Concepcao Educacao Paulo Freire para
Concepcao Educacao Paulo Freire para
Concepcao Educacao Paulo Freire para
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sofreu influncia do espao cultural que gerava e veiculava essa ideologia, que era o ISEB. Em Educao como
prtica da liberdade, o prprio Paulo Freire mostra o marco decisivo que fora o ISEB no panorama da histria do
pensamento brasileiro e em sua prpria vida: At o ISEB a conscincia dos intelectuais brasileiros ou da grande
maioria daqueles que pensavam e escreviam dentro do Brasil tinha como ponto de referncia tanto para o seu
pensar como para a prpria avaliao do seu pensar a realidade do Brasil como um objeto do pensar europeu e
depois norte-americano. Pensar o Brasil de modo geral era pensar sobre o Brasil de um ponto de vista nobrasileiro. [...] evidente que este era fundamentalmente um modo de pensar alienado. Da a impossibilidade de
um engajamento resultante deste pensar. O intelectual [...] vivia mais uma realidade imaginria, que ele no podia
transformar. Dando as costas ao seu prprio mundo, enjoado dele, soma por no ser o Brasil idntico ao mundo
imaginrio em que vivia. [...] pensar o Brasil como sujeito era assumir a realidade do Brasil como efetivamente era.
Era identificar-se com o Brasil como Brasil. A fora do pensamento do ISEB tem origem nesta identificao, nesta
integrao. Integrao com a realidade nacional, agora valorizada, porque descoberta e porque descoberta, capaz
de fecundar de forma surpreendente, a criao do intelectual que se pe a servio da cultura nacional. Desta
integrao decorreram duas conseqncias importantes: a fora de um pensamento criador prprio e o
compromisso com o destino da realidade pensada e assumida. [...] Inserindo-se cada vez mais na realidade
nacional, sua preocupao era contribuir para a transformao da realidade, base de uma verdadeira
compreenso do seu processo. (BETTO e FREIRE, 1985, p.106-107).
Paulo Freire apontava, atravs de uma srie de razes histricas, que um dos grandes problemas de
nossa educao a inexperincia democrtica e a centralidade na palavra, no verbo, nos programas, no discurso.
Para ele a transformao da sociedade e da educao passa, necessariamente, pela reestruturao do
processo produtivo e de todas as relaes implicadas neste processo. Assim, a transformao da conscincia
entrelaada s transformaes materiais, revoluo do modo de produo capitalista. Sem esquecer que "essa
conscincia, gerada a partir de condies infra-estruturais, tem a possibilidade de se voltar sobre seu prprio
condicionante...", como salienta Freire.
Importante notar que a viso mais rigorosa a nvel de infra-estrutura a nvel da economia, do sistema
produtivo, das relaes embutidas na diviso do trabalho na sociedade , no eliminou a profunda crena no
homem e na populao como atores determinantes de seu prprio futuro, da sua prpria histria, percebemos esta
necessidade tambm quando falamos nas dimenses do Desenvolvimento sustentvel.
Para Freire, num pas com centenas de problemas a serem enfrentados, transformao da economia
corresponderia, dialeticamente, a transformao superestrutural onde a educao se "situa" em nvel polticoideolgico. Focalizamos este esforo nas Cartas Guin-Bissau (1980): a transformao radical do sistema
educacional herdado do colonizador exige um esforo inter-estrutural, quer dizer, um trabalho de transformao a
nvel da infra-estrutura e uma ao simultnea a nvel de ideologia. A reorganizao do modo de produo e o
envolvimento crtico dos trabalhadores numa forma distinta de educao, em que mais que adestrados para
produzir, sejam chamados a entender o prprio processo de trabalho. (FREIRE,1984, p.21).
Quando Freire critica o adestramento ele critica a mecanizao da educao como forma pura e
simplesmente voltada para a produo de mercado.
Segundo Paulo Freire era preciso construir um conhecimento autntico (que partisse da realidade brasileira, que
desse respostas aos problemas vividos pelo povo) e orgnico (em estreita relao com a realidade vivida,
buscando transform-Ia). Defendia a tese de uma educao que desenvolvesse a conscincia crtica, que
promovesse a mudana social.
Nessa perspectiva, o ser humano deveria entender a realidade como modificvel e a si mesmo como
capaz de modific-Ia. Sua filosofia deveria proporcionar aos educandos a compreenso de que a forma de o
mundo estar sendo no a nica possvel, ela deveria abrir espaos para pensar como possibilidade tudo aquilo
que a totalidade opressora apresentava como determinao.
Para Freire a leitura da realidade passa pela anlise da prtica social: O aprendizado da leitura e da
escrita, associado ao necessrio desenvolvimento da expressividade, se faz com o exerccio de um mtodo
dinmico, com o qual educandos e educadores buscam compreender, em termos crticos, a prtica social. O
aprendizado da leitura e da escrita envolve o aprendizado da 'leitura' da realidade atravs da anlise correta da
prtica social... (FREIRE apud ANTUNES, 2002, p.65).
Para Freire, refletir sobre educao refletir sobre o ser humano; educar promover a capacidade de interpretar o
mundo e agir para transform-Io. Em Educao e atualidade brasileira, Paulo Freire afirma que "o homem um ser
relacional, estando nele poder sair dele, projetar-se, discernir, conhecer"
(FRElRE, 2001, p.10) e em Educao como prtica da liberdade completa: fundamental, contudo, partirmos de
que o homem, ser de relaes e no s de contatos, no apenas est no mundo, mas com o mundo. Estar com o
mundo resulta de sua abertura realidade, que o faz ser o ente de relaes que (FREIRE, 1999, p.47).
Por natureza o ser humano histrico, isto um ser cuja caracterstica de estar-se fazendo ou se
autoproduzindo constantemente tanto no plano de sua existncia material, prtica, como no de sua vida espiritual.
