Até porque, a eliminação de garantias constitucionais do processo, ao invés de celeridade, gera potencialmente mais
recursos, e, logo, maior atraso na solução da lide (cf. NUNES; BAHIA, 2009). A busca da democratização processual
não negligencia os problemas pragmáticos do sistema jurídico brasileiro, como a diversidade de litigiosidades e a
necessidade de se criar técnicas processuais idôneas e adaptadas para esta diversidade. Sobre isso conferir:
THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA (2009) e NUNES (2010).
56
cf. BAHIA, 2009 e NUNES, 2008.
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Não existe, nesses termos, a menor possibilidade de reduzir seu papel a de mero usuário de
serviços.
O processo célere é entendido não como aquele que atende aos demais princípios processuais
constitucionais dentro de um espaço-tempo suficiente para a implementação da participação de
todos os envolvidos, mas, sim, aquele que termina o mais rápido possível na ótica de números.
Sabe-se, que a defesa do reforço do poder judicial visa permitir que os cidadãos busquem
respaldo do Estado-juiz na tentativa de obter direitos não garantidos pelo restante do aparato social
devido a inoperância da administração pública.
O mais preocupante é que a lógica é demasiado perversa, uma vez que induz o próprio
jurisdicionado a requerer uma geração de “produtos” (decisões jurisdicionais) em larga escala e em
espaço-tempo quase inexistente, amalgamando ainda mais a concepção privatizante e pessoal do
exercício da jurisdição.
57
CATTONI DE OLIVEIRA, 2007, p. 150.
58
CHAUI, 2006, p. 30.
59
V. g. verificar tão-somente as reformas do sistema recursal e executivo e as centenas de polêmicas em sua aplicação.
60
FIX-ZAMUDIO (1968, p. 10 et seq.) lembra que as Constituições pós-2ª Guerra tratam de forma pormenorizada
tanto dos Direitos Sociais quanto da chamada “Justiça Constitucional”. A combinação desses dois elementos fez com
que mais do que mera “racionalização do poder”, esse constitucionalismo seja caracterizado por uma forte “corriente
axiológica del Estado y del Derecho, que podemos calificar como justificación del poder”, isto é, que os órgãos
judiciais devem atuar de forma a estarem submetidos às “exigencias supremas de la justicia”. Num outro texto, FIX-
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políticas públicas a partir do momento em que este entra em crise. De fato, a partir do momento em
que a Administração Pública passa a redefinir suas funções, com o “encolhimento” do tamanho (e,
logo, das prestações) do Estado – e, por outro lado, o Legislativo vem se mostrando incapaz de
oferecer respostas rápidas aos inputs/interferências vindos da periferia61 –, o Judiciário despontou
como a grande caixa de ressonância dos anseios por “concretização” de direitos (e cumprimento das
promessas previstas constitucionalmente)62.
Outra é a situação quando “a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do
SUS”, pois que aí o Judiciário deve avaliar se tal fato “decorre de uma omissão legislativa ou
administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua
ZAMUDIO (1977, p. 319 et seq.) referindo-se às mudanças do Poder estatal passando do Estado Liberal para o Estado
de Bem-Estar. Este seria um Estado da Justiça (a referência é Perticone), “es decir, el Estado de Derecho en el cual la
mera legalidad formal puede ser sustituida o acompañada de consideraciones sobre el contenido, apoyadas no en valores
del individuo aislado, sino en los de la persona asociada, los cuales pueden constituirse en un orden basado en la
solidaridad” (FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 320); o que gera duas implicações: submeter os órgãos do Estado à Justiça (ou
melhor, ao processo) e, por outro, é preciso “otorgar poder a la justicia, es decir, darle efectividad y hacerla accesible a
los gobernados, con apoyo en uno de los derechos humanos más importantes de nuestra época, o sea el derecho a la
justicia o a la jurisdicción” (FIX-ZAMUDIO, 1977, p. 320). Tais afirmacoes devem ser relidas na atualidade com
parcimonia haja vista alguns frutos nefastos do ativismo e protagonismo judicial em alguns exemplos de sua
implementacao, tais como, o ativismo da magistratura alema a partir da Segunda grande Guerra ou os modelos
socialistas de processo.
61
Cf. BAHIA, 2005a; SIMIONI, 2008.
62
Cf. GARAPÓN, 2001.
63
CANOTILHO, 2004.
64
Tal temática está intimamente ligada com a questão da litigiosidade coletiva e repetitiva (serial) que vem clamando
pela construção de uma dogmática própria. Cf. CUNHA, 2010 e NUNES, 2010.
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dispensação”65 (o que pode acontecer, e.g., quando certo remédio pleiteado não é reconhecido pela
ANVISA, quando, salvo casos excepcionais, não pode o Estado ser compelido à prestação). Assim,
o “segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de
determinada ação de saúde pelo SUS”.66
O devido processo legal, segundo a doutrina, tem sua origem na Magna Carta inglesa,
associado ao chamado “law of the land”: “nullus liber homo capitur vel imprisonetur (...) nisi per
legale judicium parium suorum vel per legem terrae”.
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Tal é a importância da garantia do due process nos Estados Unidos, que assim afirma Lêda
Boechat Rodrigues:
Nos Estados Unidos, praticamente até 1895, foi ela entendida nesse sentido estrito [de
garantia processual e não material], com a única exceção do caso Dred Scott, julgado em 1857, nas
vésperas da Guerra de Secessão. Dando à cláusula do ‘due process’, da 5a. Emenda Constitucional,
o significado de direitos substantivos, declarou a Corte, pela segunda vez em sua história, a
inconstitucionalidade de uma lei do Congresso: a seção 8ª do Missouri Compromise Act, de 1850,
que proibira a escravidão nos territórios71.
Após esse primeiro momento, vários paradigmas vão se suceder — o Estado é chamado a
intervir e o elenco de direitos se amplia — contudo, a garantia do devido processo permanece em
sua dupla dimensão.
Por outro lado, no período em que Earl Warren foi Chief Justice (1953-1969) houve um novo
período de atuação positiva na Suprema Corte na afirmação do devido processo substantivo como
resposta à luta pelos direitos civis. Foi durante a Corte de Warren que se decidiu Brown v. Board of
Education of Topeka (1954) e também (sobre igualdade racial) McLaughlin v. Florida; Loving v.
Virginia (1967) e Baker v. Carr (1961)72.
Mesmo depois de sua saída em 1969 a Suprema Corte ainda teria pelo menos uma decisão
ativista importante: Roe v. Wade (1973) quando o Tribunal definiu em que períodos da gravidez o
aborto seria ou não tolerado. Este precedente, no entanto, não logrou manter a estabilidade
esperada. Assim é que a Suprema Corte o relativizou ao decidir, em Casey v. Pennsylvania, que os
Estados poderiam legislar opondo “exceções” aos princípios enunciados em Roe73.
71
RODRIGUES, 1958, p. 92. Ver também BARACHO, 1999a, p. 97-98 e SLERCA, 2002.
72
cf. BARACHO JR., 2003, p. 325. O autor ainda cita alguns outros casos importantes do período: “Sobre os direitos
dos acusados em processos criminais, a Corte decidiu, em Mapp v. Ohio, que as provas obtidas ilegalmente pelo Estado
não podem ser usadas em julgamentos. Em Escobedo v. Illinois [1964] a corte assegurou aos acusados o direito de
consultar um advogado. Em Miranda v. Arizona [1966] a corte assegurou que os suspeitos sejam avisados de seus
direitos antes de serem interrogados. Em Gideon v. Wainwright [1963] a corte assegurou um advogado aos indigentes,
quando a acusação possa acarretar-lhes a prisão” (BARACHO JR., 2003, p. 325).
73
Com isso a Corte também suplantou outro precedente sobre o tema também do ano de 1973, Doe v. Bolton, em que se
proibira aos Estados estabelecer normas restritivas ao aborto (cf. BARACHO JR., 2003, p. 326-327 e VIEIRA, 2002, p.
85 et seq.).
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Desde os anos 1980 a Suprema Corte sofreu uma guinada conservadora, entendendo, por
exemplo, que cabe aos Estados decidir questões relativas à “moralidade”, como a pena de morte.
Essa atitude conservadora tem também reforçado o federalismo em favor dos Estados.74
De fato, como mostra Michel Rosenfeld, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem vivido
uma virada no asseguramento do due process. Segundo ele,75 no período 1998-1999, decisões
extremamente divididas da Suprema Corte apontam “un recul de la protection des droits
individuels”, isto porque, estas decisões
Parcela da doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) costumam afirmar
que o devido processo legal em sua dimensão material oferta a base normativa para a aplicação do
denominado princípio da proporcionalidade.
Tal princípio traria uma fórmula de controle do conteúdo das decisões (em geral), quando os
princípios (vistos como bens ou valores) estivessem em conflito, buscando respeitar ao máximo o
mais adequado e desrespeitando o mínimo o(s) outro(s) princípio(s) confrontante(s).
74
BARACHO JR., 2003, p. 328-329.
75
ROSENFELD, 2000, p. 1329.
76
O Supremo Tribunal Federal possui vários precedentes definindo como uma das bases normativas da aplicação dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, no Direito brasileiro, o devido processo legal em sua dimensão
material (substantive due processo of law) como mecanismo de controle de legitimidade do conteúdo das decisões.
Conferir: (BRASIL, STF, Rel. Min. Celso de Mello, RE 374.981/RS, 2005)
77
Informa-se, no entanto, que os autores da presente obra não acreditam no aludido princípio para a promoção de um
controle do conteúdo das decisões, eis que existem teorias hermenêuticas que permitem a formação procedimental das
decisões, que não necessitam, como na teoria da proporcionalidade, de se utilizar de uma visão dos princípios como
valores ou bens ponderáveis, além de outras razões.
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Isso não se traduz numa crítica tout court na utilização do substantive due process para o
controle conteudístico das decisões, mas, desde que se respeite o próprio conteúdo normativo do
princípio e a busca de uma real correção normativa do sistema a partir dos pressupostos extraídos de
uma leitura dinâmica dos direitos fundamentais, e não das preferências do aplicador; o que implica
a correta compreensão dos princípios como “codificações deontológicas” e não, axiologicamente,
como “comandos de otimização”78.
Habermas79 procura mostrar que os princípios, como normas jurídicas, possuem um caráter
obrigatório, codificado de forma binária (direito/não-direito, válido/inválido). Valores, ao invés,
concorrem entre si. Ao contrário de serem “valores”, “bens” ou “interesses” (ou de se moverem sob
a mesma lógica destes), os princípios, tais quais as regras, são normas, portanto, contêm valores e,
num caso concreto, ou são aplicados in totum ou não (por não serem “adequados”). Os princípios
não se movem por critérios de preferência (relação custo-benefício) ou de “atratividade”, mas de
obrigatoriedade (normativa), logo, “não podem ser negociada a sua ‘aplicação’”80.
Logo, a diferença dos princípios face às regras consiste em que, num caso concreto onde haja
conflito entre dois princípios válidos, a não aplicação de um não implica sua “eliminação” (dois
princípios contrários podem coexistir num ordenamento), ao contrário das regras, onde apenas uma
78
Habermas mostra que não se trata de um mero “jogo de palavras”, mas que, ao contrário, o que se discute aqui é o
respeito às diferentes formas de vida, de forma que as decisões judiciais não podem ser “decisões axiológicas” (i.é.,
fundadas em valores), já que, ao fazer prevalecer um valor em detrimento de outros, se privilegia uma forma de vida
excluindo (ou ao menos subjugando) outras. “A diferença entre o modelo de princípios e o de valores evidencia-se no
fato de que é apenas em um caso único que se mantém o ponto de referência de uma reivindicação à validade
“incondicionada” ou codificada de forma binária: as proposições normativas gerais empregadas (entre outras) pelo
tribunal para a justificação de uma sentença (singular) valem aqui como razões cuja tarefa é autorizar-nos a considerar
correta a decisão que se dê ao caso. Se por outro lado, as normas justificadoras forem entendidas como valores que se
trazem ad hoc para dentro de uma ordem transitiva por uma eventualidade qualquer, então a sentença resulta de uma
ponderação de bens. Logo, a sentença é ela mesma uma sentença de valor e reflete de maneira mais ou menos adequada
uma forma de vida que se articula no âmbito de uma ordem concreta de valores” (HABERMAS, 2002, p. 357).
79
HABERMAS, 2002, p. 355 et seq.
80
CATTONI DE OLIVEIRA, 2002, p. 90. Caso fossem movidos por critérios de preferência, a normatividade da
Constituição, por exemplo, estaria à disposição da valoração dos juízes, o que implicaria uma situação de perigo para a
mesma e para os direitos nela garantidos (cf. SAMPAIO, 2002, p. 69). Cf. também Habermas (1998, p. 328). Em
sentido semelhante podemos também afirmar, a partir de categorias estabelecidas por R. Dworkin (2001, p. 101), que
Alexy, a despeito de pretender diferenciar as regras e os princípios, acaba confundindo estes com as “diretrizes
políticas”, isto é, desdiferenciar entre estas normas (que prescrevem que direitos os cidadãos possuem num determinado
sistema constitucional) e as “políticas” públicas (que tratam de como promover melhor o bem-estar geral). Segundo
ainda Dworkin (2001, p. 107), o processo legislativo se move em torno de questões de “política” (discursos de
justificação). No entanto, ao ser levantada em juízo (discurso de aplicação) o é como uma questão de princípio, isto é,
de direitos, não de “políticas”.
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delas pode ser “válida”. Não é, pois, que haja um verdadeiro conflito entre direitos. O Direito é
formado por normas (válidas) que formam um sistema íntegro. Qualquer “conflito” será percebido
apenas na aplicação e será sempre aparente, pois que, através de um juízo de adequabilidade, ver-
se-á que apenas um deles era adequado e não o outro.81
Considerações Finais
Nesse breve ensaio, explicou-se como a origem do Processo Constitucional veio suprir a
lacuna gerada pela constitucionalização do processo, o que forçou a uma releitura nem sempre bem
81
cf. GÜNTHER, 1993; BAHIA, 2004.
82
“O Supremo Tribunal Federal deixou assentado que, em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da
legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa
julgada e da “prestação jurisdicional” podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa
ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. Precedentes”.
(BRASIL, STF, 2a T., AgRAI 360.265, Rel. Celso de Mello, 2002). No mesmo sentido: “[...] esta Corte firmou
entendimento no sentido de que, em regra, a análise da ofensa aos princípios da ampla defesa, do contraditório e
do devido processo legal ensejaria o exame da legislação infraconstitucional. A ofensa à Constituição Federal, se
existente, seria reflexa”. (BRASIL, STF, RE 405321/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2005). “A violação aos
princípios do contraditório e da ampla defesa não dispensa o exame da matéria sob o ponto de vista processual, o
que caracteriza ofensa reflexa à Constituição e inviabiliza o recurso extraordinário” (BRASIL, STF, 1ªT, RE-
AgR 491923/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2006). Sobre o tema ver BAHIA, Alexandre. Interesse Público
e Interesse Privado nos Recursos Extraordinários. Cit., p. 96 et seq.
83
BRASIL, STF, 1ª T, RE 428.991/RS, j. 26/08/2008, p. DJe n.206, 30/10/208.
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Considerando-se que no Brasil, todo juiz é constitucional (e, pois, também a jurisdição como
um todo), a cada nova decisão os sujeitos do processo encontram-se diante da oportunidade de
também contribuir para a “realização” dos preceitos constitucionais, reconstruindo os postulados e
garantias previstos na Lei Maior. O compromisso para com a Constituição é dever de todo
magistrado, seja qual for o processo (ou procedimento administrativo) que tiver diante de si.
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DIOGO TEBET
Mestre em Ciências Penais -Universidade Cândido
Mendes/RJ.Coordenador adjunto da 6ª região
doIBCCrim. Membro efetivo da
ComissãoPermanente de Direito Penal do IAB.
Advogado criminal.
RESUMO: Busca o presente texto analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal na seara
processual penal no sentido da limitação do poder punitivo estatal, observando-se o princípio
republicano constitucional da dignidade humana. Argumenta-se que tal postura, classificada como
ativismo judicial, é perfeitamente legítima e consentânea com sua missão no Estado Democrático de
Direito, utilizando-se breve comparação com o modelo norte-americano. Por outro lado, sugere-se
que as críticas à restrição de uma postura proativa em sede processual penal deva se dirigir aos
poderes ativos do juiz em sede de persecução criminal.
Encontra-se na pauta do dia a discussão acerca do chamado ativismo judicial operado por
integrantes do Poder Judiciário, notadamente o desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal. A
reflexão sobre tal “fenômeno” ultrapassa algumas vezes o âmbito técnico-jurídico estando presente
em alguns momentos nos meios de divulgação da mídia falada e escrita.1
Muitas críticas são feitas em relação a essa função ativa. Argumenta-se que haveria uma
extrapolação da função institucional e constitucional do órgão de cúpula do ordenamento jurídico
nacional, seja pela ausência de legitimidade democrática para exercício de algumas funções, seja
pelo desvirtuamento de sua competência de tribunal constitucional. Tal insurgência parte
freqüentemente do setor mais “conservador” da sociedade brasileira justamente contra decisões em
questões da seara penal e processual penal que, geralmente, pendam para a limitação e contenção do
poder punitivo estatal.
1
Por todos: BRASIL, O papel do Supremo. Coluna de Merval Pereira, em O Globo de 21.03.09, p. 4.
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Destaca-se como um dos maiores exemplos dessa postura ativa a atuação da Suprema Corte
norte-americana a partir da década de 50, sob a presidência do Chief Justice Earl Warren, a
Warren´s Court,3 na qual houve a produção de notável jurisprudência progressista em matéria de
direitos fundamentais, por exemplo, direitos dos acusados e investigados em processo criminal
(Miranda v. Arizona, 1966, mais conhecido como Miranda rules), e liberdade de escolha acerca da
interrupção de gravidez, descriminalizando o aborto (Roe v. Wade, 1973, iniciando-se a política pro
choice).4
Há de se registrar porém que atualmente a ratio essendi das decisões da Suprema Corte norte-
americana acerca da imposição de limitações ao poder punitivo tem como objetivo precípuo a
preservação ética do Estado e a evitação de descrédito das instituições,5 ao invés da dignidade
humana ou proteção do indivíduo.
