Referncia:

Paranhos da Costa, M.J.R. (2000). Ambincia na produo de bovinos de corte a

pasto. Anais de Etologia, 18: 26-42.

AMBINCIA NA PRODUO DE BOVINOS DE CORTE A PASTO

Mateus J.R. Paranhos da Costa
ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia,
Faculdade de Cincias Agrrias e Veterinrias/UNESP, 14884-900, Jaboticabal, SP.
email: [email protected]

1. Introduo
Em 1957, o estudioso francs Andr Voisin chamava a ateno para a falta de
estudos que enfocassem as relaes entre o gado bovino e as pastagens, reportando
que os estudos sobre pastagens tratavam, principalmente, das plantas que s
compem, no levando em conta o comportamento das vacas e seus efeitos diretos e
indiretos sobre as plantas forrageiras (Voisin, 1974). Na verdade, naquela poca j
havia algum esforo no estudo do comportamento de bovinos no pasto, com nfase
para as atividades de ingesto e ruminao destacando-se os trabalhos pioneiros de
Fller (1928), Jonhnstone-Wallace e Kennedy (1944), Tribe (1950) e Hancock
(1953), dentre outros. Esses estudos ganharam fora, e vrios trabalhos tm sido
publicados sobre o comportamento dos bovinos em suas interaes com as plantas
que consomem, trazendo luz conhecimentos importantes para o manejo das
pastagens e destes seus habitantes. Revises sobre o tema podem ser encontradas em
Furlan, (1973), Hafez e Bouissou (1975), Arnold e Dudzinski (1978), Miranda
(1983), Paranhos da Costa (1985) e Albright e Arave (1997).
Entretanto, h outros aspectos relacionados a vida dos bovinos nas pastagens
que so pouco considerados ou ainda esquecidos. Condies e atividades que, alm
da disponibilidade e ingesto de alimentos, fazem parte da rotina de vacas, touros,
bezerros e outras categorias de animais das subespcies Bos taurus taurus e Bos
taurus indicus presentes na criao. Por exemplo, no dia-a-dia da fazenda os bovinos
invariavelmente enfrentam situaes que causam desconforto, calor ou frio, radiao
solar, moscas e predadores; tais condies podem, em conjunto ou isoladamente,
levar os animais ao estresse. As raas melhor adaptadas geralmente apresentam
respostas adequadas enfrentar tais situaes, mas para tanto os animais dependem
de certos recursos que devem estar disponveis. Por exemplo, os bovinos podem
mudar seu padro de pastejo diurno para noturno para reduzir o estresse pelo calor,
podem tambm buscar a forragem em reas sombreadas ou com maior ventilao;

tudo isto pode ocorrer sem que haja efeitos negativos do clima sobre eles. Mas
sempre importante saber se tais ajustes no comportamento esto ocorrendo e sob
quais condies, pois em determinadas situaes (ausncia de sombra, por exemplo)
as necessidades para reduo do estresse podem ser maiores do que as necessidades
nutricionais, levando os animais a reduo na ingesto de alimentos (Arnold e
Dudzinski, 1978), com conseqncias previsveis no seu desempenho produtivo.
Assim, sempre importante definir quais so os recursos importantes para os
bovinos mantidos a pasto, e mais quais as necessidades dos animais em relao a
eles. No vemos outra forma de tratar estes temas seno pela busca do pleno
conhecimento da biologia da espcie bovina. J existe alguma informao
disponvel na literatura (Arnold e Dudzinski, 1978; Albright e Arave, 1997); mas
ainda temos muito que aprender sobre o comportamento dos bovinos e a ecologia
nos ecossistemas das pastagens, para que possamos a partir da definir tcnicas de
criao e manejo dos bovinos nas pastagens que atendam aos interesses do homem,
sem prejudicar o bem-estar dos animais e o meio ambiente.

2. O conceito de ambincia aplicado ao pasto e a um de seus habitantes, os

bovinos.

Como caracterizar a preocupao com o bem-estar fsico e social de bovinos

na prtica. Primeiramente temos que entender que nesse contexto o bovino est e faz
parte do ambiente em que vive, ou seja um determinado animal responde a uma
srie de estmulos - fsicos e biticos de seu ambiente e ao mesmo tempo parte
desses estmulos, influenciando o comportamento dos outros animais que compem
o rebanho.
Assim, um passo importante ter em conta os prprios animais quando
estudamos o ambiente ocupado pelo gado, como indicado no ttulo deste artigo,
AMBINCIA NA PRODUO DE BOVINOS DE CORTE A PASTO. Segundo o Novo
Dicionrio Aurlio, ambincia seria o espao arquitetonicamente organizado e
animado que constitui um meio fsico e, ao mesmo tempo, meio esttico ou
psicolgico, especialmente preparado para o exerccio de atividades humanas. E
porque no, tambm preparado para o exerccio das atividades dos animais que nele
vivem, sendo o pasto o ambiente em anlise neste momento e o gado bovino parte
desse ambiente e ao mesmo tempo o sujeito de nosso interesse.
De maneira geral, o vocbulo pasto tem pelo menos dois significados: a)
terreno em que h erva para alimento do gado, onde se pastoreiam os animais,
pastagem e b) a erva que alimenta o gado. Toda nossa discusso neste momento se
refere ao primeiro significado, ou seja estamos interessados no pasto como meio
fsico e psicolgico para a criao do gado bovino. importante definir tambm o
significados dos vocbulos pastejar como o ato do gado comer a erva, pastar e
pastoreio como o ato de levar o gado ao pasto ou promover o encontro da vaca
com o pasto, conforme descrito por Voisin (1974).

3. O conceito de bem-estar animal e sua aplicao na produo de bovinos a

pasto.

