MUMFORD - A Cidade Na História
MUMFORD - A Cidade Na História
MUMFORD - A Cidade Na História
Lewis
Murnford
Traduio
l'.'EIL R. DA SILVA
PEDRO TAQUES,39
T:(Oll)258.6545
S.PAULO
Martins Fontes
So
Paulo /998
236
CLOACA E AQUEDUTO
237
massa,
afora isso
do sculo V, assinalasse ter visto Elba, "famosa por sua minerao, to rica
imperial .
ao". Nosso quadro de ordem clssica bem poderia ser modificado, se tivsse
tortura: para goz-Ia, devemos ficar de olhos abertos, mas aprender a fechar o
2.
Cloaca e Aqueduto
contedo daquela vida : uma fossa aberta. E pela fossa que iremos comear.
Certamente , no por acaso que o mais antigo monumento da engenha
Novas" foi uma inovao : que era ela na verdade, seno a prtica jnica do
suas dimenses, que aquela fossa ainda usada at hoje . Com sua folha de
Nas cidades menores da Glia, simplesmente por causa das suas dimen
servios continuados por mais de vinte e cinco sculos, aquela estrutura prova
muitos sculos atrs, a tradio grega deve ter dominado tanto poltica quanto
revelou-se uma das obras de engenharia mais baratas de que se tem not cia,
o gosto dos
nouveaux riches,
embora sej a rivalizada por alguns dos viadutos e pontes posteriores, que ainda
so usados, e no menos pela magnfica Pont du Gard, na Provena.
suas cidades, os romanos eram notveis pelo calamento das ruas, pelo supri
famosa Maison Care, em Nimes, amada por Thomas Jefferson, uma produ
o da arte tica do tipo mais extico que poderia ter sido encorajado em seu
melhor perodo. Mesmo quando novo, aquele edifcio deve ter parecido frgil ,
essa observao quase pelas mesmas palavras, e esse consenso tem perdurado .
Contudo, no foi por obras provenie ntes de fora ou por sua pomposa
inflao das ordens clssicas que Roma deixou sua marca no urbanismo. Para
verificar o que Roma significou, tanto em seu melhor momento fsico quanto
rman
urs
e
DE MEGALOPOLlS A NECROPOLIS
inadequado at
CLOACA E A QUEDUTO
meua vez, gua margem direita do Tibre, para satisfazer a sede de uma
populao crescente . O calamento das ruas chegou antes ainda que os canos
239
d'gua; foi , entretanto, aplicado s estradas fora da cidade antes de ser utili
pblicas de gua eram amplas, tanto que os vastos volumes utilizados para os
banh os aparentemente no as prejudicavam. Contudo, () banho privado era
zado, em qualquer e scala, dentro da prpria cidade , pois Roma ainda refoci
um
3 1 2 a.C ., pio
embora tal convenincia algumas vezes existisse numa pequena cidade provm
ciana como Pompia. A gua e os dejetos, noutras palavras, unham de ser
transport ados a brao, a primeira para cima, os outros para baixo, nos altos
edifcios de Roma, assim como eram transportados nos e difcios igualmente
altos da Edimburgo do sculo XVII . Neste particular, Roma, no obstante
toda a sua percia e riqueza de engenharia carecia miseravelmente dos rudi
mentos de higiene municipal. Em conseqncia, o perigo de se ter um urinol
esvaziado na cabea era to grande , outra vez, como em Edimburgo (Gardy
-lo!),
demais relutantemente aceita como orientao fmal. Assim como nossas rodo
sua
vam
240
DE MEGALPOL/S A NECRPOLIS
santurios dedicados deusa da fe bre testemunha a crnica ameaa de infeco pela malria, ao passo que se acham registrados os repetidos morticnios
das pragas, virulentas e devastadoras, morrendo milhares num nico dia. Ser
de admirar que Roma, mesmo nos dias mais vibrantes da glria imperial, fosse
visitada por uma sucesso de pestes desoladoras - 23 a.C . e 65 , 7g e 1 62 A.D.?
Como medida de emergncia a fIm de resolver o problema de tais
inumaes em massa, poderia existir alguma justificativa para tais formas;
mas, como coisa de prtica cotidiana, testemunham o crnico desdm de
Roma pela vida. A quantidade de matria morta que era dessa forma atirada
fora todos os dias poderia, na verdade, ter amedrontado uma organizao
mais tcnica do que jamais foi desenvolvida pelos romanos, pois, quando os
grandes espetculos de gladiadores eram realizados, nada menos de cinco mil
animais, inclusive criaturas to grandes quanto o elefante e o bfalo aqutico,
podiam ser mortos num s dia, para no falar das centenas de seres humanos
que eranl igualmente condenados a morrer na arena. To incrvel a evidncia
que prefIro citar diretamente um dos estudiosos que exanlinaram pessoal
mente o caso, o arquelogo Rodolfo Lanciani.
,, difcil - diz Lanciani - conceber a idia de um carnarium humano,
uma reunio de covas nas quais homens e anim ais, corpos e carcaas, e toda
espcie de detritos no mencionveis, eram lanados em desordem. Imagine
mos o que deve ter sido as condies daqueles terrveis distritos, em tempos
de peste, quando as covas (puticuli) eram mantidas abertas dia e noite . E
quando as covas foram cheias at a boca, o fosso que circundava a muralha
de Srvio Tlio, entre a Colina e o Esquilno, fIcou entupido de cadve
res, lanados como se fossem lixo, at que o nvel das ruas adjacentes foi
alcanado. "
Em suas escavaes, encontrou Lanciani cerca de 75 covas ou subterr
neos, com 3,60 metros de lado, 9 de profundidade , cheias de uma "massa
uniforme de matria escura, viscosa, untuosa", e recordou que, no dia do
encontro da terceira cova, foi "obrigado a dispensar meu grupo de trabalha
dores, de tempos em tempos, porque o odor daquele ptrido monte, aberto
aps o lapso de vinte sculos, era insuportvel, mesmo para homens acostu
mados a todas as espcies de difIculdades, como eram meus escavadores".
Ao tempo do previdente Augusto, no comeo do imprio, teve lugar
uma reforma parcial, que resultou na substituio da inumao pela cremao
- difIcilmente poder-se-ia chamar quela um enterramento decente . Contudo,
no resolveu o outro srio problema, o da deposio de detritos.
