A Despatologização Da Disforia de Genero

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A DESPATOLOGIZAO DO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE

GNERO: UMA CRTICA A PATOLOGIZAO E O ENALTECIMENTO AO


DIREITO A IDENTIDADE SEXUAL DOS INDIVDUOS TRANS.
THE DEPATHOLOGIZATION OF GENDER IDENTITY DISORDER: A
CRITICAL THE PATHOLOGIZING AND CELEBRATION THE RIGHT TO
SEXUAL IDENTITY OF THE TRANS GUYS.
Geala Geslaine Ferrari1
Rogrio Sato Capelari2

RESUMO: O presente ensaio trata sobre a despatologizao da


transexualidade. O transtorno de identidade de gnero considerado pela
classe mdica como uma doena, e isto se d pelo simples motivo dos
indivduos trans possurem diferenciaes entre sexo biolgico e psquico. O
problema aqui apresentado a discriminao sofrida, entendendo que esse
ser o motivo que muitos recorrero cirurgia de transgenitalizao como
forma de resoluo de problemas. Justifica-se a anlise do tema, no que se diz
respeito conquista de direitos a no discriminao pela sociedade, de sua
liberdade sexual, somada a realizao de cirurgia de transgenitalizao,
iniciado pelo seu livre arbtrio e consentimento, sem que esta seja prdeterminada pela anlise mdica.
Palavras-chave: Despatologizao. Transgenitalizao. Disforia de Gnero.

ABSTRACT: This essay deals with the depathologization of transsexuality. The


gender identity disorder is considered by the medical profession as a disease,
and this is so for the simple reason of trans individuals possess distinctions
between biological and psychological sex. The problem presented here is
suffered discrimination, understanding that this is the reason that many resort to
reassignment surgery as a way of solving problems. Justifies the analysis of the
topic, as it relates to the achievement of rights to non-discrimination by society,
their sexual freedom, coupled with the completion of the reassignment surgery,
started by your free will and consent, without it being pre-determined by medical
examination.
Keywords: Depathologization. Reassignment. Gender Dysphoria

Discente da Faculdade Catuai, Ps-graduanda em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito


Constitucional e Cidadania, [email protected]
2
Docente do Programa de Graduao do Curso de Direito da Faculdade Catua Camb/PR; Mestre em
Direitos da Personalidade do Centro Universitrio de Maring CESUMAR.Doutorando na Faculdade
Autnoma de Direito FADISP. E-mail: [email protected].

INTRODUO
O presente estudo versa sobre a despatologizao da cirurgia de
transgenitalizao, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina e
realizada pelo Sistema nico de Sade. O problema que aqui se apresenta a
imputao ao homem, ao nascer, sendo rotulado pelo seu sexo biolgico
quando, em determinados casos, devem ser levados em considerao seu
sexo social e psquico, como forma a garantir o pleno desenvolvimento
daqueles que sentem o desconforto mental pelas caractersticas de seu sexo
biolgico.
Justifica-se a anlise do presente tema, para corroborar com os
anseios e desejos dos indivduos trans, no que se diz respeito conquista de
direitos relativos a no discriminao pela sociedade, de sua liberdade sexual,
em ascender uma posio que realmente lhe pertena, consubstanciada na
realizao de cirurgia de transgenitalizao, iniciado pelo seu livre arbtrio e
consentimento, sem que esta seja pr-determinada pela anlise mdica,
tratando-a como doena quando, em sua essncia, o espelho de sua alma.
O objetivo da pesquisa demonstrar que a patologizao, no presente
momento, se torna desnecessria frente aos direitos alcanados e que sua
despatologizao fruto de novas conquistas dos indivduos trans, enquanto
portadores

da

centelha

divina,

imantada

pela

essncia

do

pleno

desenvolvimento do ser.
1 SEXO OU GNERO
O homem, ao nascer, tem constatado seu sexo biolgico como sendo
aquele sexo exteriorizado, que pode ser identificado como macho ou fmea,
homem ou mulher, menino ou menina.
Alm dessa constatao exteriorizada, pode-se dizer que existem
outras formas de classificar o sexo de uma pessoa, como, por exemplo, o seu
sexo psquico e o seu sexo social.
Quando se faz meno ao sexo biolgico tem-se como referncia o
corpo sexuado do sujeito (corpo fsico) porm, h outra forma de se referir a
esta estrutura e isto se d quando se fala sobre o gnero, e este classificado
como uma categoria social.

