Torre Ira
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O presente relatrio de estgio o resultado de toda a investigao efetuada, nos dois anos
letivos do curso de Mestrado em Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
sobre o tema Pesca Tradicional na Laguna de Aveiro: Cais, Embarcaes e Artes, sob a
orientao da Professora Doutora Teresa Soeiro.
A escolha do tema deveu-se a quatro fatores de entre os quais podemos destacar a minha
naturalidade (ilhavense); o interesse pelo perodo cronolgico em causa, a poca Contempornea,
e o facto da laguna, os pescadores, a pesca e as vrias tipologias de embarcaes lagunares sempre
me terem fascinado desde muito jovem. Porm, o maior incentivo que tive para optar por esta
temtica foi a circunstncia de no existir nenhum trabalho de investigao que aborde todos os
tpicos que propus incorporar neste relatrio de estgio e, em contraste, o facto de existirem
muitas pessoas que se interessam por este patrimnio partilhado por oito concelhos.
No segundo ano de mestrado, efetuei um estgio curricular de 500 horas, que se distribuiu
entre 1 de novembro e 30 de abril, no CIEMar/Museu Martimo de lhavo (daqui em diante
designado como MMI). Durante esse estgio, aproveitei para aprofundar a investigao que j
havia feito antes, tendo realizado um levantamento documental, bibliogrfico e de imagem sobre a
temtica abordada, contando para isso com o acesso mais facilitado biblioteca do Museu, com
obras de grande importncia para o presente trabalho, nomeadamente as do seu Fundo Local e as
do Fundo Especial Octvio Lixa Filgueiras. Este possui cerca de seis mil ttulos bibliogrficos,
incluindo as obras e artigos do prprio autor, a maior parte deles sobre as origens das embarcaes
tradicionais portuguesas. Conta ainda com centenas de manuscritos e dezenas de planos e
fotografias de embarcaes tradicionais.
Ainda dentro da instituio onde fui acolhido, para alm de ter participado em algumas
atividades, tais como na mudana de instalaes da biblioteca e arquivo, do edifcio do MMI para
o do CIEMar, tratei, tal como previsto no plano de trabalhos, de efetuar o registo dos moldes
necessrios para a construo de embarcaes tradicionais existentes nas colees do MMI.
Queria aproveitar para deixar uma palavra de agradecimento ao MMI, por me ter aceitado
como estagirio e por me ter fornecido as condies de trabalho necessrias para a realizao do
projeto de estgio, inclusive, pelo fcil acesso a alguma informao das reservas e dos fundos
especiais. Finalmente, deixar um agradecimento especial ao Dr. lvaro Garrido, meu
coorientador, que mostrou sempre grande recetividade e interesse no meu relatrio de estgio e
aos funcionrios e investigadores do CIEMar, que deram o seu apoio neste estgio.
Durante o estgio, e uma vez que esse no foi todo efetuado dentro das instalaes do
CIEMar e do MMI devido necessidade de percorrer o terreno, fiz vrias prospees por toda a
orla da laguna em busca de embarcaes tradicionais, cais e oficinas/estaleiros, de modo a
1
O terceiro captulo destina-se aos cais tradicionais. Nele fazemos uma pequena introduo
de como era a rede fluvial da laguna nos anos 30 e 40, na poca uma importante via de
comunicao que ligava todas as povoaes deste espao, sendo para alm disso a base do
comrcio e da economia de toda a regio. Percebe-se assim a importncia que teriam os cais de
outrora. Propusemo-nos realizar o levantamento dos cais sinalizados em quatro obras de pocas
diferentes (1936, 1945, 2000 e 2002) e efetuar a georreferenciao dos existentes hoje, realidade
que comparamos com as anteriores e mesmo com os mencionados com duas obras que se podem
considerar atuais.
No quarto captulo abordamos as embarcaes tradicionais, desde as teorias sobre as suas
origens evoluo das tipologias, cotejando autores de pocas diferentes no que diz respeito
descrio dos barcos e de todas as bateiras que se tem conhecimento haver sido empregues na
laguna. Nestas descries referimos as funes atribudas embarcao ao longo do tempo, as
suas principais caractersticas, de onde e como ter surgido. Fizemos ainda uma tabela para cada
tipo de embarcao com as medidas atribudas por vrios autores ao longo do tempo, de modo a
termos uma baliza entre as suas dimenses mnimas e mximas e assim conseguirmos perceber
como evoluram. Dedicamos ainda um subcaptulo construo destas embarcaes.
O quinto captulo tem como ttulo os recursos pisccolas e artes de pesca e est dividido
em quatro subcaptulos. O primeiro indica a fauna, nomeadamente as espcies pisccolas que
existiram desde o final do sculo XIX at atualidade e como se deu a evoluo neste espao
temporal em relao ao nmero de espcies. No segundo subcaptulo, pretendemos fazer uma
pequena introduo sobre a pesca tradicional da laguna e de como essa evoluiu dentro do perodo
cronolgico que pretendemos abordar. No terceiro, tomamos como referncia a classificao
nacional das artes de pesca, fazendo uma breve descrio de cada grupo e indicamos as que
existem ou existiram na laguna. Remetemos para os anexos um inventrio de todas as artes de
pesca que foram empregues nesse espao, sendo que, em cada descrio explicado de que tipo
se trata, como funcionava e que dimenso tinha. Foram tambm feitas tabelas com os dados de
vrios autores, de forma a balizar as dimenses de cada uma e saber como evoluiu, tal como foi
feito para as embarcaes. Discutimos ainda as concluses a que chegmos aps termos
terminado o inventrio que acabmos de falar. O ltimo subcaptulo deste tema, designado como
as artes de pesca nos rios do noroeste de Portugal e do Mondego e suas semelhanas com a
pesca na laguna no final do sculo XIX pretende encontrar paralelos entre as artes de pesca e da
forma como a atividade piscatria se exercia na laguna, no Mondego e nos principais rios do
noroeste do pas.
Por fim, o captulo seis dedicado aos pescadores nas suas vivncias quotidianas.
Abordamos tambm as formas de organizao social e econmica e a sua distribuio e evoluo
em nmero, relao pescadores/embarcaes de pesca, desde o sculo XIX at atualidade.
Completam o presente trabalho dezassete anexos, que correspondem aos captulos ou
subcaptulos. Atribumos-lhes letras, de modo que as referncias que iro surgir ao longo do
trabalho apresentam uma letra, seguida de um nmero, correspondendo a letra ao anexo e o
nmero respetiva numerao da imagem, fotografia, tabela, etc., dentro desse anexo Ex.: (B7).
Dito isto, esperamos com este trabalho de investigao que se segue alerte a conscincia
da populao em geral, mas sobretudo dos povos lagunares e em especial, dos pescadores e
mestres construtores, para este vasto patrimnio material e imaterial, que os prprios, muitas
vezes, no sabem valorizar.
Deste modo, ao longo do trabalho irei utilizar o termo correto (laguna) para designar a
formao vulgarmente conhecida como Ria de Aveiro.
1.3 Formao da laguna de Aveiro
Convm antes de mais referir que a forma como se deu a evoluo da linha da costa,
sobretudo antes do sculo XVI, ainda muito desconhecida. Tal aplica-se especialmente regio
onde se insere a laguna, por ter sido desde sempre uma zona costeira muito instvel, no s devido
a processos no antrpicos como a ao sedimentar como mas tambm antrpicos como a
abertura de barras artificias (Bastos/Dias 2002:113 e Martins 2012:56).
A laguna nem sempre foi como atualmente, tendo tido configuraes diferentes ao
longo do tempo (A3). Segundo Luiz Lucci no local onde hoje est a ria de Aveiro, desenhava-se
outrora uma reentrncia da costa (Lucci 1918:48), e Amorim Giro disse que o rio Vouga
desaguava muito mais para o interior (onde atualmente se situam as pateiras de Fermentelos,
Frossos e Taboeira) e a costa formaria uma reentrncia mais ou menos recortada, em frente da
qual os ventos e as correntes marinhas vindas do Norte mais tarde acumularam um cordo
litoral rectilneo que foi evoluindo at ao presente. (Giro 1922:54).
Os principais fatores que levaram alterao da linha da costa portuguesa, na atual regio
de Aveiro, ao longo dos ltimos milhares de anos foram, segundo Orlando de Oliveira (1988:1719), os movimentos crostais, as transgresses e regresses, os perodos glaciares e interglaciares, a
ao do mar e as aes dos rios Douro e Vouga.
Os primeiros trs tm efeitos muito lentos (milhares de anos) e implicam sobretudo
movimentos (ascendestes e descendentes) das massas continentais, descida ou subida do nvel
mdio da gua do mar e consequente avano ou recuo da linha da costa, entre outros, de modo
que a ao do mar e dos rios Douro e Vouga foram os principais agentes da formao lagunar nos
ltimos 3000 anos (Oliveira 1988:17-18). Sabemos que aproximadamente h 10000 anos, depois
da ltima fase glaciar, o nvel mdio da gua do mar situava-se 60 m abaixo da cota atual, tendo
chegado a esta s h cerca de 3000 anos (Dias et al. 1997:55).
Depois desta pequena introduo aos grandes fatores que levaram ao surgimento da
laguna, vamos debruar-nos sobre a sua evoluo do sculo X ao XIX, perodo em que os fatores
que mais contriburam para a formao atual foram as j mencionadas aes do mar e as aes
sedimentares dos rios Douro e Vouga (Oliveira 1988:18-29).
1.4 O espao lagunar do sculo X ao XIX
De acordo com alguns documentos histricos, como o caso do testamento da condessa
Mumadona, datado de 26 de janeiro de 959, onde se referem terras e salinas em Alquerubim
(Madahil 1959:7-11), povoao hoje a muitos quilmetros da costa, h cerca de mil anos o rio
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Vouga ainda desaguava numa ampla baa e terras como Aveiro e Ovar comunicavam diretamente
com o mar (Giro 1922:58). No sculo X existia apenas "uma restinga a Sul de Espinho,
correspondendo a rea onde hoje se situa a laguna a um grande golfo com mais de 70 km na
parte externa e cerca de 20 km de largura na zona onde o Vouga desaguava." (Dias et al.
1997:60), (A4). Esta restinga ou cabedelo, que viria a levar formao do cordo litoral, originouse devido aos sedimentos que o rio Douro transportava at foz do Vouga (com o auxlio das
correntes), onde se constituram bancos e, com o tempo, surgiu "uma faixa arenosa desde poucos
metros a 2 km de largura, que foi separando do mar a bacia do delta fluvial." (Oliveira 1988:19).
Mais tarde, na regio onde hoje se situa a Gafanha, formou-se um cabedelo que
juntamente com o de Espinho delimitaram a rea onde estava encaixado o delta do Vouga.
(Oliveira 1988:32). A origem deste j no foi resultado dos sedimentos do Douro, mas antes dos
depsitos aluviais do Vouga e de outros rios adjacentes. Antes da formao destes cordes litorais,
a linha de costa coincidia em parte com o atual troo da linha frrea de Esmoriz a Aveiro,
passando por Ovar, Estarreja, Salreu, Fermel, Angeja e Esgueira, seguindo depois em direo a
Vagos e Mira, formando uma chanfradura. Esta informao passvel de verificao, pois a
geologia demonstra uma diferena entre as zonas a este e a oeste desta antiga linha de costa, sendo
as formaes geolgicas situadas a este de origem trisicas, cretceas e pliocnicas, enquanto a
oeste sobrepem-se formaes recentes quaternrias, de sedimentao marinha e fluvial (Giro
1922:55), (A5). Podemos afirmar que quase todas as localidades a este da atual linha ferroviria
estiveram outrora submersas (Lamy 1977:12).
Neste perodo (aps o comeo da formao dos cabedelos) a laguna teria pelo menos o
dobro da superfcie atual e "a colmatagem j vigorava em toda a bacia, e ao mesmo tempo os rios
transportavam para a depresso grandes quantidades de sedimentos, realando os efeitos entre
aluvio fluvial e os depsitos ocenicos, preenchendo a pouco e pouco o esturio e fazendo
emergir vrias ilhas." (Lucci 1918:44).
Entre algumas destas ilhas criadas pelos depsitos do Vouga e de outros rios, assim como
pelas areias martimas, podemos referir a ilha da Testada, do Monte Farinha, do Amoroso, dos
Ovos e das Gaivotas1, ilhas estas que foram recortando a laguna (Abreu/Fernandes 1990:117). No
incio do sculo XIII a "a deposio de areias ao longo da costa, que se processou de Norte para
Sul, j tinha constitudo um cabedelo que chegava aonde fica hoje a Torreira." (Souto 1923:25).
At ao fim do sculo XVI, o cordo foi avanando, fazendo-se a ligao ao mar apenas atravs de
uma barra natural, muito voltil e que foi migrando de norte para sul, tendo estado na Torreira, na
Vagueira, em Mira, at que acabou por cortar a comunicao em 1575 e, da em diante, muitas
1
Atualmente existem 12 ilhas principais: Amoroso, Gaivota, Gaga, Monte Farinha, Lavacos, Ovos,
Parrachil, Pedra, Poo, Sama, Testada e Tranqueira.
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outras vezes at construo da barra artificial em 1808 (A6), em frente cidade de Aveiro, onde
atualmente se situa (Oliveira 1988:20). No entanto, teve de ser at hoje, passado mais de 200 anos,
permanentemente dragada e alvo de obras de engenharia tais como o aumento dos molhes
(sobretudo do norte), de modo a que no se volte a tapar (Martins 2012:65).
Esta volatilidade da barra tinha graves consequncias para os habitantes da regio, estando
os momentos de prosperidade e de crise profundamente ligados existncia de comunicao ou
no entre a laguna e o mar (Oliveira 1988:33). Quando a barra fechava as guas estagnavam,
acumulavam-se, o paludismo surgia e uma boa parte da cidade de Aveiro alagava-se, fazendo
com que houvesse misria e doenas e abandono. (Oliveira 1988:33). Para alm do
aparecimento de doenas, havia ainda uma runa quase total nas pescas, agricultura, indstria
salineira e comrcio por via fluvial, obrigando as populaes a migrarem. Aquando do j referido
corte de comunicao com o mar em 1575, ainda a barra se situava em frente cidade de Aveiro,
tendo esta 14 mil habitantes. medida que a barra foi migrando para sul e o assoreamento se
tornou mais pronunciado, a cidade foi-se degradando. Em 1685 j s tinha 10 mil habitantes, em
1736, 5 mil e em 1797, 3,5 mil habitantes, o que demonstra o impacto deste fenmeno (Dias et
al.1997:60). Aps a abertura da barra artificial o crescimento demogrfico e socioeconmico foi
tremendo. A populao aumentou a um nvel acelerado, a indstria salineira recuperou, o
sezonismo j no voltou a aparecer, a atividade mercantil e martima foi totalmente reposta, em
suma as condies de vida voltaram a melhorar (Oliveira 1988:38-39).
1.5 Geografia atual da laguna
Atualmente, a laguna de Aveiro o maior sistema lagunar do pas e fica compreendida
entre o Carregal (Ovar) e o Poo da Cruz (Mira), numa extenso de cerca de 45 km de
comprimento, tendo de largura mxima 11 km, entre o Bico de Muranzel (S. Jacinto) e Fermel
(Estarreja), (A7-8). Est limitada a oeste pelo cordo litoral (apenas interrompido pela barra) e
abrange infindas ilhas, separadas por canais. Relativamente rea inundada, na baixa-mar e na
preia-mar, essa difere de autor para autor. Desse modo, Sebastio Teixeira (1994) refere que
variava entre os 75 e os 113 km2, segundo Lcia Pombo e Jos Rebelo (2003:104) tinha entre 43 a
47 km2 e de acordo com Joo Dias (2011:170) a rea alagada da laguna oscilava entre os 66 e os
83 km. No sabemos quais podero ser os motivos de diferenas de rea desta ordem, uma vez
que das trs obras, a mais antiga e a mais recente s se distanciam em 17 anos e num perodo em
que as alteraes na laguna foram poucas. J o volume de gua, esse ronda atualmente os 70
milhes de metros cbicos (Sarmento 2008:21).
Os principais cursos de gua que nela desaguam so o rio Vouga, o Antu, o Boco e o
Cster, mas desaguam tambm muitos outros rios de menor dimenso, ribeiras e riachos. A sua
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profundidade baixa e varivel (consoante as mars e a pluviosidade), sendo que na barra e nos
canais de trfego porturio tem 12 m de profundidade mxima e nas extremidades cerca de 1 m
(Pombo/Rebelo 2003:104-106). Em relao profundidade junto barra, essa tambm varia
conforme os autores, sendo que alguns referem que pode atingir os 20 m ou at mesmo mais
(Lopes/Dias 2011: 159). Tal dever-se- ao facto de nos anos ou meses anteriores publicao das
vrias obras terem ou no ocorrido dragagens nessa rea.
A laguna compreende ainda quatro canais principais, designados pelos pescadores e
habitantes da regio como braos ou rias (ria de Ovar, da Murtosa, de Mira e a de lhavo/Vagos),
cuja profundidade varia entre os 4 e os 7 m. J na maioria dos canais, a profundidade situa-se entre
1 e os 4 m (Pombo/Rebelo 2003:104-106). De referir ainda a informao de que os locais da
laguna que rondam a profundidade de 1 m so designados por secos e as zonas de maior
profundidades por fundos ou fundes (Moreirinhas 1998:48).
A ria de Ovar (A9) tem cerca de 25 km de comprimento e 2 km de largura em frente
Torreira, local onde comea a curvar para nordeste em direo a Ovar, soltando para norte o brao
do Carregal e para nordeste vrios esteiros. A ria da Murtosa (A10) situa-se sensivelmente no
centro da laguna, sendo um brao que vai para o interior, a partir do Bico de Muranzel at ao
concelho de Albergaria-a-Velha e Estarreja, ramificado em numerosos esteiros onde desaguam o
rio Antu e o Vouga. A sul ficam a ria de lhavo ou de Vagos e a de Mira (A11). A de
lhavo/Vagos tem 7 km de comprimento, 200 m de largura mxima e estende-se at Vagos. A
sudoeste situa-se a ria de Mira, que tem 14 km de comprimento e 300 m de largura mxima e
estende-se desde a Barra at ao Poo da Cruz, em Mira (Oliveira 1988:42).
Existem ainda outros canais designados por cales ou calas. Destes, alguns ainda so
navegados pelas embarcaes, outros, devido ao assoreamento, praticamente j no so visveis.
A oeste e norte da cidade de Aveiro subsiste uma enorme rea de marinhas (A12), com cerca de
13km2 desde o sculo X (Oliveira 1988:42-43). Todavia, muitas dessas marinhas foram
desativadas com o passar do tempo e hoje apenas uma se encontra em funcionamento. As
restantes foram adaptadas a viveiros para a aquacultura ou simplesmente abandonadas.
No centro da laguna existe ainda um grande nmero de ilhas sem nome, para alm das j
mencionadas, formando um autntico labirinto (A13). Muitas destas ilhas foram, no passado,
utilizadas quer para fins agrcolas, quer industriais, mas atualmente encontram-se abandonadas
(Lucci 1918:33). De referir ainda a existncia de inmeras reas de sapal, ou seja zonas que so
constitudas por vegetao tpica de junco e canio qual se encontram associadas normalmente
algas e fitoplncton (Reis 1993:33). Os sapais encontram-se nas margens dos inmeros canais e
podem mesmo formar ilhas artificiais.
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2 Enquadramento Histrico
2.1 Stios arqueolgicos da regio
A fixao do homem na regio de Aveiro muito anterior formao da laguna, que
comeou por volta do sculo X, mas no sabemos o quanto anterior. Clara Sarmento diz que o
povoamento da regio recente, tendo sido iniciado pelas populaes piscatrias dos ncleos do
interior e por outras pessoas interessadas no negcio da pescaria (Sarmento 2008:22). Maria
Bastos e Joo Dias (2002:118-119) acrescentam que s aps a tomada de Lisboa aos mouros em
1147, com o consequente decrscimo da pirataria e com o aumento do comrcio martimo-fluvial
que a regio comea a prosperar e tem um aumento demogrfico considervel e sustentado at
aos incios do sculo XIV.
Tendo em conta a evoluo geomorfolgica (B1), o conhecimento da sua ocupao prhistrica praticamente inexistente pois, at h cerca de 10 mil anos, a zona lagunar atual estaria a
uma cota muito superior, ficando nessa poca a costa a cerca de 20 km para oeste. Porm nos
ltimos 10 mil anos a costa foi regredindo e h cerca de mil anos comeou a ser formada, de
modo que a existirem evidncias arqueolgicas relativas ao perodo pr-histrico, grande parte
estaro submersas, na laguna, ou no leito ocenico (Dias et al.1997:56). J em relao ocupao
da poca Clssica existem alguns vestgios, mas muito vagos.
Deste modo as evidncias de ocupaes mais prximas da laguna que temos
conhecimento sero, no concelho de Aveiro: a estao ao ar livre gravetense designada por Vale
de Videiras 1, em Eirol; os vestgios de uma mamoa neocalcoltica na freguesia de Nossa Senhora
de Ftima; o povoado proto-histrico da Torre em Cacia; o povoado proto-histrico de Agra do
Crasto em Aradas; e dois fornos cermicos romanos em Eixo. No concelho de gueda o stio
proto-histrico e romano do Cabeo do Vouga, em Lamas do Vouga. No concelho de Estarreja o
castro de Salreu, precisamente em Salreu. No concelho de Albergaria-a-Velha, seis mamoas dos
perodos neoltico e calcoltico, cinco na freguesia de Albergaria-a-Velha e uma em Valmaior; um
vicus romano designado Cristelo da Branca e um povoado fortificado (So Julio) da idade do
bronze na freguesia da Branca e uma sepultura romana em So Joo de Loure. Por fim, no
concelho de Oliveira de Azemis, existem dez mamoas com cronologia do neoltico idade do
bronze e vrios povoados fortificados que datam do calcoltico ao perodo tardo medieval, dos
quais destacamos o de So Martinho da Gndara, de Ul e de Ossela que se encontram nas
freguesias com o respetivo nome.2
Outra evidncia, da poca Romana, que convm mencionar ser a o troo da estrada
romana Emnio-Talbriga-Cale, que passaria ao largo da costa onde mais tarde se viria a formar a
2
laguna. No que concerne a este troo, vrios autores, tais como Miguel Oliveira, Abade Arede,
Flix Alves Pereira, Vasco Mantas, e Lus Seabra Lopes, referem que a via teria um traado
prximo ao do atual Itinerrio Complementar n 2 (IC2).
Convm ainda aludir existncia de alguns stios arqueolgicos submersos,
nomeadamente vestgios de embarcaes medievais e modernas, sendo estas atualmente
designadas por Ria de Aveiro A a M, no existindo no entanto a E (Bettencourt 2009:139). Os
stios B, C, D e H localizam-se no concelho de Aveiro e os restantes no concelho de lhavo.
2.2 Principais atividades econmicas da Baixa Idade Mdia Idade Contempornea
Os dados mais importantes para o nosso estudo so aqueles que nos chegam da Idade
Mdia poca Contempornea, desde o boom das atividades martimas (pesca, salicultura) do
sculo XIII e XIV, poca em que as principais cidades da regio se encontravam em posio
costeira (lhavo, Esgueira, Aveiro, Vagos, Ovar e Murtosa), pesca de bacalhau na Terra Nova, a
partir do sculo XVI, apanha de ervagens que teve grande impulso do sculo XV em diante,
construo naval e comrcio com o norte da Europa, at evoluo da indstria oleira da regio a
partir do sculo XVII (Bettencourt 2009:139-140). Durante sculos, a economia da regio esteve
exclusivamente baseada na explorao dos seus recursos e as populaes viveram em funo do
que ela lhes concedia, recursos como a pesca, molio, sal, facilidade no trfego e a agricultura
(Sarmento 2005:207-208).
A salicultura foi a primeira grande atividade econmica da poca Medieval e ter tido
grande pujana at ao sculo XVII, sendo o sal exportado para os portos da Galiza e dos pases do
norte da Europa. Segundo Ins Amorim, a produo do sal de Aveiro no diminuiu drasticamente
com as crises da barra, como alguns autores levam a crer, mas porque no sculo XVII Aveiro foi
ultrapassado por outros centros produtores como Setbal e Lisboa, no devido diminuio da
sua produo, mas ao aumento da destes ltimos, aliado a fatores poltico--econmicos que
alteraram as grandes rotas comerciais (Amorim 1991:9-13).
