O Conceito de Pesquisa Colaborativa
O Conceito de Pesquisa Colaborativa
O Conceito de Pesquisa Colaborativa
Serge Desgagn
Universit Laval | Qubec | Canad
Traduo Adir Luiz Ferreira
Margarete Vale Sousa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo
Abstract
This article describes the underlying concepts of collaborative research in education, specifically that approach which
brings together university researchers
and practicing teachers in exploring
questions linked to several practices.
Three main principles are presented: 1)
the collaborative approach is based on
a process of co-construction among the
various partners involved; 2) the research proposes objectives on two levels, the
developing knowledge and developing
practicing teachers professionalism; 3)
the research contributes to construct a
closer partnership between the research
community and the practicing teacher
community. These principles lead the
author to propose the development of a
socioconstructivist view of knowledge,
specifically through a continual process
of collaborative interpretation about the
relation between theory and practice.
Keywords: Collaborative Research.
Educational and Formation Reasearch.
Teaching Practice.
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Introduo
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A pesquisa colaborativa se articula a projetos cujo interesse de investigao se baseia na compreenso que os docentes constroem, em interao
com o pesquisador, acerca de um aspecto da sua prtica profissional, em
contexto real. Em conseqncia, o papel do pesquisador, no referido projeto colaborativo, se articula essencialmente em funo de balizar e orientar
a compreenso construda durante a investigao. Tal compreenso parte
do quadro de explorao proposto, remetendo-se ao projeto terico ligado
ao objeto de pesquisa privilegiado, no prprio contexto da investigao.
Trata-se, precisamente, de uma compreenso em construo e constante ajustamento que, no sentido inverso, susceptvel de influenciar as balizas e as
orientaes do pesquisador no desenvolvimento do projeto. claro que a
natureza da contribuio do pesquisador e o seu grau de influncia na coconstruo dessa compreenso (em termos das balizas, orientaes e ajustes
dados ao projeto durante o caminho, na interao com os docentes) so problemas inerentes abordagem colaborativa, a serem tratados mais adiante4.
Por enquanto, trataremos simplesmente de delimitar a posio epistemolgica
na qual se inscreve a pesquisa colaborativa; posio que pe o ponto de
vista do docente e a sua compreenso acerca de uma situao prtica a
ser explorada no primeiro plano da dmarche de investigao. este ponto
de vista que interessa ao pesquisador, considerando a finalidade da funo
docente: a aprendizagem dos alunos vinculada ao do professor, a quem
entregue a responsabilidade de criar, nas salas de aula, as condies necessrias para efetiv-la.
Evidentemente essa posio epistemolgica nos remete a uma concepo do docente, a qual impregna o prprio objeto da pesquisa. De fato,
para fins de investigao, solicitar que os docentes exponham seu ponto
de vista acerca de certo aspecto de sua prtica em desenvolvimento, numa
proposta de investigao colaborativa, supe o reconhecimento e interesse
desses profissionais competncia de ator em contexto. Segundo Giddens
(1987), essa competncia, que no tem nada a ver com o sentido normativo habitual que lhe dado, implica na capacidade, de qualquer ator social,
em exercer seu julgamento e orientar sua tomada de deciso em funo
do entendimento acerca das condies que prevalecem e daquilo que est
em jogo, no contexto de sua ao especfica. Giddens fala, nesse sentido,
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de um ator que exerce certo controle reflexivo sobre o seu meio imediato.
Em uma perspectiva mais especificamente profissional, Mucchielli (1968),
se apoiando em Lewin (1951), fala do docente que desenvolve uma inteligncia da situao. Os postulados sobre os quais se baseia a pesquisa
colaborativa e a concepo do docente j se encontram subjacentes em uma
determinada abordagem, orientando o pesquisador na escolha do objeto de
pesquisa e o seu engajamento. Efetivamente, o pesquisador deve considerar
o ponto de vista dos professores sobre a prpria prtica; deve se interessar
pelas reflexes que eles fazem em seus contextos de ao; deve analisar
suas maneiras de enfrentar as situaes, considerando-as, porm, a partir dos
limites e dos recursos que elas apresentam. O pesquisador deve privilegiar,
acima de tudo, as competncias do ator em contexto. Isto supe que ele
no dirigir, pela escolha do objeto, um olhar normativo e exterior sobre
aquilo que os mais professores fazem, mas procurar com eles, no interior
do contexto em que atuam compreender em que se apia esse agir5.
