SIMCAM6
SIMCAM6
Anais do
VI SIMCAM
Simpsio de Cognio e Artes Musicais
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Msica
Marcos Nogueira, coordenador geral
VI SIMCAM
Simpsio de Cognio e Artes Musicais
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Msica
Programa de Ps-Graduao em Msica
Rio de Janeiro, 25 a 28 de maio de 2010
Comisso Executiva de V SIMCAM
Marcos Nogueira (Coordenao Geral)
Maurcio Dottori
Rael Bertarelli
Comisso Cientfica:
Maurcio Dottori e Marcos Nogueira
Pareceristas:
Beatriz Ilari (UFPR)
Beatriz Raposo de Medeiros (USP)
Daniel Quaranta (UFPR)
Diana Santiago (UFBA)
Graziela Bortz (UNESP)
Indioney Rodrigues (UFPR)
Leomara Craveiro de S (UFG)
Marcos Nogueira (UFRJ)
Maurcio Dottori (UFPR)
Associao
Brasileira de
Cognio e
Artes
Musicais
C A P E S
Realizao:
ABCM ASSOCIAO BRASILEIRA DE COGNIO MUSICAL
Maurcio Dottori (UFPR), Presidente
Diana Santiago (UFBA), Vice-Presidente
Graziela Bortz (UNESP), Secretria
Ricardo Dourado Freire (UnB), Tesoureiro
Marcos Nogueira (UFRJ), Relaes Pblicas
Beatriz Ilari (UFPR), Representante do Comit Editorial
Webmaster:
Rael Bertarelli Gimenes Toffolo
VI SIMCAM www.abcogmus.org/simcam
Anais do
VI SIMCAM
Simpsio de Cognio e Artes Musicais
ii
Apresentao
Prezados colegas,
Neste ano de 2010, o Programa de Ps-Graduao em Msica da UFRJ completa 30
anos de existncia e o comemora com muita honra recebendo o VI Simpsio de Cognio e Artes Musicais, evento pioneiro na rea de Cognio Musical no pas.
O conceito de ps-graduao em Msica em nosso programa contempla a produo
artstica e a bibliogrfica em medidas iguais. Contudo, nesses 30 anos de trajetria
quase 350 trabalhos foram defendidos e flagrante a presena macia de pesquisa e
produo nas reas artsticas. Nos ltimos 10 anos, entretanto, a produo bibliogrfica se intensificou nessas reas, o que pode ser entendido tambm como consequncia
da interao com investigaes em duas outras reas emergentes no Programa: Musicologia e Educao Musical. A consolidao de estudos musicais no mbito das cincias cognitivas, nos ltimos 20 anos, nos parece um campo notavelmente frtil para o
aprofundamento dessas interaes entre procedimentos metodolgicos de todas as subreas que constituem a pesquisa em Msica, o que pode ser reconhecido no crescente
interesse que a comunidade acadmica musical vem demonstrando pelos recursos de
construo do conhecimento oferecidos pela pesquisa em Cognio. Assim sendo, manifestamos nossa satisfao com a realizao de mais este SIMCAM e a aproximao
cada vez maior de pesquisadores da nova rea.
A concretizao deste VI Simpsio s foi possvel graas colaborao de inmeros
colegas que acreditam, por razes variadas, neste projeto. Gostaria de fazer alguns
agradecimentos especiais a Sonia Ray e Mauricio Dottori, coordenadora do ltimo
SIMCAM e presidente da ABCM, pela presena constante, a Rael Toffolo, pelo esforo incansvel de conduzir o SIMCAM, numa primeira experincia, pelos cami-
iii
nhos ainda tortuosos dos sistemas on line, s coordenadoras dos Grupos de Estudo,
Beatriz Ilari, Clara Piazzetta, Sonia Ray e Beatriz Raposo, e aos membros desses
GEs, que deram um primeiro impulso essencial para a consolidao dessa iniciativa
inovadora da Associao Brasileira de Cognio e Artes Musicais para esta edio do
SIMCAM, e aos conferencistas e membros de mesas-redondas que gentilmente aceitaram os convites para dividirem conosco um pouco dos resultados de suas pesquisas.
Gostaria de enfatizar ainda o apoio incondicional da direo da Escola de Msica,
aqui representada pelo diretor geral, Andr Cardoso, e pelo diretor artstico-cultural,
Eduardo Biato, a gentileza dos artistas que aceitaram o convite para integrar a programao de concertos do SIMCAM6, e por toda a equipe tcnico-administrativa do
Programa de Ps-Graduao em Msica e do Setor Artstico-Cultural.
Tenho convico de que os esforos empreendidos nos ltimos meses sero plenamente
recompensados com a realizao de um encontro cientfico frtil e prazeroso. Sejam
muito bem-vindos ao Rio de Janeiro!
Marcos Nogueira
Coordenador-Geral do VI Simcam
iv
Nota do editor
um enorme prazer ver que nossa Associao comea o seu segundo lustro de existncia num simpsio em minha cidade, na mais antiga escola de msica de nosso pas.
E que este nosso encontro servir a um balano do que atingimos nos seis anos consecutivos de Simpsio de Cognio e Artes Musicais. Os seguidos SIMCAM tem se
demonstrado um foro privilegiado para as discusses sobre como nossas mentes e nossos
crebros (cuja fronteira de distino constitui-se tambm em um importante tpico
de debates) relacionam-se com a msica em que vivemos. Este ano, em especial, h
inmeros trabalhos muito interessantes, o que mostra a gradativa consolidao da
rea.
Nesta direo esperamos tambm que a novidade que representam nossos Grupos de
Estudos, que pela primeira vez acontecem, tenham um futuro muito profcuo.
Por outro lado, o prprio modelo de nosso SIMCAM, em que a organizao local e
a coordenao cientfica, so realizados, de modo em grande parte independe, pela
universidade sede e pela associao, vem se mostrando de tal modo eficaz que a
prpria Anppom, desde seu congresso em Curitiba no ano passado, decidiu-se por
segui-la. E a tendncia, espera-se, ser a de tornar o trabalho cientfico cada vez mais
eficiente. Para isto, nossa associao conta agora com um domnio e uma pgina
prpria na internet, o que a liberta dos vnculos sempre frgeis com computadores de
universidade e nos possibilitou a instalao e o uso de software de administrao de
conferncias e da nossa revista. O pioneirismo em usar o software cobrou um certo
preo este ano; mas, medida que nos habituemos, teremos uma facilitao imensa
do trabalho necessrio.
NDICE
a mente e a percepo das artes musicais
vi
Graziela Bortz
18
Andr Villa
32
43
54
Scheila Farias de Paiva Lima, Ceclia Cavalieri Frana & Stela Maris
Aguiar Lemos
73
84
93
100
Edmundo Hora
108
112
vii
120
146
Padres de pensamento:
aplicao da Tcnica Alexander execuo musical
156
164
177
193
202
214
221
Mtafiti Imara
237
246
viii
257
264
Representao e Sociedade
271
Indioney Rodrigues
279
292
Memria de Curto Prazo para Melodias: Efeito das Diferentes Escalas Musicais
301
305
Luciana Barongeno
308
317
Guilherme Bertissolo
330
Marcelo Gimenes
Anlise Particional:
uma Mediao entre Composio Musical e a Teoria das Parties
343
Pauxy Gentil-Nunes
355
358
ix
369
383
393
400
408
Luciane Cuervo
419
Aprendizagem cooperativa:
a diversidade como recurso facilitador na aprendizagem do instrumento
426
437
Tais Dantas
448
472
482
492
506
540
555
567
580
595
619
Tais Dantas
631
642
651
Janana Condessa
672
681
xi
Introduo
De acordo com Covington & Lord (1994), enquanto as pesquisas em cognio musical tm se desenvolvido consideravelmente nos ltimos anos, o treinamento audi-
tivo em sala de aula tem sido frustrante para professores e alunos. Estes ltimos demonstram dificuldades em aplicar o contedo aprendido que se concentra principalmente no estudo de alturas e ritmo, com a quase que total excluso de outros
aspectos musicais a seu cotidiano musical, onde a complexidade do material envolve uma gama de possibilidades muito maior que a oferecida durante os estudos
de percepo.
Os autores descrevem o treinamento auditivo tradicional como essencialmente behaviorista e objetivista, ou seja, baseado na transmisso e repetio de conhecimentos
especficos e bem demarcados. Como os conhecimentos, os procedimentos de avaliaes tambm so mensurveis aritmeticamente. Assim, quando a capacidade dos
alunos em reconhecer determinados intervalos isolados, por exemplo, colocada a
prova, tem-se uma possibilidade de avaliao quantitativa. Covington & Lord observam que o mtodo objetivo de ensino e avaliao tem sido aplicado em todas as
disciplinas de conhecimento humano. No entanto, enquanto em outras reas a educao tem sido fortemente influenciada por pensadores construtivistas, o mesmo
no ocorre na disciplina de percepo musical.
Como vantagens do ensino objetivista nessa disciplina, o artigo assinala trs pontos
principais, a saber: (1) a aquisio de conhecimentos e habilidades especficas; (2) a
habilidade de resgatar as informaes adquiridas no treinamento; (3) sucesso dentro
do contexto limitado dos exerccios de treino auditivo isolados, de onde se pode inferir que aqueles alunos que se desempenham bem parecem desenvolver um tipo
de rede esquemtica ou um sistema de expertise desejado (Covington & Lord, 1994,
p. 162). No entanto, o texto acrescenta que, em longo prazo e no contexto real de
trabalho, os resultados no so to convincentes.
O fato de um estudante ser capaz, por exemplo, de decodificar um intervalo de trtono isolado no significa que ele automaticamente desenvolva a capacidade de diferenciar esse mesmo intervalo num contexto musical em que ele aparea formado
pelo quarto e stimo graus, exercendo a funo de dominante com stima, ou entre
o segundo e sexto graus em modo menor, exercendo a funo de harmonia intermediria (acorde de II grau como subdominante).
Elementos isolados de seu contexto natural enfatizam a separao dos elementos
mais que sua integrao. . . . De fato, pesquisas em outros domnios tm demonstrado que tal treinamento pode, na verdade, desenvolver barreiras entre tipos de
esquema ao invs de desenvolver a conscincia de sua interconexo (Covington
& Lord, 1994, p. 162).
Os autores do artigo consideram ainda que o aprendizado de intervalos condicionados a uma determinada pea pode ser prejudicial, pois o caminho para recuperar
a informao lento. Talvez se possa comparar este exemplo ao aprendizado da leitura da clave de f condicionada clave de sol. Decodificar diretamente uma clave
qualquer a partir da visualizao das distncias formadas entre linhas ou espaos
Objetivos
Embora se busque uma viso ampla no enfoque da disciplina percepo neste trabalho, a nfase dada percepo de alturas. Logicamente, o contexto rtmico e textural no so excludos, mas a ttulo de limitar o objeto de pesquisa, o enfoque recai
nos parmetros de altura (melodia e harmonia).
So utilizados dados de experincias na rea de cognio musical, tais como: Deutsch,
(1982, 2006), Krumhansl (1990,2006), Sloboda (2008), Levitin (2006, 2007), Covington & Lord (1994), entre outros, para elaborar novas abordagens e estratgias
de ensino na disciplina de percepo musical.
Os objetivos desta proposta so:
Fazer uma ampla reviso da literatura na rea de cognio musical aplicada ao treinamento auditivo de alunos de nvel de graduao, incluindo trabalhos que tenham
foco em outras prticas musicais, mas que possam contribuir indiretamente para o
estudo da percepo (improvisao, estudos de memria para instrumentistas, piano
complementar, o estudo de harmonia no teclado, entre outros).
Propor uma nova abordagem dos exerccios de solfejo e ditado meldicos em contextos tonais e no-tonais, procurando um dilogo constante com os diversos tipos
de mtodos: trabalhos com melodias escritas especialmente para solfejo e ditado
(estruturas simplificadas) combinadas com melodias do repertrio organizadas em
mtodos de solfejo (estruturas intermedirias), alm de exerccios de solfejo e ditado
a partir de contextos musicais reais (estruturas complexas um extrato de uma sinfonia ou de uma sonata, por exemplo), buscando transferir constantemente as associaes obtidas em contextos simplificados e intermedirios queles mais complexos.
Propor, para o trabalho de solfejo, a anlise prvia das estruturas meldicas apresentadas de maneira a antecipar os desafios propostos nas estruturas simplificadas, intermedirias e complexas, buscando conectar a teoria prtica (de fato, a teoria
percepo que, embora comumente associadas nas grades curriculares, resultam separadas na tradio do ensino objetivista).
Finalmente, buscar uma viso holstica da disciplina de percepo, evitando distores conseqentes do trabalho com materiais exclusivamente abstratos (intervalos
fora de contexto musical, por exemplo). A proposta visa, atravs da constante contextualizao prtica e analtica, integrar as diferentes atividades musicais dos alunos
e do curso de graduao em msica, de modo a tornar a disciplina menos rida.
Mtodo
Covington & Lord emprestam os conceitos de well-structuredness e ill-structuredness
(Spiro et. al. apud Covington & Lord, 1994, p. 163-164) de estudos em educao
para descrever o primeiro como o contexto localizado da aula de percepo tradi-
cional e o segundo como a obra musical real. Compositores podem utilizar diferenas contextuais como meio de manipulao das expectativas dos ouvintes. . . . A
msica como percebida auditivamente no absolutamente previsvel.
Nesta pesquisa, as expresses: estruturas simplificadas e estruturas complexas sero
utilizadas para descrever o contexto de aula onde o conhecimento filtrado (wellstructured) e aquele em que o estudo da msica real (ill-structured) ocorre. Ser utilizada, ainda, a expresso estruturas intermedirias para se referir quelas em que
uma camada de uma estrutura complexa (uma melodia, harmonia ou um ritmo, por
exemplo) apresenta-se isolada da textura musical original. Embora seja, por essa
razo, mais simples, pode apresentar desafios particulares que merecem o tratamento
diferenciado. Enquanto os termos: estruturas simplificadas, intermedirias e complexas sero utilizados para determinar os materiais empregados, duas estratgias
sero aplicadas para a abordagem desses materiais: anlise e montagem/remontagem.
Enquanto as ferramentas de estruturas simplificadas utilizam a idia de seleo, a
abordagem de estruturas complexas explora a idia de montagem (assembly) ou
remontagem (reassembly) ao explorar conhecimentos adquiridos anteriormente
e remont-los num novo contexto (Covington & Lord, 1994, p. 165). Para os autores, a perspectiva construtivista, ao contrrio da objetivista, oferece a possibilidade
de tornar a prtica da percepo til ao estudante atravs da montagem. Eles acreditam que a experincia particular de cada aluno, quando transposta a um novo contexto de estrutura complexa, no simplesmente recuperada intacta; , antes,
reconstruda especificamente para o caso em questo. Assim, o produto final
menos importante que o processo de aplicar a experincia pr-existente em novas
situaes.
Os autores crem que os recursos para os estudos em cognio musical precisam ser
aprimorados e que as pesquisas nessa rea explicam melhor a aquisio de conhecimento em estruturas simplificadas que em complexas, embora o aprendizado seja
oposto nessas diferentes condies. Acrescentam que os estudantes tornam-se inbeis em transferir os conhecimentos de um universo a outro ao serem treinados em
condies simplificadas como se fossem reais. Sugerem que uma grande variedade
de dimenses abstratas deva ser aplicada para que se promova essa habilidade de
transferncia (Spiro et. al. apud Covington & Lord, 1994, p. 165).
Propem o que eles chamam de exploraes controladas, onde se pode acessar vrias sub-tarefas enquanto se busca um trabalho maior e mais abrangente, provendo
[o aprendiz] no somente de uma vivncia variada, como tambm da oportunidade
de planejar estratgias para completar o trabalho por inteiro, ou seja, controlando
o aprendizado (Covington & Lord, 1994, p. 166). Em seu laboratrio de tecnologia musical, eles descrevem sua experincia com os estudantes da Universidade de
Kentucky. Usando gravaes de extratos reais de msicas, pedem aos estudantes que
gravem diferentes linhas da partitura, por exemplo, o baixo, a melodia ou outra linha
de algum instrumento qualquer, em outras faixas do sequencer. Para isso, os estudantes tm a seu dispor, teclados midi, computadores e softwares individuais, alm
de fones de ouvido. Relatam os resultados como extremamente positivos tanto na
aquisio e transferncia de habilidades e conhecimentos, quanto no envolvimento
dos alunos na tarefa. Algumas dificuldades comuns, como ouvir e recuperar na memria a linha do baixo, so superadas atravs do esforo e aplicao de estratgias
pessoais de acordo com a experincia e velocidade particular de cada aluno. Alm
disso, possvel que o estudante sinta-se menos pressionado por no ter suas dificuldades expostas e comparadas com aqueles que tm maior facilidade.
Estratgia 1: Anlise
Ao iniciar uma leitura primeira vista, o estudante muitas vezes se depara com surpresas no decorrer do solfejo. O olhar analtico antes de se iniciar o exerccio de
suma importncia para que se possam prever os desafios inerentes ao extrato em
questo. Com a experincia, as dificuldades so superadas e a leitura se torna pouco
a pouco fluente. importante que o professor utilize diferentes materiais de leitura,
embora possa adotar um material-base. Berkowitz, Frontier & Kraft (1960) e Ottman (1995) so materiais com estruturas particulares previstas para cada seo.
Assim, os primeiros captulos abordam somente melodias diatnicas, inserindo tonicizaes e modulaes dominante e outras harmonias cromticas pouco a pouco.
So excelentes materiais-base, mas importante inserir alternativas a essas estruturas
previsveis para que o estudante desenvolva a versatilidade e capacidade de previso
anterior leitura. Edlung (1974) oferece um material misto de estruturas previsveis
e no-previsveis nas diferentes sees e pode ser uma boa opo para esse propsito.
No extrato abaixo, a primeira frase da melodia se encontra em L menor, modulando
dominante na segunda parte da frase seguinte. A terceira frase se inicia com a
mesma melodia que a primeira, no entanto, dirige-se subdominante da tonalidade
original atravs de sua dominante individual, usando, ainda, o rebaixamento do segundo grau para acess-la. Em seguida, na quarta frase, retorna-se a L menor atravs
da dominante para voltar a esta ltima harmonia na semicadncia. O extrato interrompido na harmonia de tnica maior.
O uso das ferramentas de anlise imprescindvel para que o estudante possa prever
os caminhos por onde a melodia poder encaminh-lo durante a leitura. Alm da
pura conscientizao terica, necessrio que ele oua esses caminhos antes de iniciar o solfejo. Pode-se inclusive cantarolar as alteraes, por exemplo, da sensvel da
dominante e do segundo grau rebaixado seguido da V/ IV para sentir essas alteraes e localizar as funes meldicas desses graus alterados.
Concluses
A coexistncia das abordagens objetivista e construtivistas, ao contrrio do que pensam Covington & Lord (1994), no so, na opinio da autora desta proposta, necessariamente excludentes. O problema da abordagem exclusivamente objetivista
est na falta do exerccio da transferncia de um domnio a outro, no que, de fato,
consiste a crtica daqueles autores ao objetivismo. Uma frmula aritmtica no , em
si, um problema ao estudante de matemtica. O problema no ser oferecido ao
aluno o conhecimento de sua origem, a informao: de onde vem? Se, ao contrrio,
como professores e pesquisadores, oferecermos aos alunos a possvel conexo s texturas complexas da msica, respeitando suas prprias experincias e dirigindo-as de
maneira que eles mesmos possam aplic-las em seu treinamento auditivo, o estudo
da percepo pode se tornar menos rido e mais interessante. Esta pesquisa se encontra em andamento, sendo aplicada aos alunos de primeiro e segundo anos de graduao em msica do Instituto de Artes da Unesp.
Agradecimentos
FUNDUNESP, por nanciar a apresentao desta pesquisa no Simpsio de Cognio e
Artes Musicais (SIMCAM VI).
Referncias
Berkowitz, Sol, Gabriel Fontrier e Leo Kraft. A New Approach to Sight Singing. New York:
Norton, 1960.
Burns, Edward. M. e W. Dixon Ward. Intervals, Scales, and Tuning. In The Psychology of
Music (2. ed.) Deutsch, Diana (Org.), p. 241-270. San Diego: Academic Press, 1999.
Covington, Kate e Charles H. Lord. Epistemology and Procedure in Aural Training: In
Search of a Unication of Music Cognitive Theory with Its Applications. Music Theory
Spectrum 16, n. 2 (Autumn 1994), 159-170.
Deutsch, Diana. O Quebra-cabea do Ouvido Absoluto. Revista de Cognio e Artes Musicais, vol. 1, n. 1 (maio 2006): 15-21.
. Psychology of Music (2. ed.). San Diego: Academic Press, 1999.
Edlung, Lars. Modus Novus. Estocolmo: Nordika, 1963.
. Modus Vetus. New York: Wilhelm Hansen, 1974.
Kraft, Leo. A New Approach to Ear Training (2 ed.). New York: Norton, 1999.
Krumhansl, Carol. Ritmo e Altura na Cognio Musical. In Em Busca da Mente Musical:
Ensaios sobre os Processos Cognitivos em Msica da Percepo Produo Ilari, Beatriz
S. (Org.), p. 45-109, Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paran, 2006.
. Tonal hierarchies and rare intervals in music cognition. Music Perception 7, n. 3
(1990): 53-96.
Levitin, Daniel. J. Em busca da mente musical. In Em Busca da Mente Musical: Ensaios sobre
os Processos Cognitivos em Msica da Percepo Produo Ilari, Beatriz S. (Org.), p.
23-44. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paran, 2006.
. Music Arts, Cognition, and Innate Expertise. Anais do III Simpsio de Cognio e
Artes Musicais (maio 2007): p. 21-29.
Ottman, Robert W. Music for Sight Singing. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1995.
Memria e Imitao
A percepo musical pode considerar tanto os aspectos fiscos da vibrao dos sons
quanto os complexos processos de identificao e significao de eventos sonoros
que possam ser semanticamente considerados como msica. O processo cognitivo
da percepo musical acontece mediado pela durao temporal das informaes
apresentadas e em conseqncia pelas formas como a memria atua no registro e
processamento das informaes auditivas. A abordagem tradicional do ensino de
percepo centrado no contedo musical pressupe que o aluno deva memorizar
trechos musicais para ser capaz de escrever ditados musicais. No entanto, a abordagem da percepo musical como processo cognitivo complexo deve observar os diferentes tipos de memria que atuam de diversas maneiras durante o processo de
identificao e decodificao musical. A partir da anlise dos tipos de memrias en-
volvidos no processo e suas relaes com os processos de imitao propostos possvel direcionar as prticas de percepo musical realizadas em atividades pedaggicas.
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Os estudos inicias sobre a Psicologia da Msica realizados por Seashore (1938) colocavam a memria como um dos aspectos fundamentais da aprendizagem.
O processo de aprendizagem em msica envolve dois aspectos principais: aquisio e reteno de informaes e experincias musicais, e o desenvolvimento de
habilidades musicais. Estes dois aspectos podem ser includos no uso comum do
termo memria; assim sendo, ns possumos uma memria consciente, que
a capacidade de tornar acessvel a informao e habilidades armazenadas, e tambm uma memria subconsciente ou automtica, que um tipo de hbito, demonstrado nos vrios tipos de habilidades musicais durante a performance.
(Seashore, 1938, pag. 149)
Ao refletir sobre as idias de Seashore podemos verificar que ele prope que na
aprendizagem esto presentes a aquisio de informaes musicais, que podem ser
realizadas por meio da imitao e a reteno da informao, caracterstica fundamental da memria musical.
De acordo com Costa (1997), a memria auditiva caracteriza-se pela capacidade
de ouvir os sons internamente, ou seja, pensar os sons na ausncia de fonte sonora.
Seashore (1938) refere-se a esta memria interna a partir do conceito de imaginao
musical (auditory imagery) como a capacidade de ouvir msica na lembrana, no
trabalho criativo, e para suplementar os sons fsicos atuais na audio musical. Utilizou analogias com os processos de pintura e escultura para exemplificar seu conceito. Descreveu tambm que as imagens auditivas operam durante a audio da
msica, na reconstruo (recall) da msica ou no processo de criao musical. Gordon (1997) definiu o processo cognitivo de audio interna a partir da criao de
um novo termo terico: audiao (audiation) que acontece quando possvel assimilar e compreender em nossas mentes, msicas que estejam sendo executadas, que
foram executadas no passado, ou para a qual o som no esteja fisicamente presente.
Tambm definiu tipos e estgios de audiao que incluem: (1) ouvir, (2) ler, (3) escrever, (4) lembrar e tocar, (5) lembrar e escrever, (6) criar e improvisar na performance, (7) criar e improvisar durante a leitura, e (8) criar e improvisar durante a
escrita. Lehman, Sloboda e Woody (2007) argumentaram que a performance musical pode ser considerada, principalmente, como uma habilidade mental e no apenas uma atividade fsica. Utilizaram o conceito de representao mental como a
reconstruo interna do mundo externo vinculado s vrias habilidades musicais.
Imitao pode ser considerada como um dos procedimentos pedaggicos bsicos
utilizados no processo de aprendizagem musical. Processos tradicionais de ensino
instrumental e vocal, seja em conservatrios europeus ou em culturas de tradio
oral, utilizam a imitao de trechos musicais como elemento de aprendizagem. Na
abordagem de Edwin Gordon (1997), o autor estabelece o processo de imitao de
Tipos de Memria
Na rea de msica existem vrias abordagens para o estudo da memria. Principalmente nos processos de memorizao musical de peas musicais nas quais esto relacionados elementos da memria mecnica/cinestsica, memria auditiva, memria
visual e memria analtica. (Costa, 1997)
Neste trabalho, ser observada, como referncia inicial, a abordagem da psicologia
cognitiva que de acordo com o modelo clssico de Attkinson & Shiffrin (1971 apud
Stenberg, 2000) a memria pode ser processada de trs maneiras: 1) armazenamento
sensorial, 2) armazenamento de curto prazo, e 3) armazenamento de longo prazo.
A partir de um estmulo externo a informao pode ser registrada pelo sistema sensorial tanto visual quanto auditivo. A partir do registro sensorial, criador de uma
memria sensorial, a informao pode ser registrada na Memria de Curta Durao,
controlado pelos processos de ensaio, codificao, deciso e estratgias de recuperao da informao. A fixao permanente da informao ir produzir a Memria de
Longa Durao.
Baddeley (2004) explica o modelo de memria operacional que pressupe a existncia de um sistema executivo central que gerencia e atua no controle da ateno
das aes armazenadas. Este sistema auxiliado pela ala fonolgica ou articulatria
(phonological loop) que ter a funo de manter na memria, por poucos segundos,
as informaes da linguagem funcional, como um ensaio silencioso das informaes
armazenadas a partir de referncias verbais. O exemplo da ala fonolgica pode ser
observada quando uma pessoa repete silenciosamente um nmero de telefone, ou
um endereo, por vrias vezes, at ter certeza da memorizao. O esboo vsuo-espacial (visuospatial sketchpad), um segundo sistema auxiliar, tm a funo de armazenamento temporrio e manipulao de informaes visuais e espaciais.
De acordo com Sternberg (2000) a memria sensorial caracterizada pelo armazenamento rpido que ocorre nos milisegundos seguintes a apresentao de uma informao. Funciona como um repositrio inicial, propiciado pelos sentidos, de um
conjunto de informaes que sero selecionadas e que ingressam nos armazenamentos de curta e longa durao. O conceito de memria sensorial pode ser revisto e
ampliado a partir das pesquisas de Rizzolatti (2004) sobre neurnios espelho que
11
12
Discusso Terica
A memria musical atua como um processo de acmulo de informaes que devem
ser processadas durante o reconhecimento e transcrio de trechos musicais. A memria pode funcionar de uma maneira positiva ao criar hierarquias e grupamentos
de notas ou de maneira negativa ao interferir na identificao dos elementos musicais.
Deutsch (1999) indica que a memria na msica precisa ter o funcionamento de
um sistema heterogneo, no qual as vrias subdivises se diferenciam a partir da prexistncia de elementos que iro reter a informao. Assim, na atividade de percepo, o funcionamento da memria envolve vrios aspectos que compem esse
sistema complexo e diversificado de estmulos e processos de decodificao da informao.
Entre as discusses sobre as similaridades e diferenas entre a memria de curta durao e a memria operacional, destacamos alguns estudos. De acordo com Kenrick
(1994, p. 220 apud Engle et al.2000) a memria de curta durao usada para reter
informaes por perodos curtos. No entanto, a definio de memria operacional
refere-se a um construto mais complexo, definido como um conjunto de elementos
da memria ativados aos processos centrais de execuo (Cowan apud Engle et al.
2000).
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14
Resultados
O processo de imitao consiste na repetio de uma determinada informao. No
trabalho de percepo musical a imitao uma ferramenta fundamental para o processo de aprendizagem. Cada tipo de memria pode ser trabalhada por meio de um
tipo especfico de imitao que ir promover uma forma de processamento da informao musical. Desta maneira so propostas as categorias: imitao longa, relacionada memria de longa durao; imitao curta, relacionada memria de
curta durao; imitao operacional, relacionada memria operacional e imitao
espelho, relacionada ao funcionamento de neurnios espelho. (Fig. 1)
Memria de Longo Prazo
Imitao Longa
Imitao Curta
Memria Operacional
Memria Sensorial/Neurnios Espelho
Imitao Operacional
Imitao
A imitao longa, relacionada memria de longo prazo, pode ser trabalhada por
meio de atividades nas quais os sujeitos possam memorizar trechos musicais longos,
aps diversas audies, e tentar decodificar verbalmente por meio de solfejo, ou
transcrever os trechos musicais. (Fig. 2) A caracterstica deste tipo de imitao est
em permitir uma viso do contexto musical de maneira completa, de forma que o
sujeito possa descobrir os detalhes a partir do todo. Neste contexto, a aprendizagem
ocorre da macroestrutura para a microestrutura.
A imitao curta, vinculada memria de curto prazo, pode ser trabalhada por
meio de atividades nas quais os sujeitos podem memorizar trechos musicais curtos,
aps poucas audies, e tentar decodificar verbalmente por meio de solfejo, ou transcrever os trechos musicais. (Fig. 3) Neste caso, os trechos a serem imitados so de
curta durao (um ou dois compassos) e cada trecho pode ser imitado vrias vezes
antes de outro trecho ser apresentado. Neste caso a ao de ouvir e imitar trechos
curtos refora a memria de curta durao, que a partir do armazenamento de diversos trechos pode construir uma memria de longa durao.
15
cional a diviso de um trecho musical em pequenos motivos que podem ser apresentados em rpidas sequncias. (Fig. 4)
16
Figura 4 Atlntico (Ernesto Nazareth DP)
Trecho para ser realizado como imitao operacional
A caracterstica dos neurnios espelho promover uma imitao imediata, ou espelhada, da atividade principal. A ao e imitao ocorrem quase que simultaneamente, pois a imitao ocorre fraes de segundo aps a ao principal. Por exemplo,
quando uma pessoa tenta cantar uma msica que no conhece com outra pessoa que
esteja cantando. A pessoa tenta acompanhar a outra cantando um pouco depois e
muitas vezes completando as frases j iniciadas. Esta atividade pode ser adaptada
para atividades de percepo musical, quando uma linha musical apresentada,
sendo imitada imediatamente. Neste caso uma nota precisa ser realizada e imitada
antes da nota seguinte. (Fig. 5) Na imitao espelho a aprendizagem ocorre a partir
da microestrutura, da identificao de cada nota apresentada. A princpio, necessrio uma curta frao de segundo antes da imitao, mas o tempo de resposta pode
ser reduzido consideravelmente a partir de um treinamento progressivo. Pode-se caracterizar que a funo da imitao espelho seja uma ao que permite a interao
musical em tempo real cujo estmulo e resposta musicais ocorrem to rpido de maneira que sejam percebidos como uma reverberao sonora, ou seja, algo semelhante
ao efeito de delay de aparelhos de amplificao.
A relao entre memria e imitao pode direcionar o trabalho pedaggico de percepo musical com sujeitos de diversas idades. A escolha de um tipo de imitao,
que implica no uso de um determinado tipo de memria, possibilita compreender
melhor qual o modo de aprendizagem envolvido nas diferentes atividades.
Concluso
Esta pesquisa demonstrou a potencialidade de se conceber a imitao como ferramenta estratgica para o desenvolvimento da memria no contexto da percepo
musical. Cada tipo de memria pode ser trabalhada por meio de um tipo de imitao,
que ir promover uma forma especfica de processamento da informao musical. A
imitao de trechos longos, com 4 a 8 compassos, refora o uso da memria de longa
durao enquanto a repetio de frases musicais de dois a quatro compassos utiliza
a memria de curta durao. Em casos nos quais so apresentados padres musicais
de quatro a seis notas, imitados logo em seguida, estar usando a memria operacional. O uso da memria sensorial/neurnios espelho, por meio da imitao espelho, que tenta reproduzir simultaneamente a informao apresentada. O uso de
estratgias diversificadas de imitao permite a articulao entre os modos de assimilao da informao musical e seu processamento pelos diferentes tipos de
memria.
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Resumo
A grande maioria das atuais teorias de modelizao da percepo musical esto inseridas
num paradigma representacionalista da cognio e trabalham predominantemente com
exemplos baseados em msicas tonais. Estas teorias postulam que nossa percepo realiza
uma extrao de gestalten do continuum sonoro para formar um grupamento em unidades perceptivas e que, em seguida, ns organizamos estas unidades em uma hierarquizao seqencial. Nesta perspectiva, esta organizao perceptiva vista como uma
segmentao da superfcie musical. Evidentemente, o principal e por vezes o nico
elemento musical morfofrico ( i.e. portador de forma) levado em considerao em tais
modelos a altura musical ( i.e. pitch, hauteur, Tonhhe). Este texto desenvolve uma anlise
baseada na percepo de msicas no-tonais e em alguns exemplos extrados da etnomusicologia e prope uma inverso dos modelos tericos em questo. Em ressonncia
com a fenomenologia, a hermenutica, a fisiologia da ao, a enao e as epistemologias
construtivistas, eu entendo a percepo no como um tratamento passivo de informaes
dos estmulos de um mundo pr-estabelecido, mas como uma ao constitutiva do fenmeno percebido. Neste sentido, perceber as estruturas que compem uma obra musical
visto no como a realizao de uma anlise que extrai descontinuidades de uma unidade
funcional global, mais uma atividade que faz emergir um continuo articulado partir dos
elementos discretos que formam os postulados musicais.
Introduo
A grande maioria das atuais teorias de modelizao da percepo e da cognio musical esto inseridas num paradigma representacionalista da cognio. Expresses e
conceitos como representaes mentais, linguagem do pensamento, tratamento
das informaes, sistema interno, codificao simblica, emergncia, universais,
entre outros, so freqentemente utilizados nos textos cientficos que trabalham
sobre as questes da cognio musical. Entretanto, ao meu entender, estas utilizaes
no refletem nenhum questionamento sobre a origem e os fundamentos filosficos
e epistemolgicos que servem de alicerce ao paradigma representacionalista da cognio. Este texto sugere um olhar crtico sobre estas questes.
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Aps tais consideraes, algumas questes sobre a memria se impem: como podemos estocar dados e informaes em memria sem a utilizao de smbolos e de
representaes mentais? Ou ainda, como, em tal contexto, podemos hierarquizar
perceptivamente eventos como os graus tonais e suas funes quando escutamos
uma msica tonal?
Israel Rosenfield desenvolve uma viso crtica sobre a memria entendida como estocagem permanente de imagens em nosso crebro (Rosenfield, 1994). Em uma releitura dos dados fundadores da neurologia no sculo XIX obtidos com pacientes
com leses cerebrais (e.g. Charcot, Broca, Dejerine) e os confrontando com novas
abordagens da percepo e da memria propostas por Gerald Edelman, Rosenfield
nos mostra como a idia de comparar o funcionamento do nosso crebro com o
computador se revela inadequada. O crebro, escreve Rosenfield, parece capaz (. . .)
de criar suas prprias generalizaes do mundo sem programas especficos integrados,
nem informaes pr-gravadas. Ao contrario do que prope a abordagem computorepresentacionalista, nosso crtex no funciona como um disco rgido que estoca
smbolos e representaes.
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O sonograma (anlise espectral feita por FFT) da ria africana em questo (Levy,
2005, 8) nos mostra que a evoluo pentatnica dos parciais acentuados pela boca
do msico so mais visveis logo, objetivamente falando, so mais sonoros
que os dois sons fundamentais que ns ocidentais privilegiamos na escuta. J o
coletivo de pensamento do qual Masemokobo e sua tribo participam privilegia a
escuta desta escala pentatnica tpica desta regio da frica.
Eu entendo assim que a percepo do que ns ocidentais chamamos de altura musical reflete um fenmeno que pode ou no emergir da interao entre o ser, situado, que escuta de forma intencional um fenmeno sonoro e esta rede
multi-estratificada que compem fisicamente o fenmeno em questo.
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em suas cerimnias. Os jogos vocais dos povos Inuits se assemelham mais uma forma
de brincadeira infanto-juvenil. Existe ainda o ritual fnebre Gisaro entre o povo Kaluli. Este ritual, como nos explica o antroplogo Steven Feld, integra certas estruturas musicais e sons da natureza de uma forma isenta de ideologia esttica: o
conceito que Feld nomeou de lift-up-over sounding que rege toda a expresso
musical Kaluli solicita um continuum de superposies de qualidades sonoras constitudo por uma busca coletiva de se evitar o unssono. Isto porque, no entender
deste povo, escreve o antroplogo, na natureza todos os sons so densos, multi-estratificados, sobrepostos, alternados e interconectados (Feld, 1990, 265).
Ora, estes e muitos outros exemplo mostram que no apenas a palavra msica
que no existe nestas culturas. o prprio conceito de msica como ns o generalizamos e o concebemos no ocidente que inexistente entre tais povos. Isto,
mesmo se entre eles existem prticas culturais que ns, sob um prisma ocidental,
chamamos de msica. Este constato sugere que o conceito de msica pode ser compreendido como uma forma simblica no sentido que Ernest Cassirer atribui ao
termo (Cassirer, 1972). Ou seja, a msica participa de uma lei de produo que
gera as obras artsticas, e que estas obras s adquirem funes simblicas ou funes
culturais (e.g. valores estticos, valores sacros, valores ldicos) quando dentro de uma
determinada cultura. No apenas o conceito de msica ou a maneira de comp-la
ou toca-la que no universal. A percepo musical tambm construda como
sendo em grande parte determinada pela funo social que a msica adquire enquanto forma simblica. Em outros termos, a prtica de uma expresso sonora em
todos os seus aspectos e a importncia que esta exerce em uma determinada cultura
no pode, por definio, ser universal. Como, dentro desta ptica, ns podemos
pensar em msica como sendo um objeto real pr-estabelecido, universal e do
qual nos extramos informaes para podermos representa-lo mentalmente?
Concluso
A percepo musical, nos contextos acima descritos, no constri necessariamente
os mesmos mundos percebidos segundo os mesmos dados fsicos. As interaes
do sujeito com as formas ou funes simblicas propostas pela sua cultura, dentro
de um Denkkollectiv, o que determina, ou melhor, possibilita as maneiras deste sujeito construir seu mundo musical e assim perceber o sonoro que o envolve como
sendo ou no musical. Ns nem atribumos a mesma importncia e nem projetamos da mesma forma nossa inteno de escuta sobre o sonoro. Em outras palavras,
ns no compomos, no tocamos e no escutamos baseados nos mesmos aspectos
do sonoro pois estes aspectos em um sentido wittgensteiniano do termo no
so pr-determinados. Eles so justamente o que nos falta construir em nossa interao com o real. Este real que, em termos musicais, se apresenta como uma
rede multi-estratificada, um noema enquanto mltiplo das determinaes. Estes as-
1 Latour nos interpela sobre o fato de que assimilar o Denkkollectiv de Fleck aos paradigmas
de Kuhn um erro. Segundo ele, Kuhn retira todo o interesse do conceito de Fleck e retm
para seu paradigma somente aquilo que no pode ser pensado de outra forma. Latour nos escreve:
Kuhn (. . .) re-racionalizou e profundamente dessocializou o que Fleck tinha inventado. Passar
do estilo coletivo ao paradigma esvaziar o surgimento do pensamento de todas as suas interaes, fazer dele um banal pistm la manire de Foucault. Com Kuhn, nos voltamos
Kant e a Durkheim. Com Fleck, ns amos totalmente em um outro rumo. (Latour, 2005).
2 Roger Shepard e Jean-Claude Risset nos mostraram que com diferentes manipulaes entre
as freqncias fundamentais de um som e seu envelope espectral, ns podemos criar iluses
sonoras (sons que sobem ou descem infinitamente) que demonstram que a altura como ns
ocidentais a percebemos esta baseada em ao menos dois aspectos do sonoro bem diferentes:
a altura tonal e a altura espectral (Shepard, 1964; cf. as obras Fall e Mutations de Risset).
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[email protected]
Ncleo de Msica, Universidade Federal de Sergipe
Resumo
Este artigo discute elementos presentes nos estudos sobre emoes em msica como,
por exemplo, a questo das emoes bsicas e resume alguns dos resultados obtidos
atravs de uma experincia realizada para a tese de doutorado intitulada A inteno do
intrprete e a percepo do ouvinte: um estudo das emoes em msica a partir da obra
Piano Piece de Jamary Oliveira, cujo objetivo era investigar a transmisso de emoes
em msica. O experimento contou com a participao de trs pianistas e 105 ouvintes,
que utilizaram um software especialmente desenvolvido para este experimento, a fim de
registrar em tempo real as emoes dos ouvintes ao ouvirem a pea Piano Piece (1984)
de Jamary Oliveira. Os resultados trazem informaes sobre a influncia do intrprete na
transmisso de emoes e dados sobre a percepo dos ouvintes.
Introduo
Desde o fim do sc. XIX estudos como os de Gilman (1892, 1892a) e Downey
(1897) procuram entender como e quais emoes os ouvintes percebem nas obras
musicais. Apesar da importncia destes trabalhos por seu pioneirismo, o modelo
descritivo de Gilman e Downey focava no individuo, fornecendo uma grande riqueza de informaes sobre quais emoes eram percebidas e como o ouvinte pensa
a msica, porm, no possibilitava registros quantitativos como, por exemplo, o grau
de coincidncia na percepo das emoes entre diversos ouvintes, ou a relao entre
as emoes que um intrprete pretende transmitir e a percepo destas pelos
ouvintes.
Os avanos tecnolgicos do sc. XX permitiram o aparecimento de estudos que
fazem uso de equipamentos eletrnicos para quantificar elementos presentes nas
pesquisas sobre emoes em msica. Um exemplo pode ser encontrado no trabalho
de Nielsen (1983) que registrou a tenso percebida pelos ouvintes ao longo de uma
msica atravs de uma espcie de pina com uma resistncia de mola no centro ligada
a um potencimetro. Durante o experimento os ouvintes deveriam pressionar mais
ou menos a pina, de acordo com a tenso que percebiam. Este tipo de experimento
possibilitou traar relaes entre diferentes ouvintes e entre a estrutura da pea e a
tenso percebida. Mais recentemente, com o desenvolvimento da informtica, autores como Namba et Al (1991), Salgado (2006) e Lisboa (2008) passaram a utilizar
softwares de computador para medir e compreender a relao entre as emoes pretendidas pelo intrprete e as emoes percebidas pelos ouvintes.
33
lgico a opo por um conjunto de emoes bsicas, ao invs de um conjunto aleatrio. Diante disto, optamos para o nosso experimento, pelas emoes bsicas propostas por Paul Ekman: alegria, tristeza, raiva, medo, surpresa e nojo .
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Paul Ekman, em suas pesquisas, utilizou figuras de rostos com diversas expresses,
estas figuras foram mostradas em diferentes culturas e foi pedido s pessoas que
identificassem a emoo que aquele rosto estava sentindo. As emoes elencadas por
Ekman so as que foram reconhecidas igualmente em todas as culturas pesquisadas
(Cf. Ekman, 1973, 1992, 1992a, 1993, 1999, 1999a, 1999b).
Acreditamos ser impossvel generalizar qualquer experimento com emoes para
todos os seres humanos, diante das diferenas culturais, de percepo, de memria
emocional, etc. Mas, para podermos ampliar as possibilidades de uma pequena generalizao, acabamos optando por utilizar o conjunto de emoes bsicas proposto
por Paul Ekman. A escolha deste conjunto levou em conta trs elementos: o primeiro
o fato da metodologia empregada por Paul Ekman, que, como mencionado, procura definir as emoes baseado no reconhecimento destas por diversas culturas, o
que a nosso ver contribui para a generalizao. O segundo elemento foi a realizao
de uma pr-experimentao na qual as emoes mais citadas para a msica proposta
se encaixavam em sua maioria nas emoes propostas por Ekman. O terceiro motivo
foi a grande relao entre as emoes citadas pelos pianistas envolvidos neste trabalho e as emoes propostas por Ekman.
Alm da escolha de um conjunto de emoes, necessitvamos tambm escolher uma
obra musical para compor o nosso experimento, e para isto levamos em conta alguns
elementos:
As escolhas interpretativas em peas do repertrio erudito normalmente tm grande
influncia de clichs interpretativos2 relativos ao perodo histrico-musical em que
a pea foi composta, e da memria auditiva que o intrprete e o ouvinte possuem
daquela pea. Da mesma maneira, as emoes pretendidas pelo intrprete, e as emoes percebidas pelo ouvinte, esto muito ligadas memria, ou seja, um ouvinte
muitas vezes associa uma msica ou um estilo musical a um fato ou um momento
da sua vida, alm de que o cinema e a televiso contribuem para isso associando msica a imagens que se traduzem em emoes. Diante disto, procuramos uma pea
pouco conhecida tanto dos pianistas como dos ouvintes em geral, para que no existissem associaes prvias desta pea com emoes na memria dos sujeitos deste
estudo. Definimos tambm que deveria ser uma pea do sc. XX, perodo este que
no possui ainda um clich interpretativo3. Desta forma, a pea exige que o executante monte toda a sua interpretao apenas na partitura e nas impresses sonoras,
assim como o ouvinte, que ter menor referncia emotiva em relao pea.
Outro ponto importante na escolha da msica foi a durao. Procuramos uma pea
que no fosse muito curta, e que tivesse trechos musicais que apresentassem elementos (velocidade, altura, intensidade, etc.) diferentes, para que pudssemos ter mais
de uma emoo presente ao longo da msica. Como iramos trabalhar com uma
pea do sc. XX, optou-se tambm por escolher uma que usasse a escrita musical
convencional (sem bulas), a fim de facilitar o estudo dos intrpretes. Diante disto,
optamos pela Piano Piece (1984) de Jamary Oliveira (cf. Behgue, 2008), por ser
uma pea de um compositor baiano mundialmente conhecido, e de reconhecida
qualidade tcnica e musical, alm de conter todos os pr-requisitos que desejvamos.
O Experimento
No experimento aqui relatado, foi desenvolvido um software para computador que
chamamos de PAE (Programa de Avaliao das Emoes), para registrar em tempo
real a emoo percebida por 105 ouvintes na pea Piano Piece (1984) de Jamary Oliveira. As telas do software, que foram apresentadas aos ouvintes de maneira seqencial, podem ser observadas na figura 1.
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Um fato interessante que ocorreu durante a marcao das emoes bsicas, que alguns ouvintes relataram a necessidade de pressionar mais de um boto ao mesmo
tempo para descrever a emoo que estavam percebendo. Como no existia esta possibilidade em nosso software, orientvamos a pressionarem o boto da emoo que
julgassem ser mais forte. Apesar de alguns ouvintes no nos consultarem sobre isto,
foi possvel observar que estes ouvintes em determinados trechos alternavam o clique
entre dois ou trs botes enlouquecidamente. A nosso ver, este fato refora a idia
de que em certos trechos os ouvintes estavam tentando representar emoes secundrias a partir da unio de emoes bsicas, o que est de acordo com a teoria de
Plutchik, de que as emoes secundrias seriam uma unio de emoes bsicas.
Os dados do experimento foram compilados e submetidos a procedimentos estatsticos. Alm disto, elaboramos outro software para analisar o grau de coincidncia
na marcao dos ouvintes. Este software analisou a marcao das emoes dos ouvintes segundo a segundo, e fez uma comparao semelhante utilizada em testes
de DNA, para verificar o grau de semelhana na marcao dos ouvintes. A partir
dos resultados foram elaboradas redes como a da Figura 4, na qual cada ponto re-
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presenta um ouvinte. Quando um ponto est unido a outro, significa que estes dois
ouvintes marcaram as mesmas emoes, exatamente nos mesmos segundos da obra,
em mais de 50% de todas as marcaes ao longo da pea.
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No foi possvel quantificar a contribuio do compositor e do intrprete para a percepo das emoes de uma pea, porm, a partir da Figura 5, fica claro que a influncia do intrprete bem pequena em relao do compositor. Vale lembrar que
as interpretaes foram muito diferentes, e os ouvintes que marcaram as emoes
de cada gravao foram pessoas diferentes. Apesar disto, os grficos para a gravao
dos trs pianistas foram muito similares, o que indica que a composio a maior
responsvel pelas emoes que uma pea desperta no ouvinte. Porm, as diferenas
de percepo dos ouvintes em alguns trechos, aliadas s diferenas interpretativas
notadas, sugerem que mesmo que em menor intensidade, o intrprete influencia na
percepo do ouvinte. A influncia do intrprete se deu tanto enfatizando e disfarando as emoes da estrutura, quanto adicionando novas emoes. Os executantes
que planejaram as emoes que desejavam transmitir tiveram mais xito do que
aquele que no planejou, o que sugere que mesmo os intrpretes no tendo conscincia de quais elementos musicais devem ser manipulados para melhor transmitir
uma determinada emoo, o simples fato de planejarem as emoes favorece que
manipulem estes elementos de forma a transmitir as emoes com mais eficincia.
Ao descreverem livremente as emoes na primeira audio da pea (no prprio
programa de computador), os ouvintes utilizaram 178 adjetivos diferentes. Esta variedade comprova a necessidade de se utilizar um conjunto predefinido de emoes
neste tipo de estudo. interessante notar, que com exceo do Nojo, que no foi citado espontaneamente, e teve participao irrelevante na marcao dos ouvintes,
todas as outras cinco emoes bsicas de Ekman esto entre as 10 emoes mais citadas espontaneamente. Esta posio em destaque na lista de 178 emoes sugere
que estas emoes realmente podem ter algo de bsico.
Foi observado tambm, que a maioria dos ouvintes identifica a emoo de um trecho
musical num tempo de seis a oito segundos aps o evento musical desencadeante.
Sendo que alguns ouvintes identificam com apenas quatro segundos de msica.
Diante destes, e outros elementos presentes em nosso estudo, conclumos que o reconhecimento das emoes que uma pea pode despertar pode ser uma valiosa ferramenta para o msico tomar decises interpretativas. A nosso ver, o intrprete no
deve planejar as emoes de uma pea aleatoriamente, mas baseado nas emoes
que a prpria composio desperta. Isto importante, pois verificamos que a menos
que o intrprete desconfigure inteiramente a composio, ele nunca ir modificar
completamente a emoo inerente a composio. Desta forma o estudo e reconhecimento das emoes de uma pea musical seguem os mesmos caminhos dos diversos
tipos de anlise musical, no qual o executante procura entender as intenes do compositor a fim de ressaltar ou esconder determinados elementos da estrutura. Acreditamos que com o aprofundamento dos estudos de emoes em msica, poderemos
identificar os mecanismos e elementos responsveis pela definio da emoo que
ser percebida pelo ouvinte, para que compositores e intrpretes possam manipular
estes elementos conscientemente.
1 Segundo Oatley e Jenkins (apud Juslin & Zentner, special issue 2001/2, p. 6) a palavra afeto
considerada um termo mais geral, que inclui diferentes fenmenos como preferncia musical,
emoo e humor. J a palavra emoo refere-se a reaes mais breves e intensas, que levam a
mudanas relevantes no estado da pessoa.
2 Entendemos como clichs interpretativos alguns modelos que passam a ser reconhecidos
como caractersticos de um tipo de msica ou perodo musical. Por exemplo, existe o clich
de que a msica do perodo barroco no deve ser executada com rubatos, enquanto a do perodo romntico deve possuir muitos rubatos.
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Juslin, Patrik N., and Marcel R. Zentner. Current Trends in the Study of Music and Emo-
41
42
Introduo
No histrico da evoluo humana, a habilidade de comunicao parece ter tido um
papel fundamental para a permanncia do homem como espcie macroscpica dominante. No geral, toda espcie animal que tem a habilidade de viver em comunidade depende de algum tipo de comunicao, seja ela baseada em qumica (como
os feromnios dos insetos sociais) ou em ondas sonoras (como fazem as baleias e os
homens). Comunicar tornar algo comum, ou seja, fazer com que se tenha a sensao
de que disponibilizamos para outros indivduos da comunidade nossas idias, emoes, conceitos, etc. Assim, estes indivduos passam a ter uma experincia comum e,
com isso, se tem a sensao de que algo transmitido.
freqente encontrarmos discusses acerca da msica como um tipo de comunicao. Muitos so os que defendem a idia de que algo comunicado com a msica,
ou seja, algo que o compositor idealizou, sentiu e conceituou seria transmitido at
o ouvinte, de algum modo. Como se tivssemos um cdigo musical comunicante
claramente estabelecido.
Este artigo trata de algumas possibilidades expressivas da msica. O centro de nossa
investigao a possibilidade de algo ser musicalmente expressivo de uma mesma
coisa para vrias pessoas. O conceito de expresso est intimamente ligado ao conceito de representao, pois tudo o que expresso no passa de representao, assim
como tambm representao este algo que desejamos expressar.
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Bergson faz distino entre dois tipos de durao: durao espacializada e durao
pura (Bergson 1927, 82). Os fenmenos que envolvem grandezas extensivas, ou seja,
grandezas que podem ser medidas, necessitam de uma espacializao do tempo para
que haja a percepo de durao. Parafraseando seu exemplo, para saber da hora
quando escuto as badaladas de um relgio, preciso contar quantas so as badaladas.
necessrio representar as badaladas em um espao para que possamos cont-las.
O ato de contar necessita ento de uma percepo espacializada, pois, embora os badalos sejam percebidos em momentos temporais diferentes, o simples fato de perceber intervalos vazios entre os batimentos nos diz que no espao que a operao
de contagem, no caso, se efetua, no contrrio, seriam apenas pura durao e, dessa
forma, contnuas e indistintas.
De forma diferente, os fenmenos que envolvem grandezas intensivas, ou seja, no
mensurveis, propiciam em ns a percepo de durao atravs de uma penetrabilidade das partes. A esse tipo de durao, Bergson denomina de durao pura. Um
de seus principais exemplos sobre o conceito de durao pura , curiosamente, o da
nossa percepo acerca da durao de uma msica ou melodia. Assim, para que notas
musicais tornem-se melodias, devo perceb-las
uma na outra, penetrando-se e organizando-se entre si (. . .), de maneira a formar
o que chamaremos de uma multiplicidade indiferenciada ou qualitativa, sem
qualquer semelhana com o nmero: obterei assim a imagem da durao pura,
mas tambm me terei afastado por completo da idia de um meio homogneo
ou de uma quantidade mensurvel (. . .). Logo, preciso admitir que os sons se
compunham entre si e agiam, no pela sua quantidade enquanto quantidade, mas
pela qualidade que a sua quantidade apresentava, isto , pela organizao rtmica
do seu conjunto. (ibid., 75-76)
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Os contornos distintos que atribumos a um objeto, e que lhe conferem sua individualidade, no so mais que o desenho de um certo tipo de influncia que
poderamos exercer em determinado ponto do espao: o plano de nossas aes
eventuais que devolvido aos nossos olhos, como que por um espelho, quando
recebemos as superfcies e as arestas das coisas. (Bergson 2005, 12)
essa caracterstica que nos faz pontuar eventos em nosso contnuo de experincias
e, assim, o que possibilita que eventos sejam percebidos como duraes espacializadas.
Kant utiliza o conceito de representaes a priori como aquelas que fundamentam
toda e qualquer representao. Para ele, essas representaes a priori so de tempo e
de espao. Segundo Kant, a intuio emprica se relaciona com os objetos, determinando-os, por meio da sensao, e os fenmenos so as indeterminaes do objeto
nessa intuio (Kant 2005, 65). Desse modo, o tempo a representao do eu mesmo
como objeto. o nosso sentido interno. Por sua vez o espao a representao gerada
pela intuio sensvel de objetos que no pertenam ao eu mesmo. o que possibilita a configurao, a relao e a grandeza do objeto. Apresenta-se como nosso sentido
externo (ibid., 68-71).
Todos os nossos sentidos operam em conjunto com outros, para poderem nos dar
as percepes olfativas, palatinas, tteis, visuais e auditivas. Quando apreciamos o
sabor de uma comida estamos, tambm, categorizando como gosto algumas impresses que so olfativas. A percepo visual tambm lida com informaes provindas
de outras fontes sensoriais. Segundo Varela, Thompson e Rosch, cerca de 80% do
que as clulas do NGL (Ncleo Geniculado Lateral) recebem regio do tlamo
que atua na percepo visual juntamente com o crtex visual , provm de outras
regies do crebro e apenas cerca de 20% provm da retina (Varela et al. 2003, 107).
Assim, grande parte do contedo de nossa percepo uma construo baseada no
histrico de atuao de nosso corpo com o mundo.
As representaes parecem, portanto, ser as realizaes das imagens que nosso corpo
absorve do mundo. Essas imagens so interpretadas como objetos e para tal necessitam do intercruzamento de informaes de ordens diversas, gerando uma realidade
referente ao de um corpo com todos os corpos ou com o mundo.
Como menciona Peirce, representar estar no lugar de, isto , estar numa tal relao
com um outro que, para certos propsitos, considerado por alguma mente como
se fosse esse outro (Peirce 2003, 61). Desse modo, pode-se considerar que nosso
organismo possui representaes do mundo, ou at mesmo podemos consider-lo
essencialmente como um ncleo de representaes do ambiente. Enquanto nosso
organismo vive e interage com a estrutura total do mundo, nosso pensamento est
Expresso musical
Nossa ao no mundo, ou seja, nosso processo de produo de representaes uma
forma de expresso. A matria se exprime, ou melhor, exprimvel como um sistema
com tendncias a um fechamento, normalmente algum tipo de objeto (na acepo
mais ampla que esse termo possa ter). Entendemos por fechamento, o limite que
nossa conscincia constri nas representaes da matria, ou melhor, nas representaes da experincia. As interaes entre as aes da matria terminam desencadeando imagens (no sentido bergsoniano) que so essas primeiras formas de
expresso da matria. A matria se revela de alguma forma, ela assume os contornos
que delimitam a ao de outro objeto sobre ela (Bergson, 2005). Tais contornos so
determinados pelos fechamentos. Conseguimos delimitar o fechamento de um objeto e o incio de outro por percebermos, de alguma forma, sentidos prprios e independentes que emergem desses diferentes objetos.
O termo expresso possui variadas conceituaes em diferentes doutrinas e correntes
de estudo. No campo da semiologia, ele cunhado por Louis Hjelmslev, ocupando
o sentido anteriormente definido por Saussure como significante. Para Ferdinand
Saussure o signo entendido como uma entidade psquica bilateral, formado por
um conceito (significado) e uma imagem sonora (significante). Em Hjelmslev temos o
signo sendo formado pela associao do contedo (antes significado) com a expresso
(antes significante). Ele ainda prope uma noo de estratificao do contedo e da
expresso em trs nveis: forma, substncia e matria (Nth 1996, 57-58). Assim, o
estrato de substncia projeta a forma, na matria. Por exemplo, a matria de expresso
formada pelas possibilidades expressivas (fonticas, grficas, gestuais, etc.) do ser
humano, enquanto que a substncia de expresso constituda pelas possibilidades
fonticas ou grficas e ortogrficas de uma lngua especfica. J a forma de expresso
a transformao da substncia de expresso em forma pura. Assim, a lngua falada
e sua transcrio fontica um a um so duas substncias manifestando uma forma
(ibid., 65), ou seja, a manifestao de uma lngua especfica. Hjelmslev utiliza ento
o termo expresso como algo que se refere a um contedo dentro do prprio signo e
no a um contedo externo.
Peter Kivy apresenta, em seu livro The corded shell (1980), uma teoria sobre expressividade musical, mais precisamente sobre a expressividade emocional. Kivy realiza,
em sua teoria, uma distino fundamental entre dois modos de utilizao do termo
expresso, que ele denomina expressar (algo) e ser expressivo de (algo) (Kivy 1980,
13). Assim, um compositor pode querer expressar uma determinada emoo em sua
msica, como tristeza, e, no entanto, essa msica pode no ser expressiva dessa emoo. Assim, ser expressivo de , em nossa acepo, a possibilidade que um dado objeto
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ou sinal tem de significar algo. Esses dois modos de utilizao refletem uma postura
diversa da expresso em relao ao intrprete. Essa distino fica muito clara nos
exemplos por ele utilizados. Em suas palavras:
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Com isso, podemos dizer que um objeto ou sinal pode ser formado em decorrncia
da expresso de um ou vrios signos. Essa relao similar descrita por Roland
Barthes como fundamento do processo de conotao. Para ele, a conotao um
signo secundrio que tem como expresso (no sentido de Hjelmslev) um signo primrio, denotativo, formado por uma expresso primria e um contedo primrio
(Nth 1996, 134-135). Assim, quando temos a expresso de angstia, citada acima,
com o grito e o cerramento do punho, estamos lidando com dois signos primrios
com significaes inicialmente denotativas. O som do grito sua expresso primria
que se relaciona ao seu contedo inicial grito. A imagem visual do punho cerrado
sua expresso primeira e relaciona-se ao seu contedo inicial mo fechada ou
punho cerrado. No entanto, a totalidade desses dois signos gera a expresso do signo
secundrio que tem como contedo (secundrio) homem angustiado, pois foi atravs do punho cerrado e do grito que o homem angustiado expressou sua emoo.
Todavia, esses dois signos, ou melhor, esses dois atos podem no ser expressivos da
mesma emoo que fora expressa. Por exemplo, vamos imaginar que estamos assistindo a um filme que mostrasse o punho cerrado de algum homem juntamente com
o som de seu grito e, em seguida, a cena nos mostrasse que este homem acabou de
ganhar na loteria. Constatamos que esses atos no eram a expresso de angstia, embora talvez num primeiro momento eles pudessem ser expressivos dessa emoo, mas
sim atos de expresso de euforia, alegria e felicidade.
Quando as expresses em questo no so inteiramente codificadas, ou seja, no tm
um significado (contedo) previamente estipulado atravs da consolidao de esteretipos, como muitas vezes o caso da msica de concerto, no temos como garantir
que a emoo, idia ou conceito que queremos expressar produza um resultado que
seja expressivo desse mesmo contedo para qualquer outra pessoa. Tambm no se
tem como garantir que pessoas de hbitos culturais semelhantes considerem uma
msica, ou trecho dela, como expressivos de um mesmo tipo de contedo. Contudo,
existe uma tendncia a formao de esteretipos que ficam mais fortes conforme os
hbitos culturais e sociais sejam mais semelhantes. Tais esteretipos no so necessariamente cdigos, entretanto, estes so formados por esteretipos de alto grau. Nas
palavras de Edson Zampronha:
O esteretipo um grau avanado de cristalizao de hbitos interpretativos que
Alm dos elementos culturais, que possuem grande importncia no processo de comunicao, existem tambm alguns elementos expressivos trans-culturais. Estes elementos retratam um estgio da comunicao ainda desprovido de cdigos
aprendidos e fundamentam a base de toda comunicao possvel. A delimitao que
fazemos, em objetos, das imagens que chegam a ns ocorre porque a matria se expressa, ou melhor, expressiva dessa mesma forma, inicialmente, para todos os seres
de uma mesma espcie. o que nos diz o princpio do Inatismo, bastante utilizado
na psicologia da Gestalt. A esses elementos expressivos trans-culturais chamaremos
de modos inatos de percepo.
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externo, parado. Por exemplo, quando vejo um avio no ar tenho a percepo de seu
movimento, no entanto embora o traado de seu movimento possa ser descrito em
vias espaciais, a sua percepo se d em relao ao eu mesmo, em seu sentido interno.
Assim, a percepo do movimento uma espcie de ao individual sobre um espao
coletivo. Nosso corpo um centro de ao. Ele recebe e devolve os movimentos,
nessa mutua relao entre ser e ambiente.
A partir dessas dimenses espao-temporais, em suas formas expressivas, que teremos as possibilidades de associaes semnticas com outros domnios de experincia,
como emotivas, ideolgicas ou at mesmo referentes a outros tipos de sensao,
como a visual, por exemplo. So essas estruturas que possibilitam msica soar no
apenas como conjuntos de sons sintaticamente organizados, mas sim como uma experincia que possui formas anlogas s nossas vivncias com um mundo real. A pesquisa cognitiva nos oferece uma perspectiva real de investigao dos processos de
significao musical que fundamentar futuras pesquisas para alm das representaes a priori aqui discutidas.
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53
Palavras-Chave
Apreciao Musical, Processamento Musical, Implante Coclear
Introduo
Por ser to difundida e importante para a sociedade, a msica desperta o interesse
de neurocientistas que buscam entender o modo pelo qual ela processada, desde
os rgos sensoriais at o crtex.
Descobertas recentes da neurocincia, educao, psicobiologia, psicologia do desenvolvimento e psicologia da msica vm fomentando um interesse crescente acerca
do desenvolvimento cognitivo-musical do ser humano (Gardner, 1997; Ilari, 2002;
Swanwick e Tillman, 1986). Apesar disso, ainda se sabe pouco sobre as possibilidades
e benefcios da msica em relao s pessoas com Deficincia Auditiva.
A Neurocincia Cognitiva da Msica estuda os processos cognitivos relacionados
percepo e apreenso de sons e melodias, observando-se os circuitos neurais envolvidos na criao e/ou processamento da msica (Altenmller, 2004).
Atualmente, a rea encontra-se em grande destaque e refere-se ao funcionamento
do crebro ao ouvir e produzir msica, bem como identificao dos procedimentos
mentais relacionados ao processamento musical por parte dos indivduos. Embora
existam textos seculares sobre o processamento musical, somente nas ltimas dcadas
esta se tornou uma rea de estudo sistematizada, em que se destaca a procura de entendimento sobre a organizao cerebral, mental, do msico para a msica. Como
parte das neurocincias cognitivas, encontram-se anlises sobre os dficits clnicos
da percepo e/ou performance musical e investigaes das correlaes antomofuncionais, por meio de imagens cerebrais de humanos. Para Oliveira e colaboradores (2005), pesquisas na rea da audio, envolvendo a complexidade das vias
auditivas na transmisso de estmulos sonoros, da percepo ao processamento em
regies complexas do crebro, tornam-se base para o estudo da percepo, bem como
do desempenho musical.
Segundo Ilari (2005), nas ltimas dcadas tem ocorrido um crescente interesse pelo
desenvolvimento cognitivo musical, devido a recentes descobertas no campo da neurocincia. Distines como alturas, timbres e intensidades, iniciam a partir do dcimo ms de vida e tornam-se refinados ao longo da mesma, bem como as
preferncias musicais. A relao entre Msica e Cognio contempla processos cognitivos relacionados atividade musical que subsidiam as recentes descobertas no
campo da neurocincia cognitiva. A compreenso destes processos pode beneficiar
professores de msica em bases educativas e performticas, bem como contribuir
para a compreenso do funcionamento do crebro por parte dos neurocientistas.
Zatorre (2003) chama a ateno para a necessidade de definir bem o aspecto especfico da funo musical a ser estudado e, quando possvel, identificar os componentes cognitivos associados a essa funo. O mesmo autor declara que a Neurocincia
Cognitiva da Msica uma rea muito recente em pesquisas, apesar de um extenso
volume de pesquisas na rea, que pode ser comprovado pelos dois volumes dos Anais
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Assim como na msica, o meio mais importante da linguagem oral o som. Se ouvidos isoladamente, sejam eles da fala ou de instrumentos, os sons, com suas caractersticas fsicas e acsticas, so simplesmente sons. Ao realizarmos algum tipo de
combinao com essas estruturas sonoras, iniciamos a existncia da linguagem. De
acordo com Sloboda (1997), o que os torna linguagem a capacidade que o crebro
humano tem de organiz-los.
Cutietta (1996) encontrou uma estreita relao entre o aprendizado destas duas formas de comunicao humana por sons. Em sua pesquisa, alunos musicalizados demonstraram um desempenho superior ao de seus colegas no musicalizados para
tarefas de percepo e articulao da fala. Um estudo realizado por Thompson
(2003) sugeriu que os msicos possuem uma habilidade superior aos no-msicos
na percepo da prosdia na fala, tanto em frases faladas como em frases musicais
anlogas (Thompson, Schellenberg e Husain, 2003). Os pesquisadores afirmam que
tal habilidade se estende interpretao do contedo emocional, que transmitido
atravs da prosdia contida tanto na fala quanto na msica.
Cervellini (2003) ressalta em sua obra que a msica, como uma forma de comunicao, fundamental ao ser humano porque carrega em seu bojo a possibilidade de
viver, sentir e expressar emoes. Sendo a msica uma das formas de lazer mais comumente descritas, se torna imprescindvel a tentativa de propiciar a percepo musical satisfatria aos usurios de Implante Coclear (IC), visando proporcionar
melhor qualidade de vida e socializao dos mesmos.
Assim como a fala, a msica comunica-se transmitindo mensagens afetivas e expressivas importantes. Entretanto, a msica finalmente abstrata e sua interpretao
altamente subjetiva, dependendo de fatores tais como o treinamento musical, prtica
auditiva da msica e contexto cultural.
Sobre a percepo musical, Krumhansl (2000) ressalta que esta possui uma longa e
distinta histria, como tpico de investigao psicolgica, e afirma que a percepo
musical tem se tornado objeto de estudo por meio de metodologias diversificadas,
bem como recebido ateno praticamente em todas as abordagens tericas da psicologia, desde a psicofsica neurocincia. A autora explica que a psicologia cogni-
tiva o principal impulso para as recentes pesquisas devido sua nfase na influncia
do comportamento sobre a percepo, pois envolve estmulo, interpretao e
esquemas cognitivos (como padres de ritmo e altura), por meio de experincias
anteriores.
Sabe-se atualmente que, assim como o processo de desenvolvimento da linguagem,
o desenvolvimento auditivo tem como pice para aquisio das habilidades auditivas
e as distines entre alturas, timbres e intensidades, o perodo entre o nascimento e
o dcimo aniversrio. (Werner e Vandebos, 1993). tambm nessa poca que o indivduo desenvolve suas preferncias e memrias musicais, e que se inicia o desenvolvimento cognitivo-musical atravs de processos, como impregnao e imitao,
que esto normalmente associados s funes psicossociais como a comunicao,
inclusive de emoo, o endosso de normas culturais e tnicas, e o entretenimento.
(Ilari e Majlis, 2002; Ilari e Polka; Trainor, 1996; Trehub e Schellenberg, 1995; Gregory, 1998; Huron, 1999 e Trevarthen 2001). Por este motivo, pessoas que se tornaram deficientes auditivas aps este perodo e realizaram o IC, obtendo benefcios
na percepo da fala, possuem grandes chances de retomar a apreciao musical
como prtica auditiva.
Conforme mencionado, a msica e a fala compartilham diversas similaridades. No
obstante, o presente estudo objetiva analisar apenas a percepo da variao de freqncia pitch e a percepo de modificao na durao e no timbre. Tais elementos, comuns utilizao de estratgias para o processamento do som nos
equipamentos de IC, tambm se fazem presentes e essenciais em situaes de apreciao musical.
Em relao prtica da apreciao musical, Wuytack (1995) salienta que ensinar os
alunos a ouvir, de forma analtica, uma obra musical, um dos objetivos da educao
musical. Assim, possvel lev-los a apreender e compreender os vrios elementos
musicais (timbre, dinmica, tempo, ritmo, forma, etc.) no decurso da unidade temporal, bem como de suas mltiplas divises.
A apreciao musical uma rea do conhecimento, uma forma de se relacionar com
a msica que envolve muitas maneiras de ouvir e comportar-se perante o estmulo
sonoro. Embora existam diversos estudos sobre os benefcios do IC para a percepo
de fala, a percepo da msica ainda se constitui um vasto campo de estudo para os
profissionais da rea e, ao mesmo tempo, um dos maiores desafios para os usurios
do implante.
Deste modo, faz-se necessrio investigar as relaes existentes entre a percepo da
fala e a percepo da msica, a fim de contribuir com usurios de IC em suas tentativas de prtica e apreciao musical, no s no contexto scio-cultural, mas tambm
como forma de desenvolvimento perceptivo-musical dos mesmos; bem como contribuir com Educadores Musicais, Musicoterapeutas e Fonoaudilogos, ao sugerir
propostas para sua prtica de apreciao musical.
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A audio uma modalidade sensorial dominante, um sentido especializado na percepo dos sons. por meio da audio que o ser humano desenvolve vrias habilidades, dentre elas a aquisio e manuteno da linguagem e da fala (Irio,1995). O
ouvido, rgo fundamental para a audio, encontrado em todos os animais vertebrados e, no caso da espcie humana, seus receptores se localizam no ouvido interno, que o responsvel no apenas pela audio, mas tambm pelo equilbrio do
corpo. Para compreender o processo de conduo e percepo do som, preciso conhecer o sistema auditivo.
O Sistema Nervoso Auditivo composto por duas partes: Sistema Nervoso Auditivo
Perifrico (SAP) e Sistema Nervoso Auditivo Central (SAC). O SAP responsvel
pela conduo e transformao do som, modificando o estmulo auditivo de mecnico para estmulo eltrico, e possui como principais componentes: Orelha externa
(que compreende o pavilho, o canal auditivo e a membrana timpnica), Orelha
mdia (que compreende os ossculos: martelo, bigorna e estribo) e Orelha interna
(cclea, sculo, utrculo e canais semicirculares). (Fig.1)
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tando a organizao dos eventos sonoros em padres e gerando expectativas de eventos futuros (Krumhansl, 2000).
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Cuddy (1992) afirma que a percepo auditiva, apesar de diferente, parte integrante da atividade musical e questiona o objetivo de isolar-se a percepo auditiva
para realizar estudos especializados ou interpretaes de dados coletados em experimentos. Segundo a autora, ainda existe muito para ser descoberto sobre as relaes
entre a estrutura perceptiva e o processo de compreenso musical. Ela descreve que,
em relao utilizao de testes auditivos para o estudo da percepo musical, o propsito destes a descoberta de influncias da compreenso musical na percepo de
eventos auditivos. Por este motivo, tambm sugere a utilizao e adequao do termo
Percepo Musical, em detrimento de Percepo Auditiva, pois a nfase da descoberta no est focada no ouvido, mas na mente.
Tendo se comprovado que a percepo musical no se relaciona apenas com um dos
hemisfrios cerebrais, mas com uma rede neural, esta ativada durante a escuta (Altenmller, 2001; Peretz, 2002). A msica proporciona uma maneira complexa na
organizao cerebral devido sua relao direta entre msica-movimento e percepo-ao. De acordo com Janata e Grafton (2003), esta relao consiste em seqncias de movimento e som que proporcionam mltiplas experincias em toda a mente.
Conforme descrito, a partir do aprendizado musical ocorre uma intensa reorganizao plstica cerebral, resultando na alterao das reas sensrio-motoras corticais
(Pantev, 2003).
Pascual-Leone (2001) selecionou indivduos de diversas idades, tendo como critrios
que os mesmos no tocassem nenhum instrumento musical, no soubessem datilografar usando todos os dedos e nem tivessem empregos que exigissem habilidades
manuais. Eles foram orientados, ainda, a estudar uma seqncia de notas para mo
(conforme alguns mtodos tradicionais para o ensino do piano e teclado) por duas
horas dirias, obedecendo a critrios estabelecidos pelo pesquisador. Em uma segunda etapa, o grupo foi dividido em dois subgrupos, sendo que apenas um continuou a treinar. O autor demonstrou que estas modificaes neurais, decorrentes do
aprendizado musical, no ocorrem apenas em processos de formao cerebral (em
torno dos cinco a nove anos), mas que, conforme Sloboda (2003), os seres de todas
as idades tm a capacidade de processar o material sonoro tanto absoluta quanto relativamente, e que essas habilidades podem ser desenvolvidas com o treino em qualquer idade.
Quando um adulto ouve uma pea musical atentamente e compreende esta linguagem, as informaes so processadas em grande quantidade e velocidade. Grande
parte deste processamento automtica, abaixo do plano consciente de anlise, devido impossibilidade de refletir detalhadamente enquanto ouve a msica. Neste
caso, necessrio ouvir mais de uma vez, pois, mesmo atento, o apreciador no consegue compreender todos os significados envolvidos, visto que os elementos da sen-
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Com a utilizao do IC, o som percebido pode se diferenciar radicalmente dos padres acsticos normais. Para proporcionar uma audio completa ao usurio de
implante coclear, necessrio desenvolver habilidades auditivas alm da deteco
sonora proporcionada pelo aparelho (Lima e Santos, 2007).
Atualmente, muito se tem avanado na tecnologia dos implantes cocleares e suas
formas de processamento do som tm mostrado excelentes benefcios. Embora existam diversos estudos sobre os benefcios do Implante Coclear para a percepo de
fala, a percepo da msica ainda se constitui um vasto campo de estudo para os
profissionais da rea e ao mesmo tempo um dos maiores desafios para os usurios
de IC.
Os provveis benefcios oferecidos aos usurios de implante coclear por meio de atividades de apreciao musical dirigida, certamente nortearo futuras pesquisas na
rea, bem como contribuiro para seu desempenho na percepo e produo da fala
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Consideraes Finais
A presente pesquisa intencionou realizar um levantamento bibliogrfico referente
ao processo de percepo dos sons da fala e da msica em pessoas usurias de IC,
bem como conceituar e relacionar a percepo sonora com o processamento auditivo,
para tarefas que envolvem habilidades para o processamento temporal utilizando
os parmetros de freqncia e durao.
Estudos sobre a percepo auditiva com adultos usurios de IC conquistam, a cada
dia, um espao significativo na literatura mdica. No entanto, a maioria destas possui
sua origem de interesse no funcionamento e na programao do equipamento de
IC. Tal fato aponta para a necessidade de pesquisas voltadas realizao e elaborao
de programas para ao treinamento auditivo do usurio de IC, a fim de possibilitar a
otimizao das habilidades auditivas por meio da realizao de atividades que estimulem a plasticidade cerebral para a percepo de estmulos auditivos, principalmente da msica.
Em relao s informaes obtidas sobre a percepo musical com o IC, importante ressaltar que no foram encontrados, na literatura, dados referentes percepo
musical de usurios de IC na populao brasileira. Os estudos encontrados referemse apenas a indivduos da Amrica do Norte, Europa, sia e Japo, o que sugere um
vasto campo a ser explorado em nosso pas, tanto por Fonoaudilogos quanto por
Musicoterapeutas e Educadores Musicais que desejam contribuir com o campo das
Artes Musicais nas Neurocincias. Um aspecto importante no estudo da percepo
da msica com usurios de IC a possibilidade de viabilizar propostas de atividades
musicais que contribuam para o treinamento e aperfeioamento, no s das habilidades auditivas, mas tambm cognitivo-musicais.
Acredita-se que, por meio desta pesquisa, seja possvel avaliar a percepo da msica,
a partir da utilizao de parmetros de durao e freqncia, comuns entre o processamento do som pelo equipamento de IC e a produo musical; verificar estratgias para o aprimoramento do reconhecimento de timbres utilizando
instrumentos musicais variados, bem como otimizar o desempenho auditivo dos indivduos participantes para atividades cotidianas, principalmente para as tarefas de
audio e apreciao musical.
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71
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Palavras chave
Anlise musical, cadeias auditivas, textura, cognio, Gestalt.
Este estudo sobre textura musical visa propor critrios analticos que consigam, por
meio da anlise perceptiva, estabelecer conceitos slidos para a categorizao da matria sonora e sua organizao, e da interpretao pelo crebro em unidades de sentido.
Primeiramente devemos estabelecer uma definio do objeto a estudar. Para isto
usaremos uma definio ampla e genrica de Textura, baseada nos conceitos de Enrique Belloc:
Textura a resultante da qualidade da matria sonora e os modos de organizao
a que esta submetida.
73
necessrio definir plano sonoro da maneira mais exata possvel, porque este conceito ser fundamental para todo o trabalho.
Chamaremos plano sonoro doravante PS ao som ou conjunto de sons que por
causa da sua constituio psicoacstica (natureza da sua conformao tipo-morfolgica) ou sua funo (sons de diferentes caractersticas tipo-morfolgicas que se relacionam por igualdade ou semelhana de comportamento ou principio de ao) so
percebidos como uma unidade funcional e de sentido dentro da textura da msica.
74
1.
por msicos barrocos em obras para instrumentos solos, como as sutes para cello
de J. S. Bach e por guitarristas como Angus Young em Thunderstruck e outros msicos de hard rock ou classic rock como Ingwie Malmsteen ou Ritchie Blackmore.
75
76
Definio:
Tipo textural
Figura-fundo
Blocos sonoros
Homorritmia/textura
acordal
Trama
Massa sonora
Linhas
independentes
Camadas
superpostas
Micropolifonia
Independncia
(Cind)
Exemplos
Figura-fundo
Subordinao (Csub)
Integrao (Cint)
Terminologia
tradicional
Contraponto/Textura
polifnica
Atmospheres, de G. Ligeti
A Nightingale Sang in Berkeley
Square na verso de Manhattan
Transfer.(0:00 a 0:49 min.)
Because, de Lennon e MccCartney, na verso do remix LOVE,
de G. Martin
Gioite voi col canto de Carlo
Gesualdo (como citado anteriormente)
Coro, de L. Berio
Gruppen, de K. Stockhausen.
Canto esquim,
segundo J. J. Nattiez.10
77
78
Definio tradicional
Bloco-linha
Arpejos
Linhas independentes
na organizao, mas dependente nos materiais.
Heterofonia
Critrio de
relacionamento
Pontilhismo heterogneo
Textura cumulativa
Exemplos
Combinao entre os
dois ltimos
Combinaes de texturas
Freqentemente nos encontramos com situaes texturais mais complexas do que
os tipos descritos at o momento. Esta complexidade dada por dois motivos:
Superposio de texturas bsicas
Mistura de texturas /
texturas homogneas
freqente nos encontramos com misturas de texturas que no obedecem a algum tipo de textura determinado ou que apresentam caractersticas de
mudanas permanentes de textura que no permitem estabelecer algum tipo de padronizao e conseqentemente uma descrio sistemtica e
orgnica.12 Chamaremos estas situaes texturais
de texturas mistas ou heterogneas.
79
80
Discusso
O estudo das texturas oferece um vasto campo de pesquisa, tanto na relao texturaforma considerando a varivel de evoluo temporal para a compreenso e formalizao de uma obra musical e suas implicaes significantes para o ouvinte ,
quanto no estudo da relao complexidade-simplicidade e suas conseqncias perceptivas. UTs com maior quantidade de PSs, maior quantidade de critrios de relacionamento simultneos, ou com quantidades ou critrios que mudam
perceptivelmente em curtos perodos de tempo oferecem maior dificuldade de
apreenso que UTs com menor quantidade ou menor variao de PSs e critrios de
relacionamento. Esta relao complexidade-simplicidade configura-se como um elemento importante na relao perceptiva de tenso-distenso (relaxamento) no plano
formal de uma obra. O Bolero de M. Ravel um exemplo de complexidade crescente
a travs do aumento quantitativo da textura (conjuntamente com outros parmetros
dimenses). A Grosse Fugue op. 133 de Beethoven se apresenta como um claro
exemplo da variedade complexidade-simplicidade em relao a critrios formalizadores, toda vez que esta mudana quantitativa e qualitativa produz uma resultante
perceptiva de altos e baixos de tenso que conduz nossa ateno ao longo da pea.
Temperley (2001) afirma que padres irregulares produzem texturas irregulares em
vrios nveis. Pode-se inferir ento que a complexidade interna de um trecho musical
ter conseqncias em nveis formalizadores superiores, quer dizer, que os elementos
constitutivos de um trecho musical transferem suas caractersticas individuais a nveis de estruturao formal superiores. Trechos com PSs complexos resultam em
texturas perceptivamente complexas.
A relao permanncia-mudana um fator fundamental para interpretarmos a
forma musical. Quando se percebe alguma mudana na textura, esta mudana se
manifesta como um elemento significante que modifica a relao do trecho com o
seu contexto todo, de maneira sistmica. Uma unidade formal e de sentido ressalta
suas caractersticas quando confrontada a outra de diferentes caractersticas.
Consideraes finais
Este trabalho sugere alguns princpios analticos baseados na idia de correntes auditivas por timbre. Estas correntes constitutivas do fluxo sonoro comportam-se
como planos sonoros que, num contexto polifnico, se interrelacionam por integrao, subordinao e independncia. Estes critrios surgem da combinao das caractersticas tipo-morfolgicas da matria e dos modos de organizao a que esto
submetidas, mas so estruturadas pelo nosso sistema cognitivo de maneira de podermos interpret-las para lhes atribuir sentido e se constiturem em elementos significantes. Assim, a anlise texturas surge como resultado dos critrios de
relacionamento entre PSs permitindo estudar construes sonoras que no se ajustam aos modelos tradicionais, gerando uma tipologia dinmica e aberta, porm completa e consistente que funciona como uma ferramenta analtica bastante precisa
para o estudo da evoluo temporal da matria sonora, interpretada como a forma
musical.
1 Denominaremos Unidades Texturais (UT) a trechos mais ou menos estveis onde se aprecia
uma conformao textural definida estvel ou um processo em andamento, orgnico e funcional de transformao da uma textura dada.
2 Stream no original representa uma noo psicoacstica que se refere a padres e objetos sonoros que so sucessivamente agrupados numa nica unidade perceptiva.
3 Miller (1956, apud Bigand, 2001) considera sete o numero de segundos, com uma variabilidade de mais ou menos 2 segundos. Fraisse (1974, apud Bigand ibid) acrescenta que este limiar de tempo pode ser extendido se os elementos so organizados em chunks ou sub-grupos.
4 Melodias extensas que superam os 5 segundos como as do Bolero de M. Ravel ou The mad
hatter rhapsody de Chick Corea oferecem dificuldades para a memorizao e reproduo.
5 Isto parece primeira vista contraditrio, como observado anteriormente, porm dependendo das circunstancias pode ser que um ou outro critrio, indistintamente, justifiquem a
prioridade perceptiva. Por exemplo: num contexto de informao redundante um elemento
novo se destaca como objeto hierarquizado, como o tema das cordas na Rhapsody in blue de
G. Gershwin, e, contrariamente, numa situao de muita informao diversificada e/ou nova
um elemento conhecido pode chamar a ateno por ser uma unidade de sentido com informao extra (lei da experincia anterior), como na recapitulao dos temas numa sonata do
perodo neoclssico.
6 Chamaremos de tonal-livre ao uso no estrito de algumas regras do sistema Harmnico tradicional no tratamento vertical das alturas que existe na msica popular de origem europeu
(como construo de acordes por superposio de intervalos de teras, uso de frmulas cadenciais, entre outros).
7 necessrio fazer algumas consideraes sobre a idia de hierarquias nestes exemplos. Os
81
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8 Serve aqui a considerao feita na nota de rodap anterior de que a msica da prtica comum
requer, por questes scio-culturais e estilsticas, uma linha meldica hierarquizada. A msica
dos sculos XVII a XIX uma luta de foras horizontais e verticais com destaque para
uma(s) linha(s) diferenciada(s) como figura(s).
9 Sero usadas neste trabalho indistintamente a terminologia tradicional e a terminologia especfica proposta quando necessrio, j que no existe interesse em substituir uma pela outra.
10 No canto esquim acompanhado por tambor relatado por Nattiez (1984), a batida no
iscrona, e se se gravar o canto mais de uma vez no se obtm as mesmas batidas.
11 Um arpejo ressonante aquele no qual pode ser sustentada mais de uma nota simultnea,
como um piano ou um rgo, enquanto no ressonantes so aqueles que cada nota se articula
quando termina a anterior, criando a sensao de uma nica linha.
13 Observa-se que este tipo de estruturao formal tem estreita relao com a relao texturaforma nas aberturas francesas do perodo barroco e em particular as das sutes orquestrais de
J. S. Bach.
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83
[email protected]
Departamento de Msica da ECA, USP Universidade de So Paulo
Resumo
Estudo comparativo em progresso que visa examinar possveis ambiguidades entre a percepo do ritmo musical do ponto de vista da neurocincia e estruturas utilizadas intencionalmente na construo musical por compositores e arranjadores, explicitadas em
partituras e gravaes. Com base no conceito neurocientco de beat induction, associado
a partituras e gravaes, apresenta um estudo da compreenso do pulso atravs da percepo. Na concluso, demonstra a viabilidade da aplicao do modelo de regras de
preferncia na deduo do beat musical.
Palavras-chave
Percepo musical; cognio ; beat induction; neurocincia; percepo rtmica
Introduo
O estudo da percepo do ritmo musical parte de um corpus de pesquisa que desde
o sculo XIX, com os trabalhos pioneiros de Helmholtz, vem cada vez mais se apresentando como uma rea interdisciplinar, recorrendo a outras reas do conhecimento para a construo de um perfil da percepo humana dos sons. A tentativa
de se explicar as sensaes subjetivas de consonncia e dissonncia, por exemplo,
moveu parte da pesquisa sobre a psicologia do som, que recorreu no somente a fatores genricos cognitivos, mas tambm aos mecanismos sensrios auditivos, tendo
reunido fatores culturais presentes na percepo. Nesse contexto, medida que so
estudadas relaes entre questes da recepo do fenmeno sonoro e as propriedades
fsicas dos sons, foi surgindo a denominao psicoacstica (Parncutt 1989: 19).
Outra importante referncia utilizada a psicologia. Nesse campo, destacamos a
orientao de um modelo de percepo das alturas dos sons na musica ocidental por
princpios da Gestalt, em que os mesmos princpios gestlticos anteriormente aplicados percepo visual (princpios de agrupamento: proximidade, similaridade,
good continuation e common fate) podem ser analogamente voltados percepo
auditiva (Shepard, 1999: 32-34).
A busca por modelos computacionais de reconhecimento sonoro levou ao estudo
da percepo auditiva humana tambm na questo da rtmica musical, objeto de
nosso estudo. Havia a convico de que a habilidade de reconhecer e sincronizar ritmos seria uma capacidade exclusiva dos seres humanos, sujeita a uma seleo natural
exercida pela cultura, inclusive atravs da atividade musical. At que neurocientistas
Tomando esses fatores de preferncia como um modelo para a determinao da induo do beat, chegamos ao propsito de analisar a percepo do relacionamento
entre a rtmica de superfcie e o pulso de um trecho musical, comparando-a posteriormente expresso da inteno do compositor ou arranjador, traduzida materialmente na partitura ou na gravao.
Nesse contexto, a perspectiva da anlise musical a partir do acrscimo do conceito
beat induction se altera na medida em que o foco tende a se concentrar na instncia
85
86
Questes interpretativas
Gunther Schuller (1997: 122) analisou cerca de noventa gravaes da Quinta Sinfonia e encontrou apenas nove maestros que regeram de modo a transmitir a percepo do ritmo como ele foi escrito. Tal pesquisa demonstra que em noventa por
cento das gravaes o carter ambguo dos primeiros compassos foi valorizado por
maestros como Toscanini, Furtwngler, Abbado, Ashkenazy, Bernstein, Karajan e
Bhm, entre outros. Suas respectivas performances ainda mantinham a duvida em
relao figura de trs notas do primeiro compasso representar auditivamente um
gesto no acentuado (anacruse) ou uma figura mais calcada no tempo forte. Estariam eles interpretando equivocadamente a partitura de Beethoven?
Veremos que alguns fatores decorrentes da prpria escrita do compositor reforam
a ambiguidade contida na interpretao e na recepo do trecho de cinco compassos
em questo.
Em primeiro lugar, o andamento extremamente rpido (mnima = 108), faz com
que cada beat se encontre contido dentro de um nico compasso, praticamente obrigando a regncia em um (Schuller, 1997 : 110). Em segundo lugar, a prpria escrita dificulta a perfeita articulao da anacruse do motivo que inicia o primeiro
movimento da obra e em seguida o apoio em uma nota longa com fermata (Figura
1.2).
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Op.67
Tal fato, prope um leitura da ambiguidade do motivo original desta Sinfonia, uma
vez que o compositor retoma uma idia inicial e incorpora a nova possibilidade rtmica. Reforando outro carter possvel dentro de seu discurso grandemente influenciado pelas idias da retrica setecentista.
Retrica esta que ao organizar as maneiras de convencer o interlocutor, estava profundamente preocupada com os efeitos da recepo das idias sobre o pblico.
Como sabemos, estas preocupaes so fundamentais para o pensamento musical
setecentista, que pensa a linguagem musical segundo a gramtica (correo e clareza
do discurso) e a retrica (efeito persuasivo do discurso junto ao ouvinte).
Do ponto de vista das regras de preferncia, esta estrutura a figura de trs notas
tende a induzir um tempo forte na cabea da primeira nota (regra 1) e a nota longa
tende a induzir outro beat (regra 2). E pela regra 4 (agrupamento) temos mais um
reforo na percepo do beat sobre a primeira das nota de figura inicial de trs notas
(Figura 1.4).
ou
A estes indcios somam-se a falta de um referencial representando o silncio na cabea do primeiro tempo e o apoio nas fermatas dos compassos 2 e 5.
A neurocincia prev, ainda, que nossa percepo moldada por estmulos extrnsecos e interpretao intrnseca, assim a experincia da percepo do ritmo, depende
da sua interpretao mtrica, onde cada um ouve o beat (Iversen 2009: 58). Nesse
sentido, a percepo envolve uma dimenso tnica. (Drake & Heni 2003). Sobre
esse ltimo aspecto, podemos afirmar que h considervel diferena de interpretao
mtrica na comparao entre as duas concepes da mesma cano.
89
90
Nesse ltimo quesito, Beleza Pura apresenta tambm uma base harmnica simples em estrutura circular (sequencializada em D / Lm / Rm / SOL7),
com destaque para os acentos rtmicos no contratempo. (Tatit 1996: 301)
A estes acentos rtmicos no contratempo, corresponde a funo ritmo-harmnica
desempenhada pelo violo em figura que representa a alterao rtmica da mesma
estrutura circular presente na introduo de Brejeiro de Ernesto Nazareth composto
em 1893.
Na figura 1.7 a articulao do violo a mesma nas duas msicas, porm em Beleza
Pura ela aparece adiantada em uma colcheia fazendo com que na nova linha de
acompanhamento do instrumento, os acordes e a nota fundamental do baixo caiam
em off-beat, ou seja fora da acentuao natural do compasso.
A nova configurao faz com que o elemento acompanhador deste arranjo, mude
radicalmente seu carter em relao ao outro composto por Nazareth. Este elemento
tambm atende parcialmente regra de preferncia 6 (paralelismo), por se tratar de
uma espcie de ostinato. Apresenta ainda carter ambguo, posto que posiciona a
fundamental do acorde sempre em antecipao aos tempos 1 e 3 considerados fortes
no compasso.
Concluso
Pudemos demonstrar que algumas das possibilidades da aplcao do conceito neurocientfico de beat induction na anlise de algumas estruturas musicais
bastante vlida na medida que desnuda algumas ambiguidades presentes na percepo do ritmo musical.
Esperamos encontrar mais ambiguidades no material rtmico da obra de Beethoven.
A diferena intercultural ou tnica surgida da comparao entre verses diferentes
de uma mesma cano ainda carece de aprofundamento, falta ainda esclarecer os
elementos tnicos presentes na concepo da gravao de Caetano Veloso, mas
aponta para a eficcia do procedimento e no nosso entendimento, abre boas perspectivas para prximas anlises.
1 A no traduo da expresso beat induction se deve ao fato da noo de beat estar relacionada
ao metro, medida do nmero de pulsos que ocorre dentro de uma recorrncia de acentos mais
ou menos regulares (Cooper & Meyer 1960, 4). O pulso representa mais uma unidade de
medida temporal mnima enquanto o beat, a acentuao desses pulsos dentro do compasso.
2 Denominamos transposio de estilo o procedimento em que uma cano popular adaptada a outro contexto musical. Em nosso caso, a cano foi concebida originalmente sobre
padres harmnicos e rtmicos prprios da cultura afro-baiana e dos seus msicos, tendo sido
posteriormente adaptada a procedimentos prprios da cultura pop e do rock da juventude
brasileira do incio do sculo XXI.
91
Referncias
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Mariana Benassi-Werke
[email protected]
Departamento de Psicobiologia Universidade Federal de So Paulo
Nayana G. Germano
[email protected]
Departamento de Msica, Universidade Estadual Paulista
93
Introduo
94
Objetivos
O presente estudo buscou (1) investigar a prevalncia de ouvido absoluto entre estudantes universitrios de msica de duas diferentes regies brasileiras (Sudeste e
Centro Oeste); (2) verificar a existncia de particularidades da percepo auditiva
entre os alunos que declararam ser portadores de ouvido absoluto (com relao
percepo de diferentes timbres e registros, bem como ao tempo de reao e preciso na identificao e produo de tons); (3) verificar a possibilidade de se estabelecer uma relao entre ouvido absoluto e idade de incio do treinamento musical;
(4) investigar se o tipo de treinamento musical recebido por portadores de ouvido
absoluto quando do aprendizado da notao musical e de solfejo teve algum impacto
na aquisio dessa caracterstica; (5) verificar a presena desse trao cognitivo em
membros da famlia dos estudantes que declararam possuir ouvido absoluto; (6)
comparar os resultados obtidos nas duas universidades pesquisadas para verificar a
existncia ou no de diferenas regionais.
Participantes e Mtodo
Participaram desta investigao 263 alunos regularmente matriculados nos cursos
de graduao em msica da Universidade de Braslia (n=130) e da Universidade Estatudal Paulista (n=133). Cada um dos 263 alunos-voluntrios, aps consentimento livre e esclarecido, respondeu a um questionrio, contendo perguntas tanto
objetivas (estilo mltipla-escolha) como abertas (permitindo respostas descritivonarrativas), sobre formao musical, histrico musical familiar e caractersticas pessoais da percepo auditiva.
Os questionrios foram aplicados durante os anos letivos de 2007 (na UnB) e 2008
(na UNESP), em horrios solicitados previamente aos professores das disciplinas
coletivas oferecidas naqueles anos.
O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal de So Paulo Escola Paulista de Medicina (UNIFESP EPM)
e pelas Chefias dos Departamentos de Msica da UnB e da UNESP.
Resultados
8,27% dos alunos da Unesp e 6,15% dos alunos da UnB matriculados nos cursos de
graduao em msica declararam ter ouvido absoluto. Estatisticamente, no houve
diferena entre as duas universidades (x2 = 0.65, p > 0.05). Somando-se os resultados,
a prevalncia na amostra total foi de 7,22%.
95
96
Em ambas instituies os portadores de ouvido absoluto reportaram variaes significativas em suas habilidades de emitir e identificar notas musicais. Cerca somente
de um tero dos estudantes com ouvido absoluto declarou no ter nenhum tipo de
limitao em sua habilidade. Os demais reportaram limitaes relativas a timbre, registro e produo vocal.
Tanto na UnB como na UNESP, a idade mediana de incio do treinamento musical
entre os alunos com ouvido absoluto revelou-se menor (7.18 2.61) do que a idade
de incio de no portadores (11.55 4.02) (F=21,18; p0,05).
No foi possvel estabelecer uma relao entre o tipo de treinamento musical com
relao aos aprendizados de leitura musical e de solfejo e a aquisio do ouvido absoluto. Tanto na UnB como na UNESP, a maior parte dos estudantes com e sem
ouvido absoluto utilizou os mesmos mtodos para o aprendizado de solfejo (d fixo)
e de leitura musical (escrevendo o nome das notas prximo s mesma nas pauta).
Em nenhuma das duas universidades houve diferena no nmero de familiares com
ouvido absoluto entre os grupo de estudantes com e sem ouvido absoluto.
Discusso e concluses
O resultado de prevalncia de ouvido absoluto entre estudantes de msica universitrios obtido nesta investigao semelhante ao resultado encontrado por investigao realizada por Gregersen et al., em 1999, nos Estados Unidos. Os resultados
do atual estudo podem ser comparados aos resultados da pesquisa norteamericana
uma vez que ambos adotaram parmetros equivalentes na investigao: os sujeitos
estudados foram estudantes de msica de universidades e a metodologia selecionada
para fazer o levantamento da prevalncia de ouvido absoluto foi a utilizao de questionrios. Os nmeros encontrados pela pesquisa norteamericana foram os seguintes: dentre 1.996 estudantes de msica de diferentes universidades americanas, 146
eram portadores de ouvido absoluto proporo que corresponde a 7,3% dos investigados. Nosso estudo, semelhantemente, encontrou um ndice de 7,22% de portadores de ouvido absoluto entre estudantes de msica universitrios recrutados em
duas universidades brasileiras de regies distintas do pas. Seria interessante ampliar
essa investigao para outras reas geogrficas para observar se esses resultados tendem ou no a se repetir e para verificar possveis particularidades no ensino e na prtica musical regionais que eventualmente poderiam contribuir para uma maior
prevalncia de indivduos com ouvido absoluto numa determinada regio.
Nosso trabalho tambm confirmou investigaes anteriores que mostraram que a
prevalncia de ouvido absoluto maior entre aqueles que iniciaram o treinamento
musical em tenra infncia. Uma investigao conduzida por Sergeant (1969) constatou que 87,5% dos msicos que iniciaram o treinamento musical por volta dos 5,6
anos de idade eram portadores de ouvido absoluto, enquanto entre aqueles que co-
97
Referncias
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99
[email protected]
IA UNICAMP
Resumo
Um dos aspectos signicativos para a expresso na msica ocidental refere-se qualidade
das cores nas diferentes tonalidades. Desde a sua sedimentao por volta do sculo
XVI, o novo campo tonal passou a denir caractersticas particulares aos repertrios e
aos sons, impulsionando os compositores nas escolhas de suas obras. Assim, a escolha da
tonalidade foi um dos pontos relevantes para a composio musical. Ainda que o sistema
igual de temperamento musical tenha sido conhecido j h muitos sculos atrs, podemos
armar que, sua utilizao prtica somente se xou como padro em tempos modernos
(sc. XX). Dividir a oitava em semitons iguais (1/12 da coma Pitagrica ou 1200 cents) tornou
possvel a modulao pela utilizao da enarmonia, mas, como o prprio nome do temperamento sugere, igualou as caractersticas prprias de cada tonalidade, ao tempo em
que reduziu para duas, as possibilidades modais, padronizando em dois os modos (Maior
e menor).
Palavras-chave
Semitom; coloridos sonoros; afeto musical; Musicalische Temperatur; Das Wohltemperirte
Clavier.
Introduo
Em meados do sculo XVII, autores de diversas regies europias, propuseram diferentes solues de temperamentos1 hoje conhecidas como desiguais buscando se aproximar ao mximo das purezas intervalares2, ocasionando em seguida
o desenvolvimento do tpico: Caractersticas das Tonalidades3. Largamente utilizado, o tema incentivou diferentes tericos do sculo XVIII e de boa parte do sculo
XIX com destaque para Louis Hector Berlioz (1803-1869) com o seu Grand trait
dinstrumentation et dorchestration modernes publicado em Paris (1843/44?).
