Dicotomia Entre Espiritualidade e Prática Cristã
Dicotomia Entre Espiritualidade e Prática Cristã
Dicotomia Entre Espiritualidade e Prática Cristã
12
GALILEA, Espiritualidade da libertao. Trans. PINHEIRO, E., Petrpolis: Vozes, 1975, p.714.
13
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. Petrpolis:
Vozes, p. 97.
18
1.1
A penetrao do dualismo no cristianismo
19
14
LIBANIO, J.B. e MURAD, A. Introduo Teologia - Perfil, enfoques, tarefas, 5a. ed. (So
Paulo: Edies Loyola, 2005). p. 113.
15
Data mais provvel e aceita por muitos eruditos como Harnack: cf. CHAMPLIN, R.N. O Novo
Testamento Interpretado versculo por versculo, 1a. ed., vol. III (So Paulo: Milenium, 1986).
p.5. e DAVIS, J.D. Dicionrio da Bblia, trans. BRAGA, J.R.C. Nona Edio ed. (Rio de Janeiro:
Junta de Educao Religiosa e Publicaes, 1983). p. 62.
16
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. p.329.
20
17
21
23
MURAD, A. e LIBNIO, J.B. Introduo Teologia. Perfil, enfoques, tarefas (So Paulo:
Edies Loyola, 2005). p.116-117.
24
aquele que apresenta o corpo em particular e a matria em geral como intrinsecamente maus,
bem como a alma e a dimenso espiritual como intrinsecamente bons. Para maiores
esclarecimentos, ver: RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo
crists. RUBIO, Unidade na Pluralidade, op. cit., p. 268-272.
25
Ibid. p. 356. Murad.
22
28
26
23
Ibid. p. 339-340.
Para um estudo detalhado desta posio teolgica, ver Ibid. p. 318-359.
31
STEENBERGHEN, F.V. Histria da Filosofia - Perodo Cristo, trans. PONTES, J.M.D.C.
(Lisboa: Gradiva, 1984). p. 42-52.
32
DUSSEL, El Dualismo en la Antropologa de la Cristandad. p. 179-184.
30
24
33
25
BASTOS, Panorama das idias Estticas no Ocidente (De Plato a Kant). p. 51.
STEENBERGHEN, Histria da Filosofia - Perodo Cristo. p. 118.
38
Cf. S. Th, I., q. 76, a.1 e 3, citado por Ibid. p. 335.
39
Ver verbete Aquinas, Saint Thomas (doctrine being and analogy) In PERANI, A ao da Igreja
nas bases: da Integrao Libertao. p. 31-32.
37
26
continuaram a influenciar o pensamento e a prtica cristos.42 Descartes (15961650) terminou por enclausurar o esprito humano nos limites do mundo natural,
porque s a a matemtica acha a sua legtima aplicao.
As conseqncias desta antropologia so bem conhecidas: o sujeito (a conscincia
humana) est cortado da prpria corporeidade e vice-versa. Ora, se o sujeito entra
em contato com os outros sujeitos mediante o corpo, uma vez separado deste (do
corpo), fica igualmente isolado dos outros sujeitos. Est, assim, aberta a porta
para o individualismo moderno com suas seqelas de dominao e opresso dos
outros (pessoa concreta, classe, raa, sexo, povos...). O sujeito tambm se
encontra separado radicalmente do mundo, da natureza e vice-versa. A realidade
ficar, assim, perigosamente cindida em pura subjetividade e pura objetividade.
Esta separao prejudicial e ainda hoje perturba seriamente o dilogo entre
cincias da natureza e cincias do esprito; entre razo e f, e assim por diante.
Divrcio funesto, que conduzir instrumentalizao e manipulao destruidora
do mundo da natureza (crise ecolgica). Diviso dicotmica da realidade mais
radical que o dualismo platnico e neoplatnico, e que reforar a penetrao
deste na vida e na reflexo teolgica e eclesiais. 43
40
27
1.2
A Formao do Pensamento e da Doutrina no Protestantismo Batista
Brasileiro
44
Ibid. p. 112.
Para um estudo mais aprofundado ver DUSSEL, El Dualismo en la Antropologa de la
Cristandad. e RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. J
citados.
45
28
46
29
a alma quanto o corpo, tanto o divino quanto o humano em Jesus Cristo, tanto a
orao quanto a ao, tanto o pessoal quanto o social, no conseguem superar uma
estrutura mental subjacente marcada pelo dualismo excludente. Nas palavras de
Garcia Rubio:
50
51
Ibid. p. 96.