Essa redefinição de postura se deveu à nova engenharia constitucional positivada nas mais
variadas constituições contemporâneas, com destaque para as da Europa continental do pós-guerra.
Daniel Sarmento destaca que inicialmente a percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar
ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera de forma exemplar no nazismo alemão, levou as
novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos
potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador.7 No mesmo sentido,
2
BARROSO, Luís Roberto. A judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Revista Atualidade
Jurídicas: revista eletrônica do Conselho Federal da OAB. n° 4. jan/fev 2009. Disponível em :
www.oab.org.br/oabeditora. Acesso em 21.05.2009
3
De acordo com Jerold Israel e Wayne LaFave, durante a presidência de Earl Warren na Suprema Corte norte-
americana, operou-se a “criminal procedure revolution” pelo fato de a corte ter completamente reformulado a base
constitucional do processo penal estadunidense, criando “constitutional standards” que vincularam toda a
Administração Pública daquele país. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R. Criminal procedure: constitutional
limitations. 6th edition. St. Paul, Minnesota (EUA): West Group. 2001. p.1/9.
4
BARROSO, Luís Roberto. A judicialização... .
5
ZILLI, Marcos. We the people... Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT. jul-ago de 2009. ano 17. p.
205.
6
Sobre tal temática, ver SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil. In: LEITE, George Salomão;
SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Direitos Fundamentais e Estado Constitucional: estudos em homenagem a J.J.
Gomes Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra(PT): Coimbra editora. 2009. O autor porém deixa claro
que não há ainda uma definição clara de que o ordenamento jurídico nacional tenha incorporado o
neoconstitucionalismo, mas registrando que há inegável emergência de uma nova forma de conceber o direito e o
Estado na sociedade brasileira contemporânea. SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 32.
7
SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 14.
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Leonardo Greco afirma que “essa reconstrução impôs que o novo Estado de Direito deixasse de
assentar na sistemática supremacia do interesse público sobre os interesses individuais, mas se
baseasse no absoluto primado da dignidade humana e dos direitos fundamentais”.8
Essa preocupação não passou desapercebida pelo legislador constituinte brasileiro de 1988
ainda que tardiamente, por questões óbvias.
Como bem ressalta Ingo Sarlet, “o procedimento analítico do Constituinte revela certa
desconfiança em relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de
salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas contra uma eventual erosão ou supressão
pelos Poderes constituídos”.12
E é por esse desiderato de salvaguarda desse valores positivados no texto constitucional que a
atuação do Supremo Tribunal Federal vem a ser (injustamente) taxada de ativismo. Assegura o
Pretório Excelso justamente a observância dos postulados constitucionais.
Os críticos desse “ativismo judicial” não se dão conta de que não há mais espaço para
interpretações puramente positivistas, descoladas dos mandamentos constitucionais, especialmente
no âmbito das ciências penais, notadamente as de cunho processual penal. Afinal, “os fundamentos
8
GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. In: Revista de Processo. ano 33. nº 164. São Paulo:
Revista dos Tribunais. out/2008. p.42.
9
Afirmamos “quase” pois algumas conquistas do bloco conservador na Assembléia Constituinte constaram no texto
constitucional, como por exemplo, na questão agrária. Nesse sentido ver: PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-
1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lumen Juris/PUC-Rio. 2008.
p.105.
10
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. 20 anos da Constituição Democrática de 1988. in: Direito, Estado e Sociedade.
Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. nº 33. jul/dez. 2008. p. 207.
11
As constituições republicanas anteriores relegavam o rol dos direitos e garantias para depois da divisão e da
organização federal e descrição de atribuições dos entes públicos: “Declaração de Direitos” na Constituição de 1891
(arts. 72 e ss.) e os “Direitos e Garantias” nas demais: Constituição de 1934 (arts. 113 e ss); Constituição de 1937 (arts.
122 e ss); Constituição de 1946 (arts. 141 e ss); Constituição de 1967 (arts. 150 e ss); Emenda nº 1/69 (arts. 153 e ss.).
12
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009. p. 65.
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A atuação da Suprema Corte brasileira não inova ou extrapola; apenas aplica ao caso concreto
os princípios constitucionais que são ou desprezados pelos outros atores políticos (seja pela falta de
regulamentação), ou pela erronia de sua interpretação (invariavelmente feita pelas instâncias
judiciais ordinárias em sede processual penal no sentido da “busca pela verdade real”, ou em
“defesa da sociedade” em detrimento do princípio da dignidade humana).15
E justamente nesse trinômio é que se legimita a função desempenhada pelo Supremo Tribunal
Federal.
É inegável que tal atuação acaba por adquirir um caráter político, contudo, cabe lembrar que o
Direito processual penal está imerso nas relações políticas de uma sociedade.17 Na realidade, esse
atuar emerge pelo simples motivo de que os demais entes político-institucionais (incluindo os juízes
de primeira instância, os tribunais locais e regionais e agentes da Administração Pública direta e
indireta) aparentam relegar os princípios constitucionais a um segundo plano, especialmente o da
13
FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Coimbra editora: Coimbra. 1974 (reimpressão, 2004). p. 74.
14
MENDES, Gilmar. Proteção judicial dos direitos fundamentais. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo
Wolfgang (coord.). Direitos Fundamentais e Estado Constitucional... p. 375.
15
Jacinto Coutinho afirma ser o processo penal de “defesa social” típico dos regimes autoritários. COUTINHO,
Jacinto. Um devido processo legal (constitucional) é incompatível com o sistema do CPP, de todo inquisitorial. In:
PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da
Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. p. 260.
16
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. (2ª reimpressão) Almedina:Coimbra
(PT). 2000. p. 243/249.
17
BINDER, Alberto M. Introdução do direito processual penal. trad. Fernando Zani. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
2003.p. 26.
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dignidade da pessoa humana. Tal postura rememora muitas vezes um estágio positivista violador
contumaz do princípio da supremacia da Constituição, clamando reiteradas vezes a atuação do
Supremo Tribunal Federal, seja na reforma/cassação de decisões judiciais contrárias a Constituição
e aos seus princípios, direitos e garantias fundamentais, principalmente em sede de habeas corpus,
seja pela declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos, ou após a Emenda
Constitucional nº 45/2004, pela edição de enunciados de súmula vinculante.
Essa atuação corretiva do STF ou, em outras palavras, essa adequação (e conformação) da
prática judicial e legislativa brasileira aos ditames e valores constitucionais acaba por atribuir,
inegavelmente, uma função destacada da corte suprema brasileira. E é em relação a esse destaque
que se lançam injustas críticas de que estaríamos diante de um “ativismo judicial”, de uma
hipertrofia do papel da suprema corte nacional, de um Estado de Juízes. Como afirma Barroso, tal
atuação revela o caráter contramajoritário da corte constitucional, que embora seus membros não
tenham sido eleitos, têm o poder de afastar ou conformar leis elaboradas por representantes
escolhidos pela vontade popular.18 De uma forma mais explícita, comungando deste entendimento,
Alexandre Morais da Rosa enuncia:
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Nesse aspecto, podem ser citados alguns exemplos da atuação garantista do Pretório Excelso
em suas decisões em sede penal e processual, que observaram o princípio da dignidade humana e
frearam o abuso de poder dos entes públicos, denotando, segundo os críticos, uma postura ativa.
21
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. trad. Ana Paula Zomer Sica et alli. 2ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 534/535. Grifo e interpolação nossa.
22
Súmula vinculante nº 11, STF: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou
de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou
do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado”; Súmula vinculante nº 14, STF: “É
direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa”.
23
Voto do Min. Menezes Direito, PSV 1/DF, aprovação da Súmula Vinculante nº 14, Plenário 02.02.2009, DJ
27.03.2009, DJe 59/2009.
24
“Na verdade, quando estamos a falar hoje desta questão da algema, na prática brasileira, estamos a falar da
aposição da algema para os fins de exposição pública, que foi objeto inclusive de considerações específicas no voto do
Ministro Marco Aurélio. De modo que é preciso que estejamos atentos. Certamente temos encontro marcado também
com esse tema. A Corte jamais validou esse tipo de prática, esse tipo de exposição que é uma forma de atentado
também à dignidade da pessoa humana. A exposição de presos viola a idéia de presunção de inocência, viola a idéia
de dignidade da pessoa humana, mas vamos ter oportunidade, certamente, de falar sobre isto. Neste caso específico, a
aplicação da algema já é feita com o objetivo de violar claramente esses princípios. (...)”. Intervenção do Min. Gilmar
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Na mesma toada foi o reconhecimento da derrogação parcial do art. 5º, inciso LXVII da
Constituição Federal, mais precisamente da prisão civil por dívida do depositário infiel.26 Na
apreciação dessa matéria, o Supremo Tribunal Federal reconhece a força cogente da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos no ordenamento normativo brasileiro, pela adesão do Brasil ao
Pacto de São José da Costa Rica. Aduziu a Corte Suprema nacional naquela oportunidade que cabia
a ela extrair das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, a sua
máxima eficácia, “em ordem de tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a
sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de
a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs”,27
complementando de forma categórica:
Presente esse contexto, convém insistir na asserção de que o Poder Judiciário constitui o
instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos
fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa
alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como umas das mais expressivas
funções políticas do Poder Judiciário. (...) Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar
como instrumento da Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na
garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos
Mendes. Debates que integram a ata da 20ª (vigésima) sessão ordinária do Plenário do Supremo Tribunal Federal,
realizada em 13 de agosto de 2008. Debates e aprovação da súmula vinculante nº 11. STF Dje 214/2008.
25
Voto do Min. Celso de Mello, PSV 1/DF, aprovação da Súmula Vinculante nº 14, Plenário 02.02.2009, DJ
27.03.2009, DJe 59/2009
26
Por todos: STF, HC nº 87.585/TO, DJU 25.06.2009 e RE nº 349.703/RS, DJU 05.06.2009.
27
Voto Min. Celso de Mello, STF, HC nº 87.585/TO, DJU 25.06.2009.
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direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente
mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta
Suprema Corte, em particular. (...) O respeito e a observância as liberdades públicas impõe-se aos
Estado como obrigação indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público
aos direitos fundamentais da pessoa humana.28
No mesmo contexto de limitar o poder punitivo estatal, vale registrar a aplicação do princípio
da insignificância aos agentes de delitos contra o patrimônio. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal é pacífica no sentido que tal princípio de política criminal qualifica-se como “fator de
descaracterização material da tipicidade penal”.29 Ressaltando os postulados da fragmentariedade
e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, o STF estabeleceu vetores, ou seja,
verdadeiros standards determinantes da aplicação do princípio da insignificância: “(a) a mínima
ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação; (c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão
jurídica provocada”.30 O cerne de tal construção é, uma vez mais, o cidadão alvo da persecução
criminal:
Outro exemplo de atuação proativa do STF em prol das garantias constitucionais do cidadão é
a disciplina dos limites de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI's) através de sua
jurisprudência.32 Além de estabelecer vetores e limites de atuação, os arestos pretorianos
evidenciam novamente a preocupação com o poder (investigativo) parlamentar que, sem controle,
coloca em perigo a dignidade humana do cidadão alvo da investigação. Especificamente sobre esse
tema, ressalta-se a maciça jurisprudência da Corte suprema acerca do reconhecimento do direito ao
silêncio de investigados (ou testemunhas) em depoimentos em Comissões Parlamentares de
Inquérito:33
28
Idem, ibidem.
29
Por todos: STF, HC 98152/MG, DJU 05.06.2009.
30
Idem, ibidem.
31
STF, HC 98152/MG, DJU 05.06.2009.
32
Sobre a temática, simbólica foi a publicação da obra O Supremo Tribunal Federal e as Comissões
Parlamentares de Inquérito. Brasília: Supremo Tribunal Federal. 2006. 927p, que nada mais é do que a sistematização
das decisões do STF sobre o tema. Nas palavras do Senador Renan Calheiros, Presidente do Senado naquela época, “a
compilação das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI)” irá “nortear os trabalhos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário”. ob. cit. p. 13.
33
Por todos: STF, HC 83.622-MC, DJU 21.10.2003.
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34
Idem, ibidem.
35
Por todos: STF, HC 81.611/DF, 13.05.2005.
36
ADPF nº 54, ainda pendente de julgamento de mérito.
37
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito.: o triunfo tardio do direto
constitucional no Brasil. In: QUARESMA, Regina et. alli(coord.). Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Forense.
2009. p. 83/84.
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A procedência dessa assertiva se verifica pela recente celebração do “II Pacto Republicano de
Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, que contou com assinatura dos
representantes máximos dos 3 (três) Poderes: os Presidentes da República, do Senado Federal, da
Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal. 41
Vale lembrar que esse documento foi subdividido, de acordo com divulgação feita pelo
Ministério da Justiça, em três pontos prioritários: proteção dos direitos humanos e fundamentais;
agilidade e efetividade da prestação jurisdicional e acesso universal à Justiça. Dos 12 (doze)
subitens apresentados como desdobramento do ponto “proteção dos direitos fundamentais”, 9
(nove) dizem respeito diretamente à alterações e reformulações de garantias processuais penais
(dentre os quais podem ser citados a atualização da Lei no 9.296, de 1996, estabelecendo novas
condições para o procedimento de interceptação telefônica, informática e telemática, objetivando
evitar violação aos direitos fundamentais; revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a
fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa
e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais;
atualização da disciplina legal das Comissões Parlamentares de Inquérito; disciplina do uso de
algemas, de forma a atender ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana).
Tal documento revela a distância entre princípios constitucionais (desdobrados nos direitos e
garantias fundamentais do cidadão) e a efetiva prática infraconstitucional penal, buscando coadunar
38
STF, ADPF 54, DJU 31.08.07.
39
BOTTINO, Thiago. O direito ao silêncio na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009. p. 196.
40
BINDER, Alberto M. op. cit. p. 38.
41
Tal pacto foi assinado em 13.04.2009. Disponível em: www.mj.gov.br. Acesso em 13.04.2009.
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as condutas institucionais dos entes da Administração Pública aos parâmetros estabelecidos pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo sempre como norte a Constituição Federal e a
dignidade humana.
Comungando desse entendimento, Thiago Bottino revela que é com essa atuação do Supremo
Tribunal Federal que se irá construir uma democracia constitucional, entendida como aquela que
não se estrutura sobre elementos formais ou procedimentais, mas que traz em si mesma elementos
conteudísticos essenciais à manutenção do Estado democrático de direito.42
Em verdade, as críticas a um “ativismo judicial” deveriam ser direcionadas para uma outra
postura ativa judicial que, inobstante não ser doutrinariamente classificada como “ativismo”,
evidentemente extrapola as funções institucionais do julgador, afetando sua imparcialidade e sendo
potencialmente danosa à dignidade humana e desequilibradora de um processo penal justo: os
poderes ativos do juiz em sede de persecução criminal.43 A mera previsão legal desses poderes
revela direta violação ao princípio acusatório e da inércia da jurisdição penal,44 dispositivos típicos
de um sistema inquisitório, de um processo penal de emergência,45 colocados muitas das vezes à
disposição de uma política criminal baseada na ideologia Law and Order de combate à
criminalidade.
Desta forma, no que tange à discussão do ativismo judicial em matéria penal, a grande
questão que se apresenta ao intérprete ou ao “operador do Direito” é o ponto de vista político a ser
adotado, de forma simples e sem rodeios: ou se objetiva a proteção dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão ou o combate à criminalidade como “defesa da sociedade”; pensa-se no
homem ou no Estado;46 na efetividade constitucional (centrada na dignidade humana) ou no
eficientismo penal.
42
BOTTINO, Thiago. op. cit. p. 196.
43
De acordo com Jacinto Coutinho, “centrado na gestão da prova, o processo penal será acusatório se ela não
couber (sua busca), nunca, ao juiz”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Mettere Il pubblico ministero al suo
posto – ed anche il giudice”. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): São Paulo, ano 17,
n. 200, p. 23-24, julho 2009.
44
Podem ser citados como exemplo desse “ativismo” in malam partem, por assim dizer, a iniciativa probatória
do juiz (cf. art. 156, II do CPP), instauração de inquérito policial por iniciativa do juiz (art. 5º, II do CPP), ordenação de
medidas assecuratória ex officio (art. 127 do CPP), arrolamento de testemunhas do juízo (art. 209, CPP), decretação de
prisão preventiva ex officio (art. 311, CPP), emendatio libelli (art. 383, CPP), dentre outros. Para estudo mais
aprofundado da questão, ver LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. vol.I. Rio
de Janeiro: Lumen Juris. 2007. p. 185.
45
Sobre o tema ver CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal de emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
2002.
46
Como bem observado por Greco, “o homem não existe para servir o Estado. É o Estado que só existe para
servir o homem, de cuja a tutela decorre a própria legitimidade do poder do Estado”. GRECO, Leonardo. Publicismo
.... p. 42.
47
BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. trad. Carlos Nelson Coutinho. 7ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier.
2004. p. 23.
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BOTTINO, Thiago. O direito ao silêncio na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009.
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Almedina:Coimbra (PT). 2000.
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2009. ano 17.