Por outro lado, as doze notas do teclado tradicional (brancas para os intervalos diatnicos e, pretas para os cromticos ou vice-versa em alguns teclados
dos sculos XVII e XVIII), simbolizaram importantes conceitos na teoria musical
dos perodos Renascentista e Barroco4. Importante notar que, como exemplo, as
notas Sol e Sol #, no eram vistas como notas diferentes, como alguns acreditam hoje
em dia, mas como cores diferentes de uma mesma nota, ao contrrio de suas equivalentes enarmnicas: Sol # e L b, que eram notas diferentes uma da outra.
101
Em seu Musicalische Temperatur de 1691, Andreas Werckmeister (1645-1706) props diferentes possibilidades de sistemas de afinao desigual. Ele os nomeou com
algarismos romanos e, a proposta com nmero III, a atualmente mais conhecida
por suas qualidades prticas de utilizao, como tambm pela facilidade de sua realizao. Nele, quatro quintas ascendentes so estreitadas. s trs primeiras quintas
estreitadas: D-Sol, Sol-R, R-L, seguem-se duas quintas puras: L-Mi e Mi-Si, e
a prxima quinta: Si-F #, recebe o mesmo estreitamento que as trs iniciais, compondo assim, o nmero total das quatro estreitadas. Todas as demais outras sero
puras, fechando o crculo de quintas. Este sistema prtico deve ser considerado como
Bem temperado, uma vez que possibilita a utilizao de todas as vinte e quatro to-
nalidades. Embora seu centro tonal esteja em D, quanto mais longnquo estiverem
as tonalidades dele, mais caracterstico sero sua cores tonais, devido as qualidades
de suas teras maiores, que vo se abrindo at seu ponto mximo, a tera Pitagrica.
102
Bach, certamente, utilizou em algum momento este sistema, pois sabe-se que em
sua biblioteca particular havia um exemplar do Musicalische Temperatur de Werckmeister.
A figura a seguir traz a pgina ttulo da obra publicada em Quedlemburg, mencionando diferentes instrumentos de teclado.
Uma afinao com intervalos puros consonantes, no pode ser realizada, uma vez
que a pureza de alguns intervalos resultar sempre na impureza de outros. Nos instrumentos de teclado este problema deve ser resolvido de forma a se temperar, ao
menos alguns dos intervalos consonantes. Werckmeister afirmou: Portanto, um
temperamento na afinao musical um pequeno desvio da perfeio de sua razo
musical, no qual a conexo das progresses toma lugar corretamente e a escuta satisfeita . 5
Na definio para o Semitom no verbete do Dictionnaire de Musique de Jean-Jacques
Rousseau (Paris, 1768, p. 427) lemos:
SEMI-TOM. s.m. o menor de todos os intervalos admitidos na Msica moderna;
ele, mais ou menos, vale a metade de um tom. Existem diversas espcies de Semitons. Na prtica musical, ns distinguimos dois. O Semitom maior e o semitom
menor. (. . .) O Semitom maior a diferena entre a Tera maior e a Quarta, como
mi e f. A sua razo de 15 16, e ele forma o menor de todos os intervalos diatnicos. O Semitom menor a diferena entre a tera maior com a tera menor;
ele se encontra sobre o mesmo grau por um Sustenido ou por um Bemol. Ele
forme um intervalo Cromtico, e sua razo de 24 a 25.
Este o semitom encontrado nas escalas diatnicas: as duas notas sempre tm nomes
diferentes, por exemplo: Si-D, Mi-F, etc.
Aqui, o semitom cromtico tem sua composio pela direo do sentido horrio.
103
Dessa forma, fica evidente que diferentes opinies se contrapuseram e que o sistema
Igual aceito hoje em dia como padro j tinha os seus admiradores antes mesmo
da fixao do conceito tonal para a produo musical no mundo ocidental.
No entanto, o que iremos perceber que h, em diferentes perodos da histria, uma
sistemtica busca pela emisso intervalar mais prxima possvel de suas purezas. Uma
tentativa ilusria, visto que, impossvel se afinar todos os intervalos puros no padro
Por outro lado, um fato comum e bem difundido entre os msicos nos dias de hoje,
de que a expresso Bem Temperada refere-se a um tipo igual de afinao divulgado
musicalmente por J. S. BACH atravs da sua coleo de Preldios e Fugas intitulada
Das Wohltemperirte Clavier (O Cravo Bem Temperado?) de 1722. Uma inverdade,
na medida em que, embora ele provavelmente a conhecesse, no fez qualquer meno a este sistema em seus poucos escritos sobreviventes.
A ttulo de lembrana mencionamos: o tom diatnico tem 203.90 cents (no temperamento igual 200 para o tom) e o semitom diatnico apenas 90.22 cents. (ou e 100
cents para o semitom). Portanto, uma proporo totalmente diferente da que estamos acostumados a ouvir nos dias de hoje.
Consideraes finais
A experincia auditiva, nica, proporcionada pelos diferentes tamanhos dos semi-
105
106
tons enfatiza os coloridos sonoros e os afetos musicais. Os diferentes sistemas desiguais de afinao para os instrumentos de teclado tiveram seus apogeus durante todo
o sculo XVIII, projetando-se em grande parte no sculo XIX. Autores de diferentes
regies europias contriburam sobremaneira para a expressividade das obras musicais, ainda que o sistema igual de afinao tenha tido caminho paralelo aos desiguais,
dividindo a preferncia de alguns tericos visionrios. Embora controvertido, o tema
necessita ser mais revisitado e difundido uma vez que, devido as suas possibilidades
enarmnicas comumente se confunde sistema Bem temperado com o sistema
Igual, adotado como o padro no sculo XX.
1 Temperar foi uma iniciativa deliberada dos estudiosos da poca na esperana de encontrar
solues tolerveis no possibilidade de emisso perfeita dos intervalos no mundo tonal.
Maiores detalhes ver: O porqu do Temperamento In: As obras de Froberger no contexto do
Temperamento Mesotnico. Edmundo Pacheco Hora. TESE (Doutorado em Msica). Instituto de Artes. Universidade Estadual de Campinas. 2004.
5 Darum ist die Temperatur in der Musicalische Stimmung, ein kleiner Abschnitt von der
Vollkommenheit der musicalische proportionen, wodurch die Zusammenbindung der progressen fglich geschieht und das Gehr vergngt wird.
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107
[email protected]
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
O presente trabalho discute o tema Msica e Cognio, no que diz respeito aos aspectos
de percepo musical do ritmo e suas implicaes no processo de ensino e aprendizagem
numa perspectiva piagetiana, com crianas entre 3 e 7 anos. Com base em minha experincia pessoal no ensino de ritmo para crianas nessa faixa etria, abordo na primeira
parte do texto algumas caractersticas cognitivas do pensamento pr-operatrio apresentadas por Piaget, e na segunda parte estabeleo um paralelo entre as quatro condies
necessrias para a fundamentao de uma teoria cognitiva musical, defendidas por Beyer
(1988), e o ensino do ritmo da maneira como propomos. O mtodo de pesquisa utilizado
foi um levantamento terico sobre os estudos piagetianos e uma aplicao desses conhecimentos na analise do desenvolvimento musical no que se refere percepo do
ritmo. Tive como objetivo geral expor alguns aspectos cognitivos da teoria piagetiana envolvidos no processamento do ritmo em crianas entre 3 e 7 anos e, considerar algumas
condies para uma possvel fundamentao da teoria cognitiva em msica. Por meio
desta fundamentao terica coloco prova minha metodologia do ensino de ritmo
crianas nessa faixa de idade, o que me leva a concluir se esta maneira de ensinar cognitivamente vivel ou no.
Irreversibilidade do Pensamento
Em relao irreversibilidade do pensamento, a noo de proporo ainda no foi
construda nessa faixa etria. A durao mais subjetiva e por comparao. Nessa
idade, a criana no consegue retroceder seu pensamento ao ponto de origem.
possvel que uma criana possa entender que se ligarmos dois sons curtos criaremos
um longo, mas fazer o caminho inverso (um longo menos um curto igual a um
curto) est fora de sua capacidade cognitiva.
Egocentrismo do Pensamento
A criana, aqui, ainda no capaz de ver (ou perceber) do ponto de vista de um
outro, ela freqentemente fala usando termos que tem referncias idiossincrticas e
usa associaes algumas vezes no relacionadas com nenhuma estrutura lgica discernvel. Por exemplo, uma criana ao se referir a um som longo diz: como o som
da campanhinha!, enquanto, a um som curto diz: como o som do relgio despertado. Essas frases refletem as experincias dela que podem ser diferentes das experincias de outra criana.
Em sendo a durao subjetiva, como j foi citado, bom, tambm, que o padro de
certo e errado no seja rgido.
Centralizao
importante trabalhar com as qualidades de som separadamente, pois nessa faixa
de idade a criana centra sua ateno num pormenor de um acontecimento e ainda
no tem a flexibilidade de desviar sua ateno para outro aspecto de uma situao.
E aos poucos, quando a criana for adquirindo a habilidade de descentralizao, ser
possvel unir durao, altura, intensidade e timbre, num mesmo exerccio.
109
110
Em paralelo com as quatro condies necessrias para a fundamentao de uma teoria cognitiva musical, defendidas por Beyer (1988), podemos verificar se o ensino
de ritmo da maneira como propomos aqui possui respaldo.
Primeira Condio
A ontognese musical [deve ser] paralela filognese musical (Beyer, 1988, p. 62),
ou seja, o desenvolvimento musical do sujeito deve reeditar a histria musical da civilizao (Beyer, 1988).
No aspecto filogentico podemos ver que, historicamente, as primeiras figuras que
simbolizavam o ritmo se chamavam Longa e Breve. Isso se coloca em paralelo com
a ontognese ao vermos que uma criana primeiro produz sons que podem ser longos
ou curtos antes de adquirir a fala.
Segunda Condio
O desenvolvimento deve ser gradativo como produto da interao entre a ao do
sujeito e a sua carga hereditria. (Beyer, 1988, p. 65).
Podemos ver que existem crianas que possuem grande facilidade para perceber e
reproduzir ritmos. Essa facilidade inata associada ao estudo potencializar essa habilidade. O que essas crianas executam ritmicamente ser relacionado posteriormente ao conhecimento da articulao que demora mais ou menos, abrindo
caminho, assim, para uma maneira de pensar mais formal e complexa.
Terceira Condio
Deve ser dada nfase para os processos intelectuais em oposio a uma nfase sobre
o afetivo (Beyer, 1988, p. 66). Nesse sentido, necessrio que os processos intelectuais utilizados na msica sejam descobertos e considerados, para que uma teoria
cognitiva se efetive (Beyer, 1988).
Ao trabalhar com sons longos e curtos, o foco principal a capacidade intelectual
da criana de processar essa informao. O fator afetivo considerado, mas deve-se
cuidar para que no haja uma hipervalorizao desse aspecto. Para mantermos algum
equilbrio entre o aspecto afetivo e o intelectual podemos utilizar, entre outros, recursos como sons onomatopaicos de eventos do dia-a-dia da criana. Por exemplo:
o som da moto, o som do avio, o som de animais, etc.
Quarta Condio
Esther Beyer considera a existncia de estgios sucessivos e gradativos em complexidade (Beyer, 1988, p. 67), que se enquadram na ltima condio necessria, segundo ela, para a fundamentao de uma teoria cognitiva em msica.
Tomando por base essa perspectiva e minha experincia de ensino, proponho os seguintes estgios da aprendizagem perceptiva do ritmo:
Tabela 1.1 Estgios sucessivos e gradativos de complexidade da aprendizagem
perceptiva do ritmo
Notao No-Convencional (traos)
Notao Convencional
(figuras de notas)
Durao subjetiva:
111
Por meio desta fundamentao terica coloquei prova minha metodologia do ensino de ritmo crianas entre 3 e 7 anos de idade, o que me leva a concluir que esta
maneira de ensinar cognitivamente vivel.
Esse foi o primeiro passo para um estudo crtico mais profundo sobre minha prpria
maneira de fazer educao musical. Esse um campo intensamente vasto e seria pretenso ter a inteno de esgotar o assunto nesta pesquisa. Trabalhos futuros podem
contemplar uma abordagem cognitiva da percepo da altura, intensidade e timbre.
Bem como alm do aspecto perceptivo da cognio, no podemos deixar de mencionar os aspectos de produo e execuo musical que representam outra vertente
cognitiva importante a ser explorada em futuras pesquisas.
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51-75.
Catarina Dominici
[email protected]
Programa de Ps-Graduao em Msica UFRGS
Resumo
O objetivo do presente trabalho foi investigar a correlao entre parmetros de acuidade
e de expresso musical a partir da avaliao quantitativa por rbitros e a valorizao
desses parmetros por estudantes na preparao de uma obra pouco conhecida do perodo romntico (Anhang do Op. 12 de R. Schumann). Em delineamento semi-experimental (N=8), a preparao da pea foi monitorada em trs etapas: (i) Registro e entrevista
sobre a preparao em um intervalo de 9 semanas. (ii) Avaliao da execuo dos estudantes registrada em vdeo por trs rbitros (professores de piano), utilizando os seguintes parmetros: contorno, articulao, andamento, timing, dinmica, gestos, coerncia
global. e (iii) Prtica suplementar da obra por duas semanas com o registro de duas performances e atribuio da hierarquia dos parmetros na preparao desta pea. Os dados
foram tratados por mtodos estatsticos: anlise de correlao, anlise de agrupamentos
(clusters) e escalonamento multidimensional (MDS).
Introduo
Um dos aspectos mais relevantes na performance musical a habilidade de executar de forma expressiva (vide, por exemplo, Juslin e Laukka, 2004; Laukka, 2004;
Lindstrm et al. 2003), de maneira a comover os ouvintes. Uma performance expressiva talvez aquilo que comumente faz com que pessoas prefiram um intrprete ao invs de outro. A maioria dos intrpretes e ouvintes define a expresso
musical em termos de comunicao de emoes (vide, por exemplo, Lindstrm et
al., 2003; Laukka 2004). Assim, o domnio a habilidade da expresso emocional
em msica uma meta importante para o intrprete. Dada a importncia da expresso na performance musical, razovel esperar que professores devotem um
tempo considervel no desenvolvimento dessa habilidade. Contudo, ao contrrio,
a literatura de educao musical tem evidenciado que a expresso vem sendo ne-
gligenciada (veja, por exemplo, Tait, 1992), provavelmente por ser freqentemente
considerada como uma habilidade que reflita talento, e portanto, no pode ser
aprendida (Sloboda, 1996), ou porque o conhecimento da expresso na maioria
das vezes tcito, e portanto, difcil de ser verbalizado em palavras (Hoffren, 1964).
Em estudos anteriores, investigamos meios de sensibilizao e conscientizao de
estudantes de piano quanto importncia da intencionalidade expressiva na preparao de uma dada obra musical por alunos de bacharelado, mestrado e doutorado em msica (Gerling e Santos, 2007, Gerling et al. 2008a, 2008b, 2009a, 2009b;
2009c). No decorrer desta fase da pesquisa na qual os alunos receberam uma obra
pouco conhecida do perodo romntico (Anhang, obra descartada das Peas Fantsticas Op. 12 de R. Schumann) tornou-se evidente que a atribuio de emoo ou
carter, tanto na prtica quanto em execues, no parece ser valorizada. Em extenso e aprofundamento a esse estudo, investigamos a correlao entre parmetros
de acuidade e de expresso musical a partir da avaliao quantitativa por rbitros e
a valorizao desses parmetros por estudantes na preparao de uma obra. Os parmetros considerados foram acuidade de leitura, contorno (frase), articulao, andamento, timing, dinmica, gestos, textura e coerncia global.
Metodologia
As coletas foram realizadas no Laboratrio de Execuo Musical (UFRGS). Os alunos (N=8) no receberam instruo de seus professores nem informao sobre a
obra em si. Foi-lhes apenas fornecido o significado das expresses Feurigst (fogoso/ardente) e Rascher (mais veloz) contidas na partitura. A preparao da pea
foi monitorada em trs fases: (i) Registro e entrevista de trs execues em um intervalo de 9 semanas; (ii) avaliao da execuo dos estudantes registrada em vdeo
por trs rbitros (professores de piano) e (iii) prtica suplementar da obra por duas
semanas com o registro de duas performances e atribuio da hierarquia dos parmetros na preparao desta pea. Os dados foram tratados por mtodos estatsticos: anlise de correlao, anlise de agrupamentos (clusters) e escalonamento
multidimensional (MDS).
Os critrios de avaliao do produto de execuo musical, para nossas pesquisas,
so compreendidos como:
contorno (das frases): grau de coerncia sobre o direcionamento das linhas meldicas, tendo em vista caractersticas do padro sonoro global, resultante em
termos de sua inclinao, seu desvio e reciprocidade (contorno em arco, ondulante, em degraus, descendente, por exemplo);
articulao: grau de coerncia sobre expresso de indicaes de articulao explcitas na obra (legato, staccato, portato, por exemplo). A funo da articulao
conectar ou separar notas isoladas ou em grupos, deixando o contedo inte-
113
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Resultados e Discusses
A Figura 1 representa o grau mdio atribudo pelos rbitros a cada estudante (AF) para a performance do Anhang de Schumann, segundo sete parmetros investigados.
Figura 1. Grau mdio atribudo aos diversos parmetros de execuo musical para
7 estudantes de msica. A, B e C: graduandos de 1 semestre. D: graduando de 6
semestre. E: graduando de 7 semestre. F: Mestranda.
Os dados da Figura 1 revelam ampla disperso de graus atribudos ao mesmo estudante, sugerindo a valorizao relativa de certos parmetros em detrimento de outros. Os valores de correo de Pearson obtidos para os escores dos parmetros
musicais avaliados variou entre 0,009 e 0,893. No presente caso, todos os valores obtidos so positivos (o que significa uma relao diretamente proporcional), com
exceo da relao entre gestos e dinmica (0,009) que foi muito prxima de zero,
sugerindo ausncia de correlao. A relao forte encontrada encontra-se entre as
notas atribudas a contorno e coerncia (r = 0,893). Correlaes fortes foram tambm observados pelas relaes entre contorno-andamento (0,712), contorno-timing (0,719), andamento-timing (0,725), andamento-coerncia global (0,765),
timing-coerncia global (0,779).
Uma outra maneira de analisar a relao entre os parmetros atravs da anlise de
agrupamentos (clusters), que apresenta um escalonamento entre os parmetros em
estrutura hierrquica. A Figura 2 ilustra o dendrograma resultante da avaliao dos
rbitros, referente a parmetros investigados na performance do Anhang de Schumann.
Esse dendrograma sugere haver muito pouca proximidade entre a maioria dos parmetros avaliados. Entretanto, esses dados confirmam a proximidade entre contorno e coerncia global.
De posse desses dados, questionamos aos participantes a hierarquia entre os parmetros durante a preparao. Este questionamento resultou em coerncia entre
valor atribudo e grau mdio atingindo. A Figura 3 exemplifica a relao da hierarquia entre os parmetros segundo a perspectiva de um estudante de graduao (1
semestre) e as respectivas notas dos rbitros.
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116
De acordo com a Figura 3, existe tendncia decrescente entre a nota atribuda pelo
rbitro e a ordem relativa de relevncia atribuda pelo estudante em cada parmetro. Na justificativa, a estudante mencionou:
Parece-me que coerncia global envolve todos os outros critrios. Timing e contorno ajudam a justificar a escolha de andamento, dinmica e articulao. Ento,
eu acho que esses dois ltimos so tambm importantes. O andamento uma
ferramenta para a execuo, no a finalidade em si. Quantas vezes a mesma pea
executada em andamentos totalmente diferentes, mas bonita igual? (estudante de graduao C, 1 semestre).
Em continuidade ao tratamento desses dados, foi utilizado o escalonamento multidimensional (MDS), que um mtodo de estatstica inferencial exploratria, um
conjunto de procedimentos que utiliza, na elaborao de uma representao espacial da estrutura de relao, medidas de proximidade entre os parmetros (vide por
exemplo, Hair et al., 2009; Silva et al., 2009). O MDS tradicionalmente feito atravs de dados de similaridade (ou dissimilaridade) que indicam, atravs de medidas
numricas ou por ordenao, o quanto so prximos ou percebidos como semelhantes os objetos (estmulos) em estudo.
Este mtodo permite obter o mapa perceptual. Os dados dos escores dos trs rbitros, referentes performance do Anhang do Op. 12 de Schumann, foram submetidos a esse mtodo porque, nesse ponto da investigao, nossas inferncias
dependem mais da percepo dos rbitros do que de hipteses prvias. Assim, o carter Feurigst (ardente) foi analisado por MDS, conforme representao na Figura
4.
117
Realizao
Nesse tipo de tcnica estatstica multivariada exploratria, a interpretao das dimenses fica a cargo do pesquisador. A distribuio obtida por essa tcnica, no tocante dimenso da ordenada, revela trs grupos de parmetros com
distanciamento prximo: (i) Feurigst, dinmica e articulao; (ii) andamento, timing e gestos; (iii) coerncia e contorno. O conjunto desses trs grupos levou-nos
a sugerir que a ordenada (eixo Y) representa uma dimenso vinculada comunicao/percepo da expresso. Com relao dimenso da abscissa (eixo X), observa-se a proximidade entre carter Feurigst e andamento ou dinmica e contorno,
provavelmente revelando uma dimenso que busca descrever o grau de realizao
na performance.
Na Figura 4, os parmetros coerncia global e contorno foram os mais salientes
para os estudantes. Conforme estudos anteriores (Gerling et al., 2009), apesar do
potencial de expressividade, coerncia global parece ser um parmetro bem assimilado e menos dependente do nvel de expertise musical. Aparentemente, para
esse grupo investigado, a coerncia global est mais prxima do contorno do que os
demais parmetros, ou seja, o conjunto de alunos valorizou o delineamento de cada
uma das frases mais do que o contexto de sua execuo.
Consideraes Finais
Os estudantes aceitaram o desafio de preparar uma pea, sem auxlio do professor.
O contorno das frases parece estar bem assimilado por esse grupo de estudantes,
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mostrando ser menos dependente do nvel de expertise. Contudo, a maioria de estudantes teve um modesto grau de sucesso, uma vez que a grande maioria dos graus
atribudos pelos rbitros ficou numa faixa de 4 a 7. Uma das razes desse resultado
parece ser o pouco cuidado com a leitura de uma pea, e a tendncia de relativa dependncia de sugestes externas (professor) para avanar o aprofundamento da
compreenso musical. Esse grupo de estudantes parece ainda muito restrito resoluo de aspectos tcnicos ao longo da preparao. Alm disso, poucos foram
aqueles que buscaram informaes complementares durante a preparao da pea.
Considerando que o contorno parece ser um indcio de coerncia global, esses estudantes acabam no percebendo a importncia da deliberada manipulao de aspectos musicais de natureza expressiva (andamento, timing, articulao e dinmica,
por exemplo) ao refinarem suas concepes visando a coerncia global de obra em
preparao.
Agradecimentos
C.C. Gerling e R.A.T. dos Santos agradecem ao CNPq pelas bolsas PQ e Ps-Doutorado,
respectivamente.
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119
120
Resumo
nitiva da motivao e do destaque para os pensamentos, crenas e percepes individuais deste processo (Boruchovitch e Martini, 2004). Assim, sabemos que o
processo motivacional d incio, dirige e integra o comportamento, sendo um dos
principais determinantes do modo como uma pessoa se comporta. (Boruchovitch
e Martini, 2004, p.13).
Este processo pode ser entendido como uma seqncia motivacional que pode ser
explicada por diversas teorias da motivao, como, por exemplo, a teoria de metas,
auto-eficcia e expectativa-valor. A teoria que explica o fim da seqncia motivacional a teoria da Atribuio de Causalidade, desenvolvida por Heider em 1944
e tendo como principal terico Bernard Weiner (1985, 2004). A inteno desta
teoria mostrar como as situaes de sucesso e fracasso so interpretadas pelo sujeito da ao. Cabendo ao prprio sujeito julgar se foi uma situao de sucesso ou
fracasso.
A teoria da Atribuio de Causalidade integra o pensamento, o sentimento e a
ao (Boruchovitch e Martini, 2004, p.32) e para explicar resultados j obtidos
segue uma seqncia causal de acordo com o esquema a seguir:
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123
Utilizando a teoria da Atribuio de Causalidade, Austin e Vispoel (1992) investigaram as respostas de crianas de 5-8 anos frente a situaes hipotticas de sucesso e fracasso em msica. Essas crianas demonstraram melhores resultados
quando recebiam um feedback dos professores com novas estratgias de estudo do
que quando recebiam um feedback de habilidade.
McPherson (2004, p.229) diz que:
a atribuio de esforo para o sucesso melhor relacionado com o auto-conceito musical; estudantes que apresentam um baixo conceito em relao a msica tendem a no atribuir o resultado ao esforo enquanto os que apresentam
um auto-conceito moderado ou alto o atribuem.
Outra pesquisa foi realizada (Austin & Vispoel, 1998) com o objetivo de investigar as atribuies de causalidade de adolescentes para situaes de sucesso e fracasso
na aula de msica. Nesta pesquisa participaram 153 alunos de 12-13 anos de uma
escola nos Estados Unidos, que responderam que as causas para seu sucesso, em
ordem de importncia, so: influncia do professor, influncia dos pares, influncia da famlia, sorte, habilidade, metacognio, persistncia, esforo, estratgia, interesse e dificuldade da tarefa. J as causas para seu fracasso, em ordem de
importncia, so: influncia da famlia, habilidade, sorte, persistncia, estratgia,
dificuldade da tarefa, influncia dos pares, metacognio, interesse, influncia do
professor e esforo.
Esta pesquisa traz dados no tradicionais para as pesquisas de atribuio de causalidade, colocando causas como, por exemplo, influncia da famlia em evidncia,
dados estes que sugerem um aprofundamento em outras pesquisas.
O ensino superior abordado em pesquisas que utilizam a perspectiva atribucional.
Legette (2002) investiga os licenciandos em msica e conclui que as principais causas atribudas para o sucesso e o fracasso em msica so a habilidade e o esforo. As
atribuies de instrumentistas e de vocalistas so diferentes, mas ainda no se tem
dados suficientes para anlises mais aprofundadas. Hewitt (2004) realizou uma pesquisa com bacharelandos em msica sobre suas atribuies e auto-percepes em
performances musicais solo. Observou que a avaliao destas performances por
professores de fundamental importncia, pois os alunos tem um feedback de seu
desempenho.
Mtodo
Esta pesquisa ser quantitativa, com carter descritivo e exploratrio. Por se tratar
se uma pesquisa que estude o comportamento de seres humanos, o projeto seguir
as orientaes ticas prprias de pesquisa com seres humanos. Para isso os alunos
devero assinar o termo de Consentimento Informado.
Para a realizao deste projeto, o mtodo escolhido foi o Survey por ter a caracterstica e o objetivo de: descrever, explicar e explorar certa amostra (Babbie, 1999).
Este mtodo vem ao encontro do meu objetivo de pesquisa que pretende investigar as atribuies de causalidade assim como descrev-las. O Survey um mtodo
de pesquisa quantitativa que traz trs pr-requisitos: especificao exata do objetivo da pesquisa, a populao alvo e os meios disponveis para a realizao (Cohen
& Manion, 2007).
A escolha deste mtodo se d por atender a este pr-requisitos e por me proporcionar maior abrangncia na coleta de dados, uma vez que ser realizado um censo
com estudantes de diferentes instituies de ensino superior da regio Sul do Brasil.
Para este estudo, ser selecionada uma amostra no probabilstica de 150 alunos de
ambos os sexos, dos cursos de bacharelado em instrumento ou canto de universidades do estado do Rio Grande do Sul, que estejam matriculados a partir do terceiro
semestre de curso.
A escolha por alunos do curso de bacharelado se fez por ser este um momento de
formao profissional e de muitas escolhas e pesquisas mostram que por estarem na
fase adulta tem maior discernimento de causa, podendo atribuir mais corretamente
do que uma criana ou um adolescente. (Martini, 1997)
Para esta pesquisa ser utilizado um questionrio auto-administrado. Esta tcnica
me permitir a coleta de informaes, pois possibilita conhecer as causas e orientaes motivacionais do aluno. A escolha de um questionrio surge da possibilidade
que esta tcnica permite de coletar as informaes com rapidez e com respostas diretas.
O questionrio a ser utilizado ser a adaptao de dois outros questionrios j validados em Portugal (Sousa; Rosado; Cabrita, 2008) e nos Estados Unidos (Austin;
Vispoel, 1998). O primeiro analisa dados demogrficos, dados da situao em que
o sujeito ser remetido ao responder o questionrio e doze perguntas que analisam as trs dimenses da causa. O segundo analisa as atribuies de causa: habilidade, esforo, persistncia, estratgia, interesse, sorte, dificuldade da tarefa,
influencia do professor, influencia da famlia e influencia dos pares.
O questionrio est dividido em trs partes, a primeira referente aos dados demogrficos e informaes sobre a trajetria musical do bacharelando. A segunda referente a uma situao de sucesso em performance musical pblica solo e a terceira
em relao a uma situao de fracasso em performance musical pblica solo.
Foi realizado um Estudo Piloto, com o objetivo de testar o questionrio a ser utilizado na pesquisa. Participaram deste estudo 19 bacharelandos de instrumento ou
canto, matriculados a partir do terceiro semestre do curso. Aps a coleta, os dados
foram submetidos a uma anlise estatstica descritiva, que comprovou a validade e
adequabilidade das questes.
125
No momento, a pesquisa est em fase de coleta, obedecendo a seguinte ordem: contato com as universidades; contato com os alunos; procedimentos ticos e aplicao dos questionrios.
126
Aps o termino da coleta de dados, estes sero analisados atravs de clculos estatsticos bem como a literatura existente nas reas da motivao em msica, educao musical e prticas interpretativas.
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127
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[email protected]
Universidade Federal do Paran
1. Resumo
Em sua obra The Craft of Musical Composition, Paul Hindemith expe parte de seu sistema de composio. Hindemith dedica boa parte de seu livro harmonia e anlise dos
intervalos musicais, e cria um sistema sintetizado em uma tabela para analisar o grau de
dissonncia de um acorde qualquer. Nesta tabela, Hindemith cria 6 grupos, cada um com
dois ou trs sub-grupos, ordenados por grau de dissonncia. Com esta tabela seria possvel, teoricamente, analisar qualquer acorde baseado no nmero de intervalos dissonantes do mesmo. Hindemith no leva em considerao o espaamento entre as notas
do acorde, de acordo com sua tabela uma segunda d3-d# 3 teria o mesmo valor de uma
segunda d 3-d# 7. Porm, o espaamento entre as notas muda consideravelmente a
dissonncia ou consonncia de um intervalo, uma oitava d2-d7 soa ligeiramente mais
dissonante, do que uma segunda d2-d# 7 . Muitos compositores j se utilizaram desta
propriedade do espaamento suas obras, alguns exemplos so Prokofiev, nos primeiros
compassos de Aleksandr Nevskij, e Ligeti, no segundo e quinto movimento de Musica Ricercata. Em ambos os exemplos, intervalos de oitava soam quase dissonantes devido ao
grande espaamento entre as notas.
O objetivo deste trabalho analisar de que maneira o espaamento interfere na consonncia ou dissonncia de intervalos e investigar como a articulao do espaamento
pode complementar o sistema do Hindemith. Primeiramente foram detalhados alguns aspectos da teoria de Hindemith, que poderiam ser complementados com o uso do espaamento. Em seguida, foram abordados alguns conceitos da discusso da psicoacstica
a respeito das relaes de dissonncia e consonncia. Foi visto de que maneira idias
dos autores David Huron, Alexandre Torres, Richard Parncutt e Hans Strasburger ajudam a explicar a influncia do espaamento em relaes de consonncia/dissonncia. Em
seguida, foi discutido de que maneira as relaes de consonncia e dissonncia foram interpretadas ao longo da histria. A ltima parte deste trabalho advm da prpria composio musical. Foram utilizadas anlises de compositores que usaram o espaamento
em suas obras (Ligeti, Dallapiccola e Prokofiev) que tem a articulao do espaamento
como um elemento central. Por ltimo, foi discutido de que maneira a discusso da psicoacstica e da composio musical se aplicam ao sistema de Hindemith no que diz respeito articulao do espaamento.
Introduo
Em sua obra The Craft of Musical Composition,1 Hindemith expe parte de seu sistema de composio. Dedica boa parte de seu livro harmonia e anlise dos intervalos musicais. Para Hindemith, existe uma hierarquia natural dos intervalos, e
o valor de um intervalo musical determinado pelo agrupamento de seu som resultante2. Quando tocamos duas notas musicais em qualquer instrumento, sons
adicionais so gerados. Uma categoria deste sons adicionais so os sons da sria harmnica, a outra so os chamados sons resultantes3. Segundo Hindemith a freqncia do som resultante sempre igual a diferena entre as freqncias
diretamente produzidas pelos sons do intervalo4 Os sons resultantes so sons reais,
sujeitos as mesmas leis acsticas que sons convencionais, portanto produzem seus
prprios sons resultantes chamados de sons resultantes de segunda ordem. Teoricamente, existem sons resultantes de terceira ordem, quarta ordem, quinta ordem,
etc., porm estes sons vo ficando cada vez mais fracos e, na prtica, no se percebe
sons resultantes acima dos de segunda ordem. Hindemith conclui que, depois da oitava, a quinta justa o intervalo que tem uma relao mais estvel ou de maior valor
com seu som resultante. Os intervalos que se seguem so, em ordem de maior valor:
quarta justa, tera maior, sexta menor, tera menor, sexta maior, segunda maior, stima menor, segunda menor, stima menor. O trtono diferente de todos os outros intervalos, e s pode ser analisado conforme o contexto em que aparece.
Hindemith no muito claro em relao a o que maior ou menor valor significaria exatamente, dando a entender que o valor de um intervalo se relaciona com sua
estabilidade, consonncia e relao com a srie harmnica. Hindemith tambm
cria uma tabela5 de anlise de acordes, que teoricamente seria capaz de classificar
qualquer acorde em termos de dissonncia. O autor divide os acordes em acordes
com e sem trtono, e cria seis grupos (numerados com algarismos romanos) de acordes. Os acordes com nmeros pares (II, IV e VI) so os que contm trtono, e os mpares (I, II e V), os sem trtono. Quanto maior o nmero do acorde, mais dissonante
ele .
Estes grupos so: I acordes sem segundas ou stimas; II acordes com trtono,
sem segundas menores ou stimas maiores; III acordes com segundas e/ou stimas; IV acordes com trtono, com segundas menores e/ou stimas maiores; V
acordes indeterminados; VI acordes indeterminados com predominncia do trtono. Cada um destes grupos (com exceo dos grupos V e VI) possui 2 ou 3 subgrupos. Mais ser dito sobre os grupos e subgrupos adiante.
Hindemith no leva em considerao o espaamento entre as notas do acorde, de
acordo com sua tabela uma segunda d3- d# 3 teria o mesmo valor de uma segunda
d3-d# 7.6 Porm, o espaamento entre notas muda consideravelmente a dissonncia ou consonncia de um intervalo; uma oitava d2-d7 soa ligeiramente mais
dissonante do que uma segunda d2-d# 7. O prprio Hindemith, apesar de no
levar isto em considerao em boa parte de seu livro, reconhece o fenmeno:
Os intervalos no qual as notas esto separadas por distncias to grandes que
parecem ser transposies de oitava de quintas, quartas, etc., apresentam disposies de sons resultantes mais infelizes do que seus prottipos. [] At mesmo
129
130
Hindemith afirma ainda que quanto mais instvel for o intervalo mais rapidamente
ele perderia o seu valor medida que o espaamento aumentasse. Apesar de reconhecer que o espaamento influencia na relao consonncia/dissonncia de um intervalo ou acorde, Hindemith afirma que espaamentos to grandes acontecem
com pouca freqncia e podem-se tratar os intervalos espaados exatamente como
seus prottipos. Isto o suficiente para as necessidades prticas da composio musical8. No entanto, quem determina a freqncia em que estes intervalos espaados ocorre o prprio compositor, pois as necessidades prticas da composio no
so fixas.
Muitos compositores j se utilizaram desta propriedade para dar forma suas obras,
alguns exemplos so Prokofiev, nos primeiros compassos de Aleksandr Nevskij, e
Ligeti, no primeiro e segundo movimento de Musica Ricercata. Em ambos, intervalos de oitava soam quase dissonantes devido ao grande espaamento entre as notas.
Como j foi dito, o prprio Hindemith em The Craft of Musical Composition reconhece que intervalos consonantes ficam dissonantes caso o espaamento entre
as notas seja muito grande. Na mesma obra, Hindemith aborda vrios aspectos das
relaes de consonncia e dissonncia. Uma das idias fundamentais do sistema de
Hindemith a de que intervalos possuem uma nota fundamental9. Isto acontece
porque, segundo o autor, os sons resultantes de alguns intervalos reforam uma de
suas notas, seja em unssono ou uma oitava abaixo. Na oitava, os sons resultantes,
por serem mais graves, reforam a nota inferior do intervalo, Hindemith ento considera a nota inferior da oitava a fundamental. Na quinta justa, a fundamental
tambm a nota inferior, assim como na tera maior. Na sexta menor e na quarta
justa, a fundamental a nota superior do intervalo. Os intervalos de tera menor e
sexta maior no produzem nenhum som resultante que reforcem qualquer uma de
suas notas por oitava ou unssono: os sons resultantes de primeira ordem produzidos na tera menor tem uma relao de quinta justa duas oitavas abaixo com a nota
mais aguda do intervalo, e na sexta maior uma relao de quinta justa com a nota
mais grave do intervalo, sendo o som resultante a nota grave da quinta. Os intervalos formados pelos sons resultantes de segunda ordem so os mesmos em ambos
os casos, s que uma oitava acima. Hindemith argumenta que mais vantajoso tratar os intervalos de tera menor e sexta maior como tratamos os de tera maior e
sexta menor, e que isto se torna um problema apenas quando estamos escrevendo
msica a duas vozes. Algo parecido ocorre com as segundas e stimas: no faz diferena quais das notas consideramos a fundamental. Os sons resultantes no apontam para concluses definitivas10. Hindemith considera a nota superior como a
fundamental das segundas e a nota inferior como fundamental das stimas. O que
leva ele a estas concluses so motivos histricos, j que nossos ouvidos esto acostumados com a nota superior das stimas resolvendo de forma ascendente na tnica,
assim como a nota inferior das segundas. O curioso que Hindemith, mesmo
usando argumentos da acstica para justificar a existncia das fundamentais em intervalos, sempre usa como prova final a histria da msica e a nossa prpria escuta.
Para Hindemith, assim como intervalos possuem fundamentais, todo acorde possui uma fundamental. A fundamental do acorde no sistema de Hindemith no tem
nenhuma relao direta com a fundamental de acordes no sistema de Rameau. Segundo o autor:
Se h uma quinta justa no acorde, ento a sua nota inferior a fundamental do
acorde. Assim como a nota inferior de uma tera ou stima (na ausncia de qualquer intervalo melhor) a fundamental do acorde. De forma oposta, se uma
quarta, sexta ou segunda for o melhor intervalo do acorde, ento a sua nota superior a fundamental do acorde.11
131
132
O termo rugosidade18 foi criado por Hermann Helmholtz, e se refere a uma certa
aspereza presente em sons dissonantes. O termo, de acordo com Alexandre Porres,
faz uma analogia com a sensao ttil, e diz respeito a percepo de pequenas irregularidades no som19. Um som livre de rugosidade , na msica ocidental, quase
sempre considerado um som consonante. Fisicamente, a rugosidade flutuao de
amplitude, e a taxa de flutuao de amplitude entre dois sons dada pela diferena
em Hertz entre eles. Taxas abaixo de 20Hz produzem variaes de amplitude lentas, percebidas como batimentos, e flutuaes mais rpidas so responsveis pela
sensao de rugosidade, e ocorrem para uma diferena em freqncia entre 20Hz
e um valor que varia de acordo com o registro da escuta.20 Estas flutuaes rpidas
esto presentes em sons dissonantes no s entre as freqncias das notas fundamentais, mas tambm entre os harmnicos. Quando o espao entre as freqncias
grande o suficiente para no ocorrem flutuaes de amplitude ou quando os harmnicos entre dois sons coincidem, temos a consonncia sensorial. A presena de
rugosidade implica em dissonncia sensorial, mas a dissonncia sensorial no a
nica forma de dissonncia. De acordo com James Tenney, dissonncia e consonncia significaram pelo menos cinco coisas diferentes ao longo da histria da msica ocidental.21 O autor chama essas diferentes percepes de consonncia e
dissonncia de Conceito de Dissonncia e Consonncia 1, 2, 3, 4 e 522 (ou CDC-1,
2, . . .).
O CDC-1 diz respeito dissonncia/consonncia monofnica ou meldica, sons
consonantes so aqueles que so afinveis melodicamente por possurem uma conexo ou relao forte23. O conceito vem da Grcia antiga, porm ecos dele esto
presentes nas harmonias do sculo XVIII, nos saltos de quarta e quinta justa do
baixo e at nas idias de Hindemith quando ele afirma que as oitavas, quartas e
quintas so intervalos que possuem mais valor que os outros.24 Richard Parncutt
e Hans Strasburger25 tambm remetem ao CDC-1 quando dizem que os acordes
criam relaes entre si devido a similaridades entre alturas26 de ambos. Para os autores, existem outras duas formas de acordes criarem relaes entre si: a proximidade das fundamentais dos acordes no ciclo das quintas e os dois acordes
pertencerem a uma mesma tonalidade historicamente definida. Segundo os autores, o problema da primeira hiptese que, muitas vezes, acordes que tm uma relao forte entre si tm fundamentais bastante ambguas, e o problema da segunda
que ela no explica relaes entre acordes em um contexto atonal e/ou extremamente cromtico. A terceira forma seria a da similaridade entre alturas: percebemos
133
134
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136
Nos primeiros compassos de Aleksandr Nevskij (figura 3)38 temos mais uma vez oitavas dissonantes. O tema introduzido pela madeiras, metais e cordas, e o reforo
harmnico e falta de coincidncia entre harmnicos gerados pelo espaamento
entre as notas to grande que gera uma textura dissonante. O trecho foi composto
como trilha sonora do filme de mesmo nome e aparece logo na primeira cena, que
mostra a Rssia medieval sob o jugo mongol.
As consonncias imperfeitas (teras, quartas e sextas) sofrem mais ou menos as
mesma transformaes que as perfeitas quando so espaadas. A fuso tonal destes
intervalos menor que a das oitavas e quintas, e com espaamentos de duas ou trs
oitavas ele j comeam a ser percebidos como dissonantes. As segundas e stimas so
intervalos que apresentam grande dissonncia sensorial, e o que mais chama ateno neles alta rugosidade e a ausncia de fuso tonal. Quando espaamos segundas (menores ou maiores) de uma oitava, a flutuao de amplitude causado pela
diferena de freqncia das fundamentais desaparece, e temos a flutuao apenas
nos harmnicos. Quando as espaamos de duas oitavas, a rugosidade ainda menor,
e depois de aproximadamente quatro oitavas, as flutuaes de amplitude esto presentes apenas na relao entre a fundamental da nota superior do intervalo e os
harmnicos superiores da nota inferior. Nestas condies, percebemos as segundas
como quase consonantes. O estranhamento causado pelas oitavas espaadas, sem
alinhamento de harmnicos maior que o causado por segundas sem flutuao de
amplitude, e faz com que as segundas sejam percebidas como menos dissonantes
que oitavas, desde que ambos os intervalos estejam bastante espaados. As stimas,
por serem inverses das segundas, se transformam da mesma maneira com o aumento do espaamento. O trtono, por soar consonante em contextos dissonantes
e dissonante em contextos consonantes, tem uma relao diferente com o espaamento. O trtono perde parte do seu impacto quando espaado, mas a natureza
deste impacto e o quo espaado ele precisa estar dependem completamente do
contexto em que aparece.
137
138
O grupo III formado por acordes com segundas e/ou stimas, sem trtono. subdivido em III1 e III2, sendo que em III-1 o baixo e a fundamental so idnticos e em
III2 a fundamental fica acima do baixo. Para Hindemith estes acordes so speros,
dependentes da melodia e difceis de conectar com outros acordes42. Quando igualmente espaados, os acordes do subgrupo III2 tem estas caractersticas mais ressaltadas que os do subgrupo III2. Uma vez que aumentamos o espaamento entre as
notas, a dissonncia das stimas e segundas amenizada, e um acorde espaado do
subgrupo III2 soa menos spero que um acorde no espaado do subgrupo III1.
O grupo IV formado por acordes com qualquer nmero de stimas maiores, segundas menores e trtonos, e novamente subdividido em IV1 (fundamental e
baixo idnticos) e IV2 (fundamental acima do baixo). Segundo Hindemith, este
acordes so altamente coloridos e expressivos, e quando possuem um menor nmero de notas so mais estveis e se tornam mais fceis de encadear com outros
acordes43. Alm de diminuir o nmero de notas, outra maneira de domar estes acordes seria espaar as notas dissonantes presentes e aproximar as consonantes, aumentando a fuso tonal e diminuindo a rugosidade. As relaes entre IV1 e IV2 se
modificam com o espaamento da mesma maneira que os acordes dos grupos III1
e III2.
Por ltimo temos os acordes dos grupos V e VI. Estes grupos so formados por
acordes com sobreposies de intervalos iguais. O grupo V contm acordes sem trtono, e fazem parte deste grupo acordes com duas teras maiores sobrepostas (e
conseqentemente uma quinta aumentada) sem nenhum dobramento (p. ex dmi-sol#) e acordes com duas quartas sobrepostas sem nenhum dobramento (p. ex.
d-f-si b), com apenas a nota superior da quarta inferior dobrada (p. ex. d2-f3-f4si b4), ou com a nota mais aguda dobrada acima ou mais grave abaixo (p. ex. d2d3-f3-si b3 e d2-f2-si b2-si b3). Apesar do primeiro acorde conter uma sexta menor
(quinta aumentada) a fundamental no pode ser definida, segundo Hindemith,
pelo fato das notas da sexta menor estarem presentes em todos os intervalos do
acorde; o mesmo acontece com as quartas justas do segundo acorde.44 O grupo VI
contm acordes indeterminados com o trtono predominante, e os nicos acordes
deste grupo so os formadas por sobreposies de duas ou mais teras menores e,
usando a terminologia da harmonia tradicional, suas possveis inverses. Dada a
natureza incerta dos acordes dos grupos V e VI, difcil generalizar como o aumento do espaamento os altera. Dobrando as quartas no extremo agudo e ou extremo grave nos acordes do grupo V conseguimos deix-lo comparativamente mais
dissonante, e espaando as teras dos acordes do grupo VI conseguimos o mesmo
efeito.
Outro elemento fundamental do pensamento harmnico de Hindemith a relao entre as vozes extremas. Segundo o autor, para que a msica fique clara e inteligvel os contornos de sua moldura a duas vozes precisam ser limpos e planejados
139
140
com a superfcie se mantm o mesmo durante todo o movimento, ou ele pode ser
empurrado de forma abrupta de forma que o lado que encosta na superfcie est
constantemente variando. O segundo tipo de movimento corresponde a mudanas na gravidade harmnica.49
Para o autor, impossvel ter-se algum tipo de flutuao harmnica com acordes do
mesmo grupo. Porm, mudanas no espaamento, desde que um tanto extremas,
conseguem causar forte flutuao harmnica, e servir como intermdio para
transies que seriam abruptas, como de acordes do grupo III a acordes do grupo
VI. Hindemith no cria muitas regras ou procedimentos padres para a flutuao
harmnica, e este um dos poucos assuntos que o autor evita fazer generalizaes.
Uma das poucas generalizaes que faz com mais convico que os acordes indeterminados dos grupos V e VI introduzem um elemento de incerteza . . . a introduo de acordes indeterminados como um passo em direo lama ou areia
movedia.50
Uma maneira um pouco mais segura de se realizar progresses com acordes destes
grupos aproximando os intervalos que possuem mais fuso tonal e espaando os
intervalos mais dissonantes. No primeiro movimento de Musica Ricercata temos
um exemplo de flutuao harmnica atravs de mudanas no espaamento, e nos
compassos 5 e 6 de Quartina temos um exemplo claro do espaamento amenizando
o que seria, de acordo com o sistema de Hindemith, uma flutuao harmnica desajeitada.
Alm da flutuao harmnica, existem mais trs aspectos do pensamento harmnico de Hindemith que podem ser alterados com o espaamento: as progresses
das fundamentais, acordes arpejados e centros tonais. Hindemith afirma que em
progresses harmnicas deve-se sempre estar atento aos intervalos formados pelas
fundamentais dos acordes,51 e que quando as fundamentais progridem em intervalos de quinta ou quarta justa, elas so mais valiosas52 (termo do autor) que progresses de stima53. O trtono, por ser um intervalo que tem uma presena
facilmente identificvel, tende a criar tenso quando usado em progresses de fundamentais. Espaando as fundamentais de acordes diferentes conseguimos amenizar as caractersticas especficas de cada intervalo.
Os centros tonais e acordes arpejados esto bastante relacionados. Quando escutamos as notas d-mi-sol sendo tocadas sucessivamente, passamos a escutar esta seqncia de notas como harmonia, e a nota d como sendo o cento tonal, devido ao
d ser a fundamental da quinta justa d-sol.54 Em alguns casos, como no baixo de
Alberti, o acorde formado e seu centro tonal so bvios, mas em outros as relaes
entres as notas no so to claras. Hindemith sugere vrias maneiras de se criar centro tonais. Uma delas criando acordes quebrados nas progresses das fundamentais, e quanto mais consonante for o acorde criado pelas fundamentais, menos
ambguo ser o centro tonal. Outra maneira resolver progresses de acordes com
trtono (grupo B) em acordes sem trtono (grupo A), fazendo com que a fundamental do acorde do grupo A seja o centro tonal55. Variaes no espaamento poderiam ser usadas para enfraquecer a fora tonal dos acordes dos grupos I. Tambm
podem ser usadas para deixar o trtono, intervalo que segundo Hindemith quase
sempre requer algum tipo de resoluo, menos presente. As discusses sobre centros tonais e acordes arpejados tm pouco utilidade no mbito terico, e as maneiras que o espaamento poderia complementar estes conceitos s podem ser
descobertas atravs da prtica da composio musical.
A Acordes sem Trtono
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a. Com uma stima menor apenas (sem segunda maior) Fundamental coincide com o baixo
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b. Contendo segundas maiores ou stimas menores ou ambas Fundamental coincide com o baixo
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IV. Contendo segundas menores ou stimas maiores ou ambas um ou mais trtonos subordinados
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2. Fundamental acima do baixo
V. Indeterminado
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Consideraes finais
Alguns autores, apesar de considerados importantes para as discusses sobre consonncia e dissonncia no sculo XX, foram deixados de lado. Este autores no
foram abordados por discutirem os conceitos de dissonncia e consonncia, na
maior parte das vezes, fora de qualquer contexto musical. O principal destes Hermann Helmholtz, um dos fundadores do CDC-5. E sua obra On the Sensation of
Tone, ele inaugurou as discusses sobre dissonncia sensorial e rugosidade ao afirmar que a dissonncia mxima de um intervalo surge quando temos uma diferena
de 40 Hz entre as fundamentais56. Reiner Plomp e Wilhelm Levelt ampliaram as
discusses sobre rugosidade ao afirmar que, como a banda crtica tem tamanhos diferentes conforme a tessitura, a diferena mnima e mxima (em hertz) entre fundamentais necessria para que haja dissonncia sensorial no fixa. Os autores
afirmam que a dissonncia sensorial mxima ocorre quando intervalos esto sepa-
141
rados por de banda crtica57, que corresponde 30-40Hz apenas na regio entre
500Hz e 1000Hz58.
142
8 Idem, 75. . . . handle the spread intervals exactly like their close prototypes. This is quite
sufficient for the practical purposes of composition.
9 Idem, 68-72.
10 Idem, 79. . . . it makes no difference which of the tones we take as the root. The combination tones do not point to definitive conclusions.
11 Idem, 97. If there is a fifth in the chord, then the lower tone of the fifth is the root of the
chord. Similarly, the lower tone of a third of a seventh (in the absence of any better interval) is the root of the chord. Conversely, if a fourth, or a sixth, or a second is the best interval of the chord, then its upper tone is the root of the chord.
12 Idem.
13 Idem, 98. take melodic influences . . . into account, rather than to rely exclusively upon
harmonic analyses.
14 Idem, 100.
15 Diether de la Motte, Armona. Trad. Luis Romano Haces (Barcelona: Idea Books, 1998),
276.
16 Idem.
17 Panteleimon Nestor Vassilakis, Perceptual and Physical Properties of Amplitude Fluctuation and their Musical Significance (tese de doutorado, Universidade da Califrnia,
2001), 271-272. Consonance and dissonance are multidimensional concepts describing
the degree of pleasantness/annoyance of a sound, or the degree to which a sound fits to other
sounds within a larger musical context. The primary acoustical cue determining consonance/dissonance is the absence/presence of roughness respectively . . . Within the Western musical tradition, the presence of roughness is equivalent to acoustic or sensory
dissonance.
20 Idem, 30.
21 Tenney, 4.
22 Do ingls Consonance and Dissonance Concept.
23 Em ingls relatedness.
24 Tenney, 16.
25 Richard Parncutt e Hans Strasburger, Applying Psychoacoustics in Composition: Harmonic Progressions of Non-harmonic Sonorities Perspectives of New Music, 32, No 2
(1994): 88-129.
32 Tenney, 39-44.
33 Idem, 65-56.
34 Idem, 87.
35 Maurcio Dottoti, Sonate fr Pianoforte, 2006.
36 Valentina Daldegan, comunicao oral, 30 de julho, 2009.
37 Gyrgy Ligeti, Musica Ricercata (Londres: Schott), 1995.
38 Sergei Prokofiev, Alexander Nevsky in Four Orchestral Works, ed. Lewis Roth (Nova
Iorque: Dover Publications, 1974), 281-444.
143
40 Hindemith, 104.
41 Uma exceo a regra quando temos um acorde com muitas notas, em que a nota mais
144
grave e a mais aguda do acorde esto bastante espaadas, entre as duas existem muitas outras
notas.
42 Hindemith, 103.
43 Idem.
44 Idem, 104.
45 Idem, 114. . . . to sound clear and intelligible, the contours of its two-voice framework
must be cleanly designed and cogently organized.
46 Idem. . . . add strength and tension to two-part writing; yet their continuous use would
dull the ear and make it insensible to the subtler charms of the more satisfactory intervals.
51 Idem, 121-123
52 Valioso neste contexto se refere mais clareza das progresses do que ao valor musical.
53 Idem.
54 Idem, 132.
55 Idem, 132-136.
56 Hermann L. F. Helmholtz, On the Sensation of Tone, trad. Alexandre J. Ellis (Londres:
Longmans, Green and Co., 1895), 171.
57 Reiner Plomp e Wilhelm Levelt, Tonal Consonance and Critical Bandwidth, Journal
of the Acoustical Society of America (1965): 560.
58 Uma tabela completa com os diferentes tamanhos da banda crtica est disponvel em
Porres, 33.
Referncias
Hindemith, Paul. The Craft of Musical Composition. Londres: Schott, 1945.
Huron, David. Tone and Voice: A Derivation of the Rules of Voice-Leading from Perceptual Principles, Music Perception, 19, No2 (2001):1-64,Hermann L. F. Helmholtz. On
the Sensation of Tone, trad. Alexandre J. Ellis. Londres: Longmans, Green and Co., 1895.
Motte, Diether De la. Armona. Trad. Luis Romano Haces. Barcelona: Idea Books, 1998.
Parncutt, Richard e Hans Strasburger. Applying Psychoacoustics in Composition: Harmonic Progressions of Nonharmonic Sonorities. Perspectives of New Music, 32, No 2
(1994): 88-129.
Plomp, Reiner e Wilhelm Levelt, Tonal Consonance and Critical Bandwidth. Journal of
the Acoustical Society of America (1965): 548-560.
Tenney, James. A History of Consonance and Dissonance. Nova Iorque: Excelsior Music,
1998.
145
146
Alexandro Andrade
[email protected]
Universidade do Estado de Santa Catarina
Resumo
Este ensaio trata de parte da pesquisa ao pianstica e coordenao motora relaes
interdisciplinares que considera o movimento corporal o ato motor como o elemento
meio que possibilita a realizao msico-instrumental. Situaes tcnico-musicais em que
so necessrios deslocamentos de mdia e longa distncia ocorrem com frequncia na
ao pianstica. Partindo-se da premissa de que determinados movimentos complexos
podem ser simplificados em sua concepo inicial, prope-se, como estratgia tcnicocognitiva de otimizao da ao pianstica a ser utilizada durante a prtica, a simplificao do movimento por reduo de distncias (SMRD) entre eventos musicais aplicada
em correspondncia com os ciclos de movimento (Pvoas, 1999; 2002) como recurso
tcnico-pianstico de flexibilizao corporal. So objetivos deste trabalho: 1. investigar a
coordenao motora relacionada a correo, durao e eficincia do movimento pianstico; 2. descrever e analisar as relaes tericas e aplicadas entre situaes de desempenho msico-instrumental e o recurso SMRD. O mtodo interdisciplinar, revisando
a literatura sobre tcnica pianstica, neuromotricidade, psicomotricidade, aprendizagem e
controle motor, psicologia do esporte e biomecnica, subreas da cincia do movimento
humano. Um estudo emprico, de abordagem qualitativa e quantitativa com pianistas jovens e experientes ocorrer, utilizando anlise qualitativa de imagem e quantificao dos
movimentos realizados atravs de tcnicas biomecnicas e videogrficas. Os estudos e
anlises iniciais permitem antecipar que h benefcios para o desempenho global do pianista durante a prtica instrumental quando: a) movimentos utilizados so previamente planejados em funo do texto musical; b) ocorre orientao tcnica voltada otimizao
da coordenao motora atravs do seu aprimoramento. As conexes resultantes do dilogo interreas constituem-se num campo de investigao aberto para a rea da teoria
e prtica interpretativa em msica.
Palavras-chave
Ao pianstica; tcnica; cognio; simplificao do movimento; desempenho motor;
controle motor e aprendizagem.
Apresentao
A pesquisa ao pianstica e coordenao motora relaes interdisciplinares e
seus desdobramentos tiveram sua origem no pressuposto de Garhammert (1991:
183) de que o desempenho humano a expresso de vrios componentes deno-
minados fatores do desempenho, que so interdependentes. A coordenao motora um desses fatores e intervm diretamente na ao pianstica, cuja operacionalizao ocorre por meio do movimento corporal, uma ao fsico-motora.
Neste trabalho, parte da referida pesquisa, trata-se sobre a simplificao do movimento por reduo de distncias (SMRD) entre eventos musicais (notas no sentido
vertical) e sua aplicao como estratgia tcnica musical na prtica pianstica de situaes musicais especficas. Prope-se utiliz-la como estratgia auxiliar dos ciclos
do movimento (Pvoas 1999, 2006). Os objetivos concentram-se na investigao
terica sobre o fator do desempenho coordenao motora, relacionada a correo,
durao e eficincia de movimentos, na realizao de conexes terico-prticas
entre aspectos relacionados SMRD nos ciclos de movimento e sua aplicao na
ao pianstica.
Contexto
O contexto terico refere-se a abordagens da rea pianstica e de reas que tratam
do movimento humano em pressupostos que nos permitem estabelecer conexes
entre a ao pianstica e a coordenao motora, com vistas proposta de que movimentos complexos podem, em sua concepo inicial, ser simplificados.
Dentro de uma concepo espacial de organizao de movimentos ao piano, postula-se que possam ser otimizados se levarmos em conta a ocorrncia de padres, o
nvel de regularidade entre eles (Bayle 1985; Fink 1995), a velocidade prevista, a
possibilidade de agregar o um maior nmero de eventos por intervalo de tempo
dentro de conjuntos de movimentos encadeados em ciclos e que a realizao sonora
de eventos ocorre na continuidade do texto musical durante a execuo instrumental. (Deppe, in Kochevitsky 1967; Matthay 1912, 1985; Fink 1995, 1997).
Nesse contexto, aplica-se investigao por estratgias de estudo para uma prtica
pianstica mais saudvel. Na rea do controle motor, a simplificao do movimento
tratada como um tipo de prtica parcial no treinamento de determinadas habilidades, para que a dificuldade em algum aspecto da tarefa-alvo seja reduzida.
(Schmidt & Wrisberg 2001).
A reduo do tempo de um movimento e a certeza de realiz-lo minimizando o
gasto de energia so qualidades de proficincia motora determinantes para o seu
sucesso (Schmidt & Wrisberg 2001). Atos voluntrios transformados em automatismos so reflexos de hbitos adquiridos, produto final da aprendizagem motora.
Do ponto de vista da execuo instrumental, a aquisio e posterior reorganizao
dos hbitos (Kaplan 1987: 45) esto na base da construo da tcnica. A individualizao de movimentos discretos e sua posterior reorganizao constituem-se
em hbitos motores essenciais execuo de movimentos complexos. Esse tipo de
treinamento eficaz porque simplifica conceitos intelectuais e a coordenao motora. (Knapp 1989; Magill 2000; Schmidt & Wrisberg 2001).
147
148
curso ascendente,
a: cncava e b: convexa.
1b
Para a realizao de escrita musical inversa anterior, aconselhvel iniciar a execuo de uma posio mais alta dos segmentos, para abaix-los na medida em que
a sonoridade deve aumentar. Nesse caso, o sentido das linhas que orientam os segmentos segue a trajetria conforme mostrado na Figura 2a e 2b.
2a
2b
percurso descendente,
a: cncava e b: convexa.
Mtodo
Experimento biomecnico dever ser realizado, com a aquisio de imagens de movimentos realizados por pianistas (sujeitos) durante a execuo de trecho musical
selecionado, anlise de dados obtidos e comparao dos resultados entre dois grupos: experimental (GE) e controle (GC). Como mtodo de anlise utilizar-se- a
cinemetria que conta com software para captao de imagens e posterior anlise de
dados biomecnicos, fornece resultados matemticos e permite acompanhar a trajetria de movimentos nas coordenadas x, y e z. O experimento ser realizado no Laboratrio de Biomecnica do Centro de Educao Fsica, CEFID-UDESC.
A Populao de sujeitos (Ss) ser de alunos dos cursos de Bacharelado em Instrumento-Piano e Ps-Graduao do CEART/UDESC. Todos devero assinar termo
de consentimento permitindo o uso das imagens e resultados em pesquisa cientfica. O protocolo experimental seguir o seguinte roteiro: entrega de cpia da partitura do tude XII de Debussy, Pour les Accords; orientao inicial em data comum
para os grupos: rotina de 15 a 20 minutos de treinamento dirio do preldio, com
destaque aos trechos analisados e andamento final entre 63 e 66 a semnima; o GE
ser orientado pelo grupo de pesquisa em oito sesses de 40 minutos em mdia,
para o estudo do trecho musical selecionado que ser executado durante o procedimento experimental; o GC ser instrudo a trabalhar utilizando-se de seus prprios critrios, com possibilidade de orientao.
Em cada sesso o GE dever seguir uma rotina de dez minutos para praticar exerccios respiratrios, de alongamento (membros superiores) e de conscincia corporal (tenso-relaxamento) com a finalidade de desenvolver uma conscincia do
relaxamento e tenso muscular relativos; cinco minutos para discusso sobre a prtica relacionada proposta; vinte minutos para treinamento de um trecho musical
conforme modelo seguinte (Figura 3). A Figura 3 ilustra um dos trechos do citado
estudo, compassos [1]-[5], onde se aplica o recurso SMRD entre eventos1 com o objetivo de dar mais comodidade que os deslocamentos para realiz-los, sempre observando os detalhes de articulaes e com menor dispndio de energia fsica.
Assim como em muitas outras obras, no caso do estudo em destaque as figuraes
musicais so repetidas, razo pela qual necessrio planejar e utilizar procedimen-
149
150
tos que objetivem a sua realizao, antecipando novos progressos e com direta influncia na segurana do executante. Como uma das etapas na construo da primeira parte do estudo, para a construo de um ciclo mais funcional as distncias
podem ser reduzidas com a execuo da(s) oitava(s) na mesma altura do(s)
acorde(s) ou suprimindo-se a nota superior da oitava (m.d.) e inferior (m.e.). A segunda colcheia, nota L da pauta inferior, pode ser executada com o terceiro dedo;
da pauta superior com o quinto e, em uma segunda etapa, ambas com o primeiro
dedo.
Resultados Preliminares
Um experimento foi realizado em condies equivalentes ao que ora propomos
neste trabalho. A Figura seguinte (2) ilustra o trecho musical utilizado no experimento que contou com a participao de dez sujeitos divididos em dois grupos de
cinco, GE e GC. Para planejar os ciclos, foi aplicado o SMRD por supresso da oitava superior, conforme Figura 4 (modelo 1a). Neste ensaio foram levantados dados
das imagens obtidas dos movimentos realizados pelos sujeitos durante a execuo
pianstica dos compassos [15]-[17] do Preldio 18 de Chopin. A realizao das
quatro colcheias inicia a partir de um movimento de baixo para cima, ou seja, segue
no sentido de um deslocamento dos segmentos no sentido cncavo para cima e
para a direita, executando-se os dois acordes, seguido por outro movimento ou
queda para baixo em direo oitava acentuada (acento >). Do apoio nas colcheias
d-se um novo impulso e do aproveitamento deste vai ser executado o prximo
acorde em stacatto (.), seguindo-se um novo ciclo.
151
152
Figura 7 Ciclos de movimento e grfico de trajetrias: punho e metacarpo direitos de sujeito do GE, eixo x, (modelo 1b). Fonte: Chopin (1996, p.37).
Preldio 18 (compassos [15]-[17]).
153
mo direita.
Uma comparao entre os grficos permite dizer que o GC realizou mais interrupes de movimentos, sobretudo ao final do trecho musical quando os gestos
para a direita e para a esquerda so bastante interrompidos. O GE manteve maior
continuidade dos movimentos. O aproveitamento do impulso pode melhorar o
desempenho da execuo devido possibilidade de aumentar a velocidade durante
os deslocamentos. possvel observar que a trajetria do GE foi mais homognea,
podendo significar um percurso no eixo X (extenso do teclado) mais objetivo e
econmico. O grfico do GC apresenta maiores oscilaes, que podem significar
ao menos econmica do movimento.
No Quadro 1, as mdias por segmento e por grupo: na primeira coluna os segmentos; nas trs seguintes, as mdias do GC nas coordenadas x, y e z; e nas demais
colunas esto descritas as mdias das trajetrias percorridas pelo GE. Os resultados quantitativos indicam um desempenho do GE mais eficiente, com menores valores nas mdias dos eixos e segmentos, com significativa diferena nas trajetrias
em seu favor.
Quadro 1 Mdias por segmento e por grupo (GC e CE) nas coordenadas x, y e z.
Ensaio 2
154
Concluses Parciais
Os argumentos tericos aqui levantados, bem como as correlaes empricas realizadas, permitem antecipar que movimentos utilizados durante a prtica pianstica
quando previamente planejados em funo do texto musical, podem beneficiar o
desempenho global do pianista. A considerao de aspectos inerentes coordenao, aliada aplicao da SMRD e em conexo com os ciclos na prtica instrumental, em suas fases de treinamento e de desempenho, pode melhorar a eficincia das
habilidades tcnico-musicais, beneficiando o desempenho global do pianista.
A pesquisa, formulao e aplicao de recursos tcnicos em situaes especficas de
execuo auxiliam no desenvolvimento de estratgias de treinamento e ampliam
as possibilidades de melhoria no desenvolvimento tcnico e musical do pianista. O
recurso SMRD uma estratgia que pode auxiliar o sistema nervoso central a criar
referncias atravs da aproximao entre eventos originalmente distantes entre si.
Os modelos apresentados podem servir para realizar situaes tcnico-musicais
equivalentes ou, a partir deles, organizar novas propostas.
Os resultados tm permitido tambm avaliar aspectos interdisciplinares relacionados ao controle, aproveitamento e aprimoramento de movimentos, no sentido de
torn-los mais objetivos. Podero ainda contribuir para maior ateno, conscincia e eficincia da execuo, melhor rendimento do estudo em termos de tempo,
com menor desgaste fsico-muscular e aumento do ndice de desempenho. Para as
prticas interpretativas em msica, o dilogo interreas e as conexes dele resultantes constituem-se em msica num amplo campo de investigao.
Referncias
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Padres de pensamento:
aplicao da Tcnica Alexander execuo musical
Yara Quercia Vieira
156
[email protected]
Departamento de Msica, Centro de Artes e Letras
Universidade Federal de Santa Maria
Resumo
A Tcnica Alexander considerada auxiliar na busca de procedimentos eficientes do
uso do corpo em campos ligados execuo musical. Diversos artigos foram escritos
por professores da Tcnica que trabalharam com msicos ou por profissionais da msica
que buscaram auxlio na Tcnica. Grande parte dos artigos encontrados na literatura
trata de relatos de experincias individuais. Apesar de serem de algum interesse, o leitor
no consegue extrair destes relatos aplicaes teis ao seu desempenho. Estes artigos
concentram-se em relatar a sensao fsica libertadora que imediatamente vivida por
msicos em seu primeiro contato com a Tcnica Alexander. Alm disto, esta experincia estaria vinculada assistncia de um professor treinado na Tcnica. Ben-Or (1987)
afirma que focalizar a atuao da Tcnica Alexander na sensao de leveza e facilidade
na execuo uma maneira simplista de ver o uso da Tcnica aplicada execuo musical. Seu artigo traz luz princpios da Tcnica Alexander que possibilitam a aplicao
de disciplina mental que leva a uma melhor execuo. Jones (1967) destaca que a Tcnica Alexander trata principalmente da no diviso de mente e corpo assim como de
corpo e ambiente. Ressalta o hbito entre msicos de automatizar a execuo, alienando a mente da tarefa, o que tornaria a interpretao estereotipada e inconsciente,
portanto incapaz de mudar. Afirma, ainda, que o melhor estado para a execuo musical alerta e desperto. Neste estado a percepo e a propriocepo acontecem simultaneamente. Segundo Jones, a ferramenta para atingir este estado seria a Tcnica
Alexander. Com base nestes autores, conclumos que o uso da Tcnica como motivadora do estado de conscincia plena da atividade musical (e no apenas seus benefcios
fsicos) seria a melhor maneira de aplic-la execuo musical.
Introduo
A Tcnica Alexander tem sua popularidade associada idia de eficincia e conforto na execuo de qualquer tarefa fsica. Em reas em que o aprimoramento requer dedicao intensa e demanda psicomotora, como na rea da execuo musical,
a possibilidade de otimizar procedimentos imensamente atraente. Se considerarmos a enorme competio e a busca pelo aumento de qualidade do desempenho
dos artistas, a possibilidade de trabalhar intensamente sem danos fsicos se torna
fator determinante de sobrevivncia.
No campo da execuo musical, o interesse pela Tcnica Alexander e suas possibilidades pode ser verificado pelo nmero de artigos disponveis que tratam da apli-
cao da Tcnica Alexander performance musical. A revista Direction, especializada em tcnica Alexander, publicou em setembro de 1991 um nmero inteiro
dedicado aos msicos. Em 1992 foi publicado pela N.A.S.T.A.T. (Associao
Norte-Americana de Professores de Tcnica Alexander) um ndice comentado intitulado From Stage Fright to Seat Hight que cobre o perodo entre 1907 e 1992 e
apresenta textos sobre Tcnica Alexander associada prtica da msica. Atualmente diversos artigos encontram-se disponveis em pginas especializadas na internet (no site www.alexandertechnique.com/musicians.htm encontram-se 43
artigos).
Grande parte dos artigos encontrados na literatura trata de relatos de experincias
individuais. Quem escreve so msicos que do seu testemunho dos benefcios sentidos aps uma srie de sesses com professores de Tcnica Alexander, ou so professores relatando seu trabalho com msicos.
Poucos artigos se destacam por irem alm dos benefcios fsicos advindos da aplicao da Tcnica Alexander execuo musical. O contedo desses artigos pode ser
de grande valia para os msicos executantes, uma vez que encoraja a aplicao da
Tcnica Alexander em diversos aspectos da preparao da execuo musical. O objetivo desta reviso trazer luz o contedo desses artigos que, apesar de no serem
recentes, permanecem singulares em demonstrar como a Tcnica Alexander pode
ser til construo da performance musical de modo profundo e eficaz.
Inibio
O conceito de Inibio na Tcnica Alexander trata da eliminao da resposta estereotipada a qualquer estmulo. Consideremos o estmulo de pegar uma garrafa de
gua na geladeira. Se ela est mais vazia ou mais cheia do que imaginamos, o movimento dimensionado a priori ser ineficiente para cumprir a tarefa. A Inibio
seria a conteno da resposta automatizada ao estmulo; seria parar a inteno de
utilizar aquela fora projetada para levantar a garrafa de gua antes que aquela inteno deflagre a ao muscular.
Direo
O conceito de Direo na Tcnica Alexander trata da opo de responder ao estmulo com uso do corpo alterada por uma idia: a de que no se deve interferir na
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Controle primrio
Controle Primrio o conjunto de reflexos envolvidos na habilidade neuromuscular do ser humano de se manter ereto. Tericos da Tcnica Alexander acreditam
que esse conjunto de reflexos que regem a relao da cabea com o tronco inato
aos vertebrados, e existe em resposta fora de gravidade. Esse conjunto de reflexos
aparentemente tem influncia na coordenao perifrica dos membros (braos e
pernas). Tericos da Tcnica Alexander preconizam que interferir na relao da
cabea com o tronco prejudica a atuao do Controle Primrio, o que prejudicaria
em conseqncia o desempenho de qualquer atividade motora consciente.
medida que a pessoa percebe que o tocar pode ser associado a uma sensao de
pouco esforo. A coordenao melhora, passagens que eram difceis se tornam mais
fceis, como se elas tocassem por si. A qualidade sonora melhora e a expressividade
sai natural e espontaneamente (Vieira 1996). Nesse ponto, o instrumentista passa
a acreditar que tocar o instrumento possvel sem ter de se exercitar de maneira
mecnica. Como possvel que uma pea musical, ou uma passagem nela, seja difcil para uns e fcil para outros. . . Na realidade, a pea no nem difcil nem fcil,
mas se torna um ou outro dependendo de como o instrumentista a percebe (BenOr 1987). Dessa forma, a importncia recai sobre a percepo do texto musical,
mais do que a atividade fsica envolvida em realizar esse texto.
No se quer dizer com isso que a coordenao especfica necessria para tocar uma
obra musical viria sem a prtica de repeties. A coordenao precisa ser desenvolvida. O estudo no sentido tradicional no pode ser dispensado. No entanto, os efeitos da repetio insensata podem ser minimizados com a aplicao da ateno
consciente que resulta do aprendizado da Tcnica Alexander, o que ser tratado a
seguir.
Essncia e subproduto
Nelly Ben-Or, pianista internacional, professora de piano do Guildhall School of
Music em Londres e professora de Tcnica Alexander, escreve, em artigo de 1987
intitulado The Alexander Technique in Preparation and Performance of Music, que
o alvio fsico freqentemente considerado o principal benefcio da Tcnica Alexander. A importncia do processo mental consciente que define a melhoria fsica
pode passar despercebida ou ser minimizada. Quando isso acontece, a Tcnica
Alexander permanece limitada pela idia de que causa melhoras posturais, o que ,
de fato, o motivo da sua popularidade (Ben-Or 1987). Segundo Ben-Or, isso seria
tomar o subproduto pela essncia, e causa mais um equvoco, o de que a Tcnica
Alexander seria uma espcie de tratamento, e no um modo de trabalho, aplicvel
a todo o processo de preparao para a performance (Ben-Or 1987). Para Ben-Or,
a essncia da Tcnica Alexander a inibio e a direo.
Ainda segundo Ben-Or, a grande contribuio da tcnica Alexander para o msico
executante seria a utilizao de ateno consciente e assim como uma clareza de
percepo. Estes seriam tambm os fatores mais importantes na preparao da execuo musical. Eles so os melhores meios para adquirir uma tcnica de execuo
criativa: a tcnica com a qual a inteno musical se manifesta instantaneamente em
som, e se apia na ateno e direo conscientes (Ben-Or 1987).
Para ilustrar, Ben-Or toma como exemplo aspectos da execuo pianstica, como a
obteno de velocidade em um trecho musical, e defende que os procedimentos
comumente utilizados para ganhar velocidade em passagens, tais como interminveis repeties e variaes rtmicas, reduzem a tarefa a um desafio unicamente para
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Padres de pensamento
A Tcnica Alexander pode ser de grande auxilio para o msico por aliviar tenses corporais desnecessrias e levar a uma coordenao melhorada. Mas acima
de tudo [a Tcnica Alexander] deve mostrar [ao msico] como os PADRES DE
PENSAMENTO em msica precisam ser mudados, dos habituais para novos [padres de pensamento] (Ben-Or 1987, grifo original da citao).
Automatismo e criatividade
Frank Pierce Jones, que por 25 anos conduziu pesquisas sobre a Tcnica Alexander,
escreveu, em seu artigo The Organization of Awareness, de 1967, que estar alerta aos
eventos do momento no um objetivo comum das pessoas. H quem se sinta mais
vontade quando capaz de fazer automaticamente as atividades do dia a dia, tais
como dirigir para o trabalho. Assim, a pessoa pode pensar em coisas mais teis, ou
mais interessantes. Quando uma atividade est treinada exausto, a mente pode
abstrair da tarefa, que ainda ser cumprida a contento.
Embora aparentemente isso seja uma vantagem, este tipo de treinamento engessa
a atividade, que se repete sem variaes, e s funciona se no for mudada. A automatizao na performance musical e sua conseqente alienao mental certamente
tolhe a interpretao. Jones considera que o automatismo responsvel por performances musicais inconscientes e estereotipadas.
Conscincia e ateno
Jones prope um mtodo para organizar a ateno consciente de forma que no
haja tal prejuzo. Para isso, Jones utiliza os termos conscincia (awareness) e ateno (attention). Segundo ele, conscincia uma condio em que a pessoa est
desperta e alerta ao que quer que esteja acontecendo, sem se concentrar em nada em
particular (Jones, 1967). Ateno um estado em que o foco se fecha em um aspecto particular, e pode ser comparada a um spot de luz no palco.
A concentrao um conceito bastante valorizado. Estar concentrado equivale a
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dar toda a ateno ao que acontece sob o spot de luz. Qualquer outra coisa passa a
ser ignorada. Pela proposta de Jones, quando estamos envolvidos em uma atividade,
devemos ampliar o foco da ateno. Aquele spot de luz continua brilhante, mas o
resto do palco no est completamente s escuras, e sim levemente iluminado.
Percepo e Propriocepo
Jones escreve que o organismo freqentemente subdividido em partes e categorias: corpo e mente, os cinco sentidos, sistemas (vascular, digestivo, nervoso, etc.).
Essas divises so teis para fins de estudo, mas quando se trata de comportamento
humano, comum reforar-se que o corpo funciona como uma unidade.
H uma diviso, no entanto, que raramente questionada: a diviso entre ser e ambiente. comumente aceito que a ateno deve ser dirigida ou para fora, para o ambiente, ou para dentro, para si mesmo (Jones 1967). Jones se utiliza da
terminologia de Gibson (apud Jones 1967), que emprega percepo para a ateno
dirigida ao ambiente e propriocepo para a ateno dirigida para dentro de si
mesmo. Percepo e propriocepo parecem incompatveis ou excludentes.
Quando estamos absorvidos em uma atividade, perdemos a noo do uso de nosso
corpo isso to evidente quando utilizamos o computador. Inversamente, se
queremos dar ateno ao nosso estado fsico, procuramos excluir o mundo exterior,
at mesmo fechando os olhos, para sentirmos melhor o nosso corpo.
Jones defende uma abordagem unitria, contestando a separao entre ser e ambiente, e a conseqente atuao excludente nas capacidades de percepo e propriocepo. O crebro humano tem a habilidade de processar informaes sobre o
ambiente ao mesmo tempo em que obtm dados sensoriais sobre posio, tnus
muscular e movimentos da cabea, tronco e membros. Trata-se de incorporar os
dados do feedback proprioceptivo aos dados da atividade, como se claressemos o
palco com uma luz tnue, suficiente para se perceber os contornos importantes,
sem perder o brilho do spot de luz, que abarcaria o centro da ao.
No palco
Ulfried Tlle, msico, ex-primeira trompa da Orquestra Sinfnica de Zurique e
ex-professor de Tcnica Alexander da Musikhochschule em Stuttgart, escreveu um
artigo intitulado Stage Fright. Neste artigo, Tlle aborda a aplicao da Tcnica
Alexander no contexto de minimizar os sintomas do que se costuma chamar medo
de palco. Sendo professor de Tcnica Alexander, Tlle trata da relao da cabea
com o corpo, estados da mente e hbitos, aspectos geralmente associados prtica
da Tcnica. No entanto, ao ler o texto deparamos com idias singulares e surpreendentes, tais como escolha, controle e responsabilidade.
Ao abordar sua experincia com os sintomas do medo de palco, Tlle apresenta
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um relato de descoberta de padres de pensamento contraproducentes que estariam diminuindo a sua capacidade de atuar, e das estratgias que elaborou para minimizar as conseqncias negativas que aqueles padres de pensamento
proporcionam. Tlle comenta que, no palco, no momento da performance, desperdiava grande energia desejando estar em outro lugar. Alm disso, ele desejava
estar no controle da situao. Esses desejos no podiam ser satisfeitos. Ento a atitude a tomar, segundo Tlle, seria escolher estar onde se est, e escolher estar fora
de controle. Com essa escolha, assume-se a responsabilidade sobre os hbitos causadores dos sintomas, e tomando essa simples atitude cessa a necessidade de reagir
a esses sintomas. H uma mudana de opo de comportamento, de reao para
ao. A partir dessa mudana, Tlle opta por entrar no palco, afinar a trompa, ouvir
a orquestra em preparao para sua prxima entrada e tocar ativamente.
Estar completamente ciente (aware) de onde se est (no palco), e do estado em que
se est (fora de controle) implica em manter percepo e propriocepo atuando
concomitantemente da maneira sugerida por Jones (1967) e descrita anteriormente
neste trabalho. Tlle afirma que a Tcnica Alexander um mtodo brilhante para
entrar no domnio do agora. Atravs da unio [da mente] com o corpo no presente
momento obtm-se a conscincia de fisicamente estar l, agora (Tlle 1991).
Concluso
Com base no exposto acima, conclumos que a contribuio mais relevante da Tcnica Alexander para a execuo musical a ateno consciente que motiva a cons-
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performance. DMA Essay University of Iowa.
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[email protected]
PPGMUS/Escola Msica, Universidade Federal da Bahia
Resumo
Este artigo prope diretrizes gerais e especficas para a elaborao de dedilhados em
violo e um recorte de uma pesquisa de mestrado j finalizada que estudou o processo
de elaborao de dedilhados na Aquarelle para violo solo, composta por Srgio Assad
(1988). Analisamos e comparamos as digitaes de mo esquerda elaboradas pelo prprio compositor da pea com nossas propostas de dedilhados; e utilizamos as gravaes
de Eduardo Isaac e Aliksey Vianna como parmetros para a comparao de mudana
de timbres nos dedilhados de mo direita. As ferramentas utilizadas para a anlise e elaborao de dedilhados em mo esquerda foram: a noo de posio e o conceito de
alcance natural; translado, com dedo guia e salto livre; apresentaes, longitudinal e transversal; distenso e contrao; e o conceito de ponto de apoio, que consideramos ser a
pea fundamental do processo digitatrio de mo esquerda utilizado neste estudo. J as
ferramentas utilizadas em mo direita foram: noo de posio e conceito de alcance
natural, apresentao, translado e salto livre, abertura e contrao, mudanas de timbre.
As diretrizes gerais para a elaborao de dedilhados foram: a) a viabilizao da execuo musical; b) a interpretao musical. As diretrizes especficas de dedilhados de mo
esquerda foram: a) a definio de posio; b) a definio dos pontos de apoio; c) alterao da posio e do mbito de alcance da mo esquerda. J as diretrizes especficas de mo direita foram: a) definio do posicionamento em sentido longitudinal ou
transversal; b) a alterao da posio e do mbito de alcance da mo direita; c) finalmente, escolha de recursos de mudana de timbre. Esta pesquisa contribui para o debate na rea ao apresentar uma maneira sistemtica de produzir dedilhados no violo.
Introduo
A digitao uma sub-rea da tcnica violonstica. Ela , ainda, uma ferramenta
fundamental tanto para tornar uma pea musical executvel quanto para sua interpretao musical. O Harvard Dictionary of Music (Apel, 1982, p. 315) define
digitao como sendo o uso metdico dos dedos na execuo instrumental. Por
tal conceito, a digitao seria o setor da tcnica responsvel pela utilizao criteriosa dos dedos para a performance. Sendo assim, ela no aborda apenas a simples
indicao digital em determinada passagem, mas tambm a qualidade de sua utilizao. Vislumbrada desta forma, a elaborao de dedilhados pode ser tratada de
maneira ainda mais complexa, exigindo que o violonista pondere sobre o resultado
sonoro de seu uso e sua capacidade de viabilizar a performance de determinada pea
musical. A execuo de determinado trecho musical pode ser realizada, tanto em
Metodologia
Para nos ajudar a entender o processo de criao de dedilhados, escolhemos estudar a Sute Aquarelle de Srgio Assad, composta em 1988. Analisamos e comparamos a digitao de mo esquerda elaborada pelo compositor (Assad, 1992) com
digitaes alternativas elaboradas por ns. A mo direita no foi informada pelo
compositor na edio, por isso, comparamos duas possibilidades de digitaes nossas. O objetivo era o de apresentar diretrizes para a formulao de dedilhados e entender um possvel processo de elaborao.
165
POS
Posio
APL
Apresentao Longitudinal
APT
Apresentao Transversal
PA
Ponto de Apoio
PAM
PAA
GA
GSI
AB
Abertura
CON
Contrao
SL
Salto Livre
167
168
A mo direita a mo responsvel pela produo, emisso, do som ao violo. Entretanto, ela , muitas vezes, ignorada tanto nas edies de partituras quanto nas publicaes que discutem o tema digitao. A falta de sistematizao dos
procedimentos de dedilhados de mo direita pode levar o instrumentista a dificuldades na execuo musical (Brouwer e Paolini, 1992). A mo direita tambm sofre
influncia de fatores fisiolgicos individuais, tal como ocorre com a mo esquerda.
Assim, o formato das unhas bem como a qualidade de cada dedo contribuem para
a escolha de dedilhados. Mostramos na tabela abaixo os termos de mo direita, e
suas abreviaes, que foram utilizados em nossos exemplos. A discusso sobre seu
funcionamento vir em seguida. Atentamos para o fato de que, para evitar possveis
confuses com os termos em comum com a mo esquerda, foram colocados em
letra minscula.
Tabela 1.1 Abreviaes dos termos de mo direita
utilizados nos nossos exemplos.
pos
Posio
apt
Apresentao transversal
apl
Apresentao longitudinal
ab
Abertura
con
Contrao
ap
Sl
Salto livre
Tal como a mo esquerda, para a mo direita tambm importante a noo de posicionamento para que os translados sejam realizados de maneira consciente. Iremos
considerar posio natural apenas a relao entre os dedos i (indicador), m
(mdio) e a (anelar), j que o p (polegar) possui uma especificidade anatmica. O
polegar capaz de movimentar-se com maior independncia que os demais dedos.
Assim, a mo direita estar em posio natural quando os dedos i, m e a estiverem
posicionados em cordas consecutivas. No sentido transversal, com exceo do polegar, que pode trabalhar de forma mais livre e independente, os demais dedos (i, m,
a) obedecem uma ordem conjunta. Dessa forma, cada dedo est pronto para tocar
uma corda consecutivamente. Se o dedo i est sobre a corda Sol (), a posio natural do dedo m ser na corda Si () e o dedo a ser sobre a corda Mi (). J no
sentido longitudinal, a posio aceita como natural a prxima a regio da boca,
antes do cavalete.
Assim, podemos mapear quatro posies bsicas no sentido transversal (iniciando
da corda at a corda ). A ampliao do mbito de alcance natural da mo direita ser realizada mediante a utilizao de translados transversais e aberturas.
A mo direita pode transladar em dois sentidos, o longitudinal e o transversal. No
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170
dade da utilizao de diferentes tipos de toques pela mo direita. Os maiores representantes desse artifcio so a utilizao de toques com ou sem apoio. Noad
(1999, p. 24) usa o termo toque apoiado quando o dedo de mo direita completa
seu movimento descansando sobre a corda adjacente inferior. O toque apoiado
produz um som de natureza mais cheia, com uma projeo maior que o toque
sem apoio e a nota apoiada fatalmente enfatizada. J o toque sem apoio redunda
em um som de curto alcance, entretanto, esse toque mais rpido e pode ser usado
para dar dinamismo a uma determinada passagem.
possuem aberturas, mas talvez encontre dificuldade em realizar determinadas contraes. Da que o violonista deve estar ciente de sua especificidade anatmica para
escolher dedilhados que otimizem suas possibilidades de performance; b) O outro
critrio a interpretao musical, ou seja, a preocupao com o seu resultado sonoro. As escolhas de dedilhados devem ser tomadas para alcanar determinado fim
auditivo. A digitao , portanto, uma ferramenta (ou sub-ferramenta, j que a digitao parte do aparato tcnico disponvel ao violonista) que pode ser utilizada
de diferentes maneiras, em uma mesma pea e em uma mesma performance2. Agrupamos os fatores estilo da obra e interpretao em um s. De acordo com Abdo
(2000) h trs correntes de interpretao musical: a reevocadora, a conciliadora e
a desconstrucionista. A primeira, estabelece que o instrumentista deve reevocar
a idia original do compositor atravs da performance historicamente embasada e
execuo das indicaes apresentadas na partitura. A segunda corrente admite a
pessoa do intrprete enquanto agente criativo e considera-o co-autor ao lado do
compositor. J a corrente desconstrucionista abandona o conceito autoral e estabelece que o intrprete o principal sujeito de sua atividade. Acreditamos que ao
intrprete facultado o direito de escolha entre as correntes apresentadas. Desta
forma, sua digitao ir obedecer suas inclinaes interpretativas promovendo a
variedade entre diversas performances musicais.
Assim, observamos que os dois critrios apresentados acima devem ser considerados de maneira dialtica, pois a interpretao musical idealizada pelo instrumentista carece de um aparato tcnico adequado para sua viabilizao. E, por outro
lado, a viabilizao da execuo musical advm de determinados fundamentos
ou metas de interpretao musical. Entretanto, as possibilidades tcnicas parecem ser finitas e restritivas se comparadas s possibilidades de interpretao musical. No raro nos depararmos com poucas opes de dedilhados para a execuo
de determinado trecho e nenhuma delas corresponder aos nossos ideais de interpretao musical.
171
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lizmente, no encontramos um procedimento similar aos dedos-guia na mo esquerda para os translados de mo direita.
Finalmente, deve-se escolher, de acordo com o contexto musical e as orientaes interpretativas de cada intrprete, os momentos de realizar os translados longitudinais, toques com apoio ou sem apoio e mudanas de apresentao (que mudam o
ngulo de ataque nas cordas).
Aplicao
A alterao realizada na digitao de mo esquerda do compasso 10, que exclui o uso
da pestana, se deu por dois motivos: o primeiro foi o de manter o legatto na voz superior o uso da pestana interromperia o som na passagem da nota R, dedo 4,
para a nota Sol, dedo 3; o segundo motivo foi a possibilidade de se manter a homogeneidade de timbre na voz intermediria (compare as duas figuras).
173
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Concluso
Reiteramos que o instrumentista, mesmo na elaborao de questes tcnicas de
execuo, parte de orientaes individuais para o exerccio de sua atividade. Ao trabalharmos com uma pea musical complexa e composta por um violonista conceituado, Srgio Assad, demonstramos que cada intrprete apresenta formas distintas
de trabalho. O instrumentista, ao posicionar-se de maneira aberta, pode utilizar
suas ferramentas timbre, dinmica, tempo, articulao e tcnica instrumental
de forma a proporcionar uma obra interpretativa sempre nova.
Acreditamos que os grficos utilizados neste estudo aproximam-se ao que de fato
acontece no momento da performance. A partitura, mesmo que dotada das tradicionais indicaes numricas de dedilhados, deixa, sob muitas maneiras, a desejar
na representao do que realmente acontece na atividade instrumental. Algum
poderia argumentar que tarefa do instrumentista a criao dos dedilhados e que,
por isso, a notao deva apresentar-se de maneira limitada, ou mesmo inexistente.
Entretanto, a ausncia de publicaes especializadas que discutam os problemas de
digitao, bem como a carncia de partituras que tragam comentrios sobre as escolhas de dedilhados presentes em edies de partituras, contribuem para obscurecer as pesquisas em execuo ao violo, alm de no difundir o conhecimento. O
investigador no tem outro meio de entender os procedimentos de dedilhados a
no ser atravs de anlises de vdeos e das indicaes numricas, nem sempre contidas nas edies. Dessa forma, o aspirante a instrumentista encontra dificuldades
na execuo ao instrumento. Por isso, a partitura isenta de indicaes de digitao
serve apenas quele indivduo j dotado dos conhecimentos digitatrios necessrios
execuo ao instrumento. Portanto, preciso que novas pesquisas sejam efetuadas no sentido de proporcionar o aperfeioamento da notao existente. Nesse sentido, acreditamos ter contribudo para o enriquecimento da literatura atravs no
s da criao de um conjunto de nomenclaturas, que podem ser enriquecidas e
adaptadas, mas tambm da sua representao grfica que pode servir de apoio execuo, tanto para a anlise de partituras, quanto como guias para performance.
Uma prtica comum no meio musical violonstico, mais precisamente entre peas
criadas por compositores no violonistas, a colocao na edio da partitura dos
crditos do violonista que criou a digitao. Um exemplo dessa prtica pode ser
visto nas vrias edies de msicas comissionadas por Andrs Segvia e Juliam
Bream. Uma conseqncia disso a cpia deliberada de tais digitaes sem a anlise crtica de seu funcionamento e convenincia. Por isso, esta pesquisa serve de
exemplo para o fato de que, mesmo quando o compositor um exmio violonista
como o o caso de Srgio Assad no est descartada a possibilidade de se examinar, questionar e reelaborar a digitao, dinmica, timbre, ou articulao. Dessa
forma, recomendamos a busca de dedilhados alternativos.
Finalmente, em resposta questo do nosso estudo como ocorre o processo de
criao de dedilhados ao violo? podemos afirmar que o violonista parte de diretrizes de elaborao de dedilhados que so regidas por dois fatores: a viabilizao
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1 Podemos substituir sonoridade do instrumento por caractersticas fsicas do instrumento. Assim, levaramos em conta no s a qualidade de seu som emitido, mas tambm, as
limitaes apresentadas por seu corpo fsico, tais como, tamanho dos trastes, distncia das
cordas em relao ao brao, tenso das cordas, etc.
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Introduo
A literatura sobre composio musical constituda em grande parte por livros gerados a partir de um conhecimento retrospectivo, a partir da anlise e estudo histrico, centrando-se no contedo e na estrutura da composio. Existem, no
entanto, relatos de experincias de compositores sobre suas concepes estticas e
seus processos composicionais, eventualmente abrangendo o processo de criao
em si, tratado pela maioria dos compositores intuitivamente e atravs de conhecimento emprico e auto-analtico. Segundo Sloboda, existe um vasto corpo de escritos publicados sobre as composies musicais de maior realce em nossa cultura
artstica, mas a maior parte deles tratam do produto final da composio, e no da
composio enquanto processo. (Sloboda, 2008, p. 135). nesta composio musical enquanto processo que estar centrado este artigo1, levando em considerao
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Na fase de difuso, ocorre a execuo da obra, na qual se d a interao entre composio, intrprete e pblico. Neste momento o compositor recebe o retorno sobre
sua obra, julgando os resultados de seu trabalho a partir do resultado obtido pela
execuo e da recepo do pblico, que sempre trar algum impacto sobre o compositor, mesmo quando este no tem necessariamente a pretenso de obter aceitao. A prxima etapa, que no ocorre necessariamente em todos os processos de
difuso, consiste na teorizao sobre os processos, tcnicas e materiais utilizados na
obra, num conjunto de obras ou dentro de um determinado grupo de compositores. A etapa final do processo consiste na apreenso que, na verdade, est inserida
em todas as etapas. O compositor sempre est apreendendo o que est criando, mas
no final do processo, ele tem condies de apreender o processo como um todo, podendo, como afirma Villar (1974, p. 269), descobrir elementos estticos que haviam passados despercebidos no ato criador, e todo o conhecimento gerado neste
percurso retornar ao compositor para o incio de um novo ciclo criativo, bem
como influenciar o seu meio, pelo que foi apresentado, numa rede de relaes contnuas. O prprio material terico gerado servir como suporte para suas idias e
para as idias de outros compositores, os quais por sua vez, geraro novos elementos a serem acrescentados aos j existentes. Freqentemente, a prpria obra que j
estaria concluda, volta a sofrer alteraes a partir deste momento de apreenso, o
que pode explicar as diferentes verses existentes de uma mesma obra musical.
Existem processos psicolgicos relacionados s diferentes etapas mencionadas: a
emoo e os processos criativos, perceptivos e cognitivos (fig. 2). A emoo seria um
momento de inspirao, algum sentimento ou algum fato que estimule a criatividade do compositor. Villar comenta, quanto ao processo criativo artstico em geral,
sobre um estado de nimo especial, que pode ser ampliado quando existe alguma
motivao maior (1974, p. 279). A esta etapa, segue-se o processo criativo em si, a
transformao da idia abstrata em msica, o que implica obviamente na existncia de processos perceptivos, j que o compositor necessita perceber os elementos
musicais para transform-los no suporte para a execuo da obra. Os processos perceptivos tambm fazem parte da execuo da obra por um intrprete, bem como da
assimilao por parte do pblico. Os processos cognitivos so inerentes aos perceptivos, j que tudo o que percebido poder ser assimilado e transformado em conhecimento, e se tornam ainda mais importantes no momento em que se faz uma
teorizao sobre o que foi criado ou uma anlise do produto composicional, o que
pode ser feito pelo prprio compositor ou por outros tericos, mas que retorna
ento ao compositor, ou a outros compositores fechando o ciclo (e ao mesmo
tempo iniciando um novo ciclo). importante frisar que, novamente, os processos esto presentes em todas as etapas, ao mesmo tempo, embora em cada momento
um dos processos se destaque.
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O primeiro estgio seria o reconhecimento de uma inteno expressiva a ser utilizada na pea, que uma vez definida, leva a trs importantes questes: qual formato
global se apropria obra; quais os materiais apropriados; e quais os processo de elaborao sero melhores para trabalhar com os materiais em direo a forma em
larga escala. A forma global da composio seria, ao mesmo tempo, o ponto de partida e de chegada do processo composicional, pois o compositor entende que antes
de comear a manusear os materiais, deve ter uma boa idia do desenho formal para
o qual a obra deve evoluir. A partir do que Reynolds chama de impetus e da inteno expressiva que ele gera, o compositor cria verdadeiros desenhos formais na
elaborao da estrutura da obra, num processo gradual de transformao da imagem
inicial do impetus em direo estrutura e depois aos materiais sonoros. Este mtodo pode ser observado nos esboos da Sinfonia Mythos, inspirada nas pedras Futami Ga Ura, do Litoral Japons (fig. 4 a 7).
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Os diferentes esboos grficos da estrutura da Sinfonia Mitos mostram como a composio gradualmente visualizada pelo compositor, e em como o processo se direciona da macro para a microestrutura. O passo seguinte o momento em que a
estrutura preenchida pela notao musical retornando da microestrutura macroestrutura para preencher o todo.
No caso de Reynolds, no existe um nmero de estgios fixo, como na teoria dos estgios de Wallas. Provavelmente os estgios de Wallas se repetem em cada um dos
estgios do processo criativo de Reynolds.
2. Motivao e inspirao
Koellreutter e Reynolds incluem elementos de motivao para a composio da
obra como parte importante do processo criativo, a qual pode ser relacionada inspirao. Koellreutter se refere a esta motivao como o mundo extramusical, ou
campo das idias e Reynolds como o impetus. Segundo Reynolds, o impetus a essncia concentrada, radiante, da qual o todo pode jorrar e para a qual, uma vez iniciada a composio, o todo em evoluo continuamente feito responsivo, ou
mesmo responsvel. O impetus guia a coerncia do todo e simultneamente dirige
a integridade dos detalhes que se acumulam (Reynolds, 2002, p. 8). Este seria ento
um dos pontos de partida para o processo criativo, o qual se expande atravs de diferentes etapas, como tambm se prope em algumas abordagens psicolgicas.
Segundo Deci e Ryan (2000, p. 69), motivao diz respeito energia, direo, persistncia e equifinalidade todos aspectos de ativao e inteno e tem sido um
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A motivao pode ser associada tambm inspirao. O livro Music and Inspiration (Harvey, 1999) est centrado especialmente no papel da inspirao envolvida
no processo composicional. Justamente a definio do que a inspirao algo que
deixado de lado pela maioria dos compositores, talvez por ser uma experincia
difcil de descrever, embora relativamente fcil de identificar (Harvey, 1999, p. x).
Uma resposta mais genrica dada j na introduo do livro: inspirao pode ser
definida como aquilo que causa, provoca, fora o artista a criar o catalisador do
processo criativo. Mas o autor adverte que esta resposta no tem a verdade completa, pois exclui um elemento essencial para qualquer definio de inspirao: o
elemento de mistrio (p. ix). Este tipo de inspirao repentina e chega misteriosamente a qualidade impredizvel que marca a genuna inspirao do compositor e que cria solues que parecem inicialmente no relacionadas ao seu
entorno, mas que traz uma soluo satisfatria aos problemas previamente experienciados (p. xiv) e pode ser associada ao inconsciente. Harvey afirma que a maioria dos compositores tem admitido que requerem a ajuda da inspirao inconsciente
para completar uma obra para sua satisfao pessoal (1999, p. 8) e que a inspirao freqentemente resultado de uma colaborao entre a mente inconsciente e
a mente consciente (1999, p. 4).
O processo criativo viria de um impulso inato para obter uma gestalt completa e o
indivduo criativo estaria sempre buscando solues para as falhas de uma gestalt incompleta atravs da analise de suas relaes internas (como segregao, unificao
ou centralizao). A soluo do problema vem como um insight (Wechsler, 1998,
p. 29-30). Existe aqui uma relao clara entre a teoria dos estgios e a Gestalt, pois
este insight se aproxima muito do estgio da iluminao e, como na teoria dos estgios, resultado de um processo de resoluo de problemas que, como se deduz
da afirmao de Arnheim, est condicionada ao conhecimento e motivao do
artista. Assim, o que o autor chama de intuio, permite que o artista tenha uma
idia global da obra de arte que criou ou est criando, percebendo a inter-relao e
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o equilbrio entre as partes que a constituem e molde a obra dentro de seus paradigmas estticos, sem que seja necessrio tomar conscincia deles sempre que deseje
criar. No entanto, existe certa limitao no pensamento intuitivo: cada elemento
de uma situao pode parecer diferente cada vez que surge num contexto diferente, tornando a generalizao, que um suporte fundamental da cognio, difcil ou at mesmo impossvel (Arnheim, 1989, p. 18). neste ponto entra em
ao o intelecto.
O intelecto preenche a funo da classificao de elementos, agrupando as variaes
sob uma denominao comum. Assim podemos reconhecer o que foi percebido
no passado e aplicar ao presente o que aprendemos antes. Para que isto se torne
possvel, o pensamento racional isola os elementos importantes do todo, e lhes d
a estabilidade que permite a sua persistncia atravs das mudanas caleidoscpicas
do ambiente (Arnheim, 1989, p. 18-19). Porm o intelecto s pode lidar com os
elementos que constituem um todo linearmente, como num clculo de matemtica.
