Uma Familia de Cristaos-Novos
Uma Familia de Cristaos-Novos
Uma Familia de Cristaos-Novos
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
(1495-1598)
NDICE
Pg.
INTRODUO
I- COMPOSIO E REPRODUO
9
FAMILIAR
1- As questes antropolgicas: estrutura familiar,
11
parentesco e consanguinidade
2- Mestre Joo: controvrsia e enigma
13
reproduo familiar
II- FORMAO DE UMA REDE MERCANTIL E APROPRIAO DO ESPAO
53
55
57
69
69
78
85
rede familiar
III- MOBILIDADE SOCIAL E PODER
113
115
118
Sociedade Corporativa
4- As Armas o nome e o sangue gravados a ouro
IV- INQUISIO E INTEGRAO
1- Entre a integrao e a assimilao forada
139
143
145
165
Espao
CONCLUSO
191
FONTES E BIBLIOGRAFIA
197
AGRADECIMENTOS
Lisboa, vieram por via das aulas e das sugestes do Sr. Professor Antnio Marques
de Almeida. Portanto, o que este trabalho, que agora se apresenta, tiver de bom, ao
Sr. Professor Dr. A. A. Marques de Almeida se deve.
Esta tese foi concluda durante um perodo muito particular da minha vida.
O Sol nem sempre brilhou da mesma forma todos os dias, e muitas foram as
ocasies que procurei a luz dos seus raios, e um novo amanhecer, que por vezes
teimava em no aparecer, por entre uma bruma que ofuscava o meu caminho.
Quero destacar o apoio do meu amigo Alexandre Cartaxo, que reviu o texto
e deu achegas preciosas, numa atitude fraterna e solidria pouco habitual nos dias
que correm, entre seres humanos. Um agradecimento tambm devo ao meu amigo
Antnio Costa Canas, que esteve sempre disposto a ajudar-me e a sugerir a
melhor forma de eu levar por diante este projecto.
Aos meus queridos amigos Vitor Pires Silveiro, Ana Bastio, Ana
Henriques, Reis Videira, Castro Veloso, ilustres Professores da Escola Naval, de
Contabilidade, Matemtica e Programao Informtica, quero aqui publicamente
lembrar que, para alm da ajuda, me proporcionaram inesquecveis momentos de
amizade, de camaradagem e de conversas frutuosas nos ltimos dois anos.
O Vitor Silveiro, bom lembr-lo, teve uma pacincia sem limites, em
relao aos problemas relacionados com a impresso deste trabalho. Por isso,
devo-lhe um agradecimento, que se traduz num profundo respeito, admirao e
numa amizade sincera.
H cerca de oito anos parti numa viagem, em busca das razes de uma
famlia de cristos-novos. Algumas pessoas acompanharam-me em certos
momentos dessa viagem, chamando-me a ateno para pontos importantes, ou
sugerindo as melhores formas para abordar o problema. Cumpre aqui realar o
apoio que desfrutei do corpo de investigao da Ctedra de Estudos Sefarditas,
que nunca me regateou ajudas quando foi necessrio. O Dr. Paulo Mendes Pinto
mostrou-se sempre interessado no andamento da investigao, e em muitos
RESUMO
Nomeado para efectuar certas misses de interesse para Grcia e Joseph Nasci,
Tom de Paz andou de cidade em cidade, de lugar em lugar, convivendo e recolhendo
informaes junto das comunidades judaicas sefarditas, que viviam em cidades como
Ragusa, Salnica, Andreanapolis, Constantinopla. At que um dia foi preso em Florena, e
enviado numa gal, como escravo, a Lisboa. Decorria o ano de 1578.
Os Paz, que foram uma das mais importantes famlias de mercadores cristos-novos
a viver em Portugal, no sculo XVI, sobreviveram socialmente, aps o estabelecimento da
Inquisio, mas com pesados custos, pois foram perdendo progressivamente a sua
influncia social, econmica, poltica e cultural. Porm, o nome Paz haveria de atravessar
os sculos, sempre associado ao Santo Ofcio, e perseguio religiosa dos cristos-novos,
que ocorreram em Portugal, entre os sculos XVI e XVIII.
PALAVRAS-CHAVE
Cristos -Novos
Reproduo Social
Mobilidade Social
Poder
Homens de Negcios
ABSTRACT
The main subject of this dissertation is related to a spanish origin family of new
christians, who named themselves Paz, a christian name. First, we will analize the identity
of Master Joo, the patriarc of the family. We will also devote some attention to the
reproduction in this family and in society, in Portugal, between Entre Douro e Minho, in
late 15th century. Then, we will approach the production of spatial property, in which this
family of new christian, grew their power, ran their businesses and intervened socially.
The aspects that arose our attention to a higher extension were, defintely, the ways
of social mobility and the relationships developed by this family with important royal
families in Porto and in Entre Douro e Minho. In this case, we concluded that these new
chirstians achieved the highest social dignity through noble titles. Starting in 1530, this
fanily faced a period of difficulies. Duarte da Paz, Master Joos son, went to Rome as a
counsellor for the Portuguese new-christians, aiming to prevent that the Inquisition get
settled in Portugal. We proceeded with the study of his life for the following eight years,
when he kept an important number of contacts, lived in Santa S, and maintained a close
relationship with the Pope and high representatives of the the Holly Church. However, he
was unable to imped the Inquisition to reach Portugal.
Meantime, in Portugal, some members of this family living in Porto are caught in
the middle of inquiries and lawsuits filed by the Inquisition. With the study of these
lawsuits, we analized the aspect related to the imposed integration and assimilation of the
new christians, in mid 16th century. Finaly, and starting from another written record of the
Inquisition in Portugal, we studied the life of Tom Pegado de Paz, Duarte de Pazs son.
Through the information from uncertain witnesses, we tried to infer the kind of
relationship between the Paz, merchants and State Officials, living in Porto and another
family of new christians the Nasci who were very powerful financially and were
refugees in the Ottoman Empire. We concluded that several members of the Paz family
remained associated to the dispora connections. The Paz, one of the most important
families of new christan merchants living in Portugal in the 16th century, managed to
survive socially after the establishment of the Inquisition (1536), but the price they paid
was amanzingly high. In fact, they lost their social and financial influence in a progressive.
However, the name of Paz would prevailed through centuries to come, always connected
with the Inquisition and the religious persecution towards the new christians that occurred
in Portugal, between 16th and 18th.
KEY WORDS
New Christians
Social Reproduction
Social Mobility
Power
Businessmen
SIGLAS E ABREVIATURAS
INTRODUO
INTRODUO
INTRODUO
INTRODUO
Vide. Antnio Jos Saraiva, Inquisio e Cristos-Novos, 5 ed., Lisboa, Editorial Estampa, 5 ed., 1985,
p.25.
2
Seguimos de perto as propostas de Antnio Jos Saraiva, Ibidem, p. 21.
3
O termo sefardita deriva da palavra de Sefarad, nome que com os judeus designavam a Pennsula
Ibrica. Voltaremos a este assunto no captulo que se segue.
3
INTRODUO
Europa4. Particularmente relevante, foi o seu contributo para a nova economia
monetria que despontava nas cidades nos alvores da Idade Moderna. A lio de
Sombart clarifica, precisamente, o papel de primeira linha que os judeus tiveram
nas profundas transformaes econmicas e sociais que se do na Europa entre a
segunda metade do sculo XV e meados do Sculo XVII5. E no nos pode sequer
parecer estranho o facto do desenvolvimento material poder ser dominado por
uma minoria activa6. Mas ser inevitvel questionar: como se organizavam estes
grupos? Como se compunham? Que comportamentos tinham?
Com objectivos visivelmente polticos e uma ambio mal dissimulada, de
querer unificar a Pennsula sob um nico ceptro, D. Manuel I, pressionado pelos
futuros sogros (Reis Catlicos), promulga em 1496 o dito que lana a minoria
judaica num dilema difcil de enfrentar: o baptismo ou a fuga, a converso
compulsiva ou o xodo desesperado. Muitos optaram por ficar, convertendo-se,
outros, por imposio, fizeram do cristianismo a sua religio. Ao Rei no
interessava a partida destas gentes. Em causa estava a sangria de bens, de
dinheiro, e o vazio que se abriria em algumas funes sociais, apangio da minoria
hebraica durante sculos.
Baptizados, os cristos-novos passam a ter o monoplio das operaes
financeiras: comrcio a dinheiro, a cobrana de impostos, a cobrana de rendas do
Estado e das grandes casas senhoriais, a administrao das alfndegas. Muitos
disseminam-se por vrios locais do Imprio: traficando escravos na costa ocidental
africana, espreitando a ocasio mais propcia para se inserir no comrcio da
pimenta no ndico, negociando o acar da Madeira, amealhando a prata sulamericana, colhendo o pau-brasil das terras de Vera Cruz. D. Manuel, e depois
D.Joo III, tiveram como preocupao salvaguardar certos direitos dos novoscristos. De que maneira? Promulgando medidas de excepo, renovadas
4
Uma boa sntese sobre esta poca encontra-se d-nos Hermann Kellenbenz, A Importncia Econmica e a
Posio dos Judeus Sefardins na Espanha dos Fins Da Idade Mdia, Do tempo e da Histria, IV, 1971,
pp.35-46.
5
Werner Sombart, Les Juifs et la Vie Economique, Paris, Payot, 1923, pp. 9-18 e passim.
6
Pierre Villar extrapola para os dias de hoje essa realidade, Veja-se Problemas da Formao do
Capitalismo, Desenvolvimento Econmico e Anlise Histrica, Lisboa, Editorial Presena, 1982, p. 75.
4
INTRODUO
ciclicamente, que impunham o respeito pelos recentemente baptizados7. Mas ser
que aqueles que se haviam convertido no fim do sculo XV iam a caminho da
assimilao plena quando em 1536 o estabelecimento da Inquisio se torna
definitivo? Esse , sem dvida, um grande debate que tem emergido na
historiografia8. Ento qual ser a melhor via para se entender o percurso, a
socializao e as formas de reproduo desta comunidade? No ser atravs da
anlise das redes familiares?
Este estudo tem, justamente, como objecto de anlise uma famlia de
cristos-novos de Entre Douro e Minho9: a sua estrutura familiar; a forma como os
seus membros interveio na sociedade; a apropriao do espao no qual tecem as
suas redes de poder; os negcios, de mbito local, nacional e internacional; o poder
financeiro, especialmente o relacionamento com outras famlias, tambm elas
poderosas financeiramente; a luta contra o estabelecimento da Inquisio. Para
isso, julga-se da maior convenincia o uso de conceitos operatrios10, onde se ir
alicerar o estudo: elite, poder, mobilidade social, dinmica social, redes de poder,
produo do espao, inovao, regio, reproduo.
Um dos pontos que nos merecer maior ateno a forma como esta rede
familiar produziu o espao11, isto , as suas prticas sociais observadas num espao
Logo em 1497 publica-se uma lei de proteco aos judeus convertidos; depois seguem-se renovaes em
1506 e 1512. Veja-se Meyer Kayserling, Histria dos Judeus em Portugal, S. Paulo, Livraria Pioneira
Editora, 1971. pp.122-127.
8
Antnio Jos Saraiva, contrariamente a outros autores, defende que havia j uma integrao plena. Op.
cit. p. 38.
9
Entre Douro e Minho a designao atribuda a uma regio que, grosso modo, se estende entre o rio
Douro e o rio Minho. Quando o territrio portugus foi dividido em cinco comarcas, esta era a comarca de
Entre-Douro-e-Minho. No texto que se segue, optamos por dispensar o uso dos hfenes. verdade que se
generalizou o uso desta forma e, quanto a ns, serve para designar uma regio que vai para alm daqueles
rios, e que tem fronteiras pouco claras. Cfr. Jos Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, Vol. III,
Lisboa, I.N.- C.M., 1980, p. 25. Muito embora a famlia venha a ficar a associada, tambm, cidade do
Porto, o estudo das fontes indicou-nos que a sua rea de influncia sempre se exerceu por todo o espao de
Entre Douro e Minho.J numa fase final do seu perodo ureo h uma retraco das suas actividades e uma
fixao na cidade do Porto, que no o suficiente para retirar o enquadramento ao espao de Entre Douro e
Minho.
10
Mesmo sabendo que a definio conceptual no domnio das cincias sociais sempre provisria, tal como
nos explica o Professor A. A. Marques de Almeida, Aritmtica Como Descrio Do Real (1519-1679.
Contributos Para a Formao da Mentalidade Moderna em Portugal. Vol. I, Lisboa, I.N.-C.M., 1994 p. 19.
11
Seguimos de perto as propostas de Henri Lefbvre sobre a produo do espao. Cfr. La production de
lespace, 4 ed. Paris, Antropos, 2000, p. 43 e passim.
5
INTRODUO
concreto, formado por uma teia de laos sociais que unem vrios pontos
complementares entre si. rede familiar associa-se uma rede de poder. Poder no
sentido em que Max Weber prope: todos os meios, todos os tipos de aco podem
colocar algum em posio, privilegiada, de impor a sua vontade a uma dada
situao12. Acresce que as relaes de poder so ambivalentes. So, em simultneo,
relaes de autonomia e dependncia. E mesmo o mais autnomo dos agentes
encontra-se dependente, e o mais dependente encontra sempre alguma
autonomia13. Quer isto dizer, que as elites financeiras sefarditas, nos alvores do
capitalismo moderno, enleavam-se em relacionamentos de poder que lhes
ofereciam certo grau de autonomia frente a outros concorrentes e competidores
directos e, paradoxalmente, mergulhavam em dependncias difceis de afastar.
Por outro lado, no ser mais correcto falar em poderes, em vez de poder?
Nas palavras de Foucault A sociedade um arquiplago de poderes14, que se
justapem e influenciam mutuamente. Estudar uma rede familiar impe, por
conseguinte, uma anlise cuidada complexidade de poderes em jogo; s
estratgias que se tecem; aos recursos existentes; s formas de organizao,
mobilidade social e subsistncia; inovaes sociais; processos econmico-sociais,
actividades econmicas. Mas do que que falamos, quando falamos de
Economia? Abordamos, neste trabalho, a Economia, no nos aspectos que
envolvem a tcnica da produo, mas sim no sentido das condies sociais em que
essa actividade se constri, desenvolve, expande e se transforma15.
Na primeira parte desta dissertao discutiremos a identidade de mestre Joo
de Paz, o patriarca, aquele o primeiro da famlia a integrar-se em crculos de
clientelas juntos dos grandes do Reino. De onde ter vindo? Que funes
exerceu? Que papel social desempenhou? Seguidamente abordaremos a
12
Max Weber, Economia y Sociedade (Wirtschaft und Gesellchaft, Grumdriss der Verstehender Soziologie,
Tubingen, 1922), Buenos Aires-Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1944, p. 43.
13
Cfr. Anthony Giddens, Dualidade da Estrutura. Agncia e Estrutura, Oeiras, Celta Editora, 2000, p.91.
14
Michel Foucault, Dits et crits(1954-1988), Vol. II (1980-1988), Paris, Editions Gallimard, 1988, p.1.
15
Vide as propostas de Armando de Castro quanto a esta abordagem: As ideias econmicas no Portugal
medievo (sculos XIII-XV), Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1978, pp. 23-24.
6
INTRODUO
reproduo da famlia em territrio portugus. Os filhos, os casamentos da
primeira gerao, o local da residncia.
Tendo em vista a produo do espao, colocar-se-o algumas questes
especficas quanto forma como esta famlia constituiu uma rede de negcios, e
como se apropriou do espao de onde retirava a sua riqueza. Como se estruturava
a rede familiar? De que meios dispunha? Quais os recursos? E os contactos, como
se estabeleciam?
A nova sociedade que nasce de uma ampliao dos mercados, e da construo
de uma economia-mundo europeia, vai possibilitar, por sua vez, novas formas de
asceno social. Os Paz no ficam indiferentes ao mundo novo de oportunidades
que se abre. Estaremos perante uma elite? Quais a sua formas de mobilidade
social? Que lugares de relevo ocuparam?
Procurando entender que impacto a Inquisio teve na famlia, estudamos
alguns processos; analisamos a actuao de um dos seus elementos na Santa S, e
inseriremos a actividade econmica e comercial dos Paz nas redes internacionais.
Finalmente, importa dar explicao para o perodo cronolgico: 1495-1598. A
primeira data deve-se chegada de D. Manuel I ao poder. sob um novo cunho
religioso, aps a converso, que os Paz exercem as mais diversas funes sociais e
que se vo reproduzindo. De 1587 em diante surge na documentao um membro
da famlia, representando em Madrid a misericrdia do Porto. Cidade capital,
eleita por Filipe II centro da monarquia dual, at 1598.
INTRODUO
I
COMPOSIO E REPRODUO FAMILIAR
10
16
Felgueiras Gayo, Nobilirio de Famlias de Portugal, Braga, Oficinas Grficas de Pax, Carvalhos de Basto,
XII tomos, 1938-1990, Tomo VII, pp. 70-71.
17
Cristovo Alo de Morais, Pedatura Lusitana. Nobilirio das Famlias de Portugal, Tomo I, Vol. II, Porto,
Livraria Fernando Machado, 1944, pp. 656-657.
18
Biblioteca da Ajuda, Linhagens, Cdice 50-IV-8, fl.799; Idem, Frei Manuel de Santo Antnio, Thesouro da
Nobreza das Famlias Gentlicas do Reyno de Portugal, Lisboa, 1799, Cdice 50-V-18, pp. 224-25; Francisco
Antnio Martins Bastos, Nobiliarquia Medica- Notcia dos Medicos e Cirugies da Real Camara, Lisboa, 1858,
p.28. Chama-se a ateno para o facto de os elementos da famlia aparecerem designados, na maioria dos casos,
por da Paz. Confrontando-se os documentos oficiais existentes, sobretudo nas chancelarias, repara-se que a
designao correcta no da mas sim de Paz.
19
Utilizaremos a designao de sefardita, judeu da Pennsula Ibrica convertido fora, ou no, ao
cristianismo, como sinnimo de cristo-novo, na identificao de um grupo social com valores, identidade e
cultura prprios. Mas utilizaremos esse termo com algum cuidado, pois nem todos os cristos-novos que se
encontravam na dispora voltavam ao judasmo ou se consideravam sefarditas. Muitos cristos-novos foram
cristos obstinados, outros nem tanto, e muitos continuaram a professar a f judaica na clandestinidade. Cristonovo passoua designar os judeus que se converteram ao cristianismo, tambm, por vezes, apelidados de
conversos. O que parece no ser muito adequado, o facto de se utilizar este vocbulo como sinnimo de
judeu. Vide Antnio Borges Coelho, "Cristos Novos e Judeus portugueses no advento do Mundo Moderno",
Cristos Novos Judeus e os Novos Argonautas. Questionar a Histria IV, Lisboa, Caminho, 1998, pp.99 100.
Mas precisemos mais um pouco a questo.
O termo sefardita deriva de Sefarad, nome pelo qual era conhecida a Pennsula Ibrica entre os judeus. O
assunto tem motivado acesa discusso, por o termo ser, igualmente, aplicado a outras regies. No entanto,
Sefarad, no seu uso mais corrente, um topnimo bblico que designa indefinidamente a Ibria/Hispnia e
mesmo a costa do Norte de frica. Vide Jos Augusto Ramos, Judasmo e Mediterrneo. Espao, Identidade e
Fronteiras, O Mediterrneo Ocidental. Identidades e Fronteira. Coord. de Maria Graa Mateus Ventura,
Lisboa, Edies Colibri, 2000, p. 75 nota 33; e Cfr. Florbela Veiga Frade, Uma famlia Sefardita do Sculo
XVI: os Mendes Benveniste, Cadernos de Estudos Sefarditas, n. 3, 2003, pp. 127-128.
Por ouro lado, vrios autores tm vindo a utilizar as designaes de: cripto-judeu, marrano e converso,
como sinnimo de cristos-novo. Antnio Jos Saraiva foi um dos fortes opositores ao seu uso generalizado,
que outros, como I.S. Rvah e Julio Caro Baroja, empregaram para designar os cristos-novos e as sua prticas
de judasmo, especialmente aps a introduo da Inquisio, primeiro em Espanha no sculo XV e depois em
Portugal no sculo seguinte. Aquele historiador defendeu, que judeus e cristos-novos so entidades
inteiramente distintas, embora haja entra elas uma ligao histrica. Para Antnio Jos Saraiva, no se pode, nem
deve, confundi-las, sob pena de no compreendermos o problema que nos posto pela existncia dum grupo
social exclusivamente ibrico. Vide Antnio Jos Saraiva, Op. cit., p. 25; Cfr. I.S. Revah, Les Marranes
Portugais et LInquisition Au XVIe Sicle , tudes Portugaises, Publie par les soins de Charles Amiel, Paris,
F.C.G./ C.C.P. 1975, pp. 185-229.
11
mais distintas do
Porto20.
20
Pedro de Brito, Patriciado Urbano Quinhentista: As Famlias Dominantes do Porto (1500-1580), Porto,
Arquivo Histrico, Cmara Municipal do Porto, 1997, p.138.
12
21
Este cdice foi noticiado em primeira-mo por Sousa Viterbo, Trabalhos Nuticos dos Portugueses, sculos
XV e XVI, reproduo fac-similada de 1898, com apresentao de Jos Manuel Garcia, Lisboa, I.N. C.M.,
1988, pp. 673-674; e, anos mais tarde, por Carolina Michaelis de Vasconcelos, Tragdia de la insigne Reina
Doa Isabel, 2 Ed., Coimbra, Impressa da Universidade, 1922, p. 14.
22
A traduo da obra de Pompnio Mela encontra-se entre os fls. 2 e 41. Biblioteca da Ajuda, Cdice50-V-19.
23
Biblioteca da Ajuda, Ibidem, fl. 2.
24
A traduo pode ser uma cpia do original, no entanto, at ao momento, no existem nenhumas certezas que
assim seja.
25
Texto redigido entre 1505 e 1508.Veja-se Joaquim Barradas de Carvalho, La Traduction Espagnole Du De
Sitv Orbis de Pompunivs Mela par Matre Joan Faras et les notes marginales de Duarte Pacheco Pereira,
Lisboa, J.I.U.-C.E.C.A., 1974, pp.31-58.
13
Viterbo26,
26
Veja-se Sousa Viterbo, Trabalhos Nuticos dos Portugueses, sculos XV e XVI, reproduo fac-similada de
1898, com apresentao de Jos Manuel Garcia, Lisboa, I.N.- C.M., 1988, p. 204.
27
Joaquim Bensade, Les lgendes allemandes sur lhistoire des dcouvertes maritimes portugaises, Genve,
1917-1922, p. 71.
28
Carlos Malheiros Dias, A Semana de Vera Cruz, Histria da Colonizao Portuguesa do Brasil, Porto,
Litografia Nacional, 1923, p. 100.
29
Frazo de Vasconcelos, Um documento indito que importa Histria dos Descobrimentos, Petrus Nonius,
Vol. I, n. 1-2, Lisboa, 1937, pp. 105-106.
30
A. Fontoura da Costa, A Marinharia dos Descobrimentos, 4 Ed., Lisboa, Edies Culturais da Marinha, 1983,
p. 121.
31
Joaquim Barradas de Carvalho, Op. cit., pp. 25-29.
32
Abordamos este assunto pela primeira vez nas segundas Jornadas do Mar, em Novembro de 2000. Vide
Carlos Manuel Valentim, Mestre Joo Faras: um sefardita ao servio de D. Manuel I, Dos Mares de Cabral ao
Oceano da Lngua Portuguesa, Actas do Colquio, Lisboa, Escola Naval, s/dt. [2001], pp.68-83. Viemos a
publicar o estudo noutro local, com alteraes mnimas: Carlos Manuel Valentim, Mestre Joo Faras um
sefardita ao servio de D. Manuel I, Cadernos de Estudos Sefarditas N. 1, 2001, pp. 167-220.
33
ANTT, Corpo Cronolgico, Parte II, mao 2, n.2. Este documento foi pela primeira vez publicado em 1843
por F. A. Varnhagen, Carta de Mestre Joo Physico del Rei, para o mesmo Senhor. De Vera Cruz ao 1 de
Maio de 1500., Remetida de Lisboa pelo Socio Correspondente []. Revista Trimestral de Historia e
Geografia do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Tomo Quinto, n. 19, Outubro de 1843, pp. 342-344.
A pequena carta gozou de diversas edies, a ltima das quais apareceu em 1999: Os Primeiros 14 Documentos
Relativos Armada de Pedro lvares Cabral, Edio de Joaquim Romero Magalhes e Susana Miranda, Lisboa,
Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 1999, Documento 13, pp. 91-93.
34
A carta um documento bastante importante, diramos nico, para o estudo da nutica astronmica portuguesa
no incio do sculo XVI, pelas questes de cariz tcnico que so expostas ao longo do texto. Tm sido vrios os
investigadores que se debruaram sobre o seu contedo. A carta tem despertado, tambm, bastante curiosidade e
interesse entre os autores brasileiros, pois mestre Joo fez o primeiro esboo, que se conhece, da constelao do
Cruzeiro do Sul. Veja-se o ltimo estudo, do ponto vista astronmico: Ronaldo Rogrio de Freitas Mouro, O
Cu dos Navegantes. Astronomia na poca das Descobertas, Lisboa, Pergaminho, 2000, p. 145 e ss. Nesta obra,
mestre Joo denominado em algumas passagens por piloto (p. 145, por exemplo), o que no nos parece ser o
termo mais correcto aplicado ao astrolgo.
14
40
As fontes contemporneas so completamente omissas, por exemplo, em relao a autores que marcaram de
forma indelvel o pensamento cientfico, como Euclides ou Ptolomeu. Na Idade Mdia salienta-se o caso
paradigmtico de Johannes de Sacrobosco, autor de uma das obras que mais difuso teve at ao sculo XVII o
Tractatus da Sphera. Sobre a dificuldade que se enfrenta na investigao de uma figura com estas
caractersticas, Vide Olaf Pederson, In Quest of Sacrobosco, Journal of the History of Astronomy, XVI
(1985), p. 175 e ss. Aqui fica o nosso agradecimento ao Sr. Professor Doutor Henrique Leito, por nos ter
facultado a fotocpia deste estudo.
41
Vale bem a pena mencionar alguns nomes: Pinto de Carvalho, Costa Lobo, Gama Barros, Ramos Coelho,
Aires de S, Sousa Monteiro, Antnio Jos Teixeira, Braamcamp Freire, Guilherme Henriques, Teixeira de
Arago, Tefilo Braga, Sanches de Baena, Cristovo Aires, Brito Rebelo, Francisco M. de Sousa Viterbo,
Luciano Cordeiro. Muitos destes investigadores vieram a publicar importantes colectneas documentais ou
estudos de referncia.
42
Anselmo Braamcamp Freire tentava encontrar um mestre Joo da Paz acusado e suspeito, por alguns
autores, de ter envenenado D. Joo II; Sousa Viterbo procurava o elo que fizesse a correspondncia entre o
mestre Joo, autor da carta a D. Manuel e o mestre Joo Faras da traduo espanhola do Situ Orbis.
43
Francisco de Sousa Viterbo encontrou nos livros da Chancelaria de D. Manuel I um documento, referente ao
ano de 1513, que indicava o pagamento de uma tena a um mestre Joo estrolico. Veja-se: Trabalhos Nuticos
Portugueses, Ed. cit. p. 204; J. Frazo de Vasconcelos tentava abrir novas frentes e descobrir algo de novo;
localizara um mestre Joo Alemo, que trabalhava na tentativa de encontrar um mtodo para medir as
longitudes. Ora, como A. Fontoura da Costa concluiria, este mestre Joo nada tinha a haver com o nosso
mestre Joo. Vide J. Frazo de Vasconcelos, Um Documento Indito que Importa Histria da Marinharia dos
Descobrimentos Op. cit., pp. 107-112, e Cfr. A. Fontoura da Costa, Op. cit., p.121.
16
Faras44,
RENDIMENTO/ MS
Leitura impossvel
2.500 Reis
2.300 Reis
2.000 Reis
1.600 Reis
1.500 Reis
44
Jos Manuel Garcia defende o nome de Farras e no Faras. Vide As Viagens dos Descobrimentos,
prefcio, organizao e notas de [...], Lisboa, Editorial Presena, [s/dt.], pp. 231 e 277.
45
Havendo casos de charlatanismo e muitos curiosos a praticar medicina, na segunda metade do sculo XV,
houve necessidade por parte da Coroa de impor regras e estabelecer mais rigor no acesso profisso. D. Afonso
V promulgou uma norma, na qual se consignava que todos os futuros fsicos e cirurgies fossem reexaminados, a
fim de serem sujeitos renovao peridica das respectivas cartas de exame. As provas seriam prestadas na
Corte perante o Fsico-mor e Cirurgio-mor, que tinham amplos poderes de deliberao sobre a apreciao
tcnica do avaliado. Quem exercesse o ofcio sem estes pressupostos incorria em priso, coimas de vria ordem e
impedimento de o exercer. Vide: Iria Gonalves, Fsicos e Cirurgies Quatrocentistas. As cartas de exame. Do
Tempo e da Histria, I, 1965, pp. 73-74.
46
Os fsicos distinguiam-se dos cirurgies. Estes eram menos considerados socialmente, visto que a sua
profisso tinha um carcter eminentemente manual arte de curar feridas e bobas; enquanto os fsicos faziam
sobretudo o diagnstico da doena com base na consulta dos astros e da leitura de obras de autores da tradio:
Avicena, Galeno, Hipcrates. Idem, ibidem, pp.79-80 e 83. Aos rabes, por via das pujantes comunidades
urbanas na Pennsula Ibrica, durante o seu domnio: Crdova, Sevilha, Toledo, se deve a influncia da medicina
galnica e da cincia aristotlica. Era nestes espaos urbanos que os seguidores da lei mosaica se integravam
com as elites locais. Sero eles os portadores da medicina arbico-galnica - que influencia as prticas mdicas,
as terapias e o diagnstico de doenas - at muito tarde(sc. XVIII). Os mdicos hebreus tm uma grande
influncia nas sociedades ibricas, precisamente at ao sculo XVIII. Em Portugal, entre os sculos XVI e
XVIII, distinguem-se, entre outros, Garcia de Orta, Amato Lusitano, Antnio Ribeiro Sanches.
17
parcial
ou
inteiramente
das
particularidades
mencionadas,
mais
47
Excluindo as duas situaes citadas (fsicos-mor e cirurgies-mor), que eram em nfimo nmero e
relativamente fceis de detectar e identificar. Lembre-se que os cirurgies e fsicos judeus, que se converteram
ao cristianismo e permaneceram em Portugal tiveram de confirmar as suas cartas de exame. Muitos dos que
exerciam Medicina em Portugal eram de origem judaica.
