Tarde, Gabriel - Monadologia e Sociologia PDF
Tarde, Gabriel - Monadologia e Sociologia PDF
Tarde, Gabriel - Monadologia e Sociologia PDF
e outros ensaios
Gabriel Tarde
---~
Monadologia e sociologia
e ouiros ensaios
Gabriel Tarde
ORGANlZAyAO E INTRODUyAO
TRADUyAO
Paulo Neves
COSACNAIFY
---~~-----
191
Gabriel Tarde e a
diferenc;a infinitesimal
--10...
in~nitesimal
Sobre Tarde, ver listagem ao final deste volume. Para uma introdm;ao
ciologia de Tarde, ver, em portugues, Vargas (1995 e 2000). Sobre a pole1 Optamos por usar abreviaturas nas referencias aos trabalhos de Tarde. No
caso dos ensaios aqui publicados, indicamos as paginas desta edir;ao. A lista
mente elaborada por Durkheim (197~, 1975b, 1999a, 1999b e 2000), BougIe
(18 97-98), Simmiand (1901-02) e Mauss (2003), entre varios outros do grupo
minha responsabilidade.
do Annee Sociologique.
,I
mica entre Tarde e Durkheim, ver Karsenti (2002), Borlandi (1994) e Besnard
anos para mudar essa situa~aO.4 Entre outras coisas, ele vern
mostrando de maneira enfatica que, para Tarde, 0 que conta nao sao os indivfduos, mas as reIa~6es infinitesimais de
repeti~ao, oposi~ao e adapta~ao que se desenvolvem entre
ou nos indivfduos, ou melhor, num plano onde nao faz sentido algum distinguir 0 social e 0 individual.; Essas rela~6es
infinitesirnais de repeti~ao, oposi~ao e adapta~ao sao exaustivarnente consideradas nos seus maiores e rna is importantes trabalhos, notadamente em 1s Lois de l'imitation (u,
1890), La Logique sociale (LgS, 1895), L'Opposition universelle (ou, 1897), Les Lois sociales (/,5, 1898) e La Psychologie economique (PE, 1902). Certamente elas tambem estao
presentes nos ensaios aqui reunidos. Mas nestes ha ainda e
sobretudo uma outra coisa: uma hip6tese que Tarde imagi4 As listagens bibliograficas de e sobre Tarde (infra, pp. 24-ss) dao uma boa
ideia do renovado interesse por sua obra. Entre ontras coisas, a bibliografia
evidencia que de publicon muita eoisa e sobre l11uitos assuntos, quase tudo
em vida, e qne as pllblica~6es foram interrompidas poueo tempo dcpois de
sua morte e apenas recentemente retomadas.
interesse se renova.
5 Sobre 0 supra-individual e 0 infra-social, vcr em especial 1.1: 155-ss; vcr tambem Deleuze 1988: 136~37, De1cuze e Guattari 1996: 98-101, Karsenti 1993,
Lazzarato 1999 e Latour zo05: 43-5S, alem dc Vargas 1995 e 2000; 192-Z13
10
na e que nao aparece assim tao clara e inequivocamente desenvolvida em nenhum outro trabalho, sequer mesmo nas
pe~as literarias que escrevia com certa freqiiencia e que, se
nao sao geniais, nao carecem de imagina~ao. E essa hip6tese que, pelo momento, gostarfamos de fazer centelhar com
a publica<;ao desle volume.
III
II
(Deleuze e
Guattari 1996: (}8-ss) e que se tornou a principal inspirador da renovado interesse em torno de Tarde. Ver Alliez .2001 a respeito do impacto de Tarde
sabre Deleuze, oode nota que e de Tarde que derivam as tftulos de alguns
dos livros mais importantes de Delellze, como Difference et repetition (1968)
e Mille Plateaux (& Guattari 1980).
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13
14
15
IV
(1999: 10).
Ha: tres maneiras de conceber 0 monisrno, lembra Tarde.
Uma delas e dualista: a mente e 0 mundo sao, como na batida
metafora, as duas faces de uma mesma moeda, a realidade.
Gutra e tria:dica, ou melhor, trinitaria: nela, mente e mente,
mundo e mundo, e se mente e mundo tern algo em comurn,
e porque sao ambos crias de urn mesmo criador: Deus, por
16
exemplo, embora por vezes tambem a Natureza, a Lei, 0 Mercado au a Sociedade figurem como a terceiro transcendente
a garantir que dois fac;am urn. Gutta, enfim, e monista: nela,
"materia e espfrito, nada mais. Essa ultima tese e a unica [... ]
que oferece real mente a reduc;ao exigida" (MS: 65), assevera
Tarde: a reduc;:ao infinita, infinitesimal e, per isso, irredutivel.
Mas ha ainda dais modos de entender essa maneira monista
de compreender 0 monismo, urn modo idealista e urn modo
monadologista.
Com os idealistas, pode-se dizer que 0 universo material, inclusive os outros ellS, e meu, exclllsivamente meu; ele se compoe
de meus estados de espirito ou de sua possibilidade na medida
em que esta e afirmada por mim, ou seja, na medida em que ela
propria e urn de meus estados de espirito. Se essa interpreta~ao
for rejeitada, nao resta senao admitir, com os monadologistas,
que todo 0 lIniverso exterior e composto de almas olltras que a
minha, mas no fundo semelhantes a minha. (MS: 65)
Almas outras que a minha, mas no fundo semelhantes a minha, nada rna is cristao, nao? Nao, porque nao ha: mais urn
Deus absoluto, mas uma mirfade de deuses au agentes infinitesimais. AIem disso, se "materia e espfrito, nada mais", e tambern porque espfrito e materia, nada menos; caso contrario a
formulac;ao nao seria efetivamente monista. Tarde nota ainda
que essa e a unica interpretac;ao que permite evitar que continuemos a cair numa contradic;ao sem fim, aquela que ocorre
toda vez que afirmamos simultaneamente e com a mesma
convicc;ao: 1) que jamais seremos capazes de conhecer as
coisas em si (a natureza, a realidade exterior) porque afinal
somos humanos, constitufmos urn dominio ontologico privativo; e 2) que, apesar de incognoscfveis, ainda assim as coisas
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aparente, e fina1mente negado pelos mais ousados, que encontraram eeo em toda parte" (MS: 53). Mas aqui anteeipamos.
Talvez 0 argumento nao seja espiritualista, mas ele e claramente antropom6rfico, nao? Pura ideologia! Mera proje<;ao
de modos de pensar e agir propriamente humanos as formas
inanimadas da natureza ou aos seres vivos irracionais, e 0 que
provavelmente muitos pensarao. Seni? Nao estaremos indo
rapido demais? Leiamos mais uma vez: como as ciencias, 0
monismo=miriatefsmo de Tarde "se lan,a, nao [...] em um
antropomor{i.smo, mas em urn psicomorfismo inevitavel" (MS:
65: grifo meu). Nao se trata de antropomorfismo, diz T<lrde
rna is de uma vez. 0 antropomorfismo e, como 0 fetichismo,
uma categoria de acusa<;ao, talvez de uso mais letrado, mas
ainda assim uma categoria de acusa<;ao. A acusa<;ao e de proje<;ao indevida e seu ponto de apoio ou centro de irradia<;ao
eaquilo que e tido como sendo indevidamente projetad o: no
caso, a condi<;ao humana. Em outras pa1avras, a acusa<;ao de
antropomorfismo supoe urn antropocentrismo de base ou,
dito as avessas, s6 quem confina 0 humano no centro pode
aeusar urn outro de projeGi-lo em qualquer lugar. Logo, 0 psicomorfismo nao e urn antropomorfismo porque, para Tarde, a
separa<;ao entre materia e espfrito, como aquelas entre mente
e mundo, natureza e sociedade e indivfduo e sociedade sao irrelevantes para a compreensao do mundo. Lembremo-nos: 0
elemento-tiltimo de cada ciencia s6 e ultimo aos olhos dessa
ciencia em particular, ou 0 elemental e ainda urn composto.
. . Para Tarde, as pr6prias ciencias estao rebaixando os abismos
escavados outrora entre natureza e sociedade e entre os seres
vivos e os inorganicos ao reconhecerem que os primeiros termos da serie social sao os ultimos da serie vital, enquanto os
primeiros da serie vital sao os ultimos da qufmica, que, por
sua vez, encontra no alomo seu termo iniciaL Seu termo ini-
18
a,."
19
'1
v
Dizfamos que, embora Tarde encontre almas por todo canto,
o argumento neomonadol6gico nao e espiritualista, pois pulverizar unidades e tambem lan,ar p6 par tada parte. Entretanto, ele certamente envolve urn animismo generalizado, 0
que equivale a dizer que, em Tarde, monismo=miriatefsmo e
cren~a e desejo nao sao faculdades nem representat;;6es, mas
fort;;as, como as fort;;as sao crent;;a e desejo. Vejamos, pois.
Como natau Tarde, "a principal abie,ao a dautrina das
monadas e [...] que ela calaca au parece calacar tanto au
rna is complica~ao na base dos fenomenos do que no seu
tapa. Quem explicara, paderaa talvez nos perguntar, a camplexidade espiritual das agentes pelas quais acreditamas tuda
20
explicar?" (MS: 93). Boa pergunta! A abie<;aa certamente seria grave, se a camplexidade existisse. Tarde nega cantuda
a camplexidade alegada, afirmanda que a cren<;a e a deseja
"sao todo 0 ser das monadas", ou seja, atribuindo urn estatllto
ontol6gico a cren~a e ao desejo. Mas 0 que sao crem;as e desejas? Em Tarde, cren<;as e desejas sao "as duas for<;as da alma",
as for~as pl:isticas e as fo[(;as funcionais que animam a vida
social. Como far<;as, elas sao quantidades; como quantidades,
estaa par tada canto, mas porque estaa par tada canto elas
variam em graus de intensidade. Eis urn equivoco que correntemente vitimiza os 16gicos: 0 de ignorar os diferentes graus
de credibilidade e de desejabilidade 7 Eis tambem urn equfvoco que acomete os soci6logos desde Durkheirn, 0 de conceber 0 social como uma realidade sui generis. A questao e que
em Tarde a palavra social tern urn significado rnuito peculiar,
posta que naa define urn damfnia especifica da realidade au
uma zona ontol6gica particular reservada aos human os, mas
designa tada e qualquer madalidade de assacia<;aa; de forma
que, em vez de substancia, social e sempre reIa~ao, logo, diferenc;a. Mais uma vez, nao h:i nada de antropom6rfico nessa
hip6tese, afirma, pois a cren~a e 0 desejo tern esse privilegio
unico de comportar estados inconscientes, estando para as representac;6es e as sensa~6es como 0 espac;o e 0 tempo estao
para a materia: eIes conformam seu exterior. Veja-se esta longa
citac;ao concernente aqueles que tentaram a via do monismo
identificando equivocadamente 0 movimento a sensa~ao:
de fato, urn desses termos pelo menos esta mal escolhido. Entre
as varia~6es puramente quantitativas do movimento, cujos desvios
7 Sabre cren<;a e deseja, "La Croyance et Ie desir" [co, 18801
e a ensaio
21
1.-.
Ha pequenos deuses por todo canto: nao sera pedir muito dar credito a esse segundo momento da lic;ao neomonadol6gica?
primeiro ja nao era facil; esse segundo, enta~,
exige demasiado, nao? Sim, exige demasiado, para comec;ar
que estejamos dispostos a nos livrar de certos preconceitos
e a colocar quest6es que de outro modo nao 0 seriam. Por
exemplo, que nos indaguemos seriamente se as inova~6es e
as descobertas que brotam de nossa inteligencia e de nossa
vontade pr6prias prevalecem sobre as invenc;6es, as industrias
e as artes celulares, "tais como urn dia de primavera as exp6e".
Para Tarde,
Nao e 0 Momo "urn turbilhao, urn ritmo vibrat6rio de certo ge-
22
se
23
1'-
esse preconceito, no fundo, que nos impede de crer nas monadas. Em seu secular esfon;o para interpretar mecanicamente
tudo 0 que esta fora de n6s, mesmo 0 que rna is brilha em trac;os de genio acumulados, as obras vivas, nosso espirito sopra, de
certo modo, apagando todas as luzes do mundo em beneficio de
sua solitaria fagullia. (.'.1S: 74)
24
perspectivismo miriatefsta e
2002),
e0
mundo
que e assim, os etn6logos costumam dizer que sao os fndios que sao assim, de
onde se conclui que a metaffsica de uns
ea cosmologia de outros.
25
equivocaram em virtude dos mesmos preconceitos antropoeen~ieos, diria Tarde, de modo que, deseartado esse grande
eqUlvoco, restam-nos duas op<;6es: ou bern conhecimento
algu~ e possfvel, ou bern conhecemos por mudanc;a de perspeetrva. Certamente, e a ultima a op<;ao abra<;ada por Tarde,
pOlS, para ele, apenas livrando-nos desses preconceitos e que
e possivel afastar "a obje<;ao fundamental que se pode fazer a
toda tentativa [... ] de deeompor 0 continuo fenomenieo em
deseontinuidade elementar. Com efeito, 0 que eoloearemos no
deseontInuo ultimo sendo 0 contInuo? Coloeamos [...] a totalidade dos outros seres. No fundo de eada eoisa, h" toda eoisa
real ou possivel" ("Is: 81).
VI
"No fun do de eada eoisa, h" toda eoisa real ou possivel". Mas
!sso e muita coisa para uma partfcula de po! Entretanto, e
ISSO que a faz existir, e isso que a faz diferir, insiste Tarde. E
que, para ele, 0 real e apenas urn caso do possfvel, do necessario sob condic;ao: "para alem do domfnio real de todo
elemento, ha seu domfnio condicionalmente necessario isto
e, eerto embora nao real" ("Is: 116). Para Tarde, 0 que :xiste
no real sao emergencias produzidas pelos encontros fartuitos
e inumeraveis de series repetitivas, mas emergencias que so
sao inteligfveis com rela~ao a infinitas series de rela<;;6es ou
encontros virtuais: "nascidos de urn encontro, que nos fez diferentes de todo 0 resto do Universo, vamos nos esbarrando e
nos alterando ate a morte; e tudo isso e justamente chamado
fartuito, pois os seres que assim se cruzam nao se buscavam,
mas nem par isso seu cruzamento foi menos necessario e fatal" ("A a<;ao dos fatos futuros" [A,.,.J: 178-79). Nem determinismo, nem voluntarismo, em Tarde nao ha Providencia, ape-
26
27
VII
Fic<;ao cientffica? Sim, e da melhor especie, daquela que leva
e~ coota a a~ao dos fatas furums e, com isso, pretende levar as
clencias as ultimas conseqiiencias. Pais se tern uma caisa que
surpreende Tarde e que nos acostumamos a considerar a ac;ao
do passado, mas nao temos por habito levar em coota a ac;ao do
futuro, au seja, nao tratamos passado e futuro simetricamente.
No entanto, "a ac;ao do futuro, que ainda nao existe, sabre 0
presente, nao (... J pareee nem mais nem menos concebfveI do
que a a<;ao do passado, que nGO existe mais" (AFF: ,69).
Levar em, coota 0 passado enquanto nao Se considera 0 futu"r~, o~ [azer 0 cantrario, sao diferentes maneiras de repetir uma
va ml~agem do pensamento", de se deixar levar por esse "preconcelto en~anador que atribui a urn momento imaginario do
t~mpo, .seg~Indo uma s6 das duas dire96es do tempo, 0 monopOIIo explIcahvo das realidades" (AFF: '69). Mas 0 que nos autoriza
a "pedir mais ao passado do que ao futuro a chave db enigma
o~erecldo ao espirito pela estranheza do real"? (AFF: '69). Por que
nao hrubearnos em dlzer que 0 passado vai em dire9ao ao fururo
enquanto considerarnos bizarro ruzer gue 0 fu ruro vern em dire~ao ao pass~do? Porgue nos iludimos ao "considerar passado
como detenmnante (pois para nos ele ilumina) e 0 futuro como
determmado (pois para nos ele e iluminado)" (AFF: '74); e
28
VIII
Chegamos enfim ao argumento de base ou de fundo. A questao decisiva e: "se tudo vern da identidade e se tudo vIsa e
dirige-se a ela, qual a origem desse rio de variedade que nos
deslumbra?" (MS: 105) Bern ao seu estilo, Tarde responde:
buscamos por toda parte 0 fim supremo, a termo absoluto e verdadeiramente para si do qual depende este mundo. Pedimo-Io
a ideia da vida, a ideia da felicidade, a ideia do Util, a ideia do
dever, a ideia do belo. Par toda parte vimos a natureza das coisas,
essencialmente heterogenea, resistir a essas harmonias diversas,
29
diferenc;a diferente
(AFF: 17 8).
Para Tarde, portanto, partir da semelhanc;a au da ldentldade e corneter 0 equivoco que Durkheirn e tanto outros cometern, a saber, 0 de confundir 0 que e recurso e 0 que e t6pico
de discussao, 0 que e dado e 0 que e preciso explicar. Para ele,
"partir da identidade primordial e supor na origem um~ singl~
laridade prodigiosamente improvavel [... J, au entao a mexphd.vel misterio de urn unico ser simples posteriormente dividido
nao se sabe par que" (MS: 98). Se considerarmo s a identidade
como 0 principio ou 0 tim-, 0 recurso ou 0 dado, como sera
30
JI
Se for assim, em que consiste a diversidade, ou 0 que e a sociedade senao a possessao [possession] recfproca, sob formas
extremamente variadas, de todos por cada urn? Como notou
Latour (200Z: 120; zo05: 13), social e urn termo aplicavel a
qualquer modalidade de associa,ao; ele portanto nao designa,
ou nao deveria designar, urn dominio ontol6gico partrcular,
nem qualquer outra entidade que se preste a servir de substancia para calafetar os ocos de urn mundo antecipadamente esvaziado de agentes, precipitadamente dividido entre homens
e coisas; em vez disso, 0 que ele designa e urn "princfpio de
conexao". Logo, lembra ainda Latour (Z002: 128), "haver ou
nao haver, esta e a questao" em Tarde, pois se "existir e difelogia au a outras empreendimentos do genera, ainda que se tenha tentado
explicitamente apraximar Tarde e a memetica, por exemplo (sobre essas
32
tentativas de aproxima~ao e seus limites, ver Sehimid 2004). Muito peIo eontnirio, em Tarde a recusa da resposta que se tornou socioJ6giea chissica s6
faz sentido se acompanhada da correspondente reeusa da resposta que hoje
ehamarfamos de soeiobiol6gica. Sim, as sociedades sao como as organismos;
entretanto, nao ha mais organismos, au se organismos ainda ha, e porque
eles sao como os astros e os atomos: sociedades.
33
de dizer nada alem da nossa existencia quando dizemos "somos". No modo do ser, a al1to-rela~ao e 0 modela da relaC;ao;
ja no modo do haver, a alterac;ao faz as vezes da relac;ao. Assim, enquanto 0 ser nao ad mite meios-termos, apenas ser ou
nao ser, 0 haver comporta graus, pois scmpre se pode haver
mais ou menos. A renuncia a metaffsica do ser - ou a ontologia - em favor de uma metaffsica do_ haver - ou, como
sugeriu Milet (1970: 164), da ecologia - exige, portanto, uma
mudanc;a radical: em vez de buscar a essencia identitaria dos
entes, cabe defini-Ios par suas propriedades c1iferenciais e par
toda a fllosofla fundou-se ate agora no verbo Ser [Etre], cuja deflnit;ao parecia a pedra filosofal a descobrir. Pode-se aflrmar que,
se tivesse sido fundada no verba Haver [Avoir], muitos debates
estereis, muitos passos do espirito no mesmo lugar teriam sido
evitados. """' Deste principio, eu sou [je suis]' c impossivel deduzir,
mesmo com toda a sutileza do mundo, qualquer outra existencia
alem da minha; dai a negac;ao da realidade exterior. Mas coloquc-sc em primeiro lugar este postulado "Eu hei" [rail como
fato fundamental; 0 havido [eu 1 e 0 havendo [ayant] sao dados
ao mesmo tempo como insepaniveis. (MS: 113)
34
il1~l1itesimal
3,
contraste entre
(2000: 42) e retomado par Deleuze e Guattari (1992: 168). Aqui tam bern "0
perspeetivismo nao
e urn
e a rela<;ao" (Vi-
veiros de Castro 2001: 38). Sobre este contraste, vcr ainda Zhourabichvili
36
~-
37
x
Tuda isso
Nao ha af urn ran90 indisfan;a.vel de caisa velha, extravagante e ultrapassada, como se tudo nao passasse de mais
urn daqueles esdruxulos sistemas de ideias devidamente superados pelo avam;o do conhecimento positivo? "Urn sistema!