No que toca construo naval, h indcios que Aveiro ter sido, na poca Moderna, a
regio do pas, a seguir ao Porto e Lisboa, a construir mais embarcaes de grande porte, entre as
quais iates de cabotagem e lugres bacalhoeiros (Fonseca 2011:25-27). No entanto tambm eram
construdas muitas embarcaes que tinham como objetivo navegar na laguna e nos rios que nela
desaguavam. Segundo Jaime Corteso, os centros urbanos situavam-se, durante a Idade Mdia,
nas grandes estradas naturais e ao longo dos rios (Corteso 1990:63), de modo a ficarem mais
protegidas dos raides dos piratas berberes. Deste modo, as embarcaes tiveram de se adaptar no
s navegabilidade na laguna como tambm ao longo dos cursos dos rios, desde a foz at
atingirem os centros populacionais onde faziam o comrcio. Tal exigiu que tivessem pouco calado
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e o seu meio de deslocao aproveitasse a fora do vento, ou seja que utilizassem velas para que
desse modo o comrcio fosse feito com maior rapidez (Fonseca 2011:36-37).
Aquando dos tapamentos da barra do sculo XVIII, esta indstria sofreu um forte revs,
contudo aps a sua abertura e fixao em 1808 a atividade voltou a registar um crescimento.
Passaram a ser de novo construdas embarcaes com propulso quer vela, a remo ou vara,
adequadas para o comrcio e pesca na laguna, no Vouga e tambm na costa (Carvalho 2009:22).
No entanto, havia uma diviso geogrfica na laguna, em relao ao tipo de embarcaes que eram
construdas. No sul prevalecia a construo de embarcaes de dimenses considerveis, tais
como brigues, caques e patachos, e no norte predominava a construo, em maior nmero, de
embarcaes de pequena dimenso (bateiras e barcos de mar), (Carvalho 2009:23). Para alm das
referidas, ainda eram construdas outros tipos de embarcaes como moliceiros e varinos
(Carvalho 2009:23). Mais tarde, j no sculo XX, d-se maior importncia s embarcaes de
grande porte - lugres e os hiates - passando esses a ser tambm construdos nos estaleiros da
laguna (Carvalho 2009:27).
A apanha do molio como atividade econmica, e no uma atividade espordica, ter
comeado nos finais do sculo XV ou incios do XVI e teve o seu apogeu em duas fases, primeiro
na colonizao das gafanhas, na segunda metade do sculo XVII, e mais tarde no povoamento
do cordo dunar a norte da Torreira (Fonseca 2011:113).
Em relao pesca, esta praticou-se desde o tempo da formao da laguna, nela prpria
ou no mar, havendo uma clara distino entre os dois tipos desde o sculo XII, dando-se mais
importncia fluvial, pois seria uma pesca mais segura e mais produtiva. Convm ainda assinalar
que nesta poca, a pesca ainda no era praticada a tempo inteiro, dedicando-se os pescadores a
outras atividades complementares como a agricultura (Sarmento 2008:42). Mais tarde, nos
sculos XVII e XVIII, j havia pescadores empenhados somente nesta atividade. Durante as
vrias crises da barra, que iremos aprofundar mais adiante, os pescadores no cruzaram os braos
e foram para a costa (Sarmento 2008:44). Desde logo se aperceberam que as embarcaes que
usavam no haviam sido construdas para suportar o impacto do mar e, de imediato, trataram de
criar uma nova embarcao, o meia-lua da xvega (Fonseca 2011:41).
2.3 O xodo dos povos lagunares entre os sculos XVIII-XIX
Parece-nos importante abordar agora a questo das migraes dos povos desta regio. A
partir sobretudo da segunda metade do sculo XVIII, os ilhavenses, varinos, murtoseiros e outros
povos da laguna viram-se obrigados a dedicarem-se faina no mar e a migrar para outros locais
do pas, para a exercerem a sua atividade piscatria. Tal deveu-se em grande parte ao facto da
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barra se encontrar nesse perodo constantemente fechada, o que fazia com que a gua da laguna
estagnasse e os recursos pisccolas praticamente findassem (Garrido/Carvalho 2007:12).
Tero primeiro comeado por colonizar a Costa Nova e S. Jacinto, ou seja os cordes
dunares (Fonseca 2007:174), aqui empregando, em primeiro lugar, o chinchorro, arte que j
utilizavam na laguna, mas rapidamente verificaram que no dispunha de dimenses suficientes
para o que pretendiam (Fonseca 2011:78). Como o meio para onde migraram era diferente,
tiveram de adaptar as suas artes e embarcaes de pesca, o que resultou em tecnologias cada vez
mais eficientes, mveis e versteis (Garrido/Carvalho 2007:18). Desse modo, optaram por
utilizar a arte da tarrafa e fazer adaptaes na sua embarcao ilhava consoante o local da costa
para onde migravam em busca de melhores zonas de pesca.
De seguida, estes exmios pescadores das artes novas tero optado por migrar para
locais onde a pesca lhes parecia mais produtiva. Em primeiro lugar foram para a costa de Lavos,
para as companhas de sardinha com arte xvega (Fonseca 2007:174). Mais tarde, em busca de
melhores zonas de pesca, fixaram-se em Gala, Buarcos, Nazar, Peniche e nos esturios do Tejo e
do Sado, onde empregaram a tarrafa (Fonseca 2007:175). No terceiro quartel do sculo XVIII
fixaram-se na Costa da Caparica e em Sesimbra (Robalo 2008:155), e nos finais do sculo XIX
acabariam por chegar ao Alentejo e ao Algarve (Fonseca 2007:175).
No que toca s suas habitaes, como eram por norma de carcter temporrio, optavam
por as construir junto ao mar ou esturio. Eram erguidas com materiais perecveis (junco e
madeira) que encontravam no local (Garrido/Carvalho 2007:12). Por norma, estas construes
eram sustentadas por estancaria enterrada na areia, fazendo assim com que a gua pudesse passar
por baixo e fosse inofensiva para a habitao (Castro 1943b:84). Tambm a areia, com o vento e
com as mars, no se acumulava, passando por baixo das habitaes (Frada 1983:17).
Deste modo, nos anos 60-70 do sculo XX ainda existiam em alguns locais por onde estes
pescadores passaram, tais como a Tocha, Palheiros de Mira e Lavos, as suas caractersticas
barracas de madeira (B2-3). Na Extremadura e no Algarve tero desaparecido algumas dcadas
antes (Garrido/Carvalho 2007:13).
Segundo nos foi dito por Antnio Angeja, historiador local, para alm das fontes escritas e
orais (j muito pouco disponveis) so tambm muito relevantes os elementos grficos, como
fotografias, postais e desenhos. O prprio ter encontrado indcios, quer em quadros, quer em
azulejos, de norte a sul do pas, de ilhavas e outras embarcaes com claros traos lagunares.
Outra forma de encontrar os locais por onde passaram os povos da laguna ser investigar as
tradies que foram levadas e que ainda se mantm como no caso das procisses fluviais que se
fazem na Caparica, Sesimbra e Setbal.
12
3 - Cais Tradicionais
No decurso da elaborao do presente trabalho tratmos de efetuar uma georreferenciao
dos cais que atualmente existem, fazendo a confrontao com documentos anteriores: Prto e ria
de Aveiro. Notcia sbre o seu valor econmico de 1936, da Junta Autnoma da Ria e Barra de
Aveiro (JARBA), sobretudo o seu mapa em anexo denominado Mapa de distribuio dos locais
de embarque e desembarque de mercadorias e indicao do trfego que a cada local compete"
que tem a localizao de 109 cais (C1); o estudo de Jos de Castro, que na sua obra Estudos
Etnogrficos fez uma listagem de 166 cais e desembarcadouros em 1945 (C2); e os mais
recentes Contribuio para o conhecimento das artes de pesca utilizadas na ria de Aveiro onde
o autor fez um levantamento de 15 cais (Carneiro et al.2002a:8) e o Estudo de caracterizao
para o reordenamento e valorizao dos ncleos piscatrios lagunares, da Polis Litoral Ria de
Aveiro de 2010, em que foram enumerados 13 cais.
Esta georreferenciao s possvel com prospeo no terreno, foi feita quer com o auxlio
de ferramentas como o Google Earth, o Google Maps e ArcGIS com as cartas militares na escala
1:25000 da regio, pois tm toponmia por vezes diferente da encontrada nas ferramentas acima
mencionadas. Contudo, devido s limitaes de texto, a nossa georreferenciao no pde ser aqui
colocada, encontrando-se portanto em anexo (anexo D). Nela constam as coordenadas geogrficas
(Datum WGS84) e militares (Lisboa) e o concelho e a freguesia onde se localizam atualmente os
cais. Iremos mais adiante indicar as concluses a que chegmos, fazendo primeiramente uma
pequena introduo sobre como era a rede fluvial da laguna de Aveiro, na primeira metade do
sculo passado, tendo em conta as duas primeiras fontes acima referidas. Tal ir servir para,
posteriormente, melhor se compreender as transformaes que ocorreram.
Convm no entanto esclarecer o que entendemos por cais tradicional. Para ser
considerado como tal, deve possuir estruturas que facilitem a acostagem de embarcaes, tais
como muros de conteno em alvenaria ou beto e/ou taludes de terreno natural, poitas/estacas de
amarrao e/ou estruturas palafiticas de acostagem. Pode j no ter uma utilizao atual, desde que
haja vestgios de ter funcionado como tal no passado. Pode ainda ser munido de rampa de acesso,
grua, armazns de apoio atividade piscatria assim como de outros equipamentos. Nos casos em
que no existam muros de conteno que os limitem, ou seja, sendo apenas constitudos por
estruturas palafiticas de acostagem e ou/estacas/poitas de amarrao, estes, para serem designados
como cais, devem ter uma dimenso significativa, bem como acolher um nmero considervel
de embarcaes tradicionais, pois no seria correto, a nosso ver, designar como cais tradicional
uma estrutura palaftica isolada onde s pudessem acostar uma ou duas embarcaes (C3).
Adianta ainda referir que estes cais no devem ser confundidos com marinas onde s existem
15
praticamente embarcaes desportivas e de recreio, que nada tm de tradicional. Porm, num cais
tradicional podem coabitar embarcaes modernas com as que designamos como tradicionais.
3.1 - Rede Fluvial
Ao longo dos sculos e at segunda metade do sculo XX, a laguna funcionou como o
mais importante eixo de comunicao entre as populaes ribeirinhas, na ausncia de grandes
eixos rodovirios. Eram habituais as travessias de pessoas em embarcaes entre as vrias
povoaes. Este contexto deu lugar criao de um grande nmero de cais e locais de acostagem
(Sarmento 2005:219). Nos anos 30, segundo a JARBA, os pequenos portos tinham uma
influncia considervel na economia e os que vamos mencionar no eram exceo (Junta 1936:2).
A laguna era um excelente condutor de transporte de mercadorias, com uma enorme rede
de fundeadouros naturais e de canais que ligavam mais de 100 mil pessoas de vrios concelhos, o
que permitia que existisse entre as povoaes um grande intercmbio comercial, agrcola e
industrial, sendo a base da economia da regio, mesmo apesar da navegabilidade da maior parte
desses canais no ser fcil devido sua pouca profundidade (Junta 1936:7-11). Jos de Castro,
nove anos mais tarde, em 1945, diz o mesmo, que a rede fluvial era servida por um grande
nmero de cais e desembarcadouros, quer pblicos, quer privados e que as pessoas optavam por
transportar os seus produtos por esta via em vez da viria, pois era uma soluo menos
dispendiosa e tambm mais rpida (Castro 1945a:203).
Nesta enorme rede fluvial eram feitos intercmbios de pelo menos quarenta e nove
produtos, dos quais podemos destacar o molio, o junco e o sal como sendo os principais bens
comercializados. S para se ter uma noo da fora comercial da laguna, os dados de 1934
apontam como tonelagem total embarcada e desembarcada, cerca de 690 mil toneladas, contudo
tal nmero no conta com os produtos que foram desembarcados ou embarcados em locais sem
cais ou malhadas, de modo que o valor real ser muito maior, na ordem de um milho de
toneladas, trabalhando para tal, diariamente, nos 109 cais, em mdia, 345 embarcaes das cerca
de 3 mil registadas poca (Junta 1936:14).
Para uma melhor noo da distribuio espacial dos cais pela laguna na poca, e da
quantidade de mercadorias embarcadas e/ou desembarcadas em cada um, podemos observar o
anexo C4 onde se encontra um mapa de Miguel Nogueira (2005), que teve por base o estudo dos
dados fornecidos na obra Prto e ria de Aveiro. Notcia sbre o seu valor econmico.
3.2 - Levantamento
Embora estejam considerados 111 cais no estudo promovido pela JARBA, por algum
motivo que nos alheio, no mapa Distribuio dos locais de embarque e desembarque de
mercadorias e indicao do trfego que a cada local compete que se encontra em anexo, apenas
16
fornecidos no mapa dos cais e desembarcadouros de 1936, podemos apontar a sua antiga posio
como sendo a sul do desembarcadouro do esteiro da Aguieira, na localidade da Aguieira, margem
esquerda (tendo em conta a localidade).
Concelho de Estarreja - No concelho de Estarreja, dos 26 cais existentes outrora apenas
encontrmos 12: o cais da Ribeira do Mouro (D12), o cais do Talhadouro (D13), o cais do
Nacinho ou do Nascimento (D14), o cais da Taboada (D15), o cais da Ribeira da Aldeia (D16), o
cais da Ribeira das Bulhas (D17), o cais da Senhora da Aldeia (D18), o cais do esteiro da
Tralhinha (D19), um cais na freguesia de Veiros cujo nome no conseguimos identificar, sendo
que se situa no esteiro de Estarreja e vamos identific-lo como D20, o cais do esteiro da Moita
(D21), o cais de Salreu (D22) e o cais de Canelas (D23).
O cais de Estarreja foi coberto por terra o ano passado e agora j possui uma arborizao
bastante densa, pelo que foi funcionalmente anulado. Em relao ao cais da Ribeira e ao
Desembarcadouro da Ribeira Nova, no os conseguimos localizar, devendo-se tal ao facto de o
seus nomes serem pouco esclarecedores, uma vez que existem dezenas de ribeiras ao longo da
laguna. Apesar de sabermos que se localizavam na parte norte do concelho de Estarreja, isto no
clarifica a situao. O desembarcadouro da Sabina (D24), pela toponmia, ter existido no esteiro
da Sabina, atualmente entre o cais da Ribeira do Martinho e o cais das Teixugueiras. O
desembarcadouro da Tojeira (D25) situava-se numa ilha de sapal (Meigil), a norte do esteiro das
Teixugueiras. No esteiro de Estarreja sabemos que existiram pelo menos 7 cais, estando por
ordem, no sentido laguna-Estarreja: desembarcadouro do Passadouro, do Esteiro das Pvoas, do
Cho de Baixo, do Esteiro Lopes, do Esteiro das Teixugueiras, do Esteiro Velho da Pvoa e cais
de Estarreja. Contudo, s conseguimos localizar dois. Um, temos a certeza que se trata do antigo
cais de Estarreja (que j no utilizado); o outro, que designmos como D20, no conseguimos
saber se algum dos desembarcadouros referidos ou um posterior. A ser um desses s poder
tratar-se do desembarcadouro do Passadouro, desembarcadouro do Esteiro das Pvoas ou do
desembarcadouro do Cho de Baixo. Sobre o desembarcadouro do Esteiro da Marinha do Rio
Antu (D26), apenas sabemos que se situava entre o cais de Estarreja e do de Salreu, atualmente
no interior da Marinha do Antu, possivelmente no esteiro Velho. No localizmos o cais de
Fermel.
Concelho da Murtosa - No concelho da Murtosa, dos 28 cais da primeira metade do sculo XX,
atualmente apenas existem 16 - o cais das Teixugueiras (D27), da Boca da Marinha do Ribeiro
(D28), da Ribeira do Martinho (D29), do Solo (D30), da Ribeira da Gaga (D31), da Ribeira de
Mano (D32), do Lugar dos Moliceiros (D33), da Torreira (D34), da Bestida (D35), da
Mamaparda (D36), da Ribeira de Pardelhas (D37), do Bico (D38), do Chegado (D39) e do Canto
18
20
Concelho de Mira - No concelho de Mira, apenas existia um cais, situao que se mantem, sendo
ele o cais do Areo (D73), que j no usado.
Aps a georreferenciao, podemos chegar a vrias concluses mas a principal que
atualmente existem muito menos cais que outrora, existindo hoje apenas 57, o que se deve a
vrios fatores. Inferimos que, ao contrrio dos anos 30 e 40, em que a laguna era uma importante
via de comunicao entre as povoaes e o comrcio era feito por meio fluvial, atualmente os cais
j no tm essa funo, uma vez que nesse espectro houve uma mudana radical.
O comrcio deixou de ser feito pela via fluvial, passando s vias terrestres (caminho-deferro e estradas); as embarcaes especializadas para essas funes tambm desapareceram e
atualmente os cais tm apenas embarcaes de recreio e/ou desportivas ou embarcaes ditas
tradicionais, quase todas modificadas (para colocao de motor), que se dedicam pesca. A falta
de manuteno, quer por parte das entidades competentes, quer pelos prprios pescadores, fez
com que muitos destes ancoradouros no fossem seguros para as embarcaes e no lhes
permitissem aceder laguna propriamente dita, pois muitos dos cais situavam-se, como ainda
hoje, nas extremidades de esteiros e ribeiras e com o assoreamento provocado ao longo do tempo,
em alguns casos, mesmo em mar cheia seria complicado retirar as embarcaes do cais, o que
levou, frequentemente, ao seu completo abandono, no subsistindo, passados cerca de 70 anos do
ltimo levantamento exaustivo, sequer vestgios da sua presena.
Outro ponto a referir o facto do nmero de embarcaes sempre ter sido muito grande,
na ordem das centenas ou mesmo milhares. Todavia, atualmente grande parte destas embarcaes
so de recreio (iates, lanchas, botes) ou desportivos (canoas e kayaks) e, apesar de algumas
acostarem nos cais tradicionais, a maior parte usa cais privados e/ou vigiados, como o caso das
marinas, pelo que grande parte dos cais tradicionais tm apenas duas ou trs embarcaes,
havendo apenas algumas excees como so o caso do cais do Bico, do Chegado, da Bestida, da
Torreira e poucos mais onde se aglomeram vrias dezenas de embarcaes tradicionais. De
mencionar ainda, que muitos dos cais que inventarimos j no so usados h anos (dcadas
inclusive), sendo o melhor exemplo, o cais do Areo.
Podemos retirar ainda outra concluso bastante interessante: o nmero de cais existentes
diminuiu pouco na parte norte (Ovar, Murtosa e Estarreja), enquanto no sul (Mira, Vagos e
lhavo) praticamente se extinguiram. Por exemplo, no canal de Mira onde havia mais de trinta
cais, atualmente apenas permanecem dois; no canal de lhavo/Vagos onde existiam cerca de vinte,
atualmente restam quatro, e no rio Vouga, onde existiam cerca de uma dezena, apenas
conseguimos localizar dois ncleos.
21
Notmos tambm outras diferenas entre os cais do norte e do sul. Nos primeiros o acesso
quase sempre um esteiro ou ribeira, enquanto no sul os canais de acesso so os prprios braos
da laguna. Tambm o acesso por via terrestre muito diferente, no sul faz-se em cerca de
metade/metade por estradas alcatroadas e estradas de terra batida, enquanto na zona norte as de
terra batida predominam, devendo-se tal possivelmente ao facto de se situarem em locais pouco
ou mesmo no urbanizados e na envolvncia da maior parte deles se encontrarem zonas
pantanosas. Na zona sul, mais urbanizada, sobretudo em Aveiro e lhavo, tal j no acontece.
Para terminar, resta referir a rea primordial de influncia dos cais. Por norma e deixando
de fora, como bvio, os que j no so usados, os que dispem de menos de dez embarcaes,
alcanam uma influncia que se restringe, de um modo geral, localidade onde se encontram.
Temos como exemplo o cais da Coutada (Coutada). Os que dispem de mais de dez embarcaes
j tero uma influncia que se pode estender freguesia, como o caso do cais da Ribeira da
Aldeia, em Pardilh. Existem ainda outros cais, raras excees, como o cais do Bico, que tm
vrias dezenas de embarcaes, como j foi mencionado, e cuja influncia pode ir ainda mais
longe do que o municpio onde se insere.
Esta dominncia deve-se ao estado de conservao dos cais, sua manuteno
(relativamente poluio e ao assoreamento), sua dimenso, s vias de acesso e existncia ou
no de algumas estruturas e equipamentos tais como grua, plataforma flutuante, rampa, escadas,
cabeos de amarrao, edifcios de apoio atividade piscatria, entre outros. Estes fatores
provocam um fenmeno que vai distorcer as reas de influncia de cada cais pois faz com que
alguns pescadores vo para ancoradouros mais afastados de sua casa, que tenham melhores
condies (Alves et al.2010,vol.2:18-38).
peles, ou seja, materiais muito perecveis e que s em condies extraordinrias chegam at aos
nossos dias. Contudo, parece-nos certo afirmar que estas sempre tiveram grande importncia para
o homem, mais talvez do que os objetos a que por norma os investigadores do mais valor.
Deste modo, uma embarcao , do nosso ponto de vista, um objeto arqueolgico, pois
foi construda pelo homem, num determinado perodo, por uma determinada cultura, segundo um
certo mtodo construtivo, utilizando materiais prprios, com determinadas caractersticas e
funcionalidades e que pode ter evoludo ou sofrido mutaes ao longo do tempo dependendo da
mudana da sua funcionalidade ou apenas porque a tecnologia progrediu. Podemos ainda afirmar
que as embarcaes so um objeto de uma certa cultura, limitada no tempo e no local, sendo
distintas de uma realidade para a outra, pois cada embarcao tem de atender a necessidades
especficas, quer sejam de ordem tecnolgica, funcional, social ou econmica.
Senos da Fonseca, um historiador das embarcaes lagunares, adianta que nada nas
embarcaes negligencivel, tudo est l para cumprimento restrito de uma qualquer pretenso
de desempenho, concebido na melhor, mais simples e engenhosa forma. (Fonseca 2011:47).
Convm tambm esclarecer o que se entende por embarcao tradicional. Neste caso,
entendemos que so tradicionais as construdas atravs de processos artesanais, que originalmente
no se deslocavam com o auxlio de meios mecnicos e cujo patamar mais antigo so os
primeiros registos etnogrficos (Carvalho 2009:213).
Estas embarcaes tradicionais caracterizam-se por terem todas fundo chato e fusiforme,
proa e popa curvadas, pouco calado devido s condies naturais da laguna (pouco profunda e
com muitos bancos de areia) e construo em madeira (normalmente de pinho) segundo um certo
processo construtivo (Magalhes 1908:53-54).
4.1 Origens e tipologias
Origens
A origem das embarcaes tradicionais que vamos abordar foi e continua a ser alvo de
uma panplia de teorias. Existem as que defendem uma origem sumria, fencia, cltica, nrdica,
rabe, uma evoluo local e ainda quem relacione estas embarcaes com a difuso da cultura
megaltica (Filgueiras 1980a:360), (E1).
Este estudo, como j foi dito, apresenta muitas dificuldades aos investigadores,
nomeadamente aos arquelogos, pois as embarcaes eram construdas com materiais perecveis
e so muito poucas as que chegam at aos nossos dias preservadas, j para no falar da
documentao existente que, para alm de ser em pouca quantidade, recente e muita dela carece
de reviso crtica. Acresce ainda o facto destas embarcaes ou j no existirem, ou subsistirem
em pequena quantidade (ex: bateira chinchorro), de algumas terem sofrido processos evolutivos
23
(E4) e adianta que a explicao da existncia de bateiras em quase todo o litoral portugus reside
no facto dos pescadores da regio de Aveiro terem migrado (aquando das crises da barra),
estabelecido colnias e introduzido tambm as bateiras, com as devidas adaptaes aos
condicionalismos de cada local e ao tipo de pesca que pretendiam efetuar, alterando assim as
formas das proas, a disposio interior, o nmero de remos, a forma de leme e o aparelho
vlico. (Carvalho 2011:7).
Tipologias
No que respeita s tipologias (E5) das embarcaes tradicionais da laguna existem trs
obras relevantes: os Barcos da Ria de Aveiro de Lus Magalhes (1908), os Estudos Etnogrficos
de Jos de Castro (1943 e 1945) e as Embarcaes que tiveram bero na laguna: arquitetura
naval lagunar de Senos da Fonseca (2011). Estas obras, juntamente com outros trabalhos
importantes de Octvio Lixa Filgueiras, Lamy Laranjeira e Ana Maria Lopes permitem-nos ter
uma noo da evoluo que as bateiras tiveram ao longo de mais de um sculo.
Lus de Magalhes (1908) dividiu as embarcaes em quatro grandes grupos tendo em
conta as suas funes (explorao das salinas, apanha do molio, transporte fluvial e pesca) e a
cada grupo faz corresponder uma ou mais embarcaes (Magalhes 1908:51). Deste modo temos
o barco mercantel para a explorao das salinas, o barco moliceiro para a apanha do molio, a
bateira mercantel para o transporte fluvial e as bateiras chinchorro, labrega e de lhavo para a
25
pesca. Refere ainda a bateira caadeira, cuja atividade era a caa de aves aquticas e a passagem
de pessoas nos canais (Magalhes 1908:52).