48
Vide quadro com nomes de mestres Joo encontrados nas Chancelarias.
49
ANTT Chancelaria de D. Manuel, liv 30, fl. 22v.
50
Idem, ibidem, liv 14, fl. 55.
18
morador na
Pederneira51(1513),
acadmico, por parte das autoridades administrativas, no era acto normativo, mas
sim pontual. Em contrapartida, quem se dirigia ao poder central, ou integrava o seu
nome numa determinada obra, manuscrita ou impressa, tirava partido da situao,
ao chancelar de forma proeminente o(s)seu(s) grau(s) acadmico(s).
Muitos problemas continuavam por esclarecer, tornando-se necessrio seguir a
pista, to longe quanto possvel, proporcionada pela descoberta de mestre Joo de
Paz .
A historiadora Maria Jos Pimenta Ferro Tavares incorpora, num dos seus
estudos, mestre Joo de Paz entre os fsicos e cirurgies que se baptizaram e
mudaram de nome52, com o intuito de permanecerem em Portugal aps a ordem de
converso compulsiva, ou expulso, dos judeus promulgada por D. Manuel em 1497.
Estaramos, neste caso, em presena de um cristo-novo. Martins Bastos, no sculo
XIX, a ele se refere, de facto, na Nobiliarquia Mdica, socorrendo-se de fontes pouco
seguras, maioritariamente nobilirios, dando-o como natural de Mazago, mdico da
cmara de D. JooII e, por baptismo cristo, seu afilhado53.
Em meados do sculo XIX, comeou a formar-se a ideia, com grande tenacidade,
de que o Prncipe Perfeito teria sido vtima de assassinato, por ingesto de veneno. At
porque era sabido, advindo da, por certo, as razes mais profundas desta lenda,
que quando D. Joo II faleceu correra o boato no Porto de que os judeus o haviam
envenenado. Diante dessas notcias, o novo monarca, D.Manuel I, envia uma carta
com data de 27 de Outubro de 1495, assinada em Alccer do Sal, ao procurador e
oficiais da cmara portuense, para prevenirem atitudes mais radicais da populao
contra os judeus, e possveis distrbios que pudessem ter lugar na cidade54.
51
55
Camilo Castelo, Narcticos, Companhia Portugueza Editora, Porto, 1920, pp. 24-25 e p.44.
Cfr. Correspondncia entre Manuel Bento de Sousa e Oliveira Martins in O Prncipe Perfeito, Lisboa,
Guimares & C Editores, 1984, pp. CLX-CLXV.
20
56
todos os problemas de
autoria67
que persistiu na historiografia portuguesa durante mais de um sculo? O quebracabeas foi definitivamente resolvido68? A evidncia documental poder apontar
para outra interpretao.
Defendeu Karl Popper que nunca se pode provar que uma teoria cientfica
verdadeira69. Uma teoria cientfica pode, quando muito, descrever e explicar um
mundo que nos acessvel, e fazer previses sobre novas realidades, atravs de
experincias e ensaios que confirmem essas previses. Popper, ainda assim, alerta: tal
assero no nos permite pensar que estamos perante algo de inabalvel e
verdadeiro. O problema no est solucionado definitivamente. O mximo que se
pode afirmar que essa teoria, diante de certos parmetros em que foi testada e
analisada, posta prova e ensaiada, se vai adequar a uma determinada circunstncia.
As verdades no so definitivas, so sempre transitrias. Eis a grande lio
popperiana.
No se podendo afirmar que uma teoria verdadeira, poder-se-, porm, provar
que ela falsa. Como? Com a realizao de testes; pondo prova a sua capacidade
explicativa e verificando se os seus resultados so contrrios s previses.
Quanto s denominadas Cincias Humanas, tudo se passa de maneira
diferente. A comear pela simples circunstncia de no se poderem reproduzir
factos sociais, situaes e mundos passados (isto em relao Histria); no
possvel, portanto, fazer previses nem reprodues exactas do que quer que seja.
Mas as ideias de Karl Popper no deixam de ser teis, na medida em que nos ajudam
a empregar um determinado aparelho terico; ensinam-nos a testar resultados, a
desconfiar de uma realidade aparente, que parece inabalvel; ensinam-nos a
67
O nome de autor, no um nome qualquer, vulgar, esconde no seu interior outras funes, para alm do
prprio nome. Nas palavras de Michel Foucault o equivalente a uma descrio, exercendo em relao aos
discursos um papel classificador, delimitando e seleccionando, individualizando e agrupando. Por isso,
pensamos, o tema da autoria um assunto central em qualquer investigao. Vide Michel Foucault, O que
um autor? 3 Ed., [s/loc.], Vega, 1997, pp. 43-47 e ss.
68
O almirante Max Justo Guedes em trabalho recente, tomou como definitivo a resoluo do problema,
abonando-se no estudo do professor Juan Gil. Veja-se Max Justo Guedes, A Viagem de Pedro lvares Cabral,
A Viagem de Pedro lvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (1500 -1501), coordenador [], Lisboa,
Academia de Marinha, 2003, pp. 95-96.
69
Seguimos as ideias deste epistemlogo, contidas em The Logic of Scientific Discovery, 13 Ed., London,
Melbourne, Sydney, Auckland, Johannesburg, Hutchinson, 1980, pp. 27-34.
23
desconstruir um
texto70;
bases cientficas, e reconhecida pela comunidade cientfica, viver para sempre, nem
est suficientemente completa de modo a impedir a reviso dos seus fundamentos.
Na escrita da histria no h solues definitivas. O que aconteceu est retido
num mundo impossvel de tocar e de alcanar. Isso mesmo salienta o Professor
Marques de Almeida: O historiador no conhece o que realmente aconteceu, e o que chega
ao seu conhecimento uma certa forma de ver, e isso faz com que toda a construo seja
ideacional.71 A discursividade em Histria assenta, assim, na hiptese, na
probabilidade, no que poder ter acontecido. Em suma, numa aproximao
verdade72.
Concretizando, pensamos que os problemas que so levantados pela traduo
do De Situ Orbis e pela carta enviada a D. Manuel, no esto ainda totalmente
esclarecidos, querendo-nos parecer que os dados postos em relevo pelo professor
Juan Gil no so, porventura, suficientes para explicar todas as situaes menos
claras e at, em alguns casos, contraditrias, que esto relacionados com o (s) seu
(s) autor (es).
Nunca se pensou, ou por outra, nunca se explorou suficientemente a
eventualidade de podermos estar perante dois autores distintos73. Houve desde
sempre uma preocupao constante em encontrar dados que pusessem em relevo a
mesma autoria, funcionando este desiderato como obstculo epistemolgico74 a
outras vias de investigao, por parte dos que se debruaram sobre a traduo do
texto de Pompnio Mela e da pequena carta escrita da Terra de Vera Cruz em 1500.
70
Durante a investigao deparamos com dois nicos casos: maestre Joan Faras (tal como aparece na traduo
do De Situ Orbis) e mestre Joo de Paz.
76
La geografia y cosmografia de Ponponio Mela, cosmgrafo, pasada de latin em romance por Maestre Joan
Faras, bachiler em artes y em medeina, fsico y sororgiano dell muj alto Rey de Purtugall Dom Manuel. B.A,
Cdice50-V-19, fl. 2.
77
O bacherel mestre Joham fisjco e irurgyano de Vosa Alteza.
78
Documento III in Juan Gil, El Maestre, p.308.
25
Vide A.A. Marques de Almeida, Sinais gravados noutros sinais ou histria e legibilidade do mundo... pp.
42-44.
80
B.N. Reservados, Diogo Rangel de Macedo, PBA 394, fl. 69.
26
81
Veja-se, por exemplo, B.A. Linhagens, cdice 50-IV-8, fl. 799, texto de meados do sculo XVII, que refere o
seguinte: Joo de Pax medico da camara del Rei D. Joo que veyo de Mazago e se converteo bautizando-se e
foi el Rei seu padrinho; lhe fez honras, h seus irmaos que viero depois que foro o dito Diogo de Paz e Izidoro
de Pax[...]. De facto, D. Joo II foi padrinho de alguns fsicos bem conhecidos, como Antnio de Lucena, cujo
baptismo relatado por Garcia de Resende. Pensamos ter sido este cdice a fonte de onde partiram os que
defenderam, como Camilo Castelo Branco, ter mestre Joo estado prximo da Corte do Prncipe Perfeito. Mas
repare-se nas incongruncias a referncia a Mazago, e ao irmo Isidro, sendo este afinal seu filho, como
veremos adiante.
82
Jos Montarroio Mascarenhas (Lisboa 1670- 1760), director da Gazeta de Lisboa 1715-1718, introdutor do
jornalismo em Portugal, capito de cavalaria, participou na Guerra de Sucesso de Espanha. O trabalho que a
seguir citamos conta-se entre os seus inditos. As genealogias feitas por este autor tm a particularidade de se
apoiarem em vasta documentao manuscrita, existente nos vrios arquivos nacionais.
83
J.F. Montarroio Mascarenhas, Theatro Geneologico, Biblioteca da Ajuda, Cdice 47-XIII-18, fl. 40V. de
notar que o objectivo deste autor no o estudo de mestre Joo de Paz, mas sim o de um outro mestre Joo que
vivera em Barcelos, pela mesma altura, pai de Pedro Esteves. Sublinhe-se que Mascarenhas transcreve da Paz,
em vez de Paz, semelhana dos autores que a seguir se entregam explorao do tema, muita embora na
documentao rgia aparea de Paz. Facto que aparente ser secundrio, mas que tem importncia no desvendar
dos passos do astrlogo e da sua famlia. Vide Anselmo Braamcamp Freire, Envenenado, Op. cit., p.233.
84
Nas cartas de fsica e cirurgia.
27
85
Quando nos apercebemos desta ligao, dirigimo-nos ao Arquivo Histrico da Casa de Bragana, a Vila
Viosa, na tentativa de encontrar uma pista que nos conduzisse a mestre Joo de Paz e sua famlia, mas
nenhuns registos encontramos. Ter-se- perdido essa documentao? De facto, os registos da Casa de Bragana
foram varridos por dois grandes incndios: o que foi provocado pelo terramoto de 1755; e um outro que
desbastou uma boa parte da documentao a 10 de Junho de 1821. Vide Manuel Incio Pestana, O Arquivo da
Casa de Bragana. Histria sumria de um notvel acervo documental. Lisboa, Academia Portuguesa de
Histria, 1996, pp.33-47.
86
Colaboravam frequentemente em trabalhos para o aperfeioamento da nutica. Vide Lus de
Albuquerque,Sobre um manuscrito quatrocentista do Tratado da Esfera, Revista da Faculdade de Cincias
da Universidade de Coimbra, Vol. XXXVIII, 1959. p. 154.
A historiografia portuguesa ainda carece de uma obra, de um estudo de fundo, de uma investigao sistemtica,
que problematize, que aborde e estude de forma crtica o papel tcnico e cientfico da comunidade sefardita nos
Descobrimentos e na Expanso portuguesa. Quais foram os seus contributos? Como se organizavam
cientificamente? Que papel tiveram as judiarias na organizao e exportao, para o resto da sociedade, de um
saber tcnico que lhes era familiar? E em seguida, os cristos-novos, que papel tiveram? Como era produzido
esse saber? De que forma aproveitou o poder institudo, essa sabedoria tcnica e letrada? Que alteraes se
deram, aquando das converses em massa? Quando se tratam estas questes h a tendncia para se ficar pelos
casos mais conhecidos (Abraham Zacuto, Jos Vizinho, Pedro Nunes, Garcia de Orta, e pouco mais),
reportando-se o que j fora escrito vezes sem conta. Veja-se, por exemplo, o ltimo grande trabalho, que tenta
problematizar, de forma extensa, at aos dias de hoje, a presena dos judeus em Portugal: Jorge Martins,
Portugal e os Judeus, Volume 1, [s.loc.], Nova Vega, 2006, p.135. O autor nada nos diz de novo, nada
acrescenta ao que foi j escrito: Alis, igualmente o que acontecera com os seus predecessores nutria (D. Joo
II) um grande respeito pela sabedoria judaica []. Ou, conhecida a colaborao judaica, a vrios nveis
(cientfico, humano, comercial, empreendedor), na empresa martima portuguesa []. A anlise no vai mais
longe, no especifica, no detalha, no aprofunda. Joaquim Mendes dos Remdios, Os Judeus em Portugal, I,
Coimbra, F. Frana Amado Editor, 1895, pp. 243-321, de quem Jorge Martins se diz devedor, querendo concluir
a sua obra inacabada, mas que nesta matria no lhe acrescenta nada, foi o autor que at ao momento mais
aprofundou a anlise do papel cientifico e tcnico dos judeus nos Descobrimentos. Maria Jos Pimenta Ferro
Tavares tambm tratou o tema de uma forma geral, e no especificamente virado para os aspectos tcnicos,
analisando sobretudo o papel dos sefarditas no comrcio, na finana e nas relaes politicas internacionais. Vide
da autora, Judeus, Cristos Novos e os Descobrimentos Portugueses, Sefarad, Vol. XLVIII 2 (1988), pp. 293308.
87
Vide Guy Beaujouan, Op. cit, pp. 13-16.
28
projeco
internacional88
88
Tal como os Paz de Entre Douro e Minho, como mais frente se ver.
Vide Juan Gil, El Maestre.., p. 292.
90
E talvez se queixe desta forma nua e crua, sem ajustes, pensamos, por o navio no ser propriedade do Rei.
91
Forma original: " [...] este navio ser mucho pequeno e mui cargado que non ay lugar pera cosa ninguna
[].A Carta de mestre Joo, In A. Fontoura da Costa, A Marinharia dos Descobrimentos, Ed. cit.
92
Sobre os associados comerciais na expedio Veja-se Jaime Corteso, A expedio de Pedro lvares Cabral e
o descobrimento do Brasil, Lisboa, I.N.-C.M., 1994, pp.69-79.
93
Moacir Soares Pereira aventou como hiptese ter mestre Joo viajado na caravela-redonda de bombarda grossa
que deu combate nau dos elefantes em Calicut. Esta caravela, denominada S. Pedro, que era comandada
por Pero de Atade, supe-se que tinha cerca de 70 tonis com uma lotao de cerca de 50 homens na tripulao.
Veja-se do autor, Capites, Naus e caravelas da Armada de Cabral, Lisboa, J.I.C.U., 1979, p. 41. Cfr. Max
Justo Guedes, O Descobrimento do Brasil, Lisboa, Vega, s/dt., p. 159.
94
Vide o quadro esclarecedor que nos d Max Justo Guedes, ibidem, pp. 154-155 e p. 159.
95
Como aponta o Professor A.A. Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas no Comrcio da Especiaria. O
Eixo Lisboa -Anturpia (1501-1549). Aproximao a um estudo de Geofinana, Lisboa, Edies Cosmos, 1993,
apndice, pp.99-100. Este dado vem acrescentar mais um navio aos particulares, e contrariar do que at se
veiculara como certo: o de que investimento particular nesta expedio se reduzia a 2 navios.
29
89
Sobre o papel e o peso da Coroa na importao das especiarias, Veja-se o nosso estudo, O Investimento
Financeiro na Esquadra do 1 Vice-Rei da ndia (1505), Actas do IX Colquio de Histria Martima, Lisboa,
Academia de Marinha, 2007, pp.357-282. Registe-se a escassez de estudos que se tm elaborado nesta rea
financeira. Aps o grande impulso historiogrfico de Vitorino Magalhes Godinho, Manuel Nunes Dias,
Virgnia Rau, Gentil da Silva, A.A.Marques de Almeida, muito pouco se tem produzido.
97
Vitorino Magalhes Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, Lisboa, Editorial Presena, 2 Ed.
1982, Vol. II, p. 165.
98
A criao da Casa da ndia no incio do sculo XVI, vem no seguimento dessas medidas. A Coroa, tentando
regulamentar a actividade comercial a seu modo, integrava o comrcio do Oriente num conjunto mais vasto que
englobava os tratos da Guin, da Mina e de Sofala. Vide Joaquim Verssimo Serro, Histria de Portugal.
Volume III O Sculo de Ouro (1495-1580), 3 Ed., revista e aumentada, [s/loc.], Editorial Verbo, imp. 2001,
p.168.
99
Joo de Barros escreve que a segunda armada a partir para o Oriente conuinha mostrar-se muy poderosa em
armas [...]. sia de Joo de Barros, Lisboa, Lisboa, I.N-C.M, 1988, Ed. fac-smile de 1932, Primeira Dcada,
Livro Quinto, p. 170.
100
Vide Filipe Nunes de Carvalho, Do Descobrimento Unio Ibrica, Nova Historia da Expanso
Portuguesa, direco de Joel Serro e A.H. de Oliveira Marques, Volume VI: O Imprio Luso-Brasileiro 15001620 coordenao de Harold Johnson e Maria Beatriz Nizza da Silva, Lisboa, Editorial Estampa, 1992, pp. 2324.
101
Por exemplo, Gaspar da Gama, de origem judaica, cativado em Angediva durante a viagem de Vasco da
Gama, e que se veio a converter ao cristianismo, tornando-se conselheiro de D. Manuel I, ter participado nos
preparativos da armada, como perito nos assuntos que diziam respeito ao comrcio. Apresentou folhas de
preos e direitos relativos s mercadorias a serem transaccionadas. Ficou incumbido da redaco de todas as
cartas-credenciais e propostas de tratados de paz e de comrcio a apresentar por Pedro lvares Cabral aos reis
muulmanos, em lngua rabe, porque sabia falar muitas lnguas. Acompanhava Aires Correa. Vide Elias
Lipiner, Gaspar da Gama, um converso na frota de Cabral, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, pp. 105-106.
Recentemente, Lus Filipe Thomaz revelou duas cartas inditas, escritas a D. Manuel por este cristo-novo em
1499, logo aps o regresso de Vasco da Gama, quando ainda no dominava bem o portugus. Aparentemente,
como nos revela aquele historiador, as concepes estratgicas de Gaspar da Gama foram adoptadas por uma
faco da Corte manuelina, que defendia uma expanso comercial no ndico, afastando os planos ousados de um
imperialismo de cariz messinico. Nesta perspectiva, atente-se no peso que os cristo-novos dispunham,
directamente e indirectamente, em matrias de ndole econmico e poltico/estratgico, alm das de cariz
30
107
Carta de la Faitada, in Jaime Corteso, A expedio de Pedro lvares Cabral e o descobrimento do Brasil,
Lisboa, I.N.-C.M., 1994, p.175.
108
Em 1511, ano em que ordenado um dos seus filhos mais novos, ainda se encontra a residir em Guimares Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Livro VI-1505/1513,
caderno 14, fl. 3V.. Sabemos, contudo, como veremos, que a sua mobilidade espacial era notvel.
109
Pero Vaz de Caminha ia como futuro escrivo da despesa da feitoria a estabelecer em Calecut, enquanto
mestre Joo poderia ir em servio de D. lvaro de Bragana, no sendo estranho o facto, pois a Coroa
autorizava, como era o caso de D. lvaro, os credores a nomear agentes e capites dos navios que eram
financiados por particulares. Cfr. Manuel Nunes Dias, O Capitalismo Monrquico Portugus (1415-1549.
Contribuio para o estudo das origens do capitalismo moderno, vol. II, Coimbra, F.L.U.C.-I.E.H.A.V., 1964,
pp. 208-209.
110
Sobre Pro Vaz de Caminha e a Recebedoria de Entre Douro e Minho, Veja-se Jaime Corteso, A Carta de
Pro Vaz de Caminha, Lisboa, I.N.-C.M., 1994, p. 34.
32
O desmembramento da Casa de Bragana trouxe dificuldades acrescidas para quem servira nos seus
domnios. Muitos foram perseguidos, outros emigraram, outros ainda tentaram passar desapercebidos diante de
D. Joo II. Sobre este perodo Vide Manuela Mendona, Pro Vaz de Caminha o Homem e a sua
circunstncia histrica, A Carta de Pro Vaz de Caminha, Auto do Nascimento do Brasil, Ericeira, Mar de
Letras, 2000, p. 31.
112
(...) qeria(m) agradar ao monarca para lhe ganhar merc. Defende Joo Rocha Pinto, A Viagem- Memria
e Espao, Lisboa, Livraria S da Costa, 1989, pg. 236, opinio que se entrelaa com a nossa: estas seriam
simples cartas, fugindo oficialidade de outra correspondncia. Mas no quer isso dizer que os documentos
no viessem a ser considerados importantes pela Coroa.
113
Jorge Couto, A Construo do Brasil, Lisboa, edies Cosmos, 2 ed. 1997, pg. 178; Jos A. Vaz Valente,
Duas pginas para El-Rei, Revista Portuguesa de Histria, Tomo XVII, Vol.II, 1977, p. 71.
114
Lus de Matos, LExpansion portugaise dans la Litterature latine da La Renaissance, Lisboa, F.C.G., 1991, p.
288.
115
Carmen Radulet, As Viagens de Diogo Co: um problema ainda em aberto, I.I.C.T., 1988, p. 107.
33
116
34
da
sua
misso
bordo
da
armada
cabralina,
somam-se
125
37
128
Redigida em letra cortes que predominava em Castela, segundo Fernando Loureno Fernandes, O PauBrasil e o Descobrimento, A Viagem de Pedro lvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (1500 -1501),
coordenador Max Justo Guedes, Podendo este facto reforar a mais do que provvel origem espanhola do autor,
facto que carece no entanto de ser, em nosso entender, mais aprofundado.
129
Juan Gil, El Maestre... p. 290.
130
Idem, Ibidem, loc. cit.
131
Confrontamos a transcrio feita por Antnio Baio, inserta na Marinharia dos Descobrimentos de A.
Fontoura da Costa e a que foi editada em Os primeiros 14 documentos. Em ambos os casos encontramos
incongruncias.
132
Nada nos impede de considerar o desdobramento da abreviatura em Joham e no Johan. Cfr. E. Borges
Nunes, Abreviaturas Paleogrficas Portuguesas, 3 ed., Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
1981, pp. 102-104.
133
Vide a transcrio em anexo da carta, que elaboramos, tendo em conta estas inconsistncias. No fundo,
respeitamos rigorosamente o texto, sem nada lhe acrescentar, alterar ou suprimir, tal como indicam as normas em
vigor para a transcrio e publicao de documentos. Vide Pe Avelino de Jesus da Costa, Normas Gerais de
Transcrio e Publicao de Documentos e Textos Medievais e Modernos, 3 Edio, Coimbra, Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, 1993, p. 12 e ss.
38
142,
astronmicas feitas pelos marinheiros, no Atlntico Sul. Esta terra aonde elles
fundearam situada alm do trpico de cancro em XIIII gros; pois os marinheiros com seus
quadrantes e astrolbios tomaram a altura, porque sempre navegam para aqueles mares com
instrumentos astrolgicos. [] Toda a costa mui bem povoada de gente no muito preta;
frtil, e abunda em fructos de toda a qualidade e em aguas. Pelas observaes feitas pelos
marinheiros, conheceu-se o Plo Antrctico, o Conopo e muitas figuras de estrellas:
observaes que elles me trouxeram: ahi por dez noites continuas viram em direco a frica
um grandssimo cometa, e alm disso viram meia noite o arco ris, o que para ns coisa
inaudita.143
Seguindo a descrio de D. Manuel, natural pensar-se que na armada seguia
mais do que um astrlogo144. Amrico Vespcio quis fazer passar ideia diferente em
carta datada de 4 de Junho de 1501, escrita de Angra de Bezeguiche a Pier Francisco
de Medicis: [] prech non fu essa frotta Cosmgrafo, n Mattemtico nessuno, che fu
141
Henrique Lopes de Mendona defende esta hiptese: Ia embarcado [mestre Joo] num dos navios pequenos,
talvez algum dos que sossobraram mais tarde nas paragens do Cabo. Veja-se Henrique Lopes de Mendona,
Do Restelo a Vera CruzHistria da Colonizao Portuguesa do Brasil, Porto, Litografia Nacional, 1923, Vol.
II, p.45.
142
Numa carta cuja autenticidade tem sido discutida. Cfr. Consideraes de Jos Manuel Garcia, Jos Manuel
Garcia, Pedro lvares Cabral e a primeira viagem, p. 328, e carta em portugus modernizado p. 330
143
Prospero Peragallo, Carta de El-Rei D. Manuel ao Rei Catholico, Lisboa, Typographia da Academia Real das
Sciencias, 1892, pp. 9 e 11. Carta em portugus modernizado in Jos Manuel Garcia, Ibidem, p.330.
144
Opinio igualmente avanada por Henrique Lopes de Mendona Op. cit., p. 155; e Jos A. Valente, Duas
Pginas Para El-Rei A Carta de Mestre Joo, Revista Portuguesa de Histria, Tomo XVII, Vol. II, 1977, pp.
5-77, p. 56.
40
145
Carta de Amrico Vespcio, escrita de Cabo Verde, a 4 de Junho de 1501, a Loureno de Pier Francisco de
Mdicis, in Jaime Corteso, A expedio de Pedro lvares Cabaral, p. 167. Traduo: Viagens portuguesas
ndia (1497-1513). Fontes italianas para a sua histria. Edio de Carmen M. Radulet e Lus Filipe F. R.
Thomaz, Lisboa, CNCDP, 2002. Transcrio e apresentao de Carmen Radulet, Prefcio, traduo e notas de
Lus Filipe F. R. Thomaz, pp. 237-346. [] Pois no foi em essa frota cosmgrafo nem matemtico algum, o
que foi grande erro; mas dir-vos-ei assim descosidamente como ma contaram, salvo que a corrigi eu um tanto
com a cosmografia de Tolemeu.
146
Vide Lus Filipe Thomaz, nota 10 in Viagens portuguesas ndia (1497-1513). Fontes italianas p.329.
147
I.S. Rvah desenvolve este tema. Vide Les Marranes Portugais et lInquisition au XVIe sicle , tudes
Portugaises, publies par les Soins De Charles Amiel, Paris, F.C.G., C.C.P., 1977, p. 192.
148
Vide Juan Gil, El Maestre..., pp. 292-293.
41
At h bem pouco tempo, era muito diminuta a informao que circulava sobre a
famlia Paz. Para alm dos dados contraditrios, e em muitos casos errneos,
42
156
Pedro de Brito, ibidem, questiona-se sobre esta ordem de sucesso. Uma possvel explicao advir do facto
de Rui Mendes querer esconder a identidade destes filhos, no seguindo qualquer ordem lgica na sucesso do
seu cargo, muito menos associando-lhes o nome. E aparentemente o futuro veio a dar-lhe razo, pois sabemos
hoje que os seus netos, descendentes do primeiro casamento, que viviam em Lamego, foram apanhados na malha
da Inquisio.
157
Cfr. Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no Sculo XV, Vol. I, Lisboa, Universidade
Nova de Lisboa Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, 1982, p. 43.
158
Suzanne Daveau, Comentrios e Actualizao a Orlando Ribeiro, A Tradio Cultural e a Formao do
Estado, [], Hermann Lautensach, Geografia de Portugal. III. O Povo Portugus, Lisboa, Edies Joo S da
Costa, 1989, p.676.
45
extrapolando
as
fronteiras
castelhanas.
Os
grupos
religiosos
Portuguesa Em Marrocos Durante o sculo XVI. Origens e actividades duma comunidade, Braga, APACDM
distrital de Braga, 1997, apndice 2, Quadro 2, pp. 249 e 484.
165
Bons indicadores para esta atribulada poca foram analisados por Juan Gil, Os judeus castelhanos e as
conspiraes contra D. Joo II, numa conferncia que teve lugar na sala do Senado da Reitoria da Universidade
de Lisboa, com o patrocnio e organizao da Ctedra de Estudos Sefarditas, em Maio de 2000, de que no
tivemos notcia da sua publicao.
166
Referncia em Artur C. de Barros Basto, Os Judeus no Velho Porto, p.9.
167
Vide Maria Jos Pimenta Ferro Tavares Expulso ou integrao? Op.. cit. p. 29.
47
O dito, que estabelecia um prazo de dez meses para o baptismo ou a expulso, era extensivo a outra minoria:
a moura, bem menos importante social e economicamente que a sefardita.
169
Desde logo o Conselho rgio, quando aprova a expulso, d conta dos prejuzos que da adviriam. Cf.Maria
Jos Pimenta Ferro Tavares, Expulso ou Integrao?, Judaismo E Inquisio. Estudos., Lisboa, Editorial
Presena, 1987, p. 39.
170
Maria Jos P.F. Tavares salienta que a discusso sobre a partida dos judeus, do reino, ocorrera entre Maio e
Novembro de 1496. Pela Pscoa de 1497, D. Manuel ordenou que fossem retirados os filhos menores aos
sefarditas, para serem educados por famlias crists, e pouco depois que ocorrem os baptismos em massa.
Ainda assim, a converso no atingiu todos os que ficaram. Da que se possa pensar que a converso se foi
fazendo aos poucos. Vide: Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Expulso ou Integrao? Op.cit., pp.32/37
171
D. Antnio Caetano de Sousa, Histria Genealgica da Casa Real Portuguesa, Coimbra, 1943, TomoX,
p.17.
48
172
Tal como se fez referncia no ponto anterior, Montarroio Mascarenhas que alude a essa documentao, por
alegadamente a ter manuseado.
173
As cartas citadas na nota 10 no deixam dvidas: mestre Joo de Paz referido como morador em a vila de
Guimares..
174
Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Liv. V 1500-1505, fl.
128.
175
Ibidem, Liv. VI- 1505-1513, Caderno 14, fl. 3 v..
176
Ibidem, Caderno 2, fl. 11.
177
Ibidem, Liv. V. fl. 307.
178
Veja-se Sousa Viterbo, Notcia sobre alguns Mdicos Portuguezes, Lisboa, Impressa Nacional, 1898, p. 42.
179
Que aparece a ser ordenado in menoribus a 25 de Maro de 1500. Ibidem, Liv. V, fl. 198 v.
180
Ordenado no mesmo dia de seu irmo. Idem, Ibidem, fl. 199.
181
A informao sobre os elementos que compem a famlia, e que no constam nos Livros de Matrculas de
Ordens da Diocese de Braga, colhemos num cdice da Inquisio, onde um a um so referenciados a quase
totalidade dos seus membros, com os respectivos graus de parentesco. Veja-se ANTT, Inquisio, Cdice 90 fls.
44 e 44 v.. Servimo-nos ainda de um Breve Pontifcio, promulgado por Paulo III a 28 de Outubro de 1542,
depois das diligncias de Duarte de Paz, e que impede que a famlia venha a ser denunciada, acusada ou
pronunciada pela Inquisio. Veja-se Corpo Diplomtico Portuguez, Tomo V, Lisboa, Typographia da
Academia Real das Sciencias, 1874, pp. 123-125.