Isto que diferencia o ser humano dos outros seres, sua historicidade e capacidade de dar respostas aos diversos
desafios que a realidade impe. Mas essa apreenso da realidade e esse agir no mundo no se do de maneira
isolada. na relao entre homens e mulheres e destes e destas com o mundo que uma nova realidade se
constri e novos homens e mulheres se fazem. Criando cultura. Fazendo histria.
Segundo Antunes (2002) os seres humanos so inconclusos e incompletos, e dessa condio tm
conscincia, e porque a realidade dinmica, construda social e historicamente, a educao constitui-se num
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processo contnuo, permanente, e tem como ponto de partida o ser humano em seu estar sendo aqui e agora,
buscando a sua transformao e a da realidade em que est inserido.
Para Paulo Freire, a conscincia do inacabamento tambm importante porque nos alimenta a esperana,
leva-nos utopia, ao projeto futuro, crena na possibilidade de mudana: "S na convico permanente do
inacabado pode encontrar o homem e as sociedades o sentido da esperana. Quem se julga acabado est morto".
(FRElRE apud ANTUNES, 2002, p.85).
Ao defender que independentemente das condies sociais todos somos capazes de produzir o
conhecimento Paulo Freire afirma que o ser humano visto como ser inacabado e, ao mesmo tempo, como
algum capaz de refletir e de tomar conscincia de sua incompletude e inacabamento. Em seu inacabamento e na
sua incompletude e na autoconscincIa desse fato, Freire (ANTUNES, 2002) encontra o ncleo que sustenta o
processo de educao. A capacidade de conhecer no privilgio de algumas pessoas, mas faz parte da natureza
humana que, alm de conhecer, capaz de saber que conhece.
A conscincia do mundo e a conscincia de si como ser inacabado necessariamente inscrevem o ser
consciente de sua inconcluso num permanente processo de busca [...]. na inconcluso do ser, que se sabe
como tal, que se funda a educao como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educveis na
medida em que se reconheceram inacabados. (FREIRE, 1997, p.64).
Esta historicidade dos seres humanos faz com que, homens e mulheres na sua incompletude e na sua
relao com o mundo e com outros seres, busquem dar respostas aos desafios, s questes de seu contexto,
construindo o conhecimento. O resultado dessa construo histrica e coletiva gera o conhecimento. Por isso
Paulo Freire afirma: Ningum educa ningum. Os homens se educam em comunho. (FRElRE 1981, p.79). Em
Paulo Freire, ao se deparar com um problema, o ser humano se questiona, questiona outros seres humanos,
pesquisa, busca respostas possveis para solucionar o desafio que est sua frente, testa suas hipteses,
confirma-as, reformula-as, nega-as, abandona-as, retoma-as etc. e construindo o conhecimento. (ANTUNES, 2002,
p.67).
Toda esta referncia de Paulo Freire permeia e nos leva a pensar o Desenvolvimento Sustentvel, pois
significamos o mundo em nossa relao com o outro.
Esta relao com o outro no est pura e somente entre o ser humano ela deve ser universal, permear
todas as dimenses sejam elas culturais, educacionais, sociais, ambientais ou econmicas. Resgatar o
pensamento freireano resgatar um carter universal e uma preocupao permanente com a relao entre o local
e o global.
PAULO FREIRE E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Seja em Pedagogia do Oprimido, que dedica "aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem
e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam" (FREIRE, 1987, p.17), seja em
Pedagogia da autonomia, quando afirma que "A grande fora sobre que se alicerar a nova rebeldia a tica
universal do ser humano e no a do mercado" (FRElRE, 1997, p.146), seu compromisso com os oprimidos do
mundo. importante destacar
que o oprimido do mundo envolve no somente os seres humanos mas todo o cosmo que clama pela
sustentabilidade.
importante destacar que impossvel uma transformao mundial desta situao de opresso, pois esta
s possvel atravs do local e sucessivamente at a escala mundial. A educao e seus reflexos s so
possveis a partir da realidade de cada indivduo. O desenvolvimento Sustentvel depende deste pilar, pois
impossvel a inter-relao entre suas diversas dimenses e conflitos de interesses sem a conscientizao, sem a
construo do conhecimento, sem esta maneira de educar. Freire (1980) em Cartas Guin Bissau, na carta n 3,
refletindo sobre o trabalho de alfabetizao que os educadores vinham desenvolvendo sob sua assessoria,
destaca: Assim, a temtica implcita em cada palavra geradora deve proporcionar a possibilidade de uma anlise
que, partindo do local, se v estendendo ao regional, ao nacional, ao continental e, finalmente, ao universal [...]. O
primeiro aspecto que sublinharei a possibilidade que se tem, por exemplo, de, ao estudar-se a geografia do
arroz, estudar-se a geografia do pas, ao estudar-se a histria do arroz, discutir-se a histria do pas, a histria das
primeiras resistncias ao invasor, a histria da luta pela libertao: a histria que se faz hoje, a da reconstruo do
pas para a criao de uma nova sociedade. Ao estudar-se, finalmente, a Guin Bissau, nos mais variados e
interligados ngulos, situ-Ia no contexto africano e este no mundial (p.136).
No mesmo sentido, Freire (1995) apresenta em " sombra desta mangueira": Antes de tornar-me um
cidado do mundo, fui e sou um cidado do Recife, a que cheguei a partir de meu quintal,no bairro da Casa
Amarela. Quanto mais enraizado na minha localidade, tanto mais possibilidades tenho de me espraiar, me
mundializar. Ningum se torna local a partir do universal (p.25).
Ao discutir educao e transformao social, destaca a necessria relao entre universos micro e
macrossocial, que hoje podemos considerar objeto do desenvolvimento sustentvel. Como nos diz Moacir Gadotti,
"sustentabilidade permeia todas as instncias da vida e da sociedade. Para alm da sustentabilidade ambiental,
social, poltica, educacional etc." (GADOTTI, 2000, p.35). Paulo Freire afirma: Atravs de sua busca para
convencer os alunos de seu prprio testemunho sobre a liberdade, da sua certeza na transformao da sociedade,
voc deve salientar, indiretamente, que as razes do problema esto muito alm da sala de aula, esto na
sociedade e no mundo. Exatamente por isso o contexto da transformao no o da sala de aula, mas encontrase fora dela. Se o processo for libertador, os estudantes e os professores empreendero uma transformao que
inclui o contexto fora da sala de aula. (FREIRE, 1990, p.46).
