O Corpo Na Idade Media e Na Renascença

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Na Idade Mdia a histria do corpo passa pelo universo religioso e pela maneira como a Igr

e pelo texto escrito ou a imagem, influenciam os comportamentos, propem modelos que


fiis que vivem seu corpo em relao com o religioso e o sagrado.

O corpo exaltado em sua materialidade e em sua concepo alegrica, o corpo poltico,


concepo religiosa do corpo, a medicina antiga e os saberes populares contrapostos

cincia moderna que recorre ao imaginrio da mecnica, da fsica e da qumica da poca, qu


investiga o interior do corpo, a circulao, a estrutura e a fora das fibras.

Na Renascena d-se a emergncia do corpo moderno - um corpo cujos atributos s

imaginados independentemente da influncia dos planetas, das foras ocultas ou do


amuletos.

No que desapaream, longe disto, as referncias sagradas. Mas um conflito de cultura s


aviva com a Renascena, onde o corpo se singulariza em toda a sua autonomia.

Acrescenta-se ainda um intenso trabalho da modernidade sobre as fronteiras do si mesmo, a

pulses, os desejos: controle da polidez e da sociabilidade, polimento das violncias, auto


vigilncia dos gestos no universo do ntimo.

Uma acentuao da emancipao individual equilibra uma acentuao das imposie

colectivas. O corpo ocupa um lugar no espao. E ele mesmo um espao que possui seu
desdobramentos: a pele, as ondas sonoras da voz, a aura da perspirao.

Esse corpo fsico, material, pode ser tocado, sentindo, contemplando. Ele esta coisa que o
outros vem, sondam em seu desejo. Ele desgasta-se com o tempo. um objeto de cincia.

Os cientistas o manuseiam e o dissecam; medem sua massa, sua densidade, seu volume, su

temperatura; analisam seu movimento; transformam-no. Mas o corpo dos anatomistas ou do


fisiologistas radicalmente diferente do corpo do prazer ou da dor.

Estamos em nosso corpo e no podemos deix-lo. Essa co-presena constante connosc

mesmos d base a uma das interrogaes fundamentais dos idelogos. O sujeito-o eu - exis
somente encarnado; nenhuma distncia pode se constitui entre ns e nosso corpo.

Todavia, o corpo trascende o eu a toda hora no - ou pelo - sono, na fadiga, na possesso, n

xtase, na morte. Ele ser, futuramente, um cadver. Por tudo isso, a tradio filosfic
antiga o entende como priso da alma, como um tmulo.

Falar da histria do corpo equivale a olhar tudo que cerca o indivduo e o contextualiz

Estamos, definitivamente, diante de um tema de infinitas propores. Na histria do corp


revela-se o universo cultural, religioso, social e econmico do indivduo e da sociedade.
A histria do corpo a histria da prpria vida humana.

O Homem Metafsico da Renascena


Agora a sociedade ocidental ficaria longos sculos sob a tutela da Igreja
Catlica. A Roma crist transfigurou-se numa instituio religiosa
totalitria e dogmtica, cuja funo era substituir o antigo Estado no
controle social e domar as feras brbaras que buscavam refgio nas terras
mais prsperas do Ocidente.
As inteligncias brilhantes desapareceram por um longo perodo de
cativeiro rural e cederam espao para as mentes mais perversas e
medocres, protegidas por um grande sistema poltico-sacerdotal.
A razo estava sob vigilncia policial constante, pois era vista como a
responsvel pela situao de castigos e punies que Deus havia
estabelecido na Terra.

O Demnio, antes uma mera faceta neutra da personalidade humana,


assume agora ares de entidade de grande importncia, tanto no imaginrio
popular quanto na teologia da classe sacerdotal. De simples figurante no
cenrio da mitologia celeste, Sat passa a ter um papel de grande destaque
no enredo histrico das misrias humanas. Ele ser a figura central do
episdio do Pecado Original e este a base de toda a estrutura de
manipulao e escravizao da conscincia humana. A inteligncia integral
est acuada. Para as pessoas de talento e imaginao frtil no h outra
alternativa seno ingressar nas lides do sacerdcio para fugir da
marginalizao.
Mesmo assim, havia riscos gravssimos para a integridade fsica e
psicolgica. Viver nesse momento histrico era perigoso; pensar poderia
ser fatal. Nessa poca, na chamada Idade Mdia, o mundo ocidental estava
isolado por dois inimigos bem definidos: um inimigo externo, projectado
nas ameaas polticas e ideolgicas das civilizaes bizantina e
muulmana, contaminadas pelas heresias e pela infidelidade; e um inimigo
interno, projetado na figura mitolgica de Sat, que assumia todas as culpas
das desgraas naturais e conseqncias nefastas dos atos humanos,
causadas pelas idias pecaminosas.
A Inquisio e o Tribunal do Santo Ofcio foram criados nos moldes
totalitrios romanos exactamente para funcionar como anticorpos polticos
desse universo obscuro.
O Homem Lgico-racional no existe mais e dele s restaram lembranas e
algumas experincias que foram incorporadas na prtica social, como as do
Homem Biolgico e do Homem Teolgico. As lembranas mais
significativas do Homem Lgico-racional foram depositadas nos livros e
estes se tornaram segredos guardados a setes chaves nos mosteiros
medievais. Apenas algumas mentes privilegiadas tinham acesso a essas
preciosidades e, quando conveniente, esses conhecimentos eram

criminosamente adulterados pelos copistas engajados na nova ordem


teocntrica.
O feudalismo foi sendo corrodo pela fome, pela peste, pelas guerras e
tambm pela fora expansionista do capitalismo nascente. Os duzentos
anos em que se empreenderam as Cruzadas foi o ponto de apoio para o
surgimento de uma nova mentalidade que iria quebrar o isolamento da
Europa.
O comrcio, comandado pela cultura pragmtica dos judeus e logo
assimilada pelo desejo de prosperidade da pequena burguesia, daria ao
mundo ocidental um novo tipo humano, liberto dos dogmas e dos pesadelos
da razo.
o Homem Metafsico, o renascimento e ao mesmo tempo a ressurreio
do Homem Racional, trazendo consigo o acrscimo das marcas do universo
mgico pr-histrico e o misticismo teolgico das primeiras civilizaes.
Se a Itlia havia sido cenrio da morte da Razo ela tambm seria o palco
da volta carne e do ressurgimento de um novo ser, agora transformado e
mais experiente. Este o ser tpico da longa transio do feudalismo para o
capitalismo, uma dos mais empolgantes momentos da trajetria humana,
cujos prottipos encontramos mais tarde em figuras geniais da Ranascena.
Leonardo da Vinci busca decifrar os enigmas da perfeio humana; Rafael
de Snzio, Michelngelo, El Grecco e Caravaggio deixam-se levar pela
intuio e pintam as mais belas expresses da nossa imagem e semelhana
com Deus; Shakspeare desvenda o psiquismo nos conflitos dos seus
clebres personagens consigo mesmos; Lus de Cames - a quem Erasmo
de Roterdo deu a honra de aprender portugus para ler seus texto no
original - canta como Homero, a inquietao dos lusitanos em diminuir as
distncias geogrficas do planeta; Jan Huss e Giordano Bruno perdem as
suas existncias, mas salvam suas vidas em nome da liberdade de

conscincia; Guttemberg e Aldo Manzio enchem os olhos humanos de


cultura e conhecimento com suas letras impressas em livros; Miguel de
Servet estuda vidamente a mquina do corpo humano; Kepler , Galileu,
Isaac Newton observam, deslumbrados, a grandeza e a perfeio do
Cosmos; Comnius preocupa-se com os mistrios que rondam o universo
da infncia, no tocante ao problema do ensino e da aprendizagem. Todos
eles e muitos outros, cada qual no seu campo de conhecimento e de atuao
social, causariam profundas mudanas no meio em que viveram, avanando
mais alguns graus na verticalizao da conscincia. Dentre todos, Leonardo
da Vinci foi talvez o mais inquieto, aquele que buscava a verdade sob os
mais diversos aspectos e caminhava em mo dupla: aquilo que no podia
compreender atravs da pesquisa transformava-se em expresso artstica e
vice-versa. Sua viso metafsica do ser humano, bem como e seu fascnio
tecnolgico e esttico pela nossa mquina fsica, podem ser admirados
tanto nos quadros, quanto nos ensaios registrados em vrios manuscritos
Num trecho Leonardo revela sua inequvoca intuio sobre o papel do
crebro e sua funo de instrumento de comando, pela mente, de todas as
atividades orgnicas:
Os tendes, com seus msculos, servem aos nervos como os soldados
servem aos seus chefes; e os nervos servem ao sensorium commune[2]
como os chefes a seus capites; e o sensorium commune serve alma como
o capito ao seu senhor. Assim, por conseguinte, a articulao dos ossos
obedece ao tendo, e o tendo ao msculo, e o msculo ao nervo, e o nervo
ao sensorium commune, e o sensorium commune a sede da alma, a
memria seu monitor, e a faculdade de receber impresses serve como seu
padro de referncia.
[

Atravs de ousadas incurses tericas feitas por esses gnios da


Renascena, a perspectiva racional foi enriquecida pela viso metafsica e
pela possibilidade de acesso, ainda que restrito, aos mistrios do mundo
oculto, alm da matria densa. claro que esse preo foi pago pela ousadia
e pela inteligncia de alguns poucos que possuam, numa sociedade ainda
obscura e profundamente desigual, as caractersticas do mundo do futuro.
Muitos pagaram esse preo com a prpria existncia, como se devessem
testemunhar a imortalidade que traziam estampada em suas obras, com o
prprio sangue. Foi desse momento emblemtico da Histria humana que
mais tarde sairiam os mais importantes conceitos de tica e liberdade
delineados pelos filsofos iluministas. Eles eram os seres de transio do
Homem Metafsico da Idade Moderna para o Homem Positivo da Era
Contempornea.

A Antiguidade apareceu para o Renascimento de maneira muito particular.


Por um lado, a Antiguidade emergiu em pedaos, fragmentos de esttuas e
runas arquitectnicas. Corpos sem braos, narizes, cabeas, torsos avulsos
e capitis eram desenterrados da terra fria.
Estes pedaos de corpos e edifcios eram como relquias, isto , guardavam
uma relao de contiguidade com o todo do qual foram parte. Eram
pedaos que haviam tocado a Antiguidade, que tinham feito parte integral
daquela poca. como o pedao da cruz, guardado como relquia. Ele tem
valor devocional porque este pedao fez parte da cruz total e a cruz tocou
Jesus.
Assim, o fragmento clssico guarda uma relao metonmica com a
Antiguidade. Por outro lado, tambm guardavam uma relao metafrica,
isto , tratava-se de uma relao de representao os fragmentos eram

imagens da Antiguidade. O projeto renascentista pode ser descrito, ainda


que com considervel falta de sutileza, como o preenchimento do espao
entre os fragmentos e pedaos de corpos. muito interessante acompanhar
as hipteses de recolocao de braos nas esttuas gregas ao longo da
histria: uma narrativa de conjecturas, projees e enxertos.

O corpo na idade mdia era percebido como centro dos acontecimentos,


mas mantinha-se soterrado pela idolatria divina.
A moral crist tolhia qualquer tipo de prtica corporal que visasse o culto
ao corpo, pois o mesmo poderia tornar a alma, sagrada, em impura.
Na Renascena, o significado passa a ter bases cientficas, servindo de
objeto de estudos e experincias, no qual a disciplina e o controle corporal
eram preceitos bsicos; todas as actividades fsicas relacionadas ao corpo
eram prescritas por um sistema de regras rgidas, visando sade corprea.

A maioria dos historiadores e pesquisadores da moda, baluartes da pesquisa


sobre o tema, concordam em datar o surgimento da Moda no Perodo
Renascentista.
Durante o Renascimento (meados do sculo XIV) o mundo que vivia e
enaltecia a tradio passa a dignificar a mundanidade, o novo, e assim, seus
objetos de desejo no esto mais alocados no tempo dos ancestrais, no
passado. A cultura e a sociedade passam a glorificar a experincia daqueles
que vivem no tempo presente. A unidade individual o indivduo
construda simultneamente moda, ambas se expandiro at o momento
da Revoluo Francesa e a queda do antigo regime e neste perodo sofrero
mudanas radicais.

Seguindo a histria e os historiadores da moda podemos denominar o


perodo anterior a renascena de Eras do Costume momento histrico
relacionado a permanncia, a tradio e a organizao do mundo em planos
religiosos.
possvel portanto, historizar o nascimento da moda (segunda metade do
sculo XIV) como fenmeno que vai alm do vesturio, estando ligada ao
gosto e a fabricao constante da novidade, tambm possvel destac-la
como um processo do nascimento e desenvolvimento do mundo moderno
ocidental.
O culto ao novo e a ateno voltada para as expresses individuais
roubaram a cena de uma sociedade coesa por ideais ligados a tradies
grupais, e isto foi sem dvida explicado no vesturio, que encarnaria a
partir de ento o lugar da novidade, do efmero e tambm do moderno e da
escolha individual.
Notadamente no sculo XIV assistiu-se a proliferao de uma elaborao
maior nas formas do vesturio, o qual abandonou gradualmente o perodo
das roupas drapeads enroladas no corpo, como as das civilizaes Grega
e Romana aprimorando cada vez mais a modelagem e a idia do
desenvolvimento de uma roupa feita a medida do corpo. Este mesmo corpo
ser o objeto de humanismo e das artes na Renascena em sua trajetria
que remontou o perodo Clssico e seus ideais de beleza fsica, este corpo
ainda o lugar do discurso individualista que desejar demonstrar status,
beleza, poder, sabedoria atravs da roupa que o cobrir.
Nos sculos XV e XVI, neste ltimo principalmente, usar roupas
ultrapassadas j era um motivo que podia gerar um mau julgamento social,
a popularizao de livros que descreviam os trajes da poca em regies
variadas da Europa tambm contribuir para acelerar o gosto pelo novo e o
processo de moda.
Na alta hierarquia real, roupas suntuosas eram trocadas com uma

velocidade jamais vista, tentar copi-las era alm de uma vontade, quase
uma obrigao. O desejo pelo novo passou a fazer parte dos anseios do
perodo e era representado por aquilo que os monarcas vestiam. Ningum
mais queria usar a indumentria de seus ancestrais e relacionar-se com o
passado, era preciso imitar modelos existentes no presente e com eles
atualizar-se e ocupar um lugar naquele espao social. Simultaneamente,
afrontados pelo crescimento e enriquecimento da burguesia e pela lgica do
novo que fazia com que a sociedade, pelo menos tentasse copiar a realeza,
reis e rainhas criaram uma srie de Leis Sunturias no perodo que
compreendeu o sculo XIV at o sculo XVIII. Estas leis foram tentativas
de limitar as imitaes, demarcando o que cada indivduo poderia ou no
vestir. Estes atos institucionais buscavam preservar a hierarquia social que
sentia-se ameaada pelo fausto burgus, j que, em muitos casos o
vesturio da alta burguesia se igualava ao da alta nobreza. Pela primeira
vez na histria era possvel ser nobre utilizando uma outra estratgia que
no a prpria nobreza, e era possvel ser nobre atravs do uso da roupa, era
possvel passear na alta hierarquia, mesmo quando no se fazia parte dela.
A sada do mundo da tradio e a entrada em um universo em que se deseja
o novo redesenham o espao social. a vontade prpria, o exerccio do
gosto pessoal, cumprimento de anseios particulares que rendero um lugar
no presente.
Durante milnios anteriores ao sculo XIV e XV s vida coletiva transcorria
sem as mudanas, sem constar com a instabilidade tpica da moda. Isto no
implica dizer que no houvesse o gosto pelo belo ou mesmo algumas
modificaes no vesturio, mas foi no final da Idade Mdia tardia e no
Renascimento passagem da Era do Costume para Era da Moda que
podemos verificar a moda surgindo e movimentando-se com uma lgica
prpria, relacionada a mudanas incessantes na estrutura da roupa, no
comportamento, na circulao e na significao que o novo uso adquire a

cada instante. Modas de vestir e modos de agir esto interligados e so


inseparveis. Durante este mesmo perodo histrico, o homem que falava
da alma passa a discursar sobre seu prprio corpo. No Renascimento, a
sociedade apesar de constituir-se em uma cultura religiosa, j no enxerga
os homens como seres impotentes face aos desgnos de Deus. O homem
percebido naquele momento como a criao mxima de um Deus que o
constituiu sua imagem e semelhana.
Se nas artes as formas eram desnudadas e matematicamente estudadas para
serem representadas com exactido em msculos, contraces e veias como
expresso mxima da grandeza divina, na vida quotidiana as roupas
diferenciavam e descobriam os sexos.
Homens e mulheres abandonaram as vestes clericais (relativo ao Clero)
usadas durante toda Idade Mdia.
No masculino o novo traje composto pelo gibo (espcie de colete
ajustado) e pelo calo curto, o qual possua uma abertura frontal
descoberta, o que tornava a utilizao do codpiece (tapa-sexo), usado de
forma externa, obrigatria. Alm disso, as pernas, antes escondidas, esto
agora mostra, evidenciadas por meias coloridas cada vez mais ajustadas.
As roupas so acolchoadas. Nos ombros, almofadas fazem as vezes de
ombreiras e do lateralidade a figura masculina, no peito enchimentos
desenham o trax viril.
No feminino novas formas so tambm construdas. A cintura cada vez
mais evidenciada, as saias ganham roda e demarcam o espao dos quadris,
os decotes se abrem em um contorno quadrado e exibem o colo de forma
jamais vista.
Todas as formas da Renascena parecem se alargar. A silhueta passa a ser
espaosa, lateral, volumosa. Roupa e acessrios tem um novo trao: os
sapatos pontudos do lugar a modelos quadrados, chamados de bico de
pato, os chapus em forma de cones so substitudos por penteados baixos

ou boinas chatas.
O corpo, no enunciado nas formas das vestimentas monsticas, colocado
em destaque e passa a ser construdo sucessivamente por um sistema que
engedra os novos modos e modas que surgiro, sem cessar, partir de ento,
a ordem da prpria moda, que ultrapassa o limite da roupa e se expande
no comportamento.
A moda agora, uma afirmao do indivduo, uma das maneiras de situlo no seu tempo, de fazer com que ele compartilhe do presente junto a
alguns de seus pares.
Durante o momento da Contra-Reforma Religiosa, notadamente na segunda
metade do sculo XVI, o vesturio inicia seu percurso em torno da
construo de um outro corpo. Da abertura dos decotes femininos e da
lateralidade viril masculina pouco restar. A influncia religiosa espanhola
traz para a moda cores escuras, pesadas e armaes circulares chamadas de
Farthingale para dar volume as saias e imensas golas redondas chamadas de
Rufos circundam o pescoo de ambos os sexos, limitando os movimentos.
A nova ordem exibir atravs da roupa um prestgio duro, temvel.
Deus surge novamente nas formas da moda, mas estas jamais voltam a ser
clericais, pelo contrrio, elas so luxuosas, adornadas mas apresentam-se
fechadas, esticadas, enclaustrantes. Todavia, mesmo em um tempo de
pecado e heresias sob a viglia das fogueiras, homem e mulher
continuavam radicalmente diferenciados pelas normas da vaidade e da
moda.
Outros factores histricos ocorreram tendo a moda entrelaada em suas
tramas, mas somente nos sculo XVIII durante e aps a Revoluo
Francesa mudanas radicais seriam notadas. Neste momento e
precisamente no sculo XIX com a consolidao do poder burgus (antes
era o poder monrquico) a vaidade, o fausto das aparncias, o amor pelas
coisas da moda tornam-se identificados com o feminino.