49
Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Liv. V- 1500-1505, fl.
313.
183
de referir que a religio um dos factores que mais concorre para endogamia no seio dos grupos familiares.
Vide Franoise Hritier, Endogamia/exogamia, Enciclopdia Eunadi. Volume 20. Parentesco, Lisboa, I.N.C.M., 1989, pp.125-139, p. 128.
184
No sabemos se o bairro de judeus e a sinagoga se situavam nesta freguesia. Ficou registo de a vila de
Guimares ter uma importante colnia judaica, que possua um bairro e a sua sinagoga. Por volta de 1500 uma e
outra tinham sido votadas ao abandono. Veja-se Lus de Pina, Vimaranes Materiais para a Histria da
Medicina, Porto, Arajo e Sobrinho, 1929, p.153.
185
Num dos primeiros estudos que fizemos sobre a famlia Paz conclumos precipitadamente que mestre Antnio
de Guimares seria um dos sobrinhos de mestre Joo. Com o decorrer da investigao demos conta de se tratar,
claramente, de um sefardita, que vivia na mesma rea de residncia dos Paz, mas que no era sobrinho de mestre
Joo. Seria familiar noutro grau? No nos foi possvel por enquanto apurar a validade dessa hiptese, no entanto
refira-se desde j, como veremos na parte seguinte deste trabalho, que a obra manuscrita de mestre Antnio era
bem conhecida da famlia, o que revela alguma proximidade e at intimidade no relacionamento! Vide Carlos
Manuel Valentim, Mestre Joo Faras, Cadernos de Estudos Sefarditas, n. 1, 2001, pp. 167-220, as pginas
referentes a mestre Antnio so pp. 179-181; e Cfr. Carlos Manuel Valentim, Um Gegrafo Contemporneo
de Pedro Nunes Mestre Antnio de Guimares, Anais do Clube Militar Naval, n. temtico dedicado a Pedro
Nunes, Vol. CXXXII, Outubro -Dezembro 2002, pp. 721-750.
186
Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Liv. VI- 1505-1513,
caderno 14, fl. 6 v..
187
Idem, ibidem, fl. 8.
50
188
Veja-se Maria da Conceio Falco Ferreira, Uma Rua de Elite Na Guimares Medieval (1376/1520),
Guimares, Cmara Municipal de Guimares, 1989, pp. 17- 29 e passim.
51
52
II
FORMAO DE UMA REDE MERCANTIL E APROPRIAO DO
ESPAO
53
54
Do que que falamos quando falamos de poder? A palavra e o conceito so sugestivos, sendo muitas as vezes
que usado sem definio. Poucas palavras tm um tal uso. Segundo Max Weber, na sua obra clssica
Economia Y Sociedad, ed. cit., o poder a possibilidade de se impor a vontade prpria ao comportamento das
outras pessoas, podendo tratar-se de uma pessoa ou um de grupo. Quanto maior for a capacidade para influenciar
acontecimentos e impor uma vontade, para alcanar um determinado objectivo ou desgnio, mais o poder.
Outras questes fundamentais se relacionam com esta vontade imposta. Por exemplo, como se obtm esse
domnio, quais as fontes, as normas, a conduta? Que papel tm os factores psicolgicos, financeiros, de fora
fsica? Quais so as fontes desse poder? O que caracteriza os que tm essa capacidade de impor a sua vontade
dos outros que submetem? O exerccio do poder inscreve-se, desta forma, numa complexidade de questes que
se prendem com as relaes sociais e com a evoluo da prpria sociedade e das mentalidades. Como referido,
muito se tem escrito e teorizado sobre o poder. Vide o que a esse respeito escreve John Kenneth Galbraith, A
Anatomia do Poder (escrito em 1983 com o titulo original de Anatomy of Power), Lisboa, Edies 70, 2007, pp.
17-32
190
Seguimos de perto as propostas de Henri Lefebvre, Op. cit., pp. 43-44.
55
191
Veja-se Lucien Febvre, A Terra e a Evoluo Humana. Introduo Geogrfica Histria, com a colaborao
de Lionel Batailon, traduo de Jorge de Macedo, in Panorama da Geografia, Volume II, Lisboa, Edies
Cosmos, 1954, pp. 411-733, pp. 464-465.
192
Sobre estes temos metolgicos referentes ao papel do gegrafo/cartgrafo Veja-se Paul Claval, Histoire de la
Geographie, 2e ed. Paris, Presses Universitaire de la France, 1996 (trad. Port. Histria da Geografia, Lisboa, Ed.
70, 2006).
193
Vide o que a este respeito dizem Suzanne Daveau e Orlando Ribeiro, Conhecimento actual da Histria da
Geografia em Portugal, Histria e Desenvolvimento da Cincia em Portugal, Lisboa, Academia das Cincias de
Lisboa, 1986, Vol. II, p. 1042.
56
Espaos Vital (Lebensraum) Urge fazer aqui uma separao do sentido que o alemo Friederich Ratzel lhe
atribuiu: espao necessrio para a expanso territorial de um povo. O significado de espao vital, a que se quer
dar operatividade, o de espao central, no desenvolvimento da actividade econmica e comercial; na
produo de riqueza, e nas estratgias de mobilidade social da famlia Paz.
195
Vide Hermann Lautensach, Portugal no Contexto Ibrico, Orlando Ribeiro, [], Geografia de Portugal.
I.A Posio Geogrfica do Territrio, Comentrios e actualizao de Suzanne Daveau, 2. ed. Lisboa, Edies
Joo S da Costa, 1991, p.21; comentrio de Suzanne Daveau, pp. 30-35.
196
Hermann Lautensach, ibidem, p.22.
197
Idem, ibidem, p.23. Pelo seu clima, esta regio, bem individualizada na Pennsula Ibrica, faz parte do
domnio ocenico europeu; fraca amplitude anual de temperaturas e repartio das chuvas por todas as estaes.
Cfr. Michel Drain, Geografia da Pennsula Ibrica, 2 ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1975, pp. 86-97.
57
198
Franois Guichard, Geographie du Portugal, Paris, Milan, Barcelone, Mxico, Masson, 1990, p.89.
No mesmo plano de autonomia e individualizao encontrou-se, tambm, desde o incio da formao do
territrio nacional, o Algarve. A atestar esta assero esto a profuso de corografias e descries sobre esta
regio, especialmente a partir do sculo XVI. Vide Joo Carlos Garcia, A percepo do espao numa corografia
seiscentista do reino do Algarve, Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, 5 srie, 1986, p. 101 e ss.
200
Este espao estava integrado no territrio de Portucale, que tradicionalmente era entregue para administrao
a um conde no tempo de Afonso III de Leo e Castela, no sculo IX. Esse territrio administrativo coincidia com
alguns importantes centros religiosos que transitavam do tempo da dominao sueva. Depois do Ano Mil, o
Entre Douro e Minho vai transformar-se num espao favorvel reproduo e expanso do regime senhorial,
quer sob domnio leons quer mesmo depois de Portugal ter alcanado a independncia. Foi a que um aprecivel
nmero de poderosos senhores, nobres e eclesisticos, sujeitaram pelas armas uma massa de camponeses que se
dedicava a uma agricultura intensiva, apropriando-se da sua capacidade produtiva. O peso senhorial e religioso
ser sempre um factor identificador da regio nos sculos seguintes. Veja-se Jos Mattoso, Ricos-Homens,
Infanes e Cavaleiros, Obras Completas, Vol. 5, Lisboa, Circulo de Leitores, 2001, pp. 17 21 e ss. E do
mesmo autor, Identificao de um Pas. Oposio, Obras Completas, Vol. 2, Lisboa, Circulo de Leitores, 2001,
pp. 75-82.
201
Seguimos de perto o conceito de regio geogrfica explorado por Orlando Ribeiro. Este gegrafo defendeu
que uma regio geogrfica caracterizada por uma certa identidade de aspectos comuns a toda ela, que vo
do clima ao relevo, estendendo-se ao manto vegetal e s marcas da presena humana. Vide Orlando Ribeiro,
Portugal, o Mediterrneo e o Atlntico, 7 edio revista e ampliada, Lisboa, Livraria S da Costa Editora, 1998,
p. 140; e do mesmo autor Divises Geogrficas: reas, Zonas, Domnios, Regies, Andares, in Opsculos
Geogrficos, VI Volume Estudos Regionais, nota introdutria de Suzanne Daveau, Lisboa, F.C.G., 1995, pp.
33-49. As regies geogrficas, segundo este gegrafo, podem, por sua vez, agrupar-se em unidades mais vastas,
tendo em conta, no caso portugus, o contraste entre as influncias mediterrnicas e atlnticas. Vide Orlando
Ribeiro, Op. cit., pp. 144-145.
202
Cfr. Joaquim Verssimo Serro, "Dois Antiqurio de Entre Douro e Minho no sculo XVI: Mestre Antnio e
o Doutor Joo de Barros, Figuras Ilustres do Norte de Portugal, Porto, Fundao Eng. Antnio de Almeida,
Academia Portuguesa de Histria, 1983, pp. 9-20, p. 10.
199
58
Mestre Antnio Provincia Dantre Douro he Minho copillada por mestre Hantonio fisiquo he solorgiam
morador na na Villa de de Guymaraees he naturall dela, in Miscellanea Histrica de Portugal Sc. XVI, B.A,
Cod. Ms 51-X-22. Transcrevemos em anexo este texto que encontramos na Biblioteca da Ajuda, entre algumas
crnicas de Rui de Pina.
204
Jorge Dias, Os Arados Portugueses e as suas Provveis Origens, prefcio de Ernesto Veiga de Oliveira, I.N.
C.M., 1982, p.211. Veja-se mapa com distribuio dos tipos de arados na p.129.
205
Segundo o numeramento de 1527-1532. Veja-se Joo Jos Alves Dias, A Populao, Nova Histria De
Portugal, Direco de Joel Serro e A. H. de Oliveira Marques, Portugal Do Renascimento Crise Dinstica,
Coordenao de Joo Jos Alves Dias, Lisboa, Editorial Presena, 1998, pp. 16-17. Cfr. quadros e grficos em
anexo neste trabalho.
206
Essa tendncia permanece at aos dias de hoje. Repara-se que igualmente nessa regio que se situa a maior
percentagem de populao jovem. Cfr. Orlando Ribeiro, Evoluo e Distribuio da Populao,
207
Duarte Nunes de Leo, Descrio do Reino de Portugal, fl. 65 V. Transcrio do texto, notas, aparato crtico
e biografia do autor por Orlando Gama, Lisboa, Centro de Histria da Universidade Portuguesa, 202, p. 206.
208
Nesta Comarca o poder senhorial era forte. Grandes senhores eclesisticos como o bispo do Porto ou o
arcebispo de Braga; alta nobreza como o duque de Bragana ou o marqus de Vila Real; o conde de Vimioso, o
visconde de Lima. Depois ainda havia poderosas famlias, que se diziam descendentes da primeira nobreza,
fundadora do reino: Os Azevedos, Os Vasconcelos, os Silvas, os Tvoras, os Castros, os Magalhes, os Limas,
etc. Vide Jos Marques Le Nord du Portugal au XVe Sicle : Socit et Instituitions , Le Portugal Du XVe
Sicle. Actes du Colloque, Paris, F.C.G., 1989, pp. 14-31 ; Cfr.: Antnio Borges Coelho, Quadros Para Uma
59
Mafalda Soares da Cunha refere-se a essa coexistncia pacfica entre, por exemplo, a Casa senhorial
(Bragana) mais poderosa do Reino e a Coroa. Vide A Casa de Bragana [], ed. cit., p. 20.
215
Antnio dos Santos Pereira, Portugal O Imprio Urgente (1475-1525), p. 36.
216
Entre o Duque de Bragana e o Marqus de Vila Real, entre a Arquidiocese de Braga e a Colegiada de
Guimares. Jos Marques fala-nos numa complexidade de relaes individuais e colectivas, marcadas por uma
atitude conflitual acentuada, a diversos nveis. Jos Marques, Le Nord du Portugal, pp. 25-30.
217
A metfora sugerida por J. Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, p. 26.
218
Mestre Antnio, Op. cit., fl. 139 v..
61
219
62
223
Orlando Ribeiro, Manto Vegetal, [], Hermann Lautensach, Geografia de Portugal. II. O Ritmo Climtico
e a Paisagem, Comentrios e actualizao de Suzanne Daveau, Lisboa, Edies Joo S da Costa, 1988, pp. 577578.
224
Mestre Antnio, fl. 136 v..
225
Antnio dos Santos Pereira, Portugal O Imprio Urgente (1475-1525). Os Espaos, os Homens e os
Produtos, Vol. I, Lisboa, I.N. C.M., 2003, p.28.
63
226
64
65
Jernimo Munzer, Viaje por Espaa y Portugal (1494-1495), Nota introductoria de Ramn Alba, 2 ed.,
Madrid, Ediciones Polifemo, 2002, p. 191.
235
Pierre Birot, Portugal - Estudo de Geografia Regional, 2. ed., Lisboa, Livros Horizonte, 2004, p. 47 e ss. O
gegrafo Piere Birrot, fala-nos do Norte como um todo, semelhana do que faz Jos Mattoso, Obras Completas
Identificao de Um Pas, Lisboa, Circulo dos Leitores, 2001, pp. 32-33, e de outros autores. Por exemplo Jos
Marques, a quem nos referiremos adiante.
236
Antnio Srgio, Obras Completas Introduo Geogrfico-Sociolgica Histria de Portugal, 5 ed.,
Lisboa, Livraria S da Costa Editora, 1982, pp. 59-63.
237
Orlando Ribeiro, Introdues Geogrficas Histria de Portugal. Estudo Crtico, Lisboa, I.N.-C.M, 1977,
pp. 119-181, muito crtico em relao obra de Antnio Srgio, da opinio que o captulo sobre as regies
geogrfico-sociais o mais bem conseguido do livro citado. No discutimos a informao que o ensasta
disponibiliza, mas sim as suas propostas de diviso regional do territrio.
66
D. Dinis refere no seu testamento os concelhos de Antre Tejo e Odiana, e de Moura e Serpa; da
Estremadura; de Antre Douro e Mondego, onde citada Coimbra; da Beira, e de Antre Douro e Minho.
Repare-se que se omite, propositadamente, Trs-os-Montes e o Algarve, por estarem incorporados,
respectivamente, no Entre Douro e Minho e no Antre Tejo e Odiana. Vide J. Leite de Vasconcelos, Etnografia
Portuguesa, Lisboa, I.N. -C.M., 1980, Vol. III, p. 15.
239
As concluses de Jos Marques acerca do quadro fsico e administrativo do Norte de Portugal, ajudam-nos na
definio deste Entre Douro e Minho alargado , Vide Le Nord du Portugal au XVe Siecle: Societe et
Instituitions, Arquivos do Centro Cultural Portugus, Vol. XXVI, Lisboa/Paris, 1989, pp. 12-13.
240
Antnio dos Santos Pereira, Portugal O Imprio Urgente (1475-1525), Vol. I, p. 40.
67
241
68
244
Optou-se por dividir este ponto em trs partes, para uma melhor clareza da exposio.
Quem nos diz Joseph A. Schumpeter, Capitalismo in [.] Ensaios. Empresrios, inovao, ciclos de
negcio e evoluo do capitalismo, Lisboa, Celta Editora, 1996, pp.170-190, p. 171.
246
Pierre Vilar, Problemas da Formao do Capitalismo, [] pp. 104-105.
247
Referimo-nos, a todas as condies: psicolgicas, polticas e sociais, econmicas, culturais, articuladas
entre si. Sobre a noo de conjuntura, veja-se Pierre Vilar, Iniciao ao vocabulrio da anlise histrica,
Lisboa, Edies Joo S da Costa, 1985, p. 77 e ss.
248
Immanuel Wallerstein, O Sistema Mundial Moderno. Vol. I A agricultura capitalista e as origens da
economia- mundo europeia no sculo XVI, Porto, Edies Afrontamento, S/dt.(1990?), pp. 73-74.
249
Idem, ibidem, p. 106.
250
Estamo-nos a cingir definio de economia real proposta por Aristteles. Defendeu o estagirita que havia
quatro formas de economia: a real, a dos strapas, a de uma polis e a individual. Essas quatro formas de
economia, tinham alguns pontos em comum. A economia real, segundo esta definio, tem aplicao
universal, possuindo quatro reas essenciais, a saber: a cunhagem da moeda, as exportaes, as importaes e as
despesas. Vide Aristteles, Obras Completas Os Econmicos, Introduo, notas e traduo do original
grego e latino de Delfim Ferreira Leo, Lisboa, I. N. C. M., 2004, pp. 49-50.
245
69
251
Como nos aponta o caminho Joseph Schumpeter, Thrie de lvolution conomique.Recherches sur le profit,
le credit, lintrt et le cycle de la conjoncture, Paris, ditions Dalloz, 1999, p. 90.
252
Veja-se Michele Frantiani and Franco Spinelli, Did Genoa and Venice kick a Financial Revolution in the
Quatrocento?, www. Oenb.atdeigwg 112_tem 14_38081 (consulta a 20 de Novembro de 2007).
253
A. A. Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas no Comrcio da Especiaria. [] p. 18.
254
Com um evidente empobrecimento do espao monetrio, como lembra o professor A. A. Marques de
Almeida, Estrutura financeira do Estado Portugus no dealbar da poca Moderna, Histria de Portugal. Dos
Tempos Pr-Histricos aos nossos dias, Dir. de Joo Medina, Vol. IV Portugal Medieval e os
Descobrimentos, Amadora, Ediclube, s/dt., p. 498.
70
255
Vide Alberto Veiga Simes, Portugal, o ouro, as Descobertas e a criao do Estado capitalista, Estudos de
Histria, Apresentao de A. A. Marques de Almeida, Lisboa, Centro de Histria da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2004, pp. 67-106, especialmente, pp. 104-106.
256
Tm sido inmeros os autores a debruar-se sobre o conceito de capitalismo e de outro que com ele anda
associado: capital. Palavras que s tardiamente, entraram no vocabulrio. Veja-se por todos Fernand
Braudel, Civilizao material, economia e capitalismo, sculos XV-XVIII. Tomo II- Os Jogos Das Tocas, Lisboa
-Rio de Janeiro, Edies Cosmos, 1985, pp. 209-225.
257
Antnio Srgio, Breve Interpretao da Histria de Portugal, 13 ed., Edio Crtica por Castelo Branco
Chaves, Vitorino Magalhes Godinho, Rui Grcio e Joel Serro, e organizada por Idalina S da Costa e Augusto
Abelaira, Lisboa, Livraria S da Costa, 1989, pp. 95-97.
258
Adam Smith, Riqueza das Naes, 5 ed., Prefcio de Hermes dos Santos, Traduo de Teodora Cardoso e
Lus Cristvo Aguiar, Lisboa, F.C.G., 2006, p. 712.
259
Vitorino Magalhes Godinho considerou que a economia tem de ser entendida na sua configurao espacial e
sujeita a determinados factores, que esto imbudos das suas especificidades. A noo de Complexo HistricoGeogrfico apresentada por este historiador, pretende ser um conceito global, de uma histria estrutural,
englobando a totalidade da vida econmica, social, poltica, cultural e mental num determinado espao
geogrfico durante um longo perodo de tempo. Sobre o conceito de Complexo Histrico-Geogrfico e a sua
aplicao Histria de Portugal, Vide Vitorino Magalhes Godinho, Complexo Histrico-Geogrfico,
Dicionrio de Histria de Portugal, Dir. de Joel Serro, Vol. I Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1963, pp. 644-649.
71
A ideia de ciclos para dividir a histria econmica de Portugal (1 perodo: Monarquia Agrria; 2: Ciclo
da Pimenta; 3: 1 Ciclo do Ouro; 4: Ciclo do Acar; 5: Ciclo do Ouro e dos Diamantes) foi sugerida e
aplicada por J. Lcio de Azevedo. O pioneirismo de Lcio de Azevedo nos estudos de histria econmica e
social, no disfarou, contudo, as fragilidades da periodizao que ensaiou para a anlise econmica da Histria
de Portugal. Vitorino Magalhes Godinho veio a colocar em relevo as contradies dessa periodizao, por se
centrar num s produto dominante na economia, volta do qual se situaria toda uma srie de outras actividades.
Afinal, numa poca podia coexistir um ou mais produtos dominantes. Joo Lcio de Azevedo ainda ajustou a sua
anlise, situando no sculo XVIII o Ciclo do Ouro e dos Diamantes, o que no foi suficiente para aplacar o
carcter impreciso da sua concepo de ciclo. V. J. Lcio de Azevedo, pocas de Portugal Econmico.
Esboos de Histria. 3. Ed. Lisboa, Livraria Clssica Editora, imp. 1973, passim; Cfr. V. Magalhes Godinho,
Ciclo, Dicionrio de Histria de Portugal [] Vol I, pp. 572-574.
261
Virgnia Rau, Privilgios e Legislao Portuguesa Referentes A mercadores Estrangeiros (Sculos XV e
XVI), Estudos De Histria. 1 Volume: Mercadores, Mercadorias, Pensamento Econmico, Lisboa, Editorial
Verbo, 1968, pp. 144-155 e passim.
262
Baseamo-nos na informao de Joo de Barros, Op. cit., p. 296, que nos diz que no ano seguinte regressariam
12 navios. Segundo Figueiredo Falco, D. Francisco de Almeida ter levado 28 naus e caravelas, partiro sete
naus e cinco caravelas a 25 de Maro e dezasseis a 18 de Maio. Vide Figueiredo Falco, Livro em que se contem
toda a fazenda e real patrimnio dos Reinos de Portugal, Lisboa, 1607, pp. 140-141.
263
Jorge Borges de Macedo, A sociedade portuguesa no tempo de Cames, Dirio de Notcias, Caderno -2,
Domingo, 22 de Dezembro de 1991, p.3, apud Catarina Madeira Santos, Goa a chave de toda a ndia. Perfil
poltico da capital do Estado da ndia (1505-1570), Lisboa, Comisso Nacional para as Comemoraes dos
Descobrimentos Portugueses, 1999, p.38.
72
264
Manuel Nunes Dias, O Capitalismo Monrquico Portugus [], Vol. II, p. 171 e ss. Este historiador
descreve toda esta migrao capitalista para o Atlntico.
265
Abordamos este assunto de uma forma mais detalhada, no IX Simpsio de Histria Martima, O
Investimento Financeiro na Esquadra do I Vice-Rei da ndia, Actas do IX Simpsio de Histria Martima,
Lisboa, Academia de Marinha, Lisboa, Academia de Marinha, 2007, pp. 357-382.
266
Sobre estes valores Veja-se Vitorino Magalhes Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, ed. cit.,
vol. III, imp. 1987, p.58; e Antnio Alberto Banha de Andrade, Mundos Novos ao Mundo. Panorama da difuso,
pela Europa, de notcias dos Descobrimentos Geogrficos Portugueses, Lisboa, Junta de Investigaes do
Ultramar, 1972, p.350. Vide o grfico, infra, com base nos valores apontados.
267
Hermann Kellenbenz, Los Fugger en Espaa y Portugal hasta 1560,[], p.61.
73
40.000
35.000
Genoveses/Florentinos
30.000
25.000
20.000
Welser/Vochlin
15.000
10.000
5.000
Gossembrot
0
Valores em cruzados
Entre
os
Casas Comerciais
mercadores
florentinos,
Marchione268
destacava-se
como
271
272
273
Joaquim Candeias da Silva, O Fundador do Estado Portugus da ndia D. Francisco de Almeida 1547 ( ?)
-1510, Lisboa, IN - CM, Imp. 1996, p.104.
274
J. Lcio de Azevedo, Op. cit., p. 105.
275
Os armadores estrangeiros tero um longo pleito com o Venturoso.
276
Lus Filipe F. R. Thomaz, A Questo da Pimenta em Meados do Sculo XVI. Um debate Poltico do Governo
de D. Joo de Castro, Lisboa, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expresso Portuguesa/Universidade
Catlica Portuguesa 1998, 68.
277
A. A. Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas no Comrcio da Especiaria. O Eixo Lisboa-Anturpia
(1501-1549) [], p.57.
278
J. Lcio de Azevedo, Op. cit., p.99 e 111.
279
Idem, ibidem, p.111.
76
280
O historiador alemo Sofhus Ruge, Histria da poca dos Descobrimentos, prefcio e notas em apndice de
Manuel Oliveira Ramos, Lisboa, Livraria Aillau & Bertrand Livraria Francisco Alves [s.dt.], p.148, situa esse
lucro nos 150%, como j tinha notado Manuel Nunes Dias, Op. cit. 212.
281
R. Ehrenberg, Le Sicle des Fugger, Avant-propos de Lucien Febvre, Paris, SEVPEN, 1955, p. 91.
282
Virgnia Rau Privilgios e Legislao Portuguesa Referentes a Mercadores Estrangeiros (Sculo XV e XVI),
p.214.
283
Idem, ibidem, p. 205.
77
284
Ao longo de todo o sculo XV. Mas este aumento foi lento. Veja-se A. de Sousa Silva Costa Lobo, Histria
da Sociedade em Portugal no sculo XV, Prefcio de Jos Matoso, Lisboa, Edies Rolim, 1984, p.21.
285
Vide Aurlio de Oliveira, O Tempo Econmico no Tempo de Gil Vicente, Revista de Guimares, n. 112,
Jan.-Dez. 2002, pp. 229-231.
286
O espao mais densamente povoado do Reino, que aumentava em termos demogrfico como o resto da
Europa.
287
Joseph A. Schumpeter, A Explicao do Ciclo de Negcios, Op. cit., p. 35.
78
292
Provincia Dantre Douro he Minho copillada por mestre Hantonio fisiquo he solorgiam morador na na Villa
de de Guymaraees he naturall dela, Miscellanea histrica de Portugal Sc. XVI, B.A, Cod. Ms 51-X-22, fl. 143.
293
Informao dada por Joo Cordeiro Pereira, Para a Histria Das Alfndegas... , pp. 88-89.
294
Amlia Polnia, Vol. II, Apndices, Tese de Doutoramento em Histria Moderna, Porto, Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, Porto, 1999, p. 86.
295
A.NTT., Ncleo Antigo, Liv. 11, fl. 83 v., Vide tambm Joo Cordeiro Pereira, ibidem, p. 189.
80
299.
296
81
303
Antnio dos Santos Pereira, Op. cit., refere Diogo de Paz como um desses homens, mas ficamos sem saber
em que informao se abona.
304
Perdoou D. Joo III uma demanda que Duarte de Paz pusera a correr contra o corsrio antes de ir para Roma.
ANTT, Cartas Missivas, mao 3, doc. 10; e Ana Maria Pereira Ferreira, Problemas martimos entre Portugal e a
Frana na primeira metade do sculo XVI, Cascais, Redondo, 1995, pp. 212-213.
305
No sabemos se o Francisco de Paz morador no Porto, filho de Diogo de Paz, ou se o seu primo de Braga.
306
ANTT, Ncleo Antigo n. 534, Livro da Sisa da Alfndega de Caminha e Viana do ano de 1532, fl. 19 v..
307
Joo Cordeiro Pereira, Para a Histria das Alfndegas, pp. 185, 186,189.
82
83
315
84
322
Sobre as alfndegas v. F. Salles Lencastre, Estudo sobre as Portagens e as Alfandegas de Portugal (sculos
XII a XVI), Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, pp. 177- 214; e Joo Cordeiro Ferreira, Organizao e
Administrao Alfandegrias de Portugal no sculo XVI (1521-1557), Portugal na Era de Quinhentos, Cascais,
Patrimnia Historica, 2003, pp. 1-117.
323
Os produtos do Oriente pagam direitos na Casa da ndia. As mercadorias da Europa, segundo J. Lcio de
Azevedo, pagavam os direitos nas alfndegas da raia e martimas ou nas reparties denominadas almoxarifados.
A taxa era de 20%, somando a dzima e a sisa, havendo abatimento em certos artigos (madeiras, tinturaria etc.).
Veja-se J. Lcio de Azevedo, Organizao Econmica Cap. I : Portugal potncia mercantil, Histria de
Portugal, direco de Damio Peres, Vol. III Segunda poca (1411-1557), Barcelos, Portugalense Editora Lt,
1931, pp. 625-664, p.640.
324
O vedor da Fazenda estava intimamente ligado a todo a gesto e nomeao dos agentes. Vide Maria Leonor
Garcia Cruz, A Governao de D. Joo III: A Fazenda Real e os Seus Vedores, Lisboa, Centro de Histria da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2003, p. 117.
325
O elucidativo texto de Joseph Schumpeter La crise de ltat fiscal, in Imprialisme et Classes Sociales,
prsentation de Jean-Claude Passeron, Paris, Les dtions de Minuit, 1972, pp. 239-282, d-nos vias e meios para
pensarmos a questo do aparecimento e generalizao da fiscalidade do Estado.
86
Cargo
Local
Almoxarife /rendeiro
Rui Mendes
Contador
Recebedor /Feitor/Rendeiro
Francisco de Paz
Escrivo da Fazenda do
Porto
Duarte de Paz
Requeredor/Feitor
Recebedor/Feitor
Heitor Mendes
Meirinho
Francisco Mendes
Juiz de Fora
Cristvo Mendes de
Carvalho
Henrique Mendes da
Cunha
Corregedor/Desembargador
do Pao
Beiras
Contador
Pero Anes
Recebedor
326
330
Vide o que este respeito escreve o economista Friedrich List, Sistema Nacional da Economia Poltica,
traduo de Eduardo de Sousa Ferreira e Karin Paul Ferreira, Prefcio de Eduardo Sousa Ferreira, Lisboa,
F.C.G., 2006, p.517-529.
331
Joo Cordeiro Pereira, A Receita Do Estado Portugus No Ano De 1526. Um Oramento Desconhecido,
Estudos De Histria de Portugal. Vol. II Sculos XVI XX. Homenagem a A. H. Oliveira Marques, Lisboa,
Editorial Estampa, 1983, p. 25.
332
Vide Grfico VI.
333
Vide Quadro X.
334
Todos estes dados esto contidos no estudo de Joo Cordeiro Pereira, A Receita... pp. 30-31.
335
Vide mapa que traamos com base nos postos que ocupavam.
88
Cfr. Pierre Bourdieu, Razes Prticas. Sobre a Teoria da Aco. Lisboa, Celta Editora, 1997, pp. 94-97.
Idem, ibidem, p. 98.
