Reflexoes Sobre Homo Sociologicus
Reflexoes Sobre Homo Sociologicus
Reflexoes Sobre Homo Sociologicus
vezes exercem uma profunda influncia sobre estados variveis de opinio" (apud
Lukes, 1975, p. 500).
No mais, dizia Durkheim, o estatuto da economia poltica no seria diferente
daquele de outras cincias sociais; tambm ela seria uma cincia da cultura ou, nos
seus prprios termos, a economia tambm lidaria com "idias" e "opinies". Seu
argumento era que "o valor das coisas dependeria no apenas de suas
propriedades objetivas, mas tambm de opinies relativas a elas. Por exemplo, a
opinio religiosa ou mudanas de gosto poderiam afetar o valor de troca de certos
bens" (11). Assim, tanto como os fatos sociais, os fatos econmicos poderiam ser
considerados questo de opinio, o que no implicava que no se prestassem
formulao de generalidades e leis (Lukes, 1975, p. 499)
interessante observar que, mais recentemente, a problemtica durkheimiana
encontra pontos de contato na tese de Polanyi (1957) sobre o carter utpico da
sociedade de mercado. Segundo este autor, a utopia do mercado soberano, a
construo ideolgica do homo oeconomicus, constitui uma ameaa concreta
preservao do tecido social. Assim, toda a discusso empreendida em A Grande
Transformao defende o argumento de que a sociedade, o todo social, tem
mecanismos autoprotetores. Tais mecanismos funcionam como antdotos ao mpeto
destrutivo da utopia de mercado, utopia essa que desnaturaliza a terra (natureza
por excelncia) e o trabalho (atividade natural do homem) para convert-los
tambm em mercadorias.
Na viso de Polanyi, como se existisse uma "mo invisvel da sociedade" que, em
ltima anlise, garantiria a continuidade de um todo orgnico, o tecido social,
expresso de um amlgama de interesses. Em suma, o natural seria a sociedade
auto-regulada, enquanto o mercado auto-regulado, o paraso do indivduo egosta
maximizador de utilidades, seria uma fico, uma utopia deletria que colocaria em
risco a vida em sociedade.
Nesse sentido, Polanyi, como Durkheirn, tm "indivduos sociolgicos" e no
"indivduo" no singular - de qualquer forma, um constructo lgico to ortodoxo
como o homo economicus. Ou seja, o estatuto terico de um sujeito coletivo em
Durkheim e Polanyi to fundamental e irredutvel quanto o do indivduo movido
pelos apetites egostas da economia. Se, em ltima anlise, o homem econmico
guia-se por um conjunto de motivaes psicolgicas bastante simples e
elementares, o homem sociolgico da sociologia de inspirao organicista a rigor
no se guia, mas guiado por uma realidade coletiva que transcende volies e
paixes individuais.
Contra o imperialismo do economicismo, ou mesmo do psicologismo, essa
orientao terica afirma o primado da explicao social. assim que a prpria
constituio dessa abstrao que o homem econmico e sua penetrao no
imaginrio coletivo moderno passam a ser explicados como um produto social.
Tal orientao terica encontra tambm terreno bastante fecundo na antropologia
contmpornea, o que, afinal, parece bastante natural: trata-se de ver o homem/a
mulher de cada uma das disciplinas sociais como um produto de transformaes
scio-culturais. Relativizar a palavra de ordem aqui: todos os homines das
diversas cincias sociais so produzidos socialmente.
Como mencionado anteriormente, o primado lgico o do todo social orgnico que
evolutivamente "gera" especializaes de tarefas, de conhecimentos, de modelos
humanos disciplinares, como se fosse possvel abstrair o sujeito, que sempre um
compsito, ou melhor, um ser indivisvel entre o que econmico, social, poltico ou
psicolgico. A rigor, a "sociabilidade" que daria unidade e coerncia a esse todo,
tipificao do indivduo racional etc. O que o singulariza o fato de que suas aes
e decises se pautam pelo sentido que ele atribui a elas e tambm s aes dos
outros, por sua capacidade mesma de empatia e atribuio de sentido. O homem
social dotado de comportamento significativo. Como define Weber (1978, p. 4):
"A Sociologia (no sentido em que essa palavra altamente ambgua usada aqui)
uma cincia que busca a compreenso interpretativa da ao social e, dessa forma,
a explicao de seu curso e conseqncias. Falaremos de 'ao' na medida em que
o indivduo atuante atribui um sentido subjetivo a seu comportamento - seja esse
explcito ou oculto, omisso ou aquiescncia. A ao social na medida em que seu
sentido subjetivo leva em conta o comportamento dos outros e se orienta nesse
sentido."
Nesse sentido a sociologia visa explicaes causais, visa o estabelecimento de
relaes entre conceitos e a formulao de generalizaes. Mas a noo de
causalidade nas cincias histrico-culturais sempre parcial e probabilstica. As
explicaes logradas so sempre relativas a uma simplificao particular tal como
informada por dada tica disciplinar e pelos supostos de anlise adotados pelo
investigador. Mais ainda, a explicao sociolgica funda-se na possibilidade de
identificar probabilidades de aes individuais com base na interpretao
compreensiva.
O universo do "homem sociolgico" dividido em fatias analticas: motivaes
econmicas, polticas, religiosas ou ideais em geral so igualmente detectveis no
comportamento dos indivduos, enquanto a questo disciplinar apenas um recurso
estratgico da atividade cientfica, sem qualquer, foro de precedncia lgica ou
ontolgica.
"Os campos de trabalho das cincias no esto baseados nas relaes 'materiais'
dos 'objetos', mas sim nas relaes conceituais dos problemas. Ali onde se estuda
um problema novo com ajuda de um mtodo novo, com o fim de descobrir
verdades que nos abram horizontes novos e importantes, ali nasce uma nova
cincia" ( W eber, 1971, p. 30).
Nesse sentido, o modelo weberiano , tambm, em alguma medida, como o
homem sociolgico de Durkheim, uma viso crtica do homo economicus. Mas,
enquanto para Durkheim o indivduo uma criao da sociedade, essa entidade
que conforma as conscincias individuais, para Weber o prprio indivduo que
responsabilizado perante a histria por seus atos. Os indivduos dotados de
conscincia respondem pelas conseqncias de suas paixes, escolhas e aes
(14).
A coletividade, para ele, no uma realidade em si. As estruturas e instituies so
realidades produzidas pelos homens, que lhes conferem sentido, significao. Os
conceitos coletivos s se tornam inteligveis a partir das relaes significativas entre
comportamentos individuais (Weber; 1978, p. 13; Aron, 1967, pp. 500 11). Em
uma forma contundente que faz lembrar o tom de Durkheim, Weber escreveria:
"(...) se eu me tornei um socilogo (...) foi principalmente para exorcizar o espectro
de concepes coletivistas que ainda vingam entre ns. Em outras palavras, a
sociologia s pode se basear nas aes de um ou mais indivduos separadamente e
deve dessa forma adotar mtodos estritamente individualistas" (15).
Mas, o autor deixa claro que a adoo de uma perspectiva metodolgica centrada
no indivduo no envolve qualquer compromisso com um sistema individualista de
valores. Conforme esclarece,
Fonte
em:
10