Na modernidade as formas da moda no sculo XIX apresentam uma nova


silhueta para o vesturio masculino. As calas compridas substituem
gradualmente os cales justos e os casacos e coletes que beiravam os
joelhos, ganham no decorrer do sculo a semelhana com o terno
contemporneo, as cores devem ser sempre discretas e os detalhes
mnimos.
A partir desse enfoque histrico possvel perceber que a moda ordena e
faz parte do espao social por onde circula. Este fenmeno desenha
posies econmicas, sociais, culturais mantendo acima de tudo, a
novidade, o indito, o poder da escolha individual que constri,
sucessivamente, novos modos e modas em sua histria. A histria da moda,
de seu surgimento at actualidade, nos fala sem cessar da tentativa
ininterrupta de actores sociais em individualizarem-se, escolhendo o novo e
original e simultaneamente em sociabilizarem-se, colocando esta escolha
em um grupo que a reconhea, identifique, admire.
A paixo pela novidade e o envelhecimento quase que instantneo daquilo
que era almejado como novo, tem espao ampliado na sociedade ocidental
contempornea, onde a lgica da moda e do consumo se casam e
transformam-se em uma mesma linguagem. Comprar, possuir, ter estar no
tempo presente, na dcada de 90 e na virada do sculo.
A moda, como aqui est sendo vista, no se restringe ao vesturio, embora
nele possamos notar com bastante clareza suas oscilaes, o desejo pelo
novo permeia o tecido social na contemporaneidade, trazendo com ele a
seduo e o amor pelas coisas; o efmero e a mudana acelerada como
chaves mgicas para a permanncia em uma temporalidade na qual o
indivduo se quer o eterno e imortal, (re) lanado a cada estao, tal qual a
prpria moda.

Laver, James A roupa e a moda. So Paulo: Cia das letras, 1994.


Lipovetsky, Gilles O Imprio do Efmero. So Paulo: Cia das letras,
1989.

HUMANISMO ( 1418-1527 )

O Humanismo caracteriza-se por uma nova viso do homem em relao a


Deus e, em relao a si mesmo. Essa nova viso decorre diante da nova
realidade social e econmica vivida na poca.
A pirmide social da era Medieval, j no existe mais (essa pirmide era
formada pelos Nobres / Clero / e Povo ), graas ao surgimento de uma nova
classe social: a Burguesia, cujo nome se origina da palavra burgos que quer
dizer cidade.
O surgimento das cidades deve-se ao incremento do comrcio que era a
base de sustentao dessa nova classe social. As cidades por sua vez,
oferecem uma nova opo de vida para os camponeses que abandonam o
campo. Esse fato iniciou o afrouxamento do regime feudal de servido.
Nessa poca tambm tem incio as grandes navegaes, que levam as
pessoas a valorizar crescentemente as conquista humanas. Esses fatores
combinados levam a um processo que atinge seu ponto mximo no
Renascimento.
Como conseqncia dessa nova realidade social, o Teocentrismo pregado e
defendido durante tantos anos pelas classes anteriores, passa a dar lugar
para o Antropocentrismo, nova viso onde o homem se coloca como sendo

o centro do Universo.
Na cultura, esse processo de mudanas tambm tem efeitos culturais pois, o
homem passa a se encarar como ser humano, e no mais como a imagem de
Deus.
Todas as Artes passam a expressar novas partculas que apareceram com
essa nova viso, as pinturas os poemas e as msicas da poca por exemplo,
tornam-se mais humanas, passam a retratar mais o ser humano em sua
formao.
Essa nova concepo, no significa que a religio estava acabando mas,
apenas que agora os artistas passavam a embutir em suas obras tambm o
lado humano derivado desse novo regime social.
As obras dessa poca, vo refletir em sua formao esse momento de
transio de uma mentalidade para outra, ou seja, a passagem de uma viso
Teocntrica para a viso antropocntrica do mundo.
Portanto o Humanismo considerado como um perodo de transio.
A prosa, a poesia e principalmente o teatro produzidos nesse perodo
refletem essa transio.
Texto: Reinaldo Dias, Adaptado do livro Lngua e Literatura
Autores: Carlos Faraco e Francisco Moura
Editora tica Vol.1 6. Ed., 1983

PAINEL DE POCA
antropocentrismo: homem como centro do universo.
a poesia independe da msica.
transio entre a Idade Mdia e o Renascimento.
incio da ascenso da burguesia.
nova realidade Mercantil.

crise do sistema feudal.


crise na Igreja.
fortalecimento da figura do rei.
revoluo de Avis em Portugal.
Humanismo e Renascimento
O Renascimento
Para a mentalidade medieval, a desigualdade proporcional era um bem e
no uma injustia, pois era baseada no no amor prprio, mas na humildade
de reconhecer as carncias individuais de cada um e a superioridade de
outros. De maneira que a regra a admirao s superioridades de cada um
(pois cada pessoa representa em si algo da perfeio de Deus, e representa
esta perfeio melhor do que qualquer outra). Em se admirando, algo
daquilo a que se admira passa para quem admira, e assim sucessivamente,
existe uma constante progresso social para o mais alto, para o mais belo,
para o mais perfeito. A funo da elite , pois, a de elevar constantemente a
sociedade e no, como querem os socialistas, oprimir e destruir.
Com o advento do Renascimento, esta "atitude de alma" admirativa,
gradativamente, vai se transformando em inveja; e do ideal de
desigualdades harmnicas, passa-se a uma busca constante de igualdade e
liberdade. Igualdade fruto do orgulho que no aceita superioridade.
Liberdade que no aceita a imposio de regras sociais e morais, que,
segundo os revolucionrios, aprisionariam o homem . Da unio destes dois
princpios revolucionrios, somos todos iguais e livres, surge a fraternidade
ecumnica e niveladora, onde a verdade subjetiva e a moral apenas social
(pelo menos at o advento das chamadas sociedades alternativas, que
praticamente preceituam a inexistncia da moral).
"A partir do sculo XIV, comeam a surgir fissuras no grandioso edifcio da
Idade Mdia: uma gradual e profunda mudana de mentalidade comea a se

operar na Cristandade."
Essa mudana no ocorreu - principalmente, pelo menos - de forma
explcita ainda no Renascimento, a transformao foi muito mais
tendencial do que ideolgica.
A Revoluo Tendencial
Segundo o j citado pensador catlico brasileiro, Plinio Corra de
Oliveira, em seu livro, Revoluo e Contra-Revoluo:
"No sculo XIV comea a observar-se na Europa crist, uma transformao
de mentalidade que ao longo do sculo XV cresce cada vez mais em
nitidez. (...) Este novo estado de alma continha um desejo possante, se bem
que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de coisas
fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos sculos XII e
XIII".
"Subrepticiamente, Nosso Senhor foi sendo afastado como guia e
inspirador da vida social. Embora ainda no negado frontalmente, Seu
papel na vida cotidianaa foi-se desvanecendo. Tendo decado o amor
Cruz, foi arrefecendo na alma do homem do fim da Idade Mdia a
aspirao ao herosmo, ao sacrifcio e ao desprendimento. Os espritos
foram-se deixando levar pelo desejo dos prazeres terrenos, pela fantasia e
pelos sofistas".
Paul Faure, historiador e escritor francs, aponta sinais da modificao
progressiva do esprito medieval:
"Cada vez mais se descobrem no sculo XIV sinais do esprito novo. -se
sensvel aos contrastes de uma vasta cultura sem ordem nem regras, muito
diferente neste ponto da unidade crist, tal como a tinha sonhado a Idade
Mdia. (...)
Discernem-se a, na literatura, na filosofia, nas artes, etc., uma corrente
racionalista e crtica e uma corrente metafsica e mstica; uma corrente de

ascese e de austeridade e uma corrente de indulgncia e de leviandade;


muita f e muito ceticismo. (...)
Entretanto, a Renascena tem esta unidade: a que assegurada por um
amor extremo da independncia em todas as sua formas. A procura e o
culto da riqueza; o individualismo artstico ou religioso, o nacionalismo; a
curiosidade erudita; o recurso aos textos que se libertam da glosa, do rito
ou da rotina; o amor ao luxo e carne; em suma, vida, so manifestaes
diversas deste nico esprito de liberdade. (...)
Os costumes mudam, isto , a maneira de viver, mas tambm as de pensar e
de crer. Em princpio, na Idade Mdia, a autoridade da Igreja se exerce em
todos os domnios. Ela a primeira classe da sociedade, ou melhor, a
prpria sociedade, representada e conduzida por seus sacerdotes. (...) Ela
ignora as fronteiras. Utiliza uma lngua internacional, o latim evoludo da
Idade Mdia".
Essas tendncias se acentuaram no sculo XV e produziram profunda
metamorfose nos espritos, conforme assinala o renomado historiador dos
Papas, Ludwig Von Pastor:
"O sculo XV, principalmente em sua segunda metade, e o comeo do XVI,
foram para a Europa em geral, e particularmente para a Itlia, uma poca de
transio dos antigos modos de ser para outra disposio de coisas
totalmente diversa.
Em todos os campos da vida operou-se uma profunda transformao, na
qual se manifestaram os mais rudes contrastes, de modo que o poltico e o
social, a literatura e a arte, e os prprios assuntos eclesisticos, achavam-se
em estado de fermentao que pressagiava a aurora de um novo perodo".
Na Histria da Humanidade, continua Pastor, depois da poca em que se
realizou a transformao do antigo mundo pago numa sociedade crist,
no existe outro perodo mais digno de considerao do que aquele em que
se verifica a passagem da Idade Mdia para a Moderna.

Um dos mais poderosos fatores desse perodo, repleto dos mais acentuados
contrastes, foi o profundo e amplo estudo das coisas antigas, que se
costuma designar com o nome de Renascimento da Antigidade clssica."
Essa transformao foi realizada paulatinamente e de um modo quase
imperceptvel, como ressalta o historiador alemo Wilhelm Oncken (18381905):
"A passagem da Idade Mdia para a Moderna se realiza de modo to
paulatino e imperceptvel, que no se pode fixar exatamente este perodo da
histria, menos ainda assinalar um fato determinado como ponto divisrio
entre as duas idades.(...)
[A fase final da Idade Mdia] dever ser dividida em perodos de carter
diferente e de tendncias inteiramente opostas.
As mais importantes destas tendncias so aquelas que se propunham
despojar-se do esprito e das idias da Idade Mdia, e colocar-se, em troca,
em contato com as manifestaes intelectuais e artsticas da Antigidade".
Com o Renascimento comea um lento abandono da austeridade medieval
e uma alucinada procura dos prazeres, como no caso da corte dos Valois.
Bruxarias, cabalas, cortess que aparecem com um obscuro mundo de
feitiarias e bruxedos, a arte comea a se paganizar e a buscar cada vez
mais o culto do corpo humano, etc.
Vrios tipos humanos podem ser colocados como smbolos da
Renascena, entre eles citamos, por exemplo, Francisco I , o Papa Jlio II,
Cosme de Mdicis, etc.
A isso se soma a decadncia do clero e o aparecimento de uma srie de
movimentos paralelos, como os legistas no campo poltico e jurdico, os
trovadores nas artes, a literatura sentimental e amorosa...
No nvel filosfico, diversas foram as doutrinas que eclodiram. A
principal foi o Nominalismo, que tentava quebrar certos pressupostos da
escolstica, como a "unio objetiva" entre o sujeito e o objeto.

Desta forma, a Renascena foi quebrando a base de sustentao da Idade


Mdia, que era, sobretudo, hierrquica, austera e sacral.
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Formao da Mentalidade Antropocntrica

"Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras


manifestaes de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e vazias,
pelas argcias inconsistentes, pelas exibies ftuas de erudio, e
lisonjeou velhas tendncias filosficas, das quais triunfara a Escolstica, e
que j agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da F, renasciam em
aspectos novos.
"O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em nsia. As
diverses se vo tornando mais freqentes e mais suntuosas. Os homens se
preocupam sempre mais com elas.
Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo
crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai
produzindo progressivas manifestaes de sensualidade e moleza.
H um paulatino deperecimento da seriedade e da austeridade dos antigos
tempos. Tudo tende ao risonho, ao gracioso, ao festivo."
O historiador j citado, Wilhelm Oncken - alis protestante -, aponta as
caractersticas da civilizao moderna, surgida com o Renascimento:
Esta civilizao, nascida na Itlia, que desde o sculo XIII se tinha
colocado frente do progresso intelectual (cuja liderana tinha sido
exercida at ento pela Frana), recebeu o nome de Renascimento; na
realidade no foi nenhum renascimento da Antigidade clssica como o
teriam desejado seus adeptos mais ardentes, mas to-s a transio da
sociedade para um estado intelectual, social e poltico inteiramente novo.

Com a transformao da Cristandade em vrios estados polticos modernos,


o Cristianismo parecia transformar-se em um estado intelectual que cifrava
sua religio, no tanto na f na divindade, como na f na humanidade. (...)
Aquela civilizao moderna, no seu verdadeiro fundo, no tinha afinidade
com a essncia do Cristianismo, nem nada que ver com os ideais da Igreja
na Idade Mdia."
Desta forma, a mentalidade medieval - sobretudo de austeridade,
sacrifcio e seriedade - comea, primeiramente no nvel tendencial, a ser
transformada. Da busca incessante da glria de Deus, o ser humano passa a
procurar a sua glria; do sacrifcio, comea-se, paulatinamente, a buscar-se
o gozo; da seriedade medieval, chega-se ao riso renascentista, etc. Toda a
civilizao transformada em seus costumes.
Surgem, no contexto das novas tendncias, diversas teorias. Cada uma, a
seu modo, comea a demolir os pressupostos transcendentes e naturais da
Idade Mdia. A vida no mais foi feita para o herosmo e para a santidade,
mas para o prazer. A felicidade no est em servir a Deus e ao seu rei, mas
no prazer e nos divertimentos da vida.
O entusiasmo pela religio esfria, a admirao cede lugar s questes
pessoais, a Cruz perde o seu significado. Enfim, o homem Renascentista
no entende mais a transcendncia que a Idade Mdia conferia vida.
A arte, antes tendo como objeto a sacralidade, passa a retratar o cotidiano
da vida humana.
"Antes, [na Idade Mdia], conhecer significava apreender a essncia das
coisas, chegar at elas como se chega ao pensamento divino. Agora [na
Idade Moderna], porm, o conhecimento liga-se intimamente produo: a
procura das leis da natureza feita em funo do seu aproveitamento para
satisfazer s necessidades do homem. Procura-se conhecer a movimentao
das guas e os ventos para se construir navios; investiga-se a lei do
movimento dos corpos para a produo de mquinas de trabalho e de

guerra.
A cincia liga-se definitivamente tcnica, passando da mera
contemplao da essncia das coisas para a interveno direta na natureza.
A arte, de simblica, passa a ser representativa, j que a presena de Deus
no mais a nica imagem digna de ser figurada. (...)
O que importa, agora, criar a iluso de um mundo imaginrio que, de
repente, adquire vida prpria. Em lugar de se justaporem uns aos outros, os
personagens e as cenas subordinam-se ao tema central. Tudo passa a girar
em torno da criao e de um universo imaginrio, paralelo ao mundo
cotidiano, que revela, porm, sua essncia e a maneira peculiar pela qual o
artista o percebe, v e analisa. (...)
O Cristianismo sempre professara a criao do homem imagem e
semelhana de Deus; mas, a partir do Renascimento, a nfase dada muito
mais imagem do que ao prprio original. Esse processo foi denominado
Humanismo. Nos primeiros tempos, os humanistas eram eruditos que
transferiram os mtodos de interpretao da Bblia para os textos grecolatinos, mantendo a mesma posio servil diante da palavra escrita. Logo,
porm, percebem a insistncia com que os gregos representavam sues
deuses sob formas humanas, o valor que conferiam aos acontecimentos da
vida eterna e a atitude racionalista com a qual tratavam esses episdios;
encontram, assim, os padres nos quais puderam projetar seus prprios
ideais de racionalidade e de solidariedade humana. com esse esprito que
o artista do Renascimento procura, na Antigidade, os temas para a
literatura e as formas para a escultura e a pintura" .
Retratando mais os valores da vida humana - naturalmente falando - do
que os da sacralidade medieval - sobrenatural em sua essncia, os
humanistas quebraram os costumes medievais. Mas no quebraram apenas
os costumes, houve uma verdadeira Revoluo em todos os campos da
sociedade. O homem renascentista no podia mais entender a civilizao

medieval, no podia mais compreender a finalidade medieval da vida.


Do Renascimento ouve-se o grito, no comeo surdo, do Protestantismo:
"Cristo sim, Igreja no". Na Revoluo Francesa o brado que se ouve
outro: "Deus sim, Cristo no". Durante o Comunismo, alardeia-se a "nova"
"moral": "Deus no existe". Chega-se Ps-modernidade, quando em
1968, na Sorbonne, se diz: "Se Deus existir, preciso mat-lo".
A Igreja, apoiada nos primeiros sculos pelos imperadores cujos poderes
ela absorveu aos poucos, teve um aumento rpido no nmero de adeptos,
na riqueza e no raio de influncia. No sculo XIII, j possua um tero do
solo da Europa, e seus cofres estavam inchados com donativos de ricos e
pobres. Durante mil anos, ela uniu, com a magia de uma crena invarivel,
a maior parte dos povos de um continente; nunca houve, antes ou depois,
uma organizao to difundida e to pacfica. Mas essa unidade exigia,
como pensava a Igreja, uma f comum exaltada por sanes sobrenaturais
acima das mudanas e das corroses do tempo; portanto, o dogma,
definitivo e definido, foi colocado como uma concha sobre a mentalidade
adolescente da Europa medieval. Era dentro dessa concha que a filosofia
escolstica se deslocava acanhadamente entre f e razo e vice-versa, num
desconcertante circuito de pressupostos no criticados e concluses prordenadas. No sculo XIII, toda a cristandade ficou assustada e estimulada
por tradues rabes e judaicas de Aristteles; mas o poder da Igreja ainda
era suficiente para garantir, atravs de Toms de Aquino e outros, a
transformao de Aristteles em um telogo medieval. O resultado foi a
sutileza, mas no a sabedoria. "A inteligncia e a mentalidade do homem",
como disse Bacon, "se trabalharem com a matria, trabalham segundo a
substncia desta e por ela ficaro limitados; mas se trabalharem consigo
mesmo, sero interminveis e produziro realmente teias de saber,
admirveis pela delicadeza do fio e do trabalho, mas sem substncia ou

proveito." Mais cedo ou mais tarde, o intelecto da Europa iria irromper de


dentro dessa concha.
As Cruzadas abriram os caminhos para o Oriente e permitiram a entrada de
uma torrente de artigos de luxo e heresias que condenaram morte e
ascetismo e o dogma.
O papel, agora, chegava barato do Egipto, substituindo o caro pergaminho
que tornara o saber um monoplio dos sacerdotes; a imprensa, que durante
muito tempo esperava por um meio barato, estourou como um explosivo
libertado e espalhou sua influncia destruidora e esclarecedora por toda
parte. Bravos navegantes, armados agora de bssolas, aventuraram-se na
imensido dos mares e conquistaram a ignorncia do homem a respeito da
Terra; observadores pacientes, armados de telescpios, aventuraram-se para
alm dos confins do dogma e conquistaram a ignorncia do homem quanto
ao cu. Aqui e ali, em universidades, mosteiros e retiros escondidos,
homens deixaram de disputar e comearam a investigar; por via indireta,
graas aos esforos no sentido de transformar metais inferiores em ouro, a
alquimia foi transformada em qumica; da astrologia, os homens foram
tateando com tmida ousadia para a astronomia; e das fbulas dos animais
que falavam veio a cincia da zoologia. O despertar comeou com Roger
Bacon (m. 1294); aumentou com o ilimitado Leonardo (1452-1519);
alcanou sua plenitude na astronomia de Coprnico (1473-1543) e Galileu
(1564-1642), nas pesquisas de Gilbert (1544-1603) sobre magnetismo e
eletricidade, de Veslio (1514-1564) em anatomia, e de Harvey (15781657) sobre a circulao do sangue. medida que aumentava o
conhecimento, diminua o medo; os homens pensavam menos em adorar o
desconhecido, e mais em domin-lo. Todo esprito vital foi estimulado por
uma nova confiana; barreiras foram derrubadas; no havia limites, agora,
para o que o homem poderia fazer. "O fato de pequenos navios, como os

corpos celestes, navegarem volta do mundo inteiro, a felicidade da


nossa era. Esta poca pode usar, com toda justia, plus ultra" (mais alm)
"onde os antigos usavam non plus ultra." Foi uma era de realizaes,
esperana e vigor; de novos comeos e empreendimentos em todos os
campos; era uma era que esperava por uma voz, uma alma sinttica para
resumir o seu esprito e decidir. Foi Francis Bacon, "a mais poderosa
inteligncia dos tempos modernos, que tocou a sineta que reuniu as
inteligncias" e anunciou que a Europa havia atingido a maioridade.