Para uma exposio mais completa sobre o assunto, cf. A.G. Rubio, op. cit., p. 318-359.
30
52
31
Reformada.
No ano de 1608 um grupo de ingleses discordantes da poltica e doutrina
da Igreja Anglicana e em busca de liberdade religiosa refugiou-se na Holanda. No
ano seguinte, em Amsterd, o pregador John Smith aps exame da Bblia, afirmou
a necessidade de batizar-se por imerso. Juntamente com Thomas Helwys, um
advogado, batizou-se a si mesmo e aos membros de sua congregao, que
constituiu, assim, a primeira Igreja de doutrina batista. Nesse perodo de formao
das primeiras congregaes batistas o calvinismo estava em crise.
58
DOWLEY, T. ed., The history of Christianity (Oxford Lion Publishing, 1990). p. 401-405. Ala
radical da Reforma Protestante que no consistiam de um nico grupo organizado ou
denominao. Rejeitavam o batismo infantil antes do uso da razo, praticando apenas o batismo de
adultos sob profisso de f e preconizava a reiterao do batismo na idade adulta, no caso dos que
se houvessem batizado. Anabatista significa rebatizadores, termo pejorativo que lhes foi atribudo
pelos adversrios. Para eles, alm das experincias individuais interiores da f na vida do cristo e
da aceitao objetiva dos artigos de f, era preciso um envolvimento dirio com Deus atravs do
discipulado. Rejeitavam o juramento, eram pacifistas, no participando de guerras e no se
defendiam de ataques. Viviam em comunidades com diviso de bens.
59
Anabatistas/separatistas - Ala que no aceitou a Igreja da Inglaterra como Igreja oficial e em
1581 criou a sua prpria Igreja como sendo independente, com sede em Norwick. Para fugir da
perseguio da igreja oficial se refugiaram na Holanda e posteriormente um outro grupo vai para
Mayflower na Nova Inglaterra. Ibid. p. 389.
60
O conjunto das idias e doutrinas de Joo Calvino (1509-1564), telogo e reformador cristo, um
dos grandes nomes da Reforma protestante. Ibid. p. 367- 540.
61
Teoria liberal do telogo holands Jacobus Arminius que viveu entre 1560 e 1609 negava a
doutrina calvinista da predestinao absoluta, afirmando serem compatveis a soberania de Deus e
o livre arbtrio humano. Ibid. p. 375-456.
32
62
63
33
grupos
fundamentalistas,
autodenominados
Igrejas
batistas
64
34
70
35
74
36
apelo que resultou na adoo da Igreja pela conveno, sem que isso representasse
uma obrigao financeira.80
Diferentemente das primeiras Igrejas batistas que eram tpicas de
protestantismo de migrao, os missionrios que vieram da Junta de Misses
Estrangeiras da Conveno Batista do Sul dos Estados Unidos mudaram o futuro
dos batistas no Brasil. Aos poucos criaram uma Igreja nacional, porm com forte
influncia norte-americana. Sua misso era salvar o continente brasileiro, que,
segundo eles, era catolicizado, mas no cristianizado.81
Marli G. Teixeira historia o relacionamento entre o liberalismo do sculo
XIX e o ingresso e estabelecimento da Igreja Batista no Brasil. Em artigo
publicado em 1987, a autora identifica quatro elementos que causaram um choque
cultural nos primeiros missionrios americanos: o etnocentrismo dos colonos e
missionrios; a ilegitimidade familiar brasileira; os hbitos alimentares e
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83
80
The Baptist Witness: A Concise Baptist History, ed. HISTORY, F.C.C. (Carib Baptist
Publications). p. 194.
81
Ibid. p. 13.
82
TEIXEIRA, M.G. Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo Batista da Bahia no Sculo
XIX, Estudos Teolgicos 27(3) (1987). Citado por HEWITT, Razes da Tradio Batista. p. 9.
83
HEWITT, Razes da Tradio Batista. p. 9.
37
86
medida que as
84
Declarao
Doutrinria
da
Conveno
Batista
Brasileira.
Disponvel
em:
http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=628&c=&d=1. Acesso em 21 jun. 2007.
85
AZEVEDO, A Celebrao do Indivduo: A formao do pensamento batista brasileiro. p. 114.
86
Ibid. p. 195.
87
Ibid. p. 195.