Mas ele nao existe, a titulo de realidade; em urn momento
dado, nunca ha senao fragmentos e aspectos dispersos de sistema, pensados por urn ou varios espfritos", pondera Tarde
(vu: 161). Nao, a disputa nao e entre a metaffsica e a ciencia,
nem a epistemologia esta qualificada para servir de juiz. Se
diferendo ha, ele e de outra ordem, pois envolve a composi~ao de uma imagem do pensamento da diferen~a que, por
defini9ao, nao pode deixar de ser diferente, nem de continuar
diferindo, sob pena de abandonar a existencia. Nao, nao e
necessario abandonar a metaffsica para que se comece a fazer
sociologia. Nesse movimento, monadologia e sociologia se
conjugam, dai 0 titulo; mas desse movimento nem a filoso-
38
39
12
Sobre
Afora
40
a pu-
blicar;ao de 'TAction des faits futurs" (Tarde 1901: 119n); ver ainda De Tarde
2000:
168-7
41
nao como Ter", e lembra que, a esse respeito, 0 portugues encontra-se em posi,ao vantajosa ante 0 grego - "lingua, entre
outras, do ser" (Cassin 1998: 68), como tambern lingua materna da filosofia - e as linguas "filos6ficas" modemas como 0
alemao, 0 frances e 0 ingles, que nao sao capazes de exprimir
sem maiores circunvolLH;6es 0 haver portugues. Em portugues, enquanto 0 verbo "ter" absorveu todo 0 sentido possessivo do avoir frances, a designa~ao do sentido de existencia
impessoal ficou a cargo do "haver". Como notou Santoro
(2004: 543), "ha sempre uma diferen,a de nuan,a" entre "ter"
e "haver", pois enquanto 0 "ter" "conserva 0 aspecto tranquilizante e solido de uma posse", 0 "haver" envolve "a ideia de
eclosao, de evasao e de flexibilidade", sendo rna is adequado
para designar, nao "urn objeto que se possua solidamente",
mas sua "irrup~ao" na existencia, 0 que nos remete as considera~6es anteriormente tecidas a respeito do carater reverso
da possessao vis-ii~vis a rela~ao reificante da posse. Assim, "em
sua acep,ao existencial, continua Santoro (2004' 544), 'ha'
nao requer nem sujeito, aparente ou real, nem adverbio de
lugar" (como ocone no frances "if y a", por exemplo), mas
"apenas 0 objeto direto do verbo: 0 que e projetado para a
existencia"; por isso mesmo, 0 ha portugues "porta uma ideia
de presen~a instantanea no mundo, sem outro suporte aMm
do proprio advento", como na notavel expressao: "ha 0 que
existe". Se aproximarmos essa expressao daquela outra expressao tardiana nao menos notavel, "existir e diferir", observaremos entao que "haver" e diferen~a, nada mais, nada menos.
Se levarmos em conta, alem disso, a propriedade projetiva
que em portugues e capaz de articular "haver" e "a vir" (ou
ravenir, como diriam os franceses), ou seja, de fazer 0 haver
suportar ou projetar 0 porvir, entao observaremos que nao
ha "haver" sem a~ao dos fatos futuros ... Se algumas vezes as
42
..I
43
carater singular da proposta de Tarde, alem de servir para tornar mais dificil, espero, a captura esterilizante da filosofia do
haver de Tarde como outra funesta varia~ao da ideologia do
individualismo possessiva.
As tradu~6es publicadas neste volume foram realizadas a partir das seguintes vers6es:
44
AGRADECIMENTOS
Muito do que tenho feito sobre e com Tarde e favorecido pelos dialogos estabelecidos com Eduardo Viveiros de Castro e
com Marcio Goldman ha longa data, e com Bruno Latour
mais recentemente. Pierre Sanchis e Raul Magalhaes tern
sido referencias constantes. A todas sou grato, como tambern
aos estudantes que tern se arriscado a fazer comigo a disciplina
a CAPES
(Coordena~ao
de Aperfei~oamento de Pessoal de
N'vel Superior) e ao Centre de Sociologie de l'lnnovation
45
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,0
..
e sociologia
Hypotheses fmgo
Monadologia e sociologia
53
intermediarias. Aqui, nenhuma evollH;ao, nenhuma transi,ao, tudo e nftido, brusco, bern marcado; e, no entanto, tudo
a que ha de ondulante, de harmaniosamente graduado nos
fenomenos vern daf, mais ou menos como a cantinuidade
das matizes'seria impassfvel sem a descontinuidade das cores.
Mas nao e somente a qufmica que, ao progredir, parece nos
encaminhar para as monadas. E tambern a ffsica, sao as ciencias naturais, e a hist6ria, e a pr6pria matematica.
De grande impartiincia [diz Lange] foi a hip6tese de Newton de
que a gravita9ao de urn corpo celeste nao e senao a soma da gravita9ao de todas as massas das quais se compoe, Disso resllitava
imediatamente que as massas terrestres gravitam mutuamente
umas em dire9aa as outras e, mais ainda, que 0 mesmo acontece
com suas menores moleculas.
Por essa ideia, bern rna is original do que pode nos parecer,
Newton rompia, pulverizava a individualidade do corpo
celeste, considerado ate entao como uma unidade superior
cujas rela<;6es internas em nada se assemelhavam a suas rela<;6es com os corpos estrangeiros. Era preciso urn grande vigor
de espfrito para resolver eSsa unidade aparente em uma lTIultiplicidade de elementos distintos, ligados entre si do mesmo
modo que Com as elementos de outros agregados. Os progressos da ffsica e cia astronomia datam do momento em que essa
maneira de ver suhstituill 0 preconceito contrario.
Nisto, os fundadores da teoria celular se mostraram as
continlladores de Newton. Eles romperam do mesmo modo
a unidade do corpo vivo, decompuseram-no em urn numero
prodigioso de organismos elementares, isoladamente egofstas
e avidos de se desenvolver as expensas do exterior, entendendo por exterior tanto as celulas vizinhas e fraternas quanta
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Por sua vez, os fisiologistas nao poderiam acreditar na homogeneidade do protoplasma e, na celula viva, julgam ativa e
verdadeiramente viva somente a parte salida. A parte solUvel
e, quase em sua totalidade, somente uma provisao de combustiveis e de alimentos (ou urn amontoado de excrementos).
Mesmo na parte salida, se a conhecessemos melhor, quase
tudo certamente poderia ser eliminado. E, de elimina~ao em
elimina~ao, aonde chegarfamos senao ao ponto geometrico,
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ou seja, ao puro nada, a menos que esse ponto nao seja urn
centro como sera explicado rna is adiante? De fato, no elemento histol6gico verdadeiro (que a palavra celula designa
bastante mal), 0 que ha de essencial a considerar nao e seu
limite, seu involucro, mas sim esse mkleo central de onde
parece que ele aspira a se irradiar indefinidamente, ate 0 momento em que a cruel experiencia dos obstaculos exteriores 0
obriga a fechar-se para proteger-se; mas aqui antecipamos.
Nao ha meio algum de se deter nessa inclina<;ao para 0
infinitesimal, que se torna, de modo sem duvida muito inesperado, a chave do universo inteiro. Daf talvez a importancia
crescente do caleulo infinitesimal; daf tambern, pela mesma
razao, 0 espantoso sucesso momentaneo da doutrina da evoIU<;ao. Nessa teoria, urn tipo especffico, diria urn geometra, e
a integral de inumeraveis diferenciais chamadas varia~6es individuais, devidas elas proprias a varia~6es celulares, no fundo
das quais aparecem mirfades de mudan~as elementares. A fonte,
a razao de ser, a razao do finito, do definido, esta no infinitamente pequeno, no imperceptivel: tal e a convic~ao profunda
que inspirou Leibniz e tam bern nossos transformistas.
Mas por que uma transforma~ao, incompreensfvel quando
apresentada como uma soma de diferen~as nftidas, definidas,
e facilmente compreendida se a consideramos como uma
soma de diferen~as infinitamente pequenas? Mostremos em
primeiro Iugar que esse contraste e bastante real. Suponho
que, por milagre, um carpo desapare~a, se aniquile no lugar A
onde estava, para depois reaparecer, voltar a ser no lugar Z, a
urn metro de distancia do primeiro, sem ter atravessado as posiq6es intennedicirias: esse tipo de deslocamento naD encontra
abrigo em BOSSO espfrito, ao passo que nao nos surpreendemos de ver esse carpo passar de A a z seguindo lima linha de
posi~6es justapostas. Assinalemos tam bern que nosso primeiro
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espanto em nada teria diminufdo se tivessemos visto 0 desaparecimento e 0 reaparecimento bruscos efetuarem-se a uma distancia de meio metro, de trinta, de vinte, de dez, de dois centimetros ou qualquer fra<;ao perceptivel de milfmetro. Nossa
razao, au mesmo nossa imagina~ao, ficaria tao chocada com
o ultimo caso quanta com a primeiro. Do mesmo modo, se
nos apresentarem duas especies vivas distintas, muito distantes
au muito proximas, nao importa, digamos urn fungo e uma labiada, ou duas labiadas de urn mesmo genero, nunca chegaremos a compreender, nao rnais aqui do que la, que uma tenha
podido suhitamente e sem transi~ao transformar-se na outra.
Mas se nos disserem que, em virtude de urn cruzamento, 0
ovulo fecundado de uma sofreu urn desvio, extremamente
pequeno de infcio, mas depois gradativamente maior, de seu
itinerario habitual, nao teremos nenhuma dificuldade de
admitir isso. Didio que 0 inconcebfvel da primeira hipotese
deve-se a urn preconceito formado em nos par associa<;ao de
ideias. que e muito verdadeiro e prova, justamente, que a
realidade, fonte da experiencia na qual nasceu esse preconceito, esta em conformidade com a explica<;ao do finito pelo
infinitesimal. Pais a razao pura, a razao nua, alias, jamais teria
adivinhado isso; ela seria antes levada a ver no grande a fonte
do pequeno do que no pequeno a fonte do grande, e estaria
disposta a acreditar em tipos divinos inteiramente prontos ab
initio, que repentinamente envolveriam e penetrariam urn
torrao de terra do exterior ao interior. Ela diria mesmo de born
grado, com Agassiz, que de infcio as afVores foram florestas,
as abel has colrneias, os homens na~6es. Esse ponto de vista
s6 pode ser proscrito da ciencia pela revolta dos fatos contrarios. Para falar apenas dos mais vulgares, verifica-se que uma
imensa esfera de luz expandida no espa<;o deve-se a vibra~ao
unica, multiplicada e contagiosa, de urn atomo central de eter
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- ~ue toda a popula9ao de uma especie deve-se a multiplicacrao. prodrglOsa de uma primeira e l1nica celula ovular, especie
de lrradiar;ao geradora -, que a presenr;a cia verdadeira teoria
astron6mica em milh6es de cerebros humanos cleve-se a repetir;ao multiplicada de uma ideia surgida, certa dia, em uma
ceIula do cerebro de Newton. Mas 0 que resulta disso, perguntamos maIS uma vez? Se 0 infinitesimal direrisse do finito
apenas POT grau, se tanto no fundo das coisas como em sua superffcie apreensfvel houvesse apenas posir;6es, dist,aTIcias, deslocamentos, por que urn deslocamento, inconcebiveI como
~nit~, m~daria.de natureza ao tornar-se infinitesimal? Logo, 0
mfimtesimal drfere qualitativamente do finito; 0 movimento
tern uma causa diferente dele mesma; 0 fen6meno DaD e todo
o ser. Tudo parte do infinitesimal e tudo a ele retorna' nada
coisa sUI.preendente que nao surpreende ninguem, nada apa~
rece subltamente na esfera do finito, do complexo, nem nela
se extingue. ~ue conduir daf, senao que 0 'infinitamente pequeno, ou seJa, 0 elemento, e a fonte e a meta, a substancia e a
razao de tudo? ..... Enquanto 0 progresso da ffsica leva os ffsicos
a quanti/icar a natureza para compreende-la, e significativo
que 0 progresso da matematica conduza os matematicos, para
c~m~reender a quantidade, a decomp6-la em elementos que
nao tern absolutamente nada de quantitativo.
Essa importancia crescente atribufda pelo aumento dos conhecimentos ao infinitesimal e tanto rnais estranha quanto, em
sua forma ordin'hia (afastada a hip6tese das monadas), ele e
urn simples amontoado de contradi96es. Deixo ao Sr. Renou~
vier 0 cuidado de aponta-las. Por qual virtude 0 absurdo daria
ao espfrito humano a chave do mundo? Nao seria porque, atrave~ dessa n09aO inteiramente negativa, visamos sem alcan9a-la,
mlramos sem ve-Ia uma n09aO mnito positiva que talvez nos
fa9a falta, mas que ainda assim deve constar como mem6ria no
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eo-
segundo a qual as formas de antepassados, as inven,oes biologicas acumuladas e Iegadas em massa ao 6vula, sucederam-se
nas idades anteriores.
real apoio que a doutrina da evolu,ao fornece as hip6teses rnonadol6gicas se mostraria bern mais evidente ainda
se considerassemos esse grande sistema sob as novas formas
que esta em vias de adquirir e que ja come?am a se esbot;,:a~.
Pois 0 pr6prio evolucionismo evolui. Evolm nao por um~ serie ou urn concurso de tateios cegos, de adaptac;6es fortllltas
e involuntarias aos fatos observados, em conformidade com
procedirnentos de transformac;ao que em geral ele cornete 0
erro de atribuir a natureza viva, mas sirn pelos esforc;os acumulados de cientistas e te6ricas perfeitamente atentos, consciente e voluntariamente ocupados em rnodificar a teoria
fundamental para ajusta-la da melhor maneira possivel aos
clados da ciencia que lhes sao conhecidos, e tambem as ideias
preconcebidas que Ihes sao caras. Essa teoria e para ele~ urn
tipo generico que cada urn, asua maneira, procura,es~e~lficaT.
Mas, entre os produtos variados da ferrnentat;,:ao medlta SllScitada por Darwin, ha apenas dois que acrescentarn ou ~ubs
tituem a' ideia propria do rnestre uma novidade verdadelfa e
real mente fecunda. Refiro-rne, em primeiro lugar, aevoluqao
POT associaqao de organismos elementares em or.ganisrnos
mais cornplexos forrnulada pelo Sf. Edmond Perne,r, ~, em
segundo lugar, a evolu,ao por saltos, par crises, que, mdlcada
e predita ha muitos anos nos escritos cIarividentes de Cournot,
voltou a germinar espontaneamente aqui e acola no esp{rito
de muitos cientistas conternporaneos. De acordo com urn
deles, a transforrnat;,:ao espedfica de urn tipo preexistente
em vista de uma adaptac;ao nova cleve ter-se operado em um
momenta dado e de uma fonna de certo modo imediata (isto
e, penso eu, mllito curta relativamentc a prodigiosa durac;ao
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esse carater singular permitiria talvez tentar por eles a espiritualizar;do do universo. A meu ver, os dais estados da alma, ou
melhor, as duas fon;as da alma chamadas crenc;a e desejo, de
onde derivam a afinnal}do e a vontade, apresentam esse carater eminente e distintivo. Pela universalidade de sua presenc;a
em todo fen6meno psicol6gico do homem au do animal, pela
homogeneidade de sua natureza de urn extrema a outro de
sua imensa escala, desde a menor inclinac;ao a crer e a desejar ate a certeza e a paixao, enfim, por sua mutua penetrac;ao
e par outros trac;os de similitude nao menos impressionantes,
a crenc;a e a desejo desempenham no eu, em relac;ao as sensac;6es, precisamente a papel exterior do espac;o e do tempo
em relaC;ao aos elementos materiais. Caberia examinar se essa
analogia nao encobriria uma identidade, se, em vez de serem
simplesmente formas de nossa sensibilidade, como afirmou
seu rna is profundo analista, 0 espac;o e a tempo nao seriam
eventualmente noc;6es primitivas ou quase-sensac;6es contlnuas e originais pelas quais se traduziriam a nos, grac;as as nossas duas faculdades de crer e de desejar, fonte comum de todo
julgamento e, portanto, de toda noc;ao, as graus e as modos de
crenc;a, os graus e os modos de desejo dos agentes psfquicos
diferentes de nos. Nessa hip6tese, os movimentos dos carpos
seriam apenas especies de julgamentos ou designios formados
pelas m6nadas I
Percebe-se que, se Fosse assim, a transpan~ncia do universo
seria perfeita, e 0 conAito manifesto de duas correntes opostas
da ciencia contemporanea estaria resolvido. Pois se esta, par
urn lado, nos leva a psicologia vegetal, a "psicologia celular",
1
,. 'JanIe provavclmcntc se refere aos cnsaios "Les Possihles" (infra, p. 191), e "La
Croyancc ct Ie desir" (1880), hcm como ao primeiro item do quinto capfhJio de
Les Lois de {'imitation (1890), 1,1,:vvl
uma dar, e nao uma n0950; afirma justamente a contr<iria (Lotze, Psycholo-
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em breve a psicologia atomica, em suma, a uma interpretat;ao totalmente espiritual do mundo mecanico e material,
por outro lado sua tendencia a explicar tudo mecanicamente,
mesmo 0 pensamento, nao e menos eviciente. Na "psicologia
celular" de Haeckel, e curiosa ver alternarem-se de uma linha a outra essas duas maneiras de ver contraditorias. Mas a
contradi<;ao e suprimida pela hip6tese precedente, e s6 assim
pode so-Io.
Alias, essa hip6tese nada tern de antropom6rfica. A crent;a
e 0 desejo possuem 0 privilegio unico de comportar estados
inconscientes. Ha com certeza desejos, julgamentos inconscientes. Tais sao os desejos implicados em nossos prazeres e
em nossas aflit;6es, os julgamentos de localizat;ao e outros
incorporados a nossas sensat;6es. Ao contrario, sensat;6es inconscientes, nao sentidas, sao manifestamente impossfveis; e,
se sao concebidas por alguns espfritos, e porque, sem 0 saberem, eles as confundem com sensat;6es nao afirmadas e
nao discernidas, ou entao porque, compreendendo a necessidade muito real de admitirem estados inconscientes da alma,
consideraram erradamente as sensat;6es como suscetfveis de
serem tais estados. Os fatos, muito impressionantes de resto,
sobre os quais se ap6ia a hip6tese de uma sensibilidade inconsciente, provam em geral bern mais alem dessa conclusao. Eles mostram que nossa pr6pria consciencia, monadas
dirigentes, elementos-chave do cerebra, tern como colaboradoras necessarias, constantes, durante nossa vida ou reinado
cerebral, inumeras outras consciencias cujas modificat;6es,
exteriores em relaC;ao a n6s, sao para elas estados internos.
Alguns fisiologistas que se interessam pela psicologia [diz 0 Sr.
Ball J provaram que nada se poderia esquecer.
vestigios das
impress6es anteriormente recebidas acumulam-se em nossas
as
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A necessidade que tern os alienistas de recorrer a essas compara<;6es de secretario, de bib/ioteeario intimo, para explicar
os fenomenos da mem6ria, e uma forte suspeita em favor da
hip6tese das monadas. A teoria monadol6gica ainda pode
apropriar-se sem nenhuma dificuldade da argumenta<;ao
dos psic610gos ingleses e alemaes a esse respeito. Mas ja que
afinal parece necessario considerar como inconscientes, em
alguns casos, certos estados da alma, observemos que, na verdade, urn desejo, urn ate de fe nao s6 podem nao ser sentidos,
mas nem sequer poderiam ser sentidos como tais, do mesmo
modo que uma sensat;ao nao poderia ser ativa por ela mesma.
Ora, por esse carater marcante, as duas forc;as internas que nomeei se apresentam a nos como objetivaveis no mais alto grau.