Se os esgotos e o suprimento de gua da cidade de Roma, por maior que
fosse a impresso superfIcial de sua engenharia, no se apresentam bem a uma
inspeo detida, o mesmo se aplica tambm ao sistema de ruas que, nas gran
des reas, mostrava os traos de primitivos caminhos de pedestres e carros,
jamais suficientemente alargados para acomodar o trfego sobre rodas. Mais
CLOACA E AQUEDUTO
241
uma vez, foi apenas nas pequenas cidades provinciais e coloniais que predo
minou a verdadeira ordem romana. Ali, descobrem-se generosas caladas para
os pedestres, melhoramento que, embora conhecido em Roma, jamais se
tornou comum em todas as partes da cidade, pois as lojas continuaram ponti
lhando nas vias pblicas das artrias menores. Na Repblica, segundo Jer
nnlo Carcopino, apenas duas ruas podiam pretender o nome de "vias" isto
ruas sufIcientemente largas para passarem dois carros - a Via Sacra, que era
uma via processional, e a Via Nova, cujo prprio nome indica que se tratava
de uma inovao. Uma delas cruzava, a outra flanqueava o Forum Romanum.
As estradas de Roma variavam de 3,60 at nada menos de 7,20 metros de lar
gura, em parte das grandes estradas-tronco; mas cerca de 4,5 metros era a
largura padro. Noutras palavras, as duas grandes avenidas de Roma no eram
mais que um prolongamento dessas grandes estradas; e o mesmo sistema no
penetrou no resto da cidade.
,
DE.MEGALOPOLlS A NECROPOLIS
muita
CLOACA E A QUEDUTO
243
At na mais crua aldeia neoltica, a casa era sempre mais que mero
abrigo para o corpo fsico: era o ponto de encontro de uma famJ1ia; o lar
chamados
insulae,
ou ilhas. Essas
insulae
Satyricon :
a morada do deus da fam Ilia e o centro de vida dessa fam ilia, repositrio de
valores morais que no se mediam em dinheiro. Todas essas associaes e
tradies foram arrancadas das
insu/ae
seus esconderijos, mas os homens que lutam e morrem pela Itlia gozam
rados no porto vizinho de stia. Aqueles bairros eram decentes, talvez, mas
insulae,
,
Crasso, que fez uma fortuna fabulosa com propriedades de casas e
DE MEGAL()POLIS A NECR()POLIS
244
insulae eram
to grave
245
vento que soprava". Dificilmente seria isso um exagero potico. Tais edifcios
mesmo de
mais e mais parasitrio, a podrido foi carcomendo cada vez maiores massas
por sua vez, exigiam escapes compensatrios. Esses escapes levaram ainda
ainda maiores eram atradas para o centro, a fun de comprar, de fazer o culto,
Roma. Isto porque Roma tinha atributos mais humanos; e , para as massas
o Argiletum, que o ligava aos bairros dos artesos e mercadores , foi trans
no recinto.
Vitrvio tinha idias muito defmidas a respeito do seu tamanho ideal,
que anteciparam os princpios to admiravelmente expressos por Winston
3.
Segundo a tradio, era Roma constituda pela unio de vrias tribos estran
geiras nas colinas prximas, sob a liderana dos prprios romanos, encarapi
tados no Palatino. O smbolo dessa unio, como recorda Lavedan, foi a funda
extenso sej a dividida em trs partes, duas sejam atribudas largura. Pois
um.
lugar de assemblia ou de
ficava o grande local de assemblia. Ali, vastas multides iam reunir-se para
tando seus trofus ou seus cativos reais, presos s rodas de seus carros, pas
tides, ao passo que, para o tempo inclemente, gran des auditrios, as bas
sando sob arcos triunfais que serviam como entradas emolduradas e formais
licas, serviam para muitas fmalidades. Como observa August Mau, a respeito
246
24 7
des que iam e vinham, que provavelmente teve poucos rivais num tipo mais
terras, ficava oculta sob a toga da tradicional Roma das aspiraes patriticas
remoto de cidade .
e do sonho estico. Quem podia duvidar ali da realidade daquela Roma ideal,
sob cuja lei e paz, a ordem era ordem, a j ustia era justia, a eficincia era
carnarium
ou
a orgia das torturas que diariamente tinha lugar nas arenas prximas.
siva , pois o espao acima reduzia a presso das massas abaixo. Olhando para o
convertida pelos seus ciosos guardies numa vasta eletrola caa-nqueis, disfar
Essa nova ordem, uma vez estabelecida no centro, propagou-se por toda
parte, particularmente nos magnficos prticos e colunatas com que Augusto
cont guo ao salo de refeies, onde os convivas glutes que haviam engolido
vomitonum.
"Vomitorium"
mais de
vomitorium
mente por motivo de economia, nos tempos de Diocle iano e Con tantino.)
Aquela nudez pode ainda ter e tado prxima da Roma de Cipi . o
24
DE MEGALOPOLlS A NECROPOUS
249
mais do que apreciavam a prtica grega da nudez nos jogos olmpicos. Para o
O banho, tal como era conhecido por Cipio, o Africano, era um tanque
rados suficientes, num caso , para cobrir uma arena inteira. Talvez apenas
Agripa introduziu banhos pblicos gratuitos, na forma pela qual essa institui
tal como era h uma gerao, antes que as paredes de tijolos de seu sereno
interior romnico fossem cobertas por decorao, podem ter uma noo
quentes, banhos tpidos, banhos frios, salas para massagens e salas para passar
Augusto, ao morrer, por ter encontrado uma cidade vestida de tijolos e por
deix-la em mnnore , talvez tenha sido mais vazio do que ele suspeitava.
Na arquitetura pblica romana, a escala, pois, era tudo: o arquiteto
romano encontrava uma forma de massa para todas as ocasies coletivas da
vida, no mercado, no anfiteatro, no banho, na pista de corridas; e algumas
dessas formas foram transferidas cidade , mais de mil anos depois, como na
forma da pista de corridas retangular com voltas agudas em que se transfor
mou a Piazza Navona. Mas os espaos abertos de Roma tambm, provavel
mente, desempenharam um papel mais importante do que tiveram na maior
parte das cidades mais antigas. Os parques ao redor dos palcios imperiais,
embora originariamente destinados ao uso privado, contam-se entre os mais
remotos espaos abertos dedicados recreao espontnea
dentro da cidade
- embora, naturalmente , tais coisas sempre tenham sido encontradas fora dos
seus muros. O legado feito por Csar, dos seus prprios j ardins ao pblico,
um dos documentos mais antigos de um privilgio privado dessa natureza con
fiado comurudade. Infelizmente, Roma j amais percebeu a necessidade de
tais agrados, nos distritos de cortios, onde eram mais gravemente necessrios.
