A Violencia Arcaica em Alagoas
A Violencia Arcaica em Alagoas
A Violencia Arcaica em Alagoas
Os Marcos de Origem
A violncia? Ah, a violncia, ns no podemos passar sem ela.
(Rubens Jambo, jornalista e escritor alagoano)
a) Geogrficos.
A primeira partio cartogrfica das terras do sul do antigo Pernambuco, isto
, das terras sub-unenses, f-la a administrao holandesa-flamenga da
Companhia das ndias Ocidentais. Do rio Una ao rio Santo Antnio Grande
designou de Alagoas pars borealis, cujo plo de colonizao era Porto Calvo, e
do rio Santo Antnio Grande ao rio So Francisco designou de Alagoas pars
meridionalis, cujo plo de colonizao era Penedo. Ambas pertenciam a
Perfecturae de Pernambuco. O topnimo Alagoas Boreal no uma inveno
tardia de historiadores, mas uma realidade geogrfica e poltica nascida das
necessidades da conquista, ocupao e colonizao luso-tropical no espao
atlntico da Amrica do Sul. A administrao holandesa-belga da colnia da
Companhia das ndias Ocidentais apenas deu realidade a essa expresso
geogrfica e histrica: as Alagoas (Lindoso, 2000: 34, grifo nosso).
(...) constatamos que nos primeiros tempos (pelo menos at a terceira dcada do
sculo XVII), delineava-se uma situao diferente: o sul da Capitania de
Pernambuco mostrava uma tendncia para se tornar uma fonte permanente de
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Alagoas, alm de seu isolamento, as heranas alagoanas ficaram por conta das runas e
das guerras de conquista e destruio.
Temos que no espao primitivo do que hoje se entende por Alagoas,
originalmente ter sido um lugar de massacres e de violncias primordiais, diante das
quais, o ser Homem e se tornar sujeito da lei, foi determinado pelo enfrentamento dirio
com o visceral da violncia.
Acontecimentos de origem, palco de cenas primitivas e eventos fundadores de
prticas e relaes sociais, o genocdio dos Caets ao Sul, e dos Potiguares ao Norte, e
o engendramento e a destruio da Repblica de Palmares4, foram eventos marcantes e
esclarecedores quando procuramos identificar as particularidades de uma violncia
especificamente alagoana. Sobre as particularidades desses suplementos originrios, o
historiador Svio de Almeida expe do seguinte modo as razes civilizatrias do
genocdio:
A articulao e o uso dos ndios para a violncia no deixa dvidas quanto aos
seus usos e abusos - reforo de corpos em guerras particulares e at mesmo contra os
prprios ndios. Guerras particulares com o uso de pobres contra pobres, ndio contra
ndio, negro contra negro. Era a pobreza mobilizada contra a pobreza geral, jamais
deixando o poder de especificar ser o uso da violncia uma de suas prerrogativas 8. A
legitimidade da violncia da luta contra Palmares engendrou inclusive a possibilidade
do perdo dos criminosos em troca de seu engajamento na guerra contra os negros. Esta
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negro e, da, derivam os temores. da, que derivam os temores, pois a idia do
negro livre, obrigatoriamente, subvertia os princpios em que a prpria sociedade
se encontrava fundada (Almeida, 1996, Cap.II:20, grifo nosso).
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Ledo Ivo, que dentre muitos poemas laudatrios terra, escreveria Planta de
Macei, um poema salpicado de beleza e sangue, ao ser entrevistado sobre o que o teria
levado a jogar um copo de coca-cola no seu colega de acadmico Eduardo Portela ,
explicitou do seguinte modo as suas razes:
Os marcos da Tradio
uma questo que se torna relativamente esclarecida atravs da mediao dos conceitos
de interpelao e dos movimentos da imagem especular da fase do espelho na
formulao de Lacan.
poderoso. O que temos de ver no apenas uma tradio, mas uma tradio
seletiva: uma verso intencionalmente seletiva de um passado modelador e de
um presente pr-modelado, que se torna poderosamente operativa no processo
de definio e identificao social e cultural (Williams, 1979: 118, grifo nosso).