Uma vez que se aplicam a quaisquer sensat;5es, por mais radicalmente diferentes que estas possam ser, tanto ao vermelho
qua~to ao do ou ao re, tanto ao perfume cia rasa quanto ao
frio ou ao calor, por que nao se aplicariam igualmente a fenomenos desconhecidos e, admito, incognosclveis, par hip6tese
Qutros que as sensac;6es, mas nem mais nem menos distintos
das sensat;6es do que elas 0 sao llmas das outras? Por que a
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vez mais, sao maquinas, a natureza essencial dos unicos produtos e das unicas fon;as resultantes de seu funcionamento
que nos sao conhecidos ate 0 fundo (sensa~6es, pensamentos,
volic;6es), nos mostra que seus alimentos (carbono azoto oxigenio, hidrogenio etc.) contem elementos pSiqui~os oc~ltos.
De maneira especial, entre esses resultados superiores das
fun,6es vitais ha dois que sao for,as e que, brotando do cerebro, nao puderam ser criados pelo jogo mecanico de vibra,6es celulares. Pode-se negar que 0 desejo e a cren,a sejam
forc;as? Acaso nao se percebe que, com suas combinac;oes
recfprocas, as paixoes e os desfgnios, eles sao os ventos perpetuos das tempestades da historia, as quedas d'"gua que fazem
girar os moinhos da political 0 que e que conduz e impele 0
mundo, senao as crenc;as religiosas ou outras, as ambic;oes e a
cupidez? Esses supostos produtos sao de tal modo for,as que,
por si s6s, eles produzem as sociedades, vistas ainda por tantos fil6sofos atuais como verdadeiros organismos. Assim, os
produtos de urn organismo inferior seriam os fatores de uma
organizac;ao superior! E, admitindo 0 carater dinamico desses dois estados da alma, a conclusao, da qual nao se escapa,
mesmo considerando-os como produtos, adquire urn grau de
rigor maior. Pois, sabe-se que as for~as empregadas pelas maquinas sempre saem delas bern menos desnaturadas que suas
materias-primas. Conseqiientemente, se 0 desejo e a cren~a
sao for~as, e provavel que em sua saida do corpo, nas nossas
manifesta~oes mentais, nao sejam notavelmente diferentes
de como eram em sua entrada, sob forma de coes6es ou de
afinidades moleculares. 0 ultimo fundamento da substancia
material nos seria assim entreaberto; e vale a pena examinar
se, seguindo as conseqtiencias desse ponto de vista, permanecemos de acordo com os fatos obtidos pela ciencia. Aqui
tenho a vantagem de poder apoiar-me nos trabalhos acumu-
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~aracteres
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Urn diametro de 1/3000 de milfmetros e aproximadamente 0 menor que urn microscopio nos permite ver distintamente. Mas os
raios solares [diz 0 Sr. Spottiswoode J e a luz eIetrica nos revelam
a presenc;a de corpos infi-nitamente abaixo dessas dimens6es. a
Sr. Tyndall teve a ideia de medi-Ios em funC;ao das ondas luminosas [... ] ohservando-os em massa e registrando as cores que
difundem [...] Esses corpos infinitamente pequenos nao sao apenas moleculas gasosas; compreendem tarnbem organismos completos, e 0 ilustre cientista que acabamos de citar fez urn estudo
aprofundado da influencia considenivel que esses organisrnos
mim'isculos exercem na economia da vida.
Mas, dirao, se nao atingimos os limites do psiquismo, 0 born
senso nos afirma que, em media, os seres muito menores que
nos sao muito menos inteligentes; e seguindo essa progressao
teremos certeza de chegar, no caminho da pequenez crescente, a ininteligencia absoluta. "" 0 born senso! Deixemo10 de lado. 0 born sensa diz tam bern que a inteligencia e
incompatfvel com urn tamanho desmedido, e nisto, cum pre
reconhecer, a experiencia Ihe da razao. Mas juntemos essas
duas afirmac;6es do born senso, e fica claro que ambas emanam, uma gratuita, a outra verossfmil, do preconceito antropocentrico. Na realidade, julgamos os seres tanto menos inteligentes quanta menos os conhecemos, e 0 eno de acreditar
o desconhecido ininteligente pode ir de par com 0 erro, de
que falaremos adiante, de acreditar 0 desconhecido indistinto,
indiferenciado, homogeneo.
Seria preciso evitar ver no que precede uma defesa disfar<;ada em favor do principia de finalidade, tao justamente desacreditado em nossos dias sob a forma ordinaria. Com efeito,
do ponto de vista do metoda, talvez seja ainda rna is preferivel
recusar a natureza toda finalidade, toda ideia, do que preten-
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Acabamos de ver que a ciencia, ap6s ter pulverizado 0 universo, acaba necessariamente por espiritualizar sua poeira.
Chegamos, porem, a uma obje~ao capital. Em urn sistema
monadol6gico ou atomfstico qualquer, todo fenomeno nao
e senao uma nebulosa decomponfvel em a~6es emanadas de
uma infinidade de agentes que sao outros tantos pequenos
deuses invisfveis e inumeraveis. Esse politefsmo, eu ia dizer
esse miriateismo, deixa por explicar 0 acordo universal dos
fenomenos, por mais imperfeito que ele seja. Se os elementos do mundo nasceram separados, independentes e autonomos, nao se compreende por que um grande numero deles
e urn grande numero de seus agrupamentos (por exemplo,
todos os atomos de oxigenio ou de hidrogenio) se assemelham, se nao perfeitamente - como se sup6e sem razao
suficiente -, pelo menos dentro de Ii mites mais ou menos
fixos; nao se compreende par que urn grande numero deles,
se nao todos, parece ser cativo, subjugado, e ter renunciado
aquela liberdade absoluta que implica sua eternidade; noo
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sabre as outros, mostra que se cleve reconsiderar sua irnpenetrabilidade. Cada urn deles , outrara vista como urn ponto ,
torna-se uma esfera de a<;ao indefinidamente ampliada (pais
a analogia leva a crer que a gravidade, assim como todas
as outras fon;as ffsicas, propaga-se sucessivamente); 2 e todas essas esferas que se interpenetram sao igualmente domfnios proprios a cada elemento, talvez igualmente espac;os distintos, embora misturados, que tomamos falsamente
como urn espac;o uniee. 0 centro de cada lima dessas esferas
e urn ponto singularizado por suas propriedades, mas, ainda
assim, urn ponto como Dutro qualquer; alias, sendo a atividade a essencia mesma de todo elemento, cada urn deles
est;) inteiramente Ia onde age. 0 atomo, em conseqiiencia
do desenvolvimento desse ponto de vista, natural mente sugerido pela lei de Newton (e que em vao se tenta de vez em
quando explicar por impulsoes de eter), cessa, a bern dizer,
de ser urn Momo; ele e urn meio universal ou que asp ira a se10, urn universo para si, nao apenas urn microcosmo, como
queria Leibniz, mas 0 cosmo inteiro conquistado e absorvido por urn unico ser. Se, decomposto 0 espa~o de certo
modo sobrenatural em espa~os reais ou dominios elementares, conseguissemos decompor do mesmo modo a entidade
vazia do Tempo unico em realidades multiplas, em desejos
elementares, nao restaria rna is, como ultima simplifica~ao,
senao explicar as leis naturais, a similitude, a repetic;ao dos
fenomenos e a multiplica~ao dos fenomenos semelhantes
(ondas ffsicas, celulas vivas, copias sociais) pelo triunfo de
2
rios milh6es de vezes mais rapida que a 1uz. Em lima passagem e1e diz 50
milh6es, noutra,
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mi1h6es de vezes.
Mas isso supGe, em primeiro lugar, que toda coisa e uma soeiedade, que todo fenomeno e urn fato social. Ora, e significativo que a ciencia tenda, alias por uma continuidade 16gica
de SlIas tendencias precedentes, a generalizar estranhamente
a no<;ao de sociedade. Ela nos fala de sociedades animais (ver
o excelente livro do Sf. Espinas a esse respeito), de sociedades celulares, e por que nao de sociedades at6micas? la-me
esquecendo das sociedades de astros, os sistemas solares e
estelares. Todas as ciencias parecem destinadas a tornaremse ramos da sociologia. Sei perfeitamente que, por uma falsa
compreensao do sentido desse termo corrente, alguns foram
levados aver nas sociedades organismos; mas a verdade e
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nao seria senao uma especie de nac;ao infinitamente mais numerosa e mais avanc;ada, que teria chegado aquele per(odo
estaciomirio que Stuart Mill almeja para todos nos.
Vamos direto a obje,ao rna is especiosa que foi feita a essa
assimilac;ao dos organismos e, a fortiori, dos seres [(sicos as
sociedades. 0 contraste rna is marcante entre as nac;5es e os
corpos vivos e que estes ultimos tern contornosdefinidos e
simetricos, enquanto as fronteiras das nac;5es ou os limites das
cidades sao trac;ados no solo com uma irregularidade caprichosa, onde a ausencia de qualquer plano previo se faz sentir.
a Sr. Spencer e 0 Sr. Espinas responderam de maneira diversa a essa dificuldade, mas creio que se pode propor ainda
uma outra resposta.
Nao e necessario negar 0 contraste indicado, ele e muito
real, mas e suscetfvel de uma explicaC;ao plausivel; simplifiquemo-Io para compreende-lo bern. Deixando de lado 0 carater simetrico e definido das formas organicas, atenhamo-nos
apenas a esta outra caraderfstica, ligada aprecedente, a saber:
que 0 comprimento, a largura e a altura de urn organismo
nunca sao extremamente desproparcionais entre si. Nas serpentes e nos alamos, a altura ou 0 comprimento prevalece
notavelmente; nos peixes achatados, a espessura e minima
comparada as outras dimens5es; mas em nenhum caso a desproporc;ao apresentada pelas formas extremas e comparavel a
que nos mostra constantemente urn agregado social qualquer,
por exemplo a China, que tern 3 mil quilometros de comprimento e de largura, e urn ou dois metros apenas de altura media, pois os chineses sao de porte pequeno e seus edificios bastante baixos. Mesmo em urn Estado que compreende apenas
uma cidade fortificada da ldade Media, estritamente contida
dentro de suas muralhas, e onde as casas que se alteiam nas
ruas tern varios andares, a espessura e ainda rnuito pequena
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relativamente a extensao. Mas este ultimo exemplo nao comec;a a nos colocar no caminho da soluC;30 buscada? Pois e
para melhor resistir aos ataques do exterior que uma cidade se
fortifica, se aglomera, que os andares se sobrep5em; se, nas capitais modernas, onde esse amontoamento nao e imposto pela
inseguranc;a dos tempos, as casas tendem igualmente a se elevar cada vez mais, e por uma razao que concorre muitas vezes
com a precedente, isto e, para satisfazer anecessidade, sentida
pOI urn mlmero de homens sempre crescente, de participar
das vantagens sociais da maior reuniao humana possivel no
menor espa,o possive!. Se esse forte instinto de sociabilidade
que faz os homens desejarern se aglomerar, seja para melhor
se defenderem, seja para se desenvolverem mais plenamente,
nao encontrasse urn limite pr6ximo e intransponivel, e provavel que vissemos nac;5es compostas de cachos de homens erguidos no ar e apoiando-se no chao sem nele se espalhar. Mas
e quase inutil indicar por que isso e impossfvel. Uma nac;ao
tao alta quanto larga ultrapassaria em muito a zona respiravel
da ahnosfera, e a crosta terrestre nao forneceria materiais suficientemente s6lidos para as construc;5es titanicas exigidas par
esse desenvolvimento urbano no sentido vertical. Alias, para
alem de uma elevaC;ao de alguns metros, os inconvenientes
resultantes superam as vantagens, em consequencia da organizac;ao fisica do homem, cujos sentidos e 6rgaos respondem
todos as necessidades de uma expansao exclusivamente horizontal. Carninhar e nao escalar, ver diante de si e nao em direC;ao ao alto ou do alto para baixo etc. e sua natureza. Enfim,
os inimigos que ele pode temer nao circulam nos ares, mas
vagueiam na terra. Desse ponto de vista, seria portanto inutil
a uma naC;ao ser muito alta. ]a 0 mesmo nao acontece para
as agregados celulares, animais ou plantas. Eles podem ser
atacados inesperadamente tanto do alto quanta pelos lados, e
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devem ser fortes em todos os sentidos. Alem disso, os elementos anatomicos de que se comp6em os corpos vivos nao sao
constitufdos de maneira a comportar apenas uma coordena,ao horizontal. Nada se opoe, portanto, a satisfa,ao indefinida
do instinto de sociabilidade que Ihes atribufmos.
Isso posto, ja nao observamos que, quanta rna is urn agregada social cresce em altura, as expensas de suas duas outras
dimens6es, diminuindo assim a distancia sempre consideravel de sua forma pr6pria as outras formas organicas, mais ele
se aproxima tambern destas pela regularidade, pela simetria
crescente de sua conformaC;ao exterior e de sua estrutura
intema? Urn grande estabelecimento pllblico, uma escola
do Governo, uma caserna, urn mosteiro sao como pequenos
Estados muito centralizados, muito disciplinados, que con1rmam essa maneira de veL Ao contrario, quando urn ser
organizado como 0 llquen se apresenta excepcionalmente
sob a forma de uma fina camada de celulas largamente espalhadas, e de notar que seus contomos sao mal definidos e
assimetricos.
Quanto a signi1cac;ao dessa simetria que as formas vivas
geralmente apresentam, ela pode nos ser fornecida por urn
outro tipo de considerac;6es tomadas tambem de nossas sociedades. Seria inutil tentar explica-Ia por simples motivos de
utilidade funcional. Pode-se provar quanto se quiser, com 0
Sr. Spencer, que a locomoc;ao exigiu a passagem da simetria
radial a simetria bilateral, menor porem mais perfeita, e que
la onde a manutenc;ao da simetria era incompatfvel com a
sallde do indivfduo ou a dura,ao da especie (por exemplo,
nos pleuronectfdeos) a simetria foi excepcionalmente perturbada. Mas nao se deve esquecer que tudo 0 que pode ser
mantido da simetria primitiva, provavelmente esferica, isto e,
plena e vaga, de onde surgiu a vida, e tudo 0 que pode ser ob-
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coovern dizer uma palavra sabre uma Dutra objec;ao que nao
e sem importancia. Gpoe-se a variabilidade das sociedades
humanas, mesma das que variam mais lentamente, a fixidez
relativa das especies organicas. Mas se, como poderia ser demonstrado, a causa quase exclusiva cia diferenciac;ao interna
de urn tipo social cleve ser buscada nas relac;5es extra-sociais de
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1879, no congresso de naturalistas suflJos, a prop6sito do archaeopteryx macroura, intermediario entre os repteis e as aves), "que a adaptalJao ao voo
(entre os repteis em vias de tornarem-se aves) vai de fora para dentro, da pele
ao esque1eto, e que este ultimo pode estar ainda perfeitamente inc6lume [... J
quando a pe1e ja chegou a desenvolver plumas".
>I-
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de vista sociologico universal parece-me ser urn desses espectros que atormentam 0 cerebro de nossos contemporaneos
especulativos. Vejamos desde 0 initio onde ele deve nos levar.
Sejamos exagerados com 0 risco de passar por extravagantes.
Nessa materia em particular, 0 temor do ridfculo seria 0 rna is
anti~losofico dos sentimentos. Assim, todas as explana~6es a
~egUlr terao por objeto mostrar a profunda renova<;ao que a
mterpreta~ao socio16gica de todas as coisas devera ou deveria
impor a todos os domfnios do conhecimento.
Como preambulo, tomemos urn exemplo ao acaso. Do
nosso ponto de vista, 0 que significa esta grande verdade de
que toda atividade psiquica esta ligada ao funcionamento
de urn aparelho corporal? Ela significa 0 seguinte: em uma
sociedade, nenhum indivfduo pode agir socialmente, nem
se revelar de uma maneira qualquer, sem a colabora~ao de
urn grande numero de OlitroS individuos, na maioria das
vezes ignorados pelo primeiro. as trabalhadores obscuros
q:le, pela acumula~ao de pequenos fatos, preparam 0 apareClmento de uma grande teoria cientffica formulada por urn
Newt~n, urn Cuvier, um Darwin, comp6em como que 0
orgamsmo do qual esse genio e a alma; e seus trabalhos sao
as vibra~6es cerebrais das quais essa teoria e a consciencia.
Consciencia quer dizer gloria cerebral, de certo modo, do
elemento mais influente e mais poderoso do cerebro. Portanto, entregue a si mesma uma monada nada pode. Eis af
o fato capital, e ele serve imediatamente para explicar urn
outro: a tendencia das m6nadas a se reunirem. Essa tendencia
exprime, a meu ver, a necessidade de urn maximo de cren~a
despendida. Quando esse maximo for atingido pela coesao
universal, 0 desejo consumido se aniquilara, 0 tempo acabara. Observemos, alias, que os trabalhadorcs obscuros aos
90
CARR!!::!. TARDE
v
Tudo isso pode parecer muito estranho, mas no fundo 0 e
bern menos do que uma maneira de ver correntemente aceita
ate agora pelas cientistas e as fil6sofos, e da qual a ponto de
~ista sociologico universal deve ter par efeito logico nos livrar.
E de fato muito surpreendente ver os homens de ciencia, tao
dispostos a repetir a todo instante que nada se cria, admitir
implicitamente como alga evidente que as simples relaroes de
diversos seres podem se tomar elas proprias novos seres acrescenfados numericamenfe aos primeiros. No entanto e 0 que se admite, sem talvez suspeitar, quando se descarta a hipotese das
m6nadas e se busca por meio de alguma outra, especialmente
peIo jogo dos atomos, explicar estas duas apari<;oes capitais:
urn novo indivfduo vivo, urn novo eu. A menos que se recuse
a titulo de ser a essas duas realidades prototfpicas de toda no,ao de ser, ,,-se for,ado a convir que, tendo sido colocados em
rela<;oes mecanicas de certo tipo alguns elementos medinicos
em numero determinado, urn novo ser vivo que nao existia
passa de repente a existir e acrescenta-se a seu numero. Mais
rigorosamente ainda, deve-se admitir que, quando elementos vivos em dada quantidade sao aproximados de urn certo
Monadologia e sociologia
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GABRIEL TARDE
associados (os ministros em urn Estado), cada qual sob urn aspecto particular, que a individualiza nao menos inteiramente.
Mas esse chefe ou esses chefes continuam sendo membros
do grupo, nascidos de pai e mae e nao de seus suditos ou de
seus administrados coletivamente. Por que entao 0 acordo de
ceIulas nervosas inconscientes teria 0 dom de evocar diariamente do nada uma consciencia em urn cerebro de embriao,
enquanto 0 acordo de consciencias humanas jamais teria tido
essa virtude em sociedade alguma?
VI
Monadologia e sociologia
93
capitula sabre a instabilidade da hamagenea, de ter farmulada magistralmente essa aparencia erigida em lei. A verdade
e que a diferenc;a vai diferinda, que a mudanc;a vai mudanda, e
que, ao darem-se assim como metas a si mesmas, a mudan~a
e a diferenc;a atestam seu car"lter necessaria e absoluto; mas
nao esta nem poderia ser provado que a diferenc;a e a mudanc;a aumentam no muncio ou diminuem. Se oIharmos 0
muncio social, 0 unieD que nos e conhecido de dentm, vemos
os agentes, os homens, muito mais diferenciados, mais,caracterizados individualmente, mais ricas em variac;6es contfnuas,
do que 0 mecanismo governamental, os sistemas de leis au
de crenc;as, os pr6prios diciomirios e as gramaticas, mantidos
par des. Urn fata historica e mais simples e rna is claro que
qualquer estaclo de espfrito de urn de sellS atores. Mais ainda,
amedida que a populac;ao dos grupos sociais aumenta e os cerebros dos societ<.:irios se enriquecem de ideias e sentimentos
novos, 0 funcionamento de suas administra9oes, de seus codigos, de seus catecismos, da estrutura mesma de suas lfnguas
regulariza-se e simplifica-se, rna is ou menos como as teorias
cientfficas a medida que se preenchern de fatos rna is numerosos e diversos. Nossas esta90es ferroviarias sao construidas
segundo urn modelo mais simples e uniforme que os castelos
da Idade Media, embora as primeiras envolvam recursos e trabalhos bern mais variados. Vemos, ao mesmo tempo, que, se a
marcha da civiliza9ao diversifica sob certos aspectos os indivfduos humanos, e somente com a condi9ao de gradual mente
os nivelar sob outras rela9oes, pela uniformidade crescente de
suas leis, de seus habitos, de seus costumes, de suas Iinguagens. Em geral, a similitude desses trac;as caletivas favorece a
dessemelhanc;a intelectual e moral das individuas cuja esfera
de a9ao ela estende; alias, se em conseqliencia do movimento
civilizador as institui90es, os costumes, 0 vestuario, os produ-
op~ao
ql1cst;}o. [EVV]
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GABRIEL TARDE
Mmwdalagia e socialagia
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,.