Talvez a contribuio mais caracterstica de Roma tanto
higiene
urbana quanto forma urbana tenha sido o Banho. Na histria dos grandes
banhos, l-se a histria condensada da prpria Roma. Esse povo comeou com
uma nao de duros agricultores, apegados terra, abstmios, laboriosos,
revolvedores e plantadores de msculos rij os, que se tornaram, graas sua
prpria capacidade de suportar dificuldades e receber golpes, o povo mais
vigoroso da Antigidade. Entretanto, a sua prpria fora e a sua indstria
inabalvel os transformaram numa nao de assaltantes e parasitas que viviam
custa de seus vizinhos, convertendo sua cidade-me num gigantesco est
mago e boca, que sugava alimentos, despojos, obras de arte , escravos, reli
gies, deuses, fragmentos de saber, transformando todos os requintes da
shopping center
ser
contado como rival. A toda parte onde ia, o romano conduzia a idia do
banho pblico: no movimentado Boulevard Saint Michel, em Pari , o restos
de um banho antigo daquele tipo ainda nos recordanl aqueles antigos mora
dores de Lutcia. Certamente, o ritual tinha um aspecto prtico: aquele hbito
de limpar o corpo completamente talvez aj uda e a diminuir os desa tres
higirucos e sanitrios da cidade, em outras parte , ao pa o que a magnifi-
250
cncia
:spaci
ll:
passada por alto. No banho, o cliente livrava-se dos deboches da noite antes
de se aprontar para a noite seguinte. E, embora se fIZesse algum esforo, se
gundo Carcopino, no sentido de separar banhistas masculinos e fe mininos
fixando horas especiais para cada sexo, tais regulamentos caram por terra. A
tempo de So Jernimo, mesmo com o cristianismo oficial, advertia ele s
mu
pengo para a alma. Certamente, os banhos eram lugares favoritos para se faze
rem combinaes: assim, anteciparam uma das prticas que levaram ao desa
preo as casas de banho no fun da Idade Mdia. Mesmo nos tempos moder
nos, o ltimo vestgio do banho romano, o chamado banho turco, conservou
sua antiga ligao com a embriaguez e a orgia sexual.
4.
Morte na Tarde
251
sou humano e
nada
Como um imprio, Roma tivera melhor xito que Atenas, que jamais
fora bastante forte para proteger, mesmo durante uma gerao, as reas que
explorava. Contudo, na realidade, Roma no tivera xito. Na verdade, a
cidade dos sonhos de Cipio e Ccero esvaiu-se antes mesmo que eles acordas
sem: de fato, ela jamais existiu. A ordem de Roma, a justia de Roma, a paz
de R oma, tudo isso foi construdo sobre uma feroz explorao e supresso.
Em seu ponto mais elevado, Roma foi um carvalho cujos largos ramos oculta
vam
fora por isso que milhares de bons cidados romanos tinham tramado e esque
matizado, tinham travado combates, tinham mantido distantes postos de
DE MEGALOPOLlS A NECROPOL/S
252
mesma vida sem funo, vazia e dependente , para ricos e pobres indiferen te
mente , cheia de apetites insaciveis e inquietaes insolucionveis_
MOR TE NA TARDE
253
secular na arena.
strip-tease
e os atos
exuais mais mesquinhos eram desempenhados em pblico. Todavia, as sensaes precisam de constante incentivo, medida que as pessoas se tornam
entediadas com elas: assim, o esforo todo alcanou um pinculo nos espet
cujos gladiatrios, onde os agentes desse regime aplicavam uma dIablica
capacidade inventiva tortura humana e ao extermnio .
Os habitantes das metrpoles modernas no esto , psicologicamente ,
por demais remotos de Roma, para se mostrarem incapazes de apreciar esta
todos os seus atos assumem uma forma negativa. O dio que o parasita sente
nova forma. Temos nosso prprio equivalente nas doses dirias de sadismo
cionar uma slida base coletiva com a dupla ddiva de po e de circo, Roma
Ironicamente, ao
garra. Mesmo fora de Roma, o governo prprio foi pouco a pouco desapare
como aqueles que Hitler e seus agentes imaginaram mais tarde e dos quais
se
aquela cidade tornarase uma vasta cmara coletiva de tortura. Ali, a prm
seu
obre
muralha
anto
nu
tu
ocupados com
254
rili
MOR TE NA TARDE
255
Tal como a vida "real" de hoje, para milhes, s existe na tela de tele
viso, e todas as manifestaes imediatas de vida so subordinadas, acessnas,
jogos de gladiadores como nada menos que uma doena da alma; contudo, ia.
O hbito de recorrer regularmente aos espetculos foi algo que nem mesmo
o
mais tristemente sadio dos imperadores romanos, Marco Aurlio , pde vencer,
sem medo de uma hostil reao do pblico . Era perigoso ao imperador mos
trar, mesmo por sua ausncia, seu desgosto pessoal.
nharia alcanou, talvez, seu ponto culminante : foi ali que a satisfao romana
pelos feitos quantitativos concebeu uma forma arquite tnica cujo prprio
triunfo depende da massa e da escala, com os espectadores enftleir
ados, banco
atrs de banco, numa inclinao fortemente acentuada.
A nova forma emprestava-se a muitas fmalidades diferentes. O espeta
culo era to profundamente entranhado na vida romana que at
me mo o
teatro se afastou de seu antigo plano semicircular, passando ao c rculo
com
pleto. Com essa mudana, o antigo drama de estilo grego cedeu
lugar a uma
form a de pera que dependia de efeitos espetaculares, e a pera
evoluiu para
256
25 7
MOR TE NA TARDE
assass nio, no importando quem pudesse ser a vtima. Dentre esses horrores ,
no era menos popular a morte na corrente , na qual uma vitima nica era
designada para ser morta por outra, que, por sua vez, era desarmada e morta,
Inocente que era posta a nu antes de ser lanada aos lees. Em rigorosa justia,
virado e pisado o seu condutor talvez saciasse o anseio il cito de sangue , como
quero acrescentar que est registrado o fato de que a multido exigiu a liber
tao de ndrocles, quando o leo de cuja pata havia ele uma vez extrado
um
especial
era por demais rara para ficar esquecida, mesmo hoje em dia.
gladiadores.