As reflexes sobre gnero se iniciaram em meados da dcada de


1960, fruto de uma necessidade de se questionar os papis e lugares
destinados s mulheres e aos homens de acordo com os pressupostos sobre a
natureza do gnero.
BEAUVOIR (1967, p. 09) diz que ningum nasce mulher, torna-se
mulher, e nenhum destino biolgico, psquico, econmico define a forma que a
fmea humana assume no seio da sociedade; o conjunto da civilizao que
elabora esse produto entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Sendo assim, pode-se compreender que no seria o corpo com que a
pessoa nasce que determinaria seu papel social mas sim o conjunto cultural da
sociedade em que est inserida.
FOCAULT (1988, p. 30) diz que a sexualidade est intimamente
relacionada ao gnero, a orientao sexual e a identidade de gnero dos
sujeitos, no quadro histrico e contemporneo objeto de disputa pblica em
que diversos saberes, anlises e injunes o investigam.
A transexualidade atualmente considerada como uma psicopatologia
referente identidade de gnero e teve incio em 1966 quando o
endocrinologista alemo Harry Benjamin forneceu as bases de diagnstico a
partir de alguns indicadores que iriam definir se as pessoas que chegam s
clnicas ou aos hospitais solicitando a cirurgia se enquadram no que seria o
verdadeiro transexual. Defendia que a cirurgia de transgenitalizao era a
nica alternativa teraputica possvel para essas pessoas. Em 1973, a
transexualidade passou a ser considerada disforia de gnero.
Hoje ela ainda possui esse termo, e continua a ser vista como uma
doena, sendo assim esse condicionamento patologizante continua a perpetuar
na vida dos indivduos trans retirando deles direitos importantes prpria
sobrevivncia como indivduo dotado de dignidade.
2 PATOLOGIZAO E DESPATOLOGIZAO
As questes relativas aos corpos e ao comportamento sexual integram
h tempos as preocupaes da religio e da filosofia moral e em poca menos
distante passaram a ser foco de ateno generalizada de especialistas da
medicina. Foram os discursos mdicos e das cincias psi que delimitaram a

fronteira entre o que normal e o patolgico no campo das identidades


sexuais, estabelecendo-se uma necessidade de compatibilidade entre a
identidade de gnero e a anatomia.
Trnsitos ou abjetos entre gneros passaram a ser interpretados como
doenas e pessoas que se identificavam como membros do sexo oposto a seu
sexo biolgico tornaram-se objeto exclusivo da medicina (BENTO, 2008, p. 15).
Atualmente, a transexualidade classificada como um transtorno de
identidade de gnero. A Associao Americana de Psiquiatria APA - vem
substituindo o termo utilizado por disforia de gnero porm, independente do
termo empregado ainda se acredita que o principal recurso teraputico seja a
adequao cirrgica da anatomia do gnero.
Berenice Bento diz que:
Definir a pessoa transexual como doente aprision-la, fix-la em
uma posio existencial que encontra no prprio indivduo a fonte
explicativa para os seus conflitos, perspectiva diferente daqueles que
a interpretam como uma experincia identitria, um desdobramento
inevitvel de uma ordem de gnero que estabelece a inteligibilidade
dos gneros no corpo (BENTO, 2008, p.16).

O processo de diagnstico realizado pelo Sistema nico de Sade


demorado e por muitas vezes resulta em anos de espera em filas e em
tratamentos

interminveis,

obnubilando

pleno

desenvolvimento

dos

transexuais.
A falta de polticas pblicas voltadas s pessoas transexuais que esto
a espera deste to demorado processo transexualizador, em face da realidade
vivenciada pela escolha de vida, escolha sexual, propicia a sada dos
transexuais de casa, pois na maioria das vezes, acabam sendo expulsos pela
sua famlia, parando de estudar e consequentemente, no conseguem mais
empregos, ficam excludas socialmente. No restando outra alternativa, como
grito ltimo de ajuda, socorrem-se no Poder Judicirio para solicitar mudana
do nome e do sexo. (BENTO, 2008, p.10)
De uma sociedade que discrimina o transexual e do processo moroso
administrado pelo Estado, resultam pessoas sem um mnimo de cidadania.
Mendigando do Estado o direito de exercer sua subjetividade, de deixar seu ser
interior aparecer sem mscaras e principalmente no ser achincalhado ao ser

