Polinômios Irredutíveis
Polinômios Irredutíveis
Polinômios Irredutíveis
Introdu
c
ao: polin
omios em uma vari
avel
Um polin
omio de grau n em uma variavel x e uma expressao da forma
p(x) = a0 + a1 x + a2 x2 + + an xn ,
an 6= 0.
i=0
i=0
! n
m+n
m
X
X
X
X
bj xj =
ai bj xk .
ai xi
i=0
j=0
k=0
i+j=k
Divisibilidade e divis
ao euclidiana
Passemos ent
ao a explorar as semelhancas entre os polinomios e os n
umeros inteiros. Vamos
assumir que os polinomios mencionados pertencem todos a R[x], em que R e um domnio de
integridade. Para facilitar, podemos imaginar que R e um dos conjuntos Z, Q, R, C, Zp .
1
Defini
c
ao 1 Dados polin
omios d(x) e a(x) pertencentes a R[x], dizemos que d(x) divide a(x)
(e usamos a notaca
o d(x)|a(x)) se existe um polin
omio c(x) R[x] tal que a(x) = d(x)c(x).
Esta relac
ao de divisibilidade possui as mesmas propriedades que sao validas para os n
umeros
inteiros. Em particular, se d(x)|a(x) e d(x)|b(x), entao d(x)|a(x)c1 (x)+b(x)c2 (x) para quaisquer
c1 (x) e c2 (x).
Com a relac
ao de divisibilidade entre polinomios, podemos definir o mdc de dois polinomios.
Dados a(x) e b(x), dizemos que d(x) e um mdc de a(x) e b(x) se:
1. d(x)|a(x);
2. d(x)|b(x);
3. d(x) tem grau maximo entre todos os polinomios que cumprem as duas condicoes anteriores.
Exemplo: Vamos ver um exemplo em Q[x]: sendo a(x) = x2 + 4x + 3 e b(x) = x2 + 3x + 2, e
facil ver que d(x) = x + 1 divide a(x) e b(x). Alem disso, como a(x) = (x + 1)(x + 3) e b(x) =
(x + 1)(x + 2), tambem nao e difcil ver que a condicao 3 da definicao de mdc e satisfeita. Assim,
d(x) e um mdc dos polinomios a(x) e b(x), e podemos escrever mdc(x2 +4x+3, x2 +3x+2) = x+1.
Note que dissemos, na definic
ao e no exemplo acima, um mdc, e nao o mdc. No exemplo,
note que o polinomio d (x) = 3x + 3 tambem satisfaz as 3 condicoes que definem o mdc e, de
maneira mais geral, o polinomio r(x + 1) tambem, para qualquer r racional. Por isso dizemos
um mdc, e nao o mdc. Mesmo assim, se sao dados dois polinomios e queremos nos referir ao
mdc deles, e comum escolhermos como sendo o mdc o polinomio monico, isto e, cujo coeficiente
do termo de maior grau e igual a 1.
Talvez nao seja t
ao
obvio como calcular o mdc de dois polinomios dados, mas na pratica
isto e bastante simples, pois podemos usar o algoritmo de Euclides (sim, aqui podemos inserir
o comentario padrao exatamente como nos n
umeros inteiros). Apenas um detalhe merece ser
comentado: para podermos efetuar a divisao entre polinomios, e necessario que os coeficientes
do polinomio pertencam a um corpo. Isto quer dizer que devemos ser capazes de dividir um
elemento por outro que nao seja nulo. Por exemplo, teremos a divisao euclidiana em Q[x], pois
se dividirmos um n
umero racional por outro nao nulo, obtemos um n
umero racional. Mas, por
outro lado, nao podemos fazer o mesmo em Z[x]: a divisao de dois n
umeros inteiros pode nao
ser um n
umero inteiro.
Assim, estabelecemos agora a seguinte convencao: daqui em diante, a letra K representara
para nos um corpo, e observamos que Q, R, C e Zp sao corpos.
