Cartografia Como Método Na Educação
Cartografia Como Método Na Educação
Cartografia Como Método Na Educação
Resumo
Escutar o universo filosfico de Gilles Deleuze e sua parceria com
Flix Guattari e registrar possibilidades da cartografia como mtodo de pesquisa em educao so os objetivos centrais deste
artigo. no trabalho sobre as linhas, no qual esto em jogo as
metamorfoses da vida, que a cartografia se faz. A cartografia assume-se implicada na criao e na inveno, ao pensar uma pesquisa das multiplicidades que faz gerar multiplicidades. Traar
linhas, mapear territrios, acompanhar movimentos de desterritorializao, promover rotas de escape so alguns dos procedimentos que este estudo pretende registrar como possibilidades
de pesquisar em educao. Discutindo a produtividade dessa
coreografia do desassossego, esboamos quatro movimentos
que denominamos: olhares-ciganos, noite de npcias, pintar um
quadro, linhas bailarinas.
Palavras-chave
cartografia; linhas; movimento.
* Mestrando do Programa de
Ps-Graduao em Educao
e membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em
Currculos e Culturas da
Faculdade de Educao da
Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Brasil.
tranniery@yahoo.com.br
** Professora Associada
e coordenadora do
Grupo de Estudos e
Pesquisas em Currculos
e Culturas (GECC) da
Faculdade de Educao
da UFMG. Atualmente
tambm Coordenadora
do Programa de
Ps-Graduao em
Educao da UFMG, Brasil.
Pesquisadora do CNPq.
mparaiso@fae.ufmg.br
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Abstract
Listening to Gilles Deleuzes philosophical universe and his
partnership with Flix Guattari and recording cartography possibilities as a research method in education are the main aims
of this article. It is in the work on the lines, where the metamorphosis of life is at stake, that cartography is done. Cartography
is related to creation and invention when thinking of a research
on the multiplicities that generate multiplicities. Drawing lines,
mapping territories, monitoring movements of desterritorialization, and promoting escape routes are some of the procedures
that this study intends to register as research opportunities in
education. By discussing the productivity of the choreography
of the unrest, we have outlined four movements which we called: gypsy looks, wedding night, paint a picture, lines dancers.
Key words
cartography; lines; movement.
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A vida de uma pesquisa algo intrigante. Sujeita sorte, ao tempo, aos lugares,
hora, ao perigo. O improviso vem sempre turbilhon-la. Pesquisar talvez seja mesmo
ir por dentro da chuva, pelo meio de um oceano, sem guarda-chuva, sem barco. Logo,
percebemos que no h como indicar caminhos muito seguros ou estveis. Pesquisar
experimentar, arriscar-se, deixar-se perder. No meio do caminho, irrompem muitos
universos dspares provocadores de perplexidade, surpresas, temores, mas tambm
de certa sensao de alvio e de liberdade do tdio. Nosso trabalho de pesquisa em
educao lembra, s vezes, a Nau dos Insensatos1 que Michael Foucault (2008) descreve, mas que, em vez de vagar deriva das guas, como na Renascena, aporta em
solo acadmico com todas as promessas e os riscos que isso implica. Uma nau atracada, um pouco como as barcas-casa nos canais de Amsterd, um tanto flutuantes, mas
j sedentrias, numa indeciso entre o fluxo do rio e a fixidez da cidade. A vontade
de aportar com segurana faz corrermos o risco de restrio do potencial da viagem.
Parece-nos ser preciso irrigar a pesquisa em educao com virtualidades desconhecidas, para que o j conhecido no vire uma camisa de fora, para criar muitos modos de
pesquisar em educao, os mais diversos, variados, desconectados e at disparatados.
Simplesmente, para que a pesquisa em educao possa bailar. Neste artigo, exploramos
a Filosofia da Diferena de Gilles Deleuze e seu encontro especial com Flix Guattari, para
trazer a cartografia como mtodo de pesquisa em educao e poder, quem sabe, comear
a estender a linha da feitura da multiplicidade. Pensar que, contida em um mtodo de pesquisa, h uma variedade de sujeitos e processos do mundo da Educao que no cessam
de escapar, de mudar de natureza; que vivem uma organizao prpria, sem necessidade
alguma de um sistema que lhes d uma unidade. Fazer escutar, ento, os passos da cartografia, mediante um trabalho que a conecta e a faz encontrar com a pesquisa em educao.