Os jogos gladiatrios foram introduzidos em Roma pela primeira vez
em
264 a.c., pelo cnsul Dcimo Jnio Bruto, por ocasio do enterro de seu
Cam pus Martius, bem perto do Tibre , em 22 1 a.C., era j uma grande estru
tura. Essa form a antiga foi desenvolvida a partir da simples pista plana de
corridas, com bancadas para os espectadores nas colinas vizinhas, que data
do sculo IV. Mas foi Jlio Csar quem construiu o mais antigo e o maior dos
sculo IV, nada menos de 385 000 lugares para espectadores, embora Carco
der
um
ali, animais selvagens eram abatidos, sem serem comidos, como se no passas
4S
sem de homens.
toque salvador de piedade ; enquanto que, pela mesma razo , a sadia impro,
priedade da antiga comdia tica, com todo o seu rude humor sexual , passou
em seus circos e teatros : uma proporo muito maior do que era possvel em
258
259
riam ter sido conduzidos, tivessem sido mais beneficentemente dirigidos, para
a revivificao da vida comum e para a restaurao da atividade autnoma. A
influncia que tiveram os espetculos gladiatrios pode ser avaliada pelo fato
de que Constantino, que se atreveu a tomar o cristianismo a religio do
se
deve ter sido visvel nos grandes anfiteatros de uma data muito mais remota ,
rio que havia conquistado. Para fazer justia s suas possesses, convm
por aqueles que tinham olhos para ver. medida que a vida diria ia-se tor
nando mais enfadonha, medida que o terror, o sofrimento e a morte j no
podiam ser confmados ao circo, aqueles que estavam acordados para as suas
realidades ou que eram sensveis aos seus males devem ter-se furtado de tais
horrveis diverses. Deixavam seus lugares vazios visveis na arena, com
lacunas cada vez maiores, medida que a prpria populao se reduzia em
qui peut! " Somente uma fase posterior do desenvolvimento da cidade perma
neceu, e esta no tardou a chegar: Necrpolis, a cidade dos mortos.
Por volta do sculo V, o espetculo terminara no centro, embora contI
nuasse por outros mil anos na margem ocidental do Imprio, onde Biznclo,
por
um
liana em 274 A.D., Roma cobria 1 345 hectares no interior, ao passo que as
reas de construo total, inclusive a rea construda imediatamente fora da
muralha, era de cerca de 2000 hectares segundo Carcopino : uma cidade de co
tanto, a mera lista do contedo ajuda a preencher os pouco ntidos cont mos
das runas sobreviven tes. Ei-Io: 6 obeliscos, 8 pontes, 1 1 banhos
pblico ,
'
1 9 "canais de gua", 2 circos, 2 anflteatros, 3 teatro , 28 biblioteca , 4 e o
las de gladiadores, 5 espetculos nuticos para combate martim
o 3 are
,
f.
Seo ilustrada II
ILUSTRAOES
1 7-3 2
1 7 : Arqutipo Medieval
1 8 : Ordem Monstica
29 : A Vida Galante
30: Amplido Aristocrtica
3 1 : Perspectiva Palaciana
3 2 : Expanso e Enquistamento
1 7 : Arqutipo Medieval
A pintura de Siena por Lorenzetti de Ambroggio apresenta a cidade medieval
(italiana) arquetpica. Exceto no carter especfico das construes, com sua
..
Florena.
dade, om itindo assim qualquer senso dos jardins ou praas znteriores: tanto
que quase proftico de mudanas posteriores. Tanto o Pao Municipal de
Florena como o de Siena mostram muitas vistas de cidades, inclusil'e a
famosa alegoria do Bom e Mau Governo, em Siena. A [reqente representao
de cidades na arte medieval, tanto em vislumbres ntimos quanto em l'istas
panormicas, muito tempo antes dos grandes atls e guias do sculo XVI, ou
das gravuras que surgiram depois, indicam uma afetuosa preocupao pel
cidade como deliberada obra de arte.
1 8 : Ordem Monstica
o mosteiro, aps o sculo XII, fez sentir sua presena em todos os pontos,
t Camer,
(Ao lado) Mosteiro Cartucho. (Acima) Hospital de So Toms. De Rober
Vanished City, Londres, Hutchinson & Coo
The
(Ao lado) Foto: Aerofilms and Aero Pictoria!, Ltd., Londres. (Abaixo) Foto: Aerofilms,
Lld. Londres.
1 9 : Oxford "Medieval"
Mesmo nos tempos de Duns Scotus, Oxford, embora nio to bela como
no
sculo X Vu, deve ter sido uma "cidade cheia de torres, ramificando-se entre
as torres, ouvindo o eco do cuco, o repicar dos sinos, o canto da cotovia, a
alegria das gralhas, rodeada pelo rio ". Muito da verdura permanece, embora
ameaada por incontinentes rodovias e obras motorizadas por demais vigoro
sas, procurando, mais tarde, devolver, sob a forma de dotaes para pesquisas
e edifcios, o que sua "orla de tijolos baratos " roubou do ambiente.
viso
mais distante mostra tanto o velho quanto o novo, desde o gasmetro vito
riano (abaixo), at o Christ Church Meadow e a distante Torre do Magdalen
College (acima, direita). Os colgios au togo vernados de Oxford, tipicamente um
complexo de construes formando uma srie de quadrngulos ligados inte
riormente, como um claustro, ao redor de relvados abertos ou jardins, criam
um grupo de superquadras, franqueadas apenas aos caminhantes, exceto em
circunstncias especiais. O recinto do colgio rompeu com as dimenses do
quarteiro estabelecidas pelos planejadores milsios e romanos, e libertou as
construes de seu rgido enfileiramento ao longo da rua
em
corredor.
ess7
limitado. Onde foi levada avante, em tempos posteriores, como nas grandes
lhas remontem
ao
105 metros,
e na sua re/oo com o resto da cidade, ilustra com perfeio a relao medie
val entre a Igreja e a comunidade. Note-se que a orientao das edificaes
sagradas medievais de natureza csmico-religiosa, com a nave correndo de
leste para oeste, seja qual for a orientao dos demais quarteires e edifcios.