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RESUMO
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RESUMEN
Evidencia que la sociedad consumidora ha presenciado el surgimiento de nuevas configuraciones de
relaciones jurídicas, hecho que torna imperioso el repensar de los modelos tradicionales, hoy
obsoletos, de tutela de derechos de consumidores. Denuncia la deficitaria actuación positiva del
Estado en la protección y efectivo de los derechos de los consumidores, lo que hace surgir uno de
los principales obstáculos al efectivo del derecho fundamental de acceso a la justicia al final del
siglo XX: el “obstáculo organizacional”. Teje apuntamientos sobre la más destacada política de
acceso a la justicia ya desarrollada hasta el presente momento: el movimiento universal de acceso a
la justicia, ensayado por Mauro Cappelletti. Después de resaltar el compromiso del llamado
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“Proyecto Florentino” con la identificación de las causas y efectos producidos por los obstáculos
económicos, organizacionales e procesales al ejercicio del derecho fundamental de acceso a la
justicia, busca, en el contexto de la segunda ola del movimiento (dedicada a los obstáculos de orden
organizacionales), justificativas para la importancia: del adviento del Código de Defensa del
Consumidor; del postulado constitucional de la defensa del consumidor (art. 5º, XXXII); y,
finalmente, del papel de los PROCONS. Destaca que, en medio a la “crisis de la administración de
la justicia”, estos órganos de la administración directa de los Poderes Ejecutivos Estaduales y
Municipales, son instituidos en Brasil con la misión de amenizar los efectos producidos por la
ineficacia del Estado en la tutela de los derechos de los consumidores. Confiere destaque al hecho
de que la popularización de los PROCONS como instancia de solución de conflictos individuales,
mucho si debe a los resultados expresivos (al menos cuantitativamente) atingidos por medio de las
llamadas “audiencias de conciliación”. En la secuencia, sin dejar de enfatizar los festejados índices
de acuerdos firmados por los agentes de estos órganos, apunta irregularidades técnicas y funcionales
en el ejercicio de una función que no les compite: la de conciliadores. Así, al paso que investiga la
conveniencia y adecuación del empleo de técnicas de conciliación por esos agentes, enfrenta la
problemática central del presente ensayo, comprometido con la búsqueda de respuestas a las
siguientes cuestiones: a) ¿si puede decir correcta la utilización de la conciliación en la pacificación
de conflictos de consumo?; e b) ¿es correcto hablar en la capacitación de agentes de los PROCONS
para el empleo de técnicas de conciliación, o hay otras técnicas más indicadas el ejercicio do su
mister? Después de explorar preceptos teóricos y prácticos relativos a los métodos alternativos de
remoción de conflictos en Brasil, empezando desde presupuesto de que es deber de los PROCONS
y sus agentes, promover la protección y defensa de los derechos de los consumidores (con absoluta
parcialidad y prioridad, en los termos de la Constitución), defiende la tesis de que sus agentes, que
actúan como conciliadores por fuerza de legislaciones infra-constitucionales deberían jugar un
comportamiento más activo en la negociación de los intereses de aquellos que efectivamente
representan, o sea: el oficio negociador. Finalmente, defiende que, una vez incentivados y
preparados para actuaren en la negociación asistida de los intereses de la categoría que representan,
los servidores de los PROCONS mejor (cualitativamente) desarrollarían sus funciones mientras
agentes facilitadotes del acceso a la justicia, sin lesión de la practica de acciones administrativas de
prevención de otros conflictos ampliados o difusos de consumo.
PALABRAS-LLAVE: Defensa del consumidor. Papel del PROCON. Acceso a la justicia. Solución
alternativa de conflictos de consumo. Conciliación. Negociación.
1 INTRODUÇÃO
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Conferiremos destaque à crescente importância dos PROCONS, que se consolidam, por meio
de suas “audiências de conciliação”, como instância de solução de conflitos individuais de
2
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso
à justiça. Revista de processo. São Paulo, ano 19, n. 74, p. 82-97, abr.-jun. 1994, p. 84.
3
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10.ed., São Paulo:
Cortez, 2005, p. 165-166.
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consumo, de maneira alternativa aos tradicionais processos judiciais. Na seqüência, sem deixar de
frisar aos festejados índices de acordos firmados junto a esses órgãos, apontaremos irregularidades
técnicas e funcionais no exercício de uma função que não lhe compete, qual seja: conciliar
consumidores e fornecedores (ou produtores) em situação de conflito.
Os escopos dos PROCONS são atingidos quando logram êxito em atender aos anseios dos
consumidores (por meio das estratégias de solução de conflitos individuais), reprimindo os conflitos
que lhes são manifestados, mas também, atuando no sentido de promover ações administrativas de
prevenção de outros conflitos da mesma natureza. A título de contribuição para o incremento da
atuação dos PROCONS na direção do primeiro escopo, sustentaremos a já anunciada reformulação
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do atual modelo de tutela de direitos individuais de consumo através das chamadas “audiências de
conciliação”. Isso se dará mediante a defesa do desenvolvimento de políticas públicas de
capacitação dos seus agentes para o exercício técnico-qualificado do ofício negociador. Já na
direção do segundo escopo, ao passo em que se destacamos o papel dos PROCONS na promoção da
defesa dos direitos dos consumidores, defenderemos a conveniência e imperatividade do
desenvolvimento de algumas medidas práticas de prevenção de conflitos ampliados ou difusos de
consumo.
Não se trata de produzir bens com menor qualidade, mas sim, que possam ser substituídos,
sempre, com maior rapidez, prática conhecida como obsolência planejada6. Para isso, investe-se em
tecnologias para que os produtos mais modernos sejam procurados e os antigos descartados. Os
meios de produção em massa passaram a produzir produtos mais sofisticados, porém, mais
descartáveis. E assim é, porque não há necessidade de se produzir coisas duráveis, já que antes
4
BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008, 2 ed. pg 14.
5
Sobre a sociedade de consumo vide: BAUMAN, Zygmunt. Vida para o Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2008.
6
A obsolência planejada, tão em voga atualmente, foi objeto de analise de um dos autores do ante-projeto do CDC:
DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do ante projeto. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, 7 ed., p. 205.
270
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mesmo de esgotada a sua “vida-útil”, o produto será substituído por outro, mais moderno, com
qualidade inovadora e que represente aparente satisfação de consumo.
De tal forma, o consumidor não possui qualquer chance de se relacionar em equilíbrio com
fornecedores de produtos e serviços, e, muito menos, de disputar em igualdade com estes últimos
nos conflitos gerados pelas relações de consumo. Este cenário se apresenta ainda mais preocupante
diante das concepções tradicionais do Direito, cujos mecanismos de proteção eram exclusivamente
voltados para o indivíduo, com quase total omissão à proteção de grupos de indivíduos.
271
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segurança para consumir deve ser proporcionada para que se gerem sentimentos de confiança para
os atos de consumo. Essa confiança e segurança são geradas por um ordenamento jurídico que
equilibre as relações de consumo, obrigando os seus partícipes a levarem em consideração a figura
do consumidor como elemento vulnerável e hipossuficiente. Essa nova formatação exigiu do
Direito moderno, novos instrumentos de proteção e defesa da individualidade e coletividade de
consumidores.
Se as relações de consumo possuem um caráter coletivo, a defesa também deve ser coletiva.
Disso resulta afirmar que, se a sociedade e as relações se tornam massificadas, o Direito deve se
adaptar ao processo natural de massificação, para proteger os indivíduos na sua forma coletiva.
Assim, a defesa dos interesses difusos no Direito do Consumidor possui, além do caráter de
prevenir a geração de danos à coletividade difusa de pessoas, o propósito de promover a tutela
repressiva de danos causados aos mesmos. É a premissa de que a união faz a força. Diferente de
uma reclamação individual, em que o fornecedor disputa com um único cliente, a reclamação
apresentada por consumidores unidos, o obriga a disputar interesses com todos os seus clientes. O
resultado deste conflito coletivo será, a nosso ver, completamente diverso, já que o poder dos
consumidores de disputa pelos seus direitos estará facilitado e fortalecido pela união do grupo.
7
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 2001, p. 97.
272
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individuais) revela uma das vertentes de um dos principais obstáculos à efetivação do direito
fundamental de acesso à justiça no final do século XX, qual seja: o “obstáculo organizacional”.8
Não integra o rol de objetivos traçados para o presente ensaio, a abordagem aprofundada da
“crise da administração da justiça”9 vivenciada por diversos países, com força maior na década de
1960. Todavia, para que possamos contextualizar a importância dos PROCONS na luta pela
amenização dos efeitos produzidos pela ineficácia do Estado na tutela de direitos dos consumidores,
pertinente se revela a contextualização do obstáculo organizacional, na conjuntura da principal
política de acesso à justiça desenvolvida até o presente momento em termos globais, qual seja: o
movimento universal de acesso à justiça, propagado em diversos países sob a regência de Mauro
Cappelletti e centenas de outros profissionais, dedicados a mais ampla pesquisa sobre temática do
acesso à justiça e os entraves à sua efetivação.
8
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso
à justiça. Revista de processo. São Paulo, ano 19, n. 74, p. 82-97, abr.-jun. 1994, p. 84.
9
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10.ed., São Paulo:
Cortez, 2005, p. 165-166.
10
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de
acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo, ano 19, n. 74, p. 82-97, abr.-jun. 1994, p. 84.
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Ao passo que os referidos obstáculos eram delimitados, “emergiram mais ou menos em ordem
cronológica”12, diversas medidas de combate aos efeitos pelos mesmos produzidos. A propositura e
execução gradativa dessas ações de superação dos obstáculos econômicos, organizacionais e
processuais, ficou conhecida como ondas do movimento de acesso à justiça, conforme se observa
no depoimento de Mauro Cappelletti e Bryant Garth:
Como forma de amenização dos efeitos produzidos pelos obstáculos de natureza econômica, a
primeira onda do movimento se concentrou no incremento de políticas assistencialistas de
atendimento gratuito aos economicamente desfavorecidos. Já os obstáculos processuais, que
11
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de
acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo, ano 19, n. 74, p. 84, abr.-jun. 1994.
12
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31.
13
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31.
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constituíram enfoque à terceira onda, foram atacados com o desenvolvimento conjugado de duas
ações: reformas processuais de simplificação dos procedimentos judiciais; e difusão de métodos
alternativos de resolução de conflitos como mediação, conciliação, arbitragem e negociação.
Finalmente, quanto aos obstáculos organizacionais (os objetos da segunda onda do movimento
universal), constata-se a necessidade imperativa de se repensar ou reformular os sistemas então
disponíveis de tutela e proteção de direitos difusos e coletivos.
O CDC, que nasce em meio à complexa sociedade de consumo de massas e no paradigma dos
direitos de terceira geração, desde o seu surgimento, demonstra que a defesa do consumidor só é
eficaz quando realizada coletivamente e quando solidificados os institutos de proteção dos
interesses e direitos coletivos e difusos. Os direitos dos consumidores consagrados na Lei n.
8.078/90 (CDC), servem à sociedade brasileira principalmente se interpretados na concepção dos
direitos coletivos. Nesse sentido, Vicente de Paula Maciel Júnior15 aduz que “os direitos dos
consumidores podem ser agrupados dentro da perspectiva individual de um consumidor, o que não
elimina a possibilidade de a relação de consumo ter abrangido uma série indeterminada de pessoas
além dele”.
Não há indivíduo que, no atual estágio da sociedade de consumo de massas, não seja um
potencial consumidor. Por isso, um mesmo fato gerador de dano a um consumidor pode afetar, e,
provavelmente afetará, um número indeterminado de outros consumidores. Quase sempre, a
constatação de uma lesão a um consumidor é sinal de que um grupo difuso de consumidores
também foi ou está sendo lesado, e que toda a sociedade consumidora corre o mesmo risco.
14
O movimento social de reconhecimento da figura do consumidor como indivíduo hipossuficiente e a iniciativa do
poder público de tutelar os consumidores por meio de instituições dedicadas a esta tarefa, já eram identificados no
Brasil antes mesmo da elaboração do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição de 1988. É que se verifica da
pesquisa realizada por Marcelo Sodré (SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor. São Paulo: RT, 2007, p. 130-148).
15
MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Convenção Coletiva de Consumo – interesses difusos, coletivos e casos
práticos. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 50.
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Por considerar que todo consumidor é vulnerável (e inserido neste conceito estão as
vulnerabilidades econômica, técnica e jurídica), o Estado deve intervir nas relações de consumo
para garantir que essa relação seja pautada por equilíbrio e igualdade real.
Vários são os motivos que exigem que as causas dos consumidores sejam diferencialmente
tratadas: seja porque seus valores, na maioria das vezes, inviabilizam a intervenção de advogados;
seja porque o consumo de produtos e serviços configura, na atual sociedade, comportamento
essencial do ser humano, do qual não pode este ficar privado. Por esta razão, o Código de Defesa do
Consumidor prevê como direito básico do consumidor (art. 6°, VII e VIII) a facilitação do seu
acesso à justiça e da sua defesa.
Ressalvada a importância da criação e popularização daquele que figura como o diploma legal
de maior penetração ou assimilação pelo seu público de destinatários, é imperioso reconhecer que a
declaração de direitos de qualquer natureza não se justifica se não for acompanhada de políticas que
lhes garantam a devida proteção e efetivação. O imperativo em questão nos faz recordar o
pensamento de Norberto Bobbio16, quando da afirmação de que “o problema fundamental dos
direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los”. A intervenção do
Estado, nesse sentido, deve extrapolar o contentamento com a positivação de direitos, exigindo a
efetivação de direitos garantidos.
16
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 42.
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Essas audiências realizadas pelos PROCONS, hoje configuram uma das ferramentas de
acesso à justiça mais usuais para os consumidores. A inexistência de custos para o cidadão, a
celeridade do processo administrativo e o grande aproveitamento das audiências em favor dos
consumidores, elevam os níveis de satisfação da comunidade em relação aos trabalhos do
PROCONS, fazendo com que a procura por estes órgãos seja muito maior do que em relação aos
Juizados Especiais Cíveis. Os altos índices de solução dos conflitos pelas audiências dos órgãos é a
principal causa do constante aumento da demanda dos administrados pelos PROCONS.
Reclamações
não atendidas
8472
37%
Reclamações
atendidas
14359
63%
17
O Estado de São Paulo foi o pioneiro na formulação de políticas estaduais de proteção do consumidor, tendo criado
em 1976 o primeiro PROCON do Brasil: “No Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor coube ao Grupo Executivo
– Procon, atuar de forma coletiva, visando informar e orientar o consumidor, por meio de programas específicos que
incluíam pesquisas e estudos relacionados à conjuntura econômica brasileira. Também receberia e encaminharia
reclamações e sugestões apresentadas por entidades de classe e representativas da população.” (PROCON/SP. Memória
do PROCON. Disponível em <http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=1131>. Acesso em: 26/11/2008). Como já
dito anteriormente, a preocupação dos Governos Estaduais e Municipais na implementação de políticas de defesa dos
consumidores é anterior ao CDC, a exemplo das iniciativas de criação de Coordenações temáticas no Paraná, Rio
Grande do Sul e em São Paulo, na década de 70 e 80 (SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2007, p. 131).
277
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Entre 2005 e 2006, o PROCON/PR realizou 13.951 audiências de conciliação para solução de
conflitos individuais de consumo. Boa parte dessas audiências (39%) foi concluída com acordos ou
com data para resolução como se pode observar pelo gráfico abaixo19:
audiência
prazo para
cancelada
instrução
350 Acordo
2735
2% 4354
19%
30%
nova audiência
1311
9% com data para
não resolução
encerradas 1284
solucionados
867 9%
3546
6%
25%
Relação dos resultados das audiências realizadas entre 2005 e 2006 no PROCON/PR
A maneira com a qual os PROCONS conduzem todo o atendimento aos indivíduos demonstra
a forma em que o acesso à justiça se dá por meio destas instituições públicas. E se o PROCON não
é um mero órgão fiscalizador das relações de consumo, mas também um guardião das normas
regulamentadoras dessas relações, deve atuar no sentido de representar consumidores em situação
de conflito, empenhando-se para buscar a satisfação de seus interesses, ainda que por meio de
práticas conciliatória informais de resolução de conflitos, alternativas ao processo judicial.
Dito de modo mais explícito, questionamos: Pode-se dizer cabível a utilização da conciliação
na pacificação de conflitos de consumo? Consequentemente, é correto falar na capacitação de
agentes dos PROCONS para o emprego de técnicas de conciliação, ou haveria outras técnicas mais
indicadas no exercício do seu mister?
18
PROCON/SP. Cadastro de Reclamações Fundamentadas. Disponível em <http://www.procon.sp.gov.br/pdf/
cadastro2007.pdf>. Acesso em: 26/11/2008.
19
PROCON/PR. Resumo das Atividades do PROCON/PR. Disponível em <http://www.procon.pr.gov.br/
arquivos/File/atividades_2006_site.pdf>. Acesso em: 26/11/2008.
278
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capacitação de agentes dos PROCONS para o manuseio de técnicas mais adequadas à representação
de consumidores em conflito.
Representados pela sigla ADR (do inglês Alternative Dispute Resolution), os métodos
alternativos de resolução de conflitos vêm ganhando notoriedade como vias alternativas (ao
processo judicial) de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça.
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Por conta de uma necessidade cujos contornos já foram delineados, o Estado se utiliza cada
vez mais dos benefícios proporcionados pela conciliação, seja ela judicial ou extrajudicial. Os
reiterados Movimentos Nacionais pela Conciliação, a consolidação de sua prática incidental no
processo judicial e o crescente emprego do método pelas defensorias e PROCONS, corroboram o
entendimento.
20
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 2001, p. 100-101.
21
COLMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 144.
280
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autoridade das partes na elaboração de decisões mutuamente aceitáveis; bem como a atuação
imparcial de um terceiro interventor (o conciliador).
Ressalvada a informalidade e flexibilidade que lhe caracterizam, pode-se dizer que o processo
de conciliação se operacionaliza em quatro etapas, descritas por Adolfo Braga Neto nos termos
seguintes:
A seqüência de etapas acima descritas revela que a atuação do conciliador é iniciada com as
devidas apresentações entre conciliador e partes conciliadas, seguidas da prestação de
esclarecimentos sobre o processo. Durante o desenvolvimento da conciliação, cabe ao conciliador
promover o incentivo à comunicação das partes, bem como identificar interesses convergentes e
divergentes para, assim, poder contribuir satisfatoriamente com a formulação de propostas de
acordo que atendam às pretensões, necessidades e possibilidades em jogo. Por fim, dependendo do
resultado do processo (se frutífera ou não for a conciliação), o conciliador providenciará a
elaboração de termo de acordo ou declaratório de impasse.
22
BRAGA NETO, Adolfo. Alguns aspectos relevantes sobre a mediação de conflitos In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na
prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007, p. 65-66.