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com um respeito que no se faz sem distncia, o reduzimos por demais estritamente ao que ele mesmo quis e disse. (Merleau-Ponty, 1991, p. 91).
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A cartografia um meio possvel de desatar esse novelo para desloc-la na trajetria de uma questo que nos parece cara ao territrio educacional. No que possa
ser tomada como um articulador do vocabulrio conceitual de Deleuze e Guattari;
lanaremos mo, daqui para frente, apenas de alguns dos seus modos de conceituao que nos parecem solidrios e potentes para dispor a cartografia na pesquisa em
educao. Arriscamos um caminho de encontro: a conceituao de cartografia, implicada na filosofia da diferena de Deleuze e na sua parceria com Guattari, faz eco ao
que h de ser pensado sob uma pesquisa em educao: a vida que pulsa e no para
de movimentar-se nos territrios educacionais.
O que podemos, ento, fazer da cartografia, quando estamos falando de mtodos de pesquisa em educao? Contudo, no de esperar que situemos o discurso
deleuzeano no mbito das metodologias de pesquisa em educao, concebendo o
mtodo de pesquisa como um caminho predeterminado, com seus objetivos, finalidades, objetos e at escolas de pensamento. Uma imagem comum de pensamento
do mtodo de pesquisa toma-o como uma figura de linha reta, um caminho que sabe
previamente aonde vai e traa, entre ele e seu objeto, a linha mais curta, mesmo que
tenha que passar por cima de montanhas e rios. Para ns, a palavra mtodo no
designa exatamente essa disciplina. Um mtodo no um caminho para saber sobre
as coisas do mundo, mas um modo de pensamento que se desdobra acerca delas
e que as toma como testemunhos de uma questo: a potncia do pensamento. A
cartografia uma figura sinuosa, que se adapta aos acidentes do terreno, uma figura
do desvio, do rodeio, da divagao, da extravagncia, da explorao. Desdobramos,
ento, nas duas primeiras sees, como a cartografia desterritorializa, faz estranhar
e potencializa os sistemas de pensamento da pesquisa em educao. Por fim, exploramos que, se a cartografia converte o mtodo em problema, torna-se metodologicamente inventiva.
Uma das coisas mais fascinantes e mais difceis de fazer na pesquisa em educao
talvez seja, mesmo, multiplicar as formas de conexo, de linguagens, de abordagens.
Subtrair, de um conjunto dado, a unidade que o totaliza, aquilo que vem territorializando as foras que movimentam seu campo de investigao e a prpria pesquisa em
educao. Pr em xeque o fora e o dentro de um territrio, desmarcar as relaes de
propriedade e apropriao de um objeto de estudo com o qual podemos fazer este ou
aquele tipo de pesquisa. E se for mesmo uma pesquisa de tipo nenhum? E se for uma
pesquisa sem imagem do que pesquisar? Gilles Deleuze (2006a) props, certa vez,
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mentos deixam rastros, marcas, traos, linhas. Qualquer um de ns pode ser testemunha de que as linhas elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos
(Deleuze, 1992, p. 47) no so retas nem nas coisas, quem dir na vida. Uma cartografia em educao segue e traa linhas que compem seus mais diversos espaos,
objetos, corpos; anima-se e constitui-se no traado de linhas. Como sugere o prprio
Deleuze (2006b, p. 48), numa cartografia, pode-se apenas marcar caminhos e movimentos, com coeficientes de sorte e de perigo. [...] anlise das linhas, dos espaos,
dos devires. Fazer a cartografia , pois, a arte de construir um mapa sempre inacabado, aberto, composto de diferentes linhas, conectvel, desmontvel, reversvel,
suscetvel de receber modificaes constantemente (Deleuze; Guattari, 1996, p. 21).
A vida da cartografia vem do seu trabalho sobre as linhas.