Nos anos 40, Jos de Castro considerou apenas trs tipos, a de pesca martima; a da pesca
lagunar, onde se enquadravam a bateira labrega, a caadeira e a mercantela; e as embarcaes
fluviais, entre as quais se encontra tambm a bateira mercantela, a marinhoa, as erveiras, a patacha
e os barcos moliceiros e mercantel (Castro 1945a:199-201).
Moreirinha diz que j na altura (1998), a classificao das embarcaes no interessava
aos pescadores e adianta que, aquando do seu estudo, haviam aparecido novas tipologias de
embarcaes, que a autora designou como chalandras e baleeiras (Moreirinha 1998:40). Eram
originalmente empregues na pesca da sardinha e do bacalhau respetivamente, tendo sido
adaptadas pesca fluvial. Entre as suas caractersticas destaca-se o facto de terem uma boca maior
que as bateiras tradicionais e de no possurem castelo de proa (Moreirinha 1998:40). Em relao
a estas supostas tipologias, adiantamos j que ao longo do trabalho no as vamos referir pois no
se tratam de embarcaes tradicionais.
Mais recentemente, Senos da Fonseca (2011) props a classificao das bateiras em trs
grupos, bateiras de mar (chinchorro de mar, ilhava e esguicha), bateiras de gua interior e outras.
As de gua interior so ainda subdivididas em trs subgrupos, sem bica (caadeira), com bica
(chinchorro da ria e labrega) e erveiras (mercantela e erveira de Canelas). No grupo que Senos da
Fonseca classificou como outras, esto includas a ladra, a patacha e a bateira marinhoa que
mencionada por Jos de Castro e Lamy Laranjeira.
Atualmente no se conseguem visualizar diferenas que identifiquem a maior parte das
tipologias de bateiras descritas pelos autores, devido ao hibridismo (mistura de funes e de
formas), pelo que se designam genericamente por bateiras. No entanto, algumas ainda se
conseguem diferenciar, embora as dimenses j no sejam as mesmas de antigamente. De todas
as embarcaes, a que se mantm menos modificada o barco moliceiro, conservando
praticamente as mesmas linhas desde que se conhece (Lopes 1995:22).
4.2 Estaleiros, mestres e tecnologias
Convm antes de mais esclarecer que a construo naval, e neste caso estamos s a falar
na feitura das embarcaes tradicionais, j teve muita importncia como indstria local e mesmo
regional. Lus Magalhes menciona a existncia de mais de cinquenta estaleiros (F1) em
funcionamento no seu tempo e adianta ainda que a profisso de mestre construtor era quase
sempre hereditria (Magalhes 1908:55), prtica que se manteve at aos finais do sculo XX.
Estes estaleiros instalavam-se por norma em barraces de madeira ou de alvenaria, bastante
rudimentares (F2-3), onde apenas importava que houvesse espao necessrio para a embarcao
26
espaoso, dando para trabalhar em duas bateiras ao mesmo tempo ou num moliceiro (F14). No
lado direito encontra-se uma prensa (F15), seguida de uma bancada (F16) e de uma serra circular
de mesa. Na esquina da lateral com o fundo do estaleiro (F17) encontra-se uma outra bancada, um
armrio com tintas e um pequeno compartimento que tem, na sua parte superior e de lado,
moldes. O lado esquerdo deste estaleiro no se encontra reservado s madeiras como o do mestre
Rito pois, como j foi dito, o mestre Antnio Esteves coloca-as no exterior, estando portanto nesse
local um amontoado de embarcaes empilhadas (F18), cujo propsito nos desconhecido.
O estaleiro do mestre Ernesto o mais pequeno dos quatro e tem uma construo
rudimentar, sendo todo feito com chapas de alumnio (F19). Contudo, encontra-se bem
organizado interiormente, tendo em conta a evidente falta de espao (F20). Num aparte, foi-nos
dito pelo mestre que tinha pena de no poder ter um estaleiro mais amplo para construir
embarcaes de dimenso superior, como barcos de mar e moliceiros. Em relao distribuio
espacial, do lado direito da entrada encontra-se parte dos moldes, pendurados (F21), sendo
seguidos por uma bancada com ferramentas diversas, que vai at esquina e na lateral encontramse alguns armrios com outros utenslios e tintas (F22). O restante espao do lado direito
ocupado por um compressor, uma serra circular de mesa e, ao fundo, por bancos de trabalho
(F23). O lado esquerdo ficou reservado para as madeiras, havendo no entanto, nessa rea, ao
fundo, alguns moldes (F24).
O estaleiro do mestre Felisberto Amador ser talvez o mais difcil de caracterizar, pois
encontra-se dividido em duas partes, formando um L (F25), ao passo que os restantes eram
retangulares. Este originalmente seria apenas composto por uma parte, um edificado anexo casa
do mestre a que posteriormente foi acrescentado esse novo corpo, com paredes de tijolo e teto
com placas de alumnio. Apesar deste aumento, que permitiu ao mestre poder construir e reparar
moliceiros, ainda se encontra bastante desorganizado, devido ao facto de ser relativamente estreito
(F26). Deste modo, na parte original do estaleiro, que consideramos ser o atual fundo, encontra-se
uma prensa (F27), alguns moldes distribudos por duas reas e as madeiras (F28). No novo
espao, do lado direito e logo entrada, esto madeiras dispostas ao alto, apoiadas na parede
(F29), sendo seguidas por uma rea onde se encontram mais moldes, diversas ferramentas e
utenslios, assim como uma bancada (F30-31). J no lado esquerdo, vem-se algumas madeiras ao
alto e um armrio com tintas e utenslios.
At ao final do sculo passado ainda existiam outros estaleiros tradicionais em
funcionamento, nomeadamente nas gafanhas, na Murtosa, em Estarreja e em Mira, contudo,
medida que os mestres foram falecendo e a questo hereditariedade da profisso deixou de existir,
caram no abandono. Alguns, nas gafanhas, ainda persistem, mas adaptaram-se ao progresso e
atualmente j no os podemos identificar como estaleiros tradicionais, pois deixaram de construir
28
as embarcaes de madeira, tendo optado por outros materiais, como a fibra de vidro. No entanto,
ainda restam alguns pescadores e antigos ajudantes de mestres que fazem concertos espordicos
junto s margens.
Dito isto, fica tambm um alerta para a situao de, nos prximos anos, este tipo de
construo naval poder findar, pois nenhum dos mestres em atividade (j com alguma idade) tem
seguidores, o que ser um duro golpe no patrimnio, quer material quer imaterial, pois apesar de
haver obras de autores como Ana Maria Lopes, que descrevem a construo destas embarcaes
minuciosamente, j no haver de facto quem a saiba executar, pois um saber deste tipo no
transmitido seguindo os passos de um livro.
Olhando agora para as tecnologias e processos de construo, podemos comear por
afirmar que todas as embarcaes tradicionais seguem um processo construtivo artesanal idntico.
Desse modo, e como o moliceiro a embarcao mais complexa, optmos por, neste trabalho,
apenas descrever a sua construo, servindo essa de base para as restantes.
Estas embarcaes eram e ainda so construdas em madeira, por norma, de pinho.
Outrora os troncos chegavam aos estaleiros em bruto e a eram descascados e de seguida
marcadas as espessuras das pranchas necessrias com fio, para depois dois serradores tratarem de
cortar. Atualmente, os mestres pedem para serem cortados numa serrao (Lopes 1995:26), (F32).
A construo de qualquer destas embarcaes define-se a partir de uma vara quadrangular
com o nome de pau dos pontos (F33), com 1,5 m de comprimento e que tem marcadas, por
inciso, todas as medidas necessrias (Castro 1943a:29).
O mestre utiliza apenas como instrumentos de medio auxiliares desta vara, um cordel e
alguns moldes, como os da roda da r, forcado da proa, forcado da r, ponta da proa, papo da proa,
roda da proa, vertente, ponta da r, caverna e leme (Lopes 1995:29), (F34). No que respeita aos
moldes, como j havamos dito anteriormente, optmos por fazer um registo (em desenho
escala) de vrios existentes na coleo do Museu Martimo de lhavo, assim como de alguns do
mestre construtor Jos Rito, estando reunidos no anexo J.
As ferramentas de trabalho necessrias, quase todas rudimentares, so machados,
martelos, navalhas, serras, serrotes e enxs (Laranjeira 1998:17). As junes ou aderncias de
todo o tipo de componentes de madeira, que constituem a embarcao (tbuas, cavernas, etc.), so
feitas sobretudo atravs de grampos, de pregos e de cavilhas de madeira (Lopes 1995:29-33).
Para o encavilhamento existem trs tamanhos de cavilhas, dependendo do local onde
so colocadas. As mais pequenas tm 17 cm de comprimento e 2 cm de dimetro e so utilizadas
no fundo e no costado; as mdias tm 23 cm de comprimento e 2,2 cm de dimetro e so usadas,
do exterior para o interior, no bordo, nas cavernas e nas tbuas de verdegar; as maiores tm 35 cm
de comprimento e 2,5 cm de dimetro e so colocadas do interior para o exterior, na draga,
29
cavernas, tbua de verdegar e no bordo. Os moliceiros chegaram a levar 1600 cavilhas, mas
atualmente ficam-se, no mximo, pelas 1000 (Lopes 1995:28).
A tcnica construtiva que vamos exemplificar de seguida, ao acompanharmos a descrio
da construo de um barco moliceiro, designada como shell technique first. Esta segue os
seguintes passos: inicia-se a construo pelo fundo chato, ao qual se fixam as peas de reforo
interior da proa e da popa. De seguida, trata-se dos costados e s depois que se montam as
cavernas. Por fim, robustece-se a estrutura da embarcao, com os reforos da borda (Filgueiras
1985:7). Esta tcnica construtiva , segundo Lixa Filgueiras oposta que era utilizada na
construo de algumas embarcaes tradicionais do noroeste do pas. So exemplo disso, as
lanchas poveiras, que usavam um sistema de construo designado como skeleton technique. A
construo tinha incio pelo esqueleto da embarcao (quilha, roda, cadaste, cavername) e s
posteriormente que era colocado o tabuado. De referir ainda que no eram necessrios moldes
(Filgueiras 1985:5).
No que respeita ao barco moliceiro, antes de se comear a construo, no estaleiro, o
mestre trata de assentar uma srie de estacas no piso, niveladas e devidamente distanciadas de
modo a dar a inclinao desejada ao fundo (Lopes 1995:28), (F35). De seguida colocada sobre
estas estacas a primeira tbua tbua de fundo que a principal da embarcao, a partir da qual
so posicionadas as restantes. No seguimento so colocadas mais duas, as tbuas de aresta,
tambm elas no fundo, uma de cada lado da tbua do fundo (Lopes 1995:28). Posteriormente
assentam-se as rodas da proa e da popa nas extremidades da tbua de fundo e segue-se o trabalho
no costado da embarcao, onde a unio das tbuas do fundo com as do costado se faz com a
tbua de encobedear, com a ajuda da suta (cunho auxiliar onde se marca a inclinao desejada),
(Lopes 1995:29). Depois so marcados, com o pau de pontos, os diversos espaamentos da
embarcao, como os vos (espaos iguais entre as cavernas), sendo ento assentes, no fundo,
alternadamente, as cavernas (Lopes 1995:28), que so depois rematadas com os braos,
completando assim o cavername (Fonseca 2011:148).
As cavernas so constitudas por duas peas, caverna e brao. Tm normalmente trs
pequenos orifcios (bueiros), na parte inferior, para facilitar a passagem de gua no interior da
embarcao (Castro 1943a:15). As primeiras cavernas da proa e da r no so propriamente
cavernas mas antes forcados, que se prolongam exteriormente nos golfies (Lopes 1995:28). Estes
servem para amarrar a sirga e pousar os ancinhos e as varas (Castro 1943a:12).
Por cima das tbuas de encobedear aplicam-se as de verdegar, que so posicionadas a
partir do fundo, s quais se seguem as tbuas de foliar, na proa e na r (Fonseca 2011:150-151).
D-se depois a aplicao do bordo ao longo da embarcao, a cinta no lado exterior e a draga no
interior, com vista a reforarem o costado (o conjunto tambm pode servir de estrado).
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falquim (pequena falca que completa a principal e morre junto proa). A falca da r mede cerca
de 4 m, a da proa 3 m e o falquim cerca de 1 m (Lopes 1995:56).
Os tostes (F41) tambm so pranchas, com cerca de 2,30 m de comprimento e 70 cm a 1
m de largura, que servem de quilha quando o barco bolina, ficando meio mergulhadas na gua e
penduradas por um cabo que abraa a parte inferior do mastro. Tambm servem para os
tripulantes caminharem sobre elas durante a faina, sendo para isso, e como j foi mencionado,
colocada serradura para melhor aderncia (Laranjeira 1998:42).
A vela (F42) era um dos componentes principais da deslocao dos moliceiros e de outras
embarcaes. Segundo Magalhes, os materiais usados para elaborar a vela eram a lona, o brim e
a estopa (Magalhes 1908:54). J segundo Ana Maria Lopes, os principais instrumentos com que
um mestre talha, atualmente, uma vela so um lpis, uma tesoura, um metro e uma rgua com
cerca de 3 m (Lopes 1995:51).
O mestre comea por cortar os vrios panos, segundo a medida necessria, e de seguida
cose-os com uma agulha comprida e fina, para no estragar muito a lona. Para trabalhar os cabos e
entrela-los na lona so usados alguns instrumentos, tais como uma agulha de "mosquear" (fazer
moscas), uma dideira (tira de cabedal que se fixa no polegar para proteo da mo), alicate (para
puxar a agulha quando fica presa), rapuxo (ponteirinho de ferro para abrir a corda) e navalha (para
cortar os cabos), (Lopes 1995:52-53). Os cabos para manobrar a vela so a ostaga, a troa, o
bolino, a amura e o escota (Lopes 1995:50-51).
4.3 Embarcaes
4.3.1 - Moliceiro, mercantel e matola
Moliceiro
O moliceiro (G1-4) "o barco mais elegante e rpido da ria" (Magalhes 1908:56). Lus
Magalhes refere-o inclusive como sendo "uma alfaia agrcola" (Magalhes 1908:56).
Trata-se de uma embarcao rpida e gil, tripulada por duas pessoas, que tem costados e
bordos baixos, fundo plano e chato, calado baixo, boca larga, r e proa altas e recurvadas e painis
decorativos com as respetivas legendas na proa e na r (Magalhes 1908:56). Em relao sua
estrutura, essa j foi descrita no captulo anterior.
Evoluiu, segundo Senos da Fonseca, da ilhava, bateira de mar, que tambm se dedicava
apanha de ervagens desde o sculo XVII, mas que no era especializada. O moliceiro ter
adquirido as formas que hoje possui nos finais do sculo XVIII (Fonseca 2011:118).
Era uma embarcao destinada recolha e transporte de vegetao, servindo tambm
para o transporte de gado e mercadorias, exercendo a atividade em toda a extenso da laguna.
Variava na dimenso e tipo de ornamentao consoante a localidade de origem (Castro 1943a:9).
32
Podiam-se distinguir trs tipos de moliceiros (da Murtosa, de Salreu e de Mira), sendo o
padro o da Murtosa, devido s suas dimenses e ao facto de ser o que possua uma maior
ornamentao (Filgueiras 1965:24). No entanto, a principal funcionalidade dos trs era a mesma, a
recolha e transporte do molio, ervagem que foi durante sculos utilizada para adubar as terras
pouco frteis em torno da laguna (Fonseca 2011:105).
Em relao evoluo de efetivos, h referncias para o incio do sculo XIX, quando
existiam cerca de 600 embarcaes (Fonseca 2011:118) e dos finais deste at aos finais do sculo
XX, estando os dados reunidos apresentados em anexo, em duas tabelas (G5), uma da autoria de
Eduardo Laranjeira e outra nossa, contendo os dados fornecidos por Ana Maria Lopes.
A informao estatstica das tabelas demonstra, em primeiro lugar, que os dois autores
dispem de dados diferentes. Segundo Ana Maria Lopes, a sua fonte ter sido a Capitania do
Porto de Aveiro; j Laranjeira no refere a provenincia das suas informaes. Deste modo,
tomamos por mais certa a tabela da primeira, uma vez que os dados da autora apresentam um
decrscimo de embarcaes registadas bastante mais gradual do que o que Laranjeira menciona,
sendo o cenrio mais plausvel, pois no se verificou qualquer ocorrncia que provocasse quebras
da ordem das apresentadas por este autor. Tambm o facto de, nos anos 80, Laranjeira registar
apenas duas ou trs embarcaes, ou seja, o moliceiro perto da situao de extino, no ser de
todo correto. A nica quebra assinalvel ser nos finais dos anos 60, poca em que o molio foi
em grande parte substitudo por adubos qumicos na agricultura, como vamos referir adiante.
Podemos ainda observar que, a partir da dcada de noventa, pela primeira vez em quase
um sculo, os moliceiros registados tiveram um aumento. Estes novos moliceiros j no foram
construdos para a apanha do molio, mas sim em virtude do seu aproveitamento turstico,
especialmente na cidade de Aveiro, uma vez que foi reconhecido o seu potencial nesta rea e
houve uma importante consciencializao da populao, que fomentou a construo deste tipo de
embarcaes, existindo atualmente cerca de duas dezenas de moliceiros.
No que concerne, quantidade de molio recolhido, em 1925, rondava as 400 mil
toneladas anuais; em 1936 j tinha baixado para 300 mil; nos anos 40 rondou as 250 mil e na
dcada de 60 o valor anual j s seria de cerca de 100 mil toneladas. No entanto, o molio nesta
poca ainda existia, em algumas reas da laguna, em grande abundncia, mas o facto deste no ser
recolhido fazia com que o assoreamento nesses locais se tornasse mais rpido. Convm ainda
esclarecer que nos anos 70 ainda existiam vrias reas com molio, como era o caso de um troo
do Canal de Mira, entre a Costa Nova e a Vagueira e em zonas junto Murtosa (Lopes 1997:19)
O que levou a atividade de moliceiro decadncia foi a dureza da profisso, a m
renumerao, o alto custo de um moliceiro ou mesmo de uma bateira erveira e da sua manuteno
33
e a forte diminuio da procura de molio por parte dos agricultores, sobretudo a partir dos finais
dos anos 60, em virtude da sua substituio por outro tipo de adubos (Lopes 1997:19).
Dimenses
Relativamente s dimenses do barco moliceiro, assim como das restantes embarcaes,
vamos optar por indicar as medidas principais (comprimento, boca, pontal, n de cavernas e
capacidade de deslocao), tendo em conta as menores e maiores indicadas por todos os autores
consultados, uma vez que existem muitas variaes, de autor para autor, ao longo do tempo.
Segundo as dimenses apresentadas o barco moliceiro ter evoludo, entre os finais do
sculo XIX e os anos 40 do sculo XX, dos 13 para os 15 m, e o seu pontal ter sido reduzido em
cerca de metade, algures a partir dos anos 80 (Eduardo Laranjeira copia os dados fornecidos por
Jos de Castro). As medidas do barco moliceiro foram as seguintes (G6): 13 a 15 m de
comprimento; 2,50 a 2,60 m de boca; 0,40 a 1 m de pontal; 21 cavernas e capacidade de
deslocamento entre os 4000 a 5000 kg.
Meios de deslocao
Os barcos moliceiros deslocavam-se vela, vara ou sirga (Magalhes 1908:57). A
vela era o meio de deslocao mais utilizado sendo esta trapezoidal, normalmente de lona
(Magalhes 1908:56). Para a aparelhagem da vela ao mastro, a sua parte superior presa verga,
por meio de cordis (envergues), sendo esta iada pelo ostaga, cabo que passa por um orifcio
(cachola) situado na parte superior do mastro, ficando a outra extremidade amarrada ao prprio
mastro ou no argolo (Laranjeira 1998:18). Outros dois cabos, a troa e amura, prendem-na na
parte superior e inferior respetivamente. Nos rizes passam pequenos cabos com o mesmo nome,
que servem para reduzir a superfcie da vela. Para orientao do barco existe o bolino, cabo que
se prende ao moito da bica de proa (Castro 1943a:10). Na parte inferior da vela, encontra-se a
escota, que um cabo destinado a dar maior ou menor superfcie de pano, diminuindo ou
aumentando a velocidade da embarcao. A escota est presa a um varo fixado no interior por
estibordo da r, que arma na respetiva fmea a estibordo ou bombordo da embarcao. Quando
no usado arma numa a estibordo, de modo a libertar espao (Laranjeira 1998:18).
Por norma, o moliceiro utilizava s uma vela no mastro principal. No entanto, quando era
necessrio, podia ser usada uma segunda vela, designada de traquete. Esta tinha o pano mais
pequeno e era colocada no mastaru, que um mastro mais pequeno, localizado na proa, e que
encaixa no argolo (Laranjeira 1998:18). Os cabos com os quais a vela manobrada contornamna exteriormente e so fixados atravs de moscas, que eram reforos de fio de nylon, lona ou
cabedal (Magalhes 1908:57).
34
A vara era a segunda forma mais usada pelos barcos moliceiros. A ela se recorria na
ausncia de vento ou quando a embarcao manobrava junto a cais, motas e malhadas. Esta
deslocao fazia-se recorrendo a varas de 4 a 6 m de comprimento que os tripulantes empurravam
com o peito contra o fundo, em percursos repetidos entre a proa e a r, sendo o castelo da proa e os
bordos j aparelhados com serradura com vista a este trabalho (Castro 1943a:10). Segundo Lus
de Magalhes, duas a trs varas por barco eram suficientes para uma boa manobra, mas podiam
ser utilizadas mais (Magalhes 1908:54).
A sirga era o mtodo menos utilizado. Fazia-se sobretudo em canais estreitos ou junto s
margens, quando se navegava contra a mar ou contra o vento. Neste meio de deslocao, uma
das extremidades da sirga, que era um cabo de sisal ou nylon com 25 cm de espessura e mais de
30 m de comprimento, era amarrada aos golfies e a outra levava-o um tripulante, que seguia a p
pela margem (Magalhes 1908:54). Uma outra forma de utilizar a sirga era prendendo-a numa das
extremidades do xarolo, passando de seguida pelo moito da bica da proa e sendo amarrada
extremidade do mesmo. Com este mtodo, os dois tripulantes podiam manusear o leme enquanto
faziam outros trabalhos, de qualquer local da embarcao (Castro 1945a:10).
Para auxiliar a manobra da embarcao existe o leme, que se situa no extremo da r (G78). Este divide-se em porta, madre e cabea. A porta a parte plana mais larga e permite controlar
o rumo da embarcao; a madre o eixo em torno do qual gira a porta e a cabea o extremo
superior da madre (Branco 1981:30). O leme atravessado na parte superior pelo xarolo, uma
vara com cerca de 2 a 2,5 m de comprimento, que se prende sirga (Castro 1943a:12). Hoje em
dia essa vara j foi quase completamente substituda por um tubo de ferro, que termina em duas
argolas (Lopes 1995:57). O leme adapta-se embarcao por um sistema de dois machos, que se
unem com duas fmeas no exterior da roda da r. Tem trs a quatro posies de funcionamento,
que so escolhidas conforme o vento, a carga da embarcao no momento e as mars (Lopes
1995:58). Ainda no leme, a cerca de meia altura existe um local onde o construtor coloca a sua
divisa. Um pouco abaixo encontra-se uma reentrncia chamada chana, que tem apenas funes
decorativas (Castro 1943a:12).
Para parar a embarcao recorre-se ao moiro, que uma vara comprida que se espeta no
fundo da laguna, de modo a imobilizar a embarcao. Esta prende-se orelha, uma pea de
madeira que fica a estibordo, junto cinta (antes do painel da proa) e que serve para evitar o atrito
no costado (Castro 1943a:13).
Sobre a introduo do motor nesta embarcao, assim como nas que iremos mencionar de
seguida, tal ter tido incio, em larga escala, a partir da dcada de 80. Para essa recente adaptao
foi necessrio criar-se um espao na r das embarcaes, denominado go (G9), onde se
introduz o motor (Moreirinhas 1998:36). Apesar de desfigurar as embarcaes lagunares,
35
inclusive o moliceiro, esta introduo tambm teve as suas vantagens, uma vez que poder ter
contribudo para retardar o desaparecimento deste tipo de barco tradicional.