O tema bem-estar animal, bastante presente quando se discute a criao de

animais para consumo, pode ser tratado de diversas formas. Fora do meio acadmico
ele geralmente tratado do ponto de vista tico, com grupos que atuam em defesa
dos animais (e seus direitos) pressionando para definio de normas legais que
limitem a ao do homem no trato com os animais. Tais movimentos tm crescido
com tal fora que grande parte da legislao da Unio Europia (UE), envolvendo as
relaes entre homens e animais, foi elaborada sob tais influncias. No estamos to
distantes dessa realidade europia, afinal se quisermos exportar carne bovina para os
pases que participam da UE devemos produzi-la segundo suas regras (esta uma
exigncia legal). Alm disso, h tambm as presses internas em defesa dos animais,
tanto de carter social como legal (Levai, 1998) que, de uma forma ou de outra,
acabam interferindo na definio do modo que os animais sero criados.
No por acaso, quando abordamos o tema cientificamente encontramos uma
convergncia de interesses. Ou seja, ao conhecer e respeitar a biologia dos animais
que criamos, melhorando seu bem-estar, tambm obtemos melhores resultados
econmicos, quer aumentando a eficincia do sistema de criao quer obtendo
produtos de melhor qualidade.
J tratamos deste conceito durante o 14o Simpsio sobre Manejo de Pastagens
realizado em Piracicaba-SP em 1997 (Paranhos da Costa e Cromberg, 1997), quando
discutimos o bem-estar dos ruminantes domsticos criados em sistemas de pastejo
rotacionado. Nesse texto ressaltamos a tendncia de entendermos o pasto apenas
como a principal fonte de alimento para os animais que nele vivem, como segue:
..., encontramos uma preocupao centrada em questes econmicas,
envolvendo a viabilidade da utilizao de insumos ou adotando sistemas
sustentveis de produo, presumindo-se que apenas da produo de
forragem decorre a produo do animal mantido pasto. Disso resulta
uma anlise parcial das caractersticas dos animais, considerando-se
apenas aquelas envolvidas com a ingesto de alimento (Allison, 1985;
Forbes, 1988; Olson et al., 1989). Todavia, para os ruminantes
domsticos mantidos a pasto, este representa mais do que uma fonte de
alimento, o espao onde eles passam todo seu tempo nascem,
crescem, enfrentam condies adversas, estabelecem relaes sociais, se
reproduzem, enfim vivem e portanto necessitam de vrios recursos e
estmulos alm daqueles relacionados oferta de alimento. A anlise do
bem-estar animal tem papel relevante nesse tema, particularmente no que
diz respeito aos animais manejados em sistemas de pastejo rotacionado,
cujas caractersticas criam dificuldades para a manuteno dos recursos
necessrios no espao e no tempo. Nesses sistemas vrias atividades

esto sob um rgido controle do homem, como as de qualquer animal em

sistemas intensivos de produo. Vamos abordar esse assunto na
expectativa de despertar a ateno para a necessidade de uma anlise
mais completa, centrada nas necessidades biolgicas dos ruminantes
domsticos, com particular ateno para os bovinos e ovinos. ...
Continuamos com a mesma expectativa, enfatizando a necessidade de uma
anlise completa das interaes dos bovinos com seu ambiente de criao, no caso o
pasto. Sem dvidas, se olharmos o pasto com esta perspectiva passaremos a
entender a importncia de analis-lo sob a luz do conceito de ambincia,
despertando para a necessidade de se tomar certos cuidados para assegurar que nem
o ambiente nem os animais que criamos sero agredidos por aes de manejo e
deficincias de recursos, qualquer que seja o tipo de sistema de pastejo que venha
ser adotado.
Para apresentar alguns conceitos importantes para uma anlise desse tema,
tomamos mais uma vez emprestados alguns dos pargrafos apresentados por
Paranhos da Costa e Cromberg (1997), nos quais foram apresentados os conceitos de
homeostase, necessidade e bem-estar animal:
Resgatamos aqui o conceito de homeostase, relacionado aos processos
pelos quais os organismos mantm o equilbrio interno (Cannon, 1929),
para analisar dois contextos em que pode haver problemas de bem-estar:
(1) quando o animal no consegue manter a homeostase e (2) quando ele
consegue mante-la s custas de muito esforo. Este segundo item nos
leva a discutir o conceito de necessidade, intimamente relacionado ao de
homeostase. Animais tm sistemas funcionais de controle, que atuam na
manuteno do equilbrio do organismo, mantendo estvel, por exemplo,
a temperatura corporal, o balano hdrico e as interaes sociais; assim,
a constante estimulao dos animais acionam esses sistemas, levando-os
a buscar os recursos e/ou os estmulos necessrios para a manuteno do
controle. Desta forma, usamos o conceito de necessidade para nos referirmos a uma deficincia, em um dado animal, que somente pode ser
remediada pela obteno de um recurso particular ou pela apresentao
de uma resposta a um determinado estmulo do ambiente ou do prprio
organismo, como reportado por Fraser e Broom (1990) e Broom e
Johnson (1993).
Em um dado momento da vida de um animal, ele ter uma variedade
de necessidades, algumas mais urgentes do que outras; cada uma delas
tendo uma conseqncia no estado geral do animal (Baxter, 1988; Broom
e Johnson, 1993). Se um dado animal no esta apto a satisfazer uma
necessidade, a conseqncia, mesmo que rpida e eventual ser um
prejuzo no bem-estar (Fraser e Broom, 1990). Todavia, essas
conseqncias nem sempre reduzem o sucesso reprodutivo dos animais,

o fitness. Existem situaes em que o controle da situao difcil,

mas no provoca conseqncias de longo prazo; nesse caso, ento, h um
efeito momentneo no bem-estar, sem alterar o sucesso reprodutivo; em
outras situaes esse efeito mais severo, prejudicando de forma
acentuada o desenvolvimento do animal, colocando sua vida em risco
(Broom e Johnson, 1993) .
J sabemos que, se as necessidades no so atendidas, incluindo a a
manuteno do equilbrio orgnico, h prejuzos para o bem-estar animal.
Mas afinal, o que bem-estar ?
De acordo com a definio de Broom (1986), bem-estar o estado
do organismo durante as suas tentativas de se ajustar com o seu
ambiente. Segundo Broom e Johnson (1993: pg. 75 e 76) h vrias
implicaes dessa definio, das quais destacamos:
1-Bem-estar uma caracterstica de um animal, no algo que pode ser
fornecido a ele. A ao humana pode melhorar o bem-estar animal, mas
no nos referimos como bem-estar ao proporcionar um recurso ou uma
ao.
2-Bem-estar pode variar entre muito pobre e muito bom. No podemos
simplesmente pensar em preservar e garantir o bem-estar, mas sim em
melhor-lo
ou assegurar que ele bom.
3-Bem-estar pode ser medido cientificamente, independentemente de
consideraes morais. A sua medida e interpretao deve ser
objetiva.
H uma srie de recursos e estmulos que so necessrios aos bovinos criados
a pasto e, dependendo das circunstncias, a ausncia ou baixa disponibilidade desses
recursos podem ter efeitos diretos sobre o bem-estar e produtividade desses animais.
Destaque para a oferta e distribuio de alimentos - incluindo as forragens, a gua e
os suplementos - e de abrigos, para que os animais possam se proteger dos rigores
do clima. Para assegurar que os animais mantenham suas atividades num contexto
social equilibrado, tais recursos precisam ser disponibilizados de forma a atender a
necessidade de todos. Assim, o espao que os animais dispem para ter acesso a
esses recursos algo que tambm precisa ser considerado. No acreditamos que seja
eficiente buscar regras gerais para definir a rea de sombra ou o espao nos cochos
de suplementos. Ao nosso ver a maneira correta de obter esta resposta atravs da
observao do comportamento dos animais, pois em ambos os casos a necessidade
pelo recurso e o seu uso pelos animais circunstancial (Paranhos da Costa e
Cromberg, 1997), dependendo das condies ambientais, dos animais e das
estratgias de manejo.

