Ética e Estética em Nietzsche - Ernani Chaves
Ética e Estética em Nietzsche - Ernani Chaves
Ética e Estética em Nietzsche - Ernani Chaves
RESUMO
O presente artigo trata das relações entre arte e moral no pensamento de
Nietzsche, tomando como referência a questão da catarse. Procura-se mostrar
em que medida a crítica de Nietzsche aos efeitos moralizantes da tragédia e da
arte em geral acompanha a trajetória de seu pensamento, culminando, em
especial a partir do Zaratustra, com a crítica da moral da compaixão em
Schopenhauer.
PALAVRAS-CHAVE: tragédia, catarse, compaixão, identificação, empatia.
ABSTRACT
This article deals with the relations between art and moral in the thought of
Nietzsche taking as a reference the theme of catharsis. Therefore, it intends
to show in which way Nietzsche’s critique to the moralizing effects of tragedy
and art in general follows the trajectory of his thought, particularly after
Zaratustra, reaching its highest level on the critique of the moral of compassion
in Schopenhauer.
KEY WORDS: tragedy, catharsis, compassion, identification, empathy.
1
Este artigo foi escrito a partir de material recolhido entre janeiro e março de
2003, durante temporada de estudos em Weimar, na Alemanha, dentro do
Programa de Intercâmbio de Cientistas DAAD/CAPES, a quem agradeço. Além
disso, ele se insere na pesquisa desenvolvida como Bolsista de Produtividade do
CNPq, acerca do conceito de catarse no pensamento de Nietzsche.
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Kritische Studienausgabe, Berlin/München, Walter de Gruyter/DTV, 1988,
vol. 6, p. 127 (doravante citada como KSA, seguida do volume e da página).
Trad. bras.: Obras Incompletas, trad. de Rubens Rodrigues Torres Filho, 2ª. ed.,
São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 337.
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Cf. Querelle autour de ‘La naissance de la tragédie’. Nietzsche, Ritschl, Rohde,
Willamowitz, Wagner, Paris: Vrin, 1995, p. 123.
4
Idem, p. 212.
5
Trata-se do “Grundzüge der verlorene Abhandlung des Aristóteles über die
Wirkung der Tragödie”. Nietzsche emprestara este texto da Biblioteca da
Universidade da Basiléia em 1871, isto é, em plena elaboração do Nascimento
da Tragédia, mas já o conhecia desde seus tempos de estudante de Filologia. O
texto de Bernays foi reeditado em 1968 pela Wissenschfatliche Buchgesellschaft,
de Darmstadt. Ver a respeito das relações entre Bernays e Nietzsche: Carlo
Gentilli, “Bernays, Nietzsche e la nozione di trágico: alle origine di uma nuova
imagine della Grecia”. Rivista di Litterature moderne e comparate, Vol. XLVII,
Fasc. 1, gennaio-marzo 1994; Lucas Crescenzi, “Philologie und deutsche Klassik.
Nietzsche als Leser Paul Graf Yorck von Wartenburg” in Centauren-Geburten.
Wissenschaft, Kunst und Philosophie beim jungem Nietzsche. Berlin/New York,
Walter de Gruyter, 1994; Barbara von Reibnitz, Ein Kommenter zur Friedrich
Nietzsche „Die Geburt der Tragödie aus dem Geist der Musik”, Stuttgart, Metzler,
1992; J. Glucker et A. Lakas (ed.), Jacob Bernays. Un philologue juive, Lille,
Press Universitaire du Septentrion, 1996; Karlfried Günter, „Jacob Bernays und
die Streit über die Katharsis” (1968) in M. Luserke (Hrsg.), Die Aristotelische
Katharsis. Dokummente ihrer Deutung im 19. und 20. Jahrhundert, Hildesheim/
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Zürich?New York, Georg Holms Verlag, 1991 e Maris Cristina Franco Ferraz,
„Katharsis e Arte no pensamento de Nietzsche” in Nove variações sobre temas
nietzschianos, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002.
6
Jacob Bernays “Grundzüge...”, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft,
1968, caps. 1 e 2. Bernays acrescentava que o teatro não poderia ser visto como
„uma casa de correção moral” ou como uma “dona de casa” (Hausfrau)
encarregada de sua limpeza (Reinigung) diária.
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KSA, 1, p. 134. Trad. bras.: O Nascimento da Tragédia, trad. de Jacó Guinsburg,
São Paulo, Cia. das Letras, 1992, p.
8
Carta de Nietzsche a Rhode, de 07.12.1872. Kritische Sämtliche Briefe, Berlin/
München, de Gruyter/DTV, 1986, vol. 4, p. 97. Nietzsche ficou sabendo da
opinião de Bernays através de uma carta de Cosima Wagner, de 04.12.1872.
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Trata-se de um trecho de uma carta de Goethe a Schiller, de 09.12.1792.
Entretanto, não esqueçamos que em 1827 Goethe escreveu seu “Suplemento à
Poética de Aristóteles”, onde contestava com veemência a tese “moralizante”
de Lessing. Cf. “Nachlese zu Aristoteles Poetik” in Schriften zur Kunst und
Literatur, Stuttgart, Reclam, 1999, p. 295.