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Monadologia e sociologia
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GABRH:L TARDE
pela regularidade e o capricho, pela permanncia e a fugacidade, das relaes que elas nos apresentam. O exemplo das
sociedades precisamente muito adequado para fazer perceber esse importante fato e para sugerir ao mesmo tempo sua
verdadeira significao, ao mostrar que nessa srie em que a
identidade e a diferena, o indistinto e o caracterizado empregam-se reciprocamente vrias vezes seguidas, o termo inicial
e o termo final a diferena, o carter, o que h de bizarro e
de inexplicvel que se agita no fundo de tudo, que sempre reaparece mais ntido e mais vivo aps apagamentos sucessivos.
Homens que falam, todos com uma diversidade de sotaques,
de entonaes, de timbres de voz, de gestos: eis a o elemento
social, verdadeiro caos de heterogeneidades discordantes.
Mas, com o tempo, dessa Babel confusa destacam-se hbitos gerais de linguagem, formulveis em leis gramaticais. Estas, por sua vez, servem apenas, pelo relacionamento de um
maior nmero de falantes juntos, para realar a feio prpria
de suas idias: outro gnero de discordncia. E elas conseguem diversificar tanto mais os espritos quanto mais elas prprias forem fixas e uniformes. Consideremos, por exemplo, os
poetas. Eles se apoderam da lngua nascente para submet-la
sua fantasia desordenada. No entanto, aps um perodo de
balbucios, ritmos e leis prosdicas formulam-se e impem-se;
o verso indiano, o verso grego, o verso francs, pouco importa.
Novo acesso de uniformidade. Para que serve, em ltima anlise? Para desenvolver ainda mais os recursos imaginativos
dos poetas e faz-los brilhar com luz prpria. medida que o
bater rtmico das asas da poesia se regulariza de algum modo,
seu vo, fato notvel, torna-se mais caprichoso. A prosdia
de Victor Hugo em suas regras sutis ao mesmo tempo mais
complicada e mais rigorosa que a de Racine. Se considersse~
f!10s _os cientistas e no os poetas, a observao produziria os
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Monadologia e sociologia
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civiliza~ao
teria slla pr6pria poesia, sua propria filosofia, mas nao sua grande descoberta,
nao sell grande premio de loteria, nao seu papel polftico Oll militar.
[02
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!\1ollado!ogia e sociologia
[OJ
pequeno], no qual se acham certamente as realidades fundamentais, sutis, maravilhosas e profundas". Sera que ele se
exprimiria desse modo se concebesse os elementos liltimos,
a maneira vulgar, como exemplares identic os de urn tipo
uniforme? Como toda substancia qufmica se traduz a nossos
olhos por uma vibra9ao especial imprimida ao eter, tende-se
a supor que essa faculdade de vibrar de uma certa maneira
e identica em todos os atamos similares e que eles naG tern
Dutra. Eo como se dissessem de urn bosque de pinheiros ou
de alamos ouvidos a distancia e reconhecfveis por seu assobio au seu murmurio particular, simples e monotono, que
as folhas de pinheiro e de alamo consistem em urn trinado
caracterfstico e invariavel. Assim, como a sociedade, como
a vida, a qufmica pareee testemunhar a necessidade cia diferenc;a universal, princfpia e fim de todas as hierarquias e de
todos os desenvolvimentos.
A diversidade, e nao a unidade, esta no corac;ao das coisas: essa conclusao deduz-se para nos, de resto, de uma observa,ao geral que urn simples olhar lan,ado ao mundo e as
ciencias nos permite fazer. Em toda parte uma exuberante riqueza de varia,aes e de modula,aes inusitadas emana destes
temas permanentes que chamamos especies vivas, sistemas
estelares, equilibrios de todo tipo, e acaba par destrul-Ios e
renova-Ios inteiramente; no entanto, em nenhuma parte as
forc;as ou as leis que estamos habituados a chamar princfpios
das coisas parecem propor-se a variedade como termo ou
como meta. As forc;as estao a servic;o das leis, dizem-nos, e
todas as leis aplicam-se aos fenomenos na medida em que
estes sao repetic;oes perfeitas e nao repetic;6es variadas; todas,
manifestamente, tendem a assegurar a reproduC;ao exata dos
temas e a estabilidade indefinida de todo tipo de equilibrio,
a impedir sua alteraC;ao e sua renovac;ao. A grande manivela
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GABRIEL TARDE
de nosso sistema solar e feita para girar eternamente. As duvidas que podiam subsistir sobre esse ponto depois de Laplace,
Leverrier as levantou. Toda especie viva quer perpetuar-se
sem fim; ha alga nela que luta para conserva-Ia contra tudo
o que busca dissolve-Ia. Sucede a ela 0 mesmo que a todo
governo, 0 mesmo que ao mais fragil ministerio, cujo papel
essencial e sempre dizer-se, acreditar-se, querer-se instalado
no poder para sempre. Nao ha urn fossil vegetal Oll animal
de uma especie extinta ha seculos que nao tenha tido em
si uma seguranc;a legislativa, uma certeza, aparentemente
fundada, de viver tanto quanto 0 planeta. Tudo isso, que pereceu, estava destinado a durar sem fim, e baseava-se em leis
fisicas, qufmicas, vitais, assim como nossos despotas ou nossos ministros se baseiam em seu codigo ou em seu exercito.
o nosso sistema solar seguramente tam bern perecera, como
tantos outros cujos destroc;os se veem nos ceus; e quem sabe
mesmo se tipos moleculares nao desaparecerao, depois de
terem se originado no curso das eras as expensas de moleculas preexistentes?
Mas como e que tudo isso pode ou podera perecer? Como,
se no universo ha apenas leis reputadas imutaveis e onipotentes, visando a equilfbrios estaveis, e uma substancia reputada homogenea sabre a qual se exercem essas leis, como a
ac;ao dessas leis sobre essa substancia pode produzir a magnffica Borac;ao de variedades que rejuvenescem a toda hora
o universo e a serie de revoluC;6es inesperadas que 0 transfiguram? Como pode mesmo 0 menor Boreio introduzir-se
atraves desses ritmos austeros e enfeitar, por pouco que seja,
a eterna salmodia do mundo? Do casamento do monotono e
do homogeneo, que pode nascer senao 0 tedio? Se tudo vern
da identidade e se tudo visa e dirige-se a ela, qual a origem
desse rio de variedade que nos deslumbra? Estejamos certos,
Monadologia e sociologia
105
a fundo das coisas nao etao pobre, tao opaco, tao descolorido
quanta se supoe. Os tipos sao apenas freics, as leis sao apenas
diques opostos em vao aD transbordamento de diferenc;as revolucionarias, intestinas, nas quais se elaboram em segredo
as leis e os tipos de amanhii, e que, apesar cia superposi<;ao
de seus jugos multiplos, apesar cia disciplina qufmica e vital,
apesar cia razao, apesar cia mecanica celeste, acaham urn dia,
como os hom ens de uma nac;ao. par derrubar tacias as barreiras e por fazer de seus pr6prios destroc;os urn instrumento de
diversidade superior.
lnsistamos nessa verdade capital: chega-se a ela ao observar que, em cada urn desses grandes mecanismos regulares, 0 mecanismo social, 0 mecanisme vital, 0 mecanismo
estelar, 0 mecanismo molecular, tacias as revoltas internas
que acabam par rempe-los sao provocadas por uma condi~ao
amHoga: seus elementos componentes, soldados desses diversos regimentos, encarna~ao temponiria de suas leis, nunca
pertencem ao mundo que constituem senao por um lado de
seu ser, escapando por outros lados. Esse mundo nao existiria sem eles; mas, sem aquele, estes ainda seriam alguma
coisa. as atributos que cada elemento deve a sua incorporac;;ao no regimento nao formam sua natureza completa; ele
tern outras incIina~6es, outros instintos que procedem de arregimenta~6es diferentes; outros, enfim e por consequencia
(veremos a necessidade dessa conseqliencia), que the vern de
seu amago, de si mesmo. da substancia pr6pria e fundamental na qual pode se apoiar para lutar contra a patencia coletiva, mais vasta, ponm menos profunda, da qual faz parte,
e que nao e senao urn ser artificial, composto de lados e fachadas de seres. - Essa hip6tese e f.lcil de verificar junto aos
elementos socia is. Se neIes houvesse apenas 0 social, e especialmente 0 nacional, pode-se afirmar que as sociedades, que as
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na~6es
e, imitar.
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seu foro fntimo e em seu arcano mais secreto, pela influencia misteriosa da vida. Nossos novOS fisiologistas dissiparam
completamente esseerro. Uma molecula organizada, portanto, pertence ao mesmo tempo a dois mundos estranhos
ou hostis urn ao outro. Ora, pode alguem negar que essa independencia da natureza quimica dos elementos corperais
em rela~ao a sua natureza organica nos ajuda a compreender
as perturba<;6es, as desvios e as modifica<;6es bem-sucedidas
dos tipos vivos? Mas penso que e precise ir mais longe e reconhecer que somente essa independencia torna inteligfvel
a resistencia de certas por~6es dos 6rgaos a aceita~ao do tipo
vivo hereditario, e a necessidade que as vezes tern a vida, isto
e, 0 conjunto de moleculas que permaneceram d6ceis, de
transigir enfim, mediante a ado~ao de urn tipo novo, com
as moleculas rebeldes. Com efeito, parece haver af de propriamente vital somente a gera,ao (da qual a nutri<;ao au a
regenera~ao celular e apenas urn caso), em conformidade ao
tipo heredit<irio.
Isso e tudo? Possivelmente nao; a analogia nos convida
a crer que as pr6prias leis qufmicas e astronamicas nao se
apoiam no vazio, que elas se exercem sobre pequenos seres ja
caracterizados interiormente e dotados de diversidades inatas,
de modo nenhum acomodadas as particularidades das maquinas celestes ou qufmicas. E verdade que nao percebemos
nos corpos quimicos nenhum tra~o de doen~as ou de desvias acidentais que pudessem ser comparados as desordens
organicas ou as revolu~6es sociais. Contudo, ja que existem
atualmente heterogeneidades qufmicas, sem duvida nenhuma
houve, em uma epoca muito remota, forma~6es quimicas.
Essas forma~6es foram simultaneas? Viu-se, na mesma hora,
o carbono, 0 azoto etc., surgirem no seio de uma mesma
substancia amorfa, nao qufmica anteriormente? Se isso for
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III
VII
Nas duas divis6es que precedem, mostramos que 0 ponto de
vista sociol6gico universal presta ria a ciencia dais grandes
servi~os, livrando-a, em primeiro lugar, das entidades ocas
sugeridas pela rela~ao mal compreendida das condi~6es ao
resultado, e que falsamente substituem os agentes rea is; em
segundo lugar, do preconceito de crer na similitude perfeita
desses agentes elementares. Mas estas sao duas vantagens pu-
lIZ
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III
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II;
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aerea, e isso equivale a dizer que a asa utiliza 0 ar para moverse, assim como a locomotiva utiliza 0 carvao e a nadadeira a
agua. Nao e esse emprego uma tomada de possessao? Todo ser
quer, nao se apropriar aos seres exteriores, mas apropria-los a
si. Aderencia atamica ou molecular no mundo ffsico, nutri<;ao
no mundo vivo, percep<;ao no mundo intelectual, direito no
mundo social, a possessao nao cessa de estender-se, sob inumeras formas, de urn ser aos outros seres, par urn entrecruzamento de domfnios variados cada vez mais sutis.
Variavel em suas formas multiplas, ela 0 e tambem em
seus graus infinitos. Os astros, por exemplo, possuem-se uns
aos outras com uma intensidade que aumenta ou diminui
na razao inversa do quadrado de sua distancia. A vitalidade
dos organismos, isto e, a solidariedade fntima de suas partes,
eleva-se ou decai continuamente. Do sono profundo a clareza de espfrito rna is perfeita, 0 pensamento percorre uma extensa gama que marca a crescimento de seu imperio especial
sobre 0 mundo. Quando se restabelece a seguran<;a em urn
pafs conturbado, nao se sente cada cidadao que volta mais
mestre daqueles de seus compatriotas que lhe devem servi~os,
au seja, de todos as seus compatriotas, com a ajuda legftima
dos quais ele conta mais firmemente do que antes?
Seja qual for a forma da possessao, ffsica, qufmica, vital,
mental, social (sem falar das subdivis6es que podem ser feitas
em cada forma), precisamos distinguir, primeiro, se ela e unilateral ou recfpraca e, em segundo lugar, se ela se estabelece
entre urn elemento e urn ou varios outras elementos individualmente considerados, ou entre urn elemento e urn grupo
indistinto de outras elementos. Comecemos par dizer uma
palavra desta segunda distin<;ao. Quando entro em comunica<;ao verbal com urn ou varios de meus semelhantes, nossas
m6nadas respectivas, segundo meu ponto de vista, apreen-
Monadologia e sociologia
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lIS
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GABRIEL TARDE
,aes, supae a multiplicidade dos agentes do mundo. Sua multiplicidade atesta sua diversidade, unica capaz de dar-lhes uma
razao de ser. Nascidos diversos, eles tendem a se diversificar, e
sua natureza que a exige; par outro lado, sua diversidade devese a eles serem, nao unidades, mas totalidades especiais.
Penso tambem que muitos enigmas indecifraveis seriam
explicados imaginando-se que a especialidade de cada urn
dos elementos, verdadeiro ambiente universal, e ser nao
apenas uma totalidade, mas uma virtualidade de certo tipo,
e encarnar dentro dele uma ideia c6smica sempre chamada,
mas raramente destinada, a realizar-se efetivamente. Seria, de
certo modo, aloiar as ide;as de Platao nos atomos de Epicuro
ou, melhor, de Empedocles, uma vez que, segundo Zeller,
este ultimo fil6sofo ao que parece professava, como Leibniz,
a diversidade elementar. E born as vezes poder abrigar-se por
tras de algum antepassado grego.
Dais pontos sao evidentemente defeituosos nas teorias transformistas em curso. Em conflito com a for<;a que
tende a conservar os tipos vivos, elas imaginam uma for~a
diversificadora que nao sabem onde colocar. Geralmente a
dispersam no exterior, nos acidentes de clima, de ambiente,
de alimenta~ao, de CTUzamento, e recusam reconhecer no
seio dos organismos uma causa interna de diversidade. Em
segundo lugar, sejam projdadas de dentro, sejam provocadas
peIo exterior, as varia<;5es especfficas, os fatores do sistema
darwiniano, sao divergencias sem finalidade, rebeli6es sem
programa, fantasias desordenadas. Mas acasO nao vemos, sob
urn governo estabelecido e de tipo claro, a esterilidade essencial, a mutua neutraliza~ao das oposi<;6es que nao inflama
nenhum ideal politico, nenhum sonho de palingenesia social? Nao se concebem nem 0 triunfo de tais loucuras em urn
corpo vivo nem seu emprego possfvel; e suas pr6prias dura-
Monadologia e sociologia
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GABRIEL TAROF
VIII
Ja que 0 ser e 0 haver, segue-se que toda coisa deve ser avida.
Ora, se ha urn fato que deveria impressionar todos os olhos,
e realmente a avidez, a ambic;ao irnensa que, de uma ponta
a outra do mundo, do Momo vibrante OLI do animalculo proHfico ao rei conquistador, preenche e move todos os seres.
Toda possibilidade tende a realizar-se, toda realidade tende
a universalizar-se. Toda possibilidade tende a realizar-se, a
caracterizar-se nitidamente: daf a irrupc;ao de variac;6es por
cima e atraves de todos os temas vivos, ffsicos e sociais. Toda
realidade, todo carater uma vez formado tende a universal izar-se. Eis por que a luz e 0 calor se irradiam e a eletricidade
se propaga com a velocidade que sabemos, e a menor vi braC;ao atomica aspira a preencher sozinha 0 Her infinito, alvo
tambern cobi,ado par todas as outras. Eis par que toda especie, toda rac;a viva recem-formada, multiplicando-se em uma
progressao geometrica, nao tardaria a cobrir 0 globo inteiro
se nao deparasse com a fecundidade das concorrentes, nao
apenas as especies e as rac;as, mas tambem suas menores particularidades discernfveis, as doenc;as mesmas de cada uma
delas, a que exclui a explica,ao teleologica da fecundidade
falsamente considerada como meio destinado a. conservac;ao
dos tipos. Eis par que, enfim, uma obra social qualquer, com
urn carMer pr6prio rna is ou menos marcado, urn produto industrial, urn verso, uma f6rmula, LIma ideia polftica ou outra
surgida urn dia em urn ponto de urn cerebro, sonha como
Alexandre a conquista do mundo, busca projetar-se par miIhares e milh6es de exemplares par toda parte onde haja ho-
rvlonadologia e sociologia
123
ela tern de nos resistir, resistencia alias nao apenas tatil, par
sua solidez, mas tambern visual par sua opacidade, volunt.1ria por sua indocilidade a nossos desejos, intelectual por sua
impenetrabilidade a nosso pensamento. Quando se diz que a
materia e s6lida, e como se dissesse que ela e ind6cil; e uma
relac;ao dela a n6s e nao de/a a ela, apesar da ilusao contraria,
que especificamos desse modo, tanto pelo primeiro atributo
quanto pelo segundo.
Pode-se esperar do futuro urn remedio para esse estado de coisas? Nao, se acreditarmos nas indu~6es que a exemplo de nossas
sociedades nos sugere; a desigualdade aumentara cada vez
mais entre os vencedores e as vencidos do mundo. A vit6ria
de uns e a derrota de outros se tornarao a cada dia mais completas. Com efeito, uma das marcas mais certas do progresso
da civiliza~ao em urn povo e que as grandes reputac;6es, os
grandes empreendimentos militares au industriais, as grand~s
reformas e as reorganiza~6es radicais tornam-se possfveis. Dito
de outro modo, 0 progresso da civilizac;ao, pela supressao dos
dialetos e a difusao de uma unica !fngua, pelo apagamento
dos costumes distintos e 0 estabelecimento de urn mesmo
c6digo, pela alimentac;ao uniforme dos espfritos par meio de
jornais mais procurados que os livros, e par uma infinidade de
outros trac;os, consiste em facilitar a realiza~ao cada vez mais
integral, cada vez menos mutilada, de urn plano individual
unico pela massa inteira da na~ao. De modo que os milhares
de pIanos diferentes que, em uma fase menos avanc;ada, teriam recebido, concorrentemente com 0 eleito, urn comec;o
de execu~ao, sao votados assim a uma extinc;ao fatal. Como
disse muito bern Stuart Mill (Economie politique),
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Monadologia e sociologia
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MOl1ad%gia e soci%gia
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pontos cardeais, a toda parte onde possam chegar, missionarios isolados, dispersos, encarregados de anunciar a boa nova
e de ganhar as almas atraves cia persuasao. Ora, constato que,
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Monadologia e sociologia
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Monadologia e sociologia
III
A varia~ac
universal
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da escola materialista na qual erradamente gostariam de incluf-lo: "E provavel, em muitos casos", diz ele (La Descendance de l'homme, trad. Moulinie,
p. 83), "que os instintos se perpetuem pela simples forr;a da hereditariedade,
sem a estimulante do prazer ou do sofrimento.
cando enterrar avelas que Hao pode comer, dificilmente pode ser considerado como impelido a esse ato por sofrimento au prazer. Assim a opiniao
comum de que
e mass concludente.
A variafdo universal
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uma transic;ao ascendente entre a variedade da qual se origina e a atividade renovadora que ela revigora. E iremos ver
que isso acontece com todas as outras harmonias ou adaptac;6es do universo.