questionado sobre seu nome ou apresentao de documentos, o grito pelo


mnimo de dignidade e respeito ecoa pela sociedade.
Retirar o estigma da patologizao dizer que a transexualidade
uma questo de gnero e no de doena, e os movimentos contra a
patologizao defendem o direito de todos se expressarem a partir dos
atributos convencionados como femininos e masculinos que julgarem
convenientes, sem que recebam classificaes ou sanes sociais. Defendem
ainda, o direito de todas as pessoas de modificarem seus corpos livremente de
modo a adequ-los s suas necessidades particulares e contingentes.
Para isto seria necessrio rever todo o conceito de transexualidade
dentro do CID 10, documento de amparo ao conceito de transtorno de
identidade de gnero e todo o processo de diagnstico de transexualidade,
inserindo o processo transexualizador no Sistema nico de Sade.
Nos documentos DSM-IV (Manual Diagnostico e Estatstico das
Doenas Mentais), CID 10 e SOC as pessoas transexuais so construdas
como transtornadas, independente de seus valores histricos, culturais, sociais
e econmicos. O que difere esses documentos sos os meios de resoluo
para o SOC onde a nica forma de resolver tal transtorno ou disforia a
cirurgia de transgenitalizao. J o DSM-IV busca atravs do atendimento da
cincia psi apontar as manifestaes do transtorno na infncia, adolescncia e
fase adulta. O CID 10 se preocupa por ser uma conveno mdica em
estabelecer caractersticas da doena, j que seu respectivo cdigo utilizado
aceito internacionalmente por mdicos e outros operadores da sade.
O Comit do DSM-IV substituiu o termo transexualismo por transtorno
de identidade de gnero, dizendo ser este uma forte e persistente identificao
com o sexo oposto e um persistente incmodo com seu sexo ou um sentimento
de impropriedade dos papis de gnero desse sexo.
Diante

da

anlise

desses

documentos

dos

protocolos

conhecedores que o saber mdico no pode justificar os transtornos por


nenhuma disfuno biolgica, os crticos da patologizao questionam tais
critrios pois muitas vezes sero normas de gnero que contribuiro para a
formao do parecer mdico sobre os nveis de feminilidade e masculinidade
presentes nos demandantes. Ser que tal diagnstico poder dizer que este ou
aquele um transexual de verdade?

Sero os pareceres psiquitricos e psicolgicos que determinaro e


muito a realizao da cirurgia e nesses casos, a escolha pessoal do transexual
ser determinante para a realizao da mesma. Destarte, no seria melhor que
o transexual usando dos seus direitos identidade sexual, intimidade,
personalidade e salvaguardado por sua dignidade no pudesse ele mesmo
desde o comeo determinar ou no se quer passar por essa readequao sem
ser considerado um transtornado?
Sendo assim pode-se concluir que transexualidade relaciona-se com
gnero e no poderia estar em um rol de doenas.
Atualmente, as organizaes buscam atravs das mobilizaes a
retirada do Transtorno de Identidade de Gnero do DSM-V e do CID-11,
retirada da meno de sexo dos documentos oficiais, abolio dos tratamentos
de normalizao binria para pessoas intersexo, o livre acesso aos tratamentos
hormonais e as cirurgias sem a tutela psiquitrica, a luta contra a transfobia
propiciando a educao, insero social e a laboral das pessoas trans.
Preocupao concreta existe que aps a despatologizao os direitos
conquistados como, por exemplo, a garantia de acesso gratuito ao processo
transexualizador pelo Sistema nico de Sade (portaria GM n 1707 de 18 de
Agosto de 2008) sejam suspensos e, provavelmente, extintos. Acontece que os
centros de sade que fazem as cirurgia de transgenitalizao j possuem um
entendimento que gnero uma categoria medicalizvel buscando, ento,
mecanismos de cura dessas disfunes o protocolo seguido so orientado pela
APA e pelo CID.
Pelo protocolo, todo candidato cirurgia deve se submeter terapia
por dois anos, realizar teste de vida real usando roupas do gnero identificado
diariamente, tomar hormnios, realizar testes de personalidade e fazer exames
laboratoriais de rotina. Concordar que o gnero continue sendo diagnosticado
em vez de questionado, permitir que os seres construdos como abjetos
devam continuar habitando as margens do Estado.