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Cf. Wolfgang Muller-Lauter, “Décadence artística enquanto décadence
fisiológica: A propósito da crítica tardia de Friedrich Nietzsche a Richard Wagner”.
Cadernos Nietzsche, 6, 1999, p. 12.
11
Paul Bourget, Essais de psychologie contemporaine, Paris, Gallimard, 1993,
p. 13 ss.
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“Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-
dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos, resistências
e triunfos, é tão absurdo quanto exigir do fraco que se expresse como forte” (
Genealogia da Moral, I, 13. KSA, 5, p. 279, trad. bras. de Paulo César Souza,
p. 43).
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Mazzino Montinari, “Nietzsche e la décadence “.www.hypernietzsche.org,
p.3. Capturado em 27.06.2004.
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Não devemos nos enganar quanto à “Terceira Dissertação”: embora seu título
remeta a uma pluralidade de “ideais ascéticos”, ela acaba por se dirigir ao cerne
do “ideal ascético”. Cf. a respeito, Marco Brusotti, “Ressentimento e Vontade
de Nada”. Cadernos Nietzsche, 9, 2000.
15
Esta é uma passagem decisiva, sob diversos aspectos. É como se Nietzsche aqui
descrevesse o destino da List, da “astúcia” de Odisseu, só que agora não mais a
serviço do prazer do herói, mesmo que à custa da impossibilidade do prazer para
os “remadores/trabalhadoresa”, mas sim a serviço da mímesis perversa do
sacerdote ascético, que estimula o sofrimento.
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KSA, 5, p. 373. Trad. bras.: Genealogia da Moral, trad. de Paulo César Souza,
São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 143.
17
Sobre Nietzsche e Dostoiévski, cf. Oswaldo Giacóia Jr., Nietzsche como
psicólogo, São Paulo, Ed. da Unisinos, 2001, p. 89 e ss.
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“Esse prazer é a tal ponto sutil, e a tal ponto às vezes inapreensível à consciência,
que as pessoas um pouquinho limitadas ou mesmo simplesmente as de nervos
fortes não compreenderão dele nem um pouco sequer” (Fiódor Dostoievski,
Memórias do Subsolo, trad. de Boris Schneiderman, 3ª. ed., São Paulo, Editora
34, 2000, p. 24).
19
Sabemos que as relações entre o lembrar e o esquecer já estão postas desde O
Nascimento da Tragédia e que ganharam sua primeira reflexão mais aprofundada
na Segunda Consideração Extemporânea. O exame mais detido destas relações
nos levaria muito além dos objetivos deste texto.
20
“Há de lembrar, quarenta anos seguidos, a sua ofensa, até os derradeiros e mais
vergonhosos pormenores, ainda mais vergonhosos, zombando maldosamente
de si mesmo e irritando-se com a sua própria imaginação” (Fiódor Dostoievski,
idem, p. 23).
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KSA, 5, p. 273.
22
KSA, 6, p. 117.
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Frag. Póst. 24 [1], Outubro-Novembro de 1888. KSA, 13, p. 626.
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Arthur Schopenhauer, Sobre o Fundamento da Moral, trad. de Maria Lúcia
Melo Oliveira Cacciola, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 119.
25
Maria Lúcia Cacciola, Schopenhauer e a questão do dogmatismo, São Paulo:
Edusp, 1995, p. 159.
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Arthur, Schopenhauer, op. cit., pp. 135-6.
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Sobre Schopenhauer e o Cristianismo, cf. Crepúsculo dos Ídolos, “Incursões
de um Extemporâneo”, # 37. KSA, 6, p. 138. Sobre Schopenhauer e a cultura
francesa, cf. Guiliano Campioni, Les lectures françaises de Nietzsche,: Paris,
PUF, 2001.
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Crepúsculo dos Ídolos, “Incursões de um Extemporâneo”, # 37, op. cit.
29
KSA, 5, p. 343.
30
Nietzsche contra Wagner, “O lugar de Wagner”. KSA, 6, p. 428. Trad. bras. de
Paulo César Souza, São Paulo, Cia. das Letras, 1999.
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O Caso Wagner, 8. KSA, 6, p. 30. Trad. bras. De Paulo César Souza, São Paulo,
Cia. das Letras, 1999.
32
Cf. Guiliano Campioni, “Wagner histrio” in Sulla strada di Nietzsche, Pisa,
ETS, 1992.
33
O caso Wagner, 7. op. cit.
34
Idem.
35
Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p. 116.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GÜNTER, K., “Jacob Bernays und die Streit über die Katharsis” (1968)
in Luserke, M. (Hrsg.), Die Aristotelische Katharsis. Dokummente
ihrer Deutung im 19. und. 20. Jahrhundert, Hildesheim/Zürich/
New York, Georg Holms Verlag, 1991.
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VON REIBNITZ, B., Ein Kommenter zur Friderich Nietzsche “Die Geburt
der Tragödie aus dem Geist der Musik”, Stuttgart: Metzler, 1992.
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