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quilombos e de guerras permanentes pela posse da terra e pela posse do poder que dos
arquivos, se deslocam e se atualizam.
REFERNCIAS
Notas
Alm desses acontecimentos, Alagoas herdaria dos holandeses ao invs de seu contato civilizatrio, as
guerras de conquista e destruio, sendo essa particularidade o que poderia ser um detalhe na verdade
significa um dos contornos das diferenas ancestrais no que se refere matriz de uma cultura da cultura
da violncia especificamente alagoana.
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Que se reflita sobre a poderosa influncia e impacto na cultura pernambucana da influncia holandesa,
quando pensamos que juntamente com os holandeses vieram artistas, cientistas, comerciantes, judeus,
protestantes, etc. e sobre a posterior influncia destas particularidades no rastro das tradies. De resto,
esta influncia j esmiuada em detalhes por Gilberto Freyre especificamente em Sobrados e Mocambos
(2003).
3. De passagem, assinalamos que diante do avolumado dos fatos, estamos deixando de nos
aprofundarmos sobre a questo das guerras holandesas travadas no territrio alagoano, de resto, guerras
de conquistas, destruies e de terra arrasada.
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. Lisos e Cabeludos foi a denominao das duas faces, a conservadora, os Lisos correligionrios do
Baro de Sinimbu e Cabeludos, os liberais, aliados de Tavares Bastos. As razes da contenda, na qual os
setores populares estavam envolvidos, foi motivado em virtude da transferncia, em 1839, da ento
capital do Estado do municpio de Marechal Deodoro para Macei. Este exemplo particulariza a
especificidade do fenmeno das parentelas nas intrincadas redes das relaes polticas em Alagoas,
atravs do desdobramento da contenda na jagunada dos Irmo Morais que assolaram a Zona da Mata
com a crueldade de crimes de vinganas.
5. Citao literal Os documentos foram publicado originalmente na Revista do Instituto Archeologico e
Geogrfico Alagoano, n 7 1875. Republicados em edio fac-smile na Revista do Instituto Arqueolgico
e Geogrfico de Alagoas, vol. 40, 1987.
6. Era assim, que o atual municpio de Marechal Deodoro, a antiga cidade de Santa Maria Madalena da
Alagoa do Sul era tambm denominada.
7. Ressalte-se, todavia, que esta prtica as vezes fugia do controle dos donos do poder. Dentre outras, foi
o que aconteceu com a Cabanada em Alagoas e com o caso dos Irmos Morais. Nesses movimentos jagunos, negros fugidos e alforriados e ndios, etc., geralmente aliciados em milcias particulares - se
rebelaram contra o poder de mando. Conflitos sangrentos e que as vezes duravam meses (caso dos
Irmos Morais) e at mesmo anos (como foi o caso da Cabanagem em Alagoas).
8Ao especificar as caractersticas da sndrome do medo Clovis Moura vai esmiuar as suas causas atravs
da sobredeterminao de vrios dispositivos e prticas da ambincia colonial:
(...) um conjunto de pensamentos do senhor de escravos que se baseava em fatos
ou criado pelo imaginrio do mesmo. Constitua na horas-trabalho subtradas
pelo quilombola ao sistema+valor do escravo fugido+as despesas com a sua
captura (tomadia)+ despesas com o escravo capturado e recolhido cadeia
(carceragem) + o pavor da violao sexual da mulher branca + o medo de
envenenamento por parte do escravo + o medo de ser assassinado + o medo de
contaminao do escravo produtivo pelo pensamento quilombola + o medo da
magia e da feitiaria praticadas pelas religies dos escravos + o perigo das
insurreies + o terror da vingana do escravo castigado ou aoitado etc. = a
sndrome do medo (Moura, 2001:115).
9. Falando-nos sobre as relaes entre a justia, violncia e alianas polticas em torno do poder, Almeida
vai nos colocar ainda que:
No poderia ser diferente; o poder tambm patrocinava a corrupo como forma de situar e
sustentar aliados locais. A maquina da justia teria de articular-se ao universo dos senhores de terra, pois
era mais um dos instrumentais de controle; uma justia que se comportasse de uma outra maneira, no
poderia caber dentro do objetivo geral da sociedade que estava sendo construda; a violncia do sistema
exigia a necessidade de uma justia que lhe fosse satisfatria e, ento prevaleciam o arremedo, a
solenidade, o teatral e a liturgia (Almeida, 1996, Cap. 4: 5, grifo nosso).