89
338
Veja-se uma descrio, muito explcita, de como actuavam estas redes, por Bernardo Lpez Belinchn,
Famlia, Negcios y Sefardismo, Familia, Religin y Negcio. El safardismo en las relaciones entre el mundo
ibrico y los Paises Bajos en la Edad Moderna, Ed. Jaime Contreras, Garca Garca, J. Bernardo, Ignacio Pulido,
[s.l], Fundacin Carlos de Amberes/Ministerio de Asuntos Exteriores, [2002] , pp. 343-363, sobretudo pp. 351 a
355.
339
Anselmo Braacamp Freire (ed.), Cartas de Quitao Del Rei D. Mauel, Archivo Historico Portuguez, Vol.
I, N. 11, Novembro de 1903, pp. 406-407 carta 153, 154; Vol. II, 1904, pp. 158-159 carta 199, p. 407 carta
658; vol. IX, 1911, p. 434 carta 68, p. 448 carta 708, p. 463 carta 742.
340
Veja-se Joseph A. Schumpeter, Thorie de lvolution conomique, ed. cit., pp. 112. E do mesmo autor , A
Explicao do Ciclo de Negcios, Ensaios. Empresrios, inovao, ciclos de negcio e evoluo do
capitalismo, Lisboa, Celta Editora, 1996, pp. 16-66
341
Vide Grfico I e III.
342
ANTT, Corpo Cronolgico, Parte II, mao 97, n. 81.
90
343
91
353
Duarte nomeado feitor da alfndega do Porto em 1529, pouco antes de ir para Roma. Diogo recebe essa
mesma Carta (de feitor) em 1532. Idem, Chancelaria de D. Joo III, Liv. 16 fl. 97 e Liv. 48 fl. 47.
354
Idem, Ibidem, Liv..52, fl. 130.
355
Vitorino Magalhes Godinho, Os Descobrimentos E A Economia Mundial, Reimpresso, Vol. I, Lisboa,
Editorial Presena, 1991, p. 243.
356
Actarium Chartularii Universitatis Portugalensis, organizao de A. Moreira de S, Vol. III, Lisboa, Instituto
de Alta Cultura, doc. MCXIX, 10 de Junho de 1532; MCXX, 19 de Junho de 1532; MCDLX, 27-28 de Maro de
1537.
357
ANTT, Chancelaria de D. Joo III, Liv. 18 fl. 2 v.
358
Filho de D. Manuel e futuro duque de Guimares, casado com uma filha do duque D. Jaime de Bragana.
Duarte de Resende conta as peripcias de Ferno de Paz na Corte de D. Duarte. V. Andr de Resende, Vida Do
Infante Dom Duarte Pelo Mestre Andr de Resende, com prlogo do Abade Jos Correia da Serra, Lisboa,
Academia Real das Cincias, 1789, Andr de Resende- Obras Completa, prefcio do Professor Jos Pereira
Tavares, Lisboa, Livraria S da Costa Editora, 1963, capitulo 8.
359
ANTT., Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 30, fl. 44 , Carta de procurador do nmero do Porto, atribuda a
mestre Toms a 6 de Maio de 1497.
360
Idem, Chancelaria de D. Manuel I Liv. 36 fl. 78.
92
361
Vide Lus de Albuquerque, O Primeiro Livro de Aritmtica Impresso Em Portugal, Para a Histria da
Cincia Em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1973, pp. 98-.120.
362
ChartelariumVol. XII (1521-1537), Lisboa, ed. cit., 1995, doc. 5224, de 14 de Julho, 1523, p.313.
363
ANTTT, Corpo Cronolgico, Parte II, mao 117, n. 16.
364
Arquivo Distrital do Porto, Convento de S. Bento da Vitria, Doc. 12.
93
365
366
94
367
Joaquim Verssimo Serro cita mais uma na Biblioteca Pblica de vora, a qual no localizamos. Joaquim
Verssimo Serro " Dois Antiqurios de Entre Douro e Minho..." p. 11.
368
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Obras Vrias, cota 52. Vide tambm : A. Rocha Brito O
Tratado sobre a provincia d'antre douro e Minho e suas Avondanas, copilado por mestre Antonio Fisiquo e
olorgiam morador na vila de Guimares e natural della, Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade,
Vol. XII, Coimbra 1935.
95
369
Estamos neste momento a preparar a edio do exemplar existente na Biblioteca Pblica Municipal do Porto.
O professor Lus Filipe Barreto cita esta cpia num dos seus trabalhos.
371
Temos em curso a sua edio crtica.
372
Lus Filipe Barreto, "A Ordem do Saber na Antropologia dos Descobrimentos" Op. cit. p. 35
373
Transcrevemos em anexo o texto por inteiro.
374
Biblioteca Pblica Municipal do Porto, FA16, Historia Geografica de varias partes do mundo e huma breve
noticia de algumas couzas mais raras delles tudo por Mestre Antonyo Fisyquo, e Colorgio natural e morador
de Guimaraens em 1512, fl. 35-51.
370
96
375
Provincia Dantre Douro he Minho copillada por mestre Hantonio fisiquo he solorgiam morador na na Villa de
de Guymaraees he naturall dela, Miscellanea histrica de Portugal Sc. XVI, B.A, Cod. Ms 51-X-22. Fazemos a
transcrio do manuscrito em anexo.
376
Vide o incontornvel texto Michel Foucault, O que um autor? 3 ed.,. Lisboa, Vega, s/dt. (1997?), pp.44-45.
377
Para uma discusso mais detalhada sobre a identidade de mestre Antnio, Veja-se Carlos Manuel Valentim,
Um Humanista Contemporneo de Pedro Nunes Mestre Antnio de Guimares, Actas do Colquio Pedro
Nunes, Novos Saberes na Rota do Futuro, Lisboa, Escola Naval, s/dt., pp. 355-366, e em seguida publicado,
com alteraes mnimas, noutro local: Um Gegrafo Contemporneo de Pedro Nunes Mestre Antnio de
Guimares", Anais do Clube Militar Naval, Vol. CXXXII, Outubro Dezembro 2002, pp.721-750.
378
Joaquim Romero de Magalhes, "O Enquadramento do espao nacional", Histria de Portugal, (Dir. de Jos
Mattoso), Lisboa, Crculo de Leitores, 1993, Terceiro Volume No Alvorecer da Modernidade, coor. de []
p.18.
379
Joaquim Verssimo Serro, "Dois Antiqurio de Entre Douro e Minho no sculo XVI, p. 10.
97
Apesar de estarem inditas trs cpias deste "Tratado" temos em preparao a publicao de uma das
cpias, existente na Biblioteca Pblica Municipal do Porto vamos seguir a publicao feita por Luciano
Ribeiro, citada na nota 10.
381
Que defende ser Mestre Antnio natural de Guimares e mdico de D. Joo II; posteriormente, rectifica a sua
posio: o autor das "auondanas damtre douro e minho" seria filho de Mestre Toms, natural de Torres Novas e
no de Guimares. Vide Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, Coimbra, Atlntida Editora, 1955, Tomo I pg.
194 e Tomo IV pg. 21.
382
Innocencio Francisco da Silva da Dicionrio Bibliogrphico Portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858,
Tomo I pp. 77-78.
383
Garcia de Resende, Crnica de D. Joo II e Miscelnea, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973,
Prefcio de Joaquim Verssimo Serro, V. Captulo XCI "Da honra que el Rey fez a Mestre Antonio", p. 132.
384
Lus de Pina, O Cronista Rui de Pina e Mestre Antnio Fsico da Renascena, Separata do "Instituto", vol.
86, n3, Coimbra, 1933.
385
Idem, ibidem, p. 8.
386
Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (AMAP) Guimares, Fundo da Colegiada de Nossa Senhora da
Oliveira Testamentos e Doaes do Cabido, Tomo II Cota C 1386, fs. 147 a 149 v.. Cpia de 1717.
98
387
Abade de Tagilde, "Catlogo dos Pergaminhos existentes no Archivo da Real Collegiada de Guimares",
Archeologo Portugus volume XIII, Janeiro Junho, 1908, doc. CCCLXXII, p. 288.
388
AMAP Vereaes e Acrdos da Vila de Guimares, Livro n. 1 Cota M 1797, Fol. 152 V. 153 v..
389
Gaspar Estao, Vrias Antiguidades de Portugal, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1625, p. 202.
390
Eugnio de Andra da Cunha Freitas, "Nomes e datas", O Porto e os Descobrimentos, Porto, Biblioteca
Pblica Municipal, 1972, p. 217.
391
Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Livro V 1500-1505, fl.
258.
392
Arquivo Distrital de Braga, Cadernos de Matrcula de Ordens da Diocese de Braga, Livro V 1500-1505, fl.
164 V., fl. 258, fl. 309 v., e Livro VII 1514-1522, Caderno 11 fl. 14.
99
Estas
novidades
possibilitam,
estamos
em
crer,
um
melhor
esclarecimento de como foi possvel a um autor do incio do sculo XVI recolher tanta
e to variada informao sobre um espao, um espao fsico, social e econmico.
Informao que s era acessvel a um restrito grupo de pessoas e entidades.
Mestre Antnio, bom lembr-lo, teve como objectivo a descrio de uma
regio o Entre Douro e Minho , os aspectos relacionados com o seu meio fsico e as
diversas actividades humanas, no perdendo de vista o seu enaltecimento e sua
393
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel, Livro 31, fl. 139 e Livro 44 fol. 40.
Frey Raphael de Iesus, Monarquia Lusitana, Parte Stima, Lisboa, Antnio Craesbeeck de Mello, 1683, livro
10, capitulo 3, p. 497.
394
100
395
101
porque
administrao
pblica,
aumentando
em
tamanho
Idem, ibidem.
Veja-se Duas Descries do Reino do Algarve do Sculo XVI. Frei Joo de S. Jos, Corografia do Reino do
Algarve (1577). Henrique Fernandes Serro, Histria do Reino do Algarve (circa 1600) . Apresentao, leitura,
notas e glossrio de Manuel Viegas Guerreira e Joaquim Romero Magalhes, Cadernos da Revista de Histria
Econmica e Social, Lisboa, Livraria S da Costa Editora, 1983, p. 4.
402
Lus Filipe Barreto, Op. cit, local. citado.
403
Cfr. Broc, Numa, La Gographie de la Renaissance, Paris, Les ditions du Comit des Travaux Historiques et
Scientifique, 1986, pp. 99-103.
401
102
404
103
Ibidem.
Vide Manuel Viegas Guerreiro, Frei de S. Jos e a Sua Corografia do Reino do Algarve. Apresentao
Crtica, s/loc, Universidade do Algarve, S/dt. pp. 21-22.
411
H uma passagem em que o autor se refere ao ano de 1512: "(...) que somente deste ano de quinhentos e dose
sairam desta vila de Guimares mais de cem mil varas de pano de linho(...)". O escrito pode, eventualmente, ter
sido iniciado nesse ano e ter-se prolongado por mais tempo; pode inclusive ter sido iniciado anos antes. Cf: "Um
descrio de Entre Douro e Minho" in Op. cit. p. 447
412
Na tipologia elaborada pela Professora Suzanne Daveau estes discursos integram-se num grupo especfico
constitudo por " corografias ordenadas administrativamente ou tematicamente". Idem, ibidem, 448-451.
413
Cf. Peter Burke, A Social History of Knowledge, London, Polity, 2000, pp. 129-136.
414
Veja-se Joo Paulo Oliveira e Costa, D. Manuel I (1469-1521). Um Prncipe do Renascimento, Lisboa,
Circulo de Leitores, 2005, pp. 133-139.
410
104
Vide Joaquim Verssimo Serro, Histria de Portugal, Volume III O Sculo de Ouro [1495-1580], S/loc,
Editorial Verbo, imp. 1978, pp. 213-215.
416
Vide Joo Jos Alves Dias, Isabel M.R. Mendes Drumont Braga e Paulo Drumont Braga, A Conjuntura,
Nova Histria de Portugal, Dir. de Joel Serro e A.H. Oliveira Marques, Volume V Portugal do
Renascimento Crise Dinstica, Coordenao de Joo Jos Alves Dias, Lisboa, Editorial Presena, 1998, p.
715.
417
Este renascimento jurdico coevo da inveno e divulgao da imprensa.
418
Vide Joo Jos Alves Dias, A Primeira Impresso das Ordenaes manuelinas, por Valentim Fernandes,
Separata do IV Encontro Luso-Alemo, Portugal, Alemanha, frica. Do Colonialismo Imperial ao Colonialismo
Poltico, Lisboa, Edies Colibri, 1996, p. 31.
105
106
Suzanne Daveau e Orlando Daveau, Conhecimento Actual da Histria da Geografia em Portugal, Histria
e Desenvolvimento da Cincia em Portugal, Lisboa, Academia de Cincias de Lisboa, 1986, Vol. II p.1045
424
Joo Carlos Garcia As Descries do Reino de Portugal in Duarte Nunes de Leo, Descrio do Reino de
Portugal, Lisboa, Centro de Histria da Universidade de Lisboa, 2002, pg. 56.
425
Provincia Dantre Douro he Minho copillada por mestre Hantonio fisiquo he solorgiam morador na na Villa de
de Guymaraees he naturall dela, Miscellanea histrica de Portugal Sc. XVI, B.A, Cod. Ms 51-X-22,transcrio
em anexo
426
ibidem.
427
ibidem.
428
Ibidem.
107
Ibidem.
Ibidem.
431
Ibidem.
432
Alexandre Herculano, Historiadores Portugueses, Opsculos, Lisboa, Presena, 1985, Organizao,
Introduo e Notas de Jorge Custdio e Jos Manuel Garcia, Vol. IV pg.182.
433
Uma Descrio de Entre Douro e Minho , Op. cit. p. 445.
434
Roger Chartier, A Histria Cultural Entre Prticas e Representaes, Lisboa, Difel, 2 ed., 2002, p.25.
430
108
Cfr. Vtor Serro, Andr de Padilha e a Pintura Quinhentista entre o Minho e a Galiza, Lisboa, Editorial
Estampa, 1998, p.22.
436
A. Moreira de S, A Universidade de Guimares no sculo XVI (1557-1550), Paris, Fundao Caloust
Gulbenkian, Centro Cultural Portugus, 1982, p. 43.
109
Joo Vaseu,
110
Segundo Eugnio de Andra da Cunha Freitas, "Nomes e datas" , Op. cit, pg. 217, pode ter nascido na
freguesia de "Sam Dinjs de Villa Reall", ao contrrio do que at agora se pensava - na cidade do Porto.
443
Andr de Resende, Antiguidades da Lusitnia, Introduo, traduo e comentrio de R.M. Rosado Fernandes,
Lisboa, Fundao Caloust Gulbenkian, 1996, p.107.
444
Pedro Teixeira, La Descripcin de Espaa y de las costas y puertos de sus reinos(1634), fl. 43, Op. cit., p.
334.
445
Maria Clara Pereira da Costa, A Comarca de Guimares sculos XVI a XVIII Memria e Mapas
Cartogrficos, Actas do Congresso Histrico de Guimares e sua Colegiada, Vol. III, Guimares, 1981, p. 396.
446
Rui Fernandes, Descrio do terreno ao redor de Lamego duas lguas [1531-1532], Porto, Edies
Afrontamento, Beira Douro. Associao de Desenvolvimento do Vale do Douro, 2001, fls 1-1 v..
111
Os dois textos
447
No nos vamos debruar sobre este tema a fundo, porque j foi tratado noutra obra por Amndio Barros,
Prefcio in Rui Fernandes, Descrio do terreno ao redor de Lamego duas lguas [1531-1532], Porto, Edies
Afrontamento, Beira Douro. Associao de Desenvolvimento do Vale do Douro, 2001, pp. 12-22.
112
III
113
114
A existncia de muitos seres humanos vivendo lado a lado, cada qual lutando
pela sua existncia, pelas suas ambies, pelo seu bem-estar, pelos seus recursos,
desempenhando simultaneamente actividades comuns e diferenciadas, tecendo
relaes de vria ordem entre si, torna-os interdependentes. Com base nessa
interdependncia, surge uma estrutura que nenhum dos membros teve por fim criar:
a sociedade448. Um homem, uma famlia, um grupo social no existe per se, mas
integrando num todo, numa estrutura, na qual tece relaes de diferentes formas e
intensidade. Individuo e sociedade, uma parte no existe sem a outra449. As
concluses de Norberto Elias, leva-nos a inferir que o papel social450 produto de
uma interaco, onde o indivduo estabelece a sua identidade atravs da socializao
com os outros, enquanto interioriza as regras do jogo social. Trata-se de um
processo de construo social da realidade, pela apropriao progressiva das regras,
das normas e da ordem vigente.
Mas a vida em comum, a luta constante, inadivel e persistente dos homens nessa
estrutura criada artificialmente, a sociedade dos indivduos, est repleta de contradies,
de tenses e problemas. Cada ser humano tem um lugar especfico, uma funo, um
papel a desempenhar, estando condenado a viver entre as outras pessoas. Quando
nasce, um indivduo inserido num grupo de seres humanos que j existia antes
dele. E o facto de os seres humanos se transformarem com e atravs das relaes
sociais que estabelecem uns com os outros, e de se modelarem e remodelarem de
maneira
constante
em
interdependncia,
que
caracteriza
fenmeno
do
Concluso a que chega Norberto Elias, A Sociedade dos Indivduos, 2 edio, editado por Michael Schrter,
Lisboa, Edies Dom Quixote, 2004, p. 29.
449
Idem, ibidem, p. 28.
450
Conceito fundamental para a Sociologia, definido como modelo ou norma de comportamento ligado a
determinado status ou posio na estrutura social.
451
Tal como definiu Norberto Elias, Op. cit., p. 43.
452
Ernest Labrousse, Introduo, in Historia Social. Teoria e Mtodos, Lisboa, Edies Cosmos, 1966.
115
Cfr. Ivo Schffer, A estratificao social na Repblica das Provncias Unidas no sculo XVII, Problemas
de Estratificao Social, Actas do Colquio Internacional (1966) publicadas por Roland Mousnier, traduo de
Joaquim Romero de Magalhes, Lisboa, Edies Cosmos, imp. 1988, p.147.
454
O Professor Marques de Almeida, coloca em evidncia estas profundas alteraes, no seu estudo O Zango e
o Mel, p. 27.
455
Jorge Borges de Macedo chamou a ateno de estarmos perante um grupo no homogneo, nem to-pouco
padronizado, se tivermos presente os diferentes sectores da vida econmica onde intervinham, e a suas diversas
funes sociais. Vide o artigo, daquele autor Burguesia (Idade Moderna) Histria de Portugal, Dir. Joel Serro,
ed. cit., Vol. I, pp. 397-407.
116
456
Joo Cordeiro Pereira, A Estrutura Social e o seu Devir, Nova Histria de Portugal. Dir. de Joel Serro e
A. H. Oliveira Marques, Vol. V: Portugal Do Renascimento Crise Dinstica, Coordenao de Joo Jos
Alves Dias, p. 290.
457
Cfr. Fernanda Olival, As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra, Merc e Vanalidade em Portugal
(1641-1789), Lisboa, Estar Editora, 2001, p. 19.
117
Joo Cordeiro Pereira, A Estrutura Social e o seu devir [.] , pp. 286-287 e ss.
Quando falamos de espao social estamo-nos referir posio que um determinado agente social ocupa
nos diferentes campos da sociedade e na distribuio dos poderes. Como definiu Pierre Bourdieu, podemos
representar o mundo social em forma de espao, constitudo por vrias dimenses, e construdo na base de
princpios de diferenciao ou de distribuio das propriedades que actuam no universo social. Ou seja, o que h
um espao de relaes que pode ser to real como um espao geogrfico. Vide sobre esta problemtica Pierre
Bourdieu, O Poder Simblico, 4 ed. Lisboa, Difel, 2001, pp. 132-136.
460
Vejam-se os exemplos de promoo social contidos no trabalho da Professora Elvira Azevedo Me, A
sociedade no tempo de Gil Vicente, Revista de Guimares, n. 112, 2002, pp. 111-123, pp. 119-120.
461
Veja-se a respeito da mobilidade dos sefarditas e cristos-novos Florbela Veiga Frade, As Relaes
Econmicas e Sociais das Comunidades Sefarditas Portuguesas. O Trato e a Famlia 1532-1632, Lisboa,
Dissertao de Doutoramento em Histria Moderna, realizada sob orientao cientfica do professor doutor A.A.
Marques de Almeida, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Histria, 2006, pp. 43-46.
459
118
Sobre a integrao dos cristos-novos na sociedade crist, vide Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Los
Judos em Portugal, Madrid, Editorial MAPFRE, 1992, p. 288 e ss., ilustra vrios exemplos de famlias
plenamente integradas na sociedade.
119
120
Vide Maria Jos Pimenta ferro Tavares, Los Judios en Portugal, ed. cit., p. 290.
Vide Cecil Roth, Histria dos Marranos, ed. cit., pp. 32-35.
467
Abordamos este casamento de Duarte de Paz no estudo Duarte de Paz: um lder da comunidade sefardita
portuguesa em meados do sculo XVI, Rumos e Escrita da Histria. Estudos de Homenagem a A. A. Marques
de Almeida, Coordenao de Ftima Reis, Lisboa, Edies Colibri, 2007, pp. 175-190
468
Carlos Manuel Valentim, Tom Pegado de Paz espio e servidor do Duque de Naxos, Op. cit., p.300 e
documento publicado em anexo.
466
121
Cortes de 1498, Elvas, Janeiro, 29, ANTT, Cortes, Mao 4, doc. 1., Cortes Portuguesas. Reinado de D.
Manuel I, Lisboa, Centro de Estudos Histricos da Universidade Nova de Lisboa, 2002, Lisboa, p.381.
470
Seguimos neste ponto as consideraes de Marvin Harris, Antropologia Cultural, Madrid, 6 ed., Alianza
Editorial, 1998, p. 203.
122
Veja-se sobre a endogamia entre os cristos-novos Huerga Criado, Pilar, En la raya de Portugal: solideriedad
y tensiones en la comunidad judeoconversa, Salamanca, Ediciones Universidad de Salamanca, 1993, 67-77.
472
semelhana do que acontece noutras sociedades, ditas de tradicionais. Cfr. Franoise Hritier,
Endogamia/exogamia, Enciclopdia Eunaudi, p. 137.
473
Esta informao foi-nos dada pelo Dr. Salazar de Campos, genealogista, que est a reconstituir a rvore da
famlia dos seus antepassados Salazar.
474
Veja-se o documento publicado no corpo documental. Voltaremos a esta pea documental fundamental
quando abordarmos a questo da ascenso social dos Paz.
475
Passando sempre, entre os nobilirios, por seu filho. Pedro de Brito segue esta informao errada. Vide Pedro
de Brito, Op. cit. p. 152. H uma fonte, que nos mostra muita claramente que Maria de Paz filha do irmo de
mestre Joo, Diogo. Num documento da Inquisio, Antnio de Paz, filho de Diogo de Paz, sobrinho do
astrlogo, citado como tendo acompanhado o seu cunhado, Pero Lopes de Mesquita, S do Porto, em vrias
ocasies.
476
Veja-se Cristvo Alo de Morais, Op. cit., pp. 594-599.
477
De quem no vem a ter filhos. Teve vrios bastardos, que tero morrido ao servio da Coroa no Oriente.
Veja-se Pedro de Brito, Op. cit. p. 153.
123
124
486
Em Miragaia, do lado do Porto, centrava-se uma populao que se dedicava pesca e navegaro comercial
a longa distncia. Vide, Amndio Barros, Porto: a Construo de uma Espao Martimo p.33.
487
Catlogo dos Bispos do Porto composto por D. Rodrigo da Cunha, Porto, Officina Prototypa, Episcopal,
1742, p. 300.
488
O pequeno convento de Santo Antnio foi incendiado pelas tropas miguelistas, em 1832, durante a guerra
civil entre liberais e absolutistas.
489
ANTT, Inquisio, Conselho Geral, cdice 90.
490
Veja-se quadro genealgico em anexo.
125
Opinio de Pedro de Brito, Op. cit., p. 134, que comungamos inteiramente, e por isso somos levados a pensar
que, muito possivelmente, entre as famlias que so estudadas e citado, haver mais do que uma famlia de
origem judaica; lembre-se que o autor identifica somente os Paz, no espao social portuense! Idem, ibidem, p.
138.
492
Idem, ibidem, p. 134.
493
Filho de Joo Leite. Vide quadro em Pedro de Brito, Op. cit., entre as pginas 134 e 135.
494
Documentos do Corpo Chronologico Relativos a Marrocos (1488 a 1514), org, de Antnio Baio, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1925, pp. 108-115.
495
Jos A. R. da Silva Tavim Os Judeus na Expanso Portuguesa Em Marrocos Durante o Sculo XVI. Origens
e actividades duma comunidade, Braga, Edies APACDM distrital de Braga, 1997, Apndice 2, Quadro 2, p.
484 As ligaes dos Leites aos judeus eram ntidas. Repara-se, Antnio Leite, sem proviso rgia, d aval ao
feitor de Abrao Benzamerro, tambm judeu, lngua, para que exercesse esse mesmo cargo (lngua), Idem,
Ibidem, p. 249
496
Pedro de Brito, Op, cit. p. 110.
126
497,
Os casamentos como forma de mobilidade e critrio de definio das classes sociais, eis um fenmeno que
descrito brilhantemente por Joseph Schumpeter, Imperialisme et Classes Sociales, Prsentation de Jean-Claude
Passeron, Paris, Les ditions de Minuit, 1972, p. 171.
498
Sobre o conceito de linhagem e a sua discusso, Veja-se Nuno Gonalo Monteiro, O Crepsculo dos
Grandes. A Casa e o Patrimnio da Aristocracia em Portugal (1750-1832), 2 ed. Revista, Lisboa, I:N.-C.M.,
2003, p. 83. Cfr. Martin Segalen, Historical Antropology of the Family, ed. cit. Pp. 43-72.
499
Como nos exemplifica o caso de Rui Mendes e dos filhos do seu segundo casamento. de supor, que as
distncias entre os Mendes Carvalho e os Paz tenham aumentado com o decorrer do tempo. Essa distncia,
comeou a ser construda quando mestre Joo e o seu irmo Diogo abandonam Guimares, onde permanecer
Rui Mendes, e vm residir para o Porto.
500
Por exemplo, Maria Teixeira, crist-nova, moradora no Porto, na rua das Taipas, alegadamente um desses
testemunhos. No sabemos se esta assero verdadeira, porque poderia querer servir os intentos de Maria de
Paz, denunciante daquela conversa em 1542. Mais disse Maria de Paz, que mestre Joo estaria no inferno,
dissera Maria Teixeira, porque pressionara D. Manuel a fazer dos judeus cristos. ANTT, Inquisio de
Coimbra, processo n. 9821, fl. 18.
501
Vide, a respeito do conceito de elite: Vilfredo Pareto, Trattato di Sociologia Generale, Firenze, Barbra,
1916, 2025 e 2036.
127
502
Veja-se J. Borges de Macedo, Elite, Polis, Vol. 2, 2 Ed., Lisboa/S. Paulo, 1998, col. 836-837.
Estamos em presena de uma sociedade em que os homens s existem no seio de comunidades, isto ,
colectividades orgnicas, que regulam a vida social e do sentido busca do harmonioso, reproduzindo um
mundo hierarquizado, compartimentado, hierarquizado em funes e papis sociais. Vide sobre o conceito de
corpos sociais, Jacques Revel, A Inveno da Sociedade, Lisboa, Difel, 1989, pp. 185-186.
504
Ter a dignidade de cidado do Porto, por exemplo, era possuir uma qualidade social que ultrapassava a cidade
em que vivia, e gozar de uma srie de prerrogativas e privilgios que se cruzavam com os de fidalgo/nobre. Vide
Francisco Ribeiro da Silva, O Porto e o seu Termo (1580-1640). Os Homens, as Instituies e o Poder. I.
Volume, Porto, Arquivo Histrico da Cmara Municipal do Porto, 1988, pp. 290-298.
503
128
Vide os casos aludidos por Pilar Huerga Criado, En la Raya de Portugalpp. 53-55.
Sobre as Ordens de Menores seguimos de perto as consideraes e informaes que so dadas por Isaas da
Rosa Pereira, Matrcula de Ordens da Diocese de vora (1480-1483). Qual dos dois Vascos da Gama foi ndia
em 1497, Lisboa, APH, 1990, pp. 16-20.
506
129
Estudante em Salamanca. A 4 de Novembro de 1512 ouvido sobre Pedro Santispiritus, que se tinha
apoderado da Ctedra de Medicina. Ficamos a saber que tinha ouvido mais de quatro anos de Medicina. Vide
Armando Jesus Marques, Portugal e a Universidade de Salamanca. Participao de escolares lusos no governo
do Estudo, 1503-1512, Salamanca, Edciones Universidad de Salamanca, 1980, p. 302 fl. 403.
508
Uma arguta concluso de Hannah Arendt, Entre o Passado e o Futuro. Oito Exerccios sobre o Pensamento
Poltico, St. Maria da Feira, Relgio Dgua Editores, p. 220.
509
Remetemos para Joo Cordeiro Pereira A Estrutura Social e o seu Devir, Nova Histria de Portugal p.86.
130
ANTT, Corpo Cronolgico, Parte II, mao 41, n. 37. Este documento uma ordem de D. Martinho, para que
Filipe Costa ou Duarte de Paz, que vo numa chiola (embarcao de tamanho modesto), fiquem responsveis
pela distribuio de carne de vaca para 13 pessoas.
511
Fernando Palha, O casamento do Infante D. Duarte com D. Izabel de Bragana, Lisboa, Impresso Nacional,
1881.
512
D. Martinho de Portugal em carta a D. Joo III, datada de14 de Maro de 1535, assim o refere. [] com
hum avito de christo no peito; e me dizem que mostra estromentos e outros papeis de como mereceo em africa
[]. Corpo Diplomtico Portugus, publicado por Luiz Augusto Rebello da Silva, Tomo III, Lisboa, Tygraphia
Real das Sciencias, 1868, pp. 181-189, p. 185. No obtivemos prova de que em 1513 Duarte de Paz tenha
permanecido em Azamor ou Mazago. Lembra-se no entanto que fora o mesmo D. Martinho que enviara uma
ordem a Duarte de Paz, a que tivemos acesso, durante o trnsito daquele para a batalha de Azamor, em 1513.
513
ANTT., Chancelaria de D. Joo III, Liv. 52 fl. 130.
514
Cartas de Quitao del Rei D. Manuel, Archivo Histrico Portugus, Vol. I, n. 11, 1903, p. 406, carta n.
153.
515
Analisaremos parte esta distino, no captulo seguinte.
516
Idem, Ibidem, Liv. 7 fl. 25.
517
ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, Livro 9 fl. 238 v.
518
Vide Hannah Arendt, A Condio Humana, Lisboa, Relgio Dgua Editores, 2001 pp. 43-45.