Embora o edifcio sagrado seja soberbamente dominante, quase nunca ocupa
o centro matemtico: a centralidade um atributo barroco. Os recursos que
produziram uma Segvia ou uma Chartres, se aplicados a atividades econ
micas e razoavebnente distribu dos, teriam dado a cada mem bro da comuni
dade mais alguns quilos de carne por ano. Os membros da Guilda dos Aou
gueiros, que to generosamente contribu ram para a construo da Catedral
de Chartres, poderiam ter-se tornado, assim, mais gordos e mais extravagante
mente vestidos, caso tivessem guardado seu dinheiro para uso privado. Mas a
Catedral ampliava todas as dimenses da vida comunal, mesmo para os pobres,
muito depois de terem morrido os construtores e patronos. A Casa dos Begu i
nes, em A msterdam, obra de uma ordem leiga com muitas fundaes em
todos os Pa fses Baixos
2 1 : As Pedras de Veneza
No seu ponto culminante, entre a concluso do Palcio Ducal e a constru
o
do velho Palcio do Procurador, Veneza foi uma das mais belas
cidades do
mundo, s igualada, talvez, por Pequim O Grande Canal, correndo
para
34.
prejudicar todos os valores que a tornam preeminente, como magn ifica obra
de arte coletiva, Veneza precisa no de reconstruo em escala total,
mas
do
CAPTULO X
J. o
Cenrio Domstico
308
o CENRIO DOMESTICO
309
Wolsey, que a sade inglesa podia ser melhor se os quartos de dormir tivessem
janela s de dois ou trs lados?
Na rea do mar do Norte, uma larga fileira de janelas estendia-se ao
longo de toda a casa, em cada andar, na frente e nos fundos, contra balan
ando assim , eficientemente, a tendncia para aprofundar a casa. Mas, nas
partes meridionais da Europa, o opressivo calor de vero punha freio a esse
fenmeno, com exceo apenas das reas de convivncia. Embora
inte
riores medievais, por isso mesmo, fossem muitas vezes pouco ilumin ados,
a fim de conseguir luz, quando dela necessitavam: as velhas casas dos teceles,
dar luz ao tear; e, quando no se dispunha de luz bastante , por aqueles meios,
para proteger no mau tempo; depois, mais tarde, janelas permanentes de pano
sculo XVI, p intado por Joos van Cleve (Museu Metropolitano), v-se uma
janela dupla dividida em trs painis ; o painel superior, flxo, de vidro em
placas losangulares; os dois painis seguintes tm folhas que se abrem para
dentro ; assim, a quantidade de exposio ao sol e ao ar podia ser controlada,
-nos a planta original de uma casa francesa, com uma loja no pavimento
ventilao, esse tipo de janela, comum nos Pases Baixos, era superior janela
trreo, ligada por meio de uma galeria aberta cozinha nos fundos. As duas
m um
310
ses "brutalistas" de tantos palcios dos sculos XVI e XVII eram brutais
tanto para o corpo quanto para os olhos. Os quartos dos criados, de teto
baixo, devem ter sido mais confortveis, pelo menos no inverno, que os
elegantes aposentos dos patres.
JJJ
o CENRIO DOMSTICO
ser
primeira alterao radical, que iria modificar a forma da cidade medieval, foi
o desenvolvimento do sentido de isolamento. Isso significava, na realidade
para uma famma inteira, num prdio de mltiplos andares, ainda comum
retirada voluntria da vida comum e renncia aos interesses comuns dos seme
entre os pobres de muitos pases, possivelmente teve sua origem nas cidades
Plowman ,
responsvel pela invaso dos jardins, originariamente situados nos fundos, por
ter ele antevisto o fim daquela relao social recproca entre as camadas
cervejaria em Bruges que ocupa agora quase todo um lado do Walplaats, cons
i olamento assinalou o incio daquela nova diviso de cla es que iria conduzir
ainda pertencem a uma escala medieval. Exceto onde a indstria era pequena
e ruidosa, quando era muitas vezes posta margem da cidade ou fora dos
posteriores: com efeito, uma vez que as conscincias se tornam sen vels,
muros, essa ntima ligao da vida domstica e industrial por muito tempo
tic
, a
rdade,
uni
312
o CENRIO DOMSTICO
313
as
se
cm
XVII, as criadas muitas vezes dorm ian1 em camas de rodas (que durante o
senhora, ao p asso que trs sculos antes, Thomas Hoccleve refere-se, num
poema, a um conde, uma condessa, sua governanta e sua ftlha, todos dor
mindo no mesmo quarto.
At que se inventou a cama cortinada, o ato sexual deve ter tido lugar,
Frana que era um pas de reputados requintes -, a cama ainda ocupa muitas
vezes uma p arte da sala de estar. Sob tais circunstncias, o ritual ertico deve
ter sido curto e quase secreto, com pouco excitamento preliminar por meio
pleno sol -, os defeitos biolgicos da casa me dieval eram muito menos graves
fam ia, e a sua constante presena, ainda que s vezes capaz de distrair,
ertica era mais atraente no jardim e no bosque ou sob uma sebe, a despeito
uma infl uncia elevada a altitudes ideais no culto da Virgem. no sculo XliI.
um
umidade .
Para os amantes, dentro da casa medieval, os meses de inverno devem
ter sido um grande lenol mido. Mas, contra essa interpretao algo desfavo
Quanto a
exos:
das crianas. No foi por falta de preocupao pelas crianas que foram os
regist ros de mortalidade infantil do per odo medieval to negro , at
nde
gravuras do sculo XVI. Tais querubins eram tratados com amor : foi para
mo
trados e m
um
314
315
aves e o caador de coelhos podiam ir caar. William Fitz Stephen notou que
elevados, no ftm da I dade Mdia, tom ou-se cada vez mais deftciente; e doen.
Her tfordslre , nos ChUtem H undreds e em parte de Kent: por muito tempo.
tido uma oportunidade mxima de varrer fam l1ias inteiras, na casa do fIm do
perodo medieval. A residncia urbana foi , com efeito, o elo mais fraco dos
Augsburgo, por exemplo, era famosa por suas trutas e, at 1643, muitos dos
as tais como
as
bertos por construes. Noutros aspectos, os padres eram muito mais apro
Esta acentuada tendncia rural pode ser observada nas antigas plan tas
seus
nado centro moderno de trabalho. Muitas das cidades medievais que foram
erros.