O corpo na Idade Mdia


Daniela Dressler Dambros*, Liriana Correa Dalla Corte**, Angelita
Alice Jaeger***
[email protected]
Introduo
Para compreendermos a viso de corpo da poca, necessrio analisar os
contextos histrico, social e cultural que influenciaram o pensamento das
pessoas que viveram neste perodo. Descreveremos, portanto, a supremacia
da Igreja, as manifestaes artsticas e culturais, a religiosidade e as crenas
da populao medieval o que se pensava sobre corpo, higiene, morte,
sexo e cultura fsica.
A Idade Mdia
Segundo a ENCICLOPDIA BRITNICA (1999), a Idade Mdia o
perodo da histria europeia que comea com a queda do Imprio Romano
do Ocidente, em 476. Da formao dos reinos germnicos, a partir do
sculo V, at a consolidao do feudalismo entre os sculos IX e XII, temos
o perodo denominado Alta Idade Mdia. Neste perodo, para SOUTO
MAIOR (1969), a terra era sinnimo de poder e, como complementam
FARACO E MOURA (1995), disputada atravs de constantes batalhas. Na
Baixa Idade Mdia, que vai at o sculo XV, o capitalismo afirma-se sobre
o modo de produo feudal. FARACO E MOURA (1995) afirmam que o
declnio da Idade Mdia se d com o crescimento da burguesia, a chegada

do comrcio e as grandes navegaes, no fim do sculo XV. J SOUTO


MAIOR (1969) sugere que este longo perodo de tempo chega ao fim com
a peste negra e as cruzadas. Para PEREIRA (2004), o fim da Baixa Idade
Mdia d-se, oficialmente, com a queda do Imprio Romano do Oriente,
derrubado pelos Turcos, conhecida como a tomada de Constantinopla.
A supremacia da igreja na Idade Mdia
De acordo com TAVARES DE JESUS (1994), a Idade Mdia teve uma
grande influncia da Igreja. FARACO E MOURA (1995) afirmam que a
Igreja era vista como o lugar do mundo terreno onde estava Deus. Como a
base da sociedade era o teocentrismo, ou seja, Deus era o centro de todas as
coisas, a Igreja influenciava de maneira muito forte o comportamento das
pessoas no campo moral, nos relacionamentos interpessoais, na vida
familiar e na forma de pensar e vestir.
Segundo FARACO E MOURA (1995), o clero e a nobreza estavam no
comando, eram determinadas por Deus e, como mostra SOUTO MAIOR
(1969), qualquer desejo de mudana estaria indo contra a vontade divina.
BESEN (2004) diz que uma das caractersticas do homem medieval
aceitar-se num lugar social determinado: forte ou fraco, rico ou pobre,
guerreiro ou trabalhador, religioso ou leigo. Nesta posio, ele v a vontade
de Deus.
O homem medieval, segundo FARACO E MOURA (1995), preocupavase muito com a salvao eterna da sua alma e, sob influncia da Igreja,
renunciava seus bens materiais e os prazeres terrenos. Acreditava que,
assim, iria para o paraso depois de sua morte na Terra. BESEN (2004)
menciona que foi no sculo XII que se fixaram os sete vcios capitais:
orgulho, avareza, gula, luxria, ira, inveja e preguia.
O conhecimento, a cultura e as manifestaes artsticas
TAVARES DE JESUS (1994) diz que os monges eram os nicos
letrados em um mundo onde nem os servos nem os nobres sabem ler.
Segundo SOUTO MAIOR (1969), eram conhecedores de lnguas clssicas,
grego e latim; por isso, somente eles tinham acesso s obras.
A Igreja dominava a cincia e as artes. Os mosteiros eram os locais onde
a cultura estava depositada e eram vistos como um local prprio para a
meditao e para exercitar as actividades do esprito. Para TAVARES DE
JESUS (1994), a filosofia conhecida como serva da teologia e divide-se
em dois grandes momentos. O primeiro, chamado de patrstico,
corresponde ao pensamento dos chamados padres da Igreja, preocupados

em relacionar f e cincia. Santo Agostinho foi um deles, defendendo uma


iluminao divina para a aquisio da verdade. O segundo momento
denominado escolstico. H uma preocupao com a reflexo filosficoteolgica, e surgem as escolas monaicas e catedrais, alm das
Universidades.
FARACO E MOURA (1995) citam a religiosidade expressada nas
manifestaes artsticas. Na arquitetura, destacam-se as grandiosas
catedrais. Elas eram projectadas para o cu devido crena na existncia de
que Deus vive num plano superior. As esculturas no eram vistas de forma
autnoma; geralmente ilustravam os ensinamentos da Igreja ou eram vistas
na decorao de edifcios. Na pintura, encontramos personagens pouco
volumosos, cobertos por muita roupa, com o olhar direccionado para o cu.
SOUTO MAIOR (1969) nos mostra a msica sacra e mais especificamente
os cantos gregorianos como marcas do perodo medieval.
J na literatura, FARACO E MOURA (1995) apresentam o estilo de
poca predominante (em Portugal), conhecido como trovadorismo, que vai
de 1189 a 1434. O nome vem devido sua apresentao, em forma de texto
musical, atravs de cantigas com viola e lira. SOUTO MAIOR (1969)
destaca Santo Agostinho e Toms de Aquino como os escritores da poca,
representando, respectivamente, alta e baixa Idade Mdia.
De acordo com BESEN (2004), na Idade Mdia surgiu o culto pelas
imagens. Via-se na imagem esculpida, pintada ou retratada num vitral, um
meio para instruir sobre o significado do anncio da salvao queles que
no sabiam ler. As imagens narram a histria da salvao, reforam a
recordao e elevam a piedade.
Para PEREIRA (2004), a alta Idade Mdia pode at ser considerada
poca de trevas e de atraso cultural. Mas a baixa Idade Mdia, poca em
que foram construdas catedrais e igrejas magnficas em estilo gtico,
castelos e mosteiros, e onde viveram incomparveis pintores, escultores,
poetas, escritores e filsofos, no pode ser apontada como perodo de trevas
culturais, crueldades e desrespeitos dignidade humana, em hiptese
alguma.
A literatura moral e o gesto
Para SCHMITT (1995), a base da teologia moral da Igreja est na
reunio das trs virtudes mencionadas por So Paulo f, esperana e
caridade, e de quatro virtudes que Ccero diz serem as componentes da
beleza moral scientia, o discernimento do verdadeiro, a prudncia e a
sabedoria; beneficientia, o ideal de justia, dando a cada um o que lhe

devido; fortitudo, a fora e a grandeza da alma, que inspiram o desprezo s


coisas humanas e temperantia ou modestia, que consiste em cumprir toda
ao e pronunciar toda palavra com ordem e medida.
De acordo com SCHMITT (1995), a palavra latina gestus significa os
movimentos e atitudes do corpo em geral, e no somente determinado gesto
particular. Na alta Idade Mdia, a palavra gestus e as reflexes relacionadas
a ela desaparecem aos poucos.
O autor cita o que Ccero diz traduzir para o exterior a excelncia do
esprito: os movimentos e as atitudes do corpo, a atitude, o caminhar, a
maneira de sentar, de se inclinar mesa, o rosto, os olhos, o movimento das
mos. Os gestos, como o andar, no devem ser vivos demais, nem
dbeis demais ou efeminados; a virtude reside no justo meio.
SCHMITT (1995) nos traz ainda alguns tratados de edificaes,
destinados a soberanos, que fazem parte da chamada literatura moral. O
tratado do bispo Martim de Braga, escrito para o rei Miro de Galcia,
recomenda a continentia: a alimentao, a linguagem, o riso e o andar
devem ser feitos sem tumulto. O tratado destinado a Isidoro de Sevilha,
escrito por P. Pascal e P. Riche, recomenda um movimento de corpo cheio
de constncia e gravidade, sem ligeireza vaidosa e sem desordem, e um
andar que no parea, por sua insolncia, imitar as contores dos mmicos
e os gestos dos bufes que correm daqui para ali.
Cita outro texto de Ccero, presente em De officiis, que enuncia regras da
moderao do corpo: que a face seja bem reta, que os lbios no se
contoram, que uma abertura imoderada no distenda a boca, que o rosto
no se volte para trs, que os olhos no mergulhem em direo ao sol, que a
nuca no se incline, que as sobrancelhas no estejam nem levantadas, nem
cadas.
O corpo
SCHMITT (1995) afirma que, no sculo VI, vrios autores mencionam o
uso do corpo a propsito dos vcios a gula em Pomerius, a fornicao
(relacionamento sexual ilcito) em Cassiano e o orgulho em Gregrio. J na
baixa Idade Mdia, surge uma nova viso de corpo, que no mais apenas
a priso da alma: quando bem governado, o corpo pode se tornar meio e
lugar de salvao do homem.
De acordo com MATOS E GENTILE (2004), na Idade Mdia, o corpo
foi considerado perigoso, em especial o feminino, visto como um "lugar de
tentaes". Alguns telogos chegaram a dizer que as mulheres tinham mais

conivncia com o demnio porque Eva havia nascido de uma costela torta
de Ado, portanto nenhuma mulher poderia ser recta.
Segundo RODRIGUES (1999), a abertura do corpo humano e a
dissecao de cadveres, para a mentalidade medieval, era uma aco
inconcebvel, um gesto do mais supremo sacrilgio e por este motivo,
conforme nos mostra PEREIRA (1988), a anatomia passa por um perodo
de estagnao representando um perodo negativo para a Educao Fsica
tendo os seus estudos retomados com a chegada do Renascimento. O
corpo jamais poderia ser considerado como objecto; para os medievais, a
putrefaco era continuidade da vida, era hmus. Existiam valas colectivas
que ficavam abertas at serem preenchidas por corpos e era comum t-los
em putrefaco em casa. H imagens da poca que retratam homens
danando com cadveres que se desfaziam.
RODRIGUES (1999) diz ainda que, com frequncia, os reis da Frana,
ao morrer, tinham seus corpos esquartejados e seus fragmentos espalhados
pelas Igrejas importantes do territrio. Os medievais acreditavam que tais
relquias reais propiciariam boas colheitas. Alm disso, de acordo com
BESEN (2004), havia tambm o culto s relquias dos santos, ocorrendo
at roubos de partes dos corpos. No se concebia fundar uma cidade sem o
tmulo de um santo, havendo, deste modo, lutas violentas para garantir o
corpo, que traria proteco.
Segundo BESEN (2004), a festa de Corpus Christi nasce na Idade Mdia
com a finalidade de fazer a adorao pblica da Hstia, o corpo de cristo.
Com o propsito de libertar o Santo Sepulcro de Cristo do domnio
muulmano, surgiram as Cruzadas lutas em busca da posse de Jerusalm
e da Terra Santa, onde estava a sepultura do filho de Deus.
O sexo
Segundo FRANCO JNIOR (2001), a vida sexual tornou-se inexistente
e a virgindade passou a ser vista com grande valor, seguindo os modelos de
Cristo e sua me. Na Idade Mdia, a palavra latina verecundia toma o
sentido de vergonha ligado a carne e ao pecado sexual, segundo SCHMITT
(1995).
A castidade, para FRANCO JNIOR (2001), era vista como
compensatria por quem j havia pecado e deveria se abster de sexo pelo
restante da vida. A vida sexual era possvel ao cristo desde que
acontecesse numa relao definida e supervisionada: o matrimnio. Esse s
era permitido entre heterossexuais, combatendo-se a prtica da bestialidade

(sexo entre humano e animal). O pecado da homossexualidade era


explicado por proporcionar apenas prazer e no procriao.
FRANCO JNIOR (2001) diz ainda que a prtica sexual deveria ser
apenas vaginal, ficando a mulher debaixo do homem e no escuro, para
evitar a viso da nudez. O sexo oral ou sodomita, as bruxarias para seduzir
algum, prticas anticoncepcionais e abortivas e as relaes incestuosas ou
adlteras eram vistas como pecado e castigadas, com pena de seis a quinze
anos de jejum e excomunho, acompanhados geralmente de interdio
perptua de qualquer relao sexual e de casamento. Porm, de acordo com
SOARES (2004), havia ainda liberdade sexual, at para bispos e papas.
Um exemplo Arquibaldo, bispo de Sens, Frana, que instalou um harm
na abadia de So Paulo, no sculo X.
Cultura fsica e prticas desportivas
De acordo com PEREIRA (1988), a preocupao esttica e a cultura
fsica eram contra os dogmas da Igreja e, portanto, foram proibidas. Havia
um dualismo entre o corpo, visto como pecaminoso, e a alma, destinada
salvao. FRANCO JNIOR (2001) mostra que as formas encontradas
pelos clrigos para evitar a ociosidade eram cantos, leituras e conversas
entre si.
No ano 393, de acordo com MATOS E GENTILE (2004), o imperador
romano Teodsio, convertido ao cristianismo, proibiu os Jogos Olmpicos
(que seriam retomados somente no final do sculo XIX, vendo neles uma
"manifestao pag". Tal medida expressava as concepes do
cristianismo, que comparava os antigos deuses a demnios e qualificava
como pecado a exibio dos corpos nus dos atletas.
De acordo com SOUZA (2004), os exerccios fsicos eram a base da
preparao militar dos soldados, que durante os sculos XI, XII e XIII
lutaram nas Cruzadas empreendidas pela Igreja.
Segundo OLIVEIRA (2004), durante a Idade Mdia verificou-se uma
acentuada diferenciao entre as actividades das classes altas e baixas.
Conforme PEREIRA (1988) as actividades hpicas eram comuns s
camadas dominantes e SOUZA (2004) afirma que eram valorizadas a
esgrima e a equitao como requisitos para a participao nas Justas e
Torneios, jogos que tinham como objectivo enobrecer o homem e faz-lo
forte e apto. OLIVEIRA (2004) complementa, dizendo que os nobres se
dedicavam a desenvolver suas aptides guerreiras em torneios e combates,
alm de praticar a equitao e a caa.

SOUZA (2004) diz que h registros de vrias actividades praticadas


neste perodo, como o manejo do arco e flecha, a luta, a escalada, a marcha,
a corrida, o salto, a caa e a pesca e jogos simples e de pelota, um tipo de
futebol e jogos de raquete. OLIVEIRA diz que o povo tinha grande
apego aos jogos de bola. Segundo PEREIRA (1988), entre os servos
existiam lutas corpo a corpo e jogos populares, que, conforme FRANCO
JNIOR (2001) tinham o objectivo de testar a fora e as habilidades
fsicas. Nas festas populares, estavam presentes os saltimbancos e os
acrobatas, como mencionam FARACO E MOURA (1995).
Vestimentas
MATOS E GENTILE (2004) dizem que, na Idade Mdia, a nudez sofreu
uma represso severa. FARACO E MOURA (1995) mencionam que
homens e mulheres, nobres e camponeses, vestiam-se com roupas longas.
Cobrir o corpo, alm de proteger das variaes climticas, era uma questo
moral e religiosa, decorrente do cristianismo. Contrarias esta crena,
conforme SOUTO MAIOR (1969) seria considerado heresia.
Segundo MATOS E GENTILE (2004), at mesmo os nobres que se
exercitavam regularmente e disputavam torneios de cavalaria escondiam o
corpo com trajes volumosos, apesar do desconforto que o excesso de tecido
causava aos praticantes. As pessoas conservavam as roupas at durante o
banho.
Higiene
Conforme RODRIGUES (1999), animais conviviam em harmonia com
homens. Nas casas os cmodos eram de uso comum; desconhecia-se o
sentido de privacidade e as necessidades eram eliminadas sem um local
especfico.
De acordo com MATOS E GENTILE (2004), o banho era um hbito
pouco frequente nos castelos, conventos e entre a populao em geral, pois
se acreditava que a sujidade era uma proteco contra as epidemias (em
especial, a peste negra), que ameaavam a sade pblica. H registros de
que os monges do mosteiro de Cluny, na Frana, tomavam dois banhos
completos por ano e segundo SOARES E MIRANDA, ainda no existiam
tratamentos odontolgicos na poca.
Lazer
Segundo OLIVEIRA (2004), a organizao dos lazeres era de base
religiosa: todo dia de festa comeava pelas cerimnias de culto; estas se

prolongavam em espectculos, que apresentavam cenas da vida de Cristo


ou dos Santos. Havia tambm o teatro inspirado em romances e crnicas.
FARACO E MOURA (1995) comentam que neste perodo, as
manifestaes teatrais eram simples e ocorriam ao redor das igrejas e
mosteiros, nas ruas, que eram locais, como mostra RODRIGUES (1999) de
grande rudo, estreitas e fedorentas, constitudas de espaos onde se
praticavam os ofcios, os afazeres profissionais, as conversas, os
espectculos e as brincadeiras. Depois do espectculo, o divertimento mais
apreciado era a dana: dana dos donzis nos castelos e ronda em torno
da rvore de Maio ou ao redor da fogueira de So Joo. Havia os jogos do
interior da casa, entre os quais era preferido o xadrez, a respeito do qual se
encontraram tratados manuscritos em bibliotecas medievais.
A Inquisio
De acordo com a ENCICLOPDIA BRITNICA (1999), Inquisio foi
a designao dada a um tribunal eclesistico que julgava os hereges
(aqueles que se opunham aos dogmas da Igreja) e as pessoas suspeitas de se
desviarem da ortodoxia catlica e dos costumes considerados corretos. A
pena poderia ser a priso, o exlio para lugares distantes e at o
confinamento numa aldeia por toda a vida. Costumava-se, tambm, destruir
a casa do herege.
A ENCICLOPDIA BRITNICA (1999) menciona que os acusados de
crimes mais graves, os que se recusassem a renunciar suas opinies ou os
que reincidissem depois de alguma condenao, geralmente eram
queimados nas fogueiras. O auge da Inquisio deu-se no sculo XIII,
quando o papa Inocncio IV autorizou o uso da tortura quando se duvidasse
da veracidade da declarao dos acusados. Segundo GARCIA (1997), a no
observncia de alguns princpios ticos legitimou a mutilao, a destruio
e a cremao de corpos, tornando-os sede de sofrimento.
De acordo com RODRIGUES (1999), a tortura presente na Idade Mdia
era justificada como uma aco sobre o esprito por meio do corpo, visto
que, na mentalidade medieval, o corpo inseparvel da alma. A dor era
denominada por termos que designavam tambm amargura, tristeza,
solido e luto, entre outros estados no necessariamente ligados pura
corporalidade. GARCIA (1997) complementa dizendo que a tortura at a
morte no era suficiente. Havia a necessidade da cremao, para o corpo
ser purificado. Um corpo sepultado continuaria existindo fisicamente, seria
ainda uma substncia material; por isso era necessrio destrui-lo
completamente para que no deixasse nenhum rastro de vergonha e
desonra. O corpo material era visto como portador do esprito; portanto, as

ideias da pessoa s eram completamente anuladas com a destruio do


fsico, mesmo j sem vida.
O Renascimento
Segundo MATOS E GENTILE (2004), no final do sculo XII (baixa
Idade Mdia), houve uma retomada do comrcio e da vida urbana em boa
parte da Europa ocidental e foram redescobertos, em tradues rabes, os
textos dos pensadores greco-romanos, perdidos no incio da Idade Mdia.
Tudo isso levou a uma mudana da mentalidade vigente. Comeou a surgir
um novo tipo de intelectual, o humanista, que via no homem a medida de
todas as coisas, como os filsofos gregos. Esse processo ficou conhecido
como Renascimento.
De acordo com SCHMITT (1995), na baixa Idade Mdia, a ateno aos
gestos renovada. Essa redescoberta do gesto como objecto de pensamento
e de reflexo tica deve-se muito ao Renascimento Intelectual do sculo
XII.
MATOS E GENTILE (2004) dizem tambm que o pensamento
renascentista influenciou pintores, escultores e artistas em geral, que
retomaram os padres da Antiguidade clssica em suas obras. A arte
renascentista celebrou abertamente o corpo e a beleza fsica. Como mostra
FARACO E MOURA (1995), o nu passa a mostrar uma nova ideologia de
mundo, a da concretude terrena, do material. MATOS E GENTILE
(2004) mencionam ainda que a mulher, antes ligada ao pecado, reapareceu,
seminua e deslumbrante, em O Nascimento de Vnus, tela de Sandro
Boticelli pintada em 1485. Leonardo da Vinci, na gravura conhecida como
O Homem Vitruviano (1492) e Michelangelo, conforme FARACO E
MOURA (1995), com A criao do homem (pintura) e David (escultura),
imortalizaram o equilbrio e as propores da figura masculina.
Concluses
Atravs desta pesquisa, pode-se concluir que o contexto histricocultural da Idade Mdia foi o responsvel pela viso de corpo da poca.
Alm do comportamento da populao medieval ter sido extremamente
controlado, tambm seu pensamento foi manipulado pelo poder dominante
da poca: o clero e a nobreza. Usando o nome de Deus, os poderosos
obtinham muitos benefcios, e a populao acreditava que, se contrariasse
as ordens da Igreja, no teria a salvao da alma; portanto, no reagia.
As proibies e privaes eram muitas, e praticamente tudo relacionado
ao corpo era considerado heresia, pecado. Por isso, o corpo era escondido.