131
132
525
526
Onde mestre Joo tambm tivera bens, por doao do Duque de Bragana.
Pedro de Brito, Op. cit. P. 368.
529
A. Magalhes de Basto, Histria da Santa Casa da Misericrdia do Porto, 2. Ed., com prefcio de Francisco
Ribeiro da Silva, Vol. I, Porto, Santa Casa da Misericrdia do Porto, 1997, p. 462.
530
Misericrdia do Porto, ed. cit.Vol. I, p. 454.
531
Veja-se por exemplo o documenta em que mestre Joo procurador de Lus Vaz de Negro a 9 de Dezembro
de 1527. ANTT, Corpo Cronolgico, mao 145, n. 23.
528
134
135
539
ANT.T., Chancelaria de D. Joo III, Liv. 11, fl. 43 v., e 82, Liv.13 fl. 38, Liv. 18 fl. 2v. e 11 v. Liv. 52
fl. 130., respectivamente. Todas estas cartas se encontram transcritas em anexo.
540
Memrias Quinhentistas Dum Procurador Del-Rei no Prto pelo Licenciado Francisco Dias, Indito da
Biblioteca Municipal do Porto, Ms n. 553, prefacio e notas finais de A. Magalhes Basto, Porto, Publicaes da
Cmara Municipal do Porto/Gabinete de Histria da Cidade, 1937, p. 26.
541
Chartularium Universitatis Portugalensis 1288-1537), Vol. XI (1511-1520), Lisboa, Junta Nacional de
Investigao Cientfica e Tecnolgica, 1993, doc. 4454 de 11 de Janeiro de 1513, pp. 191-192 e doc. 4502 de 1
de Maro de 1514, pp. 241-242.
542
ANTT., Inquisio, Cdice 90 fls. 44 e 44 v..
543
Cfr. Lawrence Stone, The Family, Sex And Marriage In England 1500-1800, London, Penguin Books, 1990.
pp. 70-71.
136
544
Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no sculo XV, ed. cit., p. 227.
Veja-se Maria Cristina Gomes Pimenta, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Mdia. O Governo
de D. Jorge, Palmela, Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago, Cmara Municipal de Palmela, 2002, p.
230.
546
ANTT, Coleco Especial, caixa 75, Mao 1.
547
Ibidem, Convento de Palmela, 3 suplemento, Livro 20, fls 72 e 73.
548
Actarium Chartularii Universitatis Portugalensis, organizao de A. Moreira de S, Vol. III, Lisboa, Instituto
de Alta Cultura, doc. MCXIX, 10 de Junho de 1532; MCXX, 19 de Junho de 1532; MCDLX, 27-28 de Maro de
1537.
545
137
549
Sobre estas sepulturas v. Carlos de Passos, Porto Notcia Histrico-Archeologica e Artistica da Cathedral
e das Egrejas de Cedofeita e S. Francisco, Monumentos de Portugal, n. 3, Porto, Litografia Nacional-Edies,
1929, pp. 44-45.
550
Haver fidalgos na corte de D. Pedro II, descendentes de Antnio de Paz, que negaro a sua ascendncia
crist-nova. Vide D. Antnio Xavier da Gama Coutinho, Atribulaes Causadas A Uma Famlia Pela Sua
Estadia No Porto, Boletim Cultural da Cmara Municipal do Porto, Junho, Fascculo 2, Vol. V, 1912, pp. 189205 e pp. 318-319. O autor confunde Antnio de Paz com os Paz de Tradamora, mas rapidamente percebe que
factos contraditrios nas genealogias que se fizeram no sculo XVIII para as limpezas de sangue.
551
Aplicamos as consideraes de Pierre Bourdieu sobre o poder simblico. Vide O Poder Simblico, ed. cit., p.
11.
138
552
Veja-se o exemplo de Bernardim Esteves, cristo-novo que se encontrava, igualmente, ligado Fazenda,
enobrecido por D. Joo III. A carta de braso de armas no se encontra registada na Chancelaria,
desconhecendo-se onde foi sepultado. Porm, sabe-se que tinha capela na igreja de Nossa Senhora da Sebonda,
em Alcochete. Repare-se, dois casos em tudo idnticos a mestre Joo, quanto cota de armas e sua sepultura.
Veja-se Joo Cordeiro Pereira, A Estrutura Social e o seu Devir, Op. cit., p. 310.
553
Joo Cordeiro Pereira d-nos quatro casos: Gaspar Pacheco; Bernardim Esteves, Cristvo Esteves; mestre
Nicolau Coronel. Os dois primeiros, funcionrios da Fazenda, Cristvo Esteves da mquina judicial. Estes
receberam distino do rei Piedoso. O ltimo, fsico, enobrecido por D. Manuel. Vide Joo Cordeiro Pereira, A
Estrutura Social e o seu Devir, pp. 304, 307, 310 e 311.
139
554
IANTT, Inquisio de Lisboa, Processo n. 10906, fols. 9 v. e 10.(transcrio em anexo Anselmo Braacamp
Freire, Armaria Portuguesa, [s.l,] Cota DArmas - Editores e Livreiros, 1989, p. 380.
555
B.A., Fr. Manuel de Santo Antnio, Thezouro da Nobreza..., Cdice 50-V-18, p. 225. Anselmo Braacamp
Freire, Armaria Portuguesa, loc. cit., descreve do seguinte modo o braso familiar dos Paz: Tinha por armas,
em campo azul quatro rosas de sua cor, refendidas e perfiladas de ouro acantonadas em anis. E, de prata,
aberto, guarnecido de ouro, Paquife e Virol, de azul e prata.
556
Em conversa com a Dr. Florbela Veiga Frade, foi-me dito que palavra Paz em hebraico tem um significado
que no s o da sua etimologia em portugus, significando brilho, prateado.
557
Relembre-se que em finais de 1495 D. Manuel investido como Rei, e a cota de amas de mestre Joo ter
sido atribuda poucos meses depois. Sublinhe-se ainda que o nome Paz, tambm ser atribudo por D. Manuel
ao seu filho: Miguel da Paz, que no sobreviver, fruto do seu casamento com a filha dos Reis Catlicos, Isabel,
que tambm morrer aps o parto da criana.
558
Damio de Gis, Op. cit. p. 24.
140
141
142
INQUISIO E INTEGRAO
IV
INQUISIO E INTEGRAO
143
INQUISIO E INTEGRAO
144
INQUISIO E INTEGRAO
Nas Ordenaes, nos Alvars rgios, nos Perdes e Legitimaes, na confirmao de cargos e ofcios.
Vide Elvira Cunha Azevedo Mea, A Inquisio de Coimbra no Sculo XVI. A Instituio, os Homens e a
Sociedade. Porto, Funo Engenheiro Antnio de Almeida, 1997, p. 43.
566
Sobretudo no poder local. Vide Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Los Judios em Portugal, ed. cit, p. 178.
565
145
INQUISIO E INTEGRAO
convertidos ao cristianismo foram, igualmente, objecto de vrias formas de
descriminao, devido sua impureza de sangue, e olhados com suspeio em
matria de f; mas esta desconfiana no justifica a presuno da parte dos
historiadores que tenha correspondncia na realidade567. O problema muito mais
complexo na sua raiz, e nem sempre abordado com a mesma coerncia. Herman
Prins Salomon tem vindo a terreiro, levantando questes que so difceis de
responder, mas que so fundamentais para se entender melhor uma realidade difcil
de entender. Afinal, conclui este investigador, o modo de proceder da Inquisio
portuguesa que no foi concebido no intuito de distinguir entre culpa e inocncia
considerava qualquer ru, uma vez rotulado de Cristo-Novo ipso facto, um
judaizante potencial568.
Um dos grandes obstculos a uma integrao efectiva da minoria sefardita
centrou-se na hostilidade das massas, que irrompia como uma vulco adormecido ao
menor acontecimento provocador, sobretudo em pocas de dificuldade econmica e
de contestao social569. Os levantamentos populares contra os cristos-novos,
registados na cidade de vora em 1504, e na cidade de Lisboa nos anos de 1504 e
1506570, so a prova cabal do clima de tenso vivido na sociedade portuguesa,
decorrida que estava uma dcada sobre os baptismos em massa, no deixando de
traduzir, por conseguinte, um difcil relacionamento e uma problemtica
aculturao571 entre as duas comunidades. Os decretos aprovados, primeiro por D.
567
Robert Rowland, New Christians, Marrano, Jew, The Jews and the Expansion of Europe to the West, 1450
to 1800, Edited by Paolo Bernardini & Norman Fiering, New York-Oxford, Berghahn Books, 201, p. 26. Este
artigo levanta problemas fundamentais no tocante questo em anlise: integrao dos cristos-novos e a sua
verdadeira confisso.
568
Herman Prins Salomon, Reaberto o debate entre I.S. Rvah e A. J. Saraiva sobre o criptojudaismo
peninsular?, Cadernos de estudos Sefarditas, n. 5, pp. 89-114, p. 90.
569
O que j havia acontecido durante a Idade Mdia, em inmeros locais do Reino, contra os Judeus.
570
Sobre este autntico massacre Veja-se o livrinho publicado por Susana Bastos e Paulo Mendes Pinto,
Lisboa, 19 de Abril de 1506. O Massacre dos Judeus, Lisboa, Aletheia, 2007.
571
Ser que poderemos falar, neste caso, quando analisamos o relacionamento entre cristos-novos e velhos,
de uma questo de aculturao? Este conceito tem sido ultimamente pouco utilizado pelos antroplogos e
historiadores. Contudo, poder ter aqui alguma operatividade. Com os baptismos, forados ou de livre-vontade,
de muitos judeus, vamos situarmo-nos diante de duas culturas diferentes, que no se encontram ao mesmo nvel.
Por um lado, uma minoria letrada, ocupando uma posio intermdia na sociedade, e dispondo de uma
formao cultural onde se incluam tradies e saberes milenares que circulavam no Mediterrneo; no outro
lado, uma maioria diversificada, com os escales mais baixos na sua grande maioria analfabetos, e os estratos
mdios e superiores com uma formao cultural de cariz catlico, mais fechada novidade. Esta ltima, como
cultura dominante, tende a impor as suas regras, logo subordinando a outra cultura para fazer prevalecer as suas
matrizes culturais, no aceitando assim as novas propostas que em muitos casos so veiculadas por uma minoria
mais activa sob o ponto de vista cultural e material. Sobre o conceito de aculturao, Vide Peter Burke, Uma
questo de aculturao?, [], O Mundo como Teatro. Estudos de Antropologia Histria., Lisboa, Difel, 1992,
146
INQUISIO E INTEGRAO
Manuel e em seguida por D. Joo III, que visavam salvaguardar alguns dos direitos
fundamentais dos conversos, no foram suficientes para travar a fractura social entre
cristos-novos e cristos-velhos, formando-se um gueto social, imposto por presso
religiosa, poltica, penal e social572, a que no sero alheios os aspectos que se
prendem com evoluo econmica e social do tempo573.
O professor Antnio Borges Coelho viu bem o problema: poderiam ser s 2000
famlias crists-novas mas incomodavam muitos sectores da sociedade. E
incomodavam, diz-nos o historiador da Inquisio de vora, porque tinham grande
poder econmico, nacional e internacional, e este poder tendia a apropriar-se do
poder poltico e ideolgico que estava, em ltima instncia, nas mos do alto clero574.
Relegados para um lugar secundrio pela maioria da sociedade, os cristosnovos eram vistos como uma espcie de casta inferior. A excluso, ou mesmo a
eliminao fsica de alguns dos seus membros influentes, juntamente com o controlo
social a que ficam sujeitos, da dcada de trinta do sculo XVI em diante, tem como
propsito fundamental decapitar a sua liderana e exercer presso sobre a restante
comunidade conversa, tentando integr-la violentamente, pois muitos dos cristosvelhos invejavam o seu modo de vida, o seu sucesso financeiro, a sua notvel
capacidade empreendedora e ambicionavam ocupar os seus lugares575.
Relacionando-se com a animosidade de que os conversos so alvo, surge o
problema da sua verdadeira confisso, tal como anteriormente apontado. Voltemos
questo. At que ponto eram os cristos-novos judaizantes? Ou teria a Inquisio
forjado o judaizar marrnico? Eis um debate que tem irrompido com grande fulgor
na historiografia. O prprio Samuel Usque, autor israelita do sculo XVI, uma das
fontes principais para este perodo, no nos resolve cabalmente a dvida, e
detectamos at alguma contradio nas suas posies; advogando inicialmente que
pp. 89-97.
572
Nas palavras do Professor Antnio Borges Coelho, Inquisio de vora. Dos Primrdios a 1668, Vol. 2,
Lisboa, Editorial Caminho, 1987, p.81.
573
Como bem lembra I. S. Rvah, Les Marranes Portugais et lInquisition au XVIe sicle, [...] , tudes
Portugaises, Publies par les soins de Charles Amiel, Paris, Fundao Caloust Gulbenkian/Centro Cultural
Portugus, 1975, p. 195.
574
Antnio Borges Coelho, Inquisio de vora. Dos Primrdios a 1668, Vol. 2, Lisboa, Editorial Caminho,
1987, p. 87.
575
Sobre este controlo social, Veja-se Francisco Bethencourt, Inquisio e controle social, Separata da Revista
Histria e Crtica, n.14, Lisboa, 1987, p. 15.
147
INQUISIO E INTEGRAO
os cristos-novos portugueses quase esqueceram a sua antiga lei, refere em passo
seguinte, com alguma incoerncia, que as suas almas nunca mudaram576.
Antnio Jos Saraiva577 defendeu de forma polmica que a Inquisio fabricava
judeus, com o intuito de jogar mo dos bens e cabedais de um estrato social bem
demarcado em ascenso: a burguesia578. Por isso, este historiador criticava os que
defendiam uma associao entre judeus e cristos-novos, considerando as duas
entidades inteiramente distintas. A tese de Antnio Jos Saraiva confronta-nos com
uma realidade complexa579. Na verdade, muitos dos cristos-novos eram cristos
convictos, muitas famlias conversas tiveram os seus membros plenamente
integrados na sociedade crist, professando uma f sincera, associando-se em
negcios e em casamento aos cristos-velhos. Outras famlias seguiram um caminho
diferente. Preferiram continuar a praticar a sua antiga religio, quase sempre em
segredo, convivendo de forma cmplice com aqueles que viviam de maneira
similar580. Os estudos realizados com base nas fontes hebraicas revelaram: 1) que no
momento em que a Inquisio introduzida na Pennsula Ibrica, primeiro em
Castela, dcadas mais tarde em Portugal, a imensa maioria dos denominados
marranos eram cristos; 2) ao identificar todos os conversos com uma secreta
heresia judaizante, as Inquisies ibricas criaram uma falsa realidade; 3) essa
maneira de proceder teve muito mais a ver com o dio racial e factores de ordem
poltica do que propriamente com o zelo religioso de uma comunidade581.
O facto essencial nas sociedades no deixa de ser a estrutura das funes sociais e,
consequentemente, as tenses entre diferentes funes582. medida que a diviso de
funes, numa comunidade, vai aumentando e tomando formas complexas na sua
estruturao, mais os seres humanos dependem uns dos outros, de um dar e receber,
e mais intensamente se ligam, pela simples razo de s poderem assegurar a sua
576
Samuel Usque, Consolao s Tribulaes de Israel, Ed. de Ferrara de 1553, com estudos introdutrios de
Yosef Hayim Yerushalmi e Jos Vitorino Pina Martins, Tomo II, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 1989,
fol. ccvi v..
577
Antnio Jos Saraiva, Inquisio e Cristos-Novos, 4 ed., Porto, Editorial Inova Limitada, p.24.
578
Que como vimos, um grupo social heterogneo.
579
Veja-se a anlise crtica s propostas de Antnio Jos Saraiva, que feita por Elias Lpiner, Os Baptizados
de P. Estudos da Origem e da luta dos Cristos-Novos em Portugal, Lisboa, Vega, 1998, pp.405-416.
580
Veja-se Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Los Judios em Portugal, [], p. 308.
581
Benzion Netanyahu, Los Marranos Espaoles segun las Fuentes Hebreas de la poca (siglos XIV-XVI), 2
ed. em lngua castelhana, traduo revista e aumentada com adenda e eplogo da terceira edio em lngua
inglesa, Valladolid, Junta de Castilla y Len, 2002, pp. 20-21.
582
Veja-se o que a este respeito o pensamento de Norberto Elias, A Sociedade dos Indivduos, ed. cit., p.64.
148
INQUISIO E INTEGRAO
vida, e a sua existncia social, numa interligao com muitos outros. No obstante,
quando uns, graas aos instrumentos de poder que tm ao seu dispor, podem afastar,
rejeitar e anular os outros, alimentando-se desta subjugao para assegurar o seu
domnio e realizao da sua existncia social, criam-se, na teia de seres humanos
interdependentes, tenses que impulsionam mudanas estruturais na sociedade583.
De 1530 em diante esto a dar-se na sociedade portuguesa, justamente, essas
mudanas estruturais que conduzem ao bloqueio das foras mais activas. Estamos
perante uma sociedade que quer segurar a todo o custo os privilgios dos estratos
tradicionais que permaneciam secularmente no topo. A nova dinmica empreendida
por famlias conversas como os Paz, representava de certa forma uma ameaa que
era necessrio afastar, para a hierarquia de privilgios poder continuar a reproduzirse. Da a Inquisio representar a chave para defender o ponto de vista do grupo que
funcionava como sujeito histrico584. Nessa instituio cabiam o medo, o dio, a
inveja, as falsidades, a denncia mesquinha. As visitaes que o Santo Ofcio fazia a
uma determinada regio, rodeadas de simbolismo, pompa e circunstncia, serviam
para lembrar aos habitantes desses lugares a sua omnipresena, o seu poder,
provocando dessa forma um maior volume de denncias585.
A Inquisio reprimia de forma violenta um sector da sociedade que se
acantonava nos ofcios mecnicos, na administrao e no comrcio, mantendo acesa
na conscincia dos descendentes dos judeus a sua ascendncia, o que dificultava uma
real e total integrao desses indivduos na vida social. Assim, infere-se que o
judasmo dos cristos-novos portugueses, quando permaneceu activo, no se ficou
unicamente por uma tradio transmitida de gerao em gerao dentro das paredes
das suas casas. Foi tambm uma representao cultural das suas vidas, feita pela
Inquisio e pelo resto da sociedade586, funcionando como um espelho deformador.
Dadas as dificuldades da transmisso cultural clandestina, da sua religio, tornou-se
inevitvel que muitos dos cristos-novos viessem a reconhecer-se na representao
do judasmo que repetidamente lhes era feita a partir do exterior. Completava-se o
583
149
INQUISIO E INTEGRAO
crculo. A sociedade, a maioria da sociedade, no os integrara, e via-os como um
corpo estranho.
Por uma ironia da Histria o historiador/investigador, no ltimo sculo,
substituiu o inquisidor e o genealogista encarregue de fazer a limpeza de sangue,
ao inquirir e investigar, isolando factos e pessoais, imputando prticas religiosas e
sociais, apontando o dedo quele que tem ascendncia hebraica, ao que pratica o
judasmo, ao cristo-novo que por todos os seus meios quis ocultar o seu sangue e a
sua identidade. No inventrio dos processos da Inquisio, na concepo e
construo das rvores genealgicas, vasculhando infindas massas documentais o
investigador mantm viva, afinal, a origem social e religiosa daqueles em cujas veias
corria sangue hebraico. Espreitando por cima do ombro do inquisidor587, o
investigador vai anotando factos e fazendo rvore da famlia. Quantas no so as
ocasies em que o corao bate mais forte e dado um salto na cadeira por se ter
encontrando o elo de ligao que provava a ascendncia hebraica do mercador que
traficava em locais longnquos, do nobre que ascendera aos mais altos lugares na
Corte, do religioso que se esforara por mostrar o seu zelo religioso? O que o Santo
Oficio, em muitos casos, no conseguiu provar, ou a manha de alguns logrou
ludibriar os acusadores e os inquisidores, coloca o historiador a descoberto com os
modernos meios de investigao. certo, com um sentido completamento oposto ao
do inquisidor, e ainda que, como sublinha Prins Solomon, o historiador marranista
conceda a sua simpatia s vtimas marranas da Inquisio, que proporcional
sua solidariedade para com o povo judeu, incluindo conversos, gente da nao,
cristos-novos, o seu objectivo final compreender de que forma se processou os
fenmenos de excluso e discriminao social, e como actuou a Inquisio.
A actividade da Inquisio portuguesa est documentada por cerca de 40.000
processos, pelas denncias que foram registadas uma aps a outra, de vizinhos e
parentes, pelos cadernos do promotor, por habilitaes que eram feitas para ilustrar a
honra, pela correspondncia trocada entre os vrios tribunais. Inicialmente, em 1536,
coma bula que institui a Inquisio, o tribunal funcionou na diocese de vora, onde
residia a Corte. Em seguida passou a Lisboa. Em 1541, com o intuito de vigiar e punir
587
Neste ponto inspiramo-nos, mas percorrendo um caminho diferente, no artigo de Carlo Ginzburg, O
inquisidor como antroplogo: uma analogia e as suas implicaes, in A Micro-Histria e Outros Ensaios,
Lisboa, Difel, 1991, pp. 203-214.
150
INQUISIO E INTEGRAO
os que eram acusados de heresia, foram criados quatro tribunais, no Norte e Centro
do Pas: Porto, Coimbra, Lamego e Tomar, que se juntam a vora. Mas a estrutura
deste tribunal religioso, no se vai manter uniforme, nem no tempo, nem no espao.
Em 1548 apenas funcionavam dois tribunais: o de Lisboa que cobria o Norte e o
Centro do Reino; e o de vora que tinha a jurisdio do todo o Sul. Em 1560
estabeleceu-se a Inquisio em Goa, em 1565 finalmente constitudo o tribunal de
Coimbra, que passou a cobrir todo o Norte e Centro do espao metropolitano
portugus588.
Construindo uma ampla rede de denunciadores, a Inquisio funcionou como um
autntico aparelho ideolgico repressivo589, instrumento do poder eclesistico e
nobilirquico590, ao servio de um Estado que se reforava e burocratizava, mas que
defendia tenazmente um certa ordem social baseada no estatuto e no sangue. Os
instrumentos de controlo social passavam pela vigilncia da prtica religiosa,
catequese, a confisso, a delao, audio e presena na liturgia. Na interpretao
que faz dos factos, a investigadora Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, defende que o
santo Ofcio iria ser uma espada de Dmocles estendida sobre ambos os grupos em
confronto: sobre o maioritrio, numa tentativa de controlar a sua violncia para com
o minoritrio, sobre este, numa exigncia de vigilncia do seu comportamento
religioso, para uma integrao efectiva na unidade que a maioria defendia591
588
Para recolha destes dados, consultamos, Francisco Bettencourt, Histria das Inquisies. Portugal, Espanha
e Itlia, Lisboa, Circulo dos Leitores, 1994, pp.44-47.
589
No essencial, a teoria marxista defende que o Estado uma mquina de represso ao servio das classes
dominantes, que detm nas suas mos o poder. O Estado e os seus instrumentos repressivos asseguram a
dominao da classe dominante sobre as outras, submetendo-as e sujeitando-as extorso e explorao. O
Estado , neste caso, como Marx e os seus seguidores definiram, um Aparelho (de Estado). Escreveu Karl Marx
numa das suas obras: Todas as revolues aperfeioavam esta mquina, em vez de a destruir. Os partidos que
lutavam alternadamente pela dominao, consideravam a tomada de posse deste imenso edifcio do Estado
como presa principal do Vencedor. Veja-se Karl Marx, O 18 de Brumrio de Louis Bonaparte, traduo de
Jos Barata-Moura e Eduardo Chitas, Lisboa, Edies de Avante, 1984, p.125.
Louis Althusser acrescentou ao corpo das instituies que representam o Aparelho repressivo do Estado, os
Aparelhos ideolgicos do Estado: a escola, a imprensa, o corpo jurdico, por exemplo. Vide Louis Althusser,
Ideologia e Aparelhos Ideolgicos do Estado, 3 ed., Lisboa, Editorial Presena/Martins Fontes, imp. 1980, pp.
41-52. Seguindo de perto esta perspectiva, a Inquisio era em simultneo, um Aparelho repressivo e ideolgico.
590
A Inquisio seria, assim, um aparelho de poder das foras sociais que se defendiam, por sua vez, de outras
sociais; a violncia institucionalizada, tal como referimos na nota anterior, como uma arma de poder do poder
institucionalizado: poltico, econmico, cultural e social. Vide as concluses a que chega Jos Veiga Torres, com
base em dados estatsticos, da actuao da Inquisio, ainda que se tenha que ler com alguma cautela, as
generalizaes de dados. Uma Longa Guerra Social: os Ritmos da Represso Inquisitorial em Portugal,,
Revista de Histria Econmica e Social, n. 1, Janiero-Junho de 1978, pp. 55-63.
591
Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, O Compellere Intrare Inquisitorial, Judasmo e Inquisio, ed. cit., p.
180.
151
INQUISIO E INTEGRAO
Nos corredores da Cria romana tem incio, por volta de 1530, uma renhida luta,
que durar mais de uma dcada. A famlia Paz participa ao mais alto nvel no longo
pleito que se trava entre os cristos-novos portugueses e D. Joo III e os seus
enviados diplomticos a Roma. Em discusso, encontrava-se a introduo em
Portugal dum tribunal que julgasse crimes de cariz religioso. O representante dos
cristos-novos em Roma , nada mais, nada menos, um dos homens-fortes dos Paz:
Duarte, pretenso sucessor de seu pai, mestre Joo, frente da famlia. Mas, na
verdade, o seu destino haveria de ser bem outro
A Carta de Marco Vigerio della Rovera, nncio permanente da Santa S, em Portugal, a Jacopo Salviati,
bem um testemunho esclarecedor sobre a forma como os cristos-novos estavam a reunir fundos.
593
A maior parte dos autores denomina este cristo-novo por Duarte da Paz, no entanto, na documentao
manuscrita aparece a designao de Duarte de Paz, tal como outros membros da famlia so citados por de
Paz. Em estudo recente revelmos, com base em documentao indita, novos dados biogrficos sobre Duarte
de Paz. Vide Carlos Manuel Valentim, Duarte de Paz: um lder da comunidade sefardita portuguesa em meados
do sculo XVI, Rumos e Escrita da Histria. Estudos de Homenagem a A. A. Marques de Almeida,
Coordenao de Ftima Reis, Lisboa, Edies Colibri, 2007, pp. 175-190.
594
Vide Alexandre Herculano, Histria da Origem e Estabelecimento da Inquisio em Portugal, introduo de
Jorge Borges de Macedo, Tomo I, Lisboa, Livraria Bertrand, 1979, pp. 243-244.
595
Carta de Marco Vigerio della Rovere Jacopo Salviati, Lisboa, 4-15 de Outubro de 1532, La Correspondance
152
INQUISIO E INTEGRAO
A partir de 1532, e sensivelmente durante os seis anos seguintes, o filho mais
velho de mestre Joo vai desdobrar-se em contactos junto do Papa e dos principais
Prelados da Santa S; luta em prol dos direitos dos cristos-novos, contrariando a
aco dos diplomatas ao servio de D. Joo III; e negoceia e obtm algumas bulas596.
Restam poucas dvidas, que este cristo-novo se encontre no centro da poltica
europeia, encetando contactos ao mais nvel, envolvendo-se com os representantes
dos vrios Estados europeus em Roma, tratando e despachando assuntos
directamente com o Papa e com o governo da Igreja. A sua aco em Roma, diz-nos
muito sobre o imenso poder e protagonismo que a famlia Paz tinha entretanto
amealhando.
Face obstinada poltica galicana levada a cabo pela Coroa portuguesa, Duarte
de Paz vai pugnar pelo perdo absoluto para todos aqueles (cristos-novos) que se
achassem culpados de erros contra a f597. Todavia, o seu exerccio diplomtico nos
corredores da Santa S no ficar isento de controvrsia. Para atingir os objectivos a
que se props, entrou numa perigosa conduta dbia e num incerto jogo duplo. E
ainda que demonstrasse audcia nos crculos diplomticos e polticos de Roma, foi
afastado em 1538 da funo de representante dos cristos-novos. Registe-se, em
abono da justia, as vitrias que alcanou, nomeadamente a publicao de bulas que
consignavam privilgios adquiridos e impediam julgamentos sumrios sem culpa
formada para muitos dos conversos lusitanos.
Enquanto decorrem em Roma as negociaes para o estabelecimento do Tribunal
do Santo Ofcio em Portugal, a Europa encontra-se dilacerada por dissidncias
religiosas e por um conflito blico sem fronteiras entre o Imprio de Carlos V e a
Frana de Francisco I. Cerca de quatro anos antes de Duarte de Paz se entregar
funo de procurador dos cristos-novos, em Maio de 1527, as tropas de Carlos V
haviam saqueado e pilhado a cidade do Tibre, e dois anos depois, a 3 de Agosto de
ds Premiers Nonces Permanents au Portugal 1532-1553, Vol. II- Textos, ed. crtica e notas por Charles-Martial
de Witte, Lisboa, A.PH., 1980, carta 4, p. 17.
596
Est largamente estudado o papel diplomtico que Duarte de Paz desempenhou na Santa S. Entre outros,
Vide Alexandre Herculano, op.cit., pp. 243 e ss., Tomo II, 1981, ed. cit., pp. 9-241; Meyer Kayserling, Histria
dos Judeus em Portugal, Introduo, actualizao e notas de Anita Novinsky, So Paulo, Livraria Pioneira
Editora, 1971, pp. 164-181; Maria Jos Pimenta Ferro Tavares, Inquisio: Antecedentes e Estabelecimento,
Judasmo e Inquisio. Estudos, Lisboa, Editorial Presena, 1987, pp. 128 e ss.; Cecil Roth, Histria dos
Marranos. Os Judeus Secretos da Pennsula Ibrica, traduo de Jos Saraiva, apresentao de Herman P.
Solomon, Porto, Livraria Civilizao, 2001, pp. 63-34.
597
Alexandre Herculano, Histria da Origem e Estabelecimento da Inquisio..., Tomo I, p. 253.
153
INQUISIO E INTEGRAO
1529, era assinado o Tratado de Cambrai, que colocava fim a um primeiro perodo de
disputas pela hegemonia poltica e militar europeia entre aqueles dois soberanos. A
paz, desejada pelas duas partes, esgotadas militar e financeiramente, concedia
Frana o domnio sobre a Borgonha, mas consagrava a supremacia espanhola nos
territrios italianos598. As dissidncias entre os Valois e os Habsburgos prosseguiriam
nos anos seguintes, por entre uma Europa profundamente dividida, dominada pela
Reforma e pelo reposicionamento religioso das vrias monarquias que se
encontravam em processo de reforo das suas estruturas polticas e institucionais , e
assolada pelas guerras no Imprio Alemo, na Itlia e nos Pases Baixos, temendo o
avano otomano a partir do Mediterrneo Oriental e dos Balcs.