2 . Ar,
Espao, Sanitao
mente no era mais generoso do que o gozado pelas classes mdias em muitos
tema difcil de tratar, por causa da ampla variedade que existe, no apenas
observa Giovanni Botero, Francisco I destinou urna baixada perto do rio aos
na Rive Gauche, e Ue de la Cit, a terra estava longe de ser coberta por cons
mesmo nmero de pessoas se amontoava numa nica rua, haja vista Canl
trues. O esp rito dessa diverso cordial e informal, a propsito, ainda hoje
encontrado no mais alegre e talvez mais belo de todos os parques urbanos for
mais, o Jardin du Luxembourg.
Em suma, no que diz respeito aos espaos abertos utilizveis. a cidade
medieval tpica teve, no seu incio e atravs da maior poro de sua existncia.
um padro muito mais elevado para a massa da populao do que qualquer
sanitria dentro e fora da casa, do que sua sucessora mais prspera do sculo
XVI No ocorria apenas ser a cidade por trs dos muros suficientemente
pequena para ter pronto acesso terra aberta; mas boa parte da populao
possua hortas privadas atrs de suas casas e praticava ocupaes rurais
dentro da cidade, assim como o faziam na pequena cidade t pica americana,
at 1 890, e ainda o fazem em muitos lugares.
Alm disso, os burgueses tinham seus prprios pomares e vinhais noS
subrbios, e guardavam vacas ou ovelhas nos campos da comunidade, sob os
de
olgi
neontram
310
J1 7
de conduo :
31
pior das pragas medievais, a prpria Peste Negra . e a esp rana de Vida
medieval era baixa, por ocasio do nascimento, uma dieta defiCiente, especial
mente uma dieta deficiente no inverno, talvez deva arcar com uma parte to
grande da culpa quanto a errtica deposio de matria fecal ; e
falta eral e
burgo.
1/ 9
tinha sido no antigo caso das insulae romanas. Esse, porm, foi um fenmeno
poste rior, um produto dos aluguis elevados e da concentrao urbana. At
como Berlim, como foram encontrados pelo dr. William Osler em 1 873, eram ,
provavelmente, igualmente ofensivos e , conforme ele assinalou igualmente
perigosos sa de.
O que se aplica aos deje tos humanos aplica-se tambm s sobras de
cozinha. Os restos eram comidos pelos ces, pelas gal inhas e pelos porcos,
que agiam como os almotacis da limpeza geral da cidade : uma nuniatura
de 1 3 1 7 , reproduzida por Poete, m ostra um carneiro e um porco atraves
sando uma ponte em Paris, ento a maior metrpole da Europa. No sculo
XVI, nas cidades bem administradas que tinham criado disposies para
limpeza de ruas, houve tambm o b anim ento da criao de porcos em qual
quer parte da cidade, mesmo nos terrenos por trs das casas. Mas, nos pri
meiros tempos, o porco foi um elemento ativo da Junta de Sade local.
Como outras numerosssimas instituies medievais, o porco perdurou em
centros mais atrasados at meados do sculo XIX.
Os restos no aproveitveis eram, sem dvida, de deposio mais difcil:
cinzas, restos dos curtumes, grandes ossos; mas, certamente, existiam em
menor quantidade do que na cidade moderna, pois latas vazias, ferro velho,
cacos de vidro, papis, eram escassos ou mesmo inexistentes. De modo geral.
os detritos medievais constituam matria orgnica que se decompunha e
misturava com a terra. E, no balano fmal, no se deve esquecer o germicida
municipal de ltima instncia: o fogo. Naqueles ninhos de edificaes de
madeira, particularmente nos primeiros sculos, costumava haver rompi
mentos de incndios, famosos nos anais de todas as cidades. Isso sujeitava ruas
e bairros inteiros ao mais poderoso dos desinfetantes. Aquela funo no
deixou de ser reconhecida. Stow assinala que o costume de acender fogueiras
nos dias de fe stas de vero constitua no apenas uma ocasio de reconciliao
com os inimigos, mas tinha "a virtude que um grande fogo tem de purgar a
infeco do ar". Assim, foi o luxuoso revestimento das cidades medievais com
tijolos e pedras que insidiosamente solapou a rude aplicao do fogo como
germicida.
320
3.
Dois outros assuntos intimamente relacionados com a higiene ainda esto por
ser discuti dos: o banho e o suprimento de gua potvel.
J no sculo XIII, apareceu o banho privado. Uma das damas de Bocca
cio prepara um banho de tina para seu amante e, como este no aparece, trata
de tom-lo ela prpria. s vezes, o banho surgia com o quarto de vestir, como
sabemos por um livro domstico de um mercador d scul? XVI, ao passo
que no apartamento de trs cmodos descrito na cidade Ideal de JIuuU1
Andreae , Cristianpolis, um deles o quarto de banho, ao lado da cozinha e
de um compartimento para dormir. Em 1 4 1 7 , alis, banhos quentes em casas
p articulares foram especialmente autorizados pela idade de ondre s. Mas, SI'
alguma coisa fosse necessria para deixar clara a atltu.de me eval para com a
limpeza, o predom nio das casas pblicas de banho sena sufiCie nte.
As casas de banho eram instituies caractersticas em todas as cidades
do norte da Europa e podiam ser encontradas em todos os bairros. Guarinnio
queixava-se de que as crianas e mocinhas de dez a dezoito anos de idade
corriam desavergonhadamente nuas pelas ruas dirigindo-se aos estabeleCI
mentos de banho. O banhar-se era uma diverso de fam llia. Essas casas de
banho costumavam, s vezes, ser dirigidas por particulares ; mais usualmente,
talvez, pela municipalidade. Em Riga, j no sculo XIII, as casas e banho
.
so mencionadas, de acordo com Von Below ; no seculo XIV, haV1a sete de
tais estabelecimentos em Wrzberg; e , no fim da I dade Mdia , havia onze em
U1m doze em Nuremberg, quinze em Frankfurt , dezessete em Augsburgo e
vint e nove em Viena. Frankfurt, alis, tinha vinte e nove proprietrios de
casas de banho j em 1 387. To difundido era o banh na Idde M a que
o costume se propagou at para os distritos rurais, cUJos habitantes tinham
sido censurados pelos escritores dos primitivos fabliaux como sunos imundos.
O que , na essncia, o banho medieval, perdurou at hoje na aldeia russa ou
fmlandesa.