Nem mesmo poderia aparecer em pinturas ou esculturas se no estivesse


encoberto. E as atitudes do corpo deveriam ser contidas, os gestos deveriam
ser discretos.
Porm, no final da Idade Mdia, com o Renascimento, o corpo foi saindo
do anonimato e da escurido. O perodo mais obscuro da histria foi dando
lugar liberdade de expresso e pensamento.
Bibliografia

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O corpo e a renncia aos prazeres da carne na Idade Mdia Crist


presentes nos Conclios Ibricos dos sculos V-VI d.C. e do sculo
XIII d.C.
Sheila Rigante Romero*
Introduo
O presente artigo tem como objectivo mostrar como a construo das
relaes e das prticas sociais institui normas de condutas, estabelece
espaos culturais por meio de interdies ou ritos de passagem. Tais
normas se aplicam ao corpo de cada indivduo, grupo, categoria ou classe
social. Os estudos referentes sexualidade e ao corpo constituem-se em
objectos essenciais para o entendimento dos diversos significados das
relaes humanas, compreendidas no seus mais variados e complexos
sentidos.
Michel Foucault, precursor dos estudos referentes sexualidade,
problematizou as questes da sexualidade humana e sua relao com o
corpo. A sexualidade, para ele, no uma qualidade herdada da carne que
vrias sociedades louvam ou reprimem no , como pensava Freud, um
impulso biolgico que a civilizao canaliza em uma direco ou outra.
Mas sim, uma forma de moldar o self na experincia da carne, que por si
s constituda em torno de certas formas de comportamento (LAQUEUR,
2001: 24). O sexo, assim como o ser humano, contextual. impossvel
isol-lo de seu meio discursivo e de sua caracterizao socialmente
determinada, ao tentar fazer-se isso incorre-se em erro. O corpo privado,
incluso, estvel, que parece existir na base das noes modernas de
diferena sexual, tambm produto de momentos especficos, histricos e
culturais. Ele tambm, como os sexos opostos, entra e sai de foco
(LAQUEUR, 2001: 27).
Para Foucault at o sculo XVII as questes da sexualidade ainda no
primavam pelo segredo, vigorava uma certa franqueza em relao ao uso
dos prazeres, e as palavras no eram to dissimuladas, a ponto de serem
reduzidas a um vocabulrio do que era ou no permitido dizer. Todavia, no

incio do sculo XVIII o pensamento burgus d origem Idade da


Represso, que coincide com o desenvolvimento do capitalismo. Como o
prprio autor mostra, designar o sexo torna-se cada vez mais difcil. Para
dom-lo num plano real torna-se necessrio reduzi-lo ao plano da
linguagem, ou melhor, control-lo na sua livre circulao no discurso.
Dessa forma, percebe-se que Foucault considera o silncio como um
conjunto de estratgia empregada para a montagem do discurso. O modo
como uma sociedade lida com o saber e o poder (termos sinnimos) se
realiza atravs da montagem de dispositivos discursivos (FOUCAULT,
1989: 181).
Os estudos produzidos sobre sexualidade, observados no desenrolar do
sculo XIX, incorporaram as perverses e especificaes do indivduo,
visto que nestes discursos h o enraizamento da cultura crist, cuja
construo da famlia baseia-se em casamentos monogmicos entre casais
heterossexuais, de forma que dem continuidade espcie humana. O
Ocidente definiu novas regras no jogo dos poderes e prazeres, configurando
a fisionomia rgida das perverses. (FOUCAULT, 2001: 96). Esses
discursos explicavam os comportamentos e aces do homem por meio das
Cincias Biolgicas, como forma de garantir a preservao da instituio
familiar.
No decorrer do sculo XX, estudos introduziram a problematizao da
questo de gnero, contestando a tendncia que se tem em considerar como
natural apenas o que masculino e o que feminino. Observou-se que a
relao homem/mulher e macho/fmea excedem os limites dessa
relao binria. Por isso, escolheu-se criticar a definio do gnero pela
categoria de sexo (BUTLER, 2003: 26), com o intuito de identificar os
mtodos que lhe so constitutivos. A noo de gnero expressaria, assim, os
valores culturais ostentados pelo corpo sexuado, no podendo dizer que ela
suceda de um sexo, desta ou daquela maneira. O contraste entre sexo e
gnero insinua uma interrupo entre corpos sexuados e gneros
culturalmente construdos (BUTLER, 2003: 24). Com isso, entende-se que
a formulao do termo homens no seja relativo necessariamente a
corpos masculinos, assim como a expresso mulheres no sirva apenas
para designar corpos femininos.
Segundo Theml, o corpo humano socialmente construdo por meio da
escolha social de um certo nmero de valores que configuram o que o
homem deve ser, tanto em relao s virtudes morais e intelectuais quanto
representao, exposio e uso do seu corpo fsico (THEML, 1998:
309). Nota-se, portanto, que o corpo no pode ser trabalhado pelo
historiador apenas como biolgico, ao contrrio, deve ser percebido como
rbitro de sinais culturais. Cada representao do corpo informa sua
histria e rene um sistema de valores. Os discursos sobre sexualidade, por

conseguinte, apresentam a construo de cada sexo num dado contexto


social e cultural. A cada contexto existe uma mudana do discurso, e a sua
demarcao tanto mais difcil quanto menos institudo for este contexto.
Tal discusso essencial para compreender a percepo que o homem
medieval tinha de sua sexualidade e de seu corpo, em sua interaco social,
nas construes ideolgicas, num conjunto de predicados morais de
comportamento, socialmente ratificado e constantemente pensado,
relembrados, ou seja, em incessante processo de construo; e tambm
para entender como se deu a normatizao da sexualidade e do corpo do
homem e da mulher medieval por parte dos clrigos, por meio dos
Conclios Ibricos. Essa discusso referente sexualidade e ao corpo
relevante para entender que na Idade Mdia, como afirma Karras, as
identidades dos medievos eram fundamentalmente formadas (moldadas)
pelos seus status sexuais - no se eles eram homossexuais ou
heterossexuais, como hoje, mas se eles eram castos ou sexualmente
ativos (KARRAS, 2005: 09).
Os Conclios Ibricos dos sculos VVI d.C. e a influncia do
pensamento de Santo Agostinho na renncia dos clrigos aos prazeres do
corpo
Pode-se notar que, desde as formulaes dos Conclios Ibricos que
normatizavam a vida cotidiana dos clrigos e leigos, a Igreja seria a
primeira a incentivar o discurso sobre o sexo, quando passou a estimular o
aumento das confisses aos padres. As insinuaes da carne deveriam ser
ditas em detalhes, incluindo os pensamentos carnais. O bom cristo
precisaria, portanto, fazer de todo o seu desejo um discurso. Ainda que
tivesse ocorrido uma interdio de certas palavras, esta era apenas uma
maneira de tornar o discurso sobre a sexualidade e o corpo moralmente
aceito e tecnicamente til. Na Idade Mdia Crist ocorreu uma derrocada
das prticas corporais, assim como a supresso ou ainda o confinamento
dos lugares do corpo da Antigidade, o corpo se torna paradoxalmente o
corao da sociedade medieval (LE GOFF, 2006: 31). Por meio das
exigncias cannicas se imps o controle da Igreja ao domnio at ento
regido pelas famlias, homens e mulheres medievais, levando-os a
manifestarem-se em relao ao seu corpo e a sua sexualidade (ROSSIAUD,
2006: 477).
Nos Conclios Visigticos a partir dos cnones que normatizavam
juridicamente a vida cotidiana dos clrigos e dos leigos pode-se observar
a necessidade da Igreja de introduzir nos cristos a noo de pecado e a
importncia da renncia ao prazeres sexuais, utilizando-se do pensamento
de Santo Agostinho sobre a questo da continncia do corpo para manter a
pureza da alma. Para Agostinho a sexualidade tinha uma finalidade
estritamente delimitada: simbolizava um nico e decisivo acontecimento

dentro da alma. Ecoava no corpo a consequncia inaltervel do primeiro


pecado da humanidade (Ado e Eva) (BROWN, 1990: 347). A tentao
sexual era uma provao temvel e debilitadora, por isso, a prtica da
continncia representava a capacidade do homem de vencer as provaes
carnais e alcanar num plano metafsico a pureza da alma. As paixes e
aces incontrolveis e descomedidas deveriam ser substitudas por aces
comedidas. Tudo sobre o sexo, aps a perda da pureza, podia ser sentido
como lembranas contnuas na carne das tenses da condio humana
fundamentalmente imperfeita. Tudo isso teve incio com o aparecimento da
cristandade (LAQUEUR, 2001: 73).
Para Laqueur, a nova interpretao de Agostinho sobre a sexualidade como
um sinal interno e sempre presente da alienao da vontade pela perda da
pureza criou uma rea alternativa para o corpo gerador (LAQUEUR,
2001: 74). De acordo com o autor, as ideias pags e crists sobre o corpo
coexistiram como vrias doutrinas incompatveis sobre a semente, a
procriao e as homologias corpreas, pois as diferentes comunidades
pediam coisas diferentes da carne. Os monges e os paladinos, os leigos e o
clero, (...) os confessores e os telogos, em inmeros contextos podiam
continuar a interpretar o corpo segundo suas necessidades para
compreend-lo e manipul-lo, medida que os factos do gnero mudavam
(LAQUEUR, 2001: 74).
Durante o sculo V e VI, o cristianismo estava tornando-se religio do
Estado e reprimia o corpo por meio da renncia aos prazeres da carne e o
controle a estas a partir das confisses. Por outro lado, com a encarnao
de Deus no corpo de Cristo, faz do corpo do homem o tabernculo do
Esprito Santo (LE GOFF, 2006: 31). Ou seja, de um lado os clrigos
reprimem as prticas corporais, de outro, as glorifica. Depreende-se assim,
que o corpo e as prticas sexuais oscilam entre a represso e a exaltao, a
humilhao e a venerao.
A influncia agostiniana na renncia dos clrigos aos prazeres carnais para
a purificao do corpo como forma de aproximar a alma ao mundo de Deus
pode ser notada no IV Conclio de Toledo, cnone XXI, que explica a
importncia da castidade dos bispos pois, estes deveriam ser o exemplo
para a sociedade medieval de um comportamento correto aos olhos de
Deus (IV Conclio de Toledo,Cnone XXI, p.200-201).
Os Conclios Ibricos do sculo XIII e o liame entre o corpo e a alma no
pensamento de So Toms de Aquino
No sculo XIII, perodo em que foram escritos os conclios de Calahorra e
de Latro, as questes do corpo e do prazer sexual no estavam ligadas ao
mal, e a preocupao dominante passava a ser com a sade. Entretanto, os
diagnsticos mais importantes reforavam a moral e condicionavam as
atitudes. No IV Conclio de Latro nos cnones 21 e 22 os padres, durante

as confisses precisavam ter discernimento e prudncia como um mdico


experiente ao aplicar as penitncias aos fiis; aos enfermos era preciso zelar
primeiro pela alma depois pelo corpo. Os diagnsticos mdicos
recomendavam um controle no desejo sexual pois ainda baseados nos
estudos de Galeno o abuso do coito muito perigoso: ele abrevia a vida
(a destacada longevidade dos eunucos prova-o a contrario), debilita o
corpo, consumindo-o, diminui o crebro, destri os olhos, conduz
estupidez (ROSSIAUD, 2006: 478).
Tais diagnsticos, baseados no pensamento de So Toms de Aquino,
entendiam que a alma no estava dissociada do corpo, ao contrrio, a alma
era a forma do corpo organizado, devendo nascer e morrer com ele sem ter
nenhuma destinao sobrenatural. Em oposio a Santo Agostinho, que
pensava que quanto mais se renunciasse carne mais prximo de Deus se
chegava por isso sua concepo da cidade dos homens e a cidade de Deus
para So Toms, a alma humana era o horizonte onde se tocavam o
mundo dos corpos e dos espritos, ou seja, a alma e o corpo estavam
intrinsecamente ligados. Dessa maneira, de acordo Rossiaud, para os
mdicos e filsofos medievais a sade do esprito era inversamente
proporcional ao vigor genital, tendo em vista que as agitaes carnais, antes
de representarem um pecado contra Deus, eram faltas contra a razo. O
gozo fsico era distinto do prazer racional; ele era uma fora incontrolvel,
um tipo de loucura, de furor. Como reafirmam os filsofos do sculo XIII,
depois dos latinos, dos gregos ou dos rabes, o desejo era subverso e
submerso do ser (ROSSIAUD, 2006: 479).
Os cnones, mesmo a partir do sculo XIII, sempre colocaram a
necessidade da renncia dos desejos sexuais, sugerindo que jamais fossem
seduzidos pelos impulsos e incontinncias corporais. Para isso, a Igreja
ainda precisava criar no pensamento laico o significado de pecado. Por
isso a insistncia nas confisses para a salvao da alma por meio das
penitncias aplicadas aos fiis pelos padres. Era necessrio transformar as
questes do corpo e seus prazeres num discurso ao padre, como foi
observado por Foucault, ao tratar as confisses medievais crists como um
dispositivo de poder utilizado pela Igreja. Como tambm possvel
observar no cnone 21 do IV Conclio de Latro, o qual enfatizava a
necessidade de sempre tornar pblico tal cnone nas igrejas (p.174). A
aplicao da penitncia pelo padre devido ao seu poder espiritual e da sua
renncia aos prazeres do corpo aos confessores e pecadores, permitia a
salvao do corpo pecador e impuro para salvar a alma da perdio.
O liame entre o corpo e a alma pode ser visto no cnone 22, em que a alma
doente, devido aos pecados da carne, se reflecte na enfermidade do corpo,
portanto, a necessidade de chamar os mdicos da alma (os padres) antes
do mdico do corpo aplicar os medicamentos (p.175). A preocupao

com os costumes e condutas dos clrigos e leigos em relao aos prazeres


carnais e a pureza da alma, tambm pode ser percebida no IV Conclio de
Latro, cnone 14, que reforava a importncia da continncia exigida
desde o II Conclio de Braga e da castidade dos clrigos, alm de castigos
severos queles que no conseguissem renunciar aos prazeres do corpo.
Contudo, importante destacar que nesta poca corpo e alma estavam
unidos, por isso, para a pureza da alma era necessria a pureza do corpo, e
o corpo do padre deveria ser limpo para celebrar a palavra de Deus (IV
Conclio de Latro, Cnone 14, p.170-171). No sculo XIII o cuidado com
o uso prazeres estava ligado ao cuidado com a pureza da alma. Controlar
seus desejos e vontades significava manter uma alma limpa das luxurias da
carne e aproxim-la dos ensinamentos de Deus. Um homem continente
representava o princpio da razo que une o corpo e a alma, ou seja, o
Esprito Santo.
Concluso
Em suma, possvel afirmar que a Idade Mdia Crist dos sculos V, VI e
XIII d.C. produziu uma grande quantidade de discursos referentes ao
corpo e sexualidade por meio do incentivo a confisso como forma de
manter, a partir da autoridade espiritual dos clrigos, o controle sobre a
vida religiosa e quotidiana do homem e da mulher medieval. O discurso
sobre a renncia dos prazeres carnais para a salvao da alma produziu
uma normatizao do corpo e dos prazeres na Idade Mdia Crist, o que
Foucault chamou de um policiamento do sexo.
O incentivo confisso que se consolidou na vida do homem medievo no
final do sculo XVI possibilitou a transformao das prticas sexuais em
discursos o que deu aos padres o direito de intervir, punir, julgar perdoar s
condutas e s prticas sexuais do medievo cristo e, tambm, deu o direito
ao padre a inocent-lo, a purific-lo, a dar-lhe a salvao divina aps a
confisso de todos seus pecados da alma e do corpo, e aps o cumprimento
da penitncia, esta regulada e sacramentada no IV Conclio de Latro em
1215. Observa-se, assim, que a Instituio clerical foi a primeira a
incentivar o discurso sobre o sexo, quando passou a estimular, como visto
anteriormente, o aumento das confisses ao padre. As insinuaes da carne
deveriam ser ditas em detalhes, incluindo os pensamentos sobre o sexo.
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VIVES, Jos.& MARN, Toms (orgs). Conclios Visigticos e HispanoRomanos. Barcelona/Madrid: Instituto Enrique Flrez.

*Mestranda em Histria Comparada pela UFRJ; orientanda da professora


Dr. Marta Mega de Andrade.