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uma dinmica entre dois setores de atividades profissionais pesquisa e docncia que constituem o cerne da sua funo.
Enfim, preciso destacar que os projetos de pesquisa colaborativa
podem surgir noutro nvel no campo da prtica docente. Sabemos que muitos
professores ampliaram, nesses ltimos anos, seu campo de prtica, integrando a monitoria da prtica profissional funo docente original. De fato, a
funo de acompanhamento de estagirios e de professores novatos por docentes experientes est em vias de criar um espao especfico no interior do
campo profissional docente. Esse novo espao de prtica cria efetivamente
um campo para pesquisas colaborativas, com as quais tentamos compreender melhor os contornos ligados ao exerccio da docncia, a partir de seu
acompanhamento e do ponto de vista privilegiado do ator em situao7.
lgico que essa funo de acompanhamento no o nico exemplo de atividades perifricas assumidas pelos professores lado da funo sua primordial
de docentes e de educadores. Todavia, no h muitos exemplos de oportunidades dadas aos professores para ampliarem sua atuao docente, por
meio de uma funo especfica e diferenciada, sem que isso conduza, como
o mais comum, a sair dessa prtica. Por exemplo, quando um professor se
torna coordenador pedaggico ou diretor de escola, isso equivale a mudar
de prtica profissional. De qualquer maneira, no precisamos, aqui, ir mais
longe nessa tentativa de conceituao da prtica docente e das diferentes
zonas de atividades profissionais que a constituem. Nosso nico propsito
procurar os contornos do campo da docncia, no qual o professor capaz
de exercer o que definimos como competncia de ator em situao passvel
de ser beneficiada no quadro de uma pesquisa colaborativa.
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esse duplo registro de preocupaes e interesses que o pesquisador colaborativo vai tentar explorar, prestando-se, concomitantemente, ao
status de pesquisador e formador no projeto a ser desenvolvido. Para uma
ilustrao simples, podemos evocar o jogo de negociao no qual o pesquisador-formador ser chamado a exercer, segundo as necessidades que
iro se exprimir e as ocasies que oportunizaro unir pesquisa e formao
no mesmo projeto. Concretamente, possvel que um projeto de pesquisa colaborativa se origine da necessidade de se implantar, em uma dada
unidade escolar, um processo de aperfeioamento profissional ligado a algum aspecto da prtica docente. Ento, o projeto se exprimir de diferentes
maneiras: por meio da inteno de compreender ou transformar certa abordagem de ensino, melhorar uma matria, ou ainda, participar de propostas
ou projetos de reforma escolar (pedaggica, curricular, administrativa) e est
melhor adaptado para faz-lo. O pesquisador exerce o papel de formador
quando atende solicitao dos docentes em funo de seu campo de interesse, por exemplo, experincias de apoio aos alunos em dificuldades de
aprendizagem ou de apoio aos professores novatos. Seu desafio, enquanto
formador, consistir em oferecer aos docentes certas referncias que permitam introduzir o objeto de investigao (a definir), integrando-o ao processo
de aperfeioamento para o qual foi solicitado e articulando-o, a partir da,
aos interesses de pesquisa. Alis, pode acontecer que o objeto de investigao surja no decorrer do processo formao ou aperfeioamento docente, a
partir das reflexes que os professores desenvolvem em torno de um aspecto
ligado sua prtica profissional. Outras vezes, pode ser diferente: ser o
pesquisador que, de maneira planejada, conceber um projeto que integrar
simultaneamente um procedimento de investigao do objeto de pesquisa e
um processo de desenvolvimento profissional passvel de responder s preRevista Educao em Questo, Natal, v. 29, n. 15, p. 7-35, maio/ago. 2007
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ao entendimento de que esse tipo de pesquisa suporta dois mundos que conviveriam sem necessariamente se unirem: o mundo da docncia e o mundo da