A Itlia que Duarte de Paz vai encontrar, dividida numa multiplicidade de
cidados-estado, ducados, territrios do Imperador Sacro Romano Germano e do
Papa, o centro de um movimento cultural europeu sem precedentes, marcado por
grandiosas obras de engenharia, um rentvel mercado de Arte e um florescente
negcio de edies impressas que facilitado pelas inmeras cortes de prncipes,
cardiais e bispos, o interesse de mosteiros, universidades, academias e da corte
papal599.
Este cristo-novo que ganhou a confiana da comunidade crist-nova portuguesa
e do Rei o elemento da famlia Paz mais conhecido. Alexandre Herculano, que
estudou pormenorizadamente todos os acontecimentos que conduziram bula que
instituiu definitivamente a Inquisio em Portugal no ano de 1536, refere-se a Duarte
de Paz do seguinte modo: () Generoso no trato, bizarro no jogo, audaz, astucioso,
eloquente e activo, [] tinha os dotes mais eficazes para sair com seus intentos na cria
romana. [] Sabemos s que exercia um cargo de certa importncia, de justia ou de
administrao, e que foi cavaleiro da Ordem de Cristo [].600
Estas asseres de Herculano foram seguidas pela historiografia, que sempre
sobrelevou a origem obscura do representante dos cristos-novos. Na realidade,
desde os estudos do historiador oitocentista, pouco se progrediu no conhecimento
598
Veja-se Henri Lapeyre, Las Monarquias europeas del siglo XVI. Las relaciones internacionales, Barcelona,
Editorial Labor, 1969, pp. 76-79.
599
Vide Peter Burke, The European Renaissance. Centres e Peripheries, Oxford- Massachussetts, 1998, pp. 1011.
600
Alexandre Herculano, Op. cit. p. 244.
154
INQUISIO E INTEGRAO
desta figura601. Meyer Kayserling (1829-1905), contemporneo do grande historiador
portugus, acrescentou alguns traos definio do perfil fsico de Duarte de Paz,
descrevendo-o: De aparncia imponente, apesar de ter perdido uma vista na guerra, belo,
de maneiras finas e cativantes, era tambm corajoso, activo, impetuoso e loquaz.602
Sabemos agora, aps um estudo mais profundo, que o lder dos conversos
ocupou vrios cargos militares e civis, acompanhou o Duque de Bragana em 1513 na
conquista de Azamor, e evidenciando-se nas campanhas do Norte de frica, onde
perdeu uma vista. Envergava o hbito da Ordem de Cristo, tudo indica, ganho pelo
servio militar na praa de Mazago603. Quando regressou ao reino, foi
recompensado pelos seus desempenhos, com um cargo na Recebedoria da meia
dzima, meia sisa e direitos das sedas de Castela. Passou a dedicar-se, em simultneo,
aos negcios ultramarinos. Faz-se armador, equipando naus que amide demandam
a Flandres, transportando produtos da costa ocidental africana.
Antes de partir para Roma, Duarte de Paz nomeado feitor da Alfndega dos
panos, mararia e herdades da cidade do Porto, por carta de 23 de Julho de 1529604,
cargo herdado, trs anos depois, pelo seu irmo Diogo605, e que pertencera ao tio de
ambos, Diogo de Paz, recebedor do almoxarifado da Comarca e da Alfndega do
Porto606.
D. Joo III, numa magnnima atitude, querendo conceder mais benesses ao filho
mais velho de mestre Joo, permite em 1530 que usufrua de todos os privilgios de
cavaleiro, mesmo que no tivesse cavalo607. Sinal claro que os servios prestados
Coroa pelo futuro representante dos cristos-novos eram tidos em alta conta.
Progrediu-se muito, ultimamente, no conhecimento desta figura, a todos os
ttulos impar. O Dr. James Nelson Novoa, investigando os fundos do Arquivo do
Vaticano, encontrou os breves concedidos pelos Papas a Duarte de Paz e publicou-os
601
Vide, por exemplo, Elis Davis, Paz, Duarte da, Encyclopaedia Judaica, vol. 13, ed. Cecil Roth, Jerusalem,
Keter Publishing House New York : MacMillan, 1971, p.194.
602
Meyer Kayserling, Histria dos Judeus em Portugal ., p.164.
603
D. Martinho de Portugal em carta a D. Joo III, enviada de Roma, com data de 14 de Maro de 1535, Corpo
Diplomtico Portugus, publicado por Luiz Augusto Rebello da Silva, Tomo III, Lisboa Typographia Real das
Sciencias, 1868, p.185.
604
A.NTT, Chancelaria de D. Joo III, liv. 48, fol. 41; A. Braamcamp Freire, Envenenado in Op. cit., I, pp.
234-235
605
A.NTT., Chancelaria de D. Joo III, Liv. 16 fl. 97.
606
Arquivo Histrico Portugus, Cartas de Quitao, Vol. IX, 1914, carta n. 681, p. 434.
607
Idem, Ibidem, Liv. 52, fl. 130.
155
INQUISIO E INTEGRAO
em dois trabalhos608. Alguns destes documentos, salvo-condutos que possibilitavam
a Duarte de Paz viajar de um para o outro lugar nos territrios pontifcios e pela
Europa, informam-nos sobre os seus contactos e deslocaes. Mas ilustram tambm,
que Duarte tinha imensos apoios nos Cria romana. A 16 de Novembro o seu salvoconduto possibilitava-lhe permanecer, livremente, na cidade eterna609.
As actividades deste cristo novo coincidem com os pontificados de Clemente
VII (1523-1534) e de Paulo III (1534-1549). As imunidades que alcana e os
documentos que obtm dos Papas, no deixam de ser surpreendentes. A 15 de
Dezembro de 1536, o papa Paulo III decretou que Duarte de Paz e a sua famlia s
podiam ser julgados unicamente pelo irmo do Rei, Henrique, bispo de Braga (15121580), e pelos seus sucessores. Lembre-se que Braga ficava dentro da rea de
influncia dos Paz. No ano seguinte o mesmo Pontfice confirmou o hbito da Ordem
de Cristo a Duarte de Paz, permitindo-lhe usar as insgnias, ao mesmo tempo que
relembrava os seus servios em frica em luta contra os mouros, num breve
datado de 30 de Novembro de 1537610.
Estes documentos encontrados no arquivo do Vaticano, como referido em passo
anterior, so relevantes para compreendermos a actuao de Duarte de Paz, mas
talvez o facto de suma importncia, que nos ajuda a entender as suas controvrsias e
as suas atitudes, seja a sua insero na famlia Paz. Estar a a chave da sua
actuao. O representante dos cristos-novos podia mover-se muito bem entre o mais
altos prelados, mas o seu destino continuava a depender do que se estava a passar
em Portugal. So os acontecimentos no Norte e em Lisboa, que marcam a cadncia
dos seus contactos, denunciando as divises em que os conversos haviam
mergulhado. Como no passo seguinte se explicita.
Retratado pela historiografia como um traidor da causa dos cristos-novos
portugueses, e um homem de poucos escrpulos, Herculano, J. Lcio de Azevedo,
Cecil Roth, entre outros, no lhe pouparam crticas. Porm, no olharam fundo para
a realidade, e nem sequer compararam a sua actuao com a do representante dos
608
James W. Nelson Novoa, The Departure of Duarte de Paz from Rome according to documents from the
Achivio Segredo del Vaticano , Cadernos de Estudos Sefarditas n. 7, 2008, no prelo; Idem, The Vatican
Secret Archive as a source for the hystory of the activities of the agentes of Portuguese New Christians (15321549), Revista do Archivio do Vaticano, no prelo. Agradeo ao Dr. James Nelson Novoa, ter-me facultado o
acesso aos seus estudos, antes da sua publicao formal.
609
Idem, The Departure of Duarte de Paz...p. 3.
610
idem,ibidem,, p. 4.
156
INQUISIO E INTEGRAO
cristos-novos que se seguiu, Diogo Antnio611, o que no era muito difcil fazer.
que o novo agente diplomtico dos conversos portugueses, que toma conta do cargo
em 1538, tambm se preocupou principalmente com a sua famlia, nomeadamente,
tentando resgatar o seu pai da priso, onde se encontrava guarda da Inquisio de
Coimbra. Novamente as controvrsias emergem, e mais uma vez, desta feita em
1542, afastado um representante diplomtico dos conversos, sem que se tenha
alcanado algo de substancial para a causa dos crsitos-novos. Bem pelo contrrio, a
comunidade est mais dividida que nunca. Em 1539, na cidade de Lisboa, so
encontrados cartazes provocadores colados nas portas das igrejas, colocados por um
cristo-novo612, despolopando em seguida um clima de conflitualidade civil.
De que forma podemos ler estes acontecimentos? Continuamos a pensar que a
soluo se encontra na forma como se posicionaram as famlias de cristos-novos e
dos interesses financeiros, sociais, econmicos que defendiam, juntamente com as
redes clientelares em que se integravam.
Foi o Professor Jorge Borges de Macedo quem chamou a ateno para o papel que
os factores externos tiveram em todo o ambiente que rodeou a complexa questo
religiosa e social dos cristos-novos e o estabelecimento da Inquisio em Portugal,
advertindo que o antagonismo aos cristos-novos se decompe em diversas razes,
conforme os lugares, as pocas e os interessados613. Uma das circunstncias que
aquele Professor reala para a compreenso do problema o desinteresse
manifestado pela realeza por Marrocos, partir de 1530 (que coevo da perseguio
aos marranos), e a subsequente retirada militar e abandono da maior parte das
praas norte -africanas em poder dos portugueses. Dispensados da colaborao
estratgica que at a tinham prestado, nesses locais, eram-lhes agora, em
acrescento, assacados os prejuzos dos desastres militares e econmicos no Oriente
devido aos contactos privilegiados que mantinham com o Imprio Otomano e o
Mediterrneo614.
611
Sobre a actuao de Diogo Antnio, veja-se James W. Nelson Novoa The Vatican Secret Archive as a source
for the hystory of the activities of the agentes of Portuguese New Christians (1532-1549).
612
Cecil Roth, Histria dos Marranos, p. 65.
613
Jorge Borges de Macedo, A Tentativa Histrica Da Origem e Estabelecimento da Inquisio em Portugal
e as Insistncias Polmicas, in Alexandre Herculano, Histria da Origem e Estabelecimento da Inquisio em
Portugal, Ed. cit., Tomo I, p. LII.
614
Idem, Ibidem, p. LIV.
157
INQUISIO E INTEGRAO
Baseando-se nas linhas de fora da poltica externa portuguesa para compreender
os factores internos, o professor Borges de Macedo vai mais longe no seu modelo
explicativo. Se a poltica externa lusitana se alicerava na exclusividade do trfego
martimo, no menos verdade que essa dependncia cindiu o pas que, centrado em
Lisboa e no seu porto martimo, se articulava mal com o interior, particularmente
com uma fileira de cidades junto fronteira terrestre, excludas do comrcio
ocenico, e que construam os seus prprios mercados internos615. A distino entre o
interior, agrcola e regional, de mercados ricos mas especficos, e os interesses
porturios centrados nos circuitos mercantis internacionais, fazia vacilar a unidade
do Reino, criando a necessidade de uma unificao, ainda que artificial, da
comunidade portuguesa. Decorre daqui a introduo do Santo Ofcio em Portugal,
segundo Jorge Borges de Macedo, e nessa conjuntura que se esboa a poltica
externa de D. Joo III junto do Papa616.
Ora, o modelo do Professor Jorge Borges de Macedo poder, de facto, encaixar
no percurso do cristo-novo Duarte de Paz, que tinha os seus interesses divididos
entre Marrocos e o interior do Pas, entre os mercados internos e externos, entre os
circuitos do comrcio local e as redes de comrcio internacional617. No explicar,
esta posio de charneira, a postura tambm ela ambgua, que Duarte de Paz se
esforar por manter diante da Coroa e da comunidade de que era porta-voz? Por
um lado, junto do Rei estavam salvaguardadas as vias comerciais internacionais, mas
por outro, com a aposta da Coroa nos circuitos martimos, desguarnecia-se o interior,
desarticulava-se o comrcio junto fronteira, que famlias como os Paz haviam
apostado durante dcadas.
Quer-nos parecer que alguns ncleos familiares de conversos estavam entre os
que, na sociedade quinhentista portuguesa, melhor podiam fazer a ponte entre o
interior, rural e regional, de circuitos especficos, onde se formavam redes comerciais,
e o litoral, em ligao com os mercados internacionais. Quer-nos tambm parecer que
615
Idem, Histria Diplomtica Portuguesa. Constantes e Linhas de Fora. Estudo de Geopoltica, [s. loc.],
Edio da Revista Nao e Defesa, [s.dt.], p. 91.
616
Idem, Ibidem, p. 92.
617
Sobre as redes internacionais de comrcio sefarditas, Cfr. A. A. Marques de Almeida, O Zango e o Mel.
Uma Metfora sobre a dispora sefardita e a formao das elites financeiras na Europa (sculos XV a XVII),
Oceanos, n. 29, Janeiro/Maro, 1997, p. 26.
158
INQUISIO E INTEGRAO
o que mais se ajustava aos interesses da maior parte618 dos cristos-novos
portugueses era um equilbrio entre os dois vectores, entre estas duas realidades, que
se complementavam. Contudo, ao Rei s lhe interessava um desses plos. Assim, a
partir de 1530, com a Coroa a achar que o mais importante era salvaguardar a rota
das especiarias, como defendido por Jorge Borges de Macedo619, a balana pende
definitivamente para um dos lados, tornando-se difcil sustentar uma posio de
equilbrio, sobretudo quando essa mesma Coroa tudo faz para controlar o comrcio
martimo, impondo regras. A Coroa arma os navios (haver algumas excepes neste
campo) da Rota do Cabo, faz a compra das mercadorias e dos metais preciosos que se
destinam ao Oriente para a troca, e monopoliza o processo de importao, e posterior
venda, das especiarias. A mquina estatal, a partir de ento, tudo faz para controlar o
comrcio externo mas, paradoxalmente, o capital sefardita continuava a ser
necessrio aos exauridos cofres da Coroa portuguesa.
Como se posicionam as vrias famlias de cristos -novos diante do novo
panorama? Em 1532, Diogo Mendes preso em Anturpia, e nesse mesmo ano
Duarte de Paz aparece em Roma. Nos anos seguintes, assiste-se a um progressivo
desalinhamento no seio das elites conversas, cada uma das partes a defender os seus
pontos de vista. Seria til termos a descrio dos negcios do pai de Diogo Antnio
ou de Diogo Fernandes Netto, para entendermos melhor a sua actuao em Roma.
Quanto a Duarte de Paz e sua famlia, que se concentrava no Porto, vo entrar num
perodo de dificuldades, em que se salvar os lugares que dispem na Alfandega do
Porto e pouco mais. H, de facto um processo de retraco de um Entre Douro e
Minho alargado para a cidade do Porto. Outras famlias da regio sentem-se
preocupadas com o novo panorama. Em 1534, o infante D. Lus, que vivia
conjugalmente com uma crist-nova, Violante Gomes, de excepcional beleza,
segundo os cronistas, contactado pelos cristos-novos, que lhe solicitam auxlio620.
Em Trs-os-Montes, e um pouco por todo o vale do Douro, de onde Violante
Gomes era oriunda, radicava-se, como se sabe, um prspero grupo de cristos-novos,
618
Nem todos, j que famlias como os Mendes Benveniste estariam muito mais atentas ao trfico internacional.
Jorges Borges de Macedo, Histria Diplomtica, Constantes e Linhas de Fora. p. 89
620
Para um aprofundamento maior desta questo Veja-se Carlos Manuel Valentim, O Infante D. Lus e a
investigao do mar no Renascimento. Dados para uma biografia completa, Lisboa, Academia de Marinha,
2005.
619
159
INQUISIO E INTEGRAO
que controlava muitos dos negcios que eram feitos no Reino, e do Reino com o
exterior, nomeadamente com a vizinha Espanha.
Os amores de um membro da Realeza por uma crist-nova, escondem,
possivelmente, uma realidade muito mais complexa e profunda do que aquela que
primeira vista se possa pensar, nas relaes que D. Lus manteve com os homens da
nao. Registe-se, em abone da verdade, a sua interveno junto de D. Joo III, para
que o perdo comunidade conversa fosse extensvel at publicao da bula da
Inquisio, a 22 de Outubro de 1536. Referia o infante D.Lus em carta a seu irmo, o
perigo de muitos partirem: E alem de se perderem as almas que he o pryncypal estes
reynos de Vossa Alteza receberyam muito grande falta de dinheyro e gente que delles se a de
tyrar e perque nesta materea se trata dalmas e do servyo de Nosso Senhor e de Vossa Alteza
pareceo-me que lhe nam devya falar nella sem prymeyro acuydar tanto que abastasse para eu
fycar seguro se Nosso Senhor me desse culpa no que dygo fosse antes de inorante que de
neglygente.621
Em Roma, entretanto, decidi-se o futuro de muitos negcios, da liberdade de
actuao, dos futuros alinhamentos polticos e clientelares, entre os anos de15321536. Duarte de Paz no foi o nico membro da famlia Paz a interessar-se pela
questo da vinda da Inquisio para Portugal. Em meados de 1536, Diogo de Paz
contacta o nncio da Santa S, Marco della Ruvere, que se encontrava em Braga, para
se inteirar das negociaes quanto vinda para Portugal da Inquisio. Marco
Vigerio della Rovera em carta a Ambrogio Ricalto, noticia o encontro com Diogo de
Paz.
Depoi chebbi spedito di Braccara, volsi saper da Diego de Paz, fratello del
commendadore, che era uno de quelli che nel Porto mi haveano fatto instantia volessi
intertenermi nel viaggio, se l si era conclusa cosa alcuma.622
Depreendemos que no Porto os cristos-novos estavam ansiosos por saber do
andamento das negociaes, entre a Santa S e Portugal, sobre o estabelecimento da
621
As Gavetas da Torre do Tombo, Lisboa, Centro de Estudos Histricos Ultramarinos, 1960, Vol. I,
p.262.
622
Veja-se La Correspondance des Primiers Nonces Permanents au Portugal, 1532-1553, Ed. crtica de
Charles Martial de Witte, vol. II, Lisboa, Academia Portuguesa de Histria, 1986, Carta n. 49, p.180. Importa
acrescentar, que este nncio estava envolvido em contactos com os lderes dos cristos-novos (entre outros
encontrava-se Diogo de Paz, irmo de Duarte de Paz), em vrias partes do Reino: Braga, Porto, vora, para que
esta cedesse mais fundos para o Papado. Projectava o nncio deslocar-se tambm Flandres para entabular
negociaes com Francisco Mendes e a sua cunhada. V. Alexandre Herculano, Op. cit., tomo II, pp. 140-144.
160
INQUISIO E INTEGRAO
Inquisio em territrio portugus. Este interesse de Diogo de Paz, leva-nos a pensar
que a famlia de mestre Joo - que ainda se encontrava vivo, mas muito doente,
funda nesse ano a capela em S. Francisco - temia a vinda do tribunal religioso.
Porque razo? Teriam abandonando os ritos judaicos? Ou pressentiriam que a partir
do momento em que a Inquisio entrasse em solo portugus jamais teriam
descanso?
Acresce, que esse envolvimento tambm nos elucida, pensamos, quanto
liderana da famlia no seio dos cristos-novos portugueses. O papel que Duarte de
Paz como representante dos conversos, poder querer dizer que a sua famlia se
encontrava, na transio do primeiro para o segundo quartel do sculo XVI, inserida
nas redes de comrcio internacional, dominadas por uma elite financeira sefardita
que se disseminara por vrios pontos da nova economia-mundo e controlava os
mercados internacionais que as navegaes ocenicas haviam propiciado, numa
economia-mundo com sede em Anturpia.
Desta forma, compreender-se- certamente melhor, quando a minoria sefardita
ainda se mantm coesa, porque que Duarte de Paz recebe fundos para defender os
interesses dos cristos-novos junto do Papa, das mos do cristo-novo Diogo
Mendes, da poderosa famlia Mendes Benveniste623, ento um dos mercadores mais
activos na Europa.
623
Poderosa famlia de mercadores-banqueiros, com razes em Arago, cujo patriarca, Abrao Benveniste, fora
tesoureiro nesse reino. Em 1492 vm para Portugal, fugindo Inquisio. Os seus membros tiveram um elevado
protagonismo. Dispuseram de relaes privilegiadas com os mais poderosos soberanos europeus, inclusive com
o senhor da Europa, o todo-poderoso imperador Carlos V. Tais relaes de proximidade deviam-se aos
emprstimos que concediam a estes monarcas. Mas os irmos Francisco e Diogo Mendes, comeam por se
interessar pelo comrcio da especiaria. Tal comrcio est no centro dos seus negcios. Diogo, que era uma
personagem muito bem vista num mundo dos negcios, passa a residir em 1512 na cidade de Anturpia,
contactando e negociando com as principais casas comerciais alems; Francisco, vivendo em Lisboa, est atento
ao comrcio no ndico, servindo de ligao com os navios e os produtos que a so carregados. A influncia
desta famlia na Bolsa de Anturpia tambm se faz sentir;. Diogo Mendes trata de igual para igual com o rei de
Portugal, monopolizando a venda das suas mercadorias. Os dois irmos vieram a casar com duas irms, Brianda
e Beatriz de Luna. Esta ltima, que na dispora, reconvertida ao judasmo, adoptar o nome de Grcia Nasci,
torna-se uma importante mulher de negcios. Com o seu sobrinho, Joo Micas, que adoptou o nome hebraico de
Joseph Nasci - tendo ambos procurado refugio no Imprio Otomano gere as empresas da famlia.
Esta famlia tem motivado diversos e variados estudos. Veja-se a este respeito a recolha de bibliografia feita por
Florbela Veiga Frade e Susana Bastos Mateus, Bibliografia sobre a famlia Mendes Benveniste no sculo XVI,
Cadernos de Estudos Sefarditas n. 3, 2003, pp. 157-183. Sobre a aco comercial e os relacionamentos polticos
e econmicos na Flandres por parte de Diogo e Francisco Mendes, Vide J. A. Goris, tude sur les Colonies
Marchandes Mridionales (Portugais, Espagnols, Italiens) Anvers de 1488 a 1567, Lovain, Librarie
Universitaire, 1925, pp. 562 e ss. Remetemos tambm para dois dos ltimos estudos sobre esta famlia: Hermon
Salomon e Aron Leoni, Mendes, Benveniste, de Luna, Micas, Nasci: the State of the Art (1532-1558), The
Jewish Quartely Review, vol. LXXXVIII, n. 3-4, Pennsylvania, Jan-Abr. 1998, pp. 135-211 (com abundante
documentao em apndice); e Florbela Veiga Frade Uma famlia Sefardita do Sculo XVI..., Cadernos de
161
INQUISIO E INTEGRAO
Constam em Roma dois breves enviados a Maria, rainha da Hungria e
governadora dos Pases Baixos (1531-1555), que permitem a Duarte de Paz viajar
para Anturpia em 1538, com o apoio de cardeal Pierpaolo, conhecido protector dos
cristos-novos624. Ser nesta altura que o filho de mestre Joo se encontra os Mendes
Benveniste, ou teria sido num perodo anterior?
Foi em Anturpia que Duarte de Paz entrou em contacto com Diogo Mendes. Na
cidade do Escalda estava instalada uma colnia de marranos, com cerca de uma
dezena de indivduos servindo de intermedirios; so agentes de imigrao,
informando os da sua nao o que se passa na cristandade, e as suas mercadorias
tm como destino a Itlia625.
na cidade de vora onde se encontra a residir, que Diogo Mendes rene os
fundos necessrios para a defesa dos seus correligionrios, entregando, juntamente
com a sua cunhada Beatriz de Luna, a soma aproximada de 5.000 ducados a Duarte
de Paz626.
O mesmo tipo de raciocnio se aplica partida, mais tarde, de Tom Pegado de
Paz, filho mais velho de Duarte, para a Turquia, quando os Mendes Benveniste
(Nasci) para a se deslocarem na segunda metade do sculo XVI. a partir desse
espao que os Nasci vo dominar uma ampla rede de comrcio e informao que se
liga a vrios pontos da Europa627. Estes dois factos situam-nos diante da
convergncia de interesses, ainda que nem sempre coincidentes628, entre as duas
famlias, como veremos adiante.
J a Inquisio havia entrado em Portugal, Duarte de Paz tenta acautelar a
segurana da sua famlia obtendo, a 15 de Dezembro de 1536, um breve de iseno,
para todos os membros, da pena de excomunho e da jurisdio da Inquisio629.
Estudos Sefarditas n 3, pp. 127-155.
624
James W. Nelson Novoa, The Departure of Duarte de Paz from Rome according to documents from the
Achivio Segredo del Vaticano , Cadernos de Estudos Sefarditas n. 7, 2008, no prelo
625
J. A. Goris, Op. cit., pp. 560-561.
626
Idem, ibidem, p. 654; Lcio de Azevedo, Histria dos Cristos -Novos Portugueses, Lisboa, Livraria
Clssica, 2 ed. 1975, p. 122.
627
Vide Jos Alberto Rodrigues da Silva Tavim, Judeus e Cristos-Novos de Cochim Histria e Memria (15001662), Braga, Edies APPACDM (Associao Portuguesa de Pais e Amigos do Cidado Deficiente Mental)
Distrital De Braga, 2003, p. 211.
628
Os Mendes Benvenistes com mais interesses na finana internacional, os Paz mais afactos ao mercado
nacional.
629
Veja-se o documento em latim publicado em The Apostolic See and Jews. Documents: 1522-1538, Studies
and Texts, Pontifical Institute of Medieval Studies, Vol. 4, 1990, pp. 2049-2053. Agradeo ao Dr.James Nelson
esta informao e o acesso que a ela tive por fotocpia.
162
INQUISIO E INTEGRAO
Em Roma, Duarte de Paz era muito bem visto pelo Papa e pelos Cardeais630, o que
confirmado por D. Martinho de Portugal: todos quantos h, cardeais e no cardeais, o
fauorecem631. Oferecia festas e ostentava, com documentos comprovativos, a
comenda da Ordem de Cristo, o que enfurecia o monarca que, perante a sua
ausncia, descarregou a ira sobre a famlia Paz632. Em Roma, os enviados da Coroa
recebiam a notcia que haviam sido retirados todos os ttulos e honras ao converso
portugus. Na Torre do Tombo, no acervo documental do corpo cronolgico,
encontra-se uma carta da autoria de Duarte de Paz. Datada de 10 de Junho de 1532633,
a missiva revela uma estratgia deliberada, por parte de Duarte de Paz, de ganhar o
tempo necessrio para que no se publique uma bula papal a autorizar o
estabelecimento da Inquisio em Portugal. Com esse intuito, oferece os seus
prstimos a D. Joo III e nega acusaes de falsidade e conduta perversa, revelando
inclusive aspectos militares e estratgicos relacionados com a construo de um
castelo, por parte do Papa.
Entretanto, entrara em funcionamento o temido Tribunal (1536). Duarte de Paz,
dispensado pela comunidade crist-nova, nunca mais regressar a Portugal. De
seguida agredido violentamente por um grupo de homens mascarados que lhe
infligem quinze punhaladas, em 1538. O cristo-novo defendeu-se bem, salvando-o
uma armadura que trazia por debaixo da roupa. Socorrido de imediato, convalesce
no Castelo de Santo ngelo, sob os cuidados dos enviados do Papa Paulo III.
Recuperado, vai inicialmente para Ferrara, onde ter voltado a casar. No ano
seguinte parte para Veneza.
Votado ao ostracismo pela maioria dos cristos-novos desde meados de 1539,
que o acusavam de utilizar indevidamente os dinheiros que lhe eram entregues,
pressionado a abandonar Roma, desapontado, Duarte de Paz vai para Istambul. No
Imprio Otomano, regressa ao judasmo e adopta o nome de David Bueno. Acalenta
a esperana de um dia voltar para junto da famlia. O que o leva a enviar epstolas
630
O que testemunhado por Immanuel Aboab, Nomologia. Os Discursos Legales Compuestos pelo Virtuozo
H.H. Imanuel Aboab D.G.M., segunda Edicion Coregida e emendada por Raby, Dr. Ischak Lopes en Amsterdam
A 5487, p. 315.
631
D. Martinho de Portugal em carta a D. Joo III, enviada de Roma, com data de 13 de Setembro de 1535,
Corpo Diplomtico Portugus, publicado por Luiz Augusto Rebello da Silva, Tomo III, Lisboa Typographia
Real das Sciencias, 1868, p.250.
Carta de
632
Lcio de Azevedo, Histria dos Cristos Novos Portugueses, [], p. 78
633
ANTT Corpo Cronolgico, 3 parte Mao 49, doc. 20.
163
INQUISIO E INTEGRAO
sucessivas a D. Joo III. Mais uma vez, oferecendo servios diplomticos e de
espionagem e denunciando cristos-novos que, de Portugal, tinham ido viver e
comerciar para o Imprio turco634. Uma das cartas que at ns chegou, escrita de
Alepo, tem a data de 1545, e faz referncia a D. Afonso de Lencastre , que tomou o
lugar de embaixador em Roma no ano de 1551635. Como Jos Alberto Tavim
reparou636, h uma contradio nas datas que, em nosso entender, se ficou a dever,
talvez, ao copista. E se assim foi, a missiva enviada por Duarte de Paz expedida
pouco tempo antes do seu filho chegar ao Imprio Turco (1552). Duarte de Paz nunca
mais regressar a Portugal, acabando nos ltimos anos de vida637 por se converter ao
islamismo638.
Diplomata controverso, que tentou inviabilizar o estabelecimento da Inquisio
em Portugal, este lder639 sefardita teve um percurso de vida peculiar. Alcana
algumas vitrias quando, com pouco tempo decorrido desde que chegara a Roma,
expedido, por Clemento VII, a 17 de Outubro de 1532, o breve Nuper Fidei Catholicae,
que suspendia os efeitos da bula sobre a Inquisio e inibia o inquisidor-geral, Fr.