II
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A variar;ao universal
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IV
A variar;ao universal
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plexidade de estrutura. Quanta a hipotese de urn plano divino, ela e quimerica, entendida no sentido de uma sinfonia
geral da qual todas as especies vivas ou extintas comporiam
as partituras. Mas ela se torna a mais alta e a rna is verossfmil
expressao dos fatos, a mais conforme a nossa maneira de ver,
se se entende por isso uma tendencia de quatro ou cinco tipas au temas chamados ramifica~6es a esgotar toda a riqueza
de modula~6es especificas au individuais que contern virtualmente - algumas em acordo, a maioria em luta, seja entre si,
seja com as diversidades inumeraveis do meio exterior e terrestre -, as quais devem ser igualmente consideradas como
as varia~6es planetarias desse tema celeste chamado sistema
solar. Aeonteeeu (aeonteee ainda) de algumas dessas modula~6es ou varia~6es emanadas dessas duas Fontes diferentes
se eombinarem. Elas devem a esse eneontro, e a faeuldade
de poderem melhor se reproduzir e se diversificar que e a
conseqiiencia disso, 0 privilegio de terem se tornado temas,
por sua vez, e de terem sobrevivido a suas irmas efemeras. Foram eleitas, como 0 e a rainha das abel has, par serem as mais
fecundas. Mas das outras, das variac;6es estereis e mal adequadas asua epoca e a seu meio, nao diremos nada? Nao tiveram
elas tambem sua razao de ser? E, porque 0 direito a dura~ao
e a repetiqao lhes foi recusado, lhes recusaremos 0 direito a
existencia? Elas certamente 0 usurparam, se devemos acreditar no sistema da harmonia necessaria e universal; e, nesse
sistema, 0 melhor e negar que tenham aparecido. Mas como
nega-Io? Elas obstruem nossos caminhos; nao sao de modo
algum a jorro aeidental, mas a transbordamento habitual do
rio do Ser e da Vida; elas nascem de todas as nossas harmonias, naturais ou sociais, como as folhas nascem das arvares,
para recobri-las. Quantas vidas natimortasl Quantos germes
impedidos de nascer, quantas monstruosidades, dizem, mas
A varia~ao universal
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seus semelhantes; restar-lhe-ia ainda a singularidade da combina,ao de todas as suas inferioridades combinadas. Mas esse
e urn caso totalmente imaginario e que jamais se viu; 0 rna is
humilde revela-se por algum aspecto, visfvel ou despercebido,
pouc;o importa. Ele tern sua originalidade, sua marca, seu carater unico e, como tal, incalculavel, diamante infinitamente
raro e de urn valor realmente infinito, que, lapidado ou nao,
jamais nos mostra senao uma de Silas faces. A humanidade seria mais tranqiiila se cada urn de seus membros soubesse contentar-se com isso, apreciar esse tesouro oculto que ele traz
em si mesmo, e refugiar-se contra as injurias do destino nesse
inviolavel asilo. Desse ponto de vista, a inveja e 0 desprezo
pareceriam irracionais; e estarfamos a salvo das revol1l~6es
que a falsa opiniao da inferioridade real dos inferiores aparentes provoca no alto, e que a ilusao rna is humilhante - revelada e dissimulada sob proposi,oes igualitarias - da superioridade nativa dos privilegiados suscita na base. Conceber-se-ia
a igualdade verdadeira, que nao se funda sobre 0 nivelamento
das condi~6es e 0 apagamento dos caracteres, mas - como no
mundo dos artistas, onde nao ha hierarquias, mas srtios diversos - sobre a heterogeneidade das aptidoes.
Examinada rna is de perto, a compara~ao de dois anima is
mesmo de uma especie identica daria ensejo a obseIVa~6es analogas. Quanto mais obseIVamos os animais, segundo Darwin,
mais percebemos os tra~os, pouco aparentes, de sua individualidade distinta, e chegamos a nos conveneer de que oles pr6prios sao, a rigor, incomparaveis. Falando de maneira geral,
se percebemos no individuo apenas os aspectos sob os quais
pode-se dize-Io legitimamente superior ou inferior a sells semelhantes, rna is ou menos util a comunidade (pois as necessidades desta sao numerosas e veremos que elas tampouco
tern entre si medida comum), deixaremos escapar a maior
A variaqao universal
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A variaqao universal
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constituic;ao das sociedades humanas, da diversidade dos temperamentos, das rac;as, das classes, dos costumes, dos habitos,
dos tempos e dos lllgares; e 0 fio condutor (de finalidade e de
otimismo) nos escapa mais uma vez; pois gostariamos de comparar coisas heterogeneas que nao sao efetivamente comparaveis,
e portanto nao se prestam a uma determinac;ao de maximo e de
6timo. A tendencia de nosso espfrito nos leva, porem, a buscar
uma medida comum; e, como a funcionamento das instituic;6es
de comercio nos familiarizou com a ideia de valor venal, somos
inc1inados a acreditar que 0 maximo de valor venal corresponde
exatamente a ideia de otimismo economico; mas e uma suposic;ao gratuita e que nao resiste a uma crftica imparcial. (Cournot,
Principes de fa theorie des richesses, 1863, p. 425),2
v
Se a ideia de finalidade e de otimismo nos ilumina por urn
momento, para depois se extinguir, no estudo dos seres vivos,
ela nao serve melhor para sempre nos guiar na conduta da
vida social, e para nos fazer decidir entre dois caminhos em
nossas inumeraveis encruzilhadas polfticas, morais e economicas. Na ordem economica em especial (tomo essa aproxima9ao de Cournot, que nao saberia tocar nenhuma questao sem
a sua
Pela mesma razao, a ideia de uma justi9a distributiva perfeita, absoluta, harmonia sonhada pelos cora90es corretos, e
inaplicavel ao mundo; ela nao combina com a natureza das
coisas, que a repudia. Quem proporcionara equitativamente
mais adaptado
148
GABRIEL TARDE
perimentados no foro interior, esses bens sao incomparaveis, sendo injustificave] a preferencia dada a
UI1S
sobre as outros..
A variayQo universal
149
e fundamental que constitui 0 progresso, 0 destino mais feliz dos homens de amanha comparado ao dos de hoie? Nao
nos contentemos com palavras vas, a Terra e inabit.avel para
a justic;a. 0 progresso a persegue e 0 progresso a nega. Essas
duas ideias se destroem mutuamente. Existem apenas justic;as
relativas e morais opostas que se combatem, e a mais forte prevalece, quero dizer a mais pr6pria a favorecer a manifestac;ao
da diferen<;a humana. Existem tambem c6digos, morais escritas que servem para medir ficticiamente a eq iiidade das a<;6es,
assim como 0 valor venal mede 0 merito dos servic;os.3
Urn chere de estado, uma assembleia podem estar indecisos na escolha entre duas medidas, uma das quais e favoravel a grande cultura, com urn produto lfquido superior e
urn menor produto bruto, e a outra a pequena cultura, que,
com rna is encargos e esforc;o, alimenta urn maior numero
de vidas; ou entao se tratara. de saber se, com urn orc;amento
restrito e que nao permite atender a todos os desejos, convern
dotar mais liberalmente as academias, as organiza<;6es cientfficas, ou aumentar os vencimentos dos professores do campo,
estender dernocraticamente ou elevar aristocraticamente 0
nfvel de instruC;ao; ou enfim - 0 que tern a ver, em grande
parte, com a questao do livre-comercio -, sera 0 caso de se
perguntar se e born ou ruim tomar uma decisao que deve
certamente aumentar a quantidade e 0 barateamento dos produtos a cllsta de sua qualidade, ou vice-versa. Ha problemas
como esses, diarios em polftica, assim como 0 que se imp6e
no momento de uma guerra iminente e que se poderia evi3 Mesmo em materia de arte, onde a incomparabilidade das obras e evidente,
tao evidente quanta a de dais perfumes au de dais sabares, acasa naa se
imaginau urn paliativo do mesmo genera: as regras aristateIicas e as aries
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GABRIEL TARDE
tar mediante uma satisfaC;ao, por exemplo uma pequena cessao territorial. A questao e entao a seguinte: a vida, interesse
maior e supremo, a vida dos 50 ou 100 mil hornens que pravavelrnente perecerao nessa guerra, ted mais ou rnenos valor
que a vantagem para 30 ou 40 milh6es de homens de nao
se sentirem humilhados pela arrogante pretensao do estrangeiro? Evidentemente, esses dois interesses sao incomparaveis
e, embora me custe, declare esse problema tao insoluvel para
minha razao quanta 0 da quadratura do circulo. A vida e a
honra nao tern medida comum. Em casos sernelhantes, porem, 0 homem de Estado hesita pouco; conforme os tempos,
conforme as correntes de opiniao - esses ventos dos quais as
polfticas sao os moinhos -, a soluc;ao democratica ou aristocratica, pacifica ou belicosa, prevalece. 0 acordo se raz pelo
meio que conhecemos, assim como foi feito 0 acordo do hornem com os animais ou as plantas que ele subiuga. Urn interesse, momentaneamente mais forte e mais rico em energias
modificadoras, submete 0 interesse rival, para ser por sua vez
abatido apos desempenhar seu papel.
As ferrarnentas, as maquinas, esses 6rgaos adicionais, esses membras facultativos e intercambiaveis do homern, sao
os unicos indefinida e real mente perfectfveis; seu resultado
ao menos parcial, a civiliza<;ao, nao comporta senao urn
progresso temporario, com freqiiencia duvidoso, e sempre
exclusivo. Urn mecanismo aperfeic;oado aerescenta a suas
vantagens as do antigo, illuitas vezes seill nada perder delas;
mas 0 genera humano, que rouda a cada seculo a apareneia
de sua eiviliza<;ao, nao avanc;a sem ter perdido muitas j6ias
em seu eaminho, presa irrecuperavel cla morte; ele se assemelha aquele rico peregrino da ldade Media que deixava cair
a cada passo, sem nunea juntar, seus mantos de veludo e de
ouro. A organiza<;ao laboriosa e sangrenta de nossas socieda-
A variaqiio universal
151
De resto, mesmo que se trate de uma necessidade determinada a satisfazer, como a necessidade de transporte, sem as
antinomias precedentes, a dificuldade de escolher nem sempre e menor. Quando uma comissao dos principais interessados se reune para escolher entre os varios tra~ados projetados
de uma ferrovia, a delibera,ao e sempre muito penosa porque,
independentemente das motiva~6es secretas e nao confessadas dos comissarios, cada tra~ado, mesmo 0 pior, apresenta
vantagens especiais que nao se verificam nos outros, mesmo
no melhor, e porque sempre se acaba por comparar coisas
parcialmente e, em urn certo sentido, nao comparaveis.
A heterogeneidade: eis a etema pedra no caminho da
utilidade, da finalidade, da harmonia! A finalidade jamais e
obstaculo il heterogeneidade, pelo contnirio. Mas chega urn
momento em que esta barra 0 caminho a harmonia da qual
procede, como para dizer-Ihe que ela completou sua obra.
l5Z
GABRIEL TARDE
VI
A variaplo universal
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GABRIEL TARDE
por aquila", mas apenas: "e preciso fazer ista", seja parque a
ideia de aquila atua sem se mostrar, par sua preeminencia
incontestada, e aumenta na medida em que se subtrai (como
a ideia da salvaC;ao eterna para os verdadeiros crentes); seja
pelo efeito de urn simples ca!culo utilitario bastante sutil, que
poderia se exprimir assim: e util, em certos casas, nao pensar
na utilidade da a<;ao. Por exemplo, para seu proprio bern e
para 0 bern do exercito, e reconhecido que 0 soldado deve se
deixar eonduzir, sem se perguntar se a conduzem avitoria ou
a derrota, a vida ou a morte.
princfpio do dever procede,
dizem, da ideia do util, mas, como esta, deriva do sentimento
do prazer que ela imola ou domina, e da energia do desejo
que ela emprega ou submete. Exemplos notaveis de altera<;Qo
progressiva, de metamorfose transfiguradora. Pode-se mostrar
as fases graduais e contfnuas dessa derivaC;ao sem nada provar
contra a irredutibilidade desses conceitos. A continuidade das
nuanc;as sup6e a descontinuidade das cores.
dever nao e
senao nossos desejos superiorizados de certo modo, mais ou
menos como a realidade exterior nao e senao nossas crenc;as e nossos sentimentos exteriorizados. Nao se percebe nenhuma razao de nega-Io mais do que ela. 0 mesmo impulso
transeendente que, para alem e atraves de nossas sensac;6es,
nos forc;a a afirmar 0 ser independente das coisas, para alem
e atraves de nossas fruic;6es, nos forc;a tambern a afirmar os
direitos de outrem e, para alem e atraves de nossos desejos, as
nossos deveres. Nesse sentido, 0 dever esta para 0 util assim
como 0 real para 0 possfvel. 0 util nos diz: "se quer aquilo,
fa<;a isto", necessidade puramente logica e condicional. 0 dever nos diz: "queira aquilo".
Mas, par impartante e verdadeiro que seja a dever, as fil6sofos que invocaram seu testemunho em favor de urn equilfbrio final e de uma harmonia universal se equivocaram.
A variaqao universal
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GABRIEL TARDE
VII
Nestas duas proposi<;6es vulgares, de que 0 indivfduo vivo
tende a multipliear-se e de que a natureza se preocupa com
a espeeie e nao com a indivfduo, descubro, ao combina-las,
a verdade que desenvolvo - a harmonia para a diferen<;a implicitamente contida. 0 que e entao essa especie a qual 0
individuo e sacrificado? Urn grupo desordenado de seres dispersos, uma serie irregular de gera<;6es, de modiflca<;6es naturais, au de acontecimentos hist6ricos, no easo de uma especie
sociavel. Existe af algo comparavel ao grupo harmonioso das
celulas que constituem 0 organismo individual, ao desenrolar
eadenciado das fases de sua existeneia, e mesmo a sequencia
A variar;Go universal
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a especie
A variaqiio universal
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todas ao mesma tempo? Urn sistema desempenha em urn espirito 0 papel de urn animal em uma paisagem. 0 pintor pos
o animal em vista da paisagem, e nao a paisagem em vista do
animal. 0 animal serve apenas para diversificar a paisagem;
o sistema serve apenas para renovar 0 espirito. Urn sistema!
Mas ele nao existe, a titulo de realidade; em urn momento
dado, nunca ha senao fragmentos e aspectos dispersos de sistema, pensados par urn ou varios espiritos, do mesmo modo
que a paisagem do pintar nos apresenta, nao 0 animal, mas
urn de seus aspectos, uma de suas atitudes. ,.,.. E e a esse pitoresco mental - analogo ao pitoresco natural ou ao pitoresco
social - que vao levar as fun~6es combinadas de nossos maravilhosos 6rgaos, os batimentos cadenciados do cora~ao, 0
rihno cia respira~ao, as contrac;oes dos musculos, as vibra<;6es
da admiravel rede nervosa!
A melhor prava de que a harmonia e a perfeiC;ao nao sao
de modo algum a finalidade das coisas e que, tao logo uma
coisa chega a seu estado mais perfeito, ela esta geralmente
proxima de seu termo e a ponto de ser substituida. A flor de
cortesia e de conversa~ao deliciosas que a monarquia francesa
cultivara durante dois seculos chegava a seu mais belo desabrachar, a julgar pelos memorialistas da epoca, no momento
em que 0 arado da Revolu<;ao de 89 passou sobre ela e lan<;ou
uma nova semente sobre seus destro<;os. -- A pedra polida, ao
que parece, era talhada com uma arte maravilhosa no momento em que a inven<;ao do bronze jogou no lixo esse tipo
de industria esteticamente tao bela, mas inferior a metalurgia
do ponto de vista pratico. Assim que 0 cristianismo recebeu
sua formula~ao mais completa no monumento teologico de
Sao Tomas de Aquino, ele come~a a ser atacado pela serie
de grandes livres-pensadores que prossegue ate Lutero para
acabar em Voltaire e no positivismo atual! - Os animais e as
varia~ao
universal
!6!
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GABRIEL TARDE
combina90es infinitas. Era precise que a ligac;ao dessas harmonias siderais Fosse frouxa au nula, suas relac;oes fortuitas
e acidentais, e que, no entanto, a maior beleza do universo
brotasse daf, e que 0 ceu, isto e, 0 caos fixo e luminoso, Fosse
julgado, em todos os povos e em todas as lfnguas, superior a
Terra, isto e, a regularidade, a harmonia relativa.
VIII
Mas detenhamo-nos; basta de provas ou de induc;oes determinantes. Nao abordamos sequer 0 campo da estetica, onde a
crftica ha muito renunciou a avaliar as obras de arte e restringiu-se a caracteriza-Ias, resignac;ao que a ampliou, transfigurou
e aprofundou. E certo que, quanto mais dois quadros sao harmoniosamente concebidos, e pela subordinac;ao dos detalhes
ao con junto, do acess6rio ao essencial, elaboram seu encanto
distinto, tanto rna is diffcil e classifica-Ios e subordina-Ios urn
ao outro. Concluamos, pois: buscamos por toda parte 0 fim supremo, 0 termo absoluto e verdadeiramente para si do qual depende este mundo. Pedimo-lo a ideia da vida, a ideia da felicidade, a ideia do util, aideia do dever, aideia do belo. Por toda
parte vimos a natureza das coisas, essencialmente heterogenea,
resistir a essas harmonias diversas, igllalmente heterogeneas,
que a dominam por urn momento para chegar a heterogeneidades novas e mais radicais que elas nao explicam. Por toda
parte a ausencia de uma medida comum, exceto 0 maximo de
diferenc;a e de mudanc;a, nos revelou a ausencia de qualquer
outro termo final. Todas as adaptac;oes sucessivamente produzidas, a saude, a felicidade, a ordem social e moral, 0 acordo
do produto industrial com a necessidade correspondente, e da
obra de arte com 0 gosto, ou do indivfduo com seu meio, nos
pareceram ser, como esse indivfduo mesmo, organismo ou eu,
A varia~iio universal
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GABRIEL TARDE
iItos futuros
Se refletirmos sabre 0 carater essencial cia ideia de lei, veremos sem dificuldade que e impossivel explic~r completamente 0 muncio tal como ele e, a coexistencia e a serie dos
fenomenos reais, por leis apenas e, com rna is forte razao, por
uma (mica lei. Ha no menor fata, nessa ouvem que passa,
nessa imagem confusa que atravessa meu espfrito, alga de
inteiramente inexplicavel, seja por Uilla lei, seja pela combinac;ao de quantas leis quisermos. Ista se cleve a capacidade
infinita das leis, cuja essen cia e aplicar-se tanto a imensidade
do passivel quanta a estreiteza do real, e confundir as dU3S,
abarcando-as indistintamente. Por passlvel entendo nao 0 incerto, 0 duvidoso, mas 0 cefto sob condic;ao. "0 fenomeno
A esto ligado ao fen6meno B", a isto se reduz toda lei. 0 que
quer dizer: "Se a fen omena A se repete, a fenomeno B se repetira". 0 primeiro fen omena se repetira? A lei nada diz a respeito e nada pode dizer. Talvez ele seja demasiado complexo
(como uma pessoa humana) para repetir-se alguma vez. Nao
importa; a lei que Ihe corresponde (pois a toda liga<;ao de
causa a efeito corresponde llma lei particular, que geralmente
nao nos damos a trabalho de formular) aflnna nao apenas a
necessidade de suas repeti~6es condicionais, mas tambem sua
tendencia, impotente na maioria das vezes, a se repetir. De
fato, toda realidade, molecula em vibra<;ao, celula fecunda,
sensa~ao multiplicada em lembranc;a etc. tende a se reproduzir. Mas nao nos enganemos. Conceber urn fato, em reSllmo,
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GABR1EL TARDE
ignorados cuja eleifao inexplicavel entre tantos Ol1tros possfveis ocasionou a natureza earacterfstica e a serie particular
dos outros fatos, e dirigiu em tal sentido determinado as vias
constantemente legais do universo. Ora, quando buscamos
apoiar assim os fatos sobre os fatos, e significativo que pe~a
mos sempre ao fato anterior seu apoio para 0 fato posterior,
e nunea 0 contrario. Qual e a causa dessa tendencia quase
inevitavel? Ela e legftima ou nao? Tais sao as duas quest6es
que vou examinar neste artigo.