3 A DESPATOLOGIZAO: O ENALTECIMENTO DOS DIREITOS


DIGNIDADE HUMANA E AO DIREITO A IDENTIDADE SEUXAL DOS
INDIVIDUOS TRANS
A identificao do indivduo feita no momento do nascimento, por
meio do critrio anatmico, de acordo com a genitlia externa. No entanto este
no o nico critrio que ir espelhar o sexo vivenciado pela pessoa. O sexo
civil muitas vezes ser o mais importante pois ele exteriorizar socialmente o
gnero da pessoa.
A evoluo das tcnicas cirrgicas possibilitou mudanas morfolgicas
de adequao ao sexo desejado, contribuindo para que os destinatrios dessas
mudanas possam usufruir de um pleno desenvolvimento, de acordo com seu
sexo social. Por outro lado, a lei registral, consagrando o princpio da
imutabilidade do nome, obsta constantemente a alterao do nome e
identidade sexual.
Entretanto, boa parte do Judicirio, conhecedores do Direito dos
transexuais, de suas lutas e angstias, com base no princpio da dignidade
humana, autorizam a alterao de nome e identidade sexual, conforme
inmeras jurisprudncias ptrias do STJ:
REGISTRO PBLICO. MUDANA DE SEXO. EXAME DE MATRIA
CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO
RECURSO ESPECIAL. AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SUMULA N. 211/STJ. REGISTRO CIVIL. ALTERAO DO
PRENOME E DO SEXO. DECISO JUDICIAL. AVERBAO. LIVRO
CARTORRIO. 1. Refoge da competncia outorgada ao Superior
Tribunal de Justia apreciar, em sede de recurso especial, a
interpretao de normas e princpios de natureza constitucional. 2.
Aplica-se o bice previsto na Smula n. 211/STJ quando a questo
suscitada no recurso especial, no obstante a oposio de embargos
declaratrios, no foi apreciada pela Corte a quo. 3. O acesso via
excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da
oposio de embargos de declarao, no regulariza a omisso
apontada, depende da veiculao, nas razes do recurso especial, de
ofensa ao art. 535 do CPC. 4. A interpretao conjugada dos arts. 55
e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual
operado obtenha autorizao judicial para a alterao de seu
prenome, substituindo-o por apelido pblico e notrio pelo qual
conhecido no meio em que vive. 5. No entender juridicamente
possvel o pedido formulado na exordial significa postergar o
exerccio do direito identidade pessoal e subtrair do indivduo a
prerrogativa de adequar o registro do sexo sua nova condio
fsica, impedindo, assim, a sua integrao na sociedade. 6. No livro
cartorrio, deve ficar averbado, margem do registro de prenome e
de sexo, que as modificaes procedidas decorreram de deciso
judicial. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ REsp: 737993 MG 2005/0048606-4, Relator: Ministro JOO OTVIO

DE NORONHA, Data de Julgamento: 10/11/2009, T4 - QUARTA


TURMA, Data de Publicao: DJe 18/12/2009)

Maria Berenice Dias, expoente mpar na luta contra a discriminao


dos transexuais, diz que:
Os transexuais tem sua sexualidade constitucionalmente tutelada
pelo Estado, ao qual incumbe, mais que coloca-la a prova da posse
ou no de genitlia tida como adequada, protege-la contra os outros
mesmo contra a sua prpria ingerncia. Assim o direito intimidade
tambm possibilita que o indivduo em prol da construo de sua
identidade sexual, disponha at certo ponto de seu prprio corpo, em
conformidade com sua intimidade, isto , a vida que o indivduo
escolheu para si, sua vida construda voluntariamente. (DIAS,2012
p.178)

O Estatuto da Diversidade Social em seu Artigo 443 busca garantir aos


transexuais que possuem identidade de gnero distinta do sexo morfolgico o
direito ao nome social, pelo qual so reconhecidos e identificados em sua
comunidade.
Todo indivduo tem direito, diz Tereza Vieira (2011, p. 187) a proteo
psicossomtica de sua identidade sexual, adequando a identidade fsica a
identidade psquica. O sexo psquico imutvel, ou seja, aquele sexo em que a
pessoa sente verdadeiramente pertencer. Assim deve o Registro Civil
expressar essa adequao, pois a sexualidade e a identidade residem
principalmente no crebro.
O Artigo 164 do Cdigo Civil Brasileiro diz que toda pessoa tem direito a
um nome e a jurisprudncia ptria, deitando razes no Princpio da Dignidade
da Pessoa Humana, passa a fazer valer tal normativa, florescendo o direito no
caso concreto, aps a cirurgia de transgenitalizao.
Mudana de sexo. Averbao no registro civil. 1. O recorrido quis
seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar
no seu registro civil a sua opo, cercada do necessrio
acompanhamento mdico e de interveno que lhe provocou a
alterao da natureza gerada. H uma modificao de fato que se
no pode comparar com qualquer outra circunstncia que no tenha
a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de
ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirrgico,
para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse
3