4. Bovinos mantidos a pasto: como manej-los?

Para garantir que os animais possam expressar seu comportamento natural
geralmente assumimos que devemos submet-los a um sistema de criao com
manejo mnimo, ou seja mantendo os animais num mesmo pasto o maior tempo
possvel, procedendo apenas o manejo essencial para assegurar sua sade. J
defendemos tal postura no passado, mas a experincia tem nos mostrado que talvez
seja melhor adotar uma intensificao no manejo, estimulando as interaes
positivas entre os bovinos e as pessoas que lidam com eles.
A criao extensiva com manejo mnimo, que se caracteriza pela pouca
interferncia humana na rotina dos animais, teria como objetivo manter a condio
de criao o mais prxima possvel do estado natural dos bovinos, principalmente no
que diz respeito ao uso do espao e relaes sociais. Por outro lado, tal sistema
resultaria em menor controle do rebanho e maior reatividade dos animais ao manejo,
tais condies aumentariam riscos de acidentes durante o manejo essencial e alto
nvel de estresse.
A intensificao da criao com manejo racional por sua vez, proporcionaria
melhor controle dos rebanhos e menor reatividade dos animais ao manejo
(assumindo que o manejo bem conduzido). Entretanto, a rotina dos animais seria
em grande parte definida pela ao humana e as condies de criao limitariam a
expresso de muito dos comportamentos naturais dos bovinos, tais condies
tambm colocaria o bem-estar dos animais em risco
Assim, ao definir as estratgias de manejo devemos ter em conta 4 pontos
principais: a) o comportamento natural dos animais, procurando definir suas
necessidades bsicas e a melhor forma para atend-las; b) os processos de
aprendizado, pelos quais podemos alterar os comportamentos dos animais, tornandoos mais adaptados a sistemas intensivos de criao; c) o dia-a-dia da fazenda, ou seja
adequando a rotina s necessidades dos bovinos e d) as interaes entre humanos e
bovinos, de forma a estabelecer um relacionamento positivo, mesmo quando
necessria adoo de manejos que resultem em estresse (vacinao por exemplo).
A seguir discutimos estes pontos, sem a expectativa de encontrar o sistema
ideal, pois entendemos que a definio das estratgias de criao de bovinos
depende muito do contexto econmico e das condies ecolgicas aonde a criao
ser implantada.

5. O comportamento natural dos bovinos a pasto.

J existe alguma informao disponvel indicando que o conhecimento do
comportamento dos bovinos e a aplicao de estratgias de manejo que levam em
conta suas necessidades fisiolgicas e comportamentais podem trazer ganhos diretos
e indiretos para a produo de carne. o que pretendemos discutir a seguir,
caracterizando alguns aspectos do comportamento dos bovinos e analisando formas
mais racionais para manej-los.

5.1. O comportamento social dos bovinos e o uso do espao.

Os bovinos so animais gregrios ou seja, vivem em grupos e isso
parece ser to importante que os indivduos isolados do rebanho tornam-se
estressados. Na verdade, embora a vida em grupo traga uma srie de vantagens
adaptativas (defesa contra predadores, facilidade para encontrar o parceiro sexual,
etc.), ela tambm traz o aumento na competio por recursos, principalmente quando
escassos, resultando na apresentao de interaes agressivas entre os animais do
mesmo grupo ou rebanho (Paranhos da Costa e Nascimento Jr., 1986). Essa uma
questo muito importante na vida social dos bovinos mantidos em sistemas
intensivos de criao ou em condies pouco apropriadas s suas necessidades
sociais, mas no chega a preocupar muito quando o sistema de criao extensivo e
os recursos importantes so de fcil acesso a todos animais.
Em condies naturais essa agressividade controlada, pois os bovinos
apresentam uma srie de padres de organizao social, que definem como sero as
interaes entre grupos e entre animais do mesmo grupo, contribuindo para
minimizar os efeitos negativos da competio. O conhecimento destes padres
imprescindvel para que possamos manejar o gado adequadamente.
Um aspecto importante esta relacionado com o uso do espao pelos animais.
Os animais no se dispersam ao acaso em seu ambiente. Este falta de casualidade no
uso do espao relacionada com as estruturas fsica e biolgica do ambiente, com o
clima e com o comportamento social (Arnold e Dudzinski, 1978).
Em rebanhos criados extensivamente e pouco manejados os animais definem
a sua rea de moradia, que caracterizada pela rea onde os animais desenvolvem
todas as suas atividades, sendo portanto o seu espao mais amplo. De maneira geral,
estas reas apresentam dimenses variveis, dependendo da disponibilidade dos
recursos e da presso ambiental (clima, predadores, etc.). Esta rea pode ser
subdividida de acordo com a sua utilizao pelos animais em reas de descanso
(malhadouro) e de alimentao. Um dado rebanho de bovinos pode ter mais de uma
rea de descanso, dependendo das condies ecolgicas prevalecentes, por exemplo,
eles podem descansar em locais mais ventilados se so muito incomodados pela
presena de moscas, ou em locais sombreados nas horas mais quentes do dia, ou
ainda prximo das aguadas se o ambiente for muito quente e seco. Em determinadas
situaes difcil definir o por qu da escolha de determinada rea para descanso
como, por exemplo, quando encontramos reas de descanso sob torres de alta
tenso.
Quando qualquer uma dessas reas defendida, surge o que denominamos
territrio; que pode ser de uso mltiplo, quando compreende toda a rea de
moradia; de descanso que se restringe rea onde os animais acampam para
descansar e assim por diante. Os bovinos no so animais essencialmente

territoriais, portanto no comum a defesa de reas de moradia, descanso ou

qualquer outra.
A simples busca de sombra para se abrigar da radiao solar no caracteriza a
definio de uma rea de descanso, para tanto o animal deve usar a mesma rea
regularmente.
Para cada um dos indivduos do grupo h ainda a caracterizao de um
espao individual, representado pela rea onde o animal se encontra ou se
encontrar e, portanto, se desloca com ele. Esse espao compreende, aditivamente
ao espao fsico que o animal necessita para realizar os movimentos bsicos, um
espao social, que caracteriza a distncia mnima que se estabelece entre um animal
e os demais membros do grupo. Alm disso, existe tambm a distncia de fuga, que
o mximo de aproximao que um animal tolera a presena de um estranho ou do
predador, antes de iniciar a fuga. Tais comportamentos de espaamento so
ilustrados na Figura 1.

Distncia de fuga
Espao individual
Animal

Figura 1.Esquema ilustrativo do espao individual e a distncia de fuga nos bovinos

(as
diferenas apresentadas no desenho representam a existncia de diferenas
individuais).