Os banhos pblicos destinavam-se a fazer suar e transpirar, p a uma
umelfa pelo
limpeza quase anti-sptica. Essa purgao da epiderme era os
se
meno s todas as quinzenas, s vezes todas as semanas. O propno ato de
tempos
reunir numa casa de banho promovia a sociabilidade, como fizera nos
o
romanos, sem qualquer embarao a respeito da exposio do corpo , com
as
Drer mostra claramente numa das suas gravuras. O banho era o lugar onde
gulhava
pessoas trocavam mexericos e comiam ; alis, s vezes, uma pssoa me
opost o; e, alm disso, servia omo
na banheira com um companheiro do sexo
etldo a
balnerio, semimdico, onde se atendia tarefa mais sria de ser subm
sanguessugas, para curar dores ou condies inflamatrias.
.
z tambem
Com a multiplicao dos solteiros na cidade que creSCia, talve
banho tornaram-se
com a deteriorao da prpria vida familiar, as casas de
.
321
]23
nossos
perceb-los.
No que diz respeito aos olhos e aos ouvidos. no h dvida do lado para
o qual a balana pender. A maioria das cidades medievais, ne 'es
a pecto
324
.0
]25
um
essa uma chave , como Mme Mon tessori descobriu muito tempo atrs, dos
que tirlha caminhado pelos campos e bosques prximos num feriado voltava a
esculpir sua pedra, a cortar sua madeira, a tecer ou a fazer trabalhos de ourive
deiro mesmo num perodo posterior, pois a cidade tem um efeito mais cons
saria, com uma rica safra de impresses que transferia a seu trabalho. Os e dif
cios, longe de serem em bolorados e "exticos", eram to brilhantes e limpos
como uma iluminura medieval, quando menos pelo fato de serem costumeira.
mente pintados de cal, de tal sorte que as cores dos fazedores de imagens, em
vidro ou madeira policromada , pudessem danar refletidas nas paredes, assim
como as sombras lanavam pequenas faixas Wases nas fachadas e frontarias
dos e difcios mais ricamente entalhados.
A disciplina esttica podia no ter um nome, pois jamais esteve separada
primeiros passos da educao de uma criana, seu efeito continua a ser verda
tante do que a escola formal.
A vida floresce nessa expanso dos sentidos. Sem ela, as pulsaes so
ja
326
festa, eram como um jardim em plena florao. Hoje, ainda se pode captar
algo daquele sentimento, acompanhando a procisso notuma do dia de So
Joo em Florena, de Santa Maria Novella at a Piazza della Signoria.
4.
327
32
329
330
331
como um smbolo, tanto quanto as torres das igrejas: no apenas uma utili
ruas curvas, "ele nada mais fez - c,omo observa Lavedan - que registrar a
aprovao daquilo que tinha diante dos olhos". Mesmo quando Alberti ju stitl.
331
333
e outro sobre o tecido inteiro, cativados por uma flor, um animal, uma cabea,
apenas pela assimilao das partes, sem dominar o desenho com um s olhar.
g-la tedioso ; para o olho medieval, por outro lado, a fonua barroca seria
brutalmente direta e ultra-uxficada. No existe um caminho "direito" para
se abordar uma e dificao medieval : a face mais bela da cate dral de Chartres
a do lado sul; e, embora, talvez a melhor vista de Notre Dame seja a que se
tem do outro lado do Sena, por trs, aquela viso, com o verde que a rodeia,
.
a
a disposio dos componentes nucleares, o Castelo , a Abadia o Con ento,
pode
Catedra l, o Pao MUIcipal, a Sede da Guilda. Se, porm , uma edlficaao
l,
ser tomada como estrutura chave da planta urbana medieval, esta a Catedra
tore
e tanto verdade que Braunfels chega a sugerir que os mestres constru
influncia
encarregados da Catedral tambm exerciam, na realida de, uma geral
possuem hoje : o mercado que era ocaional, ao passo que a igreja que pres
cidade , o mercado situa-se perto da igreja porque ali que os habitantes mais
( * ) No original, porter
antigamente,
portador,
agora
carregador. (N.
do T.)
disputas eruditas, num dia santo, ou mesmo, nos primeiros tempo . de dep-
334
335
sito de bens valiosos, por trs de cujo altar-mor ttulos ou tesouros podiam sef
para uma populao de possivelmente 25 000 pessoas; e Stow assin ala, uns
trs sculos depois, duas a sete igrejas em cada um dos vinte e seis distritos.
Essa descentralizao das funes sociais essenciais da cidade no impe
truo de uma Banberg, uma Durham, uma Amiens, uma Beauvais, uma Assis,
capital , achariam difcil levantar fundos para uma casa paroquial pr-fabri
cado seria uma flgura irregular, algumas vezes em forma de tringulo, algumas
que teve numa era dos transportes sobre rodas. Geralmente, lembramo-nos
vezes com muitos lados ou oval, ora denteada, ora recurvada, aparentemente
vezes, o mercado possa ser apenas uma rua alargada, existem outros exemplos,
nenhuma com as vias pblicas de fora. Dentro daquelas ilhas, e muitas vezes
sobre rodas. Nas "ilhas" formadas pelos castelos, pelos mosteiros ou pelos
costumava ter lugar, num patIbulo ou num pelourinho; era ali que, no flm da
mercado abre-se para outra praa subordinada, a ele ligada por uma estreita
sculos mais tarde em Filadlfia, as casas davam frente para duas ruas, uma
de provises. Muitas praas que hoje admiramos puramente por sua nobre
de carnes.
o contra o vento de inverno, evitava criar cruis tneis de vento tais como a
construir um nico hospital para a cidade inteira, era mais comum criar-se
um
rua reta e larga. A prpria estreiteza das ruas medievai tomava suas atividades
pequeno para dois ou trs mil habitantes. Assim tambm, as igrejas paroquiais
os raios
336
337
a largura demasiada pouco elegante e pouco sadia, numa cidade menor ser:i
eram criados pelo proprietrio privado, para sua propriedade privada parti
cular. A limpeza das ruas, de igual maneira, por muito tempo continuou sendo
ao mesmo tempo sadio e agradvel ter uma viso aberta como e ssa desde cada
casa, por meio da curva da rua." Ningum, nem mesmo Camillo Sitte, fCl
carter que certamente faltava nas brancas paredes de uma cidade clssica
melhor abrigo do que mesmo uma rua estreita aberta, e o podemos encontrar
no meramente na Frana e na Itlia, onde poderia ser, de fato, uma conti
nuao consciente ou uma retomada do prtico clssico, mas em cidades
como Innsbruck, na ustria, na rua que conduz ao Das Goldene Dachl. No
se deve esquecer o quanto era importante a proteo fsica contra o tempo,
pois as tendas e barracas dos artfices e mercadores no eram gerabnente
colocadas atrs de vidros, at o sculo XVII ; na verdade, a maior parte dos
nhana era identificada com a parquia e recebia seu nome da igreja paroquial:
diviso que permanece at hoje em dia.