Stuart Mill, em sua L6gica, opoe fortemente aregularidade
da a~ao das causas 0 arbitrario manifesto do que ele chama a
coloCafaO primitiva das causas, expressao justa, mas incompleta e exclusiva. It justa no sentido de que reconhece a necessidade de recorrer a urn fato para completar a explica~ao
insuficiente dos fatos fomecidos pelas leis. E incompleta e
exclusiva porque desconhece a possibilidade de encontrar 0
fato ou os fatos explicativos em quest,ao tanto no futuro quanto
no passado, e localiza no passado exclusivamente, no mais remoto passado imaginavel, inacessfvel, a bern dizer, e sumindo
no infinito, em urn tempo hipotetico e absolutamente indeterminavel, a razao das coisas. Ao contrario dessa va miragem do
pensamento, desse preconceito enganador que atribui a urn
momento imaginario do tempo, seguindo uma s6 das duas dire~6es do tempo, 0 monopolio explicativo das realidades, sou
de opiniao que nao ha motivos de pedir mais ao passado do
que ao futuro a chave do enigma oferecido ao espirito pela estranheza do real, e que e a caso de completar urn pelo outro
estes dois extremos, a coloca~ao primitiva das causas e a destina<;ilo das coisas. !sso e tudo 0 que me proponho mostrar. Em
outros termos, a a~ao do futuro, que ainda nao existe, sobre 0
presente, nao me parece nem mais nem menos concebfvel do
que a a~ao do passado, que nao existe mais.
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planeta pela vida que era preciso fazer eclodir, a folha pela
flor, a crian,a pelo adulto, 0 inferior pelo superior? - E que
o preconceito do Livre-arbftrio continua a existir no espfrito
dos deterministas mais ardorosos. Tadas esrno convenciclos de
que nada pode impedir 0 que foi de ter sido; mas ninguem e
levado a admitir com igual convic~ao que nada poderia impedir de ser no futuro 0 que deve ser. "0 mundo", diz 0 Sr.
Liltre (La Science au point de vue philosophique), "0 mundo,
par menos que 0 conhec;;amos, nos oferece todas as caisas
dispostas primeiramente pela e para a materia inorganica, e
secundariamente, se fOT 0 caso, para a vida." Se for 0 casal 0
Sr. Littre, esse determinista, ad mite assim 0 contingente, 0
capricho, a possibilidade, para a vida, de ser ou de DaD ser, ao
sabor do "jogo" cia materia! Nao e contraditorio?
que digo do determinismo e verdadeiro, sobretudo, para
o evolucionismo. Ou este ultimo sistema e nada, ou ele acrescenta alguma caisa ao determinismo ordinaria, e trata-se justamente, queira-se ou nao, da ideia de finalidade despojada
de todo verniz teologico, isto e, reduzida aa,ao dos fatos futuros. Afinalidade ordinaria, a harmonia preestabelecida, compreendo que se oponha a doutrina da evolu,ao, se por esta
entende-se a harmonia co-estabelecida e nao pOS-f!stabelecida.
Mas se, por evoluc;ao, entende-se mecanismo puro, negac;ao
de uma orientac;ao do Universo, nao e evoluc;ao que se deve
dizer, e expansao e tateio em todos os sentidos. Evoluc;ao significa expressamente direc;ao em urn sentido determinado.
Evolu,ao afirma que, alem da Iiga,ao causal simples, unilateral (lei) que existe entre as condit;i5es e 0 resultado (possiveis ou
reais, nao importa), ha uma ligac;ao de causalidade recfproca
entre os fenomenos reais sucessivos. ,..., Alias, nao precisamos
nos perguntar aqui qual e a relac;ao dessas duas especies de
relac;5es, e se convem ver nas leis simples instrumentos da
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17l
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mentalmente 0 desenrolar complete de suas fases, veria certamente que pouco importa, para explicar 0 aparecimento de
urn anel da cadeia, invocar os fatos anteriores ou posteriores,
recorrer a alfa ou a omega. Mas n6s, compreendidos na evolw;ao deste mundo que deve acabar, n6s s6 formamos a ideia
de uma corrida mmo a urn fim misterioso seguindo 0 rasto
de sombras fugazes, chamadas lembran,as, que as realidades
desaparecidas deixam para tras em nossos espfritos. Assim 0
mundo e, para n6s, precisamente como urn livro que s6 podemos ler em urn sentido, e cujos caracteres se tornam ininteligiveis, insignificantes, se os olhamos virados de ponta-cabec;a,
embora eles nao tenham mudado.
Poderao, e verdade, fazer-me observar que ha partes,
quando nao dire,aes do espa,o, mais bern conhecidas do que
outras, e que, em consequencia do meu raciocfnio, esses lugares deveriam monopolizar para n6s a razao das coisas. Mas
isso e precisamente 0 que se produziu ha muito tempo, 0 que
se produz ainda; como conhecemos apenas 0 globe terrestre
na imensidao dos ceus, os povos iletrados, e mesmo as fil6sofos, desde Aristoteles ate Hegel inclusive, sao levados a fazer
da Terra, e de uma pequena parte da Terra, de sua patria, de
sua cidade natal, 0 centro do Universo. Aqui 0 arbitrario de
uma localizac;ao da razao das coisas salta aos olhos. Mas sua
localizac;ao em uma parte ou em uma direc;ao do tempo nao
e rna is racional.
Acredita-se, rnuito sem razao, que a ideia de finalidade
como uma Inteligencia previdente deva ser proscrita. Respondo que, se a a,ao do futuro sobre 0 presente supae uma
Previdencia, a a,ao do passado sobre 0 presente supae do
mesmo modo uma Mem6ria. Mas que Mem6ria explicaria
fatos tais como 0 atavismo e a transmissao hereditaria das
menores particularidades ffsicas e marais? Que Previdencia
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explicaria a predestina<;ao de urn germe a seu tipo? - Constatemos os fatas, nao nos preocupemos aqui com suas causas
insondaveis.
II
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Universo, bern mais do que 0 fazem declama<;6es de moralistas. -- Se examinarmos em detalhe as series imaginarias que
indico, se nao nos contentarmos em Ianc;ar sobre essa marcha
retr6grada urn olhar superficial, veremos que sua suposi<;ao
esta fundada em ideias conlradit6rias. Fala-se do fogo e diz-se
que .eIe desqueima ao inves de queimar; substancias qufmicas sao nomeadas e atribui-se a elas combinac;6es e decomposic;6es contrarias a suas afinidades constitutivas; fala-se de
industria, de ciencia, de administrac;ao, mas de lima organizac;ao que consiste em desorganizar, de uma ciencia que leva
a ignorancia, de uma industria que nao produz mas destr6i...
etc. -- Ealgo inadmissfveL Mas 0 que isto significa, senao que
urn ser e sua ac;ao sao inseparaveis? Se Fosse de outro modo,
se 0 ser Fosse independente de sua ac;ao, se ele nao Fosse determinado por ela (e, por conseguinte, se nao deterrninasse,
em troca, os seres dos quais emana), se, em outros terrnos, 0
que ele sera ou 0 que ele faTa nao entrasse necessariamente no
que ele e, que dificuldade haveria de unir mentalmente a ideia
de urn ser com a ideia de uma ac;ao diametralmente contraria
a que the e inerente, e nao simplesmente aderente?
o que marca 0 rigoroso encadeamento dos fatos e a independencia, em urn sentido real, dos seres, manifestada pela
divergencia de seus desenvolvirnentos, por sua luta, seus
choques, seu destino de bruscos entraves ou de socorros inesperados. Distingue-se, com razao, entre 0 desenvolvimento
natural de urn ser e os chamados acidentes de sua vida. Admite-se facilmente ver finalidade na serie das fases que constituem sua evoluc;ao dita normal, recusa-se reconhece-la na
serie dos acasos do destino. Mas 0 que se esquece e que 0
Universo, que se desenvolve de maneira distinta da nossa,
comp6e-se precisamente de nossos abortos individuais. Nao
eo desenvolvimento do Universo a mudanc;a que muda sem
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fez diferentes de todo 0 resto do Universo, vamos nos esbarrando enos alterando ate a morte; e tudo isso e justamente
chamado fortuito, pois os seres que assim se cruzam nao se
buscavam, mas nem por isso seu cruzamento foi menos necessario e fatal. Nossa infelicidade vern de que, chamados a
existencia para dar testemunho a lei da mudam;a, nascemos
com uma lei propria e contniria, com aptid6es ilimitadas e
inuteis, certas, porem irrealizaveis e impotentes, que se afirmam ao se confessarem vencidas. Mas essa oposi~ao e uma
diferen~a ainda; e nossos protestos mesmos atestam a lei que
nos cria.
por finalidade ela mesma. Nao se pode dizer urn movimento movido, a menos que se entenda por isso um movimento vari:ivel, difereneiado. Ao eontnirio, nada mais claro e mais natural do que as expressoes diferenciaqiio
o objeto de urn desejo que sc deseja sentir mas que nao se sente, por exemplo
o bern;
dever, do
mesmo modo que a mudanc;a muh'ivel nao esta longe de ser a vida. Mas
cshi claro que
a diferenc;a de
178
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III
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ISO
GABRIEL TARDE
lSI
Ninguem se surpreendera se continuo a insistir em urn problema tao importante. Assimilar a a~ao dos fatos futuros ados
fatos passados nao e explicar uma e outra acrao, esclarecer a
causalidade e a finalidade uma pela outra? Nao e isto, tambern, mostrar que ha urn sentido na marcha das coisas, que 0
Universo nao prodllz ordem com desordem, harmonia com
combinacr6es nao viaveis sucessivamente tentadas? 0 interesse da questao e evidente.
Mas entendamo-nos bern, em primeiro lugar. A acrao dos
fatos futuros nao supoe a determina~ao mutua de tudo por
tudo indiferentemente. Esta de acordo com 0 grande prop6sito da Diferen~a que a a~ao de urn fenameno sobre os outros
e reciprocamente, como a atracrao redproca dos corpos celestes, se exercra segundo graus inumeraveis de intensidade diversa e de mil maneiras diferentes. Determinada influencia e
tao preponderante que se pode atribuir-lhe 0 litulo exclusivo
de causa; ja outra e, por assim dizer, igual a zero. Ha series de
fenomenos rna is intimamente ligados entre si, os fenomenos
vivos; e, nessa serie, ha pontos salientes, por exemplo tal carater organico transmitido por atavismo, ou tal estado organico
futuro para 0 qual os estados anteriores se dirigem rna is ostensivamente do que para outro qualquer: podemos considerar
os tipos que Agassiz chama profeticos como correspondentes
simetricos aos fenomenos de retorno. Em ambos os easos,
trata-se de fatos salientes, aqui passados, ali futuros, que agem
fortemente sobre uma cadeia de fatos organicos, aqui pos-
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identica entre a desenvalvimenta da previdencia e a da lembran,a. E tal a liga,aa das dais principias da hereditariedade
e da finalidade que a darwinisma, querenda apaiar-se na primeiro, nao pode deixar de reeorfer ao segundo, sob 0 nome
de princfpia de corre1aC;ao dos 6rgaos. Observar-se-a que e
impasslvel conceber ou mesma imaginar de que maneira,
sem essa salidariedade au finalidade arganica, a sele,aa natural e sexual poderia construir urn tipo novo sabre as [Ulnas de
urn tipa antiga abalada e demalida par ela. Uma madificac;ao se produz e se acumula em alguma parte no organismo:
compete apenas aD princfpia de correlac;ao colocar 0 resta do
organismo nesse novo tom, elevar sabre essa nova base urn
novo ediffcio. Por que entao ter relegado a sombra esse cooperador indispensavel, que mereceria 0 primeiro Jugar?
A cantraprova da verdade precedente nas e dada pela natureza inorganica. 0 passado distante nao age - a naD seT de
uma maneira geral e do ponto de vista cia evoluc;ao c6smica
- sabre os fenomenos fisico-qufmicos. 0 habito nao tern ac;ao
nenhuma sobre eles; as circunstancias concomitantes determinam, por si sos, seu aparecimento. Do mesmo modo, constatamos que a futuro tampouco age sabre esses fenomenos
- a nao ser em urn sentido muito elevado e distante, de modo
nenhum especial para esse tipa de fatas. E a inversa das fatas
da vida. Estes ultimas, alias, estaa submetidas igualmente a
a,aa geral de que fala, e a qual as pr6prias fenomenas inarganicas naa padem se furtar. Mas as fatas da vida e as fatas da
inteligencia acrescentam a ela seu modo de influencia mais
particular da passada e da futuro. Assim, Claude Bernard
distingue com muita precisao entre as finalidades vivas e as
finalidades c6smicas.
Ha, portanto, graus e uma hierarquia de inAuencias escalonadas, e a ciencia humana, que, na impossibilidade de tudo
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p61vora, seqiiencias de frases a partir de uma cintila~ao mental, urn encontro de ideias no espfrito etc.), parece evidente
que 0 fato passado contern a causa explicativa dos fen6menos ulteriores. Mas, quando varias series de fenomenos vao
convergindo para urn mesmo fato consecutivo (convergencia
de diversos sistemas de familia e das diversas formas de propriedade, poligamia, poliandria, casamento fora da tribo, casamento na tribo, comunidade das mulheres e dos bens etc.,
rumo a urn sistema unico de familia e a uma forma unica
de propriedade, adotados por todos os povos a medida que
se civilizam; convergencia das diversas morais para a mesma
moral; convergencia e combina~ao de dais corpos quimicos
vindos de pontos afastados; convergencia e casamento de dois
individuos nascidos a uma grande distancia urn do outro;
convergencia e associa~ao mental, em urn cerebro humano,
de duas ou varias ideias de origem diferente, que vao se encontrar em uma ideia de genio; convergencia e choque de
dois corpos celestes que se rompem etc.); nunca nos ocorre
explicar, mesmo em lima certa medida, as dire~6es multiplas
dessas series convergentes pelo resultado uno de seu encontro.
No entanto e certo (e tomo 0 exemplo rna is desfavoravel a minha tese) que sou, eu ou qualquer outro ser vivo, 0 resultado
de urn casamento que sup6e dois outros, os quais sup6em
quatro OlltroS, e assim par diante remontando a urn passado
ilimitado; e certo que, se qualquer urn desses casamentos inumeraveis nao tivesse sido 0 que foi, exatamente 0 que foi, e,
portanto, se a individualidade dos conjuges, sua maneira de
ser, 0 detalhe biografico de sua existencia, tivessem sido minimamente diferentes, eu nao teria vindo ao mundo. Sendo
assim, que ha de rna is simples do que me considerar como
o ponto vivo no qual se suspende momentaneamente essa
rede complicada de fatos, a chave ou lima das chaves desse
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v
Volto a minha tese e me pergunto, rna is uma vez, qual e a origem, nao rna is psicol6gica e vulgar, mas elevada e cientffica,
do eno que combato. as fen6menos mecanicos, com sua clareza ilus6ria e a falsa esperan<;a que alimentam de tudo neles
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realmente predeterminado e 0 fato da continua,ao do movimento (sua dire,ao sendo indiferente) - 0 que hoje se chama
a conservaqao da {orl;a. Portanto, nao 56 se reduzem todos os
fen6menos a serem apenas movimentos, mas, em todo movimento, distinglle-se nitidamente aquila que pertence como
proprio ao elemento material independente, isoladamente
considerado, e que se assacia a urn princfpia real, a saber: as
linhas retas infinitesimais descritas por esse elemento e nas
quais sua' curva observavel se resolve - e 0 que DaO pertence
a nenhum elemento, e que tambem nao pareee associar-se a
nenhum princfpia real, a saber: essa pr6pria curva, composta
de suas partes retilfneas hipoteticas. Desse modo, mesma
seodo au acreditando-se determinista, meSilla reconhecendo
que os fen6menos se encadeiam rigorosamente e que os fatos compostos sao certos de antemao no mesmo grau que os
fatos simples e elementares, 0 cientista pode julgar-se autorizado, em virtude da distin,ao precedente, a outorgar a alguns
dos aneis da cadeia, aos fatos do primeiro tipo, 0 monop6lio
explicativo. Como se nao fosse justamente a independencia
constatada dos diversos princrpios materiais e de seus movimentos pr6prios que devesse nos fazer admitir Urn Principio
superior, uma ligac;ao racional entre seus encontros sucessivos, dos quais nasce a beleza do mundo!
Eis ai a origem do preconceito assinalado; e ai que se cleve
atingi-lo. Do eno que consiste em sacrificar a impoIi3ncia, e
mesmo, se isso e possive!, a realidade do composto e do diferente, do individual, de voce e eu, a importlocia e a realidade
do simples e do identico, ou seja, do hipotetico - resulta 0 erro
que consiste em sacrificar a a,ao do futuro a a,ao do passado.
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O~
.
SSIVelS
~
Eis-me levado a tratar dessa grande questao dos possfveis, agitada pelos antigos, especialmente par Cicero em seu De Fato,
reavivada na ldade Media pelas querelas escohisticas sobre a
predetermina~ao divina e 0 livre-arbftrio, meditada por Leihniz
Os possiveis
193
nos. "E possivel que seja isso" pode traduzir-se por: "Nao estall bastante instrufdo para afirmar se isso e au nao e, sera
au nao sera". Por uma ilusao natural, a indecisao do nosso
pensamento nos fazia acreditar, em certos casos, oa indeterminac;ao real do seu objeto. Oaf os futuros contingentes. Mas,
amedida que a razao progride e a ciencia se fortalece, a ideia
de possibilidade, derivando cada vez mais dessa fonte psicologica, encontra na no,ao de lei e na no,ao de for,a ou de
propriedade, a qual toda lei se reduz, uma confirma,ao nova,
e a partir de entao cleve se mostrar fundada oa natureza das
caisas. It verdade que, ao objetivar-se desse modo, ela mudou de sentido. Entendida no sentido de puro objeto ou de
pUTa encarnac;ao cia Duvida, ela era concebida como uma
indiferenc;a ao ser au ao naa-seT; no sentido de conteudo naG
real cia lei au cia forc;a, e concebida como uma necessidade
hipotetica - hipotetica. mas oem por isso menos certa. Uma
forc;a latente, uma fon;a potencial, uma for~a de tensao ou
de posi~ao, nao importa 0 nome que se de, nao e nada mais,
como iremos ver, senao uma possibilidade entendida nesse
ultimo sentido - ou melhor, e simplesmente urn feixe de possibilidades semelhantes.
Observemos, de passagem, que a partfcula se serve igualmente nas duas acep~6es indicadas: "Ignoro se isso e", primeira acep~ao; "Se este frasco de hidrogenio combinar-se
com este Frasco de oxigenio, formar-se-a agua", segunda acep~ao. Vamos nos ater apenas a esta liltima.
Nao importa como se queira explicar os fatos, por propriedades como 0 Sr. Littre, por caraeteres corpo 0 Sr. Taine, peIo
termo vulgar de fOTi;;as ou de facu/dades; ainda assim e preciso
sempre conceber que essas propriedades, essas for~as, essas
faculdades, esses caracteres - cujas rela~6es mutuas, isoladas
pela abstra~ao, generalizadas em nossas formulas, chamam-se
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leis - sao Fontes de existencias nao apenas rea is, mas condicionais. Dadas essas propriedades, nao podemos afirmar a necessidade efetiva dos fatos que resultam de seus encontros, de seus
reIacionamentos, sem afirmar ao mesmo tempo a necessidade
de outros fatos que talvez nunca existiram nem existirao, mas
que teriam existido se outros encontros tivessem ocorrido.
Observe-se que e no princfpio mesmo do determinismo,
na ideia mesma de necessidade - que se oferece a nos superficialmente como exclusiva da possibilidade do que nao
e, nao foi Oll nao sera -, e neIa justamente que a ideia de
possibilidade obtem 0 direito de se afirmar 1 Foi a observa,ao da liga,ao dos fatos, de sua influencia recfproca, de sua
reprodu~ao semelhante em circunstancias semelhantes, que
autorizou a afirma~ao de outros fatos em outras circunstancias nao observadas. Foi porque se come~ou por dizer: "0
fato A explica 0 fato B" que se deduziu: "Se 0 fato A nao tivesse ocorrido, tampouco 0 fato B teria ocorrido", e que se
deduziu tambern que: "Se 0 fato A se reproduz, 0 fato B se
reproduzira", 0 que e ceria, embora nao seja certo que 0 fato
A se reproduzira. Considero essetipo de certeza como uma
propriedade intelectual de grande valor e muito pouco apreciada. Oizer se nao e apenas lfcito; e util, e necessario; nenhuma lei teria sido descoberta e formulada pelo homem se
ele nao fosse dotado da faculdade de dizer se. Oizer se e 0
nao-existente concebido, e 0 audacioso salta do espfrito, sua
1
sido produzido, outro teria sido. Sobre isso nao h<i duvida, desde que sc admita que a ativiclacle lIniversalnao poderia ser engcndrada nem destrufda,
devendo sempre ser mantida em exercfcio. Por conseguinte, a noc;ao dos Possfveis encontra lima confirmac;ao incsperada nas novas ideias sobre a conservac;ao da forc;a. Mas a noc;ao dos Possfveis e a metaffsica inteira em germe!