Diogo da Silva, e outros, de atentarem contra os conversos640; no ano seguinte, a 7 de
Abril de 1533, publicada a bula Sampiterno Regi, com perdo geral dos cristosnovos, recordando-se no texto que muitos de entre eles tinham sido coagidos a
receber o baptismo cerca de quarenta anos antes. Estes documentos contrariavam as
pretenses dos diplomatas de D. Joo III em Roma D. Martinho de Portugal e o
cardeal Santiquatro, mas no impediram a vinda da Inquisio para Portugal, anos
mais tarde (1536). A Coroa portuguesa via satisfeitas, dessa forma, a suas pretenses.
634
164
INQUISIO E INTEGRAO
Sobre os aspectos econmicos desta viragem. Vide Vitorino Magalhes Godinho, A Viragem mundial de
1517-1524 e o imprio portugus, Ensaios II, 1 ed. Lisboa, S da Costa, 1968, pp. 188-189; do mesmo autor
Flutuaes econmicas e devir estrutural do sculo XV ao sculo XVII, ibidem, pp. 245-280. Veja-se tambm
Aurlio de Oliveira, O Tempo Econmico no Tempo de Gil Vicente, Revista de Guimares, n. 112, Jan.-Dez.
2002, pp. 229-304. Cfr. Os quadros em apndice, sobre as flutuaes econmicas, que fizemos com base nos
dados fornecidos pelos estudos do professor Vitorino Magalhes Godinho.
642
A. A. Marques de Almeida, O Zango e o Mel, p. 33.
643
Idem, ibidem, pp. 25-35.
165
INQUISIO E INTEGRAO
do Mar do Norte644 . esta uma das razes que leva de imediato D. Joo III a
interceder pela libertao de Diogo Mendes junto do seu cunhado, o imperador
Carlos V.
O mundo est a mudar, a partir do segundo quartel do sculo XVI, como
demonstrou o Professor Vitorino Magalhes Godinho. s fases depressivas seguemse em alternncia curvas ascendentes, que no seu conjunto compem os ciclos da
vida econmica. Mas o que interessa realar, para compreender como a famlia Paz
foi tocada por estas mudanas, que no espao temporal abrangido pela governao
de Joo III (1521-1557), coincidente com esta fase645 em que uma depresso faz a sua
erupo, que se vo suceder implicaes nefastas para o aparelho de Estado e para a
economia, espao imperial incluso, tornando-se difcil a recuperao. Atente-se na
circulao dos metais preciosos. Em 1525/6 a escassez da prata alem e o
esgotamento do ouro da Costa da Mina, metais utilizados na compra de especiarias e
de outros produtos de que Portugal era deficitrio, condiciona a circulao de
mercadorias. Acresce a concorrncia simultnea de dois novos espaos polticos. Na
Europa Ocidental, Carlos V rene, numa nica entidade poltica, os principados,
cidades e bispados alems, a Flandres, o Franco-Condado, as Duas Siclias, o Ducado
de Milo, a Espanha unificada e todo o seu imprio das ndias do Novo Mundo646; no
Mediterrneo Oriental, o Imprio Otomano conquista a Sria e o Egipto, e abre uma
porta para o ndico atravs do Mar Vermelho, enquanto intervm no Norte de frica.
Eis dois novos actores no palco das relaes internacionais. Dois novos concorrentes
de peso para Portugal, nas esferas poltica e econmica, que colocam novos desafios
s ambies imperiais de Portugal e das suas elites sociais e econmicas.
644
Os Mendes controlam a partir de 1525 o pingue comrcio das especiarias. D. Joo III estava refm, no que
aos aspectos financeiros e comerciais dizia respeito, destas duas Casas de mercadores -banqueiros
(Mendes/Affatadi), dependendo dos seus capitais e dos produtos que forneciam para o comrcio com o Oriente.
Vide J. A. Goris, Op. cit. pp. 562-564. O Professor A. A. Marques de Almeida estudou o papel destas famlias no
comrcio das especiarias, Veja-se Capitais e Capitalistas no Comrcio da Especiaria, ed. cit., pp. 45-47.
645
O Mundo est a mudar, por alturas de 1521. A Frase de Vitorino Magalhes Godinho, A Viragem
mundial de 1517-1524 e o imprio portugus, p. 141. Neste ano, o primeiro do seu governo, D. Joo III deparase no s com a emergncia de uma nova realidade europeia, que j vinha tomando forma nos ltimos anos do
reinando do seu pai, como tambm mudanas que ameaavam abalar as estruturas socio-econmicas vigentes.
As dificuldades espreitavam, na verdade. Fontes da poca deixaram registado que foi o ano de 1521 rico e
prspero de festas [], mas to pobre e estril dos fruitos da terra, no s em Portugal mas por toda a Espanha
e at em frica, que deu manifesto e triste agouro da infelicidade em que havia de acabar [o reinado de D. Joo
III]. Francisco de Andrada, introduo e reviso de Manuel Lopes de Almeida, Porto, Lello & Irmo Editores,
1976, p. 7.
646
A Espanha imperial de Carlos V desequilibra nitidamente a seu favor todo o quadro geo-estratgico
peninsular e at Europeu.
166
INQUISIO E INTEGRAO
A ltima depresso a atingir o reinado do Piedoso, denominada de viragem
estrutural, verifica-se entre 1545/47 e 1551/53. Nada voltar a ser como dantes. So
seis anos de mudanas contundentes647. Desenha-se o fim do domnio luso sobre a
maior parte das cidades do litoral marroquino, como resultado do aparecimento dos
Xarifes do Suz; os ingleses comeam a interferir regularmente nos mercados da frica
Ocidental; mercadores turcos e venezianos instalam-se em Bassor, Ormuz e no
Malabar, ameaando perigosamente o monoplio comercial portugus no ndico; a
Coroa portuguesa encerra a feitoria de Anturpia, sintoma real das dificuldades
financeiras e da diminuio do fluxo de trfico martimo dos produtos ultramarinos.
Os novos tempos obrigavam introduo de reformas profundas, a repensar
seriamente a organizao administrativa do Estado e a controlar os custos com a
manuteno das possesses imperiais que no paravam de aumentar no Atlntico,
no ndico, no Pacfico. A balana comercial, sempre muito deficitria, deparava-se,
pois, com o engrandecimento do oneroso da burocracia e das estruturas
administrativas do Estado. Para suprimir o deficiente cofre das finanas pblicas, a
Coroa vai contrair emprstimos. Alguns credores so cristos-novos. Mestre Joo de
Paz, vai cobrar uma dvida Coroa, fazendo-se procurador de Lus Vaz de Negro, a 9
de Dezembro de 1527, no almoxarifado da cidade de Bragana, que o fsico conhecia
muito bem. Regista o documento: Lujs Vaz de Negro mercador morador na cidade de
Lixboa o fizera seu procurador bastante [mestre Joo de Paz] pera receber os ditos sesenta
mil reis do dito recebedor dos portos por vertude de hu desembargo e carta asjnada per dom
Rodrigo Lobo Veedor da Fazenda do dito Senhor que hj apresentou resistado como ficavam
carregados no liuro da despesa os ques sesenta mil reis sua alteza lhe mandava pagar da
metade de cemto e vjmte mil reis que emprestara a sua alteza no emprstimo dos christos
novos segundo mais compridamente no dito estromento de prova e aluara de desembarguo se
continha.648
647
H vrios factores que caracterizam esta fase depressiva da economia portuguesa, cujos efeitos levam
falncia das finanas rgias, com impacto decisivo, por sua vez, no sector financeiro e econmico interno e de
todo o Imprio. Entre o fecho da feitoria de Anturpia (1549) e a Casa da ndia (1560), d-se toda uma srie de
acontecimentos sociais, que caminham a par com graves dificuldades do aparelho produtivo e das finanas
pblicas. Veja-se Aurlio de Oliveira, O Tempo Econmico de Gil Vicente, pp. 235-238; Vide tambm A. A.
Marques de Almeida, Finanas Pblicas, Histria de Portugal, Dir. de Joo Medina, loc. cit.
648
ANTT, Corpo Cronolgico, parte II, mao 145, n. 143.
167
INQUISIO E INTEGRAO
Sombart j nos alertara para a apetncia dos judeus pelo comrcio do levantino,
ainda que tivessem sido descobertas novas vias comerciais649. Mas, agora, tudo se
tornara diferente. O sul da pennsula italiana enche-se de cristos-novos - muitos,
seno a maior parte, reconvertendo-se ao judasmo - vindos da Pennsula Ibrica e,
um pouco por todo o Mediterrneo, de Veneza a Npoles, da Siclia a Salnica, de
Istambul ao Chipre o povo de Abrao e Moiss mercadeja l, seda, acar,
especiarias, tudo vende e revende, aproveitando um clima poltico que lhe
favorvel. Nas palavras de Fernand Braudel, os judeus so a primeira rede mercantil
do Mundo, porque esto em todo o lado, tanto nas zonas menos desenvolvidas,
como nos locais mais florescentes650.
As tendncias econmicas adversas no segundo quartel do sculo XVI, com
impacto pernicioso no comrcio internacional, reflectem-se nas receitas dos portos e
almoxarifados portugueses. Se Lisboa se hipertrofia, no menos verdade que se faz
sentir a contraco das receitas no Algarve e um crescimento muito lento no Entre
Douro e Minho. A Beira e Trs-os-Montes defendem-se melhor que o Norte Atlntico espao vital para os Paz , que se encontra claramente em recuo651, quanto
produo de riqueza e s transaces comerciais.
Todas estas mudanas de cariz econmico e social so acompanhadas pelo clima
de confronto religioso que se vive um pouco por toda a Europa. O velho
continente cinde-se em partidos religiosos, movimentos, faces, com diferentes
programas e diferentes vises sobre a melhor forma de reformar a Igreja. Atingidos
pelo debate religioso interno, alguns Estados mergulham em longas guerras
fratricidas que ameaam a sua prpria integridade. A Frana encontra-se na primeira
linha destes conflitos religiosos e das dissenes internas mas, ali ao lado, o Imprio
alemo de Carlos V, que conhecera em primeira-mo as ideias de Lutero, ameaa ruir
como um baralho de cartas, dividido entre bispados, cidades, principados, cada um
destes micro poderes a defender posies diferentes sobre a Reforma religiosa.
neste clima de confronto religioso, por um lado, e de mudana estrutural da
economia mundial, por outro, que introduzida a Inquisio em Portugal, em 1536.
649
Werner Sombart, Les Juifs ..., pp. 31-32 ; Cfr. A. A. Marques de Almeida, Ibidem, p. 33.
Vide Fernand, Braudel, O Mediterrneo e o Mundo Mediterrneo, 2 ed., Vol. II, Lisboa, Publicaes
D.Quixote, 1995, pp. 169-179.
651
Dados avanados por Joo Cordeiro Ferreira, A Receita do Estado Portugus..., p. 49.
650
168
INQUISIO E INTEGRAO
Um Estado confessional vai actuar contra as heresias pelo seu brao religioso,
atravs de um esquema rgido de controlo dos comportamentos sociais, inquirindo,
acusando, prendendo sem culpa formada, violentando indiscriminadamente aqueles
que se haviam convertido em 1496-97 ao cristianismo, ou que se suspeitava que
tivessem antepassados judeus.
O documento que fixa a Inquisio no Porto datado de 30 de Junho de
1541652. Trata-se de uma carta de D. Joo III enviada ao Bispo do Porto, D.Baltazar
Limpo, que estabelece os pontos relativos s prerrogativas e jurisdies do Prelado.
O arcebispado de Braga ficaria sob a alada do Bispado do Porto. O que era uma
novidade. O estabelecimento do tribunal religioso efectiva-se a 13 de Outubro
daquele ano653. Alexandre Herculano v, na actuao do D. Baltazar, uma vingana,
em virtude de um litgio que este mantinha com os cristos-novos da cidade, por
estes pretenderem repovoar a rua de S.Miguel, perto da zona ribeirinha, onde
tratavam dos seus negcios de roupa feita.
Escasseia a informao sobre a actuao do tribunal nos seus primeiros
tempos654. Os autos que foram levantados esto balizados pelas datas de 1541 e 1546,
com uma maior aco dos promotores nos anos de 1542-44655. As denncias so de
carcter mesquinho e ridculo. Muitos dos acusados encontravam-se ausentes,
porque tinham demandado outras terras, para se sentirem mais seguros entre
aqueles que partilhavam a sua condio. Lamego e Lisboa so locais escolhidos para
a fuga Inquisio portuense656, mas Trs-os-Montes, pelo seu perfil fsico e
orogrfico, merecia ateno especial.
Para auxiliar o Bispo do Porto, so nomeados Jorge Rodrigues, como assessor,
o provisor de Braga, o Dr. Gaspar de Carvalho e o prior da Colegiada de Guimares,
bacharel Gomes Afonso. O tribunal passa a funcionar nas pousadas do inquisidor
Jorge Rodrigues, na rua Ch, com audincias dirias de manh e tarde. Em 1544, h
652
Veja-se I.S. Rvah, Uriel da Costa et les Marranes de Porto. Cours au Collge de France 1966-1972, ed. de
Carsten Z. Wilke, Paris, E.C.G., Centre Culturel Gulbenkian, 2004, pp. 152-153
653
Sobre a efmera Inquisio do Porto, Vide Elvira da Cunha de Azevedo Mea, A Inquisio do Porto,
Separata da Revista de Histria, Vol. II, Centro de Histria da Universidade do Porto, 1979, p. 5; e a sntese em
A.C. Barros Basto, A Inquisio do Porto A Inquisio do Porto, Ha-Lapid, rgo da Comunidade Israelita
do Porto, n. 10, Porto Nissan 5688(Abril 1928), pp. 1-2.,
654
Os processos so em nmero reduzido nmero, impossibilitando uma ideia mais abrangente sobre os
interrogatrios e a aco dos inquisidores. Veja-se Elvira da Cunha Azevedo Mea, Op. cit. , p.7.
655
Idem, ibidem, loc. cit.
656
Idem, ibidem, p. 8.
169
INQUISIO E INTEGRAO
notcia de uma priso na rua Escura657. Havia uma certa falta de objectividade na
instaurao dos processos; no se saber o credo era uma agravante658. Dinheiro era o
que no faltava a estes ricos e abastados cristos-novos do Porto. Muitos pagaram as
suas caues, subornaram testemunhas, usaram do seu poder e influncia659. Mas a
violncia com que o tribunal religioso do Porto actuava, no pode ser desvalorizada,
muito menos ocultada. A extorso de dinheiros, em quantidades exorbitantes, pelos
prelados, testemunhada pelos presos vindos de Bragana, Francisco Rodrigues,
tabelio, e Gonalo Lopes, mercador, que encaram a deciso do juiz vender as suas
fazendas como algo injusto, resolvendo apelar para o Cardeal Infante D. Henrique660.
12
Justia Secular
11
Vehementi Suspeitos
Penas no Crcere
Absolvies
Penitncias Espirituais
Degredo
Total de casos
64
Tenho vindo a seguir a professora Elvira Mea, e os dados que o seu estudo veicula, ibidem, p. 9.
Idem, ibidem, p. 11.
659
Idem, ibidem, pp. 12-14.
660
Idem, ibidem, pp. 14-16.
658
170
INQUISIO E INTEGRAO
Os inimigos vo parecer, de facto, em grande nmero, e o Estado, indolente
perante a discriminao, o dio, as acusaes, muitas vezes infundadas, era ele
tambm mais um inimigo.
Durante o sculo XVI, foram aparecendo indcios de uma animosidade crescente
para com os Paz. Em 18 de Outubro de 1501, depois de mestre Joo ter regressado, da
viagem, supostamente, a Calecut, Vasco Fernandes, mercador, morador em Vila Flor,
teve perdo do juramento falso que fizera perante os juzes da Vila, dizendo que no
devia 200 reais a Joo de Paz, por soldada de certo tempo661. At o duque de
Bragana, D. Jaime, entrava no rolo dos devedores. Em Santarm, no ano de 1503,
mestre Toms, cunhado de mestre Joo, fazia-se seu procurador para cobrar uma
dvida que lhe pertencia haver, de certo tempo, do Duque662.
O crdito mal parado, as dvidas famlia, sucediam-se, deixando antever tempos
difceis quando a Inquisio procurasse rus entre os conversos, motivando (falsas)
denncias, acusaes e ajustes de contas.
Sucedia, tambm, que os servios de Duarte de Paz a favor dos cristos-novos, em
Roma, durante os anos trinta do sculo XVI, enfureceram o monarca, que nada
podendo contra o ausente descarregou a ira sobre a famlia (...)663: pais, irmos, tios,
cunhados, sobrinhos. A 9 Junho de 1542, passado que estava um ano desde a entrada
da Inquisio no Porto, D. Joo III envia uma carta a D. Baltazar Limpo, com ordens
expressas para que os parentes mais chegados de Duarte de Paz tivessem de
abandonar Portugal num prazo de trinta dias. Caso no cumprissem a determinao
rgia, seriam condenados a dez anos de degredo na ilha de S. Tom, sem remisso e
com perda de toda a sua fazenda664.
Conhecemos a resposta da Inquisio do Porto, que a 12 de Junho (de 1542)
enderea uma carta ao Rei a informar que convocara, um a um, os elementos da
famlia Paz que viviam na cidade, e os notificara, com um escrivo, da deciso rgia
de que teriam de abandonar o Reino665.
661
171
INQUISIO E INTEGRAO
Diogo de Paz, que liderava a famlia desde a morte de seu pai666, resolve escrever
directamente a D. Joo III. A sua carta, com a data de 15 de Junho de 1542667, d conta
que fora notificado para sair de todos os reinos e senhorios do rei Piedoso, e
abandonar os cargos que detinha. Queixava-se: Diguo que vossa Alteza ysto mamda por
mynha fortuna e meus pecados ou outros mais antiguos me fezeram irmo de Duarte de Paz
que foy solycitador e negociador contra o seruio de Deus e de vossa Alteza e seu guosto que se
deve to bem lembrar que o pay no deue pagar as maldades de seu filho nem o filho de seu pay
muyto menos o jrmo de seu jrmo porque nemhuas leis divinas nem as de vossa Alteza e de
seus anteesores que das de Deus no so afastadas no permytem tal ponyam nem
acustumo de dar tamanha pena honde no h nemhua culpa [].668 E mais frente
argumentava: E se manda ysto por eu cair na comta e regra jerall de meus parentes e dos
outros de minha nao e calidade de que eu cuidava e tinha grande presumam de estar ysento
asy pello que sey de mym como pellas merees e ysemes que desta jeenralydade receby de
Vossa Alteza devyam de valler ante elle a mym e a meus irmos a maneira de que meu pay e
minha may conhecero o engano que erdero dos seus e mudaro sua vyda com tamto prazer e
gosto dEl Rey de samta memorya Voso pay e tamanha honrra e em ela perserveraro ate []
sua morte e nella fizero per que mostraro muy craramente quo bem se tiraro da obrygao
em que nacero e a seus filhos e filhas amostraro seu camynho e trabalharo que fos[s]e por
ele.669
Diogo de Paz assumia a sua condio de descendente de pai e me, judeus, que se
haviam convertido com muito agrado do Rei, e defendia-se fazendo prova do seu
comportamento exemplar e das mercs que tinha amealhado por servios distintos
Coroa.
D. Joo III recuou na sua deciso e revogou a medida que visava expulsar a
famlia Paz dos seus reinos. Porque o fez? Muitas podem ter sido as razes. Era
reconhecido o ainda muito poder que a famlia tinha na Alfndega do Porto, tal como
no despacho e venda de mercadorias no Norte. Tero sido no entanto, muito
666
Que faleceu depois de 1536 e antes de 1540. Em 1536 temos notcia que ainda estava vivo, pelo documento
do seu testamento, em que fundava uma capela no mosteiro de S. Francisco no Porto, como vimos.
667
ANTT, Corpo Cronolgico III Parte, mao 72, doc. 73. Carta de Diogo de Paz a D. Joo III, Porto, 15 de
Junho de 1542. Disponvel para leitura em http://ttonline.iantt.pt, e transcrito em anexo.
668
Ibidem, Carta de Diogo de Paz a D. Joo III.
669
Ibidem, Carta de Diogo de Paz a D. Joo III.
172
INQUISIO E INTEGRAO
provavelmente, as fortes influncias que os Paz dispunham na Corte que tiveram
uma aco determinante na revogao da pena rgia.
Diogo de Paz augurou fazer o Rei retroceder, mas a Inquisio no iria dar
trguas sua famlia. Escreveu Camilo Castelo Branco: Em 1542 comeou a
perseguio famlia Paz.670
A primeira notcia que nos chegou de um elemento da famlia apanhado nas
malhas da Inquisio relatada por Andr de Resende, o mesmo autor que conhecia
a Descrio de Entre Douro e Minho de mestre Antnio de Guimares, e recebera lies
de hebraico do flamengo Nicolau Clenardo na Universidade de Paris. O humanista
eborense, na sua obra Vida do Infante D. Duarte, escrita em 1567, com dedicao
ao Duque de Guimares, D.Duarte, filho daquele Infante671, reporta-se a um Ferno
de Paz672, moo da Corte, que era presena frequente numa casa que se dizia ser de
um rabi e cujos familiares, mercadores que guardavam o sbado, recusavam levar
roupa ao Pao nesse dia673.
Preso pela Inquisio674, Ferno de Paz no confessou quaisquer erros contra a f,
nem fez denncias. Testemunhos posteriores revelam que se suicidou, mas tambm
houve quem defendesse, ao tempo, que lhe administraram peonha para que no
revelasse o que outros (cristos-novos) receavam ser descoberto e sabido. O
testemunho de Andr de Resende.
670
173
INQUISIO E INTEGRAO
Mas o desmazelado no se soube guarecer nem remediar que no houvesse mau fim;
porque, sendo preso pela Santa Inquisio, sem querer confessar seu erro, ele mesmo procurou
sua morte ou, segundo alguns dizem, deram-lhe peonha, assi que no revelasse o que outros
receavam ser descoberto e sabido.675
A ter sido interrogado e preso pela Inquisio do Porto, sabendo-se a forma cruel
e brutal como este tribunal religioso actuava, torna-se evidente porque que veio a
falecer nos calabouos do Santo Ofcio.
Outros membros da famlia vo ser interrogados pela Inquisio. o caso do rico
mercador portuense Antnio de Paz, chamado a testemunhar no processo de
Henrique de Tovar e de sua mulher Isabel Lopes, a 9 de Maro de 1541676. Antnio de
Paz confirmou, perante o inquisidor, que Pero Fernandes, genro dos rus, fora criado
de seu pai, e que por volta de 1534 se deslocara com o seu cunhado Pero Lopes de
Mesquita, defunto, S em companhia do genro e dos rus, para assistiram a uma
missa no altar de Nossa Senhora da Silva677.
Henrique Tovar, preso com a sua mulher, Isabel Lopes, em 1541, natural de
Valladolid, era pai de Duarte de Tovar, mercador de seda para a Flandres, queimado
em esttua no Porto. Um outro filho, Jernimo de Tovar, exercia a profisso de
fsico678.
Antnio de Paz tambm ver a sua vida devassada pela Inquisio do Porto679.
Simo Gomes, seu sogro, que mais tarde enterrado a seu lado na S Catedral da
cidade, cidado abastado, acusado por uma criada de praticar a religio judaica.
Condenado a trs anos de priso no dia 27 de Abril de 1544, foi libertado de seguida
no ms de Outubro, por alegar sofrer de uma maleita grave680. Para a sua libertao
contribuiu, seguramente, o muito dinheiro e a influncia do seu genro e da famlia
deste681. A irm de Simo Gomes, Graa Fernandes, estava casada com um mercador
do Porto, lvaro Pires Galego, igualmente sentenciado na dcada de quarenta do
675
174
INQUISIO E INTEGRAO
sculo XVI. Como o seu nome indica, estamos perante mais um converso que veio do
outro lado da fronteira; inicialmente marinheiro e pescador, torna-se num bem
sucedido vendedor de panos, proprietrio de uma tenda na ponte de S. Domingos,
no Porto682.
Uma sobrinha de Antnio de Paz, Maria de Paz, filha de Francisco de Paz e de
Isabel Rodrigues, depe em 1542 contra Maria Teixeira, crist-nova, moradora na rua
das Taipas683. Maria teve fama de testemunhar contra cristos-novos. Acusavam-na
de no honrar os seus ascendentes por se afastar dos preceitos da sua religio,
casando-se com um cristo -velho, incriminaes que rejeitava.
Muitos dos Paz, residentes no interior do Reino, no escaparam sindicncia da
Inquisio. Lamego fora, desde o incio da sua vinda para Portugal, um local de
eleio para a famlia. A viviam alguns dos descendentes directos de Rui Mendes, o
cunhado de mestre Joo de Paz, que viro a gozar das imunidades penais,
negociadas em Roma por Duarte de Paz. Segundo os testemunhos de acusao, nos
anos de 1543 e 1544, Isabel Mendes, residente em Lamego, na Rua Nova, casada com
Heitor Mendes, filho de Rui Mendes, possua uma casa que servia de sinagoga das
mulheres; segundo outros depoimentos, praticava a circunciso dos meninos,
momentos depois de os nados terem recebido o baptismo na Igreja da Almacave.
Acusaes que a crist-nova, que acaba por se refugiar na Galiza, negava, admitindo
que guardava os sbados684.
A filha de Isabel Mendes, Justa de Paz e o marido, Jernimo Fernandes685, v o ser
alvo de delaes e de processos que se arrastam pelos anos de 1543 a 1545. Nesses
processos emerge a ferocidade dos seus inimigos, muitos deles concorrentes de
Jernimo Fernandes, mercador, rendeiro das sisas da cidade de Lamego, e de seus
irmos, Rui Fernandes, mercador, tratador das lonas, clebre autor da descrio dos
terrenos volta de Lamego, Jcomo da Fonseca e Antnio da Fonseca.
682
175
INQUISIO E INTEGRAO
Em Lamego a devassa contra os cristos-novos foi liderada pelo bispo da cidade e
pelo inquisidor Dr. Manuel de Almada. Os perseguidos e interrogados formavam a
primeira gerao de conversos que mantinha um relacionamento estreito com a Casa
Real686. As denncias e as acusaes reflectiam rivalidades e velhos dios, entre
servidores cristos-velhos e os seus senhores, prsperos cristos-novos, ou mesmo
entre a comunidade sefardita.
Os dios esto presentes nas denncias efectuadas contra Justa de Paz e a sua
famlia. O cunhado, Rui Fernandes, era alvo do dio de Afonso Eanes, neto de Anto
Rodrigues, antigo vereador do Concelho e seu inimigo capital. A razo de tamanha
inimizade prendia-se com o facto de Rui Fernandes ter ido Corte e obtido uma
proviso do Rei para que Anto Rodrigues e seus parentes mais prximos no
fossem vereadores687.
Nesta guerra utilizavam-se os criados e os parentes para denunciar quem era
inimigo. O forjo de argumentos para delatar, tornava-se algo frequente para limpar a
honra, funcionando como vingana de uma situao passada. Rui Fernandes, tinha
angariado muitas inimizades nas suas funes de feitor das lonas e rendeiro da sisa,
andara muitos anos em desavena com Pero Vaz Carvalhino, por causa de uma
inquirio fazenda de Aires Pinto. Condenado a priso, este deu como depositrio
Pero Vaz Carvalhino, mas como nenhum dos dois solvesse a cauo, Rui Fernandes
colocou Aires Pinto na priso do castelo. Os dois homens apelaram para a Corte, e
mergulharam numa longa demanda com o cunhado de Justa de Paz. Durante a qual
gastaram parte dos seus bens688.
Jernimo Fernandes, o marido da sobrinha-neta de mestre Joo, fora rendeiro das
sisas de Lamego nos anos de 1536, 1537 e 1538 e 1539. E sendo assim rendeiro entrou
num litgio com Joo Gonalves, alfaiate, marido de uma das testemunhas de
acusao de Justa de Paz689.
As acusaes aos Paz persistiram nos anos seguintes. At o prestigiado mdico e
professor catedrtico da Universidade de Lisboa, Ferno Lopes de Paz, irmo de
686
Sobre os primeiros interrogatrios e processos movidos contra os cristos-novos de Lamego, Vide Maria Jos
Ferro Tavares, Os Cristos Novos em Terras da Comarca da Beira (Subsdios para o Estudo das Primeiras
Geraes), Rumos e Escrita da Histria. Estudos de Homenagem a A.A.Marques de Almeida, Coordenao de
Maria de Ftima Reis, Lisboa, Edies Colibri, 2007, pp. 557 573.
687
ANTT, Inquisio de Lisboa, Processos n. 3225, fl. 65 v..
688
ANTT, Inquisio de Lisboa, Processos n. 3225, fls. 66-67 v..
689
Ibidem, fl. 71.
176
INQUISIO E INTEGRAO
Antnio de Paz, um dos muitos sobrinhos de mestre Joo, de cinquenta anos de
idade, casado com uma filha de Tristo Alvares Nanias (que se encontrava fora do
Reino), se v na obrigao de dar contas temvel Inquisio. No dia 29 de Agosto de
1547 compareceu Ferno Lopes de Paz na casa da Inquisio de Lisboa, confessando
ter visitado Nicolau Rodrigues, cristo-novo, morador na rua das Medas. Achando
este enfermo e muito doente escreveu-lhe um testamento, em que era determinado
que o moribundo, por vontade prpria, queria ser sepultado, ou no mosteiro de
Nossa Senhora da Graa, dentro do seu claustro, perto da campa de seu filho, ou
junto da cova de Pedro lvares, em terreno novo. Declarou Ferno Lopes de Paz ter
redigido o testamento sem cuidar da incorreco que estava a cometer. O tabelio
Manuel Afonso conferiu fora de lei ao documento, voltando s mos do professor
da Universidade de Lisboa. Naquele momento, em presena dos inquisidores,
afirmava Ferno Lopes que verificando o erro que cometera, por ter passado a escrito
uma ltima vontade de um cristo-novo, ficou to irado que rasgou o documento690.
O acadmico antecipava-se ao Santo Ofcio, acautelando-se de uma possvel
denncia ou inqurito sua actuao. No se pode esquecer, tambm, que a auto
denncia funcionava para aquela sociedade, profundamente catlica, como o nico
caminho para o indivduo se preservar a si e comunidade da ira de Deus691, logo,
era sempre um factor de desagravo.
Para fugir aos interrogatrios, tortura e s labaredas da Inquisio, a famlia
cinde-se. Uns preferem a dispora, mas a maioria acaba por ficar a tomar conta dos
seus haveres e na posse dos seus ofcios, mergulhando num difcil e complexo
processo de recomposio social a partir de 1542. A sobrevivncia social ser
possvel, mas com um pesado custo para alguns dos seus elementos que, como
constatamos, foram sacrificados aos interrogatrios dos inquisidores, quando no
mesmo morte.
A Inquisio em Portugal e no Brasil, edio de Antnio Baio, Archivo Historico Portuguez, Vol.VII, n.