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Esta convico demonstrada por Freire remete professores e alunos como protagonistas de mudanas e
no meros espectadores. Em Pedagogia da esperana, ele retoma a relao entre o local e o global:Creio que o
fundamental deixar claro ou ir deixando claro aos educandos esta coisa bvia: o regional emerge do local tal qual
o nacional surge do regional e o continental do nacional como o mundial emerge do continental. Assim como
errado ficar aderido ao local, perdendo-se a viso do todo, errado tambm pairar sobre o todo sem referncia ao
local de onde se veio. (FREIRE, 1992, p.87-88).
Na construo do conhecimento, parte sempre de temas relacionados ao contexto dos alunos e da
compreenso inicial que estes tem do problema, para atravs de um processo dialgico, da relao entre alunos e
professores, ir ampliando a compreenso dos alunos, construindo e reconstruindo novos conhecimentos. Neste
sentido Freire (1992, p. 86-87) alerta: O respeito, ento, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao
contexto cultural. A localidade dos educandos e o pondo de partida para o conhecimento que eles vo criando do
mundo, ' Seu' mundo, em ltima anlise a primeira e inevitvel face do mundo mesmo [...] Nunca, porm, eu
disse que o programa a ser elaborado [...] deveria ficar absolutamente adstrito a realidade local.
Percebemos, de acordo com a concepo exposta de Paulo Freire, a possibilidade de conscientizao das
pessoas sobre a importncia do desenvolvimento sustentvel. Quando falamos em conscientizao importante
ressaltar seu significado para Paulo Freire, pois em Educao como prtica da liberdade (1999) o autor defendia a
mudana na sociedade atravs de uma "reforma interna" do homem, via "conscientizao". Em "Conscientizao:
teoria e prtica da libertao" Freire afirma que:
a conscientizao implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontnea de apreenso da realidade, para
chegarmos a uma esfera crtica na qual a realidade se d como objeto cognoscvel e na qual o homem assume
uma posio epistemolgica [...] Quanto mais conscientizao, mais se des-vela a realidade, mais se penetra na
essncia fenomnica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analis-lo. (FREIRE, 1980, p.26).
Esta conscientizao , de fato, algo bastante complexo, mas que acreditamos ser imprescindvel e
inadivel, pois enquanto no a tivermos, estaremos sendo manipulados. Afinal de contas, este "olhar mais crtico
possvel da realidade, que a des-vela para conhec-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a
manter a realidade da estrutura dominante" (FREIRE, 1980, p.29) que nos permitir compreender melhor as
nossas prprias aes.
Afinal de contas, como transformar aquilo que no se conhece bem, nem se sabe por que precisa ser
transformado? Para Paulo Freire transformar um processo no qual o educador e o povo se conscientizam atravs
do movimento dialtico entre a reflexo critica sobre a ao anterior e a subseqente ao no processo da luta
libertadora.
Segundo Carlos Alberto Torres: a partir dessa perspectiva, Freire assume a concepo dialtica do
conhecimento para a qual o pensamento uma etapa do processo de conformao da realidade objetiva e
representa um retomo reflexivo que interioriza o objeto. A dicotomia sujeito-objeto supera-se no conceito que,
apesar de prprio da subjetividade, tambm supe e inclui a objetividade: um concreto pensado. O processo de
conhecimento obedece, ento, ao movimento de agir sobre a realidade e recompor, no plano do pensamento, a
substantivao da realidade por meio da volta reflexiva. Assim uma vez formulada uma srie de proposies sobre
a realidade, estas orientam o sujeito na transformao dessa realidade por meio da prxis terceiro momento do
processo do conhecimento. Ao dialogar sobre sua prpria realidade, ao revisar seu contexto existencial, o
analfabeto no recebe contedos externos a si mesmo. O mtodo se faz conscincia de um mundo que o
alfabetizando comea a ad-mirar e no qual comea a admirar-se. A recomposio da objetividade (O concreto
pensado) sempre um reencontro do alfabetizando consigo mesmo. (TORRES, 1981, p.28-29).
Percebemos que alm da compreenso da realidade necessria a transformao da mesma atravs da
conscientizao. Frei Beto (2007) em um elogio a Paulo Freire escreve o artigo "Elogio da Conscientizao". O
termo conscientizao introduziu-se na linguagem dos setores progressistas da Amrica Latina atravs das obras
de Paulo Freire (1921-1997) derivando de conscincia, ter cincia ou conhecimento de algo, abrindo conscincia
do alfabetizando a percepo da conjuntura scio-poltica e econmica em que se situa.
Segundo Beto, aos poucos, percebeu-se que no basta "conscientizar", dotar o militante de noes
polticas de matiz crtico. "A cabea pensa onde os ps pisam." Ainda que se adquira "conscincia" dos problemas
que permeiam a sociedade o risco do idealismo superado na medida em que as pessoas pratiquem o
conscientizado, pois, "sem prtica social no h teoria que transforme a realidade, ensinou Paulo Freire." (BETO,
2007).
Nas ltimas dcadas foi se ampliando o significado de conscientizao. O conhecimento no deriva
apenas da razo ou dos conceitos que trazemos na cabea. Resulta tambm de fatores no-racionais ou
transracionais, como a emoo, a intuio, o senso esttico etc. Com a introduo, no trabalho poltico, das
relaes de gnero e da preservao do meio ambiente, conscientizar ganhou um significado mais amplo,
articulando conscincia e subjetividade, atuao efetiva e relaes afetivas, prtica social e solidariedade
individual.