Na composio musical, muito importante este processo de subdiviso, pois ele
que torna possvel colocar em prtica uma idia musical obtida intuitivamente.
comum um compositor criar, intuitivamente, uma imagem mental do todo que
ser gradualmente transformada no produto artstico. Ferneyhough diz que a idia
inicial para uma pea, pode variar de pea para pea, mas que geralmente ele
tende a perceber uma massa, uma quase tangvel massa escultural ou esculpida,
em algum tipo de espao imaginado, (. . .) Pode ser uma massa de cores instrumentais indiferenciadas, pode ser um determinado registro, pode ser algum tipo
de transformao de um tipo ou estado em outro, de alguma forma congelado
em uma experincia momentnea. (Ferneyhough, 1995, p. 260).
5. Teorias unificadas
Webster (1989) criou um modelo de pensamento criativo em msica envolvendo,
alm de elementos de teorias j discutidas aqui, a presena dos pensamentos convergente e divergente da teoria cognitiva desenvolvida a partir de estudos de Guilford4. Nesta teoria, a criatividade normalmente atribuda ao pensamento
divergente, no qual existe uma formulao de vrias alternativas para a soluo de
um problema. No pensamento convergente ocorre uma formulao de concluses
lgicas a partir das informaes e a procura da melhor resposta para o problema
(Wechsler, 1998). Segundo Wechsler, existe uma tendncia atual de criarem-se es-
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tratgias unindo os dois tipos de pensamento para se obter a melhor soluo para
um problema, propondo a utilizao do pensamento divergente, explorando novas
possibilidades e procurando mltiplas respostas e depois o pensamento convergente, que ajuda a avaliar qual dessas possibilidades a mais eficaz, ou mais adequada situao. A tenso entre os dois tipos de pensamento levam avaliao dos
pensamentos verbal e funcional baseados nos conceitos de fluncia, flexibilidade,
elaborao e originalidade (Webster, 1989, p. 42). O diagrama criado por Webster (fig. 9) mostra como diferentes teorias sobre o processo criativo so complementares e formam um processo dinmico de alternncia entre pensamentos
divergente e convergente, movendo-se em estgios ao longo do tempo, possibilitadas por certas habilidades (tanto inatas como aprendidas) e por certas condies, e
resultando em um produto final (Webster, 1989, p. 66).
Consideraes finais
O processo criativo da composio musical consiste em uma complexa rede de elementos, envolvendo aspectos tcnicos musicais e aspectos psicolgicos e sociais. Enquanto algumas teorias aceitas da rea da psicologia analisam o processo criativo
identificando estruturas fixas de aes ou procedimentos padronizados, como a
teoria dos estgios ou a teoria da Gestalt, os compositores tendem a considerar aspectos mais pessoais do processo. Os aspectos fixos podem ser considerados mecanismos mentais padronizados que se nutrem de elementos adquiridos ao longo do
desenvolvimento vital do compositor, o que permite a evoluo do processo criativo pessoal. Na rea da composio esses elementos esto associados ao conhecimento terico e s concepes estticas individuais do compositor, que esto
mudando freqentemente ao longo de sua vida.
Existem muitos trabalhos que levam em considerao apenas o perodo de criao
de uma obra, porm o processo se estende alm disso, consistindo de ciclos em diferentes nveis, incluindo no s a gerao da obra, mas tambm o processo desencadeado aps sua difuso, o qual permite uma continuidade, atravs da troca entre
o compositor e o seu meio. O processo criativo da composio a nvel macroscpico
, portanto, um sistema aberto, que permite uma constante mudana ao longo do
desenvolvimento do compositor e, porque no, no desenvolvimento histrico da
msica.
4 Guilford (1967) props o estudo da mente humana em trs dimenses, as operaes envolvidas no ato de pensar (incluindo os pensamentos convergente e divergente), o contedo
sobre o qual se pensa, e os produtos resultantes deste processo.
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Introduo
acalorado o debate sobre o papel que o instrumentista deve ocupar na manifestao musical. Teorias no faltam entre os partidrios de cada ponto de vista, sejam
eles reacionrios e tradicionais, ou vanguardistas liberais. Os primeiros defendem
que as intenes do autor devem ser preservadas com fidelidade no ato da performance. J as teorias liberais apontam para a individualidade do instrumentista
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no ato da interpretao. Entretanto, esta discusso parece estar restrita a determinado gueto intelectual, o da Esttica. Mesmo a Performance Musical, rea diretamente interessada no assunto, parece estar apartada desta discusso. Se
visualizarmos a rea de Educao Musical, mais especificamente, veremos que os
seus agentes participam passivamente do processo de ensino e aprendizagem ao utilizar um mesmo e velho modelo. Este modelo foi importado de outro contexto, o
Europeu, e tem sido aceito sem maiores questionamentos na academia, ignorando
a individualidade daquele que aprende e a realidade mercadolgica para a qual este
modelo prepara.
O paradigma da obra acabada utilizado comumente pelos instrumentistas tanto
em apresentaes como no ensino. O seu processo consiste basicamente no ensaio
sistemtico de sua pea at dominar sua execuo a ponto de que possa reproduzir
sempre da mesma forma, tal qual foi planejado previamente. Temos, ento, uma
obra finalizada, concluda. Assim, a cada nova performance em pblico, as peas soaro iguais. Esse modelo tem como prejuzo a conseqente monotonia causada ao
pblico, j que, no haver novidades significativas nos prximos recitais realizados
por aquele instrumentista. Por isso, na era das novas mdias, estabelecidas tanto
pelos CDs, quanto pela acessibilidade da internet, o instrumentista que executa
suas peas sempre de maneira acabada, pode ser vtima de desinteresse.
Portanto, a necessidade dos professores de instrumento repensarem suas prticas de
ensino, bem como os prprios instrumentistas, se justifica ao confrontarmos a realidade de mercado de trabalho com o tipo de formao oferecida nas instituies de
ensino, alm da necessidade de se formar instrumentistas capazes de se auto-renovarem, instrumentistas metamrficos.
Tendo situado a atividade do instrumentista no quadro geral da msica tradicional no Ocidente, passemos agora a refletir a atividade em si mesma. O ofcio do instrumentista constitudo de quatro partes: a matria-prima, uma composio
criada por si mesmo ou alheia, onde ser realizado o seu trabalho de interpretao;
suas ferramentas (timbre, dinmica, articulao, fraseado, tempo e tcnica instrumental) que sero operadas sobre a matria-prima; sua filosofia de atuao,
que so os pressupostos que guiaro a utilizao das ferramentas sobre a matriaprima, ou seja, seu modo de interpretao; e, finalmente, a obra interpretativa,
produto final deste ofcio, sua performance musical.
Podemos identificar no campo de atuao profissional duas categorias de instrumentista, considerando, como critrio de classificao, a natureza da matria-prima
trabalhada. Assim, essas categorias seriam: a dos instrumentistas intrpretes, ou seja,
aqueles que no produzem suas matrias-primas, mas coletam-nas atravs de leitura de determinado texto, seja ele em forma de partitura (o mtodo mais comum
no meio acadmico), tablatura, cifras ou de percepo auditiva; o outro tipo o
instrumentista compositor, que cria sua prpria matria-prima, alm de interpretla. Poder-se-ia argumentar ainda, que os instrumentistas de msica tnica constituem em outro tipo de intrprete. Entretanto, seguindo nosso critrio de
classificao, baseado na natureza da matria-prima utilizada, esses instrumentistas
se enquadrariam em uma das categorias listadas acima, j que ou compem sua matria-prima ou pegam-na de outrem, como do imaginrio popular, por exemplo.
Dessa forma, aquilo que apreciamos o resultado final de algo que existia previa-
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mente na mente do artista. Max Bense (apud Campos 1977, 135) chega ao mesmo
ponto e denomina
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[. . .] o signo ser imperfeito, e avana ento a tese da correalidade da informao esttica, da obra de arte. Esta correal pois sua realidade referida a outra
realidade que lhe serve de suporte. o que Bense chama de extenso ou materialidade da informao esttica.
Por esse prisma, a obra de arte, ou a informao esttica, vale-se de um corpo material, um ser representante. A obra de arte, como fato espiritual, deve ter uma manifestao material e extensional para ser percebida como tal. Igor Stravinsky
(Stravinsky 1996, 111) toma posicionamento a esse respeito e filia-se ao grupo que
considera a msica como um fenmeno existente, tambm, na mente das pessoas:
necessrio distinguir dois momentos, ou melhor, dois estados da msica: msica
potencial e msica real. Tendo sido fixada no papel ou retida na memria, a msica
j existe mesmo antes de sua performance efetiva [. . .].
A idia de que a obra de arte seja algo referente, a priori, mente, sendo o objeto material resultado de um processo a posteriori, suscitou uma tese discutvel quanto
interpretao da obra artstica. A tese de reevocao do significado original do
autor foi o que resultou da idia de psiquez esttica. O prprio Croce (Croce
apud Abdo, 2000, 17) foi defensor da fidelidade a essa idia autoral, que seria a prpria obra artstica. Assim, o instrumentista executor de uma determinada pea
musical alheia deveria prover uma performance impessoal e calcada na pesquisa
hitrico-estilstica, para que a idia autoral, que seria a prpria obra, pudesse ser
vislumbrada. Essa tese coloca o compositor como componente fundamental no
processo artstico, levando intrpretes e demais fruidores1 a uma busca da idia original, do sentido e viso verdadeiros da obra. Entretanto, tal pensamento causa
limitaes quanto maneira pela qual se d o processo artstico como um todo. Na
relao compositor-obra-fruidor, a reduo do campo interpretativo, causada pela
idia de reevocao do sentido original idealizado pelo compositor, conduz, na manifestao musical, o primeiro a uma posio privilegiada e o ltimo, o instrumentista, a condio alienante. Pretendemos, portanto, como primeira meta, contestar
a referida tese, tendo ainda como base, entretanto, a teoria de co-realidade da informao esttica. Seria, assim, vlido afirmar que a obra de arte existe mesmo que
no seja manifestada exteriormente?
Para tratarmos dessa questo parece ser til o modo como Marcos Nogueira (Nogueira 1999, 57) toma o conceito de texto: [. . .] existem diversas manifestaes
textuais: um poema, uma fotografia, uma escultura, uma pea musical um texto.
Tal acepo possui preceitos de cunho semitico, donde texto um signo mais ou
menos complexo, integrado por sua vez por outros signos. Admite-se, portanto,
que tanto partitura como a execuo sonora de uma pea musical sejam textos
mesmo que tenham caractersticas diferentes. Visto dessa forma, a obra de arte,
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J a segunda corrente, que denominamos conciliatria, procura fundir a importncia tanto do compositor quanto do intrprete, atravs do argumento de que o
papel do instrumentista seria o de traduzir a obra de arte proposta. Dessa forma,
admitir-se-ia, ento, a subjetividade do executante ante a obra de outra pessoa, fazendo com que uma nova obra seja criada numa espcie de co-autoria com o compositor primeiro Marlia Laboissire (2007, 16):
Defendemos aqui o conceito de interpretao musical como atividade recriadora, na medida em que a msica arte da produo, performance e recepo
individuais, arte subordinada a diferentes fatores sociais, ideolgicos, estticos,
histricos e outros caracteriza-se pela impossibilidade de reconstruir sua origem legtima, ou seja, qualquer outra imagem de estabilidade.
O tipo de abertura aqui avaliada o que podemos chamar de primeiro grau. Nesse
caso, a obra foi concluda por seu autor e mostra-se formada disposio de diversas fruies. No caso que pretendemos aqui tratar em especial, a composio de
uma execuo instrumental, tal definio de abertura no exaure todas as possibilidades de seu acontecimento.
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Consideraes Finais
Podemos, portanto, visualizar o trabalho do instrumentista atravs de um ponto de
vista mais abrangente. Gostaramos de frisar que a essa atividade constitui imprescindvel uma orientao esttica. Por detrs do fazer do intrprete h sempre tais
orientaes, sejam elas conscientes ou no, sejam elas produtos de uma tradio
imposta ou complacentemente aceita. Ele, tal qual o compositor de peas, ou o escritor, ou escultor, possui seu processo produtivo prprio. Compositores como
Stravinsky e Schnberg, ao prescrever em suas partituras todas as nuances de dinmica, andamento, fraseado, ritmo e expresso, reduzem a funo do instrumentista
a de uma mquina, como foi apontado por Dart (2002, 67). Vale lembrar que foi
prtica comum, nos primeiros sculos da msica Ocidental, a improvisao do instrumentista sobre as obras executadas. Tal prtica foi paulatinamente abandonada,
at chegarmos ao momento de execuo exata da partitura. preciso repensar a
atividade do instrumentista para que este no fique restrito a modelos deterministas. Dessa forma, acreditamos que tanto ensino quanto prtica musical sero enriquecidos com a valorizao e ampliao do universo criativo do intrprete.
1 Todo indivduo, de um modo geral, que contempla uma obra de arte pode ser tido como
fruidor.
2 Graziela Bortz (2007, 85), em seu artigo Trs aspectos da cognio na performance musical faz referncia situao do instrumentista atual: [. . .] os instrumentos de formao erudita do sculo XXI, especialmente os orquestrais, cuja educao deixou no passado (exceto
em escolas que mantm a tradio da chamada msica antiga) quase toda a tradio da improvisao e se debruou veementemente sobre a correta interpretao da partitura, estudam escalas com exclusivo propsito tcnico, repertrio e trechos orquestrais de dois
compassos repetidamente.
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201
[email protected]
Escola de Msica de Braslia
Departamento de Msica, Universidade de Braslia
Introduo
No Brasil, as pesquisas sobre performance na rea da cognio, de modo geral, visam
compreender como o performer aprende e interpreta seu repertrio, as suas emoes
no momento da performance, o preparo do recital, o desenvolvimento de suas habilidades e os procedimentos utilizados para aprender. Alguns trabalhos que tratam
do piano, por exemplo, as temticas destacam o estudo da msica erudita europia
e nacional e a maneira como os performers aprendem, executam e interpretam seu
repertrio destacando: a comunicao da expressividade e da emoo na execuo
(Gerling; Santos, 2007); a anlise do rubato em diferentes gravaes de uma mesma
obra (Gerling, 2007); os efeitos de exerccios corporais na preparao para o recital (Oliveira, 2007); conhecimentos musicais envolvidos na preparao de repertrio em curso de graduao de piano (Santos; Hentschke, 2007); a ao pianstica,
coordenao motora e desempenho tcnico (Pvoas et. all, 2007).
Na anlise de alguns trabalhos sobre a performance e seu ensino e aprendizagem
apresentados nos Simpsios de Cognio e Artes Musicas (SIMCAM), percebemos que a performance da msica popular no tem sido contemplada como objeto
de estudo da cognio musical. Sob essa perspectiva este artigo pretende discutir
como as caractersticas da performance na msica popular, em seus aspectos interpretativos, perceptivos e analticos, so organizados e sistematizados como procedimentos de ensino e mobilizados na aula de instrumento popular. Essa discusso
faz parte de uma dissertao de mestrado cujo objetivo compreender como os
professores de piano popular do Ncleo de Msica Popular do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB) sistematizam, organizam e justificam os conhecimentos e habilidades do piano popular em suas
prticas docentes. A pesquisa empregou o estudo de caso como opo metodolgica
na qual a unidade de estudo o Ncleo de Msica Popular do CEP/EMB. Os instrumentos de coleta de dados adotados foram a entrevista semi-estruturada e a observao no-participante. O roteiro de entrevista teve como pontos principais
conhecer a formao do entrevistado como msico e como professor, as concepes
sobre o perfil do aluno de msica popular e as caractersticas das suas aulas de contrabaixo. A anlise dos dados foi qualitativa e procurou revelar categorias de anlise que permitissem compreender a formao musical e docente, bem comoos
procedimentos de ensino da msica popular. Foi realizada uma primeira entrevista
para levantar informaes sobre a formao musical e docente do professor, a sua
atuao profissional e as suas aulas de instrumento; em seguida foi realizada a observao de aulas e, para finalizar foi feita uma segunda entrevista para aprofundar
informaes e esclarecer dvidas, observaes e concluses sobre a temtica investigada.
Neste artigo apresentamos uma anlise parcial do estudo piloto que revelou os conhecimentos e habilidades o professor mobiliza de sua prtica como msico para
203
204
ensinar o contrabaixo popular. Entendemos que trabalhos dessa natureza so relevantes para se discutir processos de ensino e aprendizagem da msica bem como as
maneiras que performer organiza a sua prxis para ensinar. O artigo apresenta a seguinte estrutura: estudos sobre os conhecimentos e habilidades na performance em
msica popular e a anlise do estudo piloto.
205
206
treinamento para que o aluno desenvolva mais tarde o seu prprio estilo musical.
Para Maranesi (2007), esse procedimento utilizado na performance da msica popular desde que surgiram as primeiras instituies de ensino e no estudo da improvisao tonal que utiliza como fonte as transcries de solos de grandes
expoentes da msica popular. Os benefcios da transcrio para a aprendizagem do
repertrio popular vo desde o entendimento das tradies da msica oral at o
desenvolvimento das habilidades de criao e de improvisao, alm de ampliar a
produo de partituras de msica popular. Segundo Maranesi,
a transcrio figura em estudos etnomusicolgicos modernos como um dos principais meios analticos para a compreenso da msica de tradio oral e tambm constitui uma das bases importantes no ensino da msica popular na
contemporaneidade. As transcries, especialmente em forma de melodia cifrada, constituem um material tradicionalmente utilizado no aprendizado e na
prtica performtica usado no dia a dia de msicos populares para o treinamento
da criatividade e o exerccio do improviso (Maranesi, 2007, p. 2; 57).
Para Paul, o pensamento horizontal serve como base para o aprendizado da msica popular porque enriquece a elaborao dos acordes e a construo das melodias
nos diversos instrumentos do grupo popular. Outro aspecto que complementa a
formao musical do performer, na opinio de Paul, a influncia de msicos populares e eruditos. Segundo ele, ouvir e tocar repertrios variados enriquece e expande o vocabulrio musical para quem quer atuar na esfera popular porque o
msico adquire e absorve os clichs destes dois mundos.
207
2.
208
Alm de conhecer uma diversidade de estilos musicais e execut-los, a improvisao no estilo tambm considerada uma competncia significativa para o msico
popular. Para Green (2001), a improvisao juntamente com a criao est con-
tida na composio. Paul tambm considera que o conceito de improvisao aproxima-se da composio, ou seja, uma composio em tempo real. Quanto aos procedimentos de ensino realizados por Paul para trabalhar a improvisao na sala de
aula, se destaca a escrita musical tradicional das idias musicais. O professor justifica sua ao pedaggica pela necessidade de trabalhar a sistematizao das idias
musicais no improviso, pois os alunos nesta fase do estudo tm dificuldade de executar no instrumento as idias musicais ao mesmo tempo em que as formula em sua
mente, da a necessidade de sistematizar e escrever para desenvolver a construo
meldica. Paralelamente, Paul trabalha tcnicas de composio como o motivo, o
contraste de motivo, o desenvolvimento de motivo, a modulao, a pergunta e resposta e materiais sonoros usados para improvisar como escalas, as escalas bebops, os
arpejos, a sucesso de acordes. As atividades em sala de aula, por exemplo, podem
ser estruturadas da seguinte forma: criao de motivos meldicos, seu desenvolvimento, expanso e contraste seguidos de exerccios tcnicos de improvisao como
anlise harmnica, funo e substituio de acordes, uso de escalas para cada acorde
e centro tonal. Observa-se nos procedimentos didticos de Paul a preocupao em
trabalhar a tcnica instrumental aplicada ao contexto musical sendo o treinamento
das escalas no um fim em si mesmo, mas um estudo consciente meldico e harmnico realizado concomitante ao estudo das levadas que caracterizam os diferentes estilos musicais. Ele justifica sua ao da seguinte forma:
[. . .] fazer a escala com a diviso de samba j que eu estou com dificuldade em
fazer o samba, ele est com dificuldade, ento faz a escala com samba. [. . .] Ou
se for baio, a diviso que vai fazer. [. . .] E assim vai, e isso para qualquer estilo
e na minha aula eu sempre procuro juntar as duas coisas, a prtica com a parte
tcnica e teoria (EPP, p. 12).
209
210
Porque a gravao, s vezes a gente s coloca o papel entre aspas. Coloca o papel
e ele acha que a msica vem dali. No, s uma facilidade pra ele, j tem todas
as notas escritas e os acordes, mas ele tem que entender o contexto todo e o que
d o contexto todo a gravao. Da voc v todos os instrumentos interagindo
ali na gravao, como a melodia t sendo tocada em relao com os outros, como
o improviso est sendo, no caso, vestido pelos outros msicos (EPP, p. 24).
Para Paul, o procedimento de tirar de ouvido deve estar integrado teoria, o que
permite que o aluno no reproduza simplesmente, mas que ele descubra auditivamente, tenha conscincia e seja autnomo:
No s reproduzir, ele faz a coisa muito mecanicamente s vezes no dia-a-dia e
se voc comea a perguntar para o aluno: o que voc t usando, ou ento no caso,
o que ele t usando na gravao? E o aluno descobre por si mesmo, no fui eu
que falei. Ele tocou e descobriu s que ele no teve conscincia daquilo, ele tirou
de ouvido. A quando ele comea a fazer as trs coisas: consegue tirar de ouvido,
consegue executar e consegue entender o que t fazendo; a maravilhoso, a ele
sai daqui, ele sai realizado mais do que eu (EPP p. 16).
A transcrio nas aulas de Paul tambm envolve tirar os solos de outros instrumentos musicais. Segundo o professor, esta prtica fez parte da sua formao e ele
a desenvolve com os seus alunos. A transcrio de um solo de saxofone, por exemplo, inclui o estudo de fraseado, de respirao e de articulao, contedos importantes para desenvolver as habilidades expressivas e interpretativas. A experincia
da transcrio inclui ainda tirar melodias em outros instrumentos, o que mais
complexo, pois envolve a transferncia da melodia original para o contrabaixo eltrico. O objetivo principal das atividades de transcrio no o desenvolvimento
da escrita, mas desenvolver a expresso do aluno.
uma coisa que vital para o ensino da msica popular, a parte de percepo
211
212
e tirar de ouvido, e a ente no se atm muito pelo menos aqui, eu falo muito
para os alunos olha no me interessam as notas, interessa como vocs vo tocar
essas notas, eu quero exatamente. . . a respirao, eu quero o fraseado, eu quero
a ligadura da nota como ele tocou. Ento eu to muito mais interessado na expresso, na expressividade da frase do que as notas certas que voc vai tocar na
transcrio (EPP p. 17-18).
Concluso
Neste breve relato, nota-se que a perspectiva desse msico sobre a performance o
ensino e aprendizagem da msica popular est estreitamente interligado sua prpria experincia como performer. De certo modo, as concluses deste estudo contradizem os resultados de Green (2001) e de Couto (2008) que afirmam que os
msicos populares em uma situao de ensino no valorizam as suas prticas informais de aprendizagem. Por um lado, a concepo de msica popular que nasce
dos professores do CEP/EMB direcionada para mercado de trabalho e voltada
para a formao do aluno para atender demanda deste mercado. Por outro lado,
Paul considera as suas experincias de autoaprendizagem no ensino do instrumento
nas suas aulas de msica. Essas experincias envolvem a prtica, o tirar de ouvido
e a transcrio. Para ele formar o performance em msica popular passar para o
aluno as habilidades e os conhecimentos que foram importantes na sua prpria formao como msico. Percebemos o quanto a auto-perceo, a auto-estima e a autoconscincia das habilidades performticas que o professor v em si mesmo
modifica a maneira como ele concebe, estrutura e modifica a sua prtica docente.
Quando o msico se valoriza enquanto
performer provavelmente ser um professor que trabalhar motivado e procurar
desenvolver no seu aluno o prazer e a motivao do fazer musical. Sugerimos que
os estudos no campo da cognio contemplem a performance na msica popular e
o ensino e aprendizagem da msica popular.
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213
Investigao e auto-regulao
na preparao de uma obra pianstica
Regina Antunes Teixeira dos Santos
214
Introduo
A literatura em psicologia educacional e de educao musical tem empregado o
construto de auto-regulao para referir aos esforos sistemticos para direcionar
pensamentos, sentimentos e aes na realizao de certo objetivo direcionado por
metas (Schunk, 1995; Zimmerman, 2000; McPherson, Zimmerman, 2002, 2008;
Gollwitzer, Gawrilow e Oettingen, 2010).
Especificamente, a literatura de educao musical tem relatado estratgias de autoregulao usadas por estudantes de msica em diferentes contextos de aprendizagem, revelando vrios aspectos relacionados forma como eles aprendem ou
dominam a aprendizagem de uma nova pea (vide, por exemplo, Nielsen, 2001;
Hallam, 2001; McPherson e Renwick, 2001; Austin e Berg (2006); Leon-Guerrero 2008; Bartolome, 2009). Por exemplo, Hallam (2001) entrevistou msicos
profissionais e estudantes em relao a sua prtica instrumental e concluiu que estudantes so capazes de usar processos auto-regulatrios, incluindo planejamento,
monitoramento e estratgias de avaliao durante a prtica. Contudo, resultados de
McPherson e Renwick (2001) e Austin e Berg (2006) sugerem que processos autoregulatrios so empregados em maior e menor grau na prtica de estudantes, indicando que alguns estudantes tendem a seguir uma prtica com rotina no efetiva.
Em trabalhos anteriores, aps estudos de casos envolvendo estudantes de piano, foi
215
Metodologia
216
De acordo com o Esquema 1, os dados foram coletados ao longo de 16 semanas, e em trs etapas. A primeira foi destinada coleta sobre a preparao. Nesta
etapa foram realizados trs encontros individuais, onde ocorreram as entrevistas
sobre a preparao (entrevistas semi-estruturada e registro de performance). O roteiro para as entrevistas contemplou: tempo de prtica, problemtica enfrentada,
caractersticas do estudo (organizao (?), planejamento(?), auto-monitoramento
(?)), estratgias de prtica e de performance, (possveis) hipteses/idias para avanar a preparao. Em uma segunda etapa, ocorreu a entrevista de estimulao de
recordao, onde os estudantes escutaram seus respectivos registros e escolheram o
melhor deles. Na terceira etapa ocorreu a apreciao pelos prprios estudantes de
seus produtos em registro em udio e udio-video.
As entrevistas foram transcritas e os dados categorizados. Em algumas situaes,
dependendo da natureza dos dados, tratamentos estatsticos (correlao, escalonamento multidimensional e anlise de clusters) foram utilizados. Para a presente comunicao sero discutidos apenas os dados das duas primeiras etapas.
Resultados e Discusso
Indcios de Investigao
Indcios de Auto-regulao
Decises sobre:
Dedilhado/divises de mos
Estruturas rtmicas
Delimitao de frases
Preciso do controle motor
Decises sobre:
Andamento e timing
Dinmica: intensidade e sonoridade
Direcionamento das frases (contorno)
Sem foco
Dificuldades em colocao de problemas
Ficar ntimo da partitura
Metas claras para continuar a prtica
Realizao de dirio
Especulao intencional sobre estrutura musical Anlise da estrutura musical em nvel bsico (estrutura rtmica)
Anlise da estrutura musical em nvel bsico (melodia)
Anlise da estrutura musical em nvel bsico (harmonia)
Explorao/ hiptese sobre as implicaes
das indicaes de dinmica
Implicaes do direcionamento das frases
(contorno) e a explorao do fluxo dos
eventos (timing)
Manipulao de recursos em udio
Reflexes sobre o sentido e carter da palavra triste
Reflexes sobre textos publicados discutindo os Ponteios de Guarnieri
217
218
(a)
(b)
(c)
Figura 2 Taxa entre os valores atribudos s condutas de auto-regulao e
Com base nas entrevistas e nas performances (avaliadas por dois rbitros), os estudantes foram avaliados em uma escala de 0 a 5, para ambos as modalidades:
(i) investigao: de (0) ausente a (5) aquisio conceptual de recursos interpretativos.
(ii) auto-regulao: de (0) ausente a (5) ajuste deliberado de recursos expressivos de acordo com os resultados da performance.
De acordo com a Figura 2, diferentes parmetros podem ser extrados da populao investigada. A maioria dos estudantes tende a empregar mais procedimentos de
auto-regulao ao longo de sua preparao (a). Em um nmero menor de estudantes, a investigao cresce com o passar do tempo (observe que o denominador, investigao cresce com o tempo, e portanto, a razo ordenada decresce). Apenas
dois estudantes dispuserem de um equilbrio praticamente constante entre esses
dois tipos de procedimentos ao longo de toda a preparao. Cabe salientar que a categorizao da populao investigada nesses trs grupos mostrou ser independente
do nvel de expertise (graduao ou ps-graduao).
Consideraes Finais
A coleta de uma populao relativamente maior de estudantes permitiu apontar
aspectos complementares a serem ponderados na reviso do ciclo da preparao
proposto inicialmente por Santos (2007). As disposies experienciais de investigao que alavancam a preparao so, na maioria dos casos, de natureza tcita: estratgias e formas de pensamento musicais parecem surgir mais de incurses no
instrumento do que a partir de um recuo sobre o fenmeno da preparao e dos
eventos musicais contidos na obra. Por outro lado, a anlise das entrevistas e a observao dos produtos da preparao apontam como fator relevante o sentimento
de competncia para a realizao, que por sua vez afeta tanto o nvel da conduta de
investigao (ousar a hipotetizar), como o nvel de engajamento para uma conduta
auto-regulada frente a um produto parcial.
A eficincia na aproximao inicial (decodificao em nvel bsico) foi satisfatria
para quase todos (13 dentre os 15 participantes), mas qualitativamente distinta em
funo do nvel de expertise dos estudantes. O percurso perseguido, aps a etapa
preliminar de aproximao, mltiplo, e parece depender das peculiaridades de
cada participante, em funo de fatores tais como: disponibilidade de tempo para
estudo, familiaridade e afinidade com a obra, entre outros. Finalmente, de uma
forma geral, evidencia-se o sentimento de necessidade de auxlio externo (conselhos do professor) para avanar a perspectiva sobre a preparao.
Os dados revelaram que a maioria dos estudantes mais auto-regulam do que investigam em suas prticas. A complexidade da realizao parece exigir mais ajuste sobre
produtos atingidos do que investigao em sentido heurstico. Na amostra obser-
219
Agradecimentos
220
R.A.T. dos Santos e C.C. Gerling agradecem ao CNPq pelas bolsas Ps-Doutorado e PQ,
respectivamente.
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Introduction
This shameless appropriation of Descartes already flawed statement serves two
functions. The first thing is its catchiness; not unlike heralding devices used by
many jazz performers who quote a well-known melody or execute a lick from
an equally well-known predecessor. The intent is to get you, the reader or listener,
to pay attention; take notice of what is to follow. The second, and most important
function of this title is to suggest a deconstruction of its common associations4 and
have the reader (re) consider possible new meanings and associations, especially as
juxtaposed with the notion of improvisation. Joe Hendersons composition, which
has become a jazz standard, actually has two titles both in Portuguese. No Me
Esquea translates dont forget me, while the more common reference to the
same composition Recorda Me translates as remember me. Deciphering the subtle differences in meaning of these titles is not within the scope of this paper, but
it is indeed these very subtleties that point to one of the most challenging issues in
cognitive science, i.e. understanding the nature of memory. The basic argument
here is that musical memory (as well as attention and expectation) is cultivated by
juxtaposing the original (prototype) with the new, and that improvisational trans-
221
222
formations are the result an embodied process that necessitates a social milieu. Improvisation, although a formidable study within music/cognitive science, presents
a methodological in-road or a means to challenge this narrative of Cartesian dualism. This process will entail: 1) mapping (or comparing) the individual students
improvisation against the melody to reveal the level of coherence; 2) mapping the
students transcription with herself to reveal transformations; and 3) comparing all
the students transcriptions against each other to reveal tendencies (if any).
Improvisation
The ability to improvise is not only determined by how well a performer remembers, but the storehouse of learning experiences she has actively engaged in and (re)
constructed. Improvisation is a progressive, yet coherent, set of musical behaviors
or actions taken in order to achieve the particular end of making new music in real
time. The quality and degree of improvisation in a given musical performance may
vary from artist to artist, and from culture to culture as the paradigms and parameters upon which the musical style are based also vary, [but] there is always a model
that determines the scope within which a musician acts (Randel 1986: 393). This
model may consist of elements internal to the music, e.g. harmonic structure,
melody, and rhythmic patterns. It may also be made up of elements and organizing principals determined by group and collective behaviors, e.g. the social-cultural
dynamics of an Indonesian gamelan or Dixieland jazz ensemble. In either case, the
model serves both as a basis of reference and a point of departure for improvisation.
The act of musical improvisation occurs in many, if not all, of the worlds musics.
For example: Indian classical music Hindustani and Carnatic - dating back to
the 5th century utilizes the raga-tala as the chief organizing principles for extempore transformations. Within Arabic-Persian music cultures many of the traditional forms are structured around the maqam phenomenon (Touma 1996). The
use of diminutions in Western art music beginning with the Ars nova of the 14th
century, mark an important performance practice that reached its apex during the
baroque period (1600-1750), then a precipitous decline at the dawn of the 20th
century. Most, if not all, Afro-Cuban son-based musics utilize the clave as the central organizing principle [Example 1].
All of these models, systems, and/or procedures are derived from generations of
practice and observation, which suggests that there is a dialectic and tension that
characterizes the process of modeling. The philosopher and statesman Kwame
Nkrumah summed up this dialectic process in the statement, Theory without
practice is empty. Practice without theory is blind (Nkrumah 1970:78). In addition to other cultural imperatives and historical exigencies that necessitate this coupling of thought (theory) and practice - such as survival and human progress on a
collective level - there also seems to be an inherent drive in each individual for novelty or newness. In his discussion of neophilia5, Geoffrey Miller states: [it] is so intense that it drives a substantial proportion of the global economy, particularly the
television, film, publishing, news, fashion, travel, pornography, scientific research,
psychoactive drug, and music industries (Wallin 2001: 345). He suggests that
music functions as a creativity indicator, or a means by which humans strive to
form and maintain relationships with sustained interest and attraction. He also
states that this indicator could be tested by seeing whether the capacity for musical improvisation and innovation correlates significantly with intelligence and creativity according to standard psychological measures (Wallin 2001: 346).
Codifying and documenting the model in the form of the musical score has its varied theoretical and practical purposes, but according to Derek Bailey there is [also]
something central to the spirit of voluntary improvisation which is opposed to the
aims and contradicts the idea of documentation (Bailey 1992:ix). In other words,
there is a human need to improvise.
223
Analogous to speech/language
224
There have been many analogies drawn between music and speech, including between improvisation and spontaneous speech (e.g. Deutsch 1982; Sloboda 1985;
Pressing 1988). Speech can be viewed as a model for music as grammatical paradigm, and the laying out or situating of various forms of a word (e.g. conjugating a
verb, deconstructing sentences and parts of speech). If we consider, for example,
reading a given text as analogous to an imitative rendering of a specific melody,
then the analogy holds. [Figure 1] But most readers, as with musical artists, are
more concerned with maintaining coherence6 than with reproducing faithfully what
has been read (De Beaugrande 1981:291). This is especially true in one-to-one
conversation where gestures also contribute to meaning. Improvisation, like extemporaneous speech may involve tangential deviations, some of which may enrich the conversation, while some of what is played (or spoken) may actually diverge
from what is intended or desired. In this sense, an extensive musical vocabulary
may be either a source of clarity or at the other extreme, obfuscation. As with
speech, syntax and meaning are as much a reflection of skill as it is a will or intention to communicate (Hallam 2008:25). If the focus upon the anatomy and technique of the music is not in the service of communication, then what do we have
left? Cecil Taylor commenting on John Coltranes playing once said: His tone is
beautiful because it is functional. In other words, it is always involved in saying
something. You cant separate the means that a man uses to say something from
what he ultimately says. Technique is not separated from its content in a great artist
(Taylor 1959).
Figure 1 Analogy between Language and Music
Language
Music
Reading
Reading
Writing
Composing
Extemporaneous speech
Improvising
prototypes, on the other hand, tends to celebrate the striving and revelation of singular human voices. In other words, the aesthetics of imperfection is humanistic
(Hamilton 2007).
But there is a dialectic, and potentially symbiotic relationship between composing
and improvising as well, as Bailey suggests: There is scarcely a single field in music
that has remained unaffected by improvisation, scarcely a single musical technique
or form of composition that did not originate in improvisatory practice or was not
essentially influenced by it. The whole history of music is accompanied by manifestations of the drive to improvise (Bailey 1992:x). I would add that composition (the archetype) also informs improvisatory performance practice. For example,
reading the score for its graphic content, and realizing the sonic possibilities of permutations of melodic shapes is a common practice amongst advanced players. [Example 2]
Different cultures value improvisation differently. Within Western art music history improvisation was arguably valued more in earlier periods (e.g. the Baroque
1600-1750) and less so in subsequent periods as the written composition (and individual composer) rose in importance and cultural value. This transition in value
was also influenced by political-economic factors as well (Attali 1992). Ironically,
it is within a decidedly western society (the United States) that an art form (jazz)
developed that would celebrate the aesthetics of imperfection. Too often this development has been oversimplified and characterized as a melding of European
harmonies with African rhythms.
From the New York Sun, in 1917:
Jazz music is the delirium tremens of syncopation. It is strict rhythm with out
melody . . . the music of contemporary savages taunts us with a lost art of
rhythm. . .for jazz is based on the savage musicians wonderful gift for progressive retarding and acceleration guided by a sense of swing.
225
226
These writers were obviously shortsighted, if not outright racist, inferring and
modeling a complex of cultural relationships and correspondences of identity [Figure 2].
Figure 2
European
African
Melody/harmony
Rhythm
Composition
Improvisation
Literacy
Orality
The Mind
The Body
making. Coherence in musical improvisation is therefore, not only when a performer aligns their playing with, and/or deviates from a given melody, harmonic
structure and rhythmic feel of a given composition; but when she does so creating
logic that is consistent with the group.
Coherence in linguistics is what makes a text semantically meaningful. Robert de
Beaugrande defines coherence in his discussion of textuality, or music as text: It is
the principal that connectivity should obtain among the underlying concepts and
relations (De Beaugrande 1981:296). Moreover, it reflects a continuity of senses
(Luo 2003). Although a player may not play all of the right notes, pointing to or
being referential can, according to Ian Cross, create meaning. (Hallam, Cross &
Thaut 2009:25) Roland Wiggins also underscores the difficult, yet importance of
coherence by noting it is a historic moment when a musician successfully merges
or connects the kinesthetic, semantic and syntactical aspects of music. (Lateef
1981: preface) [Figure 3]
Figure 3
Kinesthetic
Semantic
Syntax
227
228
Why do we like and choose to listen to the music we do? From the perspective of
the improviser: why do we choose to play a certain way? Or do we play what we prefer to hear? Preferences are the choosing, or giving advantage to one thing over another, yet they are broadly speaking, short-term commitments, i.e. the music,
whether a style or piece, that people like and choose to listen to at any given moment and over time (Price 1986). Taste, on the other hand, is a relatively stable
valuing. Here we move into the domain of aesthetics, especially considering the
guiding principles derived from a given historically definable jazz community or
the local. In his discussion of a dialectic and continuum between composition and
improvisation, Andy Hamilton notes, the aesthetics of imperfection finds virtues
in improvisation which transcend the errors in form and execution (Hamilton
2007:196). Both the challenge and cultural constraints for jazz musicians are to
find solace and motivation in the process of music making, while being viable within
broader global communities that value the end product.
Coherence:
considering the formal and informal constraints
Coherence, and I would argue effectiveness, is proportional to the repertoire of procedures or options a musician has under her control. Some of these procedures are
- as stated above - formalized constraints of the music, while other restrictions are
external, i.e. aesthetics. Within the formal domain: It is clearly not enough for an
improviser to know his or her performance must be structured. The improviser
must have rapid access to a large and well-organized body of knowledge (Deutsch
1982: 484). If we assume that all musical structures are determined by a tonal-spatial factor and a rhythmic-temporal factor, then we must not privilege one over another. Within the informal domain, control may be marked by an awareness and
access to culturally specific languages or musical vernaculars. In certain musics (e.g.
maqam performance) pitch organization may dominate. In others (e.g. hip hop)
rhythmic preferences and its subsequent attention, may reign supreme. But what
happens when rap - a western musical derivative - invades or influences musics of
the Middle East?8
Not only is there a need to re-attend, but also assume that other aspects of cognition (e.g. expectation and discrimination) are also potentially confounded. The
ability of the improviser to produce a desired or intended result (i.e. efficacy) within
this new cultural context is largely determined by her control of both the formal
and informal domains of constraints. In their discussion of musical preferences Lamont and Greasley state that: motivations for music listening are context-dependent (Hallam, Cross & Thaut 2009:164). This must also be true of improvisers,
if we assume that culture should not be treated as a variable but rather as the
medium through which all real-life experiences are mediated (Hallam, Cross &
Thaut 2009:165-6).
Musical cognition of an improviser involves a consistency of attention, cohesion in
establishing expectation, and a clarity of discrimination within a framework of formal and informal constraints. The freedom of improvising actually means playing
FREEly within, and because of, a DOMain. It is precisely this domain (i.e. the constraints) that provides the point of departure and frame of reference for meaning
and intentionality, especially in a group context (Hallam, Cross & Thaut 2009:
24-25). As the bassists Chuck Israel reflects:
People never understood how arranged Bill Evans music really was. Sure, it was
free and improvised. But the reason we could be so free is that we already knew
the beginning, the middle, and the ending. (Berliner 1994: 289)
229
movement and a sensual acuity of the present moment. Although this experiment
only points to the linkages, it is supportive of other research that underscores the
importance of a laboratory that studies group dynamics of improvisation.
230
No Me Esquea
There exist a large set of formal constraints which comprise a blueprint or skeleton for improvisation; some determined by common practice [and hence global]
and some determined by individual [or local] artists (Sloboda 1985:13). No Me
Esquea is exemplary of formal constraints. It is a jazz standard that has been
recorded no fewer than 70 times by various artists. The experiment is to determine in what ways would young musicians (ages 18-24) align themselves with, and
subsequently deviate from, the melody while responding to relatively fixed rhythmic and harmonic accompaniment upon which this melody is based. Harmonically, No Me Esquea [Example 3] presents a series of ii-V-I patterns in a descending
sequence, after eight measures of modal harmony on A Dorian and C Dorian:
Cm7-F7-Bbma7 / Bbm7-Eb7-Abma7 / Abm7-Db7-Gbma7 / Gm7-C7-Fma7. It
then culminates in an E7#9 chord (split third). The melodic contour largely consists of arc and inverted arc structures, with a tessitura of a tenth [C0 to Eb1].
Contexto histrico
Jazz and other musics of the African Diaspora exhibit what Olly Wilson refers to
as six tendencies (Floyd 1985:262). Amongst them:
There is a tendency to create musical forms in which antiphonal or call-andresponse musical structures abound. These antiphonal structures frequently
exist simultaneously on a number of architectonic levels.
This notion is also articulated in the work of Anthony Braxton (1985) who suggests
that there is a cognitive feedback loop predicated upon reflexive performance
practice, i.e. constructing models based upon self-referential terms. Jazz, like other
musics of the African Diaspora10, are musics born of a particular historical specificity, i.e. Within historically definable communities and cultures (Becker 2004).
Jazz, like other world musics, began as a local expression. It has flourished and become a vehicle to/for many musicians across space-time (as mentioned above).
Questions of essentialism not withstanding, call and response, although profoundly articulated as paradigmatic of African Diaspora music cultures, has remained a central organizing principle wherever jazz is performed. Any
methodology used in examining the nature of jazz/improvisation should therefore
consider the importance of studying cognition as the interaction of a person [the
performer] with a milieu (Becker 2004:6).
For Joe Henderson (1937-2001) the harmonic rhythm was not the only constraint
or parameter employed in his playing. For example, the melodic contour played as
a real sequence was a common device he employed to generate both variety and cohesiveness in a piece. This was done not only in response to the internal logic of
the harmony, but always as a response to the sonic exigencies presented by the
rhythm section. According to the bassist Rufus Reid, he would take all kinds of liberties in his solo. Hed take things outside, playing notes from chords superimposed on the original chords of the piece [but] no matter the direction in which
he stretches it, nor how far, Henderson never allows it to break, but returns it always to form (Berliner 1994:226).
Methodology
The composition was taught by: demonstration, sheet music, directed listening of
recordings, and an analysis of the harmonic rhythm. This information was presented in the following manner:
Teach the scale-chord theory specific to the composition [Example 4]
Teach the basic rhythm patterns: 2:3 clave, cascara, timbao, pulse [Example 1]
Have students [at minimum] demonstrate the memorization of the melody,
harmonic rhythm, and basic rhythm [percussion] patterns
231
232
Have students perform [in rehearsal] improvisations of two choruses once each
week
Record student improvisations over 6 week period
Transcribe student performances.
Analysis
Figure 5 Comparisons.
Original melody
more than once in a session grew with the process. They began to talk about and develop strategies for soloing on/over certain harmonies using more of the rhythms
played by the percussion section. The reflective aspect of critiquing themselves performing has proven useful as they begin to note: 1) what they were pointing to or
trying to reach, hence know specifically what they need to practice; and 2) how
their sound may differ from their peers, but contains its own logic and can thus
be appreciated accordingly.
Conclusions
At minimum, my students have come to realize that being a jazz musician is not
as easy as common perception and popular narratives may project. They sense now,
as Derek Bailey has suggested, that there is no musical activity which requires
greater skill and devotion, preparation, training and commitment (Bailey 1992:x).
They made many comparisons with being an athlete, as well as statements regarding specific physical challenges to executing rapid passages (dexterity); slow passages/phrases across the bar (breath control), and the need to simultaneously hear
ones self and others, i.e. concentration. The ability to improvise and the concordant cognition are not unlike a good basketball or soccer player, who practices both
individual technique and set group plays ad infinitum. She is then exposed to real
game situations where she cannot afford to think outside of time constraints, but
must see and feel a play unfold. The exigencies of the moment allow for an expression of relevant technique that has been thoughtfully, if not unconsciously,
embodied (as in the Latin, incorporare). The question remains as to whether there
are musical tendencies generated in these early stages of improvising that can inform the learning process. Are their tendencies that are only expressed within a
group context? A much larger sample must be taken, and over a longer period of observation.
Perhaps it is an obvious point that the more one practices, e.g. scales, arpeggios, and
other melodic patterns the better one will play. Embodiment infers that the performer has internalized the scale, the chord, or the pattern, i.e. remembered them
in her body. But this is no guarantee of proficiency or efficacy as an improviser. This,
of course, would be analogous to someone memorizing subject-specific vocabulary
with the expectation of giving extempore speeches on that given subject. This may
be the case of a necessary, but insufficient condition of preparation. A sufficient
condition would include intentionality, or a purpose for constructing a model or
an image. According to Fela Sowande: Imagination really means the ability to give
birth to images (Cole 1976: 186). Although there are noticeable tensions, anxiety,
and resistance to improvising, even in the safe environment of the classroom, it
is in fact, this type of musical milieu that helps cultivate a sense of order, syntax,
and a raison dtre for our imagination. Part of the challenge for educators and mu-
233
234
1 Sloboda, John A. (1985) The Musical Mind: The Cognitive Psychology of Music. Oxford:
Clarendon Press, p. 13
4 Cogito ergo sum (I think, therefore I am) forms the basis of a dominant narrative within Western philosophical thought that assumes a separation between mind-body, as well
as situates the mind as primary.
8 Consider for example, the very popular Ceza (Bilgin zalkan) the Turkish rapper.
http://www.myspace.com/ceza
9 The process of mentally hearing and comprehending music, even when no physical sound
is present.
10 The African Diaspora, especially in the Americas has produced many forms that may include some degree of improvisation: e.g. samba (Brazil), son (Cuba), blues (U.S.), rara
(Haiti), reggae (Jamaica), and calypso (Trinidad).
11 A melodic unit typically, four to eight measures long, which expresses a complete musi235
cal thought
12 Pitch(s) that serve as a connection between or a decoration of the more important pitches
of a melodic line, e.g. types include: passing, escape, anticipation, retardation, suspensions.
13 I was fortunate to have studied privately with Mr. Henderson from 1979-1981.
14 David Sheinfeld. http://www.creativefilms.com/Sheinfeld/David_Sheinfeld/
Biography.html
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Palavras Chave
Soundpainting, improvisao, formao musical.
237
238
gesto no impe, sugere. As fronteiras que delimitam os papis do intrprete, compositor e regente na msica de concerto so questionadas e, em Soundpainting, se
tornam assim elsticas, vazadas, transpassadas em um campo que no se fecha no gnero, mas que se abre na experincia de atravessar o momento pelas vias da performance criativa.
239
240
Seguindo a sintaxe da linguagem, preciso sinalizar respectivamente quem participar da performance, que contedo deve ser explorado naquele momento da
composio, como abordar aquele contedo (em que dinmica/tempo) este gesto
pode ser utilizado ou no pelo soundpainter, e quando/de que forma comear.
Como exemplo, temos abaixo figuras (1 6) dos gestos utilizados na frase <Whole
Group Todo Grupo>, <Long Tone Nota longa> (altura mdia), <Volume
Fader (piano) Volume piano>, <Play Toque>.
241
1. Whole group.
2. Long tone.
1. Volume fader.
2. Play.
3. Play (2).
(Todas as imagens tiveram sua reproduo autorizada por Walter Thompson)
sar, e pode demonstrar um nvel no qual a compreenso musical no seja revelada nem ampliada. (Swanwick 2003: 95)
242
soundpainter, a aproximao com a metfora cartogrfica na idia de traar um percurso e neste encontrar respostas nos posiciona como acompanhadores de processos em curso, neste caso a improvisao, que nos convoca para um exerccio
cognitivo peculiar [. . .] que requer uma cognio muito mais capaz de inventar [improvisar] o mundo, [. . .] inveno que somente se torna vivel pelo encontro fecundo entre pesquisador [msico] e campo [de] pesquisa [performanceimprovisao-soundpainting], pelo qual o material a pesquisar passa a ser produzido e no coletado. (Amador e Fonseca 2009: 31, grifo meu) Na percepo e interao com o ambiente sonoro gerado em atividades de Soundpainting o
msico-pesquisador se posiciona como aquele que v [ouve] seu campo de pesquisa de um determinado modo e lugar em que ele se v compelido a pensar e a ver
[e, neste caso tambm, agir] diferentemente, no momento mesmo em que o que
visto [ouvido] e pensado se oferece ao seu olhar [ouvir] (idem).
Para a situao em que o aluno atua como performer, buscamos organizar frases de
Soundpainting que explorem diferentes aspectos musicais e dificuldades particulares de cada instrumento e acompanhamos o desenvolvimento das respostas improvisadas, a adaptabilidade e comunicabilidade entre os membros do grupo e a
sonoridade geral. Para a situao na qual o aluno atua como soundpainter, buscamos
perceber como o mesmo se relaciona com as sonoridades improvisadas pelo grupo,
delimitamos, como exerccio, quais e quantos gestos devem ser utilizados nas composies e avaliamos as decises que este faz para estabelecer o andar da composio. Outro exerccio utilizado uma espcie de ditado de Soundpainting,
desenvolvido pelo soundpainter Vincent Le Quang, professor do Conservatrio de
Paris, no qual uma frase apresentada ao aluno que, aps ouvi-la, tenta reproduzila enquanto soundpainter, utilizando os gestos correspondentes s sonoridades cantadas, trabalhando assim sua percepo.
Dada a histria da linguagem Soundpainting que surgiu, foi desenvolvida e explorada predominantemente na rea da performance e, uma vez que a natureza desta
linguagem flexibiliza os papis e a atuao de instrumentistas, compositores, regentes, obscurecendo a linha divisria entre composio, performance e improvisao, torna-se necessrio adaptar ou criar mtodos para observar e investigar os
processos gerados por esta prtica musical enquanto ferramenta de formao. Uma
base que utilizamos para avaliar e compreender o trabalho em desenvolvimento na
UFJF com a linguagem Soundpainting, provem dos mtodos de investigao propostos por Sloboda (2008) e apontados por Fogaa (2009: 382):
1.Exame da histria de uma determinada composio, conforme os manuscritos
do compositor.
2. Anlise daquilo que os compositores dizem a respeito de seus prprios mtodos de composio.
3. A observao ao vivo dos compositores durante sesses de composio.
243
244
Concluso
A linguagem de sinais para improvisao Soundpainting surgiu e foi explorada majoritariamente na rea da performance, mais precisamente na performance ligada
ao jazz, e, por isso, a pesquisa com esta linguagem no meio acadmico se encontra
ainda em fase inicial. Observando o conjunto de prticas possveis de serem realizadas com a mesma, notamos que o exerccio da improvisao estruturada proposto
com Soundpainting possibilita mudanas de perspectivas que podem trazer benefcios para a formao musical do indivduo. O aluno deixa de ser apenas um instrumentista que cumpre com sua agenda de exerccios e com um repertrio de peas
compostas por compositores de diversas pocas e passa a ser tambm um criador,
capaz de ouvir, pensar e lidar com a msica de outras formas. Com essa experincia, esperamos contribuir para que os processos de desenvolvimento musical sejam
mais amplos e diversificados, que ofeream ao aluno outros meios para expressar sua
musicalidade.
Referncias Bibliogrficas
Amador, Fernanda & Fonseca, Tnia Mara Galli. 2009. Da intuio como mtodo losco cartograa como mtodo de pesquisa consideraes sobre o exerccio cognitivo
245
Palavras-chave
Expressividade Musical e Cognio; Cravo; Dedilhados em Teclas; Ensino de teclados.
Introduo
Em msica, o termo expressividade geralmente utilizado para designar os elementos de uma execuo relacionados s respostas pessoais ou subjetivas dos ouvintes, as quais podem variar entre diferentes interpretaes de uma mesma pea
(Baker, N. K. & Scruton, R., 1980, p.326). Estes elementos da execuo normalmente relacionam-se dinmica e ao fraseado. Se, por exemplo, um professor de instrumento aconselha seu aluno a tocar de forma mais expressiva, normalmente o
aluno focalizar sua ateno em aspectos como a articulao, o andamento, o fraseado e a dinmica, de modo a obter o resultado sonoro adequado para transmitir
a emoo ou idia pretendida. Neste contexto, a expressividade est relacionada
execuo musical ou performance.
Na rea da crtica musical, entretanto, o termo expressividade apresenta sentido
diverso; neste caso, costuma-se afirmar que a prpria pea expressa uma emoo ou
idia. Mas o que significa dizer que uma composio expressiva de certos estados
mentais? Este um problema que tem provocado constantes debates na filosofia e
esttica contemporneas.
Considerando que a pea musical pode ser expressiva por si prpria, parece natural perguntar: o que ela expressa? Revela-se, ento, o carter transitivo direto da expressividade musical: ser expressiva equivale a expressar algo. Contudo, no exemplo
anterior do professor de instrumento, a questo abordada por uma perspectiva diferente, do ponto de vista do intrprete, o qual poderia se perguntar: o que desejo
expressar para os ouvintes? Aqui, revela-se o carter transitivo direto e indireto da
expressividade: expressar algo para algum.
Portanto, destacam-se dois aspectos da expressividade musical: o transitivo direto
(TD), considerando a pea composta, e o transitivo direto e indireto (TDI), que se
refere execuo ou performance (Baker, N. K. & Scruton, R., 1980, p.327). Neste
trabalho ser abordado apenas o aspecto relacionado execuo, tendo em vista o
objetivo de apresentar um estudo sobre alguns dos elementos ligados ao ensino e
performance cravstica.
Numa execuo musical, normalmente as metas a serem alcanadas so a superao
das dificuldades tcnicas e a conquista de nveis de excelncia em termos de sonoridade e expresso. Observa-se, porm, que durante a preparao do repertrio geralmente estes parmetros so abordados de forma apartada, principalmente pelos
alunos de instrumento. No raro encontrarmos estudantes que, na fase inicial de
leitura e estudo do repertrio, dedicam-se primeiramente resoluo dos problemas tcnicos, ocupando-se das questes expressivas somente em momento posterior. Estudos recentes (Gerling, C. C., 2009, p.51) tm demonstrado que a
preocupao com a emoo a ser comunicada no costuma ser priorizada pelos estudantes de msica em geral.
A princpio, esta abordagem centrada na superao das dificuldades tcnicas pode
parecer eficiente, pois sugere um certo grau de controle das etapas de estudo; porm,
em alguns casos, tal metodologia poder resultar em problemas de difcil resoluo
(Jorgensen, H., 2004, p.89). Cuidar dos aspectos expressivos somente nos estgios
mais avanados da preparao do repertrio pode levar descoberta de que algumas
247
248
escolhas feitas inicialmente no favorecem o carter expressivo que se deseja imprimir ao trecho. Neste caso, podero ser necessrias alteraes substanciais em elementos como, por exemplo, o dedilhado. Entretanto, nos estgios mais avanados
do estudo o intrprete provavelmente encontrar dificuldade para incorporar tais
modificaes, uma vez que dever primeiramente desaprender o que havia automatizado para, depois, reaprender o trecho de forma a transmitir a idia ou emoo musical pretendida.
Assim, o presente trabalho procura trazer algumas consideraes sobre as vantagens de uma abordagem simultnea dos elementos tcnicos e das intenes expressivas desde a primeira leitura do repertrio, no caso particular do estudo de
dedilhados no cravo, e os aspectos cognitivos relacionados a este tipo de abordagem. Como texto central para a reflexo foi utilizado o tratado de Carl Phillip Emanuel Bach (1753, traduo de W. J. Mitchell, 1949) em seu captulo dedicado aos
dedilhados. Pretende-se investigar a maneira como este autor trata a relao dedilhado-expressividade e, com isso, obter elementos que possam auxiliar uma anlise
das vantagens de uma abordagem simultnea destes fatores na prtica e no ensino
cravsticos. So comentados, ainda, os resultados da observao dos trs alunos de
cravo, cujas aulas e sesses de estudo foram analisadas durante o segundo semestre
de 2009, no Departamento de Msica do IA/UNICAMP.
249
250
Na seqncia, so apresentadas as duas principais formas de possibilitar que grandes extenses do teclado sejam percorridas: 1. a passagem do polegar; 2. o cruzamento dos dedos. O autor adverte, ainda, que alguns movimentos devem ser
evitados, pois resultam em tenso excessiva.
Continuando suas indicaes, o autor sugere que um bom treinamento de dedilhado seria a prtica de escalas e, a partir da, passa a descrever todas as tonalidades
com os dedilhados apropriados, alguns de uso corrente e outros alternativos. curioso notar que nas tonalidades sem acidentes (e tambm com poucos acidentes)
como, por exemplo, Do Maior e la menor, os dedilhados antigos sejam apresentados como preferenciais. Todavia, C. P. E. Bach tambm apresenta outras opes e
em momento algum probe o uso dos dedilhados modernos. Nota-se, ainda, que
medida que os acidentes aumentam, as opes de dedilhado diminuem, ou seja, nas
tonalidades mais acidentadas somente h um dedilhado considerado bom (Bach,
C. P. E., 1753/1949, p.58).
Ao concluir a apresentao das escalas, o autor explica que as passagens do polegar
e os cruzamentos devem ser aplicados de forma que as notas envolvidas possam
fluir suavemente. Destaca-se, aqui, sua preocupao com a regularidade do toque e
a sonoridade, mesmo num estudo que pode parecer puramente tcnico, como o
das escalas.
Percebe-se no discurso, ainda, um carter de aconselhamento, no havendo imposies de regras consideradas absolutas. Isto pode ser verificado em diversas passagens como, por exemplo, quando o autor menciona que se o instrumentista achar
mais confortvel utilizar um dedilhado diferente daquele que recomenda, poder
faz-lo sem problema, contanto que o conforto no seja apenas imaginrio (Bach,
C. P. E., 1753/1949, p.59). Esta observao sobre a questo do conforto imaginrio pode levar-nos a uma reflexo sobre nossa atitude como intrpretes, se costumamos nos analisar durante os estudos, se estamos abertos a novas abordagens, etc.
Aqui, pode-se considerar que j neste tratado do sculo XVIII est presente a noo
acerca da importncia do aspecto metacognitivo no estudo e preparao do repertrio. Isto permite traar, neste ponto, um paralelo entre as indicaes do autor e
as pesquisas atuais sobre expressividade na performance (Jorgensen, H., 2004, pp.9798).
Depois de apresentar os dedilhados para todas as escalas, o autor passa a recomendlos para diversas situaes musicais. Analisando pequenas seqncias meldicas, o
autor afirma que as notas repetidas devem ser tocadas alternando-se os dedos, o que
proporciona um melhor resultado sonoro. Para ele, a utilizao do mesmo dedo
em notas repetidas causa um desligamento excessivo. Esta observao exemplifica
e destaca a importncia da escolha do dedilhado para a obteno da sonoridade desejada num determinado trecho.
A abordagem do dedilhado para os intervalos harmnicos e meldicos tambm
feita de forma gradativa no tratado, comeando pelos intervalos com notas mais
prximas (teras), e passando pelos demais at chegar oitava.
O autor discute, tambm, os possveis dedilhados para acordes com trs notas, organizando sua exposio de acordo com os tipos de intervalos que constituem os
acordes. Assim, primeiramente apresenta os acordes que contm intervalos de 3 e
4, depois acordes com intervalos de 5 e, em seguida, aqueles com intervalos de 6,
7 e oitava. Destaca-se, novamente, a organizao didtica do texto, buscando facilitar a compreenso por parte do leitor.
Aps tratar dos acordes com trs notas, so expostos os dedilhados para os acordes
com quatro notas e, da mesma forma que antes, organiza-se a seqncia segundo os
intervalos contidos nestes acordes. Neste trecho, a preocupao central do autor
se volta para o conforto das mos; assim, se necessrio, poder ser utilizado o polegar ou o 5 dedo nas teclas alteradas, de forma a evitar uma tenso excessiva. Notase, portanto, que as regras anteriormente sugeridas so flexveis, prevalecendo a
questo do conforto e do relaxamento.
Na parte final do captulo, o autor relaciona o grau de clareza da execuo com a
uniformidade do toque, e afirma que no se pode esperar o mesmo resultado de
um dedo fraco e de um mais forte (Bach, C. P. E., 1753/1949, p.69). Deste trecho,
pode-se deduzir que uma execuo clara, nos instrumentos de teclado, depende da
coordenao dos movimentos e do controle da fora nos dedos; utilizar dedos mais
frgeis em notas de destaque seria, segundo esse apontamento, inadequado. Assim,
ressalta-se que a escolha do dedilhado deve levar em considerao, entre outros fatores, as intenes expressivas pretendidas para o trecho.
Com relao ao ensino de teclados, o autor afirma que existem duas maneiras inadequadas de abordar os dedilhados: a primeira seria aquela totalmente baseada nos
costumes antigos, proibindo a utilizao do polegar, pois nesse caso haveria um
rigor excessivo; a segunda seria o ensino completamente livre, sem diretrizes nem
princpios, pois nesse caso haveria excesso de liberdade (Bach, C. P. E., 1753/1949,
p.70). Revela-se, portanto, um posicionamento intermedirio por parte do autor
com relao ao ensino dos dedilhados, procurando evitar extremismos.
Por fim, pode-se destacar uma ltima observao a respeito da tcnica e sua influncia na expresso. Segundo o autor, o cruzamento necessrio das mos em algumas passagens no seria apenas motivado pela facilidade que proporciona
execuo das mesmas, mas principalmente porque sem esse recurso a expressividade das linhas poderia ficar prejudicada (Bach, C. P. E., 1753/1949, p.78). Aqui,
observa-se que o autor menciona explicitamente a relao entre um elemento que,
primeira vista, pode parecer puramente tcnico, com o resultado expressivo que
se pretende obter.
251
como uma regra, na verdade ela prpria contm uma ressalva, pois o autor menciona que tais notas raramente sero tocadas com estes dedos, somente quando for
necessrio. Assim, quando uma pea exigir a utilizao destes dedos em teclas alteradas com certa freqncia, a regra ser desrespeitada diversas vezes. Fica clara, portanto, a flexibilidade com que o autor aborda a questo. Embora indique qual seria
o dedilhado prefervel em diversas situaes musicais, no h nenhuma proibio
explcita. Certamente, haver ocasies em que um nico dedilhado se mostrar adequado; mas, em geral, no havendo prejuzo para o resultado sonoro e expressivo, a
escolha do dedilhado pode ser realizada de maneira flexvel.
Segundo Kroll, M. (2004), a escolha do dedilhado um dos elementos estruturais
da tcnica tecladstica, tendo impacto direto na interpretao da pea. Este autor
recomenda, ainda, que os intrpretes no devem ser obsessivos com relao adoo de um dedilhado considerado autntico, nos moldes dos dedilhados antigos,
pois o principal fator que deve direcionar a escolha a sonoridade produzida. Para
Kroll, se o efeito expressivo for conseguido por outro caminho, no h obrigatoriedade alguma em utilizar-se este ou aquele sistema de dedilhados. Observa-se, portanto, que o princpio da flexibilidade das regras permanece presente nas
publicaes atuais sobre o tema.
253
254
A partir destas observaes, foi possvel constatar que h uma preocupao inicial
dos estudantes em tocar corretamente as notas, no andamento considerado correto, e que a escolha do dedilhado volta-se principalmente para a questo da convenincia e do conforto das mos, raramente sendo associada ao aspecto expressivo.
No estgio inicial de leitura do repertrio, os elementos expressivos so, de certa
forma, negligenciados. Isso acontece, muitas vezes, mesmo depois dos professores
demonstrarem a importncia do dedilhado e sua influncia no resultado sonoro
final.
Durante as observaes foi constatado ainda que, em diversas ocasies, o dedilhado
utilizado nas primeiras leituras ocorre ao acaso. Houve situaes, tambm, em que
mesmo aps o aluno refletir sobre a melhor escolha para o dedilhado e anot-lo na
partitura, durante execues posteriores a escolha no foi mantida e o dedilhado foi
conduzido aleatoriamente.
Os resultados das observaes, embora obtidos em carter preliminar e com nmero reduzido de participantes, esto em concordncia com dados encontrados
em pesquisas recentes sobre a abordagem das questes interpretativas no ensino
instrumental (Gerling, 2009 e Karlsson, 2008), as quais concluram que o ensino
tem sido focalizado geralmente na tcnica e na decodificao da partitura escrita,
havendo uma falta de metas claras com relao ao desenvolvimento da comunicao e expresso das emoes. Ainda de acordo com essas pesquisas, a preocupao
com a expresso das emoes em msica no parece fazer parte da prtica diria da
maior parte dos estudantes de instrumento.
Numa tentativa de compreender as razes que poderiam contribuir para este cenrio, os estudantes foram questionados informalmente sobre suas perspectivas
com relao ao instrumento, seus objetivos frente preparao do repertrio e a
forma como pensam a respeito do aspecto interpretativo. Foi constatado, entre os
motivos mencionados pelos estudantes, que h um destaque principalmente para
a falta de objetividade no tratamento da expressividade por parte dos professores,
para a valorizao do contedo escrito na partitura, e que sua meta principal frente
ao repertrio a de toc-lo corretamente (notas/alturas, articulao e andamento).
Com isso, a expressividade/interpretao considerada como algo no obrigatrio
num primeiro momento. Curioso notar que, apesar de todos os alunos referiremse articulao, este fator percebido mais como um aspecto obrigatrio da tcnica
cravstica, e sua associao com a questo interpretativa no se d logo de incio.
Consideraes finais
Tendo em vista as questes discutidas anteriormente, percebe-se que uma abordagem simultnea do dedilhado e das intenes expressivas fundamental tanto na
preparao do repertrio para uma performance, como tambm no estudo e aprendizado dos teclados. Tal abordagem pode evitar que correes e alteraes sejam
necessrias num estgio avanado de preparao das peas, poupando tempo e esforo por parte de instrumentistas e estudantes.
Sendo assim, as decises acerca do dedilhado podem ser consideradas como mais
um recurso expressivo para os instrumentos de teclado, sobretudo para o cravo,
uma vez que auxiliam o instrumentista a obter a articulao, a inflexo e o fraseado
adequados.
Pelas observaes realizadas no decorrer desta pesquisa e nos demais trabalhos realizados sobre o tema, foi possvel constatar que os estudantes costumam trabalhar
os aspectos expressivos somente num momento em que o estudo do repertrio esteja bem avanado, ou ento simplesmente se esquecem desse aspecto, focalizando
a ateno apenas na decodificao da partitura e menosprezando a questo expressiva e de comunicao de emoes.
Um ponto a ser considerado que, especificamente no caso do cravo, as respostas
obtidas dos participantes podem ter alguma relao com as caractersticas do repertrio/partituras que os mesmos costumam estudar, uma vez que as peas normalmente no trazem indicaes explcitas sobre articulao, dinmica, fraseado,
andamento, etc, diferentemente do que ocorre nas edies para piano. Este fator
pode, de certa forma, contribuir para que a associao entre os aspectos da leitura
inicial e a expressividade sejam pouco relacionados pelos estudantes, principalmente
devido importncia dada quilo que est escrito. Curioso notar, entretanto, que
nas demais pesquisas citadas (Gerling, 2009 e Karlsson, 2008) os resultados foram
obtidos a partir da observao de alunos de piano, viola e violo, cujo repertrio
costuma apresentar indicaes exaustivas com relao dinmica, fraseado, andamento, etc, e ainda assim a expressividade permanece, quando muito, em segundo
plano na abordagem dos estudantes.
Embora os dados preliminares obtidos neste trabalho sejam insuficientes para fornecer resultados conclusivos sobre a questo, em parte devido ao nmero reduzido
de alunos observados at o momento, mostraram-se em consonncia com pesquisas mais amplas j realizadas sobre o assunto. Desta forma, torna-se evidente a necessidade de uma maior reflexo sobre as questes aqui levantadas, principalmente
por parte dos educadores musicais ligados ao ensino dos teclados, a fim de que possam ser esclarecidas as dvidas que porventura existam com relao ao tema e discutidas possveis formas de conquistar a ateno dos estudantes que ainda no
estejam familiarizados com a abordagem simultnea da tcnica e da expresso, nem
convencidos de suas vantagens.
255
desta observao, as aulas e sesses de estudo no foram gravadas ou filmadas, a fim de evitar qualquer alterao comportamental por parte dos estudantes.
Referncias
256
Bach, C.P.E. ([1753]/1949). Versuch ber die wahre Art das Clavier zu spielen . Trad. William J. Mitchell, Essay on the true art of playing keyboard instruments. New York: Norton.
Baker, Nancy K. & Scruton, Roger. (1980). Expression. In: Stanley Sadie (Ed.), The New
Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Macmillan, v.6, p.325-332.
Gerling, Cristina C. et al.(2009). A comunicao das intenes interpretativas no repertrio musical de estudantes de piano. In: Maurcio Dottori (Ed.), Anais do V Simpsio de
Cognio e Artes Musicais. Goinia: UFG.
Jorgensen, H. (2004). Strategies for Individual Practice. In: Williamon, A. (Ed.) Musical
Excellence: Strategies and Techniques to Enhance Performance. London: Oxford University Press, pp.85-103.
Jorgensen, H. (1998). Is Practice Planned? Oslo: Norwegian Academy of Music.
Karlsson, J. & Juslin, P. (2008). Music expression: an observational study of instrumental
teaching. Psychology of Music 36, p.309-334.
Kroll, Mark.(2004). Playing the Harpsichord Expressively. Maryland: Scarecrow Press Inc.
Schott, Howard. (2002). Playing the Harpsichord. New York: Dover.
Elizabeth Tunes
[email protected]
Universidade de Braslia
Resumo
Este artigo trata da relao entre linguagem falada e msica. Essa relao aqui denominada como sistema musilingustico. Analisa-se, primeiramente como ambas, em sua
forma natural, na filognese, so uma e a mesma expresso. Na comunicao animal e
primitiva, expresso musical e fala (podendo ser aqui entendida como vocalizaes ou,
ainda, como sonorizaes) so um s e o mesmo processo, o que no significa que os
animais possuam a propriedade da fala, mas to somente a possibilidade de sonorizaes
de acordo com as sua anatomia. O seu papel, nesse contexto, de expresso de estados afetivos. A expresso musical, em seu estgio elementar, igualmente o veculo comunicativo de expresso das emoes. Isso est presente e se afirma no percurso
filogentico. A fala seria (Bannam, 2006) um modo de comunicao serial em que os indivduos se revezam na troca de representaes com propriedades recursivas. O ato de
cantar permitiria, igualmente, o compartilhamento de uma atividade simultnea entre seres
humanos e que, como canto grupal, pode ter desempenhado importante papel na natureza pr-lingstica da comunicao humana. Na evoluo da comunicao vocal humana, estariam presentes os seguintes elementos: desenvolvimento de um sistema
auditivo; postura ereta, que implica a natureza da laringe humana e as capacidades de
ressonncia do aparelho vocal; desenvolvimento da respirao voluntria, neotenia do
crnio adulto, mandbula inferior e queixo ortogntos; dimenses da nasofaringe, processamento cerebral para percepo e produo musical; desenvolvimento de centros
especficos para a fala e funes relacionadas ao canto; lateralidade e integrao dos sentidos; dentio onvora; desenvolvimento dos tubos de Eustquio e sinus. O processamento musical possui um papel fundante em relao fala. Na altura, durao e a
capacidade de variar timbres seriam parmetros de uma comunicao potencialmente
significativa presentes na fala e no canto, o que no seria uma simples coincidncia. Na
histria cultural do homem, msica (expresso musical) e linguagem falada so organizadas em plos opostos de um mesmo espectro mas, que, todavia, conservam aspectos comuns. Brown (2001), Geissman (2001) e Mithen (2006) tambm auxiliam nessa
discusso. Na fala e na msica, os nveis significacionais so governados por diferentes
tipos de sintaxes de sistemas, ou seja, diferentes combinaes frasais, podendo ser diferenciadas mais por sua nfase do que por sua espcie, que so representadas por meio
de sua localizao em um espectro. As diferentes interpretaes dos padres sonoros
de comunicao so representadas pelos plos desse espectro. Cada sistema permite a
257
258
criao de novas formas significacionais. Enquanto a linguagem falada enfatiza o referencial significacional do som, a msica enfatiza o seu significado emotivo, a marca registrada da msica. A metodologia utilizada a anlise gentica de Vigotski. Conclui-se
que a linguagem falada um sistema referencial do mundo, importante para a sobrevivncia na cultura, enquanto a msica organiza-se para ser o plo referencial da particularidade das emoes humanas (aspecto que se constitui nos diversos modos de enformar
as diferentes msicas) funo tambm vital para a sobrevivncia d homem em sociedade.
Palavras-chave
Musilinguagem, histria-cultural, desenvolvimento psicolgico
Introduo
A expresso musical e a fala possuem um papel fundante no desenvolvimento humano e na compreenso da musicalidade humana. Antes da histria cultural, na filognese, ou histria natural do homem, a expresso sonora, podendo ser entendida
aqui como expresso musical, e a fala eram o mesmo fenmeno de expresso comunicativa. Mas, a histria cultural est sujeita a novas leis, para alm das leis biolgicas. Na cultura, ambos os planos, biolgico e cultural, influenciam-se e
modificam-se constante e mutuamente, o que significa que, nela, o homem continua tambm se desenvolvendo (Vygotsky, 1996). Entretanto, um novo tipo de desenvolvimento que acontece no homem cultural, o que requer uma compreenso
das leis histrico-culturais.
Luria (1991) destaca em seu estudo sobre a atividade consciente do homem e suas razes histrico-culturais, em concordncia com Vygotsky (1996), que uma das condies, alm do surgimento do trabalho e da ferramenta, condio que leva
formao da atividade consciente de estrutura complexa do homem o surgimento
da linguagem. Luria (1991) define-a como um sistema de cdigos por meio dos
quais so designados objetos do mundo exterior, suas aes, qualidade, relaes entre
eles, etc. (Luria, 1991, p. 78, itlicos do autor). A palavra cadeira designa, por exemplo, um tipo de mvel que serve para assento. Dormir e correr designam aes.
Sobre e juntamente designam relaes diferentes entre objetos. Unidas em frases, as
palavras conservam informaes, permitindo a transmisso da experincia acumulada por geraes a outras pessoas. Os animais possuem apenas meios de expresso
de seus estados, que so percebidos por outros animais, podendo ou no exercerem
influncia neles. somente no homem que surge essa linguagem que designa coisas do mundo exterior, que permite generalizaes e que distingue aes e qualidades. Assim, as condies de surgimento da linguagem devem ser buscadas e
compreendidas nas condies sociais do trabalho, cujo surgimento remonta ao perodo de passagem da histria natural histria da cultura humana.
na forma grupal de atividade prtica do homem, de acordo com Luria (1991),
259
260
reorganiza tambm a vivncia emocional. Forma vivncias e longos estados de esprito que, no se limitando s reaes afetivas imediatas, no se separam do pensamento. Formas de atividade consciente podem tambm surgir por meio de regras
estabelecidas com o auxlio da linguagem. Em sntese, os processos de atividade
consciente do homem so imensamente plsticos e dirigveis. Como bem afirmou
Leontiev (2004), cada indivduo aprende a ser um homem pela apropriao da
cultura.
A Musilinguagem
Aps uma longa etapa evolutiva, em que no havia uma separao entre som musical e som falado, tendo ambos sido uma s coisa, uma musilinguagem, como denomina Brown (2001), inicia-se na cultura uma nova etapa do desenvolvimento
do comportamento humano, ou seja, a separao entre expresso da musicalidade
e fala. Essa separao demanda caractersticas estruturais prprias bem como o aparecimento de novas funes para esses processos. Brown (2001) afirma que existem dois nveis de funcionamento, tanto na msica, quanto na fala, que seriam o
nvel fonolgico (unidades sonoras, por exemplo, P, T. etc.) e o nvel significacional (sentido). Ambos derivam do processo de formao de frases, que envolve uma
discreta unidade que combina sintaxe (processo combinatrio das frases) e frase
expressiva (que utilizaria graves e agudos e enfatizaria determinadas partes da palavra com a inteno de chamar a ateno para ela). O nvel fonolgico seria o nvel
acstico (modos de propagao do som), que governado por um tipo de sintaxe
fonolgica na unidade entre alturas sonoras (grave e agudo) e fonemas (unidades
sonoras). Em uma unidade funcional, combinam-se os morfemas (unidades gramaticais, por exemplo, in), que nutrem o nvel significacional de cada um dos sistemas.
Na fala e na msica, os nveis significacionais so governados por diferentes tipos
de sintaxes de sistemas, ou seja, diferentes combinaes frasais, podendo ser diferenciadas mais por sua nfase do que por sua espcie, que so representadas por
meio de sua localizao em um espectro. As diferentes interpretaes dos padres
sonoros de comunicao so representadas pelos plos desse espectro. Cada sistema permite a criao de novas formas significacionais. Enquanto a linguagem falada enfatiza o referencial significacional do som, a msica enfatiza o seu significado
emotivo. Um grande nmero de funes ocupa uma posio intermediria nesse espectro, incorporando o referencial da linguagem falada e a funo do som emocional presente na msica. Uma cano verbal possuiria uma funo intermediria,
motivo pelo qual, segundo o autor, ela tem ocupado uma posio central na expresso humana ao longo do tempo (Brown, 2001). A seguir, apresentar-se- o modelo de espectro proposto por Brown (2001) em que se pode observar em um plo
o modelo acstico musical, enfatizando o significado emotivo do som e, no outro,
a linguagem, destacando o seu significado referencial. O centro do espectro ocupado pela cano verbal, que o ponto de encontro entre msica e linguagem.
261
busca por sua sincronicidade. A capacidade humana de manuteno de uma pulsao rtmica e de externar batidas est na base da funo mtrica do pulso (batida
regular), o que permitiu, na estrutura musical, a hierarquizao rtmica em dimenses horizontais e verticais, incluindo tambm a polirritmia.
262
Palavras finais
A atividade musical caracterstica da convivncia humana em grupos e cria condies de possibilidade de promover identidade, coordenao, ao, cognio e expresso emocional, alm da cooperao, coordenao e coeso. Envolveu, nas
primeiras tribos humanas, de acordo com Brown (2001), a participao do grupo
social, bem como de indivduos de ambos os sexos e de todas as idades. O fazer grupal caracterstica principal da atividade musical e reflete as regras desse grupo e
seus modos de organizao. Por isso, musicalidade e atividade musical tambm tiveram um importante papel na evoluo e na sobrevivncia humana. Como estrutura musical, a combinao de alturas e a organizao rtmica fazem parte dessa
histria. Enquanto a fala demanda a alternncia entre falantes, a msica promove
a manifestao simultnea de diferentes pessoas por meio de seu aspecto estrutural
de combinao simultnea de sons e ritmos, capacidade desenvolvida na histria na-
Referncias
Brown, Steven; Merker, Bjrn; Wallin, Nil (2001). An introduction to evolutionary biomusicology. In: The origins of music. London: MIT press, pp. 3-24.
Leontiev, Alex (2004). O desenvolvimento do psiquismo. So Paulo: Centauro.
Luria, Alexander. Romanovich (1991) Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, vol. 1, 2. ed.
Vygotski, Lev. Semionovich; Luria, Alexander. Romanovich (1996). Estudos sobre a histria
do comportamento: o macaco, o primitivo e a criana. Porto Alegre: Artes mdicas.
263
[email protected]
Escola Superior de Msica, Universidade Candido Mendes-NF, RJ
Resumo
A contribuio da semitica de base peirceana para o campo chamado pelo semioticista
J. L. Martinez de interpretao musical possibilita uma superao do positivismo e de sua
defesa da neutralidade do intrprete, sem cair no subjetivismo total, uma vez que o estudo da semiose musical, de acordo com a teoria geral dos signos, revela que sua realidade depende necessariamente do modo como se d o processo de semiose (ao dos
signos) na mente do intrprete, mas tambm que este depende das aes dos signos e
seus objetos.
Nesta concepo, a interpretao de um signo musical vista como o campo de estudo
da ao dos signos musicais em relao a seus interpretantes, envolvendo primeiramente
a percepo e a cognio, mas tambm outros subcampos dentro desse, tais como a
performance, a chamada inteligncia musical (anlise, crtica, ensino, teorizao) e a
composio, j que todos esses subcampos dizem respeito ao terceiro elemento da semiose, o Interpretante.
Neste artigo procura-se esclarecer primeiramente o conceito peirceano de interpretante,
para a partir dele demonstrar-se como ocorre esse processo de interpretao, que num
sentido peirceano implica a ao do signo musical numa mente existente ou potencial,
individual ou coletiva. Por outro lado, estabelecendo-se uma ponte com as cincias
sociais, a histria e a sociologia, procura-se demonstrar tambm como essa interpretao musical no poderia ser vista como uma instncia nica do intrprete, sendo de fato
um elo numa teia onde signos esto entrelaados e geram novos signos num processo
contnuo que gera significados, sejam eles puramente musicais ou no.
Mas, como se d o processo de interpretao? Ou, colocando-se em termos peirceanos, como ocorre este processo de semiose no qual os signos atuam numa mente?
Em primeiro lugar, preciso observar que o interpretante algo que resulta tanto
da ao do signo quanto da do objeto, o qual geralmente compreendido como
um fenmeno ou evento concreto e identificado. Segundo J. Teixeira Coelho Netto,
o objeto do signo que determina uma base ou Primeiro (o signo) atravs do qual
se chega a um terceiro (o interpretante) (1999:67). O objeto, que na semitica
peirceana ocupa um lugar mais importante do que em outras correntes semiticas,
aqui visto como aquele que dirige a interpretao para sua materialidade especfica. Por isso, o interpretante ser fruto dessa dialtica entre o signo e seu objeto.
O modo como signo e objeto interagem de modo a gerar um interpretante pode ser
melhor compreendido atravs de alguns exemplos tomados de nossa vivencia no
campo da msica. Assim, quando um estudante de msica escuta uma obra pela
primeira vez, sem possuir referencias anteriores da mesma, e tenta descobrir, atravs da escuta atenta das qualidades acsticas da obra executada, o estilo musical no
qual se insere a mesma, d incio a um processo de semiose no qual dever considerar tanto as caractersticas do objeto representado (o estilo) quanto as do signo
(a obra) para que possa chegar a uma concluso acerca dela (o interpretante).
A teoria peirceana admite uma diviso bipartida do objeto, podendo-se falar num
objeto contido no signo (isto , o objeto tal como o signo o representa, que no exemplo acima seria o estilo tal como representado e condensado numa obra especfica)
e num objeto tal como , independente de qualquer aspecto seu mais particular (no
caso anterior, o estilo em si, como toda a sua abrangncia) que s poderia ser revelado por meio de um estudo mais aprofundado e ampliado. Observando tal distino entre os tipos de objetos, o primeiro (aquilo que se supunha ser o objeto)
recebe a denominao de objeto imediato, ao passo que o objeto dinmico seria
uma representao real do objeto, tal como um estudo musicolgico e histrico
mais aprofundado poderia revelar.
Essa distino entre os dois tipos de objetos tornou-se necessria na medida em que
se observou que o objeto imediato poderia levar a um interpretante equivocado
que se afastaria daquilo que realmente . J. T. Coelho Netto, ao analisar tal distino entre os objetos chega a levantar a questo acerca da possibilidade do processo
de semiose poder ou no dar origem a um conhecimento capaz de revelar a realidade sobre esse objeto (1999:69). Seria possvel, ento, algum afastar-se de seu
prprio processo de formao de significaes para comparar a noo subjetiva que
possui do objeto com o objeto real ou dinmico, ou seja, como aquilo que o objeto
real e objetivamente ?
Para responder a essa questo, que traz consigo o problema da existncia de uma realidade exterior ao homem, isto , de uma realidade objetiva, preciso compreender
que Peirce segue a filosofia do pragmatismo que no uma corrente de pensamento
265
De acordo com Milton Singer (1984), Peirce no exclui o sujeito emprico de sua
doutrina, mas, ao mesmo tempo, evita uma concepo idealista do self. Localizando a existncia e o desenvolvimento do ego emprico no prprio processo de
comunicao, externo e interno (ou seja, consigo prprio), lanou as bases para
uma teoria social da linguagem, da mente e do self (o interacionismo simblico),
que foi desenvolvida de diferentes formas por William James, J. Dewey, G. H. Mead,
C. H. Cooley, Jean Piaget e Charles Morris.
Embora esse desenvolvimento posterior da semitica conduza a uma viso mais
restrita do prprio conceito de interpretante, ele tem por base algumas colocaes
e questes levantadas pelo prprio Peirce acerca da inter-relao entre os conceitos
e os hbitos, atravs dos quais se manifestam:
O mais perfeito relato de um conceito que as palavras podem realizar consistir numa descrio do hbito que se espera que tal conceito produza. Mas como
pode, de outro modo, um hbito ser descrito seno atravs de uma descrio do
tipo de ao que surge com a especificao das condies e do motivo?
diato e relativo pelo objeto do signo, como salientou Coelho Netto (1999: 70).
Geralmente o interpretante compreendido como um conceito ou imagem mental gerada pela ao dos signos, mas Peirce observou a necessidade de separar tambm trs tipos de interpretantes os imediatos, os dinmicos e os finais. De modo
semelhante quele em que distinguiu os diferentes tipos de objetos, observou a necessidade de distinguir o interpretante imediato, ou seja, o interpretante representado ou significado no signo, do interpretante dinmico, ou efeito produzido na
mente pelo signo. (CP 8.343). Segundo J. L. Martinez (1997), o interpretante imediato constitui-se das variadas possibilidades de interpretao enquanto o interpretante dinmico consiste na interpretao a qual se chega aps um processo que
considerou todas as possibilidades e escolheu uma delas. Mas, retomando-se o ex.
anterior pode-se melhor compreender o que seria o interpretante final. Quando o
estudante escuta uma obra pela primeira vez, por um tempo limitado, pode abrir
um leque de possibilidades de interpretao, ao considerar a realidade da obra, suas
caractersticas acsticas e o processo de semiose. Mas ao chegar a um certo estgio
de considerao do signo e de seu objeto, tender a decidir qual a melhor interpretao aps uma considerao mais aprofundada do assunto.
No campo da msica, mais do que no dos signos verbais, a ao dos signos pode caminhar por diversas vias.1 A semitica peirceana, talvez por no ter como base o
modelo lingstico, reconhece a existncia e a importncia dos interpretantes emocionais e energticos, ao lado dos lgicos (geralmente privilegiados na semiologia
que partiu de Saussure e estabeleceu uma relao didica mais restrita entre significante e significado). Cumpre esclarecer que os interpretantes imediatos emocionais seriam as possibilidades de qualidades de sentimentos geradas pelos signos,
enquanto os interpretantes energticos seriam as possibilidades de aes ou movimentos que poderiam ser realizados pelo intrprete e suscitados pelas qualidades
do signo ou do objeto. J os interpretantes lgicos seriam os possveis pensamentos
(ou outros signos mentais) gerados a partir da atuao dialtica do signo e do objeto. Ao serem realizadas, essas possibilidades conduzem formao de interpretantes dinmicos (emocionais, energticos ou lgicos).
Neste sentido, possvel afirmar que um ouvinte pode interpretar dinamicamente
um signo musical de diferentes modos. Ao interpret-lo como pura qualidade de
sentimento estar gerando um interpretante emocional, mas se o signo gerar uma
ao psicossomtica ou um movimento corporal teremos um interpretante energtico; mas se o efeito causado pelo signo-objeto for uma construo intelectual
(seja ela uma anlise harmnica, meldica, rtmica ou esttica de uma obra) teremos
um interpretante lgico.
O estudo da ao dos signos no campo da msica algo to amplo que o compositor e semioticista J. L. Martinez definiu trs campos de investigao, ao estruturar
sua semitica da msica segundo a semitica peirceana (1997). Partindo da con-
267
268
plo, na mente coletiva que rene os fans de um cantor famoso) deve estar atenta ao
fato de que os trs campos de anlise esto, na realidade, contidos uns nos outros
de forma que o terceiro (a interpretao) contm o segundo (a referencia musical)
que, por sua vez, contm o primeiro (da semiose musical intrnseca), na medida em
que o interpretante resulta da relao entre sujeito e objeto e que tal relao apiase sobre as qualidades intrnsecas do signo musical. Assim, o interpretante (especialmente o interpretante final, isto , a significao) resultante da natureza dos
signos e daquilo que representam (seus objetos) num sistema musical e cultural
mais amplo, que pode ser visto semioticamente como uma rede de significaes.
Evitando por um lado o paradigma cartesiano e por outro o subjetivismo contemporneo, a semitica aplicada de matriz peirceana possibilita que se estabelea uma
ponte com as cincias sociais e os estudos culturais, como perceberam Thomas Turino e Milton Singer, j que compreende que o signo musical (seja ele uma partitura
ou mesmo um instrumento musical) no est isolado, mas inserido na rede semitica mais ampla dos signos que compem uma cultura ou certa tradio cultural.
Sendo assim, uma determinada interpretao de uma partitura, considerada por
certa comunidade de intrpretes como sendo a melhor, pode ter sido causada por
uma transmisso dos signos interpretativos desde o prprio compositor da obra ou
de algum muito prximo dele. Mas a essas relaes histricas poderiam se somar
preferncias individuais ou algum acontecimento especfico ocorrido ao acaso que
interferiu, a partir de certo momento, no modo como a obra passou a ser interpretada.
Haveria, ento, uma interpretao mais correta de uma obra? As opinies neste
campo, mesmo entre os semioticistas, parecem divergir. Martinez, ao contrrio de
Coelho Netto, no compreende o interpretante final como sendo o mais correto ou
mais verdadeiro, preferindo v-lo como sendo uma tendncia do signo de crescer
ou expandir-se, como sendo sua teleologia, tomando como exemplo fenmenos de
grande magnitude, como a possibilidade de que a multiplicidade dos fenmenos
musicais existentes, todas as msicas de todas as culturas, estivesse simultaneamente
revelando-se e convergindo num futuro que nunca vir (1997: 78). Assim, afastase da viso positivista e cartesiana, j que para o pragmatismo s se pode conhecer
o que se passa dentro do self a partir de suas manifestaes externas (seus atos e
realizaes) que podem ser verificadas empiricamente. Segundo Peirce (apud Singer 1984),
Primeiro vemos as coisas azuis e vermelhas. uma descoberta quando vemos
que o olho tem algo a ver com as cores e uma descoberta ainda mais recndita
quando percebemos que existe um ego atrs do olho, a quem tais qualidades
pertencem.
1 bom lembrar que as qualidades de sentimento so as bases da escuta musical, sobretudo
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para ouvintes leigos, sem formao intelectual nesse campo. T. Turino (1999) acrescenta
tambm que o poder da msica de criar respostas emocionais e materializar identidades pessoais e sociais baseia-se no fato de que os signos musicais so menos mediatizados, atuando
num nvel mais fsico e emocional do que os signos verbais.
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Referncias:
Martinez, Jos Luiz (1997). Semiosis in Hindustani Music. Imatra: International Semiotics Institute.
Coelho Netto, J. Teixeira (1999). Semitica, Informao e Comunicao. So Paulo: Perspectiva.
Peirce, Charles S. (2000). Semitica. So Paulo: Perspectiva.
Singer, Milton (1984). Mans Glassy Essence: explorations in semiotic anthropology. Bloomington: Indiana University Press.
Turino, Thomas (1988). Signs of Imagination, Identity and Experience a Peircean semiotic
theory for music. Urbana-Champaign: University of Illinois.
Representao e Sociedade
Indioney Rodrigues
[email protected]
Departamento de Artes, Universidade Federal do Paran
Goldsmiths College, University of London
Resumo
Nomear um processo composto, realizado atravs da criao e adaptao de sinais e
smbolos inteligveis (perceptveis). Esse processo, fundamentalmente motivado pela necessidade de comunicar experincias, permite que indivduos socialmente relacionados
compartilhem um determinado entendimento da realidade. A criao e adaptao de sinais e smbolos so especialmente influenciadas por demandas sociais que motivam a evidenciao de aspectos da realidade que podem ser coletivamente compartilhados,
compondo sistemas sociais de referncias reflexivos. Nomes so mensagens. Comportam idias que, se por um lado podem ser conhecidas individualmente, por outro lado no
existem isoladamente, trazendo consigo valores e costumes, filosofias e cosmogonias,
identidades. Esse processo pode, no entanto, eventualmente implicar o esforo de revelar aspectos inefveis da experincia individual, ou mesmo o esforo de proteger a revelao dessa inefabilidade. Nomear o indizvel, seja no sentido do insight revelador ou
do mistrio protetor, aparenta ser uma ocupao comum ao artista e ao shaman. Contrastando com o questionamento iluminador da metafsica, artes e ritos aparentam dividir um gosto similar pelo obscurantismo do mito, da iluso, da metfora, o gosto pelo
encantamento e pela poesia.
Inefabilidade
O mundo significa atravs da idealizao e nominao de suas partes.1 Nominar,
nesse caso, implica um processo de criao e adaptao de sinais e smbolos2 suficientemente precisos, permeveis e comunicadores. Precisos no sentido da potencialidade de definio da idia ou aspectos da idia. Permeveis no sentido da
potencialidade de revelao dessa definio, da sua perceptibilidade.3 E comunicadores no sentido da potencialidade de expresso da definio da idia segundo sua
revelao. Quando um nome suficientemente define e viabiliza a comunicao de
uma idia, ele a transforma num bem social, disponibilizando sua influncia, intercmbio e transformao. Dessa maneira, mais do que objetivamente significar
atravs da nominao de suas partes, o mundo indiretamente significa segundo um
processo de socializao das idias de mundo disponibilizadas por sua nominao.
Assim, por necessidade, h tantas realidades distintas quanto sociedades. Esse processo, fundamentalmente guiado pela necessidade de compartilhar experincias,
possibilita a indivduos socialmente relacionados dividirem um mesmo entendimento do mundo: aquilo que sentido ou imaginado, recordado ou desejado, suas
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Cada nome pode ser interpretado como uma mensagem social e, conseqentemente, cultural. A criao e adaptao de sinais e smbolos aparentam ser sempre
cercada por demandas sociais e culturais que salientam aspectos da realidade que
podem ou devem ser compartilhados coletivamente, compondo sistemas reflexivos de referencias. Nomes certamente encerram idias individuais, vises individuais moldadas por experincias individuais, mas idias, vises e experincias que
quando nomeadas extrapolam a esfera do domnio individual, pois cada nome
herda e projeta a sociedade que o engendra, carregando seus valores e costumes, filosofias e cosmogonias, sua identidade. Esse processo pode, no entanto, eventualmente implicar o esforo de revelar aspectos inefveis da experincia individual, ou
mesmo o esforo de proteger a revelao dessa inefabilidade. Nomear o indizvel,
seja no sentido do insight revelador ou do mistrio protetor, aparenta ser uma ocupao comum ao artista e ao shaman. Contrastando com o questionamento iluminador da metafsica, artes e ritos aparentam dividir um gosto similar pelo
obscurantismo do mito, da iluso, da metfora, o gosto pelo encantamento e pela
poesia.
O rito da inefabilidade, dos aspectos indizveis do viver, da experincia individual,
tem um importante papel na caracterizao e diferenciao de contextos sociais.
Grupos de indivduos caracterizam-se por seus meios rituais preferidos: alguns iro
evocar a respirao das florestas, outros o trabalho divinatrio de espritos, outros
ainda iro cantar lendas sobre deuses estelares ou iro preferir meditar e ouvir. A importncia do rito na caracterizao social talvez se deva ao fato de que ele compreende uma representao dramtica que, se no propriamente e precisamente
comunica uma idia, antes anuncia a possibilidade de uma idia, opondo-se ao processo de nominao no sentido de sua temporalidade.
Se o anunciado no pode efetivamente significar uma parte objetiva da realidade
do contexto social, algo dele poder ao menos ser indistintamente provado atravs
de sua ritualizao, a qual dever ser suficientemente aberta a ponto de potencialmente contemplar a totalidade dos indivduos socialmente relacionados. De fato, a
prpria escolha individual do rito definida socialmente, pois ele uma forma de
encontro na qual o indivduo compartilha com seu grupo uma mesma espcie deanunciao, uma mesma via de acesso ao indizvel e inefvel.
Entre as artes, a msica se oferece, ela mesma, como um rito. Ela oferece vias singulares de acesso ao indizvel e inefvel. A significao e simbolizao pretendidas
num enunciado musical, so, em si, qualitativamente diferentes de qualquer outro
processo de nominao, e somente podem ser projetadas e recebidas por meios musicais. Numa outra perspectiva, a musica tambm o resultado de uma escolha coletiva. Indivduos aglomeram-se em torno de estilos e compositores especficos, de
Meaning
Entre as artes, a msica naturalmente oferece uma grande elusividade. Incontveis
pensadores, desde os helenos e antes, tm buscado compreender esse princpio elusivo, a despeito do poder comunicativo da msica e sua importncia na esfera individual e social, questionando principalmente a respeito do real significado da
msica em tais esferas. Poderamos propor um caminho sugerindo que encontramos potencialmente na msica a pura poesia, a pura reticentidade, sendo a msica
uma abertura ao indizvel, ou, ao menos, um caminho singular para a expresso e
compartilhamento de paradigmas e complexidades indizveis que moldam e so
uma parte importante de nossa humanidade. Mas a despeito de seu engajamento
simplista, tal proposio estaria longe de ser suficiente. Nossa responsabilidade deve
ainda repousar na mesma curiosidade a respeito dos motivos e significados, mas
significados que talvez possam e devam ser investigados e abordados de maneira sutilmente diferente.
Tenho proposto que o processo de nominao do mundo composto por duas etapas complementares, no necessariamente mutuamente implicadas. Por um lado,
uma etapa criativa, na qual o indivduo buscaria projetar ou introjetar novos sinais e smbolos em vocabulrios sgneos ou simblicos reais ou potenciais, compartilhados ou idealmente compartilhados por determinado grupo social. Por outro
lado, por uma etapa adaptativa, na qual o indivduo buscaria assimilar sinais e sm-
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bolos socialmente e culturalmente herdados, que poderiam ou no ser reinterpretados, renovados e novamente socialmente compartilhados. Nesta concepo, o
processo individual de nominao essencialmente dependente de, ou ao menos
fortemente influenciado por, uma espcie de economia de sinais e smbolos praticada entre indivduos socialmente relacionados. O social, e o cultural, seriam o meio
para a troca franca de significados.
Semelhantemente, grupos de indivduos socialmente identificados criariam (concordam) e adaptariam (conformam) vocabulrios de sinais e smbolos especficos,
projetando-os sobre seus atores, compondo simultaneamente um amplo cenrio
cultural. Tais vocabulrios conteriam, primariamente, os cdigos morais e ticos
que, por um lado, ajudam a delimitar as estruturas e hierarquias sociais e, por outro,
a caracterizar e discriminar globalmente a identidade cultural. No nvel puramente
social, a criao e adaptao de sinais e smbolos seria amplamente influenciadas
por aspectos polticos e tecnolgicos significativos, entre eles o prprio tipo de estratificao social, a organizao dos meios produtivos, a distribuio da riqueza ou
o acesso ao conhecimento.
Esta viso encontra suporte nas idias de Noam Chomsky4, que prope que o pensamento seria estruturado a posteriori, atravs de etapas lingsticas diferenciadas.
Chomsky sugere que o pensamento seria gradualmente formalizado, primeiramente segundo constantes gramaticais de ordem mais geral e mais abrangente, e,
conseqentemente, segundo constantes sintticas e fonmicas de ordem mais especfica, hierarquicamente at sua forma lingista final resultante. A linguagem que
usamos para comunicar nosso entendimento da realidade seria construda sobre e
a partir do pensamento puro.
Assimilando e interpretando as idias de Chomsky segundo uma abordagem sociolgica, pode-se dizer que o pensamento, em sua projeo social, alm de ser gradualmente estruturado lingisticamente, tambm continuamente modelado,
individualmente e coletivamente, por tais etapas criativas e adaptativas constitutivas do processo de nominao, sendo individualmente modelado no sentido de
ser (ou no ser) socialmente incorporado e significativo, e, de maneira reflexiva e
complementar, tambm sendo socialmente modelado no sentido de compor (ou
no compor) uma linguagem compartilhada. De acordo com esta interpretao,
tais etapas criativas e adaptativas, individuais e coletivas, teriam, respectivamente,
uma forte influncia na gerao das constantes gramaticais e sintticas formadoras
da estrutura da linguagem expressiva do pensamento puro.
Assim, em potncia, a gramtica como conceito e processo estruturador resultaria
principalmente de tais etapas criativas orientadas, ou at mesmo regradas, socialmente e culturalmente. Em potncia, no sentido de que qualquer gramtica seria
fundamentalmente uma interface social, mesmo no caso de uma gramtica musical. importante salientar, especialmente considerando o domnio artstico, que o
emprego, aqui contextualizado, do termo gramtica no sugere uma categoria lingstica especfica, mas somente um nvel criativo genrico no qual, de acordo com
Chomsky, o pensamento puro ou original seria primeiramente modelado. No caso
das linguagens naturais, o pensamento aparenta ser realmente estruturado por categorias lingsticas especificas, compartilhadas por um determinado grupo social,
especialmente porque, nesse contexto, significar o pensamento coletivamente algo
naturalmente desejado. Mas, nas artes, e especialmente na msica, tais categorias
lingsticas especficas no se mostram igualmente teis e desejveis, considerandose que as artes seriam primariamente dedicadas comunicao de inefabilidades.