10-11, Out.- Nov. 1909, n. 82-83, p. 442.
691
Elvira Cunha de Azevedo Mea, A Inquisio de Coimbra, ed. cit., pp. 209-210.
177
INQUISIO E INTEGRAO
692
Havia mais um filho, de nome Joo, como vimos anteriormente, fruto deste casamento.
Como veremos mais h frente pelo confronto com os dados do interrogatrio a que Tom pegado de Paz
sujeito na Inquisio de Lisboa.
694
Haviam deixado para trs o nome de Mendes Benveniste.
695
Jos Albertos Tavim, Os Judeus e Cristos-Novos de Cochim. Histria e Memria (1500-1662), Braga,
Edies APPACDM (Associao Portuguesa de Pais e Amigos do Cidado Deficiente Mental) Distrital De
Braga, 2003, p. 209.
696
Veja-se A. Magalhes de Basto, Histria da Santa Casa da Misericrdia do Porto, 2 Ed., com prefcio de
Francisco Ribeiro da Silva, Vol. I, Santa Casa da Misericrdia do Porto, 1997, p. 462.
693
178
INQUISIO E INTEGRAO
As redes europeias de mercadores sefarditas tm, sem dvida, uma presena
activa no comrcio internacional697 que coeva das grandes transformaes
econmicas e sociais que se do na Europa entre os sculos XV e XVII. Estas redes
comerciais assentavam numa estrutura muito peculiar. As famlias, que funcionam
como construo e avaliao de toda e qualquer relao social, repartem os seus
membros por vrios lugares, geralmente pontos estratgicos de grande fluxo de
capitais, moeda e matrias-primas diversificadas698. Por seu turno, rede familiar
associava-se, quase sempre, uma rede de poder. Quer isto dizer que, na aurora do
capitalismo moderno, as elites financeiras sefarditas enleavam-se em complexos
relacionamentos de poder699, como forma e estratgia de sobrevivncia, num meio
social que na maior parte dos casos lhes era hostil. As famlias financeiramente
poderosas, no descurando essa realidade, aliceram o seu prestgio nas redes
comerciais que controlam, ombreando com as figuras e os grupos sociais dominantes
da sua poca.
Os Nasci ilustram bem essa realidade. Tal como outras famlias sefarditas
poderosas,
que
controlavam
vastos
imprios
financeiros
comerciais
697
179
INQUISIO E INTEGRAO
papel de charneira entre o espao ibrico e as redes internacionais de comrcio que se
encontravam nas mos dos sefarditas. Tom Pegado vai tentar refazer as ligaes
internacionais da sua famlia.
Chegado a Constantinopla, rapidamente passa ao servio do duque de Naxos,
Joseph Nasci702, um judeu que em tempos fora cristo-novo com o nome de Joo
Micas .
Para abordar os contactos e as relaes que se estabeleceram entre os Paz e os
Nasci, nome que os Mendes Benveniste adoptaram na dispora aps retornar ao
judasmo, dispomos de uma fonte muito rica em informao: o processo de Tom
Pegado de Paz, preso pela Inquisio em 1578. com base nos testemunhos a
desvelados que vamos construir o nosso discurso.
Estamos em crer que as razes aduzidas por Tom Pegado de Paz, de que fora ter
com seu pai a Constantinopla a mandado de seu tio703, Diogo de Paz, escondem
outros intentos por parte da sua famlia. Repare-se que os caminhos que levavam
capital do imprio otomano, os contactos a travar nas cidades italianas do sul que
fervilhavam de judeus, e especialmente, ao mais alto nvel, os contactos com o
embaixador de Frana, eram conhecidos bem demais para quem vivia no Porto,
sem sair da Pennsula Ibrica704. Alis, os ltimos estudos sobre a Inquisio de
Lamego705, tm vindo a mostrar que uma srie de cristos-novos que fogem do Santo
Ofcio vo fixar-se na Toscana, e formar a partir da redes comunitrias de contactos
na dispora, entre marranos, as quais se materializam em redes religiosas e sociais
que demonstram uma eficcia na sua actuao muito surpreendente.
Tom Pegado e a famlia Paz contavam, tudo aponta nesse sentido, com apoios e
conhecimentos no interior dessas redes, at porque uma parte da famlia (Justa de
Paz e Jernimo Fernandes, sobrinhos-netos de mestre Joo) que se encontrava em
Lamego vem a ingressar nessa fuga para Itlia706. No nos pode passar sequer
desapercebido o facto, no sentido de abordar a questo em sentido crtico, de que a
702
Este antropnimo aparece muitas vezes sob outra forma: Nasi ou Nassi. Ns optamos por Nasci,
semelhana da maioria dos estudiosos portugueses.
703
ANTT, Inquisio de Lisboa, Processo 10906, fl. 6 v., publicao em anexo.
704
Em nosso entender, era sinal que a famlia se encontrava integrada numa rede internacional.
705
Susana Bastos Mateus, James Nelson Novoa, De Lamego para a Toscana: o priplo do mdico Pedro
Furtado , cristos-novo portugus, Cadernos de Estudos Sefarditas, n. 5, 2005, pp. 313-338.
706
Como referido, a Dr. Susana Bastos Mateus tem vindo a estudar essas redes que se formam a partir de
Lamego. Queremos deixar aqui um agradecimento pelas conversas e informao que tem partilhado connosco.
180
INQUISIO E INTEGRAO
maior parte da informao proveniente dos longos interrogatrios feitos na
Inquisio, carece de problematizao e deve ser olhada, em certos casos, com
alguma desconfiana707.
No que tange ao testemunho de Tom Pegado de Paz, alm de nos parecer que o
cristo-novo carreou a informao para o interrogatrio que, do seu ponto de vista,
importava sua defesa pessoal e, claro est, os factos que os prprios inquisidores
estariam mais interessados em ouvir (relacionada com o Imprio Turco, as suas
armadas e estratgias708, pouco tempo depois do embate dramtico de AlccerQuibir), so detectadas, mesmo assim, primeira vista, contradies no discurso do
ru. O que ter levado os interrogadores a questionarem-no como era possvel,
somente com dezasseis anos, ser chamado por seu pai para espia e informador da
Coroa portuguesa; e se no sabia que o seu pai estava em Constantinopla, como ia
em sua busca.
A idade de Tom de Paz, na verdade, devia ser superior a dezasseis anos em
1552. Se seu pai fora para Roma por volta de 1532, no voltando mais a Portugal,
supe-se que em 1552-53 teria no menos de vinte anos. Para alm disso, tambm
no crvel que, por Joseph Nasci o ter circuncidado fora, como alega nos autos709,
fosse razo suficiente para o impedir de voltar a Portugal, como tentava demonstrar.
Em inmeras ocasies o podia ter feito e no o fez, especialmente quando ao servio
do duque de Naxos se deslocou ao Mediterrneo Ocidental. Se entrou ou no
secretamente em Portugal, no sabemos, pelo menos nenhum dos testemunhos
arrolados pela Inquisio de Lisboa o confessa.
Mas, caso necessitasse de entrar em contacto com os seus parentes, Tom Pegado
tinha uma ampla rede de informaes e contactos aos seu dispor, tutelada pelos
Nasci. Afinal, os textos insertos no seu processo sugerem que recrutava com
insistncia informadores e clientela para a Casa da grande judia e do Duque. Disso
se depreende do testemunho de Francisco Sanches. Chamado a depor disse que elle
[Tom Pegado de Paz] o agasalhou beem por ser portugues dyzendo-lhe que se algua ora
707
Cfr. Robert Rowland, New Christian, Marrano, Jew, The Jews And Expansion, 2001, p. 126.
Questionado sobre a eventualidade de o turco enviar uma armada ndia, Tom de Paz respondeu que a nica
informao que tinha era a de que os turcos se preparavam para cortar erto pas[s]o no ryo Nyllo pera poderem
pas[s]ar muitas gallees. A procura e recolha de informaes sobre o poder naval Otomano, para Portugal, era,
como se pode constatar, prioritria. ANTT, Inquisio de Lisboa, Processo 10906, fl. 11 v..
709
ANTT, Inquisio de Lisboa, Processo 10906, fl. 7. Na sua maior parte transcrito em anexo
708
181
INQUISIO E INTEGRAO
fos[s]e a Constantinopla pregunta[s]se pela gram judia que em sua casa ho acharya e que elle
ho resgatarya e despois de seruir algum tempo ho mandaria a Portugaall como fazya a
outros[...].710
Esta confisso bastante elucidativa acerca do modo como funcionava a rede
sefardita patrocinada pelo Nasci. Uma rede de contactos, de comrcio, de
informaes, uma rede financeira que se abria entre o ndico, o Prximo Oriente e a
Europa Ocidental. Uma rede que ligava famlias como os Paz do Porto e os Nasci do
Imprio Otomano; que veiculava notcias sofregamente desejadas pelos poderes que
se digladiavam em vrios espaos estratgicos, poltica e comercialmente, como era o
caso de turcos e portugueses. Decerto que Pero Dias, o marinheiro que embarcava
em navios, que faziam o transporte de acar para Veneza, e que acompanhou Tom
Pegado nos ltimos cinco anos711 antes de este ser preso, no era uma companhia
qualquer. Se atentarmos na sua naturalidade, Ponte de Lima - Entre Douro e Minho
(onde se situavam a maior parte dos bens os Paz) - ,logo entenderemos melhor o seu
papel de intermedirio desta rede.
Ou seja, mesmo depois de alguns membros da famlia serem interrogados e
perseguidos pela Inquisio, os Paz continuavam a trilhar os caminhos das redes de
finana e do comrcio internacionais, utilizando os contactos informais e os
agentes dissimulados, de preferncia membros da esfera familiar. Tal assero
parece-nos perfeitamente aceitvel.
A famlia para a qual Tom Pegado de Paz trabalhou cerca de vinte anos, os
Nasci, tinha partido de Lisboa em direco a Londres, no ano de 1537, num navio
ingls fretado em Anturpia por Diogo Mendes, cunhado de Beatriz de Luna, que
liderava os negcios familiares. Seguiam Beatriz de Luna, a sua filha Ana; a sua irm
Brianda, uma cunhada, viva de Agostinho Micas, que, como vimos anteriormente,
fora professor de Medicina na Universidade de Lisboa, e seus filhos: Bernardo Micas
(que mudar de nome em 1554 para Samuel Nasci) e Joo Micas, mais tarde Joseph
Nasci.
710
711
182
INQUISIO E INTEGRAO
Em 1552 Beatriz parte para Istambul, passando a chamar-se Grcia Nasci e
a sua filha Reina. Acompanham-na Joo e Bernardo Micas. A famlia, detentora de
grande fortuna, projecta-se no interior do Imprio Otomano.
Grcia Nasci instala-se na capital do imprio Otomano, acompanhada de um
numeroso squito de servidores712 que, provenientes da Pennsula Ibrica, regressam
ao Judasmo. Num mundo dominado por homens, Grcia impe-se. Comea por
arrendar a cobrana dos impostos no Imprio, no tempo de Suleyman I O
Magnfico. este mesmo sulto que, em 1556, protesta junto de Paulo III, por
influncia da judia, devido represso a cristos-novos que tem lugar em Ancona.
Joseph Nasci torna-se fornecedor de vinhos do Sulto, rendeiro da dzima dos
vinhos das ilhas da Turquia, gestor da cobrana dos impostos arrecadados s
populaes crists e judaicas de todas as provncias do imprio turco, e conselheiro
do sulto para os assuntos externos713; recebe o ttulo de duque de Naxos e das sete
ilhas, casando com a sua prima Reina, numa clara tentativa de no dispersar os bens
na posse da famlia. A sua Corte em nada ficava a dever s mais prsperas e
resplandecentes do Renascimento italiano. Chegou a fundar, em Tiberades, na
Palestina, um colnia judaica.
Era muito o poder acumulado, aquele, que escorria pelas mos desta famlia
sefardita. Os seus interesses econmicos e financeiros repartiam-se um pouco por
toda a Europa: Polnia, Itlia, Ragusa, Frana, Balcs, auferindo, sem dvida, de um
lugar de destaque no seio do imprio da Sublime Porta714, que os acolhera de braos
abertos, mostrando-se bastante tolerante em relao aos judeus715. Inclusive,
Suleyman I O Magnfico tinha por seu mdico Moseh Hamon, um judeu bastante
bem conhecido de alguns cristos-novos que se encontravam na ndia, em cidades
como Cochim716, que lhe escreviam a pedir a interveno militar do imperador turco.
712
Cecil Roth, The House Of Nasi, Philadelphia, The Jewish Publication Society Of America, 1947, p. 9.
Chamamos novamente a ateno que Tom Pegado de Paz chega capital otomana, volta do mesmo ano.
713
Jos Alberto Tavim, Op. cit.
714
Temos vindo a seguir Cecil Roth, ibidem, pp. 3-38 e passim; e Jos Alberto Rodrigues da Silva Tavim,
Judeus e Cristos-novos de Cochim. pp. 203-208.
715
Cfr. Jacob Barni , Los Sefardies en el Imprio Otomano (siglos XV-XVI), Maria Antonia Bel Bravo y
outros, Dispora Sefard, Madrid, Editorial Mapfre, 1992, p. 104. Uma boa sntese sobre o Imprio Otomano,
que aborda o papel dos Nasci d-nos Halil Inalcik, The Otomanan Empire. The Classical Age 1300-1700,
London, Phoenix, 1994.
716
Jos Alberto Rodrigues da Silva Tavim, Judeus e Cristos-Novos de Cochim.., pp. 211 e 215.
183
INQUISIO E INTEGRAO
Tom Pegado, que se entregara lei mosaica com o nome de Chahaom,
primeiro, e Rabi David, depois, incumbido de se deslocar Corte francesa para
arrecadar 150.000 cruzados a Carlos IX717, no ano em que os turcos cercavam Malta
(1565). As avultadas dvidas da Corte francesa aos Nasci haviam-se tornado um
assunto de Estado, incmodo nas relaes amigveis entre o Imprio Otomano e a
Frana. Joseph Nasci negoceia com o Sulto a melhor forma de cobrar o dinheiro,
prometendo parte da quantia para os cofres do Imprio.
A Casa Mendes, de que os Nasci eram legtimos herdeiros, tivera em tempos
uma sucursal no sul de Frana, em Lyon, praa financeira importante, para onde
confluam muitos capitais718. As dvidas contradas pela Coroa francesa, que se
debatia frequentemente com a falta de fundos para prosseguir as guerras contra o
Imprio Habsburgo, remontavam aos anos trinta do sculo XVI.
Joseph Nasci reclamava 150.000 ducados, os franceses recusavam saldar
tamanha dvida, considerando-se isentos, aps confiscarem os bens de judeus,
estando estes proibidos de comerciar e de viver em terras gaulesas719. A 23 de Maro
de 1565, o Sulto endereou uma carta pessoal ao rei de Frana, no por via
diplomtica, mas sim utilizando um mensageiro especial enviado pelo Almirante
Mustapha Pasha, enquanto decorria uma demonstrao de fora por parte da
armada turca no Mediterrneo Ocidental720.
neste clima diplomtico que, encarregado de se deslocar ao sul de Frana,
Tom Pegado deixa Istambul em direco a Argel, permanecendo a cerca de sete
meses espera que o Pax local lhe cedesse duas galeotas, com as quais rumaria
costa sul da Frana, acompanhado de vinte cativos franceses e de um turco que se
deslocava corte de Carlos IX numa embaixada (seria o enviado de Mustapha
Pasha?).
No regresso, com a dvida cobrada, embarcando a bordo de uma gal que
fazia a ligao entre Argel e Constantinopla, naufragou, contou Joo Fernandes
ouvido pela inquisio. Um dos cativos puxou fogo plvora transportada a bordo,
717
A parte principal do seu testemunho relata esta verdadeira odisseia que passou. Veja-se ANTT, Inquisio de
Lisboa, Processo 10906 fls. 7-8 v.
718
Sobre Lyon , enquanto praa financeira de grande importncia, Veja-se R. Ehrenberg, Le Sicle des Fugger,
prefcio de Lucien Febvre, Paris, SEVPEN, 1955, pp. 261-268.
719
Cecil Roth, ibidem, pp. 27-28.
720
Idem, ibidem, p. 31.
184
INQUISIO E INTEGRAO
fazendo o navio explodir. Tom Pegado de Paz salvou-se, mas perdeu as letras de
cobrana do dinheiro que transportava consigo, e que eram pertena dos Nasci721.
Este ter sido, ainda segundo aquele testemunho, o motivo de ruptura entre o
cristo-novo e o Duque de Naxos, levando-o a converter-se ao Islo.
A verso dos acontecimentos, relatada por Tom Pegado, difere da anterior.
Contou que o embaixador do Achem se deslocara Corte turca em busca de auxlio
naval contra os portugueses, tendo Matias Bicudo722 - um judeu de Alepo, recrutado
por Loureno Pires de Tvora embaixador em Roma no ano de 1559 - vindo do Cairo
para Constantinopla, no intuito de saber notcias sobre as gals que o Sulto
pretendia lanar no ndico. Joseph Nasci, apercebendo-se que Bicudo estava ao
servio dos portugueses, envia Tom no seu encalo. Segundo o testemunho do filho
de Duarte de Paz, ele prprio alertou Matias Bicudo em Alepo, quando este tentava
alcanar Ormuz, aconselhando-o a desviar caminho para no ser detido723.
Na discrepncia entre os dois relatos, o de Tom Pegado de Paz e o de Joo
Fernandes, entroncam as nossas dvidas. Quem ter razo? Seria a confisso de
Tom arquitectada, com o fito de ser libertado, ao demonstrar que sempre estivera
do lado dos portugueses, e explicando porque se tornara turco?
Vivia-se uma poca de acalorada luta entre imprios, pela posse de pontos
estratgicos, pela supremacia naval, pelo controlo do comrcio oriental. Tanto no
Golfo Prsico, como no ndico ou no Mediterrneo, chocavam-se os interesses dos
Otomanos com os de Habsburgos e Portugueses. A questo de Baor estava em
suspenso, ocupando os interesses da diplomacia lusa; muita especiaria aflua ao
Levante; o poder naval turco crescia no mar interior; as hostes de janzaros
avanavam, subiam os Balcs e deslocavam-se em direco ao Ocidente, cercando
Viena de ustria. Todas estas preocupaes levaram Portugal a montar uma rede de
informaes, sobre o turco e a ndia, no tempo de D. Joo III e de D.Sebastio724.
721
185
INQUISIO E INTEGRAO
Como j havia acontecido inmeras vezes, a pedra angular deste servio de
informaes eram os judeus e cristos-novos - que estavam bem posicionados no
terreno, em lugares estratgicos, para obteno de informao725 - muitos deles
anteriormente baptizados, mas que perseguidos pelas Inquisies, espanhola e
portuguesa, tinham regressado ao judasmo e ao Mediterrneo726, atrados pelas
novas oportunidades que se abriam no Levante.
Quer isto dizer que a comunidade sefardita, particularmente aquela que vivia
sob o domnio turco, estava dividida internamente, cindida por diferentes interesses.
Aqui temos uma possvel explicao para os cismas que se sucediam entre as
diversas faces e grupos. Da mesma forma, nesse sentido, poderemos encontrar
uma outra justificao para a converso ao islamismo, e o emprstimo de servios ao
inimigo, por parte de alguns membros das comunidades sefarditas que estavam no
Oriente.
O caso de Duarte de Paz bem exemplificativo, tal como os judeus de Alepo,
que vendiam segredos Coroa portuguesa e constituam o n central das
informaes que seguiam para Ocidente. Todavia, outro factor se antepunha
frequentemente na mudana de campo: as alteraes da conjuntura interna nos
espaos polticos em que esses vultos viviam.
Pouco antes de ser deportado para Portugal, como escravo de uma gal, Tom
Pegado de Paz acabara de fazer um percurso muito prprio dos elementos destes
grupos. Inicialmente aceitara o judasmo; em seguida adoptara o islamismo como sua
f, explicando que tornar-se muulmano lhe trazia vantagens, libertando-o do
cativeiro onde estivera dois anos, segundo a sua confisso, devido a uma dvida que
ficara por solver a Joseph Nasci727. Finalmente, regressou novamente ao judasmo728,
sendo nessa condio preso em Florena.
De tudo se pode retirar o seguinte, como nos sugere Jos Alberto Tavim: os
judeus e cristos-novos eram peas importantes, e at decisivas, no jogo de interesses
725
Os judeus encontravam-se, no sculo XVI, entre os que estavam na posse de informao por via do comrcio.
Cfr. Peter Burke, A social History of Knowledge, Cambridge, Polity Press, 2000, pp. 155-156.
726
Nesta idade de viragem o judasmo, segundo o Professor Jos Augusto Ramos, privilegiou o Mediterrneo.
Vide Jos Augusto Ramos, Judasmo e Mediterrneo., Op. cit. p. 77.
727
ANTT, Inquisio de Lisboa, Processo 10906, fl. 8.
728
Ibidem, segundo testemunho de Antnio Nunes, fl. 21.
186
INQUISIO E INTEGRAO
entre Estados e imprios, na espionagem, na luta obscura em torno da supremacia no
Mediterrneo, no subcontinente indiano e no ndico729.
Tom Pegado de Paz, inicialmente espio e servidor do duque de Naxos,
ponte entre famlias sefarditas, um bom exemplo que se nos oferece de um cristonovo, (re) convertido ao judasmo, que viveu uma parte importante da sua vida no
interior dessa realidade, complexa e difusa, que eram as redes de informao, de
espionagem e comrcio, em meados do sculo XVI, no mar Mediterrneo, dominadas
por sefarditas.
H, nas andanas do neto de mestre Joo, algo de semelhante aos relatos de
outros portugueses que se haviam espalhado por rotas e caminhos, regies e espaos
longnquos do mundo, aps a abertura planetria propiciada pelas navegaes dos
sculos XV e XVI.
A aventura de Tom Pegado de Paz, homem alto de corpo, barba preta e rosto
cheio730, percorrendo terras recnditas e remotas, casando e vivendo com mulheres
locais, constituindo famlia mestia, falando e aprendendo vrias lnguas,
professando vrias religies, integrando-se na vida, na cultura, nos modos de ser
locais, deixando-se prender pelas vivncias dos indgenas, tal como fizeram Pero da
Covilh no sculo XV e Ferno Mendes Pinto no sculo XVI, dois exemplos maiores
dessa vida diletante e peregrina, configura uma odisseia repleta de aventuras,
contactos culturais e vicissitudes.
Mas o caso de Tom de Paz difere, em parte, dos dois exemplos anteriores.
Desde logo, porque era filho de um cristo-novo. Acontece que os descendentes de
judeus convertidos eram objecto de vrias formas de discriminao por causa da sua
impureza de sangue, e olhados com desconfiana em matria de f731. Como notou
Antnio Jos Saraiva732, os cristos-novos procuravam iludir as normas vigentes,
tentando escapar discriminao. Como? Mudando de nome, utilizando o dinheiro e
o casamento, transferindo os bens e a famlia de lugar e regio, quando necessrio.
As razes de Tom Pegado de Paz encontravam-se numa conhecida famlia de
mercadores cristos-novos residente no Porto, que em meados do sculo XV tinham
729
187
INQUISIO E INTEGRAO
vindo para Portugal, fugindo Inquisio espanhola. A famlia acabou por se
converter ao cristianismo permanecendo em territrio lusitano. Os negcios
familiares passavam, sobretudo, pelas alfndegas e importao de produtos.
Constam do Livro de Juros da Misericrdia do Porto, registos com data de
1586/87 de tenas a cobrar a particulares por Antnio de Paz, que est em Madrid
como representante da Santa Casa. O antropnimo sugere tratar-se de um parente,
se no mesmo de um neto, de Antnio de Paz, sobrinho de mestre Joo. E, pelas
relaes que a famlia tinha com a instituio, no nos pode admirar este parentesco.
Para situaes que exigiam perseverana, Antnio de Paz actuava em Madrid ao
servio da Misericrdia: cobrando dvidas, recolhendo fundos, tratando do
patrimnio imobilirio da instituio.733
Outros indivduos com o nome Paz so citados por C. Boyjian, como estando
infiltrados nas redes comerciais internacionais na Holanda e noutros locais de grande
actividade comercial, no incio do Sculo XVII. Alguns naturais do Porto734. Por
enquanto ainda no se encontraram quaisquer conexes com a famlia Paz.
Estamos numa conjuntura dominada pelas feiras Castela e de Lisboa, emergindo
o fluxo e os refluxos de metais preciosos, as trocas ordinrias e extraordinrias dos
asientos. A atmosfera de especulao financeira paira sobre Madrid. A partir de 1597,
Bordus fecha as suas portas aos portugueses, so na sua grande maioria cristosnovos, com os espanhis a desempenharem um papel muito activo nas praas
financeiras de Castela735.
Outros Paz, do Porto, distinguiram-se no mundo mercantil, certamente com
ascendncia na famlia de mestre Joo de Paz. lvaro de Azevedo, nascido por volta
de 1582 em Caminha, tinha como seu pai Miguel Rodrigues de Azevedo, sendo a
me Joana de Paz736. Os avs maternos eram Jorge Lus e Violante de Paz737, o que
733
Vide A. Magalhes de Basto, Histria da Santa Casa..., Vol. II, pp. 29-32.
Veja-se James C. Boyjian, New Christians anda Jews in the Sugar Trade, 1550-1750: Two Centuries of
Development of Atlantic Economy, The Jews And The Expansion of Europe to the West 1450-1800... pp. 484.
735
Temos vindo a seguir J. Gentil da Silva, Stratgie des Affaires Lisbonne entre 1595 et 1607. Lettres
Marchandes des Rodrigues dEvora et Veiga, Paris, SEVPEN, 1956, pp. 5-11.
736
Florbela Veiga Frade, As Relaes Econmicas e Sociais das Comunidades Sefarditas Portuguesas. O Trato
e a Famlia 1532-1632, Lisboa, Dissertao de Doutoramento em Histria Moderna, realizada sob orientao
cientfica do professor doutor A.A. Marques de Almeida, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras,
Departamento de Histria, 2006, pp. 303-311.
737
Agradecemos Dr. Florbela o estimulante dilogo sobre as razes das nossas famlias estudadas. Por
enquanto ainda no se encontrou um elo de ligao, que por certo existir. Repara-se que, segundo a Dr.
Florbela, esta Violante de Paz residira na rua de Belmonte. Ora nessa rua moravam muitos elementos da famlia
734
188
INQUISIO E INTEGRAO
nos faz pensar que estamos perante um tronco familiar de Duarte de Paz. Os locais
de nascimento e residncia so os mesmos; e similares so os nomes e a actividade,
mercantil e financeira, o que denota uma longa, muito longa tradio familiar em
funes de trato geradoras de riqueza.
INQUISIO E INTEGRAO
190
CONCLUSO
CONCLUSO
191
CONCLUSO
192
CONCLUSO
Na segunda metade do sculo XV cruza a fronteira portuguesa, vinda de Castela,
uma famlia de judeus. Inicialmente estabelecem-se em terras do Duque de Bragana.
em Guimares que residem at cerca de 1515. Entretanto, as condies de
desenvolvimento comercial e financeiro levam o ncleo central da famlia a ir viver
para o Porto em meados da segunda dcada do sculo XVI, onde os seus membros se
vo associar s famlias mais influentes do burgo.
Os genealogistas passaram ao registo escrito, ao longo do Sculo XVII, o que ia
correndo oralmente: houve em tempos uma distinta famlia de cristos novos, de
nome Paz, que viveu no Entre Douro e Minho e se estabeleceu no Porto, muito
dedicada ao comrcio, rica, influente, cujos membros se foram distinguindo do resto
sociedade como elite, alguns cavaleiros, inclusive, dela descenderam. O essencial da
vontade de certos elementos da famlia, preocupados com a memria e identidade do
grupo, estava alcanado. A informao veiculada pelos nobilirios foi passando de
gerao em gerao, e os Paz acabariam por sobreviver ao anonimato.
Parece por demais evidente que a famlia Paz temia a vinda da Inquisio; em
segundo lugar, refira-se o protagonismo que a famlia, e os seus membros,
desfrutavam entre os cristos-novos/sefarditas; em terceiro lugar, o cargo que
Duarte de Paz desempenhar em Roma, como procurador dos cristos-novos,
prova inabalvel que a famlia se encontrava inserida nas redes de comrcio
internacional, dominadas pela elite financeira sefardita, e que assentavam numa
estrutura muito particular, em torno da repartio dos membros das vrias famlias
situados em pontos estratgicos, de forte fluxo de matrias e capitais.
Ser mera casualidade Duarte de Paz receber da mo do banqueiro Diogo
Mendes e da sua cunhada, viva de seu irmo Francisco, fundos para defender a
causa dos conversos em Roma? E que dizer da partida de Tom Pegado de Paz para
a Turquia, precisamente no mesmo ano, 1552, em que Grcia Nasci para a se
desloca? Porventura, as ligaes entre os Paz e os Nasci, so muito mais profundas
do que primeira vista possam parecer. No esqueamos que o centro de gravidade
do comrcio europeu se deslocara para o Mediterrneo Oriental, e os Nasci
dominam, a partir do interior do Imprio Otomano, uma ampla rede que se estendia
ao Oriente . As razes aduzidas por Tom Pegado de Paz, de que fora ter com o pai a
mandado de seu tio , Diogo de Paz, escondem outros intentos, por parte da famlia de
193
CONCLUSO
mestre Joo. Repare-se que os caminhos a seguir, para ir para Constantinopla e os
contactos a travar, eram excepcionalmente bem conhecidos para quem vivia no Porto
e participava em obras de caridade na Misericrdia local. Isto , mesmo depois de
alguns membros da famlia serem interrogados pela Inquisio caso de Antnio de
Paz
Vide a rvore in Rvah, I.S. Antnio Henriquez Gomez, Paris, Chandeigne, 2003, pp. 207-209.
194
CONCLUSO
protagonistas no duelo que se trava em Roma entre os enviados de D. Joo III e os
cristos-novos; depois porque alguns dos seus membros foram apanhados nas
malhas dos vrios tribunais que se estabeleceram em Portugal.
Em resumo, os Paz, que foram uma das mais importantes famlias de
mercadores cristos-novos a viver em Portugal no sculo XVI, haveriam de
sobreviver socialmente s garras da Inquisio, mas com pesados custos, pois foram
perdendo progressivamente a sua influncia social, econmica, poltica e cultural.
Porm, o nome Paz haveria de atravessar os sculos, sempre associado ao Santo
Ofcio e perseguio religiosa dos cristos-novos, que ocorreu em Portugal entre os
sculos XVI e XVIII.
195
CONCLUSO
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