Teorema 2 (Divis
ao Euclidiana) Sejam a(x) = an xn + an1 xn1 + + a0 e b(x) = bm xm +
m1
bm1 x
+ + b0 polin
omios de graus n e m em K[x], respectivamente. Existem u
nicos
polin
omios q(x) e r(x) tais que a(x) = b(x)q(x) + r(x), com o grau de r(x) menor que o grau
de b(x).
Demonstra
c
ao: Considere o conjunto S = {a(x) b(x)p(x) : p(x) K[x]}, e seja r(x) um
polinomio de grau mnimo que pertence a S. Temos entao
a(x) = b(x)q(x) + r(x)
para algum q(x) K[x]. Vamos mostrar que o grau de r(x) e menor que m. Suponha que
r(x) = ct xt + ct1 xt1 + + c0 ,
2
com cj K e ct 6= 0 se t 6= 0. Se t m, entao
ct
ct
tm
a(x) b(x)q(x)
x
b(x) = r(x)
xtm b(x),
bm
bm
que e um polinomio de grau menor que t, o grau de r, e o lado esquerdo da igualdade acima
mostra que esse e um polinomio que pertence a S (basta colocar b(x) em evidencia nos dois
u
ltimos termos), absurdo, pois r(x) tem o menor grau entre todos os polinomios de S. Isso
mostra que o grau de r(x) e menor que m.
Agora a unicidade. Se
a(x) = b(x)q1 (x) + r1 (x) e
temos b(x)(q1 (x) q2 (x)) = r2 (x) r1 (x). Mas o grau de r2 (x) r1 (x) e menor que o grau de
b(x), logo a u
ltima igualdade so pode ser verdadeira se q1 (x) q2 (x) = 0, e consequentemente
r2 (x) r1 (x) = 0.
Ate o momento temos tratado polinomios como objetos puramente formais, mas e claro que
a cada polinomio p(x) = an xn + an1 xn1 + + a1 x + a0 K[x] associamos uma func
ao
polinomial
p: K K
k 7 (an kn + an1 kn1 + + a1 k + a0 ).
Essa funcao polinomial simplesmente substitui o x por k e faz a conta. Dessa maneira temos o
seguinte
Corol
ario 3 Um elemento a K e uma raiz de p(x) K[x] se, e somente se, (x a)|p(x).
Demonstra
c
ao: Se (x a)|p(x), entao existe q(x) K[x] tal que p(x) = q(x)(x a), e
portanto p(a) = q(a)(a a) = 0, isto e, a e uma raiz de p(x).
Suponha agora que p(a) = 0. Dividindo p(x) por (x a), temos
p(x) = (x a)q(x) + r(x),
em que r(x) e um polinomio de grau menor que 1 (que e o grau de x a). Mas entao r(x) e
uma constante c. Re-escrevemos ent
ao
p(x) = (x a)q(x) + c.
Substituindo x por a, ficamos com 0 = c, pois a e raiz de p(x), logo (x a)|p(x).
Exemplo: Considere o polinomio (x4 + 3x3 + 2x + 4) Z5 [x]. Note que 1 e raiz deste
polinomio: 14 + 3 13 + 2 1 + 4 0 (mod 5). Portanto, ao dividirmos este polinomio por x 1
em Z5 [x], devemos obter resto zero. Vamos fazer a divisao (usando o metodo de Briot-Ruffini):
1 1 3 0 2 4
1 4 4 1 0
3
Polin
omios irredutveis
Observe que o passo principal na demonstracao acima e observar que mdc(p(x), a(x)) = 1.
Assim, temos o seguinte resultado: se p(x)|a(x)b(x) e mdc(p(x), a(x)) = 1, entao p(x)|b(x), com
a mesma demonstrac
ao dada acima.
O proximo resultado e a versao para polinomios do Teorema Fundamental da Aritmetica:
Teorema 7 Todo polin
omio de grau maior ou igual a 1 em K[x] pode ser fatorado em K[x]
como um produto de polin
omios irredutveis. Esta fatoraca
o e u
nica, a menos da ordem dos
fatores e da multiplicaca
o por constantes n
ao nulas de K.