Descarta-se, assim, a figura do militante maniquesta, que advoga a transformao da sociedade sem se
empenhar na mudana de si mesmo. Agora, conscientizado o militante que conjuga, em sua atividade social e
poltica, princpios ticos e compromisso com a causa libertadora. (BETO, 2007). Frei Beto (2007) nos mostra que,
a cabea do oprimido reza um princpio marxista resgatado por Paulo Freire, tende a ser "hotel" de opressor. Ela
hospeda idias e atitudes inoculadas em ns atravs dos meios de comunicao, da cultura vigente, dos
modismos. Pois o modo de pensar e agir de uma sociedade tende a refletir o modo de pensar e agir da classe que
domina essa sociedade.
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Percebemos esta teoria em diversas atitudes do cotidiano que permeadas pelo principio dominante da
mais-valia refletem em toda as classes sociais o desperdcio e poluio do meio ambiente, a individualizao e
mercantilizao nas relaes humanas, a falta de interesse pelas geraes futuras, enfim diversos entraves para o
desenvolvimento sustentvel.
Quando falamos em conscientizar falamos em propiciar humanidade, um distanciamento crtico dessa
ideologia dominante, de modo que assumam prticas inovadoras e renovadoras, rejeitando, na medida do
possvel, influncias que possam induzi-los a adotar prticas tpicas dos opressores, como o caso da
insustentabilidade dos capitalistas. Como nos diz Frei Beto: Dois critrios devem nortear, agora, essa
conscientizao: o vnculo pessoal e orgnico com as diferentes formas em que os pobres se mantm
organizados, e o aperfeioamento da democracia pelo compromisso irredutvel com a promoo da vida em toda a
sua amplitude, desde a defesa do meio ambiente luta por reformas estruturantes como a agrria , que
reduzam a desigualdade social e assegurem a todos uma existncia digna e feliz. (BETO, 2007).
Para Paulo Freire, ao contrrio da conscincia crtica, a conscincia ingnua a conscincia humana no
grau mais elementar de seu desenvolvimento quando est ainda "imersa na natureza" e percebe os fenmenos,
mas no sabe colocar-se a distncia para julg-Ias. a conscincia no estado natural. uma "conscincia natural"
na medida em que a passagem da conscincia ingnua para a conscincia critica se d por um processo de
"humanizao".
Segundo Freire, os seres humanos, ao objetivarem o mundo, ao separarem sua atividade de si mesmos,
ao serem capazes de decidir sobre suas atividades, em suas relaes com o mundo e com os outros seres
humanos, tomam-se capazes de ultrapassar as "situaes-limites". A imerso no mundo, a alienao, leva ao
fortalecimento das "situaes-limites"; o processo de conscientizao conduz transformao dessas "situaeslimites" em "inditos viveis".
Em "Educao e atualidade brasileira", Paulo Freire fala da passagem da conscincia intransitiva para uma
conscincia transitiva. Na medida em que o sujeito amplia seu poder de captao e de resposta s sugestes que
partem de sua circunstncia e aumenta o seu poder de dialogao no s com o outro homem, mas com seu
mundo, transitiva-se.
Seus interesses e preocupaes se alongam a esferas mais amplas do que simples esfera
biologicamente vital. A passagem da conscincia transitivo-ingnua para a dominantemente transitiva-crtica no
se da automaticamente, mas inserindo-se num trabalho educativo com essa destinao. (FREIRE, 2001, p.35).
Insiste que, entre ns, a educao tem de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudana de atitude, de
criao de disposies mentais democrticas, atravs de que se substituam no brasileiro "antigos e culturolgicos
hbitos de passividade" por novos "hbitos de participao e ingerncia, hbitos de colaborao." (FRElRE, 2001,
p.86).
Este desenvolvimento da conscincia crtica e transitiva intrnseco ao ato de filosofar, por isso
defendemos este mtodo de Paulo Freire e a insero da filosofia em todos os nveis escolares desenvolvendo o
protagonismo e a cidadania a partir de cada individuo, no mais apenas no papel. Assim tambm defendemos uma
educao voltada para mudanas, contrria hegemonia da ordem mundial, uma educao de conscientizao a
qual pudesse ser permeada pelos princpios da tica, redescobrindo a verdadeira sabedoria a qual busca uma
viso crtica da realidade, orientando a humanidade para uma nova reflexo, trazendo a "responsabilidadeao" de mudanas para toda a sociedade.
Adotando esta viso crtica do conhecimento percebemos o fundamento que levou Freire a propor uma
prtica pedaggica que prioriza as relaes dialgicas. Afirma o autor que: O dilogo uma exigncia existencial.
E, se ele o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereados ao mundo a ser
transformado e humanizado, no pode reduzir-se a um ato de depositar idias de um sujeito no outro, nem
tampouco tomar-se simples troca de idias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 1981, p.93).
Segundo Antunes (2002) o dilogo toma-se condio para o conhecimento. Paulo Freire no nega, no
entanto, a dimenso individual, o esforo pessoal, para a sua construo, mas esclarece que essa dimenso
insuficiente. O ato de conhecer se d num processo social e o dilogo o mediador desse processo. Transmitir ou
receber informaes no caracterizam o ato de conhecer. Conhecer apreender o mundo em sua totalidade e
essa no uma tarefa solitria. Ningum conhece sozinho. O processo educativo deve desafiar o educando a
penetrar em nveis cada vez mais profundos e abrangentes do saber. Nisso se constitui uma das principais funes
do dilogo. Este se inicia quando o educador busca a temtica significativa dos educandos, procurando conhecer o
nvel de percepo deles em relao ao mundo vivido. A educao, numa perspectiva libertadora, exige a
dialogicidade. a partir dela do conhecimento do nvel de percepo dos educandos, de sua viso do mundo, que
Freire considera possvel organizar um contedo libertador. A realidade imediata vai sendo inserida em totalidades
mais abrangentes, revelando ao educando que a realidade local, existencial, possui relaes com outras
dimenses: regionais, nacionais, continentais, planetria e em diversas perspectivas: social, poltica, econmica
que se interpenetram.