Ornamentao
Em relao decorao dos moliceiros, esta mais evidente na proa e na r, precisamente
nos quatro painis decorativos (G10), (Castro 1943a:15). Estes painis apresentam, segundo Clara
Sarmento, que fez uma diviso dos painis dos moliceiros, tendo por base mais de 700
exemplares registados entre 1980 e 2003, cinco grandes temticas, sendo painis jocosos,
religiosos, ldicos, sociais e histricos. Dentro destes grupos existem ainda vrios subtemas
(Sarmento 2008:239-240).
As pinturas so quase sempre rudimentares e tm uma legenda ao estilo popular para
reforar a mensagem (Laranjeira 1998:21-22). Outra curiosidade o facto de terem uma orla com
faixas onde se encontram figuras geomtricas, bastante coloridas, como tringulos, crculos,
semicrculos, losangos, entre outros. Normalmente, um dos painis da r tem ainda indicao do
estaleiro e do seu mestre construtor (Laranjeira 1998:22).
Utenslios
Os principais utenslios que eram e so transportados, quer num moliceiro, quer em
qualquer bateira, so: o escoadoiro ou vertedoiro (G11), semelhante a uma p com 45 cm de
comprimento e 40 cm de largura, que serve para escoar a gua que se deposita no vo das
cavernas (Lopes 1995:56); o lambaz, que serve para lavar a embarcao e constitudo por um
cabo de madeira de 1,5 m, com vrios fragmentos de trapo sobrepostos numa das extremidades
(Lopes 1995:58) e alguns utenslios domsticos. Estes atualmente sero apenas um recipiente para
a gua, contudo, pelo menos at aos anos 40 do sculo passado, como os tripulantes chegavam a
passar vrios dias sem vir a terra, era necessrio a embarcao estar apetrechada com fogareiro de
ferro, caldeiro, tijelas, palanganas de barro vermelho, colheres, garfos, barril para a gua, mantas
de agasalho, etc. (Castro 1943a:19).
Mercantel
O mercantel ou saleiro (G12-15) a maior embarcao da laguna, tendo sido designada
por Lus Magalhes como "o barco de carga por excelncia da ria" (Magalhes 1908:55). O
mercantel desenvolveu-se, tal como outras embarcaes tradicionais, devido ao facto de a laguna
necessitar de um meio de transporte com fundo chato, pouco calado, mas que fosse veloz
(aproveitando os ventos atravs da vela de pendo) e conseguisse transportar grande quantidade
de mercadoria (at 20 t) entre as vrias povoaes, uma vez que, com a evoluo do assoreamento
e da sedimentao, a partir do sculo XIV-XV, tornou-se impossvel a navegao de embarcaes
com quilha no interior da laguna, como at ento faziam (Fonseca 2011:53). O mercantel ter sido
36
a primeira embarcao deste tipo nos tempos modernos e o seu nmero aumentou
exponencialmente no sculo XIX, conforme a economia das povoaes em torno da laguna foi
crescendo, aps a abertura da barra.
No sabemos como foi a sua evoluo, pois no dispomos de fontes. No entanto, em
relao aos sculos XIX e XX verificamos que as suas formas pouco se alteraram, sendo que a
principal diferena se nota na proa, que era menos elegante e menos afunilada (Fonseca 2011:54).
Senos da Fonseca coloca a hiptese de os mercantis terem resultado da evoluo de
barcas normandas, de fundo chato, que foram utilizadas no sculo IX para subir os rios, que
poca no desaguavam na laguna, mas sim no mar (Fonseca 2011:55). Esta teoria merece
reservas, uma vez que no h dados arqueolgicos que a suportem.
Tinha semelhanas com o moliceiro, mas era de maiores dimenses e apresentava o
costado mais alto, podendo tambm esse ser prolongado por falcas (Castro 1945a:199). A nvel da
decorao ostentava, em alguns casos, smbolos na proa (Lopes 1995:21).
Era construdo da mesma forma que o barco moliceiro, sendo usados moldes e o pau de
pontos. Os materiais empregues eram a madeira, o ferro, a lona e o sisal. Tal como o moliceiro,
era embreado a pez louro (exceto o costado e a cinta) e posteriormente a pez preto (Castro
1945a:199). A vida mdia de um mercantel seria cerca de 20 anos, mas podiam chegar aos 30 ou
40 (Laranjeira 1998:37).
Este tipo de embarcao teve o seu maior desenvolvimento entre o final do sculo XVIII
e o incio do sculo seguinte. At 1864, ano em que foi construdo o caminho-de-ferro na regio,
estas embarcaes desempenhavam um papel importante como meio de comunicao entre os
povoados (Laranjeira 1998:35).
No sculo XIX refere-se a existncia de cerca de 50 construtores de mercantis.
Atualmente j no se fazem, tendo sido o ltimo fabricado em Pardilh, em 1973 (Fonseca
2011:55-56). Segundo Ana Maria Lopes, em 1995, ainda existiam alguns exemplares que se
dedicavam apanha de junco, no Bico da Murtosa e na Ribeira da Aldeia (Pardilh), e outros
vocacionados para o transporte de sal em Aveiro (Lopes 1995:22). Isto sem contar com os que
atualmente se dedicam a passeios tursticos nos canais da cidade de Aveiro, juntamente com os
barcos moliceiros. Sofreram grandes adaptaes para se adequarem a esse tipo de servio, estando
totalmente deturpados nas suas formas, caractersticas e funes originais.
O mercantel teve trs grandes funes distintas, o transporte de pessoas, de mercadorias e
de sal (Fonseca 2011:55). Era utilizado ento para transportar as pessoas entre os inmeros canais
e tambm para um outro tipo de travessia, mais longo, em modo de carreira regular entre os
centros mais importantes: Ovar-Aveiro, Vista Alegre-Ovar, Gafanha-So Jacinto, etc. Embora
para o primeiro caso no exista muita documentao, para este ltimo pode ser encontrada, a partir
37
do sculo XVIII (Fonseca 2011:57). Para esta funo existiam ainda modelos mais pequenos,
com duas bancadas de madeira ao longo do costado, uma a estibordo e outra a bombordo, no
sentido longitudinal, destinados ao transporte de pessoas nos canais, sendo designados por "barcas
de passagem" quando exerciam esta funo (Lopes 1995:22).
Como se referiu, porm, o seu principal destino foi o transporte de sal, ao ponto de muitas
vezes surgir designado como saleiro e no como mercantel, ou mesmo confundido com aquele
(Fonseca 2011:65). Para este fim, alguns dos apetrechos que transportava eram uma prancha para
carga e descarga e canastras para a baldeao do sal, para alm dos habituais (Magalhes
1908:56).
Deslocava-se vela, vara e sirga e podia, tal como o moliceiro, usar um segundo
mastro, ou mastaru, que era preso por trs pequenas argolas de ferro, ficando a base encaixada
tambm numa coxia, junto proa (Laranjeira 1998:36).
No que concerne s suas dimenses (G16), apresentava entre 18 a 20 m de comprimento;
2,50 a 3 m de boca; 0,85 a 0,90 m de pontal; 28 a 32 cavernas e capacidade de deslocamento entre
12000 a 20000 kg. O mastro tinha de altura mdia, no sculo XIX, 8,80 m e no sculo XX, 10,80
m (Fonseca 2011:70).
Matola
Segundo Ana Maria Lopes, o matola (G17-18), tambm conhecido por miro ou mirante,
foi o moliceiro do sul da laguna, pois era empregue sobretudo do canal de Mira para a apanha
do molio, mas nunca chegou a ter o prestgio do seu congnere. As principais diferenas eram o
facto de ter dimenses mais reduzidas, proa mais baixa e ser embreado a preto (Lopes 2009a).
Estas embarcaes pertenciam, por norma, a pescadores do Areo e de Mira, sendo construdos
em Portomar e Seixo de Mira. Os donos dos matolas, ao contrrio dos moliceiros, no se
preocupavam com a beleza da sua embarcao, no sendo, por isso, ornamentada (Lopes
1997:63). Tero resistido at aos anos 60 do sculo XX (Lopes 2009a).
Segundo Lixa Filgueiras, o matola teria de comprimento mdio 13,5 m e podia ser
movido vela, vara e sirga por 2 ou 3 tripulantes (Filgueiras 1965:24). Ana Maria Lopes
acrescentou que a boca teria 2,5 m e o pontal 40 cm (Lopes 2012:20).
4.3.2 - Bateiras
As bateiras so embarcaes que tm dimenses e caractersticas diferentes conforme a
sua funo e o local onde so construdas e/ou empregues. Existem porm algumas caractersticas
a nvel de formas que so comuns entre quase todas, como o fundo chato e fusiforme, terem o
traste como reforo transversal, pouco calado e, por norma, possurem cobertura da proa
(Silva/Lopes 2011:17).
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Outra caracterstica que podemos referir o facto de, nos anos 40, Jos de Castro expor
que as bateiras no tinham uma decorao bela como a dos moliceiros e mesmo dos barcos de
mar. Por norma, o casco era apenas pintado com uma cor e na proa colocava-se um emblema e o
nmero de matrcula. Havia, no entanto, algumas excees entre os pescadores, que optavam por
colocar outros emblemas, assim como faixas longitudinais de vrias cores (Castro 1943b:63).
No final do sculo XX, j era dado outro tratamento s bateiras, sendo que todos os anos
se faz um processo de restauro e tratamento, que serve para, alm de realizar pequenos restauros,
manter as cores vivas. Tal alterou a paisagem da laguna, existindo inclusive uma tipologia
(chinchorro) que passou a ter alguns desenhos (Moreirinha 1998:36).
Aproveitamos tambm para referir que hoje as embarcaes de pesca so registadas na
Capitania do Porto de Aveiro, com um nmero, que na embarcao vai ficar situado entre a letra
A (de Aveiro) e a letra L (de pesca Local). Damos como exemplo a seguinte: A 674 L.
(Moreirinha 1998:40).
Bateira caadeira
As bateiras caadeiras (H6-10) eram o tipo de embarcao, segundo Baldaque da Silva,
mais vulgar em todo o pas, em contexto fluvial e estuarino, servindo no s para a pesca, mas
tambm para a caa (Silva 1891:410). So o tipo de bateiras que sempre existiram em maior
quantidade na laguna, exercendo atividade em toda a sua extenso, variando a dimenso de local
para local e tambm consoante a sua funo (Lopes 1995:19).
Tm o fundo chato e fusiforme, castelo de proa, proa e r recurvadas, uma decorao
simples ou inexistente e normalmente apresentam a cinta pintada com uma cor forte. A nica
medida que semelhante em todas as bateiras caadeiras (e nas restantes bateiras) a distncia
entre as cavernas, que se situa sempre entre os 44 e os 50 cm (Lopes 1995:19). tripulada por
uma ou duas pessoas, tem normalmente entre 10 a 12 cavernas e consegue transportar, em mdia,
cerca de uma tonelada, capacidade muito varivel consoante a sua dimenso (Laranjeira 1998:50).
Inicialmente foi utilizada para o transporte de pessoas em canais estreitos e para a caa.
Para este efeito tinha uma curvatura da proa pequena, de modo ao ngulo de viso ser o maior
possvel (Laranjeira 1998:50). Hoje, destinam-se principalmente pesca (Lopes 1995:22), mas
como apta para vrias funes, tambm pode ser utilizada para transporte, quer de pessoas quer
de mercadorias (Silva/Lopes 2011:56). Deslocava-se vela, vara ou a remos e podia ainda usar
um pequeno leme desmontvel (Castro 1945a:66).
Em relao s suas medidas principais (H11), podemos afirmar que tiveram de
comprimento entre 5 a 10 m; boca de 1 a 1,80 m; pontal de 30 a 90 cm; 9 a 12 cavernas e uma
capacidade de deslocamento varivel mas que podia atingir 1000 kg.
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especfico, o chinchorro, de onde lhe provem o nome (Silva/Lopes 2011:65). Tem a r e a proa
bem arqueadas (a bica da proa mais alta 25 cm que a r), fundo chato e um pouco arqueado,
costados arredondados e baixos, traado da r e proa semelhante aos barcos de mar chinchorros e
boca maior que as restantes bateiras. O costado e a cinta so embreados a pez negro, pintada
com cores vivas, muito colorida e tem decoraes tais como motivos humanos, florais, emblemas,
ramos de flores e imagens de santos (Lopes 1995:22). Desloca-se com dois remos (um ou dois
tripulantes em cada um). No usa vela, nem leme, mas pode ter um mastro meramente festivo
(Silva/Lopes 2011:65-66). A sua tripulao varia normalmente entre os seis e os sete homens.
Atualmente s existem cerca de uma dzia destas bateiras na zona da Torreira (Lopes 2011:66).
Em relao s suas medidas principais (H16), podemos afirmar que tiveram entre 7 a 10
m de comprimento; 1,75 a 2,18 m de boca; 57 a 90 cm de pontal; 13 a 17 cavernas e capacidade
de deslocamento a rondar os 2300 kg.
Bateira de Mira
Senos da Fonseca descreveu, em setembro de 2011, no seu blog Arquitectura Naval
Lagunar esta embarcao como existindo somente na Barrinha de Mira. Segundo o autor era
uma pequena bateira fusiforme com bica semelhante s lagunares, que no tinha castelo de proa
mas possua forcados de proa e de r e dispunha de nove cavernas (Fonseca 2011e).
J em fevereiro de 2013, Ana Maria Lopes, no seu blog Marintimidades 3, refere que
teve conhecimento pela primeira vez, passado cerca de um ano e meio da publicao de Senos da
Fonseca, desta tipologia de embarcao. A autora afirma que a bateira que visionou tinha as
caractersticas j mencionadas, mas adianta que possua onze cavernas e no nove conforme
Senos da Fonseca havia referido, que a sua funo seria a pesca, no usava leme nem mastro e
tinha duas chumaceiras com escalames para remar numa bancada bastante a vante e mais
uma do lado de estibordo para ser utilizada numa bancada a meio. (Lopes 2013).
Fizemos uma prospeo em torno quer da Barrinha de Mira, quer da Lagoa de Mira e
encontrmos oito exemplares na primeira (H32) e mais um exemplar junto Barrinha de Mira, o
mesmo que Ana Maria Lopes havia observado (H33-34). Curiosamente, para alm desta
embarcao presumivelmente abandonada, das que ns encontrmos, nenhuma tinha nove
cavernas como Senos da Fonseca havia referido, tendo duas, onze e as restantes dez.
Em relao s suas dimenses, tinha segundo Senos da Fonseca, 5,80 m de comprimento,
1,40 m de boca, 40 cm de pontal e 9 cavernas como j foi dito. J Ana Maria Lopes afirma serem
5,85 m de comprimento, tambm 1,40 m de boca, 38 cm de pontal e 11 cavernas.
referiu que no era um hibrido de um matola, pois dispunha de grandes diferenas em relao a
este. Tinha uma proa muito mais elegante, menor comprimento, golfies duplos proa e r e era
polvilhada com casca de arroz. Adiantou tambm que no era uma bateira, de modo que se devia
utilizar a palavra barco para a classificar (Lopes 2012:18-19).
Em novembro deste ano (2013) deu-se o bota abaixo, em Estarreja, de uma bateira que foi
qualificada como a nica bateira erveira de Canelas no ativo4 (H27), construda tendo em conta a
existente no MMI. A ltima bateira deste gnero havia sido construda, em 1964, pelo Mestre Ti
Arnaldo Pires (1921-1997), em Canelas (Lopes 2012:11). Estava, portanto extinta.
Em relao s suas medidas principais (H28), andaram entre 9,30 a 10,15 m de
comprimento; 1,90 a 2 m de boca; 40 cm de pontal; 12 a 14 cavernas e uma capacidade de
deslocamento de 1000 kg.
Bateira labrega
A bateira labrega (H17-19) uma bateira de bica que j no est em atividade. Destacavase por ser a nica bateira embreada a pez louro (Castro 1945a:65). Semelhante bateira de bica
chinchorro, no era to lanada, alta e esguia. A sua dimenso dependia da arte de pesca a que se
destinava, mas podia alcanar os 9-9,15 m de comprimento e era utilizada para vrios tipos de
artes de pesca tais como a chincha, garateia e chinchorro. Para outras, como as do botiro,
branqueira, salto e solheira, faziam-se bateiras menores, com cerca de 8 m de comprimento e boca
mais pequena (Fonseca 2011c). Deslocava-se vela e a remos e usava a vela para bolinar,
podendo ter como auxiliar de navegao um leme desmontvel e os remos quando estava na faina
(Fonseca 2011c). A sua tripulao dependia da arte de pesca a que se dedicava, variando de dois a
sete (Castro 1945a:65). O castelo da proa apresentava semelhanas com o do moliceiro, sendo
resguardado por uma porta volante, espao onde eram guardados os utenslios necessrios. Na r
havia uma entremesa, mas no servia de arrecadao (Castro 1945a:65). Senos da Fonseca coloca
a hiptese de o seu nome ter surgido devido a uma potencial associao lavra, como funo
inicial na Murtosa, sendo muito usada, por exemplo, na Costa Nova por murtoseiros que
armavam ali artes de pesca sedentrias (Fonseca 2011c).
Em relao s suas medidas principais (H20), foram entre 7 a 9,15 m de comprimento;
1,35 a 1,90 m de boca; 50 a 60 cm de pontal; 13 a 15 cavernas e uma capacidade de deslocamento
de cerca de 1400 kg.
http://www.diarioaveiro.pt/noticias/bateira-erveira-prova-aguas-da-ribeira-de-canelas - consultado a 5
de dezembro de 2012
43
Bateira marinhoa
A bateira marinhoa uma das que atualmente j no existe e h bastantes dvidas em
relao s suas formas e funes. Sobre ela h relatos de trs autores, Jos de Castro, Octvio Lixa
Filgueiras e Eduardo Laranjeira.
Jos de Castro referiu que a bateira marinhoa no tinha nenhuma caracterstica distintiva,
para alm da planificao do fundo e o seu formato (Castro 1945a:200), (H29), de modo que a
incluiu no grupo das bateiras de pesca fluvial, juntamente com o barco mercantel, a bateira
mercantela, a patacha e as bateiras erveiras (Castro 1945a:200). J Eduardo Laranjeira (1998:48)
elaborou um alado que mostra uma bateira de bica com uma curvatura de r diferente das
restantes (H30) e Senos da Fonseca coloca a hiptese de a bateira marinhoa, a ter existido, ser uma
bateira local (na zona das marinhas) e no propriamente um tipo (Fonseca 2011d).
Deslocava-se normalmente vara, mas tambm utilizava remos (Castro 1945a:200), no
apresentava decorao e era embreada a pez negro (Laranjeira 1998:48).
Em relao s suas medidas principais (H31), podemos afirmar que tiveram entre 8,50 a
8,75 m de comprimento; 1,75 a 2,05 m de boca; 55 cm de pontal; 12 a 14 cavernas e uma
capacidade de deslocamento entre os 1500 e os 1730 kg.
Bateira mercantela
A bateira mercantela (H21-23) foi considerada a terceira maior embarcao da laguna
(Magalhes 1908:58 e Castro 1945a:64). Inicialmente, a nvel de forma era semelhante ao
mercantel, apresentando tambm um interior parecido, quer nos castelos de proa e da r, quer nos
utenslios de que dispunha (Castro 1945a:65).
No entanto, tinha algumas diferenas, como o caso de no possuir "bordo nem draga
apertadas no extremo do brao da caverna" (Fonseca 2011d). Deste modo, quando se deslocava
vara, tinha duas tbuas, designadas tbuas das tostes de correr ou tbuas de verdegar, que
permitiam tripulao caminhar pela borda enquanto empurrava a vara. S no sculo XX que
passou a ser construda com draga e bordo (Fonseca 2011d).
Outra diferena era o facto de ser empregue, segundo Jos de Castro, na pesca,
nomeadamente na berbigoeira (Castro 1945a:64). Deslocava-se vela, vara e no usava
remos (Silva/Lopes 2011:97).
Em relao s suas medidas principais (H24), tiveram entre 10 a 14,5 m de comprimento;
1,62 a 2,62 m de boca; 50 a 60 cm de pontal; 17 a 24 cavernas e uma capacidade de deslocamento
entre os 1500 e os 3280 kg.
44
Esguicha ou esgueiro
Tratava-se de uma embarcao semelhante ilhava mas de menores dimenses (H4-5). O
seu nome ter derivado da localidade de Esgueira, atualmente pertencente ao concelho de Aveiro,
e seria uma embarcao cujas funes foram a pesca e a apanha de ervagens (Silva 1891:409).
Senos da Fonseca diz que existem poucas aluses a esta embarcao, que o prprio
classifica como sendo uma bateira de bicas com origem no canal de Mira, tendo l sido empregue
aquando da localizao da barra a sul da Costa Nova (Fonseca 2011b).
Segundo o catlogo da exposio de homenagem a Henrique Maufroy Seixas ficmos a
saber que as esguichas seriam utilizadas no s na laguna de Aveiro, mas tambm em outros
locais, nomeadamente na praia da Trafaria (Almada), onde, em 1938, apenas existiam duas
(Castro 1988:209). O aparecimento da embarcao em locais fora da laguna deveu-se dispora
destes povos j mencionada.
Ladra ou matola
A ladra ou matola (H36-37) era uma pequena bateira utilizada conjuntamente com os
moliceiros (sendo inclusive rebocado por estes quando iam para a faina). Apresentava entre 3 a 5
m de comprimento, era negra, de bicas dobradas, boca grande, proa e r idnticas, no tinha
castelo de proa e s se movia vara. Servia para apanhar o molio nas praias e nos locais menos
profundos, onde o moliceiro no conseguia (Magalhes 1908:57), e tambm era utilizada para o
transporte de ervagens e animais (Fonseca 2011d). Em relao s suas dimenses,
segundo Ana Maria Lopes, teria 4 m de comprimento, 1,20 m de boca, 35 cm de pontal e 6
cavernas (Silva/Lopes 2011:31).
Para Senos da Fonseca, a sua origem estava no canal de Mira e, devido s sua linhas
muito simples e rudimentares, ter sido uma evoluo ou derivao da esguicha e por isso uma
das primeiras embarcaes deste tipo na laguna (Fonseca 2011d).
Patacha
Embora Lus de Magalhes no refira a patacha, chata ou rasca (H38-42) como tambm
era conhecida, esta uma embarcao muito curiosa e devido sua simplicidade j deveria existir
muito antes do sculo XIX. Senos da Fonseca coloca mesmo a hiptese de j estar presente em
tempos pr-lagunares em rios que hoje desaguam nela (Fonseca 2011d). Apesar das patachas
terem tido uma dimenso muito varivel, so das embarcaes mais pequenas de que temos
conhecimento a navegar na laguna at hoje (Castro 1945a:201). Eram embreadas originalmente a
pez louro e da em diante a pez negro, fusiformes (alargando ligeiramente na popa), de fundo
chato, tinham o costado baixo, um pequeno assento na r e uma draga que refora a embarcao
desde a 2 4 caverna no sentido r-proa (Lopes 1995:24).
45
46
- A embarcao designada Barco de Fermentelos (I5), que pelo nome nos leva a pensar
que seria originria da Pateira de Fermentelos, tinha cerca de 6 m de comprimento, boca com 1,20
m, pontal com 28 cm e 11 cavernas.
- A Rasca (I6-7), de Canelas, muito semelhante patacha e teria cerca de 6 m de
comprimento, 1,10 m de boca, 20 cm de pontal e 10 cavernas.
- Constava ainda deste conjunto uma Barca de Transporte de Ervas (I8-9), de Canelas,
que teria 6,25 m de comprimento, boca com 1,40 m, pontal com 32 cm e 11 cavernas.
- Havia ainda meno a um Barco de 14 cavernas, de Canelas, que tinha 9,67 m de
comprimento, boca com 1,85 m, pontal com 45 cm e 14 cavernas, tal como seu nome alude.
- O Barco de Passagem (I10-11), de Angeja, que tinha 6,8 m de comprimento, boca
com 2 m, pontal com 40 cm e 11 cavernas.
- Por ltimo, uma embarcao designada Patachinha (I12-13), da localidade de Angeja.
Seria uma variao da patacha e tinha 4,9 m de comprimento, boca com 1,2 m, pontal com 28 cm
e 9 cavernas.
motivo, estiveram anos ou dcadas em falta e voltaram novamente. Todavia, nota-se uma grande
estabilidade no nmero total de espcies, que variou pouco no ltimo sculo (Pombo/Rebelo
2003:108).
Os primeiros dados que possumos sobre os recursos pisccolas da laguna de Aveiro
encontram-se nas memrias paroquiais de 1758, sendo que referido que a quantidade de peixes
era grande e inextinguvel. So ainda mencionadas algumas das espcies que habitavam a laguna,
algumas de provenincia fluvial, nomeadamente do rio Vouga, tais como: enguias, solhas,
linguados, mugens e savelhas. J outras entravam pela barra: corvinas, lampreias e mariscos
(Capela/Matos 2011:224). Na parte da laguna que pertencia a lhavo, foram mencionadas outras
espcies, como azevias, rodovalhos e tainhas (Capela/Matos 2011:193).