Demonstra
c
ao:
Seja p(x) K[x] um polinomio de grau maior ou igual a 1. Se p(x)
for irredutvel, nao ha o que fazer (ele ja esta fatorado como produto de irredutveis). Caso
contrario, escrevemos p(x) = a(x)b(x), com a(x) e b(x) ambos de grau menor que o grau de
p(x). Se a(x) e b(x) forem irredutveis, a fatoracao termina. Caso contrario, repetimos este
processo ate obtermos uma fatorac
ao de p(x) como um produto de irredutveis (o leitor mais
experiente percebe que a formalizac
ao deste argumento involve uma inducao finita, mas a ideia
e clara).
Resta ainda mostrar a unicidade da fatoracao. Suponha que
p(x) = q1 (x)q2 (x) qm (x) = r1 (x)r2 (x) rn (x)
(1)
Quem fez o exerccio proposto alguns paragrafos acima sabe que, em Z5 [x], x4 +3x3 +2x+4 =
(x 1)3 (x + 1). Essa e uma decomposicao em fatores irredutveis. Uma outra fatoracao em
fatores irredutveis so pode diferir dessa por constantes nao nulas de Z5 [x]. Por exemplo, temos
tambem x4 + 3x3 + 2x + 4 = (x 1)2 (2x 2)(3x + 3).
5
Crit
erios de irredutibilidade
Em geral, decidir se um dado p(x) K[x] e irredutvel pode ser bastante difcil. Mas nem
ad + bc = 8 ac + b + d = 2 a + c = 0.
6
Exemplo: O polinomio x3 2 e irredutvel sobre Q. Para ver isso, basta aplicarmos o criterio
de Eisenstein com p = 2.
Uma tecnica bastante u
til para provar que um polinomio e irredutvel sobre Z (logo sobre
Q tambem), e considera-lo modulo p, para algum primo p conveniente, e usar fatoracao u
nica
em Zp [x].
Exemplo: Mostremos que x4 + x3 + 5 e irredutvel sobre Q. Uma maneira de fazer isso e a
seguinte. Suponha que x4 + x3 + 5 = f (x)g(x) com f (x), g(x) Z[x]. Aqui, parece adequado
considerar tudo modulo 5. Em Z5 [x], temos
x4 + x3 + 5 = x3 (x + 1).
Assim, devemos ter f (x) = xk + 5p(x) e g(x) = x3k (x + 1) + 5q(x) para algum k, 1 k 2
(por que o k nao pode ser 0 ou 3?). Mas entao o termo independente no produto f (x)g(x) e
divisvel por 25, absurdo, pois 25 6 |5.
Esta mesma tecnica pode ser usada para dar uma outra demonstracao do criterio de irredutibliidade de Eisenstein. Alias, este e um dos problemas propostos!
Ja que estamos sem medo de ir para Zp [x] sempre que necessario, nao poderamos deixar de
mencionar que, em Zp [x], vale o sonho de todo estudante:
Teorema 10 Se p e primo e a(x), b(x) pertencem a Zp [x], ent
ao
(a(x) + b(x))p = a(x)p + b(x)p .
7
Demonstra
c
ao: Usando o binomio de Newton,
(a(x) + b(x))p =
p
X
p
k=0
a(x)pk b(x)k .
0 k p,
logo kp e divisvel por p para 1 k p 1, pois o fator p do numerador nao sera cancelado.
Sendo assim, em Zp [x],
p
X
p
a(x)pk b(x)k = a(x)p + b(x)p .
k
k=0
claro que o teorema acima so vale em Zp [x]. Se ele valesse sempre, os alunos da 7a serie
E
teriam vida bem mais facil.