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priorizando a satisfação dos interesses de um em detrimento do outro, sob pena de violação de toda
a lógica facilitadora de acordos, sustentada com imparcialidade.
A adoção, pelos PROCONS, da prática da conciliação como via de solução dos conflitos de
consumo, é decorrente da conjugação de dois fatores, quais sejam: um antigo costume, já
consolidado nos referidos órgãos; bem como a previsão legal para o desempenho dessa função,
conforme se verá na seqüência. É o que se percebe da análise das diversas resoluções, portarias e
demais normas regulamentadoras dos processos administrativos de diversos PROCONS estaduais e
municipais do país.
[…]
[...]
23
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Regimento Interno do PROCON Assembléia. Disponível
em <http://www.almg.gov.br/index.asp?diretorio=procon&arquivo=procon_legislacao>. Acesso em 25/04/2009.
282
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Partindo do pressuposto de que é dever dos PROCONS e seus agentes promover a proteção e
defesa dos direitos dos consumidores enquanto indivíduos ou classe hipossuficiente, assim como do
fato de que um conciliador jamais poderá carregar consigo qualquer interesse no resultado da causa
(ou seja, nunca poderá inclinar-se em prol da satisfação dos interesse de um dos envolvidos no
processo por ele presidido, sob pena de violação do atributo imparcialidade que lhe é inerente),
podemos afirmar que é tecnicamente despropositado, e, portanto, reprovável, o emprego da
conciliação nos PROCONS.
24
PROCON/PR. Resolução 064/98. Disponível em: <http://www.procon.pr.gov.br>. Acesso em 25/04/2009.
25
PROCON MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE. Decreto nº 2939/2001. Disponível em:
<http://www.proconcg.com >. Acesso em 25/04/2009.
26
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Regimento Interno do PROCON Assembléia. Disponível
em <http://www.almg.gov.br >. Acesso em 25/04/2009.
283
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Correto seria que os PROCONS passassem a promover sessões de negociação assistida, nas
quais seus agentes, de forma explícita ou não velada por uma imparcialidade simbólica, passassem a
atuar, com transparência, na representação extrajudicial de consumidores interessados na resolução
autocompositiva de seus conflitos. Sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de uma
importante política de resolução de consensual de conflitos, com esta mudança significativa do
ponto de vista técnico, tais órgãos melhor desempenhariam sua função de instância facilitadora do
acesso à justiça pelos consumidores.
27
Diversas metodologias de negociação podem ser utilizadas pelos agentes dos PROCONS. Além dos modelos
posicionais de negociação, por meio dos quais negociadores avançam sem maiores rigores técnicos, lógicos e
argumentativos (técnica conhecida como barganha posicional), outros se destacam pela efetividade e caráter
colaborativo. Um dos métodos mais reconhecidos na atualidade é o da negociação baseada em princípios ou méritos;
teoria desenvolvida a partir de pesquisas realizadas na universidade norte-americana de Harvard. Para maiores
esclarecimentos sobre a técnica da negociação baseada em princípios colaborativos (separe as pessoas do problema;
concentre-se nos interesses, não nas posições; invente opções de ganhos mútuos e insista em critérios objetivos),
recomendamos a leitura de FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: a negociação de
acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1994. 214 p.
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A própria natureza dos interesses dos consumidores numa sociedade de consumo de massas,
de produção e distribuição uniforme, nos leva a acreditar que poucas são as angústias e reclamações
de um indivíduo consumidor que não refletem interesses difusos de toda a comunidade de
consumidores. Mais uma vez citamos Vicente de Paula Maciel Junior para ilustrar este pensamento:
28
PROCON MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE. Decreto nº 2939/2001. Disponível em:
<http://www.proconcg.com >. Acesso em 25/04/2009.
29
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS. ORDEM DE SERVIÇO Nº 02/2006. Disponível em:
<http://www.campinas.sp.gov.br >. Acesso em 25/04/2009.
285
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Cada causa de consumo é apenas uma pequena amostragem de uma grande insatisfação de
uma coletividade que está sendo lesada na mesma forma que aquele que se manifestou.
30
MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Convenção Coletiva de Consumo – interesses difusos, coletivos e casos
práticos. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, pg 50.
286
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De nada adianta garantir vias eficazes de acesso a justiça aos indivíduos se, em caráter
contínuo, não se consubstancia esse direito em soluções efetivas para os interesses da sociedade,
aqui representados pela proteção dos igualmente importantes direitos difusos dos consumidores.
A propósito, incorre em falta grave o fornecedor que, tendo constatado a lesão ao consumidor,
recusa-se a cumprir o pedido juridicamente fundamentado do mesmo, conforme se depreende da
redação do artigo 26, IV, do Decreto Federal 2181/97:
31
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor com o Decreto 2181, de 20 de Março de 1997. Brasília: Ministério da
Justiça, 2006, pg. 72.
32
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor com o Decreto 2181, de 20 de Março de 1997. Brasília: Ministério da
Justiça, 2006, pg. 72.
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7. CONCLUSÃO
Entretanto, entendemos que a forma como tem sido conduzidas audiências nos PROCONS,
acaba por prejudicar a efetivação do seu papel solucionador de conflitos. O servidor do PROCON
não pode se portar como agente imparcial na condução de uma audiência, por figurar, em tal
momento, como agente investido de uma função estatal de defesa dos interesses do consumidor.
Esses servidores devem, portanto, ser capacitados para atuarem como negociadores dos interesses
da categoria que representam, e não como conciliadores imparciais.
8. REFERÊNCIAS
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RESUMO
O estudo realizado se insere na área do Processo Penal, no tocante à utilização da prova obtida por
meio ilícito. O método utilizado é a revisão crítica de bibliografia. Através de um corte histórico, é
possível verificar abusos presentes na forma de proceder do Estado quando se busca uma ilusória
verdade real, no processo penal. Tal suposta verdade permitiu toda espécie de abusos e
arbitrariedades, o que demonstra a ação impiedosa e injusta de um Estado opressor. No contexto do
Estado Democrático de Direito, é imperioso definir que a forma resguarda interesse na legitimação
do poder de segmentos sociais representados pelo Estado, quando da verificação da prática de um
crime. Porém, considerando a principiologia constitucional vigente, essa prática jamais pode
ensejar a possibilidade de limitar a vedação da auto-incriminação compulsória, eis que a Lei Maior
impede que o Estado mitigue direitos, para alcançar uma verdade que não poderá se enquadrar no
status de democrática.
ABSTRACT
This analysis is inserted in the studies of Criminal Procedure, and it concerns to the use of evidence
obtained by illegal means. The method used is the critical review of literature. By considering
specific moments in history, it is possible to observe abuses committed by the State while seeking
an elusive real truth in the criminal proceedings. This supposed truth allowed all sorts of abuse and
arbitrariness, which demonstrates the ruthless and unfair action of an oppressive state. In the context
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of a Democratic State, it is imperative to define that the form of the procedure protects the interest
in legitimizing the power of a social group represented by the State, when a crime is verified.
However, considering the current constitutional set of principles, this practice can never gives rise
to the possibility of limiting the prohibition of compulsory self-incrimination, behold, the highest
law prevents the State to mitigate rights in order to search for a truth that could not fit in the status
of democratic.
INTRODUÇÃO
A despeito de evidenciar um raciocínio tautológico, cabe iniciar pelo fim, e terminar pelo
começo, permitindo se entender o raciocínio em sua totalidade. Apesar de se limitar uma regra de
metodologia, será necessário pinçar, de pronto, citação de Luigi Ferrajoli1 quando expõe que o que
se perquire fundado numa busca de reparação pelos crimes trouxe a lume, na verdade, uma das
maiores mazelas e agressões produzidas à sociedade, o que é imprescindível para a consideração
final. Conforme palavras textuais do referido pensador:
Essa citação é muito esclarecedora, para demonstrar a finalidade a que se propõe o Estado
Democrático de Direito, principalmente porque, atualmente, é necessário que o processo penal seja
democrático e justo, não permitindo que excessos e arbitrariedades. Nessa linha de pensamento,
cumpre ter em mente a tendência de o poder se dilatar e espraiar o máximo possível, tendendo ao
infinito, o que não é admissível em países constitucionais que se orientam para garantir os direitos
fundamentais.
Nesse passo, cabe assumir postura crítica quanto à função do Estado, quando da persecução
penal, se haveria a mera intenção de aplicação do direito ao caso concreto, visão tradicional
importada do Direito Processual Civil, ou se esse paradigma deve ser modificado.
1
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. 5 ed. Madrid: Trotta, 2006, p. 365. disponível em
português:: “Contrariamente à idéia fantasiosa de Defesa Social, não é exagerado afirmar que o conjunto de penas
cominadas na história produziu para o gênero humano, um custo de sangue, de vidas e de todas as humilhações
incomparavelmente superior ao produzido pela soma de todos os delitos.”, Direito e razão. Teoria do garantismo penal.
São Paulo: RT, 2002, p, 310.
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No capítulo final, enfrenta-se o princípio do nemo tenetur se detegere, que deve ser analisado
como o enfrentamento da busca irracional pela verdade, ignorando os ditames processuais e
constitucionais processuais, o que traz a lume a análise da impossibilidade de intervenção corporal,
sem consentimento do acusado.
Quando se confere ênfase à idéia de garantir os direitos dos indivíduos em uma sociedade, é
necessária uma digressão acerca de como, historicamente se colocavam em prática algumas
maneiras de persecução do cidadão acusado de alguma conduta tida como delituosa.
A limitação do poder público, no que concerne ao agir estatal frente ao cidadão deve ser
analisada de acordo com a esfera de ingerência do Estado na liberdade do indivíduo, destacando-se
em tal limitação o princípio do devido processo legal, que se apóia nas liberdades fundamentais do
indivíduo2 e na restrição dos arbítrios estatais.
Na parte final do artigo 39 da Carta das Liberdades, foi incluída a cláusula do devido processo
que, por tradução livre, indica que:
2
BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 5.
3
SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 100.
293
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Entretanto, não foi nesse momento que houve a mudança efetiva dos arbítrios estatais, tão
pouco na persecução penal. A Court of Star Chamber criada no século XV na própria Inglaterra,
quando já era vigente o princípio do devido processo legal, existiu até o século XVII5, ilustrando
tais arbítrios. Tal corte foi muito conhecida pelas táticas inquisitoriais e pela maneira desumana por
meio da qual conseguia a confissão dos acusados.6
Em 1628, uma petição do Parlamento Inglês requeria novamente que fossem observados os
preceitos constantes na Carta Magna Libertatum; daí originando-se, em 1679, o habeas corpus
act.7
Ainda quando se trata de arbítrios estatais no processo penal, cumpre contemplar a evolução
da pena, haja vista a íntima relação entre o tratamento teórico e prático, conferido historicamente ao
conceito e sua evolução no contexto do Direito Processual Penal. Esse vínculo já foi mencionado
por Aury Lopes Jr.8, quando esclarece que o processo penal é o meio pelo qual se alcança a pena;
ou seja, quando o Estado exercita o poder de punir, já que as mudanças da primeira se confundem
com as mudanças do segundo.
Etimologicamente, pena deriva do latim poena, que remete à noção de castigo, sofrimento,
mágoa; entretanto, atualmente, pelo menos no plano teórico, é direcionado a pelo menos um fim,
qual seja, o de ressocializar o indivíduo, o que não existia em um Estado arbitrário e repressor.
Para focar a questão da arbitrariedade estatal, é oportuno recorrer a Michel Foucault9, quando
se refere à pena de suplício de um condenado em 1757. O horrendo relato da pena capital trazido
pelo citado autor serve para que se verifique o alcance da arbitrariedade estatal. Tal sistema de
penalização não se preocupa com o fim da pena, sendo o acusado mero objeto de investigação.
Um dos relatos mais marcantes que pode ser trazido é o caso de Damiens, que foi condenado
por parricídio, sendo exposto ao ridículo, de camisola (considerado nu para os padrões da época),
4
SEM TERRA, João. Magna Carta – the great chater. Disponível em: <http://www.bl.uk/treasures
/magnacarta/index.html#> acesso em 18 de maio de 2008. Na qual se disponibiliza uma foto da original e a tradução
para o inglês.
5
VARGAS, João Protásio Farias Domingues De. Direito Inglês (desenvolvimento histórico e organização judiciária).
Disponível em: <http://paginas.terra.com.br/arte/protasiovargas/di ring_art1.htm>, acesso em 25 de maio de 2008.
6
SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p. 103
7
idem, p. 106.
8
LOPES JR. Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 2.
9
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 34 ed. Tradução de Raquel Ramalhete, Petrópolis:
Vozes, 2007, p. 09 a 10.
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em seguida teve diversas partes arrancadas do corpo, com uma espécie de pinça utilizada para
tortura, sendo aplicado chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo cera e enxofre nas aludidas
partes. Em seguida, seu corpo teria sido esquartejado com o auxílio de seis cavalos e,
posteriormente sendo queimado.10
Além disso, a causa central da mudança da finalidade da prisão que, antes servia tão somente
para custodiar o réu até a execução da pena, repousa no fato de que tal modelo penal causava
apenas grande desperdício da mão-de-obra. Esses dados convergiram para a modificação do
panorama para a privação de liberdade como fim, por força da influência do sistema capitalista14.
De acordo com Binder15, o sistema penal atua como forma de asseverar a desigualdade social,
em função do fenômeno seletivo do sistema penal, através do processo de rotulação do
comportamento de classes sociais desfavorecidas, com sua estigmatização, o que reforça a exclusão
social.
Por força da tutela estatal da pena, não mais se pode admiti-la como reparação individual,
substituída pela pena pública. Dessa forma, supera-se a perspectiva de atuação do Estado por meio
de arbítrios e suplícios, com a intenção de reparar o delito praticado.16 A tutela penal passa ao
Estado, substituindo, portanto, a possibilidade de fazer justiça pelas próprias mãos, ou seja, “a
relação entre processo e a pena responde às categorias de fim e de meio. Assim, nasce o processo
penal”.17
10
idem, p. 01.
11
idem, p. 13.
12
HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848; tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos
Penchel. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1982, p. 79.
13
FOUCAULT, op. cit., p. 11.
14
LOPES JR., Aury. Direito Processual e sua conformidade processual Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 3.
15
BINDER, Alberto M. El incumplimento de las formas procesales: elementos para una crítica a la teoría unitária de
las nulidades em el proceso penal. Buenos Aires: Ad Hoc, 2000, p. 87-88.
16
LOPES JR., op. cit., p. 4.
17
idem, ibidem.
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Com essa codificação ditatorial, fica evidente que a função da persecução penal era a de tão
somente aplicar a pena ao caso concreto; ou seja, assegurar o exercício do poder punitivo, em
conformidade com os interesses do poder executivo daquela época.
À época, o procedimento não tinha o condão de diminuir o abuso, na verdade, ele não era
visto como abuso, mas somente como fase postulatória. Como preconiza o artigo 567 do Código de
Processo Penal, somente os atos decisórios poderão ser anulados, quando o procedimento foi
iniciado por juiz incompetente.
Ora, não é somente a forma imposta que permitirá a cessação dos abusos, eis que é preciso ter
em mente, que, em qualquer condição, o abuso poderá ocorrer. Se, dentro de um procedimento que
entrou em vigor em um momento fascista, pensado tão somente para assegurar a aplicação da lei
penal, não se pode admitir que o processo penal constituirá forma de contenção dessa aplicação da
lei ao caso concreto.
Então, fundado no Código de Processo Penal de 1941, é cediço defender a tese de que a
ilicitude do meio de obtenção da prova, ou, em outras palavras, a imposição de que o réu colabore
com a investigação, “aceitando” a coação, para colaborar com a acusação na busca de subsídios
para a condenação, por força desta ideologia, é algo extremamente normal.
18
De acordo com J. Gomes Canotilho, o Estado Constitucional moderno não se limita a um Estado de direito, eis que
ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo.
O mesmo autor acrescenta que A articulação do ‘direito’ e do ‘poder’ no Estado constitucional significa assim, que o
poder do Estado deve organizar-se a se exercer em termos democráticos.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7 ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003, p. 98.
19
BINDER, Alberto M. Introducción al derecho procesal penal. 2 ed. atual e amp. Buenos Aires: Ad Hoc, 2009, p. 61.
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Porém, não se pode ignorar que o momento presente situa-se em outro modelo estatal, não
mais naquele modelo autoritário, na autocracia de Getúlio Vargas, nem na autocracia militar,
dominante há décadas na história da legislação pátria.
Como exposto, é necessário identificar que ambos os momentos escolhidos como paradigma
metodológico de estudo, apresentam modelos em que o réu é coisificado; ou seja, o que importa
para um estado ditatorial não é sua proteção, mas a consecução da condenação a qualquer preço.
Nesse sentido, se é correto afirmar que o Brasil atual é um Estado Constitucional, por opção
democrática, fundada no Estado Social Democrático de Direito, deve-se preservar os direitos
fundamentais aos indivíduos e grupos, para não incidir em hipocrisia, nem aforntar as bases
principiológicas constitucionais.
Por este pressuposto, cumpre buscar bases teóricas que demonstrem o correto agir estatal.
Nesse contexto, merece relevo a Teoria do Garantismo Penal, idealizada originalmente por
Ferrajoli20. A opção que se utiliza como lente para análise da problemática que dá origem ao
presente estudo será o Direito e Razão, estruturantes para um bom agir estatal.
Nesse sentido, precisa-se verificar que a persecução penal, através do Estado, acontece em
dois momentos distintos: o primeiro, quando se prescreve a prática penal em abstrato, caracterizado
pela Lei Penal Material e o segundo momento, no qual existe um fato concreto, a ser verificado
isoladamente, tendo em vista a aplicação da lei ao caso concreto.
Na visão tradicional, que carregava em seu bojo a proximidade de Direito Processual Penal e
Direito Processual Civil como ciência única, poder-se-ia pensar que o processo penal é o local de
aplicação do direito ao caso concreto.