Alguns autores como Regalla (1888) e Nobre (1915), dos primeiros a estudar a fauna da
laguna, afirmam que no seu tempo ela era pobre em nmero de espcies, apesar de, segundo o
primeiro, existirem 53 (Regalla 1888:31) e, segundo Nobre, 52 espcies pisccolas, ou seja um
quantitativo na ordem do que Lcia Pombo e Jos Rebelo apontam para o sculo XX, em que
oscilou entre as 38 a 55 espcies. Deste modo, as afirmaes de Regalla e Nobre podem ser
explicadas pelo facto de a maior parte das espcies, no seu tempo, no serem utilizadas na
alimentao. S por curiosidade, Regalla afirma que no sculo XIX existiram algumas espcies
que hoje j no se encontram, nomeadamente o cavalo-marinho e a corvina (Regalla 1888:31-38).
Mais recentemente, Lcia Pombo (1998), na sua dissertao de mestrado em biologia, fez
um estudo sobre a fauna da laguna e comparou a evoluo do nmero de espcies e de famlias de
peixes existentes ao longo do sculo XX, utilizando como base de comparao as informaes
fornecidas pelas obras de Osrio (1912), Nobre et al. (1915), Arruda et al. (1988) e Rebelo (1993).
Em sntese, e segundo estes autores, temos a seguinte evoluo em termos de espcies e de
famlias: Osrio (1912) 52 espcies de 27 famlias; Nobre et al. (1915) 52 espcies de 29
famlias; Arruda et al. (1988) 49 espcies de 27 famlias; Rebelo (1993) 55 espcies de 27
famlias; Pombo (1998) 43 espcies de 21 famlias.
Segundo Lcia Pombo, que em 1998 identificou 43 espcies de 21 famlias, apenas 5 se
distribuam por toda a laguna e apareciam ao longo de todo o ano, sendo elas o peixe-rei-doMediterrneo (Atherina boyeri), o peixe-rei (Atherina presbyter), a tanha-lia (Chelon labrosus),
a tanha-garrento (Liza aurata) e o robalo-legtimo (Dicentrarchus labrax), (Pombo 1998:35). Diz
ainda que 14 espcies s so referidas em 1912 e que 23 foram identificadas desde 1980 at ao
presente estudo, tendo no global o nmero de espcies decrescido desde 1912 em 9, de 52 para 43
(Pombo 1998:58).
Estas espcies, uma vez que vivem num ambiente de transio (ectono), entre o meio
marinho e de gua doce, tem caractersticas particulares e podem-se classificar em vrios grupos
48
tendo em conta o seu habitat e o seu tempo de permanncia em cada um. Deste modo, podemos
classificar os peixes em diversas categorias ecolgicas tais como: espcies residentes lagunares,
espcies marinhas juvenis, espcies marinhas migradoras sazonais, espcies marinhas visitantes
adventcias, espcies migradoras didromas e espcies dulaqucolas ocasionais (Rebelo
2001:45).
As espcies residentes lagunares so as que passam todo ciclo de vida na laguna. As suas
migraes limitam-se ao interior desta e raramente vo ao mar ou sobem os rios. So de origem
marinha, mas com o tempo foram-se adaptando a este tipo de ecossistema ectono
(Pombo/Rebelo 2003:110). Dentro deste grupo podemos destacar alguns cabozes, a galeotamenor, o peixe-rei-do-Mediterrneo, a solha-das-pedras e a tainha-olhalvo.
As espcies marinhas juvenis tm um ciclo de vida misto. Nascem no mar e deslocam-se
de seguida para a laguna at atingirem a idade adulta, altura em que vo para o mar para a sua
primeira reproduo e j no voltam, passando l o resto da vida adulta (Pombo/Rebelo 2003:110111). Dentro deste grupo podemos indicar algumas espcies de sargo, linguado, rodovalho, ruivo
e robalo.
As espcies migradoras sazonais realizam deslocaes peridicas ao longo da sua vida
entre o mar e a laguna (Pombo/Rebelo 2003:111). Dentro deste grupo podemos referir algumas
espcies de tainha e o biqueiro.
As espcies marinhas visitantes adventcias so as que s ocasionalmente entram na
laguna devido s mars ou em busca de alimento. Dadas as suas caractersticas, no conseguem
penetrar muito, encontrando-se apenas junto barra e em pequeno nmero (Pombo/Rebelo
2003:111), como sucede, por exemplo, com a dourada.
As espcies migradoras didromas encontram-se divididas em espcies andromas e
espcies catdromas. As andromas primeiras passam a maior parte da sua vida no mar e migram
em direo aos rios para se reproduzirem e as catdromas vivem nos rios e vo reproduzir-se ao
mar (Pombo/Rebelo 2003:112). Dentro deste grupo podemos destacar a savelha, o svel, a enguia
e algumas espcies de tainha.
As espcies dulaqucolas ocasionais vivem toda a vida nos rios, no entanto podem
esporadicamente descer at laguna arrastados pela corrente ou em busca de alimento
(Pombo/Rebelo 2003:113), como faz, por exemplo, o pimpo.
Adianta ainda referir que nos cinco estudos, apenas 20 espcies so comuns: 6 residentes,
3 marinhas adventcias, 3 marinhas dependentes do meio lagunar, 1 dulaquicola ocasional, 4
migradoras e 3 didromas (Rebelo 2001:45). Mais recentemente, em 2003, Lcia Pombo e Jos
Rebelo, num artigo que publicaram (Pombo/Rebelo 2003:101-114) usaram dois novos estudos,
de 1999 e 2000, e elaboraram um grfico (K3). Nele podemos de novo confirmar a estabilidade
49
do nmero de espcies e de famlias na laguna entre 1912 e 1999, embora entre o estudo de 1999
e de 2000 tenha havido uma quebra significativa no nmero de espcies. Devido falta de
observaes mais recentes, no conseguimos apurar se tal descida ter sido contnua nos anos
seguintes ou se foi apenas ocasional.
Por no ser este um tema a que me possa dedicar com mais detalhe, embora reconhea a
sua relevncia para ao estudo da pesca, remeto para o anexo L a lista de peixes (nome comum e
cientfico), segundo o trabalho de Lcia Pombo e Jos Rebelo (2003).
5.2 Pesca artesanal da laguna
Uma arte de pesca qualquer aparelho ou mtodo de pesca destinado captura de peixe
(Moreirinha 1998:53). No entanto, fazer uma descrio to simples de artes de pesca artesanais
seria um erro. Afirmamos isto pois, pelo menos no caso da laguna de Aveiro, existiu ao longo do
tempo, uma imensa panplia das mais diversificadas artes, que foram surgindo ao sabor da
capacidade inventiva do pescador ou da importao de ideias (Franca et al. 1998:33). Junta-se a
isto as alteraes na forma como se praticava a pesca.
Sabemos que nos sculos XII e XIII, altura em que a laguna se estava a formar, a pesca
martima e fluvial j era diferenciada em vria documentao (forais e inquiries), sendo a fluvial
a mais praticada. Tal deveu-se maior quantidade de recursos pisccolas presente nas guas da
laguna, assim como maior segurana existente nas guas paradas. No entanto, nesta poca a
pesca ainda no era uma profisso a tempo inteiro, sendo que os seus praticantes exerciam outras
atividades, como a agricultura (Sarmento 2007:42).
Relativamente ao perodo que mais nos interessa, sabemos que a pesca na laguna sofreu
alteraes do sculo XIX at ao presente, quer em relao s espcies capturadas, quer s artes de
pesca utilizadas, que tiveram de se ir adaptando a vrios fatores, nomeadamente s
caractersticas e comportamentos das espcies alvo e necessidade de explorar diferentes
nichos (Rebordo 2000:5).
Segundo Custdio Morerinhas (1995:106), desde a formao da laguna que o valor
econmico das suas espcies pisccolas, assim como a necessidade das povoaes se alimentarem
delas, fez com que os pescadores tentassem melhorar e criar novas formas de pescar, de modo a se
adequarem melhor ao peixe que pretendiam capturar, a pescar em maior quantidade e de
preferncia com pouco esforo.
Todavia, e apesar do progresso das artes, o sucesso das pescarias dependia sempre da
capacidade de adaptao dos pescadores a uma srie de fatores, como as mars, o local onde a
pesca era feita, a hora, as diferentes legislaes em vigor, entre outros. Deste modo, os pescadores
tiveram, e tm, que conseguir perceber desde cedo todas as caractersticas da laguna e ir
acompanhando a sua evoluo (Moreirinha 1998:30).
50
Maria Moreirinha tambm refere que a atividade pisccola j tinha sido menos seletiva e
que noutros tempos se pescavam todas as espcies, apesar de a maior parte delas no ser
comestvel ou no atingir o tamanho adequado alimentao, sendo por isso usadas como adubo
(Moreirinha 1998:43). Hoje, os pescadores dedicam-se sobretudo captura de peixes cuja procura
para consumo maior, o que fez com que bastantes artes tenham deixado de ser utilizadas, tendo
sido substitudas por outras mais selectivas (Moreirinha 1998:30).
Atualmente, as espcies mais capturadas pelos pescadores so, obviamente, as que
atingem maior valor comercial. Podemos destacar a enguia, o robalo, o camaro-bruxo, o ruivo, a
tainha, o linguado, a solha, a galeota e a dourada. Todos estes peixes so, por norma, vendidos
pelos pescadores aos mercados da sua terra, a conhecidos ou utilizados para consumo prprio.
Para alm dos peixes, captura-se ainda uma grande variedade de moluscos e moluscos bivalves
com valor econmico significativo, como choco, mexilho, berbigo, amijoa, navalha e ainda
crustceos (Moreirinha 1998:44). Embora no tenhamos referido a apanha dos moluscos bivalves,
podemos adiantar que, pelo menos desde o ltimo quartel do sculo XIX, j se praticava a apanha
de moluscos bivalves com alguma intensidade (Almeida/Roquete 1890).
Desde os anos 60-70 do sculo XX, a pesca tradicional tem, em alguns locais, sido em
parte substituda pela apanha dos moluscos bivalves, pois o seu valor econmico muito maior do
que o das espcies pisccolas, e tal fez com que esta se tenha tornado uma explorao importante
(Costa/Franca 1985a:72). Exemplo disso o facto de, no ano 2000, nas duas lotas que atualmente
existem na laguna (Aveiro e Torreira), as espcies mais descarregadas tenham sido os moluscos
bivalves, mais concretamente mexilho, amijoa e sobretudo berbigo, em percentagens de 80 a
90 % do total descarregado (Carneiro et al. 2002a:31).
Podemos ainda mencionar as pocas do ano em que as principais espcies so pescadas.
O camaro-bruxo, a enguia, a tainha, a solha e o linguado so pescados todo o ano. Contudo, os
dois peixes chatos referidos so mais abundantes no inverno. A pesca do robalo pratica-se de abril
a outubro, a da galeota na primavera e a dos chocos5 e da dourada da primavera ao inverno
(Moreirinha 1998:49). Mas mesmo sem ter em conta as sazonalidades, tal como Ins Amorim
mencionou, a laguna um manancial riqussimo constitudo por espcies de mar, que entram e
saem com as mars, e espcies de rio (Amorim 2002b:191)
Antigamente muitos pescadores faziam as suas prprias redes (Silva 1891:268), enquanto
hoje em dia so produzidas industrialmente, com novos materiais, como o caso do fio de nylon,
que substituiu o linho, o ticum, o algodo e outros tradicionais. Tambm os flutuadores das
tralhas, outrora de cortia, foram quase todos substitudos por borracha ou um qualquer tipo de
plstico (Moreirinhas 1998:35-36).
5
Fernando Costa diz-nos que, em 1985, as redes para artes de emalhar eram compradas no
comrcio, com a malhagem que o pescador pretendia. Depois era o prprio que tratava de colocar
as tralhas com os pesos e as boias. Eram ainda os pescadores que faziam os tresmalhos
(Costa/Franca 1985a:53). Atualmente sucede o mesmo, sendo que a maior parte dos pescadores
da laguna compra as suas redes nas fbricas que ainda existem no concelho de Ovar, que fazem as
redes para a pesca costeira e longnqua e depois so eles que tratam de as trabalhar conforme
pretendem.
No que toca ao tempo dirio de trabalho, podemos afirmar que atualmente a pesca
praticada apenas durante algumas horas por dia, dependendo o nmero de horas consoante a arte
que est a ser utilizada e a disponibilidade do pescador. Outrora (sculo XIX at meados do sculo
XX), as companhas de pesca podiam durar uma semana e a embarcao atracava todos os dias
num cais que ficasse junto a um mercado para que pudessem vender o pescado e voltar de novo
faina (Almeida/Roquete 1890:211).
5.3 Classificao das artes de pesca
Como j havamos mencionado, realizmos um inventrio onde se encontram todas as
artes de pesca empregues na laguna de Aveiro, desde o sculo XIX at atualidade. As descries
de cada uma, juntamente com as respetivas imagens e fotografias sero remetidas para o anexo M
onde so apresentadas segundo a atual classificao nacional de artes de pesca (Rebordo 2000).
Sublinhamos que apenas se descreve e analisa a evoluo das artes de pesca, de modo que
as alfaias utilizadas, quer na apanha de moluscos bivalves, quer na apanha/recolha de ervagens
no sero includas.
No entanto, aludimos aqui, s por curiosidade, designao de alguns utenslios de
apanha de moluscos bivalves, como a adria ou vareta (Braga 1962b:27 e Carneiro et al.
2002a:16), a berbigoeira (Regalla 1888:54, Silva 1891:267 e 326, Almeida 1896:219, Nobre et
al.1915:57, Braga 1962:56-57, Laranjeira 1998:61 e Carneiro et al.2002a:16 e 23-24), a draga ou
engenho (Regalla 1888:54 e Silva 1891:323), a enxada (Silva 1891:331), o engao de ferro
(Almeida/Roquete 1890:233, Braga 1962:30 e Carneiro et al.2002a:17), o ferro ou faca de
mariscar (Braga 1962:31-32), a p ou pachil (Carneiro et al.2002a:16), a pesca a sal
(Almeida/Roquete 1890:233) e os utenslios para amijoa (Braga 1962b:29-30).
No que concerne aos utenslios de colheita de plantas aquticas/ervagens, decidimos
tambm no os incluir por no se enquadrarem na temtica da pesca, apesar dessas atividades
terem tido muita relevncia, constituindo a principal fonte de adubo empregue pelos agricultores
de toda a regio durante vrios sculos (Nobre et al. 1915:17).
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em que a presa acaba por se colocar em posio que lhe dificulta ou impossibilita a fuga
(Rebordo 2000:23), dentro de gua. Existem vrios subgrupos tais como as armadilhas de abrigo,
de barragem, mecnicas (N10), armaes, entre outros, de modo que apenas vamos referir os
grupos onde se inserem artes que inventarimos.
O subgrupo das armadilhas de abrigo (N11) caracteriza-se por manter o peixe, molusco
ou crustceo no interior ou exterior da arte atravs da recriao de ambientes que parecem,
presa, locais de abrigo ou poiso onde poderia passar despercebida aos inimigos naturais ou onde
fosse, simplesmente, apetecvel (Rebordo 2000:24). Dentro deste subgrupo temos como
exemplo, a bolsa e as vides.
As artes do subgrupo das armadilhas de barragem (N12) tm como propsito impedir a
avano do pescado atravs de vrias formas, sendo por norma paredes ou barreiras verticais,
labirnticas (Rebordo 2000:24), colocadas de forma a que a entrada dos peixes seja feita de
maneira fcil e a sua sada quase impossvel (Rebordo 2000:24). Estas armadilhas so designadas
por estacadas ou paliadas e temos como exemplos, na laguna, o ateno e o tapa-esteiros.
Outro subgrupo o das armadilhas tipo gaiola. Nele so includas artes com
configuraes extremamente variveis, onde se destacam dois subtipos, designados nassa (N13) e
covo (N14), (Rebordo 2000:26). O subtipo nassa apenas empregue em guas interiores, para a
captura, sobretudo, de enguia. Quando tem dimenses inferiores mdia e no dispe de asas
denomina-se galricho. Quando tem asas e dimenses superiores mdia tambm pode ser
designado por botiro (Franca 1998:43), embora este tipo de arte seja includo por Rebordo, no
grupo sete (redes de saco com boca fixa), como um subgrupo autnomo. No subtipo covo, so
includas armadilhas com diversas formas e de diversos materiais, podendo ser aparelhos
desmontveis ou inteirios, cuja nica semelhana o facto de terem duas ou mais aberturas
(Franca 1998:38). Algumas destas armadilhas podem ser utilizadas como uma estrutura nica ou
ligadas a panos de rede (Rebordo 2000:26). Integram este subgrupo, o covo, a nassa e o galricho.
O grupo seis corresponde pesca por armadilha de salto (N15) e difere do grupo anterior
pelo facto dos peixes serem obrigados a sair da gua antes de ficarem presos (Rebordo 2000:28).
Temos como exemplo o salto, tambm designado como salteira, saltadouro, peixeira ou parreira.
No grupo sete inserem-se as redes de saco com boca fixa. Incluem-se as artes com uma
configurao de saco que mantm, durante a mar de pesca, a boca aberta devido a uma forte
estrutura que no permite ao aparelho mudar quer de formato, quer de dimenso. Dentro deste
grupo h uma diviso em trs subgrupos: chalavar; colher e botiro (Rebordo 2000:29), sendo
que na laguna apenas foram empregues as artes dos subgrupos de chalavar e de botiro.
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O grupo dez engloba a pesca por arte envolvente-cerco e trata-se de um grupo de pesca cujas
artes apenas so utilizadas em guas profundas, tais como as redes de traineira (Rebordo
2000:36-37). Desse modo, nunca foi usada na laguna.
O grupo onze, designado de pesca por arte de leva, constitudo por redes de diversos
tipos, complementadas por outras redes ou outros artefactos (Rebordo 2000:38). Estas redes
auxiliares e/ou os utenslios so empregues de forma a conduzirem os peixes para a parte principal
da arte (Rebordo 2000:38). A pesca por arte de leva encontra-se dividida em dois subgrupos, o
das artes de leva estacionrias-fixa e o da arte de leva mvel, sendo que a nica diferena entre os
dois o facto de, na primeira, a parte principal da arte ficar imvel durante a pesca e, na segunda,
ser necessrio que se mova conforme a faina vai decorrendo (Rebordo 2000:38). Do que nos
conhecido, nenhuma destas existiu na laguna.
O grupo doze, pesca por sacada (N24), constitudo por artes de rede que pescam por
levantamento rpido quando a presa estaciona sobre ela (Rebordo 2000:39). Existem tambm
vrios subgrupos de pesca por sacada, nomeadamente, a colher manual (artes de pequena e mdia
dimenso parecidas a redes de saco tipo chalavar), a sacada para terra e a sacada para embarcao
(Rebordo 2000:39). Deste grupo, existiu na laguna, a arte de soco.
O grupo treze designado pesca por arte lanada. So artes que so lanadas gua de
modo a envolverem os peixes que se encontram no local (Rebordo 2000:41).
Tem dois subgrupos: o de campnula (N25), onde se incluem aparelhos construdos com
rede rixa, podendo apresentar formatos e dimenses muito diferentes (Rebordo 2000:41) e o de
tarrafa (N26), que constitudo por artes de rede flexvel, com configurao circular e que
possuem chumbadas na tralha inferior. Caracteriza-se tambm por ter tentalos que so estruturas
especiais feitas com fios, que partindo da zona mdia da rede para a periferia da arte, permitem
fechar a rede formando bolsa (Rebordo 2000:42). O subgrupo campnula no foi empregue na
laguna, mas o de tarrafa sim, mais precisamente a arte chumbeira ou tarrafa de mo.
O grupo catorze corresponde pesca por arte de emalhar (N27-28) e a que se divide em
mais subgrupos. So artes constitudas por uma rede com comprimento, altura e malhagem muito
variveis e que tm na tralha superior flutuadores e na inferior chumbos (Costa/Franca 1985a:54).
Atualmente, o fio com que as artes so feitas sinttico, de monofilamento ou de multifilamento,
materiais resistentes e quase invisveis na gua (Franca 1998:36). Por norma, estas artes so
constitudas por redes retangulares de um, de dois ou de trs panos, com malhagens dspares,
sendo as ltimas designadas como tresmalhos (Rebordo 2000:42).
Os subgrupos so divididos tendo em conta o nmero de panos, como j foi referido, a
fixao e a localizao relativamente ao fundo. Deste modo, temos os seguintes: redes de emalhar
de um pano, de dois panos, de trs panos, fundeadas ou fixas, de deriva ou derivantes, de
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branqueira e solheira), outras ilegais (bolsa e rede de galeota por exemplo), das quais algumas
datam pelo menos do sculo XIX, pois o primeiro levantamento das artes de pesca utilizadas que
temos registo data de 1888 e da autoria de Francisco Regalla.
As que temos conhecimento, a partir da ltima metade do sculo XIX foram-se
difundindo pela laguna, segundo Antnio Braga (1962), devido a vrios fatores, dos quais se
podem destacar dois principais, para alm da maior seletividade da pesca: o facto de existirem
diversos ncleos piscatrios e de os pescadores desses locais terem ido pescar sazonalmente ou
em alguns perodos da sua vida, para o Douro, Tejo, Mondego e at mesmo para o Atlntico
Norte e quando regressaram trouxeram consigo os conhecimentos da pesca desses locais e
adaptaram-nos ao ambiente, ou ento adotaram-nos se j fossem adequados (Braga 1962a:18).
Isto explica em parte a grande evoluo em termos de quantidades de artes que houve da obra de
Nobre (1915) e de Castro (1943), concretamente 20 e 13, para 48, em 1962, na obra de Braga.
Porm, esta evoluo no foi assim to linear, pois um dos motivos da criao ou
evoluo de determinadas artes foi a legislao. A pesca, incluindo a artesanal local, considerada
pelo Estado como uma atividade de exerccio controlado e, desse modo, o Estado tenta organizla de acordo com os seus valores e compromissos, o que vem tentando, pelo menos, desde o
sculo XIX (Moreirinha 1998:33). J por outro lado, os pescadores, cuja prioridade a sua
subsistncia, adoptam um comportamento que reflete o choque entre dois sistemas de valores
(Moreirinha 1998:34). Deste modo, para os pescadores, violar alguns pontos dos regulamentos de
pesca, no se trata de uma infrao ou crime que deva ser punvel, sendo apenas algo de natural
(Moreirinha 1998:34).
Antes da regulamentao, a pesca foi praticada durante muitas dcadas (aps a abertura
da barra em 1808) de forma desmesurada e tal deveu-se necessidade de incremento de capturas,
provocada pelo aumento do consumo, que por sua vez resultou do crescimento demogrfico e do
aumento do poder de compra (Cunha 1939:13). Nos anos 80 do sculo XIX, a pescaria na laguna
continuava em decadncia acentuada e rpida (Almeida/Roquete 1890:222), devendo-se tal,
neste perodo, sobretudo ao empobrecimento da fauna, tendo havido vrios fatores que
contriburam para tal, entre os quais podemos mencionar as condies da barra; os assoreamentos
e desassoreamentos; a apanha descomedida de molio e a continuao da pesca excessiva
(Almeida/Roquete 1890:222). Contudo desde os primeiros anos aps a abertura da barra, logo se
percebeu que eram necessrias medidas de proteo dos recursos, como a instituio de um
perodo de defeso para os recursos pisccolas, o que aconteceu pela primeira vez em 1868 assim
como a regulao de certas artes de pesca (Sarmento 2005:208).
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trs homens e um rapaz (da mesma famlia), com duas bateiras; no que respeita s fisgas de
cravar, tanto eram empregues por um pescador solitrio ou por grupos de cinco ou seis pessoas,
sendo que, em ambos os casos, cada fisgador ficava com o que capturasse, acontecendo o mesmo
para os que utilizavam a sertela (Almeida/Roquete 1890:204).
Estarreja
Na rea da laguna pertencente a Estarreja, exercia-se a pesca de svel, lampreia, camaro
branco, caranguejo e de muitas outras espcies (Almeida/Roquete 1890:211). Os pescadores deste
concelho usavam uma grande diversidade de artes tais como a chincha, o chinchorro, a tarrafa, a
mugeira, a camaroeira, a branqueira, a solheira, o botiro, a camboa, o salto, a fisga e a sertela
(Almeida/Roquete 1890:213-214). Algumas companhas pescavam durante uma semana inteira,
vindo apenas a casa no domingo, sendo que, quando tinham a embarcao carregada, tratavam de
ir vender o pescado ao mercado mais prximo (Almeida/Roquete 1890:211).