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Didio que esse tipo de explica~ao e urn retorno as qualidades ocultas dos escolasticos. Ha nisso a verdade de que, tanto
pelas propriedades dos cientistas modernos, quanta pelas
qualidades ocultas da Idade Media, a ideia de possibilidade e
afirmada. Ja que exigem fatos a qualquer custo, nada a nao ser
fatos, eis aqui urn incontestavel: e que, para explicar os fatos,
sempre foi preciso, implfcita ou explicitamente, afirmar outra
coisa. Explicar os fenomenos por propriedades elementares,
por possibilidades realizdveis"Ou nao, e 0 resultado mais bern
consolidado da ciencia moderna. Veja-se a que diz 0 Sr. Liltre,
a que diz a Sr. Claude Bernard, que explica todos as fenomenos fisiol6gicos pela irritabilidade (nutritiva au funcional).
Quando 0 16gico mais rigoroso, e talvez mais vigoroso, de
nosso tempo, Stuart Mill, decompos a ideia da materia, 0 que
ele descobriu no fundo? Uma simples possibilidade de sensa~6es. Outros encontraram ali apenas a far~a; isto e, uma
possibilidade de fenomenas.
Sao de fato possibilidades, virtualidades que atingimos
em ultima analise. Entende-se por atra~ao nao apenas 0
con junto e a serie dos movimentos reais, curvas ou perturba~6es, que a atra~ao produziu ou produzira, mas tambem
todos aqueles que ela teria produzido em todos as pontos
da imensa esfera na qual se irradia sem exercer-se efetivamente a partir de cada ponto material, a exemplo da luz dos
astros, que se irradia quase inteiramente no espa~o vazio e
da qual somente alguns raios sao detidos e utilizados pelos mundos dispersos. Entende-se par afinidade quimica de
duas substancias nao apenas a totalidade das combina<;5es
que elas formaram ou formarao real mente, mas tambem 0
numero imensamente superior das combina~6es que teriam
podido se formar, que teriam certamente se formado sob as
condi~6es exigidas - condi~6es que, na verdade. em razao
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e preciso dizcr,
para ser
l6gico ou analogico, que as combinac;5es visiveis das substancias sao a revelac;ao de pequenas combinac;5es que, mesmo no estado de repouso qufmico,
sc efetuariam constantemente em cada uma delas.
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por uma virtualidade; e essa mutua solidariedade das virtualidades e das a,6es, do possivel e do real, exigi ria ser generalizada. Mas quae evidente se tornaria 0 sacrificio do essencial
aD acess6rio, que acabamos de assinalar, se tentassemos ver
no cTescimento cia espiga nada mais que a manifesta<;ao das
for,as quimicas do solo ou do ar, explicadas pela hip6tese
precedente, e combinadas sabe-se 1.1 com que movimentos
interjores e invisfveis do grao de trigo! A fecundidade, ap6s
varios milh6es de arros, de germes ressecados, a reapari<;ao,
ap6s varias gera<;oes sucessivas, de doen<;as ou de particularidades individuais, do tipo da dos Bourbons, sao 0 escolho de
toda teoria que pretendesse negar a distim;ao evidente de urn
estado de certo modo adormecido e de urn estado desperto das
fOI<;as vivas.
caracteres inatos dos germes sao virtualidades
megaveis.
Tudo 0 que se pode fazer e reduzir essas virtualidades a
serem a resultante das ar;8es vita is do passado; e guerer, por
assim dizer, que sua vigflia tenha sempre precedido seu sono,
e que jamais uma del as, ha muito adormecida, tenha despertado pela primeira vez ao contato, eu ia dizer ao rUldo, de
duas realidades que se chocam. Nesse sentido, pode-se dizer
que a hip6tese da transformac;ao lenta, contfnua, e nao intermitente e relativamente brusca, das especies e uma tentativa
de insurreic;ao contra a ideia de virtualidade em zoologia. E
assim, enquanto a gerac;;ao individual, como todos os fenomenos de ordem superior, e urn fato raro e curto, excepcional
embora indispensaveI, a gerac;ao das especies, esse fenomeno
eminente entre todos, teria em comum com os rna is vulgares, com a nutric;;ao por exemplo, 0 fato de produzir-se incessantemente, diariamente, sem interrupc;ao! E, enquanto
a transformac;ao das sensac;6es banais em ideia original, das
lembranc;;as em descoberta, nos obriga a admitir no cerebro
as
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de urn vegetal esboc;ados e suficiente para reproduzi-lo, haveria motivo de confundir igualmente a func;ao reprodutora
da especie com a func;ao reprodutora do indivfduo; mas, nos
niveis superiores cia vida, onde todas as fum;6es sao especializadas, nao poderia seT assim; e a mais importante de tadas,
a rna is intermitente, portanto, em seu exercfcio, e a gera~ao
ascendente e superior, cia qual a Dutra gera~ao, elementar e
vulgar, decarre e descende, mas a qual, com toda a certeza,
Dunea torna a subir por suas pr6prias fon;as.
POlleD tenho a dizer contra as teorias que combatem a
ideia de virtualidade em psicologia e nas ciencias sociais. A
razao disso e que ela nunea foi seriamente alcan~ada nessas
altas regi6es. Citarei, entretanto, em oposi<;ao a meu ponto
de vista, a opiniao de alguns psic6logos, como jouffroy, sobre
a natureza do sana. Segundo eles, 0 sono mais profunda cleve
sempre ser acompanhado de urn sonho, nQO podendo a alma
deixar de agir... Em olltras palavras, uma for~a nao exercida
nao existe para eles. Nesse ponto sustentam uma causa comum com os ffsicos que combati rna is acima. Observar-se-a
igualmente que a teoria inglesa, que explica a forma~ao de
todas as nossas ideias, de todas as nossas convic~6es e paix6es
pela associa~ao repetida das imagens, e contraria a minha
maneira de ver. Ela desconhece a diferenc;a dos efeitos que
a mesma liga~ao de imagens suscita em cerebros diferentes.
Nao explica 0 fato de que, no mesmo cerebro, a for~a das convicc;oes ou dos desejos esta longe de medir-se pela repetic;ao e
pela dura~ao das associa~6es. 0 amor e as vezes subito. "Urn
trac;o de beleza nos fixa, nos determina", diz La Bruyere. Ate
entao, esse amor era em nosso cora~ao uma simples possibilidade: uma for~a latente. Nisso a fe assemelha-se ao amor: urn
trac;o de verdade nos fixa, nos determina; nenhuma ligac;ao
prolongada de ideias e necessaria para nos dar a certeza de
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de tal mulher real ou possivel sao possiveis de 2~ grau; e assim por diante.' Outro exemplo: Se a batalha de Maratona
tivesse sido perdida par Milcfades, a Grecia teria sido conquistada; essa conquista e urn possivel de 1~ grau. A substitui<;ao da lingua e da civiliza<;ao helenicas pela lingua e a
civilizac;ao persas, consequencia POSSIVel, mas nao necessaria dessa conquista, e urn possivel de 2~ grau etc. (ver Cournot, Considerations... ).
As ciencias nos forneceriam imimeros exemplos mais instrutivos. Depois que Kepler formulou suas tres grandes leis, a
descoberta da gravitac;ao universal tornou-se urn possivel de
1~ grau; do mesmo modo, a descoberta do telegrafo eletrico
depois da observa<;ao de Oerstedt e das pesquisas de Ampere;
ainda do mesmo modo, a aplica<;ao da algebra a geometria
em urn certo momento do progresso paralelo dessas duas
ciencias. Mesmo antes de Kepler, mesmo antes de Ampere, a
descoberta da gravita<;ao e do telegrafo eletrico era possivel,
a rigor, mas de uma possibilidade de ordem inferior; Ampere,
Kepler fizeram passar de urn grau a outro, do 2~ ou do 3~ ao I?,
a possibilidade de duas concepc;6es astronomicas ou ffsicas;
depois que Galileu descobriu 0 isocronismo das oscila<;aes
dos pendulos, a aplica<;ao dos pendulos aos relogios tornouse urn possivel de 1~ grau. Observe-se a importancia que os
cientistas eminentes dao a essa passagem e mesmo a. sua data
exata. Foi em 1618, com base nas indicac;6es fornecidas por
Kepler na matematica expressao de seu entusiasmo, que 0
principio newtoniano tornou-se urn posslvel de I? grau. Den-
3 Pode-se deduzir sem fim, pais e certo que as leis da vida teriam se aplicado
de infinitesimo gran.
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Imposslve]
e urn Possive!
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da harmonia consumada? Nao concebe urn universo tao admiravelmente organizado que a aplica~ao dos conselhos de
Malthus seria inutil, que todos os germes nele se desenvolveriam necessariamente sem combate nem sacriffcio, contados
de antemao, par assim dizer, de modo a cobrir a superffcie
dos planetas sem nenhum perigo de transbordamento? Em
materia de hip6teses, tem-se 0 direito de exigir rna is do fi16sofo que do cientista! As sociedades humanas, consideradas sob 0 aspecto economico, 0 rna is acabado de todos, nao
comec;am a se aproximar desse ideal? It urn erro socialista
acreditar que a fortuna crescente do rico seja urn roubo feito
ao pobre. Como se riquezas nao se criassem todD dia pela
virtude da inteligencia aplicada it industria! Urn fabricante
genial, ao baixar 0 prec;o dos tecidos par urn emprego mais
engenhoso das maquinas, aumenta a fortuna publica de uma
soma dez vezes, cern vezes maior que aquela da qual se beneficia. Onde est" 0 aborto aqui?
Respondo a essas objec;5es: a riqueza nao e senao uma
adapta~ao do exterior do homem ao homem, em vista da
diferenciac;ao intima do homem (sensac;6es, crenc;as, vontades). Ora: 1) 0 que se adapta assim ao homem, forps fisicas,
plantas, animais domesticos, era suscetfvel de outras adapta~oes, desde 0 gada castrado ate as flores duplas. 0 a~ucar
de beterraba e uma riqueza para n6s; por si s6 a beterraba
teria sido apenas urn alimento; 2) a diferenciac;ao produzida
por essa harmonia tao cuidadosamente adquirida e sempre
uma mutilac;ao: 0 bem-estar mata a energia, a indolencia
engendra a lassidao, a inaptidao it guerra etc.; 3) 0 produtor
dessa harmonia precisou especializar-se. Ao trabalhar, precisou sufocar as ideias fantasistas, as veleidades caprichosas, os
talentos contrarios a sua meta; 4) ele precisou lutar contra
os industriais rivais e prejudica-los. Negar a necessidade da
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liza~ao
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E por
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de forma vigorosa sob a condic;ao de esquecer momentaneamente os outros. Isso acontece com toda ciencia, medindo-se
o sucesso pelo vigor e a te'nacidade de uma atenc;ao exclusiva
aplicada a uma pequena parte do assunto.
Nao que a inteligencia, e em geral toda faculdade humana, nao se esforce por remediar essa incapacidade de
abra9ar totalmente seu objeto. Apos ter passado muito tempo
de noc;ao em noc;ao, s6 se absorvendo em uma delas ao separar-se das outras, ela aspira a uma f6rmula cada vez mais
compreensiva, que acredita pOI urn momento ter encontrado
na filosofia, assirn como 0 Desejo de Felicidade, cansado de
suas incompletas e passageiras satisfac;6es da primeira idade,
precipita-se, por assim dizer, na armadilha da Ambic;ao ou
do Amor, que the oferece a sintese ardente de todas essas alegrias dispersas. A Vida, do mesmo modo, sonha sua sintese;
o tipo do vertebrado torna-se sucessivamente peixe, reptil,
ave, mamifero; depois atinge a organizac;ao humana, na qual
profundos naturalistas, como Owen, puderam ver a Natureza
viva resumir-se por inteiro ao ultrapassar-se. Mas com essa
tentativa de sistematizac;ao ocorre 0 mesmo que com nossas
generalizac;6es filos6ficas; a especie humana, afinal, e apenas
uma especie como as outras, e a generalizac;ao filos6fica, uma
especialidade como as outras. 0 desenvolvimento politico daria ensejo as mesmas considerac;6es. "Na Inglaterra", diz 0
Sr. Herbert Spencer (Premiers principes, p. 398), "no inicio,
a autoridade monarquica era rna is baronial, e a autoridade
rna is monarquica do que foram mais tarde." 0 que nao deixa
de evocar 0 carater ao mesmo tempo vegetal e animal dos
seres mais inferiores.
Para temperar 0 amargor da verdade que procuro trazer a
luz, convem acrescentar que esse holocausto universal tern
por resultado a harmonia das coisas. Desenvolver-se e apli-
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justa ou na obra-prirna poHica que acabara por se manifestar no meio delas; nisto elas se assemelham aos germes nao
viaveis e as aptidoes anti-sociais, as variedades infecundas ou
menos fecundas que a concorrencia vital elimina todo dia, e
as individualidades rna is ou menos marcadas que compoem
a maioria da especie hurnana. Dirao que essa maioria existe
unicamente em vista de alguns homens de genio que aparecern aqui e ali?
Entre as receitas inumeraveis, quase todas absurdas e com
freqiH~ncia repugnantes, que enchem os livros dos medicos
da Anligiiidade, e que foram vantajosamente subslituidas,
reconhe<;o, por DOSSOS especfficos atuais, talvez nao hala
uma s6 que, aplicada a certos casos (reais ou possfveis) diferentes daquele ao qual era aconselhada, nao livesse produzido urn efeito salutar. Entre as cria<;oes mais insensatas da
poesia oriental, talvez nao haja uma so que, modificado 0
nOSSO gosto, nao nos parecesse bela. Assim tambern, talvez
nao haja urn monstro, urn indivfduo mal conformado, urn
instinto criminoso que, esteril ou prejudicial no meio onde
aparece e do qual, compreensivelmente, e expulso, nao teria
encontrado urn desenvolvimento legftimo em algum outro
meio. Os monstros nao viaveis sao vas tentativas de vida, as
cria<;oes absurdas sao vas tentativas de beleza, as mas receitas
dos empfricos sao vas tentativas de cura, do mesmo modo
que as concep<;oes quimericas, pelas quais alguns utopistas
franceses prometem bilhaes aOS Estados sem abrir a bolsa,
sao vas tentativas de enriquecimento. Mas dirao, uma vez
mais, que essas tentativas malogradas testemunham apenas
a ignorancia, na qual se encontram a Natureza e 0 Espfrito,
do verdadeiro caminho a seguir para ir direto ao segredo e
ao exito buscados? Nao; pois elas revelam, sobretudo, uma
for<;a que tern necessidade de se exercer. Prova e que, apos a
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ajustar ou jamais se ajustaram aos fatos da ciencia e as exigencias do gasta? Se a ciencia propriamente dita tern menas
respeita que a filasafia par suas velharias, que sao muita prontamente esquecidas, e que a ciencia e 0 dominio exclusivo
da inteligencia, enquanta a filasafia, expriminda melhar a
homem inteiro, abarca ao mesmo tempo a faculdade das cria~oes e a das na~oes.
Terminemos por uma ultima aproxima~ao, por uma ultima analogia. Consideremos a parte uma noqao verdadeira,
urn genne vidvel; tam bern aqui se mostra claramente a tendencia ao infinito, a urn cerio infinito, a uma totalidade detenninada e circunscrita. Nao apenas nem todos os nossos
pensamentos se exprimem verbalmente, por falta de aten~ao
ou de urn aperfei<;;oamento suficiente da lfngua; nao apenas
nem todos os germes de urn ser vivo e nem todas as faculdades de urn homem se desenvolvem exteriormente, por falta
de urn raia de sol au de gloria, de certa grau de cultiva da
terra ou de uma educa~ao conveniente dos contemporaneos;
mas tambern a expressao verbal dos pensamentos privilegiados e sempre fragmenbaria e mutilada, e a adaptac;ao dos seres
vivos a seu meio e sempre incompleta. A razao e a mesma.
Com efeito, todo germe tern uma aptidao a irradiar-se em
uma infinidade de sentidas, e pade desenvalver-se apenas em
urn s6; toda no~ao ainda inexpressa no fundo de urn espirito
que reflete, par exemplo a no~ao de espa~a, au simplesmente
uma sensac;ao, uma impressao, apresenta uma infinidade de
aspectos, e cada Frase pela qual se tenta comunica-Ia ilumina
apenas uma de suas faces. Por isso, jamais e comunicada a
autrem; ela e despertada em autrem.
Se far cansiderada samente a universalidade de aptid6es
contida no germe vivo, e legitimo, a rigor, ver nisso a prova
da cegueira da Natureza que, nao padendo preyer a cami-
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nho unico pelo qual circunstancias fortuitas orientarao 0 desenvolvimento do germe, precisol1 apropria-Io, para torna-Io
viavet a urn numero indeterminado de caminhos possiveis.
Mas essa solu~ao e evidentemente inaplicavel a universalidade de aspectos cantida em cada na~aa. Se, para tamar as
germes viaveis, era preciso enche-Ios de infinitos caracteres
inatos, acaso era necessario, para tarnar nossos pensamentos
exprimfveis, compo-los de uma infinidade de rela~oes? De
modo algum, pais isso e justamente 0 que torna impossivel a
completa expressao deles. Portanto, entre a no~ao e 0 germe
naa h" nada em comum alem de urn apetite de infinito que
pede inutilmente para ser satisfeito.
Cobrir todo 0 solo e 0 anseio da especie, tudo conceber e
o anseio do espirito, desenvolver-se inteiramente e a anseio
do germe, exprimir-se inteiramente e 0 anseio da nOC;ao. A
esse deseja de certa tatalidade, que est" no funda de uma
for~a qualquer, corresponde essa afirma~ao de uma certa
tatalidade, que encontramas no fundo das leis. A faculdade
que temos de pronunciar juizos universais reflete, com efeito,
alga de abjetiva. Pela aleance infinita das Leis, 0 infinita
parece afinnado; pela tendencia infinita das germes, pelas
propriedades infinitas da materia, pelos sentidos infinitos das
noc;6es, 0 infinito parece dese;ado: diferen~a que corresponde
a bifurca~ao, no meu entender, fundamental em psicologia,
e que a confirma.
Resumirei 0 que disse acrescentando uma observa~ao essencial.
A tendencia a realizaC;ao de todos os possiveis, entendidas no sentido ampla e desmedido de Leibniz, ista e, como
tudo 0 que nao implica contradic;ao, parece-me ser 0 sonho
impotente e a sede insaciavel do Universo. As leis, e as for~as particulares ele que derivam, ao excluirem infinidades de
Os possrveis
231
possibilidades, mas ao permitirem pensar e afirmar as infinidades subsistentes, parecem-me ser a dire<;ao e 0 freio desse
profundo Desejo. Pois nao se concebem possibilidades sem
necessidades, como tampouco varia~5es sem temas ou diferen~as sem repeti~5es.
Nao que eu considere as leis e as for~as como eternas. Elas
nao 0 sao, como tampouco 0 sao os temas relativamente dudveis que se repetem na serie de suas varia~6es instantaneas.
As leis, as propriedades reais, nao sao as iinicas leis, as unicas
propriedades possfveis.
No que coneerne a natureza viva, e praticamente certo
que suas leis tiveram que mudar durante as diversas epocas
geol6gicas. Elas nao sao, portanto, imutaveis. Tudo 0 que a
luta dos naturalistas da escola de Cuvier demonstrou contra
a doutrina da Evolu<;ao 0 a impossibilidade de explicar a forma<;ao da ordem atua! por meio das leis da ordem atual, e a
necessidade de recorrer, para essa explica~ao, a leis diferentes, cujo segredo nos 0 subtrafdo. Eis af 0 X da gera<;ao das
especies e, antes de tudo, do aparecimento primeiro da vida.