Essa integrao em unidades residenciais primrias, compostas de fam
lias e vizinhos, foi complementada por outra espcie de diviso. em recinto .
basea da na vocao e no interesse : assim, tanto os grupos primrio quanto os
oecundrios, tanto a Gemeinschaft quanto a Gesellschaft, adotaram o mesmo
modelo urbano. Em Regensburg, j no sculo XI. a cidade foi dividida num
33
339
nando seus jardins e espaos abertos, ainda que privados, soma de espa
6.
Muitas pessoas julgam que a vida medieval era enfadonha e a cidade medieval
esttica. Mas, embora o ritmo fosse diferente do ritmo do sculo XX. cujo
340
em
desconfortvel,
a murucipalidade
afrouxava o cinto.
Quando os subrbios se propagavam , a muralha os circulava. Foi essa a
341
fisicamente
cultura.
aquele que podia usar as pernas tinha acesso a uma cidade. O modelo urbano
adas antes por Paris, Veneza, Milo, Florena , foram altamente excepcionais,
at o sculo XVII. Perto do fIm do perodo, Nuremberg, lugar prspero, tinha
tinha cerca de oito mil. Mesmo nos solos produtivos dos Pases Baixos, susten
tados por indstrias txteis altamente organizadas, sob um rigoroso si tema de
explorao c apitalista, vale a mesma limitao: em 1 4 1 2, Ypres tinha ape nas
342
CAPITULO X l
Desmoronamentos medievais,
antecipaes modernas
1.
o mosteiro,
-,
343
344
o a um quid pro quo eqitativo nas trocas, fora j adiantada por Vincc nt
de Beauvais.
Neste caso, correto dizer que a cidade medieval era uma cidade crist
,
a concretizao, num esquema poltico corporativo bem como nas constru
es, do modo cristo de vida? Era ela uma verdadeira Cidade de Refgio
um abrigo contra as contradies que notamos em todas as culturas urbana
345
pusssemos de lado a cultura medieval como um todo, por causa das cmaras
de tortura e da queima pblica dos herticos e criminosos, tambm apaga
menos, creio eu, que uma rejeio absoluta da base original sobre a qual a
;ua
culmin ou no sculo XI II. Enquanto a prpria vida era orientada para a morte
e o sofrimento, uma medida no pequena da inteno crist encontrava uma
sada em atos de compaixo e caridade , que tomavam sua forma instituci nal
.t:
346
contra a violao por parte dos mdicos que procuravam ganhar o conheCi
mento medicinal do corpo atravs da dissecao anatmica, permitia genero
samente que os corpos dos vivos fossem perversamente mutilados no cast.ig .
.
na execuo de seu prprio julgamento dos herticos. To logo a InqulSl
'a
que as
alcan ado no sculo xm. No sculo seguin :e, tornou se eVIdente
.
modo cnstao d
que poderiam ter desejado introduzir na CIdade medieval um
.
,pl'0 , no mervida haveriam de encon trar sua oposio mais grave, nao, a pnncl
fra;
34 7
quem procurou substituir pelo servio cristo voluntrio, urna livre troca de
ddivas, as disposies ordinrias do contrato e da compra. Aqueles que pro
curavam viver como os antigos cristos, ensinava Francisco, no mais iriam re
tirar-se da vida como os primitivos monges, mas iriam vagar entre os homens
fixando um sorridente exemplo de amor cristo , pregando tanto por atos
como por p alavras, trabalhando para os outros, vivendo na pobreza, sem qual
quer abrigo permanente, e nunca pensando no dia de amanh . Todos os tra
papado acabou com essa heresia to seve ramente como havia des
nova ordem, pois no h modo mais efIcie nte de matar uma idia do que
"materializ-la" bem cedo. A glria da pintura de Giotto, na Igrej a M aior de
ssis, oculta a traio a Francisco, que s estaria vontade na Igreja Menor.
Pouco tempo depois, por uma bula do papa Joo XXII , a crena redespertada
no comunismo cristo, a idia de que a partilha das posses e dos meios de vida
tinha sido praticada pelos antigos apstolos, conforme relata o
ovo Testa
348
nas ordens dos leigos dedicados, como os Beguines, que se implantaram parti.
cularmente nos Pases Baixos. E se incendiou a ponto de se tornar um esforo
revolucionrio, entre os anabatistas de M nster e outros lugares. Mas o ICO
poder que poderia ter feito de Cristian polis mais que um sonho utpico,
349
da cidade grega.
que transformou seu pecado original numa molstia orgnica hereditria: uma
tendncia perversa ps de lado as finalidades de Deus, colocando em pnrnelIo
lugar sua prpria natureza egostica. Essa perverso to inveterada que,
--
\\
seus
quando os bens da civilizao estavam esgotados, a partir do sculo X,
males foram restabel ecidos na devida proporo pela prpria instituio qut.
, no
deveria ter-se dedicad o a reduzi-Ios .\ o sculo XVI , Maquiavel observava
as pessoJS
(, sem justia , em seus Discursos : "Quanto mais prximas se acham
rehgtosa
da Igreja de Roma, que a cabea de nossa religio, tanto menos
estudar cs a
leIas so " .\ A o tempo em que o Conc lio de Trento se dedicou a
-".
2.
Pelo [un da I dade Mdia, uma cidade da Europa se destacava entre todas as
outras por sua beleza e sua riqueza. A rubra Siena, a preta e branca Gnova,
a cinzenta Paris, a multicolorida Florena podiam t odas ter pretenses a
cidades medievais arquet picas e , sem dvida, Florena levantou-se acima de
todas as demais cidades da Europa, do sculo Xlll ao XVI, em razo da aus
tera magnificncia de sua arte e da vivacidade de sua vida intelectual. Mas a
dourada Veneza tem u m aspecto especial que atrai nossa ateno. Nenhuma
outra cidade mostra, em forma mais diagramtica, os componentes ideais da
estrutura urbana medieval. Alm disso, nenhuma dava melhor indicao de
seu
um
dos pa .
s rasa gua do