Todavia, tais padres de espaamento no so suficientes para a neutralizao

ou diminuio da agressividade entre animais que esto competindo por algum
recurso. H outro mecanismo de controle social, que tm origem na familiaridade e
na competio entre os animais, resultando na definio da liderana e da hierarquia
de dominncia, respectivamente.
Hoje em dia os rebanhos bovinos raramente apresentam grupos sociais
naturais, basicamente porque tais grupos so formados de acordo com os interesses
do homem. Assim, formamos grupos de acordo com o sexo desde a desmama,
quando tambm separamos os bezerros das suas mes, formamos tambm grupos
tendo em conta a idade dos animais ou ainda conforme a produo de leite.
A dominncia se estabelece nesses grupos pela competio, ou seja ela
produto de interaes agressivas entre os animais de um mesmo grupo ao
competirem por um determinado recurso, definindo quem ter prioridade no acesso
a comida, gua, sombra, etc. O dominante o indivduo ou indivduos do grupo que

ocupam as posies mais altas na hierarquia, dominam os demais atacando-os

impunemente e tm prioridade em qualquer competio; os submissos (ou
dominados) so os que se submetem aos dominantes. Os fatores que normalmente
determinam a posio na hierarquia so o peso, idade e raa. O tempo at o
estabelecimento da hierarquia em um lote recm formado vai depender do nmero
de animais e do sistema de criao, seguindo a tendncia apresentada na Figura 2.
!" #!%$& ')('#

*,+-.//)01

=?> @ 9

243)56 7

8:9; <9


   
 

   

Figura 2. Intensidade das interaes agressivas em funo da formao da

hierarquia de dominncia.

H diferenas entre raas nas relaes sociais que determinam a hierarquia;

por exemplo, o estudo de Le Neindre (1989) nos mostrou que novilhas Salers, foram
mais ativas socialmente e dominaram as Holandesas, e os resultados de Wagnon et
al. (1966), indicaram que vacas da raa Aberdeen-Angus foram dominantes em
relao as da raa Hereford. Assim, como j apontado por Paranhos da Costa e
Cromberg (1997), devemos ter cautela na formao de lotes, sob pena de mantermos
certos animais em constante estresse social.
Um outro aspecto do comportamento social dos bovinos a liderana, que
muitas vezes resulta na atividade sincronizada dos bovinos. Um rebanho de vacas se
comporta como uma unidade, na qual a maioria dos membros apresenta o mesmo
comportamento ao mesmo tempo. H sempre um animal que inicia o deslocamento
ou as mudanas de atividade, quando ele seguido pelos outros, trata-se do lder.
Geralmente so as vacas mais velhas que lideram os rebanhos, que no esto no topo
da ordem de dominncia. Isto faz sentido se considerarmos que a estrutura social dos
bovinos originalmente matrilinear (Stricklin e Kautz-Scanavy, 1984).
Tal comportamento no envolve atividades agressivas, mas sua compreenso
pode ser muito til para o manejo do gado nas pastagens, particularmente durante a
conduo do rebanho para reas de manejo.
Nas condies de sistemas intensivos de produo muito comum a
formao de grandes grupos de animais, freqentemente mantidos em alta
densidade. A expectativa que nessas condies aumentem a produtividade, mas
no podemos nos esquecer que tambm tero efeitos sobre a expresso do
comportamento. Por exemplo, para os bovinos em condies de alta densidade

populacional, os animais no podem evitar a violao de seu espao individual, o

que pode resultar num aumento de agressividade e estresse social (Schake e Riggs,
1970; Arave et al., 1974; Hafez e Bouissou, 1975; Kondo et al., 1984). Quando os
grupos so muito grandes os animais podem ter dificuldades em reconhecer cada
companheiro e em memorizar o status social de todos eles, com isso tambm h
um aumento na incidncia das interaes agressivas (Hurnik, 1982). Nestas
condies os animais ficam mais sujeitos a leses, que podem prejudicar seu
desenvolvimento e a qualidade da carne.
Respeitando-se certos limites, desde que os grupos no sejam alterados em
sua constituio, principalmente com a introduo de animais novos, a ordem de
dominncia se manter relativamente estvel ao longo do tempo, estabelecendo um
equilbrio dinmico nas relaes sociais entre os animais.
O tamanho do grupo e a densidade atuam de forma integrada na definio das
condies sociais. Se o espao for considervel pode ocorrer a diminuio da
agressividade mesmo com densidades altas, pois um dado animal teria condies de
se afastar de outro, diminuindo os encontros competitivos (Fraser, 1980). Os
resultados de Kondo et al., (1989) mostraram que a distncia mdia entre bezerros
(6 a 13 meses de idade) e animais adultos (2 a 12 anos de idade) aumentou medida
que o grupo diminuiu de tamanho; para os animais adultos isso se deu at um limite
de aproximadamente 360 m2 por animal, quando a distncia mdia entre eles se
manteve constante entre 10-12 m.
No claro qual o tamanho mximo que um grupo de bovinos deva ter.
Rebanhos com 150 cabeas so comuns, mas por convenincia no manejo, talvez
no devessem ultrapassar 100 animais por grupo. O que devemos ter em conta que
o tamanho ideal de um grupo, para a manuteno da ordem social, menor em
condies de criao intensiva do que em extensiva. Em rebanhos numerosos de
gado de corte, no se sabe da ocorrncia de formao de um grupo dominante e
outros subgrupos, com seus elementos interagindo apenas entre si (Ewbank, 1969).
De qualquer forma, importante enfatizar que bom que o grupo seja estvel
em sua composio, qualquer alterao, principalmente com a entrada de outros
animais vai alterar a hierarquia social previamente estabelecida, com influncias na
produo e bem-estar.
5.2. A distribuio dos rebanhos nas pastagens.
No simples a anlise isolada dos fatores que determinam a distribuio dos
rebanhos nas pastagens (Paranhos da Costa e Cromberg, 1997). Sabemos que h
diferenas nos padres de distribuio dos rebanhos de uma mesma espcie em
pastos semelhantes, isto se d porque os animais respondem s condies fsicas e
sociais de seu ambiente (Paranhos da Costa, 1995, Scott et al., 1995).
Entretanto, como relatado por Howery et al. (1998) seria importante
definirmos os mecanismos subjacentes aos problemas relacionados distribuio
dos animais no pasto, por exemplo saber o por qu da ocorrncia de sobre-pastejo

