A Notícia Como Estereótipo - Gaye Tuchman
A Notícia Como Estereótipo - Gaye Tuchman
A Notícia Como Estereótipo - Gaye Tuchman
1
FACULDADE DE JORNALISMO
Contando “estórias”
TUCHMAN, Gaye. In: TRAQUINA, Nelson, Jornalismo: Questões,
2
Teorias e „Estórias‟. 2 ed. Lisboa : Vega, 1999, p. 258-262.
Frame analysis pode ajudar no estudo dos princípios de organização que
estão na base da selecção e definição dos acontecimentos noticiosos.
1
Reedição de: Journal of Communication (Vol. 26, Nº 4, 1976). “Telling Stories”, de Gaye
Tuchman.
2
O português do texto é de Portugal.
Professor mestre Artur Araujo ([email protected])
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
Página 1 de 4
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
A: Como foi?
B: Não muito grande. FACULDADE DE JORNALISMO
A: Seis parágrafos?
B: Está bem.
A troca de palavras, em si, não tem sentido. Informação suplementar fornece um contexto social
e empresta algum significado a esta fatia de conversa:
Um repórter regressa à Redacção vindo da cena do fogo, a sua tarefa do dia. Antes de
se dirigir para a secretária, fala com o editor da secção local. Erguendo os olhos, o
editor pergunta: “Como foi?”. “Não muito grande”, responde o repórter. “Seis
parágrafos?”, pergunta o editor, querendo dizer “Será espaço suficiente para cobrir
este acontecimento?”. “Está bem”, responde o repórter, e dirige-se para a sua máquina
de escrever, elaborando mais tarde uma “estória” acerca do fogo com seis parágrafos
de extensão (Sigal, 1973).
É claro que os “dispositivos de framing” (como seja noticiar e acrescentar uma determinada
informação) identificam os happenings.
3
Neste exemplo, dar um inicio e um fim (um contexto) à conversa proporciona-lhe os atributos
4
de uma anedota estruturada e “revela” que a conversa é uma conferência editorial. Mais
importante ainda, esta conferência editorial eleva o fogo ao estatuto de acontecimento. Embora
o “fogo menor” possa ter causado estragos nas vidas das pessoas cujos lares foram demolidos, o
seu carácter público formou-se a partir da natureza da “estória” - um “fogo de seis parágrafos”
não muito interessante, aparentemente com falta de drama humano.
Para os repórteres, aquele “fogo de seis parágrafos” tem ainda outra caracteIÍstica. Não é nem
uma conflagração que destruiu os seus lares (como poderia ter sido para os residentes dos
prédios destruídos), nem apenas um “fogo menor aparentemente com falta de drama humano”
(como poderia parecer para os leitores do jornal). É uma “estória”, melhor, uma de uma série de
“estórias”, que é o produto de dias e anos de trabalho jornalístico de rotina.
A ênfase dada às “estórias” sugere que, pelo menos em parte, os repórteres possam
falar entre eles mais de “estórias” do que de acontecimentos. Eles podem ver o mundo
quotidiano e os seus documentos de apoio em termos do produto que vão fabricar - a “estória”.
Os seguintes resumos de conversas, retiradas de observações de campo, ilustram este
fenómeno:
Um repórter de tribunal conversa com um advogado que lhe trouxe a queixa de dois
guardas da “Housing Authority”. Após terem falado acerca do caso, o advogado afirma
que conhece o “grande repórter” do jornal e resume o acontecimento que discutira com
o “grande repórter”. “Lembro-me da 'estória '“. responde o repórter.
Que existem noções abstractas de “estórias” é mais visível nas referências negativas dos
repórteres. O repórter B tinha evidentemente na cabeça uma noção de um tipo de “estória”
durante a seguinte troca de palavras:
Três repórteres, sentados em secretárias vizinhas, conversam durante um período de
ócio. Começaram a conversar acerca dos requisitos legais para se ocupar um cargo
político e de quais os cargos que exigem que o político viva na zona que ele/ela
representa. O repórter A, escalado para a Câmara Municipal durante o dia, disse que o
membro X da assembleia não vivia no círculo por que fora eleito, e isso poderia ser
uma boa “estória”. (Os repórteres trocam dicas para “estórias” como prova de
amizade). O repórter B, o repórter político que deveria cobrir tais assuntos, rematou a
conversa dizendo: “Não vou pegar nessa porcaria.”
3
O uso de contextos na identificação do significado é discutido em novas teorias sociológicas,
incluindo trabalhos de Garfinkel (1967), Zimmennan e Pollner (1972) e Smith (1974).
4
Anedota aqui deve ser compreendida não como piada, mas como particularidade curiosa ou
jocosa que acontece à margem dos eventos mais importantes, e por isso ger. pouco divulgada,
de uma determinada personagem ou passagem histórica
Professor mestre Artur Araujo ([email protected])
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
Página 2 de 4
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
5
Nota de tradução - Uma referência ao autor do artigo. O exemplo é retirado dos seus
apontamentos de campo.
6
Aqui parece haver erro de tradução. O sentido parece mais próximo de “compulsório”.
Professor mestre Artur Araujo ([email protected])
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
Página 3 de 4
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
coisas a mudar, porém era-me dificil debruçar sobre isso e chegar ao editor da secção
local e dizer: “É isto o que está aFACULDADE
acontecer” (Tuchman, 1977).
DE JORNALISMO
Para parafrasear este jornalista, e recordando a conversa entre o editor e o jornalista sobre o
“fogo de seis parágrafos, sem um frame, as conversas dentro do movimento feminista norte-
americano eram irlformes; sem uma “estória” implicando um frame, as conversas não podiam
ser percebidas como um acontecimento noticioso viável.
Pode-se comparar uma noção filosófica a um frame.
Do mesmo modo que as “estórias” enquanto frame permitem que alguns happenings amorfos
sejam definidos como componentes de um acontecimento, também as ideias enquanto frames
7
permitem ao investigador notar alguns fenómenos mas não outros . Como se mostra neste
ensaio, a análise do frame encoraja os investigadores a investigar os modos através
dos quais as noções de “estórias” dos jornalistas ajudam à identificação de alguns
pormenores como “factos pertencentes a um acontecimento”. Também possibilita que os
investigadores evitem o problema espinhoso “do que realmente aconteceu” e que continuem a
analisar considerações organizacionais e profissionais que são parte essencial da reportagem.
Afinal de tudo, a noção de “estória” e as suas caracteristicas formais são, para citar a
definição de frame de Goffman, “princípios de organização”. E princípios de organização
são fenómenos sociais acessíveis à análise social, como Goffinan demonstra.
Dizer que uma notícia é uma “estória” não é de modo nenhum rebaixar a notícia, nem
acusá-la de ser fictícia. Melhor, alerta-nos para o facto de a notícia, como todos os
documentos públicos, ser uma realidade construída possuidora da sua própria validade
interna. Os relatos noticiosos, mais uma realidade selectiva do que uma realidade
sintética, como acontece na literatura, existem por si só. Eles são documentos públicos que
colocam um mundo à nossa frente.
7
Smith (1974) traça em linhas gerais as abordagens sociológicas a este problema a fim de
analisar a construção social de documentários sobre a realidade.
Professor mestre Artur Araujo ([email protected])
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
Página 4 de 4