It infinitamente provavel, vendo-se a nitidez com que se destacam as faunas caracteristicas de cada etapa geol6gica, que
se produziu, nos come~os de uma especie, algo de desconhecido, de passageiro, de anormal, isto e, de contrario a nossas
leis ordinarias. Isso nao e de modo algum apelar ao misterio,
mas sim .quela profunda faculdade, muito pouco apreciada,
de afirmar para alom do horizonte dos fatos e de nao ignorar,
pelo menos, 0 que nao se pode conhecer. Se afirmar 0 desconhecido e utilizar nossa ignorancia, negar 0 desconhecido e
ignorar duas vezes.
No que concerne a natureza ffsico-qufmica, suas leis,
como eu dizia, apresentam urn carater mais duravel e relativamente indestrutfvel. Mas tampouco se poderia outorgar-
232
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lhes urn titulo de eternidade, a menos que se diga que as propriedades atomicas, cujo conflito e cuja rela~ao expr.imem,
sao elas pr6prias eternas, isto e, que urn Momo e imperecfvel
e incridvel, enquanto urn eu nao 0 e, nem uma ceIula, nem
uma molecula. 0 que dissemos alhures*, sobre a Conservaqao da materia e da forqa, vern assim em apoio as presentes
considera~6es.
... Tarde provavelmente se refere a "A a<;ao das fatas futuras" (supra, p. 165).
[EVV]
Os poss(veis
233
Carta autobiografica
Minha vida rapidamente e contada: nascido em Sarlat em
1843 (infelizmente voce ve que idade tenho), fui substituto do
procurador da Republica de Ruffec de 1873 a 1875, depois iuiz
de instrw;ao em Sarlat, minha cidade natal, de onde nunca
pedi para sair ate 0 momento em que 0 Senhor Antonin Dubast, enta~ ministro da Justir;a, que eu nao conhecia, mas que
havia auvido {alar de mim, me ofereceu espontaneamente me
namear chefe do setor de Estatistica judicidria em seu ministerio. Isso se passou em ianeiro de 1894; eu aceitei e fiz bem.
Seis anos depois, em '900, fui nomeado professor de filosofia
modema no College de France e, em dezembro do mesmo ano,
entrei para 0 Institut... Voce se surpreendera talvez com minha
Carta autobiogrd{ica
235
Sobre
autor
a que mais
Ihe diria' A lista de minhas obras, voce a conhece... Eu voluntariamente esqueci de juntar a esta lista a publica,ao de meus
Contes et poemes porque, uma vez lan,ada essa coletanea de
algumas poesias de minha juventude, {iquei descontente com a
escolha que havia {eito. Tivera, muito novo, ambi~6es poeticas
muito altas... Creio que esta aptidao nao era ilus6ria ...
(Charente), ocupou uma serie de cargos na magistratura local. Em 1877, casou-se com Marthe Baedy-Delisle, lilha de
urn magistrado da corte de Bordeaux, com quem teve tres
o Segundo Congresso Internacional de Antropologia Criminal, 0 que projetou seu nome na Franc;a e no estrangeiro. Em
236
Sabre a autor
237
,890 publicou Les Lois de ['imitation, que viria a ser seu livro
mais conhecido. Tres anos depois, tornou-se co-diretor dos
Archives d'Anthropologie Criminelle. Em ,894, abandonou
defimtIvamente a vida provinciana que ate
GABRIEL TARDE
au GABRIEL
DE TARDE?
238
Sabre a autor
239
Les loIS de l'imitation - etude sociologique [u, 1890]. Paris: Les Empecheurs de Penser en Rand,
2001.
Les Lois sodales - esquisse d'une sociologie [LS, 1898]. Paris: Les Empecheurs de Penser en Rand, 1999.
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Masson, 1895.
2004.
Em portugues
A opiniao e as massas (trad. Paulo Neves). Sao Paulo: Martins Fontes, 2005.
2004
240
Sobre
autor
241
A listagem bibliografica completa foi disposta cronologicamente para que se possa ter uma ideia aproximada do desenvolvimento do pensamento de Tarde. Como varios ensaios
foram posteriormente reuniclos em coletaneas au se tornaram
capftulos de livros, meSilla que revistos au ampliados, optamDS par indicar, por meio de abreviaturas entre colchetes, a
coletanea 011 0 livre em que 0 ensaio em questao se encontra
republicado. Para que se possa ter uma ideia da variedade e
do porte dos trabalhos publicados por Tarde, optamos par di-
'1
18 74
a
a Ger-
mer-Baillere a publica<;ao integral deste manuscrito, mas as negocia<;oes fracassam. Dois dos capitulas deste manuscrito, "La
Variation universelle" e "Monadalogie et sociologie", seraa publicadas par Tarde na coletanea Essais et melanges sociologiques
(1895); outro capitulo, intitulado "Les Existences conditionnelles
ou les possibles non realises", sera publicado postumamente sob
o titulo "Les Possibles" (1910); enfim, outro capitulo, intitulado
"Les Trois formes et la repetition universelle", e urn esbo<;o do inicia de 1.s Lois de l'imitation (1890). A monografia La Repetition
et revolution des phenomenes iamais sera integralmente publicada. Nao se sabe aa certo 0 quao diferentes as versoes publicadas
sao do manuscrito original.]
18 76
a
'1
1880
y
242
Sabre a autor
243
y
y
t'l
,882
"Les Traits communs de la nature et de I'histoire". Revue Philosophique, n. XIV, pp. 270-<)1. [Ll]
,886
~
XVI,
pp: 512-
sue cause.]
,884
y
244
XVIII,
pp.
Sobre 0 autor
245
III (3~
serie), pp.
521-33
"La Crise de la morale et la crise du droit penal". Revue Philosophique, n. XXVI, pp. 379"96. [EPS]
Y "La Dialectique sociale". Revue Philosophique, n. XXVI, pp. 18-41
e 48-65. [LI]
Y "Les Deux sens de la valeur". Revue d'Economie Poldique, n. II,
pp. 526-40 e 561-76.
<5 '''Les Principes du droit' et 'Le Devoir de punir'''. Archives d'Anthropologie Criminelle, n. III, pp. 383-9+ [Revisao de Emile Beaussire, Les Principes du droit; e de Eugene Mouton; Le Devoir
IV,
1888
y
de punir.]
"Les Actes du congres de Rome". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. III, pp. 66-80.
e
e
246
XIX (3' serie), pp. 737-48 (1' parle) e n. XX (3' serie), pp. 6-ll (2'
parte). [EPS]
"Critica penale". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. V, pp. 44956. [Resenha da obra homonima de Emmanuele Carnevale. J
"L'Amour morbide". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. V,
pp. 585-95. [EPS; de Emile Laurenl, L'Amourmorbide.]
"La France criminelle". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. v,
pp. 195-25. [Resenha da obra hom6nima de Henri Ioly.]
Sobre
autor
247
,','"',
TJ
11
Emile Laurent.]
E:
"Magnetiseur et medecins". Revue Philosophique, n. xxx, pp. 9395 [Resenha da obra homonima de Joseph De/boeuf.]
"Depopulation et civilisation", in Dumont, Arsene. Depopu.
lation et civilisation, etude demographique. Paris: Lecrosnier et
Babe, pp. I-XII. [EPS]
"Les Vers impairs". Le Semeur, n. XIX, pp. 598-61 e n. xx, pp. 639"
43
Criminelle, n.
y
"Discussion". Actes du deuxieme congres international d'anthropologie criminelle, biologie et sociologie, Paris 1889, pp. 165, 183,
"Les Anciens et les nouveaux fondements de responsabilite morale". Actes du Deuxieme Congres International d'Anthropologie
Criminelle, Biologie et Sociologie, Paris 1889, pp. 92-105.
Y
Y
Y
Y
"A Propos de deux beaux crimes". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. VI, pp. 453-65. [EPS]
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pp. 483-517. [EPS]
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VI, pp. 206-13. [EPS]
"L'Archeologie criminelle en Perigord". Archives d'Anthropologie
Criminelle, n. VI, pp. 569-84 [EPS]
"L'Art et la logique". Revue Philosophique, n. XXXI, pp. 123-47 e
288-312. [LgS]
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de jun., pp. 849-77- [EPS]
< "Preface", in Laurent, Emile. VAnnie Criminelle (1889-189)'
Lyon: Storck.
248
Storck e Masson 1
"Dne Nouvelle ecole italienne: Ie positivisme critique". Archives
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"Histoir<7 des doctrines economiques". Revue Philosophique, n.
XXXIV, pp. 69-75. [EMS; resenha da obra homonima de Alfred
Espinas.]
"Le Combat contre Ie crime". Revue Philosophique, n. XXXIV, pp.
510-16. [Resenha da obra homonima de Henri Joly.]
"Le Type criminel d'apres les savants et les artistes". Archives
d'Anthropologie Criminelle, n. VII, pp. 333-36. [Resenha da obra
homonima de Edouard Lefort.]
"Evocation". Revue de Bordeaux, pp. 175-79
"L'Audience, pochade en un acte et sans vers". Revue du Siecle,
11
Tl
n. L, pp. 611-19.
Les Deux Statues. La Boetie et Montaigne. Lyon: Storck.
11
TJ
Sobre
autor
249
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1893
1894
can.
y
y
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"Foules et sectes all point de vue criminelle". Revue des Deux
n. CCCXXXII, pp. 349-87. [EMS; OF]
Mondes,
y
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ciologie, n.
y
VIII,
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n. IX, pp. 641-5. [EMS]
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e "Les Malfaiteurs de profession". Archives d'Anthropologie Criminelle, n. IX, pp. 108-11. [Resenha da obra homonima de Louis
Pierbarand.]
'1
'1
LXXXIV,
pp. 248-77.
632 -51.
1895
pp.
(veja Vargas
8 "RepOl1se a M. R. Berthelot". Revue de l\1etaphysique et de Morale, 11. I, pp. 573-75 [Replica as crfticas de Berthelot a Les Transfonnations du droit.]
2000:
num mesmo texto (De Tarde 1909: 25 e 68), duas datas diferentes - 1893 e 1894. A edic;ao que tenho em maos e a segunda, de
1898. No prefacio, Tarde afirma que a primeira edi~ao e de 1895,
sendo esta a mesma data indicada em seus "Titres de candidature a l'Academie de Sciences Morales et Politiqlles", publicados em 1900. Fico com ele.]
250
Sabre a autor
251
'1
XXXIX,
pp.
148-62. [EPSr' J
y
d'Anthropologie Criminelle, n.
Felix Alcan.
"L'ldee d'opposition". Revue Philosophique, n.
252
XLIII,
75. [au]
y
Y
y
pp. 131-32.
x, pp. 206-07.
XI,
de Bournet.]
"Congres de Sociologie". Archives d'Anthropologie Criminelle, n.
IV
(4~
'1
pologie Criminelle. Compte rendu des travaux de fa quatrieme session, Geneve 1896, pp. 76-85.
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XII, pp. 452-72. (EPSyS] [Tambem publicado no mesma ana em
Revue Pedagogique, n. xxx, pp. 193-21 5.]
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"Note sur les rapports de la biologie et de la sociologie". Annales
de I'Institut International de Sociologie, n. Ill, pp. 189~98.
"Souvenirs de transports judiciaires". Archives d'Anthropologie Cri-
Sabre
autor
253
12
de 50ciologie, n.
a.
[OFJ
IV,
IV,
XXII,
pp.
479-80 .
18 99
a
IV,
pp. 689-719
XIV,
Y "Les Transformations de I'impunite". Archives d'Anthropologie Cn"minelle, n. XIII, pp. 615-31. [Republicado no meSilla ana em La Re.
y
Y
XLVI,
pp. 945-48.
XXIlI,
pp.
783-90 .
"Reponse a une enquete sur l'introduction de la sociologie dans
l'enseignement secondaire". Revue Intemationale de Sociologie,
11. VII, pp. 678-79.
pp.
190
XXIII,
Fleury.]
pp. 5-2 7.
XXII,
p.6I8.
"La Defense dans l'instruction pnparatoire". Revue Pinitentiaire,
n. XXII, pp. 1206-08.
254
Sabre a autar
255
644-53
"Discussion". Bulletin de l'Institut Intemational de Statistique, n.
XII, p. 112.
L'Athenee de Bordeaux.
XII,
p.
pp. 38-
IX,
3 .
06
P
y
XVI, pp.
I6~5.
Revue Intemationale de Sociologie, n. x, pp. 562-74y "Quelques mots sur Ie materialisme historique". Annales de !'Institut Intemational de Sociologie (1900-1), n. VIII, pp. 283-89.
e "L'Annee Sociologique". Archives d'Anthropologie Criminelle,
D. XVII, pp. 445. [Dos quatro primeiros volumes do Annee 50ciologique.]
( "Avant-propos", in Bruno, Camille. La Fin d'une amante. Paris:
Calmann-Levy, pp.
I-VIII.
XXVI,
p. 198.
256
Sobre
autor
257
lagle, n.
IX,
Pnblica~oes
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d'Anthropologle Grimlnelle, n. XIX, pp. 537-64,]
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Y "La Philosophie sociale de Coumot", Bulletin de la Societe
Franqaise de Philosophie, pp. 207-30. [PHSS]
E
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p6stnmas
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I,
PP25-28 .
"Juges de paix". Revue Penitentiaire, n.
XXVII,
pp.
1322-3, 1340-41.
'9"4
(
raire - revue bleue, n. I (5;~ serie), pp. 673-74'1 "Vers d'un sociologlle: l'imaginaire". Revue Intemationale de Soclologle, n. XII, pp. 580-84"Discussion". Revue Intemationale de Sacialogie, n. XII, p. 52.
"Discussions". Annales de l'Institut International de Socialogie,
n. x, pp. 120-24, 242-43, 264-73 e 4'2.
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Sociologie, n. XII, pp. 83-86. [Resumo das conferencias proferidas por Gabriel Tarde e Emile Durkheim em dezembro de 1903
na Ecole des Hautes Etudes Sociales, Paris.]
CXII,
p.
333.
LXII,
de metaphyslque et de morale, n.
XIII,
'97
y
pp. 5-40.
2;8
Sobre 0 autor
259
199
2004
'1
"Cahier 19 - Journal Intime". Revue d'Histoire des Sciences Humaines, n. 13, pp. 141-82. [Texto apresentado e estabelecido par
Louise Salmon a partir do cademo 19 do diario pessoal de Tarde,
atualmente depositado no CHEVS - Sciences Po.]
Criminologie au Toumant du Siecle. Revue d'Histoire des Sciences Humaines, n. III, pp. 17-50. [Correspondencias entre Tarde e
criminologistas italianos seus contemporaneos; N. Colajanni, E.
Ferri, G. Fioreti, R. Garofalo, A. Loria, S. Siguele, F. Turati e A.
Zuccarelli, alem do diretor do Corriere della Sera.]
2002
apresentado e estabelecido por Thierry Martin a partir dos manuscritos do curso sobre Cournot proferido por Tarde no College
de France entre dezembro de 1902 e abril de 1903, e atualmente
depositados no CHEVS - Sciences Po.]
260
Sobre
autor
261
LOMBROSO,
socich~".
353-54Cesare. "La Fusion de la folie morale et dll criminel-ne. Reponse a M. Tarde". Revue Philosophique, n. xx, pp.
'7 8-81.
n. IV, pp.
LOMBROSO,
ESPINAS,
LACASSAGNE,
que, n.
XXIV,
pp. 81""91.
Alexandre. "La Criminalite comparee". Archives
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II,
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Sahre
262
(J
autor
263
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compararada. Madei: Espana modema, pp. 5-22 .
POSADA,
FIORETTI,
HONCEY,
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LERDA,
PAULHAN,
BERTRAND,
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CORRE,
MORSELLI,
1~5
pp. 93-10 3.
FERRI,
189'
MORSELLI,
BERTHELOT,
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1894
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E:
XXXVI,
[ogie Criminelle, n.
Philosophique, n.
cS
GIRARD,
LEVY-BRUHL,
SIGHELE,
PAULHAN,
1893
1. Glaneur, 27 juillet.
E
I,
PP32 0-2 3
Jean. "L'imitation". Revue Politique et Litteraire..,. revue
CICCARELLI,
18 90
E
SOREL,
TUFTS,
DAURIAC,
264
Sobre 0 autor
265
, T,
e
Rene. "La Logique sociale". Revue Intemationale de Sociologie, n. III.
WORMS,
LAMBERT,
nationale de Sociologie, n.
VI.
PALANTE,
WORMS,
FAGUET,
DURKHEIM,
que, n. XXXIX, pp. 518-23. [Replica aD artigo de Tarde "Criminalite et sante sociale".]
MAZEL,
XXVI,
GIDDINGS,
BELOT,
XLI,
Y
E
ANONIMO.
n.
I,
p. 185.
I,
RICHARD,
TURATI,
BOUGLE,
que, n.
BOUGLE,
II,
PP147- 152 .
E
COLAJANNI,
XLVI, 206-0<}.
266
FAUCONNET,
19 00
DAURIAC,
GOBLOT,
TOSTI,
logical Review, n.
VEBLEN,
VII.
Sobre 0 autor
267
DURKHEIM,
IV,
D'EICHTHAL,
p. 136.
MAZEL,
191
c5
DOUMIC,
SIMIAND, Fran~ois.
ESPINAS,
e
e
LI,
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phique, n.
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WORMS,
VEBLEN,
nale de Sociologie,
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MAHAIN,
VASHIDE,
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BERTRAND,
Criminelle e
ANONIMO.
XLII,
AUBIER,
'3-33
268
avril-juin.
VI,
pp.
Sobre 0 autor
269
HERTZ,
gie". Annie Sociologique, n. VIII, pp. 157-62. [Resenha dos Annales publicados par Rene Worms com destaque para discussao da
apresenta~ao
LACASSAGNE,
,\
ANONIMO.
LVII,
p.
WELLS,
de Tarde.]
neUe -A
,\
685.
,\
"Parole
Sociologie,
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y
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(3), pp.
SHOO.
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282
....
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3
Indice onomastico
AGASSIZ, jean Louis Rodolphe (187-1873) 59,182,219
ALEXANDRE III, 0 Grande (356-323 a.C.) 123
ALMANN, George james (1812-1898) 73
AMPERE, Andre Marie (1775-1836) 213
ARISTOTELES (384-322 a.C.) '75
ARQUlMEDES (287-212 a.c.) 220
BALL, Benjamin (1833-1893) 68
BASTIAT,
Claude Frederic
(1801-1850) 152
Rene
284
Bela
(1285-134) 122
(sec. IX a.C.) 82
LITIRE, Emile (1801-1881) 172, 19+ 198, 214
LOCKYER, joseph Norman (1836-1920) 57
LOTZE, Rudolf Hermann (18'7-1881) 67
LUIS XIV (1638-1715) 188
LUTERO, Martin (1483-1546) 161
LYELL, Charles (1797-1875) 96, 207
MALTHUS, Thomas Robert (1766-1834) 217
MAXWELL, james Clark (1831-1879) 103
MICHELANGELO (1475-1564) '49
M1LcIADES (540-489 a.c.) 213
NAPOLEAO I (176')-1821) 87, 124, 130, 216
NEWTON, Isaac (1643-1727) 54-55,60,80,89-<)0,168,202,227
LICURGO
fndice onomastico
285
Casac Naify,
2007
p.
2,
Cabriellarde; p.
comuna de
BC}Tl<lC
as
CARMEM CACCIACARRO
Projcto grafico
ELAINE RAMOS
Capa e composi\ao
FLAVIA CASTAI"HElRA
Bibliografia
ISBN 978-85-7503-491-0
TOMAS DE AQUINO,
Sao
(1225-1274) 161
1.
Monadologia
l.
2.
Sociologia - Filosofia
II.
Titulo
CDD 301.01
301.01
COSAC NAIFY
Tells; IJ]
2~
andllT
Panlo SP
3218 1444
Fax [55 u] 3257 8164
'W'Vi\V .cosaCll.] ify.coll1.br
Atclldimcnto ao profe5sor 155 ll] 3823 6595
286
2'34,