pesquisa. Entendemos o pesquisador como uma espcie de agente duplo,
cuja habilidade consiste em propor aos docentes uma atividade reflexiva que
possa, simultaneamente, satisfazer as necessidades de desenvolvimento profissional e atender as necessidades do avano de conhecimentos no domnio
da pesquisa. Estes dois tipos de demandas desenvolvimento profissional e
pesquisa no implica na juno de dois mundos, mesmo que sejam compatveis. No seria justamente essa a prpria essncia do agente duplo:
se mover em dois mundos paralelos e at estranhos um ao outro? Dizendo
de um modo mais simples, imaginemos um pesquisador que explora uma
atividade de desenvolvimento profissional junto a docentes (um curso, uma
sesso de formao) e utiliza-se, por exemplo, da coleta de dados oriundos
do discurso dos professores, visando unicamente os interesses de pesquisa,
cujos resultados, numa situao limite, iro continuar inacessveis ao mundo
da prtica docente. Tem-se a, obviamente, a evocao de um cenrio sombrio que, contudo, serve para justificar a necessidade de serem esclarecidas
as questes que sustentam o processo de colaborao no empreendimento
da pesquisa.
Essa objeo reforada pelo fato de que a ponte que representa
o momento de interao entre o pesquisador e os docentes, isto , o momento de co-construo propriamente dito, no ir constituir o conjunto do
processo de pesquisa. De acordo com os cenrios j evocados, possvel
que a pesquisa se apresente, antes de tudo, como um projeto de aperfeioamento no qual o objeto de pesquisa definido no decorrer do processo e
somente mais tarde os dados recolhidos so analisados. De fato, na medida
em que se tiver o cuidado de recolher, no percurso do aperfeioamento ou
da formao docente, todos os materiais (gravaes dos encontros de reflexo com os professores, vdeos de salas de aula, coleta de trabalhos de
alunos, preparao de atividades, etc.), nada impedir que a questo mais
especfica de investigao e anlise de dados seja definida posteriormente.
Isso, inclusive, sem que os docentes tenham necessariamente de participar; o
essencial dessa colaborao refere-se a compreenso destes professores no
contexto do fenmeno investigado, cujos dados recolhidos vo testemunhar.
Mesmo em um cenrio em que essa dupla funo se realize na maior simetria
possvel, ou seja, onde o projeto de aperfeioamento e o de investigao
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execuo do projeto; desde o Ministrio da Educao, que define as orientaes para a prtica profissional, at a direo escolar e equipe pedaggica.
Em geral, essas instncias no esto somente preocupadas com os professores envolvidos nos projetos de pesquisa, mas tambm com a repercusso dos
resultados divulgados para o sistema educativo. Igualmente, por detrs do
ponto de vista do pesquisador se alinham as demandas de uma comunidade
de pesquisa inteira que inclui o pesquisador e todos os pesquisadores que
daro apoio terico inicial relativo ao campo de conhecimentos investigado,
no que diz respeito pertinncia e definio do projeto, sancionando o seu
valor no momento da publicao de resultados em revistas cientficas. Os
pontos de vista dos atores individuais, dos docentes ou dos pesquisadores,
no podem estar dissociados das culturas profissionais (diramos, tambm,
das prticas sociais, do ensino e da pesquisa) nas quais se inscrevem e
tomam forma. (BROOKHART; LOADMAN, 1990). Com o esprito da teoria
construtivista que apia nossa abordagem, podemos dizer que em cada uma
dessas comunidades (docentes e pesquisadores) os atores que dela participam contribuem para criar regras de funcionamento mais ou menos explcitas,
as quais orientam suas aes e ajudam a definir uma cultura especfica de
trabalho. Ento, tambm, com essas duas culturas (pesquisa acadmica e
prtica docente) que o pesquisador colaborativo vai desenvolver e compor
seu trabalho de investigao, respeitando os pontos de vista dos colaboradores envolvidos.