Ao sistema de pontos, entre os quais podemos traar uma linha reta e curta, a
cartografia deixa ver um mundo inundado de movimentos e foras, de traados e linhas, suas virtudes elementares e seu jogo dinmico de ressonncias. As linhas, com
efeito, de uma cartografia so muitas, infindveis, multiplicam-se a cada novo olhar,
sempre fogem antes de serem pegas. Linhas que no so do mesmo tipo. Em sua tipologia, Gilles Deleuze e Flix Guattari (1997a) chegam a falar de trs tipos: as linhas
de segmentaridade dura ou de corte molar; as linhas de segmentao malevel ou de
fissura molecular; e as linhas de fuga. As duas primeiras so as linhas de territorializao, estratificao, significao, as que tentam definir, dar uma rota segura, uma
essncia esttica a um territrio. J as ltimas, as linhas de fuga ou de ruptura so
linhas de desterritorializao pelas quais um pensamento foge sem parar, uma linha
pela qual se foge e se faz fugir todo um sistema como se arrebenta tubos. Fugir
traar uma linha, linhas, toda uma cartografia (Deleuze; Parnet, 1998, p.47). Essas
linhas no so, pois, fceis de desenredar, cada uma trabalha nas outras, interagem
entre si. Trigmeas siamesas, as trs linhas no param de se misturar. [...] Elas se
transformam e pode mesmo penetrar uma na outra (Deleuze; Guattari, 1997a, p. 77).
Uma arquitetura inacessvel de linhas submetida unicamente ao seu jogo, feita de
dimenses, de direes mltiplas, de transformaes tipolgicas.
Tudo bem que seja o primado das linhas de fuga que a cartografia convoca, quando elas parecem to sufocadas diante da dominncia, da regularidade e do controle que impregnam os territrios educacionais. Cartografar tambm uma operao
de traar linhas de fuga nos territrios, s vezes to cinzentos, da educao; bailar
por entre territrios; abrir-se; engajar-se; indicar vazamentos diante das foras que
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ao mesmo tempo inquieto, penetrante quando se fixa, mvel, constantemente espiando [...]. Reflete, ao mesmo tempo, a doura e a selvageria,
uma imensa bondade e uma crueldade sem limites. Um olhar sempre fugidio, mas apesar disso se fixa aqui e acol, num certo instante. Um olhar
triste e altivo, amoroso e duro. Um olhar cheio de paixo, mas duma paixo
contida, retida entre as plpebras que deixam passar um estilhao metlico, magntico, saltando de olhos paradoxalmente enevoados, velados,
coalhados como mortos (Nunes, 1981, p.40-41).
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ele se d do que significa pensar, fazer uso do pensamento, se orientar no pensamento... (Deleuze; Guattari, 1997c, p. 54). Nele, os traos diagramticos instituem em
territrio investigado certos elementos prprios, recitam uma organizao, definem
o que pensar naquele terreno. Mas os quadros que uma cartografia traa pulsam
no corao de uma vida e no se deixam confundir com uma retrospectiva, uma pesquisa de estado da arte, uma anlise scio-histrica de um campo de pesquisa. A
imanncia desses mundos desenhados pelo cartgrafo no se define por um Sujeito
ou um Objeto capazes de o conter (Deleuze, 2010b, p. 2). Aqui, pensar e ser so
uma coisa s (Deleuze; Guattari, 1997c, p. 34). Sua caracterstica mais elementar
funcionar mais como uma geografia que propriamente uma histria (Machado, 1990,
p. 25), no enlatar o pensamento em uma histria linear e progressiva, mas privilegiar
a constituio de espaos, de imagens de pensamento, de paisagens de viver a vida,
de modos de vida.
Cartografar tem que passar pela destruio, fazer toda uma limpeza, toda uma
raspagem do inconsciente. [...] Destruir crenas e representaes, cenas de teatro
(Deleuze; Guattari, 2004, p. 325, p. 328), porm no implica somente se desviar, mas
enfrentar, voltar-se, retornar, perder-se, apagar-se (Deleuze; Guattari, 1997c, p. 53).
Se for para a inveno cartogrfica mostrar aquilo que se encontra demasiadamente
estriado em um territrio de pesquisa educacional, os movimentos do cartgrafo se
do a partir do que se definiu como prprio daquele territrio. A cartografia no parte
do nada, mas de algo preexistente sobretudo, das paixes, dos encontros, do amor
pelo que se toca e pelo que se v. Tomando a contrapelo, desfazendo e recriando o
material que lhe disponvel, embarcando o cartgrafo em uma linha que o toca, seus
movimentos fazem transbordar as opinies correntes, seus traos intensivos rompem
o pensamento para construir novas composies mundanas para a educao. O mundo de uma cartografia no tem nem mesmo uma essncia ou uma descrio de um estado de coisa que o defina. Com um mundo mltiplo e composto na imanncia, um
processo de produo, uma geografia da circunstncia, quadros multidimensionais,
desenhados na complexa rede de linhas que sugerem sua incompletude.