88
TEIXEIRA, Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo Batista da Bahia no Sculo XIX. p.
273.
89
Os batistas consideravam a Bblia como a Palavra de Deus e no como contendo a Palavra de
Deus, dessa forma simplista usavam-na como soluo possvel para todos os problemas sociais,
polticos e econmicos.
90
Azevedo citando E.Y. Mullins o princpio da competncia presume que o homem feito
imagem de Deus, e que Deus uma pessoa apta para se revelar a si mesmo ao homem, o que
constitui o tesmo cristo. O homem tem capacidade para Deus, e Deus pode comunicar-se com o
homem. [...] A encarnao de Deus em Cristo a grande prova histrica que temos disso.
AZEVEDO, A Celebrao do Indivduo: A formao do pensamento batista brasileiro. p. 14.
91
TEIXEIRA, Valores Morais e Liberalismo no Protestantismo Batista da Bahia no Sculo XIX. p.
275-276.
38
94
A filosofia
utilizada no mximo para explicar essas mesmas doutrinas, nunca para questionlas. No se pode esquecer que a teologia batista brasileira cpia da teologia
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92
39
1.2.1
O Fundamentalismo protestante e Batista
bblica96 que caracterizou o final do sculo XIX no sul dos Estados Unidos. 97
De um modo geral, os protagonistas deste fundamentalismo protestante
eram provenientes da zona rural. Ao se transferir para a cidade viveram o choque
da modernidade urbana. Desejosos de preservar seus valores e crenas procuraram
formular doutrinas cientficas e seguras que tornassem o mundo compreensvel,
sem a sofisticada mediao filosfica e teolgica europia. Para isso, buscaram
nos ensinos do cristianismo e nos relatos bblicos doutrinas que pudessem ser
facilmente apreendidas dos textos sagrados pelo leigo e confirmadas pelo senso
comum.
Em oposio aos telogos liberais, esses fundamentalistas interpretaram
literalmente as Escrituras, em especial as profecias e o Apocalipse. No livro do
Apocalipse encontram-se duas tradies interpretativas: uma da construo do
Novo Reino, de paz, justia e eqidade, e a outra, das batalhas bblicas
apocalpticas, que esto porta e precisam ser enfrentadas. Os fundamentalistas,
ou seja, aqueles que adotavam uma leitura literal da Bblia, no davam nfase
tradio da construo do Reino, pois criam que Cristo arrebataria os justos (I
Tessalonicenses 4,17) antes do perodo de mil anos mencionados no livro.
96
BAKER, R. Los bautistas en la historia, trans. MOORE, C. (El Paso: Casa Bautista de
Publicaciones, 1965). p. 18.
97
Formalizado, posteriormente, numa pequena coleo de livros sob o ttulo Fundamentals: a
testimony of the Truth (1909-1915). Pode ser consultado no site The Fundamentals: A Testimony
to the Truth.
40
confronto. Livros tais como Este Mundo Tenebroso98 e Deixados para Trs,
99
este ltimo transformado numa srie de filmes com o mesmo ttulo, tambm
98
PERETTI, F.E. Este Mundo Tenebroso - Parte 2, trans. ASSUMPO, W. (Deerfield: Editora
Vida, 1992).
99
JENKINS, T.L.J.B. Deixados Para Trs: Uma fico dos ltimos dias, trans. CASTILHO, R.
(Campinas: Editora United Press, 1997).
100
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists, p. 80-82.
101
Conf. Hinos CC 321, 475, 481, 482, 485, 486, 487, 491 e passim.
41
1.2.2
A pedagogia dualista
102
42
1.2.2.1
Os dois caminhos
104
43
Figura 1
http://www.aldeiraguiar.com.br/admin/full_image.php?image=47c598fcf0f91.jpg&coment=
44
45
Figura 2
http://www.aldeiraguiar.com.br/admin/full_image.php?image=47c598fcf0f91.jpg&coment=
46
107
Lembro-me perfeitamente quando, numa assemblia polmica em minha igreja, meu irmo e
mais trs amigos dele, todos na faixa etria de 16 e 17 anos, foram excludos do rol de membros da
igreja por jogarem futebol aos sbados e domingos tarde no campinho do time oficial do bairro.
O domingo era um dia que se esperava que os crentes no trabalhassem, nem se divertissem. Eles
s deveriam fazer coisas como: ir Igreja, cultos ao ar livre, visita a doentes ou enlutados, ou
familiares, e conversar coisas que edificassem.