Essas consideraes evidenciam que a dimenso colaborativa da
pesquisa se deve menos ao fato de os docentes participarem das etapas
especficas da dimenso da pesquisa e mais ao fato de os conhecimentos
construdos no processo serem o produto de uma constante negociao e
mesmo mediao que o pesquisador assume entre prtica e teoria, ou
entre teoria e prtica. (GERVAIS, 1994; LATHER, 1986). Nesse caso, a
prtica refere-se ao ponto de vista do ator em contexto, que o docente,
e a teoria remete ao quadro conceitual escolhido pelo pesquisador para
investigar esse ponto de vista. A mediao, assim concebida sob uma perspectiva mais ampla, enquanto relao estabelecida entre a comunidade de
pesquisa e comunidade da prtica (docente), entre o quadro conceitual do
pesquisador e o contexto de exerccio profissional, movimenta-se no campo
de duas culturas distintas de trabalho, com as quais o pesquisador dever
compor.12 J evocamos, anteriormente, a imagem do pesquisador como uma
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A pesquisa colaborativa vai alm do simples respeito s preocupaes de pesquisa para o pesquisador e de aperfeioamento para os prticos;
ela exige, do pesquisador que enquadra o projeto, o movimentar-se tanto
no mundo da pesquisa quanto no da prtica. Ademais, o pesquisador deve
fazer com que os conhecimentos, a serem construdos no desenvolvimento da
pesquisa, sejam produtos de um processo de aproximao e mediao entre
teoria e prtica, entre a cultura de pesquisa e a cultura da prtica docente.
O que se destaca dessa conceituao de abordagem de pesquisa
colaborativa em educao, reunindo pesquisadores universitrios e professores docentes? De incio, nos parece que ela contribui para circunscrever, em
sua tripla dimenso, os componentes de uma abordagem sobre a qual os
contornos permanecem ainda relativamente ambguos. Logo, essa conceituao se inscreve nos esforos de outros pesquisadores e pretende contribuir
para o esclarecimento do conceito. Alguns dentre eles, citados de passagem,
se inspiram, mais que outros, em alguma das dimenses que ns salientamos. Ardra Cole (1989; 1993) contribui para evidenciar a dimenso de
co-construo subjacente colaborao entre pesquisadores e docentes, se
identificando com o que ela chama de campo construtivista, insiste sobre o
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Concluses
Completamos, ento, nossa sntese do conceito de pesquisa colaborativa, situando-a, inclusive, dentro de movimentos mais vastos de pesquisa
que podem enriquec-la na sua epistemologia e metodologia. Resta, ao fim
desse artigo, destacar a ambigidade com a qual constantemente se fala de
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Notas
1
Traduo para o portugus do original em francs, autorizada pelo autor e pelo editor: Le concept de recherche collaborative: lide dum rapprochement entre chercheurs universitaires et
praticiens enseignants. Revue des sciences de lducation, vol. XXIII, n. 2, 1997, p. 371-393.
(Esse texto recebeu o prmio Andr-Girard (1997-1998), concedido pela Revue des sciences de
lducation).
N. T.: No texto original, em francs, o autor emprega o termo praticien (prtico), que significa o
profissional prtico em geral, no caso deste artigo, trata-se do professor voltado especialmente
para a docncia, em distino ao chercheur (pesquisador), isto , o investigador acadmico dessa prtica. Optou-se, aqui, por utilizar os termos mais comuns na literatura educacional brasileira:
docente e pesquisador.
A terceira seo deste artigo evoca as diferentes etapas dessa dmarche de co-construo no
processo da pesquisa, desde a definio do objeto at a difuso de resultados. A esse respeito,
num projeto de pesquisa em que participei (do qual este artigo tributrio), nos interessamos
em analisar as interaes entre pesquisadores e professores ocorridas em diferentes investigaes colaborativas. Esse projeto foi desenvolvido pelo Centre de Recherche sur lApprentissage
et le Dveloppement em ducation (CIRADE), veja-se os escritos em Lebuis; Bednaz, Desgagn
(1995).