Em resumo, prope-se que a gramtica, como conceito e processo estruturador,
seria de ordem mais abrangente, compreendendo artes e linguagens naturais sob
uma mesma hierarquia. Prope-se que linguagens naturais e linguagens artsticas
compartilham o mesmo espao estruturador no interior da gramtica, como uma
alternativa tendncia de buscar-se adaptar e constranger a amplitude da linguagem
artstica, naturalmente propensa indeterminao da poesia, aos padres e categorias lingsticas derivados do estudo das lnguas naturais. O pensamento certamente pode ser estruturado, modelado e projetado por, e atravs de, um nmero
preciso de categorias, tais como substncia, qualidade, ao, posio, durao, etc.,
tal como normalmente ocorre quando buscamos comunicar o significado do pensamento. Mas o pensamento tambm aparenta ser estruturado, modelado e projetado por, e atravs de, outras maneiras, tais como a razo lgica matemtica, da qual
podemos deduzir o senso de proporo to caro s artes em geral; ou as aes e reaes instintivas comunicadas durante a experincia direta das relaes humanas,
das coisas e das idias, algumas vezes to relevantes psicologicamente e base para
importantes respostas emocionais; ou a emoo ela mesma, e alm a intuio de
algo indefinvel e indizvel encontrado nos enunciados artsticos.
Muito embora apresentem similaridades, uma absoluta correlao entre as linguagens naturais e as linguagens artsticas aparenta ser fundamentalmente contraditria. Tais similaridades, no entanto, podem ser entendidas como uma
conseqncia do fato de que tanto as linguagens naturais quanto as artsticas ocupem e compartilhem do mesmo nvel criativo estruturador do pensamento, realizando trocas de processos modeladores. O gesto musical pensado ou ouvido pode
aparentar ocupar a mesma posio que um nome
ou uma preposio ocupam em uma sentena, mas no exatamente porque tal gesto
pode em si comunicar a mesma idia que tais categorias lingsticas comunicariam.
Tal impresso aparenta ser derivada simplesmente do fato de que as linguagens potenciais, atravs das quais o pensamento se disponibiliza, incluindo-se aqui tanto a
linguagem artstica quanto a natural, so igualitariamente disponveis na esfera gramatical, igualitariamente no sentido de que tais linguagens representariam, to somente, diferentes qualidades da mesma funo intelectual primal.
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Por outro lado, em potncia, a sintaxe, como conceito e processo estruturador, pode
tambm ser entendida segundo aspectos sociais e culturais determinantes, muito
embora aparente por sua vez ser relacionada a processos adaptativos. A comunicao do pensamento seria dificultada na ausncia de um ato criativo primordial, cuja
resultante seria sua gramatizao. No entanto, o ato criativo seria igualmente dificultado na ausncia da percepo das foras contrastantes instaladas entre vocabulrios de sinais e smbolos e a realidade por eles referenciada. Tais foras aparentam
ser primordialmente manipuladas pela maneira atravs da qual elas so ou no so
relacionadas em termos de significado. Um sinal natural ou convencional, uma palavra falada ou escrita, sua inflexo e posio numa frase, um simples desenho ou
uma sofisticada escultura, uma pea musical, a maneira, tempo e lugar em que ela
apresentada ou interpretada, etc., significam e comunicam mensagens diretas: um
trovo um trovo, um sorriso um sorriso, esta [palavra] uma palavra, e assim
uma pintura uma pintura, e uma pea de msica uma pea de msica. H em tais
exemplos uma objetividade essencial, um poder de significado fundamental, eles
so exatamente aquilo que nos permite perceb-los, individualmente e coletivamente. Quando, por contraste, sinais ou smbolos so percebidos na sua inteno
de significar outra coisa, quando no domnio da metfora, eles, bem como seus respectivos significados objetivos, trocam naturezas. A palavra [Guernica] pode significar uma pintura, e esta pintura um sentimento de tragdia, e tal sentimento a
recordao de todas as tragdias, da sua amargura, e a amargura em si mesma a recordao da cano triste, da solido ou compaixo, do desejo de celebrao, e tal
desejo a lembrana do amigo, do sorriso, do contentamento [. . .]
A sintaxe, composta por todos os sinais e smbolos potenciais que constituem um
determinado vocabulrio, bem como seus elementos internos fundamentais, suas
variaes fonticas e formais, assim interpretada como a conseqente etapa da
modelao do pensamento j gramaticizado, do pensamento gramatical, o qual, ao
contrrio de ser socialmente e criativamente projetado, receberia agora as determinantes sociais delimitadoras, sendo socialmente adaptado e preparado para ser
amplamente aceito e entendido. No caso do domnio artstico, no entanto, a sintaxe, como conceito e processo estruturante, pode ser vista como uma busca por
foras contrastantes, sendo qualitativamente determinada por uma espcie de abertura e reticenticidade, por uma essencial indeterminao, necessria desejada pluralidade de interpretaes da obra de arte. A sintaxe artstica seria uma matria
menos densa do que aquela contemplada nas linguagens naturais. No domnio artstico, a sintaxe deveria ser medida no seu poder de exponencialmente apresentar
e representar outros significados, no seu poder de desvio, de multiplicao, e assim,
em seu poder de anunciao, em sua elusividade.
Assim como nas linguagens naturais, a sintaxe artstica seria uma matria socialmente regulada. De fato, no raramente possvel observa-se a sugesto e, em mui-
tos casos, a prpria imposio de vocabulrios artsticos sobre seus atores. Vocabulrios estes que, no raramente, so originados ou mesmo fundamentados em
mitos e lendas socialmente significativas, no que se faz notar mais uma vez a interseo das artes e dos ritos.
Um simples crculo, por exemplo, pode encerrar um grande nmero de significados
singulares dependendo do contexto social a que ele se aplica. Ele pode representar
incluso, totalidade, perfeio, centricidade, foco, unidade, iniciao, concluso,
etc., e, como se faz facilmente notar, tambm pode encerrar uma quantidade de outros derivativos conceituais implcitos e relativos uma classe de pensamento especfica, como por exemplo o pensamento temporal que pode referir o crculo como
um smbolo das idias de infinitude, ciclo, revoluo ou mobilidade.
No seria por demais controverso sugerir que sociedades inteiras tendem a orientar seus atores em termos dos potenciais significados de determinados vocabulrios de sinais e smbolos, e tal coordenao aparenta ser igualmente vlida tanto no
caso das linguagens naturais quanto nas artsticas. Parte desta interpretao baseiase na idia da existncia de classes de pensamento, significando que o pensamento
em si nunca seria qualitativamente neutro, mas sim orientado natureza do seu
objeto, diferindo conforme difere a realidade e em coordenao com a sintaxe socialmente disponvel para representar tal objeto. No caso do pensamento temporal, a idia de tempo ela mesma seria socialmente modelada de acordo com
determinantes simblicas presentes nos vocabulrios socialmente disponveis, de
acordo com uma sintaxe do tempo.
Neste caso, sendo socialmente modelado, o pensamento temporal seria segura e
objetivamente comunicado segundo um conjunto preciso de sinais e smbolos temporais compartilhados pelo grupo social. Considerando-se ento a expresso artstica desse mesmo pensamento, a sintaxe artstica do tempo deve diferir no sentido
que ela desejada em sua potncia de reticenticidade. O discurso sobre o tempo
pode usar diferentes terminologias. Ele pode ser estritamente lgico e basear-se na
observao da natureza material, na fsica. Ele pode fundamentar-se na psicologia,
na fenomenologia ou metafsica. Mas ele tambm pode ser potico. Como diferentes sociedades possuem seus prprios modelos poticos do tempo, assim podemos encontrar uma quantidade de diferentes representaes do tempo, e, por
necessidade, diferentes representaes musicais do tempo.
Em todo caso, o sentido, o significado dessa e de qualquer outra representao artstica, musical ou no, aparenta confundir-se com sua funo anunciadora, com sua
natureza processual indeterminada. Ao longo deste artigo levantaram-se questes
naturalmente controversas relativas a classes de pensamento, gramticas e sintaxes
artsticas, vocabulrios sgneos e simblicos, criatividade e adaptabilidade, sociedade e cultura, num intuito positivamente argumentativo e alternativo. Percebe-se
agora que a nominao do mundo uma entre muitas outras razes do nomear.
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Que atribuir um nome tambm uma construo, uma interferncia. Que o representar traz em si uma irrealidade, que representar tambm dar nome ao inexistente. Percebe-se agora um equilbrio entre a representao do mundo e a
representao de algo que se realiza atravs das diferentes concepes culturais e sociais da realidade. Percebe-se nesse algo indizvel, que se busca ser representado, um
desejo de nominao, no do mundo, mas dos fundamentos de nossa humanidade.
1 Mitchell, W. 1995, Representation, in F Lentricchia & T McLaughlin (eds), Critical
Terms for Literary Study, 2nd edn, University of Chicago Press, Chicago.
2 Um sinal uma entidade que significa uma outra entidade. Sinais podem ser naturais, estabelecendo uma relao causal com a entidade significada (como no caso do raio e o trovo),
ou convencionais, estabelecendo um acordo de sentido entre significante e significado (como
no caso do ponto final e o fim da sentena). Smbolos por sua vez contrastam com sinais
pois denotam diretamente a coisa significada (como no caso da bandeira e da ptria). H
coisas que so somente coisas e no so sinais. H coisas que so tambm sinais de outras
coisas. H coisas que so sempre sinais (como as linguagens e outros smbolos no verbais, tais
como as cerimnias e ritos).
3 Sinais so perceptveis principalmente atravs da audio e viso, mas podem ser tambm
percebidos atravs da gustao, olfato, tato, e sensos de equilbrio, direo, acelerao, calor,
movimento e dor.
Introduo
Os sons da fala so um interessante objeto de estudo lingstico tambm quando
inseridos no contexto da cano. O trato vocal precisa se adaptar a realizao dessa
fala ento cantada, o que resulta, devido principalmente a estrutura meldica, num
som no mais como aquele da fala stricto senso (no cantada) (Medeiros, 2002).
A estrutura rtmica da cano tambm se mescla com a da fala de forma a tambm
interferir nessa. Mais do que isso, passa a formar, junto com ela, uma nica coisa, um
terceiro objeto de estudo, que j no mais simplesmente lngua ou simplesmente
msica. Desenvolvemos um estudo tendo a fala cantada como objeto, buscando
observar aspectos ligados a sua realizao rtmica. Baseamos-nos no conceito de
ritmo apresentado por Cummins (2009), para quem ritmo aquilo que possibilita
o entrosamento entre dois osciladores.
O presente trabalho apresenta um estudo piloto, no qual analisamos a durao de
unidades denominadas de grupo inter-perceptual-center (GIPC) (Barbosa 1994,
2000), unidades que se iniciam nos momentos da fala em que o ouvinte se ancora
para perceber o ritmo. Buscamos observar, na variao da durao dessas unidades,
a diferena da realizao do acoplamento da fala-cantada de um sujeito cantando
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ora em conjunto com um metrnomo e ora com a gravao original de duas canes do repertrio popular brasileiro, uma construda com ritmo sincopado e outra
com ritmo no sincopado.
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Affordance e Entrainment
Usando a definio de Chemero (2003), affordances so as relaes entre as habilidades de um organismo e as caractersticas de seu meio. Seguindo o exemplo dado
por Cummins, a possibilidade de um copo ser considerado agarrvel reside na relao entre o copo e a ao que possibilita ao agarrador, agarr-lo; ou seja, no se
trata de uma caracterstica nem do copo e nem de quem, ou o que, agarra tal copo,
mas sim da relao existente entre eles. Assim, affordance representa essa idia de
tornar possvel, baseada na relao existente entre dois sistemas distintos.
Entrainment, por sua vez, pode ser definido como a relao entre dois sistemas oscilatrios, at que seus perodos de oscilao entrem em fase, tornando-se relativos
um ao outro. Usando dois pndulos de exemplo, o resultado de um entrainment
seria o alinhamento de suas fases. Esse alinhamento pode se dar no momento relativo metade do ciclo de um dos pndulos (one half cycle difference), ou seja, quando
um pndulo est no meio de seu ciclo, o outro est (re)iniciando o seu; ou os dois
pndulos podem estar relacionados de forma que seus ciclos se iniciem no mesmo
momento (zero phase difference).
Cummins ressalta ainda que entre sistemas que estejam com grandes diferenas de
freqncia (muito defasados) pode haver tambm uma coordenao relativa, como
descreveu von Holst (Kelso, 1995), pois h tenso entre a estrutura dinmica intrnseca de cada um dos sistemas e aquilo que os torna ligados um ao outro.
Pensando em ritmo como an affordance for the entrainment of movement, Cummins (2009) nos lembra, por exemplo, da sincronia dos msicos de uma orquestra,
de um bando de bfalos ou de um cardume de peixes, em que entrainments so evidentes, mesmo no havendo periodicidade. Cita-se ainda um estudo de Patel et al.
(2008), no qual se demonstrou que cacatuas so capazes de se movimentarem ritmicamente a partir das batidas subjacentes de uma pea musical. Com essas afirmaes, o autor busca provar que o ritmo uma forma ou um meio com a qual se
pode obter sincronia dos movimentos entre dois sistemas distintos.
Assim, se imaginarmos a fala como um movimento, podemos tambm afirmar que
o ritmo nela presente um meio de se obter sincronia. Cummins (2002, 2003) observou que os sujeitos /falantes conseguiam obter sincronia (assincronias mdias
de 40 ms eram consideradas normais) com outros sujeitos /falantes no ato de dizer
um texto. A partir desse experimento, o autor afirma que uma das interpretaes
possveis para tal fenmeno enxergar a fala de cada um dos sujeitos como um sistema autnomo, que serve como estmulo externo capaz de modular a produo endgena da fala dos outros falantes.
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enunciao, pela interao que ocorre entre as pautas gestuais e um sistema duplamente oscilatrio, o rtmico, que define uma grade em torno da qual se associam gestos segmentais e gestos prosdicos em geral. Tal sistema aqui
considerado paralingustico e comum a outros movimentos corpreos oscilatrios (braos e pernas no andar, no correr, no remar). (p. 31).
O ritmo na msica
Na msica, o ritmo se d atravs da relao temporal entre uma nota e outra, levando-se em conta a diferena de acento, intensidade e durao dessas notas. Para
se entender bem o conceito de ritmo, faz-se necessrio tambm entender os conceitos de pulso, metro e acento. Cooper & Meyer (1960) apresentam de forma clara
essas definies.
Para eles, um pulso um estmulo sonoro dentro de uma srie regular de tempo.
Assim, cada uma das batidas de um relgio ou de um metrnomo um pulso. Por
estarem organizados em intervalos regulares de tempo, esses pulsos, mesmo depois
de cessados, tendem a causar expectativa na mente e na musculatura daqueles que
os ouvem. Metro a medida da regularidade dos acentos em determinados pulsos,
ou seja, o metro diz com que regularidade aparecem pulsos acentuados.
Trs fatores influenciam para determinar se um pulso ou no acentuado: a intensidade com que esse pulso tocado, a durao desse pulso e a sua localizao
(mais grave ou mais agudo). Pulsos acentuados tendem a ter maior durao e maior
intensidade em relao aos pulsos no acentuados. Quando um pulso est inserido
num contexto mtrico ele chamado de batida (beat) e caso seja acentuado recebe
o adjetivo forte em oposio s batidas fracas, as no acentuadas. Embora o
metro tenda a ser regular, irregularidades podem ocorrer sem destruir a sensao de
organizao mtrica, pois essas irregularidades tendem a ser temporrias.
Finalmente, ritmo definido pelos autores como sendo o modo como uma ou mais
batidas fracas so agrupadas em relao a uma batida forte. Tais autores afirmam
serem cinco os ritmos bsicos: o iambo, o anapesto, o troqueu, o datlico e o anfbraco. Curioso notar que eles usam termos usados pela mtrica potica clssica. Tal
fato se explica com o argumento de que na Grcia Antiga, local e poca onde surgiram os primrdios das teorias musicais empregadas hoje no ocidente, a msica
era usada exclusivamente como acompanhamento para poesias. Assim, os metros
e ritmos musicais receberam o mesmo nome de metros poticos.
O imbico formado por uma batida fraca seguida de uma forte. O anapesto, de
duas fracas seguidas de uma forte. O ritmo troqueu consiste de uma batida forte seguida de uma fraca. O datlico, de uma forte seguida de duas fracas e o anfbraco de
uma fraca, uma forte e outra fraca. Comparando essas estruturas com as mtricas
musicais usadas hoje em dia podemos assemelhar o troqueu a um compasso 2/4,
que formado por uma batida acentuada seguida de outra no acentuada; e o da-
tlico com o 3/4, que formado por uma batida acentuada seguida de duas no
acentuadas.
Discutindo sobre acento, Cooper & Meyer (1960) afirmam que impossvel definir-lo em parmetros quantitativos, pois se trata de um conceito relacional, ou seja,
para os autores s existem notas acentuadas se existirem notas no-acentuadas. A
diferena entre elas reside no fato de que a batida acentuada, entorno das quais se
agrupam batidas tonas, ser o foco principal no desenvolvimento rtmico de uma
pea.
Na msica ocidental, principalmente depois da era romntica, tornou-se comum
entre os compositores o uso de compassos cujo acento sempre casse em sua primeira nota. Para Copland, um compasso pode ter a segunda ou a terceira batida
acentuada, ao invs da primeira, como comumente usado hoje em. Muitos dos
ritmos que se originaram de ritmos africanos no so possveis de serem notados seguindo-se tal critrio, pois as notas acentuadas nem sempre esto na primeira nota
do compasso. Esse deslocamento do acento chamado de sncope na teoria musical ocidental. Muitos ritmos tidos como populares, como o jazz, o samba, a bossanova, o reggae, entre outros, so sincopados, ou seja, possuem deslocamento de
acento na sua estrutura rtmica bsica.
Metodologia
No universo da cano, ou seja, da fala cantada em geral, seja ela acompanhada de
instrumentos ou no, encontramos canes compostas segundo critrios de clulas rtmicas sincopadas e canes compostas segundo critrios rtmicos de clulas
no-sincopadas. So exemplos destas clulas, as encontradas no rock, na valsa, na
marcha, no blues; sendo as do samba1, a da bossa-nova, as do jazz2, do reggae, do
forr, exemplos de clulas de ritmos sincopados, ou seja, com seus acentos deslocados.
Desenvolvemos um experimento, sob a forma de um estudo piloto, buscando observar a realizao da fala cantada em dois universos: o das canes cujo ritmo sincopado e o das canes cujo ritmo no sincopado. Esse experimento parte de
dissertao de mestrado que observa justamente as caractersticas rtmicas da fala
cantada. Nesse estudo desenvolvemos um experimento que observa a fala cantada
realizada por dois sujeitos e tomamos a fala de cada um deles como um oscilador.
Corpus
Para compor o corpus escolhemos duas canes, uma delas construda com a clula
rtmica do rock, ou seja, no-sincopada; e a outra com a clula rtmica da bossanova, clula esta construda com deslocamento de acento. So elas Gita (rock), de
Raul Seixas, e Corcovado (bossa-nova), de Tom Jobim. Como principais critrios
283
284
para a composio desse corpus, tomamos aqueles que se relacionam estrutura rtmica da msica, o que justifica nossa diviso acima proposta: sincopadas e no-sincopadas. Atentamos-nos tambm a certas caractersticas dos compositores e dos
intrpretes das canes. Assim, as canes deviam ser compostas e interpretadas
por brasileiros, falantes do portugus brasileiro como primeira lngua. Julgamos
ainda ser necessrio escolher composies de pocas histricas prximas, o que nos
fez decidir por canes compostas na segunda metade do sculo XX, sculo de consolidao da cano popular no Brasil (Tatit, 2004). Ressaltamos, ainda, que as canes so do repertrio popular, gnero em que o portugus realizado pelo cantor se
aproxima mais do portugus falado quando comparado ao erudito, pois neste ltimo movimentos como abaixamento do maxilar, menor avultamento da lngua,
exigncias da tcnica erudita, acabam por tornar o som produzido um tanto quanto
distantes daquele da fala stricto senso (Medeiros, 2002); o que argumenta a favor da
escolha de canes do repertrio popular.
Segmentamos a fala cantada realizada pelo sujeito em Grupos-inter-perceptual-center (GIPC) e comparamos os sessenta primeiros, nomeando-os de GIPC 1 (as v),
GIPC 2 (ez), GIPC 3 (es v), GIPC 4 (oc)3 e assim por diante. Fizemos o mesmo
com a cano Corcovado. Utilizamos somente os sessenta primeiros apenas por
motivo de recorte. Julgamos no ser necessrio, j que se trata de um estudo piloto,
medir a cano em toda sua extenso. Recortamos, ainda, para obter a mesma quantidade de GIPCs em todas as condies. Usando as duas canes obteramos diferentes quantidades de unidades, j que a cano Gita mais longa que Corcovado.
Sujeito
Um falante do Portugus Brasileiro cantou as canes acima citadas ora tentando
cantar junto ao metrnomo ora junto gravao original da respectiva cano.
Tanto o metrnomo quanto as gravaes originais foram dispostas ao sujeito via
fone de ouvido estreo. O sujeito, brasileiro, aluno do curso de ps-graduao do
curso de Letras da USP. Na rea musical atua como msico prtico, com oito anos
de experincia como vocalista, violonista e baixista em bandas de rock, samba e
MPB. No canto erudito, o sujeito classificado como tenor, a mais aguda das vozes
masculinas, assim como Raul Seixas e tambm Joo Gilberto, intrpretes das canes que usamos. Frisamos isso para lembrar que assim o sujeito no teve dificuldade em acompanhar as alturas das notas cantadas pelo cancionista nos
osciladores-guias.
Protocolo experimental
Dispusemos ento o sujeito em uma cabine isolada do Estdio Multimeios do Centro de Computao Eletrnica da USP, com um microfone Shure SM58, de capi-
Em ambas as condies denominamos o sujeito de oscilador-sujeito e de oscilador-guia o que a ele foi disposto via fone de ouvidos: o metrnomo ou a interpretao original dos lbuns.
Na condio com metrnomo observamos a realizao da fala cantada como um oscilador que se guia por outro oscilador, de andamento fixo. J na condio com cancionista, o sujeito devia buscar cantar com um oscilador composto por uma gravao
da interpretao da cano, cujo andamento no fixo. Movimentos de interpretao, como rallentando e accelerando, tornam o andamento da cano variado, o
que pode vir a dificultar a tarefa de entrosamento a ser realizada pelo sujeito. O metrnomo, modelo Daccord, foi desenvolvido pela Daccord Music Software.
Alm desse fato, os osciladores-guias da condio com cancionista so constitudos
285
por vrios osciladores, e no apenas um, pois cada instrumento presente na gravao (baixo, bateria, trompete, por exemplo) pode ser visto com um oscilador.
286
As gravaes originais usadas foram Gita, de Raul Seixas e Paulo Coelho, interpretada por Raul Seixas e banda no lbum Gita (1974) para a condio com cancionista-Gita; e Corcovado, de Tom Jobim, interpretada por Joo Gilberto e banda
no lbum O Amor, o Sorriso e a Flor (1960), para a condio com cancionistaCorcovado. Na condio com metrnomo-Gita usou-se partitura de Chediak (2004)
e na condio com metrnomo-Corcovado, de Chediak (1990).
Lembramos que o processo popular de composio em certos pontos diferente do
processo erudito. Tradicionalmente, o processo de composio e de divulgao de
obras eruditas sempre atrelado partitura. J a cano popular brasileira, em geral,
no recebe notao musical no momento de usa composio, e acaba sendo transmitida oralmente, por exemplo, atravs de violo, pandeiro e voz. As canes por
ns utilizadas foram compostas, transmitidas e publicadas sem partitura, atravs
de gravaes, e divulgadas atravs de transmisses de rdio e televiso principalmente e da venda de lbuns em LP, K-7 ou CD. O evento das partituras de Chediak deve ser entendido como um processo posterior ao da criao e divulgao das
obras populares. O cancionista Raul Seixas, por exemplo, nunca chegou a ver a partitura que aqui utilizamos, pois a elaborao desta deu-se j depois do falecimento
do artista.
287
por
k i ew s
o w
Hiptese
Hipotetizamos que haveria menor acoplamento entre os osciladores em questo
nas condies cuja cano utilizada fosse sincopada, ou seja, nessas condies espervamos maior variao da durao (em milissegundos) dos GIPCs.
Levantamos ainda a hiptese de que o uso de metrnomo nas condies com metrnomo-Gita e com metrnomo-Corcovado tornaria a fala cantada mais quadradinha quando comparada respectiva realizao guiada pelo cancionista.
Medidas
288
Resultados
Nas gravaes cuja cano era sincopada, os valores de desvio padro so significativamente superiores quando comparados aos valores encontrados nas condies
com a cano no sincopada, indicando assim maior variao da durao das unidades daquela condio. Enquanto nas condies com a cano Gita (no sincopada) o maior valor de desvio padro encontrado foi inferior a 60 mili-segundos,
tm-se desvios superiores a 100 ms, chegando-se a 238 ms nas condies com a cano Corcovado.
Nos grficos abaixo pode ver o valor do desvio padro de cada GIPC. No eixo x
tem-se distribudos os GIPCs, ou seja, o 1 representa o GIPC 1, o 2 o GIPC
2 e assim por diante. No eixo ytem-se a durao desses GIPCs em milissegundos.
Condio
Com metrnomo-Gita
15,58 ms
Com cancionista-Gita
19,60 ms
Com metrnomo-Corcovado
50,96 ms
Com cancionista-Corcovado
34,76 ms
289
Concluso
290
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291
292
Introduo
A definio e a classificao das emoes humanas so bastante controversas na literatura. A teoria discreta das emoes, proposta por Ekman (1999), defende a existncia de algumas emoes bsicas, ligadas aos problemas da vida, como a raiva,
que corresponderia a situaes de competio, o medo, que estaria ligado ao perigo,
a alegria, que envolveria a cooperao, e a perda, que despertaria a tristeza (Power
e Dalgleish, 1997 apud Laukka 2001).
Como no objetivo deste trabalho aprofundar possveis definies de emoo, j
propostas, ou no, na literatura, julgamos suficiente a classificao das emoes
ditas bsicas para justificarmos a escolha, para esse estudo, das emoes acima
mencionadas.
importante saber que existem componentes na fala que no se limitam aos segmentos voclicos ou consonantais, e por no serem segmentais, so estudados no
campo da prosdia. Tais componentes so chamados de suprassegmentos e representam diversos fenmenos acsticos da fala, como altura, intensidade, durao,
pausa, velocidade de fala, acento e ritmo; esto associados aos estudos das emoes
humanas.
Os estudos acerca da fala emotiva mostram que existem relaes entre as emoes
e a frequncia fundamental (doravante, F0). Por exemplo, nas situaes de medo,
F0 tende a ser mais baixa com relao fala neutra1, em oposio s situaes de
alegria, que geralmente apresenta F0 alta (Banse e Scherer, 1996).
Alm dos aspectos acsticos, as emoes tambm possuem outros componentes
como a experincia subjetiva ou a sensao, a resposta neurofisiolgica (no sistema
nervoso central e autnomo) e a expresso motora (na face, na voz e nos gestos)
(Banse & Scherer, 1996).
Dessa forma, Scherer (1984, 2001) prope uma teoria que relaciona as variaes
fisiolgicas do trato vocal e o comportamento acstico no tocante s emoes humanas. No caso da raiva, por exemplo, ocorre o aumento da tenso na musculatura
larngea acompanhada do crescimento da presso do ar subglotal (Laukka, 2004,
apud Spencer, 1857), o que altera a produo do som.
O que determina as variaes vocais que acompanham as emoes so as modificaes fisiolgicas que, por sua vez, induzem a alteraes nos sistemas de produo
vocal. A alterao de um dos desses componentes produz alteraes no outro componente. Por exemplo, numa situao em que se exige um padro respiratrio maior,
aumenta a necessidade do suporte de oxignio, que vai afetar a expresso facial
(forma da boca) e a expresso vocal (alteraes na presso subglotal), bem como
um nmero de parmetros fisiolgicos perifricos (Correia, 2007).
Alm disso, as emoes so acompanhadas por vrias respostas adaptativas do sistema nervoso autnomo e somtico (Johnstone e Scherer, 2000). Essas respostas
proporcionam modificaes no funcionamento parcial ou total do sistema de produo de fala, como na respirao, na vibrao das pregas vocais e na articulao.
Os principais sinais acsticos analisados para a expresso vocal das emoes so: o
contorno da frequncia fundamental (que reflete a frequncia da vibrao das pregas vocais), a energia acstica presente na voz (amplitude e intensidade vocal); a
distribuio da energia no espectro de frequncia (especialmente a energia envolvendo as regies de alta e de baixa frequncia, afetando a percepo da qualidade de
voz ou do timbre); a localizao dos formantes (F1, F2, relacionados com a percepo da articulao) e uma variedade temporal dos fenmenos, incluindo durao e
pausas (Banse e Scherer, 1996; Gustafson-Capkov, 2001).Assim como na fala, na
voz cantada tambm a relao entre as emoes expressas e os sinais acsticos tambm estudada. A fala cantada gera um sinal acstico, que reflete seu estado emo-
293
cional e produz efeitos perceptivos nos ouvintes e, muitas vezes, simboliza noes
abstratas da emoo (Sherer, 1995).
294
Morozov (1996) estudou os principais componentes acsticos do canto e identificou alguns parmetros importantes, como o tempo, o ritmo, a dinmica, a durao
das slabas e das micropausas, as caractersticas do vibrato, a afinao, a dico, a
pronncia e o timbre. O autor observou que ao manipular o timbre da macro-estrutura, modifica-se a amplitude e a frequncia dos formantes, j na micro-estrutura
ocorrem alteraes nos harmnicos. Com isso, as frequncias do formante do cantor sobem quando nas emoes como a alegria ou a raiva, e descem, quando as emoes so a tristeza ou o medo. Ele ainda identificou modificaes na extenso do
vibrato e do timbre da voz para algumas emoes.
Embora o presente estudo no trate especificamente da fala cantada e a emoo
que esta pode veicular no canto, servir, certamente, de apoio a estudos voltados
para aspectos emocionais ligados acstica do canto. Em Medeiros (a sair) escolhas
de alocao de alturas na melodia da cano foram comparadas a contornos entoacionais prprios da fala, revelando que a composio cancional o lugar de entendimento perfeito entre aspectos musicais e lingsticos, no qual alternam-se
predominncias das restries de um sobre outro.
Mtodo
1. Corpus
O estudo do comportamento da F0 ao longo de um texto possibilita um dos aspectos prosdicos das emoes. O corpus proposto foi um texto de Vaz (1983) (ver
Anexo 1), composto por 126 palavras, e j utilizado em outros trabalhos como no
de Figueiredo (1993). O texto possui estilo cientfico e o mais rido possvel, a fim
de evitar emoes implcitas.
A fim de compreender melhor o contorno entoacional das emoes nesse texto, foi
necessrio selecionar frases que constitussem uma unidade lingustica. Para isso,
utilizou-se a proposta de Nespor e Vogel (1986), que organiza os constituintes prosdicos de uma maneira hierrquica.
A hierarquia dos constituintes prosdicos abrange desde a slaba (o constituinte
prosdico basilar) at o enunciado fonolgico (o constituinte prosdico mais
amplo), categorizado numa hierarquia crescente: a slaba; o p mtrico; a palavra fonolgica; o grupo cltico; a frase (ou sintagma) fonolgica; a frase (ou sintagma) entoacional e o enunciado fonolgico. Os constituintes mais baixos (a slaba e o p)
estruturam as informaes fonolgicas, os constituintes mais altos da palavra fonolgica at o enunciado fonolgico estruturam-se com as informaes fonolgicas e com outros planos lingusticos.
Para analisar as curvas entoacionais, o constituinte que trata especificamente desse
domnio a frase entoacional. Frase entoacional (I) uma constituinte importante
no estudo da prosdia dos enunciados. Nespor e Vogel (1986) definem essa constituinte prosdica como:
A regra bsica de formao de frase entoacional fundamenta-se na noo de que
a frase entoacional o domnio de um contorno de entoao e que os fins de
frases entonacionais coincidem com posies em que pausas podem ser introduzidas (1986)
O respaldo terico permitiu que as frases fossem segmentadas, respeitando os limites fonolgicos e sintticos, visto que a teoria possibilita a interao entre os aspectos fonolgicos e os aspectos de outros subsistemas gramaticais como o
morfolgico, o sinttico e o semntico.
Dentre as frases entoacionais do texto, as escolhidas para esse trabalho foram:
Sentena 1: As clulas do sangue que fabricam anticorpos, so individualizadas.
Sentena 2: As clulas do fgado so provavelmente iguais entre si.
Sentena 3: Este conjunto constitui um clone linfocitrio.
A primeira frase est localizada no incio, a segunda est no meio e a terceira est no
final do texto. A escolha das frases considerou tanto a localizao das mesmas,
quanto a classificao sugerida por Nespor e Vogel (1986) das frases entoacionais.
sabido que a localizao de um dado constituinte numa frase tem a tendncia de
receber F0 maior ou menor. Um exemplo disso a frase afirmativa, que tende a iniciar-se com F0 alto e terminar com F0 baixo (melodia descendente). No caso do
texto lido pelas atrizes, apesar de ele representar uma unidade lingstica maior que
a sentena, hipotetizou-se que, por ser lido sem interrupo, poderia trazer caractersticas entoacionais da frase afirmativa, produzindo um contorno de tendncia
295
2.
Sujeitos
Figura 1 Refere-se mdia da F0 das cinco repeties da primeira frase falada pelo
sujeito 2.
Resultados
As atrizes foram estudadas caso a caso e em seguida, foram levantadas as diferenas e semelhanas encontradas. Nesse estudo, foram analisadas as emoes alegria,
raiva, medo e tristeza. As gravaes da fala neutra foram desconsideradas.
Na Figura 1.1, podemos observar o comportamento da F0 a longo termo, ao longo
da segunda sentena, comparando as emoes alegria, raiva, medo e tristeza entre
si.
Ao visualizar a figura 1.1, nota-se que o medo apresenta valores de F0 consideravelmente mais altos (235 e 153 Hertz (Hz)) que as demais emoes. J a tristeza tem
valores mais baixos de F0, variando entre 204 e 118 Hz.
Os parmetros de F0 para a alegria e para a raiva, visualmente, parecem estar prximos, no entanto, houve diferena significativa no que se refere variao de F0. Na
fala alegre, a variao de F0 (entre o mnimo e o mximo) foi em torno de 82 Hz, enquanto que na fala irritada variou entre 222 Hz.
Tabela 1 Estatstica descritiva de todos os sujeitos da pesquisa, referentes
Sujeito 2
Sujeito 3
Mdia
214
237
246
Desvio padro
46
58
63
Mximo
307
422
451
Mnimo
125
139
159
Coeficiente de variao
22
24
25
Sujeito 2
Sujeito 3
Mdia
137
172
182
Desvio padro
49
24
32
Mximo
239
211
248
Mnimo
90
78
91
Coeficiente de variao
36
14
18
297
Tristeza
Sujeito 1
222
123
Sujeito 2
188
159
Sujeito 3
227
172
As mdias da alegria so consideravelmente maiores que aquelas da tristeza. O sujeito 1 e o sujeito 2 apresentam valores prximos na mdia da alegria, porm os valores da tristeza entre os dois sujeitos esto bastante diferentes: uma diferena de 49
Hz. Observa-se tambm que o sujeito 2 varia apenas 29 Hz entre a emoo alegria
e tristeza. Considerando o valor de igual a 0.05, nota-se que temos diferenas estatsticas entre as emoes alegria e tristeza. Os resultados da tabela 3 corroboram
os resultados das tabelas anteriores.
Na figura 2, podemos visualizar melhor o comportamento da F0 nas duas emoes,
alegria e tristeza, produzida pelas trs atrizes.
#$
298
"$
!
"
"
#
!$
!
!
"
#
$
Figura 2 Mdia das cinco repeties da F0 da primeira frase falada pelos trs sujei-
Concluses
As anlises dos dados mostraram que a F0 contribui para a diferenciao acstica
das emoes estudadas. As anlises do contorno de F0 mostram-se eficientes para a
diferenciao das emoes e para identificarmos alguns fenmenos peculiares de
certas emoes, como foi o caso da raiva.
Para a diferenciao das emoes medo e raiva, necessrio verificar se outros parmetros acsticos, como a durao, so eficientes para diferenci-las das demais
emoes.
1 Nessa pesquisa, adotamos o termo neutro para designar a leitura convencional, sem a solicitao prvia da interpretao emotiva. No entanto, no defendemos que a leitura neutra
necessariamente no apresente resqucios emotivos.
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Anexo
Texto I (extrado de VAZ, 1983, pg. 33, item 2):
A reatividade dos linfcitos, as clulas do sangue que fabricam anticorpos, so
individualizadas. Em cada organismo, as clulas do fgado so provavelmente
iguais entre si, as da pele tambm, mas os linfcitos so diferentes uns do outros. Cada um difere do seguinte por possuir na membrana diferentes receptores, molculas que garantem a aderncia a certas estruturas (ou a capacidade de
fixar certas substncias). Assim, o linfcito seguinte adere s estruturas diferentes. Para ser mais exato, as diferenas existem entre clones de linfcitos. Quando
um determinado linfcito se multiplica e gera duas, quatro, oito milhares de cpias idnticas, este conjunto constitui um clone linfocitrio. Dentro de um
mesmo clone, os linfcitos so iguais: tm os mesmos receptores de membrana,
aderem s mesmas coisas, participam das mesmas interaes.
Queiroz, M.
Instituto de Matemtica e Estatstica - USP
Germano, N. G.
Instituto de Artes - UNESP
Oliveira, M. G. M.
Departamento de Psicobiologia Unifesp
Palavras Chaves
Ala fonolgica; teste de amplitude; melodias.
Introduo
O modelo de memria operacional assume a existncia de quatro componentes relacionados: executivo central, ala fonolgica, esboo vsuo-espacial e buffer episdico (Baddeley, 2000). Tais componentes seriam responsveis pelo armazenamento
e manipulao da informao necessria para atividades cognitivas. A ala fonolgica est relacionada ao armazenamento de itens verbais e acsticos na memria de
curto prazo (MCP) (Baddeley, 2007). Alguns estudos indicam que a recordao
de curto prazo de itens verbais influenciada por contedos semnticos pr-armazenados na memria de longo prazo (MLP). Com base nos estudos sobre familiaridade com o idioma (Thorn & Gathercole, 1999), pode-se sugerir que a ala
fonolgica mais eficaz na manuteno de representaes de palavras de idiomas
familiares do que de idiomas no-familiares. Assim, possvel que a MCP para tons
tambm seja influenciada pela familiaridade, isto , por contextos musicais pr-estabelecidos na MLP.
Objetivo
Verificar o perfil de armazenamento/manipulao de seqncias de tons atravs de
testes de memria construdos semelhana do Digit Span Test na ordem direta
(OD) e na ordem inversa (OI), comparando tal perfil ao perfil de armazenamento/manipulao de material verbal. Utilizando-se o teste de amplitude meldica (Tone span test) construdo com base na escala diatnica (mais familiar) e
301
302
Materiais e Mtodos
Dez sujeitos foram submetidos a testes de MCP para dgitos, pseudopalavas e tons.
Foi utilizado o Digit Span Test padronizado para o Portugus (WAIS-III). A partir deste teste, foi criado um teste de amplitude de pseudopalavras. As pseudopalavras foram criadas a partir de mudanas de algumas letras que compem os nmeros
e, ento, cada dgito do Digit Span Test foi substitudo pela sua pseudopalavra correspondente.
Foram construdos 2 testes de amplitude de tons semelhana do Digit Span Test,
sendo um deles com base na escala cromtica (utilizando-se 12 notas e a primeira
nota da oitava seguinte) e o outro com base na escala diatnica (utilizando-se 7
notas e a primeira nota da oitava seguinte). O teste na escala cromtica foi desdobrado em 2 testes. Em um deles, as sequencias de tons tinham intervalos de, no mximo, uma tera; no outro, as sequencias tinham intervalos livres. O mesmo foi
feito para o teste na escala diatnica.
Assim, foram construdos 4 testes de amplitude de tons:
1) Escala diatnica, intervalos at de uma tera (Teste 7_3);
2) Escala diatnica, intervalos livres (Teste 7_X);
3) Escala cromtica, intervalos at de uma tera (Teste 7_3);
4) Escala cromtica, intervalos livres (Teste 7_X).
A idia da construo destes 4 testes criar uma gradao de dificuldade, baseandose na hiptese de a escala diatnica ser mais familiar do que a cromtica e, portanto,os tons construdos com base nela seriam mais fceis de serem recordados.
Alm disso, intervalos mais prximos so mais comuns e, portanto, devem ser mais
fceis de serem recordados do que intervalos mais distantes.
Posteriormente, foi atribudo um dgito para cada tom utilizado nos testes e, assim,
4 testes de amplitude de dgitos, pareados aos testes de tons, foram construdos.
Os sujeitos foram submetidos a um teste de afinao e, em seguida, foram aplicados
os testes de amplitude de dgitos WAIS-III, de pseudopalavras e de tons e dgitos
anlogos na OD e na OI. Em todos os testes, seqncias crescentes de itens foram
apresentadas auditivamente. Ao final de cada seqncia, o sujeito deveria repeti-la
na OD ou OI, conforme avisado antes do teste. A amplitude (span) de cada teste
foi o total de itens contidos na seqncia mxima repetida corretamente.
Resultados e Discusso
Na OD, a recordao foi maior para dgitos do que para tons nos quatro tipos de
testes (p<0,05). Alm disso, a amplitude de tons foi maior no teste 7_3 do que nos
outros trs testes (p<0,05). O mesmo padro foi encontrado para dgitos. Podemos supor a partir destes dados que, como a amplitude dos testes 7_X no foi maior
do que a dos testes 12_3 e 12_X, a quantidade de elementos no influenciou a recordao, j que nos testes 12_3 e 12_X havia mais dgitos e mais notas (13 notas
e, portanto, 13 dgitos).
Por outro lado, as amplitudes dos testes feitos na escala diatnica diferiram entre
si e esta diferena pode ser atribuda diferena de salto meldico, pois no teste
7_3 os saltos meldicos eram menores (mais comuns), do que no teste 7_X onde
os saltos eram livres.
Nos testes de dgitos anlogos encontramos a mesma diferena. Como no teste de
dgitos 7_3 os dgitos eram mais prximos uns dos outros, poderamos supor que
seja mais fcil armazenar e recordar dgitos que esto mais prximos do que dgitos
mais distantes uns dos outros. Talvez isso ocorra por um possvel aumento da ocorrncia de chunks, isto , de agrupamentos de nmeros formando apenas um item
para recordar e no vrios.
Na OI observamos o mesmo perfil da OD, sendo que a amplitude de recordao de
dgitos foi maior que a de tons (p<0,05) e a amplitude de tons e de dgitos foi maior
no teste 7_3 do que nos outros testes (p<0,05). Porm, as amplitudes de tons na OI
foram muito menores que as amplitudes de tons na OD.
Para evidenciar esta diferena entre OD e OI dos testes de dgitos e de tons, criamos um ndice, definido deste modo: (amplitude na OD amplitude na OI) /
amplitude na OD.
O ndice apontou que a diferena entre OD e OI foi significativamente maior para
tons do que para dgitos (p<0,05), isto , a recordao na OI de tons significativamente menor que a recordao inversa de dgitos. No houve diferena entre os
testes de tons, nem entre os testes de dgitos.
Em uma reviso de literatura, aplicamos a frmula de ndice em resultados de testes de amplitude de dgitos em outros idiomas como ingls e espanhol, hebraico e
alemo. Os resultados variaram entre 0.09 to 0.26. Neste estudo, os ndices de dgitos variaram entre 0,05 (pseudopalavras) e 0,24 (dgitos 12_X). No entanto, um
valor diferente foi obtido com Mandarin, um idioma tonal, cujo ndice foi 0.48
0.05, resultado semelhante aos encontrados nos ndices meldicos em nossa pesquisa (0,48 a 0,60). Essa similaridade indica que a manipulao de tons na memria operacional mais difcil do que a manipulao de itens puramente verbais, com
ou sem significado.
303
Concluses
304
Referncias Bibliogrficas
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A arte precisa agradar primeiro aos sentidos e ao corpo. A afirmao de Oneyda Alvarenga, apresentada na primeira parte do captulo Prazer Musical, deriva, entre
outros, da leitura de Psychologie de lart 2 e de Esquisse dune philosophie de lart 3,
mas sobretudo em La musique et la vie intrieure4 que a musicloga encontra a explicao fisiolgica do fenmeno musical. A sensao sonora, dizem Bourgus e
Denraz, cria dinamogenias, isto , um desenvolvimento e um gasto de foras fsicas, responsveis pelo prazer musical. Na medida em que este processo coincide
com um evento motor e com um evento afetivo, os autores concluem que o grito
pode ser tomado como gesto germinal de toda msica.
Conceito impregnado pelas teorias evolucionistas do sculo XIX, o gesto vocal
uma das idias fundamentais do pensamento musical de Mario de Andrade. No
ensaio A escrava que no Isaura, por exemplo, o terico apresenta sua concepo
modernista do processo de criao artstica a partir da reconstruo crtica e expressiva do grito primitivo.5 Entende que o carter da expressividade da msica se
deve justamente ao fato de se manifestar como mimese da sensao expressa pelo
gesto6, idia que repercute diretamente no conceito de Msica Pura: a msica que
no se baseando diretamente em elementos descritivos, quer objetivos, quer psicolgicos, tira dos elementos exclusivamente dinamognicos (Ritmo, Melodia, Har-
305
306
4 Bourgus, Lucien; Denraz, Alexander. La musique et la vie intrieure. Essai dune histoire
psychologique de lart musical. Paris: Flix Alcan; Lausanne: Georges Bridel, 1921.
5 Andrade, Mario de. A escrava que no Isaura (1925). In: . Obra imatura. Rio de
Janeiro: Agir, 2009, p. 235-236.
6 Idem. Introduo esttica musical. Prefcio de Gilda de Mello e Souza. Estabelecimento
do texto, introduo e notas de Flvia Camargo Toni. So Paulo: Hucitec, 1995, p. 37.
7 Idem. Pequena histria da msica (1942). 9. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987, p. 105.
8 Basch, Victor. Lesthetique nouvelle et la science de lart: lettre au directeur de LEsprit
Nouveau. Lesprit Nouveau, Paris: ditions de LEsprit Nouveau, n. 1, 1921, p. 5-12 e n. 2,
1921, p. 119-130.
9 Andrade, Mario de. Os compositores e a lngua nacional (1937). In: . Aspectos da msica brasileira. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Villa Rica, 1991, p. 32-94 (Obras Completas, 11)
10 Sobre o assunto ver: Brain, Robert Michel. The pulse of modernism: experimental physiology and aesthetic avant-gardes circa 1900. Studies in History and Philosophy of Science
39, 2008, p. 393-417 e Rehding, Alexander. The quest for the origins of music in Germany
circa 1900. Journal of the American Musicological Society 53, n. 2, p. 345-385, Summer 2000.
307
Introduo
As tcnicas de live-electronics tm se consolidado ao longo dos ltimos anos no
campo da composio eletroacstica. A parte da discusso entre vertentes que
Live-electronics
O desenvolvimento da tecnologia computacional, bem como seu barateamento,
tm propiciado uma ampla gama de novas experincias em diversas reas do conhecimento musical inclusive para a composio musical. Com o desenvolvimento
dos processadores, hoje possvel lidar com o udio digital, que envolve uma grande
quantidade de informao, com equipamentos relativamente baratos e acessveis.
Dentro desse panorama, o processamento de sinal de udio em tempo-real, ampliou as possibilidades composicionais para um tipo de composio comumente
chamado de live-electronics. Prova desse desenvolvimento centra-se na superao
de parte da crtica realizada por Risset (1999). Neste artigo, Risset ao discutir detalhes composicionais de sua obra Duet for one pianist age, segundo suas prprias palavras, como advogado do diabo (Risset, 1999) ao considerar as limitaes da
tecnologia para a produo de live-electronics e apresentar uma defesa sobrevivncia das obras de tape fixo. O autor ressalta cinco pontos principais que podemos sintetizar em:
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310
a) qualquer sistema digital consegue se ater apenas um nvel limitado de complexidade do som real;
b) sistemas em tempo real so mais limitados do que os softwares de sntese;
c) os procedimentos em tempo real no so a soluo para as dificuldades em dominar as complexas tcnicas de sntese;
d) os sistemas em tempo real so efmeros devido ao rpido desenvolvimento da
tecnologia;
e) msica para tape tambm precisa ser interpretada, portanto no est morta.
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312
considere os inputs sonoros, o gestual humano e as modificaes acsticas ocorridas no espao em um looping-causal de interaes mutuas onde as classes de objetos se modificam de acordo com os inputs do ambiente de forma no reativa, mas
ativa (com classes de objetos modificando-se mutuamente), como proposta de aplicao dos conceitos de orientao objetos obras do tipo live-electronics.
Por outro lado Di Scipio (2003) sugere um outro modelo de sistema interativo
apoiando-se em conceitos advindos da Cincia Cognitiva Dinmica. Tal rea caracteriza-se por estudos que abarcam o entendimento de como os processos cognitivos e a inteligncia se relacionam com a biologia; estudos de algortimos genticos
e suas aplicaes; psicologia ecolgica; sistemas auto-organizados, sistemas emergentes, entre outras.4
Di Scipio descreve em seu artigo o desenvolvimento de um sistema interativo que
denominou por Audible Eco-Systemic Interface Project, resultado de suas experincias durante a residncia composicional no CCMIX (Centre de Cration Musicale Iannis Xenakis) em 2002. Tal projeto caracteriza-se pela confeco de um
sistema interativo que atua apoiado em um algortimo gentico conectado um
gerador de som e um conjunto de receptores de som (microfones) em um ambiente especfico. Quando o ambiente perturbado acusticamente, ou seja, quando
algum som produzido nesse ambiente ele captado e interfere no comportamento
das unidades genticas que se modificam por regras simples de funcionamento.
Tais regras geram comportamentos caticos que se auto-organizam em novos padres de comportamento gerando novos sons, produzidos a partir do comportamento das unidades genticas e sintetizados pelo gerador de som, visando equilibrar
o meio acstico em que o sistema est imerso.
busca encontrar melhores solues para os processos de classificao que ela deve
realizar. O segundo modelo considerado pelos computlogos e cientstas cognitivos como o que melhor se aproxima das capacidades cognitivas humanas (Krse
and Van der Smagt, 1996).
J notoria a capacidade que as redes neurais tm em detectar padres em meio a
fluxos de dados. No campo da msica, redes neurais tm sido utilizadas de forma
satisfatria para a anlise musical, deteco de frequncias, reconhecimento de timbres instrumentais, entre outras aplicaes5. Alguns compositores tm utilizado
redes neurais para a deteo de padres gestuais de bailarinos que so utilizados
para a sintese e processamento em tempo real de udio em obras eletroacsticas interativas. Porm, so raros os exemplos de aplicao de redes neurais em obras do
tipo live-electronics onde as redes atuem interagindo diretamente sobre o udio. Um
motivo para tal ausncia centra-se no fato de que at poucos anos no era possvel
que redes neurais trabalhassem com udio em tempo real devido grande quantidade de informao que caracteriza um arquivo ou stream de udio digital. A maioria dos modelos de rede neural necessitava trabalhar com informao reduzida a
nveis muito bsicos para que pudesse realizar o processo de deteco e classificao
de padres de udio. Os processos de reduo de informao no eram eficientes
para lidar com o udio digital de forma que a camada de sada da rede pudesse gerar
um udio com qualidade musicalmente vivel. Em 2006 dois pesquisadores desenvolveram um novo modelo de rede neural, no supervisionada, que trabalha com
informaes em fluxos temporais denominada Hierarchical Temporal Memory
Maps (HTM) (Hawkins and George, 2006). Tal modelo de rede pode ser efetivo
para a aplicao em obras do tipo live-electronics que se configurem como sistemas
musicais interativos.
A proposta bsica aqui se centra na idia de utilizar uma Rede Neural Artificial no
supervisionada para criar um sistema realmente interativo de acordo com as proposies de Paine e Di Scipio.
A HTM caracteriza-se por uma modelagem neuronal que se estrutura em camadas
hierarquicamente organizadas. A primeira camada formada por certo nmero de
neurnios artificiais que recebem a informao e so ativadas ou no de acordo com
configuraes de ativao determinadas pelo modelo. Tal camada ligada em uma
camada superior com nmero reduzido de neurnios que so ativados se os neurnios da camada inferior formarem algum tipo de padro ou no. Essa segunda
camada ligada em uma terceira camada superior tambm com quantidade menor
de neurnios que atuam da mesma forma e assim por diante at que se chega a uma
camada final que representa o padro geral formado em todas as camadas anteriores. Tal arquitetura interessante para realizar classificaes de informaes que
so dependentes do tempo. Isso porque a camada inicial exposta ao padro de entrada sequencialmente, onde cada poro da informao codificada passa por toda
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314
a camada de entrada e assim sucessivamente. Tal procedimento propicial a deteco de padres temporais pelas camadas superiores que so hierarquisadas em cada
uma das camadas at que a ltima camada seja ativada ou no para aquele padro
global que se construiu no-supervisionadamente em cada uma das camadas.
A partir desse modelo de rede neural pretendemos investigar suas formas de atuao dentro de situaes musicais, especificamente na interao em tempo real entre
msicos e sistema computacional. Tal modelo de rede neural pode ser treinado anteriormente ou no. Acreditamos que resultados diferenciados podem ser obtidos
a partir dessas duas situaes. A hiptese central a de que se uma rede neural for
treinada anteriormente com conjuntos de objetos sonoros especficos, poderemos
verificar como a rede reagir ativamente a partir da situao de interao com o
msico. Sendo assim, acreditamos que se treinarmos a rede neural com eventos sonoros de acordo com a tipo-morfologia descrita por Schaeffer (1966) poderemos verificar se a rede neural conseguir identificar semelhanas tipo-morfolgicas a partir
de objetos sonoros diferentes dos quais a rede foi exposta durante a fase de treinamento ou se a rede atuar de forma diferente disso. Tal investigao pode ser interessante no que tange a produzir comportamentos dinmicos de interao no
campo do live-electronics mas que superem a usual sensao que se tem de processos interativos que soam de forma aleatria. Tais resultados geralmente obtidos
por processos de processamento de udio em tempo real no costumam ser muito
efetivos quando se busca investigar formas de estruturar o discurso musical principalmente no universo da Msica Eletroacstica. Smalley aponta para o cuidado
que devemos ter ao considerar critrios de organizao nesse universo:
Se os fundamentos naturais da percepo auditiva so ignorados na composio de morfologias, nos processos estruturais e na articulao de estruturas espaciais o ouvinte pode instintivamente detectar uma deficincia musical. A
evoluo do espectro e mudanas dinmicas entretanto trabalham com tolerncias naturalmente determinadas pela experincia auditiva. O trabalho imaginativo com tais tolerncias encontra-se no corao das habilidades e
julgamentos composicionais e a falha em apreciar sua importncia crucial, freqentemente justifica a pobre aceitao de obras eletroacsticas. (Smalley, 1986,
p.68)
Ainda, critrios de recorrncia, redundncia, como apontado por inmeros autores, (veja Meyer, 1956), so ferramentas cruciais para o estabelecimento de conexes
perceptuais por parte do ouvinte e que por sua vez so caractersticas centrais para
a obteno de conexo significativa entre ouvinte e obra.
Sendo assim, os passos futuros dessa pesquisa centram-se na implementao de um
sistema de interao em tempo real a partir de redes neurais artificiais; investigao
dos tipos de comportamento que a rede neural desenvolver na interao com instrumentistas sem treinamento prvio. Posteriormente, pretendemos criar um
banco de amostras de objetos sonoros organizados de acordo com a tipo-morfolo-
gia de Schaeffer para ento realizar o treinamento da rede neural com tal banco de
amostras. Por fim, pretendemos verificar qual o tipo de comportamento que a rede
neural demonstrar na interao com instrumentistas aps o treinamento e comparar os resultados com os obtidos anteriormente.
evidente que no temos a inteno ingnua de criar um compositor virtual ou
mesmo dar solues para questes ontolgicas ou epistemolgicas no ambito do
conhecimento musical ou criao musical, mas o que nos interessa propor uma soluo s criticas apontadas por Paine e Di Scipio no que se refere a processos interativos no campo do live-electronics. Tambm pretendemos oferecer um modelo
de interao homem x mquina, para usar os termos de Rowe, que fuja da simples
aleatoriedade ao ser tipo-morfologicamente (auto-)orientada.
3 Tal afirmao deve ser considerada com cautela j que muitas vezes soam preconceituosa
demais por indiretamente colocar em xeque inmeras obras de grandes compositores.
4 Para uma viso panormica sobre a Cincia Cognitiva Dinmica ver (Varela etal., 2003).
Sobre Psicologia Ecolgica ver (Gibson, 1966, 1979) e (Michaels and Carello, 1981). Sobre
auto-organizao ver (Ashby, 1962) e sobre emergentismo ver (Emmeche, 1994).
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317
When the calculation rate equals the sampling rate, a computer synthesizer is
said to operate in real time. Without real-time operation, a computer music
system cannot be used for live performance. For the musician, real-time operation is preferable because it drastically reduces the amount of time between instructing the computer and hearing the results (feedback time) (Dodge; Jerse
1997, p. 70)2
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Essas estratgias devem ocorrer de maneira que o computador seja instrudo a reagir conforme os modos citados por Winkler e muitos outros, criando um campo infinito de possibilidades de relao em contextos poticos. A grande questo
justamente a instruo. As principais instrues possveis dizem respeito s frequncias (ou nmeros MIDI) dos sons captados (em um processo de reconhecimento e seleo), limiares de intensidade em uma determinada passagem (que dizer
respeito ao mbito da dinmica musical no ato da interpretao) e a ferramenta do
score-follower (que insere uma partitura, geralmente em formato MIDI, sobre a qual
o programa ir realizar comparaes e disparar eventos em determinados pontos
pr-estabelecidos). Cada uma das ferramentas permite um menor ou maior grau
de rigor e determinao.
So inimaginveis os efeitos que o mapeamento do movimento pode causar na prtica musical e na composio de obras interativas. Os dados de qualquer movimento
podem ser mapeados nas trs dimenses (vertical, horizontal e sagital) a partir da
sua acelerao, retornando parmetros numricos proporcionais acelerao da
gravidade. Assim, qualquer movimento pode ser mapeado e pode, por conseguinte,
ser propulsor de contextos poticos ou permitir a anlise de uma interpretao sob
a gide dos movimentos.
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2007 e estreada no mesmo ano por cristiano sousa (violo) e o compositor (computador). Nessa obra, usamos computador operando em tempo real atravs da captao do som do instrumento por um microfone (na primeira das abordagens
tratadas anteriormente).
A interao entre msico e computador nessa obra ocorre tanto pelo reconhecimento de notas (atravs da seleo de nmeros midi), quanto pelo reconhecimento
de ataques e intensidades. Logo nos primeiros compassos da partitura (figura 1)
vemos a indicao das caixas de disparos (bangs), realizados pelo reconhecimento
do ataque dos acordes pelo intrprete. Esses ataques do intrprete disparam sons
pr-processados, captados do violo e processados em estdio previamente, sorteados em tempo real (de maneira que cada interpretao nica).12 Logo no compasso 5, vemos um disparo do computador em uma nota: o f sustenido 4. Como
essa nota ainda no havia aparecido antes, basta um simples reconhecimento da
frequncia para o eventual disparo dos sons conforme o sorteio j descrito.
Aqui nos deparamos com um problema, que diz respeito justamente ao reconhecimento da frequncia pelo computador no caso de notas que no esto aparecendo
pela primeira vez na partitura13. Todo ataque de um som dispende uma grande
quantidade de energia e , a um s tempo, um momento mais instvel de um som
e o maior responsvel pelo reconhecimento do seu timbre (Henrique 2002). Com
isso, na medida em que fosse necessrio o reconhecimento de uma nota quando da
sua terceira apario, por exemplo, necessrio instruir o computador em relao
a desconsiderar a poro de energia dispendida no ataque de uma determinada nota
no contexto instrumental (seno, a cada ataque o computador reconhecer uma
dezena de notas diferentes). Mudanas de variao de ataque, nuances expressivas
e outras decises de ordem interpretativas tambm precisam ser levadas em conta,
de maneira que necessria uma tomada de conscincia da necessidade de previso do contexto interpretativo e sua eventual correo a instruo computacional
(mais uma vez: o computador no possui subjetividade).
Mesmo lanando mo de uma msica escrita, essas problemticas no podem ser
negligenciadas no ato de se fazer msica. Imagine-se qual o impacto disso na interao no caso de obras mais abertas, em carter improvisatrio. Como aliar as indicaes dos intrpretes com as intrues do computador?
Processos perceptivos como esse so apenas a superfcie de uma problemtica que
est no cerne da questo na relao computador/humano. A percepo um fenmeno complexo e necessrio para o entendimento musical, sem o qual o ato de
se fazer msica no pode acontecer. preciso estar atento para no reduzir a condio interpretativa em uma obra interativa para os termos computacionais, sob
pena de se estar negligenciando um aspecto fundamental da experincia musical.
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Nesse caso, o que tocado pelo msico influencia o que ser gravado e disparado
pelo computador, ao mesmo tempo em que influenciado pela sua resposta,
criando um adensamento gradual da textura. Aqui, h uma potencializao da capacidade interpretativa, a partir da extrapolao das estratgias de interao operada
pelo alinhamento entre o controle e o material, oriundos de uma nica fonte sonora.
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Foi acoplado um desses sensores em uma bailarina, de maneira que sua movimentao desse vazo a uma srie de processos musicais em tempo real. Essa abordagem permite mapear os movimentos em nas trs dimenses, retornando dados
discretos.
Na segunda cena do espetculo, utilizamos a acelerao em cada uma das dimenses
para o sorteio de classes de samples e sons pr-gravados. Cada dimenso agrupou
uma famlia de sons a serem sorteados em tempo real conforme o deslocamento da
bailarina em cada uma das dimenses e com que intensidade ele ocorria.
Aqui, usamos o computador em consonncia direta com o movimento corporal da
bailarina, de maneira mais literal. Em outras partes da obra usamos processos menos
literais para gerao de material musical (como por exemplo, para determinar a
banda de filtragem em um sintetizador subtrativo). A interpretao musical dos
movimentos da bailarina foi transformada dados e posteriormente usada para o
sorteio realizao de uma textura a partir de trs vias de sorteio. A bailarina no
possua qualquer instruo musical prvia, tampouco um treinamento musical na
acepo tradicional do termo. At que ponto as noes musicais (prvias) da bai-
326
larina podem filtrar os dados de maneira nortear o fenmeno sonoro? Existe a necessidade de se pensar em termos conceitualmente musicais em uma prtica como
essa? Quais so as conseqncias disso na prtica musical ou na explorao dessa ferramenta em uma obra instrumental? importante o reconhecimento por parte do
intrprete dos mecanismos estritamente musicais mobilizados no ato da perfomance? Quais so esses mecanismos?
Muitas dessas perguntas ainda no foram respondidas, dado o pouco tempo transcorrido desde o advento dessa abordagem. O que podemos certamente afirmar
que o mapeamento do movimento de um msico/intrprete e a utilizao desses
dados em tempo real para controle, e gerao de material se configura como um
elemento que prope novas modalidades para o fazer musical e, consequentemente,
o pensar a msica. Msica que no se manifesta necessariamente em termos
musicais.
Consideraes finais
A partir das experincias musicas realizadas tanto no mbito da msica instrumental, quanto no mbito da msica interativa, percebemos a necessidade do ciclo
de intersubjetividade presente no ato de se fazer msica. Esse ciclo est no centro
de uma prtica que remonta a tempos muito longnquos e permite contextos poticos musicais enormemente sofisticados.
No nos parece um bom caminho que haja uma inclinao das noes mobilizadas
no ato de se fazer msica em direo ao contexto do computador. Este, por conta
da sua natureza, no possui subjetividade e no capaz de dar vazo a uma parte
fundamental no fenmeno sonoro.
Mostraram-se necessrias as estratgias para a efetivao da relao intersubjetiva
na prtica composicional, de maneira especfica. Nesse sentido, precisamos avanar
em direo potencializao das modalidades de interao, mas sem perder de vista
a complexa teia de processos cognitivos mobilizados no ato de se fazer e pensar a
msica.
1 Por msica eletroacstica estamos aqui nos referindo a vrias prticas que so genericamente nominadas por esse guarda-chuva conceitual. Prticas como a da Msica Concreta
(Musique Concrte), Msica Eletrnica (Elektronische Musik), Msica Acusmtica, Msica
Interativa, Eletrnica ao vivo (Live Electronics), vdeo-arte, bem como diversas outras manifestaes so referidas nessa pliade.
2 Quando a taxa de clculo igual taxa de amostragem, diz-se que um sintetizador computacional opera em tempo-real. Sem uma operao em tempo real, um sistema de computao musical no pode ser usado para uma performance ao vivo. Para o msico, a operao
em tempo-real prefervel porque ela reduz drasticamente a quantidade de tempo entre a
instruo do computador e a audio dos resultados (tempo de feedback) (Dodge; Jerse
1997, p. 7 traduo nossa).
3 Mesmo sendo um aspecto bastante difcil de abstrair, inferir e em at certo ponto negligenciado na teoria da msica, a teoria do ritmo tem recebido uma srie de desenvolvimentos bastante consistentes nos ltimos anos (principalmente a partir da dcada de 1980). Uma
genealogia bastante perspicaz pode ser observada nos artigos de Caplin (2002) e London
(2002), que tratam respectivamente das teorias nos sculos XVIII/XIX e do sc. XX. Destaquemos os importantes avanos como os de Kramer (1988) no tratamento do que ele
chama msica anti-arquitetnica e as suas noes de linearidade e no-linearidade, bastante aplicveis no domnio do tempo musical em diversos contextos; e a noo de projeo do tempo em Hasty (1997), para quem mtrica ritmo e essas noes no podem ser
tratadas seno imbricadas.
4 De um modo geral estamos nos referindo ao software Pure Data (PD), um ambiente de
programao snica orientada ao objeto. Esse software livre, em cdigo aberto e multiplataforma. Foi desenvolvido por Miller Puckette e sua documentao, bem como informaes, instrues de instalao e comunidade esto disponveis em http://puredata.info/
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5 Estratgias composicionais para obras interativas diferem das estratgias de outras composies j que elas so governadas pela relao entre humanos e computadores. A parte do
computador imitar o intrprete ou ter seu prprio carter distinto? A relao
humano/computador um tema central da obra; conceitos musicais e paradigmas de interao andam de mos dadas. Liberdade e controle, predeterminado e improvisatrio, comunicao e resposta, participao e adaptao estas so as questes que norteiam
composies interativas e criam o inevitvel drama que se desdobra pela natureza da tecnologia em si mesma (Winkler, 2001, p. 260 traduo nossa).
6 Em um nvel bastante elementar, basta que pensemos no movimento das ondas sonoras.
Obviamente, esse fenmeno acstico processado pelo ouvinte de maneira diversa da estudada na acstica. Essa preocupao com a natureza fsica do som e sua relao com o aparato
do ouvido humano estudada pela acstica musical (cf. Henrique 2002), e, mais recentemente, pela psicoacstica (cf. Perry 2001).
7 Em seu livro, Daniel Chua opera uma crtica bastante sagaz da noo de msica pura ou
msica absoluta, a partir de uma genealogia do conceito e uma desconstruo bastante lcida. Para maiores informaes cf. Chua (1999).
8Trata-se da obra Noite (2008), para uma bailarina, sexteto misto, eletrnica e projeo de
vdeo. Para maiores informaes cf. Bertissolo (2009a) ou http://guilhermebertissolo.
wordpress.com/
9 Para uma abordagem sucinta sobre o assunto roga-se ao leitor que procure o artigo Sistema
Laban/Bartenieff e msica: possveis interfaces (Bertissolo 2009b), publicado nos anais do
XIX Congresso da ANPPOM de 2009, disponvel em http://www.anppom.com.br/
anais.php.
11 Tanto a partitura completa quanto uma gravao de Devir podem ser acessadas em
http://guilhermebertissolo.wordpress.com/
12 No cabe no escopo desse artigo esmiuar os mtodos de sntese sonora, tampouco as especificidades do processamento em tempo real. Para maiores detalhes cf. Winkler (2001) e
Dodge; Jerse (1997).
Referncias
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329
330
Resumo
Os mecanismos de interao e de influncia sociais desempenham um papel importante
na aquisio e no desenvolvimento do conhecimento musical dos seres humanos. De um
lado, as pessoas nascem com determinadas caractersticas biolgicas os sistemas perceptivos e cognitivos que permitem a aquisio do conhecimento. De outro, as interaes sociais fazem com que certos traos culturais sejam transmitidos de um indivduo
para outro, de um lugar a outro.
Este artigo apresenta o Modelo Ontomemtico de Evoluo Musical (Ontomemetical
Model of Music Evolution OMME), proposto durante minhas atividades de Doutorado
na Universidade de Plymouth (Reino Unido) que se baseia nas noes de ontognese e
de memtica. O OMME estabelece normas para o desenvolvimento de sistemas computacionais interativos musicais com o intuito de explorar a evoluo da msica tendo
como referncia a transmisso de memes musicais e, conseqentemente, as faculdades
perceptivas e cognitivas dos seres humanos.
A fim de demonstrar as potencialidades do OMME, dois sistemas computacionais so
apresentados, o Gerador de Memes Rtmicos (RGeme Rhythmic Meme Generator) e
os Ambientes Musicais Interativos (iMe Interactive Musical Environments).
Introduo
O Modelo Ontomemtico de Evoluo Musical (Ontomemetical Model of Music
Evolution OMME) um novo modelo para o desenvolvimento de sistemas interativos musicais que se inspira em princpios derivados da ontogenia e da memtica (Gimenes, 2009). O interesse por esta investigao origina-se da noo de que
os mecanismos de interao e influncia sociais possuem um papel relevante para
a aquisio e o desenvolvimento do conhecimento musical dos seres humanos.
De um lado, as pessoas nascem com determinadas caractersticas biolgicas os
sistemas perceptivos e cognitivos que permitem a aquisio do conhecimento.
De outro, as interaes sociais fazem com que certos traos culturais sejam transmitidos de um indivduo para outro, de um lugar a outro. Esses fatores favorecem
o aparecimento e a disseminao dos mais variados estilos musicais. De tempos em
tempos novos estilos surgem, alguns so bem sucedidos e sobrevivem mais do que
outros. Todos esses fenmenos podem ser facilmente observados na msica que,
alm de organizao sonora, vem a ser uma expresso da inteligncia, um comportamento tipicamente humano e culturalmente condicionado. No por outra
O Modelo Ontomemtico
O OMME introduz um conjunto de normas para o desenvolvimento de sistemas
que tenham por objetivo o estudo da evoluo do conhecimento (ou da ontognese) musical levando em conta os conceitos fornecidos pela teoria memtica. Os
objetivos gerais que o OMME prope atingir so os seguintes:
1) Contribuir para a compreenso de fenmenos naturais, tais como a percepo
e a cognio humanas, atravs da modelagem computacional,
331
332
2) Contribuir para a construo da musicalidade das mquinas (machine musicianship) e a interao entre mquinas e seres humanos, e
3) Fornecer ferramentas computacionais para a musicologia principalmente centrada em modelos tericos que estudam a evoluo cultural.
A fim de alcanar esses objetivos, o OMME define que sistemas computacionais
musicais devem cumprir as trs condies gerais a seguir enumeradas:
Condio 1: Sistemas baseados no OMME so sistemas interativos. O termo
interatividade usado em diferentes contextos com diferentes significados. No
escopo do OMME, contudo, interatividade tem um significado especfico: Sistemas interativos musicais so sistemas computacionais que, atravs da troca de
informaes musicais, tm a capacidade de perceber o ambiente, analisar e praticar aes de modo a alterar os estados desse ambiente assim como o seus prprios estados (Gimenes, 2009). Decorre dessa definio o fato de que sistemas
baseados no OMME devem incluir mecanismos para (i) o intercmbio de informaes musicais entre o sistema e o ambiente, (ii) a simulao de mecanismos de percepo, de anlise e de ao e (iii) a alterao dos estados do sistema
bem como dos estados do ambiente.
Condio 2: Sistemas baseados no OMME consideram a msica como uma expresso das faculdades humanas. Sistemas baseados no OMME devem explorar modelos tericos e/ou empricos das faculdades perceptivas e cognitivas
humanas porque (i) a msica uma expresso dessas faculdades e (ii) a base da
transmisso memtica reside na existncia dessas faculdades.
Condio 3: Sistemas baseados no OMME devem implementar mecanismos para
avaliar a evoluo musical. Um dos objetivos do OMME refere-se contribuio que os sistemas nele baseados devem dar para a pesquisa musicolgica
e a construo de uma ontogenia musical. Esses sistemas devem, portanto, implementar mecanismos que permitam a avaliao de diferentes aspectos da evoluo musical.
Em vista das condies anteriormente mencionadas, o OMME brevemente definido na seguinte expresso: O Modelo Ontomemtico de Evoluo Musical
um modelo computacional para a criao de sistemas interativos que consideram
a msica como uma expresso das faculdades humanas e implementam modelos
criativos para a explorao e compreenso da evoluo musical.
A fim de validar e demonstrar as potencialidades do OMME foram implementados dois sistemas computacionais, o Gerador de Memes Rtmicos (RGeme
Rhythmic Meme Generator) e os Ambientes Musicais Interativos (iMe Interactive Musical Environments), a seguir descritos.
o ambiente, percebendo a existncia de msica, analisando os objetivos a eles propostos e agindo de acordo com esses objetivos. Os agentes simulam aspectos das faculdades perceptivas e cognitivas humanas uma vez que segmentam o fluxo musical
e possuem sua prpria representao do mundo (memria), na qual guardam
memes rtmicos, e que transformada atravs da execuo de diferentes atividades
musicais. As transformaes pelas quais passam os agentes so registradas de forma
a possibilitar a observao do aparecimento e evoluo dos seus estilos musicais.
Todos os agentes tm a mesma estrutura interna (percepo e memria) e a capacidade de realizar trs tipos de atividades (tarefas) musicais: escutar, praticar e compor msica (seqncias rtmicas). Na memria, tambm chamada de matriz de
estilo, so armazenados os memes rtmicos que, em ltima instncia, constituem
o conhecimento musical dos agentes. A Figura 1 mostra um exemplo de meme
rtmico.
11101000
O resultado das interaes que a memria de cada um dos agentes constantemente transformada. A Tabela 1 mostra um instantneo de uma dessas memrias
em que cada linha contm os memes que foram percebidos pelo agente alm de outras informaes como as datas ou ciclos (inicial dFL, final dLL) em que
os memes foram percebidos, o nmero de vezes (nL) que o meme foi percebido
e o peso (w) de cada um deles.
333
334
Ao final de cada tarefa, o peso (w) de cada um dos memes reforado de acordo
a similaridade entre os memes presentes na memria e aqueles com que os agentes
esto interagindo em um dado momento. Na medida em que os agentes interagem
com as msicas e, conseqentemente, com os memes rtmicos, alguns desses memes
so reforados enquanto que outros so enfraquecidos. A evoluo do conhecimento musical dos agentes monitorada atravs da anlise dessas transformaes.
Sucessivamente, ao final da interao com cada uma das msicas, o RGeme registra um instantneo da memria dos agentes de modo que se possa analisar passo a
passo a importncia dessas interaes para a evoluo do aprendizado e, conseqentemente, do estilo musical de cada um deles.
#
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
...
Meme
01010110
01011000
11010000
00100010
01110111
11011101
10010111
10010101
11110111
10001000
...
dFL
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
...
dLL
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
...
nL
2
2
2
2
4
6
6
4
15
1
...
w
1.026
1.017
1.021
1.013
1.025
1.022
1.023
1.019
1.014
1.000
...
Os agentes tambm so capazes de gerar novas composies com base nos memes
armazenados em sua memria, para o que utilizam as informaes mostradas na
Tabela 1 acima, em especial o peso (coluna W) de cada um dos memes. As composies dos agentes so particularmente importantes porque permitem que o conhecimento adquirido por um deles possa ser transmitido aos demais em uma
mesma simulao. A Figura 2 acima mostra um exemplo de uma dessas composies.
Durante o desenvolvimento do RGeme foram realizadas inmeras simulaes e,
em (Gimenes, 2009) algumas delas so descritas em detalhe. A ttulo de exemplificao, as prximas figuras mostram alguns grficos que foram gerados a partir de
uma dessas simulaes em que um agente interagiu com grupos diferentes de composies de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Jacob do Bandolim. A Figura
3 mostra o nmero de vezes (eixo y) que um determinado agente interagiu durante toda a simulao com os 20 memes inicialmente aprendidos. O eixo x mostra a representao binria dos memes rtmicos.
A Figura 4 a seguir mostra o nmero de memes aprendidos durante toda a simulao. O eixo x mostra a seqncia de ciclos da simulao, que durou um total de 100
ciclos, e o eixo y mostra o nmero de memes aprendidos at um determinado ciclo.
O agente foi instrudo na matriz de avaliao a escolher msicas de compositores
distintos em trs diferentes fases da simulao. O grfico da Figura 4 mostra este
fato, onde o agente aprende um determinado nmero de memes que crescente
no incio de cada uma dessas fases e posteriormente estabilizado.
335
Meme
11111111
11111010
01111111
00100010
10111111
11011000
dFL
1
1
2
3
13
35
dLL
100
91
100
57
95
98
nL
862
100
318
14
51
69
w
3.753
2.543
2.982
1.013
2.297
1.970
Ao final de uma simulao, possvel, com base nos pesos relativos de cada um dos
memes presentes na memria do agente, determinar quais deles so mais importantes (vencedores) que os outros. A Tabela 3 abaixo mostra os dez memes
mais importantes ao final da mesma simulao utilizada nos exemplos acima.
#
Meme
dFL
dLL
nL
100
862
3.753
11
98
431
3.111
100
318
2.982
17
92
18
2.577
91
100
2.543
100
240
2.482
10
98
191
2.422
19
94
225
2.402
38
35
98
161
2.381
99
149
2.329
Considerando-se que o RGeme foi a primeira implementao de um sistema segundo as normas do OMME, algumas das suas caractersticas foram intencionalmente simplificadas. Este o caso, por exemplo, do material musical (apenas ritmos
monofnicos) e da segmentao (critrio de comprimento fixo, i.e., um segmento
por compasso). Alm disso, o RGeme implementa um modelo de criao musical
que no leva em considerao a continuidade de um meme para outro. Por causa
dessas limitaes e considerando as lies aprendidas com esse sistema, posteriormente implementei um segundo sistema chamado de Ambientes Musicais Interativos (iMe Interactive Musical Environments), brevemente apresentado na
prxima seo.
337
338
direo meldica
-1 -1 -1
saltos meldicos
8
2
intervalos de tempo da melodia 120 120 120 120 120 120 120 120
Na verso atual do sistema iMe, a autonomia dos agentes foi limitada de modo que
eles executam as tarefas (matriz de objetivos) previamente determinadas pelo usurio bem como escolhem as msicas segundo critrios tambm fixados por este.
Sendo assim, do mesmo modo que no RGeme, ao projetar uma nova simulao, o
usurio deve determinar um nmero de agentes (pelo menos um) e atribuir um
nmero de tarefas (pelo menos uma) para cada um deles. Havendo tarefas que envolvam a escolha de msicas para interao, os agentes tambm devem ser instrudos com os critrios (nome do compositor, gnero, ano de composio) para essa
escolha (matriz de avaliao). Os objetivos e a matriz de avaliao constituem uma
espcie de esboo do que vir a ser o mapa de desenvolvimento estilstico dos
agentes.
339
340
Finalmente, os agentes so tambm capazes de criar novas msicas atravs das tarefas compor, improvisar-solo e improvisar-grupo. O modelo criativo usado nessas
trs tarefas , na realidade, muito semelhante e deve ser considerado mais improvisacional do que composicional dado que, uma vez gerado um novo meme musical,
o agente no pode mudar de idia e gerar um outro em seu lugar. O usurio do
sistema deve programar previamente uma seqncia de condies (e.g. escalas, acordes, etc.) em um espao chamado de Mapa Composicional e de Performance
(MCP) que o agente ir seguir enquanto estiver criando uma nova msica. No momento da criao, o agente gera novos memes recombinando as substrings que esto
armazenadas na sua memria, de acordo com os pesos das diversas conexes mencionadas anteriormente. Uma vez gerado, o novo meme em seguida adaptado ao
MCP. Novos memes musicais so gerados at que todas as condies do MCP
sejam satisfeitas. Esse processo ilustrado na Figura 8 abaixo:
341
Uma outra rea na qual o sistema iMe tem grande potencial o da criatividade musical visando a explorar, mais especificamente, o segundo objetivo do OMME, i.e.,
contribuir para a construo da musicalidade das mquinas e a interao entre
mquinas e seres humanos. Uma performance pblica foi preparada durante o Peninsula Arts Contemporary Music Festival em fevereiro de 2008 na Universidade
de Plymouth, Reino Unido.
Uma simulao foi especialmente projetada para esta performance em que um
agente deveria executar duas tarefas: a leitura de uma msica e uma improvisaogrupo de outra. No incio da simulao, a memria do agente estava vazia e, durante a primeira tarefa (leitura), o agente leu um arquivo MIDI contendo apenas a
melodia da msica Stella by Starlight, de Victor Young. Neste momento, a memria do agente passou a conter o material inicial que ele iria utilizar na segunda tarefa. Um MPC (mapa composicional e de performance) havia sido previamente
preparado com a seqncia harmnica da mesma pea musical e, durante a segunda
tarefa (improvisao-grupo), o agente e eu improvisamos com base nele. Iniciada a
improvisao, o agente comeou a ouvir as idias musicais que eu tocava, transformando, conseqentemente, a sua memria. As novas idias musicais aprendidas
pelo agente passaram ento a compor a sua prpria improvisao. Uma descrio
passo a passo dessa performance pode ser lida em (Gimenes, 2009) e sua ntegra assistida em http://www.computermusiclab.com/.
Concluso
Este artigo apresentou sucintamente o Modelo Ontomemtico de Evoluo Musical (OMME), um novo paradigma para o desenvolvimento de sistemas computacionais interativos musicais que se funda nas noes de ontognese e de memtica,
proposto durante o meu Doutorado na Universidade de Plymouth (Reino Unido).
Os sistemas baseados neste modelo devem (i) ser sistemas interativos, (ii) conside-
342
rar a msica como uma expresso das faculdades humanas, e (iii) implementar mecanismos para a anlise da evoluo musical. Essas condies visam a (i) contribuir
para a compreenso de fenmenos naturais, tais como a percepo e cognio humanas, atravs da modelagem computacional, (ii) contribuir para a construo da
musicalidade das mquinas e a interao entre mquinas e seres humanos, e (iii)
fornecer ferramentas computacionais para a musicologia principalmente centrada
em modelos tericos que estudem a evoluo cultural.
A fim de demonstrar as potencialidades do OMME, foram desenvolvidos os sistemas Gerador de Memes Rtmicos (RGeme Rhythmic Meme Generator) e Ambientes Musicais Interativos (iMe Interactive Musical Environments). Ambos so
sistemas interativos musicais em que agentes musicais interagem com o ambiente
e entre si, possuem mdulos perceptivos e cognitivos e so capazes de evoluir a partir da execuo de tarefas musicais. No RGeme os agentes executam tarefas em
tempo no real (ouvir, praticar e compor msica), enquanto que no iMe, alm destas os agentes tambm executam tarefas em tempo real (ouvir, executar, improvisar-solo e improvisar-grupo).
Os estudos apresentados neste artigo esto sendo atualmente aprofundados no Ncleo Interdisciplinar de Comunicao Sonora (NICS/Unicamp), no escopo da
minha pesquisa de Ps Doutorado com o apoio financeiro da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP). Um novo sistema interativo
musical est sendo desenvolvido com o intuito de estudar a emergncia e evoluo
de estilos musicais em um ambiente essencialmente autnomo. Esta pesquisa se insere no contexto dos modelos que exploram a Vida Artificial (Artificial Life), os
quais procuram replicar fenmenos biolgicos atravs de simulaes em computador (Miranda, 2003) e abordam conceitos como, por exemplo, a origem dos organismos vivos, comportamento emergente e auto-organizao e podem ajudar na
compreenso da gnese e evoluo musicais (Atlan, 1979).
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343
344
Introduo
A Anlise Particional (Gentil-Nunes 2009) proposta como abordagem original
da composio e anlise musicais, constituda a partir da aproximao entre a teoria das parties de inteiros, de Leonhard Euler (1748) e corpos tericos desenvolvidos durante o sculo XX (inicialmente, Berry 1976; e posteriormente, Schenker
1935 e Cage 1942, 1955 e 1961).
A formulao da teoria das parties foi uma conquista do matemtico suo Leonhard Euler (Andrews 1984, p. xv). A teoria das parties trata das seqncias finitas de inteiros positivos cuja soma n. Segundo Andrews, toda vez que uma
diviso de algum objeto em sub-objetos realizada, a palavra partio provavelmente
aparecer (id. ibid.).
Considerada desta forma, a teoria das parties trata de uma das atividades mais importantes para o ser humano: a contagem, que representa as relaes sociais, fundada na diviso de bens (vasos, cabras, dlares ver Gentil-Nunes 2006a).
O uso das parties cotidiano e constitui, juntamente com a habilidade de contar, um fato social inerente s sociedades complexas (ibid.) Os nmeros, muitas
vezes considerados como abstraes desvinculadas das formas de vida concreta, so
de fato, so de fato representaes literais (e, ao mesmo tempo, mediadores) das relaes humanas.
Da mesma forma, no trabalho do compositor inserido nesta mesma sociedade, seu
uso, consciente ou no, ostensivo. A msica, como outras atividades humanas,
precisa ter suas etapas de produo coordenadas para viabilizar sua realizao.
uma atividade, em grande parte, coletiva, e traz marcas, em seu processamento, das
vrias relaes que se estabelecem entre seus agentes (pessoas, instrumentos, palavras, dedos), muitas delas codificadas atravs de nmeros.
Um olhar pragmtico necessrio para entender de forma mais objetiva como essas
relaes so imbricadas no trabalho de criao. Afinal, faz parte do trabalho do
compositor a escolha sobre a distribuio e funcionamento das configuraes de
produo. Conseqentemente, das partes e das aes que se deflagraro a partir
delas. Tarefa precedente a outras, que, grande parte das vezes, so cobertas pelas
tcnicas tradicionais de composio (ou de arranjo), tais como as relaes motvicas, meldicas, tmbricas e formais.
Estas dinmicas de produo, realizadas a partir da focalizao do trabalho criativo
345
346
347
Aos componentes reais Berry atribui nmeros, que recebem uma representao
empilhada, caracterizando o nmero de elementos e sua espessura.
cisam ser ignoradas para manter-se a lgica de comparao por compasso. Outras
questes deixadas em suspenso so a observao qualitativa das relaes entre as diversas configuraes texturais e a possibilidade de sua enumerao exaustiva.
348
Uma crtica mais detalhada, visando esgotar aspectos rtmicos, meldicos e intervalares do exemplo, bem como a abordagem da questo da unidade de referncia
para comparao das vozes feita por Gentil-Nunes (2006b). Alm disso, a Anlise Particional pretende apresentar um ponto de partida para entender algumas
questes deixadas em aberto por Berry.
Anlise Particional
A mediao entre as duas teorias (teoria das parties e anlise textural de Berry),
que constitui a anlise particional, feita atravs da anlise da estrutura interna das
representaes numricas de Berry, que so consideradas homlogas s parties.
Toma o ponto de vista derivado da virada lingstico-pragmtica (Wittgenstein
1952 e 1956), a partir do qual so considerados os atores individuais (instrumentistas, dedos, fontes sonoras) e suas relaes funcionais com os seus pares, dentro dos
chamados jogos criativos.
Estas relaes so chamadas de relaes binrias. Em uma escrita a quatro partes,
h, a cada momento, seis relaes binrias em andamento. Para cada densidade-nmero n, o nmero de relaes binrias correspondente a combinao de n dois a
dois, operao tomada da anlise combinatria (Tucker 1995, p. 181). o que
acontece no ensino do contraponto, por exemplo, onde a contextualizao do discurso est ligada considerao de determinados intervalos, como quintas e oitavas paralelas. Para encontrar estes intervalos, observam-se as diversas interaes
entre partes no caso de um coro misto a quatro partes (SATB), onde so consideradas ento as relaes TB, AB, SB, ST e AS (seis relaes).
As relaes binrias, por si mesmas, so apenas um ndice da complexidade relacional crescente, obtida no incremento da densidade-nmero. Por outro lado,
quando Berry define suas configuraes texturais, ele est, similarmente s prticas
de contraponto e da harmonia, comparando as vrias partes vocais. O filtro utilizado, que a combinao entre congruncia rtmica e direes de movimento, o
que permite com que o autor agrupe ou diferencie os componentes reais.
Em configuraes texturais sucessivas, os componentes estaro, a cada momento,
atualizando suas relaes. Assim como as configuraes texturais formam curvas
quantitativas e qualitativas, de acordo com Berry, as relaes binrias tambm vo
se ajustando, criando assim um movimento autnomo.
Para cada partio h uma disposio de relaes binrias especfica. Seguindo-se
um critrio determinado (que no caso de Berry, repita-se, a congruncia rtmica
dos pontos de tempo), as relaes so divididas necessariamente em congruentes ou
no congruentes. Atravs desta diferenciao extraem-se de cada partio dois n-
dices (ndices de aglomerao e de disperso a,d ), que formam um par de coordenadas correspondente e nico.
Particiograma
Uma vez que as parties so finitas e conhecidas como entidades matemticas, e
sendo possvel atribuir a cada uma delas um par de ndices que se referem ao seu
grau de aglomerao e disperso internas, torna-se conveniente a plotagem das parties em um grfico bidimensional. Constitui-se assim um particiograma, que funciona como uma topologia do campo das parties, uma taxonomia exaustiva das
possibilidades de n e constitui tambm um espao de fase, no sentido de representar um conjunto de elementos condicionados por variveis independentes e que evoluem no tempo (Berg et Al., 1994, p. 91).
O particiograma tambm uma representao do conjunto-lxico de um determinado nmero ou seja, apresenta o repertrio de possveis configuraes texturais
para uma densidade-nmero (totais e parciais).
O particiograma tambm um tipo de reticulado de Young, posicionado inclina-
349
350
damente, com seu lado diagonal direito paralelo ao eixo das abscissas. No entanto,
algumas diferenas importantes so notadas. No particiograma, as parties tm
uma organizao geogrfica precisa. As distncias entre elas so significantes e quantificadas, o que no acontece no reticulado de Young. Pode-se mensurar a diferena,
no sentido do contedo relacional, entre duas parties, pelo intervalo mtrico
entre as duas. Por exemplo, existe uma proximidade maior entre as parties [27]
e [127] do que existe entre as parties [36] e [127], apesar de haver uma vizinhana
simples e simtrica entre as trs no reticulado de Young.
O grfico herda da funo p(n) a estruturao fractal, e assim no se coaduna graficamente com progresses exponenciais, ainda que apresente um certo nvel de
previsibilidade. Alm disso, a distribuio das parties bastante desequilibrada,
com um predomnio notvel de parties mais dispersas, prximas ao eixo das coordenadas.
A plotagem de valores extrados de excerto musicais, referentes aos ndices de aglomerao e disperso, definem trajetrias no particiograma, que corresponde apresentao sucessiva das parties. A forma destas trajetrias constitui gestos que
podem ser reconhecidos por seu contorno. Alguns deles podem ser reconhecidos,
como o estilo fugato ou a estruturao responsorial (ver Gentil-Nunes 2009, p. 4143).
Para o entendimento destes movimentos, necessrio estabelecer a diferenciao
entre grau conjunto e salto, dentro do particiograma. Como o particiograma est
organizado homologamente ao reticulado de Young, que um conjunto parcialmente ordenado, possvel fazer leituras a partir de ordens parciais embutidas na
estrutura do particiograma e definir conjunes e disjunes de acordo com estas
ordens. Outra maneira de extrair ordens parciais atravs dos prprios ndices, ou
seja, usando a organizao interna das parties, representada pelos pares (a, d),
para encontrar conjunes e disjunes.
Progresses particionais
Cinco ordens parciais so observadas para classificao das progresses entre parties:
Redimensionamento (m) refere-se s operaes onde existe mudana da dimenso horizontal (no diagrama de Young), ou simultaneamente horizontal e
vertical. Em termos de ao, este movimento corresponde a um comportamento unilateral. Enquanto um elemento se afila ou se adensa, os outros permanecem inertes.
Revarincia (v) refere-se a operaes onde existe a modificao da dimenso
vertical. um comportamento unilateral, como o redimensionamento. Desta
vez, enquanto um elemento novo surge ou um elemento unitrio j existente
Figura 4 Reticulado de Young para as parties com densidade-nmero 6 e explicitamento das ordens parciais circunscritas. Em cada caixa so indicadas as parties e o par correspondente de ndices de aglomerao e disperso. Concepo
original do presente autor.
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352
movimentos, necessria para chegar de um ponto a outro. Por exemplo, de [1] para
[13], h dois movimentos de redimensionamento e um de revarincia representados por [m2v1], a mesma distncia que existe entre [3] e [24], e que constitui tambm uma relao de concorrncia, na medida em que ambos os ndices crescem na
mesma direo; de [14] para [4], h uma relao mltipla de transferncia, ou seja,
[t4]; j de [14] para [4], h duas revarincias negativas e uma transferncia negativa
ou seja, [v -2t -1]. Estes dois ltimos exemplos no constituem relaes de concorrncia, uma vez que os comportamentos dos ndices so diferenciados (um sobe e
outro desce).
A representao de distncias entre parties permite o tratamento intervalar. Ou
seja, a aplicao de qualquer tipo de operao de transposio, inverso, retrogradao, serializao ou outras tcnicas de manipulao composicional. A caracterstica parcialmente ordenada do espao de parties torna estas operaes mais
flexveis e com resultados menos previsveis que suas contrapartidas tradicionais.
O que se pode constituir em grande vantagem no processo criativo, uma vez que
uma mesma estrutura de progresses pode gerar progresses reais diversas, e, no entanto, com caractersticas semelhantes. Note-se, alm disso, que as operaes so comutativas, ou seja, ainda que a distncia seja medida por trajetrias distintas (por
exemplo, < 1 2 3 13> ou <1 2 12 13>), o resultado da medida ser o mesmo (no caso,
[a2d]).
Indexograma
As trajetrias do particiograma acabam por explicitar o inventrio de todas as parties utilizadas em uma determinada obra ou excerto, contra o conjunto-lxico
referente maior densidade-nmero encontrada. No entanto, a visualizao da
progresso dinmica dos ndices no tempo fica obscurecida pelos cruzamentos, que
eventualmente so engendrados pelas trajetrias no particiograma.
O indexograma uma forma de representar essa evoluo dos ndices de aglomerao e disperso, plotando-os contra o eixo temporal. Uma vez que ambos os ndices so sempre positivos, foram arranjados em uma representao espelhada, onde
a aglomerao plotada negativamente. Assim, a distncia entre os pontos definidos pelos ndices passa a ser tambm uma medida visual da densidade-nmero.
O objetivo o indexograma bem diferente do particiograma. O indexograma destaca os movimentos dos ndices no tempo e tem, portanto, homologia com a partitura. Permite, assim, a comparao com o texto musical de forma mais direta, ao
mesmo tempo em que traz informaes novas em relao s parties, que o particiograma no mostra claramente, como, por exemplo, suas duraes.
O desenho formado pelos ndices enseja a formao de reas poligonais fechadas,
que tm incio e trmino em parties pequenas (preferencialmente a partio [1],
onde ambos os ndices so zerados), e que so chamadas, na Anlise Particional, de
bolhas.
353
O contorno das bolhas constri padres que podem ser usados como critrios de
segmentao, constituindo assim uma ferramenta de anlise musical.
Uma mediao
O trabalho Anlise particional: uma mediao entre composio musical e a teoria das
parties foi defendido em 2009, como tese de Doutorado em Linguagem e Estruturao Musical, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO.
Neste trabalho, foram apreciadas trs aplicaes da anlise particional, correspondentes a trs critrios de filtragem das relaes binrias: particionamento rtmico, linear e de eventos. Cada aplicao parte de teorias analticas importantes,
desenvolvidas durante o sculo XX (Berry 1976, Schenker 1935 e Cage 1955). A
partir delas, foram analisadas pequenas peas de autores de msica de concerto
(Beethoven, Schenberg, Webern, Bach, Gentil-Nunes, Ferneyhough), com a finalidade de verificar a pertinncia analtica da teoria, atravs da comparao com
outros tipos de anlise.
As anlises contaram com a ajuda de ferramentas computacionais, programadas
pelo autor (PARSEMAT), que auxiliaram na leitura das partituras, atravs de arquivos MIDI, e na confeco dos grficos, a partir dos quais se faz a leitura do discurso
particional. O programa funciona tambm como modelagem dos algoritmos envolvidos na traduo da linguagem musical para a linguagem matemtica.
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Os grficos gerados por PARSEMAT apresentam informaes diversas sobre o arquivo MIDI e dividem-se em dois tipos.
Indexogramas onde os vetores referentes aos ndices de aglomerao e disperso apresentam-se representados por linhas independentes, em reas distintas
do grfico, plotados contra o eixo horizontal, que representa o tempo. Indexograma traa linhas retas entre as junes, o que explicita visualmente, atravs
dos contornos das linhas, as recorrncias ou semelhanas entre progresses.
Particiograma atemporal, representa o inventrio das parties encontradas na
tabela de parties topologicamente arranjadas de forma a explicitar suas relaes de parentesco ou proximidade. No particiograma, as parties so apresentadas em destaque, contra um fundo composto pelo conjunto-lxico
referente maior densidade-nmero encontrada no arquivo.
O particiograma, por outro lado, alm das parties encontradas na tabela de parties, apresenta o conjunto-lxico como fundo, com finalidade de contextualizao. A listagem do conjunto-lxico fornecida pela funo lexset.
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Apofenia Musical
No processo mental da abstrao, as idias so separadas dos objetos. Atravs desta,
possvel imaginar um resultado de questes ou aes sem a necessidade de um
processo material. Ser abstrata uma caracterstica marcante da msica, pois, salvo
excees, no existem correlaes diretas entre a arte musical e os objetos do mundo
afora; sendo esta talvez a mais abstrata das artes. No possvel no universo sonoro
do mundo afora ter uma experincia de escuta musical a no ser no contato com a
msica. A doutrina que a msica ou deveria ser um sistema abstrato de relacio-
Sendo a msica incapaz de comunicar conceitos, por conseqncia tambm incapaz de comunicar uma emoo. Contudo, notrio que existe uma relao forte
da msica com as emoes. Ento, como possvel explicar como se d essa relao?
da natureza do ser humano buscar sempre o entendimento do que vivencia, no
aceitando presenciar freqentemente algo que no compreende. Com isso, na escuta musical comum que ocorram processos cognitivos associando os eventos musicais com o que vivenciado no mundo. durante esses processos cognitivos que
ocorre a relao entre msica e emoo. Nestes processos entram em jogo as experincias anteriores do ouvinte com outras msicas, seus gostos, a situao na qual
est escutando a msica, se esta uma msica conhecida ou novidade, se possui
uma sonoridade conhecida ou nova, s para citar alguns dos muitos fatores.
Para denominar esse processo feito pelo ouvinte para dar sentido abstrao na
msica, a pesquisa chegou ao termo apofenia, que satisfez a demanda de uma nomenclatura que ilustrasse o processo em que o ouvinte atribui qualidades emocionais msica.
Para Leon Petchkovsky, apofenia (apophenia) usualmente considerada uma percepo espontnea de conexo e significado de um fenmeno sem relao. (Petchkovsky, acessado em 2009, p.5). Originalmente o termo foi usado por Klaus Conrad
(1958), em um estudo psicopatolgico sobre esquizofrenia.
Inicialmente a vivncia/experincia especfica da interpretao anormal da
conscincia, ou para a vivncia/experincia do estabelecimento de relao sem
motivo, chamada atualmente de percepo fantasiosa, representao delirante,
entre outras, e introduzimos a designao apofenia, com o objetivo de ter a
mo uma expresso prtica e claramente definida de uma forma de vivncia/experincia.1 (Conrad, 1958, p.46).
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Assim como a apofenia, a pareidolia no patolgica; ocorre em pessoas consideradas normais. Trata-se de um fenmeno bastante relacionado atividade imaginativa. (ibidem). Alguns classificam esse fenmeno como um tipo de iluso, mas
pode ser diferenciado das demais iluses pelo fato de o indivduo estar todo o
tempo consciente da irrealidade da imagem e de sua influncia sobre esta. (ibidem). Sendo que o indivduo pode voluntariamente influenciar a imagem interpretativa criada. Como colocado por Kivy (1989), um fato psicolgico difcil
que ns tendemos a animar o que ns percebemos. Amarre um pedao de pano ao
redor do cabo de uma colher de madeira e uma criana ir aceitar esta como um
boneco; mais direto ao ponto, voc ir v-la como uma figura humana. (Kivy, 1989,
p.57). Apesar de Kivy no utilizar o termo, justamente esse o fenmeno da pareidolia.
Percebo que caracterstica do ser humano, de uma forma geral, fazer conexes,
encontrar novos sentidos, animar o que percebido. Parece que ns somos fortemente direcionados a buscar sentido; fazer conexes. (Petchkovsky, acessado em
2009, p.7). uma maneira de entender o mundo e vivenci-lo fazendo intercmbios dos seus conhecimentos e das experincias vividas, produzindo novos conhecimentos a partir dessas associaes. Por isso, proponho que o termo apofenia
musical se encaixa perfeitamente como uma proposta que ilustre como acontece a
relao entre msica e emoo. Essa relao acontece a partir da vontade do ouvinte de dar sentido a um fenmeno to abstrato como a escuta musical costuma
ser, e, a partir disto, busca encontrar em outras instncias conhecidas ao longo da
Esta primeira uma foto tirada de marte, cuja forma formada pelos relevos e buracos lembram muito uma face. muito difcil que uma pessoa no veja uma face, tamanha a semelhana que essas formas possuem com uma.
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J a segunda figura uma nuvem e seu formato no to claro, pode parecer vrias
coisas. Se considerarmos que parece um animal e que a cabea deste est na esquerda,
este pode ser uma rena, um veado ou at um cavalo ou cachorro. J se considerssemos que a cabea est no canto inferior direito, este pode ser um crocodilo, por
exemplo. Tambm uma pessoa pode no associar essa figura a nada, no notar nenhuma semelhana com algo que conhea. Contudo, jamais algum poderia dizer
que esta segunda figura uma bola, pois o seu formato no possibilita essa associao, que bem distinta da forma circular de uma bola.
De mesma ordem a relao entre msica e emoo. Existem msicas em que
muito claro a que emoo pode ser associada, e essa opinio compartilhada pela
maioria dos ouvintes; outras msicas vo proporcionar associaes diferentes. Outras ainda no vo possibilitar aos ouvintes, ou parte deles, associaes a uma emoo, porque a combinao de fatores musicais no permite uma associao clara.