Art. 44 - garantido aos transexuais, travestis e intersexuais que possuam identidade de gnero distinta
do sexo morfolgico o direito ao nome social, pelo qual so reconhecidos e identificados em sua
comunidade: I em todos os rgos pblicos da administrao direta e indireta, na esfera federal,
estadual, distrital e municipal; II em fichas cadastrais, formulrios, pronturios, entre outros
documentos do servio pblico em geral; III nos registros acadmicos das escolas de ensino
fundamental, mdio e superior.
4
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntrio revelou para o
mundo no convvio social. Esconder a vontade de quem a manifestou
livremente que seria preconceito, discriminao, oprbrio, desonra,
indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trnsito
fugaz da vida e na permanente luz do esprito. 2. Recurso especial
conhecido e provido
(STJ - REsp: 678933 RS 2004/0098083-5, Relator: Ministro CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, Data de Julgamento: 22/03/2007, T3
- TERCEIRA TURMA, Data de Publicao: DJ 21.05.2007 p. 571)

de se observar que o magistrado, sensvel preocupao do


recorrido, pessoa humana, em se locupletar de total felicidade e pleno
desenvolvimento de sua existncia, ampara, justifica e provem o recurso
especial, invocando que a negao de tal direito constitui preconceito,
discriminao, oprbrio, desonra, indignidade para com a pessoa que vive em
uma sociedade recheada da permanente busca de uma valorizao do ser
humano, em busca do seu pleno desenvolvimento. construir a verdadeira
sociedade justa, fraterna e solidria.
Sentenas autorizativas tambm emanam dos rgos superiores quando
a cirurgia foi realizada em outros pases, como a do Superior Tribunal de
Justia:
STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA-HOMOLOGAO DE
SENTENA ESTRANGEIRA-Processo: 001058 - IT (2005/00677954)-Classe: SE - Sentena Estrangeira-Relator(a): Ministro BARROS
MONTEIRO-Advogado : Marcelo de Sousa Damascena e OutroAdvogada: Alessandra Garcia de Oliveira-Data da Publicao:
06.10.2006

Se no bastassem os espinhosos caminhos da discriminao que todo


transexual percorre, a lei que dispe sobre a cirurgia de transgenitalizao
exige que um dos requisitos para a mudana do nome nos registros a
realizao da cirurgia de adequao sexual, em primeiro momento para, em
um segundo momento, haver a referida alterao de nome nos registros civis.
H um entrave mdico no que diz respeito a cirurgia de neofaloplastia,
realizadas nos transexuais masculinos que possuem sexo feminino, e querem
mudar para masculino, como preleciona o mdico Geraldo Ramsey:
Dizer que no caso da cirurgia dos transexuais masculinos para
femininos a construo de uma neovagina permite uma vida sexual
ativa, no entanto da feminina para a masculina a cirurgia de
neofaloplastia no h ainda qualquer certeza quanto ao procedimento
em si e seu resultado, o transexual confronta com muitos riscos.
(RAMSEY, 1998, p. 24).

Nas breves consideraes aventadas acima no presente estudo,


reputa-se, no atual momento, que a condio de transexualidade no e no
pode mais ser considerada uma doena, no h como exigir do transexual a
realizao primeira da cirurgia de transgenitalizao para, em momento
posterior solicitar a alterao de seus dados no registro civil. A cirurgia no
cura a transexualidade pois ela no uma doena.
O que se espera do Judicirio que este assegure ao transexual o
direito a identidade real e a identidade vivida. Maria Celina Bodim de Moraes
(2006, p. 123) diz que considerando prevalecente o interesse privado, o
resultado ser nico: a indicao no registro dever ser compatvel com a do
sexo de aparncia da pessoa, isto , de sua escolha.
Aos integrantes do Judicirio no h como exigir que transexuais se
moldem norma editada, na realizao primeira da cirurgia, para to somente
depois buscarem a alterao de sua identidade sexual. Se assim o fizerem,
haver confronto direito com o direito sade, intimidade, dignidade da
pessoa humana e ao bem comum de todos as pessoas que se identificam com
tal situao.
Nessa

esteira,

pensamentos

que

coadunam

como

pleno

desenvolvimento do ser humano, tem influenciado a jurisprudncia moderna.