As figuras da bailarina, da cigana e do amante que circulam no fazer cartogrfico
somam-se do pintor. Aquele que d consistncia e materialidade para um mundo
que pinta. Podem at convocar histrias, personagens que no tm muito a ver com
interpretaes, personificaes abstratas, smbolos, alegorias. A pintura da cartografia no nem mesmo uma forma, mas um modo de enfrentar as foras. Trama a
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correspondncia entre os mundos fabulados e a multiplicidade do mundo da educao. Em seus traos, juntam-se as linhas territorializantes do pensamento e as linhas
intensivas da criao, conjuram-se sua ateno sobre movimentos virtuais vividos em
um territrio educacional. Inventam-se os personagens mais produtivos para descrever tais movimentos, procuram-se traar as linhas sobre a multiplicidade do pensamento curricular. Traz-se uma srie de variaes que desmontam as imagens dogmticas dadas a um territrio, de modo que um se veja liberto para outros pensamentos.
Para tanto, o cartgrafo pinta um mundo que ser seu prprio problema de pesquisa
na completa expresso de suas condies. Um mundo que, ao recusar toda a profundidade analtica ou transcendncia conceitual, permite ao cartgrafo estender-se
sobre o horizonte do territrio de pesquisa, procurando detectar com qual fora exterior atual seu objeto de pesquisa faz passar alguma coisa, uma corrente de energia
(Deleuze; Guattari, 1997c, p. 62). A cartografia faz da pesquisa uma experimentao
de todas as espcies de fugas que escapam e as foras que eles tentam captar.
Movimento IV Linhas bailarinas. Nesse working in progress, o cartgrafo no
se priva de caminhar por entre intercessores (Deleuze, 2006a). Os intercessores so
quaisquer encontros que fazem o pensamento sair de sua imobilidade, quaisquer
coisas que lhe permitam fazer cruzamentos. Fictcios ou reais, animados ou inanimados, preciso fabricar seus prprios intercessores (Deleuze, 2006a, p. 156). Na
escrita de uma cartografia, os elementos so exatamente como sons, cores ou imagens, so intensidades que lhes convm ou no, que passam ou no passam (Deleuze; Parnet, 1998, p. 4). Por isso, cartografia no tem o menor racismo de linguagem,
gnero ou estilo. Todo e qualquer alimento que lhe possa servir, mesmo que no seja
escrito ou terico, ser bem-vindo.
A hora da escrita aproxima-se, por meio dela que a cartografia finalmente se faz.
A escrita a forma de pensamento da cartografia. Uma escrita radicalmente vertiginosa: no contadora de histrias; no ilustra nem narra o que se passou. Algo passa
por ela: traos, linhas, setas, devires, personagens, movimentos, corpos. a escrita
o corpo no qual a cartografia chamada a produzir-se. Aqui, no se perguntar qual
o sentido da escrita cartogrfica, pois a escrita faz advir o prprio sentido da cartografia. Esquiva-se de todo presente, porque est livre das limitaes de um estado
de coisas, ou, antes, no tem outro presente seno o da mobilidade e do fluxo constante (Deleuze, 2000, p. 47). Para uma cartografia, no h como pensar a pesquisa
de outro modo, fazer da pesquisa, enfim, fabulao, inveno e pintura de mundos
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para a educao, que no seja, tambm, um outro modo de nos relacionarmos com a
escrita e com o que ela nomeia. Uma operao prxima ao fazer artstico.