Contudo, algumas associaes so incoerentes, pois os fatores pertencentes msica no so capazes de proporcionar uma interpretao com determinada emoo,
tendo em vista no apresentarem nenhuma semelhana com esta. Com isso, a associao da msica com emoo no meramente fruto da vontade do ouvinte. A
msica deve conter uma combinao de fatores musicais que possibilite a associao com uma ou mais emoes, e quanto mais clara for essa combinao, mais pessoas vo fazer a mesma associao.
A Emoo Extrnseca
A emoo extrnseca ocorre quando o ouvinte associa a msica com emoes especficas, podendo traar uma relao clara entre esta e as emoes sentidas e viven-
ciadas na vida. A principal questo no estudo da emoo extrnseca est em descobrir quais elementos podem estar associados a quais emoes.
Grande parte das pesquisas empricas esteve focada na expresso emocional com
a inteno de descobrir, por um lado, qual emoo pode ser seguramente expressa na msica e, por outro lado, quais fatores na msica contribuem para perceber a expresso emocional. O ltimo se refere a fatores na estrutura da
composio musical representada na notao musical, como tempo, volume, altura, modo, melodia, ritmo, harmonia e vrias propriedades formais. (Gabrielsson; Lindstrm, 2001, p.223).
Ademais, alm dos fatores da estrutura musical que esto presentes na composio,
outros fatores tambm significativos esto contidos na performance musical e possibilitam o reconhecimento de propriedades emocionais na msica. O que importante somente a associao feita, pelo ouvinte, entre essa msica e uma ou mais
emoes, ou seja, o que ela significa para ele, considerando tambm compositores
e intrpretes ouvintes da msica composta e tocada. Mesmo que no exista concordncia entre compositores, intrpretes e ouvintes, o importante a relao de
cada um com a msica em questo.
Ao entrar em contato com o produto sonoro produzido pela juno dos elementos da composio e da performance, o ouvinte traa um paralelo entre todos os
elementos escutados e uma ou mais emoes que j vivenciou em sua vida. a relao do ouvinte com a msica que vai determinar como este vai interpretar a msica escutada e que paralelo ele vai traar a partir de sua escuta. No existe um
mtodo infalvel que garanta que qualquer ouvinte vai associar uma msica a uma
emoo. E importante ter a conscincia de que a relao da msica com a emoo
que nos interessa especialmente, no presente trabalho, acontece no ouvinte, e no
na msica ou na inteno de compositores ou intrpretes. Porm, possvel que
cada uma das emoes encontradas na msica esteja habitualmente associada a determinados fatores da estrutura musical.
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gir da combinao de emoes bsicas. interessante especular que emoes secundrias ou complexas possivelmente foram desenvolvidas dessas expresses.
Muitos pesquisadores da emoo acreditam que essas emoes so misturas de
emoes bsicas. (ibid, p.316).
364
Essas emoes bsicas muitas vezes so apresentadas em uma abordagem multidimensional, ilustrada em um grfico cartesiano que possui usualmente duas dimenses, em que cada eixo representa o nvel de uma caracterstica sendo a mais comum
valncia (positivo e negativo) e atividade (alta atividade e baixa atividade). Cada
uma destas emoes distribuda de acordo com a gradao que possui de cada
uma dessas caractersticas. Segue abaixo um grfico baseado em um apresentado
em (Juslin, 2001, p.315).
Alta Atividade
Ira
Alegria
Medo
Valncia Positiva
Valncia Negativa
Amor
Tristeza
Baixa Atividade
(2001) e Bunt e Pavlicevic (2001), e ao lado de cada fator sero colocadas as duas
primeiras letras do sobrenome do primeiro (ou nico) autor do texto de referncia,
no caso (Ju), (Ga) e (Bu) respectivamente. Esses autores tiveram contato com uma
vasta bibliografia para propor essa relao entre fatores e emoes, mas como esta
pesquisa no teve contato com essa bibliografia, ser mencionada apenas a referncia direta. Em alguns casos, foram levados em conta alguns nomes que podem ser
considerados sinnimos dessas emoes bsicas como, por exemplo, melancolia
para tristeza, ternura para amor, entre outros. A emoo extrnseca provavelmente
acontece em diferentes culturas, mas os resultados abaixo apresentam por vezes caractersticas prprias da msica ocidental, pois est a nica vivel de estudo, neste
trabalho, devido maior familiaridade com a mesma.
A escolha dos parmetros atividade e valncia adotada pela abordagem multifuncional em algumas pesquisas no por acaso. Podemos perceber que a maioria dos
fatores apresentados pode ser enquadrada em algum desses parmetros. Atividade
esta relacionada a volume, dinmica, tempo e altura. Alta atividade est relacionada com volume alto, ou, em outras palavras, dinmica forte, tempo rpido e notas
agudas. Em contrapartida, baixa atividade est relacionada com volume baixo, ou,
em outras palavras, dinmica piano, tempo lento e notas graves. Quanto valncia,
aparentemente, pelo menos na cultura ocidental, parece ter forte ligao com consonncias e dissonncias, e simplicidade ou complexidade. Valncias positivas esto
relacionadas sons consonantes, harmonia simples, melodia com escalas diatnicas,
tonalidade, simplicidade rtmica e meldica. Valncia negativa est relacionada com
sons dissonantes, harmonia complexa, melodias com cromatismo, atonalidade,
complexidade rtmica e meldica. Outros fatores, como timbre e articulaes, esto
mais ligados diretamente a aspectos de cada uma dessas emoes bsicas, e so
menos genricas.
Esta tabela apresenta associaes comuns feitas por ouvintes entre os fatores e emoes, e a juno de alguns desses fatores j possibilita que ouvintes reconheam semelhana da msica com uma dessas emoes. Contudo, apesar de possivelmente
poder esperar que uma quantidade considervel de ouvintes faa uma mesma associao no h garantias que todos faam o mesmo juzo de uma msica. O que se
deve ter em mente que essa tabela no uma regra. No necessrio ter todos
esses elementos para configurar uma dessas emoes, e muito menos apenas um
elemento possibilitaria o reconhecimento de uma destas.
possvel que ouvintes diferentes faam associaes a emoes diferentes, que
podem ter a valncia oposta, contudo geralmente so emoes com a mesma atividade. Isso porque a atividade mais bvia, e todos conseguem perceber com preciso o tempo, dinmica, volume ou regio da melodia, por exemplo. Ademais, uma
msica pode mudar os fatores musicais ao longo desta e com isso gerar uma associao com uma emoo diferente. Por fim, numa forma mais complexa de asso-
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O que se deve ter em mente que esses fatores no esto associados a essas emoes
porque esse foi o resultado de pesquisas em laboratrio. Essas associaes so feitas
porque esses fatores apresentam caractersticas semelhantes ao comportamento,
principalmente fala, expresses faciais e corporais, sensaes provocadas por hormnios como, por exemplo, adrenalina e endorfina, batimentos cardaco, dilatao da pupila, entre muitos outros, que todos vivenciam ao sentir emoes. E para
o entendimento disso no preciso fazer pesquisa laboratorial ou bibliogrfica, pesquisa de campo, ou estudos tericos de msica. Para associar uma combinao de
fatores da estrutura musical a uma emoo ou produzir uma sonoridade expressiva
de emoo, basta vivenciarmos emoes e termos contato peridico com a msica.
Juslin conta que notoriamente, mesmo crianas (4-12 anos de idade) parecem ser
capazes de usar alguns desses fatores para expressar emoo cantando. Por exemplo,
elas usam tempo rpido e volume alto em expresses alegres, enquanto elas usam
tempo lento e volume baixo em expresses tristes. (Juslin, 2001, p. 316). Isso
ocorre porque certos aspectos da nossa expressividade, principalmente os ligados a
emoes, se assemelham a caractersticas musicais. Ou seja, o modo com que indicamos para o resto do mundo e para ns mesmos o que sentimos pode ser expresso
de maneira semelhante pela msica.
Quando mes falam com suas crianas, por exemplo, se elas querem acalm-las,
elas reduzem a velocidade e intensidade da conversa e falam com contornos meldicos decrescendo lentamente. Se, por outro lado, mes querem expressar desaprovao a respeito de alguma atividade desfavorvel elas utilizam contornos
curtos, abruptos e parecidos com staccato. (Juslin, 2001, p.323).
Autores como Juslin e Kivy apontam semelhanas entre expresso vocal de emoes
e expresso musical de emoes como as principais encarregadas por associaes
entre msica e emoo. De fato, a expresso vocal das emoes uma forte fornecedora de fatores que possibilitam a existncia da emoo extrnseca em msica. Principalmente, a melodia e todos os fatores que ela envolve, como articulao, escalas,
direo, volume, alguns tipos de timbre que lembrem os vocais, ritmo e padres rtmicos contido nessa melodia, entre outros, podem ter relao de como nos expressamos verbalmente. Contudo, outros fatores como harmonia, texturas, ritmos
sobrepostos, alguns tipos de timbre, s para citar exemplos, no esto presentes na
expresso emocional vocal, pois, normalmente, um indivduo s emite um som
vocal por vez. Todo e qualquer elemento envolvido na experincia emocional que
possa traar um paralelo com os fatores da estrutura musical pode proporcionar a
associao da msica com a emoo, e apesar de importante, a expresso vocal s
um aspecto dos vrios possveis, e no suficiente para dar conta de todas as possibilidades da emoo extrnseca em msica.
A pesquisa sugeriu como uma alternativa eficiente para o mtodo laboratorial estudar as mais diversas formas de expresses e sensaes envolvidas no processo emocional, em diferentes emoes, e propor possibilidades do uso de fatores da
estrutura musical que possam se assemelhar s emoes. De certa maneira, isso o
que fazem, mesmo que inconscientemente, compositores (no ato da elaborao dos
textos), intrpretes (ao executarem os textos) e ouvintes (ao interpretarem as sonoridades resultantes). Esse tipo de abordagem ainda pouco utilizado, e possivelmente pode obter resultados mais eficientes do que o mtodo laboratorial, por
possuir semelhanas com o processo natural desenvolvido pelo ser humano ao associar msica e emoo. Ao longo da pesquisa foi feita uma anlise comparativa
entre aspectos caractersticos dessas cinco emoes bsicas e os fatores musicais
apresentados na tabela para as respectivas emoes. Contudo, a apresentao desses resultados extrapolaria o limite de espao desse trabalho, e por isso no ser
includo.
Concluso
O ser humano tende a tentar dar sentido ao que experincia no mundo, e muitas
das vezes fazendo conexes entre experincias que possuem semelhanas. Devido
ao carter abstrato da msica, esta constantemente associada a outras experincias
no musicais para dar maior sentido a escuta musical. E uma das associaes mais
famosas com emoes. O termo Apofenia Musical se aplica perfeitamente para
descrever essa conexo que habitualmente feita entre msica e emoo, ou qualquer outra experincia no-musical, por apresentar de forma sucinta um termo que
engloba esse processo cognitivo sem o faz-lo por intermdio de outra instncia
que no seja nem musical nem emocional. necessria uma combinao entre fatores da estrutura musical para que acontea uma associao entre msica e uma
emoo especfica. Somente um fator normalmente insuficiente para possibilitar
uma associao. Existem msicas cuja associao com determinada emoo
comum maioria das pessoas, pois a combinao dos elementos da estrutura musical possibilita isso. Em outros casos, ouvintes podem discordar quanta a associao. Contudo, existem associaes com emoes inviveis, por os elementos da
estrutura musical no apresentarem semelhana com aspectos dessa emoo. Atravs do estudo da emoo extrnseca em msica possvel descobrir como a combinao de elementos contidos na composio e performance musical pode gerar uma
associao entre msica e emoes especficas, e prever possveis relaes entre elementos da estrutura musical e emoes. A seleo de emoes bsicas foi importante
para focar o estudo intensivamente. Atravs desse estudo foi percebido que possvel separar os elementos quanto a categorias de valncia e atividade, e que isso
possibilita uma maior previso de qual tipo de emoo a combinao dos elementos pode gerar uma associao. Esse estudo, e provavelmente nenhum outro, no
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possibilita a criao de regras que garantam que determinada combinao entre fatores da estrutura musical vai gerar necessariamente uma associao com determinada emoo. Pessoas diferentes podem associar a msica a emoes diferentes, mas
contudo, geralmente so emoes com a mesma atividade. O que possvel delimitar algumas possibilidades e impossibilidades de associao. Uma boa estratgia
de pesquisa alternativa, e talvez at mais eficiente, aos processos laboratoriais tentar encontrar nos processos desencadeados por determinada emoo aspectos que
possam possuir semelhana com elementos da estrutura musical. Pois exatamente
isso que os ouvintes fazem ao associar uma msica a uma emoo.
1 Traduo livre de: Wir fhrten eigangs fr das spezifische Erlebnis des abnormen Bedeutungs-bewutseins bzw. das Erlebnis der ,,Beziehungsetzung ohne Ala, also fr jene
Erlebnisweisen, die gemeinhin auch als Wahnwahrnehmung, Wahnvorstellung usw. Bezeichnet werden, die Bezeichnung der Apophnie ein, um einen handlichen und klar definierten Ausdruck zur Verfgung zu haben fr eine Erlebnisform.
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369
370
Alguns pesquisadores elaboraram revises sobre transferncias envolvendo a msica. Ilari (2005) revisou estudos sobre os efeitos das transferncias cognitivas entre
contextos levando em considerao o aprendizado musical e quatro reas distintas: a inteligncia, a matemtica, a linguagem e a leitura. Costa-Giomi (2006) tambm resenhou diversos trabalhos, desenvolvidos a partir da dcada de 1970, que
versaram sobre os efeitos do ensino musical no rendimento escolar, no desenvolvimento de habilidades espaciais e verbais, na memria verbal, na relao entre msica e leitura e em benefcios neurolgicos. Segundo Costa-Giomi (2006), o
benefcio mais importante a msica na vida das crianas, porm a autora tambm ressaltou que a pesquisa que relaciona a msica e o desenvolvimento de habilidades importante para compreendermos melhor o desenvolvimento infantil e
suas possveis implicaes na educao musical, uma vez que tais conhecimentos
podem auxiliar na compreenso de como as crianas aprendem e se desenvolvem,
em geral e musicalmente.
A relao entre a msica e o aprendizado da leitura tem sido bastante abordada,
uma vez que a anlise de alguns estudos sugere que o aprendizado musical pode ser
til para o desenvolvimento da leitura (Ilari 2005, p.59). Dentre os diversos componentes envolvidos no processo de aquisio da leitura e da escrita, a conscincia
fonolgica tem sido uma rea freqentemente pesquisada quando se buscam relaes com a msica. Alm disso, a conscincia fonolgica foi considerada por muitos pesquisadores como uma das grandes conquistas da psicologia moderna (Bryant
e Goswani 1987 citados em Cardoso-Martins, 1996). Todavia, importante ressaltar que a conscincia fonolgica compe um mecanismo mais amplo conhecido
como habilidades metalingsticas. As habilidades metalingsticas envolvem: (1)
a j referida conscincia fonolgica, que pode ser entendida como uma habilidade
de anlise da linguagem oral a partir de suas diferentes unidades sonoras; (2) a conscincia lexical, que compreendida como a habilidade de segmentao da linguagem oral em palavras tomando-se a funo semntica e a funo sinttico-relacional
das palavras, e; (3) a conscincia sinttica, que por sua vez abrange a habilidade de
reflexo e manipulao da estrutura gramatical das sentenas (Maluf e Barrera 1997;
Barrera e Maluf 2003). Entendendo o desenvolvimento da metalinguagem como
um componente fundamental para o xito da aquisio da leitura e da escrita (Cardoso-Martins 1995, Barreira 2003, Barreira e Maluf 2003, Guimares 2003a, Guimares 2003b, Guimares 2001) resta refletir sobre as motivaes que unem, com
certa freqncia, as habilidades musicais e a conscincia fonolgica.
A motivao de diversos estudiosos ao delinear estudos sobre a msica e a conscincia fonolgica parece ter uma explicao bastante simples, porm no menos
complexa: a percepo auditiva ponto chave para as duas reas. Assim como a percepo musical construto de nosso envolvimento com a msica (Krumhansl
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timbres, ritmos e linhas meldicas; tambm foram desenvolvidas atividades musicais associadas a estmulos visuais e movimentos.
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Uma adaptao para a lngua espanhola do Peabody Vocabulary Image Test foi aplicada com todas as crianas, antes e aps a interveno. No pr-teste os resultados
foram homogneos, entretanto, o grupo controle - que no foi envolvido em atividades musicais - obteve escores ligeiramente mais altos que os outros dois grupos,
porm essa diferena no foi apontada pelas autoras como significativa. Aps a realizao das atividades de educao musical todos os grupos obtiveram escores mais
altos, mas, somente o grupo experimental 1 apresentou diferenas estatsticas significativas em comparao aos demais grupos no ps-teste. Segundo Moyeda et al.
(2006) a anlise dos resultados demonstrou que as atividades musicais Ritmos, canes e jogos no influenciaram o desenvolvimento do vocabulrio das crianas do
grupo experimental 2.
Entretanto, algumas questes do estudo de Moyeda et al. (2006) no ficaram esclarecidas. Entre elas esto, qual o motivo que levou as pesquisadoras a atuarem, em
sala de aula, somente no grupo experimental 1? No que consistiu a interveno
Ritmos, canes e jogos? Por que foram detalhadas somente as atividades do Programa de interveno educativo-musical para promover o vocabulrio? Responder a essas questes parece fundamental para analisar uma srie de itens que, talvez,
tenham contribudo para os resultados obtidos pelas pesquisadoras.
Em outro estudo, Gromko (2005) apontou a conscincia fonmica como o mecanismo capaz de explicar a relao entre o aprendizado musical e as habilidades de
leitura. Uma hiptese de transferncia prxima foi estabelecida supondo que o
fazer musical ativo e a associao do som sua representao escrita podem ajudar
a desenvolver processos cognitivos similares queles necessrios na segmentao da
palavra em fonemas. O estudo realizado com 103 alunos de educao infantil de
duas escolas norte-americanas buscou verificar se a instruo musical poderia aumentar o desenvolvimento da conscincia fonmica em crianas pequenas, principalmente, na fluncia da segmentao fonmica (Gromko 2005).
As crianas foram divididas em grupo experimental (n=43), exposto a quatro meses
se aulas semanais de msica, e grupo controle (n=60) que no foi engajado em nenhuma atividade. Trs aplicaes do Dynamic Indicators of Basic Early Literacy
Skills Test (sub-testes de fluncia em: som inicial, nomeao de letras, segmentao fonmica e nas palavras sem sentido) avaliaram os participantes em pr e pstestes (Gromko 2005).
O grupo experimental obteve resultados mais baixos no pr-teste em relao ao
grupo controle. Segundo a autora, questes scio-econmicas podem ter influenciado esse resultado, uma vez que crianas mais pobres no so necessariamente
menos capazes, mas, podem apresentar maior dificuldade assim que entram na escola (Gromko 2005). Esta concluso levanta a questo sobre a necessidade do con-
trole das diferenas scio-econmicas, tendo em vista que elas provavelmente influenciaram diretamente os resultados do estudo em questo. Nos ps-testes as
crianas do grupo experimental obtiveram ganhos significativos somente no subteste de fluncia na segmentao fonmica, o que segundo a autora confirma a hiptese de transferncia prxima, que por sua vez, supunha que o desenvolvimento
da percepo auditiva, atravs do aprendizado musical, traria ganhos ao desenvolvimento da conscincia fonmica das crianas pequenas. Segundo Gromko (2005),
poderiam ser levantadas trs possveis explicaes para esta transferncia: (a) os resultados foram obtidos por diferenas metodolgicas de ensino nas duas escolas;
(b) o grupo experimental obteve escores baixos no pr-teste e este resultado teria aumentado a possibilidade de melhoria nas testagens subsequentes; (c) o efeito Hawthorne, que atribui a melhora dos resultados ao aumento da ateno dada por um
adulto s crianas, independentemente do tipo de instruo. Entretanto, segundo
a prpria autora, se essas explicaes fossem vlidas, as crianas do grupo experimental teriam obtido ganhos significativos em todos os sub-testes e no somente no
sub-teste de fluncia na segmentao fonmica (Gromko 2005).
Uma dificuldade encontrada na anlise destes resultados diz respeito possibilidade de explicar os dados por diferenas metodolgicas empregadas pelas duas escolas participantes do estudo. Entretanto, este dado contradiz informaes da
prpria autora, que sugere que os participantes do estudo tiveram aproximadamente o mesmo tempo de instruo em leitura; o mesmo acesso a livros de gravuras, sendo igualmente estimuladas a iniciar a leitura de livros nas salas de aula, alm
de ouvir histrias em voz alta narradas pelas professoras; e de receberem instruo
em leitura que enfatizava a fluncia na nomeao de letras e sons iniciais. Tal questo, somada as colocaes referentes diferenas scio-econmicas das crianas, explicita a necessidade de ateno no uso destas informaes, assim como alerta para
a necessidade da resoluo destas situaes em estudos futuros.
Crianas canadenses francfonas tambm participaram de um interessante estudo
sobre o efeito de um programa de ensino de msica nas habilidades de conscincia fonolgica de crianas de cinco anos (Bolduc 2009). Cento e quatro alunos de
um centro de educao infantil, vindos de seis diferentes classes de professoras generalistas, participaram de 15 semanas de aulas de msica dirias com professores
especialistas. As aulas do grupo experimental (n=51) foram conduzidas seguindo
uma adaptao, para crianas falantes de francs de desenvolvimento tpico, do programa para crianas com necessidades especiais de Standley e Hughes (1997 citado
em Bolduc 2009). O grupo de controle (n=53), por sua vez, participou de aulas de
msica que seguiam as orientaes do currculo do Ministrio da Educao de Quebec (2001 citado em Bolduc 2009).
Os grupos foram avaliados com pr e ps testes do Primary Measures of Music Audiation (Gordon 1979 citado em Bolduc 2009) e do Phonological Awareness Test
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(Armand e Montesinos-Gelet 2001 citado em Bolduc 2009). Os resultados indicaram que os dois currculos desenvolvidos auxiliaram no desenvolvimento da percepo meldica e rtmica dos pequenos, no havendo diferena significativa entre
os resultados dos grupos experimental e controle. No que tange a conscincia fonolgica, os alunos engajados na adaptao da proposta de Standley e Hughes obtiveram melhores resultados em relao ao grupo de controle. Tal resultado era
esperado uma vez que, segundo o autor, um dos objetivos desta proposta aumentar o interesse das crianas na leitura e escrita atravs de atividades musicais.
Os resultados obtidos por Bolduc (2009) auxiliam na compreenso da importncia da percepo auditiva e da conscincia fonolgica no desenvolvimento das habilidades musicais e lingsticas de crianas pequenas. Alm disso, estudos futuros
poderiam seguir sugestes metodolgicas traadas pelo autor, podendo assim contribuir inclusive com os estudos de transferncias cognitivas entre contextos. Todavia, importante salientar, que as avaliaes realizadas por Bolduc (2009)
seguiram procedimentos diferenciados. A avaliao das habilidades musicais foi
realizada em grupos (de trs a oito alunos) durante as prprias aulas de msica, enquanto a avaliao da conscincia fonolgica foi aferida individualmente, atravs de
uma atividade realizada no computador. A presente observao um ponto de importante reflexo, uma vez que combina elementos bastante diferenciados e, possvel que tenha influenciado os resultados obtidos.
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cepo meldica e reconhecimento de timbres) e uma tarefa de controle de habilidades no-verbais. Esses testes foram aplicados a 18 pr-escolares falantes de ingls.
As crianas participantes que apresentaram os resultados mais altos na percepo
meldica tambm demonstraram resultados elevados nos testes de leitura e conscincia fonolgica. Os autores concluram que as crianas que alcanaram os mais
altos escores na percepo meldica tambm foram bem sucedidos na decodificao e manipulao de diferentes unidades lingsticas (como rimas, slabas e fonemas), apresentando maior facilidade do que as crianas que tiveram um
desempenho menor nas tarefas de percepo meldica (Lamb e Gregory 1993 citados por Bolduc 2008).
Seguindo caminhos semelhantes Peynircioglu et al. (2002) realizaram um teste de
aptido musical para escolher os participantes de dois estudos que investigaram
possveis correlaes entre aptido musical, conscincia fonolgica e habilidades
de identificao de pseudopalavras.
No primeiro experimento 61 crianas turcas participaram de um teste de aptido
musical. Partindo do resultado do teste de aptido, os autores selecionaram 32
crianas que apresentaram nveis alto ou baixo de aptido musical para participarem da segunda etapa do estudo, sendo excludas assim as crianas que obtiveram
um nvel mdio de aptido musical. As 32 crianas participantes do primeiro experimento realizado por Peynircioglu et al. (2002) tinham idade entre quatro e seis
anos, falavam turco, estavam matriculadas em pr-escolas ou creches pblicas e privadas de Istambul e no sabiam ler. Todas as crianas foram submetidas a testes de
conscincia fonolgica e identificao de pseudopalavras que envolviam tarefas de
subtrao de fonemas (iniciais e finais) de palavras e pseudopalavras, alm do teste
de aptido musical que envolveu tarefas de percepo meldica e habilidades rtmicas, que, por sua vez, incluram tambm a subtrao de notas iniciais e finais de
trechos meldicos extrados de canes familiares s crianas.
Os resultados encontrados levaram os autores a afirmar que os participantes que
apresentaram altos escores de aptido musical tambm alcanaram os escores mais
elevados nos testes de conscincia fonolgica. Alm disso, o estudo de Peynircioglu
et al. (2002) tambm contribuiu com informaes sobre as caractersticas da lngua
das crianas, uma vez que os resultados apontaram para questes como a maior facilidade na subtrao de fonemas finais do que fonemas iniciais no turco, assim
como a vantagem na manipulao de vogais frente s consoantes nos fonemas iniciais das palavras do lxico turco (Peynircioglu et al. 2002).
O segundo experimento foi idntico ao primeiro, entretanto foi realizado com 40
crianas com idade entre trs e seis anos, falantes de ingls, que estavam matriculadas em pr-escolas ou creches pblicas e privadas da regio de Washington DC nos
EUA e que tambm no sabiam ler. Os mesmos testes foram aplicados, entretanto
Peynircioglu et al. (2002) inseriram novos excertos meldicos desconhecidos que
foram misturados aos excertos de canes familiares, bem como construram pseudopalavras tendo em vista os sons das palavras em ingls.
Ao analisar os dados coletados para o segundo experimento, Peynircioglu et al.
(2002) encontraram resultados idnticos queles encontrados no primeiro experimento, ou seja, as crianas com melhores resultados no teste de aptido musical
tambm obtiveram resultados superiores em conscincia fonolgica e identificao de pseudopalavras. Entretanto, os autores indicaram que as crianas falantes
de ingls apresentaram maior facilidade para identificar consoantes no incio das palavras do que as crianas turcas (Peynircioglu et al. 2002). A diferena dos resultados encontrados nos testes de crianas turcas e americanas possivelmente
explicada pelas diferenas entre os idiomas ingls e turco.
Outro estudo sobre correlaes entre a conscincia fonolgica e as habilidades de
percepo musical (meldicas e rtmicas) foi desenvolvido por Bolduc e Montsinos-Gelet (2005 citados em Bolduc 2008) com 13 pr-escolares canadenses de cinco
anos, falantes do francs. Os pesquisadores realizaram testes para avaliar as habilidades de percepo musical e conscincia fonolgica dos participantes e encontraram correlaes significativas entre as habilidades de percepo meldica e as tarefas
de identificao de rimas e slabas. Todavia, no foram encontradas correlaes significativas entre as habilidades de percepo rtmica e percepo meldica, nem
entre as habilidades de percepo rtmica e conscincia fonolgica.
A crtica feita por David et al. (2007) ao estudo de Anvari et al. (2002) poderia ser
estendida tambm ao estudo de Bolduc e Montsinos-Gelet (2005 citado em Bolduc 2008), tendo em vista que os autores criticaram a indicao de que o ritmo no
tem correlao com as habilidades de leitura e conscincia fonolgica em crianas
de cinco anos. Para David et al. (2007) o teste utilizado por Anvari et al.(2002)
priorizava a identificao de letras e no a habilidade de leitura de palavras.
Questionando os resultados de Anvari et al. (2002), um estudo longitudinal investigou como o ritmo pode predizer a leitura de crianas pequenas, alm da conscincia fonolgica e a velocidade/rapidez de nomeao (David et al. 2007). A
pesquisa foi desenvolvida com 53 crianas de trs escolas diferentes da provncia
de Ontrio, Canad, que possuam condies scio-econmicas similares. Por se
tratar de um estudo longitudinal, as crianas responderam a testes de conscincia
fonolgica, habilidade de leitura e ritmo durante cinco anos consecutivos, sempre
no outono, perodo que coincide com incio do ano letivo no Canad. A primeira
sesso de testes foi realizada quando as crianas cursavam a primeira srie.
Para David et al. (2007) o ritmo parte importante da linguagem e pode estar envolvido no desenvolvimento da leitura, tendo em vista que, desde o nascimento o
ritmo auxilia na discriminao de lnguas, no entendimento da segmentao da fala
em palavras e na comunicao verbal com crianas pequenas, j que elas respondem a uma espcie de comunicao musical que tanto meldica quanto rtmica.
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2009) alguns importantes estudos realizados em diferentes regies sobre o desenvolvimento musical e a aquisio da leitura e escrita em crianas pequenas. importante lembrar, que as crianas brasileiras ainda no receberam a ateno devida
no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades musicais. O mesmo no
pode ser tido sobre a aquisio da leitura e da escrita, uma vez que diversos estudiosos vem trabalhando sob esta temtica h alguns anos (Cardoso-Martins 1995,
Barreira 2003, Barreira e Maluf 2003, Guimares 2003a, Guimares 2003b, Guimares 2001). Entretanto, a preocupao com as possveis intersees entre as reas
ainda pequena, seja para encontrar correlaes e suas explicaes, ou para investigar sobre as transferncias de habilidades cognitivas entre contextos.
Tendo em vista tais questes parece bvio dizer que h muito ainda por fazer. As
reas da educao musical e da cognio em msica ainda necessitam de alto investimento em pesquisa para que seja possvel compreender o desenvolvimento de
crianas brasileiras. Pensando precisamente na msica e na aquisio da leitura e da
escrita, novos estudos correlacionais, de interveno pedaggica e, por qu no, tomando o desenvolvimento longitudinalmente, podero verificar se os resultados
obtidos com amostras de outras regies tambm se aplicam as nossas crianas. Alm
disso, tais estudos podero fornecer exemplos culturalmente vlidos para alicerar
tanto nossas prticas musicais com as crianas, quanto nossa nova rea que cresce
e trabalha para divulgar os estudos brasileiros sobre a mente musical e suas relaes.
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Palavras chave
Movimento, experincia incorporada, prtica musical
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agente responsvel pela realizao musical, pode ser tambm o local do processo de
criao. Esta forma de atuao, entre inmeras possibilidades do corpo, revela no
somente sua importncia para a prtica musical, mas tambm sua potencialidade de
se desenvolver de uma forma criativa. A crena de que nele reside uma potencialidade maior, uma das idias que movem o presente estudo, despertando a necessidade de se examinar melhor como o corpo funciona. Alm disso, percepo e
conhecimento musical tambm so processados no corpo e atravs dele, portanto
conhecer como ele atua parece ser uma questo fundamental para o entendimento
e prtica da msica.
Falar do corpo implica em discutir primeiramente de que corpo se fala. O conceito
de corpo, como so seus processos e sua forma de atuao so noes que dependem
do momento histrico. Ao rever estes conceitos e repensar como so os processos
do corpo a partir de teorias e investigaes contemporneas, este estudo pretende
avaliar as possveis consequncias dos novos conhecimentos para a prtica musical.
Considerando as concepes mais atuais, prope tambm rever noes que ainda
sobrevivem na prtica musical, como por exemplo, a de corpo instrumento, que
deve ser treinado para atingir determinados resultados, e a de corpo recipiente,
questionando-se a noo de que a mente opera como um aparato input-output,
onde entram e so armazenadas informaes para serem posteriormente reproduzidas.
Alm de fundamentar-se no conceito de embodied mind, este estudo examina questes que surgiram no decorrer de uma pesquisa sobre a performance do corpo na
criao musical. A experimentao prtica, realizada como parte desta pesquisa, investigou algumas possibilidades de criao com o corpo, envolvendo especificamente movimento, respirao e canto, o que gerou diversas questes sobre a
natureza do corpo e seu funcionamento no contexto da prtica musical, que servem
como subsdio para a reflexo aqui proposta.
dimento e os modos de descrio do corpo (Greiner 2005, 15). Uma quantia significativa de publicaes passam a se dedicar ao assunto. Longe de solues definitivas, os trabalhos retomam e recolocam questes inevitveis (Fleig 2000, 9).
Sobretudo a partir das dcadas de 80 e 90, a pesquisa que relaciona diversos campos de conhecimento estabelece-se como uma tendncia, envolvendo disciplinas
distintas. As Cincias Cognitivas, a Neurocincia, a Filosofia, a Teoria da Arte e a
Semitica, so exemplos de disciplinas, que passam a se ocupar do estudo do corpo,
propondo concepes em consonncia com as experimentaes cientficas contemporneas. As novas teorias abrem caminhos e possibilidades diferenciadas para
o estudo das manifestaes em que o corpo um elemento fundamental. Entre elas,
as atividades artsticas performticas, como a msica, podem ser examinadas por
um vis diferenciado de acordo com as noes de corpo da atualidade.
Embora longe da unanimidade, o processo de mudana terica pode representar
uma oportunidade para os que se dedicam arte musical de rever idias e prticas,
j que as propostas, ao trazerem novas concepes do corpo, tambm auxiliam na
compreenso do nosso processo cognitivo. A reflexo sobre os novos conceitos pode
ter como consequncia alteraes na metodologia do ensino musical ou ento constatar e validar sua adequao.
Muitos dos estudos contemporneos concentram-se em perceber o corpo atravs
de seu agir, de sua atuao no mundo, propondo alternativas para as dicotomias
at ento predominantes, tais como as clssicas divises corpo-mente, razo-emoo, etc. Para compreendermos a importncia da transformao que vem ocorrendo
nos conceitos sobre o corpo e no entendimento de como ocorrem os processos cognitivos interessante observar como estes conceitos eram at ento. A idia de que
existe um mundo objetivo e uma Razo Universal independente das mentes e corpos dos seres humanos predominou durante sculos, constituindo um dos fundamentos do pensamento ocidental tradicional, herana que ainda pode ser percebida
na atualidade. Dessa forma, nessa tradio a Razo Humana foi por muito tempo
considerada como um processo independente do corpo. Embora tendo lugar no
crebro, sua estrutura seria definida pela Razo Universal e a habilidade de fazer
uso desta Razo Universal seria o que diferencia os seres humanos dos animais. Se
a razo humana havia sido considerada independente do corpo, significava ento
que era separada e independente de todas as capacidades corporais, tais como a percepo, o movimento do corpo, os sentimentos e as emoes.
Segundo Ferracini, apesar de esse pensamento de diviso retroceder at os gregos,
foi com Descartes, no sculo XVI, com seu cogito ergo sum que a diviso corpo e
alma, e o desprezo pelo corpo emprico, alcana uma base quase cientfica, numa separao radical (Ferracini 2006, 113). Descartes buscava na verdade um caminho fora da lgica aristotlica e da teologia catlica que dominavam seu tempo
(Greiner e Katz 2001, 78), pretendendo estabelecer uma aproximao entre a cog-
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O conceito de separao entre corpo e mente, como observou Ferracini, faz-se ainda
sentir nos dias atuais e marca no s os estudos cientficos, mas impregna outras
instncias da cultura. Quase no nos damos conta da enorme influncia que este
conceito exerce sobre nosso dia-a-dia, na educao ou nas artes. O corpo foi transformado em objeto e suas verdades passaram a depender de cincias capazes de
desvend-lo, enquanto a mente (res cogitans), apoiada no critrio das idias claras
e distintas, apresentava-se como auto-evidente (Greiner e Katz 2001, 80). Esta
concepo, mesmo que refutada por alguns pensadores, entre os quais, Baruch Espinosa (1632-1677) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), representou um forte fundamento de toda a cultura ocidental. Apenas a partir do sculo XX este conceito
comea a ser sistematicamente contestado por outras propostas, tais como, por
exemplo, pela fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) e pelo filsofo
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) e sua concepo de corpo como estrutura fsica e vivida ao mesmo tempo, o que significou um reconhecimento importante do
fluxo de infomao entre o interior e o exterior, entre informaes biolgicas e fenomenolgicas, compreendendo que no se tratavam de aspectos opostos (Greiner 2005, 23).
Falar sobre estudos contemporneos que apresentam novos conceitos sobre o corpo,
necessariamente realizar um recorte de um panorama mais amplo. As escolhas
aqui realizadas refletem o desejo de se encontrar conceitos que evitem os dualismos e ao mesmo tempo revelem a importncia do aspecto da atuao do ser humano, fundamental para a manifestao musical. Alm de apresentar novos
conceitos, as propostas originam-se a partir do trnsito entre diversas reas de conhecimento, caracterizando-se por ultrapassar as fronteiras entre as disciplinas envolvidas. As Cincias Cognitivas so um exemplo de rea que apresenta um enfoque
multidisciplinar. Com a inteno de estudar a mente e seu funcionamento surge na
dcada de 50, abrangendo conhecimentos da Lingustica, da Psicologia Cognitiva,
da Neurocincia, da Fsica, da Biologia e da Filosofia. Nas ltimas dcadas do sculo
XX, pesquisas empricas desenvolvidas nesta rea cientfica passaram a contestar o
conceito de separao entre mente e corpo com base nas suas experimentaes.
Com o cruzamento de informaes provenientes de diversas reas do conhecimento, surge a noo de que no h limites absolutos entre o interno e o externo.
Existindo uma relao permanente entre meio e corpo, ambos se ajustam constantemente, num fluxo de transformaes e mudanas, sendo que os processos de conhecimento resultam dessa interao e a cognio comea a ser vista como
incorporada.
A Mente Incorporada
Uma proposta que revoluciona a concepo de corpo e cognio traz como fundamento o conceito de embodied mind,1 mente incorporada, apresentado por Francisco Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch num estudo de 1991,
The embodied mind: cognitive science and human experience.2 A partir da interao
entre Cincias Cognitivas e experincia humana, a obra promove um dilogo com
as tradies budistas e a Filosofia. Tendo como inspirao inicial a filosofia de Merleau-Ponty, um dos poucos cujo trabalho se comprometeu com uma explorao de
entre-deux fundamental entre a cincia e a experincia, a experincia e o mundo
(Varela et al. 2003, 33), os autores procuram na tradio budista uma forma de examinar a experincia humana no apenas de forma reflexiva, mas que tambm inclua
os aspectos vividos e imediatos. Neste trabalho questionam a noo de que a mente
opera como um aparato input-output, afirmando que a mente no opera como um
recipiente, mas como uma rede emergente e autnoma. Apresentam tambm a proposta de ao incorporada, que objetiva superar a questo do interno versus externo. O termo incorporada refere-se ao fato de que a cognio depende das
experincias do corpo a partir de suas capacidades sensrio-motoras, ocorrendo no
mbito de um contexto biolgico, psicolgico e cultural mais abrangente (Varela
et al. 2003, 177). O termo ao enfatiza os processos sensoriais e motores, j que,
segundo os autores, a percepo e a ao so inseparveis na cognio vivida.
O conceito de mente incorporada tambm fundamenta o trabalho de George
Lakoff e Mark Johnson, Philosophy in the flesh: The embodied Mind and its Challenge to Western Thought. Neste estudo de 1999, os autores propem um dilogo
entre a Filosofia e as Cincias Cognitivas e contestam a concepo tradicional predominante no ocidente de que existe uma razo desincorporada, separada das
habilidades do corpo, tais como, percepo, movimento, sentimentos, emoes, etc.
Para estes autores, o sistema conceitual dos seres humanos fundamenta-se em seu
sistema sensrio-motor. S podemos formar conceitos atravs do corpo (Lakoff
e Johnson 1999, 555). Dessa forma a razo tambm incorporada. Como, tanto
os conceitos quanto a razo derivam e fazem uso do sistema sensrio-motor, a
mente no pode ser separada nem independente do corpo. Conclui-se ento que os
processos cognitivos resultam da ao deste corpo no mundo. Assim, a cognio,
longe de ser uma representao de um mundo pr-existente, seria o conjunto de
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Com esta nova orientao cientfica compreende-se que a cognio est totalmente
interligada aos processos corporais, sendo o movimento do corpo concebido como
um dos fatores fundamentais para os processos mentais. Lakoff e Johnson salientam que os mesmos mecanismos neurais e cognitivos que nos permitem perceber
e mover so os que criam nossos sistemas conceituais e modos da razo (Greiner
2005, 45). Para Lakoff e Johnson o nascimento do pensamento est sempre no
movimento e no acionamento do nosso sistema sensrio-motor. E o neurocientista Rodolfo Llins vai mais alm afirmando que at o pensamento um movimento interiorizado e que a mente produto de diversos processos evolutivos
que ocorrem no crebro, mas apenas das criaturas que se movem 3 (Greiner 2005,
65). Ou seja, o movimento parece ser fundamental para a construo dos processos mentais e a mente um privilgio dos seres que se movem.
O conceito de mente incorporada compreende o corpo como um sistema em permanente construo, sem separao nem hierarquia entre mente, esprito e corpo.
A incorporao das informaes do meio ambiente ocorre atravs de um processo
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(Tanz-Ton-Wort). Na concepo de Laban, h o espao em geral e aquele que circunda o corpo, que o envolve. Laban construiu um sistema expressivo que provoca uma inverso: no mais somente o espao que contm o corpo e o define,
mas tambm o corpo passa a construir e definir o espao (Bonfitto 2002, 54).
Sendo assim, no aspecto da relao entre corpo e meio o sistema de Laban parece
estar em consonncia com o conceito de um sistema integrado. A gerao da ao
resulta da relao entre corpo e espao e o corpo tambm um dos responsveis
por gerar esta ao. As idias de Laban permanecem como fundamentos importantes para os processos criativos que envolvem o corpo e para as artes performticas em geral. Outro trabalho precursor foi o desenvolvido pela pedagoga musical
Gertrud Grunow entre 1919 e 1924. Grunow estudou a relaes especficas entre
som e movimento, desenvolvendo sua experimentao em conexo sua atividade
pedaggica na Escola Bauhaus, na Alemanha (Schoon 2006, 45).
Estas pesquisas constituem-se em eventos precursores de futuras experimentaes
nas artes e especificamente na msica. Elas demonstram a importncia do corpo,
de seu movimento, para os processos de criao artstica, privilegiando a ao do
corpo como base para a construo de conhecimento, antecedendo de certa forma
alguns conceitos tericos da atualidade.
Concluses
De um modo geral, ao se trabalhar a partir do movimento, estimulando a investigao da natureza deste atravs de um processo de experimentao e improvisao,
por exemplo, estimula-se tambm o conhecimento do corpo. A tendncia que
haja um aprimoramento da percepo corporal, maior conscincia dos processos
corporais, o que desejvel para toda prtica artstica performtica e especificamente para a msica. Tendo como centro da investigao o movimento, o indivduo pode construir seu espao de aprendizagem a partir de sua prpria ao,
incorporando a experincia realizada, ou seja, o conhecimento. Lembre-se aqui que
este resulta exatamente da interao entre corpo e meio. Trabalhar a partir do movimento e desenvolver a percepo corporal parecem ser princpios metodolgicos
adequados, quando se sabe que o nosso sistema sensrio-motor o responsvel
pelos processos cognitivos, uma das primeiras concluses prticas que se pode tirar
quando se considera a teoria apresentada.
Os sons que podemos produzir com o corpo, incluindo aqui a voz, tambm so
movimentos. Investigar estes movimentos significa tambm explorar as diversas
possibilidades da voz. Os processos de experimentao, criao e improvisao so
fundamentais, pois alm de permitirem o conhecimento do som, inclusive antes
de qualquer sistema ou cdigo especfico, ocorrem a partir da atuao do corpo.
Estas estratgias tm ainda como vantagem o fato de poderem eventualmente se
realizar como um processo coletivo, o que enriquecedor por permitir uma cons-
1 De difcil traduo para o portugus, o termo tem aparecido como mente encarnada,corporificada ou incorporada. Adoto aqui este ltimo termo, utilizado na traduo para o
portugus, em 2003, da obra de Varela, Thompson e Rosch, The Embodied Mind: cognitive
science and human experience.
3 Na verdade a preocupao com o movimento bem antiga, j estando presente em escritos de Plato e Aristteles.Vale observar aqui a ttulo de curiosidade que Plato, por exemplo, afirmava que todo corpo que tem uma fonte externa de movimento no tem alma, mas
o corpo que deriva o seu movimento de uma fonte interna animado, ou seja, vivo (Greiner 2005, 57).
391
Referncias Bibliogrficas
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Palavras-chave
Cincias cognitivas, coordenao motora, independncia motora.
Introduo
No presente ensaio objetiva-se demonstrar, guisa de hiptese, maneiras de desenvolvimento cerebral por meio de realizao de exerccios coordenados entre os
membros do corpo, intermediados por estruturas rtmicas musicais, e operaes
matemticas simples. Entende-se que as atividades ora propostas demandem a integrao de ambos os hemisfrios cerebrais durante a realizao das referidas tarefas.
Este estudo , antes de tudo, uma proposta interdisciplinar, envolvendo cincias
cognitivas (especialmente aquelas dedicadas ao campo da cognio musical), aritmtica e, em certo sentido, a etnomusicologia. Acredita-se que a associao entre etnomusicologia e cognio musical (ramo de estudos cujos objetos de estudo
geralmente no tem como prioritrias as preocupaes de ordem etnomusicolgicas) possa promover resultados frutferos no que concerne ao desenvolvimento de
habilidades ligadas psicomotricidade e de independncia e coordenao motoras.
Para tanto, a etnomusicologia atua como fornecedora de padres rtmicos caractersticos de gneros musicais populares, mais prximos da realidade dos no-msicos ou de msicos no possuidores de instruo acadmica formal. Espera-se, com
isso, ancorar-se na metodologia que visa atingir os objetivos propostos operando por
meio da transio gradual daquilo que conhecido para o ainda desconhecido. Os
aspectos ligados s cincias cognitivas fundamentam-se, principalmente, no en-
393
tendimento da especializao cerebral, ou seja, na existncia de dois hemisfrios cerebrais possuidores de atributos diferenciais em acordo com as tarefas que executam,
embora estejam sempre passveis a reconfiguraes neurais.
394
Integrao de domnios
Operaes matemticas so processadas pelo hemisfrio dominante do crebro.
Assim, clculos ou mesmo contagens de qualquer natureza so analisados nesse hemisfrio. A percepo musical, por sua vez, processada pelo hemisfrio menor,
por tratar-se de uma tarefa compreendida na sua gestalt, isso , de modo no segmentado.
Partindo dessa fundamentao, poder-se-ia indagar: o que aconteceria ao realizarse uma atividade cujos estmulos sejam simultaneamente direcionados aos dois hemisfrios cerebrais? Logicamente, o crebro estaria, ao mesmo tempo, trabalhando
Exerccios
O Exerccio 1 mostra um padro rtmico usado no Ijex, gnero afro-brasileiro
muito comum na Bahia. Associado a esse padro h duas propostas de contagens
(a e b). H idia realizar concomitantemente alguma das contagens enquanto se
executa a estrutura rtmica (tocada com baqueta ou mesmo com palmas). O importante manter o andamento e notar que a contagem proposta na letra b possui
um nmero maior de elementos dentro do mesmo espao de tempo, que regido
pelo padro rtmico. Para os afeitos leitura musical, no quadro de n 2 so mostradas as duas maneiras de contagem valendo-se da grafia usual na pauta musical.
Assim, a contagem a corresponder execuo em semnimas e a contagem b ser
realizada em colcheias. Valendo-se dessa mesma estrutura possvel aprofundar o
esse trabalho de independncia e coordenao motora com o acrscimo de mais
uma linha rtmica, que dever ser executada por uma das mos, ficando assim a
outra mo responsvel pela realizao do outro padro rtmico, como mostrado no
Exerccio 2.
395
dando tambm as formas de contagens distribudas ao longo desse metro, que trar
implicaes no resultado musical, mas no ter uma alterao drstica no tipo de
contagem proposta para os exerccios anteriores.
396
contagem (a e b).
Valendo-se dessas estruturas rtmicas apresentadas nos Exerccios 1 e 2, pode-se expandir o orbe dessas tarefas agregando-se operaes aritmticas simples, como clculos de adio e multiplicao, por exemplo. Das inmeras possibilidades,
prope-se, no Exerccio 4, duas maneiras de execuo dessa tarefa. Os padres rtmicos so semelhantes aos j utilizados (Ijex e Rumba), porm a contagem mo-
contagem (a e b).
O nvel de complexidade desses exerccios pode, logicamente, aumentar gradativamente, por exemplo, com o acrscimo de outras linhas rtmicas para serem executadas pelos ps. Porm, essas etapas devem sempre ser coordenadas com os dois
tipos de contagem, sendo desejada a realizao ininterrupta dos exerccios alternando-se as diferentes maneiras de contagem. O Exerccio 6 mostra uma das possveis organizaes entre os quatro membros e os dois tipos de contagens,
novamente fazendo uso da estrutura rtmica do Ijex.
Ressalte-se que, embora esses exerccios tenham sido elaborados a partir das estruturas musicais presentes nos respectivos gneros tradicionais, a inteno no fazer
msica. O objetivo trabalhar e desenvolver aspectos cognitivos associados independncia e coordenao motoras. A funo dos elementos musicais fornecer
um contexto conhecido quele no iniciado que pretende executar os exerccios,
de modo a envolv-lo de certa familiaridade ao praticar atividades. at ideal que
esses exerccios sejam realizados junto com gravaes dos respectivos gneros musicais, de modo a propiciar um entendimento mais completo dos mesmos. Todavia, os no msicos devem ter orientao de um professor que compreenda os
aspectos musicais implcitos, posto que a proposta motriz a integrao dos hemisfrios cerebrais na realizao dessas tarefas, de modo a coordenar os processa-
397
398
Consideraes Finais
Embora o entendimento da existncia da diviso cerebral em dois hemisfrios ainda no seja consenso entre neurologistas, a especializao cerebral tomada como fundamento e ponto de partida para as atividades aqui propostas no
possui qualquer efeito prejudicial. Tentou-se postular um dos muitos modos de
atuao interdisciplinar e de integrao entre as cincias da cognio e outros domnios do fazer musical, como a etnomusicologia.
Durante seu surgimento a etnomusicologia valeu-se de nova abordagem metodolgica para o estudo da msica na e como cultura. Aproximou, via antropologia,
a musicologia das cincias sociais, oferecendo para os pesquisadores da msica novos
mtodos de investigao cientfica distintos das abordagens positivistas usadas at
ento. Nessa esteira, favoreceu tambm a expanso da criatividade dos artistas, em
especial dos compositores, que conheceram novos procedimentos e passaram a usufruir de um maior material sonoro a ser tratado composicionalmente.
No seu estgio inicial, a etnomusicologia centrou-se em classificaes e catalogaes do repertrio no ocidental. Atualmente, porm, j mais que possvel o uso
conjunto desses saberes entre as diferentes disciplinas. A educao musical beneficiar-se-ia dessa unio de aspectos tnicos como estratgias didticas e pedaggicas,
ao incorporar e levar para sala de aula os processos de aprendizado musical oriundos das tradies orais de transmisso de conhecimento. Imbudo dessa idia, nesse
ensaio procurou-se especular sobre o intercmbio entre etnomusicologia e cincias
cognitivas. Os dados coletados pela etnomusicologia referem-se ao uso de estruturas sonoras presentes nos distintos gneros musicais, que indicam, inclusive, o grau
de complexidade de determinados gneros musicais quando comparados a outros.11
No se entende a complexidade sob o ponto de vista evolutivo-positivista, em que
adquire um estatuto valorativo, mas sim como um processo entrpico, obtido pelo
aumento de elementos e/ou incremento dos aspectos envolvidos no convvio sciocultural. Pode-se entender o pulso como sendo um dos elementos mais bsicos da
estruturao musical e quaisquer elaboraes empreendidas sobre ele, implicam,
conseqentemente, no aumento da carga informativa e da complexidade. A esse
respeito ver: Corra, 2004, p.231.. A hiptese de contribuio com a cincia da cognio advm do uso dessas estruturas musicais como meio de elaborao de tarefas
visando a desenvolvimentos no campo da psicomotricidade e da coordenao e independncia motoras. Infinitas combinaes de exerccios so possveis, dado a
grande diversidade de gneros musicais existentes.
Esta uma pesquisa em estgio inicial, cujo prximo passo seria incorporar grupos
referenciais e de amostragem de modo a verificar o desenvolvimento das habilidades desses sujeitos aps a realizao das tarefas propostas. Seria tambm de eficcia
conclusiva para os objetivos aqui perseguidos a possibilidade de se contar com equipamento que permitisse o mapeamento por tomografia computadorizada durante
a realizao das tarefas, indicando assim as reas do crebro envolvidas nessas operaes. Com isso, acredita-se poder oferecer, alm da comprovao da hiptese aqui
formulada, uma aplicao prtica desse estudo interdisciplinar em cognio musical.
Referncias bibliogrficas
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Roederer, Juan. Introduo Fsica e Psicofsica da Msica. Traduo Alberto Luis da Cunha.
So Paulo: Edusp, 1998.
399
Ktia Maheirie
[email protected]
Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
Apresenta-se neste trabalho uma breve discusso acerca de aspectos obtidos em pesquisa de doutorado na rea da Psicologia, abordagem histrico-cultural, junto ao campo
de investigao da msica, acerca do tema da constituio do sujeito e atividade criadora. Teve-se como sujeitos dois msicos violonistas compositores de msica instrumental, integrantes de um duo. O objetivo principal foi investigar os processos de criao
musical como atividade mediadora na constituio do sujeito. A fundamentao terica
pauta-se nos aportes tericos do psiclogo russo Lev Vygotski, de acordo com o materialismo histrico e dialtico, e seus interlocutores, sobre processo de criao, atividade
criadora e relao esttica, e nos estudos do filsofo russo Mikhail Bakhtin a respeito da
criao/produo esttica, e da temtica da tica/esttica. A msica entendida como
sendo uma linguagem afetivo-reflexiva (Maheirie, 2001), como trabalho acstico (Arajo,
1994) e como atividade/ao humana situada em contextos (Stige, 2002). O mtodo, de
orientao qualitativa, esteve pautado na configurao de histrias de vida /histrias de
relao com a msica, sendo utilizadas entrevistas semi-estruturadas com roteiro norteador para a apreenso de informaes, e trabalhou-se com anlise do discurso segundo Bakhtin (2006) e Amorin (2002). Foram realizadas observaes de ensaios,
momentos de criao, e concertos, registradas em dirio de campo e audiovisual. Um dos
aspectos centrais produzidos como conhecimento e resultado da investigao foi o de
que a msica assim como seu(s) processo(s) de criao podem ser concebidos como
uma construo dialgica entre as vrias vozes musicais presentes na histria de um sujeito entremeadas ao processo de criao da prpria vida, culminando em uma est(tica)
de si. Existe um amlgama entre o processo de criao de si como sujeito e de suas atividades criadoras, objetivando contemporaneamente msicas e sujeitos, onde os msicos so capazes de se (re)criarem na existncia, inovando, aprimorando e qualificando
continuamente em seus percursos de vida.
Palavras-chave
Processos de criao no fazer musical; constituio do sujeito; relao esttica.
sons desde muito cedo em nossas vidas, das mais diversas maneiras. Podemos dizer
que somos tambm sujeitos musicais, sujeitos que compem, em conjunto com a
alteridade, histrias de relao com a msica1.
Alguns destes sujeitos, no entanto, escolhem e decidem, de algum modo, trabalhar
com a msica como uma profisso, nas suas mais diversas roupagens. Neste fazer a
msica se torna tambm um trabalho acstico, como explica Samuel Arajo (1994)
e Ktia Maheirie (2001, 2003): a msica como uma atividade criadora humana est
relacionada/entremeada aos contextos especficos onde o fazer musical encarado
e assume um carter de trabalho humano, assim como qualquer outro trabalho.
Como trabalho acstico a msica est inserida em contextos de ao e de atividade,
do fazer humano, possui condies objetivas, datadas e situadas, com determinadas
possibilidades para que os sujeitos possam produzi-la. Como trabalho acstico podemos encontrar as atividades de msico instrumentista, intrprete, cantor, compositor, educador musical.
Em nossa pesquisa de doutorado2, no Programa de Ps-Graduao em Psicologia,
linha de pesquisa Constituio do sujeito, relaes estticas e processos de criao, figuram dois msicos como sujeitos. Estes realizam as atividades musicais citadas
acima, todas, porm, em uma delas, a composio ou como chamaremos aqui
tambm criao musical possui uma certa especificidade, forjada por eles. Na
fundamentao terica acerca da criao humana e do processo de criao no fazer
musical, fundamentamo-nos tambm em Ostrower (2008) e Sloboda (2008), e
para discutir os aspectos da relao tica/esttica na constituio do sujeito e da
atividade criadora/processos de criao, fundamentamo-nos nos trabalhos de Bakhtin (2003), Sobral (2005, 2009) e Zanella (2006). Apresentaremos alguns pontos
fundamentais (porm, parciais) desta relao musical, discutindo-a3.
Tendo como fundamentao terica os aportes cientficos de Vygotski (1992, 1999,
2001, 2003) e Bakhtin (1926, 2003, 2006), e seus interlocutores, e ao refletirmos
sobre a atividade/fazer musical enquanto atividade criadora (Vygotski, 2003), arquitetada por sujeitos que se constroem em um processo de constituio sempre em
relao com outros, o objetivo da pesquisa foi investigar os processos de criao no
fazer musical como atividade mediadora na constituio do sujeito.
Na relao dialgica (Faraco, 2006) com os sujeitos de pesquisa fomos encontrando
as vozes das experincias, das histrias musicais, das composies anteriores, da formao musical desses msicos, do que hoje eles escutam, do que apreciam, de quais
so as suas referncias musicais, de seus estudos, do pensar e edificar a produo
musical, enfim, uma dialogia de vozes de ontem e de hoje compondo o porvir. E,
neste aspecto, como produo da pesquisa surge a tese de conceber a msica e seu
processo de criao como uma construo dialgica entre as vrias vozes musicais
presentes na histria de um sujeito entremeadas ao processo de criao da prpria
vida. Esse processo de criao um acontecimento onde as vozes se entrecruzam,
um espao de dialogia e constituio do sujeito, existe um movimento de objeti-
401
Sendo assim, da anlise das informaes das entrevistas individuais realizadas com
cada um dos msicos foram construdas as seguintes categorias: a) vozes dos prprios msicos sobre seu processo de criao no fazer musical: possvel falar sobre
o(s) processo(s) de criao?; b) vozes dos dois msicos que dialogam entre si para
compor msica: musicalidades em dilogo / a dialogia entre musicalidades; c) uma
voz que se produz de uma sntese dialgica de duas e de muitas outras vozes: a(s) msica(s) e os percursos musicais do duo; d) vozes que falam hoje em funo de um
devir e de um porvir: projetos de futuro com a msica. As informaes tambm
foram coletadas por meio de videogravao, observaes e dirio de campo de ensaios, momentos de criao e concertos do duo. Para a anlise das informaes foi
utilizado o procedimento de anlise do discurso em base a Bakhtin (2006) e Amorim (2002), tendo em vista a polifonia e a polissemia4 dos discursos.
Sujeitos da pesquisa
So sujeitos da pesquisa dois msicos instrumentistas, compositores, integrantes
do duo de violes Comtrasteduo5. Ambos so tambm educadores musicais, com
aulas individuais e formao de bandas, em violo, guitarra e baixo. O trabalho com
msica seja na parte de composio, quanto educao musical so suas atividades
principais.
A proposta musical do duo trabalhar com as particularidades da formao musical de cada um, conforme sua formao musical6. Buscam atingir uma fuso de gneros que passeiam, principalmente, pela msica brasileira, da cultura popular, em
entrecruzamentos possveis com as msicas latina, espanhola, celta, jazz, e erudita.
Outra caracterstica , como o prprio nome remete, o contraste sonoro proporcionado pelas afinaes distintas de cada instrumento. Um violo afinado maneira tradicional enquanto o outro lana mo de uma afinao aberta, com
unssonos e oitavas em forma de espelho D-A-E-E-A-D7. Esta afinao, formalizada por um dos integrantes do duo, produto tambm de uma relao musical
instrumental com a viola caipira e outras afinaes abertas utilizadas na msica galega do norte da Espanha, a Galcia.
A afinao tradicional do violo engendra-se como uma voz prtica-tcnica-de conhecimento e de materialidade do instrumento para se pensar e se fazer msica, ao
mesmo tempo aos dois msicos que a utilizam. No entanto, ao forjar uma afinao
outra Marcio estabelece tambm a si mesmo, e ao duo, contemporaneamente, a
forma de pensar e fazer msica mediada pela materialidade desta outra afinao,
para ele mesmo, de modo mais intenso, pois desde que comeou a trabalhar com ela,
no precisou mais ficar afinando o violo ora nesta afinao ora na tradicional, pois
seu violo principal est oficialmente com esta afinao, e outro violo que possui
est com a afinao tradicional. A nova afinao passou a ser encarnada no instrumento desse msico, e o caracteriza.
Glauber diz que toda a sua formao musical foi baseada na afinao tradicional
do violo, assim tambm como para tocar guitarra e contrabaixo. Sua lgica, seu
raciocnio musical pensa e se faz, se objetiva por meio desta linguagem, por meio
desta materialidade sonora, que forja o pensamento e a compreenso, bem como a
escuta e a percepo musical violonstica, para ele. Ele diz que esta sua matriz de
pensamento musical, que tem seu fundamento, por sua vez, no tonalismo.
403
404
Consideraes Finais
Nossa pesquisa de doutorado, a qual alguns aspectos foram brevemente aqui apresentados, aborda a temtica de estudar os processos de criao como atividade mediadora na constituio do sujeito, e desta forma, pensar a msica e seu processo
de criao como uma construo dialgica entre as vrias vozes musicais presentes
na histria de um sujeito entremeadas ao processo de criao da prpria vida.
As relaes dialgicas so mais que relaes de dilogo face a face. So relaes de
sentido que se estabelecem em um eterno e contnuo dilogo entre sujeitos e enunciados (Bakhtin, 2003; Faraco, 2006), no movimento de respostas, rplicas e tr-
405
plicas, onde se d a prpria construo do conhecimento, da cultura, das significaes, dos significados e sentidos (Vygotski, 1992), na trama das mediaes semiticas e edificando esta prpria mediao semitica.
406
1 Conforme pesquisa realizada no curso de mestrado: Wazlawick, Patrcia. Quando a msica entra em ressonncias com as emoes: significados e sentidos na narrativa de jovens estudantes de musicoterapia. 2004. Dissertao (Mestrado em Psicologia) Universidade
Federal do Paran, Curitiba, 2004. Orientao da Prof Dr Denise de Camargo.
2 Sob a orientao da Prof Dr Ktia Maheirie.
3 A tese completa possui 250 pginas de construo terica. Estas palavras, neste trabalho, so
apenas uma pequena e breve apresentao do trabalho.
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407
Luciane Cuervo
[email protected]
Departamento de Msica, UFRGS
Resumo
De carter ensasta, este artigo aborda elementos da interao docente-discente e o
uso das TICs (Tecnologias de Informao e Comunicao) na formao de professores
na modalidade de ensino a distncia do Programa de Licenciatura em Msica (ProlicenMus) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Apresenta reflexes sobre
o desenvolvimento da musicalidade, articulando essas idias ao ambiente EaD. Compreendendo a musicalidade como uma caracterstica humana, sero discutidos temas interdisciplinares que envolvem autores da educao e educao musical, psicologia,
neurocincias e tecnologias em educao. A ttulo de ilustrao, sero apresentados relatos empricos da atuao docente da autora, os quais refletem a inteno de conhecer, interagir e contribuir no processo de ensino-aprendizagem dos professores-alunos
do curso de licenciatura em msica a distncia da UFRGS - sendo este um programa
que visa a qualificao de docentes que j atuam em sala de aula, mas no possuem legitimao legal (licenciatura).
Palavras-chave
Musicalidade; educao a distncia; TICs.
Introduo
Este texto reflete sobre o desenvolvimento da musicalidade com apoio do ambiente
virtual de aprendizagem (AVA) e das Tecnologias de Informao e Comunicao
na formao de professores do Programa de Licenciatura em Msica (ProlicenMus) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e universidades
parceiras.
O desenvolvimento musical ser abordado fundamentando-se na concepo de
musicalidade como uma caracterstica humana. Para fomentar a reflexo sobre esse
tema, apresento uma discusso interdisciplinar entre autores da educao, educao musical, psicologia, neurocincias e tecnologias em educao, destacando-se
Gembris (1997), Krger (2006; 2007), Sloboda (2008) e Cuervo (2009).
Existe uma necessidade latente de sistematizao da abordagem pedaggico-musical na educao a distncia, bem como estudos que acompanhem o desenvolvimento do aluno, buscando compreender como se d o processo de
ensino-aprendizagem, considerando sua subjetividade e complexidade intrnsecas,
bem como as matizes que o compe. Por Educao a Distncia, entende-se que esse
o processo de ensino-aprendizagem, mediado por algum recurso de comunicao,
onde professores e alunos esto separados espacial e/ou temporalmente (UFRGS,
2007, p. 27).
As Tecnologias de Informao e Comunicao TICs vm ao encontro da qualificao do processo de desenvolvimento musical em ambientes virtuais de aprendizagem, pois enriquecem e favorecem a aprendizagem num modelo interativo de
trabalho. Este modelo tambm est em conformidade com a realidade de sala de
aula encontrada por estes professores em formao e atuao, pois bastante
comum a escola pblica brasileira possuir computador, mas ainda raras as instituies que possuam um acervo de instrumentos musicais. Para Krger (2007, p. 98),
o uso das TICs no ambiente escolar
tambm ressalta a importncia das interaes entre professor e seus alunos e
entre os prprios alunos. Mais do que nunca, est claro que o professor no ser
substitudo pelas tecnologias, e que ele fundamental para, junto com o aluno,
construir conhecimento.
A partir da minha pesquisa de mestrado1, a qual envolveu o estudo da musicalidade humana, venho buscando compreender o desenvolvimento musical dos alunos nas modalidades presencial e a distncia, me colocando os seguintes
questionamentos:
Que diferenas podemos notar no processo de desenvolvimento musical no ensino
a distncia e no presencial?
Como se d o desenvolvimento da musicalidade na educao a distncia?
Como as Tecnologias de Informao e Comunicao nos ambientes virtuais de
aprendizagem influenciam esse desenvolvimento?
Conforme Sancho (apud Krger, 2006), na educao, h muitas formas de utilizao das TIC, como computadores e ferramentas para EaD via Internet, ambientes
para vdeo ou teleconferncia, ambientes de realidade virtual, etc., alm de aparelhos eletrnicos como televiso, rdio, som, entre outros materiais.
Para Tourinho e Braga (2006), por bastante tempo a interao presencial professor-aluno foi considerada essencial para o aprendizado musical. Para esses autores,
a Educao Musical a Distncia utiliza meios impressos, mecnicos, eletrnicos e
digitais, sendo os recursos telemticos cada vez mais importantes nessa trajetria
(Tourinho; Braga, 2006).
Pensar o desenvolvimento da musicalidade na EaD significa transportar os estudos e as pesquisas j realizadas para o ambiente virtual de ensino, mas no s isso.
A partir desse contexto, vislumbrar formas de oportunizar o acesso do aluno a esse
conhecimento e, mais desafiador ainda, a essa prtica, procurando otimizar a utilizao das ferramentas disponveis.
Morin (2009) acredita que as tecnologias interativas na educao a distncia des-
409
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Dessa forma, podemos entender que, tanto nas prticas vocais e instrumentais, criao ou apreciao musical, podemos buscar a produo de significado, sendo esta
uma fundamental caracterstica da experincia musical ampla. Todas as pessoas
possuem os mecanismos naturais de desenvolvimento da musicalidade, dependendo de um contexto favorvel em diversos aspectos, o qual englobaria um ambiente familiar e escolar propcio, como tambm a oportunidade de interagir em
diversas modalidades da experincia musical ao longo da vida (Cuervo, 2009).
Alguns autores relacionam a capacidade para a msica com a capacidade universal
para a linguagem, como Ilari (2006), Sacks (2007) e Sloboda (2008). Para Sloboda
(2008, p. 25), dizer que a linguagem e a msica so universais dizer que os humanos tm uma capacidade geral de adquirir competncias lingsticas e musicais.
Se entendemos a musicalidade como uma caracterstica natural ao ser humano, a
voz, acima de tudo, o primeiro veculo de expresso e comunicao humana, constituindo o princpio da linguagem. Para Wisnik (2007), a msica pode ser o modo
de presena do ser, que tem sua sede privilegiada na voz, articulao mxima entre
a palavra e a msica.
Nessa direo, compreende-se que todos tm mecanismos necessrios para o desenvolvimento musical, e, assim, derrubam-se teorias que valorizam o talento de
poucos privilegiados, aqueles que merecem aprender. Lamentavelmente, ainda
hoje se verifica em escolas, conservatrios e aulas particulares de msica a concepo de que necessrio potencializar aqueles que j possuem o dom da msica.
Isso contradiz os princpios universais da educao humana, nos quais todos podem
aprender e tm o direito de acesso ao saber e ao saber-fazer. Exatamente como defende Elliot (1998, p. 26), o qual afirma que a musicalidade a chave para experimentar os valores do fazer musical. [. . .] pode ser ensinada e aprendida.
Ilari (2006) afirma que h inmeras evidncias sugerindo que os bebs recm-nascidos j esto predispostos a prestar ateno aos elementos musicais da fala e dos padres sonoros, em conformidade com Barcel (2003), o qual sugere que a msica
natural ao cotidiano da criana. Em concordncia com esses trabalhos, Gembris
(2006) afirma que a atitude musical existe desde os estgios iniciais da vida humana
e, talvez, semanas antes do nascimento.
No perodo contemporneo, no qual h intenso bombardeio de sons e rudos de
todas as formas, assim como os mais variados modelos de aparelhos de difuso sonora individuais e coletivos, a conscientizao, a preservao e a emisso natural da
voz deveriam constar como prioridades no planejamento pedaggico-musical. Por
outro lado, no possvel ignorar a imerso de crianas, adolescentes, adultos e idosos em uma grande rede de diversidade musical, os quais, influenciados pela famlia, escola, rua e mdia, encontram suas vivncias, valores e preferncias musicais.
Torres (2008, p. 7) argumenta que a ampla presena da msica difundida em aparelhos portteis torna-se a Msica que nos acompanha, que pode ser levada e
compartilhada em diferentes espaos; a msica em movimento.
411
Youtube que inclua a imagem da partitura integral do movimento. Aps a apreciao, ele deveria anotar suas impresses a respeito da apreenso de elementos musicais do repertrio, como instrumentao, forma, gnero, carter, andamento, etc.
Essa atividade foi proposta na unidade Avaliao em Msica, na qual foi amplamente discutido os critrios de avaliao em apreciao musical, sendo apresentado
os nveis de avaliao encontrados por Swanwick (2003).
As tarefas entregues foram extremamente significativas para o entendimento de
concepes de msica e competncias necessrias ao educador musical, pois apesar
da proposta da atividade ser flexvel (no era exigido aprofundamento das informaes relatadas como resultado da apreciao), muitos alunos sentiam-se aqum
das capacidades para a realizao da tarefa, com relatos como deste aluno:
A principio foi uma experincia desafiadora e preocupante, pois ainda tenho pouco
discernimento para definir instrumentos; ouvi a cano vrias e vrias vezes para
tentar identificar os instrumentos, mas confesso que j conhecia a obra (Sujeito 1,
EAD, atividade de apreciao musical, set.2009).
Apesar do Sujeito 1 dizer-se preocupado com a tarefa, achando que no possivelmente no possusse capacidade de definir os instrumentos, realizou procedimentos corretos para qualificao de seu processo de apreciao, ao buscar ouvir
repetidas vezes, procurando elementos musicais que pudesse identificar. Ao longo
de seu relato da apreciao, ele consegue definir corretamente os instrumentos e
algumas das principais caractersticas estilsticas e estruturais da pea. Ou seja, ele
tinha a bagagem de conhecimentos musicais necessrios para realizar a tarefa e, apesar de uma hesitao inicial, teve xito na atividade.
O Sujeito 2 expressa de forma criativa suas impresses e elabora um relato sobre a
apreciao que inclui informaes sobre instrumentao, ornamentao, tessitura,
carter, andamento e valor da msica, como pode ser observado nesse trecho de seu
trabalho:
A msica tem constantes mudanas, em que so empregados alguns artifcios tcnicos, como o compositor imprimir um som caracterstico da natureza, fazendonos (ns ouvintes) percebermos a questo do tempo, do clima e imaginar a msica,
o que transcende o ato de ouvir. (Sujeito 2, EAD, atividade de apreciao musical, set.2009).
413
Frana (2003) afirma que os eventos musicais so construes cognitivas e que o ensino de msica deveria ter menos contedos e valorizar mais a expressividade. Essa
atitude pressupe que o professor d espao para as reflexes e manifestaes do
seu aluno, procurando orient-lo sem cobrana quantitativa de tpicos a seguir, almejando a sua liberdade de criao e expresso, com respeito e sensibilidade ao seu
ritmo de desenvolvimento.
Apesar de sustentar que a aprendizagem musical ocorra da mesma forma, no sentido de entender o desenvolvimento musical intimamente ligado ao desenvolvimento humano, entendo que a Educao Musical, mediada pela EaD, possui
peculiaridades que talvez permitam maior conhecimento e necessidade de interao com recursos tecnolgicos muitas vezes desprezados no ensino presencial.
No entanto, devemos estar atentos para que essas tecnologias no sejam meras
transposies de exerccios convencionais, de um tipo de ensino j saturado at
mesmo no ambiente presencial. De acordo com Krger (2006), esse um dos aspectos mais criticados em relao s novas TIC na educao. Para ela,
Dessa forma no ser utilizado todo o potencial de interao entre os usurios
(alunos e professores) e entre estes e o conhecimento. Em resumo, apesar do potencial de enriquecimento, diversificao e estmulo em atividades convencionais, os diferenciais tcnicos e educacionais intrnsecos das TIC podem
promover outras e novas abordagens pedaggicas, no precisando ser abordadas
Se no ensino presencial a entrega de atividades semanais por parte dos alunos motivo de preocupao do professor quanto participao destes, na EaD esse envolvimento ainda mais representativo da interao dos alunos com as unidades de
ensino. A participao dos alunos das duas interdisciplinas em questo Educao Brasileira e Didtica da Msica, aumentou em mdia 60% a partir do momento em que as assumi e passei a dar retorno das atividades realizadas, tambm
conhecido no ambiente virtual como feedback.
A avaliao em msica, debate to fundamental quanto ao que se refere a contedos e metodologias, torna-se ferramenta essencial de motivao e engajamento na
Educao a Distncia.
Consideraes finais
Educao Musical em EaD um assunto que demanda maior discusso nos debates acadmicos, necessitando de pesquisas que busquem compreender como se d
o processo de desenvolvimento musical, num processo de avaliao permanente
em busca de aperfeioamento metodolgico. Importante registrar que o perfil de estudantes e profissionais envolvidos com os cursos EaD em msica vm se modificando, pois essa modalidade est conquistando espaos em universidades brasileiras
consolidadas, as quais encontram-se em franco processo de qualificao e expanso.
Apesar dos problemas enfrentados, na verdade presentes em qualquer modalidade
de ensino, necessrio valorizar o que j foi alcanado atravs de intenso investimento de polticas pblicas de qualificao e formao de profissionais j em atividade no Pas. O preconceito, o desconhecimento perante os recursos tecnolgicos
e metodolgicos, entre outros fatores, vm sendo substitudos pela credibilidade
de realizao de cursos qualificados, ampla pesquisa e produo de materiais didticos especficos para EaD, bem como a democratizao de acesso formao acadmica, corroborando, assim, para a consolidao de cursos de graduao
promovidos pelas Ifes Instituies Federais de Ensino Superior.
Especialmente no atual contexto da Educao Musical brasileira, influenciada de
forma relevante pela aprovao da Lei. 11.769 (2008) que traz a msica para a Educao Bsica no Pas, os cursos de qualificao oportunizados pela EaD contribuiro significativamente na formao de grande demanda existente. De acordo com
Figueiredo (2010), importante considerar que a mdio e longo prazo, novos licenciados em msica sero formados atravs de cursos de licenciatura oferecidos
na modalidade a distncia. Alm desse ponto positivo, o autor levanta tambm a
possibilidade de cursos EaD auxiliarem na formao e qualificao continuada de
professores em exerccio, podendo ser uma excelente alternativa para a formao
415
continuada de professores, considerando que existem licenciados atuando nas escolas que necessitam atualizar permanentemente seus conhecimentos.
416
Portanto, o processo de aprendizagem mediado pelo ambiente virtual de aprendizagem e os recursos tecnolgicos que lhe so prprios trazem possibilidades de qualificao em qualquer modalidade de ensino, seja presencial, semi-presencial e a
distncia. Isso ocorre medida que esses recursos estimulam o docente a repensar
suas prticas mediadas pelo ambiente virtual e pelas ferramentas tecnologias contemporneas, assim como provoca o aluno a assumir seu papel curioso e investigativo, acima de tudo, como ser autnomo na construo do conhecimento musical.
Ento caberia provocar: Essas concepes de perfis docentes e discentes deveriam se restringir formao e atuao na modalidade EaD?A partir das temticas levantadas
e discutidas neste artigo, podemos inferir que a resposta a esta pergunta clara.
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Palavras-chave
Construo musical, msica na escola, inferncia musical
A compreenso do discurso musical pelas crianas na escola regular e sua operacionalizao sempre foram motivos de pesquisas na rea de Educao Musical. Ao
ingressar na escola, a criana comea a formalizar alguns conhecimentos que j possua de forma intuitiva: a escrita dos signos do alfabeto, os nmeros, as formas geomtricas, entre outros. Na aula de msica o aluno traz consigo o conhecimento
musical que proveniente da paisagem sonora que constitui sua vida e rotina, conhecimento este, fundamental no trabalho com msica em sala de aula.
Acredito que seja necessrio dar voz s crianas na investigao do que realmente
pensam sobre o que msica. Qual a idia de msica para uma criana de seis anos?
O que ela pensa sobre a aula de msica semanal? Isto est relacionado com o seu
prprio saber intuitivo sobre msica? Verificar de que modo as operaes de pensamento promovem a compreenso do discurso musical e em decorrncia desta
operao de que forma o aluno transforma a msica em ao inteligente, pode ser
fundamental para justificar e argumentar a importncia da construo do conhecimento musical na escola.
419
420
Proponho neste artigo analisar uma experincia ocorrida em uma turma de alunos
na qual atuo como professora de msica. Neste relato trago reflexes como professora-pesquisadora, buscando atravs da filmagem da experincia, elementos para
responder a questo: Que tipos de inferncias fazem os alunos ao sistematizar o esquema sonoro/visual da escala musical natural no teclado?
Esta anlise de uma prtica realizada em sala de aula tem a finalidade de verificar a
consistncia dos conhecimentos construdos pelos alunos a respeito da escala musical. Pretende verificar se os estudantes estabelecem alguma relao entre a seqncia dos nomes das notas com a configurao espacial da escala na forma do
teclado.
Os termos utilizados neste artigo, tais como inferncias e reversibilidade sero
aprofundados uma vez oriundos da teoria de Piaget, a Epistemologia Gentica, que
no oferece uma didtica especfica sobre como desenvolver a inteligncia do aluno,
mas nos mostra que cada fase de desenvolvimento apresenta caractersticas e possibilidades de crescimento e maturao de aquisies, sendo este o principal referencial terico e base para o estudo. Sobre o termo inferncia Piaget apud Battro,
nos diz:
.
.
. h sempre inferncia nas aes de um sujeito, quando, em presena de elementos dados fisicamente, o sujeito apela a elementos no fisicamente presentes para tirar desta juno, entre os elementos fisicamente dados e os elementos
no presentes fisicamente, um conhecimento que no poderia ser obtido s por
meio dos primeiros. (Battro, 1978, p. 136)
Ou seja, a inferncia um tipo de deduo ou induo que o sujeito retira do observvel, algo que no est ali presente. No caso da escala musical, o objetivo inferir que exista uma organizao sonora naquele desenho necessrio de teclas.
Neste experimento a reversibilidade o conceito mais importante na comprovao
da ao do sujeito frente ao objeto escala musical. Todo o experimento nos encaminha para o ponto em que os alunos percebem a escala como um todo malevel,
que possui ida e possui volta, mas que essa volta no modifica o objeto, ele permanece o mesmo. Esta reversibilidade que comporta um aspecto causal (desse ponto
de vista, caracteriza a prpria existncia de um estado de equilbrio), comporta tambm um aspecto implicativo ou lgico: uma operao reversvel uma operao
que admite a possibilidade de uma inversa (Battro 1978, p. 215) Ou seja, a escala
musical natural, de uma oitava de extenso, seja ela d-r-mi-f-sol-l-si-d, continua sendo a escala musical natural se o inverso for estabelecido como em d-si-lsol-f-mi-r-d.
A criana pr-operatria ainda no realiza o processo de reversibilidade em suas
aes, e esta faixa-etria dos 6-7 anos, caracteriza-se pela passagem do pr-operat-
421
422
ofcio para formar oito teclas brancas e assim comear a montagem do nosso teclado de papel. Ao dobrar a folha ao meio o aluno JOE falou que dali surgiria
dois pianos, referindo-se ao nmero de teclas depois de cortada a folha. No momento em que a folha foi novamente dobrada, MAU disse a vai sair trs. No
entanto, trs alunos falaram que seriam quatro teclas. Segurando a folha dobrada
questionei quem achava que seriam trs e quem achava que seriam quatro teclas,
ao passo que somente trs alunos de dezenove acharam que seriam quatro teclas.
Este episdio demonstrou que algumas crianas estavam inferindo elementos da
experincia de forma diferenciada. O fato de estarem vendo o processo de dobra no
significa ainda a conservao da quantidade que ali se esconde. Est implcito no
dobrar um esquema de multiplicao dos elementos, o que nem todos conseguiram deduzir.
Este fato me antecipou a idia de que a turma como um todo precisaria visualizar
o teclado para construir o de papel, mas na construo em grupo, aqueles que recordavam as experincias prticas no instrumento, auxiliaram os outros na construo de teclas brancas e pretas.
Aps o recorte, disponho no centro da roda oito teclas brancas e pergunto quantas teclas pretas precisamos para formar o teclado. Um aluno diz oito pretas, mas
o aluno JOE comenta: no, porque tem uma parte que tem duas teclas brancas.
Outro aluno comenta que so duas e trs pretas, como ele recorda do teclado verdadeiro. Neste momento pergunto quem se lembra do nome das notas musicais.
Depois de entoarem a escala ascendente pergunto turma o que tem a ver esses
nomes das notas com as teclas e ningum responde, o que denota uma no relao
entre o que eles cantam e o teclado como organizao desses sons. Aps construirmos o primeiro conjunto de duas e trs pretas, ou seja, uma oitava, questiono o que
vir a seguir e VIC responde quatro pretas, como se as teclas pretas seguissem a
ordem natural da numerao. No entanto, alguns alunos intervm dizendo que
aps trs teclas pretas retornam duas teclas pretas, o que implica conhecimento
sobre a organizao espacial do teclado.
Significar um objeto agir sobre ele de maneira que este apresente uma estrutura
de significaes comum a todos os sujeitos em diferentes situaes. Ao compreender a escala, enquanto forma, o sujeito ir compreend-la no piano, no teclado, no
acordeom, na escaleta, ou outro instrumento semelhante.
Maffioletti analisa profundamente em sua tese as construes e reconstrues das
idias musicais das crianas na sala de aula. Sobre a escala, comenta:
Embora comporte uma estrutura lgica na composio dos intervalos, a sua reproduo facilitada pela familiaridade que caracteriza a cultura musical local.
A construo da escala a partir de elementos isolados ou soltos, no entanto,
supe a abstrao e a reteno na memria da seqncia da escala padro. (Maffioletti, 2005, p. 269)
Os caminhos percorridos pelos sujeitos na interao com a msica se diferem qualitativamente. As crianas quando interagem com os sons carregam toda a sua histria musical, desde os primeiros sons ouvidos na vida intra-uterina at aquele
instante de msica que est sendo gravada no experimento. A msica se constitui
423
um objeto interessante ou no de interao diferentemente para cada sujeito. necessrio que se respeite o interesse de cada criana e se amplie o espectro de atividades a fim de conquistar o interesse de todos.
424
Sobre a cognio musical, Beyer diz que esta se relaciona principalmente ao momento central no processo de interao do sujeito com o meio, assim como o ato
de pensar compreende vrias etapas no processo. Estas etapas vo desde a percepo, passando pela organizao mental do indivduo, que chega a idias que possibilitam uma expresso do material captado e elaborado. No caso desse experimento,
as etapas de compreenso do teclado e a elaborao e significao do mesmo compreendem este processo.
Segundo uma perspectiva piagetiana, a organizao mental dos fenmenos externos ou internos relaciona-se constante busca de equilbrio entre os processos de assimilao e acomodao. Cada indivduo, porm, imprime
caractersticas peculiares em sua cognio, conforme interesses ou vicissidades
de sua vida cotidiana. (Beyer, 1996, p. 10)
Sendo assim, ao trabalhar com Msica, precisamos estar atentos ao que mostram as
aes dos sujeitos em contato com os materiais musicais.
Perceber o aluno estar atento a todas as manifestaes de suas aes, quer sejam
elas prticas, verbais, ou de registro. Ponso sugere que a avaliao em msica se d
ao longo de todo o processo de aprendizagem. Deve-se acreditar nas possibilidades de os alunos construrem suas prprias verdades e valorizar suas manifestaes
e interesses. Cada dvida, certeza, erro ou questionamento que ocorra no cotidiano
do trabalho deve ser considerado pelos professores como impulsionador de novas
questes (Ponso, 2008, p.19).
Concluindo, podemos dizer que os alunos verbalizaram o que visualizaram sem
muita compreenso da funo formal que cada elemento trazia consigo, quer seja
o teclado, a escala cantada, ou a organizao das teclas. Para podermos falar em
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Piaget, Jean, W. E. Beth e W. Mays. Epistemologia Gentica e Pesquisa Psicolgica. Rio de janeiro. Freitas Bastos, 1974.
425
Simone Braga
[email protected]
Marcus Rocha
[email protected]
Universidade Federal da Bahia
Resumo
O presente trabalho descreve o produto de duas experincias no campo da educao musical que verificaram a possibilidade do uso da metodologia da aprendizagem cooperativa como
recurso facilitador da aprendizagem do instrumento musical realizada em grupo. Na primeira experincia apresentada, realizada no Centro Estadual de Educao Profissional em
Produo e Design localizado em Salvador, foram aplicadas, em paralelo s aulas tutorias,
aulas complementares de carter coletivo em que foram observados o desenvolvimento da
percepo auditiva, o ouvido polifnico, o reforo de princpios tcnicos musculares, a ampliao de repertrio proporcionadas atravs da interao entre pares. Como resultado foi
possvel verificar: aceitao e reconhecimento da importncia do colega no processo de
aprendizagem do instrumento, maior entrosamento e o desenvolvimento do sentido de grupo
entre os alunos. A segunda experincia relatada, foi observada no Colgio Adventista de Salvador em duas turmas do Ensino Fundamental II, cujos alunos participam das aulas de instrumentos de cordas friccionadas como uma das opes de linguagem artstica oferecida na
disciplina Artes. Nesta experincia, dentre outras atividades, a resoluo de atividades como
a leitura de novos trechos musicais, estudo compartilhado de peas trabalhadas em sala de
aula e a criao musical foram realizadas sob a perspectiva da utilizao da colaborao como
estratgia de ensino e aprendizagem. Observando-se que alm de promover maior interao
entre os alunos, proporcionou maior eficcia no aprendizado do instrumento musical.
Palavras-chave
Aprendizagem cooperativa, cognio musical, ensino instrumental.
Aprendizado Cooperativo:
um recurso facilitador da aprendizagem
Diante da diversidade natural existente em qualquer sala de aula a aprendizagem
cooperativa tem se mostrado um mecanismo extremamente til para a gesto da
sala de aula (Monereo e Gisbert 2005, 09). A aprendizagem cooperativa uma
metodologia que transforma a heterogeneidade, isto , as diferenas entre alunos
que, logicamente, encontramos em qualquer grupo em um elemento positivo que
427
assim, a uma simples disposio dos estudantes em grupo. Essas estruturas garantem um conjunto de procedimentos que promovem a interatividade entre os estudantes, permitindo que alcancem mais facilmente os objetivos propostos (Kagan
1990, apud, Meneses, Barbosa e Jfili, 2007, 52).
428
Monereo e Gisbert chamam a ateno para o fato de que a utilizao deste recurso
didtico ganhou corpo com a reforma educacional, uma vez que at ento a transmisso de conhecimento era predominantemente realizada atravs das interaes
professor-aluno. A adoo da concepo construtivista do ensino e da aprendizagem, em que se fundamenta o atual sistema educacional, provocou a considerao
educativa das interaes que ocorrem nas salas de aula entre alunos. Ao afirmar que
o/a aluno/a constri seu prprio conhecimento a partir de um processo interativo,
no qual o papel do/a professor/a mediar entre o/a aluno/a e os contedos, o construtivismo sugere a possibilidade em que, em determinadas circunstncias, os alunos possam ser protagonistas desse papel mediador. Os alunos tambm aprendem
uns com os outros (Monereo e Gisbert 2005, 11).
A transmisso de conhecimentos atravs da interao proporcionada, muitas vezes,
pela semelhana linguagem utilizada entre os estudantes, os alunos falam a mesma
lngua. E o que determina o resultado cognitivo pode ser simplesmente a forma
como os alunos se comunicam, como transmitem a informao, como se interpretam e como explicam um ao outro. Aliado a estes fatores, destaca-se o fato de os
alunos podem estar operando na mesma Zona de Desenvolvimento Proximal
ZDP. Este conceito proposto por Vygotsky refere-se a uma zona entre o desempenho real, ou seja, aquela em que o indivduo capaz de solucionar determinado
problema sem auxilio de terceiros, e o desempenho potencial alcanado atravs da
interveno de uma pessoa mais capacitada, determinando a mudana do nvel de
conhecimento. Corroborando essa idia Woolfolk (2005, 57) afirma que s vezes
o melhor professor outro aluno que acaba de resolver o problema, porque ele est
operando na mesma zona de desenvolvimento proximal do aprendiz.
Pode-se observar, constantemente, que o nvel de interao aluno-aluno maior
que entre aluno e professor, e se d pelo fato de que os alunos se desinibem mais
entre si. Mas, usufruir da aprendizagem cooperativa no significa apenas deixar que
os alunos explorem essa interao. Ao professor cabe o papel de determinar responsabilidades e os papeis a serem desempenhados. Como exemplo, a cooperao
entre pares, aplicada numa aula coletiva de instrumento de cordas, pode ser proporcionada na utilizao de um repertrio que permita a participao de alunos de
diversos nveis na mesma aula, e dependendo da dinmica utilizada, o professor poder propor uma atividade que contemple a cooperao, solicitando que um aluno
mais avanado auxilie outro aluno na execuo de um trecho musical que esse j
conhea e saiba como fazer, devendo auxiliar no entendimento de ritmos, dedilhados, mudana de posio, e outros.
Outra proposta de atividade musical que se apropria de maneira eficiente da cooperao a criao (composio de trechos musicais). Esta atividade pressupe, em
primeiro lugar, que os alunos tenham conhecimento suficiente para desenvolver a
tarefa proposta e, a partir da diviso de responsabilidades entre os alunos e atravs
de um auxlio mtuo, possvel que a cooperao entre ambos proporcione resultados positivos na aquisio de conhecimentos. Algumas pesquisas tm demonstrado a eficcia da aprendizagem cooperativa nesse tipo de situao, a respeito de
John (2006) que destaca o papel fundamental da colaborao em experincias de
aprendizagem com atividades musicais de composio.
Outras pesquisas sobre a aprendizagem cooperativa foram realizadas no campo da
msica, a respeito de Macdonald, Miell e Mitchell (2002) investigaram os efeitos
das relaes de amizade e de idade em atividades musicais realizadas de forma colaborativa. A relevncia da cooperao foi verificada em muitos dos momentos
desta pesquisa quando se pde observar, na prtica, nas aulas realizadas no Colgio
Adventista de Salvador a aplicao deste recurso durante as aulas de instrumentos
cordas e no Centro Estadual de Educao Profissional em Produo e Design na
disciplina Instrumento, que so expostas a seguir.
Experincia 1
A experincia foi desenvolvida no Centro Estadual de Educao Profissional em
Produo e Design, localizado em Salvador. O centro oferece trs cursos profissionais destinados a adolescentes e jovens: artes visuais, documentao musical e tcnico em instrumento. A experincia, realizada no curso tcnico na disciplina
instrumento (teclado), foi dirigida aos iniciantes na prtica instrumental, sem ou
com pouca experincia prvia do instrumento teclado.
As aulas, inicialmente, eram realizadas em carter tutorial. Entretanto, verificou-se
que alguns fatores dificultavam o seu desenvolvimento como a falta do instrumento
para o treino domiciliar, por parte de alguns alunos, e a dificuldade inicial da aprendizagem do instrumento, por parte de outros. Todavia, o que mais comprometia o
processo de ensino-aprendizagem foi identificado, pelos prprios alunos, como
sendo a solido. A ausncia de espaos que promovessem a partilha de dificuldades
e troca de experincias, nesta fase inicial do ensino instrumental, foi intensificada
pela matriz curricular em vigor. Em virtude das mudanas administrativas e organizacionais do curso, foram necessrias algumas adaptaes como a troca do nome
da escola, a relaborao da proposta pedaggica, mudana do currculo e o acrscimo dos cursos artes visuais e documentao musical. Desta forma, as disciplinas
canto coral e prtica em conjunto, que oportunizavam o fazer musical coletivo,
foram eliminadas. Consequentemente, a possibilidade do desenvolvimento de habilidades musicais atravs da prtica coletiva, como percepo auditiva, ouvido polifnico, contextualizao de contedos tericos musicais, foram dificultadas.
Segundo a concepo filosfica-pedaggica de Swanwick (2003), tais habilidades
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De acordo com Swanwick (2003), o ensino musical dever promover o desenvolvimento de experincias musicais variadas para oportunizar o contato musical em
sua totalidade. O autor apresenta um modelo denominado C. (L). A. (S). P, traduzido pelas educadoras Alda Oliveira e Liane Hentschke para T.E.C.L.A. No modelo as atividades de apreciao, composio e execuo, so consideradas centrais
por promoverem o fazer musical, a ser consolidado pelas atividades de tcnica e literatura. Assim, ouvir, tocar e criar, devem ser desenvolvidos equilibradamente. Enquanto que o conhecimento do repertrio, a identificao de estilo, forma,
tonalidade, entre outros, devero fundamentar as atividades anteriores, assim como
a abordagem tcnica na execuo do instrumento.
Esta concepo de formao musical refora a necessidade do desenvolvimento das
habilidades citadas anteriormente: percepo auditiva, ouvido polifnico, contextualizao de contedos tericos musicais. Ao comparar com o modelo, a percepo auditiva e o ouvido polifnico promoveria a apreciao e a contextualizao de
contedos, representaria a literatura, complementos para a execuo. Mas como
desenvolv-las na estrutura do curso?
Alm desta lacuna quanto a formao musical, os espaos para promoo da interaes entre os alunos no eram oportunizados. Apesar das disciplinas tericas
serem ministradas coletivamente, no havia condies temporais para a promoo
da partilha das expectativas, anseios e dificuldades referentes prtica instrumental entre os alunos. Com o objetivo de oportunizar experincias da prtica em grupo,
o desenvolvimento da percepo auditiva, o ouvido polifnico, o reforo de princpios tcnicos musculares, a ampliao de repertrio e a interao entre pares,
foram aplicadas, em paralelo s aulas tutorias, aulas complementares em carter coletivo. Estes objetivos tambm podem ser atingidos em aulas coletivas individuais,
todavia, a interao entre pares foi a ferramenta pedaggica utilizada nesta situao,
para despertar a motivao na iniciao musical.
Para tanto, foi elaborado o Projeto Conjunto de Teclados, extensivo as aulas dos
alunos do 1 ano A. Os recursos disponveis para a realizao foram teclados e fones
de ouvidos para a execuo instrumental simultnea. Para alcanar os objetivos, citados acima, as aulas foram planejadas segundo princpios da aprendizagem cooperativa, com a freqncia quinzenal, s sextas-feiras das 12h s 13:30h. O horrio
foi estabelecido pela disponibilidade de tempo dos alunos participantes. Estes, por
sua vez, aps apresentao do projeto, foram convidados a adeso a atividade. Inicialmente, o projeto contou com a participao de 70% dos alunos, posteriormente
a adeso foi de 80% dos alunos e no final, contava com a adeso de 90% dos alunos.
Na culminncia do projeto foi realizada uma aula pblica para a comunidade escolar.
O projeto centrou-se em arranjos para o instrumento teclado e peas das aulas tutoriais, para proporcionar a participao de alunos em diferentes nveis. As peas ex-
tradas da aula tutorial apresentaram pouco grau de dificuldade para que todos, independentes da habilidade tcnica, pudessem executar. Por meio desta execuo,
os pares serviram de referncia para estabelecer troca de informaes e experincias. Observar, comparar e verbalizar esta anlise motivou o desenvolvimento da
auto-avaliao dos alunos. Enquanto isso, nos arranjos para o conjunto as diferenas de habilidades tcnicas foram valorizadas. Todavia, a juno da parte de cada
participante que proporcionava a beleza do arranjo e a importncia do fazer musical em grupo. Alm deste repertrio foram abordados padres de acompanhamento, escalas e exerccios tcnicos para sanar dificuldades detectadas nas peas
executadas, conforme descrio das atividades abaixo:
A ampliao de repertrio
A adoo de uma nica pea a ser executada individualmente, somada ao repertrio para o grupo, contribuiu para a motivao em relao ao repertrio. Atravs da
motivao, os alunos trocavam peas extracurriculares entre si e esta troca permitiu a ampliao do repertrio de cada participante.
Resultados observados
Em todas as atividades buscou-se desenvolver a troca e construo de conhecimentos musicais atravs da interao entre pares, e com esta estratgia a realizao
do projeto atingiu o objetivo proposto. Verificou-se maior desenvolvimento dos
alunos acerca de dificuldades de cunho tcnico, articulao da execuo com as-
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Experincia 2
Em uma aula de msica dialgica, participativa, num ambiente coletivo impossvel um professor manter uma postura centralizadora em que detm, em todos os
momentos, a ateno dos alunos voltada para si como se ele fosse o nico possuidor do direito de ensinar, independendo da colaborao dos participantes da aula.
Uma aula mais prazerosa, para os alunos e tambm para o professor, quando existe
a chance de todos participarem dando contribuies que ajudem na compreenso
do contedo e torne mais fcil a aquisio do conhecimento, influenciando no desenvolvimento positivo da aula, ou seja, que traga benefcios tanto para os alunos
quanto para o professor.
Foi com este pensamento de participao, contribuio e prazer que aconteceram
as aulas de msica com os alunos da 5 srie do ensino fundamental na Escola Adventista de Salvador. Aulas coletivas de instrumentos de cordas so ofertadas aos
alunos interessados em participar das aulas de msica, e que selecionados por meio
de uma avaliao, caso a procura seja maior que o nmero de vagas. Ao ingressarem,
os alunos no participam da matria Artes utilizando o horrio para as aulas de
Msica. As aulas no eram voltadas inteiramente ao aprendizado do instrumento,
sobretudo objetivava o desenvolvimento musical integral dos alunos. O objetivo
geral era propiciar o aprendizado musical que favorecesse a apreciao, a criatividade
e a execuo instrumental e especificamente alguns objetivos como vivncia de elementos sonoros, percepo do corpo como produtor de som, interpretao de grficos sonoros, execuo de diferentes instrumentos musicais e materiais sonoros,
entre outros.
A carga horria semanal correspondia a quatro horas/aula distribudas em dois encontros. No primeiro encontro semanal, com duas horas aula de 45 minutos cada,
todo o grupo era envolvido, onde era trabalhado o conhecimento geral do instrumento, vivncias, atividades de composio, apreciao, percepo e a integrao social. No segundo encontro, tambm com duas horas/aula, a turma era dividida em
pequenos grupos de dois a quatro alunos, separados em ambientes diferentes, onde,
alm do aprendizado peculiar de cada instrumento, era proposta a resoluo das
seguintes atividades: leitura de novos trechos musicais, estudo compartilhado de
peas trabalhadas em sala de aula e a criao musical.
No incio das aulas, o acolhimento dos alunos era sempre marcado por uma atividade de integrao. Um dos objetivos era trazer a concentrao dos alunos para o
ambiente da aula de msica, dissipando de suas mentes pensamentos de outros fazeres que viessem tirar sua ateno ou deix-los dispersos. Quando os alunos entravam na sala j tinha uma msica sendo tocada no aparelho de som, que na
maioria das vezes seria usada na atividade ou possua elementos que seriam enfatizados no decorrer da aula. As atividades de integrao eram realizadas nos encontros que envolviam todo o grupo e eram pensadas de acordo os objetivos propostos
para a aula.
Como exemplo de uma das atividades de integrao, os alunos eram dispostos em
formato de crculo, de mos dadas e ouvindo uma msica, cirandavam para um
lado e para o outro de acordo a indicao do professor. Em determinado momento
dividiam-se em pares e continuavam a ciranda. Por vrias vezes os pares eram desfeitos e novos pares formados at que, finalmente, voltaram formao inicial, com
todos de mos dadas. Era muito interessante observar que nessa atividade, na formao de pares, com a velocidade dos acontecimentos nenhum aluno queria ficar
sozinho aceitando de bom grado o colega com quem formou par, sendo evitadas,
assim, escolhas individuais. A realizao deste tipo de atividades tinha como objetivo maior desenvolver a percepo dos alunos quanto importncia do outro no
desenvolvimento de tarefas compartilhadas, e consequentemente preparando-os
para atividades subseqentes que envolvessem a cooperao.
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caso, o professor, percebendo que os alunos com dificuldade no se colocaram contrrios colaborao dos colegas, deixou que eles se entendessem, pois dali poderia
sair o precioso resultado da cooperao.
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Criao Musical
As atividades de criao musical eram voltadas para a composio de ritmos e melodias, pelos prprios alunos, visando colocar em prtica conhecimentos musicais
adquiridos at aquele momento, levando-os a se deparar com as dificuldades da escrita e a super-las atravs da busca de solues e aplicao do contedo estudado.
Para fazer com que o processo produtivo fosse acelerado, e os objetivos no se perdessem no tempo, tolhendo a capacidade criadora por excesso de atividades ou delongamento de prazos, as atividades de criao musical eram aplicadas em semanas
em que as duas aulas fossem realizadas sem a interferncia de feriados ou outras
programaes da prpria escola, podendo-se aproveitar os dois encontros semanais
para realizar a atividades.