Nesse passo, é criada a norma penal material, que toma a forma do Estado Repressor penal;
ou seja, é a definição das políticas públicas que o Estado elege como as que vão assegurar e evitar
que haja aviltamento a proteção deficitária. Em contrapartida, vem o processo penal, que não
20
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal, 6 ed. Madrid: Trota, 2004.
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deverá se preocupar com políticas públicas, mas com o fato em espécie que se verifica em concreto,
para aplicar ou não medidas constritivas a liberdades individuais.
Ora, nos Estados absolutistas ou ditatoriais, a finalidade dos atos perpetrados pelo Estado será
confundida com a vontade do seu autocrata; ou seja, é preservada a vontade de quem detém o dever
de dirigir o Estado.
Como o governo, que é do povo, pelo povo e para o povo deve preservar o interesse geral, há
intrinsecamente a necessidade de se resguardar, por evidência, os direitos fundamentais, definidos
para proteger o particular frente ao poder Estatal. E aqui se funda basicamente a razão para ditar o
processo penal, permitindo que se efetivem as garantias protetoras do réu do exercício do poder de
punir.
Nessa perspectiva analítica, cumpre trazer a lume um conjunto de garantias processuais que,
coligadas à idéia de Estado Democrático Social de Direitos, funda a Teoria do Garantismo Penal,
21
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 7 ed. Madrid: Trotta, 2007, p. 22-24.
22
Idem, ibidem, p. 100.
298
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aqui tratada conforme formulação de Luigi Ferrajoli23, na direção de proteger o indivíduo do abuso
estatal.
A teoria do Garantismo Penal, criada por Luigi Ferrajoli24 traz em seu bojo a idéia de
assegurar proteção àquele que se encontre em situação de debilidade. Nesse sentido, todo aquele
que se encontrar em situação de inferioridade deverá ter assegurada a máxima garantia, prevista em
sede constitucional.
Dessa forma, no Processo Penal deve estar presente a idéia de racionalidade, de modo que o
processo possibilite ao debilitado o mínimo sofrimento possível, seja a vítima de um delito, seja o
acusado no curso do processo penal. Com base nessa premissa, criam-se leis, orientadas à máxima
tutela dos direitos e, na falibilidade do juízo e da legislação, tem a intenção de tolher o poder
punitivo, evitando qualquer tipo de violência arbitrária26.
Nesse escopo garantista, a pena é tida como o mal menor, sendo menos aviltante e menos
arbitrária, já que a vítima, realizando essa resposta penal, o faria de modo desproporcional. Em
outras palavras, a pena é definida como o menor dos males, uma vez que a permissão ao tratamento
arbitrário para a persecução daquele que delinqüiu poderia culminar em uma anarquia punitiva. Por
esta razão, a persecução penal deve ser regrada dentro dos ditames constitucionais.27
Quando se pretende analisar o processo penal à luz da Constituição, não basta confrontar
isoladamente atos normativos com dispositivos constitucionais pontuais, eis que se faz necessário
analisar tal ato com fundamento em todo o sistema constitucional, que representa malha
principiológica conexa.28
23
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal, 6 ed. Madrid: Trota, 2004, p. 28-29.
24
FERRAJOLI, op. cit.
25
idem, p. 28-29.
26
CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 84.
27
FERRAJOLI, op. cit., p. 335-336.
28
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Limite as interceptações telefônicas e a jurisprudêmcia do Superior Tribunal de
Justiça, in, PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas, org. Acesso a Justiça e efetividade do processo. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 52.
299
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O modelo garantista, per se, não seria suficiente, eis que demanda “uma reestruturação do
sistema penal, de forma que a legalidade processual não mais potencialize a seletividade ou propicie
o surgimento das cifras ocultas”.29
O próprio sistema penal nos estados periféricos, tal qual o Brasil, orienta-se pela lógica da
exclusão; ou seja, negação do outro. Esse sistema, portanto, impõe um modo de ser e agir baseado
em critérios de quase imobilidade social, o que leva à própria negação do Direito. É dentro da
Constituição Dirigente com bases democráticas que se pode reverter tal quadro.30
Com essas premissas, avança-se para o próximo tópico, abordando limites ao agir estatal de
forma a impedir que o Direito Penal sirva à lógica da exclusão, tornando imprescindível analisar
substancialmente a limitação expressa da proibição de utilização da prova ilícita. Nessa linha de
argumentação, é necessário identificar, não somente os casos clássicos, mas também aqueles que se
encontram obscuros, por força da sua suposta legalidade.
A prova obtida por meios ilícitos lato sensu comporta diferenciação doutrinária, pois se divide
em provas que aviltaram normas materiais e processuais: a primeira recebe a designação de prova
ilícita stricto sensu e a segunda é classificada como prova ilegítima.
É pertinente esclarecer, que prova, por si só, não comporta ilicitude. O presente estudo limita-
se ao exame da utilização da prova obtida por meio ilícito.
De pronto, cumpre lembrar que não é a prova que é ilícita; mas o meio de sua apreensão.
Ademais, provas obtidas ilegitimamente ou ilicitamente propiciam a mesma proteção pelo artigo 5º,
que veda as provas obtidas por meio ilícito. A distinção entre ambas basicamente decorre do fato
de que, quando a proibição é determinada por norma processual é ilegítima, quando disciplinada por
normas materiais configura-se sua ilicitude. Apesar disso, para alguns31, haveria ‘sanção’ de
nulidade, quando ocorresse infringência à primeira e a segunda acarretaria meramente sua
inadmissão.
Scarance Fernandes32, ao tratar do tema, demonstra preocupação para encontrar suposto ponto
de equilíbrio que proporcione subsídios para o Estado no sentido de proteger a sociedade contra a
29
CASARA, Rubens. Interpretação retrospectiva: sociedade brasileira e processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004, p. 100.
30
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Intervenção de Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, in COUTINHO, Jacinto
Nelson de Miranda. Canotilho e a constituição dirigente. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 67.
31
GRINOVER, Ada Pellegrini, et all. As nulidades no processo penal. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004, 157-158.
32
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002. P 84.
300
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Entretanto, o processo, locus ao qual se destina a prova obtida, não é o local para se discutir
políticas públicas. Note-se que o processo de cunho acusatório, adequado ao Estado Democrático
de Direito, deve proteger o indivíduo que tenha uma persecução iniciada contra si e não definir
ponto de equilíbrio entre “armar o Estado de poderes suficientes para enfrentar a criminalidade,
crescente, violenta, organizada” 33.
Nesse sentido, é possível verificar a busca do discurso fundante de tal doutrinador, que elege
como princípio a verdade real34. A esse respeito, assumindo linha de entendimento contrária,
defende-se que suposta verdade real é intangível e, no processo penal, só se aceita a argumentação
de verdade formal, uma vez que a verdade, para o processo, abarca aquilo que for exposto
claramente no mesmo, seguindo os ditames constitucionais.
Ada Grinover et all35 evidenciam a mesma lógica de discurso, quando tratam da prova obtida
por meio ilícito, eis que, quando tratam do método probatório e da legalidade da prova, afirmam
que “a investigação e a luta conta (sic) a criminalidade devem ser conduzidas de uma certa
maneira”.
Reitera-se que não há o que se falar em luta contra a criminalidade para o poder judiciário, no
espaço do processo penal. O poder judiciário é convocado a decidir em face de casos concretos,
posicionando-se a respeito da ocorrência ou não do alegado e qual o direito a ser aplicado ao caso
em tela, à luz do que foi trazido ao processo. Adicionalmente, não se pode esquecer que, pela Lei
Maior vigente, o processo é o espaço de aplicação das garantias ao réu, não sendo admissível
acrescentar ao Judiciário a responsabilidade de usar o processo como recurso para empreender a
luta contra a criminalidade, o que abarca o compromisso do ente estatal de definir políticas públicas
de segurança em outro espaço de atuação.
Para tratar da ilicitude da prova, merecem relevo os casos em que a prova utilizada não
padece de qualquer ilicitude, ou ilegitimidade, quando da sua obtenção; entretanto, ela é oriunda de
prova anterior, obtida sem respeito aos ditames constitucionais, penais ou processuais.
33
idem, ibidem.
34
idem, ibidem.
35
GRINOVER, Ada Pellegrini, et all, op. cit. 153.
301
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Esse entendimento é compatível com a cultura ditatorial que imperou no Brasil em diversos
momentos, tal qual a ditatura do Estado Novo, em que se promulgou o Código de Processo Penal,
conforme esclarecido no capítulo 1, ou, ainda, da arbitrariedade perpetrada no período da ditadura
militar.
Na tradução mais fidedigna, observa-se que a teoria é a do frutos da árvore venenosa; por
isso, qualquer fruto que dali resulte será venenoso. A própria corte americana aceitou argumentos
similares ao esposado anteriormente, que se dá na inevitable discovery, a “prova ilícita não foi
absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas”.37
Quando o Estado permite tal tipo de interpretação acerca da utilização das provas derivadas
daquelas obtidas por meios ilícitos, caminha no sentido oposto ao que requer o Estado Democrático
de Direito. Note-se que ao Estado não é facultada a possibilidade de admitir provas obtidas
ilicitamente nem direta, nem indiretamente.
Nesse sentido, é interessante a analogia trazida à reflexão por Manuel da Costa Andrade38,
quando exemplifica que, se ao particular é proibido receptar produtos que saiba ou deveria saber
oriundos de roubo39, muito menos ao Estado é permitido lançar mão de tal absurdo jurídico.
Diante de tudo o que foi exposto, pode-se depreender ser vedado ao Estado o aproveitamento
da prova obtida por meio ilícito, bem como da que for derivada de meio ilícito. Porém, essa
premissa não funda a hipótese de utilização dos dois tipos de prova, na possibilidade de beneficiar
um réu. Quando há a ponderação de princípios e/ou normas jurídicas, deve-se ter em mente que há
valores resguardados pela Constituição, os quais prevalecem sobre os demais, em quaisquer
circunstâncias.
36
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição: princípios constitucionais do
processo penal, 4 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 97.
37
GRINOVER, Ada Pellegrini, et all, op. cit., p. 163.
38
ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.
39
Artigo 180 do Código Penal.
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Quando se trata de garantia do acusado, a utilização dessas provas não poderá ser atribuída ao
acusado, inexigindo-se conduta diversa, uma vez que o réu vislumbra que esta seria o único meio de
comprovar sua inocência. A maioria da doutrina, como Scarance Fernandes, Ada Grinover,
Grandinetti, já mencionados, entre inúmeros outros, tendem a esse entendimento.
Um exemplo fático sobre isso, trazido por Geraldo Luiz Mascarenhas Prado40 de que houve
uma quadrilha condenada pela então juíza Denise Frossard, que tramava atentado contra a vida
desta última, do então presidente do Tribunal de Justiça Antonio Carlos Amorim e do Procurador
Geral de Justiça da época. Nesse caso, o juiz da execução penal autorizou a interceptação
telefônica, para impedir que tais crimes ocorressem, permitindo que se preservassem a vida de tais
autoridades. Em momento seguinte, as interceptações instruíram o processo penal a fim de
condená-los, o que ocorreu. Tais provas foram tidas como obtidas por meios ilícitos, os réus foram
absolvidos deste novo caso, mas preservou-se o bem maior, a vida.
Note-se que não há o que se falar em absorção dessas provas para finalidade diversa da que se
pretendeu, qual seja, a proteção da vida das autoridades e é nesse sentido que deve permear o
tratamento das provas obtidas por meios ilícitos.
Ingo Sarlet42 defende que dessa maneira poder-se-ia preservar o princípio da proteção
deficiente, o qual deveria ser verificado através do princípio da proporcionalidade. Entretanto,
quando se recorre ao princípio da não proteção deficitária para casos dessa natureza, corre-se o risco
de retornar ao Estado policial, meramente repressor. É importante ressaltar que, quando há um
processo penal específico, a interpretação está dirigida ao conflito em exame e não à proteção da
coletividade, não cabendo, como ressaltado o judiciário exercer essa parcela do poder estatal de
promover a segurança pública.
40
Trecho retirado de aula ministrada pelo professor Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, dia 07 de abril de 2009, turma de
Processo Penal I, na Faculdade Nacional de Direito - UFRJ.
41
MENDONÇA NETO, Wilson. P. 147. DISSERTAÇÃO
42
SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre
proibição de excesso e de insuficiência. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 47, março-abril de 2004, ed. RT.
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Este princípio tem sido aplicado à exaustão, quando do processo legislativo, não raro sob a
pressão dos meios de comunicação de massa, ou de casos rumorosas toma a iniciativa de editar
diversas leis penais atécnicas.
Não é ferindo direitos e garantias individuais que se fará valer o mito da verdade real. O
Estado, a partir do momento que editou determinadas regras para o proceder estatal para que se
condene é necessário que esteja colhido prova suficiente para corroborar a alegação acusatorial, não
pode ignorar tais regras e utilizar procedimento sui generis a seu bel prazer para condenar. Pensar
(e agir) assim é permitir que se esquive da forma como garantia e perpetuar horrendos absurdos, os
quais ferem de morte direitos e garantias. Foi justamente com apoio nessa ideologia repressiva
penal que a Inquisição perpetrou todas as mazelas.
À luz dessas inferências, elaborou-se o próximo capítulo, onde se tratará do princípio do nemu
tenetur se detegere, relacionado à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos e as
derivadas dela.
As provas obtidas por meio ilícito têm seu caráter de inadmissibilidade definido pelo
ordenamento jurídico pátrio, por ferir a Constituição, normas processuais penais ou, ainda, por
desconsiderar a principiologia que permeia o processo penal em um Estado Democrático de Direito.
43
MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal: fundamentos. 2 ed. Buenos Aires: Del Puerto, 2004, p. 663.
44
idem, p. 675.
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Destarte, a verdade formalizada é o obstáculo necessário para que seja buscada com as
limitações indispensáveis para um processo democrático. Não é demais repetir que o processo
penal não reconstrói os fatos, Binder47 esclarece que os fatos serão redefinidos, não havendo
solução de conflitos, mas sim retirando o fato da esfera particular, do seio da sociedade e, em
seguida, o reinstalando na sociedade, já com a sentença, com maior legitimidade, como uma leitura
daquele fato.
Trata-se da antítese do modo de proceder da inquisição: o processo penal acusatório veda, por
exemplo, a tortura e coações diversas. Binder48 identifica três níveis de proteção, a primeira (já
explicada), tortura e coações, a segunda abrange as limitações que obrigatoriamente devem estar
autorizadas previamente. O terceiro nível seria o da “pura formalización. De ninguma manera
puede ingressar información al proceso penal si no es a través de ciertos y determinados canales
preestabelecidos. Esto es lo que se denomina ‘legalidade de la prueba’”.
Vê-se, então, que a análise da admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos está
intrinsecamente relacionada ao princípio da ampla defesa. Para assegurar a autodefesa de algum
acusado ou indiciado de práticas delitivas, é imprescindível resguardar os direitos mínimos
conforme explicitado em momento anterior.
O Direito ao silêncio, portanto, é consectário lógico da ampla defesa. Ademais, ele decorre
principalmente de outro princípio, situado entre o da ampla defesa e o de permanecer em silêncio
sem prejuízo, que, no Brasil, é conhecido como princípio do nemo tenetur se detegere, traduzindo,
da vedação da condenação compulsória, ou o direito de não se auto-incriminar.
Outra acepção deste princípio é o do nemo tenetur se ipsum accusare está presente no rol das
provas obtidas por meios ilícitos. Uma vez identificado que determinado acusado foi torturado ou
45
FOUCAULT, Michel. op. cit., p. 9.
46
BINDER, Alberto M. Introducción al derecho penal. 2 ed. atual e amp. Buenos Aires: Ad Hoc, 2004. p. 176.
47
idem, p. 177.
48
idem, p. 178.
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coagido, seja pelo delegado, seja pelo juiz, para confessar, esta prova padecerá de vício, passando a
ser inadmitida no processo. Thiago Bottino do Amaral49 explicita:
É interessante ressaltar a identidade da vedação das provas obtidas por meios ilícitos com o
princípio de vedação da condenação compulsória. Por força da cultura inquisitorial, deve-se ter em
mente que não é lícito obrigar o acusado a colaborar com qualquer ato instrutório, principalmente,
os que carreiam valor probatório para os requerimentos do acusador.
Tal qual não se pode vislumbrar mais em um processo a tortura para se encontrar provas, que
é muito fácil de se evidenciar, com muito mais rigor deve-se analisar se a obrigatoriedade de
colaborar com o pleito condenatório será admissível, em um processo; ou seja, se o acusado é
obrigado a fornecer material, genético, grafotécnico, audiofônico, até o seu próprio bafo.
49
AMARAL, Thiago Bottino do. Direito ao silêncio na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 98.
50
ROXIN, Clauss. La prohibición de autoincriminación y de las escuchas domiciliarias. Buenos Aires: Hammurabi,
2008, p. 59.
51
Ferrajoli, p. 608.
52
LOPES JR. Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3 ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 353.
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que permeia o processo penal, em havendo a recusa, esta não poderá ser interpretada
desfavoravelmente, já que o direito de defesa não pode ser limitado em qualquer hipótese. Esse
ponto de vista encontra respaldo em Aury Lopes Jr, quando afirma que:
A carga da prova que existe no Processo Civil não pode imperar no Direito Processual Penal,
uma vez que, como esclarecido, a presunção é de inocência e pensar o contrário é presumir sua
culpa e ferir o âmago da Constituição, e, em casos cíveis de investigação de paternidade, por
exemplo, se discute o princípio fundamental da paternidade, e ao que tudo indica, porque resguardar
um suposto direito fundamental de colaborar com a sua própria acusação?
Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho55 defende que não haveria um direito
absoluto para negar a utilização do corpo humano como prova, salvo se violasse a dignidade
humana. Assim compreendido o dilema, o acusado poderia ser obrigado a colheita de impressões
digitais, recolhimento de cabelos, coleta de urina ou de sangue, uma vez que o ser humano faz isso
normalmente para outros fins.
53
idem, p. 356.
54
GOMES FILHO, Antônio Magalhães de. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997, p. 119.