108
ALVES, Religio e Represso. p. 160.
109
Numa outra verso, depois de certo tempo nessa caminhada, num canto direita tem um
ambiente buclico e uma pequena passagem. L se encontra um pregador de p e com uma Bblia
na mo, e os que o ouvem e aceitam a mensagem tem acesso ao outro lado por um porto apertado
e continuam a caminhada pelo caminho precrio.
47
Pode-se inferir que o tipo de mentalidade que esse quadro autoriza pensa
as pessoas como indivduos, isolados, cuja parte mais importante a alma. Por
isso o que interessa, acima de qualquer coisa, salvar almas, ou seja, contribuir
para que o fim de alguns seja no cu.110 Essa perspectiva encontra dificuldades
diante de uma cuidadosa exegese bblica: Jesus Cristo anunciou o Evangelho das
boas novas de um Reino que pelo poder do Esprito Santo abriu-se para a vivncia
de uma nova ordem social. Pelas palavras e ao de Jesus e mediante o poder do
Esprito Santo este Reino se tornara visvel aos seus discpulos. Os que os
cercavam podiam perceb-lo como sinal da presena divina no mundo. Essa
interao entre duas dimenses destacada pelos autores bblicos, para os quais as
pessoas so muito mais que almas individuais. J no prprio livro de Gnesis os
seres humanos so apresentados como constitudos de corpo e alma. Alm do que,
Deus, ao criar o homem e a mulher, numa unidade corpo-esprito,111 viu que o que
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tinha feito era muito bom (cf. Gn 1,31; 2,7). Como escreveu Sider citando John
Stott, cada pessoa um corpo-alma-em-comunidade.112
Para situar o quadro e clarificar seu significado convm lembrar que a
moralidade protestante, e a batista em particular, bastante dualista. Trata-se de
assunto privado entre o crente e Deus. No Brasil ela vivida no paradigma
contracultural113 e se alimenta do individualismo, da interpretao da Bblia e
desejo de ser diferente dos homens em geral e dos catlicos em particular.114 O
espao da moral o corpo, propriedade de Deus, templo do Esprito Santo (I Cor
6:19). O crente no deve desonr-lo, precisa abster-se de prticas ilcitas e
incorretas e se portar de modo santo e agradvel a Deus. Dentro dessa
moralidade tomada como critrio valorativo da f e redutor do social ao
110
SIDER, R.J. O escndalo do comportamento evanglico: por que os cristos esto vivendo
exatamente como o resto do mundo?, trans. CAMARGO, J. (Viosa - MG: Ultimato, 2006). p. 70.
111
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. p. 342-359.
112
SIDER, O escndalo do comportamento evanglico: por que os cristos esto vivendo
exatamente como o resto do mundo?, p. 71.
113
Em relao a moral e a tica, o telogo H. Richard Niebuhr utiliza o modelo interpretativo dos
dois paradigmas: o contracultural e o conversionista. No paradigma contracultural, bastante
dualista, a lealdade a Cristo implica em rejeio sociedade cultural dominada pelo pecado, o que
inclui cinema, teatro, vesturio e tudo que coloca a f do crente prova. No paradigma
conversionista, assim como Cristo penetrou na cultura e a ordenou, assim tambm, o indivduo
transformado deve agir, substituindo essa cultura mundana numa vivel que ser possvel com a
atuao de Deus e do homem. Niebuhr, Cristo e cultura cfe. AZEVEDO, A Celebrao do
Indivduo: A formao do pensamento batista brasileiro. p. 292-295.
114
Ibid. p. 294.
48
povo.
1.2.2.2
O peregrino115
115
BUNYAN, J. O Peregrino - ilustrado, trans. SILVA, H.G. 5a. ed. (So Paulo: Mundo Cristo,
1981).
116
H uma segunda parte de O Peregrino chamada A Peregrina, publicado seis anos aps o
primeiro volume e uma continuao. Nele, a histria tambm se inicia na Cidade da Destruio,
de onde Cristo partiu em direo Cidade Celestial, deixando para trs sua esposa Cristiana e
seus quatro filhos. Ela agora, arrependida, resolve juntamente com os filhos seguir os passos do
marido. Parte em uma longa caminhada para encontr-lo. Defrontam-se com as dificuldades do
Pntano do Desnimo, enfrentam os perigos do Solo Enfeitiado, a fria de gigantes e a atmosfera
aterradora do Vale da Sombra da Morte. Assim como encontram tambm amor e proteo nos
servos do Senhor da terra. O livro uma brilhante alegoria do destino final da alma daqueles que
se convertem ao cristianismo.
