Husserl Edmund Crise Da Humanidade Europeia
Husserl Edmund Crise Da Humanidade Europeia
Husserl Edmund Crise Da Humanidade Europeia
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A CRISE DA
HUMANIDADE EUROPEIA
E A FILOSOFIA
Edmund Husserl
Tradução e Introdução:
Pedro M. S. Alves
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Texto publicado in
Edmund Husserl, EUROPA: CRISE E RENOVAÇÃO.
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A Crise da Humanidade Europeia e a Filosofia,
Centro de Filosofia / Universitas Olisiponensis,
Phainomenon / Clássicos de Fenomenologia,
Lisboa, 2006, pp. 119-152,
e aqui publicado pela L USO S OFIA . NET
com a benévola autorização
do Tradutor e Director da Colecção,
Pedro M. S. Alves, que também fez a Introdução à
Edição portuguesa (De acordo com os textos de
Husserliana VI e XXVII, Editados por Walter Biemel
e Thomas Nenon / Hans Rainer Sepp; tradução
aprovada pelos Arquivos–Husserl de Lovaina)
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Covilhã, 2008
F ICHA T ÉCNICA
Título: A Crise da Humanidade Europeia e a Filosofia
Autor: Edmund Husserl
Tradutor: Pedro M. S. Alves
Colecção: Textos Clássicos de Filosofia
Direcção da Colecção: José M. S. Rosa & Artur Morão
Design da Capa: António Rodrigues Tomé
Composição & Paginação: José M. S. Rosa
Universidade da Beira Interior
Covilhã, 2008
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INTRODUÇÃO
NA TRADUÇÃO PORTUGUESA
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Quero arriscar, nesta conferência, a tentativa de suscitar um novo
interesse pelo tema, tantas vezes tratado, da crise europeia, desen-
volvendo a ideia histórico-filosófica (ou o sentido teleológico) da
humanidade europeia. Ao mostrar a função essencial que têm a
exercer, neste sentido, a Filosofia e suas ramificações, ou seja, as
nossas ciências, a crise europeia receberá também uma nova luz.
Comecemos com o que é mais bem conhecido, com a dife-
rença entre a Medicina científico-natural e a chamada “medicina
naturalista”. Enquanto esta última surge, na vida comum do povo,
a partir da empina e da tradição ingénuas, a Medicina científico-
natural surge do aproveitamento de intelecções das ciências pura-
mente teóricas, das ciências da corporalidade humana, desde logo
a Anatomia e a Fisiologia. Todavia, estas repousam de novo, elas
próprias, nas ciências fundamentais que explicam em geral a natu-
reza, a Física e a Química.
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estando estas, por sua vez, mais rica ou mais pobremente articu-
ladas em socialidades particulares. A vida natural caracteriza-se,
agora, como uma vida que, ingénua e directamente, se entrega ao
mundo, ao mundo que, enquanto horizonte universal, está sempre
aí consciente de um certo modo, mas não tematicamente. Temático
é aquilo para que estamos dirigidos. A vida desperta é sempre um
estar dirigido para isto ou para aquilo, dirigido para isto enquanto
fim ou meio, enquanto relevante ou irrelevante, para o interessante
ou o indiferente, o privado ou o público, para o que é quotidiana-
mente indispensável ou para algo irrompendo como novo. Tudo
isto repousa no horizonte do mundo, mas são precisos motivos par-
ticulares para que quem está agarrado a uma tal vida mundana se
converta e, por aí, chegue de algum modo a fazer dessa vida um
tema e a ganhar por ela um interesse persistente.
Todavia, aqui são necessárias explanações mais detalhadas. Os
homens individuais que se convertem têm, enquanto homens, a sua
comunidade universal de vida (a sua nação) e também os seus in-
teresses naturais continuados, cada um os seus próprios interesses;
não os podem perder simplesmente por qualquer conversão, por-
que isso seria, para cada um deles, deixar de ser quem é, deixar
de ser aquilo em que se tornou desde o nascimento. Quaisquer
que sejam as circunstâncias, a conversão só pode, portanto, durar
um lapso de tempo; ela só pode ter uma validade continuada para
toda a restante vida sob a forma de uma decisão incondicionada da
vontade de reassumir, em Lapsos de tempo periódicos, mas inti-
mamente unificados <328>, sempre a mesma atitude e de manter
firmemente como válidos e realizáveis estes interesses de novo tipo
através desta continuidade – lançando intencionalmente pontes so-
bre as descontinuidades – e de, finalmente, os realizar nas formas
culturais correspondentes.
Conhecemos situações semelhantes nas profissões que surgem
já nas vidas de cultura naturalmente originárias, com as suas tem-
poralidades profissionais periódicas, que permeiam a restante vida
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sagrados, nada mais almeja e alcança que pura teoria. Por outras
palavras, o homem torna-se um espectador descomprometido, si-
nóptico, do mundo, torna-se um filósofo; ou melhor: a partir daí, a
sua vida torna-se receptiva apenas às motivações que são possíveis
nesta atitude, motivações para novos objectivos de pensamento e
métodos, através dos quais se realiza, por fim, a Filosofia e o pró-
prio homem se realiza enquanto filósofo.
Naturalmente, a irrupção da atitude teorética tem, como tudo o
que se forma historicamente, a sua motivação fáctica no contexto
concreto do acontecer histórico. Importa, portanto, a este respeito,
esclarecer como, a partir do tipo e do horizonte de vida da humani-
dade grega do século VII <332> no seu comércio com as grandes
e já altamente cultivadas nações do seu mundo circundante, aquele
Jaumzein pôde aparecer e tornar-se habitual, primeiro que tudo
nos indivíduos singulares. Não vamos entrar em detalhes; é mais
importante, para nós, compreender o caminho motivacional, o ca-
minho da doação e criação de sentido que conduz da simples con-
versão de atitude, ou seja, do simples Jaumzein, até a teoria – um
facto histórico que deve ter, porém, a sua essencialidade própria.