55
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A constituição e as intervenções corporais no processo penal:
existirá algo além do corpo?, in PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas e MALAN, Diogo. Processo penal e democracia:
estudos em homenagem aos 20 anos da constituição da república de 1988, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 359.
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Depreende-se pois que a finalidade dessa colheita a define como prova ilícita, principalmente
quando não se proporciona o consentimento do acusado ou indiciado, ou ainda, que materiais
genéticos não tenham sido colhidos em busca e apreensão deferida por autoridade competente e tais
materiais genéticos estivessem no local onde foi realizada a diligência, nunca, jamais material
genético que ainda pertence ao réu.
Obrigar o acusado a abrir mão de parte de seu corpo, efetivamente, que ainda pertence a ele e
compõe todo o seu conjunto é efetivamente aviltante ao direito de não se auto-incriminar, já que,
em casos pontuais, não raro o acusado depara-se com a dificuldade de se obstaculizar tal imposição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi justamente a busca insana da suposta verdade real que abriu espaço à tortura, a adágios e
derramamento de sangue, tão caros à expansão do poder, no seio de uma ideologia em que o réu
constituía mero objeto da acusação.
Como demonstrado ao longo do artigo, a forma pode ser utilizada de maneira aviltante, ou
protetiva, claro obstáculo à consecução da mítica verdade, impedindo que qualquer meio para
obtenção dela se limite, no sentido de que a finalidade do processo penal seja compatível com os
princípios fundamentais em um Estado Democrático de direito. Nessa linha de pensamento,
cumpre reverter essa linha interpretativa, de maneira que a nunca se deixe de avaliar se tal ato avilta
ou não as garantias individuais.
Nesse sentido, não há possibilidade de transigência, uma vez que o Brasil constitui um Estado
Constitucional Democrático de Direito o que remete, especificamente à impossibilidade de
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afastamento da máxima processual penal que veda a admissibilidade da prova obtida por meios
ilícitos.
Para que não pairem dúvidas, reforça-se a tese de que, não há como afastar tal princípio, que
torna inaceitável qualquer coação, obrigatoriedade ou coação do réu para que o mesmo colabore,
retirando a carga probatória do Ministério Público.
Ressalta-se que, com alicerce na premissa da busca da verdade perpetraram-se crimes muito
mais graves do que aqueles de que os réus eram acusados. Com tais práticas, como demonstrado
por muitos estudiosos do tema, inclusive em perspectiva da evolução da sociedade e do exercício do
poder exacerbado de um grupo hegemônico sobre outros, mais vulneráveis, espalhou-se o medo e
veio à tona a face mais perigosa e cruel do homem. Num Estado Democrático de Direito, não mais
se pode admitir nem em pesadelo a persistência dessas formas de domínio, o que nos remete à
citação trazida na introdução.
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RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar a disciplina das provas ilícitas e do
procedimento de inquirição de testemunhas, no processo penal brasileiro anterior e posterior às
reformas do Código de Processo Penal ocorridas no ano de 2008, bem como sua disciplina no
direito processual penal norte-americano, de forma a demonstrar que o regramento adotado no
direito brasileiro a partir da edição das Leis 11.689, 11.690 e 11.719 sofreu grande influência do
direito americano, em especial no tratamento das provas ilícitas por derivação, com a adoção da
teoria dos frutos da árvore envenenada e as respectivas exceções da fonte independente e da
descoberta inevitável e, ainda, no tocante à inquirição de testemunhas, com a adoção do sistema de
inquirição direta e cruzada.
Palavras-Chave: Provas Ilícitas, Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, Testemunhas,
Inquirição Direta, Inquirição Cruzada.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the regulation of illegal evidence and of the
procedure for examination of witnesses, in the brasilian criminal procedure before and after the
reforms of the Criminal Procedure Code occurred in 2008, as well their discipline in the american
criminal procedure, in order to demonstrate that the rules adopted in brasilian law after the edition
of the Laws 11.689, 11.690 e 11.719 has suffered great influence from the american law, specially
in the treatment of the illegal derivative evidence, with the adoption of the fruits of the poisonous
tree doctrine and the respective independent source and inevitable discovery exceptions and also
with regart to the examination of witnesses, with the adoption of the direct- and cross-examination
system.
Key Words: Ilegal Evidence; Fruits of the Poisonous Tree Doctrine; Witnesses; Direct
Examination, Cross Examination.
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INTRODUÇÃO
A busca do bem comum de seus cidadãos é um dos vetores axiológicos que orientam a
atuação do Estado e justificam sua existência, não sendo outra a razão pela qual a Constituição
Federal de 1988 incluiu a “promoção do bem de todos” e a “construção de uma sociedade livre,
justa e solidária” como um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro.
O alcance desse objetivo passa, dentre outros meios, pela construção de um arcabouço
jurídico capaz de prover o Estado e a sociedade de segurança e estabilidade nas relações
desenvolvidas nas mais diversas searas da atividade humana, inclusive pela instituição de um
mecanismo eficiente de solução de conflitos.
No âmbito do direito processual, essa busca de aperfeiçoamento tem se manifestado por meio
de inúmeras reformas processuais havidas ao longo de décadas.
Embora intensificadas as reformas processuais nas últimas duas décadas, sobretudo no que diz
respeito ao direito processual civil, é certo que o fenômeno não é recente.
Com efeito, para corroborar tal afirmação desnecessário se faz regredir muito na busca de
antecedentes históricos ou enveredar-se por searas distantes da lida diária. Há um diploma legal de
fundamental importância e que se insere no cotidiano da grande parte dos operadores do direito que
o demonstra: o atual Código de Processo Civil, datado de 1973.
Na Reforma das leis processuais [...] cuida-se [...] conferir aos órgãos jurisdicionais os meios
de que necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz
atuação do direito [...] com economia de tempo e despesas para os litigantes.
Este excerto nos dá uma idéia bastante nítida do quanto já se fazia presente naquela ocasião a
preocupação em empreender uma reforma que se orientasse pelos princípios da celeridade e da
efetividade da prestação jurisdicional, com economia de tempo e de recursos, evidenciando que o
aperfeiçoamento do sistema oficial de solução de conflitos é um dos pilares necessários ao
progresso social e ao alcance do bem comum.
Na busca desse aperfeiçoamento de seu arcabouço jurídico, não raro os Estados buscam no
direito estrangeiro experiências exitosas e que possam ser incorporadas aos seus respectivos
ordenamentos jurídicos.
1
. CHIOVENDA, Giuseppe - La riforma del procedimento civile – Roma – 1911 – p. 04 apud BUZAID, Alfredo –
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil.
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No âmbito do direito processual civil, dentre muitos exemplos que poderiam ser citados, dois
podem ser destacados como paradigmáticos da influência que o direito estrangeiro muitas vezes
exerce nas reformas legislativas empreendidas no ordenamento jurídico brasileiro: a introdução da
audiência preliminar, mediante alteração do artigo 331 do CPC pela Lei 8.952/94, e o
desenvolvimento do microssistema dos Juizados Especiais (Leis 9.099/95 e 10.259/01), como
alternativa para a solução de conflitos de menor expressão econômica ou de menor complexidade.
Com efeito, foi justamente nos Estados Unidos, em 1934, que surgiu em Nova York o
primeiro Juizado de Pequenas Causas, então denominado Poor Man’s Court e cuja competência se
voltava ao julgamento de causas de pequeno valor, assim consideradas aquelas inferiores a
cinquenta dólares4.
A experiência de Nova York se difundiu nos Estados Unidos, dando origem às atualmente
denominadas Small Claim Courts5 e chegando por fim ao direito brasileiro com a Lei 7.244/84, que
tratou dos então chamados Juizados Especiais de Pequenas Causas, posteriormente sucedida pelas
Leis 9.099/95 e 10.259/01, que trataram dos Juizados Especiais Cíveis, na esfera estadual e federal
respectivamente.
Nesse contexto, especial relevância adquire o direito norte-americano, haja vista que uma
análise sistemática das leis referidas permite identificar ao menos dois pontos em que o nosso
legislador buscou inspiração no sistema processual penal dos Estados Unidos.
De um lado, o tratamento legal das provas ilícitas, tal qual introduzido pelas leis que
reformaram o Código de Processo Penal, espelha em muitos aspectos a teoria dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree) do direito norte-americano.
2
. BARBOSA MOREIRA (2004) – p. 61.
3
.BARBOSA MOREIRA, (2007) – p. 105.
4
. PEREIRA (2004) – pp. 19/20.
5
. Idem, ibidem.
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O presente trabalho tem por proposta justamente analisar esses dois importantes pontos da
reforma empreendida no ano de 2008 em nosso Código de Processo Penal e demonstrar de maneira
analítica a influência do direito norte-americano no tratamento por ela conferido às provas ilícitas e
à forma de inquirição de testemunhas.
A Constituição Federal de 1988 contém, no capítulo relativo aos direitos e deveres individuais
e coletivos, dispositivo expresso vedando a utilização, no processo, de provas obtidas por meios
ilícitos, qual seja, o artigo 5º, inciso LVI (“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos”).
Em outras palavras, as provas obtidas por meios ilícitos são provas vedadas6 em nosso
sistema jurídico pela própria Constituição, na medida em que produzidas em contrariedade material
ou formal com norma decorrente de dispositivo legal.
Essa regra constitucional, como bem acentuou Eugênio Pacelli de Oliveira7, além de seu valor
no processo penal, enquanto garantia voltada à preservação de direitos fundamentais do indivíduo
sujeito à persecução penal, cumpre ainda, em termos de política criminal, uma função também de
fundamental importância, que é a de atuar no “controle da regularidade da atividade estatal
persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de
quem é o grande responsável pela sua produção”, função que o próprio autor qualifica como
eminentemente pedagógica.
6
. CAPEZ (2000) – p. 30.
7
. OLIVEIRA (2009) – p. 299.
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As provas ilícitas por derivação são aquelas que, em si mesmas, não contêm uma
contrariedade à norma jurídica, mas cuja produção foi possível em razão de anterior ilicitude.
Assim ocorre, por exemplo, se a autoridade policial procede a uma interceptação telefônica,
sem a necessária autorização judicial, e, como consequência, vem a descobrir o local onde
armazenados produtos de origem ilícita, os quais são posteriormente apreendidos com base em
mandado judicial regularmente expedido.
A busca e apreensão em si mesma não se afigura ilícita, eis que realizada com base em ordem
judicial; não obstante, a identificação do lugar em que a busca foi realizada apenas se deu em razão
da ilícita interceptação telefônica realizada. Nesse contexto, haveria de se determinar em que
medida esta ilicitude originária contamina a prova licitamente produzida pela apreensão e, ainda, se
a vedação constitucional de provas ilícitas alcança ou não as provas derivadas de ilícitas, como no
exemplo dado.
Essa discussão, como já se expôs, passou ao largo do Código de Processo Penal, que nada
dispôs acerca das provas ilícitas, encontrando no direito brasileiro anterior às reformas processuais
do ano de 2008 uma abordagem unicamente doutrinária e jurisprudencial, a partir da construção
feita pela Suprema Corte dos Estados Unidos conhecida como fruits of the poisonous tree (frutos da
árvore envenenada).
Neste caso apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, a autoridade policial realizou, durante
largo período, interceptação telefônica dos réus, com autorização judicial, logrando identificar o
lugar onde estes armazenavam drogas, que veio então a ser regularmente apreendida, realizando-se
ainda a prisão em flagrante dos acusados.
Não obstante a existência de autorização judicial, o Supremo Tribunal Federal - com exceção
do Ministro Paulo Brossard10 - considerou ilícita a interceptação telefônica, ao argumento de que à
8
. OLIVEIRA (2009) – p. 315.
9
. STF - HC 69.912/RS – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ de 23/11/1993 – p. 321.
10
. Em seu voto, o Ministro Paulo Brossard elaborou interessante construção interpretativa para sustentar que o texto
constitucional, em sua integralidade, ao qual se agregavam tratados internacionais dos quais o Brasil era signatário,
tornava o combate ao tráfico de drogas questão tão prioritária, que seria inescapável ao legislador infraconstitucional
incluir, dentre as hipóteses em que a interceptação telefônica seria juridicamente autorizada, a repressão a esta
modalidade de crime, de sorte que seria lícito ao Judiciário – ainda que inexistente regulamentação legal – deferir a
interceptação telefônica em tais casos.
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época ainda não havia sido regulamentado o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal de 1988,
de forma que qualquer interceptação telefônica – ainda que contasse com autorização judicial –
seria vedada pela Constituição.
Não obstante o posicionamento do Ministro Sepúlveda Pertence tenha contado com a adesão
dos Ministros Francisco Resek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello, o Supremo Tribunal
Federal acabou por rejeitar a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, sendo de se
ressaltar, no tocante a essa rejeição, o voto do Ministro Sydney Sanches, segundo o qual “pouco
importa que tais provas só tenham sido possíveis depois da alegada violação ilícita do sigilo
telefônico”, pois tal questão haveria de se resolver unicamente no plano da responsabilização civil e
administrativa dos responsáveis, não ficando por isso “invalidadas todas as demais provas
posteriormente obtidas”.
Também o Ministro Moreira Alves, em seu voto, destacou que “se num processo houver
provas lícitas e provas ilícitas, a ilicitude destas não se comunica àquelas para que se chegue à
absolvição por falta de provas, ou para que se anule o processo pela ilicitude de todas as provas
produzidas”.
É certo que, após a aposentadoria do Ministro Paulo Brossard e subsequente ingresso no STF
do Ministro Maurício Correia, a posição da Corte Maior, como nos dá notícia Fernando Capez11,
passou a ser a de reconhecer também a inadmissibilidade das provas lícitas derivadas de provas
ilícitas (cf. HC 72.588/PB, HC 73.351/SP, HC 74.116/SP e HC 76.641/SP).
Essa nova orientação do Supremo Tribunal Federal, porém, não invalidava a conclusão de que
a ausência de um maior detalhamento no plano normativo infraconstitucional criava um ambiente
de absoluta insegurança jurídica a respeito do tema, eis que qualquer dos posicionamentos a
respeito da teoria dos frutos da árvore envenenada contava com adesão quase idêntica dentre os
Ministros integrantes daquela Corte.
11
. Op. cit., p. 32.
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12
“The right of the people to be secure in their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and
seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation,
and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.” (Numa tradução livre: “O
direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra buscas e apreensões arbitrárias não
poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios razoáveis, confirmados por
juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a
serem apreendidas”).
13
. “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or
indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service
in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life
or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or
property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.”
(Numa tradução livre: “Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por
denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo
público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser
duas vezes ameaçado em sua vida ou em sua integridade física; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a
servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal;
nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização”).
14
. “The exclusionary rule is a criminal defendant´s remedy for a violation of his or her constitutional (Fourth, Fifth, or
Sixth Amendment) rights by police. The remedy entitles the criminal defendant to have all evidence obtained as a result
of the violation excluded from his or her trial” (Numa tradução livre: “A regra de exclusão é um remédio à disposição
do acusado em caso de violação de seus direitos constitucionais (Quarta, Quinta ou Sexta Emendas) pela polícia. O
remédio assegura ao acusado a exclusão do seu processo de toda evidência obtida como um resultado dessa violação.”)
(KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 228).
15
. 232 U.S. 383, 34, S. Ct. 341, 58 L. Ed. 652 (1914).
16
. WAYNE; JEROLD; NANCY – p. 106.
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Tal entendimento da Suprema Corte ligava-se à própria origem das oito primeiras emendas à
Constituição Federal americana, conhecidas como Bill of Rights.
Tal cenário veio a mudar após a Guerra Civil americana, com a aprovação, em 1868, da 14ª
Emenda à Constituição Americana18, que estendeu aos Estados à garantia do due process of law,
fornecendo à Suprema Corte norte-americana subsídios para que pudesse ampliar sua interpretação
acerca da aplicabilidade da Bill of Rights19.
Assim, em 1927, a Suprema Corte passou a entender que as exclusionary rules também se
aplicavam às autoridades policiais estaduais, sempre que houvesse participação na diligência de
oficiais federais ou que a diligência fosse praticada para fins federais (federal purposes)20 21.
17
. KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 20.
18
. “No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of the United States; nor
shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the laws.” (numa tradução livre: “Nenhum Estado poderá aprovar ou
executar qualquer lei que possa restringir os privilégios ou imunidades dos Estados Unidos; nem deve qualquer Estado
privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa
sob sua jurisdição a igual proteção das leis”).
19
. KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 23.
20
. Byars v. United States (273 U.S. 28, 47 S Ct. 248, 71 L.Ed. 520) (1927) e, ainda, Gambino v. United States (275
U.S. 310, 48, S. Ct. 137, 72 L.Ed. 293) (1927), apud WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 109.
21
. WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 106.
22
. O caso Elkins v. United States é particularmente representativo dessa evolução na jurisprudência da Suprema Corte
norte-americana, na medida em que nele houve específica negativa da denominada silver platter doctrine, ou seja, da
doutrina segundo a qual evidências ilegais seriam admissíveis em cortes federais, quando obtidas por agentes dos
Estados. (Idem, p. 107).
23
. Em Mapp v. Ohio, a Suprema Corte entendeu que as provas obtidas em desconformidade com as garantias
estabelecidas na quarta e na quinta emendas da Constituição Federal eram igualmente inadmissíveis perante as cortes
estaduais (idem, ibidem).
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que obtida por agentes federais ou (3) apresentada perante a Corte de um Estado, embora obtida por
agentes de outro Estado.
Assim, por exemplo, entende a Suprema Corte norte-americana que as exclusionary rules são
também um imperativo da integridade judicial, impedindo que o Judiciário se torne cúmplice do
descumprimento da Constituição e, ainda, um imperativo da própria confiabilidade no Governo, na
medida em que mostra ao cidadão que o governo não vai se beneficiar de uma conduta ilegal28.
24
. 381 U.S. 618, 85 S. Ct. 1731, 14 L. Ed. 2d 601 (1965), apud WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 108.
25
. Arizona v. Evans, 514 U.S. 1, 115 S.Ct. 1185, 131 L. Ed. 2d 34 (1995), apud KLOTTER; KANOVITZ;
KANOVITZ (1998) –p. 228.