Bunyan nesses dois livros apresenta o supremo modelo de perseverana em meio a dificuldades.
BUNYAN, J. A Peregrina: viagem da Christ Cidade Celestial, trans. SILVA, A. H. D. (So
Paulo: Imprensa Methodista).
117
LATOURETTE, K.S. Historia del Cristianismo, vol. Tomo 2. (E.U.A.: Casa Bautista de
Publicaciones 1977). p. 182.
49
118
peregrina prpria da existncia humana. O estar a caminho significa recusarse a aceitar o presente e seu espao como destinos. As chegadas deste mundo
so paradas temporrias, os osis do caminho no passam de tentaes onde os
dolos so construdos. Portanto, h que se precaver. Ser peregrino estar num
processo de sada do provisrio rumo ao definitivo, uma caminhada quase
sempre solitria na qual a Bblia a bssola ou o mapa que indica a direo certa.
Esta significa que o mundo no um fim, mas um meio para se alcanar o fim
desejado. O caminho se faz caminhando e a jornada termina com a morte.
Rubem Alves aponta aqui outra dualidade que se torna dualismo entre os
protestantes: provisrio e definitivo, tempo e eternidade, vida terrena e vida
eterna.119 Na perspectiva humana, o peregrino tem duas opes: o caminho
estreito ou o largo. No cabe a ele optar por ser ou no peregrino, isso parte de
sua natureza. Como forasteiro, deve viver sem apegos e desejos s coisas
materiais e guiar-se no presente em funo da expectativa quanto ao futuro. Sua
ptria definitiva a celeste, que deve representar como bom embaixador at a
morte destruio do engano, do falso, inaugurao do real para o crente ,
118
119
50
120
Ibid. p. 166-168.
A composio intitulada Mensagem Real, n. 207 do hinrio batista Cantor Cristo
exemplifica o modo de pensar dualista:
Sou forasteiro aqui, em terra estranha estou;
Do reino l do cu embaixador eu sou.
Meu Rei e Salvador vos manda em seu amor
As boas-novas de perdo.
121
51
122
52
Considerao da teologia como algo acabado, apenas para ser recebido [...] e
no como algo a ser elaborado a partir de e com o povo de Deus que forma a
sua igreja no mundo.
presena de uma revelao geral por parte de Deus ao homem. Negar essa
124
DUSILEK, D. Osis no deserto, Misso: revista evanglica de cultura 1985. Citado por
AZEVEDO, A Celebrao do Indivduo: A formao do pensamento batista brasileiro. p. 287288.
125
AZEVEDO, A Celebrao do Indivduo: A formao do pensamento batista brasileiro. p. 289290.
126
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. p. 76 e nota
129.
127
Ibid. p. 76.
128
Ibid. p. 76.
53
1.2.3
Uma reao visando integrao: o Evangelho Social e a Misso
Integral
As
pregaes
de
Rauschenbusch
influenciaram a
criao
de
129
Ibid. p. 71-91.
SIDER, O escndalo do comportamento evanglico: por que os cristos esto vivendo
exatamente como o resto do mundo? p. 64-65.
130
54
131
CAVALCANTI, R. Cristianismo e Poltica; Teoria Bblica e Prtica Histrica, 1 ed. (ViosaMG: Editora Ultimato, 2002). p. 155-157.
55
apstolos era necessria para instruir os novos convertidos f crist, porm para
os primeiros cristos no havia conflitos entre as preocupaes espirituais e a vida
cotidiana. Nos seus cultos era comum fazerem coletas para os pobres. Essa atitude
prosseguiu ao longo do avano histrico do cristianismo. No perodo da Reforma,
quando os reformadores questionaram o mrito da beneficncia medieval,
manteve-se a antiga nfase na caridade crist.
No sculo XX que o envolvimento social da Igreja se transformou em
causa de agudas controvrsias e rompeu o consenso que havia imperado por longo
tempo. No campo da teologia protestante batista, a discrdia pode ser constatada
atravs da diviso entre os liberais ou modernistas e os conservadores
fundamentalistas. No campo da tica social o conflito se deu entre os defensores
do evangelho pensado socialmente e os que o concebiam individualmente.132 Nos
Estados Unidos o Evangelho Social foi o principal movimento pela justia social
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132
Ibid. p. 155.