em determinadas reas e sub-pastejo em outras; s assim poderemos de desenvolver

prticas de manejo efetivas para contornar tais problemas.
Alm da oferta e da distribuio de forragens, a topografia, a distncia da
gua e a vegetao (presena de rvores e arbustos) tambm tm sido identificados
como fatores que afetam a tem distribuio dos rebanhos nas pastagens (Mueggler,
1965; Cook, 1966; Roath e Krueger, 1982; Gillen et al., 1984).
Conforme descrito por Paranhos da Costa e Cromberg (1997), mesmo em
pastos intensivamente manejados no h uma distribuio uniforme dos animais,
ainda assim a utilizao da forragem ao final do perodo de ocupao em geral
uniforme. Isto se d porque existem padres temporais de pastejo, descritos como
ondas de desfoliao, os animais comeam a pastar perto da gua e
progressivamente vo afastando-se dela; a partir da escassez de forragem, a distncia
aumenta (Walker et al. 1989). A seletividade por reas perto da gua no removida
pelo aumento na densidade de animais, apenas mascarada pela velocidade com que
a onda de desfoliao avana (Irving et al., 1995), em outras palavras, a reduo no
tamanho do pasto, diminuindo as distncias at a gua, pode melhorar a distribuio
do pastejo (Roath e Krueger , 1982; Gillen et al., 1984; Hart et al., 1993). Assim, a
localizao da fonte de gua na pastagem define o grau de utilizao da forragem, de
acordo com Gillen et al., (1984) o gado preferiu se alimentar em reas at 200 m da
gua e evitou reas a mais de 600 m; esses resultados foram comprovados por Irving
et al. (1995), que mostraram que os bovinos s passaram a utilizar a forragem a mais
de 1,6 Km da gua quando 40 a 50% da forragem mais prxima havia sido
consumida, provvel que isso ocorra pela freqncia com que os animais utilizam
esse recurso.
A busca de sombra e seus efeitos sobre a distribuio dos animais nas
pastagens, tambm foram amplamente discutidos por Paranhos da Costa e Cromberg
(1997), destacando que em ambientes quentes, com alta incidncia de radiao solar,
devemos proporcionar sombra para os animais, reduzindo o aquecimento corporal e
facilitando a termorregulao. No incomum encontrarmos todos os animais
ocupando reas sombreadas nas horas mais quentes do dia, nem a definio reas
sombreadas como malhadouros, o que resulta no agrupamento de animais sob as
copas das rvores mesmo nas horas mais frescas do dia ou mesmo noite.
Um outro elemento presente nos pastos, que tambm determina os padres de
distribuio dos animais, o cocho utilizado para a oferta de suplementos
alimentares. Dependendo do tipo de suplemento e das necessidades nutricionais dos
animais tal recurso ter maior ou menor peso na definio do uso do espao. As
relaes de dominncia e liderana, bem como a reatividade dos animais em relao
ao homem pode tambm definir os padres de utilizao desse recurso. Cabe
novamente lembrar os resultados de Cassini e Hermine (1992) sobre a localizao
espacial dos cochos para suplementao do gado, eles testaram a colocao de
suplementos onde o gado passa a maior parte do tempo, ou seja perto dos
bebedouros e em reas sombreadas, com a expectativa de que isto otimizaria a
probabilidade dos animais encontrarem o suplemento, entretanto, verificaram que o

consumo esteve diretamente relacionado com a atividade do gado, ou seja houve

taxas mais altas de consumo nas reas de pastejo, apesar dos animais passarem
menor tempo nelas.
5.3. A reatividade ao manejo ou temperamento dos bovinos.
Nos ltimos anos, pesquisadores e pecuaristas voltaram sua ateno para uma
caracterstica at ento pouco estudada no contexto de produo de bovinos,
usualmente denominada de temperamento, ou seja o conjunto de comportamentos
dos animais em relao ao homem, geralmente atribudo ao medo (Ford yce et al.,
1982). Tal caracterstica determinante na definio do ambiente psicolgico da
pastagem, principalmente em sistemas intensivos de produo.
O homem sempre esteve (e est) interessado em animais menos agressivos e
mais fceis de lidar, promovendo a seleo de indivduos com as caractersticas mais
desejveis. atualmente, essa uma avaliao realizada com maior freqncia pelos
vaqueiros, fruto de sua experincia na lida do dia a dia. Apesar da clara inteno de
obter animais com tais caractersticas, no h muitos registros de como isso foi feito
e, principalmente, de quais medidas foram utilizadas. informaes imprescindveis a
serem consideradas em programas modernos de seleo.
As justificativas para nos preocuparmos com esta questo so vrias, e todas
elas partem da pressuposio de que esta caracterstica, temperamento, contribui
para a otimizao do sistema de produo. Medo e ansiedade so estados
emocionais indesejveis nos bovinos, pois resultam em estresse e conseqente
reduo no bem-estar dos animais. Trata-se, portanto de uma caracterstica com
valor econmico, pois a lida com animais agressivos implicaria em maior estresse e
em maiores custos em funo de: (1) necessidades de maior nmero de vaqueiros
bem treinados; (2) riscos com relao a segurana dos trabalhadores; (3) tempo
despendido com o manejo dos animais; (4) necessidade de melhor infra-estrutura de
manejo e maior manuteno; (5) lotes heterogneos, dada a existncia de animais
com diferentes graus de susceptibilidade ao estresse do manejo; (6) perda de
rendimento e de qualidade de carne devido contuses e estresse no manejo prabate; (7) diminuio da eficincia na deteco de cio em sistemas que envolvam a
utilizao de inseminao artificial.
No muito simples medir o temperamento de animais, necessitamos
definir uma metodologia que permita uma abordagem eficiente, segura e de fcil
aplicao, para que possa ser usada nas fazendas. Esta uma das linhas de pesquisa
do nosso grupo (ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia
Animal). J realizamos alguns estudos medindo o grau de perturbao do animal,
quando submetido a uma determinada situao de manejo, por exemplo: quando um
animal est sendo submetido pesagem ou conteno no tronco ou na seringa, ns
podemos classific-lo de acordo com suas reaes (intensidade e freqncia de
movimentos, respirao, vocalizao, defecao, etc.). Definindo uma escala cujos
valores extremos (geralmente 1 e 5) representariam os animais mais mansos e os