Vejamos deciso que d direito a retificao do nome sem realizao da
cirurgia.
APELAO CVEL: OITAVA CMARA CVEL-N 70041776642:
COMARCA DE PORTO ALEGRE-S.T.C.: APELANTE-A.J.: APELADA
EMENTA: equao do presente pertinente a averbao no assento
de nascimento do (a) recorrente sua condio de transexual.
Aplicao dos princpios da publicidade e da veracidade dos registros
pblicos, pois estes devem corresponder realidade fenomnica do
mundo, sobretudo para resguardo de direitos e interesses de
terceiros. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO EM PARTE,
VENCIDO O RELATOR, DES. RUI PORTANOVA.

H de se contemplar que a essncia de tal jurisprudncia recai-se na


realidade fenomnica do mundo, realidade esta que se baseia no atual
momento em que vive uma sociedade. Se o direito construdo a partir dos
valores de uma sociedade e seus pensamentos, nada mais justo a ser

praticado seno a guarda dos interesses dos que integram tal sociedade. a
construo de novos paradigmas.
A Constituio Federal do Brasil de 1988, alicerce sagrado dos direitos
fundamentais da pessoa humana, em seu Art. 196 diz que a sade direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas
que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e
recuperao.
Nesse sentido dos Direitos Sade, Tereza Rodrigues Vieira adverte
que:
O direito sade tutelado pela Constituio Federal Brasileira e
implica o direito busca do melhor e mais adequado tratamento para
o problema. Quando o assunto transexualidade, significa reivindicar
o bem-estar geral, psquico, fsico e social, o qual contribuir para o
desenvolvimento da personalidade, superando a angstia
experimentada com a imposio de uma genitlia repulsiva,
dissociada da sua verdadeira identificao (Vieira, 2004, p. 110).

E tem sido essa vinculao entre o tema da transexualidade e a


efetivao do direito sade, alm das fortes presses dos movimentos
sociais, principalmente o LGBTT, que levaram o Ministrio da Sade em 19 de
agosto de 2008, a editar a Portaria n 457, que incorporou o que convencionou
chamar de processo transexualizador ao mbito do Sistema nico de Sade.
A partir de ento, aqueles que tivessem interesse em realizar a troca
de sexo contariam com a possibilidade de concretiz-la de forma inteiramente
gratuita.
O ordenamento necessitar manter os mecanismos que possibilitem ao
transexual que no tenha como arcar, com os seus prprios recursos, o acesso
cirurgia que o tornar completo como pessoa, viabilizando a concreo dos
seus direitos da personalidade e da livre orientao sexual.
Maria Berenice Dias confirma que o direito sexualidade tambm
albergado pelo Princpio da Isonomia, inciso IV do art. 3, inciso I do art. 5 e
inciso XXX do art. 7 da Constituio Federal de 1988 e pelo Princpio da
Dignidade Humana, objetivo fundamental da Repblica, presente no Art. 1,
inciso III:
Indispensvel que se reconhea que a sexualidade integra a prpria
condio humana. Ningum pode realizar-se como ser humano se
no tiver assegurado o respeito ao exerccio da sua sexualidade,
conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade

livre orientao sexual. A sexualidade um elemento da prpria


natureza humana, seja individualmente, seja genericamente
considerada. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exerccio de
sua sexualidade, sem opo sexual livre, o prprio gnero humano
no consegue alcanar a felicidade, falta-lhe a liberdade, que um
direito fundamental. (DIAS, 2006, p. 73).