Foi pedido aos alunos que, cada um, compusesse uma melodia de oito compassos,
dividida em duas frases de quatro compassos. Algumas regras deveriam ser seguidas
para dar sentido melodia e facilitar a composio: a primeira e a ltima nota das
frases eram definidas pelo professor; a tessitura deveria estar dentro oitava conhecida por eles; somente deveria escrever, rtmico e melodicamente, o que conseguiria tocar. Nestas atividades era proporcionada aos alunos total liberdade dentro do
procedimento de criao, para que os mesmos se ajudassem. Assim, apesar do professor estar acompanhando e tirando as dvidas, os alunos no ficavam sozinhos
nos seus lugares, se agrupavam, dialogavam, viam o que o outro estava fazendo, tiravam dvidas, consertavam o que estava diferente e se dispunham positivamente
no intuito de ajudar. Na apresentao da atividade, quando cada um tocaria a sua
composio, que durante o processo de criao foi sendo desenvolvida com a colaborao entre alunos. Alguns se candidataram para serem os apresentadores do programa e os demais se colocaram como platia motivando os executantes,
percebendo sua importante participao no processo de realizao conjunta da atividade. Como resultados foram observados uma acelerao na efetivao de resultados durante realizao da tarefa, o envolvimento na resoluo de problemas, a
participao efetiva entre alunos no processo de criao, e o reconhecimento do
papel do outro no processo de aprendizagem.
Estudo do Instrumento
O aprendizado do instrumento era realizado nos dois encontros semanais. No primeiro encontro o estudo abrangia um carter geral, onde eram trabalhados conjuntamente os quatro instrumentos formadores da orquestra de cordas. No
segundo encontro se buscava trabalhar as especificidades tcnicas dos instrumen-
Consideraes
A educao musical, alm proporcionar a criao de ambientes interdisciplinares
contribuindo para a formao integral do indivduo, representa um fator significativo no desenvolvimento do comportamento social A aprendizagem cooperativa
um recurso didtico aplicado a um determinado grupo de alunos que se une em
torno da resoluo de uma tarefa comum. A possibilidade de reunir diversos alunos
que aprendem um instrumento musical deve ser aproveitada pelo professor para
favorecer sua prtica pedaggica, em vez de evitar que os alunos se comuniquem e
interajam, deve tirar proveito da situao de forma consciente e planejada, acarretando em importantes ganhos para a cognio musical.
Dantas (2010) verificou atravs de uma pesquisa realizada com um grupo de professores e alunos do ensino coletivo que este recurso muito pouco usado pelos
professores, e muitas vezes no bem interpretado, existe certa confuso em torno
da definio da aprendizagem cooperativa, muitas vezes o ato de cooperar acaba
sendo confundido como uma simples colaborao em sala de aula, como organizar
a classe e no incomodar o colega, por exemplo. De acordo com a investigao realizada em sua pesquisa, existe uma grande aceitao por parte dos alunos na aplicao do aprendizado cooperativo durante as aulas de instrumento com a realizao
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de atividades musicais envolvendo a cooperao e a colaborao. Destacando em especial o seguinte fato: os alunos demonstram reconhecer a importncia do outro no
seu processo de aprendizagem.
436
Referncias
Dantas, Tais. 2010. Ensino coletivo de instrumentos musicais: motivao, auto-estima e interaes na aprendizagem musical em grupo. Dissertao de Mestrado. Universidade
Federal da Bahia, Programa de Ps-graduao em Msica.
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Monereo, Carles; Gisbert, David Duran. 2005. Tramas: procedimentos para a aprendizagem
cooperativa. Traduo: Cludia Schilling. Porto Alegre: Artmed.
Swanwick, K. Ensinando msica musicalmente. 2003. Trad.: Alda Oliveira e Cristina Tourinho. So Paulo: Moderna.
Woolfolk, Anita E. 2000. Psicologia da educao. Porto Alegre: Artemed.
Palavras-chave
Motivao, aprendizagem musical, aulas coletivas.
Introduo
Dar os primeiros passos na msica a partir do ensino coletivo de instrumentos
extremamente motivante. Oliveira (2008, 01) acredita que o aprendizado musical
mais agradvel quando feito em grupo, e as razes para isto encontram-se no fato
de que o aluno compartilha suas dificuldades com os colegas, o aluno se sente parte
de uma orquestra, e a qualidade musical maior quando comparado ao estudo individual. Moraes (1997, 71) afirma que a motivao e a interao social so os ele-
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A motivao definida por Tapia e Fita (2006, 77) como um conjunto de variveis que ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para poder alcanar um objetivo. Segundo ONeill e Mcpherson et al (2002, 31) as teorias atuais
vem a motivao como uma parte integrante da aprendizagem que auxilia os alunos na aquisio da gama de comportamentos adaptativos que ir proporcionarlhes a melhor chance de alcanar seus prprios objetivos pessoais.
Diante da importncia da motivao como fator determinante da aprendizagem,
este trabalho buscou verificar como se do os processos motivacionais nas aulas coletivas de instrumentos musicais a parir de um olhar sobre a interao aluno-aluno
e aluno-professor durante a aprendizagem.
Um dos pontos abordados no trabalho foi a relao existente entre a interao no
grupo e o desenvolvimento das motivaes intrnseca e extrnseca. A motivao intrnseca aquela que est ligada ao prprio desenvolvimento da tarefa, ou seja, refere-se escolha e realizao de determinada atividade por sua prpria causa, por
esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma geradora de satisfao (Guimares 2001, 37). O indivduo sente-se motivado para realizar uma determinada
tarefa e provoca a execuo da mesma, pois a satisfao encontra-se no prprio processo de efetivao da tarefa.
No campo educacional a motivao intrnseca representa importante papel no desempenho escolar. Guimares (2001, 37) afirma que envolver-se em uma atividade por razes intrnsecas gera maior satisfao e h indicadores de que esta facilita
a aprendizagem e o desempenho. Ainda segundo a mesma autora (2001, 10) no
contexto especfico da sala de aula, as atividades do aluno, para as quais o mesmo
deve estar motivado, tm caractersticas diferenciadas de outras atividades humanas igualmente condicionadas motivao.
Uma das formas de se relacionar a motivao intrnseca ao estudo do instrumento
musical, encontra-se nos resultados esperados a partir do esforo investido tecnicamente no estudo do instrumento. O que faz com que o aluno evolua gradualmente nas suas habilidades de tocar e progrida no repertrio estudado. Toda vez
que o aluno empenha-se durante os estudos de msica seu nvel tcnico tende a
evoluir, assim sendo ainda pode-se relacionar a motivao intrnseca aos resultados esperados a partir do esforo investido tecnicamente no estudo do instrumento,
que teria como conseqncia a evoluo nas habilidades de tocar e a progresso gradual no repertrio estudado.
Contudo, a motivao no se constitui num fato ou instante isolado em si, mas sim
em todo um processo que se desdobra em vrias fases ou etapas. No incio da tarefa,
durante sua execuo, e at a concluso da mesma, a motivao para alcanar um
objetivo distante articula-se com as motivaes sucessivas para cada uma das etapas
que podem levar a ele, o que equivale a distinguir uma motivao orientando a atividade do sujeito para tarefas imediatas de uma motivao orientada para objetivos
mais distantes (Foulin e Mouchon 2000, 94).
Isso nos faz refletir sobre uma outra forma de motivao que est associada aos resultados que o empenho numa determinada tarefa pode trazer: a motivao extrnseca. Quando um indivduo sente-se motivado para a realizao de determinada
tarefa, e a satisfao encontra-se nos resultados que a mesma pode trazer, dizemos
que o indivduo est motivado extrinsecamente. A motivao extrnseca, em oposio motivao intrnseca, no est ligada a execuo de determinada tarefa, mas
sim aos resultados que esta pode proporcionar. Guimares (2001, 46) destaca que
a motivao extrnseca tem sido definida como a motivao para trabalhar em resposta a algo externo tarefa ou atividade, como para a obteno de recompensas,
materiais ou sociais, de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou
presses de outras pessoas ou para demonstrar competncias ou habilidade.
No ensino coletivo de instrumento o aluno est motivado intrinsecamente ou extrinsecamente? Se partirmos da proposio de que o aluno de msica opta por um
desejo pessoal, podemos afirmar que satisfao apresentada no processo de estudo
e execuo do instrumento estaria diretamente ligada motivao intrnseca, onde
o ato de executar o instrumento geraria prazer e satisfao no aluno. Por estar ligada
a fatores externos, a motivao extrnseca tambm pode ser percebida no ensino
coletivo atravs de alguns aspectos. Numa sala de aula de ensino em grupo alm do
professor, que tem um importante papel na motivao do aluno, o estudante conta
ainda com a presena dos demais colegas. Desta forma pode-se afirmar que existe
uma motivao extrnseca gerada pela convivncia em grupo, o que estaria evidenciada na busca pelo reconhecimento do grupo e na necessidade que o aluno tem
em demonstrar que tambm capaz de executar o instrumento de maneira satisfatria, e assim os alunos se sentiriam recompensados ao atingirem tais objetivos, ou
seja, tais aes estariam ligadas motivao extrnseca.
A pesquisa de campo
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com professores do ensino
coletivo e alunos de duas turmas da 5 srie do ensino fundamental II do Colgio
Adventista de Salvador que participam das aulas de instrumentos de cordas na disciplina Artes.
A coleta de dados com os professores do ensino coletivo foi realizada por meio de
entrevistas espontneas, cuja escolha se deu pelo fato de que as mesmas possibilitaram a obteno de dados mais amplos a partir do ponto de vista dos professores.
As questes foram elaboradas de maneira parcialmente estruturadas, ou seja, guia-
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440
das por relao de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo
de seu curso (Gil 2008, 117). Como coloca Yin (2006, 117), a realizao da entrevista espontnea nos permite tanto obter informaes sobre o fato relacionado
ao assunto, quanto obter a opinio dos entrevistados sobre determinados eventos,
e inclusive utilizar as interpretaes apresentadas pelos respondentes como base
para uma nova pesquisa. Fato este verificado nesta pesquisa, onde a entrevista com
os professores serviu como base para a investigao com os alunos. Este tipo de entrevista permitiu tambm maior flexibilidade, uma vez que se entrevistou professores de diferentes modalidades do ensino coletivo.
Para a obteno dos dados junto aos alunos optou-se pela realizao de entrevistas
focadas, a partir de questes estruturadas, que segundo Yin (2006, 118) um dos
propsitos desta entrevista pode ser simplesmente corroborar com certos fatos
que voc j acredita terem sido estabelecidos (e no indagar sobre outros tpicos de
natureza mais ampla e espontnea), neste caso a entrevista com os alunos procurou verificar a pertinncia dos dados coletados tanto na literatura quanto na entrevista com os professores. Esta modalidade de entrevista tambm facilitou a coleta
de dados, proporcionando simplicidade no entendimento das questes por parte
dos pesquisados, bem como maior objetividade, uma vez que as entrevistas foram
realizadas nos poucos horrios que os alunos tinham disponveis, antes do incio
das aulas e nos intervalos entre as mesmas.
A respeito da pesquisa realizada com os alunos do Colgio Adventista de Salvador,
as aulas coletivas de instrumentos de cordas e sopros so oferecidas na disciplina
Artes para aqueles alunos que optam por estudar msica, como uma das linguagens artsticas proporcionadas pelo colgio. As turmas do ensino fundamental II so
compostas em mdia por 35 alunos. Nas duas turmas escolhidas para participar do
estudo de caso, 21 alunos foram entrevistados, correspondendo ao nmero total
de alunos que estudam instrumentos de cordas. Outras turmas da 6 a 8 srie possuem alunos que freqentam as aulas de instrumento de cordas, contudo, um dos
motivos que levou a escolha das turmas da 5 srie foi a quantidade de alunos, pois,
com o decorrer dos anos, o nmero de alunos que fazem aula de msica tende a diminuir, uma vez que alguns alunos deixam os cursos de msica ou at mesmo a escola. Alm disso, foi possvel trabalhar os dados sem a interferncia de algumas
variveis, como: a diferena de idade, o tempo de estudo no instrumento e o desempenho musical.
Como primeiro passo da abordagem emprica a pesquisa buscou conhecer a opinio
de professores do ensino coletivo de instrumentos musicais a respeito dos aspectos
investigados. A participao de professores de diferentes reas da prtica de ensino
coletivo, como cordas, sopro e piano, possibilitou maior abrangncia dos aspectos
investigados fornecendo um vasto material que, confrontado com a literatura, foi
utilizado para a construo da entrevista aplicada turma de ensino coletivo.
441
Na literatura consultada a respeito do ensino coletivo onde so ressaltados os aspectos relacionados motivao, um dos fatores motivacionais mais destacados, e
que diz respeito iniciao de instrumentos de corda com o ensino coletivo, a sonoridade. Alguns autores afirmam que a sonoridade inicial dos alunos de instrumentos de cordas pouco agradvel, e que no grupo essa sonoridade tende a ser
mais aprazvel. Como afirma Galindo (2000, 58) uma das razes que torna o ensino
coletivo mais estimulante que o resultado sonoro do grupo bem melhor que o
resultado sonoro individual. Essa falta de qualidade na sonoridade se deve, na
maioria das vezes, presso inadequada que o aluno provoca com o arco sobre as
cordas, e acrescenta-se a este fator o incio do uso da mo esquerda onde o aluno
sente dificuldades para afinar o instrumento.
Mas afinal, o que torna as aulas em grupo mais motivadoras? Para tentar responder
este questionamento foi perguntado aos alunos o que tornava a aula mais motivadora. As respostas foram organizadas em cinco categorias (ver quadro 01), e neste
caso alguns alunos indicaram mais de uma alternativa, onde todas as respostas foram
consideradas, conforme se verifica no quadro abaixo:
Quadro 01 Fatores que tornam as aulas em grupo mais motivadoras.
Fatores que influenciam a motivao para a
aprendizagem em grupo
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09
09
A sonoridade do grupo
07
A convivncia com os colegas foi a resposta mais citada pelos alunos, como sendo
o fator que torna a aula mais motivante. A segunda resposta mais indicada pelos
alunos foi a oportunidade de aprender em grupo. Sentir-se parte de um conjunto
musical e o estmulo do professor foram citadas de forma eqitativa pelos alunos
como o sendo o terceiro fator que mais gera satisfao nas aulas coletivas.
Embora no se possa negar que o fato de que iniciar os estudos em grupo contribui
positivamente para o desenvolvimento da sonoridade, o ponto de vista dos alunos
diverge em parte das proposies da literatura especfica no campo do ensino coletivo. A boa sonoridade foi um fator pouco indicado pelos entrevistados. Contudo,
443
presente nos estudos musicais, neste caso foram registradas todas as indicaes dos
alunos.
Quadro 2 Fatores que mais motivam os alunos a dedicar-se
ao estudo do instrumento.
444
Nmero de indicaes
02
13
09
13
Algumas Consideraes
Atravs da anlise dos discursos dos professores pde-se verificar que o ensino coletivo proporciona um ambiente onde os alunos podem se observar e fazer comparaes em relao ao seu desempenho no instrumento. O aluno v no colega a
imagem de uma pessoa que compartilha os mesmos objetivos, que sente as mesmas
dificuldades e que tem os mesmos anseios. Mesmo que a figura do professor seja
uma referncia para o desenvolvimento musical do aluno, o professor se encontra
em um nvel diferenciado de competncia e, diferentemente, na representao do
aluno o colega reproduz uma possibilidade real de desenvolvimento e crescimento
musical que, atravs das comparaes e observaes, constitui-se num fator a mais
na motivao do aluno. Os alunos se observam a todo momento, e desta forma vo
construindo parte dos parmetros necessrio para verificar seu nvel de desempenho.
Na interpretao do aluno esse nvel pode ser mais elevado ou inferior ao dos colegas, contudo o fato de perceber que seu nvel encontra-se abaixo dos demais, isso
no significa necessariamente que o aluno ir perder a motivao para os estudos.
Foi possvel verificar por meio desta pesquisa que estas situaes, muitas vezes,
levam o aluno a se esforar mais para atingir o mesmo nvel, e superar as dificuldades, isso funcionaria como uma espcie de competio saudvel. Mas, a ocorrncia
destas observaes precisa ser vista e observada pelo professor com bastante cautela, uma vez que, dependendo da interpretao do aluno estas observaes podem
ser convertidas numa falta de estmulo para os estudos. Tambm baseado nesta heterogeneidade, outro fato destacado a possibilidade de troca de saberes. A opinio dos professores bastante clara quanto possibilidade de aproveitar a
heterogeneidade existente no ambiente proporcionado pelo ensino coletivo para favorecer a aquisio de conhecimentos musicais. Os alunos interagem e aprendem
com o outro a todo instante, seja na observao, na troca de experincias ou na
orientao aluno-aluno.
No ensino coletivo diversos so os fatores que contribuem para a motivao do
aluno, como a oportunidade de aprender em conjunto, o fato de sentir-se parte de
um grupo musical, a atuao e o estmulo do professor e a sonoridade do grupo.
Contudo, o fator que mais se destaca por contribuir para a motivao entre os alunos, segundo o ponto de vista dos mesmos, a convivncia com os colegas, confirmando a opinio de alguns professores entrevistados. Mas, o fato de reunir um
grupo de pessoas para ministrar aulas de instrumento no significa que vai haver interao social. Este fato foi destacado por alguns professores, que chamaram ateno para a atuao do professor como facilitador do desenvolvimento das relaes
sociais entre os alunos, atuando como um mediador. Pois, como pode acontecer
em qualquer sala de aula, alguns aspectos negativos podem surgir durante as aulas
coletivas e o professor deve orientar os alunos no sentido de se desenvolver um ambiente amistoso em sala de aula, cabendo ao mesmo verificar se algum aluno est dis-
445
446
Referncias
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447
[email protected]
AMF-Arte e Cultura; UFSC-Psicologia
Palavras-chave
Formao continuada em msica; cognio musical; processos de ensinar & aprender.
Introduo
Este trabalho relata a experincia desenvolvida at o presente momento com a realizao do Curso de Formao Profissional Continuada em Msica, que um
Curso de Extenso da Antonio Meneghetti Faculdade AMF, instituio superior
de ensino situada no Distrito Recanto Maestro, no municpio de So Joo do Polsine-RS. Este curso teve incio no dia 09 de julho de 2009, sendo ministrado e
coordenado pelos professores Glauber Benetti Carvalho, Patrcia Wazlawick e Viviane Elias Portela.
A realizao deste curso de formao continuada, pelos elementos e aspectos que
aborda, de fundamental importncia no que tange abertura de espaos que vislumbrem novos olhares dentro da escolarizao formal, pois alm de suas atividades terico-prticas na rea da msica, que contribuem para a formao do
educador musical, permite que o mesmo desenvolva novos modos de visualizar e
compreender a realidade, sempre polissmica e multifacetada que se apresenta (Zanella et al., 2007).
De acordo com a Lei N 11.769, de 18 de agosto de 2008, que dispe sobre a obrigatoriedade do ensino de msica na educao bsica no Brasil, cada instituio de
ensino dever ter em seu quadro docente um profissional responsvel e que ministre essas aulas. Para tanto, necessrio aos professores generalistas (alunos do curso
supracitado) tendo em vista trabalharem os contedos de msica (prticos e tericos) com seus alunos uma capacitao na rea do ensino de msica, de modo a
expandir e ampliar sua formao continuada no conhecimento didtico-pedaggico
e musical. Portanto, em relao implementao e objetivao das atividades musicais de acordo com a obrigatoriedade do ensino de msica na educao bsica do
Brasil, este curso inscreve-se em uma modalidade de ser uma forma de estratgia
de capacitao/formao de docentes, pondo em foco a formao continuada de
professores generalistas e tambm professores que j so educadores musicais.
A msica como campo de prtica e campo de conhecimento possui extrema importncia na formao humana em geral, pois de modo dialtico age e permite o ser
humano agir com as atividades musicais nas dimenses tica, esttica e cognitiva
da vida, uma vez que ela requer a ao humana integrada entre pensamento, cognio, percepo, e esttica (Maheirie, 2001, 2003).
Tendo trs aspectos como temticas principais: lei, msica e formao, este trabalho investiga a apropriao musical em processos de ensinar-aprender de professores da rede pblica municipal, estadual e particular que participam de um curso de
formao profissional continuada em msica, curso de extenso na rea de Arte e
449
Cultura, oferecido pela Antonio Meneghetti Faculdade. Este curso tem por objetivo geral capacitar os participantes para ministrarem aulas de msica (ensino de
msica), visando desenvolver e aprimorar o conhecimento musical dos mesmos,
para estarem aptos a trabalhar com a formao musical de seus alunos.
450
O curso apresenta-se na modalidade terico-prtica-vivencial, as aulas so realizadas uma vez por semana, com carga horria total de 160h/a, tendo dois semestres
letivos de durao. O curso teve incio em julho de 2009 e finalizar seu primeiro
mdulo em junho de 2010. Vrias disciplinas so trabalhadas com os alunos, dentre elas:
a) instrumentao musical formao de repertrio e performance (prtica musical individual e de conjunto), com os instrumentos violo e flauta doce;
b) iniciao musical e musicalizao infantil;
c) teoria musical;
d) leitura e escrita musical;
e) percepo musical;
f) aspectos da histria da msica;
g) oficinas de tecnologia musical;
h) aspectos da interface entre msica, psicologia e educao musical.
Os participantes do curso so professores de educao infantil, professores generalistas de ensino fundamental, professores do ensino mdio, e educadores musicais,
seja de escolas pblicas que escolas particulares da Regio da Quarta Colnia de
Imigrao Italiana no Rio Grande do Sul. Estes participantes esto tendo no fazer
musical uma possibilidade de formao e atuao profissional, uma vez que o curso
permite capacitao e qualificao nesta rea, aprimoramento e desenvolvimento de
seu potencial como educador, e torna-os aptos a mais uma competncia no processo de ensinar-aprender, ou seja, o trabalho com o ensino na rea musical.
Consideramos que, ao trabalhar com uma proposta de formao profissional continuada de educadores musicais, que integra de forma slida os aspectos (as dimenses) da percepo, teoria e prtica no prprio educador, ele poder trabalhar
com propriedade de conhecimento primeiramente em si mesmo em sua compreenso da msica e auxiliar seus alunos em um aprendizado global de formao
musical. O processo de ensinar-aprender msica, direcionado por este vis, poder
contribuir, para a construo de uma concepo/compreenso da msica como um
campo de conhecimento. Dessa forma, alm de refletir sobre o desenvolvimento
do curso enquanto o mesmo est em andamento, esta pesquisa investiga o processo
de construo da concepo da msica como campo de conhecimento. Entrevistas
individuais com roteiro norteador esto sendo realizadas com os alunos participantes e sero apresentados os resultados obtidos.
Fundamentao terica
A msica pode ser entendida como uma forma de linguagem. Linguagem, por sua
vez, compreendida como um sistema sgnico utilizado para que duas ou mais mentes estabeleam uma ao comum, ou seja, estabeleam comunicao. Nessa trama
de processos psicolgicos a percepo se faz premissa ao fazer musical, ao mesmo
tempo que se engendra nele e a partir dele (Maheirie, 2001, 2003).
A percepo, de modo geral, direciona e orienta o estar e o sentir humano no
mundo. A percepo da linguagem musical atinge desde uma simples qualidade de
sentimento at aos altos nveis de cognio simblica. A sua mensagem no diz respeito a nada que se encontra fora da msica, ou seja, seus signos portam significados atrelados prpria estrutura musical, articulando pensamento, compreenso e
cognio de forma intensa nesse processo, ao lado de sentimentos e emoes.
Sendo assim, por meio dos processos de ensino e aprendizagem da msica emerge
e produz-se percepo, isto , o aluno pode abrir-se a uma certa percepo do
mundo, da vida e de si mesmo, uma percepo ordem das estruturas, que , em ltima instncia, percepo esttica.
Com essa nova forma de percepo possvel ao aluno ampliar sua conscincia e
criar novas vias de conhecimento no somente aquele analtico e racional, mas um
conhecimento gestltico.
Alm disso, crianas, adolescentes, jovens e adultos, no decorrer de seu percurso de
vida, vivem situaes concretas enquanto constituindo-se sujeitos, onde se d a utilizao viva da msica, que se faz presente em seu cotidiano, seja a msica de sua cultura, quanto outras musicalidades que venham a conhecer. Essa utilizao pessoal
e social ao mesmo tempo, de acordo com as implicaes com a msica em seus contextos locais de vida, onde se constroem significados e sentidos para a msica, e
onde as msicas se fazem constitutivas dos jovens enquanto sujeitos. Dessa forma,
a msica parte integrante da construo da identidade de sujeitos.
A possibilidade, neste momento histrico no Brasil, da msica existir em cada escola como parte integrante do processo de ensino e aprendizagem dos alunos da
educao bsica, um oferecimento a cada um dos alunos assim como aos professores que ministraro as aulas de terem um efetivo acesso educao musical,
e de modo concreto a todas as questes que foram discutidas anteriormente nesse
texto, e que dizem respeito relao com a msica. Neste sentido, esse processo se
torna uma ferramenta de incluso cultural e de cidadania, que democratiza o acesso
arte, e ajuda a fortalecer a cultura nacional, garantindo tambm a preservao das
razes culturais e da musicalidade brasileira.
Cabe dizer ainda que e isto j sabido - as atividades musicais permitem desenvolver habilidades cognitivas, psicomotoras, emocionais, a memria, a linguagem, a
autoestima, a autoexpresso, bem como a interao entre os sujeitos envolvidos no
451
fazer musical (Bruscia, 2000). visvel, portanto, que a msica permite expandir o
universo cultural e de conhecimentos, de modo geral, dos alunos, proporcionando
desenvolver a compreenso da multiplicidade de manifestaes artsticas e estticas,
e sua inter-relao com o desenvolvimento social e histrico de uma coletividade.
452
Nesse sentido, esse curso de formao profissional continuada em msica possibilita aos professores um enriquecimento de seu prprio background de conhecimento, assim como amplia seu campo de trabalho e atuao profissional no
momento presente nas escolas onde ministram aulas, e como projeto e possibilidades futuras de atuao. Pois, permite capacitao e qualificao profissional, aprimoramento e desenvolvimento de seu potencial como educador, e torna-os aptos
a mais uma competncia no processo de ensinar-aprender, ou seja, o trabalho com
o ensino na rea musical.
A docncia, seja ela em qual rea do conhecimento for, implica formao em vrios
aspectos, na medida em que ensinar exige bom senso, apreenso da realidade, respeito autonomia do educando, conscincia do inacabamento, curiosidade, alegria, esperana (Freire, 1997), e vrias outras condies que so forjadas na histria
de vida dos que esta atividade resolvem se dedicar. Segundo Zanella (2007):
Estas ultrapassam em muito a formao meramente tcnica, embora desta no
seja possvel prescindir. Afinal, quem ensina na verdade ensina algo para algum,
sendo reconhecido por este outro enquanto autoridade do saber na medida em
que estabelece com o objeto de conhecimento uma relao de intimidade (Zanella 2007, 144).
de arte (as objetivaes artsticas e criadoras, de modo geral), como aliadas na relao e no processo de ensinar & aprender (Camargo e Bulgacov, 2007).
Entendemos que, atravs da aproximao com as artes, a esttica pode vir a ser
um instrumento para a educao do sensvel, levando-nos a descobrir formas
at ento inusitadas de perceber o mundo. Por meio da experincia esttica o
homem desenvolve a capacidade sensvel, a percepo, construindo um olhar
que o incentiva a perceber a realidade de diversos ngulos, de diversos aspectos
(Camargo e Bulgacov, 2007, p. 187).
453
454
Segundo estas autoras, necessrio romper com este crculo vicioso que perpetua
e justifica a reproduo e os imobilismo. O rompimento com estas formas de ser e
agir possvel a partir do momento em que o professor comea a mudar sua atitude e sua postura diante de seus fazeres, quando . . .destitui-se de sua posio de
autoridade que detm o saber e transforma o aluno em mero receptor do seu saber.
Quando o professor se coloca na relao do ensinar-aprender aberto para o aprender-ensinando ele pode romper com esta reproduo (Camargo e Bulgacov, 2007,
p. 196).
Nos processos de ensinar & aprender, sejam eles quais forem, professores e alunos
devem atuar conjuntamente na possibilidade de experimentar outras formas de relaes em que o exerccio da criatividade, da atividade criadora, da criticidade, da
cognio, da imaginao, percepo e dimenso afetiva tornem-se possveis na vida
de cada um. Pois todas estas capacidades se constroem nas constantes trocas, relaes e interaes de sujeitos concretos, totais e humanos, em busca da realizao
humana como um todo.
Metodologia
Objetivos
Este curso tem por objetivo geral capacitar os participantes (professores) para ministrarem aulas de msica (ensino de msica), visando desenvolver e aprimorar o
conhecimento musical dos mesmos, para estarem aptos a trabalhar com a formao
musical de seus alunos.
Como objetivos especficos do curso, pode-se destacar que a proposta est destinada a:
Desta forma, salientamos que os professores que participam deste curso sero capacitados na formao destas competncias e habilidades, de modo a objetiv-las em
si mesmos, primeiramente, para poderem gradualmente trabalh-las junto a seus
prprios alunos na prtica cotidiana dos processos de ensinar & aprender.
455
456
Consideraes finais
A realizao e os resultados obtidos com o Curso de Formao Profissional Continuada em Msica, conforme apresentado neste trabalho, mesmo considerando
que a pesquisa no est encerrada, ou seja, est em fases de andamento, at o momento demonstra que aes como esta so exemplos de possibilidade de estratgia
de capacitao/formao de docentes, pondo em foco a formao continuada de
professores generalistas e tambm professores que j so educadores musicais, para
a implementao e objetivao da lei que dispe sobre a obrigatoriedade do ensino
de msica no Brasil.
Esta ao no deve ser uma ao isolada, mas uma ao que possa tambm servir de
exemplo a demais grupos de professores, instituies de ensino, parceria entre es-
1 Informao verbal de curso, a respeito das oficinas estticas desenvolvidas junto de professores. Data: 11/03/2005, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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457
O Aprendizado de Msica
por Crianas com Necessidades Educacionais Especiais
Joana Malta Gomes
458
[email protected]
Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Msica UNIRIO
Resumo
Considerando o conceito de necessidades educacionais especiais como uma forma de
apontar a demanda de alunos em funo de um aprendizado especfico em determinado
contexto, o que seria uma necessidade educacional em msica? Se a criana chega escola portando alguma deficincia, seja ela de ordem fsica, sensorial ou cognitiva, na
atual proposta de educao inclusiva, a escola deve se preparar para atender esta criana
em todas as necessidades que ela possa apresentar. Uma vez estabelecida obrigatoriedade do ensino de msica na escola regular, o professor de msica tambm deve
estar preparado para o processo de incluso de crianas com necessidades educacionais na aula de msica. Quais sero as dificuldades em msica que uma criana com deficincia intelectual pode apresentar. Qual a potencialidade musical de uma criana
deficiente? Que papel a msica pode representar no processo de incluso dessa criana
como um todo? Estas so algumas questes apresentadas neste ensaio que procura no
s refletir sobre a educao inclusiva em msica, mas tambm sobre o prprio desenvolvimento musical humano, colocando em evidncia duas sndromes: o autismo e a
sndrome de Williams como um paradoxo para as possibilidades de aprendizado e desenvolvimento de habilidades musicais.
Introduo
Diante da atual proposta de Educao Inclusiva e da obrigatoriedade do ensino de
msica na escola regular, venho por meio deste artigo, levantar algumas questes
sobre o aprendizado de msica por crianas pequenas com necessidades educacionais especiais includas em aulas regulares de msica na escola de educao infantil.
Glat e Blanco (2009) definem as necessidades educacionais especiais como aquelas
apresentadas pelos alunos com diferenas qualitativas no desenvolvimento com
origem nas deficincias fsicas, motoras, sensoriais, e/ ou cognitivas, distrbios psicolgicos e/ ou de comportamento (condutas tpicas), e com altas habilidades
(p.26). No contexto da Educao Inclusiva, em que todas as crianas devem ser includas no ensino regular, independente de suas condies socioeconmicas, raciais,
culturais ou de desenvolvimento (p. 16), o estudo do processo de ensino e aprendizado deste grupo heterogneo de crianas com necessidades educacionais especiais
necessrio tambm no que diz respeito ao aprendizado de msica. Como aponta
Fernandes (1998) diversos pesquisadores da rea de psicologia da msica j vm
desenvolvendo pesquisas sobre o desenvolvimento musical de crianas pequenas.
Entretanto no evidenciado nestas pesquisas o desenvolvimento musical de crianas com necessidades especiais.
O estudo da relao entre a msica e crianas deficientes ainda est mais voltada
para o campo da musicoterapia, cuja abordagem no ser contemplada neste ensaio, uma vez que a educao musical inclusiva e a musicoterapia divergem em um
ponto principal: seus objetivos. Enquanto a musicoterapia usa a msica como recurso teraputico, seja na busca de satisfao, da sade fsica, da adaptao social ou
at mesmo da cura (Bruscia, 2000, citado por Chagas, 2008, p. 46); a educao musical para crianas com necessidades educacionais especiais visa o aprendizado de
msica por meio de uma transformao qualitativa a cerca do conhecimento em
msica como acredito ser o objetivo da educao musical de uma forma geral.
Sacks (2007) em um estudo sobre a msica e o crebro faz referncias s habilidades musicais adquiridas por crianas com comprometimento do lado esquerdo do
crebro e que chegam a se tornar savants musicais. O autor tambm relata casos de
pessoas com sndrome de Willians consideradas como hipermusicais, dentre outras caractersticas, mas com deficincias cognitivas. Estes exemplos mostram certa
desproporcionalidade do desenvolvimento musical em relao ao desenvolvimento
cognitivo. Isto abre um caminho para o aprendizado de msica na escola como atividade de grande importncia no processo de incluso de criana com necessidades
educacionais especiais.
importante em um primeiro momento entender o que significa necessidade educacional especial. Como Glat e Blanco explicam,
necessidade educacional especial no uma caracterstica homognea fixa de
um grupo etiolgico tambm supostamente homogneo, e sim uma condio individual e especfica; em outras palavras, a demanda de um determinado aluno
em relao a uma aprendizagem no contexto em que vivida. Dois alunos com o
mesmo tipo e grau de deficincia podem requisitar diferentes adaptaes de recursos didticos e metodolgicos. Da mesma forma um aluno que no tenha
qualquer deficincia, pode, sob determinadas circunstncias, apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que demandem apoio especializado
(Glat e Blanco 2009, p. 26-27, grifos dos autores).
459
Desenvolvimento infantil
e necessidades educacionais especiais
Henri Wallon, em sua tese de doutorado baseada em 214 observaes de crianas
internadas em instituies psiquitricas defendida no ano de 1925, contribui no
apenas para uma maior compreenso do comportamento de crianas com diferentes distrbios mentais, como tambm para o prprio entendimento do desenvolvimento infantil, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento
emocional e motor. Naquela poca, crianas especiais eram internadas e no tinham oportunidade educao, principalmente as que apresentavam distrbios
do comportamento. Mas a busca de Wallon no se limitou em compreender a
criana turbulenta, mas em refletir sobre o prprio desenvolvimento infantil. Wallon explica no prefcio de seu livro A evoluo psicolgica da criana as mudanas
ocorridas no campo da psicologia da criana, do ponto de vista da pesquisa e sua relao com a educao.
Foram as necessidades e a prtica que primeiro fizeram perceber um desacordo
fundamental entre realidade e os esquemas utilizados para explicar as operaes
psquicas. Foram problemas pedaggicos que incitaram a buscar outros procedimentos para avaliar e utilizar as foras do desenvolvimento psquico da criana
[. . .]. Por ter preconizado o acordo entre a mais livre expresso de todas as energias em potncia na criana e no meio, um educador filsofo como Dewey, embora no fosse propriamente psiclogo, abriu caminho, no s para inmeros
ensaios prticos de educao, mas tambm para estudos sobre as necessidades de
atividade na criana e sobre a influncia que ela sofre dos meios em que se encontra (Wallon 2006, p.4).
mesmo nas neurocincias, pouco ainda se sabe sobre o limite de aprendizado e desenvolvimento de crianas com diversas anomalias ou transtornos do desenvolvimento. Glat, baseada na contribuio de Murray Sidman (1970), afirma que em
termos empricos no existe at hoje mtodo de avaliao que possa dizer com preciso se uma criana ou adulto deficiente est funcionando ao seu mximo potencial (Glat 2006, p. 43).
Quando o desenvolvimento de uma criana ocorre de forma padro, acredita-se
ser possvel estabelecer um prognstico quanto escolaridade de tal criana; afinal
de contas, todo sistema educacional construdo acreditando que as crianas correspondero a cada etapa estabelecida. Entretanto, quando qualquer alterao aparece no curso de seu desenvolvimento e a criana passa a apresentar um dficit, ou
seja, uma deficincia orgnica que se manifesta pela falta de alguma habilidade ou
caracterstica comum a maioria dos seres humanos, o prognstico escolar fica pelo
menos em suspenso. Por outro lado, so as diferenas no desenvolvimento da
criana que podem anunciar a presena de alguma patologia, e quanto mais cedo um
diagnstico feito, mesmo sem prognstico ainda, mais cedo possvel intervir e
em alguns casos evitar conseqncias futuras, principalmente no que diz respeito
aos distrbios de ordem motora (Willrich et al 2008).
Os estudos de Wallon serviram justamente para compreender a relao entre o funcionamento da atividade nervosa e da atividade psquica, como Tran Thong explica
a partir da tese de Wallon:
A atividade nervosa de natureza eltrica e qumica, mas a ela est ligada por natureza a atividade psquica, o que os progressos da neurologia e da psicologia
no cessam de confirmar. As funes nervosas so funes do organismo, da
mesma maneira como funes psquicas e vegetativas. Mas no so imediatamente eficientes como estas duas ltimas, que asseguram umas a vida interna
do organismo e as outras suas relaes com o mundo circundante (Tran Thong
2007, p. 11).
Acredito que o entendimento, ou mesmo a constatao de que at mesmo o psiquismo humano de natureza orgnica de suma importncia, principalmente
para entender a criana com necessidades especiais, pois seu comportamento atpico
no se justifica apenas em conseqncia do seu desenvolvimento psicolgico como
j se pensou anteriormente, mas sim pela existncia de disfunes orgnicas no
sistema fisiolgico desses indivduos (Fernandes et al, 2009, p. 157). Entretanto,
Wallon no s destaca a natureza orgnica de certas deficincias que atingem o desenvolvimento da personalidade da criana, mas tambm como tal desenvolvimento funcional acontece a partir da relao da criana com seu meio. Pereira
explica:
Na concepo gentica, histrica ou biogrfica da vida psquica defendida por
Wallon, todos os domnios funcionais, isto , percepo, motricidade, ao, afetividade, inteligncia, caminham para se integrarem. O plo biolgico fornece
461
as condies de base neurolgica para a vida mental, por sua vez, no consegue
se desenvolver sem o meio sociocultural, ou seja, interpessoal e de valores, hbitos, tradies, tcnica, conhecimentos, enfim, tudo que compe a vida cultural
das sociedades, dos grupos humanos (Pereira 1995, p. 26).
462
Portanto ao mesmo tempo em que podemos entender as alteraes de comportamento da criana com deficincia a partir de uma anlise das disfunes orgnicas
provocadas por determinadas patologias, podemos tambm considerar que tal deficincia em si no a condio para as necessidades educacionais especiais, pois
estas esto circunscritas relao entre a criana e seu meio.
Necessidades educacionais especiais, portanto, so construdas socialmente, no
ambiente de aprendizagem, no sendo, portanto, conseqncias inevitveis da
deficincia ou do quadro orgnico apresentado pelo indivduo. [. . .] Isto no
significa, certamente, negar que existam condies orgnicas que tornem o sujeito mais propenso a encontrar dificuldades para aprender. O aspecto que queremos reforar que uma necessidade educacional especial no se encontra na
pessoa, no uma caracterstica intrnseca sua, mas sim um produto de sua interao com o contexto escolar onde a aprendizagem dever se dar (Glat e
Blanco 2009, p.28).
isso no preciso ser especial. A criana por si s j um ser diferente. O seu comportamento se diferencia do adulto justamente por ser criana e ainda no possuir
o aparato biolgico e psquico desenvolvido suficientemente para poder compreender todas as regras sociais necessrias para convivncia em grupo. Wallon faz
crticas maneira como o adulto percebe a criana sempre do seu ponto de vista.
O egocentrismo do adulto pode enfim se manifestar por sua convico de que
toda evoluo mental tem por fim inelutvel seus prprios modos de sentir e de
pensar, os de seu meio e de sua poca. Por outro lado, caso acontea de ele reconhecer que os modos da criana so especificamente diferentes dos seus, no
lhe resta outra alternativa seno consider-los uma aberrao (Wallon, 2006,
11)
463
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Uma vez includas em turmas regulares, todas as pessoas em contato com essas
crianas tero que se adaptar sua maneira diferente de ser. O professor ter que
aprender a lidar com a criana especial e com as reaes das outras crianas diante
das alteraes de comportamento que a criana com condutas tpicas possa apresentar. Trata-se de uma srie de circunstncias imprevisveis tanto do ponto de vista
da criana deficiente como do resto do grupo.
Como explicar para as outras crianas esta liberdade que a criana especial tem de
ficar alterada? Se a criana especial pode, por que as outras no? Sabemos que
criana especial no pode, mas precisa, devido a sua condio orgnica, reagir de tal
forma. Sua alterao de comportamento faz parte da sua necessidade educacional especial, a forma como os outros iro lidar com ela o que vai possibilitar sua incluso ou no no contexto escolar. Afinal, justamente no espao social da escola que
a criana poder aprender a controlar seus impulsos e se adaptar ao meio social.
Para as outras crianas da turma dever haver uma orientao que justifique por
que a criana especial pode se levantar, batucar ou se mexer incessantemente. Se
nos voltarmos para o ambiente da aula de msica, qual ser o limite de movimentao de uma criana especial com esses automatismos ou impulsos motores? Como
permitir a liberdade de expresso motora das crianas de uma forma geral sem comprometer o limite pessoal de cada um?
O que procuro chamar a ateno para o fato de que, do ponto de vista da aula de
msica, principalmente para crianas pequenas, a liberdade de expresso motora
da criana imprescindvel para o aprendizado de msica. O nico recurso que o
professor tem para acompanhar o desenvolvimento musical de seus alunos por
meio de seu comportamento musical, que implica no somente no ato de cantar ou
tocar um instrumento, mas em toda sua expresso motora, (ou seja, suas reaes
motoras ou movimentos suscitados a partir do estimulo produzido pelas atividades
musicais em aula). Inibir a liberdade de movimentao da criana em uma aula de
msica inibir sua expresso motora e consequentemente sua expresso musical.
A experincia musical vivenciada no corpo e por meio do corpo, seja atravs das
mos que dedilham um instrumento de cordas ou percutem um tambor, do sopro,
ou mesmo do canto; o que est em jogo so funes motoras associadas s perceptivas (Godinho 2006, 355-360). Dar limites ao comportamento de qualquer criana
seja ela especial ou no, pode, de certa forma, limitar suas possibilidades de expresso musical.
De uma forma geral, na educao infantil sempre impreciso o limite entre a liberdade de expresso motora da criana e a conduta adequada. Isso fica mais delicado no caso das crianas que apresentam condutas tpicas, pois o estmulo
promovido pela aula de msica pode justamente desencadear automatismos, estereotipias ou mesmo fobias. O que no quer dizer que o aprendizado de msica seja
inadequado para crianas nessas condies. Na verdade o que vou mostrar aqui
justamente o contrrio.
O sucesso da incluso est tanto na oportunidade do aluno especial de aprender e
se desenvolver como as demais crianas, como no seu processo de socializao e
aceitao no grupo. claro que, uma vez que a criana especial est includa, toda
a comunidade escolar tem que aceitar seu comportamento e sua maneira de ser
dentro dos limites de cada indivduo. O problema a necessidade de encontrar justificativas para as possveis liberdades de conduta que criana especial precisa ter
devido justamente sua necessidade especial. Dar oportunidade criana especial
de ser como e se expressar da maneira que pode abrir espao para que todas as
crianas tenham a mesma liberdade e a requisitem perante a escola. De outra forma,
seria preciso justificar ou desculpar o comportamento no padro da criana especial como sendo especial voltando assim condio de estigma. Em uma escola de educao infantil, onde crianas pequenas esto justamente aprendendo a
perceber o outro e a reconhec-lo e respeit-lo pelas suas diferenas, como admitir
a estigmatizao da criana especial para justificar suas necessidades?!
Fica claro que no processo de incluso de uma criana com necessidades educacionais especiais no apenas esta criana precisar de adaptao ao meio escolar, mas
tambm toda a escola e principalmente as crianas e professoras que lidam diretamente com ela tero que se adaptar a sua forma de ser (Glat e Blanco, 2009). Na verdade, acredito que seja preciso toda uma reformulao da dinmica de aula para
que as deficincias da criana especial no sejam as nicas caractersticas a se destacarem no convvio social.
nesse aspecto que coloco a aula de msica como um ambiente propcio para a socializao e valorizao da criana especial. Alm das potencialidades musicais que
tais crianas possam apresentar (como ser visto mais adiante), a aula de msica
pode ser estruturada de forma a propiciar que no s a criana especial tenha a liberdade de expresso motora (mesmo que por meio de seus impulsos ou automatismos), mas tambm todas as crianas: como uma forma de se comunicar, cujo
limite de expresso se encontra apenas no seu prprio corpo e no corpo do outro.
De certa forma a aula de msica na educao infantil pode ter tambm um efeito
de catarse, assim como a prpria prtica musical enquanto arte o (Vigotski 2004,
340). Entretanto esta tarefa no fcil.
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Acredito que o sucesso no processo de incluso de crianas com alguma deficincia, seja ela, fsica, mental ou sensorial, etc., depende da compreenso do professor
acerca das caractersticas peculiares deste aluno com necessidades educacionais especiais. Na minha experincia enquanto professora de msica de crianas e jovens
com diversas deficincias (que nem sempre se enquadravam em um diagnstico fechado) percebi que algo me escapava na compreenso que eu tinha dessas pessoas.
Por que certos alunos entravam na sala e ficavam de olhos fechados? Outros repetiam as mesmas palavras ou frases sem parar? Alguns no paravam quietos nem um
segundo? E mais aqueles que apenas riam de qualquer coisa sem importncia?
Era uma infinidade de comportamentos variados que me desafiavam como professora. Mas eu aceitei o desafio e aos poucos fui conhecendo a personalidade de cada
aluno, suas caractersticas, ambies, suas habilidades musicais, mas tambm suas limitaes. Conhecer e aprender sobre as necessidades desses alunos tem sido uma
busca incansvel na tentativa de poder compreender seus comportamentos e aperfeioar minha prtica pedaggica.
Na busca de um referencial terico sobre as potencialidades musicais de crianas especiais me deparei com duas sndromes bastante intrigantes: o autismo e a sndrome
de Williams. Minha inteno ao apresentar neste ensaio estas duas sndromes especficas se deve em parte, pela contradio que elas apresentam entre si, mas principalmente, pela contradio entre desenvolvimento musical e intelectual,
desafiando a nossa compreenso de como o crebro processa a msica. Outro motivo que essas duas sndromes se enquadram no quadro de condutas tpicas (Fernandes et al 2009, 156).
Sacks (1995) em seu livro Um antroplogo em Marte: sete histrias paradoxais descreve fantsticas histrias de pessoas com autismo, entre outras. Em um dos captulos dedicado aos prodgios ele relata casos de savantismo em msica
apresentados por pessoas autistas. O primeiro caso que ele apresenta o de Tom
descrito em 1862, um cego que desde pequeno, dada a oportunidade, demonstrou
grandes habilidades musicais ao piano. J o outro caso o de um menino chamado
Stephen, que desde pequeno apresentou notvel talento para o desenho, pelo qual
foi reconhecido inmeras vezes por meio de exposies e publicaes artsticas, mas
sem nunca ter evidenciado nenhum talento especial para msica. Entretanto, em
meio a sua adolescncia, ele apresentou subitamente imenso talento para interpretao e improvisao musical ao piano.
No caso de Tom, apesar de considerado em sua poca como idiota ou imbecil, as
descries de seu comportamento pelo mdico francs Edouard Sguin, apontam
para caractersticas do autismo que, como afirma Sacks, s foi identificado nos
anos 40 deste sculo, e no era uma palavra, nem mesmo um conceito, na dcada de
1860 (Sacks 1995, 200).
O autismo foi descrito quase que simultaneamente por Leo Kanner e Hans Asperger nos anos 40, mas o primeiro parecia v-lo como um desastre consumado,
enquanto o segundo achava que podia ter certos aspectos positivos e compensatrios uma originalidade particular de pensamento e experincia que pode
muito bem levar a conquistas excepcionais na vida adulta (Sacks 1995, 253254).
Sacks comenta adiante que tais diferenas de pontos de vista entre os dois cientistas diziam respeito particularidade dos casos por eles estudados. O autismo pode
vir ou no associado a um quadro de retardamento, o que influenciar mais ou
menos negativamente no seu prognstico. Entretanto, o retardamento (associado
ao lado esquerdo do crebro) de certa forma propicia uma compensao do lado direito do crebro e at mesmo uma anmala dominncia do hemisfrio direito em
vez da usual dominncia do hemisfrio esquerdo (Sacks 2007, 157) o que justificaria por que algumas pessoas com retardo mental podem apresentar habilidades savants. Sacks explica:
Uma caracterstica na verdade, a caracterstica definidora das sndromes savant a intensificao de certas capacidades juntamente com uma deficincia ou
subdesenvolvimento de outras. As capacidades que so intensificadas nos savants so sempre de tipo concreto, ao passo que as deficientes so abstratas e
com freqncia lingsticas. Muito j se especulou como pode ocorrer tal conjuno de foras e fraquezas (Sacks 2007, 156).
Com a descoberta do autismo, percebeu-se que a maioria dos idiot savants eram na
verdade autistas. A incidncia de savantismo entre os autistas quase dez por
cento era praticamente duzentas vezes maior que na populao de retardados e
milhares de vezes maior que no resto dos homens. Entre os talentos percebidos
nos savants autistas, estava os musicais, mnemnicos, visuais e grficos, de clculo
e assim por diante (Sacks 1995, 204-205). Diante desses dados no resta dvida
que habilidades musicais podem existir independentes do retardo mental que a
criana possa apresentar. Entretanto no se sabe como exatamente a criana autista
desenvolve tais habilidades.
O outro lado da prodigiosidade e da precocidade, a no-infantilidade, dos talentos savant que eles no parecem se desenvolver como talentos normais. J
esto totalmente formados de sada. [. . .] Os talentos savant lembram de certa
forma mecanismos preparados de antemo, predispostos e prontos para disparar (Sacks, 1995, p.234).
Apesar de Sacks enfatizar que o os talentos savants parecem j vir prontos e que
normalmente despontam na tenra idade, o caso do menino Stephen descrito por ele
mostra uma contradio, pois Stephen s foi desenvolver a habilidade musical aos
dezenove anos, quando teve o interesse e a oportunidade, como possivelmente im-
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Quanto ao desenvolvimento musical de crianas autistas, s se pode saber por aqueles que tenham a possibilidade de acompanhar e analisar o envolvimento da criana
com a msica ao longo de sua infncia. Ao ler toda a histria de Stephen descrita
por Sacks, fica claro que muito pouco percebido dos seus interesses musicais (uma
vez que sua habilidade de desenhar j chamava toda a ateno). Para Stephen sempre foi dado papel e lpis, pois era somente isso que ele conseguia pronunciar
quando criana. Em vrias passagens da narrativa de Sacks aparece o uso do walkman por Stephen e sua capacidade de cantar as msicas de Rain Man, seu filme
preferido. Talvez tenha levado dezenove anos para que Stephen pudesse demonstrar seus desejos e interesses. Outra curiosidade que, apesar do autismo, o desenvolvimento geral de Stephen parece ter sido de certa forma normal, pelo menos no
que diz respeito adolescncia que pode ser percebida pelos outros por meio de
comportamentos tpicos dessa fase do desenvolvimento humano assumidos por
Stephen, mesmo que talvez um pouco tardiamente (Sacks 1995, 239).
Para a criana autista que tem profundas dificuldades de comunicao, o estimulo
ao aprendizado e desenvolvimento de habilidades, quaisquer que sejam elas, depende das pessoas que a cercam. Esta condio nos leva de volta ao papel da educao escolar como de suma importncia para o desenvolvimento dessas crianas,
pois no contato com outras crianas e no estimulo comunicao e ao aprendizado que a criana autista poder superar as limitaes impostas pela sua deficincia. Stephen, apesar de sua deficincia, pode por meio de sua arte ter uma vida mais
digna, mesmo que ainda no autnoma (Sacks 1995, 251).
Se a criana autista tem como caractersticas principais a deteriorao da interao
social com os outros, da comunicao verbal e no verbal e das atividades ldicas
(Sacks, 1995, 254), o portador da sndrome de Williams se caracteriza justamente
pelo contrrio.
A sndrome de Williams foi descoberta em 1961 por J.C. P. Williams, e quase que
simultaneamente e independente por J. Beuren et. al. rarssima (uma para cada
dez mil) e se caracteriza por defeitos no corao e nos grandes vasos, conformaes
faciais singulares e retardamento (Sacks, 2007, 307). Em 1964 Arnim e Engel, citados por Sacks, observaram um perfil curiosamente desigual de habilidades e incapacidades. Eles perceberam que apesar do retardamento que sugere uma
deficincia intelectual geral e global, que prejudica a habilidade da linguagem juntamente com todas as outras capacidades cognitivas (Sacks 2007, 307), tais crianas apresentavam um comportamento cordial e extremamente social, uma enorme
capacidade de comunicao e um surpreendente desenvolvimento da linguagem,
alm de grande sensibilidade para ler as emoes e o estado de esprito dos outros
(Sacks 2007, 308).
No que diz respeito msica, as pessoas com sndrome de Willians parecem realmente impressionar; so to envolvidas com msica que os pais de uma criana
com sndrome de Williams criou um acampamento de msica onde pessoas portadores dessa sndrome pudessem se encontrar e fazer msica, alm da oportunidade de tambm aprenderem msica em aulas regulares no prprio acampamento
(Sacks, 2007, 312). Sacks cita a descrio de Bellugui e Levitin em uma visita a um
desses acampamentos.
Os indivduos com sndrome de Williams mostravam um grau incomumente
elevado de envolvimento com a msica. Esta parecia ser no s uma parte muito
profunda e rica de sua vida, mas um elemento onipresente [. . .] Esse envolvimento com a msica incomum em populaes normais. [. . .] Raramente encontramos esse tipo de imerso total, mesmo entre msicos profissionais (Sacks
2007, 313-314).
Bellugui e Levitin se dedicaram a entender o porqu de caractersticas to contrastantes nos portadores da sndrome de Williams. Eles examinaram o crebro desses
indivduos e chegaram concluso de que o funcionamento cerebral ocorre de
forma diferente das pessoas normais. Tambm descobriram que as pessoas com
sndrome de William processavam a msica de modo muito diferente, comparado
a um grupo de pessoas normais e outro de msicos profissionais (Sacks 2007, 315).
Consideraes finais
Diante de tais fatos, constata-se que ainda difcil definir com se d o desenvolvimento musical no ser humano. O que se sabe que a msica est presente na vida
de todos os indivduos de qualquer cultura e acessvel at mesmo para os portadores de deficincias mentais, como alguns casos ilustrados aqui puderam mostrar.
Eu nunca tive a oportunidade de conhecer de perto uma criana com sndrome de
Williams, em contraposio s crianas autistas. As contribuies de Oliver Sacks
so sem dvida importante para compreenso da mente e personalidade humana
uma vez que ele faz questo de apresentar em seus estudos sobre o crebro a dimenso humana do ser. Sem falar nas contribuies que o autor oferece a ns pesquisadores por compartilhar seus estudos de caso e reflexes. Entretanto para poder
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[email protected]
Doutoranda em Educao
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN
Resumo
Viver conhecer! Conhecer viver! Abandonando a concepo dualista e linear reconhecemos a dinmica circular do aprender vivendo e viver aprendendo. Este trabalho reflete sobre os processos de ensinar e aprender msica reconhecendo a natureza do ser
aprendente, que biolgica, psicolgica, social, afetiva, cultural e espiritual que no se
fragmenta ao vivenciar os processos de ensinar e aprender msica. Para esta investigao reconhecemos a organizao autopoitica como caracterstica do ser vivo, pois
existimos como animais em nossa corporalidade molecular, vivendo como tal em nossos processos fisiolgicos, em nossa auto-organizao. Sendo sociais, vivemos e interagimos com o meio, e nesse fluir energtico nossas mudanas estruturais se processam.
Em nosso modo de viver vamos interagindo como o meio, com os outros seres, e aprendendo a partir de nossas vivncias revelando em nossa corporeidade nossos saberes.
Procuramos neste momento desenhar uma partitura do fazer musical a partir das Teorias da Autopoiese, de Maturana e Varela; da Teoria do Fluxo, de Csikszentmihalyi; em
consonncia com os Pressupostos da Corporeidade. Em nossa investigao sobre os
processos de ensinar e aprender msica nos envolvemos em vivncias musicais, na autopoiese e estado de fluxo, apreendendo msica sentindo, brincando, criando, pensando
e humanescendo. Compreendendo a Ludopoiese como a capacidade de criar condies de autoproduo da alegria de viver, investigamos a aprendizagem musical pela vivncia, pelo prazer em fazer, pela atitude ldica. Envolvidos em uma Educao Musical
que quebra os paradigmas de instruo, seleo e performance reconhecemos o educando como protagonista dos processos de ensinar e aprender msica, percebendo-o
como o ser que se (re)cria a cada momento, que aprende no compartilhar, que vivencia
a msica no prazer. Assim, os Processos Ludopoiticos se revelam no vivenciar a msica,
j que possibilitam a auto-organizao do ser, pois ao vivenciar a msica aprende, e
aprende vivenciando a msica.
Palavras-Chave
Educao Musical; Corporeidade; Autopoiese; Ludopoiese.
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Nesta teia temos trs princpios centrais: o brincar, o criar e o sentir, e vivenciamos
a Educao Musical na Escola com atitude ldica, promovendo em sala de aula o
jogo de fazer msica. Neste jogo nos despimos da utilidade da msica ou de seus benefcios para o educando. Nossa prtica musical jogo, deleite, encantamento.
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rana e Varela (1997), que cunharam o termo Autopoiese na descrio da teia da vida,
designando a capacidade do seres vivos de se autoproduzirem. A teoria mostra que
o ser vivo um sistema autopoitico, caracterizado pela circularidade de suas produes moleculares, j que as molculas produzidas geram a partir de suas interaes a mesma rede de molculas que as produziu. Enquanto sistema autnomo, os
seres vivos esto constantemente se autoproduzindo e autorregulando em suas interaes como o meio, que desencadeia mudanas determinadas em sua prpria estrutura. Assim, o viver a realizao, sem interrupo, dessa dinmica em uma
configurao de relaes que se conserva em um contnuo fluxo molecular (Maturana 1997, 16).
Encontramos o conhecimento nestas relaes, neste ciclo autopoitico. Crendo em
um corpo vivo, que como nos diz Demo (2006), no pode ser manipulado como
uma mquina inerte, uma engrenagem em que depositamos sistemas, o conhecer se
processa na coletividade, nas interaes, j que:
A aprendizagem como um fenmeno de transformao do sistema nervoso associado a uma mudana condutual, que tem lugar sob manuteno da autopoiese,
ocorre devido ao contnuo acoplamento entre a fenomenologia estado-determinada do sistema nervoso e a fenomenologia estado-determinada do ambiente
(Maturana e Varela 1997, 132).
Ainda de acordo com a teoria Autopoitica de Maturana e Varela podemos observar o ser biolgico, que se entrega inteiro em suas experienciaes, com sua corporeidade. Todas as nossas aes so fundadas no sentir e flumos de acordo com
nossas emoes, com o vivido, e de maneira mpar aprendemos a partir dessas interaes, e vemos assim que o conhecimento no pode ser imposto de fora para
dentro, mas deve ser vivenciado, em sua plenitude, em sua corporeidade.
Jogando com a msica, sem a pretenso de transformar estes momentos em produes ou virtuosismos, nos entregamos aos processos de aprender msica jogando
com a msica (Huizinga 2005). Nesses processos que envolvem a vivncia musical
nos encontramos constantemente em estado de fluxo. A Teoria do Fluxo, desenvolvida por Csikszentmihalyi (1992, 17) nos elucida sobre a experincia mxima,
que o autor define como aquele estado no qual as pessoas esto de tal maneira mergulhadas em uma atividade que nada mais parece ter importncia. Neste estado do
fluir nos encontramos plenamente envolvidos, e fazemos acontecer o momento,
que mesmo com esforo e dificuldades nos levam ao estado de fluxo.
Ao fluirmos, ainda de acordo com o autor, nossa conscincia est organizada de
forma harmoniosa, e desejamos continuar neste estado, nos satisfazendo com o
fazer. Esta entrega ao momento vivido construda pela ao da ateno ao realizar,
quando o ser investe esforo para atingir suas metas.
O autor relaciona diretamente o estado de fluxo com a melhora de qualidade de
vida, e nos diz que desfrutar msica nos leva a experincias timas. Quando ele nos
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fala: no ouvir que melhora a vida e sim o escutar (Csikszentmihalyi 1992, 161),
podemos ainda acrescentar que no s o escutar que melhora a vida, mas sim vivenciar a msica. Na vivncia musical despertamos nossos sentidos, no apenas escutando, mas sim compartilhando o fazer musical, no desfrute em realizar, no
deleite em apreciar.
Assim, envolvidos nas vivncias musicais apreendemos msica brincando, criando
e sentindo. Estes processos, que se fazem vivncia e aprendncia musicais acontecem a partir de processos pedaggicos e tem uma caracterstica especial. Tal caracterstica o Processo da Ludopoiese.
A Ludopoiese se encontra na vivncia, fenmeno. A Ludopoiese a capacidade
de criar condies de autoproduo da alegria de viver. Tal conceito pautado na
teoria da Autopoiese, pois o homem vive no conhecimento e conhece no viver e
a Ludopoiese entende a ludicidade humana auto-organizada pelo sujeito.
Etimologicamente, a palavra ludicidade tem sua raiz no latim ludo que pode ser
traduzida como brincar. Na incluso dos jogos, brinquedos e estratgias que vivenciamos atividades ldicas. Para Luckesi (2005) o fenmeno da ludicidade foca
a experincia ldica como uma experincia interna do sujeito que a vivencia (Luckesi 2005, 1), e nestes processos vivenciamos o fazer musical com esprito ldico.
Compreendemos a Ludopoiese como fenmeno da autoproduo da alegria de
viver. Sendo um sistema vital e contnuo do ser humano acontece na interao do
sujeito com o meio, com o outro, com a qualidade ldica de seus fazeres.
Assim, comungamos com uma escola que valoriza a ludicidade do ser, a entrega incondicional aventura de aprender, entendendo a ludicidade na escola no como
ferramenta ou instrumento de incentivo na busca de novos elementos para o fazer
escolar, mas sim de um estado de plenitude do ser ao fazer, j que no estamos falando, em si, das atividades objetivas que podem ser descritas sociolgica e culturalmente como atividade ldica, como jogos ou coisa semelhante. Estamos, sim,
falando do estado interno do sujeito que vivencia a experincia ldica (Luckesi
2005, 6). E nesta aventura ldica as propriedades da Ludopoiese se revelam em nossos fazeres, em nossas reflexes, em nossa entrega.
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com o outro e consigo mesmo. Neste ambiente estamos imbricados material, cognitiva e energeticamente na brincadeira do fazer msica, de compor, de trabalhar
na coletividade.
Podemos chamar o brincar de processo autopoitico, j que em nossas aes musicalizadoras nos envolvemos com o outro e com o entorno, provocando perturbaes em nossas estruturas, modificando nossos fazeres, nos envolvendo plenamente
em nossas realizaes. Aprendemos msica pelo processo do viver e brincar na msica, pela conectividade com o ambiente, com o fazer musical.
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educando, sua relao com o entorno, em uma proposta de viver dias melhores. A
Educao Musical tambm desvalorizada neste processo, no sendo acolhida
como importante cincia a ser aprendida, e temos assim um componente curricular na escola que busca seu lugar enquanto linguagem a ser apreendida por todos.
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Consideraes
Os Processos Ludopoiticos so revelados na corporeidade do ser, em suas aes,
em seus fazeres na msica. O esprito ldico que move os homens e as culturas
penetra no ser em suas aes quando nos permitimos entender a brincadeira como
vida, como a arte da vida.
Desta forma, defendemos a ludicidade como fundamental no processo de produo de conhecimento, e comungamos com Cavalcanti e Sampaio (2008, 7) ao afirmarmos que jogar viver e viver jogar. Joga-se com o corpo, com a alma e com o
esprito. E neste jogar vivendo ludicamente a msica aprendemos compartilhando
nossas emoes e fazeres com o outro, em uma sintonia harmoniosa que irradia luminosidade, e de forma recursiva alimenta a prpria fonte, e como nos dizem as
autoras ao mesmo tempo expande essa luminosidade da alegria de viver para o seu
entorno, para todos os seres sua volta.
E neste humanescer vivemos imbricados nestas relaes energticas com nossos
educandos, captando com lentes sensveis os momentos vividos, as descobertas, o
olhar, o desejo, a angstia e o contentamento. Fazemos uma (re)leitura de nossa
realidade, e se muitas vezes vemos o no palpvel, pela convivncia, pelo conhecer que vemos cada sujeito enquanto um ser em formao, em contnuo processo
de viver e conhecer.
E por meio dessas lentes podemos afirmar que nossos objetivos so alcanados na
aprendncia musical. Podemos ratificar que nossos educandos apreendem msica,
reconhecem signos musicais, so capazes de executar msica em grupo, e demonstram conhecimento sobre a histria da msica, estilos e estrutura musicais vivem
a msica na Ludicidade.
Vemos que o processo muito mais importante que o desempenho dos educandos
na apresentao ou performance. Nos encantamos com o fazer musical em seus
movimentos e rodopios e percebemos o discurso de nossos educandos que se manifestam nas descobertas que atendem seus desejos, interesses e necessidades. Assim
colaboramos para a formao do ser na educao, pois aprender msica sentir a
msica, ter a oportunidade de brincar com a msica, e (re)cri-la, onde o ser protagonista do fazer musical. Padilha (2007, 48) nos diz que:
Crianas que, desde cedo, acumulam vivncias musicais no seu ambiente familiar e escolar, tm maiores perspectivas de se tornarem pessoas mais sensveis em
relao msica e de atriburem maior valor presena da musicalidade em suas
vidas, sejam quais forem as suas atividades profissionais futuras, com o que se tor-
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481
de possibilidades de incluso social de pessoas com necessidades especiais. A Conferncia de Salamanca (UNESCO, 1994), a Declarao de Caracas (BRASIL,
2002), as Conferncias Nacional de Educao e as Conferncias Regional de Reforma dos Servios de Sade Mental1 so exemplos deste movimento que busca o
desenvolvimento de polticas sociais mais democrticas. Percebe-se uma tendncia
em desenvolver estratgias e aes sociais que busquem uma articulao entre a
educao, sade, moradia, assistncia social, desenvolvimento sustentvel, economia solidria, trabalho e renda. No podemos pensar em uma educao inclusiva,
sem garantir a insero social deste indivduo com necessidades especiais fora dos
muros escolares. No bastam leis que obriguem a aceitao de alunos com necessidades educacionais especiais em escolas regulares. preciso repensar, entre outras questes, a formao dos professores, a acessibilidade de pessoas com
necessidades especiais nos espaos urbanos e rurais, a insero destas pessoas no
mercado de trabalho e a articulao entre os servios de sade e a educao de modo
que estes servios possam garantir o desenvolvimento pleno do aluno com necessidades especiais. Por exemplo, uma criana surda que seja atendida na fonoaudiologia em uma escola especializada, no obter benefcios condizentes com o
tratamento se no tiver aparelho auditivo que fornecido pelos servios de sade.
O movimento da Reforma Psiquitrica inicia-se na dcada de 70 sendo muito influenciado pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia (1985). No Brasil a Dra. Nise
da Silveira (Silveira, 1981; 1986; 1992) j iniciara na dcada de 50 um trabalho que
denunciava a violncia do tratamento psiquitrico como a lobotomia, o eletrochoque e o uso abusivo de neurolpticos. Ela props um modelo inovador de tratamento dando origem Casa das Palmeiras e ao Museu do Inconsciente
tornando-se um cone que impulsionou mudanas no tratamento psiquitrico no
Brasil.
A partir do final da dcada de 80 e incio da de 90, mudanas significativas comeam a ocorrer no tratamento da pessoa com transtorno mental. Em 1990, o Brasil
torna-se signatrio da Declarao de Caracas (BRASIL, 2002) que prope a reestruturao da assistncia psiquitrica intensificando o movimento em Sade Mental na Amrica Latina e Caribe. Passam a entrar em vigor no pas as primeiras
normas federais que regulamentam a implantao de servios de ateno diria
como os Centros de Ateno Psicossocial (CAP), hospitais-dia e desenvolvimento
das primeiras normas para fiscalizao e classificao dos hospitais psiquitricos. A
Lei 10.216, aprovada em 2001, por exemplo, redireciona a assistncia em Sade
Mental privilegiando o oferecimento de tratamento em servios de base comunitria, dispondo sobre a proteo e os direitos das pessoas com transtornos mentais.
Atualmente existem programas, servios e auxlio do governo que buscam garantir
o direito de cidadania da pessoa com transtorno mental. Entre estes podemos
citar2: Programa Nacional de Avaliao do Sistema Hospitalar/Psiquiatria
483
484
(PNASH/Psiquiatria), Programa Anual de Reestruturao da Assistncia Hospitalar Psiquitrica no SUS (PRH), Programa de Incluso Social pelo Trabalho, Programa de Volta para Casa (visa reabilitao psicossocial de pacientes que tenham
permanecido em internao psiquitrica de longa durao), auxlio reabilitao psicossocial e os Servios de Residncia Teraputica. No entanto, apesar destas mudanas, o indivduo com doena mental continua enfrentando obstculos em seu
processo de insero social.
Jean-Marc Raynaud na apresentao do livro de Jacques Lesage de La Haye (2007),
A morte do manicmio, afirma:
O louco j no faz mais parte da paisagem. Ele (cada vez menos) confinado
em asilos. Semi-oculto em hospitais de dia, em apartamentos teraputicos, em
locais de vida institucionalizados. . . Vagueia-se incgnitos na vida de todos os
dias trajando suas vastas camisas qumicas de todos os tipos. Ele no tem mais
seu lugar entre ns. E ainda menos em ns. O louco, doravante, o OUTRO.
O estrangeiro. Aquele a quem se deve temer. Excluir. Ocultar. Encarcerar.
Negar. No diapaso do deliquente, do jovem, do velho, do deficiente, do desempregado (p. 10)
Segundo Amarante (1995), os EUA so um exemplo do fracasso da Reforma Psiquitrica porque o conceito de desinstitucionalizao se reduziu mera medida de
desospitalizao. A Reforma Psiquitrica precisa atingir um escopo mais abrangente:
Estamos falando em desinstitucionalizao, que no significa apenas desospitalizao, mas desconstruo. Isto , superao de um modelo arcaico centrado
no conceito de doena como falta e erro, centrado no tratamento da doena
como entidade abstrata. Desinstitucionalizao significa tratar o sujeito em sua
existncia e em relao com suas condies concretas de vida. Isto significa no
administrar-lhe apenas frmacos ou psicoterapias, mas construir possibilidades.
O tratamento deixa de ser a excluso em espaos de violncia e mortificao
para tornar-se criao de possibilidades concretas de sociabilidade a subjetividade. O doente, antes excludo do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um sujeito, e no um objeto do saber psiquitrico. (p.494)
Acreditamos que a educao musical possa ser um caminho de construo de possibilidades para o indivduo com transtorno mental. Segundo a Dra. Nise da Silveira (Horta, 2008), o foco do tratamento o indivduo como um todo e no a
doena.
fundamental valorizar o lado saudvel do cliente, e no ficar procurando sintomas para adoent-lo cada vez mais. Ora, se voc observa com desprezo o
doente mental, s enxergar tristeza, misria, decadncia. No entanto, se voc for
mais alm e conseguir olhar o outro lado do ser, descobrir tesouros maravilhosos, incalculveis. . . Como eu no sou boba nem nada, decidi olhar o lado
mais rico. Foi exatamente desta riqueza que nasceu o meu trabalho. (Horta,
2008, p.96)
A contribuio de atividades culturais e artsticas que possam trazer mudanas significativas para incluso de pessoas com transtorno mental tem sido discutida. No Rio de Janeiro, realizou-se o encontro Loucos por Diversidade
(Amarante, 2008) na Fundao Oswaldo Cruz no qual diversos projeto envolvendo
as Artes com pacientes psiquitricos foram apresentados. Acreditamos ser essencial
a participao da Universidade neste processo de criao de experincias inovadoras e produo de conhecimento que venham a contribuir com os propsitos da
Reforma Psiquitrica junto aos rgos governamentais.
A criao de um espao para o ensino de msica, propiciando a possibilidade de
participao destes alunos na vida musical, cultural da cidade do Rio de Janeiro
vem ao encontro dos objetivos encontrados no movimento da Reforma Psiquitrica. No Instituto de Psiquiatria, Vidal (Vidal, Azevedo & Lugo, 1998) relata o
surgimento dos Cancioneiros do IPUB que surgiu da necessidade dos pacientes de
expressarem suas composies. Desta iniciativa, surgiu o grupo, Cancioneiros do
IPUB, que hoje interage com a sociedade, em diversas cidades brasileiras, atravs do
485
projeto Loucos por Msica que permite que bandas de pessoas com transtorno
mental participem de shows de msicos renomados. importante mencionar que
desde a criao do grupo h 12 anos, nenhum de seus componentes voltou a ser internados. Segundo a Dra. Nise:
486
A experincia demonstra que a volta do paciente realidade depende, em primeiro lugar, de um relacionamento confiante com algum - relacionamento que
se estender, aos poucos, a contatos com outras pessoas e com o ambiente. O
ambiente em que os clientes esto , por si s, um importante agente teraputico.
(Horta, 2008, p.329)
Acreditamos que o ambiente da sala de aula seja fundamental para o bom desempenho do aluno e isto tambm est correlacionado com uma metodologia satisfatria. objetivo de esta pesquisa investigar uma metodologia do ensino da msica
que contribua para o processo ensino-aprendizagem de alunos com transtornos
mentais. No Instituto de Psiquiatria temos relatos de alunos que iniciaram estudos em escolas de msica, mas no conseguiram se adaptar ao ensino e abandonaram o programa. importante buscar uma metodologia que no tenha como foco
a doena, mas que, ao mesmo tempo, trabalhe com possveis dificuldades (ou diferenas) de aprendizagem das pessoas com transtorno mental. Para isso, necessrio levar em conta os aspectos emocionais, fruto da excluso social sofrida pela
pessoa com transtorno mental, o uso de medicao psiquitrica e as caractersticas
apresentadas, por exemplo, em quadros de depresso e esquizofrenia. A esquizofrenia uma doena biolgica e, como tal, envolve alteraes cerebrais, tanto no
nvel celular como qumico, acometendo diferentes funes cerebrais (Palmeira,
Geraldes & Bezerra, p.5, 2009).
Concordamos com a idia de Freire (2001) de que o homem deve ser o sujeito de
sua educao e no o objeto dela. Segundo o autor,
Uma educao que pretendesse adaptar o homem estaria matando suas possibilidades de ao, transformando-o em abelha. A educao deve estimular a
opo e afirmar o homem como homem. Adaptar acomodar, no transformar.
(p. 32)
3. Como assegurar um ensino de msica para pessoas com doena mental em que
se enfatize a capacidade musical do aluno e o indivduo como um todo e no a
doena mental?
4. Seria o modelo desenvolvido por Swanwick (1999), TECLA, adequado para o
ensino de msica para pessoas com doena mental? Quais mudanas, ou adequaes, se fazem (ou no) necessrias?
A pesquisa parte de alguns pressupostos relativos educao musical que norteiam
o desenvolvimento do projeto. Swanwick (1994) acredita que exista uma relao dinmica entre a intuio e a anlise. Para o autor, o saber intuitivo um modo ativo
de construo de mundo e permite todas outras maneiras do saber. Segundo Swanwick, a experincia sensria est diretamente correlacionada ao saber intuitivo que
uma preparao para o pensamento lgico. A relao no entre funes contrastantes, mas entre fases prvias e subseqentes para se chegar ao conhecimento.
(p.29). Nas aulas buscamos a experincia prtica, envolvendo a criao, improvisao como uma preparao para abordar a teoria musical. De acordo com Brscia
(2003), a aprendizagem s ocorre plenamente quando o aprendiz usa, transfere,
aplica, cria, aprofunda, modifica, inova a partir do que aprendeu. (p.65)
487
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Sloboda e Davidson (1996) afirmam que a percepo do prprio sucesso em msica aumenta a motivao do aluno enquanto que a percepo do prprio fracasso
um fator de desmotivao. Os autores descrevem estudo sobre motivao no
aprendizado do instrumento em que as crianas que alcanavam um alto ndice de
performance descreviam seu primeiro professor como uma pessoa amigvel, simptica e um bom msico. Por outro lado, as crianas que abandonavam o estudo
do instrumento relatavam que o primeiro professor era uma pessoa desagradvel e
pssimo msico. Na pesquisa a motivao extrnseca, por exemplo, o professor deixava a criana subir na rvore antes da aula, estimulava o interesse da criana em estudar msica o que levava ao surgimento, ou ao aumento, de uma motivao
intrnseca em relao ao estudo do instrumento. Segundo a teoria da autodeterminao, o ser humano nasce com propenses inatas para o aprendizado e o ambiente pode fortalecer ou enfraquecer esta propenso. Na teoria da
expectativa-valor, os elementos determinantes do processo motivacional so as
crenas nas habilidades, as expectativas de sucesso e os componentes subjetivos de
valorao da atividade realizada. (Arajo, p. 121, 2009). De acordo com a teoria
do fluxo (Csikszentmihalyi, 1999) o indivduo alcana o estado de fluxo quando h
equilbrio entre os desafios propostos e as habilidades do indivduo. Quando ele
atinge este equilbrio ele consegue obter uma energia psquica totalmente focalizada e concentrada na atividade em execuo, alm de obter prazer em enfrentar o
desafio. Segundo a teoria da autoeficcia,
Acreditamos que as teorias da motivao possam contribuir para o desenvolvimento desta pesquisa e para elucidar caminhos facilitadores da incluso social de
pessoas com transtorno mental.
1. a observao participante, atravs da qual a coordenadora do projeto e os membros da pesquisa observaro as aulas semanais e interagem com o processo. Os
membros da pesquisa so alunos do curso de Licenciatura em Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do mestrado em educao musical envolvidos com a rea de educao musical especial e que estaro sob a superviso
da coordenadora do projeto.
Os critrios para incluso so os seguintes: indicao de pacientes pela equipe
do hospital-dia do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e o interesse e a disponibilidade dos pacientes em participar das aulas. Os critrios de excluso so baseados na avaliao da equipe do hospital-dia que indique que o paciente no
esteja em condio de atender as aulas de msica. Em caso de internao, o
aluno ficar afastado das aulas, retornando ao programa quando voltar ao hospital-dia e quando indicado pela equipe do hospital.
2. As aulas so filmadas e o registro das aulas utilizado unicamente com objetivos educacionais e de pesquisa.
3. Reunies peridicas com a equipe do Instituto de Psiquiatria a fim de discutir
o andamento, avaliar os resultados e aprimorar o desenvolvimento das aulas de
msica.
4. Entrevistas semi-abertas com os alunos vindos do hospital-dia. Os critrios
para incluso nas entrevistas sero: interesse e/ou disponibilidade para ser entrevistado(a). Os critrios de excluso sero os seguintes: a falta de interesse
e/ou disponibilidade para ser entrevistado(a).
5. Interpretao dos dados, a partir do referencial terico adotado. As principais
concepes que norteiam essa interpretao so:
O estudo da motivao na aprendizagem musical como um campo importante de
investigao que poder facilitar o desenvolvimento de uma metodologia do ensino de msica para pessoas com transtorno mental.
489
Concluso
O movimento da reforma psiquitrica assim como outros movimentos que visam
incluso social de indivduos historicamente excludos em muros institucionais
exigem mudanas sociais. fundamental que a Universidade participe ativamente
deste processo atravs de projetos de extenso e de pesquisa que possam contribuir
com a formao de profissionais e produo de conhecimento que estimulem o
desenvolvimento de uma sociedade democrtica que acolha a diversidade humana.
inteno desta pesquisa em processo inicial de desenvolvimento participar deste
desafiador processo de transformao social.
1 Outras informaes sobre estas conferncias e documentos podem ser obtidas no portal de
sade do Governo Federal: www.saude.gov.br
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2010.
491
Musicalidade em Ao
e Processos Cognitivos na Musicoterapia
Clara Mrcia Piazzetta
492
[email protected]
Ncleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares em Musicoterapia
Faculdade de Artes do Paran
Resumo
Este texto tem resultados parciais do projeto de pesquisa bibliogrfica Musicoterapia e
Cincias Cognitivas: possveis relaes entre os processos de pensamento e os processos musicais aprovado pelo Comit de Pesquisa da FAP/PR. Apresenta uma reflexo
sobre os aspectos clnicos da msica. Ambienta-se nos pensamentos sobre cognio
que consideram a mente corporificada e fundamenta-se na Musicoterapia Msico-centrada. Tambm trs experincias musicais de trabalho clnico como exemplos. Musicalidade em ao relaciona-se com a cognio de maneiras ainda pouco conhecidas na
Musicoterapia, contudo, mostra-se como estratgia para uma melhor visibilidade dos valores clnicos da msica. A partir das reflexes, musicalidade em ao um exerccio
cognitivo inserido no trabalho clnico como uma estratgia de significar-fazendo ao se
considerar as qualidades dinmicas da nota.
Introduo
Este artigo tem como base os estudos de um processo musicoteraputico de 83 sesses, j finalizado. Conta assim com um termo de consentimento livre e esclarecido para sua publicao. O foco do texto, contudo, no est na eficcia da
musicoterapia, mas sim, na reflexo com as bases tericas da Musicoterapia Musico-Centrada. Esta teoria integra expresso musical e processos cognitivos da
mente corporificada pela fundamentao da anlise musical na Teoria da Metfora.
A mente corporificada apresenta-se como uma viso da cognio que considera no
apenas a mente (raciocnio e processos intelectuais) para a construo do aprendizado, mas insere o corpo (os sentimentos, percepes e emoes) como formador
desse conhecimento.
O recorte do trabalho clnico organiza-se em trs etapas: criao do vnculo, abertura s escutas internas e lanar-se s possibilidades. Em cada etapa, a musicalidade,
colocada em ao emerge como elemento chave para o desenvolvimento dos objetivos clnicos. Musicalidade entendida como capacidade cognitiva, no mbito da
percepo auditiva e no mbito do manuseio de instrumentos musicais. Assim,
inata e constitutiva de cada pessoa, no se resume a capacidades e qualidades para
tocar um instrumento musical.
Os conceitos apresentados na abordagem Nordoff & Robbins e uma reviso conceitual da msica colocando-a como uma ao humana, e no como um objeto disposio, integra-se a esse sistema de conceitos e acabam por fundamentar uma rede
complexa de relaes: homem, msica, percepo sensorial, execuo musical e relaes humanas.
493
494
e extensa. Esse texto apresenta muito brevemente sua concepo de msica por no
ser o objeto desse artigo. Assim, Msica para ele um fenmeno do mundo externo. Os sons musicais chegam aos ouvidos por que esto no mundo de fora e
fazem sentido na escuta por possurem algo para isso. Esse algo pertence ao mundo
da Msica. Preocupa-se com o entendimento da msica a partir dela mesma e, para
tanto, considera o fenmeno sonoro percebido pela mente humana como msica.
O ouvinte entende uma organizao de sons como melodia porque esse fenmeno
faz sentido para ele. O que existe na msica capaz de gerar sentidos? Os contextos
musicais (melodia) tornam-se foras ativas por que existe uma qualidade dinmica
em cada nota. A msica, para Zuckerkandl, uma arte viva por essas qualidades das
quais a musicalidade humana se ocupa para a composio musical.
Johnson (1980), um apoio para integrar essas aes. A Teoria dos Schemas (Teoria da Metfora), como chamada, est em uso no campo da anlise musical por
tericos da msica, musiclogos e filsofos da msica. Assim, mostra-se interessante tambm Musicoterapia, pois uma forma de anlise do fenmeno sonoro
musical levando em considerao os processos de pensamento envolvidos nas aes
e entendimentos do fenmeno musical. Segundo Aigen (2005) envolver-se nesse
conhecimento encontrar argumentos para os valores inerentemente clnicos da experincia musical.
A escuta musical compreendida por seus processos de pensamento metafricos tm
como exemplo a expresso msica movimento. De fato, ela leva ao movimento
corporal, ela trabalha com diferentes velocidades de execuo e diferentes possibilidades de acentuaes que induzem dana; uma sequncia de notas em intervalos conjuntos do grave para o agudo e vice versa descrita como o deslocamento do
som de baixo para cima e de cima para baixo (na cultura ocidental europia), como
se as notas pudessem subir ou descer. Contudo, nem na produo de ritmos e compassos nem nas escalas, algo na msica se move. O entendimento desses sons como
movimento obra do pensamento humano inerentemente metafrico e conceitual.
A teoria dos Schemas tem por base a idia que a maior parte do conhecimento humano apia-se sobre uma srie de schemas cognitivos. Esses tm origem, mais, nas
experincias vividas pelas pessoas durante as interaes com o mundo sua volta, do
que, nas reflexes verbais sobre tais experincias. As formas de agir de cada pessoa
esto diretamente ligadas aos schemas construdos e desenvolvidos durante o viver.
As experincias musicais, deste modo, envolvem componentes cognitivos.
Assim, as percepes usando os esquemas de acima e em baixo, parte e todo, comeo
meio e fim, continente, centro e periferia, direo, em frente e atrs, fora e ligao,
esto em ao nas experincias de: dinmicas musicais, solos sobre harmonias, harmonias circulares, baixos caminhantes, cadncias perfeitas, encadeamentos de acordes, exerccios de composio e outras. A compreenso do musicoterapeuta das
possibilidades de Schemas envolvidos nos processos cognitivos da escuta e do fazer
musical favorecem a construo dos objetivos clnicos musicais. Contudo um aspecto que merece estudos para melhor compreenso de suas dinmicas.
Os recortes clnicos a seguir, so interessantes para ampliar essa reflexo.
O Trabalho Clnico
a) Criao de vnculo
O trabalho de musicoterapia prope que se faa uma entrevista inicial seguida de
um reconhecimento do cliente. Sua musicalidade, suas potencialidades, suas queixas, suas expectativas com o trabalho.
495
496
Ainda nesse momento de reconhecimentos das interaes musicais e pessoais significativo observar as relaes estabelecidas com os elementos da msica: ritmo, melodia, timbre e harmonia. Em especial, no incio deste processo se props um
trabalho de improvisao livre usando um instrumento meldico pelo cliente, sobre
uma base harmnica realizada pela musicoterapeuta. Essa experincia teve durao
de alguns minutos e desenvolveu-se dentro de um campo de tonalidade maior. Contudo, as notas da flauta bem como o ambiente musical de msica brasileira (cantigas de roda, cirandas, bossa nova, samba, e canes do candombl) familiares ao
cliente nortearam a produo musical. Esses acontecimentos sonoros da flauta levaram aos acontecimentos da harmonia ao teclado e vice versa. O resultado foi uma
produo mais introspectiva, emotiva e movida com a flauta iniciando em intervalo
conjuntos descendente, mantendo notas mais longas e com poucas ousadias em saltos de intervalos. Ao final os participantes estavam bastante envolvidos e surpresos
com o encontro musical. O cliente em especial relatou eu imaginei algo feliz e veio
isso. Nesse encontro, no transcrito, a emoo esteve muito presente, seja pela surpresa de pessoas, aparentemente desconhecidas tocarem de improviso, e construrem algo musical. Seja pelas sonoridades vividas. Apenas a continuidade dos
trabalhos poderia indicar o sentido desse encontro. De incio indicou que experincias rtmicas e meldicas seriam mais fluentes. A harmonia precisava esperar
um pouco mais.
Esta foi uma produo bem diferente da realizada com o xilofone que soava com
uma energia impulsionadora e buscava notas desde as mais graves ate as mais agudas explorando o instrumento.
Aps algumas sesses de pausas, pela falta do cliente, os trabalhos seguiram de
modo mais espaado, pois assim como a msica precisa de silncios esse processo
precisou de um tempo diferenciado. Um tempo e uma velocidade possveis de se
trabalhar. Na continuidade uma ciranda (fig. 2) abria os encontros e ganhava letra
nova sempre que cantada.
Mi
Re
D #
Si
La
Sol
F #
Che
Che
guei
Che
gue
guei
ei
com a mi
turma
cheguei
nh
Com as letras espontneas acrescentadas a essa pequena cano, a escolha por investir no processo musicoteraputico se consolidou atravs das produes rtmicas
com tambores de bambu e de plstico e movimentos corporais sugestivos nessa linguagem musical de cirandas. O passo seguinte mostrou-se como um amplo campo
para escutas.
497
498
Nesta segunda etapa, o exerccio de escuta levou a percepo da recorrncia de intervalos descendentes para iniciar as melodias. Levou tambm a constatao que a
cano de chegada na realidade comea com intervalos ascendentes (fig. 4), mas foi
recriada e aceita com intervalos descendentes
F #
Mi
Re
D #
Si
La
che
guei
gue
Che
ei
Estas percepes foram seguidas de outras canes e agora com acompanhamentos harmnicos. Essa escuta da harmonia foi muito significativa, pois confirmou as
especificidades do momento como uma nova etapa. A cano Para ver as meninas
de Paulinho da Viola chegou ao setting.
Silncio por favor Enquanto esqueo um pouco a dor no peito No
diga nada
sobre meus defeitos Eu no me lembro mais quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas Uma pausa de mil compassos Para ver as meninas
E nada mais nos braos S este amor assim descontrado Quem sabe de
tudo no fale Quem no sabe nada se cale Se for preciso eu repito Porque hoje eu vou fazer Ao meu jeito eu vou fazer Um samba sobre o infinito Porque hoje eu vou fazer Ao meu jeito eu vou fazer Um samba
sobre o infinito
A hamonia caminha no ambiente de Sol menor; tem incio com a preparao da dominante para a tnica acompanhando a melodia em tera maior descendente a partir da nota da dominante; passa pelo acorde homnimo apenas no terceiro verso:
no diga nada sobre os meus defeitos; o verso: hoje eu quero apenas uma pausa de
mil compassos executado com uma fermata na palavra apenas, onde na harmonia aparece o acorde da relativa maior que resolve na subdominante de Gm. O
tempo dessa fermata amplia a suspenso e as expectativas.
A recriao desta cano contribuiu para novas experincias de composio ins-
c) Lanar-se s possibilidades
Com a autoconfiana em ampliao a recriao das canes minha misso e o
poder da criao tornaram esse momento mais intenso. Elas foram cantadas cada
uma algumas vezes e soavam como mantras repetidos em estado meditativo. Soavam como encontros profundos. Encontros consigo mesmo. Minha Misso de
Joo Nogueira e Paulo Pinheiro:
Quando eu canto para aliviar meu pranto E o pranto de quem j
Tanto sofreu Quando eu canto Estou sentindo a luz de um santo
Estou ajoelhando Aos ps de Deus
Canto para anunciar o dia Canto para amenizar a noite
Canto pra denunciar o aoite Canto tambm contra a tirania
Canto porque numa melodia Acendo no corao do povo
A esperana de um mundo novo E a luta para se viver em paz!
Do poder da criao Sou continuao E quero agradecer
Foi ouvida minha splica Mensageiro sou da msica O meu canto uma
misso Tem fora de orao E eu cumpro o meu dever
Aos que vivem a chorar Eu vivo pra cantar E canto pra viver
Quando eu canto, a morte me percorre
E eu solto um canto da garganta
Que a cigarra quando canta morre
E a madeira quando morre, canta!
499
Gm7. Logo na primeira frase o encadeamento harmnico leva o ouvinte do ambiente de Gm para F7.
500
Gm7
F7+
D#7
D7
Gm7
Cm D7
Quando eu canto, para aliviar, Meu pranto E o pranto de quem j tanto sofreu
G # 7+ D7
Dm5-(7) G7
D#7
Canto pra denunciar o aoite Canto tambm contra a tirania
Os acorde maiores com stima acompanham a melodia que brinca com notas mais
rpidas e com saltos do grave para o agudo em cada verso (palavras em negrito so
no agudo). Contudo levam a um movimento descendente da pea, pois cada verso
comea mais grave que o anterior.
Essa mudana de ambiente entre acordes menores e maiores, ritmo meldico com
notas mais longas seguidas de notas mais rpidas e em saltos maiores de intervalos
ascendentes ao final das frases lembra um movimento de pndulo. Um deslocar do
peso por lados opostos sobre uma mesma base sem perder o equilbrio.
Esse movimento por opostos esteve muito presente nas experincias musicais desse
processo. Desde as primeiras notas ao xilofone (fig. 1) com movimentos alternados das mos, passando por evitar a sonoridade das harmonias por receio aos acordes menores, at se alcanar a escuta e execuo dessa harmonia. Com essa escuta
foi possvel estar efetivamente na rede de relaes sonoras existentes na complexidade da msica. Esse exerccio de cuidar das escolhas dos sons permitiu a escuta dos
movimentos sempre indo de um plo a outro. A conscientizao que existe algo
no meio; a construo vivida passo a passo da caminhada at outra extremidade,
no apenas por saltos, foi experimentada nas experincias de composio musical.
A cano O poder da criao tambm de Joo Nogueira contempla esse momento
por mais equilbrio.
No, ningum faz samba s porque prefere Fora nenhuma no mundo interfere
Sobre o poder da criao No, no precisa se estar nem feliz nem aflito Nem se
A construo harmnica no oferece dois ambientes (tonalidade e acordes homnimos). Ao contrrio todos os sons convergem para os versos finais e para o que se
cria: uma melodia. Estes versos contam que algo est vindo e o campo harmnico
abre-se com a relativa maior, chega subdominante da relativa e retorna pela dominante para chegar tnica.
A letra da cano apresenta o processo de composio como uma entrega do poeta,
um deixar-se levar por essa magia. Contudo comea numa ambientao bem delimitada, uma negao: no ningum faz samba s por que prefere e conclui com
o objetivo dos msicos sambistas alcanado. Os limites nas relaes favorecem um
campo de ao. No adianta impor ao artista, no adianta lugares bonitos, precisase deixar-se levar, mas sem perder o objetivo: escutar uma melodia.
No processo de alta uma cano escolhida pela musicoterapeuta comps uma experincia de escuta musical. A obra Sombra de Chico Saraiva e Paulo Tatit integrou esse processo musicoteraputico pelos versos e por algumas caractersticas
estticas da obra. Os versos so:
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Os aspectos estticos: uma cano cujo arranjo compe-se por voz, violo, percusso e obo; um campo harmnico menor formado tambm por emprstimos modais o que a torna bastante orgnica e inerente ao ambiente de musicas brasileiras
recriadas no decorrer do processo; a pea inicia sem introduo com voz e violo
com suavidade; o acompanhamento arpejado dos acordes soa em unssono com a
voz, nas pausas da voz ouve-se os arpejos (fig. 5). Os acordes da primeira frase soam
Cm7(11), G7/B, B bm6, F(add9)/A.
503
Musicalidade em ao e a cognio
Algumas reflexes quanto musicalidade: as interaes musicais vividas nesse processo ocorreram sempre dentro das possibilidades e aspectos da musicalidade do
cliente como as escolhas por intervalos descendentes nos incios das msicas e notas
Consideraes finais
O trabalho musicoteraputico considerando essa viso cognitiva, inerente a percepo e execuo musical, oferece visibilidade s funes clnicas da msica. Considerar as qualidades dinmicas das notas, a Music child e a Condiction child do
cliente e definir msica como ao Musicing formam uma rede de conceitos e
do suporte para discutir cognio e musicoterapia. Musicalidades em ao e cognio esto completamente integradas no trabalho clnico. Estar atendo a esses aspectos estruturais da msica interligados aos aspectos cognitivos do cliente
fundamental. Nessa dimenso terapeuta e cliente esto vivendo experincias
apreendidas pelo significar fazendo distinto do ambiente de estmulos e respostas.
Significar fazendo so espaos de cognio com experincias musicais. Musicalidade em ao um exerccio de cognio. Contudo, as relaes entre as qualidades
dinmicas e os Schemas carecem mais estudos e reflexes.
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506
Resumo
O estudo da emoo extrnseca em msica visa produzir um maior conhecimento sobre
com feita a associao entre msica e emoes especficas. Normalmente esse tipo
de pesquisa apresenta como resultado um paralelo entre determinados elementos da
estrutura musical e emoes especficas. A escuta musical uma experincia abstrata e
para produzir entendimento ao que se est escutando muitas vezes feito conexes
com outras experincias conhecidas, sendo uma das mais comuns as emoes. O termo
Apofenia Musical se adequou perfeitamente como soluo conceitual para explicar e denominar esse procedimento. Para delimitar o objeto de estudo foram selecionadas cinco
emoes bsicas, sendo elas: alegria, tristeza, amor, raiva e medo. O presente trabalho
analisou trs msicas compostas a partir dos resultados obtidos em uma pesquisa anterior. O objetivo disso testar a possibilidade de analisar e compor msicas delimitando
uma possvel ou possveis associaes com emoes feitas na escuta destas. Sonhando
Acordado uma msica que teve como inteno a associao com a emoo amor.
Noite Urbana uma msica onde se teve a inteno e produzir uma sonoridade que produzisse uma associao a dois estados emocionais dicotmicos vivenciados na noite de
uma metrpole. De um lado se tem o entretenimento, o encanto, o romantismo, o glamour. Por outro lado, existe o perigo, o medo, a angstia, a derrota, a solido. Por fim, Vai
chegar uma msica onde se teve a inteno de produzir uma sonoridade cuja associao transitasse por vrios estados emocionais. Alegria, tenso, angstia, tristeza, medo,
jocosidade, esperana, entre outras.
Palavras-chaves
Emoo Extrnseca, Apofenia, Emoes Bsicas, Anlise Musical.
Argumento Terico
Esta sesso de demonstrao tem a inteno de discutir a aplicao do resultado do
estudo da Emoo Extrnseca em msica. Neste estudo procura-se traar uma relao entre elementos da estrutura musical como harmonia, melodia, ritmo,
entre muitos outros- e emoes especficas. Esta demonstrao ser um complemento ao textoApofenia Musical e a Emoo Extrnseca em msica apresentado
neste mesmo Simpsio, e resultado de uma pesquisa realizada para uma dissertao que trata da relao entre msica e emoo.
Primeiramente, o estudo sobre a Emoo Extrnseca em msica, proposto pela pesquisa, visa fornecer ferramentas para composio e anlise de msicas que possam
estar associadas s emoes. Contudo, a inteno no criar uma relao direta
entre elemento da estrutura musical e determinada emoo. Tambm no inteno propor uma interpretao correta, ou defender que todos os ouvintes tero a
mesma interpretao. A pesquisa concluiu e que a combinao entre alguns elementos da estrutura musical devido a uma semelhana com aspectos caractersticos
de cada emoo possibilita a associao por parte dos ouvintes de uma msica com
uma ou mais emoes. E esses dados propostos podem ser utilizados na criao de
composies e arranjos, na interpretao, e na anlise onde se pretenda compreender os motivos que levam uma msica ser associada determinada emoo. Porm,
no h regras, e podem existir interpretaes diferentes, ou nenhuma. A proposta
que se segue s uma possibilidade de interpretao para demonstrar como os
dados colhidos podem ser utilizados.
Pode-se afirmar que a msica uma arte essencialmente abstrata. Isso porque, salvo
algumas excees, possui uma sonoridade que s possvel na experincia da escuta
musical e no presenciada de outra forma a no ser esta. Como afirma Sparshott,
a doutrina que a msica ou deveria ser um sistema abstrato de relacionamento
estabelecido em um conjunto de equaes assombrou a esttica musical desde sempre. (Sparshott, 1980, p.122). Contudo, o ser humano sempre procura entendimento nas suas experincias, e por isso comum existir algum processo cognitivo
para dar sentido a uma experincia to abstrata como a escuta musical. Normalmente feito um paralelo com outras experincias no-musicais que possuam de alguma forma semelhana com o que se est escutando na msica. Talvez a mais
comum seja a associao com emoes. Desta forma o ouvinte encontra semelhanas entre as caractersticas desencadeadas por uma emoo nos mais diferentes
mbitos, como da fala, gestual, fisiolgico, s pra citar alguns, e elementos da estrutura musical. Para denominar esse processo foi utilizado o termo Apofenia Musical. O termo apofenia foi primeiramente utilizado por Klaus Conrad em um
estudo psicopatolgico sobre esquizofrenia.
Inicialmente a vivncia/experincia especfica da interpretao anormal da
conscincia, ou para a vivncia/experincia do estabelecimento de relao sem
motivo, chamada atualmente de percepo fantasiosa, representao delirante,
entre outras, e introduzimos a designao apofenia, com o objetivo de ter a
mo uma expresso prtica e claramente definida de uma forma de vivncia/experincia.1
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j que so vista como emoes tpicas por pessoas leigas e foram postuladas como
as to faladas emoes bsicas por cientistas. (Juslin, 2001, p.314-5). Um dos resultados da pesquisa foi perceber que tanto emoes quanto elementos da estrutura musical podem ser qualificados de acordo com dimenses de valncia (positiva
e negativa) e atividade (alta ou baixa) e esses um dado importante para delimitar
as possibilidades de associao entre elementos e emoes. Na msica atividade esta
relacionada a volume, dinmica, tempo e altura. Alta atividade est relacionada
com volume alto, ou, em outras palavras, dinmica forte, tempo rpido e notas agudas. Em contrapartida, baixa atividade est relacionada com volume baixo, ou, em
outras palavras, dinmica piano, tempo lento e notas graves. Quanto valncia,
aparentemente, pelo menos na cultura musical ocidental, parece ter forte ligao
com consonncias e dissonncias, e simplicidade ou complexidade. Valncias positivas esto relacionadas sons consonantes, harmonia simples, melodia com escalas
diatnicas, tonalidade, simplicidade rtmica e meldica. Valncia negativa est relacionada com sons dissonantes, harmonia complexa, melodias com cromatismo,
atonalidade, complexidade rtmica e meldica. Outros fatores, como timbre e articulaes, esto mais ligados diretamente a aspectos de cada uma dessas emoes
bsicas, e so menos genricas.
Um dos resultados da pesquisa foi a tabela em anexo que relaciona os mais diversos fatores da composio e performance musical com as eleitas emoes bsicas. Para
tal, foram usados trs textos: Juslin (2001), Gabrielsson e Lindstrm (2001) e Bunt
e Pavlicevic (2001), e ao lado de cada fator sero colocadas as duas primeiras letras
do sobrenome do primeiro (ou nico) autor do texto de referncia, no caso (Ju),
(Ga) e (Bu) respectivamente. Esses autores tiveram contato com uma vasta bibliografia para propor essa relao entre fatores e emoes, mas como esta pesquisa no
teve contato com essa bibliografia, ser mencionada apenas a referncia direta. Em
alguns casos, foram levados em conta alguns nomes que podem ser considerados
sinnimos dessas emoes bsicas como, por exemplo, melancolia para tristeza, ternura para amor, entre outros. A emoo extrnseca provavelmente acontece em diferentes culturas, mas os resultados abaixo apresentam por vezes caractersticas
prprias da msica ocidental, pois est a nica vivel de estudo, neste trabalho,
devido maior familiaridade com a mesma. Essas informaes sero cruciais para
o presente trabalho e sero base para a as anlises a seguir.