10. Em conseqncia do assassinato de seu pai, um padre, o qual preso, estava sendo transportado do
municpio de Palmeira dos ndios para Macei, os Irmos Morais assolaram o interior de Alagoas com
uma seqncia de assassinatos e todo o tipo de barbaridade. Os seus ataques inclusive, chegaram a capital
do Estado. O bando era poderoso e a fora quanto a persistncia do fenmeno pode ser associado s
particularidades do que estamos apontando de parentela, de resto, uma rede re relaes muito poderosa
em suas articulaes polticas. De um certo modo, a historiografia alagoana associa o fenmeno enquanto
um prolongamento da contenda entre Lisos e Cabeludos.
11. Segundo o historiador Felix Lima Jr (Lima Jr: 2001), Alagoas teria sido a provncia brasileira que
proporcionalmente mais teria enviado soldados para lutar na Guerra do Paraguai. Segundo ele, a soma dos
soldados enviados, em sua esmagadora maioria recrutados entre moradores pobres, escravos e populares,
teria chegado a algo em torno de 3.578. Tornar-se-ia folclrica a figura de Manoel dos Bales, um
fogueteiro que se tornaria famoso em decorrncia de sua milcia articulada com o nico objetivo de
arrebanhar a fora os renitentes.
12. Trabalhos recentes tm destacado a especificidade de uma cultura da violncia enquanto uma subcultura do universo cultural alagoano. o caso dos seguintes trabalhos: FERREIRA, Ruth Lopes
Vasconcelos A cultura de violncia em Alagoas: um estudo de representao social, Tese de doutorado
(2002), Universidade Federal de Pernambuco.; FREITAS, Geovani Jac de. Ecos da violncia em
Alagoas, Tese de doutorado, (2002), Universidade Federal do Cear e finalmente SANTOS, Nilda de
Lima A violncia dispersa, Dissertao de Mestrado, (2003), Universidade Federal de Pernambuco.
13. Retirado de Cd Demo.
14. Segundo ele:
(...) temos na densidade das prticas discursivas sistemas que instauram os
enunciados como acontecimentos (tendo suas condies e seu domnio de
aparecimento) e coisas (compreendendo sua possibilidade e seu campo de
utilizao). So todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos de um lado,
coisas de outro) que proponho chamar de arquivo.
No entendo por esse termo a soma de todos os textos que uma cultura
guardou em seu poder, como documentos de seu prprio passado, ou como
testemunho de sua identidade mantida; (...). Trata-se antes, e ao contrrio, do que
faz com que tantas coisas ditas por tantos homens, (...), no tenham surgido
apenas segundo leis do pensamento, ou penas segundo o jogo das circunstncias,
(...); mas que tenham aparecido graas a todo um jogo de relaes que
caracterizam particularmente o nvel discursivo; (...) (Foucault, 1986:147, grifo
nosso).
15. A formulao lacaniana de inconsciente guarda uma visvel analogia com o conceito de inconsciente
poltico tal como formulada por Jamesom. Segundo Lacan:
O inconsciente esse captulo de minha histria marcado por um branco ou ocupado por uma mentira:
o captulo censurado. Mas a verdade pode ser reencontrada; o mais das vezes ela j est escrita em algum
lugar. A saber:
- nos monumentos: e isso meu corpo, isto , o ncleo histrico da neurose onde o sistema histrico
mostra a estrutura de uma linguagem e se decifra como uma inscrio que, uma vez recolhida, pode sem
perda grave, ser destruda;
- nos documentos de arquivo tambm; e so as recordaes de minha infncia, impenetrveis como eles,
quando eu no conheo a provenincia;
- na evoluo semntica: e isso responde ao estoque e s acepes do vocabulrio que me particular,
como ao estilo de minha vida e a meu carter;
- nas tradies tambm, e mesmo nas lendas que sob a forma heroicizada veiculam minha histria
(Lacan. 1978: 124).