Nota-se em Paulo Freire, que o dilogo no existir sem uma profunda relao amorosa com o mundo e os
homens: "No h dilogo, porm, se no h um profundo amor ao mundo e aos homens [...]. Se no amo o
mundo, se no amo a vida, se no amo os homens, no me possvel o dilogo." (FRElRE, 1981, p.94).
Percebemos que Freire fala de um amor comprometido com a vida que promove a vida. Fala de um amor
que a esperana na mudana, a esperana na possibilidade de construir um mundo melhor, mesmo nas condies
adversas proporcionada pelo capitalismo, no se esmorea e alimente o permanente dilogo e compromisso com
o desenvolvimento sustentvel.
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Outra condio que a relao dialgica impe a humildade. No haver dilogo e nem desenvolvimento
sustentvel quando aquele se reconhecer como o nico a possuir saber e este o que dever receb-Io. A
humildade est presente na pessoa que se reconhece ser incompleta e inacabada tendo sempre, portanto, algo
a aprender e reconhece que todos, independente de classes ou raa, so portadores de conhecimento, tendo,
nesse sentido, algo a ensinar.
A pronuncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, no pode ser um ato arrogante.
O dilogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se seus plos (ou um deles) perdem a
humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorncia, isto , se a vejo sempre no outro, nunca em mim?
(FREIRE, 1981, p.94-95).
Paulo Freire afirma (1995, p.56): "A humildade me ajuda a jamais me prender no circuito de minha
verdade" e nos ajuda a entender que a Leitura do Mundo individual incompleta e insuficiente e s a relao
dialgica vai permitir apreender criticamente o contexto em que estamos inseridos.
Para a concretizao do exposto percebemos que Paulo Freire possua uma "profunda crena" no homem e nas
massas populares como atores determinantes de seu prprio futuro, da sua prpria histria. Por isso, concordamos
com Rossi (1982), quando escreve: poder-se-ia dizer que, neste ponto, Paulo Freire aproxima-se de uma viso
gramsciana quanto passagem do "senso comum" "filosofia que transforma o mundo. O homem tem de
assumir seu papel como sujeito da Histria, no enquanto indivduo abstrato, mas enquanto ser situado dentro de
condies concretas, condies estas que se constituem a partir da organizao econmica da sociedade, da
posio do homem dentro da estrutura produtiva dessa mesma sociedade e daquelas relaes que, como uma
conseqncia, ele estabelece com seus semelhantes, relaes que so organizadas essencialmente a partir dessa
mesma posio que ele ocupa na produo. (ROSSI, 1982, p.91).
Ser sujeito da histria ser ator determinante das estruturas que permeiam o desenvolvimento sustentvel,
exercer a cidadania. Exercer a cidadania ser consciente, um ser poltico. Para Freire, a educao um ato
poltico. Ela, por conter uma intencionalidade sempre, jamais ser neutra. Estar contribuindo para reforar um
projeto de sociedade j existente ou para construir um novo projeto.
Como experincia especificamente humana, a educao uma forma de interveno no mundo [...]. No
posso ser professor se no percebo cada vez melhor que, por no ser neutra, minha prtica exige de mim uma
definio. Uma tomada de posio. Deciso. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto ou aquilo. No posso
ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de no importa o qu [...]. Quando falo em educao como
interveno, me refiro tanto que aspira a mudanas radicais, na sociedade, no campo da economia, das relaes
humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, a terra, educao, sade, quanto que, pelo contrrio,
reacionariamente pretende imobilizar a Histria a manter a ordem injusta. (FREIRE, 1997, p.110-115, 123).
Quando falamos em poltica necessrio nos distanciarmos do senso comum poltica como conduta
duvidosa, no muito confivel, um tanto secreta, cheia de interesses particulares dissimulados e freqentemente
contrrios aos interesses gerais da sociedade e obtidos por meios ilcitos ou ilegtimos e resgatar nos gregos seu
sentido originrio.
Segundo Chau (2001, p.371), a palavra poltica grega: ta politika, vinda de polis. Polis a Cidade,
entendida como a comunidade organizada, formada pelos cidados (politikos), isto , pelos homens nascidos no
solo da Cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionveis, a isonomia (igualdade perante a lei) e a
isegoria (o direito de expor e discutir em pblico opinies sobre aes que a Cidade deve ou no deve realizar). Os
filsofos gregos, por essncia, tratam a poltica como um valor e no como um simples fato, considerando a
existncia poltica como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, entendida como racional, feliz e
justa, prpria dos homens livres. Para a construo desta vida boa, da cidade justa defendiam, como Paulo Freire,
a educao dos cidados.
Desde a primeira infncia, a polis deve tomar para si o cuidado total das crianas, educando-as para as
funes necessrias Cidade (CHAU, 2001, p.372). Percebemos que impossvel negar a natureza poltica do
processo educativo, sendo impossvel separar a educao poltica do poder. Como afirma Torres, ao discutir a
natureza poltica e ideolgica em Freire, a educao no forma sujeitos em geral, forma sujeitos para uma
determinada sociedade, para um determinado sistema social, para a incorporao de determinados valores. A
educao no seria para Freire um processo de manipulao, mas ela tampouco tem a aspirao ingnua de
desenvolver um ato educativo objetivo, tcnico e a-poltico. (TORRES,1997, p.188).
Assim no podemos nos esquecer de nossa atividade poltica e sermos coerentes com ela,
conscientizando e atuando, pensando na preservao das estruturas que englobam o desenvolvimento
sustentvel.
Para isso, o educador Paulo Freire nos ofereceu um importante instrumento de trabalho, uma metodologia
fundada na Leitura do Mundo. Esta ser nossa preocupao neste captulo: mostrar o que significa Ler o Mundo
em Paulo Freire.