Lenoir (1996a), se apoiando sobre Beillerot (1991), assim como sobre os trabalhos do Comit de
Orientao e Concertao sobre a Pesquisa Colaborativa, vm nessa abordagem de pesquisa
duas finalidades diferentes: uma finalidade de produo de conhecimentos e uma finalidade
de transformao das aes e da prticas. Nesse sentido, o projeto colaborativo passa por
um reconhecimento e considerao, por parte dos atores engajados, que os pesquisadores e os
prticos envolvidos na pesquisa no tero necessariamente as mesmas finalidades.
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Veja-se Richardson (1994), em relao a esta distino entre pesquisa formal (formal research) e
questionamento sobre a prtica (inquiry). Ver tambm Beillerot (1991) citado em Lenoir (1996a),
que, em um sentido muito prximo, faz a distino entre estar na pesquisa e fazer pesquisa.
10 Houser (1990) aborda esse problema da participao do prtico num processo formal da pesquisa, no quadro de uma colaborao de pesquisa. Ele desenvolve uma conceituao dessa
participao em trs posturas definidas sobre a base de um engajamento progressivamente maior
do prtico no processo de pesquisa: a) o prtico minimamente informado e associado realizao do projeto; b) o prtico se torna inteiramente um participante, mas sem participar em todas as
etapas formais da pesquisa; c) no h distino entre o prtico e o pesquisador, nem diferenas
entre papis e tarefas entre ambos.
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11 essa relao constante entre o ponto de vista do pesquisador e do docente, que qualificamos
de pesquisa colaborativa, sobre a qual j relatamos na nossa tese de doutorado. (DESGAGN,
1991). Para qualificar cada uma das etapas da pesquisa, falamos de co-situar a pesquisa (problemtica), de co-operar (metodologia de interveno) e de co-produzir (anlise e apresentao
dos resultados). Para qualificar cada uma das etapas da pesquisa, na perspectiva dessa relao,
falvamos, ento, de co-situar a pesquisa (para a etapa da problemtica), de co-operar (para a
etapa da metodologia de interveno) e de co-produzir (para a etapa da anlise e apresentao
dos resultados). Na co-produo, se quisermos distinguir a anlise da apresentao dos resultados, ser preciso, talvez, falar de duas etapas e no de uma. Enquanto na etapa da anlise,
falaramos de co-interpretao, levando em conta as categorias dos prticos e dos pesquisadores, na etapa de apresentao dos resultados, falaramos de co-difuso, que seria a demanda
de resultados de forma a satisfazer tanto a comunidade dos pesquisadores quanto a dos docentes. De qualquer maneira, essas denominaes nos parecem uma tentativa esclarecedora, para
caracterizar o processo de co-construo entre o pesquisador e os prticos no desenvolvimento
formal da pesquisa.
12 Os autores, aqui mencionados, se interessam pela construo de conhecimentos profissionais em
ensino. Eles esclarecem o conceito de mediao, quando chamam a ateno para a relao de
co-construo que se estabelece entre a teoria e a prtica, entre a cultura universitria e a cultura
escolar, entre os atores em contexto e os atores ditos mediadores (pesquisadores, no nosso caso)
que facilitam essa co-construo. No contexto da construo de conhecimentos entre os alunos,
Lenoir (1996b) se interessa pelo conceito da mediao didtica, para o qual ele se apia, como
ns, na idia de que o conhecimento no dado, mas construdo, supondo um trabalho de
mediao entre o sujeito (o aluno) e o objeto do conhecimento. No nosso caso, os sujeitos so o
pesquisador e os docentes que co-constroem um objeto de conhecimento, com a particularidade
de o pesquisador desempenhar um papel adicional: o de mediador entre o seu ponto de vista,
que o da cultura universitria (seu quadro terico), e o ponto de vista dos docentes, que o da
cultura escolar (o quadro da prtica). Com essa perspectiva, o papel de mediao colaborativa
do pesquisador no estaria retomando certa faceta do papel de professor mediador na perspectiva construtivista, na medida em que este deve fazer a ponte entre a sua viso do objeto de
aprendizagem e a viso do aluno a quem ele ensina? No preciso forar a comparao, pois
se sabe que o contrato entre os atores no o mesmo: o pesquisador e os docentes no tm a
mesma relao que o professor e o aluno, na relao com o saber a ser construdo. Essa via confrontaria os desafios do contrato colaborativo entre pesquisador-docentes e aquele do contrato
didtico entre professor-aluno. Acrescentemos, para terminar, que o artigo de Lenoir prope uma
viso ampliada do conceito de mediao, refazendo uma histria do conceito, numa viso bem
esclarecedora para todo o pesquisador que quiser se aprofundar.