Importa esclarecer a transmutação que vai da teoria originária, da
visão do mundo (conhecimento do mundo a partir da simples vi-
são universal) totalmente “descomprometida” (decorrente da epo-
ché de todo e qualquer interesse prático) até a Ciência autêntica,
ambas mediadas pelo contraste entre dìxa e âpisjh́eme. O inte-
resse teorético incipiente, enquanto Jaumzein, é manifestamente
uma modificação dessa curiosidade que tem já o seu lugar origi-
nário na vida natural, enquanto brecha na marcha da “vida séria”,
seja como efeito de interesses de vida originalmente formados, seja
como um olhar lançado em volta como que por jogo, quando estão
satisfeitas as necessidades directas actuais ou quando estão decor-
ridas as horas de ocupação profissional. A curiosidade (aqui não
como “vício” habitual) é também uma modificação, um interesse
que se eximiu aos interesses vitais, os deixou cair.
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II
Todavia, devem agora tomar voz os mal-entendidos, seguramente
muito incisivos, e as objecções que, como me <337> quer parecer,
retiram a sua força sugestiva dos preconceitos em moda e da sua
fraseologia. Não será o que foi aqui exposto uma intempestiva rea-
bilitação do racionalismo, da “iluminice”,3 do intelectualismo que
se vai perder em teorias alheadas do mundo, com as suas neces-
sárias consequências nefastas do diletantismo inane, do snobismo
intelectual? Não significa isto querer retomar, uma vez mais, ao
erro fatal segundo o qual é a Ciência que faz sábios os homens, que
ela está vocacionada para criar uma humanidade autêntica, que se
sobreponha ao destino e que seja suficiente? Quem, hoje, levará
ainda a sério estes pensamentos? Esta objecção tem certamente
uma legitimidade relativa para o estado do desenvolvimento euro-
peu desde o século XVII até o fim do século XIX. Ela não toca o
sentido próprio da minha exposição, porém. Quer-me parecer que
eu, o suposto reaccionário, sou muito mais radical e muito mais
revolucionário que todos aqueles que, hoje em dia, se comportam
tão radicalmente em palavras.
Também estou certo de que a crise europeia radica num racio-
nalismo extraviado. Mas não se pode tomar isto como se a racio-
nalidade enquanto tal fosse o mal, ou tivesse um significado subor-
dinado no todo da existência humana: naquele sentido elevado e
autêntico, de que exclusivamente falamos como sentido prístino
grego, que se tornou um ideal no período clássico da Filosofia
Grega, ela carece, decerto, de muitas clarificações na auto-reflexão,
mas é chamada, na sua forma amadurecida, a conduzir o nosso de-
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Aufkärerei – palavra pejorativa com que, em círculos hegelianos, se desig-
nou o movimento do Iluminismo, Aufklärung. Traduzirmo-la por “iluminice”,
um neologismo que comporta também o mesmo sentido desdenhoso [Nota do
Tradutor].
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ais vistos como pólos eternos de que não nos podemos desviar na
nossa inteira vida sem arrependimento, sem nos tornarmos desle-
ais e, por isso, infelizes, não são de modo algum, para este olhar,
já claros e determinados, eles são antecipados numa generalidade
plurívoca. A determinidade resulta somente do trabalho concreto
e do fazer que é, no mínimo, relativamente bem sucedido. Há, aí,
a constante ameaça de se cair em unilateralidades e em contenta-
mentos precipitados, que se vingam em contradições subsequentes.
Daí o contraste entre as grandes pretensões dos sistemas filosóficos
e o facto de serem entre si incompatíveis. A isso há que juntar a
necessidade – e novamente – a periculosidade da especialização.
Assim pode a racionalidade unilateral tornar-se, sem dúvida,
um mal. Podemos também dizer: pertence à essência da razão que
os filósofos só possam compreender as suas tarefas infinitas e tra-
balhar nelas primeiro que tudo numa unilateralidade absolutamente
necessária. Não há aí nenhuma improcedência, nenhum erro, mas
antes, como foi dito, o caminho que é para eles recto e necessário
permite-lhes captar, de início, apenas um aspecto da tarefa, pri-
meiro <339> sem notarem que a tarefa infinita no seu todo, o co-
nhecimento teorético da totalidade daquilo que é, tem ainda outros
aspectos. Se as insuficiências se anunciam em obscuridades e con-
tradições, isso motiva um começo para uma reflexão universal, O
filósofo deve, portanto, ter sempre em vista apoderar-se do sentido
verdadeiro e completo da Filosofia, da totalidade dos seus hori-
zontes de infinitude. Nenhuma linha de conhecimento, nenhuma
verdade singular pode ser absolutizada e isolada. Somente nesta
autoconsciência suprema, que se torna ela própria um dos ramos
da tarefa infinita, pode a Filosofia preencher a sua função, pode
pôr-se a caminho e, através dela, a autêntica humanidade. Mas que
assim seja é coisa que pertence, também, de novo, ao campo de co-
nhecimento da Filosofia no nível supremo de auto-reflexão. Uma
Filosofia é conhecimento universal apenas através desta constante
reflexividade.
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III
Condensemos as ideias fundamentais das nossas explanações: a
hoje em dia tão falada “crise da existência europeia”, documentando-
se em inumeráveis sintomas de desagregação da vida, não é ne-
nhum destino obscuro, nenhuma fatalidade impenetrável, mas torna-
se compreensível a partir do piano de fundo da teleologia da his-
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