26
. 256 U.S. 465, 41 S.Ct. 574, 65 L.Ed. 1048 (1921), apud WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. – p. 120.
27
. WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - pp. 107/108.
28
. Idem, ibidem.
29
. 403 U.S. 388, 91 S. Ct. 1999, 29 L.Ed. 2d 619 (1971), apud WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 109.
30
. Quando afirmamos que tal entendimento não prevaleceu, não queremos dizer com isso que a Suprema Corte tenha
negado o direito à reparação civil da vítima da violação de uma garantia constitucional, mas apenas que a Suprema
Corte pretendeu assentar que a discussão não se esgota na reparação civil, gerando a ilícitude também uma repercussão
processual, qual seja, a inadmissibilidade da prova. No tocante à reparação, é importante destacar que o Código dos
Estados Unidos (USCA), na Seção 1983, Título 42, assegura que todo aquele que houver violado garantia estabelecida
na Constituição, poderá ser demandado e responsabilizado em juízo como causador do dano por aquele que o sofreu
(Every person who, under color of any statute, ordinance, regulation, custom, or usage, of any State or Territory or the
District of Columbia, subjects, or causes to be subjected, any citizen of the United States or other person within the
jurisdiction thereof to the deprivation of any rights, privileges, or immunities secured by the Constitution and laws,
shall be liable to the party injured in an action at law, suit in equity, or other proper proceeding for redress [...]). Esse é
o suporte legal para uma ação de responsabilidade civil por violação de garantia constitucional, a ser movida em face de
agentes públicos municipais ou estaduais, principalmente policiais (promotores são imunes em sua atuação). No caso de
violações praticadas por agentes federais, embora inaplicável a seção 1983, é possível buscar a responsabilização do
agente policial federal, com base em entendimento jurisprudencial da Suprema Corte (Bivens v. Six Unknown Named
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consolidou o entendimento de que as provas ilícitas não são admissíveis no processo, devendo ser
dele excluídas (exclusionary rules), ainda que em alguns casos tenha a Suprema Corte dado alguma
margem de admissão a tais provas31.
Esta é a doutrina que ficou conhecida como fruits of the poisonous tree doctrine32, ou ainda,
Wong Sun doctrine, em referência ao famoso caso Wong Sun v. United States33, no qual foi
reconhecida a inadmissibilidade das entre nós denominadas provas ilícitas por derivação, os tais
frutos da árvore envenenada34.
Em conformidade com a teoria dos frutos da árvore envenenada, todo aquele que teve
garantias constitucionais violadas pela autoridade policial pode invocar a exclusão do processo de
todas as evidências obtidas direta ou indiretamente em razão dessa violação35.
Agents) e é possível, ainda, responsabilizar o governo com base em Lei aprovada em 1974, que impôs ao Governo uma
responsabilidade subjetiva.
31
. Assim, por exemplo, em United States v. Leon a Suprema Corte entendeu que são admissíveis as provas obtidas com
base em mandado de busca e apreensão judicial que posteriormente se revele desprovido de suporte razoável, pois as
cláusulas de exclusão se dirigem à atividade policial e não a corrigir erros dos juízes, havendo de se pesar custos e
benefícios da adoção das exclusionary rules em tais situações. (WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 110). É
importante ressaltar, no entanto, que este julgamento da Suprema Corte não excluiu completamente a incidência das
exclusionary rules em buscas realizadas com suporte em mandado judicial, pois estas vão incidir sempre que “falte ao
policial fundamentos razoáveis para acreditar que o mandado foi validamente expedido” como se dá, por exemplo,
quando o policial tem conhecimento de que o mandado foi expedido com suporte em evidências falsas ou fabricadas ou
é de tal forma deficiente que não pode ser reputado como válido.
32
. A expressão fruits of the poisonous tree foi cunhada pelo Justice Frankfurter, no caso Nardone v. United States (308
U.S. 338, 60 S. Ct. 266, 84 L. Ed. 307 – 1939, apud WAYNE; JEROLD; NANCY – op. cit. - p. 509).
33
. 371 U.S. 471, 83 S. Ct. 407, 9 L. Ed. 2d 441 (1963) apud KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 228.
Neste caso, agentes federais ingressaram no apartamento de Blackie Toy, algemaram-no e o prenderam sob acusação de
tráfico de drogas, tudo sem mandado judicial ou probable cause; Blackie Toy, no ato da prisão, deu declarações
comprometedoras para si mesmo e para uma outra pessoa chamada Johnny Yee; a polícia, então, foi à casa deste último
e lá o prenderam e encontraram heroína em sua posse, que ele disse ter comprado de Blackie Toy e Wong Sun, que
então foi posteriormente preso. Após ter sido solto, Wong Sun retorna voluntariamente à delegacia e confessa. Nesse
complexo caso, a Suprema Corte entendeu que tanto as declarações comprometedoras dadas por Blackie Toy, quanto a
droga encontrada com Johnny Yee não poderiam ser utilizadas como prova contra Blackie Toy, porque fruto de uma
busca e apreensão e prisão inconstitucionais (idem, p. 281).
34
. KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 231.
35
. De outra parte, é importante observar que a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana estabeleceu que
apenas aquele que teve suas garantias constitucionais violadas pode invocar a exclusão da prova. Assim, embora a
prova não sirva para condenar aquele que teve garantias constitucionais violadas, poderá ser utilizada no processo de
terceiro que não tenha tido violadas garantias constitucionais. Não há uma ilicitude da prova em si, mas um direito de
requerer a exclusão da prova por parte daquele que teve garantias violadas. Um exemplo dado por KLOTTER et alli
(1998) deixa bem claro esse entendimento da Suprema Corte: suponha que a polícia entre na residência de uma mulher,
sem mandado judicial ou probable cause, procurando por evidências de tráfico de drogas e lá encontre cinco quilos de
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Assim, por exemplo, se uma pessoa é presa em flagrante portando irregularmente arma de
fogo e a polícia, mediante tortura, obtém a informação de que esta pessoa armazena grande
quantidade de droga ilícita em sua residência, ainda que venha a autoridade policial a obter um
mandado de busca e apreensão da droga, esta não poderá ser utilizada como prova no processo,
porque, não obstante a apreensão tenha ocorrido licitamente com base em mandado judicial, a
diligência está, por aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, contaminada pela violação
originária de garantias constitucionais36.
No entanto, ao lado desta regra geral de exclusão, a Suprema Corte norte-americana elaborou
algumas exceções à aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, ou seja, concebeu algumas
situações em que, a despeito da ilicitude originária, a prova derivada poderia ser utilizada no
processo, porque sua exclusão não atenderia a qualquer dos propósitos da regra de exclusão
(doctrine of attenuation).
No caso da exceção da descoberta inevitável, assentou a Suprema Corte que a prova derivada
será admissível no processo, se a acusação for capaz de demonstrar que a evidência ou prova
ilegalmente obtida seria encontrada mesmo na ausência da violação38.
Assim, por exemplo, se ocorre um acidente de trânsito e um dos motoristas ameaça o outro
com uma faca, evento posteriormente relatado pelo motorista ameaçado ao policial que registra a
ocorrência, este policial está autorizado (porque presente probable cause) a realizar uma busca
pessoal no motorista supostamente armado, ou mesmo no porta luvas, a fim de encontrar referida
arma.
cocaína, uma balança de precisão e uma foto do irmão da mulher ao lado de uma plantação de maconha e, com base
nisso, obtenha um mandado judicial para busca na residência desse irmão, onde vem a encontrar a plantação de
maconha, bem como inúmeras fotos do irmão e da irmã cultivando a planta. No caso da irmã, a cocaína apreendida não
poderá ser utilizada como prova em eventual acusação por tráfico de drogas, na medida em que a apreensão se deu de
forma irregular, violando seus direitos constitucionais; de outra parte, também não poderão ser utilizadas as fotos
apreendidas na casa de seu irmão como prova contra a irmã de seu envolvimento no tráfico de maconha, na medida em
que tais fotos estão excluídas por aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada; não obstante, o irmão poderá ser
regularmente acusado com base nas provas apreendidas na residência dele, eis que ele não teve qualquer direito
constitucional violado, na medida em que a busca realizada baseou-se em mandado judicial regularmente expedido
(KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 232).
36
. “[...] when a confession is tainted by police illegality, the taint carries over and destroys the admissibility of
derivative evidence that was discovered as a result of the confession” (“[...] quando uma confissão é viciada por
ilegalidade policial, a mácula acompanha e destrói a admissibilidade da prova derivada que foi descoberta como um
resultado da confissão”) (KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 281).
37
. KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 233.
38
. Idem, ibidem.
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Encontrada a arma com o motorista e sendo este regularmente preso pelo porte ilegal, não há
mais probable cause para se dar continuidade à busca em outras partes do veículo. Mas se, a
despeito da ausência de probable cause, a autoridade policial der prosseguimento à busca e abrir o
porta malas do veículo, lá encontrando certa quantidade de drogas, esta última evidência, não
obstante ilegalmente obtida, poderá ser aproveitada, na medida em que, tendo sido regularmente
preso o motorista, a droga seria inevitavelmente descoberta em posterior inventário dos objetos
existentes no veículo, a ser realizado na delegacia de polícia.
De outra parte, também não há o que se falar em exclusão da prova, segundo a Suprema
Corte, quando esta resulta concomitantemente de uma fonte independente, como se tem exemplo no
célebre caso Wong Sun v. United States, já referido anteriormente39.
Neste caso, embora toda a sequência de provas e evidências colhidas tenha sido derivada de
uma prisão e de uma busca e apreensão inconstitucionais realizadas no apartamento de Blackie Toy
e, por isso mesmo, reputadas inadmissíveis por aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada,
diferente foi a conclusão da Suprema Corte com relação à confissão feita por Wong Sun dias depois
de haver sido solto da prisão ilegal.
Como já mencionado, após sua prisão ilegal, Wong Sun foi solto e, dias depois, regressou
espontaneamente à Delegacia, confessando os crimes de tráfico de drogas. Evidentemente, esta
segunda confissão nunca teria existido não fossem as ilegalidades originárias praticadas pela
polícia; no entanto, entendeu a Suprema Corte que estava de tal forma caracterizada a fragilidade da
derivação (regresso espontâneo dias depois da soltura), que a confissão haveria de ser considerada
oriunda de uma fonte independente (a própria e espontânea vontade de confessar – independent act
of free will), sendo, portanto, admissível sua utilização como prova40.
A exceção da violação de boa-fé, por sua vez, parte da premissa de que por mais cuidadosa
que seja a autoridade policial, violações acidentais e involuntárias de direitos constitucionais podem
ocorrer e que, em tais circunstâncias, a exclusão da prova não atenderia a qualquer dos propósitos
da regra, em especial, não atenderia ao propósito de inibir o abuso policial42.
Para que a exceção seja aplicável, é necessário que a violação não seja intencional, ou seja, o
policial deve agir na suposição de que está no regular exercício de sua atividade, em conformidade
39
. Vide nota 33.
40
. Idem, pp. 281/282.
41
. Op. cit., pp. 283/284.
42
. Idem, p. 233.
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com as garantias da Quarta Emenda e, adicionalmente, tal convicção há de ser razoável sob as
circunstâncias em que a violação concretamente ocorreu43.
Diante de tal situação, a defesa do motorista arguiu que a droga apreendida deveria ser
excluída como prova, na medida em que derivada a apreensão de uma prisão ilícita, por ausência de
mandado.
Como referido anteriormente, embora a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso
LVI, considere inadmissíveis as provas ilicitamente obtidas, o legislador infraconstitucional não
cuidou de regulamentar o dispositivo constitucional, de forma que a temática tem passado ao largo
da legislação processual e do próprio Código de Processo Penal.
Outros subsídios doutrinários que também são frequentemente invocados na temática das
provas ilícitas são a técnica da ponderação de interesses e o princípio da proporcionalidade, que,
embora deitem raízes na Tópica e na Teoria da Argumentação, encontraram na obra do doutrinador
alemão Robert Alexy sua formulação mais difundida45.
43
. Idem, p. 234.
44
. Para um relato mais completo do caso, remetemos o leitor a KLOTTER; KANOVITZ; KANOVITZ (1998) – p. 234.
45
. Sobre o tema da ponderação de interesses e do princípio da proporcionalidade, recomenda-se a leitura de ALEXY,
(2007), de ALEXY (2007) e de SARMENTO.
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No tratamento do tema das provas ilícitas, as reformas processuais de 2008, em especial a Lei
11.690/08, representaram grande avanço sob o aspecto legislativo, ao conferir-lhe, com a nova
redação do artigo 157 do CPP, a disciplina infraconstitucional até então inexistente.
Embora críticas possam ser feitas aos dispositivos recém-introduzidos ao Código de Processo
Penal, sobretudo no que se refere à inadequada compreensão de algumas das teorias elaboradas no
direito norte-americano, ao menos agora há um texto normativo que servirá – ao lado dos subsídios
doutrinários e jurisprudenciais já existentes – à sistematização do tema.
§4º. (VETADO)
Clara, portanto, a influência da teoria norte-americana dos frutos da árvore envenenada (fruits
of the poisonous tree) na reforma empreendida em nosso ordenamento processual penal.
46
. Como bem ressaltou Andrey Borges de Mendonça, a circunstância de a regulamentação legal não haver feito
referência ao princípio da proporcionalidade e à ponderação de interesses não significa que tal omissão constitua óbice
absoluto à sua utilização, sobretudo no que diz respeito à admissibilidade de provas ilícitas em favor do réu
(MENDONÇA (2008) – pp. 171/172). O tema, porém, não será objeto de abordagem no presente trabalho, que tem
como foco a influência do processo penal norte-americano nas reformas processuais de 2008.
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No tocante ao conceito de prova ilícita, optou o legislador por uma concepção ampla, que
englobasse tanto as provas obtidas em violação a norma constitucional (v.g., interceptação
telefônica realizada sem autorização judicial), quanto aquelas obtidas em violação a norma legal
(v.g., busca e apreensão realizada sem mandado judicial), sendo indiferente se a norma violada é de
caráter substancial ou processual.
Assim, o conceito legal de prova ilícita estabelecido no caput do artigo 157 engloba tanto as
provas obtidas em violação a normas de direito material (denominadas em doutrina provas ilícitas),
quanto as provas obtidas em violação a normas de direito processual (denominadas em doutrina
provas ilegítimas)47.
Parece-nos com razão a parcela da doutrina que vê no conceito legal uma demasiada
amplitude, a merecer alguns temperamentos, haja vista que não necessariamente qualquer violação
a dispositivo legal processual implica a inadmissibilidade da prova48. No entanto, o
desenvolvimento de tal crítica desborda os limites propostos pelo presente estudo, cujo propósito é
identificar e demonstrar a influência do processo penal norte-americano na reforma processual
ocorrida no ano de 2008.
A adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, por sua vez, restou evidente no parágrafo
primeiro do dispositivo legal em questão, relativo ao tema da prova ilícita por derivação, o qual
vedou a utilização no processo de provas que, a despeito de sua licitude, tenham origem em provas
ilícitas (v.g., busca apreensão realizada com suporte em ordem judicial, mas que seja cumprido em
endereço fornecido pelo investigado em confissão mediante tortura).
Não obstante tal impropriedade, resulta claro do texto legal que tanto a exceção da fonte
independente, quanto a limitação da descoberta inevitável foram acolhidas pelo legislador
reformador.
47
. MENDONÇA (2008) – p. 170.
48
. Para uma análise mais abrangente deste ponto, recomenda-se a leitura de GOMES FILHO (2008) – pp. 265/266.
49
. MENDONÇA (2008) - p. 173.
50
. Idem, ibidem.
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A limitação da boa-fé (good faith exception), não obstante possa servir como subsídio
doutrinário e jurisprudencial à aplicação do dispositivo legal, não recebeu expressa positivação na
reforma processual.
É da tradição do direito processual brasileiro, seja no processo civil, seja processo penal, seja
no processo do trabalho, que a produção da prova testemunhal tenha na pessoa do juiz o seu
principal ator, bem como que a interlocução dos advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público com as testemunhas inquiridas se dê necessariamente por intermédio do juiz.
Com efeito, dispõe o Código de Processo Civil que o juiz é o primeiro inquiridor, formulando
perguntas antes das partes e antes do Ministério Público, aos quais cabe formular perguntas
“tendentes a esclarecer ou completar o depoimento” (artigo 416 do CPC). Além disso, estabelece o
Código que a inquirição das testemunhas é atribuição do juiz (artigo 413 do CPC), de forma que a
formulação de perguntas pelas partes sempre se dá por intermédio dele.
O mesmo panorama é encontrado na Consolidação das Leis do Trabalho, cujo artigo 820
dispõe que “as partes e as testemunhas serão inquiridas pelo juiz ou presidente” e que as partes e
seus advogados formularão perguntas que a elas serão dirigidas “por intermédio do juiz”.
No processo penal brasileiro anterior às reformas de 2008, ao menos com relação aos
processos desenvolvidos perante os juízos singulares, é possível afirmar que esse sistema de
mediação era igualmente o que prevalecia, tendo em vista que o artigo 212 do Código de Processo
Penal dispunha que “as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à
testemunha”.
Com efeito, segundo Fernando Capez51 e Magalhães Noronha52, por exemplo, a inquirição de
testemunhas perante o Tribunal do Júri não se submetia a esse sistema de mediação pelo juiz, eis
que referidos autores entendiam que o disposto nos artigos 467 e 468 do CPP autorizaria a
inquirição direta de testemunhas por advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, afastando-se do regramento geral estabelecido pelo artigo 212 do mesmo Código.
51
. Op. cit., p. 575.
52
. NORONHA (1999) - p. 357.
53
. Op. cit. – p. 578.