mais agressivos, respectivamente (Borba et al., 1997; Piovezan, 1998). Tambm

possvel se medir a distncia de fuga (Burrow, 1997) e a velocidade com que os
animais percorrem uma determinada distncia, geralmente na sada da balana
(Burrow et al, 1988; Burrow, 1997).
Entretanto ainda h muito para ser feito para que possamos conhecer bem
como se do as reaes emocionais dos animais domsticos e quais seus efeitos
sobre o sistema produtivo; j temos indicaes de que possvel modificar a
intensidade dessas reaes pela seleo (burrow, 1991; piovezan, 1998), podemos
atuar tambm atravs do manejo, promovendo o amansamento dos animais atravs
dos processos de habituao e de aprendizado associativo (condicionamento)
(fordyce et al., 1985; becker, 1994).
6. O manejo e as alteraes no comportamento dos bovinos.
Com j discutimos, h vrios recursos e estmulos que so necessrios para
que os bovinos se encontrem em boas condies de bem-estar, como: o espao em
si, permitindo que os animais mantenham suas atividades em um contexto social
equilibrado; os abrigos, para que possam se proteger dos rigores do clima; os
alimentos, incluindo as forragens, a gua e os suplementos. Existem particularidades
que definem o grau de necessidade de cada um desses recursos, dependendo das
caractersticas genticas e ambientais, como por exemplo, a necessidade por sombra
depende da capacidade de adaptao do animal ao calor. Portanto, os maiores riscos
para diminuio do bem-estar de animais mantidos em pasto, ocorrem na ausncia
ou deficincia de um ou mais dos recursos necessrios, que resulta no aumento da
competio entre os animais, com prejuzos bvios para os submissos (Paranhos da
Costa e Cromberg, 1997).
De maneira geral, podemos dizer que os bovinos so bem modestos em suas
necessidades em qualquer um desses itens e, portanto, elas podem ser atendidas sem
muitas dificuldades.
Todavia, quando manejamos os bovinos, conduzindo-os geralmente para os
currais, produzimos uma desorganizao em suas atividades sociais, dificultando a
manuteno do espao individual e provocando a quebra do equilbrio na hierarquia
de dominncia, sendo difcil minimizar esses efeitos dado os equipamentos e as
estratgias que usamos rotineiramente.
Vamos concentrar nossa discusso sobre o manejo em si, tecendo
comentrios sobre as instalaes apenas quando necessrio ou conveniente.
Muitas vezes, lidamos com o gado como verdadeiros predadores, galopamos,
gritamos e acuamos, as vezes agredindo os animais fisicamente. Nessas condies,
que reao podemos esperar dos animais? Medo!!! Levando-os a fugir ou a atacar
quando acuados.
O problema vai alm, o gado tem boa memria e capacidade de reconhecer
pessoas (ou grupo de pessoas), tornando-se cada vez mais difcil de ser manejado,

devido a aes violentas, que resultam em experincias negativas. Para exemplificar:

Em um de nossos estudos passvamos 12 horas por dia com o gado nos pastos,
estudando seu comportamento, no incio as vacas nos estranhavam, mas com poucos
dias no se importavam mais com a nossa presena (ns apenas as observvamos) e
quando chegvamos ao pasto, cedo pela manh, elas nos olhavam por alguns
segundos e voltavam a pastar. Entretanto, quando os vaqueiros da fazenda entravam
no pasto a cavalo (eles andavam uniformizados e se distinguiam facilmente de
outras pessoas), todos os animais paravam de comer, ficavam observando e, logo em
seguida corriam, fugindo. No necessrio dizer que esses vaqueiros, de quem o
gado fugia, lidavam com os animais de forma muito violenta..
Esse tipo de reao se d atravs de uma forma de aprendizado, o
condicionamento (ou aprendizado associativo), pelo qual os animais estabelecem
ligaes entre determinadas situaes (envolvendo lugares, pessoas, etc.) e
sensaes. Se as sensaes forem negativas o gado procura evitar as situaes
associadas a elas, fugindo, lutando, enfim dificultando o manejo; j no caso delas
serem positivas, o manejo pode ser facilitado. Por exemplo: se ns levarmos o gado
para o curral, manejando-o com tranqilidade, sem gritos, chicotadas e correrias e,
alm disso, fornecermos rao, ns estaremos reforando o comportamento de ir ao
curral, facilitando a realizao desse mesmo trabalho em momentos subsequentes. O
raciocnio inverso tambm se aplica, ou seja, maus tratos dificultaro o manejo
futuro, inclusive levando a um aumento na distncia de fuga dos animais em relao
ao homem. Ao considerar esses princpios de aprendizado no manejo de bovinos
poderemos melhorar sua eficincia, alm de diminuir os riscos de acidentes.
Assim, uma estratgia interessante para melhorar as relaes entre os
vaqueiros e gado aumentar as interaes positivas entre eles; ou seja, o vaqueiro
deve se tornar ntimo dos animais, passando mais tempo com eles, tanto a p como a
cavalo, e fornecendo raes e suplementos. Com isto o gado se habituar a presena
do homem e estabelecer uma relao positiva com ele.
Com essas medidas os problemas de gado refugando na entrada do curral ou
na seringa provavelmente iro diminuir, mas se as instalaes ou equipamentos no
forem adequados, tanto na forma como na dimenso, provavelmente pouco
adiantar. Estudos sobre a forma e dimensionamento de currais de manejo tm sido
realizados pela Dra. Temple Grandin, da Universidade do Colorado, EUA (para
detalhes ver Grandin, 1993b). Tais desenhos levam em conta aspectos do
comportamento e da estrutura biolgica dos bovinos, por exemplo: dado o
posicionamento de seus olhos, os bovinos tem um ngulo de viso muito amplo, mas
tambm tm alguns pontos cegos. O manejo de conduo do gado ser facilitado se
considerarmos esta caracterstica, caso contrrio poderemos dificult-lo, como
ilustrado na Figura 3; por exemplo: se invadirmos um de seus pontos-cegos o animal
provavelmente ir parar para olhar para trs, tentando enxergar o vaqueiro,
atrasando todo o deslocamento. Imagine o tempo que perdemos se isto se repetir
com cada animal que estivermos conduzindo para o tronco ou para o brete.

Um outro exemplo interessante est relacionado com o tipo de cercados que

usamos nos currais e demais reas de manejo, com tbuas intercaladas por espaos
abertos, este tipo de desenho permite que o gado se distraia ou se assuste com
acontecimentos ou pessoas que esto do lado externo; fazendo com que os animais
parem, recuem e tentem saltar, atrasando a concluso do trabalho, ao vedar esses
espaos na seringa podemos diminuir o tempo de entrada dos animais no tronco,
alm de ocorrer maior uniformidade das respostas.
Um outro aspecto importante a conduo dos animais para ambientes que
eles desconhecem, como os caminhes, por exemplo, ns queremos que o embarque
seja feito de forma rpida e tranqila, mas nem sempre isso possvel. Dependendo
do temperamento dos animais e do sistema de manejo que usamos, o gado pode ficar
muito relutante em entrar no caminho (ou em qualquer outro tipo de instalao que
desconhecida para ele); geralmente os animais abaixam a cabea, cheirando o cho
ou piso, e se locomovem muito lentamente, s vezes com relutncia (avanando
alguns passos e recuando em seguida). Na expectativa de acelerar o processo de
embarque (ou de entrada em bretes ou troncos), geralmente estimulamos os animais
com cutuces, choques eltricos e, no raras vezes, com pancadas fortes. Tal atitude
ir estressar ainda mais os animais, que ficaro mais nervosos, aumentando a
agressividade e os riscos de acidentes (eles podem se atirar contra as grades do
caminho, pular sobre outros animais, escorregar, cair, atacar os outros animais com
cabeadas e coices, etc.).

rea cega (sombreada)

Limites da zona de fuga

Ponto de equilbrio

Figura 3 - Entendendo a zona de fuga e os ngulos de viso dos bovinos

durante o manejo (adaptado de Grandin, 1993a).