No concelho de Estarreja a partilha dos ganhos era feita de forma varivel. As chinchas
eram usadas por grupos de 4 homens e 1 rapaz, repartindo quinhes iguais entre todos, 1 quinho
ficava a embarcao e arte, 1 para cada pescador e ou para o rapaz. Na pesca com
chinchorros, participavam em cada companha 4 ou 5 homens e 1 rapaz, ficando para a
embarcao e rede 1,5 quinhes, 1 quinho para cada pescador e ou para o rapaz. As tarrafas
eram empregues por grupos de 12 homens, divididos por duas embarcaes. Para estas e para a
arte ficavam 2 quinhes, para cada pescador 1 quinho, assim como para o rapaz, mas podia
receber menos, consoante a sua prestao. No caso das mugeiras, eram usadas por grupos de 40
pessoas, divididos por trs embarcaes e os lucros eram divididos em quinhes iguais, sendo que
5 eram para as embarcaes e arte, 1 quinho para cada pescador e 1 ou para cada rapaz. As
camaroeiras eram manobradas apenas por 2 pescadores, cabendo a cada um deles, 1 quinho,
ficando tambm 1 para a arte e embarcao. As branqueiras eram usadas por 4 indivduos, com
duas embarcaes e os lucros eram repartidos em duas partes, sendo depois cada parte partilhada
em cada embarcao. Para cada embarcao e arte ficava 1 quinho, para cada pescador 1
quinho e para cada rapaz ou (Almeida/Roquete 1890:213). As solheiras eram utilizadas em
companhas de 2 homens e 1 rapaz e cada pescador rendia 1 quinho, o rapaz ou quinho e 1
ficava quinho para a embarcao e a arte. Os botires eram armados por 3 a 5 pescadores e como
todos possuam partes iguais dos aprestos de pesca, a pescaria era distribuda de igual forma por
todos, sendo por norma feita ao domingo. As camboas eram colocadas por 2 pescadores, sendo
que o material de pesca era pertena dos dois, de modo que a diviso era feita em duas partes
iguais. Em relao ao salto, apenas existia um grupo de pescadores que armava esta arte e, como
eram todos membros da mesma famlia, os proveitos ficavam para os prprios. As fisgas eram
61
usadas apenas por um fisgador, que tinha como ajudante um rapaz da famlia, ficando tambm o
lucro para eles. Por fim, a sertela, como era utilizada apenas por um pescador, esse ficava com
todo o peixe que havia capturado (Almeida/Roquete 1890:214).
Aveiro
No concelho de Aveiro, os pescadores exerciam a sua atividade todo o ano, capturando as
mais diversas espcies, mas entre essas podem-se destacar a agulha, o camaro-bruxo, a lampreia,
a enguia, o linguado, a solha, a tainha e o robalo, sendo utilizadas para a sua pesca, a chincha, o
botiro, a linha de mo ou biu biu e a unha (Almeida/Roquete 1890:227).
A partilha dos ganhos era feita, nas companhas de chincha, ao final de uma semana de
pesca, indo 1,5 quinhes para a embarcao e arte, 1 para cada pescador e ou quinho para
cada rapaz; na pesca com botires, fazia-se a partilha de 8 em 8 ou de 15 em 15 dias e a
embarcao e os botires rendiam 1,5 quinhes, cada pescador 1 e cada rapaz ; na pesca com
linha de mo e unha, como era feita por um pescador solitrio, ficava ele com todo o ganho
(Almeida/Roquete 1890:230).
lhavo
No concelho de lhavo, as artes de pesca utilizadas eram a chincha, a tarrafa, o botiro, o
galricho, o salto, a fisga de cravar e a sertela (Almeida/Roquete 1890:237).
Na partilha dos ganhos da pesca com a chincha, a embarcao e arte rendiam 1 quinho,
a cada pescador 1 quinho e a cada rapaz ou (Almeida/Roquete 1890:238); a pesca com
tarrafas rendia 3 quinhes para a embarcao e arte e 1 quinho para cada pescador; com botires,
como eles pertenciam a um nico indivduo, que pescava com a ajuda de um familiar, a pescaria
ficava toda para ele; por fim, na pesca com galrichos, fisgas de cravar e sertela, como eram usadas
apenas por um pescador, toda a pescaria ficava para ele (Almeida/Roquete 1890:239).
Mira
No concelho de Mira, a pesca no brao da laguna seria to diminuta, que no h qualquer
observao por parte dos inquiridores (Almeida/Roquete 1890:247).
Fazendo agora um sumrio das artes de pesca empregues na laguna, tendo em conta, para
alm do Inqurito de Pescas, as obras de Regalla (1888) e de Baldaque da Silva (1891), chegamos
concluso que existiram na laguna de Aveiro, no final do sculo XIX, 22 artes distintas. Estas
pertenciam s mais variadas tipologias. Havia dois tresmalhos, a branqueira e a solheira; cinco
artes envolventes-arrastantes, a chincha, o chinchorro, a tarrafa, a mugeira e a garateia; uma arte de
emalhar derivante, a camaroeira; duas artes com rede de saco com boca fixa, o botiro e a
camboa; uma arte de armadilha de salto, o salto; duas artes de apanha, a unha ou mo e a foicinha
de roar; uma armadilha de abrigo, a bolsa; duas armadilhas de gaiola, o covo e o galricho; duas
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artes de pesca por ferimento, o bicheiro e a fisga; uma arte de pesca linha sem anzis, a sertela;
duas artes de pesca linha com anzol, a linha de mo e a amostra, corripo ou corrico; e, por fim,
uma arte lanada, a chumbeira ou tarrafa de mo.
Todas as artes acima mencionadas encontram-se no inventrio, anexo M, onde se podem
observar as suas caractersticas e dimenses ao longo do tempo, incluindo neste perodo, onde o
autor mais fivel, para alm de Almeida e Roquete (1890), ser Regalla (1888). Referimos estes,
pois o outro autor do mesmo perodo, Baldaque da Silva (1891) faz uma abordagem da pesca e
das artes a nvel nacional, e no concelho a concelho como o caso do Inqurito de Pescas, ou
apenas da laguna de Aveiro no caso da obra de Regalla.
Rio Minho
No rio Minho havia um leque considervel de espcies que eram capturadas, das quais se
destacavam claramente o salmo, o svel e a lampreia. No entanto, a sua distribuio no era igual
em todo o rio, por exemplo, no concelho mais a montante, Melgao, os recursos pisccolas
existentes eram o salmo, o svel, a lampreia e a truta (Almeida/Roquete 1890:5); no concelho de
Mono, para alm das j referidas, existiam o boga e o escalo (Almeida/Roquete 1890:22); no
concelho de Valena, habitavam o salmo, o svel, a lampreia, a truta, o boga, a enguia e a tainha
(Almeida/Roquete 1890:30); no de Vila Nova de Cerveira pescava-se salmo, svel, lampreia,
solha, tainha e mugem (Almeida/Roquete 1890:38) e, por fim, em Caminha, onde se situa a foz
do rio, verificava-se uma maior diversidade de espcies devido ao contacto com o mar, existindo
todas as referidas anteriormente (Almeida/Roquete 1890:41).
Em todo o rio Minho existiam muito poucos pescadores profissionais (Almeida/Roquete
1890:49), sendo a maior parte lavradores e artesos que pescavam como complementaridade ao
seu trabalho (Almeida/Roquete 1890:6).
Em relao ao sistema de distribuio dos ganhos, era, por norma, feito em quinhes
(normalmente iguais). Contudo, havia alguns casos, como por exemplo alguns proprietrios de
pesqueiras, que pescavam por conta prpria (Almeida/Roquete 1890:6;23;31). Quando uma
destas estruturas fosse alugada a outro pescador, esse tinha de dar ao proprietrio uma certa
percentagem dos peixes que capturasse. Desse modo, na pesca da lampreia, o pescador tratava de
dar ao proprietrio duas em cada trs que capturasse (ajuste ao tero), dois ou trs salmes, sveis
ou trutas por cada quatro que pescasse (ajuste ao quarto ou a meias). Acontecia ainda, mas muito
raramente, o ajuste a dinheiro, na pesca do salmo (Almeida/Roquete 1890:6).
No que concerne s artes de pesca, no concelho de Melgao, a pesca s era exercida nas
pesqueiras, tendo essas vrias modalidades (a barco, para o svel, para a lampreia, etc.),
(Almeida/Roquete 1890:5-6). As redes utilizadas nas pesqueiras tinham o nome de redes savais,
63
contudo, nos concelhos mais a jusante, eram denominados botires. (Almeida/Roquete 1890:7).
Em Mono empregavam-se fisgas, leais e redes de arrastar denominadas algerifes
(Almeida/Roquete 1890:22). J nas pesqueiras, o tipo de rede mais usada denominava-se
cabaceira (Almeida/Roquete 1890:24). No concelho de Valena, eram usadas fisgas de cravar e
arremessar, algerifes, tresmalhos, varredouras da lampreia, vargas, botires e cabaceiras
(Almeida/Roquete 1890:30). No de Vila Nova de Cerveira, havia algerifes, lampreeiras, fisgas de
arremesso, fisgas de cravar, tresmalhos, varredouras da lampreia, botires nas pesqueiras
(Almeida/Roquete 1890:40). Por fim, no concelho de Caminha, havia a arte de estacada, a
solheira, o espinhel, a pesca linha, a sacada e a rede de morca (Almeida/Roquete 1890:44).
Deste modo, as nicas artes que aparentam ser semelhantes s da laguna, no mesmo
perodo, so as solheiras, os espinheis, as linhas de pesca e as fisgas de cravar. Existe ainda o caso
das redes de morca, que eram construdas em lhavo e Aveiro e comercializadas para o rio Minho.
Antes de as referirmos, vamos fazer uma breve descrio das que no apresentam qualquer
paralelo com as da laguna, de modo a conseguirmos perceber que tipo de pesca era praticado.
As pesqueiras merecem destaque, pois eram estruturas destinadas pesca impossveis de
serem construdas na laguna. Trata-se de paredes de pedra, de variadas dimenses, que partiam da
margem em direo ao rio, dispondo de uma ligeira curvatura e de espao em espao, quase
sempre junto margem, de bocas, ou seja aberturas onde eram colocadas as artes. O comprimento
das paredes variava entre os 2 e os 152 m, a sua espessura podia atingir os 10 m e o nmero de
bocas situava-se entre 1 e 7 (Almeida/Roquete 1890:8). Esta pesqueira era a mais comum,
existindo outras duas modalidades designadas como pesqueira de escada e pesqueira de barco.
As redes e aparelhos usados nas pesqueiras eram os botires (diferentes dos da laguna),
tambm chamados redes savais; as redes lampreeiras no caso de haver boqueiros
(Almeida/Roquete 1890:7) e se no houvesse, eram usadas as cabaceiras (Almeida/Roquete
1890:24).
As redes savais ou botires (P1) eram feitos de fio de linho e utilizados na pesca do
salmo e svel, nas bocas das pesqueiras. Eram constitudos por um saco com forma de cone, com
1,40 m de dimetro, 2,70 m de altura e com malhagem de 65 mm (Almeida/Roquete 1890:7). A
arte tinha uma boca (que ficava sempre virada contra a corrente), mantida aberta atravs de um
arco (em forma de U invertido), seguido de mais trs arcos, espaados, que mantinham a arte
armada. Estes iam diminuindo de dimetro da boca at ao fundo. Entre os arcos existiam ainda
pequenos sacos cnico-troncados, nassos, com 35 cm de dimetro (Almeida/Roquete 1890:7).
As redes lampreeiras eram redes de um s pano, usadas nas pesqueiras, para a captura da
lampreia. Diferiam da arte anterior por terem menores dimenses, incluindo a malhagem
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(Almeida/Roquete 1890:8). Esta arte tinha o mesmo nome que outra do concelho, que vamos
referir mais adiante, mas que se trata de um tresmalho, e no de uma rede de um s pano.
As cabaceiras (P2) destinavam-se a capturar qualquer espcie pisccola. A arte consistia
num saco de forma cnico-troncada, com dimenses superiores s redes savais ou botires. Tinha
5 m de altura, 1,5 m de dimetro da base do fundo e a boca tinha uma circunferncia de 8 m. Em
relao malhagem, era de 60 mm na manga e boca e 30 mm no rabicho (Almeida/Roquete
1890:24). A cabaceira era apenas armada por um homem, com ou sem o auxlio de uma
embarcao. Para a arte funcionar, as redes ficavam amarradas por um cabo (da manga)
extremidade da pesqueira, enquanto o outro ficava assente no fundo atravs de uma poita.
Designa-se a arte como cabaceira pois no stio onde se inicia a boca, na parte superior da rede,
encontrava-se uma cabaa, que tinha como funo manter a arte na posio adequada pesca, ou
seja, na vertical, juntamente com a poita j referida (Almeida/Roquete 1890:24).
O algerife era feito com fio de linho encascado e destinava-se pesca do salmo e do
svel. Era constitudo por panos de rede (3 a 9), que podiam ter um comprimento entre 15 e os 40
m, altura entre 7 a 10 m e malhagem de 40 a 60 mm (Almeida/Roquete 1890:24,32,40,52). Na
tralha superior, tinha flutuadores de cortia espaados numa distncia igual e na tralha inferior,
correspondia a cada flutuador, uma pedra ou pandulho (Almeida/Roquete 1890:24). A manobra
de pesca era feita por quatro homens, com o auxlio de uma embarcao, tal e qual como as atuais
artes envolventes-arrastantes, ficando trs na embarcao e um em terra com um cabo da arte,
sendo posteriormente alada para terra (Almeida/Roquete 1890:24).
O leal era uma arte varredoura de malha mida. Para alm disto, o autor s conseguiu
saber que para a sua utilizao era necessrio uma embarcao com quatro homens e que era
ilegal (Almeida/Roquete 1890:25).
A varredoura de lampreia era constituda por 5 a 6 panos, com 7 m de altura e malhagem
de 25 mm (Almeida/Roquete 1890:33). Em alguns locais, era idntica ao algerife e empregue a
arrastar para terra, noutros stios era semelhante ao tresmalho, funcionando como rede de deriva.
A varga de tona era uma rede de emalhar derivante de um s pano, que se destinava
captura de espcies midas, sendo para isso necessria uma embarcao com dois homens. Cada
pano tinha 70 m de comprimento e 2 a 3 m de altura, sendo que os primeiros 40 m eram feitos de
ticum e os ltimos 30 m de fio de linho encascado. J a sua malhagem variava entre os 28 e os 32
mm (Almeida/Roquete 1890:53).
A varga de fundo era uma rede de emalhar de fundo, de um s pano. Destinava-se
captura de solha e eram necessrias na manobra duas pessoas, numa embarcao. Cada pano tinha
20 a 25 m de comprimento e 3 a 3,5 m de altura. A sua malhagem variava entre os 25 e os 30 mm
(Almeida/Roquete 1890:53).
65
As lampreeiras (P3) eram tresmalhos com panos cuja altura no excedia 3 m, malha de 32
a 40 mm no pano e de 150 a 155 mm nas alvitanas. Destinavam-se pesca da lampreia e
funcionavam como um tresmalho de deriva, conservando sempre tona da gua a cortiada
(Almeida/Roquete 1890:40,52). Para a sua manobra eram necessrias duas pessoas
(Almeida/Roquete 1890:52).
As redes de estacada destinavam-se a capturar todas as espcies pisccolas. Eram feitas de
fio de linho, tinham panos de 130 m de comprimento, 3 m de altura e malhagem de 30 mm.
Contudo, quando estivesse pronta para a pesca, o seu comprimento ficava-se pelos 80 m, devido
s estacas que a prendiam (Almeida/Roquete 1890:52-53). A estacada era constituda por um
grande nmero de estacas, que tinham como finalidade manter a arte fixa no fundo arenoso, sendo
armada na baixa-mar. Convm tambm referir que no tinha tralhas e o nmero de panos era
muito varivel, sendo que para cada um era necessrio um pescador (Silva 1891:306). Por fim,
quando viesse baixa-mar e as guas baixassem, as redes eram levantadas e todo o peixe que l
estava, em seco, era recolhido (Silva 1891-307).
A sacada era uma arte semelhante ao algerife que colhia todo o tipo de peixe. Tinha panos
com comprimento mdio de 32 m, 3 a 3,5 m de altura e malha de 25 mm. Era, por norma, usada
com 4 ou 5 panos e para a manobra de pesca eram necessrias seis pessoas e uma embarcao
(Almeida/Roquete 1890:53).
O tresmalho era, nos finais do sculo XIX, o aparelho de emalhar mais comum na pesca
fluvial em Portugal, variando apenas nas dimenses e nas espcies que capturava, de local para
local (Silva 1891:286). Os tresmalhos do rio Minho eram semelhantes aos da laguna, tendo no
entanto algumas designaes diferentes e dimenses desiguais. Eram de ticum branco e
empregues na pesca de svel e salmo por dois homens, numa embarcao, de onde era largada a
arte (Almeida/Roquete 1890:33). Em relao s suas dimenses mdias, os panos tinham 60 m de
comprimento e 5,50 m de altura, as alvitanas tinham 30 m de comprimento e 4 m de altura e, por
fim, a sua malhagem era de 7 mm no pano e 28 mm nas alvitanas (Almeida/Roquete 1890:33).
As solheiras eram, nada mais, nada menos, do que uma ligeira adaptao das lampreeiras
(tresmalhos) quando estas j demonstravam bastante uso. Era lhes apenas diminuda a cortiada
para que funcionassem de forma semelhante s vargas de fundo, ou seja a arrastar pelo fundo,
deitadas horizontalmente, conservando no plano vertical uma pequena poro de tralha
superior (Almeida/Roquete 1890:53). Podiam ser usadas com um nmero muito varivel de
panos e destinavam-se captura da solha. Para a manobra de pesca eram precisas duas pessoas e
uma embarcao (Almeida/Roquete 1890:54). Na laguna de Aveiro existia como j adiantmos,
uma solheira. Era um tresmalho de fundo e tambm se destinava pesca de solha e de outros
peixes chatos (Regalla 1888:50).
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Os espinheis assemelhavam-se aos que eram usados na laguna. Os do rio Minho faziam-se
de fio de linho de trs cordes, tinham 10 a 40 m de comprimento e 10 a 75 anzis
(Almeida/Roquete 1890:54).
As linhas de pesca eram o aparelho mais simples que havia, conhecidas em todo o pas.
Eram compostas por uma linha, que na sua extremidade tinha um anzol e um pequeno chumbo ou
pedra. Eram muito usadas pelos pescadores no profissionais (Silva 1891:314-315).
As fisgas de cravar do rio Minho eram formadas por uma haste de ferro, que encabava
pelo meio de uma vara de madeira (Almeida/Roquete 1890:25). As do concelho de Valena
tinham 40 a 50 cm de comprimento, 28 a 33 farpas divididas por intervalos iguais, tendo de
comprimento cerca de 10 cm e destinavam-se pesca da lampreia (Almeida/Roquete 1890:34).
As de Vila Nova de Cerveira, 1,50 m de comprimento, 30 pregos de ferro com 10 cm de
comprimento, espaados por 5 mm e eram empregues na captura da solha, apenas por um
pescador. Contudo, por vezes, eram feitas companhas de 4 a 6 indivduos usando uma
embarcao (Almeida/Roquete 1890:40).
Sabemos que as fisgas eram uma arte muito utilizada pelos pescadores da Murtosa, na
pesca de enguia ou de peixes chatos (Regalla 1888:53). Porm, no exequvel estabelecer
comparaes, pois as fisgas variavam imenso de dimenso e de nmero de farpas/pregos, de local
para local.
As redes de morca eram uma arte de arrastar com saco a meio, saco esse que tinha uma
boca de 1,5 m. As mangas tinham cerca de 10 m e a sua altura diminua desde o local onde a
manga se juntava ao saco, at sua extremidade. Feitas de fio de linho grosso, com lastros de
cortiada e pequenos tijolos, eram usadas na captura de todas as espcies pisccolas, funcionando a
varrer para as margens (Almeida/Roquete 1890:54). Segundo Baldaque da Silva, a rede de
morcas era lanada de uma embarcao e, para a manobra de pesca, eram necessrios trs a cinco
pescadores ficando um em terra com um dos alares (Silva 1891:299). Eram construdas em
lhavo e Aveiro (Silva 1891:299) e vendidas para outras localidades, incluindo as adjacentes ao rio
Minho, mas nenhum autor as menciona como sendo utilizadas na laguna.
Rio Lima
Viana do Castelo
No rio Lima, mais concretamente no concelho de Viana do Castelo, as espcies pisccolas
mais capturadas eram, tal como as do rio Minho, o salmo, o svel e a lampreia. Para alm desses
tambm se pescava mugem, solha, tainha, robalo e camaro (Almeida/Roquete 1890:63).
O sistema de retribuio dos pescadores era a quinhes, contudo existiam alguns que
trabalhavam por conta prpria (Almeida/Roquete 1890:67). Ao contrrio da laguna e do rio
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Minho, onde o autor referiu como se fazia a partilha dos quinhes consoante o uso de cada arte,
para o rio Lima no o fez.
No que respeita s artes de pesca, usadas no concelho de Viana do Castelo, existiam as
redes para salmo e svel ou redes savais, as lampreeiras, as redes para estacada ou tranqueira,
latada e arrastar, as solheiras, redes de camaro ou redenhos, peneiras, fisgas de arremesso e fisgas
de cravar (Almeida/Roquete 1890:75). Estas ltimas seriam as nicas que tinham paralelo na
laguna. Eram mais conhecidas como fisgas da solha ou fisgas de calcar e destinavam-se sobretudo
captura desse peixe. Eram iguais s j referidas no rio Minho, particularmente s de Vila Nova
de Cerveira. Tinham uma haste de ferro que podia chegar aos 2 m e o nmero de farpas podia
chegar s 44 (Almeida/Roquete 1890:75).
As redes para salmo e svel ou redes savais, apesar de terem o mesmo nome do que uma
arte empregue nas pesqueiras do rio Minho eram distintas. Tratava-se de uma arte de estacada,
constituda por panos com 30 m de comprimento, 5,50 m de altura, malha de 65 mm, com
cortiada na tralha superior e pandulhos de areia na inferior (Almeida/Roquete 1890:73). Para
ficar em posio adequada pesca necessitava que as suas duas extremidades ficassem presas em
terra e as redes fixadas no fundo do leito, com o auxlio de estacas (Almeida/Roquete 1890:73).
A lampreeira empregue no rio Lima era diferente das do rio Minho, na malha (30 mm) e
por no dispor de flutuadores, nem pesos nas tralhas. Deste modo, a sua tralha inferior tinha de ser
aguentada no fundo por meio de curtos espiges de pinho (Almeida/Roquete 1890:74), o que
fazia com que s pudesse ser colocada na vazante. Por norma, em cada turno, cada embarcao
no usava mais do que trs artes. Depois de serem capturadas, as lampreias eram colhidas com um
bicheiro (Almeida/Roquete 1890:74).
A arte designada rede para estacada ou tranqueira, latada e arrastar, destinava-se captura
de espcies midas e tinha trs formas de ser empregue (Almeida/Roquete 1890:74). Em relao
s suas dimenses tinha cerca de 23 m de comprimento, 4 m de altura, malha de 20 mm,
cortiadas na tralha superior e esferas de chumbo na inferior (Almeida/Roquete 1890:74).
Uma das formas de ser empregue era de estacada ou tranqueira. Assim, a arte era
colocada no rio, numa posio vertical, estando sustentada por estacas, colocadas de maneira a
que formem uma camara circular, com abertura afunilada e sempre voltada para a foz
(Almeida/Roquete 1890:74). Alguns dos panos da arte estavam tambm colocados de modo a
encaminharem o peixe para a boca e de seguida para a cmara. Existiam ainda outros panos que,
depois do peixe entrar, lhe tornava a fuga muito difcil (Almeida/Roquete 1890:74).
Outra forma de usar a arte (latada) era colocando, por cima da estacada, vrios panos designados
como mantas, que serviam para no deixar escapar a tainha, que conseguia fugir da arte saltando por cima
dela (Almeida/Roquete 1890:74). Esta modalidade apresenta algumas semelhanas com a arte do
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salto, da laguna, a qual tambm usava panos chamados mantas, que tinham o mesmo efeito. Por
fim, ainda podia ser usada a arrastar para a margem, sendo a manobra de pesca igual de qualquer arte
envolvente-arrastante (Almeida/Roquete 1890:74).
A solheira usada no rio Lima no tinha qualquer semelhana com o tresmalho de fundo
que era usado na laguna. Era uma arte de fio de linho que se destinava captura de solha com
malha de 30 mm e chumbo na tralha junto boca, armada por dois pescadores e uma embarcao
ou a p, em alguns casos, com o auxlio de duas estacas que tratavam de manter a boca da solheira
aberta. Depois de serem colocadas as estacas, a arte ficava com uma forma piramidal, com 8 m de
comprimento, 50 cm de largura e 8 m de altura, assente no leito pela face maior e com a boca
virada para a corrente (Almeida/Roquete 1890:74). A solheira era usada por duas pessoas com
uma embarcao, embora tambm pudessem ser colocadas a p em alguns locais. De referir ainda
que esta pesca era auxiliada com o emprego de fisgas (Almeida/Roquete 1890:75).