CORPO
FEMININO:
EXPECTATIVAS
EXPECTATIVAS ATUAIS
Carvalho, Fabrcia Anglica Teixeira de
e-mail: [email protected]

MEDIEVAIS

O corpo feminino sempre foi alvo de conceitos e de preceitos. Tiveram sua


origem na Antiguidade Clssica, foram aprimorados na Idade Mdia,
mantidos na poca Moderna e modificados na contemporaneidade. Nesta
comunicao, estamos propondo uma anlise comparativa entre as vises
sobre o corpo feminino medieval e o corpo feminino contemporneo.
Mas, qual seria a validade destas reflexes, e porqu pensar em tempos
histricos aparentemente to dspares?
A justificativa habita justamente no termo aparentemente. Um conhecido
filsofo deste sculo, Martin Heidegger, afirmou que todos ns partilhamos
de uma mesma tradio (cultura) ocidental, da qual herdamos os prconceitos, as pr-concepes. Ou seja, a nossa sociedade possui traos
herdados da sociedade medieval, mas dos quais compe uma nova
compreenso. So esses traos que nos movem para o nosso prprio
entendimento e, a partir dele, tentamos compreender a sociedade medieval.
O nosso trabalho procura identificar as estratgias masculinas para
controlar as mulheres, tanto na Idade Mdia quanto na actualidade. Esse
controle exercido pelo homem se transformou com o tempo, mas esteve
sempre vinculado s prticas culturais. Ou seja, as estratgias de
dominao so produtos da cultura de cada poca. Por isso, e seja
ocultando e negando o corpo no perodo medieval, seja tornando-o belo e
objectos de consumo no perodo contemporneo, o que se busca incutir
um tipo de comportamento para os indivduos do sexo feminino.
No nosso imaginrio ocidental contemporneo, a mulher, ou melhor, o
corpo feminino, durante a Idade Mdia, era aquele que vivia enclausurado,
escondido em vestimentas austeras e que era propriedade dos homens. No
estamos totalmente errados, porm, a concepo dos homens medievais
sobre o sexo feminino vai alm do que podemos perscrutar nessas atitudes.
A compreenso masculina delas, especialmente a clerical, possui sua
nascente no perodo de consolidao do cristianismo, que possua uma
viso negativa sobre as filhas de Eva.
A mulher era considerada pelos eclesisticos como uma criatura de
natureza inferior, associada regularmente maior parte dos pecados como a
vaidade, infidelidade, desobedincia e, sobretudo, a concupiscncia e a
luxria. Ela era, na Idade Mdia, associada ao diabo. A equivalncia
estabelecida entre mulher, diabo e sexualidade nos permite interpretar a
condenao do sexo feminino como a condenao da sexualidade e, daqui
em diante, a reproduo carnal e, ainda mais longe, toda forma de contacto
pela carne.1 Ela deveria ento ser tutelada, submetida ao controle masculino
para evitar que fosse alvo das investidas do demnio e, assim, atingir os

homens. Podemos perceber que, por detrs deste discurso, a dominao


da mulher, por parte dos homens, que est em foco.
Este discurso que foi construido para controlar as mulheres era pautado
principalmente na sensualidade e sexualidade intrnsecas ao corpo
feminino. Para os homens medievais, elas eram frvolas, como Satans, e
essa associao advm, frequentemente, do cuidado que tinham com a
aparncia do corpo, visto que utilizavam maquilhagem, roupas belas e
penteados extravagantes. Atitudes que representavam uma tentao
constante para os homens. Para o historiador Mario Pilosu, a averso da
Igreja a esses artifcios estticos se deve condenao do uso de materiais
que pudessem enganar e iludir os homens, fazendo com que a mulher se
tornasse um instrumento do demnio para a seduo atravs de seu corpo.2
O corpo era visto como o objecto central do pecado, pois a sua prpria
constituio poderia levar tanto a mulher quanto o homem a pecar. Na
mulher, o corpo era a principal nascente dos pecados da carne, sendo que a
gula, quando satisfeita em demasia, instilava a luxria. A vida da mulher,
ento, deveria ser controlada e guardada pelos homens e, claro, pelos
eclesisticos.3
Esse discurso masculino clerical era veiculado de diversas formas. Todavia,
uma em especial nos interessa: as hagiografias, que so textos, de vrios
tipos, inclusive vidas de santos e que em seu contedo armazenam
mensagens e admoestaes aos fiis, principalmente as mulheres,
fundamentalmente a partir do sculo XIII. Tais mensagens revelam o lado
benevolente do cristianismo para com os pecadores arrependidos. Por sua
vez, as admoestaes implicavam na observao que o indivduo deveria
fazer de sua vida para ser merecedor da bondade da religio crist, mesmo
que para isso tivesse que fazer uso da penitncia e da mortificao da
carne.
As hagiografias voltadas para o pblico feminino eram mais explcitas e
enfticas em relao as repreenses, pois traziam bem descritos os desvios
femininos e os mtodos para alcanar a salvao. O corpo feminino, com
suas atribuies fsicas e os adereos colocados pelas mulheres, servia de
exemplo para demonstrar como era um corpo pecador. Mas, como a
inteno da hagiografia tambm era fornecer as regras a serem seguidas,
era preciso que apresentasse as consequncias que o pecado, expresso no
corpo, trazia, mostrando como este mesmo corpo ficaria aps responder por
suas aces. Para exemplificar esses conceitos, apresentaremos um
exemplar deste tipo de hagiografia, que contm esses dois lados: o pecado e
a salvao.

A biografia em questo foi intitulada de Vida de Santa Maria Egipcaca,


que foi escrita em castelhano no sculo XIII. A primeira verso dessa fonte
foi compilada por Sofrnio, bispo de Jerusalm, e traduzida por Paulo
Dicono para o latim no sculo VIII. Posteriormente, nos sculos X e XI,
teve duas verses latinas em verso e uma em francs, ambas annimas, que
se acredita ser a verso que o autor, tambm annimo, utilizou para compor
a Vida em castelhano que estamos analisando. Este manuscrito se encontra
na Biblioteca do Mosteiro de Escorial, sob o cdice h.I.13.4
Segundo a fonte, Maria Egipcaca foi uma mulher que apesar de receber o
sacramento do batismo e ser educada nos conceitos cristos, tornou-se
prostituta por vontade prpria. Egipcaca "foi to plena de luxria, que no
entendia de outra coisa, porque era bela e gentil, acreditava muito em sua
juventude, amava tanto os prazeres que no cuidava de outros deveres."5
A Vida relata os vcios de Egipcaca, notadamente os carnais, vivenciados
no corpo e pelo corpo, cito: "e por fazer todo o seu vcio mantm os
homens em grande delcia, em beber e em comer e em farrear cuidava noite
e dia." A vaidade e o cuidado de Egipcaca com seus trajes, visto que
"nunca calava outras sandlias, se no fossem de cordo, pintadas com
ouro e com prata, eram as cordas de seda com que as atava," denunciava as
atitudes condenadas pelos eclesisticos.6
O hagigrafo mostra Egipcaca insensvel aos pecados que levava os
homens a cometerem com seus actos. Ou seja, ela d mostras de como a
mulher livre, sem estar sob o domnio masculino, podia prejudicar os
homens, como no seguinte trecho: "os jovens da cidade fazem tudo pela
beldade () ante as portas da entrada davam-se grandes espadadas, o
sangue deles saa e por meio da rua corria, a mulher quando o via nenhuma
pena sentia."7
O hagigrafo descreveu a santa com os atractivos mais perturbadores e
significantes para aos homens medievais, enfatizando a beleza que quando
desregrada poderia levar ao pecado.
"antes que siga adiante direi de seu semblante, daquele tempo que viveu
no nasceu outra to bela, nenhuma rainha nem condessa no vistes como
ela, redondas eram suas orelhas brancas como leite de ovelhas, olhos
negros e sobre a alva fronte fartas sobrancelhas, a face corada como a
rosa vermelha, a boca bem feita e formosa dentio (), seus seios so
como mas, braos e corpo todo branco como cristal, em boa forma foi
talhada no era gorda nem magra, no era alta nem baixa mas de boa
medida, de sua beleza deixemos de falar porque no se pode contar."8

Podemos perceber que os dados fornecidos pelo bigrafo sobre o corpo de


Egipcaca so aqueles que se poderia ver em uma mulher medieval, que
estivesse com sua indumentria completa. Porm, todos esses atributos
fsicos ajudaram Egipcaca, usando o seu corpo como o meio, para pecar e
levar os homens a pecar. Ento, quando ela se d conta que "plena de
maldade e de luxria," instigada pela Virgem, ela se arrepende e passa a
fazer penitncia, mortificando o seu corpo para alcanar o perdo. A
primeira atitude regrar a gula, coisa que a santa fez vivendo por trinta
anos comendo apenas frutas silvestres e trs pes que comprou antes de
atravessar o rio Jordo, no qual bebeu gua pela ltima vez, se
embrenhando no deserto, de onde nunca mais saiu.
Assim como foi prdigo em narrar as tentaes fsicas que Egipcaca
representava, o hagigrafo enfatizou a degradao de seu corpo atravs dos
anos de penitncia, demonstrando a dureza das sevcias a que a santa se
submeteu para tentar redimir os pecados que realizou no corpo. Os seus
atributos fsicos como a brancura da pele a beleza dos cabelos e sua
constituio corporal, foram destrudos pelos rigores do sol, do vento e do
frio noturno do deserto. Para melhor exemplificar, deixemos a fonte falar:
"os ps eram descalos e em muitos locais machucados, e por nada se
desvencilhava dos espinhos, quando um espinho a feria um de seus
pecados perdia, e muito era feliz porque to dura coisa sofria, no
maravilha se a denegrida mulher que mantm tal vida, nem maravilha
se a cor muda quem a anos vive nua, trs pes que no eram grandes
foram o seu assado, no primeiro ano eram to duros como as pedras do
templo, depois foram alvos e brancos como se no dia fossem amassados,
cada dia pe um pouco em sua boca, quando este po acabou voltou-se
Maria as frutas do campo, como outro animal as mascava, mas por isso
no desmaiava."9
A maneira como o corpo feminino pecador tratado no texto demonstra e
ratifica o cuidado que se deveria ter com a liberdade feminina e com os
prazeres vivenciados no corpo e pelo corpo. A vaidade, a gula e a luxria
sofrem seus reveses. A primeira destruda a partir do momento que Maria
se conscientizou dos pecados que provocou, e foi arruinada pela
mortificao do corpo da santa. A segunda punida pela dieta a que
Egipcaca se submeteu, comendo apenas o mnimo necessrio para
sobreviver, com a finalidade de purgar seus pecados. A terceira congrega
em si as penalidades da primeira e da segunda, visto que sua
concupiscncia era realizada atravs do seu corpo belo e bem cuidado, que
por sua vez era proporcionado pela satisfao provocada pela gula. Estas
advertncias se dirigiam principalmente para as mulheres, mas tambm

eram vlidas para os homens. Estes deveriam se policiar em relao ao


contacto com as mulheres, com a gula e a luxria. Os clrigos deveriam se
manter totalmente afastados das trs. Os leigos deveriam manter controle
sobre suas mes, irms, filhas e esposas. Essas ltimas deveriam apenas
servir sexualmente aos maridos para a procriao e no para o prazer. Os
homens laicos tambm necessitavam se manter longe da gula e da luxria,
para no serem vtimas de suas consequncias, acima explicitadas.
Na contemporaneidade ocidental so raros os casos deste tipo de
dominao do corpo feminino e de mortificao da carne, porm isto no
significa que estes no existam, mesmo que de uma outra forma e, desta
vez, de uma forma mais velada e subentendida.
A dominao sobre a mulher comeou a abrir pequenas brechas neste
sculo. A conquista do voto, a possibilidade de trabalhar fora de casa e a
revoluo provocada pela plula anticoncepcional permitiram que a mulher
transitasse, com um pouco de desenvoltura, sobre campos diferentes, mas
interligados.
Porm, a mulher ainda busca se inserir, em plena igualdade com o homem,
no cenrio poltico internacional e nacional, mas este no o cerne de
nossa questo. Como j vimos, o controle do corpo feminino no perodo
medieval era claro. Actualmente podemos constatar que existe um conceito
difundidssimo no Ocidente que o do culto ao corpo e, que aparentemente
a preocupao com a sade, com uma perspectiva de aumentar a
qualidade e expectativa do tempo de vida. Por trs desses argumentos
encontramos uma verdadeira ditadura do corpo perfeito, constitudo por
msculos delineados e um menor grau de gordura possvel. o que se
exige das mulheres hoje em dia.
muito comum actualmente ouvir jarges como este: "corpo so em mente
s." A interpretao corrente d a entender que quem tem um corpo perfeito
fisicamente, automaticamente ter uma mente saudvel. O que
desconhecido da maioria das pessoas que se utilizam desta interpretao,
que o autor da frase foi o filsofo grego Plato, que quis dizer com esta
sentena que a educao fsica rigorosa pe o corpo em posse de uma sade
perfeita para que ele possa realizar com satisfao sua funo primordial
que alcanar, pela mente, o conhecimento verdadeiro, sem ser
prejudicado pela fraqueza fsica.
Como exemplo da m interpretao da frase de Plato, encontramos uma
matria na revista Boa Forma de Agosto deste ano. A matria foi
constituda por dez entrevistas com homens de distintas faixas etria e
ocupao. Todavia, o teor de cada entrevista o mesmo, eles valorizam, ou

melhor, super-valorizam o corpo delineado e musculoso da mulher, que


aparece sempre vinculado ao prazer sexual e a aceitao social que a
mulher com o corpo perfeito provoca. Um deles afirma que "a cabea da
mulher que cuida do corpo funciona melhor, o que torna a relao mais
fcil. ptimo amar uma mulher durinha. A gente une o til ao agradvel."
A primeira vista esta afirmao se encaixaria na sentena de Plato, mas se
perscrutarmos atentamente veremos que por trs desta afirmao se
encontra aquela ideia antiga, mas sempre presente, de que mulher no
raciocina, sendo apenas um objectos que pode ser manipulado de qualquer
maneira, e, principalmente como objectos de satisfao social e sexual
masculina.10
Relatos como estes no so excepo. No mercado de comunicao e no
publicitrio estas revistas crescem consideravelmente, com ttulos como
Boa Forma, Marie Claire, Dietas J, Pense Leve, Corpo, Claudia, Uma,
Sade, entre outras. Nelas encontramos relatos como os descritos acima,
alm de dietas, exerccios, solues milagrosas para emagrecer, todos para
a mulher buscar o chamado corpo perfeito, desejado pelos homens e aceito
pela sociedade. Poderamos dizer que estas revistas esto para a
contemporaneidade, como as hagiografias estavam para a Idade Mdia.
Elas trazem as disposies e imposies sociais para as mulheres, que no
enxergam que por trs deste discurso saudvel ou redentor se revela a
dominao masculina. bvio que no unnime a aceitao feminina,
mas o discurso to bem elaborado e difundido, que se torna difcil
identificar a coero implcita nele.
Analisando estas revistas, percebemos que a preocupao em atender as
exigncias sociais, chega a ignorar o que elas pretendem atender, que a
sade. As indicaes para dietas alimentares, frmulas para emagrecer
rapidamente, exerccios que torneiam e tonificam o corpo para o melhor
desempenho sexual, muitas vezes so fornecidas e seguidas pelas pessoas,
sem a observao do acompanhamento mdico imprescindvel, que pode
levar a uma leso muscular ou a uma disfuno orgnica. Porm, a
principal consequncia desse mercado mundial de fabricao de corpos
perfeitos uma populao feminina obcecada por este padro de beleza
fsica, e que pode resultar em doenas como a bulimia e a anorexia.
Para alcanar esse corpo perfeito, as mulheres precisam passar por uma
srie de privaes alimentares, que podemos comparar as privaes que so
impostas a Egipcaca. Na Vida da santa, a falta de comida representa a
punio para o corpo pecador que se deixou levar pela gula e pela luxria
apenas para se satisfazer. Em contrapartida, no comer ou comer apenas o
necessrio hoje acontece por opo ou por presso social, e no pela

necessidade de redeno, mas para corresponder as expectativas sociais


pois se imagina que esse tipo de corpo, quase cadavrico, perfeito para
dar, supostamente, mais prazer sexual, alm de trazer prestgio para quem
assim. Se o cu no , hoje, o alvo, conseguir um parceiro, um elogio ou
um emprego o .
A viso medieval e a contempornea so opostas em relao ao corpo, j
que na primeira ele negado e na segunda cultuado. Mas, no deixam de
existir pontos de contacto entre elas, principalmente no tocante
mortificao da carne e ao domnio do homem sobre o corpo feminino. Na
Idade Mdia o corpo era mortificado para a alma ser salva, na
contemporaneidade ele mortificado para ser aceito. A preocupao com a
aceitao social gera fenmenos que superam a lgica de sade, como por
exemplo o modismo da lipo-aspirao e das mais variadas cirurgias
plsticas estticas, que servem apenas para satisfazer o indivduo, que no
se preocupa com o risco de uma interveno cirrgica, nem com o
desconforto da recuperao. Tudo para vender uma imagem do corpo
perfeito.
Para exemplificar essa questo, basta recordarmo-nos do caso da modelo
Cludia Liz, em Outubro de 1996. A modelo conta em entrevista a revista
Marie Claire que foi fazer a cirurgia de lipo-aspirao pois precisava perder
a gordura localizada no abdmen para se encaixar no padro das modelos,
que segundo a entrevistada "pele e osso." A cirurgia no aconteceu, j que
Cladia Liz entrou em coma aps um bronco-espasmo provocado pela
anestesia. Ela no ficou com nenhuma sequela fsica, mas sim um
desequilbrio qumico no crebro.11
Essas questes no se esgotam aqui, mas por vezes fogem de nossa alada.
O corpo contemporneo, assim como o medieval ainda est no centro de
discusses e atribuies, diferentes em alguns pontos e convergentes em
outros, mas sempre o corpo feminino que permeia todas as questes, seja
para ocult-lo ou evidenci-lo, ele sempre mortificado.
1 - Aluna do curso de Histria da UFRJ
Bibliografia:
BLOCH, H. Porto do Diabo e Esposa de Cristo. In: ___. Misoginia
Medieval e a inveno do amor romntico ocidental. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995.

CASAGRANDE, C. A mulher sob custdia. In: PERROT, M. & DUBY, G.


(dir.) Histria das Mulheres: a Idade Mdia. Porto: Afrontamento, 1990.
CERTEAU, M. A Inveno do Cotidiano: artes de fazer. Petrpolis: Vozes,
1999.
DALARUN, J. Olhares dos Clrigos. In: PERROT, M. & DUBY, G. (dir.)
Histria das Mulheres: a Idade Mdia. Porto: Afrontamento, 1990.
GIFFRD, D. J. Textos Lingusticos del Medievo Espaol. Oxford: Dolphim
Books, 1966.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrpolis: Vozes, 1999.
PILOSU, M. A Mulher, a Luxria e a Igreja na Idade Mdia. Lisboa:
Estampa, 1995.
VAUCHEZ, A. & VINCENT, C. (org.) Dictionnaire Encyclopedique du
Moyen ge.Paris: Les Editions du Cerf, 1997. 2 v.
Fonte primria:
BOA FORMA, Editora Abril, So Paulo, no 8, 2000.
JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. (org.) Biblioteca de Autores
Espaoles. Poetas Castellanos Anteriores al Siglo XV. Madrid: Atlas, 1966.
MARIE CLAIRE, Editora Globo, So Paulo, no 114, 2000.
1 - BLOCH, H. Porto do Diabo e Esposa de Cristo. In: ___. Misoginia
Medieval e a inveno do amor romntico ocidental. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995. p. 95.
2 - PILOSU, M. A Mulher, a Luxria e a Igreja na Idade Mdia. Lisboa:
Estampa, 1995. p. 49.
3 - PILOSU, M. op. cit. p. 131.
4 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. (org.) Biblioteca de Autores
Espaoles. Poetas Castellanos Anteriores al Siglo XV. Madrid: Atlas, 1966.
5 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. op. cit. p. 688.
6 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. op. cit. p. 689.

7 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. op. cit. p. 689.


8 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. op. cit. p. 690.
9 - JANER, F.; PIDAL, P. J.; SANCHEZ, T. A. op. cit. p. 696.
10 - BOA FORMA, Editora Abril, So Paulo, no 8, 2000.
11 - MARIE CLAIRE, Editora Globo, So Paulo, no 114, 2000.
A Mulher na Idade Mdia

INTRODUO

A alma de uma mulher e a alma de uma porca so quase o mesmo,


ou seja, no valem grande coisa. (Arnaud Laufre).
Toda mulher se regozija de pensar no pecado e de viv-lo.
(Bernard de Molas).
Quem bate numa mulher com uma almofada, pensa aleij-la e no
lhe faz nada (Provrbio da poca).
Por estes pensamentos da poca j da para se ter uma ideia da viso
que o homem tinha da mulher. Mas a que est, no se pode concluir
como era a vida da mulher apenas pela viso masculina. Pois esta pode
estar distorcida, ser apenas fruto de sua imaginao. necessria que seja
feita uma avaliao tambm da viso feminina. Aqui mostramos essa
avaliao da viso de ambos os sexos. Para tentar concluir como era a vida
das mulheres na Idade Mdia.