A IMPORTNCIA DO ATO DE LER E CONHECER O MUNDO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
No livro "A importncia do ato de ler" Paulo Freire (1989) trabalhou a relao entre Leitura do mundo e
leitura da palavra. Na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura em Campinas nos mostra que a leitura do
mundo precede a palavra.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, da que a posterior leitura desta no pode prescindir da
continuidade da leitura daquele (A palavra que eu digo sai do mundo que estou lendo, mas a palavra que sai do
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mundo que eu estou lendo vai alm dele). [...] Se for capaz de escrever minha palavra estarei, de certa forma
transformando o mundo. O ato de ler o mundo implica uma leitura dentro e fora de mim. Implica na relao que eu
tenho com esse mundo. (FREIRE, 1989, p.11-24).
A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreenso da importncia do ato de ler, de
escrever ou de reescrev-lo, e transform-lo atravs de uma prtica consciente. Isso ele nos mostra atravs de sua
experincia de quando nos primeiros anos aprendeu a ler em sua prpria casa, rodeado de rvores e animais. Na
sua prpria alfabetizao, no cho do quintal da sua casa, sombra das mangueiras, a leitura da palavra estava
colada ao seu mundo de tal forma que a leitura da palavra acabava sendo uma leitura da "palavramundo". No se
trata, ento, apenas de pronunciar a palavra. Trata-se de pronunciar o mundo.
Nesse contexto, "a leitura da palavra no apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa
forma de 'escrev-Io' ou de 'reescrev-Io', quer dizer, de transform-Io atravs de nossa prtica consciente"
(FRElRE, 1989, p.20). Nesse processo de leitura e de releitura do mundo, de leitura e de releitura da palavra, uma
leitura mais critica do mundo e da palavra forma o sujeito, que constri uma viso de mundo e que pode, a partir
desta viso, no apenas v-Io, entend-Io melhor, mas pode, assim fazendo, entender melhor como ele pode
mudar pela sua ao.
Segundo Antunes (2002) o tema da Leitura do Mundo em Paulo Freire no processo educativo e na
formulao da sua concepo de educao aparece ao longo de toda a sua obra.
No ltimo livro que publicou em vida, "Pedagogia da autonomia", Paulo Freire afirma: Como educador preciso ir
'lendo' cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto
imediato e do maior de que este parte [...] no posso de maneira alguma, nas minhas relaes polticopedaggicas com os grupos populares,desconsiderar seu saber de experincia feito. Sua explico do mundo de
que faz parte a compreenso de sua prpria presena no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou
escondido no que chamo de 'leitura do mundo' que precede sempre a 'leitura da palavra'. (FREIRE
apud ANTUNES, 2002, p.57).
Nas "Concluses" de sua tese de concurso, a que deu o ttulo "Educao e atualidade brasileira" para a
cadeira de Histria e Filosofia da Educao na Escola de Belas-Artes de Pernambuco (1959) Paulo Freire destaca:
Analisando o desenvolvimento de nosso trabalho parece-nos licito chegar s seguintes concluses: a) Que, para
ter fora instrumental, para ser agente de los cambios sociales', na expresso de Mannheim necessrio ao
processo educativo estabelecer relao de organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica. b) Que
essa relao de organicidade implica um conhecimento crtico da realidade para que s assim possa ele se
integrar com ela e no a ela se superpor [...]. g) Que a transitividade ingnua precisa ser promovida pela educao
crtica, a qual, fundando-se na razo, no de significar uma posio racionalista, mas uma abertura do homem,
atravs de que, mais lucidamente, veja seus problemas. Posio que implica a libertao do homem de suas
limitaes, pela conscincia dessas limitaes. (FREIRE apud ANTUNES, 2002, p.58).
Percebemos que para Paulo Freire, o processo educativo ser autntico, fundamental a relao de
organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica. O processo educativo implica a sua integrao com
as condies do tempo e do espao a que se aplica para que possa alterar essas mesmas condies. Se no h
integrao, o processo se faz inorgnico, superposto e inoperante.
Por isso mesmo que falamos tanto, em termos tericos, na necessidade de uma vinculao da nossa
escola com sua realidade local, regional e nacional, de que haveria de resultar a sua organicidade e continuamos,
na prtica, a nos distanciar dessas realidades todas e a nos perder em tudo o que signifique anti-dilogo, antiparticipao, anti-reponsabilidade. Anti-dialgo do nosso educando com sua realidade, anti-participao do nosso
educando no processo de sua educao. Anti-responsabilidade a que se relega o educando na realizao de sua
prpria vida. De seu prprio destino (FREIRE apud ANTUNES, 2002, p.89 ).
Como percebemos aprender um ato de conhecimento da realidade concreta, isto , da situao real
vivida pelo educando e s tem sentido se resultar de uma aproximao crtica dessa realidade. No possvel,
para Paulo Freire, que o conhecimento seja esforo intelectual que uns faam e transmitam para outros. Ela uma
construo coletiva, feita com a multiplicidade das vises daqueles que o vivem. O desvelamento da realidade
implica na participao daqueles que dela fazem parte, de suas interpretaes em relao ao que vivem como
afirma Paulo Freire: qualquer esforo de educao popular [...] deve ter um objetivo fundamental: atravs da
problematizao do homem-mundo ou do homem em suas relaes com o mundo e com os homens, possibilitar
que estes aprofundem sua tomada de conscincia da realidade na qual e com a qual esto. (FRElRE, 1982, p.33).
Observamos que no basta ler o contexto em que vivemos, preciso tambm ler o nosso estar sendo inserido
nesse contexto, ou seja, considerar as dimenses individual e social.
Minha compreenso do mundo, meus sonhos sobre o mundo, meu julgamento a respeito do mundo, tendo,
tudo isso, algo de mim mesmo, de minha individualidade, tem que ver diretamente com a prtica social de que
tomo parte e com a posio que nela ocupo. Preciso de tudo isso para comear a perceber como estou sendo.
No me compreendo se trato de me entender luz apenas do que penso ser individualmente ou se, por outro lado,
me reduzo totalmente ao social. Da a importncia da subjetividade em que se gera. (FREIRE, 1990, p.29).