As redes de camaro ou redenhos eram artes troncocnicas, feitas de fio de linho, malha
de 6 mm e que tinham uma boca com 2,50 m de circunferncia e 75 cm de altura. Destinavam-se,
como o nome sugere, captura de camaro e outras espcies midas. A pesca era feita a p,
apenas por um pescador (Almeida/Roquete 1890:75).
As peneiras (P4) eram um utenslio igual ao que usado para separar os gros de farinha.
Tinham um dimetro inferior a 50 cm e serviam para a apanha de camaro. Para o capturarem,
iscavam as peneiras com caranguejo (Almeida/Roquete 1890:75).
As fisgas de arremesso eram usadas na captura da lampreia, ao candeio. S diferem das
de fisgar por terem menores dimenses, no tendo a haste mais do que 50 cm. Em relao ao
nmero de farpas, tambm era muito mais reduzido, situando-se entre 14 e 16 (Almeida/Roquete
1890:75).
Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez
Nos concelhos de Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, por onde corre o
rio Lima, j no se pescava salmo. No entanto, capturava-se svel e lampreia, assim como outras
espcies, tais como barbo, boga, escalo e, em menor quantidade, truta (Almeida/Roquete
1890:86). De salientar que, ao contrrio de Viana do Castelo, nestes concelhos quase no existiam
pescadores profissionais (Almeida/Roquete 1890:86). Em Ponte de Lima apenas se pescava por
diverso ou passatempo, com exceo da poca da lampreia. Nos concelhos de Ponte da Barca e
Arcos de Valdevez, havia imensos indivduos que se dedicavam pesca com variadas artes, mas
no o faziam em exclusividade (Almeida/Roquete 1890:87).
A distribuio dos ganhos, quer pescando a p ou numa embarcao, era feito em
quinhes, exceto nas pesqueiras de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, onde se podia ganhar
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salrio, dividir a pesca a meias ou, caso o pescador fosse o dono de uma, arrend-la
(Almeida/Roquete 1890:87).
No que concerne s artes de pesca, eram empregues esganas, tresmalhos, boqueiros,
nassas, chumbeiras ou tarrafas de mo, espinheis, linhas de pesca, fisgas de cravar e arremessar e
farpas (Almeida/Roquete 1890:87-89). Comparativamente com a laguna verifica-se a utilizao
tambm de chumbeiras ou tarrafas de mo e linhas de pesca, sendo que estas ltimas, como j
adiantmos, eram usadas em todo o pas.
As chumbeiras ou tarrafas de mo eram empregues, na laguna de Aveiro, com a mesma
designao. No rio Lima, tinham uma malhagem de 18 mm junto boca, 28 mm no centro da
rede e capturavam espcies midas e svel (Almeida/Roquete 1890:89).
Os espinheis mostram-se iguais aos do rio Minho, mais concretamente aos do concelho
de Caminha, que como j vimos, eram idnticos aos utilizados na laguna de Aveiro. Funcionavam
no fundo do rio, tinham entre 12 a 20 anzis e eram usados sobretudo na pesca da tainha
(Almeida/Roquete 1890:89).
As fisgas de cravar e arremesso eram usadas para a pesca de lampreia, a cravar ou a
arremessar. Tinham uma haste de ferro com 30 a 40 cm de comprimento e 13 a 14 farpas, cada
uma com 10 a 15 cm (Almeida/Roquete 1890:89). As farpas eram ganchos de ferro, com 15 cm
de comprimento e 4 mm de dimetro, que eram encaixados numa vara e serviam para a pesca da
enguia (Almeida/Roquete 1890:89).
As esganas eram uma arte de emalhar de um s pano, com panos de 30 m de
comprimento, 1,40 m de altura, malha de 26 mm, cortiada na tralha superior e pranchadas de
chumbo na inferior, feitas de fio de linho branco fino, que se destinavam captura de peixe mido
e truta (Almeida/Roquete 1890:88). Podiam funcionar a emalhar, como uma arte envolventearrastante ou ainda em estacada (Almeida/Roquete 1890:88).
Os tresmalhos eram feitos de fio de linho, tendo nas tralhas cortiada e chumbos. O
comprimento era varivel entre si, mas nunca inferior a 10 m. Funcionavam a emalhar ou como
uma arte envolvente-arrastante para a margem, sendo neste caso precisos dois pescadores e uma
embarcao. Capturavam peixe mido e truta, tendo para isso malhagem mdia, de 20 mm no
pano e 77 mm nas alvitanas (Almeida/Roquete 1890:87).
Os boqueiros eram uma arte de fio de linho branco semelhante aos botires ou redes
savais. Tinham 1,50 m de altura, boca com cerca de 1 m de dimetro, malha de 40 mm junto
boca e de 18 mm na restante arte, 6 arcos circulares, sendo o da boca em forma de U
(Almeida/Roquete 1890:88). Estas artes eram seguras por trs varas exteriores, que mantinham a
arte esticada nas bocas das pesqueiras. Capturavam todas as espcies pisccolas e bastava um
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homem para a armar. As nassas eram semelhantes aos boqueiros de pequenas dimenses
(Almeida/Roquete 1890:89).
Rio Cvado
Esposende
Em relao ao rio Cvado, optmos apenas por referir o concelho de Esposende, onde se
encontra a foz, pois tal como noutros rios do noroeste, junto foz faz um esturio, com condies
similares com o ambiente lagunar. Como pudemos observar, nos rios Minho e Lima, medida
que progredamos para montante, mais as artes se tornavam dispares das utilizadas na laguna.
Na foz do Cvado as espcies pisccolas com mais importncia eram o svel e a lampreia.
No entanto, tambm se pescavam outras, tais como a solha, o barbo, a tainha e o mugem
(Almeida/Roquete 1890:93). A pesca fluvial era muito praticada pelos pescadores do alto mar,
sendo esta ltima, na poca, menos remunerada (Almeida/Roquete 1890:93). Os pescadores
fluviais do concelho de Esposende trabalhavam a quinhes ou por conta prpria, como eram o
caso da pesca de solhas com fisgas de cravar (Almeida/Roquete 1890:96). O autor no refere
como era feita a diviso dos ganhos de pesca neste concelho.
No que respeita s artes, podemos adiantar que, neste troo final do rio Cvado, eram
empregues vargas, tresmalhos, saramonas, redes de estacada para a lampreia, redes de bucho,
linhas de pesca, fisgas da petada, fisgas de arremesso e farpas para a lampreia. Destas, apenas
existem paralelos entre as linhas de pesca, as fisgas de petada e os bicheiros.
As fisgas de petada eram semelhantes s empregues na captura de solha nos rios
anteriores e na laguna. Estas, em concreto, tinham uma haste de ferro de 1 m, de onde partiam 30
dentes com 10 cm. A captura da solha era feita individualmente pelos pescadores ou, como era
norma, juntavam-se dois ou trs para exerceram esta arte, levando cada um a sua fisga e
embarcao (Almeida/Roquete 1890:102).
Os bicheiros para a lampreia eram, segundo o Inqurito de Pesca, uma arte semelhante s
farpas dos concelhos de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez (rio Lima), compostos por 6 anzis
que se encontravam numa fateixa, na extremidade de uma vara. Eram empregues na baixa-mar,
na pesca da lampreia junto foz, sendo a pesca com estes aparelhos feita por homens e rapazes, a
p (Almeida/Roquete 1890:102).
As vargas eram artes de emalhar de um s pano, como j foi dito anteriormente. Estas, em
particular, tinham 35 m de comprimento, 2,50 m de altura e malha de 17 mm, com tralha superior
de cortiada e a inferior com lastro de chumbo. Funcionavam a arrastar para as margens e
capturavam todas as espcies do rio. Eram muito usadas por lavradores que iam pesca
(Almeida/Roquete 1890:101).
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Os tresmalhos eram diferentes dos do rio Lima no que toca s dimenses. O comprimento
destes nunca ultrapassava os 20 m. Eram comprados no Porto e usados na captura do svel da Foz
at Barcelos, local onde os pescadores eram expulsos a fogo pelos lavradores que se
consideravam donos da parte do rio que banha as suas freguesias (Almeida/Roquete 1890:101).
As saramonas eram constitudas pelas redes das artes volantes, utilizadas na pesca do alto
mar mas que j tinham algum desgaste, tratando os pescadores de retirar a cortiada e as voltas
de entralhe, ficando por isto as tralhas juntas s ltimas carreiras de malhas (Almeida/Roquete
1890:101). Tratava-se de uma arte de estacada, usada na captura do svel, que necessitava de 12 a
18 pescadores para a armarem, o que acontecia na baixa-mar mais prxima da noite, sendo
levantada na baixa-mar seguinte. Todavia, esta arte tambm podia ser usada como uma arte
envolvente-arrastante, sendo nesse caso usados panos de rede, em companhas de 16 pescadores,
distribudos por duas embarcaes (Almeida/Roquete 1890:101).
As redes de estacada para lampreia tinham cerca de 30 m de comprimento, altura de 3 m e
malha de 3 cm. No tinham tralha superior, mas a inferior tinha amarrilhos destinados ligao
dos espiges (Almeida/Roquete 1890:101), que serviam para a manter junto ao leito. Eram feitas
de fio de linho branco e eram colocadas na perpendicular do rio (Almeida/Roquete 1890:101).
A rede de bucho, pela descrio, aparenta ser uma arte do tipo botiro, de grandes
dimenses. Era cnica, tinha uma boca com 30 m de circunferncia, 4 m de comprimento e malha
de 30 mm. A arte destinava-se pesca de solha e era armada por um s pescador, com o auxlio
de uma embarcao, nas baixa-mares. Depois de armada, ficava assente no leito, atravs de poitas,
com a boca virada para a foz, abrindo-se com a enchente (Almeida/Roquete 1890:101-102).
As fisgas de arremesso eram idnticas s que eram usadas no rio Lima, no concelho de
Viana do Castelo. Dispunham de uma haste com 40 cm, de onde partiam 12 farpas, tendo cada
uma 10 cm. Esta arte destinava-se pesca da lampreia, sendo para isso necessrios dois
pescadores, auxiliados por uma embarcao (Almeida/Roquete 1890:102).
Rio Ave
Vila do Conde
No troo do rio Ave, pertencente ao concelho de Vila do Conde, pescava-se lampreia,
mugem, solha, robalo e tambm svel, mas em pouca quantidade (Almeida/Roquete 1890:131).
O sistema de retribuio do pessoal empregado na pesca era, em regra, o de quinho de trabalho
ou de trabalho por conta prpria (Almeida/Roquete 1890:133).
Em relao s artes de pesca, eram empregues vargas, calcadas, fisgas de cravar, abaixas e
nassas (Almeida/Roquete 1890:133), sendo que as fisgas de cravar tm paralelo na laguna, como
j foi referido, mas as de Vila do Conde destinavam-se captura de lampreia. Tinham uma haste
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cujo comprimento variava entre os 30 e os 80 cm, tinham 5 a 17 farpas, tendo cada uma 10 a 15
cm (Almeida/Roquete 1890:138).
As nassas capturavam lampreia e eram usadas nas bocas dos audes, mesmo apesar de as
formas e as dimenses variarem muito. Eram de madeira e a abertura central do nasso, que ficava
para o lado da foz, no tinha mais do que 10 cm de dimetro (Almeida/Roquete 1890:138).
As vargas usadas em Vila do Conde tinham 30 m de comprimento, 3,20 m de altura e
malha de 22 mm. Na tralha superior, tinham cortiada de pequena dimenso e, na inferior, argolas
de chumbo. Eram feitas na localidade, com fio de mquina e eram empregues na pesca de vrias
espcies em companhas (Almeida/Roquete 1890:138).
As calcadas eram artes de emalhar, de fundo, de um s pano, com 34 m de comprimento,
3,20 m de altura e malhagem de 30 mm. Tinham, na tralha superior, cortiada de pequena
dimenso e, na inferior, argolas de chumbo. Funcionavam da mesma forma que as vargas do
fundo, do rio Minho. Eram feitas de fio de mquina e destinavam-se pesca de solha
(Almeida/Roquete 1890:138).
As abaixas eram utenslios parecidos com os bicheiros da lampreia, usados no rio Cvado
(Esposende), sendo tambm utilizados pelos pescadores, a p, na captura da lampreia
(Almeida/Roquete 1890:138).
Rio Douro
Porto
No troo do rio Douro que separa o concelho do Porto do de Gaia, as espcies a que se
dava mais importncia eram o svel, pescado de janeiro a junho, e a lampreia, capturada entre os
meses de janeiro e abril. Em relao s restantes espcies, eram pescadas durante todo o ano, mas
no lhes era dada a importncia das duas mencionadas (Almeida/Roquete 1890:154).
Os principais locais do concelho do Porto que forneciam pescadores fluviais eram S. Joo
da Foz, Sobreiras, Ouro, Campanh e Carvalhido (Almeida/Roquete 1890:156). No que respeita
repartio dos ganhos de pesca, esta variava consoante a arte empregue. Relativamente s vargas,
existiam na localidade de Sobreiras, trs ranchos (turnos), com um total de pescadores que variava
entre os 20 e os 60. No entanto, destes, apenas 3 eram proprietrios das embarcaes e artes. Para
fazer uso das vargas eram necessrias duas embarcaes. A partilha era feita em 3 partes iguais.
Uma ficava para as artes e embarcaes e as duas partes restantes eram divididas em quinhes
iguais, ficando cada pescador com 1 quinho e cada rapaz com ou (Almeida/Roquete
1890:156). Os pescadores, da localidade de Campanh formavam duas companhas constitudas
por 4 pescadores, dois barcos e uma arte, sendo que cada grupo de dois contribua com metade da
despesa do aluguer do barco e com metade da arte. A partilha era feita aps uma semana de pesca,
73
juntando-se os ganhos das duas companhas e dividia-se o lucro em quinhes iguais pelos quatro
pescadores (Almeida/Roquete 1890:156).
Para a manobra das chinchas, eram necessrios 5 a 6 pescadores e um barco. Um tero da
pescaria ia para a arte e barco, que por norma eram pertena de um s pescador e os 2/3 restantes
eram divididos em quinhes iguais pelos pescadores (Almeida/Roquete 1890:156). Em relao s
vandas ou tresmalhos e s lampreeiras, estas eram utilizadas por 2 ou 3 homens, com o auxlio de
um barco. Em S. Joo da Foz, a partilha era a de quinhes iguais de pescaria, indo 2 para a rede, 1
para o barco, 1 para cada companheiro e para cada moo (Almeida/Roquete 1890:156). J no
Ouro, davam 2 quinhes rede e barco, 1 a cada homem e ou para cada rapaz e, em
Campanh, como apenas havia 2 companheiros, pagavam a meias a arte e o aluguer do barco,
sendo, posteriormente, a diviso dos ganhos feita tambm a meias (Almeida/Roquete 1890:157).
Nas companhas em que eram empregues solheiras, a partilha fazia-se em duas partes
iguais. Uma ia para a rede e a outra era dividida em quinhes iguais, 1 para o barco, 1 para cada
pescador e para cada moo. Normalmente o peixe capturado era vendido pela esposa do
proprietrio da arte, ficando ela com 12,5% do que apurava (Almeida/Roquete 1890:157). As
companhas com barbais eram formadas por 2 homens de Campanh e um barco, sendo a partilha
de quinhes iguais, pois cada pescador contribua com metade da rede e metade do valor de
aluguer do barco (Almeida/Roquete 1890:157). Os pescadores que usavam a robaleira
partilhavam o lucro em quinhes iguais, dando 2 rede, que pertencia a um s individuo, 1 ao
barco, 1 a cada pescador e a cada moo (Almeida/Roquete 1890:157).
As redes pesqueiras (P5) do concelho do Porto apenas eram empregues por indivduos da
Foz, sendo cada companha composta por quatro homens e um barco. Na partilha ia 1 quinho
para o barco, 1 para a arte e 1 quinho para cada pescador (Almeida/Roquete 1890:157). No que
respeita s cabaceiras, linhas de cana e abaixas, como eram manuseadas por um s indivduo, que
era o dono da arte, ficava ele com todo o proveito da pesca (Almeida/Roquete 1890:157). As
chumbeiras, quando usadas a p, por um pescador, todo o proveito ficava para si; quando eram
empregues numa embarcao, por norma com 3 companheiros, a partilha era igual das redes
pesqueiras (Almeida/Roquete 1890:157). Os espinheis eram empregues por dois homens, numa
embarcao, sendo frequente pertencer meia arte a cada um. Neste caso, a partilha era feita em
quinhes iguais, pertencendo quinho ao barco e 1 a cada pescador. Se o espinhel fosse apenas
de um deles, dava-se arte, ao barco e 1 a cada pescador (Almeida/Roquete 1890:157).Para
pescar com linha da faneca, o pescador usava um barco alugado, sendo o aluguer pago em
fanecas, por norma, a stima parte do que havia pescado (Almeida/Roquete 1890:157). Com a
linha biu biu costumavam labutar dois companheiros num barco, ficando quinho para o barco
e 1 para cada um deles (Almeida/Roquete 1890:157). Por fim, a pesca com rozulhos era feita em
74
companhas de 2 ou 3 homens e a diviso dos ganhos era feita em quinhes iguais pelos
companheiros (Almeida/Roquete 1890:157).
Relativamente s artes de pesca empregues pelos pescadores do concelho do Porto,
podemos desde j enumer-las: vargas, chinchas, vandas ou tresmalhos, lampreeiras, solheiras,
barbais, cabaceiras, pesqueiras, chumbeiras, espinheis, linhas de faneca, linhas de biu biu, linhas
de cana, linhas peixoeiras, rozulhos e abaixas. Destas, apenas existe paralelo com chinchas,
chumbeiras, espinheis e rozulhos.
As chinchas do Porto eram iguais, na forma e na manobra que efetuavam, s da laguna,
diferindo apenas nas suas dimenses e nas espcies que tinham como objetivo capturar. Feitas de
fio de linho, tinham, na tralha superior, cortiada e, na inferior, tijolos e destinavam-se captura
sobretudo de camaro e enguia, mas tambm capturavam muitas outras espcies, sendo cada
companha constituda por cinco ou seis indivduos. No que respeita s suas dimenses, tinham
mangas com 16 m de comprimento e 2,30 m de altura junto boca, que diminua at ao calo,
onde tinha apenas 1 m. O saco da arte tinha uma boca com 9 m de circunferncia, profundidade
de 5 m e fundo de 2,5 m. A sua malha decrescia dos 16 mm nos cales, at aos 8 mm na boca
(Almeida/Roquete 1890:160).
As chumbeiras eram iguais s do rio Lima e s da laguna. Feitas de fio de linho ou de
ticum, tinham dimetro de 4 m e eram utilizadas em companhas de trs pescadores, com auxlio
de uma embarcao, ou apenas por um, a p (Almeida/Roquete 1890:162).
Os espinheis deste concelho eram semelhantes aos da laguna e de outros rios do noroeste.
Havia duas modalidades principais, os da pesca de enguia e os do robalo. Os do robalo eram feitos
de fio de linho e eram usados perto da barra. A madre de cada tala tinha 80 m de comprimento e
50 estrovos de 1,5 m munidos de anzol na extremidade. Os da pesca de enguia tinham dimenses
variveis, mas menores que as dos anteriores. Ambos eram usados em companhas com dois
pescadores (Almeida/Roquete 1890:162-163).
Os rozulhos destinavam-se captura de enguia (Almeida/Roquete 1890:163) e eram
exatamente iguais s sertelas da laguna que, em tempos, tambm foram, em algumas localidades,
designadas como rosulhos (Almeida/Roquete 1890:163).
As vargas eram formadas por 5 panos laterais (bandas) e 4 centrais, que formavam o seio.
Os panos laterais eram feitos de rede de pescada usada e cada um tinha 32 m de comprimento, 10
m de altura e malha de 65 mm. Os panos centrais tinham comprimento prximo dos 7 m, sendo
entralhados em cabos de 3,5 m, a altura era de cerca de 13 m e a malha de 25 mm. Tinham, na
tralha superior, flutuadores de cortia e, na inferior, pequenos tijolos ou lousa, espaados a 1,20 m.
Para a manobra de pesca eram necessrios 8 pescadores e essa consistia em alar o lano para a
praia (Almeida/Roquete 1890:160).
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que tivesse alguma avaria, no vencia quinho, sendo que nesse caso todos contribuam
(Almeida/Roquete 1890:169).
Relativamente pesca com caleiras (arte de arrastar), eram usadas por 3 homens e 1
barco. Os 3 contribuam de igual forma para o concerto dos apetrechos de pesca, de modo que a
partio era feita em quinhes iguais (Almeida/Roquete 1890:169). Os tresmalhos e as
lampreeiras eram usados por 2 companheiros e cada um contribua com meia rede e metade do
preo do aluguer do barco. A pescaria era dividida a meio (Almeida/Roquete 1890:169). Para o
uso dos barbais, havia companhas de dois companheiros, contribuindo cada um com metade do
montante dos aparelhos de pesca e do aluguer do barco. A pescaria era dividida a meio
(Almeida/Roquete 1890:169).
Por fim, as chumbeiras remuneravam, em regra, com toda a pescaria que o indivduo que
a manejava capturasse, sucedendo o mesmo com as cabaceiras (Almeida/Roquete 1890:169).
No que respeita s artes de pesca deste troo do rio podemos adiantar as seguintes: vargas
do svel, vargas da lampreia, chinchorros, caleiras, tresmalhos, lampreeiras, cabaceiras e
chumbeiras. Destas, apenas as chumbeiras foram usadas na laguna., tendo apenas um dimetro
diferente (Almeida/Roquete 1890:171).
As vargas do svel utilizadas pelos pescadores de Valbom eram muito semelhantes s dos
pescadores de Campanh, tendo apenas um nmero maior de panos - 6 para as bandas e 6 ou 7
para o seio. Os pescadores de outras localidades do concelho de Gondomar usavam a arte com 7
ou 8 panos (Almeida/Roquete 1890:171). As vargas de lampreia diferiam das anteriores nas
dimenses, tinham cerca de 140 m de comprimento, 8 m de altura e malhagem mdia de 25 mm.
De referir ainda que eram feitas de fio de linho e encascadas (Almeida/Roquete 1890:171).
No que respeita aos chinchorros ou embalos, destinavam-se pesca de peixes diversos. A
sua tralha inferior tinha pedaos de lousa e a malhagem era superior a 20 mm (Almeida/Roquete
1890:171). Como o autor no nos revela mais nenhuma informao, no conseguimos saber se
esta arte se tratava da que tinha o mesmo nome e era empregue na laguna. As caleiras eram feitas
de fios de linho, tinham 150 m de comprimento, 3,30 m de altura e malha de 10 mm ou menor.
Tinham, na tralha superior, cortiada e chumbos, na inferior, e funcionavam como as vargas,
capturando todas as espcies pisccolas (Almeida/Roquete 1890:171).
Os tresmalhos eram usados pelos pescadores de Valbom e de P de Moura. Os de
Valbom eram semelhantes aos do Porto, denominados vandas. J os de P de Moura tinham 3
quartos (Almeida/Roquete 1890:172). As lampreeiras apenas diferem das do Porto no que toca ao
nmero de quartos, sendo em Gondomar utilizadas lampreeiras com 4 quartos (Almeida/Roquete
1890:172).
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Relativamente aos espinheis para diversas espcies, eram idnticos aos da laguna,
variando apenas nas dimenses. Eram empregues junto ao leito atravs de poitas de pedra que
eram colocadas de 4 em 4 talas (Almeida/Roquete 1890:270), de maio a setembro.
As fisgas de cravar que tinham como propsito capturar enguia e solha, eram exatamente
iguais s utilizadas na laguna, pois eram compradas por estes pescadores no concelho de Estarreja
(Almeida/Roquete 1890:270).
Em relao sertela e s linhas de pesca (Almeida/Roquete 1890:269-270), como j
havamos dito, eram praticamente iguais em todos os locais.
Os botires eram muito parecidos com os da laguna, tendo apenas dimenses menores.
Destinavam-se captura de diversas espcies, de outubro a maio (Almeida/Roquete 1890:269).
Os zorros eram uma arte envolvente-arrastante, mas de dimenses muito maiores que a
chincha. Tinham mangas com 40 m de comprimento e 5 m de altura, saco com 18 m de dimetro
e 7 m de profundidade e malha entre os 3 e os 18 mm (Almeida/Roquete 1890:267).