Como j relatamos antes, dado o processo de aprendizado associativo, tais

respostas (tentar fugir, agredir outros animais, atacar os vaqueiros) podem se tornar

comuns sempre que os animais forem submetidos a situaes semelhantes de

manejo ou quando detectarem a presena daquelas pessoas (ou grupos de pessoas)
que os agrediram.
Do ponto de vista prtico as conseqncias do manejo agressivo so
dificuldades no trabalho com o gado (retardando-o), leses nos animais (fraturas,
cortes, hematomas, etc.), danos nas instalaes e riscos de acidentes para os
trabalhadores. A intensidade depender das circunstncias.
Para finalizar este item, convm lembrar que no manejo pr-abate as etapas
mais crticas so as de embarque e de desembarque dos animais. No caso de manejo
agressivo nesse momento, os animais ficaro mais estressados, resultando em
prejuzos para a carcaa (hematomas) e qualidade da carne (cortes escuros - dark cutting), lembrando que tais prejuzos podem ser decorrentes da ao direta do
homem, ao bater ou acuar os animais contra cercas. porteiras, etc., ou indireta, com a
formao de lotes novos nessa etapa final da produo, desrespeitando os seus
padres de organizao social e aumentando as interaes agressivas entre os
animais (ver Figura 1).
7. Concluses.
necessrio ampliar o conhecimento sobre a biologia do gado bovino, em
particular dos zebunos. S assim poderemos melhorar as nossas interaes com
esses animais, minimizando riscos de acidentes e garantindo melhores desempenhos
pelos animais e qualidade do produto obtido.
No que diz respeito ao manejo, que define muito do ambiente psicolgico dos
bovinos, precisamos contar com: a) instalaes adequadas, dentre as quais est
includo o prprio pasto no sentido mais amplo, com cercas, cochos, bebedouros,
vegetao, etc., bem como os currais, bretes, troncos e balanas; b) pessoal
convenientemente treinado, conhecedores das necessidades dos animais e das
tcnicas de condicionamento, de forma a lidar com o gado sem a necessidade do uso
de violncia; c) animais com nvel adequado de reatividade, selecionando-os e
amansando-os, de forma diminuir as reaes agressivas durante o manejo; d)
superviso das atividades, para avaliar a adequao das instalaes e garantir a
eficincia no treinamento e no programa de seleo.
Quanto ao aspecto fsico, devemos ter em conta, alm das necessidades dos
bovinos, a preservao dos recursos naturais, a economia e a praticidade do sistema
de produo. No acreditamos ser til priorizado um desses itens em relao aos
outros, pois ao nosso ver eles esto intimamente ligados. Anlises econmicas de
curto prazo podem trazer uma viso equivocada da mensagem que queremos passar
aqui, afinal os custos decorrentes da degradao ambiental geralmente s so
notados depois que os problemas de degradao se tornam muito severos.
Felizmente grande parte dos produtores j est consciente desse problema, e sabem
muito bem quanto custa formar ou renovar pastagens degradadas. Assim, antes

desenvolver um projeto sobre a arquitetura dos pastos, devemos analisar com

cuidado a topografia do terreno, as caractersticas do solo e a distribuio dos
recursos naturais necessrios aos bovinos (basicamente gua e sombra) para, a partir
da, definir como e onde sero construdas as cercas e instaladas as porteiras, cochos
e bebedouros (quando necessrios). Por exemplo, um simples erro na definio da
posio da porteira, decorrente da falta de planejamento ou em busca apenas de
praticidade no manejo do gado, pode resultar em eroso, trazendo srios problemas,
dentre eles o aumento de despesas.
Assim, julgamos prudente sempre enfatizar que as estratgias de criao s
devem ser definidas aps uma anlise das caractersticas ecolgicas do ambiente de
criao, das necessidades dos animais a serem criados (Paranhos da Costa e
Cromberg, 1997) e dos contextos econmico e social no qual a atividade pecuria se
insere (Joandet e Cartwright, 1975).

8. Referncias Bibliogrficas:
Albright, J.L. and Arave, C.W. (1997). The behaviour of cattle, CAB International:
Wallingford, 305 pp.
Allison, C.D. (1985). Factors affecting forage intake by range ruminants: a review.
Journal of Range Management, 38(4): 305 - 311.
Arave, C.W.; Albright, J.L. and Sinclair, C.L. (1974). Behavior, milking yield, and
leukocytes of dairy cows in reduced space and isolation. Journal of Dairy
Science, 57: 1497-1501.
Arnold, G.W. and Dudzinski, L. (1978). Ethology of free ranging domestic
animals, Elsevier, Amsterdam, 196 pp.
Baxter, M.R. (1988). Needs - behavioural or psychological ? Applied Animal
Behaviour Science, 19: 345 - 348.
Becker, B. (1994). Efeito do manuseio sobre a reatividade de terneiros ao
homem Dissertao de Mestrado (Zootecnia), Faculdade de Agronomia,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 139 pp..
Borba, L.H.F., Piovezan, U. e Paranhos da Costa, M.J.R. (1997). Uma abordagem
preliminar no estudo de associao entre escores de reatividade e caractersticas
produtivas de bovinos de corte. Anais de Etologia, 15: 388.
Broom, D.M. (1986). Indicators of poor welfare. British Veterinary Journal, 142:
524-526.
Broom, D.M and Johnson, K.G. (1993). Stress and animal welfare. Chapman &
Hall, London, 211pp.
Burrow, H.M. (1997). Measurements of temperament and their relationships with
performance traits of beef cattle. Animal Breeding Abstracts, 65: //-//.