Percebemos que compreender o mundo em Paulo Freire compreender como estou sendo no somente
individualmente, mas tambm coletivamente da a importncia de se lidar com o equilbrio desta relao. Freire
afirma: Tem-se que aprender a lidar com esta relao. Ao formular uma teoria da educao, no se deve negar o
social, o objetivo, o concreto, o material nem acentuar apenas o desenvolvimento da conscincia individual. Ao
compreender o papel da objetividade, deve-se, igualmente, estimular o desenvolvimento da dimenso individual.
(FREIRE, 1990, p.30).
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Paulo Freire buscava, com clareza, o dilogo entre a dimenso individual e social. Ele vivia a tenso
dialtica entre a conscincia psicolgica individual e a conscincia social, entre a subjetividade e a objetividade. "A
prtica de pensar a prtica", ou seja, a leitura do meu estar sendo no mundo, o sentido do que venho fazendo,
mais do que uma abordagem acadmica, vivncia de seu prprio pensamento.
O que Paulo Freire valorizava para a construo do conhecimento atravs do cotidiano das pessoas
tambm o fazia em sua prtica. O seu discurso, sua teoria, era confrontado com sua prtica permanentemente,
buscando a coerncia entre o que defendia e o que vivia. Mas, mais do que isso, buscando a sua permanente
superao, exercendo sua vocao de "ser mais", humanizando- se continuamente.
Em seu pensamento a Leitura do Mundo consistiu um caminho para a humanizao, para o ser humano
"ser mais", contribuindo para desvelar a realidade opressora e estabelecer o compromisso com uma educao
transformadora. A educao, por si mesma, no transforma o mundo, mas se ela "no a alavanca da
transformao social", como sustenta Paulo Freire, ela pode se constituir em fator importante desta transformao,
pois ela educa aqueles e aquelas que promovero a transformao. Por isso, Paulo Freire consagrou toda sua vida
a ela. Na verdade, tudo o que ele escreveu faz parte de um projeto dedicado a mostrar como a educao pode ser
libertadora, como se pode fazer "educao como prtica da liberdade". Seus livros Pedagogia do oprimido,
Pedagogia da esperana, Pedagogia da autonomia e outros, todos eles centram se nesta misso que deu para
sua vida: demonstrar que a educao tem um papel poltico e que, se ela pode ser um instrumento de dominao,
pode tambm ser um instrumento de libertao.
A Leitura do Mundo como etapa fundamental dessa educao como prtica da liberdade que desenvolve
em ns a postura filosfica permanente de nos perguntarmos: O qu? Por qu? Para quem? pode proporcionar o
mergulho na compreenso do contexto em que vivemos, tirar-nos da apatia da imobilidade, da iluso do senso
comum e orientar-nos para o caminho do combate aos efeitos perversos da globalizao capitalista e de
construo do sonho do desenvolvimento sustentvel.
A realidade em que estamos inseridos exige um novo significado para a educao, que seja compartilhada
com os milhares de excludos, que os fortalea, que, diferente do mundo globalizado sob a tica do mercado adote
a "tica universal do ser humano" (FREIRE, 1997). A educao necessria em tempos de excluso aquela que l
o mundo e elege o ser humano, que contribui para criar condies locais, nacionais e mundiais para a globalizao
dos direitos, da integrao cultural, da democratizao do acesso s conquistas da humanidade, da cidadania, do
desenvolvimento sustentvel.
Observando a concepo de educao de Paulo Freire em nosso trabalho percebemos que o
desenvolvimento sustentvel est fortemente marcado pelo esprito freireano: ler o texto sem romper com o
contexto, a viso de que a educao um ato dialgico e um ato poltico de conscientizao, que para a
transformao social necessria relao entre micro e macrossocial, ou seja, do local em escala para o global
e a influncia de seu pensamento que atravs do Instituto Paulo Freire, o apoio do Conselho da Terra e UNESCOBrasil elaboraram "A Carta da Ecopedagogia" exposta por Gadotti (2007):
1. Nossa Me Terra um organismo vivo e em evoluo. O que for feito a ela repercutir em todos os seus filhos.
Ela requer de ns uma conscincia e uma cidadania planetrias, isto , o reconhecimento de que somos parte da
Terra e de que podemos perecer com a sua destruio ou podemos viver com ela em harmonia, participando do
seu devir.
2. A mudana do paradigma economicista condio necessria para estabelecer um desenvolvimento com
justia e eqidade. Para ser sustentvel, o desenvolvimento precisa ser economicamente factvel, ecologicamente
apropriado, socialmente justo, includente, culturalmente eqitativo, respeitoso e sem discriminao. O bem-estar
no pode ser s social; deve ser tambm scio-csmico.
3. A sustentabilidade econmica e a preservao do meio ambiente dependem tambm de uma conscincia
ecolgica e esta da educao. A sustentatibilidade deve ser um princpio interdisciplinar reorientador da educao,
do planejamento escolar, dos sistemas de ensino e dos projetos poltico-pedaggicos da escola. Os objetivos e
contedos curriculares devem ser significativos para o(a) educando(a) e tambm para a sade do planeta.
4. A ecopedagogia, fundada na conscincia de que pertencemos a uma nica comunidade da vida, desenvolve a
solidariedade e a cidadania planetrias. A cidadania planetria supe o reconhecimento e a prtica da
planetaridade, isto , tratar o planeta como um ser vivo e inteligente. A planetaridade deve levar-nos a sentir e viver
nossa cotidianidade em conexo com o universo e em relao harmnica consigo, com os outros seres do planeta
e com a natureza, considerando seus elementos e dinmica. Trata-se de uma opo de vida por uma relao
saudvel e equilibrada com o contexto, consigo mesmo, com os outros, com o ambiente mais prximo e com os
demais ambientes.
5. A partir da problemtica ambiental vivida cotidianamente pelas pessoas nos grupos e espaos de convivncia e
na busca humana da felicidade, processa-se a conscincia ecolgica e opera-se a mudana de mentalidade. A
vida cotidiana o lugar do sentido da pedagogia pois a condio humana passa inexoravelmente por ela. A
ecopedagogia implica numa mudana radical de mentalidade em relao qualidade de vida e ao meio ambiente,
que est diretamente ligada ao tipo de convivncia que mantemos com ns mesmos, com os outros e com a
natureza.