As redes de p eram uma arte envolvente-arrastante de mo, feitas de linho e que tinham
tralha superior com cortiada intervalada de metro a metro e tralha inferior com chumbos. No que
toca s dimenses, tinham 25 m de comprimento, 2,5 m de altura e malha de 18 mm. Em cada
lado do pano de rede existia uma vara, que servia para, na manobra de pesca, dois pescadores a
agarrarem e, de seguida, irem fazendo um cerco na gua, arrastando a arte no final da manobra
para a margem (Almeida/Roquete 1890:267).
As svaras eram tresmalhos de ticum, que eram empregues na pesca do svel, de maro a
maio (Almeida/Roquete 1890:268). A arte pescava deriva da corrente, na posio vertical
(Almeida/Roquete 1890:269).
O cfo era uma arte que se destinava captura de caranguejo. Dispunha de um saco de
forma cnica com 50 cm de altura, de uma boca com 50 cm de dimetro e a sua malha situava-se
entre os 10 e os 20 mm. O autor refere ainda que existia uma linha de suspenso de 8 a 10 m,
ligada a uma pequena cabaa (Almeida/Roquete 1890:269).
Os atalhos eram artes feitas de linho, que no possuam flutuadores nem chumbos e que
era usada na captura de espcies diversas. Cada pano tinha 30 a 35 m de comprimento e 3 m de
altura. A arte era armada nos cabeos atravs de estacas e funcionava a fazer cerco. Era armada na
baixa-mar, quando viesse a preia-mar os pescadores tratavam de esticar a rede e, na baixa-mar
seguinte, alavam a arte e retiravam o peixe (Almeida/Roquete 1890:269).
O esteiralho era empregue na pesca de tainha, de maio a setembro. Consistia numa
espcie de tapete, feito de esteiras de bunho, que ficava preso a uma ou duas embarcaes.
Destinava-se pesca de peixes saltadores, como o caso da tainha, que ao ver a sombra da arte,
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assustava-se e, ao saltar fora de gua, muitas das vezes, caa em cima da prpria arte, sendo logo
recolhido (Almeida/Roquete 1890:270).
Por fim, o roda-folle ou rede-folle era uma simples rede de suspenso, com forma cnica,
sendo referida pelo autor como um saco de rede, que tinha uma boca feita atravs de um arame
circular, que servia para recolher e transportar peixes (Almeida/Roquete 1890:270).
Montemor-o-Velho
As espcies pisccolas que se capturavam no troo do rio Mondego que passava pelo
concelho de Montemor-o-Velho eram: svel, de fevereiro a maio; lampreia de janeiro a maro; e
as restantes espcies, a que se davam menos valor, todo ano, sendo elas o barbo, a enguia, o
ruivaco e a tainha (Almeida/Roquete 1890:276).
Relativamente aos homens que se dedicavam pesca fluvial, estes eram de duas
localidades, Revlles e Montemor, mas em pouco nmero.
A retribuio dos ganhos era feita em quinhes iguais ou em alguns casos, como na pesca
do svel, com artes de tresmalho e branqueiras, com salrio.
A pesca de peixes midos, com tresmalhos e branqueiras, era feita por dois
companheiros, pertencendo a arte e a embarcao a ambos, de modo que a partilha era tambm
feita a meias. Se a arte e a embarcao fossem apenas de um pescador e este precisasse de um
ajudante, esse iria receber um tero ou um quarto da pescaria, ou ainda um salrio, conforme fosse
acordado. Para a pesca do svel, com botires, existiam companhas de 7 a 8 pescadores, usando
cada um a sua prpria embarcao e aparelhos. No final da pescaria, e aps todo o peixe ser
vendido, fazia-se a diviso dos ganhos em quinhes iguais, tendo em conta o nmero de aparelhos
que cada pescador usou, mas no a quantidade de peixe, ou seja, mesmo quem no tenha pescado,
por algum infortnio, recebia o mesmo quinho. Com a mesma arte, mas para a captura de
lampreia, as companhas e a partilha funcionavam da mesma forma, sendo a nica diferena o
facto de serem apenas necessrios 2 a 3 indivduos por companha. A pesca com tarrafas, que se
destinavam captura de peixe diverso, era feita por dois pescadores, cabendo a um deles a
manobra de pesca e ao outro a navegao do barco, sendo a partilha feita a meias. Os botires de
encosto, nassas, covos e sertelas, eram empregues na pesca de peixes midos, normalmente por
indivduos isolados, ficando a pescaria toda para si. Relativamente aos esteiralhos, eram utilizados
por companhas de 4 pescadores que usavam uma arte que era propriedade dos 4, sendo dessa
forma a partilha feita em quinhes iguais (Almeida/Roquete 1890:277).
No que concerne s artes de pesca existentes neste troo do rio Mondego, podemos
indicar a existncia das seguintes: branqueira, botiro, botiro de encosto, tarrafa, covo, sertela,
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A primeira sem dvida, que na poca que acabmos de abordar, a maior parte dos
pescadores no exerciam a pesca fluvial como nica profisso. claro que havia alguns locais
onde existiam verdadeiros pescadores profissionais, mas eram raras excees. Podemos dar como
exemplo, os de Estarreja, na laguna, e os de Valbom (concelho de Gondomar), no rio Douro.
Em relao partilha dos ganhos de pesca, essa era na maior parte dos casos feita a
quinhes. Era muito varivel em toda a classe de pesca e dependia de vrios fatores, por exemplo
qual a arte empregue, se a embarcao era de algum da companha ou se tinha de ser alugada, o
nmero de pescadores envolvidos, o facto de ser adulto ou no, entre outros.
Podemos tambm verificar que nos rios do noroeste, as principais espcies de peixes que
os pescadores procuravam capturar eram as migratrias, nomeadamente o salmo, o svel e a
lampreia. J na laguna de Aveiro e no Mondego o cenrio era diferente. Na laguna, a pesca incidia
de forma mais intensa na enguia, tainha e solha, mas tambm se dava importncia a outras
espcies pisccolas e ao marisco. No mondego capturava-se tainha, pilado, svel, lampreia, enguia,
ou seja pescava-se as mesmas espcies a que se dava maior valor quer nos rios do noroeste quer
na laguna.
Relativamente s artes de pesca fluviais, pode-se afirmar que no final do sculo XIX,
eram imensas e de vrios tipos: de armadilha, de ferimento, redes de saco com boca fixa, artes
envolventes-arrastantes, de linha e sobretudo redes de emalhar. Em alguns casos chegavam a
existir, na mesma localidade, artes de diversos tipos com o objetivo de capturar as mesmas
espcies pisccolas.
Em relao aos paralelos que conseguimos encontrar, das 22 artes que eram usadas na
laguna, encontrmos 4 paralelos no rio Minho (solheira, espinhel, linha de pesca e fisga de cravar),
3 no rio Lima (fisga de cravar, linha de pesca e chumbeira ou tarrafa de mo), 3 no rio Cvado
(linha de pesca, fisga de petada e bicheiro), 1 no Rio Ave (fisga de cravar), 5 no rio Douro
(chincha, chumbeira ou tarrafa de mo, espinhel, sertela e fisga de cravar) e 9 no rio Mondego
(linha de pesca, sertela, botiro, chincha, branqueira, espinhel, fisga de cravar, chumbeira ou
tarrafa de mo e covo).
Deste modo, podemos concluir, mesmo apesar do, de certa forma, mais elevado nmero
de paralelos do Mondego, que a pesca da laguna, devido s caractersticas peculiares que foi
adquirindo ao longo de sculos de adaptao ao meio, no pode ter uma comparao direta com a
pesca fluvial, mesmo tendo em conta apenas o troo final dos rios, onde se encontram esturios
que apresentam alguma semelhana com o ambiente alvo do nosso estudo.
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6 - Pescadores
Este captulo foi de resoluo bastante complexa, pois era nosso objetivo inicial saber
como evoluiu o nmero de pescadores licenciados para a pesca na laguna, ao longo do sculo
XIX at atualidade, assim como o nmero de embarcaes de pesca local registadas ao longo
desse perodo.
Contudo, tal no foi exequvel da forma que pretendamos por falta de dados estatsticos,
uma vez que no conseguimos encontrar dados anteriores a 1840, e posteriores s obtivemos os
dos seguintes anos: 1840, 1883, 1888, 1889, 1891, 1911, 1925, 1937, 1984 e 2000, havendo,
como se pode observar, uma grande lacuna entre 1840 e 1883 e 1937 e 1984. Deste modo
dirigimo-nos Capitania do Porto de Aveiro e questionmos o Capito Luciano Oliveira se
dispunha de tais informaes e se as podia ceder. A resposta foi que a Capitania no dispunha dos
dados, porque haviam sido enviados para a tutela, ou seja, para a ex-Direco-Geral das Pescas e
Aquicultura (DGPA), agora substituda pela Direo-Geral dos Recursos Naturais, Segurana e
Servios Martimos (DRGM) e tratou de nos fornecer os contactos necessrios. De seguida,
envimos um e-mail DRGM a solicitar os dados e obtivemos como resposta que s dispunham
desse tipo de informaes de 1993 em diante (o que no nos interessava) e sugeriram-nos
pesquisar no site do Instituto Nacional de Estatstica (INE), o que j havamos feito. Nestas
pesquisas no site do INE, onde bastante complicado encontrar algo to concreto como o que
procurvamos, chegmos concluso que existem dados estatsticos, a partir de 1975, mas que
esses no esto disponveis por capitania mas sim por NUTS, o que no satisfaz as nossas
necessidades. Dito isto, a abordagem feita neste captulo sobre os pescadores, incidiu nas suas
caractersticas, organizao social e econmica e distribuio.
6.1 Os pescadores lagunares
Os pescadores so, com algumas excees, pessoas pobres. Pobres a nvel monetrio, no
de esprito. E afirmamos que so pobres, ou seja, que so cidados da classe baixa pois no tm
terras nem outros bens de valor, sendo que as suas habitaes so humildes e muitos nem
automvel possuem. Os grandes bens que detm so, por norma, a sua embarcao e os
apetrechos de pesca. Decerto que qualquer homem que se dedique a esta vida, s o far ou por
necessidade, ou por tradio familiar, pois a vida de pescador, mesmo em guas calmas, muito
difcil (Soeiro/Lourido 1999:40).
Sabemos que, pelo menos desde a Idade Moderna, cada trabalhador de uma profisso
especializada (pescador, lavrador, marnoto, etc.) tinha um vesturio que atendia s necessidades
de cada uma e sabemos ainda que, desde pelo menos o sculo XIX, os pescadores utilizavam um
traje simples e uniforme (Fonseca 2007:338). Os de lhavo, por exemplo, vestiam no dia-a-dia,
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camisa riscada, ceroulas de linho at ao joelho7, colete de fazenda ou gabo nos dias mais frios e
barruo de l (Q1). Ao Domingo, dia santo, usavam indumentria mais formal, ou seja, calas,
colete, jaqueta de pano, barrete e sapatos ou tamancos (Fonseca 2007:338). Para os dias de
festas religiosas e os casamentos, havia outra indumentria, o fato. Estes fatos, eram passados de
pais para filhos e/ou de avs para netos (Fonseca 2007:338).
J os pescadores da Torreira usavam, na mesma poca, um vesturio diferente que os
distinguia dos restantes. Destaca-se o uso de botas pretas de borracha e de camisa grossa aos
quadrados (Q2), (Moreirinha 1998:122). Hoje, j no usam a roupa humilde de outrora.
Destacam-se as calas-botas de borracha verde e o bon de pala colorido (Q3), (Moreirinha
1998:121).
Em relao pesca, esta para os pescadores muito mais que uma atividade laboral, o
seu modo de vida. As embarcaes so mais que uma simples bateira, so a sua primeira casa. As
habitaes em terra so apenas um simples lugar onde podem conviver com os familiares. Se um
qualquer pescador, por algum motivo, ficar impedido de exercer a sua atividade profissional
durante um perodo de tempo e tiver de permanecer em terra, isso -lhe muito estranho e
desconfortvel, pois o quotidiano dos dois mundos muito diferente, a pesca no um trabalho
repetitivo e cclico, tal como acontece como a maioria das profisses em terra (Moreira 1987:21).
Outras caractersticas destes indivduos so, por exemplo, serem altamente competitivos e
tal deve-se ao facto de pescarem num espao comum, sem fronteiras, onde tm de partilhar os
recursos pisccolas existentes com os restantes pescadores, muitos at de comunidades piscatrias
rivais, pois existem rivalidades entre os povos da laguna o que tambm se reflete nestes
(Moreirinhas 1998:155). De destacar ainda a importncia de saberem a localizao exata dos
pesqueiros e de assim tratarem, eles prprios, de limitar a sua rea de operacionalidade
(Moreirinha 1998:50).
Segundo Clara Sarmento, na atividade piscatria o conhecimento adquirido pelos
pescadores ao longo do tempo atravs da observao e experimentao ou transmitido pelos seus
familiares sobrepe-se ao acesso propriedade. Assim, numa rea imensa sem qualquer
proprietrio, os que dispem de mais saberes e conhecem a localizao dos pesqueiros,
denominados poos, tero vantagem sobre os restantes (Sarmento 2008:45). Dito isto podemos
afirmar que os pescadores obtm e guardam, atravs do seu trabalho e da transmisso dos
conhecimentos adquiridos, um direito de utilizao sobre o meio aqutico que se concretiza na
posse e transmisso dos meios tcnicos de explorao, locais, utenslios e conhecimentos.
(Sarmento 2008:46).
7
atualmente verifica-se que parte dos pescadores integrados nos grupos A e C j no praticam a
pesca em exclusividade, mas complementam-na com outro tipo de atividades.
No que respeita s formas de explorao dos recursos pisccolas da laguna, por parte dos
pescadores, para alm da pesca individual, em que o ganho de cada mar de pesca ia para o
prprio; da pesca exercida com vrios pescadores (sem haver uma organizao especfica), em
que os ganhos eram previamente debatidos, sendo normalmente a diviso feita em partes iguais,
tendo em conta que os pescadores adultos ganhavam sempre mais do que os rapazes
(adolescentes); existiam mais outras duas formas, as companhas e a explorao familiar
(Almeida/Roquete 1890).
As companhas so mencionadas por Regalla, em 1888, que as definiu como sociedades
organizadas que constavam de arrais e companheiros, sendo que, por norma, as embarcaes e as
artes eram propriedade dos arrais. Contudo, para algumas companhas os pescadores alugavam as
embarcaes e respetivas artes, variando o seu preo conforme o estado das mesmas, ficando a
limpeza posterior da embarcao e das redes, assim como qualquer reparao que fosse necessria
a cargo do dono. J em relao ao nmero de pescadores de cada companha, tal dependia da arte
que era utilizada (Regalla 1888:57). A venda da pescaria fazia-se, da seguinte forma, aps a pesca
terminar. Os pescadores tratavam de transportar o produto at a um mercado e l, aps pagarem o
respetivo imposto ao Estado, era vendido fresco pelas peixeiras, que compravam e vendiam o
peixe, ou ento a venda era feita pela uma mulher de um dos pescadores, ganhando depois uma
certa percentagem (Regalla 1888:57).
Nos anos 40, Jos de Castro afirma que a vida do pescador girava em torno das
companhas e que a distribuio dos ganhos era feita atravs de quinhes do peixe capturado,
sendo que um ou dois teros dos ganhos iam para as despesas da embarcao e das artes e o que
sobrasse era dividido pelos pescadores em partes iguais (Castro 1943b:83).
Moreirinha menciona que, em 1998, a explorao sob a forma de companha (a autora
designa-a como empresarial) j s existia na Torreira para o chinchorro e funcionava da seguinte
forma: um pequeno empresrio que detinha a bateira, redes e utenslios necessrios, alugava e
depois de serem retiradas as despesas, os ganhos eram divididos, em partes iguais, ou seja, tal
como um sculo antes. Outra forma de organizao, pelos pescadores, era a organizao familiar,
em que o homem ia pesca com a ajuda da mulher e/ou do(s) filho(s), exercendo quase sempre
esta atividade em complementaridade com outra (Moreirinha 1998:29-30).
Para terminar este subcaptulo convm referir as festas/romarias a que os pescadores
sempre deram imenso valor. Entre essas podemos referir a de Santa Catarina na Ribeira de Ovar,
de So Tom de Mira, da Senhora da Boa Viagem no Torro do Lameiro, de So Pedro em
Pardilh, da Nossa Senhora das Areias em So Jacinto, do Sr. da Ribeira em Veiros, da Sra. da
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Alumieira em Salreu, da Sra. da Memria na Pvoa do Pao, da Sra. da Sade da Costa Nova e da
Sra. dos Navegantes na Gafanha da Nazar.
Todavia, a mais importante e qual ocorriam, e ainda ocorrem, mais pescadores com as
suas embarcaes a de So Paio da Torreira. Esta romaria sucede todos os anos, aos dias 6, 7 e 8
de setembro e remonta pelo menos ao sculo XIX. Nela, existe por norma, um concurso de
painis dos barcos moliceiros, uma corrida de bateiras vela, uma corrida de chinchorros e uma
regata de barcos moliceiros (Lopes 2007:40-52). A romaria tem incio, a cada dia, s 8 da manh,
com o lanamento de foguetes, sendo tal designado como a alvorada (Lopes 2007:43). O S.
Paio representado pela imagem de um menino e como j foi referido, tem uma forte ligao com
os pescadores e no s, pois na regio a pesca interpenetra a agricultura numa simbiose perfeita
do homem com a natureza: terra, ria ou mar (Lopes 2007:44).
A famosa ligao do Santo ao vinho, com o qual a sua imagem era banhada na romaria,
provm do facto de a festa ocorrer na poca das vindimas. Como a autora refere, to depressa o
peregrino se entregava aos mais profundos atos de devoo, como apanha uma enorme
borracheira (Lopes 2007:45).
Numa breve sntese da histria do So Paio, convm referir, em primeiro lugar, que o
seu nome era Plgio e era galego, tendo vivido na primeira metade do sculo X.
Fazia parte de uma famlia importante, o seu pai era abastado e o seu tio, Hermiginio, era
bispo de Tuy. Acontece que em 920, o emir de Crdova, Abderramo III, decide invadir os reinos
catlicos da pennsula ibrica que ainda no estavam sob domnio muulmano. Quando chega
Galiza, esta defendida pelo seu exrcito, onde participava Pelgio, auxiliado por D. Garcia, rei
de Navarra. Contudo, a defesa foi em vo. Pelgio acaba por ser derrotado e feito prisioneiro
juntamente com o seu tio. No entanto, 18 meses mais tarde, Hermiginio resgatado, tendo o seu
reino pago uma elevada soma para o reaver. J Pelgio, mantem-se em cativeiro e, apesar de
grandes mordomias oferecidas pelo rei Abderramo III para que se convertesse ao islamismo, tal
nunca aconteceu. Foi sacrificado para que negasse Jesus, mas no o fez. Acabou por ser
martirizado com 13 anos de idade (Lopes 2007:45).
Outra festa anual, tambm com bastante importncia outrora, era a festa atualmente
conhecida como Feira do Maro, que teve incio em 1444 (Souto 1958:6) e que se realiza todos os
anos entre os dias 25 de maro e 25 ou o ltimo fim de semana de abril. Teve outrora a designao
de festa dos barcos (Q6). Esta ocorria no Canal Central de Aveiro e nela, para alm de
ocorrerem compras e vendas de embarcaes e utenslios, existia um concurso que atribua
prmios a embarcaes que concorressem, consoante a qualidade de construo e a sua
decorao. Nestes concursos as embarcaes participavam por tipologia (Castro 1945c:308).
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temporadas, pois muitos pescadores desta regio migravam para outras localidades, tendo em
conta a abundncia ou escassez de peixes nos rios ou na laguna, podendo-se no entanto calcular o
nmero de embarcaes em cerca de 350, tripuladas por 872 homens (Silva 1891:116-117).
Nobre (1915:108) apresenta os nmeros de pescadores, assim como o nmero de
embarcaes que eram utilizadas na pesca nos anos de 1883, 1889 e 1911. Em 1883, existiam
1155 pescadores, distribudos por 385 embarcaes; em 1889, 998 pescadores e 530
embarcaes; e em 1911, 1517 pescadores e 599 embarcaes (Q12).
Rocha e Cunha adianta que, em 1925, existiam 1930 pescadores, com 594 embarcaes e
em 1937, 1255 pescadores, com 409 embarcaes (Cunha 1939:15).
Em relao distribuio das licenas de artes de pesca por comunidade (Q13), nota-se
que h algumas que tm uma certa tendncia para o uso de uma em particular, devido em parte
tradio, exemplo disso Estarreja e Ovar, em que mais de 70% das embarcaes so licenciadas
no galricho (Carneiro et al. 2002a:13).
Mais recentemente, Carneiro, refere que, em 2000 existiam cerca de 900 pescadores
profissionais, sendo este, no entanto, um nmero por alto, pois parte dos pescadores no tem
licena de pesca, acontecendo o mesmo em relao s embarcaes que no esto registadas
(Carneiro et al. 2002a:11). No que concerne s embarcaes, tambm no ano de 2000, estavam
registadas no Porto de Aveiro 642 embarcaes de pesca local, das quais, 586, segundo a ex.
DGPA, tinham licena de pesca (Q14), encontrando-se o maior nmero de embarcaes
concentradas na Murtosa, Torreira, Costa Nova e Gafanha da Nazar, localidades em que existe
um grande nmero de pescadores que se dedicam pesca lagunar (Carneiro et al. 2002a:12).
A evoluo do nmero de pescadores, assim como das embarcaes de pesca, ao longo
dos perodos de tempo anteriormente referidos, pode ser consultado em anexo (Q15), todavia e
tendo em conta apenas os dados estatsticos que recolhemos, apenas podemos afirmar que a
evoluo foi extremamente varivel. Um dos pontos curiosos o facto de o nmero quer de
pescadores, quer de embarcaes, em 2000, se situar praticamente ao nvel de 1889.
93
Concluso
O objetivo prioritrio deste relatrio de estgio foi a realizao de um trabalho sobre a
pesca tradicional na laguna de Aveiro, do sculo XIX atualidade, onde referimos os seus cais,
embarcaes, artes de pesca, pescadores e as transformaes ocorridas: a evoluo dos cais nos
ltimos 70-80 anos; as embarcaes lagunares, a questo das origens, tipologias, funcionalidades e
mtodos construtivos; evoluo da pesca e das artes do sculo XIX at atualidade; no
esquecendo, claro, os pescadores.
No que concerne aos cais, podemos concluir que nos ltimos 70-80 anos tiveram uma
diminuio bastante considervel sendo atualmente 57, quando chegaram a ser 166 nos anos 40 e
que tal deveu-se principalmente a grandes transformaes de ordem econmica e social.
Antigamente a laguna funcionava como uma fora econmica da regio e uma importante, seno
quase nica via de comunicao entre as populaes, sendo que existiam milhares de
embarcaes com mltiplas funes e havia uma boa manuteno dos cais quer por parte das
entidades quer dos trabalhadores que utilizavam essas estruturas. Hoje em dia, a laguna perdeu a
importncia de outrora, devido quase extino da salicultura e da apanha de ervagens, ao
aparecimento de outras vias de comunicao como estradas e caminho-de-ferro, sendo que o
comrcio deixou de ser feito pela via fluvial. Desse modo, os cais que ainda resistem, acomodam
quase exclusivamente embarcaes de pesca tradicionais e houve um quase completo abandono
de alguns cais devido falta de manuteno, o que levou a que os pescadores optassem por
acostar as suas embarcaes nos poucos cais com boas condies.
No que respeita s embarcaes tradicionais, as concluses mais importantes a que
chegmos foram que estas tero tido, segundo a nossa opinio e aps uma extensa leitura das
teorias de vrios autores sobre o assunto, uma origem local, tendo sido concebidas da forma que
foram devido s necessidades dos povos da regio e tendo em conta os condicionalismos da
laguna. A diversidade de tipologias pode ser explicada pelo facto de cada uma ter sido criada com
uma determinada funcionalidade e a existncia de outras tipologias de bateiras ao longo de quase
todo o litoral pode ser explicado pelas migraes dos povos lagunares aquando dos tapamentos da
barra. J sobre a sua evoluo ou extino, estas deveram-se mudana de funes ao longo do
tempo ou ao facto de as atividades para que foram construdas terem deixado de se exercer com o
passar do tempo, como foi acima mencionado. Ao passo que antigamente os vrios tipos de
embarcaes serviam para a caa, pesca e transporte, nomeadamente de sal, ervagens, gado e
pessoas, atualmente dedicam-se quase na totalidade pesca local. No entanto, em alguns locais
como nos canais da cidade de Aveiro algumas embarcaes como o moliceiro e o mercantel
foram adaptados para funes tursticas. Posso ainda adiantar que dos trs grandes temas sobre os
quais me debrucei, o das embarcaes ter sido o que mais me marcou, pois ao faze-lo, fui-me
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