Burrow, H.M.; Seifert, G.W. and Cobert, N.J. (1988). A new technique for
measuring temperament in cattle. Australian Society of Animal Production,
17: 154-157.
Cannon, W.B. (1929). Organisation for physiological homeostasis. Physiology
Review 9(3): 399- 431.
Cassini, M.H. and Hermine, G.(1992). Patterns of environmental use by cattle and
consumption of supplemental food blocks. Applied Animal Behaviour Science,
32: 297-312.
Cook, C.W. (1966). Factors affecting utilisation of mountain slopes by cattle.
Journal of Range Management, 19: 200 - 204.
Ewbank, R. (1969). Social behavior and intensive animal production. Veterinary
Record, 85: 183-186.
Fordyce, G.; Goddard, M. anda Seifert, G.W. (1982). The measurement of
temperament in cattle and effect of experience and genotype. Animal
Production in Australia, 14: 329-332.
Fraser, A.F. and Broom, D.M. (1990). Farm animal behaviour and welfare. (3rd
ed.). Baillire Tindall, London, 437 pp.
Fller, J.M. (1928). Some physical and physiological activities of dairy cows under
conditions of modern herd management. New Hampshire Agricultural
Experimental Station Technology Bulletin, 35, Durham.
Furlan, R.S. (1973). Hbitos de pastejo. In: V.P. Faria; J.C. Moura (eds.), Simpsio
Sobre Manejo da Pastagem, I, Piracicaba-SP, 1973, Anais..., pp. 141 - 154.
Gillen, R.L.; Krueger, W.C. and Miller, R.F. (1984). Cattle distribution on mountain
rangeland in north-eastern Oregon Journal of Range Management, 37: 549 553.
Grandin, T. (1993a). Behavioural principles of cattle handling under extensive
conditions. In: T. Grandin (ed). Livestock handling and transport, CAB
International: Wallingford-UK, p. 43 57.
Grandin, T. (1993b) Livestock handling and transport, CAB International:
Wallingford-UK, 320 pp.
Hafez, E.S.E. and Bouissou, M.F. (1975). The behavior of cattle. In: E.S.E. Hafez
(ed.) The behavior of domestic animals. (3rd ed.) Baillire Tindall, London. pp
203-245.
Hancock, J. (1953). Grazing behaviour of cattle. Animal Breeding Abstracts, 21: 1
13.
Hart, R.H.; Bissio, J.; Samuel, M.J. and Waggoner Jr., J.W. (1993). Grazing
systems, pasture size, and cattle grazing behaviour, distribution and gains.
Journal of Range Management, 4: 681 - 687.
Howery, L.D.; Provenza, F.D.; Banner, R.E. and Scott, C.B. (1998). Social
environmental factors influence cattle distribution on rangeland. Applied
Animal Behaviour Science, 55: 231-244.
Hurnik, J.F. (1982). Social stress; an often overlooked problem in dairy cattle.
Hoards Dairyman, 127: 739.

Irving, B.D.; Rutledge, P.L.; Bailey, A.W.; Anne Naeth, M. and Chanasyk, D.S.
(1995). Grass utilisation and grazing distribution within intensively managed
fields in Central Alberta. Journal of Range Management, 48 (4): 358 - 361.
Joandet, G.E. and Cartwright, T.C. (1975). Modelling beef production systems.
Journal of Animal Science, 41(4): 1238 - 1246.
Johnstone-Wallace D.B. and Kennedy, K. (1944). Grazing management practices
and their relationship to the behaviour and grazing habits of cattle. Journal of
Agricultural Science, Cambridge, 34: 190 197.
Kondo, S.; Maruguchi, H and Nishino, S. (1984). Spatial and social behavior of
calves in reduced dry-lot space, Japanese Journal of Zootechny Science, 55:
71-77.
Kondo, S; Sekine, J.; Okubo, M. and Asahida, Y. (1989). The effect of group size
and space allowance on the agonistic and spacing behavior of cattle. Applied
Animal Behaviour Science, 24: 127-135.
Le Neindre, P. (1989) Influence of rearing conditions and breed on social behaviour
and activity of cattle in novel environments. Applied Animal Behaviour
Science, 23: 129-140.
Levai, L.F. (1998). Direito dos animais. O direito dele e o nosso Direito sobre
eles. Editora Mantigueira: Campos de Jordo, 120 pp.
Miranda, R.M. (1983).Comportamento de bovinos em pastagens. In: Encontro
Paulista de Etologia, I, Jaboticabal-SP, 1983. Anais..., p. 217 - 238.
Mueggler, W.F. (1965). Cattle distribution on steep slopes. Journal of Range
Management., 18: 255 - 257.
Olson, K.C.; Rouse, G.B. and Malechek, J.C. (1989). Cattle nutrition and grazing
behavior during short-duration-grazing periods on crested wheatgrass range.
Journal of Range Management, 42(2): 153 - 158.
Paranhos da Costa, M.J.R. (1985). Aspectos do comportamento de vacas leiteiras em
pastagens neo-tropicais. In: Encontro Paulista de Etologia, III, Ribeiro Preto-SP,
1985, Anais..., p. 199 217.
Paranhos da Costa, M.J.R. (1995). Termorregulao e comportamento alimentar
e postural em ovinos: diferenas individuais e variaes estacionais. Tese de
Doutorado, Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Ribeiro Preto, USP,
Ribeiro Preto-SP, 138 pp.
Paranhos da Costa, M.J.R. and Nascimento Jr., A.F. (1986). Stress e
comportamento. In: Semana de Zootecnia, XI, FMVZ / USP, Pirassununga-SP,
1986, Anais ...,p. 65-72.
Paranhos da Costa, M.J.R. and Cromberg, V.U. (1997) Alguns aspectos a serem
considerados para melhorar o bem-estar de animais em sistemas de pastejo
rotacionado. In: Peixoto, A. M.; Moura, J.C. e Faria, V.P. (ed.). Fundamentos
do pastejo rotacionado. FEALQ: Piracicaba, p. 273-296.
Piovezan, U. (1998). Anlise de fatores genticos e ambientais na reatividade de
quatro raas de bovinos de corte ao manejo. Dissertao de Mestrado,
Faculdade de Cincias Agrrias e Veterinrias/UNESP, Jaboticabal-SP, 50 pp.

Roath, L.R.and Krueger, W.C. (1982). Cattle grazing and behavior on a forested
range. Journal of Range Management, 35: 332 - 338.
Schake, L.M. and Riggs, J.K. (1970). Activities of beef calves reared in
confinement, Journal of Animal Science,31: 414-416.
Scott, C.B.; Provenza, F.D. and Banner, R.E. (1995). Dietary habits and social
interactions affect choice of feeding location by sheep. Applied Animal
Behaviour Science, 45: 225-237.
Stricklin, W.R.and Kautz-Scanavy,C.C. (1984). The role of behavior in cattle
production: a review of research. Applied Animal Ethology, 11: 359-390.
Tribe, D.E. (1950). The behaviour of grazing animal. A critical review of present
knowledge. Journal of British Grassland Society, 5: 209 224.
Voisin, A. (1974). Produtividade do pasto. Editora Mestre Jou: So Paulo, 517 pp.
Wagnon, K.A.; Loy, R.G.; Rollins, W.C. and Carroll, F.D. (1966). Social
dominance in a herd of Angus, Hereford and Shorthorn cows, Animal
Behaviour, 14: 474 - 479.
Walker, J.W.; Heitschmidt, R.K. and Dowhower, S.L. (1989). Some effects of a
rotational grazing treatment on cattle preference for plant communities. Journal
of Range Management 42(2): 143 - 148.