DESENVOLVIMENTO
A MULHER NA FAMLIA

As filhas eram totalmente excludas da sucesso, quando contraiam


matrimnio recebiam um dote, constitudo de bens que seriam
administrados pelo marido. A linhagem beneficiava apenas componentes
do sexo masculino, e a herana s era passada para o primognito, isso
como forma de evitar a diviso dos bens da famlia. Quando a mulher se
casava passava a fazer parte da famlia do esposo. Nessa nova famlia,
quando viva, no tinha direito herana.
O casamento era um pacto entre duas famlias, o seu objectivo era
simplesmente a procriao. A mulher era ao mesmo tempo doada e
recebida, como um ser passivo. Sua principal virtude, dentro e fora do
casamento, deveria ser a obedincia, submisso. Filha, irm, esposa: servia
somente de referncia ao homem que estava servindo.
A inferioridade feminina provinha da fragilidade do sexo, da sua
fraqueza ante aos perigos da carne. No centro da moral crist existia uma
aguada desconfiana em relao ao prazer. Ele, segundo os moralistas,
mantinha o esprito prisioneiro do corpo, impedindo-o de se elevar em
direco a Deus.
Na prtica do sexo, sempre com o objectivo nico da procriao, a
mulher no deveria demonstrar sensao de prazer, a posio deveria ser o
homem sobre a mulher. Essa posio obrigatria da prtica do sexo
indicava a situao de submisso que dela se esperava.
Seguramente, na concepo dos religiosos, o marido que amasse
excessivamente sua esposa era visto como adltero. No deveria us-la
como se fosse uma prostituta. A mulher no podia tratar o marido como se
ele fosse seu amante. Por intermdio do casamento, o corpo da mulher
passava a pertencer ao seu esposo. Mas a alma dela deveria sempre
permanecer na posse de Deus.
Na poca, buscava-se justificar o desprezo dos homens pelas
mulheres de todas as formas. Para os pensadores da poca, a palavra latina
que designava o sexo masculino, Vir, lembrava-lhes Virtus, isto , fora,

retido. Enquanto Mulier, o termo que designava o sexo feminino lembrava


Mollitia, relacionada fraqueza, flexibilidade, simulao.
Aos homens, pais ou maridos cabia o direito de castig-las como
uma criana, um domstico, um escravo. Este desdm revela ao mesmo
tempo desconfiana e temor. Os homens receavam o adultrio por parte da
esposa. Temiam que lhes oferecessem certos filtros mgicos que os
levassem a impotncia. Esterilidade, esta, que assustava os homens.

ACTIVIDADES PROFISSIONAIS

Na poca, a mulher era vista como um ser que foi feito para
obedecer. No era bom que uma mulher soubesse ler e escrever, a no ser
que entrasse para a vida religiosa. Uma moa deveria, isso sim, saber fiar e
bordar. Se fosse pobre, teria necessidade do trabalho para sobreviver. Se
fosse rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e
supervisionar o servio de seus domsticos e dependentes.
Entretanto, no devemos pensar na mulher como um grupo compacto
e oprimido pelos homens. As diferenas sociais foram sempre to fortes
como as diferenas de sexo. Muitas vezes a opresso era exercida pelas
mulheres poderosas sobre as suas dependentes.
As camponesas deveriam, quando casadas, acompanhar seus maridos
em todas as actividades desempenhadas no domnio senhorial onde
trabalhava. Quando viva trabalhava com os filhos ou sozinha. J s
aristocratas cabia a tarefa de ser dona de casa, funo difcil na poca, pois
a economia domstica era bastante complicada, exigiam muita habilidade e
senso de organizao da dama. O suprimento de alimentos e vestimentos da
vasta famlia estava sob sua responsabilidade. Tinha de administrar o
trabalho dos domsticos, acompanhar passo a passo fabricao dos
tecidos, controlar e supervisionar o abastecimento de alimentos.
ASPECTOS DA MARGINALIDADE FEMININA
difcil sustentar a hiptese de uma marginalizao generalizada da
mulher na Idade Mdia. O casamento, tornando-a responsvel pela
reproduo biolgica da famlia, garantia-lhe papel de relevo na
estabilidade da ordem social. Juridicamente despersonalizada, esteve
reduzida ao meio familiar e domstico. Em alguns casos no se tratava

apenas de marginalizao de mulheres. A heresia, por exemplo, teve


seguidores dos dois sexos.
Os movimentos herticos representavam perigo para a doutrina
oficial da Igreja em vrios momentos desde a afirmao do cristianismo
como religio preponderante no Ocidente. As heresias, doutrinas contrrias
ao que se foi estabelecido pela Igreja, levados, pela independncia na
interpretao de textos sagrados, ao confronto com os dogmas
estabelecidos, e outras vezes de velhas tradies pags no assimiladas pelo
cristianismo e refutadas por esse motivo.
Na heresia, ao contrrio das normas da Igreja, existia espao para a
pregao ao sexo feminino. Em uma das doutrinas hereges, as mulheres
poderiam se tornar perfeitas, um grau superior nesta doutrina. Ao que
tudo indica, esta mulher perfeita poderia prestar os mesmos servios
espirituais que o um homem, tendo os mesmos direitos e o mesmo apoio
que eles gozavam.
Outra questo que levava a marginalidade feminina era a
prostituio. Parece surpreendente o fato de uma actividade oposta aos
rgidos padres morais da poca ter sido to amplamente desenvolvida,
tornando-se mesmo pblica entre as pessoas que estabeleciam os fitos
padres. A prostituio, na verdade, foi sempre ambgua, considerada um
mal necessrio. Em ltima instncia, a prostituio, imoral, colaborava
para a sanidade da sociedade.
A prostituio resolvia o problema dos jovens. A difuso da
prostituio em meio urbano diminui a turbulncia caracterstica desse
grupo. O recurso aos casares nocturnos diminuiu a possibilidade de
estupros, arruaas e violncias generalizadas cometidas pelas agremiaes
juvenis. Resolvia tambm o problema da homossexualidade masculina. A
prostituio servia ainda de remdio s fraquezas dos clrigos diante dos
prazeres da carne. Assim, de pernicioso aos olhos dos moralistas, pela
garantia da moralidade pblica, o meretrcio, mais que tolerado, foi
estimulado. Entretanto as marcadoras do prazer jamais foram bem vistas.
Pelo contrrio, era preciso afast-las das pessoas de bem.

CONCLUSO
Ao final deste trabalho conclui-se que:
o
o

A mulher era vista como submissa pois era temida. Considerava-se


que a mulher era o pecado, a carne fraca.
O casamento no tinha nunca o objectivo de unir pessoas que se
amam, ou o objectivo de dar prazer a alguma das partes, e sim o
objectivo da procriao.

A mulher quando se casava simplesmente trocava de homem ao qual


tinha que se submeter (de pai para agora marido).

A prostituio era considerada um mal necessrio, pois curava


vontades de jovens e clrigos, mas ainda assim as prostitutas eram
marginalizadas da sociedade.

As doutrinas diferentes religio catlica pregavam que a mulher


poderia ter os mesmos direitos que os homens, por isso eram
calorosamente perseguidas pela Igreja.

mulher cabia as responsabilidades domsticas, excepto no caso de


camponeses e classes mais baixas, que deveriam acompanhar seu
marido no trabalho feudal.

BIBLIOGRAFIA
MACEDO, Jos Reaver. A mulher na idade mdia. So Paulo.
Editora Contexto. 1990.

Para traar um esboo sobre o histrico do corpo, importante reunir


alguns conceitos sobre esse termo. O corpo a parte material, animal ou a
carne do ser humano, por oposio alma, ao esprito. tudo aquilo que,
sendo impenetrvel e limitado em extenso, produz nos nossos sentidos
uma impresso que resulta dos seus prprios atributos. Nesse contexto,
poderamos, ento, citar momentos histricos e mostrar como aconteceram
as mudanas na noo de corpo, j que nem sempre o que era aceito pela
sociedade eram corpos magros e esbeltos como os das modelos e
manequins que estampam as revistas actualmente; muito menos corpos
malhados e definidos, como os apresentados na mdia e nas academias.
Percebe-se uma grande virada no discurso, no sentido de que as mudanas
que aconteceram na noo de corpo foram oriundas das mudanas no
discurso. Para o cristianismo, o corpo sempre teve uma caracterstica de f;
o corpo crucificado, glorificado e que comungado por todos os cristos.
Como diz o Evangelho de So Joo: O verbo se fez carne e habitou entre
ns. Nesta religio, o homem possui eminentemente uma funo de amar,
e para que isso seja efetivado, existe a necessidade de um corpo, que sirva
como suporte para esse amor. Em contrapartida, existe o budismo, no qual
a busca o desligamento do mundo e, em conseqncia disso, do prprio
corpo.
Percebe-se que na Antiguidade principalmente nos dois primeiros sculos
havia uma preocupao muito grande com o cuidar de si mesmo, sendo
que a ateno era voltada para a sade do corpo e da alma. Para os gregos,
cada idade tinha a sua prpria beleza, e a juventude tinha a posse de um
corpo capaz de resistir a todas as formas de competio, seja na pista de
corridas ou na fora fsica. O esttico, o fsico e o intelecto faziam parte da
busca da perfeio, sendo que um belo corpo era to importante quanto
uma mente brilhante. A concepo que se tinha de beleza era to forte, que
aquilo considerado belo era visto como natural, ao passo em que o feio era
antinatural.
A cultura de si Nos sculos I e II, os filsofos enfatizavam a necessidade
dos indivduos terem cuidado consigo mesmo, pois era dessa forma que
alcanariam uma vida plena. Eles acreditavam que o zelo deveria ser tanto
com o corpo quanto com a alma, sendo que para evitar distrbios, eram
recomendados leitura, meditaes, regimes rigorosos com actividades
fsicas e dietas. Esse cuidar de si provocou no mundo helenstico e romano
um certo individualismo, no sentido de que as pessoas valorizavam as
regras de condutas pessoais e voltavam-se para os prprios interesses,

tornando-se menos dependentes umas das outras e mais subordinadas a si


mesmas. Instaurou-se, ento, o que Foucault chamou de cultura de si.
O fato de que a noo de corpo est inteiramente relacionada aos padres
de cada poca, que para compreender essa construo do corpo deve-se ir
alm do entendimento sobre o seu desenvolvimento fsico, e atrel-la a um
sistema de valores provenientes da cultura grega, posteriormente
repassados para a Europa Ocidental.
J na Idade Mdia, o valor atribudo no era mais o da beleza, mas sim o da
pureza, o da mulher virgem e delicada, visto que esse momento marcado
pela dicotomia entre a mulher-me, representada por Eva, e a mulheramante, representada por Lilith.

O uso do corpo:
produo de saberes e hbitos corporais1
Jos Augusto Carvalho de Arajo
Cientista Poltico,
Professor do Departamento de Filosofia e Cincias Sociais
da Universidade do Estado do Par - UEPA.
Mestrando pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia
da Universidade Federal da Paraba
(Campus I - Joo Pessoa).
Bolsista do CNPq.
E-Mail: [email protected]
O conceito de civilizao da Teoria Evolucionista Europia tem uma viso
etnocntrica e emergiu na Segunda metade do sculo XVIII, principalmente
na Frana, tida como a intelligentsia burguesa de grupos importantes da
classe mdia e da Aristocracia de Corte, j no sculo XVII. Tanto a
Burguesia de Corte como a Aristocracia de Corte falavam a mesma lngua,
tornando-se um grupo cada vez mais amplo, em relao s convenes de
estilo, formas de intercmbio social, estima pela cortesia, pela importncia
da boa fala, eloquncia da linguagem, que inicialmente tinha um carcter
social da Corte Francesa, mas que posteriormente ganha um carcter
nacional no s na Frana, mas em outros Pases da Europa. A prpria

Alemanha com toda a resistncia, visto exercer a diviso mais rigorosa


entre as classes sociais, sofreu influncia em alguns sectores da sociedade.
A Frana consolidou a formao dos costumes sociais inicialmente na
Literatura, com a Igreja Catlica, que passou ser referncia para todo o
Ocidente.
Os hbitos corporais so apenas uma das expresses da civilizao, das
boas maneiras, da polidez, da virtude, dos costumes, do urbano, do
civilizado, do educado; como um ideal da classe mdia burguesa e da
aristocracia em toda a Europa, representando o verdadeiro ideal da
sociedade de corte, como uma qualidade especfica do comportamento
humano, o refinamento de boas maneiras sociais homme civilis, poli,
polic, cultiv. Conceitos estes que tinham a mesma funo do conceito
civilisation, e ditavam os privilgios da imagem da classe alta europeia em
comparao com os homens mais simples ou mais primitivos.
Na segunda metade do sculo XVIII os valores dominantes de uma poca
de ascenso capitalista na Frana, de classes sociais burguesas se
ampliaram dentro de um amplo contexto: estabeleceram em nvel de
relaes internacionais, poder e interesses, e impuseram ao Ocidente a
barbrie da colonizao Econmica e Cultural em nome do proteccionismo
rigoroso em defesa da sua indstria nacional e da actividade comercial,
contra a concorrncia estrangeira dos seus reinados.
Norbert Elias analisa o momento em que foi criado o termo civilisation,
como um reflexo de ideias reformistas da poca que conduzia o homme
civilis a um conceito indicativo de costumes e condies sociais da
sociedade vigente como um todo, e que precisava se estabelecer como uma
expresso de oposio s formas de resistncias naturais e irracionais
da parcela insatisfeita da sociedade.
Argumenta Mirabeau que o termo civilisation na fase inicial de seu
emprego leva descobertas, a uma nova moralidade, novos valores, mas
que seria necessrio que os governantes percebam as leis a fim de us-los
para orientar os processos sociais de uma maneira mais esclarecida e
nacional do que at ento.
Neste sentido, a cultura passa a ser a constituio inerente por meio da qual
o homem enxerga o mundo. Pela cultura, o mundo passa a depender em
larga medida das convenes sociais que variam de sociedade para
sociedade, de grupo para grupo, de tempo para tempo.

A postura, os gestos, o vesturio, as expresses faciais estes


comportamentos externos so manifestaes do Homem inteiro;
princpios de condutas humanas dos ditos civilizados, que se
contrapuseram aos diferentes, dos no-civilizados que ficavam a margem
dos padres estabelecidos pela Europa. A Idade Mdia, atravs da Igreja
Crist nos repassou um grande volume de informaes sobre
comportamento sociais. O bom comportamento tornou-se um conceito
criado pela autoconscincia aristocrtica, como aceitvel pelos nobres da
corte.
Os cdigos sociais passaram a ser determinantes j no sculo XVI pelas
classes altas em vrios pases da Europa como: Itlia, Frana, Inglaterra e
Alemanha. A exemplo das atitudes frentes as funes corporais citadas no
Tratado de Erasmo, que data de 1530.
A Europa leva a esclarecimento o discurso da reforma social, junto o
processo de civilizao para o aprimoramento das instituies, da educao
e das leis, na busca de novos conhecimentos e do progresso; para isso, reis
e governantes deveriam estar em conformidade com a razo.
A razo humana no ainda suficiente exercitada; a civilizao dos
povos no se completou ainda; obstculos inumerveis se opuseram at
agora ao progresso do conhecimento til, cujo avano s poder
contribuir para o aperfeioamento de nosso governo, nossas leis, nossa
educao, nossas instituies e nossa moral. (Baron D'Holbach, 1774,
citado por Elias, 1990: 61)
Essas so as primeiras constataes do uso do termo civilizao. Cujo
princpio baseava-se no desenvolvimento de um povo. Tais ideias tiveram
nfases firmes, designatrias e conceituais como a verso individual de
Mirabeau; que via na civilizao um processo contnuo, partindo da ideia
de um padro de moral, costumes e refinamento de boas maneiras, com o
propsito poltico ltimo de uma pacificao interna do Pas pelos Reis,
que conseguiram com isso, o aumento dos impostos, impor leis fiscais mais
rgidas, estabelecer uma legislao sobre comrcio e indstria e por fim
suavizar as turbulncias sociais.
O processo civilizador foi um instrumento da classe mdia burguesa, em
um processo gradual evoluo com um significado original de um
programa de reforma social; tinham uma postura reformista com um
carcter poltico de conquistar colnias por toda as naes do Ocidente, que
justificavam as aspiraes Francesas de expanso nacional e colonizao.

A anlise De civilitate no Tratado de Erasmo de Rotterdam no sculo


XVI traduz sobretudo, mudanas na vida do prprio povo, de processos
sociais, do comportamento de pessoas em sociedade, do decoro corporal
externo, das atitudes. Dizem por exemplo que os olhos so os espelhos da
alma; podem demonstrar uma mente plcida e respeitosa, assim como um
sinal de inrcia, quando for um olhar fixo, ou um sinal de estupidez,
quando for um olhar esbugalhado.
A postura, os gestos, o vesturio, as expresses faciais, so
comportamentos externos citados no Tratado de Erasmo como uma
manifestao do homem inteiro a partir dos valores individuais e ou
colectivos interiores, visto, condutas estabelecidas normativamente pela
cultura irremediavelmente antropocntrica.
Em Erasmo observa-se todo o delineamento da conduta humana, a vida
social e as relaes humanas; divididas em sete captulos que vo das
condies decorosas e indecorosas de todo o corpo: a cultura corporal, das
maneiras, dos lugares sagrados, das reunies, da diverso e por fim a
privacidade do quarto de dormir.
De antemo importante lembramos que o conceito de civilizao o
prprio processo civilizador, da mudana concreta que ocorreu no
comportamento de todo o Ocidente, e que por isso difcil nos
desprendermos desses sentimentos dominantes de juzo, onde os bons
comportamentos sociais eram os padres normativos estabelecidos na
sociedade e o que estava fora dessa condio era o repugnante, o brbaro, o
no civilizado.
Neste sentido, antes de falarmos de hbitos corporais se faz necessrio
suspendermos todos os juzos de valor, assim como qualquer grau de
superioridade; pois a civilizao a que estamos acostumados a considerar
como a melhor nos chegou pronta e acabada ou parte de um processo em
que estamos envolvidos e s vezes nem sabemos porque? histrico e tem
um vcio de origem, tomados pelas conquistas da Europa Civilizada,
conquistas estas polticas e econmicas que acabaram fortalecendo a
cultura dominante de um povo que teve como incio o Processo Civilizador
para todo o Ocidente, considerados povos selvagens em condies de
barbrie e primitivismo, mas que na sua essncia foram os povos
massacrados e excludos pela viso Etnocntrica da Europa moderna e
civilizada aos ditames do capital incipiente da poca.
A igreja, citada anteriormente, na Idade Mdia, deixou-nos grande volume
de informaes sobre o que era considerado comportamento socialmente

aceitvel, como a conduta s refeies, os bons costumes e os cultos


religiosos redigidos em Latim, estabelecendo normas de comportamento
padro j no sculo XII. O comportamento do Nobre, do Corts,
expressavam classe superior, a dos cavaleiros que viviam na Corte,
sempre eram valorizados frente a conduta dos camponeses, tidas como
maneiras rudes.
Os mandamentos da igreja foram aceitos como padro pela literatura
corts, partindo de certas formas latinas que desembocaram no cdigo de
boas maneiras dos franceses, do italiano, do alemo, ingleses e latinos.
Atitudes que vo desde os preceitos cristos bsicos, como as instrues de
darmos graas aos acontecimentos da vida, entre outros, lavar as mos
antes das refeies, no tocar mesa, no nariz e orelhas, no apoiar o
cotovelo em cima da mesa, demonstrar sempre estar alegre, no falar
demais, no cair vorazmente sobre os alimentos, no soltar gazes mesa,
no limpar os dentes ou a boca com a toalha da mesa, no oferecer aos
outros o po que j mordeu, etc; aspectos estes indicados nos cdigos de
boas, ms maneiras e etiquetas da cultura francesa, encontradas no Tratado
de Erasmo e em Coletneas de versos Mnemnicos, relacionados aos
costumes; lembrando que o comportamento dessas pessoas na Idade Mdia
no eram menos rgidos e determinantes como os nossos prprios
comportamentos e cdigos sociais, basta tentarmos comer com as mos
num evento social.
Do sculo XVI em diante, pelo menos nas classes altas, o garfo passou a
ser usado como utenslio para comer, respectivamente na Itlia, Frana,
Inglaterra e Alemanha. E at recentemente no sculo XVII, o garfo era
ainda artigo de luxo da classe alta, geralmente feito de prata ou ouro.
O Tratado de Erasmo s boas maneiras, de modo algum ignora ou oculta as
discrepncias sociais e nem to pouco indica que os preceitos deviam ser
intransponveis ou rgidos, mas manifestavam uma linguagem da autoimagem, tpica do intelectual daquela poca para alcanar o
desenvolvimento social, mas para isso precisavam da cultura e da autoconfiana; para que dessa forma se tornasse um membro da classe
humanista, que poderia se manter inclusive distante dos extratos
governamentais citado por Erasmo em dedicatria ao jovem prncipe.
Assim como as condutas criminais estabeleceram a criao de leis a partir
de uma determinada poca em nossa sociedade, portanto, no mais apenas
o bom-senso e as regras de valores morais dos indivduos; tambm fomos
forados a viver de uma maneira nova e diferente a partir de cdigos de
comportamentos; tornando-se mais rigoroso o grau de responsabilidade, do

que fazer para no ofender ou chocar os outros.