Finalmente, vamos ver um problema que usa todas essas ideias.
n
Exemplo: Mostremos que f (x) = (x2 + x)2 + 1 e irredutvel sobre Z para todo n inteiro
positivo.
n
Parece natural considerar o polinomio modulo 2. Em Z2 [x], temos (x2 + x)2 + 1 = (x2 +
n
x + 1)2 . Observe que polinomio x2 + x + 1 e irredutvel em Z2 [x] (isso e facil de verificar).
n
n
Suponha que (x2 +x)2 +1 = g(x)h(x), com g(x), h(x) Z[x]. Pela fatoracao de (x2 +x)2 +1
n
em Z2 [x], devemos ter, em Z[x], g(x) = (x2 + x + 1)k + 2p(x) e h(x) = (x2 + x + 1)2 k + 2q(x),
para 1 k < 2n .
n
Seja uma raiz de x2 + x + 1. Temos f () = (1)2 + 1 = 2 e, por outro lado, f () =
4p()q(). Dividindo p(x) e q(x) por x2 + x + 1, obtemos
p(x) = (x2 + x + 1)p1 (x) + (ax + b)
q(x) = (x2 + x + 1)q1 (x) + (cx + d),
com a, b, c e d inteiros (como podemos garantir que sao inteiros, e nao simplesmente racionais?).
Usando o fato que 2 = 1 segue que
2 = 4(a + b)(c + d)
1
1
= ac 2 + (ad + bc) + bd = (ad + bc ac) + (bd ac).
2
2
Como e irracional e bd ac e inteiro, a igualdade acima nao pode ocorrer, absurdo. Logo
f (x) e irredutvel sobre Z. O u
nico truque novo aqui consistiu em substituirmos uma raiz do
2
polinomio x + x + 1 para nos livrarmos de um trambolho indesejado.
Problemas
Evidentemente, nem tudo e uma moleza nesta vida. Existem muito mais coisas a serem ditas
sobre polinomios, mas nada melhor do que praticar o que aprendemos. Para isso existem os
problemas.
Problema 1 Se p e primo, mostre que xp1 + xp2 + + x + 1 e irredutvel sobre Q.
8
Problema 2 Dados polinomios f1 (x), f2 (x), . . . , fn (x) em Z[x], mostre que existe um polinomio g(x) redutvel em Z[x] tal que g(x) + fi (x) e irredutvel em Z[x] para todo i, 1 i n.
Problema 3 Demonstre o criterio de Eisenstein olhando o polinomio p(x) como um elemento
de Zp [x] e usando fatorac
ao u
nica.
Problema 4 Representamos por Z[x, y] o conjunto dos polinomios nas variaveis x e y. Prove
que
x200 y 5 + x51 y 100 + x106 4x100 y 5 + x100 2y 100 2x6 + 4y 5 2
e irredutvel em Z[x, y], isto e, nao pode ser escrito como produto de dois polinomios de grau
maior ou igual a 1 em Z[x, y]. O grau de um polinomio de duas variaveis e calculdado da
seguinte maneira: o termo xm y n tem grau m + n, e o grau de um polinomio de duas variaveis
e igual ao grau maximo que ocorre em seus termos. Por exemplo, o grau do polinomio dado e
205.
Problema 5 Seja f (x) Z[x] irredutvel sobre Z. Sabemos que f (x) tem uma raiz tal que
|| > 23 . Prove que f (3 + 1) 6= 0.
Problema 6 Seja n > 1 um inteiro e seja f (x) = xn + 5xn1 + 3. Prove que f (x) e irredutvel
sobre Z.
Problema 7 Prove que se a1 , a2 , . . . , an sao inteiros distintos, entao (x a1 )2 (x a2 )2
(x an )2 + 1 e irredutvel sobre Z.
Problema 8 Mostre que o polinomio an xn + an1 xn1 + + a0 Z[x] e irredutvel sobre Q
se a0 e um n
umero primo e |a0 | > |a1 | + |a2 | + + |an |.
Problema 9 Dado um n
umero complexo , o polin
omio minimal de e o polinomio monico
de Q[x] de menor grau que admite como raiz (se tal polinomio existir!).
(a) Se f (x) Q[x] e o polinomio minimal de , prove que f (x) e irredutvel em Q[x].
(b) Se f (x) Q[x] e o polinomio minimal de e g(x) Q[x] e tal que g() = 0, prove que
f (x)|g(x).
(c) Sejam M (x) e N (x) polinomios monicos e irredutveis em Q[x]. Suponha que M (x) e N (x)
tenham razes e , respectivamente, tais que + Q. Prove que M (x)2 N (x)2
possui uma raiz racional.