6. A ecopedagogia no se dirige apenas aos educadores, mas a todos os cidados do planeta. Ela est ligada ao
projeto utpico de mudana nas relaes humanas, sociais e ambientais, promovendo a educao sustentvel
(ecoeducao) e ambiental com base no pensamento crtico e inovador, em seus modos formal, no formal e
informal, tendo como propsito a formao de cidados com conscincia local e planetria que valorizem a
autodeterminao dos povos e a soberania das naes.
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7. As exigncias da sociedade planetria devem ser trabalhadas pedagogicamente a partir da vida cotidiana, da
subjetividade, isto , a partir das necessidades e interesses das pessoas. Educar para a cidadania planetria
supe o desenvolvimento de novas capacidades, tais como: sentir, intuir, vibrar emocionalmente; imaginar,
inventar, criar e recriar; relacionar e inter-conectar-se, auto-organizar-se; informar-se, comunicar-se, expressar-se;
localizar, processar e utilizar a imensa informao da aldeia global; buscar causas e prever conseqncias; criticar,
avaliar, sistematizar e tomar decises. Essas capacidades devem levar as pessoas a pensar e agir
processualmente, em totalidade e transdisciplinarmente.
8. A ecopedagogia tem por finalidade reeducar o olhar das pessoas, isto , desenvolver a atitude de observar e
evitar a presena de agresses ao meio ambiente e aos viventes e o desperdcio, a poluio sonora, visual, a
poluio da gua e do ar etc. para intervir no mundo no sentido de reeducar o habitante do planeta e reverter a
cultura do descartvel. Experincias cotidianas aparentemente insignificantes, como uma corrente de ar, um sopro
de respirao, a gua da manh na face, fundamentam as relaes consigo mesmo e com o mundo. A tomada de
conscincia dessa realidade profundamente formadora. O meio ambiente forma tanto quanto ele formado ou
deformado. Precisamos de uma ecoformao para recuperarmos a conscincia dessas experincias cotidianas. Na
nsia de dominar o mundo, elas correm o risco de desaparecer do nosso campo de conscincia, se a relao que
nos liga a ele for apenas uma relao de uso.
9. Uma educao para a cidadania planetria tem por finalidade a construo de uma cultura da sustentabilidade,
isto , uma biocultura, uma cultura da vida, da convivncia harmnica entre os seres humanos e entre estes e a
natureza. A cultura da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que realmente sustentvel em
nossas vidas, em contato com a vida dos outros. S assim seremos cmplices nos processos de promoo da vida
e caminharemos com sentido. Caminhar com sentido significa dar sentido ao que fazemos, compartilhar sentidos,
impregnar de sentido as prticas da vida cotidiana e compreender o sem sentido de muitas outras prticas que
aberta ou solapadamente tratam de impor-se e sobrepor-se a nossas vidas cotidianamente.
10. A ecopedagogia prope uma nova forma de governabilidade diante da ingovernabilidade do gigantismo dos
sistemas de ensino, propondo a descentralizao e uma racionalidade baseadas na ao comunicativa, na gesto
democrtica, na autonomia, na participao, na tica e na diversidade cultural. Entendida dessa forma, a
ecopedagogia se apresenta como uma nova pedagogia dos direitos que associa direitos humanos econmicos,
culturais, polticos e ambientais - e direitos planetrios, impulsionando o resgate da cultura e da sabedoria popular.
Ela desenvolve a capacidade de deslumbramento e de reverncia dianteda complexidade do mundo e a vinculao
amorosa com a Terra. (GADOTTI, 2007, p.19-20).
Esta ecopedagogia, inspirada na concepo pedaggica de Paulo Freire, nos leva a um novo paradigma
longe do atropocentrismo e preocupada com o cosmocentrimo, o qual o equilbrio e o respeito a sustentabilidade
da diversidade de toda a criao o mais importante. Como diz Gadotti: As pedagogias clssicas eram
antropocntricas. A ecopedagogia parte de uma conscincia planetria (gnero, espcie, reinos, educao formal,
informal e no-formal). Ampliamos o nosso ponto de vista. Do homem para o planeta, acima de gneros, espcies
e reinos. De uma viso antropocntrica para uma conscincia planetria e para uma nova referncia tica.
(GADOTTI, 2007, p.4).
Percebemos, no decorrer deste trabalho, que o conceito de educao como processo de transformao do
homem e do mundo conduz a obra de Paulo Freire para alm da pedagogia, avanando para os campos da
economia, poltica, cincias sociais e tambm das causas ambientais, da sustentabilidade. Ao dedicar-se
educao popular, de trabalhadores, especialmente camponeses, homens e mulheres do campo, afeitos ao
manejo rural, ligados terra, ele estimula uma conscincia, acima de tudo, de interao e convivncia harmnica
entre todos e seu meio.
Observamos esta postura de Freire no depoimento dado a Edney Silvestre, em NY, abril de 1997,
publicado em seu livro Os Contestadores... e transcrito no livro de Paulo Freire, Pedagogia da Intolerncia, p. 20,
organizado e apresentado por Ana Maria Arajo Freire: "Eu gostaria de ser lembrado como algum que amou o
mundo, as pessoas, os bichos, as rvores, a terra, a gua, a vida." (FREIRE, 2005, p.20).
Percebemos que este sentimento amoroso de Paulo Freire por tudo e por todos traz uma abordagem de
sustentabilidade em sua obra, que se expressa e nos inspira na capacidade de fazer de cada um responsvel pela
transformao da sua realidade, inclusive do ponto de vista do desenvolvimento sustentvel. Na viso freireana o
verdadeiro desenvolvimento sustentvel no seria uma adaptao a um sistema capitalista injusto e sim uma
transformao amorosa da realidade a partir do local para o global.