Se os comportamentos sociais estabeleceram condutas em relao as
funes corporais e hbitos corporais na sociedade porque o corpo sofreu
ao longo do tempo regulao de comportamentos e normas de controle que
desembocaram no processo disciplinar dos corpos, como um registro
contnuo de conhecimentos, exercendo poder e produzindo saberes e
desenvolvendo tcnicas para o adestramento ou para o aprimoramento das
aptides produtivas ou para o avano do controle tecnolgico da cincia, na
luta pela vida, contra a morte do corpo, atravs da Biotecnologia Gentica,
passando a ser um recurso da medicina e de apropriao da classe mdica,
com o Nascimento da Clnica. Nesta anlise deve-se pensar o estudo do
corpo em vrios aspectos; considerando as funes corporais, hbitos
corporais, produo de saberes, poder e os aspectos disciplinares
produzidos no corpo. Nesta direco, somos levados a compreender que o
mundo real construdo a partir dos cdigos da sociedade. De modo que
uma grande parte consciente e outra inconsciente: O crebro por
exemplo, selecciona e processa as informaes que lhe so fornecidas
pelos rgos dos sentidos, que so submetidos a uma gramtica
culturalmente estabelecida.
Strozemberg quando analisa o corpo numa viso antropolgica, identifica
que no h sociedade que no perfure ou inscreva de alguma forma o corpo
de seus membros, cada sociedade se especializa em determinados tipos de
corpos para a produo de insgnias da identidade grupal; neste sentido o
aspecto biolgico se funde na anlise sociolgica:
Cada cultura 'modela' ou 'fabrica' sua maneira um corpo humano. Toda
sociedade se preocupa em imprimir no corpo, fisicamente, determinadas
informaes, mediante as quais a cultura se inscreve e grava sobre o
biolgico; arranhando, rasgando, perfurando, queimando a pele, opemse nos corpos, cicatrizes-signos, que so formas artsticas ou indicadores
rituais de posio social: mutilao do pavilho auricular, corte ou
distenso do lbulo, perfurao do septo, dos lbios, das faces,
decepamento das falanges, amputao das unhas, alongamento do
pescoo, incrustaes, apontamento dos dentes, ou extrao dos mesmos,
deformao ceflica, atrofiamento dos membros, musculao, obesidade
ou magreza obrigatria, bronzeamento ou clareamento da pele,
barbeamento, cortes de cabelo, penteados, pinturas, tatuagens,... prticas
que se explicam por razes sempre sociais, de ordem social ou esttica.
(Strozenberg, 1986: 91)

Para Strozenberg os hbitos corporais so aprendidos e transmitidos pela


educao, onde desde crianas j comeamos a assimilar hbitos atravs
das regras de higiene corporal, das repreenses s posturas corporais,
tratamentos sociais, etc...
As secrees corporais como o suor, a saliva, o catarro..., so consideradas
impuras e portadoras de microorganismos causadores de doenas somente a
partir das descobertas desses efeitos patolgicos por Pasteur; antes no
tnhamos tanta veemncia e repugnncia a essas secrees, considerados
naturais em pocas passada. Mas no campo das convenes sociais, a
cultura estabelece seus rituais de condutas. Ao escovarmos os dentes,
tomarmos banho, pentearmos os cabelos, cortarmos as unhas; estamos
reafirmando que somos educados e civilizados e que nos diferenciamos dos
animais irracionais; condutas estas que foram criao do Processo
Civilizador Europeu.
O corpo no perodo medieval se fundia em matria e esprito, no se
separava, tudo que se fizesse matria ou vice-versa ofendia o esprito. Por
esta lgica atribua-se sentido tortura e dor, uma vez que a punio
sobre o fsico era tambm sobre a alma.
Por esta ordenao de ideias e sentimentos se recusava a cremao; pois
com esta prtica acreditava-se que se aniquilava a ressurreio atravs do
esprito. Neste sentido a prtica era considerada uma prtica de brbaros
pagos e criminosos graves ou hereges que cometiam sacrilgios. A
dissecao, a abertura do cadver era considerada uma profanao ao corpo
humano e o olhar cientfico na rea mdica no havia ainda conquistado a
legitimidade da sociedade e da medicina , pois o corpo era visto como algo
sagrado.
A casa tpica do campons medieval ainda era de um nico cmodo, com
raras excepes, a exemplo o Pas da Monglia situado entre a Ex-Rssia e
a China, que mantm a tradio, onde os corpos e as diferentes funes
quotidianas se sobrepunham: num nico espao; cozinha-se, se dorme, se
pratica relaes sexuais, se trabalha, se faz higiene corporal... A ideia de
privacidade ainda no se consagrara e o individualismo burgus ainda no
preponderante. Tais comportamentos so muitos diferentes na nossa
sociedade contempornea.
Uma vez iniciadas as reformulaes e transformaes das necessidades
humanas nas relaes entre homens e o desenvolvimento da tcnica, se
consolidaram novos hbitos em grau extraordinrios. Novos padres esto
emergindo em uma nova fase da civilizao.

A sociedade sempre se apropriou dos hbitos, costumes e tradies


estabelecidas pela cultura, que dialecticamente vive entre o sagrado e o
profano, do puro e do impuro, da ordem e da desordem... Por isso o corpo
porta a marca da vida social e a preocupao de toda sociedade em fazer
imprimir nele, expresses e hbitos fsicos ritualsticos, assim como,
formas de condutas de comportamentos estabelecidos pelas tradies a um
enquadramento cultural, com isso a sociedade se obriga a reflectir sobre si
e a pensar em seus destinos.
A exemplo de um jornal de 4 de setembro de 1973 que trazia uma matria
onde o Prefeito da cidade de Pirassununga (So Paulo), que mandou retirar
do cemitrio municipal um epitfio que continha os seguintes dizeres:
bpede, meu irmo, eis o fim prosaico de um espermatozide que, h mais
de oitenta anos, penetrou um vulo, iniciou o seu ciclo evolutivo e acabou
virando carnia. Estou enterrado aqui, sou o Chico sombrao, xingai por
mim. Recusa-se o enquadramento cultural, substituem-se os termos
sagrados por palavras profanas e matam-se as esperanas de ressurreio e
de vida eterna.
O corpo vivo ou morto sempre objectos da cultura normativa, de
sentimentos, de penitncias, instintos e emoes, formas de auto-controle
dos tabus sociais e da crena religiosa, que teve em si um efeito civilizador,
na busca da vida eterna, ao lado de Deus, na Idade Mdia. Da mesma
maneira que a fala cientfica estabeleceu hegemonia sobre outros discursos
na Idade Moderna.
O aparecimento das cincias humanas coincide com a definio de
homem na cultura ocidental. este conceito s foi possvel no sculo XIX
com surgimento de conceitos como vida, linguagem e trabalho. O homem
pois inveno da modernidade. O mundo dos signos, um mundo dado
pela natureza, passa ser um mundo construdo pelo homem. (Foucault,
1995: 362)
Na Idade Moderna, em meados do sculo XVII, a sociedade passa a fazer
uso de um cmodo para dormir, outro para a higiene corporal, um para
preparar os alimentos, outro para excretar... Diferentemente, o corpo
medieval no era algo privado, visto no haver ainda diviso
funcionalmente do espao, pois viviam grupos de parentes e agregados
num nico espao. Neste mesmo perodo; por volta dos sculos XVII e
XVIII, que comeam o interesse de se prolongar a vida, de perceber os
sintomas das doenas e de conservar a sade em busca da eternidade
atravs do rejuvenescimento e de outras tcnicas; classes estas que tinham

privilgios e podiam pagar mdicos e clnicas, e nesta perspectivas viviam


mais tempo e manteriam por mais tempo o acmulo de seu prprio capital.
O corpo em sua transformao deixa de se submeter a comportamentos,
hbitos e costumes colectivos e passa ser propriedade individual e privada
da classe burguesa, que v no corpo a produo, a mo-de-obra, o
instrumento, o treinamento, a disciplina no corpo como produtomercadoria, que passa a se articular e fundir-se entre o processo produtivo
com o progresso da tcnica e dos recursos tecnolgicos, juntamente com o
consumo desses bens de produo para os corpos livres da moral, com o
advento da teoria Liberal Capitalista, possvel de regenerao esttica,
cirrgica ou gentica. Corpo este que s poder morrer por acaso.
O Liberalismo Econmico, expressa no corpo, o individualismo burgus de
uma sociedade revestida no presente corpo liberado para consumir o que
est sendo produzido em larga escala. Neste novo contexto, os laos
afectivos no importaro mais.
No corpo se produziram saberes, hbitos e mecanismos de controles
disciplinares que se inscreveram nas cincias biolgicas e humanas, em
pocas diferentes. Do feudalismo ao capitalismo o poder sobre o corpo de
alguma forma produziu saberes que vo do refinamento dos bons hbitos
da Aristocracia da Corte Europeia ao aprimoramento das tcnicas corporais
da classe burguesa em ascendncia, com o Liberalismo Econmico iniciado
na Inglaterra, Gr-Bretanha e EUA.
Este artigo em nenhum momento ter a pretenso de dar conta de dois
perodos extensos da histria. Do feudalismo tradicional ao capitalismo
moderno, muito se produziu para a produo de verdades e saberes de
diferentes classes. Neste sentido, no se trata de uma viso epistemolgica,
mas sim importncia de esclarecimentos de palavras chaves
compreenso do corpo posicionado, atravs da elucidao de conceitos
como: civilizao, costumes cristos, cdigos de condutas; buscando
sempre como elo de explicao a cultura. A positividade do estatuto do
corpo fora criado pela Psicanlise Freudiana, reinterpretada tanto como
saber como tambm experincia clnica a partir de 1920. Dessa forma o
corpo definido por oposio ao psiquismo e reduzido aos registros
quantitativos, somticos, anatmicos e biolgicos.
Em contrapartida, o psiquismo definido num campo de representaes
(Freud) e em outro campo de significantes (Lacan). Com isso a prtica
psicanaltica se limita no que pode ser analisado de fato e de direito, a
decifrao de significantes e de representaes, em contrapartida, tudo o

que no decifrvel no corpo, expulso do campo analtico da psicanlise.


Foi com o Projecto de uma psicologia cientfica que Freud empregou o
termo Psiquismo e a Medicina Organismo. Dessa forma o sujeito
foi dividido entre os saberes mdicos e as prticas clnicas submetidas s
regras da racionalidade biolgica. Mas somente a partir de 1950 com a
Psicofarmacologia que teremos a construo de uma identidade para a
psiquiatria (Birman, 1999). Atravs do desenvolvimento das
Neurocincias a psiquiatria se tornou uma especialidade da Medicina,
antes deste contexto a base de anlise da psiquiatria eram os aspectos
morais do comportamento humano, ou seja, num campo totalmente
subjetivo, no mensurvel.
A Medicina e a Psiquiatria como cincia Ocidental Oficial, de modo geral
esto baseadas na racionalidade cientfica, ou seja, todos os pressupostos e
hipteses devem ser possveis de testes e verificados segundo condies
objectivas, empricas e controladas. Uma vez observadas, diagnosticadas,
passam ser medidas objectivamente , negligenciando dessa forma a viso a
partir de outros parmetros encontrados na cultura, no emocional e psquico
do indivduo.
O modelo da Medicina Moderna est orientada principalmente para a
descoberta e a quantificao das informaes psicoqumicas sobre o corpo.
Esses modelos so formas de construir a realidade e de impor significados
ao caos do mundo fenomenolgico.
nesta relao que identificamos a anamnsia do corpo. considerando
apenas o seu estudo clnico, deslocando-o da importncia da cultura e do
conhecimento do indivduo sobre o seu prprio corpo e hbitos, capaz de
criar e mudar a sua histria, em busca da qualidade e melhores condies
de vida.
O sentido da racionalidade da Cincia Moderna representa sobre o corpo
atualmente, o controle , o saber e o poder da Medicina, das Instituies de
Sade, da Indstria biotecnolgica, dos Institutos de Pesquisas avanados e
do prprio pesquisador, a exemplo do Projeto Genoma, no controle do
DNA Gentico Humano pelos EUA, citado por Rabinow (1999), como o
mais alto controle do Fentipo Humano, atravs do mapeamento do DNA
Gentico, como uma das mais avanadas prticas tecnolgicas da cincia
no corpo, visto na actualidade.
A semiologia do corpo a prpria Semiologia Mdica, rea da Medicina
que passa a estudar os mtodos de exame clnico busca de sintomas e

sinais da doena no corpo, como gerador de signos. Neste sentido o corpo


deixa de ser subordinado a um olhar clnico, como uma caracterstica da
Medicina Clssica e passa a fazer parte de uma linguagem prpria,
especfica de domnio de saber tecnolgico e poder mdico. Com o avano
da Medicina Moderna. O exame sai do corpo fsico presente e entra nos
micros tecidos, intracelulares.
impossvel pensar o homem em uma dimenso puramente biolgica, mas
num processo interactivo entre os aspectos biolgicos e scio-culturais, de
modo que:
O Crebro humano tambm cultural, j que foi desenvolvido em
grande parte aps o incio da cultura e influenciado e estimulado por
atitudes culturais. (Daolio, 1995: 33)
Percebe-se o corpo em dois momentos: em um estgio natural, antes da
razo cientfica, onde o corpo era visto pelos traos da tradio e da autoregulao moral. E em outro momento, na Modernidade, temos o estgio
da liberdade, com a criao do homem e o conceito de corpo/ organismo
pela razo do conhecimento cientfico da Cincia e das Prticas
Institucionais Mdicas.
A histria epistemolgica da racionalidade cientfica teve seu incio nos
sculos XVI e XVII, se fortaleceu no movimento Iluminista do sculo
XVIII e no Cientificismo do sculo XIX. No campo da Medicina Moderna,
o marco o final do sculo XVIII, com o nascimento da clnica - analisado
por Foucault (1977) -, que a partir daquele momento no se tratava somente
de uma maior racionalidade, mas sim de mutaes no campo dos discursos
do saber mdico sobre o corpo. A Medicina Moderna se apropria desse
discurso atravs da classe mdica, que passam a utilizar uma linguagem
tcnica especializada com suas prticas e controles instrumentais, recursos
tecnolgicos e metodologias apropriadas, com vocabulrio mdico
especfico e controle de hipteses para o diagnstico. Com isso a cincia
estabelece os conceitos e os critrios de verdades sobre o corpo, visto por
uma cultura dominante o saber mdico.
Segundo Marcel Mauss (1974), socilogo e antroplogo francs e um dos
primeiros a estudar o corpo humano, analisa o uso e a percepo do corpo
nas sociedades tradicionais como semelhantes, de dimenso puramente
anatmica e fisiolgica:
Todos os homens, comem, dormem, copulam, etc... Ao longo dos tempos,
com a cultura e a insero das tcnicas corporais vo ser determinantes s

particularidades em cada sociedade e em cada cultura, incluindo alm dos


aspectos anatmicos e fisiolgicos (de controle biolgico), os aspectos
psicolgicos (como objectos da psicanlise) e sociais (da sociologia), a
partir do conceito de tcnica que ir ser determinante no espao cultural,
como um aprendizado acumulativo de cada sociedade especfica e em
diferentes momentos histricos. Vale ressaltar que em algumas
comunidades, a exemplo da cultura de alguns aborgines australianos,
onde no h a presena da linguagem escrita, eram inscritos nos corpos as
suas prprias Leis normas, hbitos e costumes , como rituais de
iniciao.
Somente na cincia moderna que se pensa o homem como centro da
produo de saberes, com suas operaes discursivas; a exemplo da
loucura que no incio do sculo XVIII era visto apenas como um desvio,
uma iluso delirante do indivduo e no havia a sistemtica da internao,
entretanto, no comeo do sculo XIX a loucura passa ser percebida como
uma conduta desregulada e anormal do indivduo, devendo ser asilado do
convvio social e tratado pela medicina.
Neste momento se inscreve o termo doena mental e se confia ao hospital o
confinamento. A Medicina se apropria do saber, da produo dos conceitos
e passa a utilizar as prticas institucionais mdicas para a cura ou reverso
do louco. Assim se estabelece a funo do hospital psiquitrico do sculo
XIX e do mdico como produtor de verdades sobre as doenas no corpo. O
poder mdico justificado pelo privilgio tcnico e cientfico do
conhecimento que lhe permite produzir doravante a realidade de uma
doena mental, que passa ser codificada, controlada, testada,
diagnosticada... pela psiquiatria clssica. Segundo Foucault esta estrutura
de ordenao de saberes passa ser um campo frtil para a produo do
conhecimento cientfico na Modernidade. A fala cientfica estabeleceu
hegemonia sobre outros discursos, assim como a mente assume essa
autoridade sobre as falas do corpo, e com isso, silencia o corpo. Para
Nietzsche (Machado, 1999) o conceito de verdade criado pela cincia,
atribuiu um sentido forjado, um falseamento do real e do pensamento, onde
tudo aparente e que portanto, no h nenhuma essncia.
Foucault retoma a noo nietzschiana sobre a verdade acrescentando o
termo Inveno, onde a verdade das coisas se liga a uma verdade do
discurso, onde o conhecimento um resultado histrico, apropriado pelo
homem a partir do mundo das coisas. Para a Arqueologia de Foucault, a
cincia um discurso que tem a pretenso da verdade, como constituio
de um campo de saber que por sua vez constitui relaes de poder. Por isso
o saber funciona para a sociedade dotado de poder, que nem sempre exerce

um modo negativo, apenas o poder uma segunda dimenso irredutvel


do saber, so indivisveis, onde o saber feito de formas concretas,
visveis; do que enuncivel, como um arquivo, e o poder exercido, feito
de foras; correlaes, como um diagrama (Deleuze).
O poder para Foucault um poder disciplinar, no destri o indivduo, mas
o constri, o poder disciplinar um instrumento de saber que permite o
controle do corpo:
A aco sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulao do
comportamento, a normalizao do prazer, a interpretao do discurso,
com os objectivos de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar,
tudo isso faz com que aparea, pela primeira vez na histria, essa figura
singular, individualizada o homem como produo de poder. Mas,
tambm, e ao mesmo tempo, como objectos de saber. (Machado, 1979:
XX)
Nas anlises de Foucault o poder disciplinar positivo e funciona como
uma rede. O domnio da tcnica sobre o corpo um mecanismo e um
instrumento de poder. Mas tambm a tcnica disciplinar e possibilita a
insero dos corpos em um espao individualizado produzindo rapidez e o
mximo de eficcia.
A disciplina dos corpos implica um registro contnuo de conhecimentos,
visto que, ao mesmo tempo em que exerce um poder, produz um saber. A
exemplo o desenvolvimento da tcnica e do processo tecnolgico
produzido na vida Moderna, onde os aspectos anatmicos e a ideia de
corpo-mquina que visa o adestramento do indivduo e o aprimoramento
das aptides para a produo de bens de consumo, entre outras, ideias que
j se consolidam no sculo XVII. Por outro lado, temos o corpo-espcie ou
corpo biolgico, entre os quais se articula o sexo, e a vontade de saber
sobre a sexualidade (Foucault, 1988, vol. I: 131) como uma estratgia de
controle do indivduo e da populao, atravs da administrao dos corpos;
que ir ficar mais evidente na metade do sculo XVIII, cujo processo mais
importante ser investir sobre a vida, na luta contra a morte do corpo.
No sculo XX, a exemplo de todo esse desenvolvimento tecnolgico,
temos o Projeto Genoma nos EUA. atravs do mapeamento do DNA
gentico, que est sendo visto pela cincia como um poder positivo s
futuras geraes.