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Embora possa parecer que o art. 467 permite a inquirição direta das partes,
parece-nos que tal não ocorre. O nosso sistema processual, ao contrário do
Direito anglo-americano, em que vige o cross examination (exame cruzado,
isto é, por quem não arrolou a testemunha) e o direct examination (a ser
feita pela parte que a arrolou), somente autoriza a inquirição de testemunhas
por intermédio, ou pela mediação, do juiz
Este método de inquirição das testemunhas, que entre nós prevalece de longa data, e que pode
ser denominado sistema de exame judicial54 ou sistema presidencialista55, tem por fundamento, de
um lado, a circunstância de o juiz ser o principal destinatário da prova56 e, de outro lado, a premissa
de que a inquirição direta das testemunhas pelos advogados e membros do Ministério Público teria
o condão de, muitas vezes, intimidar a testemunha ou induzi-la a erro.
Não obstante, nos casos em que se chega ao trial, a sessão de julgamento se desenvolve
segundo uma sequência de atos determinados57: (1) declarações iniciais pela defesa e pela acusação,
em que as partes expõem sumariamente aos jurados as provas que pretendem produzir (opening
statements); (2) depoimentos testemunhais, iniciando-se pelas testemunhas da acusação (evidence in
chief) e seguindo-se com as da defesa (evidence in defense); (3) depoimentos testemunhais em
réplica pela acusação, com o fim de desconstituir a prova defensiva (rebuttal witnesses), podendo
consistir em novas testemunhas ou reinquirição de testemunhas anteriormente ouvidas; (4) em
54
. CAPEZ - Op. cit., p. 278.
55
. MENDONÇA (2008) – p. 285.
56
. A respeito da primeira justificativa, que deita raízes no processo inquisitório, no qual preponderava a figura do juiz
na direção da prova, lecionava o eminente Magalhães Noronha que “não se deve esquecer que ao juiz compete a última
palavra no assunto, pois é ele quem vai julgar” (op. cit. – p. 155).
57
. A sequência de atos aqui exposta constitui uma simplificação ou visão panorâmica do procedimento desenvolvido
no trial, desconsiderando-se eventuais incidentes ou objeções que podem surgir, mas que não guardam uma relação
direta com o objeto do presente trabalho. Para uma visão mais completa do procedimento perante o trial, remete-se o
leitor à obra de STRONG (1999).
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surgindo fatos ou circunstâncias novas na réplica, a defesa pode produzir prova testemunhal em
tréplica (rejoinder ou surrebuttal); (5) alegações finais pelas partes e (6) instruções aos jurados 58.
Tal inquirição é feita diretamente pelo promotor ou pelo advogado da defesa, sem
intermediação do juiz, que exerce apenas um papel de fiscalização da produção da prova e de
decisão, relativamente a eventuais objeções que sejam feitas por uma das partes em relação ao
questionamento que é levado a efeito pela outra.
Se, de um lado, o exame direto da testemunha pela parte que a arrolou (direct examination)
tem por finalidade permitir à parte comprovar a sua versão dos fatos, tal qual exposta pela acusação
ou pela defesa, de outro lado, o direito de inquirir a testemunha arrolada pela parte contrária (cross
examination) tem sido reconhecido, inclusive pela Suprema Corte norte-americana, como uma
decorrência necessária do direito ao confronto (confrontation) estabelecido na Sexta Emenda da
Constituição americana60.
As reformas levadas a cabo no Código de Processo Penal brasileiro pelas Leis 11.689/08,
11.690/08 e 11.719/08 incorporaram em grande medida, no tocante à colheita da prova testemunhal,
a sistemática vigente nos países de tradição do common law exposta no capítulo anterior.
Em linhas gerais, pode-se dizer que, embora a reforma não tenha reduzido o juiz à condição
de mero expectador da cena processual, seu papel foi substancialmente modificado, na medida em
que passou de primeiro a último inquiridor e, ainda, em razão da adoção da sistemática da direct
examination e da cross examination.
Com efeito, o artigo 212 do Código de Processo Penal, com a redação atribuída pela Lei
11.690/08, inequivocamente autorizou as partes a formularem perguntas diretamente às
testemunhas, sem a necessidade de intermediação pelo juiz, como se dá no entre nós tradicional
sistema presidencialista.
58
. Idem, pp. 6/7.
59
. Idem, ibidem.
60
. Idem, p. 34.
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Da mesma forma, restou disposto em referido artigo que a função inquisidora do juiz é
subsidiária ou secundária, cabendo-lhe apenas, ao final da inquirição realizada pelas partes,
complementá-la em relação a pontos que não tenham restado suficientemente esclarecidos.
Em outras palavras, o sistema de direct e cross examination, nos moldes do que dispôs o
artigo 212 do Código de Processo Penal na disciplina geral da prova, passou a ser inequivocamente
adotado também na sessão plenária do Júri63 64.
Cabe por fim observar, ainda que não se refira à inquirição de testemunhas, que o sistema de
inquirição direta (direct e cross examination) do direito norte-americano foi incorporado também à
colheita do depoimento do ofendido e ao interrogatório do acusado na sessão plenária do Júri, por
força do disposto nos artigos 473, caput, e 474, §1º, do Código de Processo Penal, com a redação
dada pela Lei 11.689/08.
61
. BADARÓ (2008) – p. 170.
62
. OLIVEIRA – op. cit. – p. 578.
63
. É de se ressaltar que a reforma processual de 2008 manteve inalterada a ordem de inquirição de testemunhas na
sessão plenária do júri, iniciando-se as perguntas pelo juiz e, apenas depois, perguntando as partes. Assim, na
sistemática atual, embora o sistema de direct e de cross examination tenha sido adotado tanto nos processos do Júri,
quanto nos processos da competência do juiz singular, apenas com relação a estes últimos houve a inversão na ordem
tradicional de formulação de perguntas, com o juiz perguntando ao final.
64
. Apenas as perguntas formuladas pelos jurados às testemunhas não seguem o sistema de perguntas diretas, na medida
em que o art. 473, §2º, do CPP dispõe que, em relação a tais perguntas, segue-se observando o sistema presidencialista,
com intermediação do juiz presidente.
65
. BADARÓ (2008) – p. 66.
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embora com relação a estes apenas no que diz respeito aos depoimentos em sessão plenária do júri,
preservando-se o tradicional sistema presidencialista nos demais procedimentos.
Como se vê, com a reforma processual, o papel do juiz passa a ser principalmente o de
fiscalizar a atuação das partes, por ocasião da inquirição das testemunhas, indeferindo perguntas
impertinentes, indutivas ou repetidas, e apenas secundariamente o de ele próprio inquiri-las, no que
se manifesta nítida aproximação com o direito americano.
CONCLUSÃO
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RESUMO
O interrogatório feito por meio de videoconferência é um assunto que está tomando a atenção dos
estudiosos da área jurídica, não por ser um tema novo, pois na década de 1990 já existiam decisões
e trabalhos sobre o assunto no Brasil, mas pela inclusão formal no ordenamento jurídico pátrio da
Lei Ordinária Federal nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009. O objetivo principal do presente, é
abordar o interrogatório realizado por meio de videoconferência na ótica de duas correntes
antagônicas, o Garantismo e o Eficientismo. A Teoria do Garantismo Jurídico, entende que o uso da
videoconferência viola o direito fundamental da ampla defesa (técnica e autodefesa), devido
principalmente a ausência do direito de presença física do interrogado, ou seja, uma dinâmica
contraditória entre a declaração solene dos direitos fundamentais num ordenamento jurídico e o
emprego dos meios necessários para a sua concretização. O Eficientismo, de acordo com a ótica
estadista, argumenta em defesa da videoconferência, com a diminuição das fugas, resgates,
celeridade processual, economia orçamentária, etc. A discussão quanto ao interrogatório por
videoconferência não teria cabimento, muito menos esforços para se mostrar que esse sistema é
desnecessário, se o Estado cumprisse o art.185, §1º do CPP, e, se contasse com a boa vontade dos
juízes para comparecerem aos presídios e realizarem a audiência presencial.
PALAVRAS-CHAVE: Interrogatório. Videoconferência. Eficientismo. Garantismo.
ABSTRACT
The interrogation by videoconferencing is an issue that's getting the attention of legal scholars in the
field, not because it is a new theme, since the 1990s there were already making and work on the
subject in Brazil, but the formal inclusion in planning Brazilian legal Ordinary Federal Law nº.
11.900, January 8, 2009. The main purpose of this is to address the interrogation by
videoconferencing link from the perspective of two opposing currents, the Guarantee and Efficient.
The theory of legal guarantees, believes that the use of videoconferencing violates the fundamental
right of legal defense (technical and self-defense), mainly due to the absence of the right to physical
presence of the interrogation, ie, a dynamic contradiction between the solemn declaration of
fundamental rights a legal system and the employment of means to achieve them. The efficient
manner in accordance with the optical statesman, argued in support of the videoconference, with the
decrease of leakage, redemptions, promptness, economy, budget, etc.The discussion regarding the
interrogation by videoconferencing would have no place, much less effort to show that this system
is unnecessary if the State fulfilled art.185, § 1 of the Code of Criminal Procedure, and is counting
on the willingness of judges to attend to prisons and conduct the hearing in person.
KEY WORDS: Interrogation - Videoconferencing - Guaranteed - Efficient
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O interrogatório feito por meio de videoconferência é tema recente que mobiliza a atenção
dos estudiosos da área jurídica. A rigor, é pertinente assinalar que, desde a década de 1990, há
decisões e trabalhos sobre o assunto, todavia, o assunto passou a provocar debates mais intensos
devido à inclusão formal no ordenamento jurídico pátrio da Lei Ordinária Federal nº 11.900, de 8 de
janeiro de 2009 (Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal, para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais
por sistema de videoconferência, e dá outras providências.)
O Garantismo, por sua vez, situa-se como uma política de direito penal mínimo, eis que seu
fundamento primordial é que o Direito Penal não é o grande "remédio para todos os males da
sociedade, devendo, por conseguinte, ser reservado para aqueles casos mais graves.
A segunda corrente, também designada como Eficientismo, de acordo com a ótica estadista,
defende a videoconferência, apoiada em argumentos como da diminuição das fugas e resgates de
acusados, celeridade processual, economia orçamentária, e similares. Nessa linha de pensamento é
esclarecedora a lição de Luigi Ferrajoli², ao assinalar que:
O Eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado
"políticas criminais autoritárias", antigarantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em
maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita ou um de seus corolários. Essa
política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende
obter reside em que nenhum culpado fique impune.
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oficiais e horas de trabalho dos policiais encarregados das escoltas dos presos, quando deveriam
atuar na segurança pública do cidadão nas ruas. Qualquer argumento quanto à economia do erário
público, entra na discussão política e foge da discussão jurídica.
É bom destacarmos a redação da lei nº 11.900/2009, que repetiu a dada pela lei 10.792/2003,
onde a regra do interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em
que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério
Público e dos auxiliares, bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. A
excepcionalidade foi acrescentada pela lei 11.900/2009, quando permite ao juiz, por decisão
fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poder realizar o interrogatório do réu preso
por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em
tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das finalidades elencadas na lei.
Nos termos do art.185, §1º do Código de Processo Penal (CPP), a previsão legal do
deslocamento do juiz, do membro do Ministério Público, auxiliares e defensor para o
estabelecimento prisional, a fim de tomarem o interrogatório do réu preso, certamente é mais
razoável e seguro do que o inverso.
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Acontece que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no Hábeas Corpus nº 88.914-
0/SP, Ministro Relator CÉSAR PELUZO, entendeu pela inadmissibilidade da realização do
interrogatório por videoconferência, dentre outros argumentos, pela ausência de dispositivo legal e
por caracterizar uma limitação ao exercício da ampla defesa.
Mais uma vez, o Estado buscou uma saída para resolver o seu fracasso na garantia da
segurança – neste caso dos integrantes do Judiciário na feitura do interrogatório nos presídios – nem
que para isso tivesse que limitar o direito fundamental à ampla defesa do indivíduo, não permitindo
a presença física do réu perante o juiz da causa.
Quanto aos gastos, não sofrerão alteração significativa, já que a médio prazo, a instalação do
aparelhamento de videoconferência irá onerar e muito os cofres públicos, por tratar-se tecnologia
ainda cara e de manutenção permanente, a ser colocada nos diversos estabelecimentos prisionais do
país e fóruns.
Quanto a insegurança, também não existe muita diferença, já que a segurança garantida no
fórum poderia também ser garantida no presídio quando da realização do interrogatório e/ou
audiências.
Nos termos do art.187 §1º do CPP, na primeira parte do interrogatório, o réu será perguntado
sobre a sua residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua
atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso
afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena
imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. Não se pode vislumbrar o interrogado
expondo sobre o seu meio de vida e oportunidades sociais principalmente, sem a presença física do
juiz da causa, para também o réu expor as suas expressões subjetivas, pois o ser humano não é uma
criatura desprovida de emoções, mas um ser vivo e detentor de caráter, índole e sentimentos,
permitindo ao juiz a compreensão da personalidade do interrogado.
E não adianta dizerem que isso é mera opinião sem qualquer fundamento ideológico, porque
de acordo com o art.59 do Código Penal (CP), quando da fixação da pena, o juiz deverá atender à
conduta social e personalidade do agente, não podendo ser insensível a essa exigência legal.
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A doutrina divide o direito à ampla defesa (art.5º, LV, da CF) em direito à defesa técnica (o
réu é representado por advogado) e direito à autodefesa (feita pelo próprio acusado). A autodefesa é
composta do direito de audiência e o direito de presença. Traduz-se a primeira pela possibilidade do
interrogado influir sobre o convencimento do magistrado mediante o seu depoimento. O segundo
exterioriza-se pela oportunidade do réu tomar conhecimento e posição a todo instante, diante das
alegações e provas que serão produzidas no processo.
Mesmo considerando que o Estado tenha todos os recursos técnicos básicos para o
funcionamento do sistema de videoconferência, existirá, mesmo que remota, a possibilidade de
falha ou vulnerabilidade quanto a transmissão de mídia, ou mesmo, a inviabilidade da devida
comunicação entre o réu e seu advogado. E, caso ocorra, seria remarcada a audiência, acarretando
mais transtornos e gastos do que se tivesse ocorrido com a presença física do réu.
Qualquer medida que venha trazer insegurança ao ato processual, e principalmente com a
alteração trazida pela Lei 11.719/2008, colocando o interrogatório como último ato integrante da
audiência una de instrução e julgamento, qualquer procedimento que venha a limitar o exercício da
autodefesa ou defesa técnica, será uma afronta contundente ao direito fundamental à ampla defesa.
O direito a defesa é um direito absoluto, pois ele subsiste por si só, não pode ter limites e nem
restrições, é incontestável e incondicional, deve ser exercido com os meios e recursos a ele
inerentes. (art.5º, LV, CF) Fortalece tal afirmativa, tratando da função da defesa, Tourinho Filho 4:
A defesa técnica promovida pelo advogado do réu também é comprometida – dentre outros
argumentos – cite-se os seguintes: a impossibilidade da assistência do advogado ao seu cliente e ao
mesmo tempo ter que acompanhar o juiz e o cumprimento dos ritos processuais; o tratamento
diferenciado aos réus que tenham maior poder aquisitivo, podendo constituir vários advogados para
acompanharem tanto no fórum, onde está ocorrendo fisicamente a audiência, e outro advogado na
sala do presídio onde o réu estará depondo; prejuízo da comunicação entre o advogado e seu
cliente, devido a insegurança natural do sistema que não é totalmente imune as escutas ou falhas,
ao contrário se fosse feito pessoalmente; dentre outras.
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O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n. 2.200 A
(XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo
Brasil em 24 de janeiro de 1992, prevê no seu artigo 14, §3º, nº 4: “toda pessoa acusada de um
delito terá direito, em plena igualdade, à garantia mínima de estar presente no julgamento e a
defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha.”
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José), adotada e aberta à
assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de
Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, no Brasil tendo sido promulgada pelo Decreto nº 678 de 6
de novembro de 1992, prevê garantias judiciais nos seus artigos 7º, nº 5 e 8º, nº 2, d) e f):
De um lado o Estado com todo o seu “aparato” humano e material deve está na expectativa da
apuração, processamento e punição do indivíduo que comete um crime (jus puniendi), até como
uma resposta a própria sociedade que reprova essas condutas criminosas cometidas por uma
minoria. Do outro lado, geralmente têm-se um indivíduo “mais fraco” tentando se defender e não
ser condenado, utilizando os instrumentos a que tem direito, como o devido processo legal e a
ampla defesa.
restringir direitos fundamentais do réu, mas sim aperfeiçoar e melhorar as suas ações quando da
garantia da feitura da audiência nos presídios. A importância e as razões da ampla defesa são
devidamente expostas por Guilherme Nucci ³:
O art.3º alínea a) do Código de Processo Penal Militar (CPPM), prevê que os casos omissos
neste Código serão supridos pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso
concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar, nos levando a conclusão imediata da
possível aplicação do interrogatório por videoconferência no processo penal militar.
Acontece que o art.390, §5º também do CPPM, literalmente preceitua que o interrogatório do
acusado ocorrerá na sede da Auditoria. O art.403 também do CPPM, determina que o acusado preso
assistirá a todos os termos do processo, inclusive ao sorteio do Conselho de Justiça, quando
Especial. Por fim, considerando ainda a periculosidade dos acusados na Justiça Militar da União e a
desnecessidade fática, podemos concluir pela impossibilidade da aplicação do interrogatório por
videoconferência no processo penal militar, por vedação legal do próprio código castrense e ferir a
própria índole processual penal militar.
A discussão quanto ao interrogatório por videoconferência não teria cabimento, muito menos
esforços para se mostrar que esse sistema é desnecessário, se o Estado cumprisse o art.185, §1º do
CPP, se contasse com a boa vontade dos juízes para comparecerem aos presídios, devidamente
escoltados e seguros, seja com a utilização de salas previamente aparelhadas na unidade prisional
para a realização da audiência, ou mesmo com unidades móveis dotadas de computadores com
acesso a internet, impressoras e demais aparelhos e condições essenciais para a realização do ato
processual, deslocando-se do fórum até o presídio onde o réu preso se encontra, para a realização da
audiência presencial, evitando qualquer discussão quanto a violação dos direitos fundamentais do
réu.
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BIBLIOGRAFIA
2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 84. r
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