56
Ibid. p. 156.
SHELDON, C.M. Em Seus Passos Que Faria Jesus?, 2a. ed. (Campinas - SP: United Press,
1998).
135
CAVALCANTI, Cristianismo e Poltica; Teoria Bblica e Prtica Histrica. p. 156.
136
Ibid. p. 157.
134
57
137
58
dos Batistas no Brasil, de Jos dos Reis Pereira (publicado pela Junta de
Educao Religiosa e Publicaes).138
138
139
59
140
COMBLIN, J. Quais os desafios dos temas teolgicos atuais? (So Paulo: Paulus, 2005). p. 71.
60
inteno,
participantes
do
Congresso
Internacional
de
141
Tanto a deciso racionalmente livre quanto a resposta prtica devem ser vividas dentro do
corao da histria, sem fugas ou dualismos. RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz
da f e da reflexo crists. p. 492-532.
61
Embora esse esforo mundial conjunto de viver uma misso integral, tanto
no cristianismo em geral, como na Igreja Batista brasileira, em particular, houve
movimentos que acentuaram unilateralmente e, portanto, de modo excludente, as
dimenses espiritual ou social da f crist. Eles so indcios de que a Igreja Batista
no chegou a uma real integrao entre as duas dimenses inseparveis da prtica
e teologia crists: mstica e militncia. Percebe-se por esses movimentos que a
viso dualista do ser humano, considerada em sua trplice modalidade conforme
a anlise de Garca Rubio tem estado presente na Igreja Batista no Brasil.
Enquanto perdurar o dualismo como pano de fundo da vida e da misso da
Igreja, haver sempre desvalorizao de algum aspecto importante da experincia
crist e o favorecimento de reducionismos historicamente antigos: ora se despreza
o corpo a ao, o compromisso, a prtica, entre outros (a primeira modalidade),
ora se desvaloriza o espiritual a orao, a alma, entre outros (a segunda
modalidade). Ainda que se chegue a uma articulao superficial destes elementos
(justaposio estril), a barreira do reducionismo dualista no ser vencida. O
caminho da integrao requer como alicerce a viso unitria do ser humano.
142
62
1.3
Concluso
63
percebe na leitura de I Jo 3:18, que diz: Meus filhinhos, o nosso amor no deve
ser somente de palavras e de conversa. Deve ser um amor verdadeiro, que se
mostra por meio de aes143 no tomam forma em atitudes prticas (diaconia),
nem contribuem para mudanas estruturais que tornem visveis o amor e a
justia.144
Em terceiro lugar, considerou-se o surgimento do Evangelho Social,
reao ao dualismo reducionista. O movimento, preocupado com a assistncia, o
servio e ao social, estava inclinado para a integrao com a dimenso
transcendental. Como empresas dessa espcie demandam muito esforo e
envolvimento
com
complexas
questes
sociais,
polticas,
econmicas,
educacionais, de sade, entre outras, para as quais havia pouco preparo, sem
perceber muitos caram na armadilha da reverso dialtica, conforme
classificao de Garca Rubio.145 Tratou-se, ainda, do Evangelho da Misso
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Integral, que surgiu posteriormente como proposta para os que buscam viver com
mais autenticidade e de modo mais amadurecido tanto individual como em
coletivamente. Contudo, as propostas do Evangelho da Misso Integral ainda no
foram assimiladas por muitos crentes batistas.
Como o dualismo ainda permanece subjacente em comunidades crists
batistas, tem sido difcil assumir uma efetiva integrao entre espiritualidade e
prtica crist, entre mstica e militncia que provoque a transformao da
realidade e que leve em conta o ser humano em todas as suas dimenses. Como
forma de contribuir para questo das relaes entre mstica e militncia, no
prximo captulo sero considerados o pensamento e a vida do telogo alemo
Dietrich Bonhoeffer, um cristo cuja experincia pode ajudar a superar a
dicotomia na prtica atual da Igreja Batista no Brasil.
143
Bblia Nova Traduo na Linguagem de Hoje que citaremos a partir daqui apenas com NTLH.
GRELLERT, M. Os compromissos da misso: a caminhada da igreja no contexto brasileiro
(Rio de Janeiro: JUERP/VISO MUNDIAL, 1987). p. 68.
145
RUBIO, Unidade na pluralidade: o ser humano luz da f e da reflexo crists. p. 82-83.
144