Uma proposta alternativa pesquisa laboratorial estudar aspectos caractersticos
de emoes especficas e tentar encontrar elementos da estrutura musical semelhante a estes. Este um mtodo que pode ser eficiente e at menos trabalhoso que
o laboratorial, pois segue o mesmo caminho feito pelo ouvinte, assim como interpretes e compositores, que muitas vezes traam esse paralelo a partir de semelhanas encontradas entre a sonoridade musical e emoes.
Aplicaes Conceituais
Para o estudo sero discutidos trechos musicais de minha autoria, tentando ilustrar
minha inteno e como utilizei esses dados como base para chegar a uma sonoridade
que possa se associar determinada emoo. Para isso feita uma relao de semelhana entre os elementos da estrutura musical e caractersticas da emoo manifestada. importante ter em mente que no sero estudadas as emoes despertadas
no ouvinte atravs da audio musical. Os motivos que levam esse despertar podem
ser muito idiossincrticos e difceis de prever. Por isso, as analises se limitaro somente s emoes que podem ser associadas a msica em questo.
1. Sonhando Acordado
Sonhando acordado uma msica com a temtica sobre amor. No s amor entre
casais, mas amor entre indivduos principalmente. uma cano, mas com alguns
trechos instrumentais como o que ser apresentado que acontece do c.77 ao c.91.
Esta msica foi escrita para orquestra baixo, bateria, violo e voz. Para facilitar a
anlise foi feita uma reduo de todos os instrumentos para uma pauta para melodia, outra para contracanto e uma pauta de piano para a base harmnica, de forma
a ter todos os elementos necessrios para a anlise de forma simplificada.
Ao sentirmos amor ou ternura, nossos gestos so mais lentos, calmos. Por isso a
toda essa msica, tem andamento lento em 65 bpm. O ritmo da melodia principal
e o contracanto geralmente so baseados no pulso, com algumas divises em dois,
raras em 4 como no c.78 e somente uma em quiltera de 6 no c.90. O ritmo e andamento so aspectos fundamentais na associao da msica com emoo, pois
um fator facilmente percebido pelos ouvintes. A discrepncia entre o ritmo de
como agimos quando manifestamos determinada emoo e o ritmo da msica inviabiliza a associao desta msica com esta emoo. Desta forma, em uma msica
em que se pretende uma associao com amor/ternura esperado um ritmo lento.
O amor ou ternura uma emoo positiva e muito agradvel. A harmonia feita
por acordes consoantes, principalmente trades. Da mesma forma a melodia segue
a harmonia no oferece tenso ou dissonncia a esta. Muitos estudos apontam que
msicas associadas emoo com valncia positiva, pelo menos no ocidente, tendem a ser consonantes, com pouca tenso ou complexidade.
Na paixo comum uma sensao de inconstncia. Algumas pesquisas apontam
para uma harmonia com oscilaes entre maior e menor ou uso de modos para msicas de amor, muito provavelmente por uma semelhana desse tipo de harmonia
com essa caracterstica da emoo. Neste trecho foi usada uma harmonia com algumas inclinaes, onde a tonalidade no fica to clara, mas sempre em regies prximas e pouco conflitantes. Foi a soluo escolhida, pois fica no meio da msica e
um trecho proporcionalmente pequeno que no permite grandes desenvolvi-
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2. Noite Urbana
Noite Urbana uma cano com um trecho instrumental que ser analisado. Esse
trecho tem a inteno de criar uma sonoridade expressiva do contraste dicotmico
de situaes ocorridas numa cidade urbana. De um lado se tem o entretenimento,
o encanto, o romantismo, o glamour. Por outro lado, existe o perigo, o medo, a angstia, a derrota, a solido. A proposta foi criar uma sonoridade que fosse expressiva dessas caractersticas simultaneamente. Para tal, foi selecionado o trecho inicial
da msica que vai do c.1 ao c.38. Esse trecho foi composto para teclado, guitarra,
baixo e bateria e todos os instrumentos foram transcritos no anexo. Esses instrumentos exercem sempre a mesma funo na textura da msica. Na guitarra est a
melodia, no teclado a harmonia, no baixo uma base meldica na regio grave, sempre em colcheia, s vezes servindo como contracanto e na bateria a seo rtmica.
Sentimos medo de algo no acontecer da forma esperada, e de termos uma perda
no desejada. Esse risco e a incerteza criam uma ansiedade, uma instabilidade no indivduo. Essa instabilidade criada ritmicamente neste trecho de modo a possibilitar uma atmosfera de insegurana que caracterstica do medo. A base, formada
por baixo bateria e teclado tocam uma alternncia de compassos compostos, como
7 (c.3, c.5, c.11, por exemplo), 8 (c.1, c.19, c.25, por exemplo), 9 (c.4, c.6, c.12, por
exemplo), 10 (c.23, c.30, c.32, por exemplo), 12 (c.26, c.28, por exemplo). Salvo alguns momentos, no existe sequncia previsvel nem uma ordenao na apario
desses compassos, de forma que difcil prever o primeiro tempo, dando um carter de instabilidade. Alm disso, a caixa da bateria acentua tempos no compasso
que desestabiliza ainda mais a sensao de primeiro tempo. O pulso est em 130
bpm e o baixo usa a figura de metade do pulso, o que d uma sensao de agonia e
de pressa.
Para desestabilizar ainda mais, o encadeamento harmnico feito pelo teclado tem
uma seqncia de acordes com uma lgica no diatnica. Muitas vezes s possui
uma seqncia de no mximo trs acordes que poderiam estar no mesmo campo
harmnico. E o baixo sempre muda as escalas de acordo com esses acordes. Para
que isso fosse feito sem problemas foram utilizadas trades, e s vezes acordes quartas, pois define menos qual escala pertence e torna sonoramente mais agradvel a sucesso de acordes vindos de tonalidades diferentes. Isso tira tambm tira a
estabilidade e expectativa de uma tnica, que no existe neste trecho. E esta foi a
forma de trazer a instabilidade, a incerteza para a msica. Isso remete a sensao de
medo, insegurana, tenso, pressa e instabilidade.
Por outro lado, a melodia feita pela guitarra possui um lirismo, uma doura para
lembrar o romantismo da noite. Com notas longas e pausas no final de frase, lembra a fala apaixonada e deslumbrada, e parece fazer parte de uma msica muito mais
lenta do que a base prope. Por usar notas mais longas, no se percebe na melodia
a agonia e o contraste provocado pela alternncia dos compassos compostos, isoladamente pode trazer a iluso de estar em compasso simples. Da mesma forma, apesar de no levar a nenhuma tnica, possui uma lgica diatnica e os acordes se
harmonizam com suas notas apesar de no possuir lgica diatnica. Assim melodia
e harmonia coexistem sem grandes choques. Do c.26 ao c.38 o contorno meldico
possui uma alternncia de entre ascendncia e descendncia, mas sempre se encaminhando para o agudo. Assim como uma pessoa a contar com paixo uma histria intrigante que se encaminha para um grande acontecimento, um ponto
culminante que se d no c.37.
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3. Vai Chegar
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Vai Chegar uma cano que fala sobre a problemtica vida urbana, as questes e
dificuldades que surgiram nessa nova era, nesse novo estilo de vida, mas demonstrando ao fim uma esperana de felicidade apesar das adversidades. A msica foi
escrita para voz, guitarra, baixo, bateria e orquestra. Ser apresentada de forma integral tanto na extenso, quanto na instrumentao, pois uma reduo poderia perder alguns dados para a compreenso da discusso.
A msica transita por vrias intenes quanto a emoes a serem associadas. Primeiramente, sugere um estado alegre e jocoso, depois tenso, pressa, agonia, em seguida medo e angstia e por fim a redeno, a volta alegria. Um dado importante
que a msica foi escrita integramente em 48 . Apesar de ter dois momentos que poderiam ser escritos em binrio, pois se trata de uma levada de samba, o resto da msica est em quaternrio. Desta forma, ao adotar o compasso 48 , as partes de samba
foram escritas com a mesma grafia de um 42 . Essa uniformidade do compasso facilitou a programao e gravao da msica. A msica foi toda escrita para ser tocada
em 180 bpm, que um andamento que pode ser rpido, ou moderado se for tocado como se tivesse o dobro do tempo.
A primeira estrofe da msica se d ao longo do c.1 ao c.17. uma tpica estrutura
de samba trazendo um carter alegre e jocoso. Quando estamos alegres, agimos mais
rapidamente do que o normal, seja na fala ou no gestual. A percusso, formada por
um agog, um tringulo, bateria e uma gran cassa, toca clulas tpicas de samba, com
destaque a valorizao do segundo tempo (terceiro no caso do quaternrio) feita
pela gran cassa como feita pelo surdo normalmente. Esta base rtmica produz nessa
estrofe um carter danante, animado e jocoso.
A guitarra limpa (ou seja, sem distoro) valoriza o ritmo feito pela caixa da bateria tocando acordes, sendo o principal instrumento ritmo-harmnico dessa estrofe. A harmonia, em d maior, tpica do samba e de muitas msicas populares
brasileiras. Apesar de acordes com stimas e sextas, no apresenta muita tenso. As
dominantes so sempre resolvidas de forma esperada, e as constantes inclinaes
corroboram com o carter ritmado dessa seo. O baixo toca notas da harmonia
valorizando sempre no primeiro tempo a nota mais grave do acorde, e acompanha
o ritmo feito pelo bumbo da bateria. muito comum a associao da sonoridade
maior com alegria.
Quando falamos com alegria e animao geralmente existe um contorno na voz ascendente longo terminando com um contorno curto descendente. Da mesma
forma so as duas primeiras frases dessa primeira estrofe da msica. Em seguida, so
feitas algumas frases de mbito curto, porm ritmadas, valorizando o carter rtmico da estrofe, criado contraste com as duas frases anteriores. Por fim, a estrofe termina com outra frase ascendente com termino curto descendente. E esses aspectos
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maior parte da melodia s utiliza duas notas que so intercaladas de forma bastante
ritmada, somente ao fim da estrofe que h um movimento de ascendncia e descendncia curto num mbito de quinta. A utilizao de somente uma melodia de
mbito curto e com poucas notas j modifica o carter musical. A harmonia est em
Am, e uma tendncia, pelo menos da nossa cultura ocidental, associar harmonia
menor tristeza. O encadeamento harmnico Am, C, F, Dm, Bm( b5)7, G7, Em7,
e o fato de no usar a dominante e sim o quinto grau menor caracteriza uma sonoridade mais elia do que menor, mas nem por isso deixa de ser possvel a associao
com a tristeza pois as sonoridades so muito parecidas. Quando estamos tristes ou
em estados depressivos em geral, agimos e falamos mais lentamente. Apesar do pulso
ser o mesmo, a bateria realiza uma seqncia rtmica que demora dois compassos
para terminar, um perodo bem maior do que nos padres anteriores, e isso d a
impresso de estar mais lenta essa estrofe. Por fim, as cordas preenchem a harmonia, de forma que os instrumentos constantemente realizam notas meldicas e mudanas de posio, mas com ritmo diferente. Isso d uma sensao de desencontro
e de irregularidade que pode corroborar com uma associao com a tristeza, que
uma emoo negativa e que despertada geralmente por decepes, frustraes e desencontros.
A quinta estrofe (c.69 ao c.82) apesar de possuir a mesma melodia no vocal possui
elementos muito diferentes que possibilitam a associao com outra emoo: o
medo. Sentimos medo de que algo no decorra como esperado, ou que se perca algo,
que alguma situao tenha um fim indesejado. Produz sensaes muito fortes e desagradveis no indivduo. um estado de muita tenso, ansiedade, angstia e frustrao eminente. Pode produzir comportamentos completamente dicotmicos,
como uma completa estaticidade ou comportamentos explosivos, desenfreados e
descontrolados. Alguns recursos foram usados para produzir uma sonoridade que
pudesse ser expressiva desse estado emocional. O primeiro dado o contraste entre
a harmonia dessa estrofe com a da estrofe anterior. O encadeamento harmnico :
Am, C # m, Fm, Dm, B bm, Gm, Em7. Por usar somente acordes menores, cria uma
sonoridade tensa ou at mesmo sombria. Ao contrrio da estrofe anterior no
possui um campo harmnico proveniente de uma escala diatnica. Cada acorde
sempre provoca uma tenso cromtica com pelo menos alguma nota do acorde anterior. Por exemplo, d sustenido de C #m com d de Am, ou l bemol de Fm com
l natural de Dm. Alm dessa tenso, cada um desses acordes dura dois compassos,
e so sustentados pelas cordas e baixo eltrico. Sempre no segundo compasso as madeiras e trompas fazem um acorde que funciona como um cluster do acorde que esta
sendo tocado pelas cordas. Somente o ltimo acorde feito junto s cordas durando dois compassos. Ou seja, todas as notas fazem uma dissonncia de segunda
maior ou menor com as notas tocadas pelas cordas. A seqncia harmnica G7, B7,
E b7, Em7, A b7, F7. Pelo cluster seguir tambm uma lgica tridica e ser tocado com
a distncia de um compasso, o resultado mais brando do que normalmente acontece nos clusters, mas nem por isso deixa de ser dissonante. A tambm uma tenso
rtmica provocada por uma polirritmia. Ao mesmo tempo em que cordas, baixo
eltrico, trompas e madeiras sustentam notas longas, outros instrumentos produzem notas rpidas e contrastantes entre si. Isso lembra a caracterstica dicotmica
do medo. O violino I segue um padro meldico e rtmico, sempre em semicolcheias que vai variando de acordo com a harmonia. A
gran cassa faz um ritmo constante de duas colcheias e quatro semicolcheias. A guitarra eltrica faz o ritmo inverso, com quatro semicolcheias e duas colcheias e depois do c.77 seguem sempre em semicolcheias. A bateria faz padres irregulares e
varia sempre estes, aumentando a intensidade ao se aproximar do fim da estrofe.
Por fim, o agog faz um ritmo em quilteras de 3 contrastando com os demais instrumentos. Todo esse excesso de informao contrastante e complexidade rtmica
e harmnica criam uma tenso forte que pode levar a uma associao com o medo.
Uma pequena transio (c.83 ao c.86) realiza um encadeamento harmnico como
se fosse modular para d maior, contudo resolve o acorde de sol maior com stima
menor em mi bemol maior, que o terceiro grau de emprstimo do homnimo. O
importante que nessa estrofe diminui o excesso de informaes e dissonncias
causando uma sensao de alvio.
A sexta estrofe (c.84 ao c.108) volta idia de alegria, animao e esperana. Retorna
a tonalidade maior em mi bemol maior, que comumente est associada alegria. A
harmonia segue uma lgica tonal e previsvel. O ritmo bem menos complexo, com
muitas notas longas e padres simples e regulares produzidos pela bateria. E devido
a essa simplicidade, junto a harmonia maior e ao ritmo rpido, mas sem complexidade, essa estrofe pode ser associada a emoo alegria.
Por fim, uma ltima estrofe (c.109 ao c.126), que funciona como coda volta a sonoridade do samba, repetindo sempre uma melodia que tem um carter livre e despretensioso, com uma harmonia que oscila entre mi bemol maior e l bemol maior
(sua subdominante). E essa estrofe final mantm o carter alegre, agora porm mais
jocoso e encaminha para o fim da msica.
Concluso
A Emoo Extrnseca em msica apesar de ainda ser um estudo novo e insipiente, j
capaz de trazer novas possibilidades para anlise e composio musical, trazendo
recursos suficientes para delimitar possveis associaes feitas para uma msica de
acordo com os elementos que esta contm na sua estrutura. Apofenia Musical um
caminho que possivelmente satisfaz as questes conceituais de como e porque
feita uma associao com uma ou mais emoes ao escutar uma msica. A seleo
de emoes bsicas que so normalmente associadas msica pode ser uma estrat-
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gia eficiente para delimitar os objetos de estudo. Os dados coletados nesse tipo de
pesquisa podem posteriormente servir como base para o estudo de outras emoes
diferentes e at mais complexas. Um caminho possvel para pesquisas futuras coletar mais informaes sobre aspectos provenientes de um estado emocional e tentar listar os elementos da estrutura musical que possuem semelhana com esses
aspectos. Outra possibilidade de pesquisa promover outras anlises a partir do
que j existe de material produzido na pesquisa da Emoo Extrnseca em msica.
1 Traduo livre de: Wir fhrten eigangs fr das spezifische Erlebnis des abnormen Bedeutungs-bewutseins bzw. das Erlebnis der ,,Beziehungsetzung ohne Ala, also fr jene Erlebnisweisen, die gemeinhin auch als Wahnwahrnehmung, Wahnvorstellung usw.
Bezeichnet werden, die Bezeichnung der Apophnie ein, um einen handlichen und klar definierten Ausdruck zur Verfgung zu haben fr eine Erlebnisform (Conrad, 1958, p.46).
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Palavras-chave
Interdisciplinaridade; pesquisa em msica; msica e gesto; administrao
Introduo
Este trabalho visa embasar a questo da interdisciplinaridade e explorar a interface
entre msica, administrao de empresas e engenharia de produo. Tal abordagem realizada com base em um levantamento bibliogrfico de publicaes nas
reas de engenharia de produo e administrao de empresas que envolvam o tema
msica, alm de algumas publicaes na rea musical envolvendo aspectos da administrao e da engenharia de produo. As publicaes selecionadas foram artigos em peridicos, dissertaes de mestrado, teses de doutorado, trabalhos de
formatura e artigos publicados em anais de dois importantes eventos nacionais na
rea de gesto de operaes: o Encontro Nacional de Engenharia de Produo
(ENEGEP), promovido pela Associao Brasileira de Engenharia de Produo (ABEPRO), e o Encontro da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Administrao (EnANPAD).
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Interdisciplinaridade
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bastante eficiente na soluo dos problemas especficos em que se detm para estudar, porm suas reas de investigao representam um espectro bastante reduzido da concepo global da realidade. Nesse sentido, o recorte analtico acaba por
restringir o cientista a uma viso que torna dificultoso o entendimento mais amplo
do mundo (Kuhn, 1981). Rubem Alves corrobora este pensamento:
Voc pode ser um especialista em resolver quebra-cabeas. Isto no o torna mais
capacitado na arte de pensar. Tocar piano (como tocar qualquer instrumento)
extremamente complicado. O pianista tem de dominar uma srie de tcnicas
distintas oitavas, sextas, teras, trinados, legatos, staccatos e coorden-las,
para que a execuo ocorra de forma integrada e equilibrada. Imagine um pianista que resolva especializar-se [. . .] na tcnica dos trinados apenas. O que vai
acontecer que ele ser capaz de fazer trinados como ningum s que ele no
ser capaz de executar nenhuma msica. Cientistas so como pianistas que resolveram especializar-se numa tcnica s. Imagine as vrias divises da cincia fsica, qumica, biologia, psicologia, sociologia como tcnicas especializadas.
No incio pensava-se que tais especializaes produziriam, miraculosamente,
uma sinfonia. Isto no ocorreu. O que ocorre, freqentemente, que cada msico surdo para o que os outros esto tocando. Fsicos no entendem os socilogos, que no sabem traduzir as afirmaes dos bilogos, que por sua vez no
compreendem a linguagem da economia, e assim por diante. A especializao
pode transformar-se numa perigosa fraqueza. (Alves, 1982: 11-12)
A idia de que o mundo seria um grande relgio, com muitas engrenagens, que estudadas individualmente (cada uma por sua respectiva cincia), permitiriam a
partir da unio de todos esses conhecimentos especficos a constituio de um conhecimento global acerca da realidade foi contestada pela teoria sistmica (Bertalanffy, 1977; Crema, 1989; Capra, 1993; 1995). Esta vertente epistemolgica prev
que a soma de vrias partes no forma o todo, e que este somente pode ser compreendido de maneira global a partir do entendimento geral dos fenmenos dinmicos que se inter-relacionam e, por meio dessas relaes, constituem um sistema
integrado, indissocivel. Segundo Crema (1989: 68), a abordagem sistmica
[. . .] consiste na considerao de que todos os fenmenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma global; tudo interdependente.
Sistema (do grego systema: reunio, grupo) significa um conjunto de elementos
interligados de um todo, coordenados entre si e que funcionam como uma estrutura interligada.
O fsico Fritjof Capra (1993) demonstrou, em sua obra O tao da fsica, que diferentes concepes e maneiras de explicar determinados fenmenos trazem sua contribuio para o estudo destes, porm nenhuma vertente do conhecimento capaz
de oferecer uma soluo nica e incontestvel para a explicao da realidade:
Na tentativa de compreender o mistrio da Vida, homens e mulheres tm seguido muitas abordagens diferentes. Entre estas, encontram-se os caminhos do
cientista e do mstico. Existem, contudo, muitos outros: os caminhos dos poetas, das crianas, dos palhaos, dos xams isso para indicar apenas uns poucos.
519
520
O que Capra (1993) demonstra em sua obra justamente a inexistncia de um caminho unvoco para a compreenso de determinado fenmeno. Em seu escrito O
ponto de mutao (Capra, 1995), o terico segue a mesma direo de pensamento,
adicionando citada constatao a impossibilidade de se compreender determinado processo isoladamente, ou seja, sem compreender suas interao com outros
processos que constituem um organismo, um sistema.
A concepo sistmica v o mundo em termos de relaes e de integrao. Os sistemas so totalidades integradas, cujas propriedades no podem ser reduzidas s
de unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos ou substancias
bsicas, a abordagem sistmica enfatiza os princpios bsicos de organizao. Os
exemplos de sistemas so abundantes na natureza. Todo e qualquer organismo
desde a menor bactria at os seres humanos, passando pela imensa variedade
de plantas e animais uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo.
(Capra, 1995: 260)
A teoria sistmica tem sido traduzida, em diversas esferas cientficas, pela concepo de rede. Como ferramenta analtica, as redes so adotadas nos mais diversos
campos do conhecimento, como a sociologia, a educao, a informtica, a matemtica, a economia, a engenharia e a administrao. Epistemologicamente, podese entender que os ns das redes so os conceitos, os quais so compartilhados pelas
diversas reas do conhecimento, que constituem as ligaes (ou linkages) da rede.
Ademais, as redes apresentam caractersticas como a flexibilidade, que induzem
noo de que uma mudana terica em determinada rea (ligao) ou conceito (n)
repercutir por toda a rede, levando ocorrncia de reflexos em outros campos, em
maior ou menor grau. Esse fato se vincula noo de interdependncia e inter-relacionamento entre as diversas reas do saber.
Tal relacionamento entre campos de estudo, que emergiu desde finais do sculo
XX, considerado produto de novas divises do trabalho intelectual, pesquisas colaborativas, campos de conhecimento hbridos, estudos comparativos e perspectivas de pretenso holstica ou unificada (Klein, 1990: 11). Ademais, relaciona-se ao
chamado pensamento complexo, que busca reconhecer a multidimensionalidade
dos fenmenos e ser capaz de associar o que est separado e conceber a multidimensionalidade de toda realidade antropossocial (Morin, 1986, pp. 113-22)
importante divisar, porm, em que sentido tais vises globais de determinados fenmenos, ou da realidade como um todo, criadas a partir da conjugao de conhecimentos (parciais) de reas que estudam partes da realidade, seriam diferentes da
perspectiva filosfica clssica.
521
522
mas tambm entre cincia(s), filosofia, filosofias orientais, religio e outros saberes extracientficos. Essas formas de conhecimento exteriores cincia, cabe notar,
tm procurado obter filosoficamente a legitimidade cientfica e suas verdades tm
pretenso de verdade cientfica. (Gadamer, 1977)
Para Carvalho (1988, p. 93), multidisciplinaridade diz respeito ao momento de
uma pesquisa em que se faz uso de contribuies de diferentes disciplinas, porm
tal colaborao fortemente localizada e limitada, sendo que cada disciplina mantm seu prprio campo de estudo, com autonomia de seus mtodos e de seu escopo.
J a interdisciplinaridade diria respeito a uma coordenao mais acentuada entre
disciplinas, com uma intercomunicao mais efetiva entre pesquisadores de diferentes reas; as vrias disciplinas adaptam seus mtodos ao esforo comum com
planejamento e pretenso de continuidade, sendo que o objeto de estudo comum
passa a ser objeto tambm de cada disciplina por si s. Carvalho (1988) destaca
ainda o conceito de intradisciplinaridade, que se origina da particularizao de um
objeto de pesquisa, que passa a ser o foco de uma subdisciplina, que entretanto no
obtm autonomia quanto aos mtodos em relao disciplina qual pertence. Por
fim, para Carvalho (1988) a transdisciplinaridade a elaborao de um novo objeto,
estudado por um mtodo comum a vrias disciplinas, processo que culmina com a
criao de uma nova cincia, constituda por contributos de diversos campos do
conhecimento; h uma unidade complexa do objeto com uma multiplicidade de
vertentes deste novo campo do saber heterogeneamente constitudo. Ou, para Pereira (2004, p.5), transdisciplinaridade o saber que se obtm a partir de todos os
saberes da cultura, isto , da Cincia, Filosofia, Arte, Religio e Senso Comum.
um saber que pertence esfera maior dos conhecimentos humanos.
Klein (1990) nota que a interdisciplinaridade, por um lado, descrita como nostalgia de uma inteireza de mundo perdida; por outro, como um novo estgio da
evoluo das cincias. A associao do termo se d a uma ampla gama de experincias. Se um fsico pode associar interdisciplinaridade a variados nveis de convergncia dos conhecimentos da fsica moderna, da qumica e da biologia, o mesmo
pode no conceber como tal relacionamento se d nas cincias sociais. Economistas podem condenar a interdisciplinaridade como diletantismo, enquanto usam
em suas pesquisas estudos interdisciplinares sobre o terceiro mundo. O termo interdisciplinaridade, nota a autora, j foi usado para descrever tanto uma grande
unidade do conhecimento humano quanto uma colaborao limitada entre duas ou
mais cincias.
Fazenda (2006) nota que a interdisciplinaridade, como movimento, surgiu na Europa, principalmente na Frana e na Itlia, durante a dcada de 1960, em meio s
movimentaes estudantis que ocorriam quela poca. Contrapunha-se organizao acadmica que desprezava o conhecimento da cotidianidade e da contemporaneidade e que prezava a alta especializao, cultivando apenas olhares em uma
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524
Trabalhos no ENEGEP
(1996-2008)
Trabalhos no
Teses, Dissertaes e
EnANPAD (1997-2008)
TCCs
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Msica no ambiente de
trabalho / msica e qualidade
de vida no trabalho
Ergonomia no trabalho do
intrprete musical
Educao musical a distncia/
msica e tecnologias da informao e comunicao (TICs)
Gesto de organizaes do
terceiro setor de carter sociocultural
Gesto de instituies educativo-musicais: conservatrios,
escolas de msica, faculdades
Paixo (1998)
Atividades socioculturais em
projetos comunitrios
Percepo e cognio musical
Fleury (2003)
Santos (2009) [TTC
Engenharia de Produo EESC-USP]
Lemos, Alencar e Costa
(2006)
vido pela Escola de Administrao de Empresas de So Paulo (EAESP) da Fundao Getlio Vargas (FGV) no foram encontrados trabalhos sobre o tema.
526
Na tabela 1, a seguir, h uma lista exaustiva dos estudos encontrados nos anais dos
ENEGEPs e EnANPADs que contivessem qualquer referncia significativa a "msica" ou "musical", ou que exemplificam uma abordagem possvel de ser aprofundada. Na tabela, so tambm mencionados, com um carter exemplificativo,
algumas dissertaes de mestrado, teses de doutorado e trabalhos de formatura de
cursos de graduao do Brasil que ilustram a sntese possvel do conhecimento entre
as operaes de gesto e de msica. Note-se que outras fontes, como peridicos e outros anais de eventos acadmicos no foram levantados.
A seguir, sero analisados brevemente cada um dos temas de pesquisa destacados.
euforia e agitao. Semelhante foi o estudo desenvolvido por Barros et al. (2008),
que procuraram compreender o comportamento de consumidores de msica na
Internet por meio do consumo digital (download) ilegal de materiais fonogrficos,
fenmeno este inserido no quadro do que foi denominado como pirataria virtual.
J Carvalho, Hemais e Motta (2001), entendendo o momento da entrega de um
servio como um espetculo teatral promovido pela organizao, procuraram estudar o comportamento dos consumidores nesse momento em relao msica
que compunha a ambincia do cenrio em que se realizam as entregas de servios.
H tambm trabalhos explorando o uso de ferramentas de gesto da produo no
desenvolvimento de produtos musicais: Cota Jnior e Cheng (2006), por exemplo, estudaram a aplicao do planejamento e controle da produo (PCP) no desenvolvimento de toques musicais para telefone celular. J outros estudos focam-se
nos meios de comercializao da msica: Yamatogi, Nantes e Lucente (2001) realizaram um estudo de casos mltiplos, em trs empresas, sobre o comrcio eletrnico (e-commerce) de discos de msica (CDs), mostrando que, poca, as vendas
de tais produtos pela Internet representavam de 4 a 10% das vendas totais nas empresas pesquisadas. Outro trabalho investigou aspectos logsticos no varejo virtual
(e-Commerce B2C, business-to-consumer) de CDs, explorando aspectos como
tempos de ciclo, ou seja, o tempo total de entrega dos produtos encomendados via
Internet (Uehara, 2001). H ainda trabalhos que discorrem sobre as mudanas tecnolgicas, genericamente, discutindo exemplos como a transio das fitas cassetes
e CDs para os DVDs como mdias portteis de contedos musicais (Monserrat
Neto, 1997). O estudo de Filgueiras e Silva (2002), que analisaram panoramicamente as gravadoras de msica no Brasil, destacou que a indstria fonogrfica brasileira sofre ameaas devido a fatores como a pirataria e o download virtual gratuito
de msicas, a ambiguidade estratgica de vrias gravadoras, a ausncia de marketing de marca, a falta de relacionamento com consumidores finais e artistas e o
grande desconhecimento a respeito de como os CDs so atualmente consumidos.
Estudo interessante a se destacar na rea que pode ser chamada de engenharia de
produo do entretenimento aquele relacionado cadeia produtiva ou cadeia de
valor em grupos musicais independentes. Menezes et al. (2006) estudaram a cadeia
de valor de uma banda de rock, entendendo a msica como um produto processado
ao longo de uma ampla cadeia de atividades estratgicas, em que a cada etapa agregase valor por meio da vantagem competitiva em relao aos concorrentes. Essa cadeia
produtiva envolveria desde a criao musical, na qual a o grupo musical o cerne,
at materializao do produto (msica) por meio de gravaes, sua divulgao e
distribuio e o encantamento do pblico.2
1.2.
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528
letivo por uma empresa de nibus, destacando o quesito conforto versus rudo e
concluindo que: Provavelmente, se fossem feitas avaliaes de limite de decibis,
seriam ultrapassados os 85 db permitidos por lei, algo que com certeza influencia
diretamente no quesito conforto (Pereira et al., 2005, p. 1675).
Outro campo que se destaca o estudo da interrelao msica-qualidade de vida no
trabalho. Normalmente, as abordagens referem-se a atividades musicais de carter
sociocultural desenvolvidas para a motivao de funcionrios em empresas. H,
porm, uma outra perspectiva possvel: a de se estudar a qualidade de vida no trabalho do prprio msico, tema da pesquisa de El-Aouar e Souza (2003).
529
530
A gesto de organizaes no governamentais (ONGs) tema de emergente interesse desde a dcada de 1990. Grande parte dessas organizaes mantm projetos
socioculturais, quase sempre envolvendo a educao musical. Santos (2009), por
exemplo, em trabalho de formatura em Engenharia de Produo estudou a gesto
no terceiro setor, tendo como referencial o Instituto Baccarelli, na cidade de So
Paulo, associao civil sem fins lucrativos que mantm orquestras e coros voltados
ao atendimento da comunidade carente de Helipolis, em So Paulo.
531
532
Concluses
Estudos sobre msica e gesto de operaes podem trazer contribuies tpicas da
interdisciplinaridade. Por um lado, a atividade musical pode ganhar em qualidade
no momento em que seus atores obtm conhecimento de tcnicas e conceitos de
gesto de operaes (GO); e pesquisadores de gesto podem enriquecer seus estudos e teorias ao entrarem em contato com o campo de atividades da arte. Alm
disso, a pesquisa interdisciplinar pode sofrer deficincias de contedo, j que dificilmente h profissionais qualificados para avaliar um estudo envolvendo engenharia de produo, de gesto e de msica; tanto trabalhos de pesquisadores de
gesto de operaes podem revelar falta de conhecimentos suficientes na rea de
msica, como estudos realizados por msicos podem revelar um nvel muito baixo
de compreenso de conceitos da gesto. Isto faz alguns trabalhos mostrarem-se superficiais.
Relativamente reviso da literatura brasileira, muitos dos estudos mencionados
no mostram o que pode ser conceituado como a interdisciplinaridade, uma vez
que no exigem conhecimento de msica e conhecimento de gesto: em geral, eles
so apenas estudos de gesto cujo tema a msica, e esses estudos no exigem conhecimentos tcnicos na rea artstica.
Ainda sobre a pesquisa brasileira, importante notar que alguns estudos no foram
selecionados j que no foram publicados nos veculos pesquisados. Estes estudos
concentram-se principalmente em aspectos de liderana, motivao, gesto de recursos humanos, organizao do trabalho e gesto de competncias nos grupos musicais (coros), e sobre as habilidades e competncias e outros aspectos de gesto do
trabalho do maestro (Fucci Amato, 2007, 2008, 2009; 2010; Fucci Amato, Amato
Neto 2007a, 2007b, 2007c, 2008, 2009).
Todas as abordagens possveis sobre a msica interface de gesto descritas no presente documento so campos abertos esperando um amplo desenvolvimento de
pesquisas.
533
1 Nissani (1997) rejeita esse caminho conceitual de se definir vrios tipos de interdisciplinaridade.
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Coral e trabalho:
o canto em conjunto como atividade de lazer e o coro
como organizao produtiva de bens e servios culturais
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Palavras-chave
Canto coral; regncia coral; motivao; trabalho.
1. Introduo
A viso tradicional do coro amador como um espao de lazer, motivao, integrao interpessoal, incluso social e como um grupo de ensino-aprendizagem musical e vocal no exclui sua anlise sob uma perspectiva interdisciplinar, envolvendo
a interface msica-administrao. Nesse sentido, o presente trabalho visa a desenvolver a anlise de aspectos organizacionais e administrativos relacionados estruturao e ao trabalho de coros, bem como s atribuies e atividades desempenhadas
pelos regentes desses grupos.
Primeiramente enfoca-se uma reviso bibliogrfica interdisciplinar, nas reas de
msica (regncia e canto coral), administrao de empresas, engenharia de produo, educao e sociologia, visitando-se autores como Nelson Mathias, Heitor VillaLobos, Abraham Maslow, Chester Barnard, Alain Wisner, Christophe Dejours,
Norbert Elias e Domenico De Masi. A seguir, so estudados os casos de trs coros
com diferentes caractersticas: (a) um coral municipal uma cidade de porte mdio
do interior paulista; (b) um coral de empresa, formado por trabalhadores da ope-
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Por outro lado, pode-se visualizar o coro apenas como um grupo; em caso de coros
amadores, como um grupo criativo e sem fins lucrativos, conforme a abordagem
efetuada pelo socilogo italiano Domenico De Masi (2003, p. 674). Seja como organizao, seja como grupo, o coro um sistema de produo que, como tal, tem
uma determinada configurao de seus recursos: alm das pessoas, materiais, informaes, equipamentos e energia ou custos (Fleury, 2008, p. 2). Organizao ou
grupo, todo coro conta com uma estrutura organizacional, sendo, no caso do canto
coral, a dimenso pessoal uma das mais proeminentes.
o outro. Levanta-se aqui a questo fundamental da cooperao. Primeiro a cooperao horizontal com os colegas, com o coletivo de trabalho, com a equipe; e
a cooperao vertical com os subordinados e com os chefes. (Dejours, 2007, p.
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vulgada, aquela do chefe autoritrio, manipulador, cumpridor de metas. Outra inovao no pensamento deste autor refere-se ao estabelecimento da autoridade do
lder que referendada pelos liderados. Usualmente, essa questo era entendida
como fruto do poder e persuaso do lder, no entanto, em Barnard surge a concepo de que os liderados autorizam e necessitam que a liderana seja exercida, especialmente quando da elaborao de valores e metas da organizao.
Barnard escreveu tambm sobre a natureza e a importncia da organizao informal, reconhecendo que essa organizao delimita valores e condicionantes comportamentais dentro da empresa. Segundo Gabor apud Migliato e Perussi Filho
(2008, p. 73): As organizaes formais so vitalizadas por organizaes informais.
As funes do executivo formuladas por Barnard dizem respeito, em primeiro lugar,
ao gerenciamento de um sistema de comunicao eficaz (meios formais e informais) para informar os deveres organizacionais e suas hierarquias; em segundo lugar,
incrementar a participao de pessoas para um relacionamento cooperativo com a
organizao; em terceiro lugar, implementar um conjunto de aes para efetivar os
objetivos e fins da organizao.
Barnard foi, pois, o primeiro autor a se preocupar em expor consistentemente as
funes do executivo, concentrando-se nas questes humanas, psicolgicas e comportamentais. No centro de sua argumentao est a tenso entre a obteno dos
objetivos organizacionais (denominado de eficcia) e a necessidade dos indivduos
de alcanar seus objetivos pessoais (eficincia), colocando o autor que os objetivos
organizacionais no podem ser alcanados a menos que a liderana reconhea um
conjunto de aspiraes individuais e descubra um meio de ajudar os funcionrios
a alcan-los. Assim, o sistema cooperativo funciona melhor se h equilbrio entre
ambos. Da ser considerado que Barnard teve um pensamento pioneiro sobre a natureza da liderana (conceito do bom administrador como um formador de valores), contrastando com a figura do administrador autoritrio e manipulador
(sistema de recompensas). Precursor da abordagem holstica nas organizaes, Barnard previa que todos os atos das pessoas e das organizaes esto direta ou indiretamente interligados e so interdependentes, inserindo nessa concepo os
fundamentos do que veio a ser conhecido como gesto por objetivos (Migliato e Perussi Filho, 2008).
Aplicando as descries de Barnard sobre o trabalho do executivo atividade gerencial do regente de um coro amador, Fucci Amato, Amato Neto e Escrivo Filho
(2010) notaram que a liderana exercida pela regente do grupo estudado era primeiramente baseada em sua habilidade musical; em segundo lugar, em sua facilidade
de tomar decises levando em conta negociaes com os cantores; em terceiro, advinha da compreenso e aceitao de seu padro de liderana pelos coralistas, proporcionada essa internalizao pelo forte poder intuitivo da maestrina em fomentar
um imaginrio apto a motiv-los a concretizar objetivos reais; finalmente, era faci-
Quanto ao canto coral, este configurado como uma prtica musical exercida e difundida nas mais diferentes etnias e culturas. Por apresentar-se como um grupo de
aprendizagem musical, desenvolvimento vocal, integrao interpessoal e incluso
social, o coro um espao constitudo por diferentes relaes interpessoais e de ensino-aprendizagem, exigindo do regente uma srie de habilidades e competncias re-
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Destarte, o canto coletivo constitui uma notvel ferramenta de integrao interpessoal e socializao cultural. O canto coral atua, na perspectiva da integrao,
como um meio de eliminao de quaisquer barreiras entre os indivduos, colocando
todos em uma posio de aprendizes.
Os trabalhos com grupos vocais nas mais diversas comunidades, escolas, empresas,
instituies e centros comunitrios pode, por meio de uma prtica vocal bem conduzida e orientada, realizar a integrao, dissipando fronteiras sociais. O regenteeducador, na igualdade da transmisso de conhecimentos novos para todos os
coralistas, independentemente de origem social, faixa etria ou grau de instruo,
tem o poder de envolv-los no fazer do novo, ou seja, de coloc-los como agentes
do instigante processo da criao artstica.
Ao cumprir com as normas do coro, dedicar-se ao aprendizado da msica nos ensaios e em horas extras, o indivduo se integra ao grupo na busca de metas comuns,
configurando um carisma grupal, por meio do qual todos os sentimentos e obstculos so transpostos (Elias e Scotson, 2000), para que todos os indivduos contribuam para o cumprimento dos objetivos comuns a todos os coralistas. Essa prtica
musical desenvolve um senso de unio grupal em torno de metas e objetivos comuns, canalizando as aes e sentimentos individuais para uma produo artstica
coletiva, na qual se conjugam a disciplina rigorosa, o estudo com afinco e dedicao
de cada um dos agentes, culminando na constituio do carisma grupal.
Para abordar mais densamente tal conceito, relevante retomar brevemente o contexto terico em que se insere no trabalho de Norbert Elias e John Scotson, que estudaram a fonte de diferenciais de poder entre grupos inter-relacionados, os
estabelecidos e os outsiders.
Os termos establishment e established so utilizados pelos autores para se referirem,
respectivamente, a um grupo e a indivduos que, dentro de uma escala hierrquica,
ocupam posies superiores de prestgio e poder. Tal grupo identifica-se e reconhecido como uma boa sociedade, influente e melhor, construda sobre os pilares da tradio, da autoridade e da influncia, presentes decisivamente nessa
identidade social, sendo que seus membros tambm so considerados modelos morais para o restante da sociedade. Em oposio aos estabelecidos, encontra-se o
grupo dos outsiders, concebidos como os no membros da boa sociedade, aglutinados em agrupamentos heterogneos e difusos, com relaes interpessoais de
menor intensidade que os establishment e com um menor grau de reconhecimento
e identidade cultural entre seus membros (Neiburg, 2000).
A categorizao dos grupos estabelecidos passa por um carisma grupal, e todos os
que esto inseridos no establishment participam desse carisma e submetem-se s regras mais ou menos rgidas desse grupo, com o sacrifcio da satisfao pessoal em
prol do fortalecimento e coeso da coletividade:
A participao na superioridade de um grupo e em seu carisma grupal singular ,
por assim dizer, a recompensa pela submisso s normas especficas do grupo. Esse
preo tem que ser pago por cada um de seus membros, atravs da sujeio de sua
conduta a padres especficos de controle de afetos. [. . .] A satisfao que cada um
extrai da participao no carisma do grupo compensa o sacrifcio da satisfao pessoal decorrente da submisso s normas grupais. (Elias; Scotson, 2000: 26)
O coro atua, assim, como um neutralizador das diferenas sociais (em sentido
amplo: econmicas, culturais, polticas, etc.), permitindo a todos a integrao em
uma coletividade, da qual participam como establishment. Da o carisma grupal,
que principalmente em coros amadores a base da motivao de cantores e regentes.
[. . .] a arte est ligada a receptores que, independentemente da ocasio em que
as obras de arte so apresentadas, formam um grupo fortemente integrado. O
lugar e a funo que a obra de arte tem para o grupo derivam de ocasies determinadas em que este se rene. [. . .] Portanto, uma das funes importantes da
obra de arte ser uma maneira de a sociedade se exibir, como grupo e como uma
srie de indivduos dentro de um grupo. O instrumento decisivo com o qual a
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Nota-se ainda que o coro tambm oportuniza a aquisio de saberes artsticos e estticos que podem provocar uma transformao na mentalidade dos coralistas e os
auxiliar em seu desenvolvimento intelectual e crtico. Conforme expressou Mathias (2001), um coro tem diversos nveis de ao, desde um nvel micro at o macro,
proporcionando que o indivduo se integre s dimenses pessoal (motivao), grupal (relaes interpessoais), comunitria (melhora da qualidade de vida), social (incluso) e poltica (participao democrtica nas aes pblicas). Provm dessa
conjuno de planos o poder comunicacional e expressivo do canto coral, sua fora
nica, prpria; uma fora vinda de uma ao comum, capaz de comunicar o concreto mundo dos sons, o abstrato da beleza da harmonia, e a plenitude do transcendental eis o poder da Comunica Som (Mathias, 1986, p. 15).
A partir da participao em um coro pode-se desenvolver o que Abraham Maslow
(1908-1970) chamou de auto-atualizao, isto , o uso e a explorao plenos de talentos, capacidades, potencialidades etc., sendo que o homem se auto-atualiza
no como um homem comum a quem alguma coisa foi acrescentada, mas sim como
o homem comum de quem nada foi tirado. O homem comum um ser humano
completo, com poderes e capacidades amortecidos e inibidos (Maslow apud Fadiman; Frager, 1986, p. 262). Alm da motivao, da convivncia e da aprendizagem proporcionadas pelo canto coral, essa prtica tambm nos leva a um
significativo prazer esttico, ou seja, a um conjunto de manifestaes significativas
em termos de emoes e sentimentos.
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Em termos intragrupais, ao lado da liderana forte e por vezes centralizada da regente na consecuo de altas metas definidas e na conduo de um grupo bastante
heterogneo e muitas vezes de dimenses relativamente grandes (em termos de nmero de coralistas), o Coral caracterizou-se pela unio de coralistas e regente diante
da felicidade resultante da aprendizagem musical, da convivncia, da cooperao e
do prazer de uma realizao individual e coletiva com qualidade artstica.
O homem o todo e, nesse processo, corpo, voz e emoo interagem simultaneamente. As emoes esto intrinsecamente ligadas ao equilbrio corporal e a
postura correta determinante na qualidade da voz. Essa viso holstica, da qual
o coral se utiliza amplamente, um dos pilares da filosofia da qualidade de vida,
inserida na filosofia da Qualidade Total. (Morelembaum, 1999, p. 76)
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Concluses
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A partir das anlises efetuadas, algumas concluses do estudo podem ser destacadas:
1) o coral como atividade de lazer em organizaes, colocado, sob essa perspectiva,
em oposio ao trabalho, faz parte de uma preocupao das organizaes com a
sade mental de seus funcionrios e colaboradores, bem como oferecido comunidade como atividade sociocultural de extenso por instituies educativas como
as universidades; 2) h diversas conceituaes de trabalho, sendo que sob uma perspectiva meramente econmico-financeira apenas o canto coral profissional seria
caracterizado como trabalho; porm, adotando-se outras conceituaes, pode-se
entender que h trabalho em qualquer atividade coral; 3) o aspecto que mais marca
o trabalho no canto coral seu carter coletivo, colaborativo e cooperativo, instituindo o coro como um paradigma de trabalho em equipe; 4) em coros, as relaes
interpessoais costumam ser calorosas, horizontais, fundadas na solidariedade e na
emotividade; 5) as atividades de gesto de recursos humanos e materiais, de organizao e planejamento tm foco no regente, principalmente em coros amadores,
em que o maestro visto como o profissional responsvel por tais tarefas e pelos
resultados obtidos pelo grupo.
1 Pode-se inferir, ainda, que aps as etapas descritas por Dejours (1987), chegar-se-ia a uma
sociedade fundada no mais no trabalho, mas no tempo vago, segundo Domenico de Masi
(2000, p. 13).
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Introduo
Este artigo, adaptado de um dos captulos da tese que estou desenvolvendo sobre
educao musical de adolescentes em cumprimento de medida scio-educativa, dis-
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A Famlia
A instituio familiar se enfraqueceu por diversos motivos: pauperizao, arbitrariedades, drogas, lcool, violncia, prostituio, abandono e rejeio dos filhos. As
boas condies das relaes familiares so de grande importncia, pois [. . .] os comportamentos anti-sociais somente se desenvolvem se houver condies propcias
na famlia (Gomide, 1990, p. 38). Aliada pauperizao e esse motivo no justifica os atos infracionais de menores de classes abastadas, mas somente vlido
para elas quando so atingidas por algum tipo de instabilidade financeira , o processo educativo a que as crianas so submetidas no leito familiar desencadeiam
comportamentos anti-sociais. A disciplina relaxada pode levar delinquncia, assim
como tambm a punio inconsistente, pois ela no possibilita vir conscincia o
efeito das aes: a punio inconsistente ou no-contingente interfere sobretudo
na percepo do indivduo, prejudicando a sua avaliao no que se refere aos efeitos que suas aes tem sobre os outros e sobre o meio (Gomide, 1990, p. 39). Nesse
sentido, a punio aplicada sem fins educativos como extravasamento de um sentimento colrico, desacompanhada em seu contexto de qualquer tipo de afetividade provocar um estado de carncia que se refletir na predisposio para atos
infracionais: a ligao entre a carncia e o crime proporcionada pela assertiva de
que a carncia prejudica fortemente a capacidade para constituir relaes afetivas
com os outros, que podem, ento, ser prejudicados sem remorso (Gomide, 1990,
p. 39). As tcnicas educativas sero eficientes se forem orientadas pelo amor de tal
forma que haja interiorizao de valores morais: [. . .] a aquisio e internalizao
de valores morais e a socializao necessitam da mediao do afeto para serem instaladas nos indivduos [. . .] (Gomide, 1990, p. 86). Para que essa interiorizao
ocorra, importante que haja uma proximidade entre o castigo e a transgresso e
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que seja feita uma autocrtica aps o ato. Os modelos mais comuns de agressividade na famlia so as brigas entre pais e a delinquncia em um de seus membros,
mas para que o modelo seja imitado preciso que tenha algum tipo de status relacionado ao poder.
Os maus tratos e a negligncia na infncia tambm so determinantes do comportamento em conflito com a lei. Quando a criana submetida ao poder dos pais
atravs do sofrimento de maus tratos ou negligenciada no que tange aos cuidados
que deve ter, a ao dos pais servir de modelo e exercer forte influncia no comportamento dos filhos e os poder levar delinquncia.
A famlia o primeiro agente socializador, mas ao nos depararmos com as aes
que desmancham no ar as no to slidas instituies sociais, percebemos que
so aes niilistas na construo de uma nova ordem. Nessa nova ordem est embutida a problemtica da ruptura familiar. Apesar da paixo pela mutabilidade, os
menores em situao de risco tm necessidade de terem vnculos duradouros, principalmente no que tange aos laos familiares:
Precisamos de relacionamentos, e de relacionamentos em que possamos servir
para alguma coisa, relacionamentos aos quais possamos referir-nos no intuito de
definirmos a ns mesmos. [. . .] precisamos deles, precisamos muito, e no apenas pela preocupao moral com o bem-estar dos outros, mas para o nosso prprio bem, pelo benefcio da coeso e da lgica de nosso prprio ser (Bauman,
2005, p.75).
Assim, percebemos que h um paradoxo no que diz respeito aos desejos de relacionamentos, mas o que sempre acaba imperando no o cultivo longo e cuidadoso das
relaes, mas o imediatismo na satisfao dos desejos e na soluo de problemas
que est intimamente relacionado a um sentimento hedonista: o mais importante
o prazer prprio sem se importar com os meios para consegui-lo, um sentimento
que no leva em considerao as consequncias futuras dos atos: as coisas devem
estar prontas para consumo imediato (Bauman, 2005, p. 81).
Este tipo de reao do menor em situao de risco aos relacionamentos se d devido
viso que tem de famlia, pois os problemas relacionados a ela so vrios: alguns
no tm nenhum contato com a famlia, outros no tm um dos genitores, outros
tm o pai alcolatra ou invlido, e outros tm os pais muito severos. A separao da
famlia, independente de ter sido antes ou no momento da institucionalizao, se
d em meio a uma crise que desencadeia depresso, culpa, necessidade de reparao
ou castigo. O carter histrico da relao do menor com sua famlia determinar as
causas da infrao que o levou ao confinamento: o processo educacional violento e
a ausncia de orientao e afeto permitem ao menor em situao de risco vislumbrar a rua como alternativa para ter dinheiro e emoo. O perfil das famlias da
maioria dos menores em situao de risco o seguinte: socialmente desorganizadas,
lares desfeitos, extrema pobreza. A indisponibilidade de recursos mnimos para a so-
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A Escola
Normalmente a famlia do menor em situao de risco est inserida nos estratos
mais baixos da hierarquia social e apresenta baixo nvel de escolaridade e qualificao profissional. H alguns fatores que precisamos considerar ao analisarmos as razes do baixo nvel de escolaridade entre os menores em situao de risco. Primeiro
preciso considerar que existe um esteretipo de juventude associado irresponsabilidade, virilidade, virtude, violncia, amor, alm de estar classificada em uma
faixa etria. Mas, [. . .] a idade um dado biolgico socialmente manipulado e manipulvel; [. . .] o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um
grupo constitudo, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma
idade definida biologicamente j constitui uma manipulao evidente (Bourdieu,
1983, p. 113). Nesse sentido, a juventude vai perdendo suas caractersticas conforme vai possuindo atributos dos adultos que esto relacionados ao ter poder: a
submisso s leis especficas do envelhecimento. Encontramos, pois, duas juventudes: uma de classe social privilegiada e outra desprivilegiada, fato que proporcionar diferentes experincias para as duas. Seria preciso analisar as diferenas entre
as duas juventudes no que diz respeito s condies de vida, pois de um lado temos
jovens que j trabalham e do outro, os que so apenas estudantes.
De um lado, as coeres do universo econmico real, apenas atenuadas pela solidariedade familiar; do outro, as facilidades de uma economia de assistidos
quasi-ldica, fundada na subveno, com alimentao e moradia e preos baixos,
entradas para teatro e cinema a preo reduzido, etc. Encontraramos diferenas
anlogas em todos os domnios da existncia [. . .] (Bourdieu, 1983, p. 113).
Mas a classe social desprivilegiada, que no permitia ao jovem desfrutar dessa fase
pela necessidade de assumir responsabilidades de uma pessoa adulta para poder sobreviver, descobriu o status de ser adolescente no qual o indivduo meio criana
e meio adulto, ou nem criana e nem adulto, o que faz com que o jovem tenha uma
existncia separada, como se estivesse socialmente fora do jogo. Durante a infncia e a adolescncia todas as atitudes e idias de uma nova situao so transmitidas
e recebidas inconsciente e involuntariamente. O que conscientemente aprendido
pertence a uma classe de problemas que necessita de reflexo. Mannheim diz que
[. . .] no incio da infncia at mesmo muitos elementos reflexivos so assimilados
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situao de risco deve levar em conta os problemas de aprendizagem e ser elaborado de forma que se atinja o sucesso, pois a experincia do sucesso resgata a autoestima: Expor o adolescente problema a uma situao na qual ele possa
experienciar o sucesso um modo de se atingir o objetivo, por outro lado, experienciar outro fracasso somente servir para agravar a percepo de incompetncia
j instalada anteriormente (Gomide, 1990, p. 46). O desligamento da escola favorece o engajamento ao grupo da rua. Assim, o rebaixamento da auto-estima na famlia e na escola faz com que busque sua elevao atravs do desenvolvimento do
comportamento anti-social nas ruas. Esse tipo de comportamento interferir diretamente em sua relao com o trabalho.
O Trabalho
O individualismo ganhou uma importncia exacerbada em detrimento da coletividade. O menor em situao de risco no se preocupa com os danos causados ao
outro, pois o que importa a satisfao do seu desejo. Na impossibilidade de conseguir uma mobilidade social atravs das vias aprovadas pela sociedade, vale tudo
para adquirir as vantagens que ela proporcionaria. Dessa forma, a idia de um
mundo melhor se encolhe diante de causas de grupos violentos e categorias desfavorecidas. As classes privilegiadas da sociedade agem da mesma forma que os menores em situao de risco ao se preocuparem unicamente com seu conforto e
sustentarem um descaso com a injustia econmica e a consequente misria humana. Em seu meio no faltam crticos sociais que renunciaram sua tarefa, pois
no falam de dinheiro e limitam-se defesa da batalha por reconhecimento. Segundo Bauman (2005), a identidade s surge com a exposio a uma comunidade
de destino, que so aquelas com as quais se tm afinidades. Dentro desse contexto,
o menor em situao de risco constri forosamente uma identidade que estereotipada e estigmatizada:
Num dos polos da hierarquia global emergente esto aqueles que constituem e
desarticulam as suas identidades mais ou menos prpria vontade, escolhendoas no leque de ofertas extraordinariamente amplo, de abrangncia planetria.
No outro polo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso escolha da
identidade, que no tm direito de manifestar as suas preferncias e que no final
se veem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros identidades de que eles prprios se ressentem, mas no tm permisso de abandonar
nem das quais conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham,
desumanizam, estigmatizam. . . (Bauman, 2005, p. 44).
Visto que, se por um lado o sistema econmico exclui essas pessoas, por outro o sistema poltico precisa delas, pois se tornam objetos de promoo dele prprio. O
processo de incluso se d atravs da poltica social e ela que pode sustentar uma
ideologia, talvez utpica, de que a sociedade se uniria para minimizar o problema
da misria humana. Nesse sentido, a histria dos menores em situao de risco pode
ser mudada, pois quando se trata da histria de seres humanos dotados de racionalidade e poder de deciso, ela no segue as leis inflexveis da fatalidade. Mas alguns
motivos fazem com que a histria do menor em situao de risco continue se desenvolvendo na criminalidade, a comear pela omisso do Estado: indivduos enfrentando os desafios da vida e orientados a buscar solues privadas para problemas
socialmente produzidos no podem esperar muita ajuda do Estado, cujos poderes
restritos no prometem muito e garantem menos ainda (Bauman, 2005, p. 51).
Alm da omisso do Estado, encontramos uma elite que exclui para manter seu status, pois uma classe dominante s subsiste onde existe uma classe dominada. A fa-
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lncia do sistema carcerrio dentro das instituies que se comprometem com a recuperao do menor em situao de risco outro motivo que o mantm na criminalidade: [. . .] o significado de cidadania tem sido esvaziado de grande parte de
seus antigos contedos, fossem genunos ou postulados, enquanto as instituies dirigidas ou endossadas pelo Estado que sustentavam a credibilidade desse significado tm sido progressivamente desmanteladas (Bauman, 2005, p. 51). A poltica
social tem sido ineficiente, muitas vezes boicotada pelos setores internos das instituies correcionais, favorecendo a continuidade do sistema repressor apoiado por
um sistema judicirio descomprometido com a soluo do abandono e carncia.
Enfim, a falta de apoio estatal faz com que o menor em situao de risco se empenhe na busca pelo caminho individual rumo felicidade: eles tm sido repetidamente orientados a confiarem em suas prprias sagacidade [sic; sagacidades],
habilidades e em seu esforo sem esperar que a salvao venha do cu [. . .] (Bauman, 2005, p. 52). A iluso da mobilidade social faz com que usem meios escusos
para consegui-la, sendo enganados, tratados como objetos descartveis, teis por
pouco tempo: feridos pela experincia do abandono, homens e mulheres desta
nossa poca suspeitam ser pees no jogo de algum, desprotegidos dos movimentos feitos pelos grandes jogadores e facilmente renegados e destinados pilha de
lixo quando estes acharem que eles no do mais lucro (Bauman, 2005, p. 53). Essa
uma situao muito comum na mquina do trfico de drogas.
fato que as diferenas reproduzidas pela estrutura de classes so decorrentes do
sistema capitalista que privilegia uns em detrimento de outros. A maioria das crianas brasileiras pobre e essas crianas das classes populares necessitam garantir sua
sobrevivncia desde cedo e so elas que so interpeladas pela polcia e pela justia em
nome da sociedade. Tal desequilbrio social chegou a um ponto em que a violncia,
em seus mais diversos aspectos, tornou-se meio de sobrevivncia. consenso geral
que o bem-estar comum depender do esforo de todos: todos ns dependemos
uns dos outros, e a nica escolha que temos entre garantir mutuamente a vulnerabilidade de todos e garantir mutuamente a nossa segurana comum (Bauman,
2005, p. 95). O esforo de todos leva-nos a vislumbrar uma utopia: uma irmandade
mundial/global que luta pela homogeneizao das identidades, logo, pela homogeneizao das classes sociais.
A Religio
Esse mesmo imediatismo que no permite ao menor em situao de risco o cultivo
lento e duradouro de um projeto de vida que traga perspectivas futuras e que se relacione vida material tambm o impede de vislumbrar uma vida futura espiritual,
e, embora admire e respeite os praticantes de uma vida religiosa, o imediatismo os
leva a rejeit-la: as pontes que ligam a vida mortal eternidade, laboriosamente
construdas durante milnios, caram em desuso (Bauman, 2005, p. 82). Por outro
Concluso
O estudo do importante papel do processo de socializao para o ajustamento do
ser humano pode nos levar a entender a origem do comportamento delinquente. A
socializao pode ser entendida como o processo de formao da identidade e
permeada por diversos fatores: social, cultural, poltico e econmico. Dentre esses
fatores, o poltico-econmico tem devastado inmeras famlias. O sistema capitalista brasileiro favorece o desenvolvimento da marginalidade na populao excedente que necessria manuteno do sistema capitalista atravs do desemprego
e do subemprego. Mas no temos nas instituies correcionais apenas adolescentes
da classe desprivilegiada, pois mais do que o fator poltico-econmico, o scio-cultural tem atingido inmeras pessoas sem levar em considerao sua condio de riqueza ou pobreza. Segundo Gomide (1990), vrias pesquisas foram realizadas
apontando como uma das principais causas dos comportamentos anti-sociais os
problemas na relao com a vida familiar. A teoria que pretende explicar a relao
entre origem familiar e delinquncia atravs de fatores psicossociais defende que as
condies inadequadas na famlia e fora dela originam a delinquncia. O esfacelamento de instituies tais como a famlia e a igreja tm deixado marcas negativas na formao da identidade dos adolescentes em conflito com a lei. A
identidade se forma na histria de vida do indivduo sendo uma interseco entre
o indivduo e a estrutura social a que pertence. Os principais fatores culturais responsveis pela origem da delinquncia tm se manifestado atravs das tcnicas educativas, da estrutura familiar e social, dos maus tratos ou da negligncia, da cultura,
do sistema educacional e da baixa auto-estima. Todos esses fatores influenciam diretamente na cognio musical, de forma que no basta apenas o educador ter conscincia desses fatores, mas necessrio demonstrar atitudes que reflitam seu
comprometimento com a educao musical do adolescente em cumprimento de
medida scio-educativa de forma holstica atravs da afetividade. A cognio musical na prtica do canto coral ou de qualquer outra atividade musical, para adolescentes em cumprimento de medida scio-educativa ou no, ter um
desenvolvimento mais eficaz a partir do momento em que o educador musical demonstrar um olhar mais humano ante seus alunos e buscar um desenvolvimento
mais humano dos mesmos.
565
Referncias Bibliogrficas
566
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567
Nem todo feito cultural tem conseqncias sociais palpveis. Mas pode ser que
aquele feito cultural que deixamos passar com descuido, justo aquele, incida efetivamente na comunidade. Ou que a soma de pequenas incidncias de feitos
culturais aparentemente irrelevantes adquira uma dimenso histrica muito
grande. por isso (e talvez s por isso) que os que nos dizemos interessados no
que acontece em nossa sociedade temos a obrigao de cultivar a capacidade de
auto crtica [. . .]1
Quando se fala em feito cultural (ato, evento ou acontecimento) est-se debruando sobre um territrio vasto, que pode incluir desde uma obra artstica at o
movimento social que a ela deu origem; desde o aprendizado de um conjunto de signos que representam a cultura de um povo at o sistema que propicia este aprendizado; ou seja, tudo que envolve o conhecimento humano. E se por conhecimento
entende-se tanto a informao ou noo adquiridas pelo estudo ou pela experincia , como conscincia de si mesmo, pode-se ter uma idia da dimenso histrica
que certos feitos culturais adquiriram em determinados grupos ou melhor, ocasionaram devido distrao de muitos membros destas sociedades . . .
O atraso de muitos sculos no estudo e valorizao da produo musical de compositores do sexo feminino se deve a um destes descuidos que incidiram efetivamente nas comunidades do mundo ocidental.2 Pois durante muitos sculos foi
considerado senso comum a inpcia feminina para qualquer atividade intelectual,
o que inclua a composio musical.
Jean-Jacques Rousseau (1712-78) dizia que a natureza da mulher a obrigava a uma
atitude de complementao ao homem, nico a encarnar a essncia da intelectualidade.3 E o msico Hans Von Bllow (1830-96), um sculo depois, afirmava
que no haveria jamais uma mulher compositora. Acima de tudo dizia eu detesto isso que representa a emancipao feminina.4
Sob este estigma de incompetncia, no admira que as compositoras s comeassem
a circular mais livremente pelos ambientes intelectuais a partir do sculo XX, apesar de existirem registros de composies que datam da Idade Mdia.5
Ainda hoje, em pleno sculo XXI, a produo musical feminina no chega a figurar em metade dos programas das salas de concerto do mundo ocidental . . .
as mulheres deveriam atuar. A esta realidade somou-se a de que a histria da msica ocidental foi pesquisada e registrada por estudiosos do sexo masculino, cujos interesses ignoraram totalmente a participao das mulheres em qualquer processo
musical relevante. Este quadro s comeou a mudar quando o acesso s escolas e,
principalmente, s universidades, foi permitido e incentivado ao sexo feminino
no sculo XX.
Mas a que se deve tal exlio? Qual a razo de tanta resistncia? As respostas so vrias. Comecemos por lembrar que a imagem mais difundida da mulher no ocidente
foi criada pela Igreja Catlica: a Virgem Maria. Qualquer outro exemplo era visto
pela igreja como uma ameaa vida espiritual, o que ocasionou a proibio feminina
nos coros e servios religiosos abertos comunidade. Ao apstolo Paulo atribuda
a frase deixe suas mulheres em silncio nas igrejas.6 Tambm baseado na teoria
crist, Rousseau afirmou que:
A mulher o modelo primordial da humanidade. Mas, perdido seu estado natural, torna-se um ser artificial, falso, mundano. Para se regenerar, ela deve aprender a viver segundo sua verdadeira origem. A regenerao passa pelo retorno
uma linguagem anterior palavra e idia, capaz de traduzir o amor conjugal e
maternal.7
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Clara Schumann
e a formao de uma mulher compositora
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Embora tenha nascido no incio do sculo XIX (1819), Clara Schumann (nascida
Clara Josephine Wieck) teve uma criao totalmente diferente da maioria das mulheres de sua poca. No s por ter sido uma virtuosa do piano desde a mais tenra
idade, mas tambm pela educao musical primorosa que seu pai, o famoso professor de piano Friedrich Wieck, lhe conferiu.
A infncia de Clara foi um dos fatores decisivos em sua carreira musical: antes que
a menina completasse cinco anos sua me, Marianne Tromlitz, abandonou o lar
para se casar com outro msico, Adolph Bargiel. E Friedrich Wieck, abalado com
a situao, voltou-se para a educao dos filhos fazendo disso seu objetivo de vida.11
A menina Clara, mais talentosa e disciplinada que seus irmos Alwin e Gustav, tornou-se logo objeto de fascnio e dedicao do pai. Num tempo em que proliferou
a moda das crianas-prodgio na Europa, Wieck soube aproveitar o momento para
lanar a carreira de sua pequena pianista, propaganda viva de seu mtodo revolucionrio de piano.
A formao religiosa protestante de Wieck tambm contribuiu para a histria musical de Clara Schumann, j que a Reforma protestante espalhou pela Europa do
Norte e do Leste escolas para os dois sexos. Ao fazer da leitura da Bblia um ato e
uma obrigao de cada indivduo, homem ou mulher, ela contribuiu para desenvolver a instruo das meninas.12
Aos onze anos Clara deu seu primeiro recital solo na Gewandhauss de Leipzig, iniciando uma renomada carreira internacional que a acompanharia at a morte, aos
76 anos. Como era habitual, seu pai programava para seus recitais peas de cunho
virtuosstico em que a menina mostrava sua tcnica estarrecedora ao lado de
obras de autoria da pianista. E o professor, que sabia distinguir uma obra sria das
demonstraes de malabarismo que dominavam a cena musical, trabalhou para que
as composies da filha fossem inovadoras e de contedo musical relevante proporcionando menina aulas de composio, harmonia e orquestrao, com os melhores professores da Europa.
Aps a temporada de recitais, Wieck fazia publicar as peas de Clara, o que tambm
representava uma postura avanada para a poca.13 Desta forma as composies de
Clara Schumann tiveram uma certa projeo, recebendo inclusive elogios de seus
colegas.
roso s se deu a partir de 1836. Apesar de ser aluno-residente de Wieck, este nunca
viu com bons olhos esta ligao. Pudera, aos 16 anos a jovem virtuosa enchia as platias dos teatros pela Europa afora, sendo honrada, inclusive com uma torta la
Wieck nas confeitarias chiques de Viena. E seus ganhos financeiros, que se equiparavam aos de Franz Liszt (com quem dividia o palco, ocasionalmente), pertenciam
legalmente ao seu pai at que ela se casasse.
A teimosia de Wieck fez com que a luta pelo amor conjugal terminasse nos tribunais alemes, num processo que duraria quase 2 anos at que o casamento se desse,
s vsperas de Clara completar 21 anos. Como resultado, o pai enciumado no permitiu que a filha levasse nem seu piano nem o dinheiro que este lhe rendera.
Em vista disso, a vida conjugal de Clara e Robert Schumann iniciou-se com dificuldades que, ao longo dos anos, s fizeram aumentar de gravidade e tamanho. Os
atributos de uma mulher casada, dona de casa e me de oito filhos fizeram com que
Clara se dedicasse cada vez menos composio. A necessidade financeira, por
outro lado, impulsionava a artista a voltar aos palcos em turns assim que cada nova
gravidez lhe permitia, restando-lhe pouco tempo para a criao de novas obras. Para
completar, uma terrvel doena mental se abateu sobre Robert Schumann levandoo internao e morte num asilo em Endenich, em 1856.14 Depois destes acontecimentos, Clara encerrou definitivamente a carreira de compositora, salvo por
algumas obras esparsas para dar de presente aos amigos.
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a) Melodia: O uso da melodia longa pelos compositores da primeira metade do sculo XIX foi absorvido por Clara Schumann em suas composies. Tal recurso foi
amplamente utilizado por Chopin, cuja influncia se faz sentir na obra de Clara
Schumann tanto neste quesito como nos gneros por ela abordados: Mazurcas, Baladas, Noturnos, entre outros.
b) Harmonia: Clara Schumann fez uso de acordes conhecidos do sistema tonal
colocando-os em situaes atpicas, de carter ornamental, para dar cores diferentes a certas passagens musicais. Em seu livro sobre procedimentos harmnicos que
influenciaram a msica do sculo XX, por exemplo, Stephan Kostka traz trechos de
suas composies para ilustrar este procedimento tpico do perodo romntico.21
c) Ritmo: Clara Schumann trabalha o ritmo e a mtrica com a mesma liberdade
que seus colegas romnticos. Na sua Tocattina Op. 6, por exemplo, a compositora
divide a primeira grande seo em trs pequenas, de oito, dezenove e vinte compassos respectivamente, separados entre si por barras duplas. Procedimento semelhante encontra-se na seo central do Drei Romanzen Op. 21 n. 3, mas sem as
barras duplas.22 O uso de figuras de maior valor para dar a sensao de rallentando
em determinados trechos de suas peas tambm freqente. Assim como os grupos alterados e a polirritmia.
d) Som:23 A textura, a dinmica e o timbre foram trabalhados pela compositora
em suas peas, de modo a dar uma configurao precisa de cada idia, na frase ou na
seo a que corresponde. No Premier Concert pour le Piano-Forte Op. 7,24 por exemplo, Clara Schumann dedica um solo ao violoncelo no segundo movimento, mudando o papel do piano de instrumento solista a acompanhador e valorizando o
timbre do violoncelo. A explorao destes elementos ser cada vez mais constante
na msica ocidental a partir do final do sculo XIX e incio do sculo XX.
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duzir em seus programas de recital obras densas e inovadoras em meio a outras mais
acessveis ao pblico leigo.
Clara Schumann foi a responsvel pela introduo da msica de Chopin na Alemanha, tendo estreado e editado a maioria de suas peas. Alm disso, foi a primeira
pianista a tocar a sonata Apassionata de Beethoven completa e de cor em Berlim.
Quanto sua atuao como compositora, criou peas totalmente de acordo com o
movimento romntico que se desenvolvia ento. No entanto, seu nome raramente
citado entre os compositores que participaram da formao deste importante estilo musical, o que denota que pouca coisa mudou em relao idia de que a mulher pode reproduzir, mas jamais criar obras de arte.
A compositora Clara Schumann somente foi registrada, incentivada por seu centenrio de morte, em biografias sobre a artista que no so muitas. Em portugus, o nico livro publicado sobre Clara at o momento uma biografia de autoria
de Catherine Lpront27, e no aborda suas composies musicais.
O livro Msica Clssica um dos poucos que incluem Clara Schumann e Fanny
Mendelssohn entre os compositores romnticos, dedicando-lhes a pgina inteira,
no caso de Clara, e meia, no de Fanny. Mas ao referir-se s obras, o editor diz que
as melhores obras de Clara mostram imaginao e apuro, mas falta-lhe individualidade meldica. Quanto a Fanny Mendelssohn, diz que reviver sua msica difcil, pois seus manuscritos acham-se em colees particulares.28 s duas opinies
faltam embasamentos que incluem atualizao das informaes, pois j existem
muitas peas de Fanny editadas e comercializadas e a individualidade meldica de
Clara to restrita quanto a de seus colegas, influenciados pelas idias que pairavam
no ar em seu tempo.
Pese-se a isso o fato de que certas iniciativas da compositora foram ignoradas pelos
musiclogos ou atribudas a outros compositores. Este o caso do solo de violoncelo do 2 movimento do concerto Op. 7 de Clara Schumann, escrito em 1835 e incorporado por Robert Schumann no Intermezzo de seu Concerto para piano Op.
54 (1845) e por Brahms no Concerto para piano Op. 83 (1882). Peter Ostwald29
sugere que o solo seja resultado da orquestrao de Robert Schumann para o concerto de Clara, j que o mesmo havia orquestrado o primeiro movimento escrito
pela compositora em 1832 e que se tornaria o 3 da obra completa. Porm, uma
carta escrita por Clara Schumann a Emilie List em 1835 atesta sua autoria: Meu
concerto est terminado. O Adgio tocado sem orquestra e somente com um solo
de cello obbligato. Acho que funcionou muito bem.30
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mento que ela possua acerca do material de que dispunha, desde os instrumentos
(o piano, especialmente) at os elementos do som. O que no chega a causar estranhamento, j que a compositora foi criada tendo alguns dos maiores msicos da
histria da msica ocidental como amigos que freqentavam sua residncia.31
O fato da msica de Clara Schumann discutir as mesmas questes e problemas propostos por seus colegas compositores aponta para a participao de mulheres nas
transformaes sofridas pela msica ocidental com o passar dos sculos. Participao que vem sendo desprezada pela maioria dos historiadores do assunto.
Em seu livro O livro feminista de 1715: o primeiro grito revolucionrio, Fina DArmada diz que os primeiros ventos do passado espalharam que os homens tinham
construdo o mundo sozinhos, enquanto as mulheres estiveram sentadas a ver.
Poder-se-ia acrescentar que os mesmos ventos espalharam que os compositores criaram a msica erudita ocidental sozinhos, enquanto as compositoras estiveram sentadas a ouvir.
certo que a participao das mulheres foi em proporo infinitamente menor do
que a dos homens, pela prpria dificuldade das mesmas em ter acesso instruo e
ao saber (lembrando que as primeiras escolas primrias para meninas surgiram, na
Frana, em 1880 e a secundria, somente em 1900). Mas esta participao existiu
e a prova disto reside em composies esparsas, esquecidas pelo mercado musical e
at pelos prprios pesquisadores pela convico sedimentada atravs dos sculos
de que no eram dignas de esforos para resgat-las.
Clara Schumann uma entre tantas compositoras importantes que permanecem no
ostracismo devido a um preconceito social com razes histricas. E, logicamente,
no s as mulheres foram ignoradas pelo mercado fonogrfico e de concertos do
mundo ocidental.
Em sua pesquisa sobre mulheres compositoras na Amrica Latina, Graciela Paraskevadis aponta que os compositores latino-americanos passam pelas mesmas dificuldades que as mulheres para divulgar e alcanar reconhecimento a nvel
internacional. 35 Os processos de cognio social neste caso tm outras fontes, igualmente poderosas.
A mdia impressa e eletrnica, os eventos culturais pblicos e os mecanismos de divulgao sonora existentes esto a servio da sociedade e so por ela conduzidos.
Por isso to importante que se saiba que o descuido destas fontes pode trazer conseqncias que demandam muito tempo para reverter. Grande parcela da responsabilidade cabe a ns, pesquisadores, msicos e seres sociais ativos, fixando na
memria as palavras que iniciaram este trabalho, ditas por Corin Aharonin:
por isso (e talvez s por isso) que os que nos dizemos interessados no que acontece em nossa sociedade temos a obrigao de cultivar a capacidade de auto crtica [. . .]
1 Corin Aharonin, Conversaciones sobre msica, cultura e identidad (Montevideo: Ediciones Tacuab, 2005). Esta e as outras tradues foram realizadas pela autora deste trabalho.
2 Roswitha Sperber (1996, 7) afirma que as mulheres comearam a buscar indcios de sua prpria histria aps o primeiro movimento feminista de 1920, e de maneira mais eficaz a partir da dcada de 1970. Antes disso, a histria da msica escrita por homens sobre homens
ignorou qualquer participao feminina.
3 Elisabeth Roudinesco e Michel Manassein, prefcio a De lgalit des sexes, dir. Michel Manassein (Paris : Centre National de Documentation Pedagogique, 1995), 12.
4 Franoise Escal e Jacqueline Rousseau-Dujardin, Musique et diffrence des sexes. In : Brigitte Franois-Sappey, Clara Schumann : luvre et lamour dune femme (Genve : Editions
Papillon, 2001-2004), 75.
5 Ordo virtutum, de Hildegard of Bingen, o registro mais antigo que se tem de composio
feminina e data de 1150. Roswitha Sperber, Women composers in Germany, trad. Timothy
Nevill (Bonn: Inter Nationes, 1996), 12-14.
6 Nanny Drechsler, Condemned to Silence?. In: Roswitha Sperber, Op. Cit.,10.
7 Elisabeth Roudinesco e Michel Manassein, Op. Cit., 11-12.
8 Ibid., 12.
9 Corin Aharonin, Op. Cit., 21. Grifos do autor.
10 Michelle Perrot, Minha histria das mulheres, trad. Angela Crrea (So Paulo: Contexto,
2007), 101.
11 Como Marianne abandonou o lar ela s teve direito de levar consigo o filho mais novo,
Victor, que tinha trs meses.
14 Para maiores informaes sobre a vida de Robert Schumann, consultar: A. Zani Netto,
Florestan e Eusebius: por que? (Tese de Doutorado, Universidade de So Paulo, 1988).
15 Para maiores informaes sobre o assunto, consultar E. Monteiro da Silva, Clara Schumann: compositora x mulher de compositor (Dissertao de Mestrado, Universidade de
So Paulo, 2008).
16 Nancy Reich, Clara Schumann: the artist and the woman (Ithaca: Cornell University
Press, 2001), 213.
17 Ibid, 195.
18 Liszt transcreveu trs canes de Clara para piano solo: Op. 12 n 3, Op. 13 n 5 e Op. 23
n 3. Sigismund Thalberg (1812-71), a quem ele se refere na citao, foi pianista virtuoso
aclamado pelo pblico. Em seus concertos constavam peas de sua autoria.
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22 Tanto a Tocattina como o romance citado encontram-se no lbum Clara Wieck-Schumann, Augewhlte Klavierwerke (Mnchen: G. Henle Verlag, 1987).
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23 Neste contexto, o termo Som inclui as consideraes acerca do Timbre, Dinmica e Textura (cf: White, 1994, p. 232).
24 Clara Schumann, Konzert fr Klavier und orchester, a-moll Op. 7 (Wiesbaden: Breitkopf
& Hartel, 1993).
26 Brahms surgiu na vida dos Schumann em 1853 e tornou-se amigo inseparvel de ambos.
Aps a internao de Robert Schumann, Brahms deu suporte Clara e aos filhos, alm de
nunca deixar de visitar e suprir as necessidades do compositor internado. Ele e Clara tiveram
uma relao amorosa (platnica, segundo Nancy Reich) que vem sendo esmiuada e comentada por muitos historiadores da msica.
27 Catherine Lepront, Clara Schumann, trad. Eduardo Brando (So Paulo: Martins Fontes Editora, 1990).
28 John Burrows, Msica clssica, trad. Andr Telles (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007),
173 e 204.
29 Peter Ostwald, Schumann: the inner voices of a musical genius (Boston: Northeastern University Press, 1985), 240.
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Resumo
Este artigo discute parte da reviso de literatura e dos dados coletados para um estudo
de caso sobre a Canja de Viola, encontro de prtica musical que ocorre em Curitiba. A
partir da teoria das Comunidades de Prtica de Etienne Wenger e alguns trabalhos de Joan
Russell que relacionam esta teoria s prticas musicais, foi possvel descrever o objeto
de estudo como uma comunidade de prtica musical. A pesquisa tratou do fazer musical de um grupo que no convive cotidianamente por morarem em lugares distantes uns
dos outros. Semanalmente, encontram-se e compartilham um fazer musical, numa comunidade cujos membros tm relaes de identificao scio-cultural, cultivadas pela
prtica musical. O `local` dessa comunidade, portanto, tambm simblico, nos encontros musicais propriamente ditos. As comunidades de prtica so formadas por pessoas
interessadas em um processo de aprendizagem coletiva compartilhada em um domnio
do esforo humano. O domnio identifica a comunidade pelos interesses e competncias, distinguindo seus membros de outras pessoas e comunidades. Em busca dos interesses no seu domnio, os membros engajam-se em atividades conjuntas e discusses,
ajudam-se mutuamente e compartilham informaes. A questo central da pesquisa realizada foi identificar quais as experincias comuns aos freqentadores da Canja de Viola,
a partir de trs categorias de anlise relacionadas a identidades, prticas e construo
dos saberes musicais. Neste artigo a discusso se faz principalmente em torno da categoria das identidades sociomusicais relacionadas a processos de cognio social, capazes de moldar comportamentos e escolhas dos participantes da comunidade. Wenger
parte da noo da formao de identidades como processos de identificao com certas prticas sociais e habilidades de negociar e moldar significados produzidos no contexto dessas comunidades. Atravs de um trabalho em campo com observao
participante e entrevistas, foi possvel descrever comportamentos comuns, crenas e
tradies que foram fundamentais para o desenvolvimento musical desses indivduos.
Palavras-chave
Prticas musicais; Prticas sociais; Identidades; Comunidade de prtica musical
Introduo
Ai, a viola me conhece
Que eu no posso cantar s.
Ai, se sozinho canto bem,
Junto, eu canto mi.
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bros tm relaes de identificao social, cognitiva (no domnio da msica) e cultural, reveladas e cultivadas na prtica musical que ali ocorre. O `local` dessa comunidade, portanto, no apenas geogrfico: tambm simblico, nos encontros
musicais propriamente ditos.
Paquito Modesto deu continuidade ao seu projeto at o ano de 2004, quando faleceu. Porm, a Canja to significativa que o evento se mantm at hoje pela vontade dos freqentadores.
A partir desses encontros semanais no TUC, muitos dos freqentadores da Canja
tiveram oportunidade de se aperfeioar musicalmente e alguns at chegaram a se
profissionalizar, de acordo com os participantes e dados da Fundao Cultural de
Curitiba:7 centenas de duplas e cantores populares passaram pelo palco do TUC,
muitos iniciando ali uma carreira de sucesso.8 Tal afirmao sugere que a Canja de
Viola pode mesmo ser um espao de aperfeioamento musical e profissionalizao,
gerador de oportunidades, confirmado por Millarch:
Identificado aos artistas annimos, amadores que fazem msica com todo entusiasmo, encontrou no Canja de Viola uma forma de valorizar cantores, com-
positores e instrumentistas que, uma vez por semana, nas tardes de domingo,
tem seus momentos de glria. Entre as duplas que saram do Canja de Viola
para trilhar caminhos profissionais est Teleu e Sanvita, hoje radicados em So
Paulo e preparando um primeiro LP lembrados por Paquito para serem
convidados especiais de amanh a tarde. (Millarch 1992)
Identidades, Comunidades
De acordo com a abordagem contextual, no existe definio de identidade em
si mesma. Os processos identitrios no existem fora de contexto, so sempre relativos a algo especfico que est em jogo (Agier 2001, p. 9).
A citao acima descreve sucintamente como complexo tentar conceituar identidade. Wenger (1998a), em sua teoria, parte da noo da formao de identidades
como processos de identificao com certas prticas sociais e as habilidades de negociar e moldar significados produzidos no contexto das comunidades. Em consonncia com este pensamento, que mostra que a relao de pertencimento ou
no-pertencimento a um grupo ou comunidade acaba por influenciar a construo de identidades, temos Hall (2006) e tambm Agier (2001, p. 10), que diz que
a identidade remete, portanto, a um alhures, a um antes e aos outros. Explicando
de outro modo, pode-se retornar a Lave & Wenger (1991, p. 3), que afirmam: A
nossa prpria identidade da individualidade uma questo de pertencimento.
(Traduo nossa).9
Com relao a esta discusso sobre identidades, fundamental para diversos pensadores, Warnier (2003, p. 16) explica: A noo de identidade encontra um sucesso
crescente no campo das cincias sociais desde a dcada de 1970, com diversas definies. O autor entende que a identidade definida como o conjunto de reper-
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trios de ao, de lngua e de cultura que permitem a uma pessoa reconhecer sua
vinculao a certo grupo social e identificar-se com ele. (Ibid., p. 16-17).
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A cidade multiplica os encontros de indivduos que trazem consigo seus pertencimentos tnicos, suas origens regionais ou suas redes de relaes familiares
ou extra-familiares. Na cidade, mais que em outra parte, desenvolvem-se, na prtica, os relacionamentos entre identidades, e na teoria, a dimenso relacional da
identidade. Por sua vez, esses relacionamentos trabalham, alterando ou modificando, os referentes dos pertencimentos originais (tnicos, regionais, faccionais etc.). Essa transformao atinge os cdigos de conduta, as regras da vida
social, os valores morais, at mesmo as lnguas, a educao e outras formas culturais que orientam a existncia de cada um no mundo. (Agier 2001, p. 9).
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Durante o canto dos hinos, fico rodeada de sons. Toda a congregao ao meu
redor est cantando em harmonia. A riqueza de suas vozes e a ressonncia do
som me d arrepios. Mos generosas encontram cada hino no hinrio que est
em minhas mos, para que eu possa acompanhar o culto que prossegue. (. . .) Estamos cantando um hino na linguagem harmnica de Bach. Estou de volta ao
corao de minha famlia, e me uno s contraltos, registro mais confortvel para
a minha voz. Ainda que temporariamente, sinto que fao parte de uma comunidade uma comunidade de pessoas que assim como minha famlia cantam. (2006, p. 9).
Ainda em relao msica como atividade que constri identidades, pode-se observar que muitos dos autores citados mencionam essa propriedade, inclusive referindo-se a outros autores que, em seus artigos, argumentam na mesma direo. De
acordo com Queiroz (2005), sabemos tambm que as identidades se do dentro de
um contexto cultural e que muitas das habilidades e/ou facilidades de aprendizagem musical referentes a um determinado estilo esto para alm de competncias
exclusivamente musicais, pois j esto no sujeito que est imerso em sua cultura,
mesmo que este contexto esteja apenas em seu passado, na infncia, uma vez que internalizamos nossas histrias de vida.
Russell (2006) conta que cresceu num ambiente musical familiar em que todos cantavam harmonicamente no dia-a-dia, tendo habilidades e competncias musicais,
adquiridas empiricamente, de encontrar a sua voz e harmonizar naturalmente
uma melodia dada no sistema tonal, a ponto da pesquisadora imaginar, quando
tornou-se educadora musical, que todas as pessoas teriam essas competncias naturalmente desenvolvidas, o que, logicamente, no ocorreu e a surpreendeu naquele
momento em que iniciava a sua vida profissional. Ela tinha, ento, um olhar apenas de dentro de seu contexto familiar. Para ela, poca, cantar era to habitual
quanto ler ou conversar.
Estas experincias da infncia criaram minha identidade musical. A harmonia
tonal minha lngua musical, e minha imerso nas prticas musicais de minha
famlia a base de meu desenvolvimento como musicista e educadora musical. O
prazer de fazer msica em conjunto continua nutrindo a minha participao
fazendo msica com outras pessoas da comunidade, algo que parece ser infinito.
(Russell 2006, p. 8).
Comunidades de Prtica
Significado, prtica, comunidade e identidade so conceitos-chave na teoria de
Wenger (1998). O significado se refere nossa experincia de vida e do mundo
e a prtica, aos nossos recursos histricos e sociais compartilhados. Comunidade refere-se s formaes sociais nas quais as nossas iniciativas so definidas
como dignas de prossecuo e nossa participao reconhecvel como competncia. Identidade tem a ver com vrias modalidades de aprendizagem que criam
histrias pessoais para ns em nossas comunidades.10 (Russell 2002, p. 2-3, traduo nossa).
As comunidades de prtica so formadas por pessoas interessadas na prtica compartilhada em um domnio do esforo humano. Trs elementos so fundamentais
para caracteriz-las:
a) o domnio o interesse em uma competncia compartilhada, valorizada pela
587
588
O domnio no necessariamente algo reconhecido como expertise fora da comunidade. Uma gangue juvenil pode ter desenvolvido todos os tipos de formas
de lidar com o seu domnio: sobreviver nas ruas e manter algum tipo de identidade com que se pode viver. Eles valorizam a sua competncia coletiva e aprendem uns com os outros, mesmo que poucas pessoas fora do grupo posam
valorizar, ou mesmo reconhecer a sua especializao.12 (Wenger 2007, p. 2, traduo nossa).
b) a comunidade em busca dos interesses no seu domnio, os membros engajam-se em atividades conjuntas e compartilham informaes. Assim, formam
uma comunidade que interage e aprende em torno do seu domnio, construindo relacionamentos.
c) a prtica uma comunidade de prtica no simplesmente uma comunidade
de interesses; seus membros so praticantes e desenvolvem um repertrio compartilhado de recursos: experincias, histrias, ferramentas, maneiras de resolver problemas decorrentes da prtica.
Como vimos, comunidades de prtica so grupos que aprendem juntos e compartilham repertrios. Transpor esse tipo de caractersticas para o universo musical
natural, como demonstrou a pesquisadora Joan Russsell:
A experincia tambm reforou minha crena advinda da infncia de que
a maioria das pessoas possui habilidades musicais que, com apoio social (estruturas e expectativas) e cultural (crenas e valores) apropriados, podem cultivlas de alguma maneira. Vejo as prticas musicais dos fijianos como evidncias
de que a habilidade de cantar pode ser desenvolvida em um grau elevado, e que
a habilidade de cantar em polifonia no exclusividade de alguns indivduos talentosos, mas um tipo de expertise que se desenvolve em algumas condies particulares. A experincia em Fiji me ensinou muito a respeito da importncia de
pertencer a uma comunidade de prtica musical; um ambiente de aprendizagem para crianas e adultos que aprendem juntos. Em tal comunidade, o grupo
tem um repertrio comum de canes, e o canto uma prtica altamente valorizada por todos, que se ligam atravs de uma experincia musical. (2006, p. 14).
Sawaia (1999), dialogando com as cincias sociais em artigo direcionado a estudiosos da psicologia social comunitria, apela para que se considere, ao mesmo
tempo, identidade como permanncia e transformao, tratando-os como par dialtico, para no incorrermos em falhas de anlise ou realizarmos prticas equivocadas e estanques. A autora conclui o estudo dizendo:
A esttica da existncia deve ser regulada pelo princpio de comunidade, que
define uma tica atravs de bons encontros, que se alimenta da diversidade, sem
temer o estranho, pois ligar-se ao outro sem o despotismo do mesmo, caracterizada pela mutualidade em vez de poder desigual, como arte de dar e receber
prazer. (Sawaia 1999, p. 24).
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Russell (2002) conta que sua identidade como pessoa musical foi construda na infncia, em um ambiente familiar em que todos tinham competncias musicais, cantavam e/ou tocavam instrumentos muito bem sem nunca terem tido aulas de
msica. Como ela cresceu nesse ambiente e foi estimulada a cantar em conjunto
com eles desde cedo no costume familiar de harmonizar as diferentes vozes em coral,
ela absorveu o sistema tonal pela prtica desde menina e reconheceu a sua famlia
como uma comunidade de prtica musical.
Os entrevistados deste estudo narraram experincias semelhantes da pesquisadora canadense, que revelam tambm outros elementos formadores de identidades em que a ruralidade est presente em alguma medida. interessante, por
exemplo, observar na histria da vida musical de um dos entrevistados a partir de
sua infncia em Minas Gerais, de onde o pai trouxe influncias musicais e a aprendizagem familiar que ocorreu quando mudaram-se para o sul do Brasil e tiveram
contato a msica gacha que, em uma negociao de significados com fronteiras
musicais (Wenger 1998a), acabou incorporando a presena e som da gaita (acordeom) casa, numa integrao sonora e estilstica com o violo vindo das Minas Gerais.
Dentro do universo da msica sertaneja, o domnio compartilhado desta comunidade (Wenger 1998a; 1998b) existem diversos estilos que fazem parte das preferncias musicais dos participantes da Canja. digno de nota, mais uma vez, o
respeito para com as diferenas estticas. Em geral todos prestam ateno e aplaudem as apresentaes, que so bem heterogneas em qualidade e estilos. Os modos
de cantar foram percebidos na observao em campo como tendo o mais alto valor
para todos os participantes da Canja, independente do estilo apreciado dentro do
gnero.
Resultados
A partir de diversas fontes de evidncias, mas principalmente atravs do trabalho
de campo que envolveu a observao e entrevistas com alguns participantes, entendo que os resultados foram mais significativos do que propriamente conclusivos,
no sentido de serem possibilidades abertas a outros e maiores aprofundamentos de
interpretao e anlise. O que respalda essa afirmao , em primeiro lugar, que o
objeto de estudo em si como prtica social foi ainda pouco estudada e revelou-se
como um campo denso e frtil que pode propiciar mais pesquisas em cognio social e musical, educao musical, musicologia, psicologia social, antropologia, sociologia, histria, etc.; em segundo lugar, a pertinncia da teoria das comunidades
de prtica no campo da msica (Russel 2002), praticamente inexplorada no Brasil,
como ferramenta para entender a cognio e as identidades sociomusicais de certas comunidades, alm de possibilitar caminhos e recursos em educao musical.
Retomando a questo da pesquisa, que buscou identificar experincias comuns vivenciadas pelos participantes da Canja de Viola a partir da prtica e das identidades relacionadas comunidade, foi possvel sintetizar alguns pontos importantes,
relacionados a seguir.
A opo por manter um p na roa mesmo morando na cidade grande, como diriam muitos dos freqentadores da Canja sobre as suas identificaes com uma
certa ruralidade. H a uma opo tambm de ordem esttica que reside na beleza
do continuar a ser sertanejo, alm de uma tica (Sawaia 1999) pelos valores tambm
sertanejos da cordialidade, de ajuda mtua em relaes estruturadas como vicinais.
A busca pela memria de um contexto social e familiar em que a msica fazia parte
do cotidiano, sempre havendo um membro da famlia como referncia musical
principal, geralmente adotado como modelo na formao musical dos entrevistados. Da emerge o conceito de enculturao, explorado por Green (2001) o qual se
relaciona com as identidades e tambm com o aprendizado, ocorrido de maneira situada como descrito por Lave & Wenger (1991), muitos tendo na prpria casa, durante a infncia e/ou adolescncia, uma comunidade de prtica. (Russel 2002).
A forte crena no dom divino da msica, herdado tambm de famlia, que todos
os entrevistados manifestaram com convico. Essa crena, segundo SantAnna
(2000) tem origens histricas no mundo caipira e um fator motivador para o desenvolvimento da musicalidade desses indivduos.
O sentimento de pertencimento a essa comunidade, tanto dos msicos quanto do
pblico, destacado por Wenger (1998a) como fundamental para a consolidao da
comunidade de prtica.
As preferncias musicais semelhantes, como tambm descreveu Oliveira (2008),
com pequenas variaes dentro de um mesmo gnero, centradas na msica sertaneja produzida a partir da segunda metade dos anos 50 at os anos 80.
O respeito com prticas que exploram outros estilos musicais. No h um fechamento da comunidade no sentido de julgar as suas preferncias de prtica melhores que as de outras pessoas ou grupos, o que revela uma maneira de certo modo
incomum de elaborar questes de valor.
O engajamento com a continuidade da vida da comunidade, para que a prtica musical possa permanecer como oportunidade contnua de experincias significativas.
(Wenger 1998a; 1998b).
Os processos de aprendizagem, sempre situados (Lave & Wenger, 1991); tendo
como base a enculturao (Grenn 2001) que em si mesma um processo de cognio social de um modo geral foram desenvolvidos de forma essencialmente autodidata e envolveram uma forte motivao intrnseca (relacionada crena no
dom), utilizando a observao atenta associada imitao, ao ouvido e memria.
(Recva 2006).
591
O estudo musical sempre ligado a uma prtica deliberada, com aplicao direta dos
objetivos traados pelo prprio praticante, relacionados a um repertrio que o indivduo deseja desenvolver ou a ser apresentado numa situao concreta.
592
A comunidade de prtica como espao de aquisio e mesmo de criao de conhecimento situa a aprendizagem e por isso a faz significativa. Este fenmeno foi tambm demonstrado por Russell em suas pesquisas nas Ilhas Fiji, onde cantar um
atributo da cognio social de todo e qualquer indivduo daquela populao: no
h algum desafinado, a musicalidade est em todos.
1 Communities of practice are groups of people who share a concern or a passion for something they do and learn how to do it better as they interact regularly. Disponvel em:
http://www.ewenger.com/theory/index.htm (contedo gerenciado pelo autor). Acesso em
11/11/2007.
2 O Teatro Universitrio de Curitiba (TUC), equipamento urbano da administrao municipal, fica no centro histrico da cidade e tem menos de 100 lugares na platia.
3 Violeiro figura tpica do folclore brasileiro, tocador e cantador de viola, muitas vezes
tambm compositor, repentista, cordelista, qualidades tpicas do violeiro nordestino, geralmente improvisador, que vai criando suas rimas enquanto canta e acompanha com a viola
(Cascudo 2002, 730-731).
4 Dupla caipira ou dupla sertaneja, um par de cantores que fazem dueto em vozes paralelas, em intervalos de teras ou sextas, sendo que pelo menos um dos dois toca um instrumento (violo ou viola) que faz a base harmnica para o canto. (Oliveira 2005, 5).
5 Trovador aquele que faz trovas em forma de desafio, que revelam o talento natural e
a agilidade de pensamento dos cantadores, no s em quadrinhas, mas tambm nas sextilhas
e em outras modalidades de versos (Cascudo 2002, 701).
6 Paquito Modesto, funcionrio da administrao municipal de Curitiba, fundou com sua
esposa Vera La Pastina o Centro Comunitrio So Braz, onde ocorreram os primeiros encontros do que viria a ser o projeto Canja de Viola.
7 A Fundao Cultural de Curitiba (FCC), rgo da administrao municipal, mantenedora do evento atravs da cesso do espao e equipe de funcionrios: tcnico de som, apresentador, ajudante de palco.
8 Disponvel em http://www.parana-online.com.br/editoria/almanaque/news/175282
Acesso em 30/11/2006.
9 Our very identity of individuality is a matter of belonging (Lave & Wenger, 1991, p. 16).
10 Meaning, practice, community and identity are key concepts in Wengers theory (ibid).
Meaning refers to our experience of life and the world, and practice refers to our shared historical and social resources. Community refers to the social configurations in which our enterprises are defined as worth pursuing, and our participation is recognizable as competence.
Identity has to do with the ways in which learning creates personal histories for us in our
communities (Russel, 2002, p. 2-3).
11 (1) We are social beings. Far from being trivially true, this fact is a central aspect of learning. (2) Knowledge is a matter of competence with respect to valued enterprises such as
singing in tune, discovering scientific facts, fixing machines, writing poetry, being convivial,
growing up as a boy or a girl, and so forth. (3) Knowing is a matter participating in the pursuit of such enterprises, that is, of active engagement in the world. (4) Meaning our ability to experience the world and our engagement with it as meaningful is ultimately what
learning is to produce (Wenger, 1998a, p. 4).
12 The domain is not necessarily something recognized as expertise outside the community. A youth gang may have developed all sorts of ways of dealing with their domain: surviving on the street and maintaining some kind of identity they can live with. They value
their collective competence and learn from each other, even though few people outside the
group may value or even recognize their expertise. <www.ewenger.com/theory>. Acesso em
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Esther Beyer
PPGEDU/UFRGS
Resumo
Junto ao crescente movimento de expanso da rea de educao musical no mundo e,
principalmente, no Brasil, perceptvel o advento de instituies e projetos de ensino
musical nos mais variados contextos da sociedade brasileira, e com diferentes faixas etrias. E nesse movimento, circunscrito no ensino musical no escolar se encontra a educao musical na maturidade. Uma modalidade de ensino musical que vem despontando
no pas. Porm, pouco se sabe sobre experincias educativo-musicais com o pblico da
terceira idade. Nesse sentido, com base nos escritos de Souza (2006), Luz e Silveira (2006),
Luz (2008), Leo e Flusser (2008), Torres (2006), procuramos discutir pontos importantes
acerca do ensino musical na terceira idade, e, tambm, da construo de conhecimento
musical fomentados por processos de ensino e aprendizagem de acordeom em aulas
particulares, segundo uma perspectiva educacional construtivista interacionista, calcada
em pressupostos tericos da Epistemologia Gentica de Jean Piaget. Como a discusso
cientfica referente ao ensino e a aprendizagem de msica com idosos ainda pouco enfatizada e, do mesmo modo, precariamente se publica sobre ensino de acordeom no Brasil - diferentemente do que ocorre na Europa e em outras partes do mundo, onde tais
temas possuem um status maior que no Brasil-, este trabalho ajudar a suprir uma lacuna
existente na rea de educao musical deste pas, tendo como base dados empricos recolhidos na regio de Porto Alegre - RS, sobre o ensino e a aprendizagem desse instrumento musical com um indivduo pertencente faixa etria supracitada.
Introduo
perceptvel a expanso em termos qualitativos e quantitativos da rea de educao musical na nao brasileira, principalmente ao longo das duas ltimas dcadas.
Notamos a esplendorosa atuao da ABEM (Associao Brasileira de Educao
Musical) e a crescente fomentao positiva e necessria de publicaes de pesquisas e estudos acerca do ensino e da aprendizagem musical. Conquistamos com
muita satisfao, a cada dia, como resultado de trabalhos consistentes e srios de
representantes da rea nos diferentes segmentos sociais e institucionais do pas, o
reconhecimento social da importncia da msica na formao do ser humano, do
cidado brasileiro. Um reconhecimento que evidenciado pelo posicionamento
positivo de instituies educacionais privadas e pblicas, do nvel bsico ao superior
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596
crescimento populacional da terceira idade inegvel, sendo que em pesquisas realizadas recentemente constatou-se que no ano de 2020, uma em cada treze pessoas
ser idosa. Conclui-se com isso que a populao mundial est se tornando idosa, e
isso bom, pois demonstra que as pessoas esto vivendo mais tempo, e para tanto
a sociedade deve se moldar para atender as novas demandas que viro com esta
transformao social.
Em vista dos avanos da cincia, medicina, tecnologia, neurocincias, psicologia,
sociologia, filosofia e educao, as pessoas esto atingindo maior longevidade. Os
seres humanos esto vivendo mais tempo graas melhoria na qualidade de vida da
populao. Essa feliz realidade constatada por inmeros pesquisadores ao redor do
planeta apresenta, entretanto, outra face: Como a sociedade age frente a esse novo
momento histrico pelo qual os homens esto passando? O que acontece com essa
populao idosa?