No contexto especfico do exerccio da sexualidade pelo transexual,


Maria Berenice Dias (DIAS, 2006, p. 179) continua destacando que por no ter
regulamentao essa classe se torna a mais sensvel e carente de direitos. E
essa regulamentao se faz necessria para que o indivduo possa assumir a
sua identidade de gnero e v-la refletida na sua plena insero no convvio
social, mediante a realizao das intervenes cirrgicas necessrias
modificao plstica do seu corpo, a fim de conform-lo ao seu gnero
performativo, a regularizao dos documentos e demais direitos relativos
vivncia plena da sua dignidade, sexualidade e afeto.
Conclui a autora, o sistema jurdico cioso de seus mecanismos de
controle, estabelece, desde logo, com o nascimento, uma identidade sexual,
teoricamente imutvel e nica (DIAS, 2006, p. 118). Contudo, a determinao
do sexo no decorre exclusivamente de caractersticas fsicas exteriores. A
problemtica da identidade sexual de algum muito mais ampla do que seu
sexo morfolgico. A aparncia externa no a nica circunstncia para a
atribuio do gnero, pois com o lado externo concorre o elemento psicolgico.
O sexo civil ou jurdico deve espelhar e coincidir com o sexo vivido
socialmente pela pessoa. (DIAS, 2006, p.119-120).
Um dos pontos polmicos, seno o mais importante acerca da cirurgia
de transgenitalizao, diz respeito aos limites sobre a disposio sobre o
prprio corpo e o princpio jurdico da indisponibilidade sobre o corpo ou
intangibilidade da pessoa.
Salvo por exigncia mdica, defeso o ato de disposio do prprio
corpo, quando importar diminuio permanente da integridade fsica, ou
contrariar os bons costumes, conforme leitura do Art. 13 do Cdigo Civil
Brasileiro de 2002.
O corpo do indivduo e a sua incolumidade o que deve ser tutelado,
em primeiro lugar, contra atos de terceiros que possam lhe causar leso, assim

como a incolumidade psquica tambm se subsume a esse conceito de


segurana.
O Cdigo Civil Brasileiro de 2002 por sua vez, disciplina o direito ao
prprio corpo em seus artigos 13, 14 e 15. O Cdigo Penal Brasileiro tambm
contm dispositivos sobre a integridade fsica e a sade humana, tipificando
como delituosas diversas condutas que violam tais direitos. Por fim, vale
destacar que a Lei n 9.434/97 dispe sobre a remoo de rgos, tecidos e
partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, bem como o
Decreto n 2.268/97, que regulamenta essa lei, tambm se inserem no mbito
de discusso em torno do direito ao prprio corpo.
Quanto relao entre o direito ao prprio corpo e a autonomia jurdica
individual, Roxana Borges assevera que:
As premissas jurdicas desta reflexo so a combinao de trs
artigos da Constituio Federal de 1988: art. 1, III, dignidade da
pessoa humana como fundamento do ordenamento jurdico, art. 5,
caput inviolabilidade do direito vida e liberdade, e art. 199, 4
disponibilidade de partes do corpo humano (BORGES, 2007, p.169).

Carlos Alberto Bittar, por sua vez, admitiu, expressamente, a


disponibilidade relativa do direito integridade fsica.
Em qualquer das hipteses de disposio de partes do corpo, conclui
Roxana Borges que:
Os limites da autonomia privada devem ser observados, ou seja, o
ato no pode ultrapassar o que permitido pela Constituio Federal,
pelas leis e pela ordem pblica, alm de observar a dignidade
humana como valor fundamental de todos os atos jurdicos. A
declarao de vontade deve ser feita, preferencialmente, de forma
escrita, e deve estar detalhada quanto extenso do ato de
disposio, sua finalidade, o mbito da interveno a ser feita no
corpo, dentre outros aspectos. (BORGES, 2007, p. 173).

Conclui-se que no que diz respeito integridade fsica para a doutrina


ora aqui levantada, a indisponibilidade do prprio corpo seria um fator que
poderia ser relativizado pelo consentimento informado, consciente do paciente,
detentor dos direitos, no caso em tela o transexual que busca pela cirurgia de
transgenitalizao sem ser considerado para isto, um doente, um transtornado
e sim, um ato de liberdade de escolha sexual.