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13 A cultura colaborativa, da qual tratamos, uma cultura de mediao entre universidade e meio
escolar, entre pesquisadores e prticos. A literatura fala tambm de cultura colaborativa num outro
sentido, que um pouco o corolrio do primeiro sentido: certos trabalhos se interessam pelo clima
de colaborao que vigora entre os professores num dado meio escolar, tratando das maneiras
de encorajar os projetos que se orientam no sentido do trabalho em colaborao (ver, mais
especificamente, os trabalhos de Fullan (1987, 1990); Hargreaves; Dawe (1990); Little (1982,
1984, 1990).
14 Davidson Wasser e Bresler (1996) desenvolvem o conceito de zona interpretativa para evocar
no processo de co-construo de sentido, essa dimenso coletiva do processo de interpretao,
em contexto de pesquisa qualitativa conduzida por uma equipe de pesquisadores. De maneira
mais especfica, essa zona interpretativa evoca, para os seus autores, a atividade na qual diversos pontos de vista so examinados e relacionados no interior do grupo, visando dar sentido
s situaes exploradas ou submetidas investigao.
15 Entre outros, os procedimentos de anlise qualitativa desenvolvidos na perspectiva da teoria ancorada (grounded theory) (GLASER E STRAUSS, 1967; STRAUSS, 1987; STRAUSS E CORBIN,
1990), que esto, alis, em linha direta com a tradio interacionista e etnometodolgica, vo
no sentido de considerar a relao entre os pontos de vista. Para dar um simples exemplo, no
processo de anlise do discurso dos sujeitos participantes pelo pesquisador, se fala da dinmica
que esse ltimo estabelece entre as categorias substantivas (tiradas do discurso dos sujeitos participantes) e as categorias formais (tiradas do quadro terico do pesquisador). Pelo menos, essa
a associao que faz Cole (1989) quando ela liga o modelo de aprendizagem experimental
de Kolb; Fry (1975), diretamente inspirado do conceito de pesquisa-ao, desenvolvido originalmente por Kurt Lewin, e o conceito de pesquisa colaborativa, ambos tendo em comum, para essa
pesquisadora, uma espcie de dinmica entre a explorao na ao (experiencing) e a reflexo
sobre essa ao (feedback), como dmarche de pesquisa.
16 Clift; Veal; Johnson; Holland (1990), fazem um levantamento dessa multiplicidade de
denominaes.
17 Pelo menos, essa a associao que faz Cole (1989) quando ela liga o modelo de aprendizagem experimental de Kolb; Fry (1975), diretamente inspirado do conceito de pesquisa-ao,
desenvolvido originalmente por Kurt Lewin, e o conceito de pesquisa colaborativa, ambos tendo
em comum, para essa pesquisadora, uma espcie de dinmica entre a explorao na ao
(experiencing) e a reflexo sobre essa ao (feedback), como dmarche de pesquisa.
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Artigo
Serge Desgagn
Universit Laval | Qubec | Canad
Departamento de Psicopedagogia, de Didtica e de Tecnologia Educativa
E-mail | [email protected]
Recebido 02 abr. 2007
Aceito 16 abr. 2007
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