Em sntese, o que comumente ocorre que os integrantes desse grupo social esto
de certa forma margem da sociedade, por se encontrarem na camada social de trabalhadores inativos e por isso no produtiva do ponto de vista capitalista. So excludos da vida em sociedade e sentem falta do convvio de outrora e a necessidade
de assumirem um papel mais ativo na sociedade, colaborando para o desenvolvimento desta, o que incide, logicamente, no aumento da auto-estima nos indivduos
idosos.
O trabalho com msica nessa idade est sendo cada vez mais desenvolvido. Muitos
idosos procuram realizar seus sonhos que, por algum motivo no passado no puderam realizar, como o desejo de aprender msica, aprender a tocar, cantar e/ou
compor. Dessa forma, atravs da prtica pedaggico-musical relataremos o caso de
um aluno que vem fazendo aulas de acordeom, uma vez que, agora, ele dispe de
mais tempo para ser dedicar msica e realizar o seu sonho de tocar acordeom. De
acordo com Torres (2006), os idosos buscam cada vez mais resgatar e realizar sonhos e desejos que no puderam efetivar-se no decorrer de sua vida profissional. A
esse respeito autora buscou conhecer o processo de musicalizao de adultos em
diferentes momentos da vida, abrangendo os sentimentos e as motivaes.
importante destacar que muitas iniciativas a favor dos idosos surgem no mundo
moderno, como projetos sociais e leis especficas que contemplam os indivduos
pertencentes a essa faixa etria, assim como as Universidades Abertas Terceira
Idade, que so uma demonstrao de que o indivduo no encerra na velhice seus
anseios de esperana de vida e de uma participao na sociedade (Souza, 2006, p.
56), mas, sim, est mais capacitado do ponto de vista cognitivo, para participar ativamente na sociedade por se constituir em um ser com grande bagagem cultural,
ampla experincia histria e prtica em determinadas reas do conhecimento humano, ou seja, trata-se de um sujeito experiente e que por isso tem como colaborar
positivamente na sociedade onde est inserido.
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Nessa perspectiva, Souza (2006) nos fala que na terceira idade muitos fatores
podem contribuir para a maior disponibilidade para o estudo e para novas experincias. A possibilidade de insero do ensino de msica promissora e necessria,
levando em considerao um posicionamento que remete idia de uma educao
musical atenta para as transformaes da sensibilidade musical (idem, p. 56).
Nesse mesmo sentido possvel afirmar que as artes tm a qualidade de atingir a sensibilidade do ser humano, e a msica uma linguagem capaz de dizer coisas que nenhum outro idioma consegue transmitir. Cantando e/ou tocando obras musicais
possvel melhorar a qualidade de vida no s dos idosos, mas tambm de pessoas
pertencentes a outras faixas etrias.
Singularidades no acordeom
Como sabemos o ensino e a aprendizagem de acordeom se constitui em um fenmeno scio-histrico no recente no Brasil, entretanto, at agora no altercado
profundamente em nosso pas. Apesar de estarmos falando de um instrumento musical consagrado em muitas culturas, a sua discusso no mbito da educao musical no Brasil ainda muito vaga, assim como a formao do professor de acordeom
e de professores de outros instrumentos populares um fato pouco contemplado,
ainda, nas graduaes em msica desse pas, mesmo apesar de sabermos que o acordeom se apresenta como um instrumento muito difundido nas culturas populares
e nos gneros musicais prprios dessas culturas, que so apreciadas, criadas e difundidas por boa parte da populao da nao brasileira.
Hoje, mais do que nunca, os profissionais esto sendo cada vez mais exigidos nas
suas profisses e cada vez mais surgem e coexistem diversas profisses semelhantes,
mas com especificidades prprias, o que ocasionam as suas diferenciaes. Antigamente um professor de msica, por exemplo, podia ensinar vrios instrumentos de
que tivesse um considervel domnio. Hoje vemos cada professor se aperfeioando
na arte de ensinar um nico instrumento, e no incomum vermos tambm o ensino de um instrumento musical focando a produo e perpetuao de uma tcnica especfica para a manuteno, cultuao e propagao de um gnero musical
especfico, muitas vezes com o foco em determinadas faixas etrias.
Vivemos na poca da especializao profissional. Um tempo que no satisfatrio
estar inserido em uma rea do saber. No basta ser da educao musical, esse um
campo do saber muito amplo. No possvel saber tudo de educao musical. Tampouco dominar a pedagogia de vrios instrumentos. necessrio procurar o aperfeioamento no ensino de um instrumento, quando muito, preciso restringir o
foco em determinados tipos de execuo, tcnicas, maneiras de se tocar em culturas e em grupos sociais especficos.
Por isso, acredita-se que o ensino de acordeom em determinadas regies do Brasil
assume formas distintas, em vista das diferenas culturais e sociais que os estados e
cidades guardam entre si. Considerando essa hiptese, pensamos que o professor de
acordeom do sul do Brasil possui motivaes, gostos, bagagem pedaggico-musical e terico-metodolgica diferentes dos professores de outras regies brasileiras,
como o nordeste, onde a utilizao do acordeom apresenta peculiaridades ligadas
cultura musical prpria dessa regio.
Nesse sentido, a formao do professor de acordeom no Rio Grande do Sul revestida de uma singularidade, bem como a formao de professores desse instrumento em outras regies tambm possui caractersticas diferentes.
Acredita-se que a escolha em ser professor de acordeom esteja fortemente ligada a
insero desses indivduos - que so professores - em uma cultura regional que enfatiza a produo musical com esse instrumento musical como base para estilos musicais que norteiam um mercado musical e cultural lucrativo. Isso reflete em uma
demanda expressiva pelo estudo desse instrumento especfico acompanhado por
um professor de acordeom. Nessa cultura regional se nota a coexistncia de duas
profisses: a de msico acordeonista e de professor de acordeom.
Justificativa
Desenvolver trabalhar com idosos no traz benefcios apenas para os prprios, pois,
de acordo com Leo e Flusser (2008), a experincia dos msicos que trabalham
junto aos idosos se traduz pela busca livre do exerccio dessa atividade, aliada a busca
consciente do relacionamento. Ainda dizem que quando a relao Eu-Tu acontece,
desencadeia nos msicos emoo e sentimentos de felicidade, afetividade e at
mesmo de gratido, pois reconhecem que o encontro, mediado pela msica, possibilitou seu crescimento pessoal naquele momento agregando valor sua vida. Essas
interaes entre aluno e professor impactam diretamente no fazer pedaggico do
educador musical.
A msica tambm pode favorecer a memria, evocando lembranas do passado.
Souza (2006, p. 57) nos diz que quando se ativa a memria atravs da msica transmite-se o pensamento de que a senescncia um perodo propcio recordao.
Assim, o idoso reconstri experincias do presente e passado. A autora ainda ressalta que esta memria advm de um trabalho em que o prazer da msica suscita
o inconsciente a trazer material ao consciente (idem, p. 57). Na aula de msica o
foco o desenvolvimento da cognio musical, e ao mesmo tempo o sujeito esta fazendo uso de outros conhecimentos, que no estritamente os musicais, visto que o
indivduo no pe em ao apenas uma estrutura mental para interagir com o objeto musical. Ele faz uso de muitos outros esquemas no musicais para abstrair dos
objetos musicais informaes que lhe sero teis e desencadeadoras da formao
de esquemas musicais no sujeito.
Alm disso, Tourinho (2006 apud Souza 2006), atesta que estudos comprovam
que a atividade muscular, a respirao, a presso sangunea, a pulsao cardaca, o
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humor e o metabolismo so afetados pela msica e pelos sons. Isso reala a pertinncia de se aprender msica na terceira idade, e relembra a contribuio que a msica pode dar para a melhoria da qualidade de vida no s dos idosos, mas
igualmente dos sujeitos oriundos de geraes mais jovens.
Destarte, de acordo com Souza (2006, p. 59), importante dizer que o educador
deve se inserir no contexto do grupo [do indivduo]. O cotidiano da terceira idade
instrumento para a elaborao das aulas. Dissociar a vida do ensino distanciar a
educao de um propsito coerente com as necessidades do mundo no qual esto
inseridos. Ento, deve-se estar atento aos desejos dos idosos, no somente quanto
msica, mas tambm quanto a suas esperanas de vida e motivaes em (con)viver.
Pois a aula de msica compreendida por eles como um momento rico de interao e dilogo com o professor.
A solido e a inatividade social dificultam os processos de memorizao na terceira
idade, preciso empreender esforos para que a msica surja como um elo que liga
novamente o indivduo vida ativa de tempos passados. Por meio da msica ele estar se envolvendo em processos de ensino e aprendizagem, e tambm estar mobilizando esquemas mentais na busca e na estruturao do conhecimento. As redes
neurais sero postas em atividade e a busca pelo alcance de uma meta motivadora
do viver, do sentir-se til, do sentir-se capaz de realizar determinadas tarefas ser definida. Nesse caso, o incentivo do educador musical na busca pelo conhecimento
musical pode se definir como uma possibilidade e como um apoio na construo do
saber musical do educando.
Assim, pode-se afirmar que a educao musical pode transformar a realidade dos
idosos, de forma que eles se sintam agentes da sociedade e transformadores da
mesma. Que atravs da msica eles possam acender, novamente, a chama que instiga o homem na busca pelo ser mais, pelo saber mais, pelo fazer mais, pelo desenvolvimento social, pela construo de saber prprio e coletivo, enfim, pelo
construir-se homem, que um processo que nunca se encerra.
Necessitamos acreditar que a educao musical pode ser acessada por todos aqueles que tenham o desejo de se envolver formalmente em processos de aprendizagem musical. E, pensar a democratizao do acesso a cultura e ao conhecimento
musical sistematizado (ver Penna, 2008) militar em um movimento educacional,
portanto poltico, que almeja a construo de uma sociedade mais justa, igualitria,
humana, livre de preconceitos e de taxaes elitizantes dos processos educativomusicais disponveis atualmente. Assim, apostar nos potenciais de aprendizagem e
de domnio da linguagem musical de nossos educandos crucial. Temos que possibilitar o acesso a informaes musicais e construo de conhecimentos musicais atravs de uma pedagogia musical construtivista e libertadora. Isso significa
acreditar na igualdade entre os seres humanos e potencializar o desenvolvimento de
um sistema social onde os saberes e os produtos culturais produzidos pela humanidade ao longo da sua existncia no sero negados aos seres humanos de hoje e de
amanh, j que, infelizmente, no podemos desfazer os erros e as injustias cometidas no passado contra muitos seres humanos que tiveram o seu acesso a cultura e
aos bens sociais humanos negados.
Nesse caso, trata-se de preconizar, em nossas aulas, o dilogo docente-discente, a
construo conjunta de um planejamento pedaggico-musical que possibilite ao
educando a estruturao do saber musical em nveis cada vez mais complexos no
que tange ao desenvolvimento musical e, tambm, objetivar o aumento do interesse do educando pela imerso na linguagem musical, motivando-o e fazendo-o
crer que aprender msica possvel, contrariando, feliz e incansavelmente, o senso
comum que se proclama na seguinte mxima desumanizante: aprender msica
tem idade certa e para quem tem talento; tem que ter dom para isso. Assim, queremos demonstrar por meio das linhas que seguem possibilidades de construo de
uma educao musical para todos, focando nosso olhar sobre intervenes pedaggico-musicais realizadas com um adulto maduro, especificamente, atravs do ensino de acordeom.
Sendo assim, nas aulas iniciais de acordeom com esse aluno foram explicitadas questes referentes ao funcionamento mecnico do instrumento, bem como as funes
da baixaria, do teclado e dos registros (diferentes vozes, como nos rgos). Alguns
apontamentos sobre as notas musicais, a utilizao dos cinco dedos na mo direita,
a de quatro dedos na mo esquerda, e a tcnica de baixos alternados para acompanhamento das obras musicais foram destacados. Tambm foi solicitado ao aluno
que falasse sobre as suas motivaes pelo aprendizado do instrumento, qual o tipo
de msica que mais apreciava e sobre suas possveis experincias formais com msica, anteriores s aulas de acordeom.
Em seguida, foi possvel constatar que esse aluno apreciava muito as msicas regionais do Rio Grande do Sul, como as dos gneros: xote, chamam, milonga, valsa,
marcha, rancheira, bugio e vaneira (sobre gneros musicais do sul, ver Bertussi e
601
Teixeira, 2005) muito executadas com o acordeom, e que fazem parte da cultura regional tradicionalista e nativista desse estado (sobre Tradicionalismo e Nativismo,
ver Lessa, 1985; Duarte e Alves, 2001).
602
Com base nos dados supracitados possvel afirmar que o ensino de acordeom para
esse aluno exigia o aprendizado, principalmente, de canes e obras instrumentais
tpicas do cancioneiro popular gacho. Nesse sentido, cogente partir do que o
aluno gosta; do seu universo musical e cultural; dos seus desejos pelo fazer musical,
para estruturar um planejamento de aulas que considere, tambm, os processos de
formao musical informal aos quais o indivduo foi e submetido diariamente
(Reis, 2009a; Wille, 2003; Arroyo et. al., 2000). importante trabalhar com a msica conectando os conhecimentos e as informaes que o educando j detm, e
aproveitar na aula de msica o que o aluno j toca ou sente especial apreo.
Nesse ponto, importante informar que o aluno destacou que no queria aprender
teoria musical, mas sim aprender a tocar, ele queria, principalmente, praticar, fazer
msica. Considerando o desejo do aluno e de acordo com os estudos e legados das
neurocincias, fundamental gerar conexes no crebro, usar as redes neurais existentes no sentido de aprender msica, de modo que isso no seja desconectado do
que se quer aprender. Ningum aprende aquilo que no tem interesse.
A ttulo de esclarecimento, cabe as aulas so particulares e tm a durao de uma
hora, geralmente. O trabalho desenvolvido com dois acordeons apianados, onde
o professor se vale do mtodo de observao-imitao, muito utilizado pelos educadores musicais com alunos que no possuem conhecimentos de teoria musical
(Reis, 2009b). O mtodo consiste basicamente em o professor demonstrar os exerccios, o que tocar e os modos como tocar para o aluno, que deve imitar aquele no
seu instrumento.
Na primeira aula comeamos o aprendizado de uma valsa em D maior, envolvendo apenas as primeiras cinco notas da escala de D maior em uma evoluo harmnica composta por tnica e dominante apenas, como usualmente temos feito
com os alunos que esto tendo seus primeiros contatos com o acordeom. Opto por
trabalhar inicialmente com este gnero musical (valsa), de compasso ternrio, pelo
fato de quase todas as pessoas gostarem de valsa e saberem danar esse tipo de msica, pois a vivncia prvia com algo facilita nos processos cognitivos de assimilao,
acomodao e adaptao no que tange ao desenvolvimento musical do ser humano
(quanto a esses processos, ver Kebach, 2008; Rizzon, 2009; Beyer, 1988).
O trabalho com a valsa permitiu o ensino da baixaria paralelo ao do teclado. A valsa
era composta por nove compassos, quatro compassos no campo harmnico da dominante e cinco no da tnica. Como na baixaria o acorde de tnica fica, sempre,
abaixo do acorde de dominante, trabalhou-se basicamente o movimento de subir
e descer nos baixos, marcando os trs tempos de cada compasso. A melodia tocada
no teclado do acordeom era constituda de mnimas pontuadas (em uma evoluo
603
Consideraes finais
604
Referncias
Arroyo, M. et. al. Transitando entre o formal e o Informal: um relato sobre a formao
de educadores musicais. In: SPEM, 7, 2000, Londrina. Anais . . . Londrina: SPEM, 2000,
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Kebach, P. Musicalizao Coletiva de Adultos: o processo de cooperao nas produes musicais
em grupo. Tese (Doutorado em Educao), Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2008.
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605
Introduo
A msica e os instrumentos populares somente agora vm ganhando mais espao
no ensino superior. A msica e o ensino de instrumentos populares no Brasil, tais
como acordeom, gaita de boca, viola caipira, cavaquinho, bandolim, entre outros,
uma construo social e cultural que acontece ao natural, sem a interveno ou
ajuda previamente planejada com intervenes educativo-musicais institucionalizadas. um acontecimento scio-cultural singular, que reflete o estado de desenvolvimento de nosso pas e o status que algumas culturas possuem em detrimento
de outras. So questes que fazem parte da histria especfica da constituio social
Justificativa
O ensino e a aprendizagem de acordeom se constituem em um fenmeno sciohistrico antigo no Brasil, mas ainda no investigado profundamente em nosso
pas. Desse modo, uma investigao que desvenda questes relativas a estratgias
de ensino e aprendizagem desse instrumento nos possibilita a construo de um
conhecimento cientfico acerca de como esse parmetro da msica, harmonia, pode
ser ensinado, e como os professores trabalham esse contedo em suas aulas de acordeom, tendo em vista as especificidades do foco de pesquisa.
Apesar de estarmos falando de um instrumento musical consagrado em muitas culturas, a sua discusso no mbito da Educao Musical no Brasil ainda muito vaga,
assim como a construo do conceito de harmonia atravs do ensino e aprendizagem de acordeom e de outros instrumentos um fato pouco contemplado nas pesquisas da rea. Tambm existem poucas graduaes em msica nesse pas que
enfocam instrumentos populares, mesmo apesar de sabermos que o acordeom se
607
apresenta como um instrumento muito difundido nas culturas populares e nos gneros musicais prprios dessas culturas, que so apreciadas, criadas e difundidas
por boa parte da populao da nao brasileira.
608
Metodologia
A presente pesquisa de natureza aplicada, pois busca produzir conhecimentos
sobre a construo do conceito de harmonia atravs de aulas de acordeom, com vistas a responder a seguinte questo: Como se d a construo do conceito de harmonia tonal nas aulas de acordeom?, sendo a busca pela resposta dessa pergunta
um problema especfico circunscrito em uma subrea da educao, a educao musical. Para isso o mtodo cientfico adotado ser o dialtico. De acordo com Prodanov e Freitas (2009, p. 140),
a dialtica fornece as bases para uma interpretao dinmica e totalizante da
realidade, j que estabelece que os fatos sociais no podem ser entendidos
quando considerados isoladamente, abstrados de suas influencias polticas, econmicas, culturais, etc. Como a dialtica privilegia as mudanas qualitativas,
ope-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que a ordem quantitativa
se torna norma.
O mtodo dialtico , geralmente, empregado em pesquisas qualitativas, para tornar possvel a interpretao dinmica e totalizante da realidade que se quer investigar sem deixar de fora informaes que possam clarificar e dar mais confiabilidade
ao modo de se produzir conhecimentos, sem correr o risco de fazer dedues vazias
ou superficiais dos fatos que compe o fenmeno a ser estudado.
Como procedimento tcnico ser utilizado o estudo de caso (Prodanov e Freitas,
2009, p. 140), que por alguns autores tambm entendido como mtodo cientfico
(Becker, 1997). Para outros autores compreendido como estratgia de pesquisa
(Martins, 2008). Assim a pesquisa ser conduzida de modo a compreender no isoladamente o fenmeno em questo, mas olhando atentamente as influncias econmicas, culturais, educacionais, polticas e regionais do ponto de vista social, que
permeiam e agem modificando o fenmeno abordado.
Dessa forma, possvel afirmar que o mtodo dialtico e o estudo de caso formam
a estrutura de base na qual se edifica a pesquisa, consistindo nos instrumentos principais para a especificao do desenho metodolgico dessa investigao cientfica.
Os dados foram recolhidos, principalmente, por meio de entrevistas semiestruturadas, e da observao de duas aulas de cada professor.
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610
que eram possveis de serem compostas nos acordeons diatnicos (modelo mais
primitivo). E conferiu ao instrumento possibilidades outras de aprendizado, difuso e incorporao em culturas populares de repertrios simples a complexos. Nessas circunstncias, o mundo erudito musical, tambm, comeou a se valer das
possibilidades do acordeom e passou a inseri-lo em suas composies. Tanto que
Ludwig Van Beethoven tem um movimento para acordeom na sua sinfonia de nmero sete. o segundo movimento dessa obra sinfnica. Wolfgang Amadeus Mozart tambm escreveu, em 1791, um Adgio e um Rond para Glasharmonika4,
Flauta, Obo, Viola e Violoncelo (KV 617) (Maurer, 1983, p. 27). Outros compositores menos famosos tambm privilegiaram o acordeom em suas obras (Ver
Maurer, 1983).
611
612
Reviso de bibliografia
Como sabemos a rea de educao musical tem crescido muito ao longo dos ltimos vinte anos no Brasil. Nesse panorama histrico de avano cientfico, a rea tem
voltado seu olhar para discusses e reflexes que contemplam os espaos de ensino
e aprendizagem musical no escolares, onde culturas de ensino e aprendizagem de
instrumentos musicais diversos assumem a forma de fenmenos scio-culturais e
scio-musicais. Onde, tambm, metodologias, teorias e conceitos acerca de educao musical so produzidos, compartilhados, modificados, disseminados - s vezes,
mesmo que de forma no intencional ou inconsciente - e onde se criam concepes de ensino e aprendizagem, de profisso, de formao pedaggico-musical e de
perfil ideal de profissional.
Mais especificamente quanto ao ensino de acordeom temos o trabalho de Reis
(2009), que trata do ensino de acordem na terceira idade. O autor reflete sobre peculiaridades de processos de ensino e aprendizagem desse instrumento, entrecruzando saberes da rea de educao musical, educao, sociologia, neurocincias e
psicologia da aprendizagem musical. Por fim, traz apontamentos sobre referenciais
terico-metodolgicos prprios para o ensino de acordeom.
No campo especfico de ensino de acordeom, tambm, temos o trabalho de Persch
(2006), que realizou um estudo de caso investigando as contribuies do uso de
software Encore na educao musical, tendo em vista o ensino particular de acordeom para alunos iniciantes. O Autor evidenciou que as tecnologias podem ser
grandes aliadas nos processos de ensino musical, no seu caso especfico, no aprendizado de teoria musical. Persch (2006) fala que o programa auxilia o aluno na escrita e no entendimento de questes tericas, o autor afirma que os alunos que
ainda no dominam a leitura da partitura musical convencional, ou mesmo os que
sentem dificuldades em realiz-la, podem acompanhar a partitura sendo executada
no programa, inclusive selecionando trechos que ainda no esto memorizados
(idem, p. 11). O autor faz-nos refletir acerca da competncia profissional extra-acadmica, expressa no saber usar as tecnologias para o melhoramento de nossas aulas.
Machado (2009) realizou um trabalho investigativo em torno das prticas pedaggicas de dois professores de acordeom, buscando desvelar e registrar aspectos relevantes da docncia em acordeom. O autor procurou compreender quais eram as
metodologias de ensino; que processos avaliativos os professores adotavam; como
acontecia o planejamento das aulas; que materiais didticos utilizavam; como era
a relao professor-aluno; e quais eram as expectativas dos professores sobre os alunos, sobre a profisso e o que almejavam enquanto educadores musicais. Essa pesquisa venho a contribuir no movimento necessrio de discusso da pedagogia do
acordeom e da formao do professor de acordeom no contexto brasileiro, tendo
em vista a enorme carncia de estudos na temtica envolvendo acordeom em nosso
pas.
Sobre a construo do conhecimento de harmonia, temos o trabalho realizado por
Pecker (2009), que buscou compreender os processos cognitivos que asseguram as
conquistas das crianas de dois a cinco anos de idade sobre os modos do sistema
tonal. Alguns trabalhos de Costa-Giomi (2003; 2001) sobre o desenvolvimento da
percepo harmnica na infncia tambm podem ser mencionados como relevantes para as reflexes que queremos projetar nesse estudo.
J no campo da construo de conhecimento musical, pensado amplamente, com
reflexes tericas baseadas no legado epistemolgico de Jean Piaget, temos os trabalhos de Beyer (1999; 1996; 1995; 1994; 1988), Kebach (2008; 2003), Fink
(2001), Maffioletti (2004), Bndchen (2005), Specht (2007), entre outros que enfocam processos de ensino e aprendizagem musical, que uma problemtica especfica da educao musical, e que deve ser alvo de reflexes cientficas rumo
estruturao de saberes mais consistentes na rea em questo, bem como a construo mais concreta de uma epistemologia da educao musical para o nosso
tempo, e que d explicaes condizentes ao movimento de complexificao do ser
e estar da sociedade humana. Isso presume andar a par dos avanos cientficos na
rea da educao e em outros campos do saber.
613
614
msica de ouvido. Eles vem essa prtica como intrnseca a aprendizagem de acordeom, levando, nesse caso, em considerao o trabalho musical com repertrio popular. Tambm essa prtica decorre de uma necessidade de contornar as
dificuldades encontradas na busca por material didtico-instrumental, ou seja, por
partituras de obras para compor repertrio. Ento, o til (tirar msicas de ouvido),
e o agradvel (desenvolver a percepo musical), que tambm considerado como
necessrio pelos professores se coadunam na prtica educativo-musical de ensinar
e aprender acordeom.
Em tal sentido, o desenvolvimento da percepo harmnica est atrelado - poderamos dizer dependente - diretamente ao desenvolvimento da percepo musical
como um todo, seja no mbito dos ritmos, dos timbres6, das alturas e tambm das
intensidades, principalmente no tocante a construo de acordes e arpejos, onde a
interpretao de cada msico confere caractersticas singulares no produto musical
final, seja este uma msica registrada na forma de gravao fonogrfica, ou uma
apresentao no registrada, mas sim apreciada ao vivo.
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Consideraes finais
Todos os professores entrevistados mencionaram em algum momento das entrevistas, que buscam contemplar as necessidades dos educandos. De tal forma, procuram estruturar suas aulas com base nos desejos dos educandos, e primando pela
construo do saber musical que seja significativo para o educando. Nesse sentido,
o querer do educando tem mais fora de voz do que a utilizao de mtodos engessados ou a utilizao de fragmentos de mtodos distintos, que muitas vezes
foram escritos e idealizados para o ensino musical em outras realidades culturais e
sociais. Quanto a isso, Beyer (1988, p. 08) ressalta que,
O ecletismo generalizado a base de ao para um nmero significativo de educadores musicais. Logicamente por necessidades de se ancorarem sobre um fundamento slido (que inexistente), aproveita-se um pouco de cada mtodo,
exatamente aquilo considerado aleatoriamente como o melhor, deixando de
lado o restante. Pensa-se desta forma, estar completo o novo mtodo criado, pois
tem por base um nmero grande de autoridades na educao musical (grifos da
autora).
616
No entanto, a necessidade do educador criar uma metodologia para cada educando, com base na realidade cultural musical deste. Considerando prioritariamente os conhecimentos musicais que este j possui. Assim, contemplar no plano
de estudos os vrios elementos da msica com vistas ao desenvolvimento completo
do aluno na linguagem musical, e almejando que este passe a ser dominador dessa
linguagem, sendo capaz de manipul-la e ressignific-la ao fazer uso da sua capacidade inventiva, que deve ser desenvolvida na aula de msica, militar por uma educao musical libertadora: que no desenvolva meros reprodutores de constructos
musicais; executores de obras j prontas.
preciso desenvolver seres capazes de criar novidades na msica, ou pelo menos recriar msicas de modos singulares. Porm, para que isso acontea preciso pensar
em um ensino que no se restrinja ao simples desenvolvimento de repertrio, e que
contemple a msica como discurso fazendo o estudo dos diversos elementos musicais que a constituem, estando inseridos a os paradigmas harmnicos que nos esto
disponveis, e que a partir desses o educando possa criar novos padres se quiser.
Enfim, que a inventividade, criatividade, e liberdade sejam palavras intrinsecamente
ligadas e norteadoras dos processos educativo-musicais fomentados com o acordeom, independentemente do nvel de aprofundamento e domnio da linguagem
musical que o educando tenha. E que seja considerada a construo progressiva de
conhecimento musical, sem privar o educando da tomada de conscincia de elementos chave da arte musical.
1 Sobre as teorias do cotidiano aplicadas educao musical, ver Souza, 2000; 2008.
2 Segundo Zanatta (2005, p. 49), o acordeom o primeiro instrumento da nova era da industrializao. Os primeiros acordeons construdos em srie aparecem a partir de 1830 pelas
firmas: Buffet (Blgica), Napolen Fourneaux, e Bousson (Frana). Inicialmente, enquanto
produto industrial, dele derivara duas verses: acordeom tnico de botes, com um som para
cada boto, e o acordeom diatnico, composto por uma a trs carreiras de botes e com a
emisso de dois sons por boto, obtidos conforme o movimento do fole (grifos da autora).
So os movimentos de abrir e fechar o fole, no acordeom diatnico, que permite a obteno
de notas diferentes atravs do acionamento de um mesmo boto. Ainda de acordo com os
dados levantados por Zanatta (2005, p. 47), podemos dizer que havia certos graus de interesse dos arteses com vistas ao aperfeioamento do acordeom. Esse interesse manteve-se
com base na utilizao do mesmo princpio de palhetas de soprar. Isso possibilitou o surgimento de novas variaes pelo mundo. Em Londres, Charles Wheatstone registra, em 19
de junho de 1829, um instrumento chamado Concertina, que foi muito difundida pelos marinheiros da Gr-Bretanha. Em 1834, Carl Friedrich Uhlig, musicista e construtor de instrumentos na Saxnia, durante uma viagem em Viena, vem conhecer o princpio do
acordeom de Demian. Em seguida, ele desenvolve um instrumento de forma quadrada, a
Concertina Alem (idem, grifos da autora).
2 Segundo a classificao organolgica proposta por Curt Sacks (1881-1959), trata-se de
uma denominao para qualquer instrumento de madeira, de metal, de fole, etc., que soa
por meio do ar posto em vibrao.
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Palavras-chave
Ensino coletivo, auto-estima, autoconceito, motivao, aprendizagem musical.
619
De acordo com Antunes (2007, 23), apoiado nos trabalhos de Carl Rogers e de
George Kelly (1955), a criana no nasce com a auto-estima formada atravs de
uma condio gentica nem to pouco resultado da inteligncia ou da personalidade, a auto-estima construda atravs da interiorizao da imagem que pais e
professores fazem da criana. As crianas e adolescentes esto continuamente perguntando a si mesmos como estou indo? Elas medem as reaes verbais e no-verbais das pessoas significativas pais e outros membros da famlia nos primeiros
anos, e amigos, colegas e professores mais tarde para fazer julgamentos. Os alunos
comparam seu desempenho a seus prprios padres e ao desempenho dos pares.
(Woofolk 2000, 78). As pessoas inseridas neste contexto atuam como outros significativos, uma vez que o indivduo estabelece as relaes mais significativas para
a formao de sua identidade e de sua auto-estima.
Esta relao na aprendizagem musical em grupo se constri de maneira semelhante,
pois a aula coletiva de instrumentos musicais possui os mesmos atores, ou seja, alunos e professores, e o rendimento escolar que dado pela evoluo do aluno no desempenho tcnico no instrumento.
O autoconceito no formado apenas a partir de uma perspectiva pessoal de julgamento, as idias e opinies externalizadas por outras pessoas a nosso respeito tambm fazem parte da construo. Moyss (2005, 26) destaca a relevncia das pessoas
que a criana considera importantes, como pais e outros significantes, para a formao do autoconceito e da auto-estima. A autora afirma ainda que a partir das relaes desenvolvidas com estas pessoas que a criana estabelece as relaes mais
significativas para a formao de sua identidade. Nas suas mos esto o poder e o
controle e, em conseqncia, a aprovao e a recompensa ou a reprovao e o castigo. A influncia destas pessoas se d por meio da importncia que elas representam para o indivduo e das reaes geradas a partir da aprovao ou reprovao
elaborando um conceito positivo ou negativo de si mesmo, desta forma, transpondo
estas relaes para a aula de instrumento em grupo, pode-se afirmar que as atitudes
621
e opinies dos professores e colegas numa turma de ensino coletivo influenciam diretamente na formao do autoconceito do aluno.
622
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a motivao que aponta para a conquista de recompensas externas. Em especial destaca-se a classe que diz respeito ao autoconceito e a auto-estima, que interferem no
processo de aprendizagem.
624
Partindo do princpio de que os alunos optam por estudar msica por uma iniciativa prpria, podemos dizer que o mesmo est motivado para a aprendizagem musical, onde cada descoberta um desafio que torna o estudo da msica motivante.
Porm, a falta de motivao para as atividades nas aulas de msica pode ser uma indicao de baixa auto-estima. A criana com uma auto-estima elevada tem uma
curiosidade natural para o aprendizado e se entusiasma com cada novo desafio. Ela
se sente confiante em situaes sociais e desafios no estudo. Por outro lado a criana
com auto-estima mdia ou baixa perde o estmulo para aprender; qualquer aprendizado representa um risco de erro ou fracasso, fatores que trouxeram a humilhao e a rejeio no passado (Humpreys 2001, 21).
Para Humpreys (2001, 20) o sucesso e o fracasso por si no tm efeito sobre a motivao para o aprendizado, mas as reaes, por parte de pais, professores e outros
adultos significativos, ao fracasso e ao sucesso das crianas, tm sobre elas um efeito
devastador. De acordo com este autor os pais no devem incentivar seus filhos
pelos resultados alcanados, mas pelo esforo empenhado, o que conta o esforo,
no o desempenho. A nfase no desempenho pode eventualmente faz-lo desistir
dos esforos ou lev-los a tentativas exageradas.
sobre o desempenho dos outros. Essas observaes podem ser externadas atravs
de brincadeiras, da correo de erros, chamando a ateno do professor apontando
quem errou, entre outras observaes. Atravs de certas brincadeiras a auto-estima
do aluno pode ser afetada, nascidas das relaes interpessoais, as referncias negativas a presentes ainda que em tom jocoso vo sendo internalizadas pelo aluno,
passando a servir de ponto de referncia para o seu autoconceito (Moyss 2007,
22-23). Foi perguntado aos alunos se entre os colegas havia mais crticas ou elogios,
e como eles se sentiam diante desta situao. As respostas a este questionamento
foram organizadas e expostas a seguir. 2
Quadro 1 de que maneira os alunos reagem diante das crticas ou elogios
Aluno
Crticas
AEC 4
Crticas e elogios
AEC 5
Crticas e elogios
Elogios
Em um julgamento precipitado poderamos dizer que diante das crticas dos colegas o aluno se sentiria desmotivado. Contudo, o fato de receber uma crtica para alguns pode vir a ser um motivo para motivar-se ainda mais, impulsionando o aluno
para superar as dificuldades.
A presena de outros colegas que possuem os mesmos objetivos e que esto a todo
momento, de alguma maneira, interagindo com os outros, realmente o diferencial nas aulas de instrumentos musicais. Os alunos de alguma forma interferem na
aprendizagem do outro seja de forma explcita ou implcita, e uma forma de interferncia realizar crticas ou elogios, podendo estes fatores representarem um acrscimo ou no na motivao do outro. Embora haja mais crticas do que elogios, de
forma geral, as crticas entre os estudantes entrevistados pareceram no interferir
negativamente na motivao, e em alguns casos serviu como um impulso para que
os estudantes se motivassem mais para alcanar melhores resultados nos estudos. A
percepo de crticas e elogios foi bastante diferenciada entre os alunos, ao passo que
a maioria afirma haver mais crticas do que elogios no grupo, quatro alunos afirmaram que no existe nem crticas nem elogios. Mas, o que mais chama a ateno
realmente o fato os alunos no se intimidarem facilmente diante das crticas. E
neste ponto que se destaca a relevncia das relaes desenvolvidas em sala de aula,
pois, as experincias, os xitos e os fracassos, a opinio que os outros tm de ns colaboram de forma considervel para definir nosso autoconceito e auto-estima
(Tapia e Fita 2006, 79).
625
Percepo de desempenho
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O questionamento em relao forma como os alunos viam seu desempenho tambm teve o objetivo de se verificar a construo do autoconceito musical. O autoconceito foi abordado sob a tica da educao como autoconceito acadmico, para
tanto, entenda-se por autoconceito acadmico, aquilo que o aluno pensa de si prprio, sobre o seu desempenho e rendimento escolar e que lhe fornecido pelas notas
que tem e pela atitude que os professores, pais e colegas adotam em relao a ele.
(Senos e Diniz 1998, 268).
O autoconceito acadmico e sua relao com a motivao tm sido alvo de discusso entre diversos autores, a exemplo de Senos (1997), Moyss (2007), Silva e Braga
(2009). muito delicado afirmar se o rendimento escolar interfere na auto-estima
ou se a auto-estima influencia no nvel de rendimento escolar, ressalta Moyss (2007,
38), de acordo com a autora as pessoas que possuem uma percepo positiva de si
mesma, se sentem mais confiantes e tm uma boa expectativa para o sucesso, acabam se saindo bem. Contudo, h sempre que se destacar que inmeros outros aspectos podem influenciar tais fatores.
Para verificar a construo do autoconceito, que tambm construdo a partir das
observaes e comparaes entre os alunos, foi perguntado se eles comparavam o
seu desempenho com o desempenho dos demais colegas, e como os mesmos observavam esse desempenho musical em relao aos demais. As respostas foram transcritas no quadro a seguir:
Quadro 2 Observao de desempenho musical pessoal em relao ao
desempenho dos colegas.
Aluno
AEC 1
AEC 2
AEC 3
AEC 4
AEC 5
Bem.
AEC 6
Mesmo desempenho.
AEC 7
Toco bem.
AEC 8
AEC 9
s vezes igualmente na aprendizagem e tambm quando vejo algum melhor que eu,
estudo mais.
AEC 17 No respondeu.
AEC 18 Todos iguais.
AEC 19 Bem. Acho que em algumas msicas eu acompanho bem, e sempre tento me igualar.
AEC 20 No respondeu.
AEC 21 Igual
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628
A maior parte dos estudantes afirmam receber incentivo e apoio dos pais e familiares. Nota-se que expresso de apoio dos pais feita de vrias maneiras, atravs de
elogios, de incentivo, da ateno dada aula de msica e atravs da ajuda e acompanhamento nos estudos. Da mesma forma a falta de incentivo e apoio tambm
pode estar presente atravs da falta de estmulo e de ateno. Comparando-se as
duas respostas, apoio e percepo de desempenho, verificou-se que aqueles alunos
que recebem apoio e incentivo da famlia, de forma geral afirmam ter um bom desempenho. A percepo de desempenho para aqueles alunos que responderam no
ou mais ou menos tambm reflete em parte o apoio dos pais, pois os alunos parecem no se sentirem plenamente confiante de suas capacidades, atribuindo conceitos negativos ao seu desempenho.
Consideraes
Ao longo do trabalho evidenciaram-se alguns fatores que influenciam a formao,
manuteno e alterao da auto-estima e do autoconceito, e consequentemente a
motivao no processo de aprendizagem observadas no ensino coletivo. reconhecida a importncia dos professores e dos colegas da classe de ensino coletivo
como outros significantes. Desta maneira sabe-se que a opinio destas pessoas
que participam do processo de ensino e aprendizagem tem incalculvel valor. Em
especial destaca-se a atuao do professor de msica e suas atitudes frente a seus
alunos, bem como a maneira como intermedeia as relaes entre os estudantes.
Foi possvel verificar que entre os colegas tendem a ocorrer certas formas de expresso apoiadas em crticas e rtulos, que, muitas vezes, se projetam na capacidade
de execuo e no processo de aprendizagem do instrumento musical, contudo as crticas parecem no influenciar de maneira to negativa na motivao e na auto-estima do aluno. Observou-se que quando os alunos se deparam com as crticas dos
outros colegas, em geram no sofrem uma desmotivao, a reao aponta no sentido de superar as dificuldades e continuar o estudo do instrumento. Mesmo que
grande parte dos alunos tenha uma reao positiva ou indiferente em relao s crticas, esta observao no se estende indiscriminadamente a todos os alunos, portanto, ressalta-se a importncia do papel do professor na mediao das relaes
interpessoais para que as mesmas se tornem inclusivas e acolhedoras. A escola, principalmente atravs da atuao do professor, deve ajudar o aluno a se conhecer e desenvolver os alicerces para que, diante das situaes de crticas, possa desenvolver e
manter de forma positiva sua auto-estima e autoconceito.
Por se tratar de um trabalho voltado para a educao musical esta pesquisa debruou-se especialmente sobre o autoconceito acadmico, que diz respeito percepo
do aluno em relao ao seu desempenho escolar, e que tem ligao com a formao
da auto-estima. Nas interaes ocorridas na sala de aula esto presentes importantes fatores que contribuem para a formao do autoconceito do aluno. Alm dos re-
sultados, das avaliaes e da opinio do professor, entre outros aspectos, um dos fatores que contribuem para esta construo, a comparao com os outros colegas
que servem como parmetro, uma vez que os alunos sempre esto realizando observaes entre si. Embora, muitas vezes, essa comparao possa gerar uma percepo negativa de si mesmo para aqueles que consideram seu desempenho inferior
em relao aos demais, este parmetro pode servir como um impulso, empenhandose para obter um melhor desempenho no instrumento, surgindo como uma forma
de manuteno e proteo da auto-estima, e conseqente influncia sobre a motivao.
Retomando a afirmao de Schunk (apud Senos 1997, 01), medida que os alunos
percebem que so capazes de realizar uma tarefa com xito, tendem a se sentir mais
motivados, e como conseqncia surgem melhores resultados, o que contribui para
a elevao da auto-estima. Desta forma, o desempenho e os resultados obtidos nas
aulas de msica possuem relao com o desenvolvimento da auto-estima, e viceversa. De acordo com Moyss (2007, 38) o fato de se considerar bom ou ruim pode
acabar influenciando o seu desempenho escolar na medida em que poder afetar seu
grau de esforo, de persistncia e o seu nvel de ansiedade.
Diante de todos os atores investigados e de suas interaes na aprendizagem coletiva, surgiu um fator de grande importncia no processo de aprendizagem musical:
o apoio e incentivo dos pais e familiares. Observou-se que existe uma forte relao
entre o apoio dos pais e a percepo positiva de desempenho entre os alunos, aqueles alunos que recebem incentivos dos pais tendem a afirmar possuir um bom desempenho nas aulas de msica. Observa-se que as outras pessoas com quem o aluno
convive fora da sala de aula, em outros grupos sociais, no devem ser desprezadas
uma vez que tambm participam do processo de formao do autoconceito e da
auto-estima do indivduo. Ressalta-se que estes parmetros no so suficientes para
concluir investigaes sobre auto-estima no mbito do ensino coletivo, o tema merece enfoque em pesquisas futuras e seu aprofundamento no que diz respeito ao
ensino da msica.
1 De acordo com Yin (2006, p. 117), a entrevista espontnea nos permite tanto obter informaes sobre o fato relacionado ao assunto, quanto obter a opinio dos entrevistados
sobre determinados eventos, e inclusive utilizar as interpretaes apresentadas pelos respondentes como base para uma nova pesquisa. Estrategicamente, a entrevista espontnea
realizada com os professores serviu como base para a investigao com os alunos. Para a obteno dos dados junto aos alunos a entrevista focada, a partir de questes estruturadas, mostrou-se mais adequada, uma vez que um dos propsitos desta entrevista pode ser
simplesmente corroborar com certos fatos que voc j acredita terem sido estabelecidos (e
no indagar sobre outros tpicos de natureza mais ampla e espontnea) (Yin, 2006, p.118).
Esta modalidade de entrevista facilitou o entendimento das questes por parte dos estudantes, proporcionando maior agilidade e praticidade diante da pouca disponibilidade que
os mesmos possuam para responder aos questionamentos.
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2Todos os alunos foram identificados atravs da sigla AEC (aluno do ensino coletivo) seguindo do nmero da ordem de entrevista.
630
Referncias
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http://www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/Autoestima_conf_respons.pdf
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Moyss, Lcia. A auto-estima se constri passo a passo. Campinas: Papirus, 2005.
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Senos, Jorge e Diniz, Tereza. Auto-estima, resultados escolares e indisciplina: Estudo exploratrio numa amostra de adolescentes. Anlise Psicolgica 16, no. 2 (Junho 1998).
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Woofolk, Anita E. Psicologia da educao. Porto Alegre: Artemed, 2000.
Yin, Robert K. Estudo de caso: planejamento e mtodos. Traduzido por Daniel Grassi. 3. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2005.
O Espao Musicoteraputico
como Campo do Representacional:
Representaes Sociais, Msica e Musicoterapia
Fernanda Valentin
[email protected]
Leomara Craveiro de S
[email protected]
631
632
Uma vez que as representaes sociais regem as relaes das pessoas com o mundo,
interferindo em processos variados como a difuso e assimilao de conhecimentos
e a definio das identidades pessoais e sociais, estas podem ser abordadas ao mesmo
tempo como produto e processo de uma atividade de apropriao da realidade exterior ao pensamento e de elaborao psicolgica e social dessa realidade. Sendo
assim, ao refletir sobre representaes sociais, devidamente apropriado considerar os aspectos constituintes (os processos) e os constitudos (os produtos ou contedos) (Dotta, 2006).
Nesse sentido, ao introduzir a idia de processo e produto, esta teorizao aproxima-se de outras reas e passa a servir de ferramenta para outros campos, como a
Sade, a Educao, a Arte e o Meio Ambiente. No campo das Artes, em especial na
Msica, Duarte (2002) afirma que
a abordagem das Representaes Sociais um modelo conceitual capaz de explicar processos de criao e apreciao artsticas integrando aspectos histricos, sociais e culturais com processos psicolgicos individuais. Ela nos permite
analisar o fenmeno musical em seu duplo papel, tanto como produto da realidade social quanto como parte do processo de construo dessa realidade
(p.126).
A msica, a partir desse ponto de vista, no compreendida apenas como uma manifestao individual, fruto da mente brilhante de determinados artistas, desconectada com o universo ideolgico, scio-histrico. A msica no considerada
exclusivamente como um sintoma, um pressgio, ou mesmo como um produto acabado, mas como um elemento integrante da prpria Histria. Ela influencia e influenciada, ela reflete e refrata uma dada realidade, num processo de constante
iterao dialtica e recriao permanente (Freire, 1992, p.7). Portanto, Clmaco
(1998) assinala que,
como elemento constitutivo da sociedade, sujeito sua temporalidade, a msica no apenas reflete o que existe neste social, mas capaz de constituir o novo,
lanando possibilidades de novas estruturas, no que diz respeito sociedade e
prpria arte. A msica significa e ressignifica, estabelece uma relao intricada
com o tempo e com a sociedade com a qual interage, ajudando a constitu-los.
Essa capacidade da msica em incorporar a dinmica do social devido a sua estrutura simblica. Assim, em suas notas, acordes, cadncias, intricadas em suas repeties, imitaes, tenses-resolues, consonncias, a msica articula sentidos e
significados; no um universo fixo de significados, mas um universo de possibilidades de novas ordenaes e significaes (Freire, 1994, p.128).
Dessa forma, os smbolos musicais so modos de representao construdos a partir do sonoro, mas a natureza dinmica da msica recusa qualquer fixao definitiva
de um cdigo, oferecendo uma pluralidade de interpretaes. Para Barbosa (2007)
Em ressonncia com esse pensamento, Nattiez (1990, p. 34) afirma que o simbolismo musical polissmico, porque quando ouvimos msica, os significados que ela
toma, as emoes que ela evoca, so mltiplas, variadas, confusas.
Assim, a msica no se restringe aos processos intelectuais, mas promove uma articulao constante entre pensamento (domnio dos sistemas simblicos) e sentimentos (experincias). Ao mobilizar as emoes, as obras musicais favorecem o
contato com aquilo que j foi vivenciado, evoca lembranas e conduz aos jogos do
imaginrio. Conforme aborda Sekeff (2002, p.20) a msica, linguagem icnica,
carregando em seus flancos o inconsciente, sempre traz uma lacuna que preenchida pelo imaginrio do receptor da escuta. O discurso musical essencialmente
multvoco, com os sons expressando mais do que dizem.
Swanwick (2003), tratando sobre os diferentes processos que esto articulados com
a msica, ressalta o carter simblico das obras musicais, tornado-as capazes de compartilhar sistemas de significados e conectar-se a outras formas simblicas. Para ele
a msica no uma anomalia curiosa, separada do resto da vida; no s um estremecimento emocional que funciona como atalho para qualquer processo de
pensamento, mas uma parte integral de nosso processo cognitivo. um caminho de conhecimento, de pensamento, de sentimento (p.22-23).
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Barcellos e Santos (1996) mostram ainda como a cultura se estabelece como uma
articulao, uma trama de representaes sociais:
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a influncia da cultura, do social se faz sentir, no s no compositor, mas tambm na forma de cada ouvinte, ou mesmo executante, decodificar ou atribuir
sentidos a msica. (. . .) No se pode deixar de considerar o contexto social que
se desenvolvem as vivncias humanas e nem pretender caracteriz-las como nicas e puramente individuais. (. . .) A cultura condiciona as relaes de cada indivduo com a natureza e com os outros homens, no se podendo, a rigor, falar,
por exemplo, de uma apreenso da msica puramente pessoal, mas sempre de
uma imbricao entre o biogrfico e o social. O indivduo escuta com o ouvido
de sua cultura, de sua poca. (p.14-16)
Ora, quando se elege uma tonalidade para construir certa msica, ao formar uma
seqncia sucessiva ou simultnea de sons, ao propor um ritmo mais acelerado, cadenciado, o cliente mostra a sua viso de mundo. Mesmo que essa seleo seja parcial, no ao acaso, uma vez que os elementos selecionados so os que coincidem
com o sentido que o indivduo pode ou quer atribuir ao som (Duarte e Mazzotti,
2006). Como afirma Schapira (2007), os elementos musicais so equivalentes sim-
Dessa forma, acredita-se que o musicoterapeuta deve estar atento aos processos de
hibridao e tambm dimenso ideolgica das produes musicais contemporneas. A hibridao, para Canclini (2002, p.2), so os processos socioculturais em
que estruturas e prticas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar
novas estruturas, objetos ou prticas. Pode-se pensar, ainda, na hibridao como
o cruzamento das representaes sociais. Nesse sentido, as msicas presentes no
setting e a prpria musicalidade do cliente podem partir das misturas e fuses dos
diferentes grupos sociais nos quais ele est inserido ou serem provenientes de imposies ideolgicas, de produtos veiculados pela mdia desarticulados de sua identidade.
Considerando a perspectiva apresentada por Milleco (1997), surge o questionamento: o setting musicoteraputico poderia tornar-se um espao para promover
novas referncias estticas aos clientes? O autor comenta que a musicoterapia caracteriza-se pela possibilidade de transitar em diferentes campos da cultura, construindo
um senso esttico e crtico, aberto a diversas formas de expresso musical. Muitas vezes es-
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taremos remando contra a correnteza da massificao, transgredindo o institudo, preservando a diversidade cultural, construindo um devir diferencial, favorecendo uma percepo/expresso mais atenta a arte musical (Milleco, 1997, p.34)
638
Essa diversidade cultural marcante no setting muscicoteraputico, cabendo, algumas vezes, ao musicoterapeuta seguir a correnteza da massificao, utilizando
msicas de massa para acessar o cliente, e ainda articulando elementos musicais
antagnicos e contraditrios.
Acredita-se, tambm, que essa viso crtica do musicoterapeuta deve se estender a
si mesmo. Conhecer as suas prprias representaes sociais, isto , as representaes que foram construdas em conjunto com os grupos sociais que o cercam pode
auxili-lo na compreenso de processos como a transferncia e contratransferncia2,
bem como a repensar os entraves na relao teraputica como, por exemplo, o preconceito.
Conhecer suas representaes de msica, de musicoterapia, de homem, que foram
moldadas em sua formao acadmica e profissional, articuladas com os valores e
crenas familiares e que sofrem influncias dos grupos religiosos ao qual pode estar
inserido, favorece novas percepes da forma com que o musicoterapeuta constitui a realidade.
Trata-se, portanto, de reconhecer a existncia de um imaginrio social, ou seja, uma
instncia por onde circulam os mitos, as crenas, os smbolos, as ideologias e todas
as idias e concepes que se relacionam ao modo de viver de uma coletividade e
proporcionar ainda reflexo sobre os arqutipos, elementos constitutivos do imaginrio que atravessam os tempos, assinalando formas de pensar e construir representaes sobre o mundo (Pesavento, 2003, p. 45).
Dessa forma, o musicoterapeuta deve atentar-se para o fato de suas compreenses
sobre os fenmenos musicoteraputicos, apesar de se pautarem em estudos cientficos, serem tambm construes imaginrias da realidade. Os fatos vivenciados no
setting so objetos de mltiplas verses e por isso, jamais sero constitudos por uma
verdade nica ou absoluta, mas por vrias verdades. no encontro entre cliente e
musicoterapeuta, mediado pela msica de um e de outro, que coexiste a possibilidade de vivenciar reconstrues imaginrias. Cabe, no entanto, ao musicoterapeuta
ter o cuidado para no sobrepor as suas representaes sociais s do cliente/grupo.
Quanto a isso, Queiroz (2003) ressalta que,
a msica que vem do terapeuta, contendo seu gosto musical, suas afinidades estticas, ingrediente indispensvel, na medida em que esta presena do terapeuta no fazer musical, sua busca de contato. (. . .) Os valores e contedos
musicais do terapeuta so peas do processo musicoterpico (p.69).
Assim, a musicoterapia configura-se como uma teraputica do contato, do encontro. Musicoterapeuta, cliente e msica colocam-se entre espao e tempo, buscando
integrar-se um ao outro e ao mundo, em uma totalidade consciente. Por isso, con-
forme ressalta Gonzlez Rey (2007, p.164), a terapia est sempre envolvida em um
espao de subjetividade social.
A nfase na dimenso social em musicoterapia se faz cada vez mais necessria, pois
como analisa Jovchelovitch (1995),
em tempos que nos confrontam continuamente com crticas ps-modernas que
elogiam a multiplicao de significados, a diferena e a supremacia da intimidade apenas e unicamente em relao a si mesmos, onde a noo de limite se
apresentam freqentemente como autoritrias ou como iluses perdidas da modernidade, eu acredito ser necessrio reafirmar que a produo de significao e
da diferena s possvel em relao s fronteiras de um mundo de outros (p.82).
O autor conclui que ainda so poucas as abordagens da msica no campo da musicoterapia que possui uma perspectiva social mais ampla, que oportunize uma compreenso mais aprofundada dos sentidos da msica que emergem no setting
musicoteraputico. Frente ao exposto, observa-se que a Teoria das Representaes
Sociais permite valorizar a dimenso social sem anular a dimenso individual e que
conexes entre representaes sociais e musicoterapia oportunizam uma teraputica imbricada com a cidadania, a tica e a poltica.
Nota-se ainda que o social em musicoterapia, muitas vezes, entendido de forma
restrita, como um campo de atuao, atendimentos a pessoas menos favorecidas,
ou intervenes diretas na comunidade. Faz-se necessrio uma ampliao deste conceito, pois em concordncia ao pensamento de Vigostky (1999),
a arte o social em ns, e, se o seu efeito se processa em um indivduo isolado,
isto no significa, de maneira nenhuma, que as suas razes e essncia sejam individuais. muito ingnuo interpretar o social apenas como coletivo, como existncia de uma multiplicidade de pessoas. O social existe at onde h apenas um
homem e as suas emoes pessoais (p.315).
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1 De acordo com Schaeffer (1993), objeto sonoro todo fenmeno sonoro que percebido
com um conjunto, como um todo coerente, que ouvido por meio de uma escuta reduzida
que o enfoque por si mesmo, independente de sua procedncia ou de seu significado.
Referncias
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641
O envelhecimento um processo natural na vida de todo o ser humano. Sem dvida, a velhice o presente de alguns e o futuro de todos. Afinal, a partir de quando
o ser humano passa a pertencer terceira idade1? Em 1985, a Organizao das Naes Unidas (ONU) definiu a populao idosa como sendo aquela com idade a partir dos 60 anos nos pases em desenvolvimento e 65 anos em pases desenvolvidos.
A Organizao Mundial da Sade (OMS) ainda divide a terceira idade em trs grupos: jovens idosos (60 a 69 anos); meio idosos (70 a 79 anos) e idosos velhos (a partir dos 80 anos) (Mascaro, 1997: 60).
Em paralelo a era da informao e da internet, o mundo vive a era do envelhecimento. Dados da Organizao das Naes Unidas revelam que em 1975 existiam
350 milhes de idosos, passando para 600 milhes em 2000 e a previso para o ano
de 2025 de 1,2 bilhes de pessoas de 60 anos ou mais. O crescimento da populao idosa tambm uma realidade no Brasil. Dados do IBGE confirmam que em
1996, a proporo de idosos era de 16 idosos para cada 100 crianas passando em
2000 para 30 idosos para cada 100 crianas e, em 2025, o Brasil ser o sexto pas do
mundo com o maior nmero de pessoas idosas2. Muitos so os fatores que provocaram o aumento desta populao. No Brasil, destacam-se a expanso do saneamento bsico, especialmente nas grandes cidades, os programas de controle da
natalidade (planejamento familiar) e as campanhas de conscientizao da sade
preventiva (alimentao saudvel, prticas de exerccios fsicos, realizao de exames
peridicos, entre outros). Luz (2006: 1) nos lembra da contribuio dos avanos da
cincia em diversas reas como a gentica molecular, a farmacologia, a quimioterapia e das atuais pesquisas e descobertas da indstria biotecnolgica (clulastronco).
No Brasil, o aumento da populao idosa e, especialmente, os avanos da cincia, especialmente da medicina, tm provocado mudanas no conceito de velhice, bem
como na posio e comportamento social, cultural e econmico do idoso. Sem dvida, o envelhecimento um processo natural que provoca alteraes fisiolgicas,
anatmicas e diminuio da funcionalidade nos diversos sistemas e rgo do corpo.
Estes fatores geram uma srie de preconceitos, especialmente no nosso pas onde o
referencial parte das capacidades dos jovens como, por exemplo, a crena de que o
idoso um ser inativo, em decadncia, e incapaz de adquirir conhecimentos (Bueno,
2008; Rodrigues e Carvalho, 2008; Luz e Silveira, 2006).
No entanto, nas ltimas dcadas, diversos estudos, especialmente na rea da Gerontologia3, tem se dedicado a desmitificar conceitos em relao s capacidades dos
idosos. Aqui, as limitaes decorrentes desta faixa etria so interpretadas sob um
novo olhar de construo e transformao (Luz e Silveira, 2006: 10). O entendimento de Rodrigues a respeito do envelhecimento um exemplo desta tendncia.
Nas palavras do autor, a velhice um perodo de perdas propcio a novas conquistas (Rodrigues, 2003: 24 apud Bueno, 2008: 3).
Quanto parte cognitiva, os autores em geral acreditam que a velhice um somatrio de todas as fases vividas e, por esta razo, os idosos so capazes de gerar e transformar os conhecimentos adquiridos ao longo de suas vidas. Alm disso, h o
entendimento de que a aprendizagem uma atividade necessria na manuteno da
sade fsica e mental e deve estar presente, especialmente, na terceira idade. A este
respeito, Figuerdo (2009:13) faz o seguinte comentrio:
envolver-se na aprendizagem de coisas novas e no aperfeioamento dos assuntos j conhecidos ainda mais urgente na velhice porque muitas das dificuldades impostas pelo envelhecimento natural podem ser dribladas ou atenuadas
atravs desta mobilizao, proporcionando uma vida de melhor qualidade.
Ainda a respeito da parte cognitiva, o Estatuto do Idoso, o mais recente instrumento de defesa dos interesses das pessoas desta faixa etria, aprovado pelo Con-
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postas por estas instituies, Luz e Silveira (2006: 2) destacam o lazer (excurses,
bingos, chs da tarde, aniversrios, croch, etc), atividades fsicas (dana, biodana,
alongamento, ioga, etc.) e as de cunho intelectual, cultural e religioso (aulas de culinria, de psicologia, festas folclricas, teros e missas especiais para idosos e seus
grupos, etc.).
A terceira idade institucionalizada apresenta uma situao inversa. Aqui os idosos
vivem em condies mais difceis, comeando pela pobreza que, em muitos casos,
determinante para a institucionalizao. Em se tratando dos motivos que levam
institucionalizao dos idosos, Perlini, Leite e Furini (2007) constataram que, na
maioria dos casos, a famlia decide asilar o seu idoso pela impossibilidade de um ou
mais membros que se disponibilizem e se responsabilizem pelo cuidado do idoso ou
por falta de uma acomodao adequada no lar ou por dificuldades de relacionamento que geram constantes desentendimentos familiares. Todos estes motivos
criam uma expectativa de que a instituio dar toda a assistncia necessria e que
o idoso ter mais chances de se socializar pelo fato de encontrar outras pessoas com
as mesmas caractersticas. No entanto, no o que acontece, porque a instituio
no est preparada para o atendimento individualizado, as instalaes da instituio obrigam o idoso a dividir espao dos armrios e dormitrios, gerando uma
perda da individualidade com total perda da privacidade. Alm disso, a socializao
esperada no acontece por causa da rejeio daqueles que moram na instituio h
mais tempo e dos conflitos que podem existir pelas diferenas culturais, sociais e
de educao.
Por outro lado, a institucionalizao muitas vezes ocorre por vontade prpria.
Neste caso, os principais motivos que levam o idoso a optar pela moradia na instituio so: a necessidade de independncia em relao famlia, solido por viuvez
ou por ausncia dos familiares que saem para trabalho ou estudo e dificuldades financeiras que ocasionam uma moradia inadequada. No caso dos residentes do
Abrigo D. Pedro II, os idosos que chegaram por iniciativa prpria so mais integrados e participativos nas atividades oferecidas pela instituio. deste perfil a
maioria dos alunos que participaram da Oficina de Msica e Canto Coral.
A realidade vivida pelos idosos institucionalizados, por melhor que seja a estrutura
dos abrigos, sempre revela um quadro de abandono. A vida na instituio obriga os
idosos a se adaptar a uma rotina de horrios, a dividir seu espao com desconhecidos e, alm disso, a individualidade e o poder de escolha so substitudos pelo sentimento de ser apenas mais um dentro daquela coletividade (Porcu et al. 2002:
714). Todos estes fatores levam a um quadro de depresso e baixa estima. Em estudos realizados sobre a prevalncia de sintomas depressivos em idosos, constatouse um alto ndice de depresso (inclusive nas formas mais graves) nos idosos
institucionalizados em comparao aos idosos residentes em domiclios. (Porcu et
al. 2002)7. Diversos estudos apontam os danos fsicos e psicolgicos causados pela
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depresso, como a perda da capacidade cognitiva e a inaptido para realizar as atividades dirias entre os idosos (Porcu et al. 2002: 716). Alm dos impactos causados pela depresso, outro fator gerador de danos fsicos e psicolgicos aos idosos
institucionalizados o isolamento social. Sobre as conseqncias do isolamento social, Leo e Flusser (2008: 74) fazem o seguinte comentrio:
Fato , que o isolamento social retira os idosos dos crculos de linguagem significativa, o que pode levar o sistema de conscincia a danos significativos, pois os
processos de comunicao conferem o tnus afetivo e a qualidade da atividade
simptica e parassimptica e por conseqncia, repercutem inclusive, na vitalidade das vsceras. A relao interpessoal, por vezes negligenciada,tem implicaes diretas para com a sade e a preveno ou agravamento de doenas. (...) A
retirada dos mais velhos do meio social inibe ou limita as estruturas da conscincia, dos estados afetivos e da atuao das vias nervosas conscientes e inconscientes.
O trabalho realizado na Oficina de Msica e Canto Coral contou com a participao de 12 idosos do Grupo Revivendo e 20 idosos do Abrigo D. Pedro II. As
aulas de msica aconteciam duas vezes por semana nos seguintes locais: na sede do
Grupo Revivendo, localizada na regio central de Salvador e no salo de convivncia do Abrigo D. Pedro II.
As aulas de msica tiveram como fundamentao a abordagem terica de Swanwick com a adaptao de Nagy (1997), no qual a vivncia musical baseada no modeloCLATEC(Construode Instrumentos, Literatura Musical, Apreciao Musical,
Tcnica, Execuo Musical e Composio Musical). Nas aulas, todas as atividades
giravam em torno de um repertrio musical voltado para o resgate da memria sonora e musical dos idosos, tratado aqui como msicas foco. Foi observado que a
atividade de construo de instrumentos contribuiu na ampliao e na integrao
das demais atividades do modelo CLATEC. De modo geral, observamos que o processo de ensino-aprendizagem impactado, mas no inviabilizado pelo envelhecimento do organismo. Na prtica do canto, existem dificuldades ocasionadas pelas
perdas musculares da laringe, desequilbrio respiratrio, perda auditiva e outros
efeitos causados pelo uso de medicamentos de forma contnua. No caso dos idosos
do Abrigo D. Pedro II, apareceram algumas dificuldades associados a outros fatores que no os da velhice como a falta de motivao em conseqncia da depresso
e da baixa estima, a falta de uma vivncia musical sistematizada, orientada e dirigida
nas fases anteriores da vida e, em muitos casos, o baixo nvel de escolaridade.
Em relao parte cognitiva, foram observadas diferenas de aprendizagem e na
qualidade da memria entre os dois grupos. Os idosos do abrigo apresentaram uma
resposta mais lenta s atividades musicais propostas em comparao ao desempenho
dos idosos do Grupo Revivendo. Outra diferena importante encontrada entre os
dois grupos foi a falta de motivao dos idosos em participar das atividades nas primeiras aulas. Enquanto os idosos do grupo revivendo participavam ativamente das
atividades propostas com alegria e descontrao, os idosos do abrigo se sentiam envergonhados e a comunicao entre eles praticamente no existia. Nas primeiras
aulas tivemos a necessidade de ir ao encontro de cada idoso dentro dos alojamentos para convid-los a irem ao salo para participarem das aulas. Na medida em que
os encontros foram acontecendo, os idosos passaram a ir ao salo espontaneamente.
Da mesma forma a comunicao entre os idosos evoluram gradativamente, gerando um ambiente agradvel e de grande descontrao. Todas as aulas realizadas
no abrigo foram acompanhadas pela assistente social, que relatava os efeitos positivos das aulas nos idosos, especialmente os que apresentavam acentuados quadros
de depresso. Alm dos problemas emocionais, a maioria dos participantes do
abrigo tinha dificuldades de locomoo, geralmente por conseqncia do acidente
vascular cerebral (AVC, conhecido popularmente como derrame), problemas cardacos e, em alguns casos, deficincia mental leve, conseqncia da idade avanada,
controlada por medicamentos.
No entanto, apesar destas dificuldades e das diferentes realidades vividas pelos dois
grupos, bem como as diferenas cognitivas observadas, os idosos adquirem conhecimento musical, principalmente, quando os contedos esto voltados ao resgate
das experincias musicais dos alunos e ministrados sempre de forma prazerosa, proporcionando uma prtica musical nova e significativa. Entre os idosos do Abrigo D.
Pedro II foram observados muitos episdios de alegria e at emoo quando os alunos conseguiam decodificar os elementos da gramtica musical. Um exemplo deste
fato aconteceu durante uma atividade de jogo da memria, onde foram utilizadas cartes com as figuras musicais (semibreve, mnima, semnima, colcheia e semicolcheia). Os idosos que acertavam a posio das figuras tinham que executar o
ritmo usando um instrumento de percusso. Quando se executava a clula musical
de forma correta todos aplaudiam. Outro momento importante foram as apresentaes musicais, onde os idosos do abrigo tiveram a oportunidade de se expressar
musicalmente diante do pblico formado por moradores, funcionrios e familiares.
Nestas ocasies, os idosos sentiam-se emocionados e especialmente valorizados por
demonstrar em pblico a sua capacidade de aprender e de se expressar musicalmente.
Alm do conhecimento das duas realidades relatadas aqui, a realizao deste trabalho nos proporcionou o conhecimento das possibilidades de trabalho voltado ao
ensino de msica aos idosos institucionalizados. Neste caso, o ensino e a prtica
musical geram resultados efetivos, que promovem a dignidade dos idosos. O papel
da msica como um recurso para a promoo de uma melhor qualidade de vida
tambm um objeto de estudo de outras reas de conhecimento, preocupadas com
a realidade do idoso asilado. Isto pode ser observado nas palavras de Eliseth Ribeiro
Leo, pesquisadora da rea de enfermagem, que diz:
nesse ponto que a Arte, em particular a Msica, na forma como a concebemos,
647
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Por fim, acreditamos que o maior desafio enfrentado na educao musical na terceira idade est no preparo do profissional de msica, que deve conhecer as estratgias de ensino e aprendizagem musical que sejam adequadas s condies fsicas,
psicolgicas e sociais dos idosos para uma educao musical de possibilidades8. Alm
disso, este profissional necessita de um conhecimento interdisciplinar para auxiliar
suas atividades, principalmente na rea de Gerontologia. No caso da prtica de ensino com idosos institucionalizados, de fundamental importncia o acompanhamento de assistentes sociais da instituio, no sentido de serem fontes importantes
de informao que podem auxiliar no trabalho do educador musical.
1 De acordo com Nunes (2000), a categoria terceira idade surgiu na Frana na dcada de
1960 e refere-se a uma emergente realidade da velhice, ligada a um novo tempo de lazer e
no mais associada misria, doena e decadncia, o que, em geral, ocorria aps a aposentadoria (Frutuoso, 1996:33 apud Nunes, 2000: no paginado).
2 Para mais informaes consultar o endereo eletrnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/idoso/perfil_idosos.html
3 A Gerontologia definida como a cincia que estuda o envelhecimento.
4 Alm dos estudos voltados educao musical, a prtica musical na terceira idade est
muito presente nas pesquisas na rea de musicoterapia, conforme observamos nos congressos da rea de msica, especialmente os da ANPPOM e do SIMCAM, realizados na ltima
dcada. Cabe aqui destacar o trabalho realizado por Cotta (2006) voltado para a prtica do
canto na musicoterapia e Cunha (2007) sobre a aplicao da musicoterapia junto a idosos
com provvel diagnstico da doena de Alzheimer.
5 O Abrigo D. Pedro II foi fundada em 1882 com o nome de Asilo de Mendicidade da Bahia
e foi considerada uma das primeiras entidades fundadas no Brasil com o objetivo de prestar
assistncia a mendigos e idosos carentes. Em 1943 o abrigo passa a acolher apenas pessoas
com idade superior a 60 anos. Atualmente esta instituio ligada prefeitura de Salvador
e administrada pela Secretaria Municipal de Ao Social.
6 De acordo com Nunes (2000: no paginado) a primeira Faculdade da Terceira Idade foi
criada em 1973 em Toulouse, na Frana. No Brasil, a primeira instituio desta natureza foi
criada em So Paulo, em 1977, por iniciativa dos tcnicos do SESC, no qual serviu de modelo para o surgimento das demais instituies a partir da dcada de 1980.
8 A respeito da formao do professor de msica voltado terceira idade, Rodrigues e Carvalho (2008) esto desenvolvendo um projeto de pesquisa sobre formao e atuao dos profissionais pautado nos seguintes objetivos: 1) conhecer a formao dos profissionais que
atendem indivduos na terceira idade; 2) verificar que concepes sobre ensino e aprendizagem musical norteiam as prticas desses profissionais; 3) investigar que saberes tm sido desenvolvidos por esses profissionais; 4) investigar que saberes so considerados necessrios
para atuar nessa faixa etria e 5) investigar os dilemas encontrados pelos profissionais em seu
trabalho docente. (Rodrigues e Carvalho, 2008: 5).
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1. Fatores Individuais
Os fatores individuais foram bastante destacados nos primeiros estudos da moti-
653
654
2. Fatores Ambientais
Dentro dos fatores ambientais, destacam-se duas grandes categorias que possuem
relao com a motivao discente: as pessoas e os contextos. Inseridos na primeira
categoria, os dois grupos de adultos que tm maior participao na motivao para
aprender entre crianas e adolescentes so os professores e os pais (Marsh; Craven,
1991). No s na rea da msica, muitas pesquisas tm sido realizadas com o objetivo de compreender o papel do professor na motivao dos alunos (Bzuneck; Guimares, 2007, Guimares, 2003, Jesus, 2008, Lens; Matos; Vansteenkiste, 2008).
Martini e Del Prette (2002, p. 149) destacam que o papel do professor e de suas
caractersticas tem sido amplamente reconhecido como um dos principais fatores
que influem sobre a qualidade das relaes professor-aluno e da aprendizagem dos
alunos na escola.
Ainda na primeira categoria, salienta-se o papel dos pais, pois eles so a primeira
referncia de valores e de formao do indivduo (McPherson, 2009), os quais iro
instruir e fortalecer as concepes sobre msica. O papel da famlia tambm citado
como um importante contribuinte para o progresso musical dos jovens instrumentistas (Howe; Sloboda, 1991).
No que diz respeito ao terceiro grupo das pessoas que contribuem para motivar os
alunos, destacam-se os pares (amigos e colegas). Para aprender, o indivduo perpassa, obrigatoriamente, por suas relaes interpessoais, as quais iro influenciar a
modificao e o reforo do seu comportamento (Lisboa; Koller, 2004). A opinio
dos colegas, o sentimento de pertencer a um grupo, a formao da identidade entre
os amigos, a escolha de valores e os tipos de comportamentos influenciam diretamente a motivao para aprender em diferentes contextos de aprendizagem.
Dentro dos ambientes de aprendizagem, a escola considerada um fator determinante na motivao dos alunos, na medida em que representa o contexto social que
integra alunos, professores e colegas. Representando o principal fator ambiental
enquadrado na segunda categoria, a escola um dos contextos de interao mais importantes na vida de crianas e adolescentes, podendo fortalec-los ou enfraqueclos perante as dificuldades inerentes a essa etapa de desenvolvimento (Guimares,
2004, p. 179).
Alm da escola, Gembris e Davidson (2002) apontam os sistemas socioculturais,
655
656
compostos pela mdia e pela cultura musical disponvel, como elementos importantes na motivao dos alunos. Do mesmo modo, Hallam (2002) tambm inclui
a cultura nos fatores ambientais, ampliando-os, ainda, para os espaos (instituies)
de estudo e as exigncias sociais vigentes.
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Consideraes Finais
As reflexes trazidas sobre os dois tipos de fatores individuais e ambientais que
motivam os alunos em aprender msica e que, tambm, contribuem para a continuidade dos seus estudos constituem a moldura desta pesquisa em andamento. Partindo da reflexo de Ilari (2002) de que, ao continuar seus estudos em msica, o
aluno demonstra o comportamento motivado, os objetivos propostos neste trabalho tm como foco o entendimento da interao estabelecida entre os fatores individuais de alunos que estudam nas sries finais do ensino fundamental e os
aspectos ambientais oferecidos em suas experincias com msica dentro do currculo escolar, os quais esto envolvidos na sua deciso em continuar seus estudos em
msica fora da escola. O mtodo escolhido para a coleta e anlise dos dados foi o estudo de entrevistas, de carter semi-estruturado, que possibilitar muitas compreenses sobre os motivos que levaram esses adolescentes a continuar seus estudos
em msica fora da escola.
importante ressaltar que os dados aqui apresentados, sobre a importncia de se conhecer os fatores que contribuem para a motivao do aluno, so resultados de muitas pesquisas j realizadas neste campo, uma vez que esta pesquisa ainda est em
andamento. Mesmo assim, cabe salientar que conhecer esses fatores fundamental
para enriquecer a prtica dos professores de msica, em qualquer nvel de atuao
profissional, pois j se sabe que um aluno interessado e motivado na aula de msica,
sente-se mais confiante e satisfeito em aprender msica na escola ou fora dela.
Assim como as pesquisas sobre a motivao para aprender msica tm se expandido no cenrio internacional, o desenvolvimento de estudos brasileiros nesta rea
est se fortalecendo, o que beneficia o campo da psicologia do desenvolvimento
cognitivo-musical e a rea da educao musical como um todo. Portanto, a contribuio de novos trabalhos no se limita construo de novas abordagens tericas,
1 Para a rea da psicologia cognitiva, o self significa o sujeito subjetivo, considerando seus
processos cognitivos, motivacionais e afetivos (Almeida; Guisande, 2010). Com o objetivo
de ser fiel ao seu significado, os estudos impressos na lngua portuguesa mantm sua escrita
em ingls: self.
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Estimulao da memria pelo canto como base de educao musical na maturidade: um aspecto cognitivo social
Celina Amalia Vettore Maydana
Maria de Ftima Machado Brasil
Resumo
Envelhecer com qualidade o objetivo primordial do ser humano. Neste sentido, a questo cognitiva tem sido preocupao constante, e seus mecanismos como a memria, a
linguagem, a ateno e as funes executivas, afetados pelo desenvolvimento da vida
at o envelhecimento, bastante pesquisados e estudados. Este desenvolvimento est associado a mudanas e a todos os processos adaptativos que disso decorrem. Para que
isto acontea plenamente e de forma natural, aptides fsicas e emocionais devem ser
cultivadas a tal ponto que seu decrscimo no seja abrupto nem provoque incapacidade. Dentro destas aptides, focamos a memria como base para estudo. reas cerebrais foram pesquisadas a fim de relacion-las com os diversos tipos de memrias (de
trabalho, de curta durao, de longa durao, procedural, declarativa e etc). A msica
(canto/educao musical) foi utilizada ento como ferramenta bsica de trabalho, pois sabemos que ela (msica) estimula operaes fsicas e mentais, com melhora significativa
em todos os aspectos cognitivos.
Este trabalho tem por objetivo, avaliar at que ponto o canto como base de educao musical, pode influenciar positivamente a memria, e o que isto pode representar na conservao da auto-suficincia, adaptao social, obteno e
aperfeioamento de novos conhecimentos, constituindo um prazer intelectual/fsico e reafirmando o idoso como um sujeito ativo na sociedade. Foi desenvolvido
num grupo de pessoas participantes de uma oficina de msica (atualmente trinta e
cinco mulheres), entre 52 e 90 anos, transformada posteriormente em coral, dentro do projeto USI-VIDA, da empresa USIMED (de responsabilidade civil), e destinado aos usurios do plano de sade USIMED. Os encontros so semanais com
durao de 90 (noventa) minutos, nos quais realizamos atividades com base na Educao Musical: noes de teoria e harmonia, musicalidade corporal, atividades cnicas, exerccios vocais, exerccios de ateno, concentrao e memorizao,
utilizao de msicas com letras em diversas lnguas (ingls, espanhol, hebraico, japons e francs) e outros. O grupo foi criado h 6 (seis) anos, porm a avaliao foi
feita, baseada em observaes ao longo de 1(um) ano. Acrescentamos ainda a esta
avaliao um questionrio para termos a dimenso do conhecimento dos participantes sobre a memria, e como eles se sentem com relao a isto antes e aps a pesquisa. Este trabalho se tornou um desafio despertando grande curiosidade e
interesse dos participantes tornando-se um estmulo aquisio e conservao de
novos conhecimentos. Baseados ento nestas atividades verificou-se uma melhora
considervel no que se refere memria, e conseqentemente melhora em outros
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aspectos da cognio. O papel, que antes era imprescindvel como apoio para o
canto, j no tem a mesma importncia, coreografias so praticadas com desenvoltura e segurana, compromissos no so mais esquecidos. Estas conquistas se estenderam para o mbito familiar e social, e foram reconhecidas como fatos reais.
Para os participantes representou a descoberta de que no h limites para novos
conhecimentos, independente da faixa etria.
Com base nos pressupostos estudados, verificou-se que Educao Musical (canto)
no se limita, atualmente, a formar msicos, mas pode ser utilizada num contexto
mais abrangente, atuando sobre mecanismos cognitivos (memria) como ferramenta poderosa na integrao/manuteno do indivduo sociedade de forma
prazerosa.
Objetivo
Avaliar at que ponto o canto (coral) pode atuar de maneira positiva na memria
dos participantes do grupo e o que isto representa na sua qualidade de vida.
Fundamentao
O processo de envelhecimento com conseqente declnio cognitivo e perda da capacidade funcional tem preocupado o homem desde o inicio da civilizao. Inmeros estudos tm se desenvolvido sobre o assunto. Parente (2006, p.24) nos
mostra alguns destes estudos:
o envelhecimento compreende processos de transformao do organismo que
ocorrem aps a maturao sexual, sendo acompanhado por alteraes regulares na aparncia, no comportamento, na experincia e nos papis sociais (Birren
e Bengston, 1988);
alm dos aspectos individuais, existem trs domnios gerais a serem considerados na velhice. O primeiro relaciona-se ao aumento nas perdas fsicas, onde a
sade tende a ser um problema crescente. O segundo acontece quando as presses e as perdas sociais tendem a se acumular e o terceiro quando os idosos defrontam-se com a idia de que o tempo est se tornando cada vez mais curto
para eles (Papalia e Olds, 2000);
a experincia do envelhecimento no homognea, existindo trs realidades
de envelhecimento:
1 velhice bem-sucedida ou tima, quando acontece a preservao da sade objetiva, da sade auto-referida e da funcionalidade no padro do adulto jovem;
2 velhice usual ou velhice normal, onde ocorrem doenas fsicas e/ou mentais ou limitaes funcionais de intensidade leve ou moderada, modificando
apenas parcialmente nas atividades dirias;
3 velhice com patologia onde a funcionalidade e o padro de sade fsica e
mental do adulto jovem foram perdidas ou esto menos ntidos, limitando severamente a vida da pessoa (Neri, 1993).
Luz apud Azambuja (2008, p.16) confirma esta definio, quando afirma que:
(...) a essas condies somam-se o declnio de suas caractersticas fsicas tais como
rugas, cabelos brancos, diminuio da memria e dos sentidos e muitas outras,
que unidas sua marginalizao determinam alteraes psquicas como a perda
da confiana, da angstia e a depresso.
Manes (2005, p.113) define aquisio como incorporao e registro da informao; conservao como guardar a informao na memria at que seja necessria,
em um lugar fcil de encontrar e evocao como recuperao da informao quando
necessria.
Wilder Penfield, um dos mais importantes neurocirurgies americanos, foi o primeiro a demonstrar que os processos da memria tm localizaes especficas no crebro humano. Explorou a superfcie cortical verificando que a estimulao eltrica
produzia resposta retrospectiva, na qual o paciente descrevia uma lembrana correspondente a uma experincia vivida. Assim sendo, vrias reas cerebrais foram
reconhecidas como participantes do processo de memorizao.
Segundo Izquierdo (2004, p. 31) os vrios tipos de memria ocupam e requerem a
atividade simultnea de muitas regies cerebrais (amgdalas, hipocampo, crtex entorrinal estruturas dos lobos temporais , crtex pr-frontal) e de acordo com
sua durao podem ser classificadas em: memria imediata (dura segundos), me-
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mria de curta durao (dura de uma a seis horas) e memria de longa durao
(dura muitas horas, dias ou anos).
666
Na memria imediata encontramos e chamada Memria de trabalho ou operacional, que persiste por alguns segundos ou minutos alm do fato ou do evento a que
se refere. um armazenamento temporrio e baseia-se na atividade do crtex prfrontal. Em alguns casos h a participao neste tipo de memria do crtex entorrinal e do hipocampo. A Memria de curta durao nos d a capacidade de
responder aquilo que acabamos de aprender, enquanto a Memria definitiva ou de
longa durao ainda no est construda. Nestes casos, h a participao do hipocampo, crtex entorrinal e crtex parietal.
Quanto ao contedo, Izquierdo (2004, p. 23) classifica as memrias em: Memria
de trabalho (que no deixa arquivo permanente), Memria declarativa (relacionada com atos conscientes) subdividida em Memria episdica (armazenamento e
recordao de experincias e eventos temporais vividos) e Memria semntica armazenamento permanente de conhecimentos, de palavras e seus significados), e
Memria procedural que provm da aquisio de habilidade sensoriais e/ou motoras . So tambm denominadas de hbitos e no dependem de um pensamento
consciente, ou seja, a partir do momento que so apreendidas, so executadas inconscientemente. A memria declarativa processada basicamente pelo hipocampo,
crtex entorrinal, crtex parietal e crtex cingulado anterior e posterior. J a memria procedural processada inicialmente pelo hipocampo, sendo depois controlada pelo ncleo caudado, cerebelo e suas conexes.
Quanto evocao das memrias, as mesmas estruturas cerebrais so ativadas. H
controvrsias se as falhas de memrias so causadas por dificuldade no aprendizado
da nova informao (aquisio) ou na recuperao da informao apreendida (Mederos e Ramos, 1992, p.15).
Luz (2008, p.39) se refere a Mercadante (2003, p.56), quando menciona que:
O modelo social de velho, as qualidades a ele atribudas so estigmatizadoras e
contrapostas s atribudas aos jovens. Assim sendo, qualidades como atividade,
produtividade,memria,belezaeforasocaractersticasepresentesnocorpodos
indivduos jovens e as qualidades opostas a estas presentes no corpo dos idosos.
Zimerman (2000, p.141) em seus estudos sobre memria nos lembra sobre o mito
que existe em relao aos idosos de que todos so esquecidos, o que acaba gerando
medo de no lembrar, levando insegurana frente a situaes de aprendizagem.
Este medo, insegurana e falta de motivao faz com ele no se concentre, no preste
ateno, no armazene as informaes recebidas e com isto deixe de usar sua memria.
Outro aspecto importante ainda segundo Zimerman (idem, p.141) a dificuldade
de memorizar nas pessoas que possuem autocrtica exagerada. O no consigo, o
medo de errar, a obrigao de sempre acertar, de no esquecer nunca, gera ver-
gonha, culpa e sentimento de inferioridade e falta de interesse. O estmulo ao interesse ento se faz necessrio em todos os sentidos como poltico, econmico, cultural, alimentar, de sade, de socializao, de esttica, etc.
Em que ento a Msica poderia ser til em todo este processo? Como a aprendizagem musical poderia influenciar e desafiar preconceitos em relao capacidade
memorial das pessoas na maturidade? Pensamos ento na aprendizagem musical visando possibilidades e no reiterando dificuldades.
Kenneth Bruscia, musicoterapeuta coordenador do PhD em Musicoterapia da
Temple University, na Filadlfia, identificou seis grandes reas de atuao em Musicoterapia: didtica, mdica, cura, psicoteraputica, recreativa e ecolgica. (2000
p.165). Podemos fazer uma correlao entre a Musicoterapia e a Educao Musical (com objetivo de trabalhar a memria e conseqentemente atuar na cognio
social), utilizando esta classificao em alguns aspectos deste trabalho:
A rea didtica tem como foco ajudar os clientes a adquirirem conhecimentos, comportamentos e habilidades necessrios para uma vida funcional, independente e para a adaptao social; desenvolver conhecimentos e habilidades
musicais que se relacionam especificamente com as reas de funcionamento
no musical e utilizar a msica e atividades artsticas como um apoio ao aprendizado no musical. (Bruscia, ibidem, p.183).
A rea mdica inclui todas as aplicaes da msica ou da musicoterapia em
que o foco primrio ajudar o cliente a melhorar, recuperar ou manter a sade
fsica. As abordagens utilizadas so todas cujo foco situa-se no tratamento direto de doenas ou traumas biomdicos bem como aquelas que abordam os fatores psicossociais correlacionados. (ibidem, p.168). Este trabalho abordou,
na verdade estes dois focos: biomdico objetivando mudanas na condio fsica das participantes; psicossocial quando atua para modificar fatores mentais,
emocionais, sociais ou espirituais que contribuem para o problema biomdico,
ou ainda oferecendo apoio psicossocial ao longo de uma doena ou convalescncia.
A rea de cura utiliza as propriedades universais da vibrao, do som e da msica com propsito de restabelecer a harmonia do indivduo e entre o indivduo
e o universo. (ibidem, p.210) A premissa bsica que na medida em que o
corpo entra em harmonia, a psique e o esprito o acompanham. Nesta prtica,
pelo fato do processo ser considerado natural, o indivduo modifica sua sade
de forma independente. No que se refere ao som, utilizamos neste grupo harmonias vocais, trabalho de respirao e voz. Na msica, experincias musicais
ativas (cantar, tocar instrumentos, improvisar, compor) e receptivas (ouvir,
imaginar, relaxar). Dentro dos objetivos das experincias musicais (ibidem, p.
124 -129), tomamos para orientao:
melhorar a ateno e a orientao;
desenvolver a memria;
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Ruud (1990, p.74), citando Michel e Martin (1970) reitera nosso objetivo quando
diz:
O desenvolvimento da habilidade musical pode se constituir em ajuda no aumento da auto estima . . . e, conseqentemente, pode se generalizar em aumento
da autoconfiana em outras tarefas.
O poder da msica vai muito longe. Sekeff (2002, p. 72) nos afirma que o estmulo
musical mobiliza nossa atividade motora, graas a seu ritmo, estendendo-se por
nossa respirao circulao, digesto, oxigenao, dinamismo nervoso e humoral,
sobre as operaes mentais, cria conscincia do movimento, propiciando o controle do sistema motor. Afirma ainda que a msica diminui nosso limiar em relao a estmulos sensoriais de diferentes tipos, aliviando inquietaes, ansiedades,
medos. Induz calma e bem-estar. Atua no crtex cerebral, no sistema neurovegeta-
Metodologia
Este estudo foi realizado num grupo, idealizado pela USIMED (empresa brasileira de
responsabilidade social, destinada aos usurios do plano de sade UNIMED), composto atualmente de 35 participantes do sexo feminino, com idade superior a 50
anos (52-90), por um perodo de 1 ano (a Oficina de Msica funciona h 5 anos).
Os encontros se realizam uma vez por semana, por um perodo de 1 hora e 30 minutos. Inicialmente o trabalho foi denominado de Oficina de Msica (parte do
projeto USI-VIDA, tambm com oficinas de artesanato, de ginstica, de memria,
de convivncia), mas aos poucos se transformou em um coral, a que denominamos
CORAL USIMED. No h seleo de pessoas, e utiliza-se o canto como base para a
educao musical.
Atravs do canto, introduzimos noes de ritmo, dinmica, pulso, tipos de compassos, tom e semitom, pausa, ritornello, frases musicais, escala ascendente e descendente (utilizando simultaneamente movimentos no corpo para cima e para
baixo), sons graves e agudos, vocalizes, diviso de vozes, fala mtrica (a maioria no
tem conhecimento de notao musical), de harmonia, afinao e jogos cnicos, musicalidade corporal, etc. Uma nova tarefa foi instituda a cada encontro.
A histria musical (tcnica musicoterapeutica) de cada participante foi e sempre
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seguintes depoimentos: Mais nimo de viver; Amar e sentir emoes verdadeiras; Mais atualizada; Me ajudou muito a melhorar. Dois aspectos importantes e que no podemos deixar de comentar so: aps alguns meses de participao
nas atividades, houve melhora significativa no resultado do EEG (eletroencefalograma) em uma das participantes e, numa outra, mudana significativa no aparelho
fonador (atravs de exerccios respiratrios).
O cantar tornou-se elemento importantssimo neste contexto, como base de alteraes e construes internas para transformaes externas como, por exemplo, a
abertura de uma nova forma de comunicao com o mundo.
Todos estes aspectos analisados nos levam a concluir que o canto, como estmulo
musical visando trabalhar a memria, demonstrou melhora da auto estima e da
qualidade de vida destas pessoas, podendo ser utilizado num contexto mais abrangente, como ferramenta poderosa na integrao/reintegrao do indivduo sociedade .
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671
A referncia do outro:
aquisio do conhecimento atravs da interao
Simone Braga
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Tais Dantas
[email protected]
Programa de Ps-graduao Universidade Federal da Bahia
Resumo
Este artigo relata uma experincia realizada na disciplina Canto coral, em curso profissionalizante de msica, valendo-se da interao e observao entre alunos. No Canto
coral o resultado coletivo determinante para assegurar a qualidade do grupo. Todavia,
este resultado a soma do esforo individual de cada participante, a se respeitar e considerar no processo educacional. A co-relao entre individualidade e coletividade poder
trazer saldos positivos na utilizao da individualidade como referencial para a coletividade neste processo. As bases tericas fundamentaram-se no conceito de zona de Desenvolvimento Proximal proposto por Vygotsky, que diz respeito a aquisio de
conhecimento pela interao entre indivduo onde, atravs da colaborao de pessoas
mais capazes, o indivduo progride para um nvel de conhecimento mais elevado. O
papel de uma pessoa mais capacitada pode ser desempenhado tanto pelo professor
quanto por outro aluno que detenha as condies necessrias para a resoluo da tarefa. Diante destes pressupostos a experincia ora apresentada utilizou a interao entre
alunos atravs da utilizao do referencial do outro obtido pela observao como estratgia para promover o desenvolvimento da cognio musical. Para auxiliar o desenvolvimento das atividades propostas utilizou-se como referencial o Modelo C.(L).A.(S).P,
proposto por Swanwick. A experincia foi realizada em curso profissionalizante de msica, aplicada com adolescentes e jovens na cidade de Salvador, cujos resultados puderam ser observados no desenvolvimento dos alunos. Comparar e verbalizar a partir da
referncia do outro, proporcionou a reflexo e auto-anlise dos contedos desenvolvidos, domnio de vocabulrios especficos, compreenso do processo respiratrio e manipulativo da voz e o desenvolvimento da apreciao auditiva mais refinada.
Palavras-chave
Referncia do outro, interao, cognio musical.
Introduo
No campo das teorias a respeito da aprendizagem e desenvolvimento cognitivo humano, Vygotsky vem acrescentar o conceito de agregao e aquisio de conhecimento a partir da interao entre indivduos. A teoria Vygotskyana compreende
que o desenvolvimento do sujeito, desde o incio da vida, ocorre em virtude de um
processo de apropriao que ele realiza dos significados culturais que o circundam,
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na motivao extrnseca existente no processo de aprendizagem. A motivao extrnseca tem sido definida como a motivao para trabalhar em resposta a algo externo tarefa ou atividade, como para obteno de recompensas materiais ou sociais,
de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou presses externas de outras pessoas ou para demonstrar competncias ou habilidades (Guimares 2001,
46).
A motivao fortalece a interao e a comparao entre pares ao promover a troca
de valiosas experincias. Para o educador Swanwick (2003, p. 68), o acesso a experincias variadas na rea de educao musical garantem o respeito a caractersticas
individuais dos alunos. O autor prope um Modelo denominado de C.(L). A.(S).
P., em que as caractersticas individuais se integram s atividades vivenciadas e possibilitam respostas diferentes a situaes variadas: Compor, tocar e apreciar: cada
atividade tem a sua parte a desempenhar. Desta forma, as diferenas individuais
dos alunos podem ser respeitadas [...] (Swanwick, 2003, p. 68). Estas caractersticas so denominadas por Swanwick (2003, p. 18) de discurso musical e representam os saberes musicais de cada indivduo. Segundo o educador, o fazer musical
um discurso e deve ser exercido com fluncia desde o incio do aprendizado. Este
discurso pode ser valorizado e contribuir para o desenvolvimento de saberes musicais por meio da sua troca entre pares ou a utilizao do discurso do outro como referencial.
O Modelo proposto pelo autor, alm de valorizar as individualidades, permite a
construo da compreenso musical de forma globalizada atravs de experincias diversificadas ao abordar parmetros de tcnica, execuo, composio, literatura e
apreciao. Criam-se condies didticas para o ouvir (apreciao), criar (composio) e fazer (execuo), perpassando por informaes (literatura) e procedimentos de como fazer (tcnica). Trs destes parmetros so considerados centrais pela
associao direta com o fazer musical: apreciao, composio e execuo. Os outros dois, literatura e tcnica, fornecem subsdios e apoio na produo dos parmetros centrais a ser desenvolvidos de forma equilibrada.
Apoiando-se nestes pressupostos tericos, o artigo relata uma experincia realizada
na disciplina Canto coral, em curso profissionalizante de msica, aplicada com adolescentes e jovens na cidade de Salvador. A estratgia de ensino adotada valeu-se da
interao e observao entre os alunos para a promoo do desenvolvimento
musical.
permite associ-las com as orientaes docentes e favorecem a construo do conhecimento. A viso torna-se um recurso facilitador na iniciao musical. Entretanto, no canto coral este processo limitado. A voz, produzida pela vibrao das
pregas vocais, comparada a um instrumento, no pode ser vista a olho nu, assim
como outros movimentos intrnsecos na prtica vocal, como, por exemplo, a compresso do diafragma no apoio respiratrio.
Todavia, vrias so as estratgias utilizadas por regentes para facilitar a compreenso e diminuir o grau de abstrao intrnseco nesta atividade, sobretudo no incio
desta prtica. Alguns dos recursos utilizados a aluso a imagens como metforas,
para representar aspectos tcnicos, utilizao de materiais didticos como bisnagas,
para associar com o processo respiratrio ou vdeos que reproduzem o funcionamento de rgos corporais no processo de produo vocal.
A utilizao da observao entre alunos como recurso facilitador da aprendizagem
foi desenvolvida atravs da aplicao de atividades musicais na disciplina Canto
coral, inserida na matriz curricular de escola profissionalizante de msica, com adolescentes e jovens. Dentre os objetivos destacamos: 1) desenvolver a compreenso
do funcionamento corporal no ato de cantar; 2) diminuir a abstrao deste entendimento; 3) oportunizar a compreenso e a verbalizao do processo vocal, atravs
da observao entre pares; 4) oportunizar a apropriao de vocabulrios tcnicos referente prtica, fisiologia e higiene vocal; 5) desenvolver a propriocepo1; 6) possibilitar a troca de informaes e saberes por pares, enriquecendo a experincia em
sala de aula.
O norteador para a elaborao das atividades fundamentou-se nos seguintes aspectos: 1) definio das informaes que se pretendia coletar; 2) contedos a serem
desenvolvidos; 3) desempenho individualizado dos alunos; 4) experincias musicais
diversificadas conforme o Modelo C.(L). A.(S). P. desenvolvido por Swanwick
(1979). Na experincia os parmetros deste Modelo foram abordados atravs de
atividades de criao (improviso e arranjo), apreciao (anlise da prtica vocal),
execuo (prtica vocal), literatura (vocabulrios tcnicos) e tcnica (observaes
acerca da prtica vocal).
Com a pretenso de transferir a percepo do outro para a auto-percepo, foram
intercaladas entre as atividades realizadas para avaliao por pares, atividades dirigidas para a auto-observao, ao induzidor o aluno para a conscientizao quanto
a sua produo vocal. As atividades foram aplicadas em diversos momentos da aula,
como na preparao vocal por intermdio dos aquecimentos, leitura, aprendizagem do repertrio e apreciao, atravs da observao/participao do colega, conforme descrio abaixo:
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Quadro 8 - Regncia
Propor aos alunos a experimentao da dinmica para uma execuo mais musical alm do
acesso a linguagem gestual utilizada na regncia.
Parmetros musicais: execuo e literatura.
Contedos: conhecimento de sinais musicais, gestual de regncia e explorao de parmetros musicais como intensidade e andamento.
Critrios avaliativos: desenvolvimento de autodisciplina, capacidade de fazer msica em grupo e
desenvolvimento de conhecimentos referentes regncia.
Avaliao: verificao docente do desenvolvido dos alunos e discusso sobre a vivncia musical.
Resultados: Propor aos alunos a experimentao da dinmica foi um convite para uma execuo
musical mais fluente, alm do acesso linguagem gestual utilizada na regncia aps trabalhar com
conceito de pulso e compasso. A prontido para este gestual tambm foi testada com a regncia de
um aluno voluntrio. O mais importante na participao do aluno no foi o gestual padronizado
da regncia, mas a verificao da explorao de dinmicas, compreenso formal e manipulativa musical e a interao do grupo.
Fonte: Braga, pesquisa de campo, 2008.
Consideraes finais
A anlise dos resultados disponveis nos quadros acima comprova a eficcia das atividades aplicadas no grupo. Observar o outro conduziu para a auto-observao, corroborando para o desenvolvimento da propriocepo, fundamental para a
compreenso do prprio processo de aprendizagem vocal. Esta observao entre
pares, somada a anlise e identificao, foram responsveis por um maior desenvolvimento dos alunos. Comparar e verbalizar a partir da referncia do outro, proporcionou a reflexo e auto-anlise dos contedos desenvolvidos, domnio de
vocabulrios especficos, compreenso do processo respiratrio e manipulativo da
voz e o desenvolvimento da apreciao auditiva mais refinada.
O processo educativo percorrido por todos os sujeitos envolvidos nesta experincia comprovam as afirmaes de Vygostck. A Zona de Desenvolvimento Proximal
ZDP oportuniza o desenvolvimento humano e a construo do conhecimento, ao
associar a interferncia do outro com o desempenho individual. Ao utilizar o colega
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como objeto de observao o desenvolvimento individual consolida-se uma aprendizagem em uma via dupla: O outro aprende comigo e eu aprendo com o outro.
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1 Termo utilizado em fonoaudiologia para definir a conscincia do sujeito sobre a sua sade
vocal possibilitando a expresso do seu conhecimento, do seu saber e das suas maneiras de
perceber a prpria voz.
2 Msica inclusa no repertrio do Projeto Tributo a Luiz Gonzaga.
Referncias
Antunes, Celso.Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula. Fascculo 12. Petrpolis: Editora Vozes, 2007.
Dantas, Tais. Ensino coletivo de instrumentos musicais: motivao, auto-estima e interaes na aprendizagem musical em grupo. 2010. Dissertao de Mestrado. Universidade
Federal da Bahia, Programa de Ps-graduao em Msica.
Fontana, David. Psicologia para professores. 2. ed. So Paulo: Loyola, 2002.
Goulart, Iris Barbosa. Psicologia da Educao: fundamentos tericos, aplicaes prtica pedaggica. Petrpolis: Vozes, 2007.
Guimares, Sueli di Runi. Motivao intrnseca, extrnseca e o uso de recompensas em sala
de aula. In: Burochovitch, Evely; Bzuneck, Jos Aloyseo. (Orgs.) A motivao do aluno:
contribuies da psicologia contempornea. Petrpolis: Editora vozes, 2001. p. 37-57.
Nunes, Ana Ignez Belm Lima Nunes e Silveira, Rosemary do Nascimento. Psicologia da
aprendizagem: processos, teorias e contextos. Braslia: Lber Livro, 2009.
Swanwick, Keith. Ensinando musical musicalmente. So Paulo: Moderna, 2003.
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os temas: Sarau Monteiro Lobato, Sarau Jovem Guarda, Sarau Roberto Carlos e
Sarau Era dos Festivais. O projeto Saraus Musicais trouxe uma cara nova para
a escola. Foi atravs da msica que integramos diversas reas do conhecimento, professores, funcionrios e alunos em um mesmo ambiente pedaggico realizando trocas significativas.
O registro em fotos, vdeos e depoimentos dos envolvidos nos permitiu desenvolver um trabalho de avaliao constante em sala de aula, ouvindo, analisando com
criticidade nossa prpria performance. Os alunos esto mais habituados a se escutarem, publicam seus prprios vdeos na internet, se utilizam das ferramentas miditicas com muita familiaridade.
O relato de alguns alunos evidencia a importncia que o evento teve em suas vidas
e em sua formao musical.
Para os alunos foi importante para ampliar seus horizontes, conhecer e aprender a gostar de msicas de dcadas passadas ou que nunca tinham ouvido antes.
(Caroline - C34)
Com esses Saraus, ns aprendemos muitas coisas. Por exemplo: controlar a vergonha. Ns fizemos pesquisas sobre os cantores e ficamos sabendo mais sobre
eles. Conhecemos cantores que nem sabamos que existiam. Quando cantei me
senti muito bem e danando, melhor ainda. (Kvellin - C31)
Os Saraus da Monte Cristo so uma porta que se abre para influenciar os alunos a mostrarem o seu talento. E to contagiante que alunos, professores e funcionrios cantam e atuam juntos. (Leidy - C31)
Os alunos esto fazendo um complemento muito bom. Suas mentes vo estar
com um bom pensamento para o futuro. (Maximiliano -C32)
Foram bem legais. Todos cantaram, at as mulheres da cozinha, as professoras
da direo, alunos e ex-alunos tambm. (Daniela -C32)
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