CONCLUSO
O homem, ao nascer, tem constatado seu sexo biolgico como sendo
aquele sexo exteriorizado, que pode ser identificado como macho ou fmea,
homem ou mulher, menino ou menina. Desde cedo, rotula-se em uma caixa, a
condio sexual do homem contrariando as outras formas de classificar o sexo
de uma pessoa, como, por exemplo, o seu sexo psquico e o seu sexo social.
As questes relativas aos corpos e ao comportamento sexual integram
h tempos as preocupaes da religio e da filosofia moral e em poca menos
distante passaram a ser foco de ateno generalizada de especialistas da
medicina. Foram os discursos mdicos e das cincias psiquitricas e
psicolgicas que delimitaram a fronteira entre o que normal e o patolgico no
campo das identidades sexuais, estabelecendo-se uma necessidade de
compatibilidade entre a identidade de gnero e a anatomia.
Na atualidade, a Associao Americana de Psiquiatria APA
considera como correto o termo disforia de gnero, em substituio ao
transtorno de identidade de gnero.
Inobstante ao termo utilizado, os transexuais, em sua grande maioria,
possuem como condio nica e essencial para usufruir do direito vida a
realizao da cirurgia de transgenitalizao.

de

se

observar

que

existem

dois

tipos

de

cirurgia

de

transgenitalizao: uma realizada nos transexuais masculinos para femininos


com a construo de uma neovagina sendo essa no mais em carter
experimental, permitindo uma vida sexual ativa e outra, a realizada no
transexual feminina para masculino, denominada de cirurgia de neofaloplastia,
considerada experimental.
Contata-se, ainda, que o

tratamento dispensado pela sociedade,

incluindo-se as partes que atuam diretamente no tratamento de disforia de


gnero de total discriminao para com os transexuais diante de suas
escolhas e desejos, no que diz respeito aos tratamentos de adequao de sexo
disponibilizados pelo Sistema nico de Sade e reconhecido pelo Conselho
Federal de Medicina, fazendo compreender as enormes crticas que a
patologizao da transexualidade ou transtorno de identidade de gnero vem
sofrendo.

A ausncia de polticas pblicas voltadas s pessoas transexuais que


esto espera deste to demorado processo transexualizador, em face da
realidade vivenciada pela escolha de vida, escolha sexual, propicia a sada dos
transexuais de casa pois na maioria das vezes, acabam sendo expulsos pela
sua famlia, parando de estudar e consequentemente, no conseguem mais
empregos, ficam excludas socialmente.
De uma sociedade que discrimina o transexual e do processo moroso
administrado pelo Estado, resultam pessoas sem um mnimo de cidadania.
Mendigando do Estado o direito de exercer sua subjetividade, de deixar seu ser
interior aparecer sem mscaras e principalmente no ser achincalhado ao ser
questionado sobre seu nome ou apresentao de documentos, o grito pelo
mnimo de dignidade e respeito ecoa pela sociedade.
Ao se retirar o estigma da patologizao, promove-se no seio da
sociedade, que a transexualidade uma questo de gnero e no de doena e
os movimentos contra a patologizao defendem o direito de todos se
expressarem a partir dos atributos convencionados como femininos e
masculinos que julgarem convenientes, sem que recebam classificaes ou
sanes sociais. Defendem ainda, o direito de todas as pessoas de
modificarem seus corpos livremente de modo a adequ-los s suas
necessidades particulares e contingentes.
Sendo assim, conclui-se que a transexualidade relaciona-se com
gnero e no poderia estar em um rol de doenas, estando patologizada na
Classificao Internacional de Doenas (CID 10).
Nas breves consideraes aventadas acima no presente estudo,
reputa-se, no atual momento, que a condio de transexualidade no e no
pode mais ser considerada uma doena, no h como exigir do transexual a
realizao primeira da cirurgia de transgenitalizao para, em momento
posterior solicitar a alterao de seus dados no registro civil. A cirurgia no
cura a transexualidade pois ela no uma doena.
Aos integrantes do Judicirio no h como exigir que transexuais se
moldem norma editada, na realizao primeira da cirurgia, para to somente
depois buscarem a alterao de sua identidade sexual. Se assim o fizerem,
haver confronto direito com o direito sade, intimidade, dignidade da

pessoa humana e ao bem comum de todos as pessoas que se identificam com


tal situao.
Sendo o direito construdo a partir dos valores de uma sociedade e
seus pensamentos, nada mais justo a ser praticado seno a guarda dos
interesses dos que integram tal sociedade. a construo de novos
paradigmas.
Importante foi a conquista dos procedimentos mdicos de patologizao
da cirurgia de transgenitalizao dos transexuais porm, como em um ciclo
evolutivo, mais importante ainda observar a carga axiolgica que se deve
derramar ao presente tema, ao presente homem.
tempo do homem. tempo de novas famlias. tempo de uma
sociedade voltada para os fins que se dignifica o direito a construir: uma
sociedade mais justa, fraterna e solidria voltada para o ser humano, que
somente quer ser igual.
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