A cartografia tambm um composto de sensaes, um composto de afectos
e perceptos (Deleuze; Guattari, 1997c) que no tem dvida nenhuma com estados
subjetivos de sensibilidade. No esto no cartgrafo, nem mesmo nas coisas por ele
pesquisadas, surgem no agenciamento notvel que a cartografia promove em sua escrita. Tanto os perceptos, as paisagens desenhadas pela escrita da cartografia, so
independentes daqueles que as experimentam (Deleuze; Guattari, 1997c, p. 213),
como os afectos, os devires que a escrita mobiliza transbordam aqueles, so atravessados por eles (Deleuze; Guattari, 1997c, p. 213). A escrita cartogrfica situada
no eixo de uma economia de afectos e perceptos que embaralham os cdigos das
palavras e fazem dos seus sentidos aes e paixes, afeces de um corpo. O cartgrafo povoa, ento, sua escrita com outras instncias, outras entidades poticas,
romanescas, ou mesmo cinematogrficas e musicais. Um trabalho de composio, no
qual o cartgrafo labora sobre a escrita para misturar, mesclar, somar os mais diversos materiais advindos dos mais diversos territrios.
A cartografia desdobra e tece afectos e perceptos, entrelaa temas e relaes em
fragmentos esparsos, em blocos dispersos, em desassociaes de ideias, precisando
as palavras nesse desdobramento e nas relaes que estabelece com as palavras,
levando-as at o limite do que podem dizer, deixando-as deriva. O espao da escrita
emerge do desvio da linguagem, faz as palavras aparecerem como estrangeiras em
sua prpria lngua (Deleuze; Guattari, 1977). H apenas palavras inexatas para designar alguma coisa exatamente. Criemos palavras extraordinrias (Deleuze; Parnet,
1998, p. 4). A escrita cartogrfica se deixa viajar na lngua e nas palavras, sem comeo ou fim, sem vontade nenhuma de chegar a algum lugar. Escreve pelo meio, sem
arborescncias ou razes. Uma escrita feita de devir, uma composio de signos para
traar linhas de fuga, querer fluxos, lanar flechas, provocar abalos, abrir alas, at
valas, para uma lngua desviante que fia e engendra multiplicidades e singularidades.
deixar o verbo fazer-se carne para insuflar a vida. Afinal, no este um dos sonhos
do pensamento educacional insuflar a vida que habita seus espaos pedaggicos?
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Seu eterno por vir. Seu mtodo de pesquisa se constitui, assim, em uma coreografia
do desassossego, porque se interessa pela dana da vida e tambm capaz de pr a
vida para danar. Por acreditar que a educao, a escola, a pedagogia, os currculos,
os sujeitos educacionais podem ser alvos de um permanente processo de reinveno
de si e do mundo. Por acreditar que seu texto de pesquisa pode movimentar as linhas
que vm compondo e pintando os territrios da educao um mtodo que inspira
e logo conspira por outras composies, animado pelo trabalho de mapear as linhas
de um territrio de investigao e que outras linhas podem ser a agenciadas.
Em sua dana, o cartgrafo pe seus olhares-ciganos sob seus objetos de estudos, constituindo-os e dando-lhes forma. seu olho que desenha sobre a folha de
papel seus dados, abre espaos aos traados e s linhas dos devires. cigano porque
est atento quilo que escapa aos cdigos dominantes da educao e da pedagogia.
Agencia a noite de npcias com o material que ele toma para analisar, arranca dele sua
potncia, planta multiplicidades onde a estrutura padecia, estriada demais, promovendo encontros insuspeitos e inesperados para o territrio educacional. Traa uma pintura de quadro, quadro no o mesmo que planejamento ou organizao, no vem
antes da pesquisa, nem transcende a ela ou lhe d profundidade. Um quadro pintado,
que se instaura na e com a pesquisa, conjurando em seu horizonte que imagens de
pensamento tm sido dadas a um territrio da educao e que vazamentos podem
ser perseguidos e traados para a constituio de outras imagens.
Atividade que ganha fora na criao e na evocao de mundos, pois o cartgrafo em educao fabula, pinta, borda mundos. No descreve mundos preexistentes,
sugere a inveno de novos mundos para a educao. Faz, em linhas bailarinas da
escrita educacional, uma mquina de afectos e perceptos, reinscrio em um imprio
dos sentidos, de sensaes e signos. na escrita que o movimento da pesquisa, finalmente, ganha seu sopro de vida, seu ritmo e sua msica. A cartografia nos lembra que
a pesquisa em educao tem a funo de atualizar a potncia de uma vida. Pode-se,
realmente, querer mais?
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