Fig. 1 - Mulher-girafa de Mianm

Fig. 2 - Distenso orbicular da boca (ndio brasileiro)

Fig. 3 - Corpo tatuado (homem asitico)

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ed. Coimbra: Histrias e Ideias, 1999.

STROZENBERG (org.). De corpo e alma. Rio de Janeiro:


Comunicao Contempornea, 1986.

Nota
1) Trabalho apresentado na sesso Vida, sade, doena: tempos e
imagens, no GT Sade, Corpo e Imaginrio, durante o X Encontro de
Cincias Sociais do Norte e Nordeste, realizado no campus de Ondina da
Universidade Federal da Bahia, na cidade de Salvador, entre 14 e 17 de
agosto de 2001; e no V CCHLA - Conhecimento em Debate, realizado no
Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da
Paraba (Campus I - Joo Pessoa), em novembro de 2000.

Analise reflexiva do corpo


cultural
*Acadmico do curso de
Vitor Jatob*
Graduao em EF na
[email protected]
Universidade do Vale do Rio dos Letcia Wilke Franco**
Sinos - UNISINOS.
[email protected]

**Acadmica do curso de
Graduao em EF na
Universidade
Federal do Rio Grande do Sul UFRGS e do Curso de
graduao
em Psicologia na Universidade
do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS.
(Brasil)
Resumo
Como podemos imaginar um corpo sem estar inserido em
alguma cultura, impossvel levando em conta todo este
processo de globalizao de informao. A mdia uma das
maiores responsveis pela divulgao destas informaes,
onde a representao humana est influenciando os
sujeitos/sociais criando uma representao humana
hegemnica. Est representao gera inmeros distrbios na
sociedade.
Unitermos: Corpo. Cultura. Representao humana
hegemnica.
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires Ao 12 - N 109 - Junio de 2007
1/1
Introduo
Este um trabalho de cunho reflexivo originado a partir de estudos
tericos relacionados temtica corpo/cultura na sociedade
contempornea, pensando nos factores que contriburam para a existncia
deste corpo cultural assim como suas conseqncias para com o indivduo e
a sociedade.
Objectivos
Objetivamos para este estudo uma reflexo referente aos problemas
existentes na(s) sociedade(s) e suas intimas relaes com o corpo
contemporneo.

Reflexo
Ao iniciar uma reflexo sobre corpo e cultura, tento idealizar um corpo
que no possua nenhum vestgio cultural. Achei impossvel pensar de tal
forma, pois acredito que todos esto sujeitos a sofrermos alguma
interferncia externa. Penso como um possvel exemplo deste fato, no
personagem da Disney chamado Mogli. Mesmo este menino que fora
criado por lobos, incorporou nesta criao caractersticas prprias da
"cultura" da alcatia. Podemos visualizar o retrato desta influncia na
figura 3, onde o menino se encontra andando sobre quatro patas e
interagindo com um filhote de elefante.

A partir deste pensamento digo que nos identificamos como sujeitos


devido as nossas relaes sociais, no caso Mogli, a relao que ele passou a
ter com a alcatia. Como grande parte de nossas caractersticas so
oriundas do meio, afirmo que o corpo ele mesmo uma construo social,
cultural e histrica (GOELLNER, 2003).
O corpo est to inserido e to importante para a sociedade que ao
mesmo tempo capaz de produzir uma cultura e ser influenciado por
outras. Concordo com Goellner quando a autora apresenta que "pensar o
corpo como algo produzido na e pela cultura , simultaneamente, um
desafio e uma necessidade" (2003, p.28). Podemos compreender essa
necessidade com mais clareza quando discutimos o corpo no tempo e suas
tendncias.
Caracterizando a moda como uma tendncia que ou que deve ser
seguida, posso enumerar ao longo da histria, diversos momentos,
relacionados ao corpo, que possuem caractersticas semelhantes com as de
uma "moda".

Comeo com os gregos onde posso dizer que eles possuam uma
filosofia onde o corpo possua um papel de destaque, possuindo um valor
muito forte para a sociedade Grega. Era necessrio que o indivduo cidado
fizesse uma intima relao entre o trabalho do corpo e os conhecimentos
existentes (filosficos, matemticos, qumicos, entre outros), pois "a
perfeio s podia ser alcanada com a unio da beleza e da virtude"
(CARVALHO, 2004), chegando assim a um estado de plena realizao.
Plato um dos mais conhecidos desta relao, pois apesar de ser um dos
principais filsofos clssicos tambm se consagrou campeo olmpico.
Um grande exemplo do desejo de perfeio grega em relao s formas
do corpo masculino, onde a beleza e a virtude se materializam em um
mesmo ideal, a imagem do Discbolo, possvel de se visualizar abaixo na
figura 4.

A era romana, onde tambm encontramos a existncia da prtica corporal


ainda unida ao conhecimento, s que passa a existir o doutrinamento do
corpo para lev-lo a guerra. O corpo aqui perde significativamente sua
importncia social e passa a ser visto como um instrumento de prazer e
guerra, o que acarretou aps a queda do imprio romano, uma poca de
profundo esquecimento dos ideais gregos.
A idade mdia traz como uma caracterstica principal a sacralizao do
corpo, onde o mesmo se torna sinnimo de pecado. As prticas corporais
ficam restritas somente aos nobres que treinavam para defender seu povo
em suas guerras. A grande valorizao do religioso promoveu a
demonizao dos desejos, entre eles muitas coisas relacionadas ao corpo,
inclusive a sexualidade, devido ideia de que o corpo um dos obstculos
descoberta da verdade e salvao (SANT' ANNA, 2004).

Chegamos ento na era industrial, quando a revoluo tcnico-cintifica


cresceu de uma forma rpida, transformando o mundo feudal em um
mundo onde o tempo dinheiro, pois esta sociedade tende a colocar o lucro
acima de qualquer valor existente. O corpo no teve nenhuma participao
direta neste processo, somente padeceu com o desgaste a ele imposto.
Continuou seguindo traos da antiga idade mdia, onde o corpo era
desvalorizado, assim como tudo relacionado a ele.
Olhando registros feitos em pinturas, fotos, ou mesmo em relatos
escritos, pode-se notar algumas caractersticas existentes em cada poca:
Mulheres gordas e alvas vistas como sensuais e saudveis; O esforo fsico,
que hoje visto como uma forma de melhorar a condio do corpo, era
visto como um indicador de baixo status social (ANZAI, 2000) e o corpo
sacralizado, intocvel.
O que quero dizer que a "moda atua na formatao do corpo"
(CASTRO, 2005, p.141) e este corpo que antes era visto de diferentes
formas pelas sociedades, desde a hipervalorizao grega ao sacramento,
agora visto como "objectos de diferentes anseios e desejos" (FIGUEIRA,
2003, p.124), onde "a importncia dada ao corpo contrape-se ao
ofuscamento ao qual esteve submetido no passado" (ANZAI, 2000, p.71).
Essa dessacralizao desencadeou uma maior liberdade quanto a valores
dentro da sociedade, com isso, ocorreu um fenmeno onde o corpo se
tornou objectos vendvel, e acaba por promover "uma tendncia
hegemonia de certa expectativa corporal" (SILVA, 2001, p.21). O mundo
do consumo est inteiramente ligado ao mundo da informao, e estas
constantemente instigam a sociedade com estilos de vida, moda, corpo e
comportamentos.
Somos seres nicos, at mesmo gmeos idnticos se diferenciam ao
longo do seu processo de maturao. Imagine o impacto que um padro
esttico ideal pode causar em homens, mulheres, crianas ou adolescentes.
Que conseqncias pode causar para a sociedade? O que se faz quando
algum diz: "Fique nu... Mas seja magro, bonito e bronzeado"
(FOUCAULT, 1986, p.83)?
Partindo do principio de "que a prpria percepo, as prprias sensaes
fsicas, os prprios sentimentos so efeitos da cultura" (HEILBORN, 1997,
p.49), ficaramos completamente perdidos quanto ao papel que o corpo
assume perante a sociedade. Hoje ao olhar uma pessoa se pode enunciar as
caractersticas que ela possui e a que grupo social ela pertence, claro que
so definies subjetivas, mas "na sociedade contempornea, o corpo o
local de construo de identidades" (FIGUEIRA, 2003, p.127). Um grave

problema que este local est sendo manipulado de uma forma meramente
mercadolgica, sendo tratado como um mero objectos de consumo.
Isso nos leva a retomar um pensamento onde os nossos corpos no so
meramente coisas, so muito mais que isso, pois esto sempre mediados
pela cultura a qual estamos inseridos (BRUHNS, 2000), e est inserida em
nossa cultura uma presso social que tende a uma exigncia pela
incorporao de algumas das diferentes caractersticas existentes.
Refiro-me a uma modelagem hegemnica, onde todos compartilhariam
as mesmas caractersticas, nos classificando como indivduos
morfologicamente aceitveis ou inaceitvel-excludos.

O indivduo "aceitvel" aquele que segue ou se enquadra no padro


social dominante. Quem no se adapta a este padro vive 'a margem da
sociedade', sendo culpado por no possuir ou se aproximar deste ideal. Esse
indivduo, em sua grande maioria, tenta de qualquer forma se enquadrar e
acompanhar as tendncias exigidas.
Essa segregao social deu origem a um grande mercado, o mercado
esttico, que por sua vez est gerando um processo de naturalizao do no
biolgico (SANT'ANNA, 2005), onde passa a se tornar aceitvel todo e
qualquer mtodo para manipular e transformar o corpo em algo aceitvel.
Venho fazendo referncia a um padro de corpo existente, que por sinal
de fcil identificao. Basta olhar alguns comerciais televisivos ou algumas
paginas de revistas para percebermos as caractersticas comuns a todos os
modelos. Ser magro, bonito e bronzeado, como diz Foucault, so as mais
bem observadas, porm no podemos deixar de enunciar algumas outras:
Ser bem torneada (o) (com a musculatura bem definida), bem sucedida (o),
com roupas despojadas junto ao carro do ano, ser objectos de desejo, entre

muitas outras. Abaixo segue uma tira onde se encontra duas caractersticas
essenciais observadas hoje para a beleza feminina.

Tento aqui compreender o corpo no somente como uma forma/matria,


mas sim como uma fonte de controle construda ao longo do tempo atravs
de instituies como a mdica, militar e escolar (FOUCAULT, 1986).
Hoje o Brasil o segundo maior consumidor de cirurgias estticas no
mundo, chegando a realizar mais de 600 mil cirurgias anuais (ELIA, 2006),
no que isso seja ruim, mas a procura por estes mtodos, em sua grande
maioria, no se deve a tentativa de melhorar alguma anomalia gentica ou
mesmo a correo de alguma seqela causada por determinado fator
externo. No podemos achar normal crianas, mulheres e homens fazendo
'formataes' em seus corpos para ficarem parecidas com os modelos
existentes.

Vivemos em uma sociedade capitalista que se refere ao tempo pensando


em dinheiro, associa o lazer falta de trabalho e acredita que o status social

mais importante que a qualidade de vida. Lgico que uma sociedade que
pensa de tal forma no poderia estar se encaminhando de uma forma
diferente.
Todo este processo de bundalizao, como nos diz Lessa (2005), no se
restringe s ao Brasil, vai muito alm. O mundo hoje esta infectado com
este vrus que gera uma quantia exorbitante de lucro e que impregna cada
vez mais as sociedades. Ana Mrcia Silva (2001) traz relatos em seu texto
que estes corpos esto causando uma no aceitao das caractersticas
fsicas e culturais orientais a tal ponto que est crescendo enormemente o
nmero de cirurgias plsticas para ocidentalizar as formas de seus rostos.
No precisamos ir to longe, segundo Lovisolo (2006) temos inmeros
casos como o de compulso, anorexia, culpa, auto-centramento, consumo
desesperado de medicamentos, vigorexia, entre muitos outros que podem
ser relacionados com estes ideais de corpos, mas pouco ainda se discute em
relao aos caminhos para se evitar tal mal.
Referncias

ANZAI, Koiti. O corpo como objectos de consumo. Revista


Brasileira de Cincia do Esporte, Campinas, v. 21, n. 2/3, p.
71-76, janeiro a maio 2000.
BRUHNS, Heloisa Turini. O corpo contemporneo. In:
Bruhns, Heloisa Turini; Gutierrez, Gustavo Luiz (Org.). O
corpo ldico: ciclo de debates lazer e motricidade. Campinas:
Autores Associados, 2000. p. 89 - 102.
CARVALHO, Yara Maria de. Corpo e histria: o corpo para
os gregos, pelos gregos, na Grcia antiga. In: SOARES,
Carmen Lcia (Org.). Corpo e histria. Campinas: Autores
Associados, 2 ed. 2004. p. 163 - 175.
CASTRO, Ana Lcia. Culto ao corpo: identidades e estilos de
vida. In: Bueno, Maria Lcia; Castro, Ana Lcia (Org.).
Corpo, territrio da cultura. So Paulo: Annablume, 2005. p.
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ELIA, Mariana. A busca da beleza inigualvel.
http://www.olharvital.ufrj.br/ant/2006_05_25/materia_saudeep
revencao.htm. Acessado em 13 de dezembro de 2006.
FIGUEIRA, Mrcia Luiza Machado. Revista capricho e a
produo de corpos adolescentes femininos. In: FELIPE, Jane;
GOELLNER, Silvana Vilodre; LOURO, Guacira Lopes
(Org.). Corpo, gnero e sexualidade: um debate

contemporneo na educao. Petrpolis: Vozes, 2003. p. 124


-135.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro:
Graal, 1986. 174 p.
GOELLNER, Silvana Vilodre. A produo cultural do corpo.
In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER,
Silvana Vilodre (Org.). Corpo, gnero e sexualidade: um
debate contemporneo na educao. Petrpolis: Vozes, 2 ed.
2005. p. 28 - 40.
HEILBORN, Maria Luiza. Corpo, sexualidade e gnero. In:
Dora, Denise Dourado (Org.). Feminino Masculino: igualdade
e diferena na justia. Porto Alegre: Sulina, 1997. p. 47 - 57.
LOVISOLO, Hugo. Em defesa do modelo 'JUBESA'
(juventude, beleza e sade). In: BAGRICHEVSKY, Marcos;
ESTEVO, Adriana; PALMA, Alexandre; DA ROS, Marco
(Org.). A sade em debate na educao fsica - volume 2.
Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 157 - 175.
LESSA, Patrcia. Mulheres venda: uma leitura do discurso
publicitrio nos outdoors. Londrina: Eduel, 2005. 104 p.
SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de. Horizontes do corpo. In:
Bueno, Maria Lcia; Castro, Ana Lcia (Org.). Corpo,
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SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de. possvel realizar uma
histria do corpo?. In: SOARES, Carmen Lcia (Org.). Corpo
e histria. Campinas: Autores Associados, 2 ed. 2004. p. 3 23.
SILVA, Ana Mrcia. Corpo, cincia e Mercado: reflexes
acerca da gesto de um novo arqutipo da felicidade.
Campinas: Autores Associados, Florianpolis: Editora da
UFSC, 2001.143 p.

ENTRE O SAGRADO E O PROFANO: A


VISO DO CORPO NU NA IDADE MDIA
por Jorge Bandeira*
Pensar o medievo nos dias de hoje aproximar o homem de uma
utopia entre a redeno e o pecado. Sim, atravs desta anlise que
teremos em conta que no existiu uma Idade Mdia ou Idade das
Trevas, termos que foram cristalizados pelos homens do Renascimento,
de forma jocosa, preconceituosa e , de certa forma, vingativa.
neste contexto que se insere a Histria do Corpo neste perodo da
Histria Ocidental, objectos de transgresso e de conduta ilibada por
parte de leigos e religiosos, preocupados em dar vazo aos incontveis
atributos do elemento corporal humano, visando uma integrao do
mesmo, visto que seria impossvel a fuga deste elemento (o corpo
material) para os que estivessem vivos.
Os mortos no necessitavam mais do corpo fsico. A Histria que se
cria deste corpo, o santificado e o torturado, feita de paradoxos e
dilemas. Aos artistas da Idade Mdia coube o papel de decifrar este
enigma chamado corpo humano, que num primeiro momento do
medievo foi alongado e tornado desproporcional, etreo, para que
fugisse ao mximo da perfeio representativa do mundo pago da
antiguidade clssica, notadamente da Grcia e de Roma, universos
culturais pagos, derrotados pelo avano irrestrito do Cristianismo no
Ocidente.

necessria uma nova viso deste corpo nu, ou vestido, e


a igreja catlica seria a detentora desta patente durante
mil anos em que perdurou este perodo. A dvida, porm,
ao contrrio do que propaga uma historiografia
ultrapassada, foi o elemento de contrio desta nova
possibilidade de lidar com o corpo nu. O pecado, se existia, estaria fora
deste corpo e no nele ou em seu interior. O corpo do homem, feito a
imagem e semelhana do criador, no poderia ser profanado, dissecado,
estudado, por muito tempo. Percebeu-se, ainda na Idade Mdia, a partir
do sculo XIV, que isto inviabilizaria a prpria expanso do cristianismo
e por este legado da pureza corporal a nudez, em vrios aspectos, foi
salva das agruras do inferno perpetrado pelo regime teocrtico dos
papas.
A oscilao girou entre a represso ao corpo nu e a liberdade, sendo
que as pinturas e afrescos nos permitem vislumbrar uma dicotomia entre
a salvao celestial e os castigos dos pecadores nus que iriam sucumbir
no inferno abissal. A nudez era tida como um desafio, mas uma deciso
unnime sobre o que fazer com ela no era tarefa fcil aos homens do
medievo.
Caracterizada como uma civilizao que prezava o gestual, o corpreo,
a Idade Mdia lidou de diferentes formas com a nudez, determinando
novas bases para a absoro deste Nu, jamais eliminando a nudez do rol
de suas discusses. A classificao entre o profano e o sagrado para a
nudez seria o resultado de longos embates por estudiosos e lideranas
eclesisticas, e nos pases europeus as decises no eram
homogneas, e dependendo da localizao geogrfica, as regras de
recato e conduta dos que tinham a nudez como pura e sagrada eram
toleradas e mesmo incentivadas entre administradores polticos e
religiosos.
Ao contrrio do que foi difundido de forma errnea durante muito
tempo, principalmente pelos historiadores do Renascimento, os
homens da Idade Mdia no odiavam a nudez. A igreja inclusive
incentivou por longo tempo aos casais dormirem nus, principalmente
aps a institucionalizao do casamento. Por ser ao mesmo tempo uma
priso para a alma e um instrumento para sua real purificao, o corpo
nu transmutou-se em objectos de culto, assim como de desprezo pelo
lado material que engendrava nas mentes medievais.
A tentao demonaca alcanou o corpo nu, demarcando a nudez do
homem e da mulher, porm a serpente medieval foi benevolente com

muitos artistas e habitantes que acolheram a nudez em suas vidas e


criaes. Nem todos foram vitimados pela fogueira do Tribunal da Santa
Inquisio. A mxima de So Francisco de Assis Seguir nu o Cristo nu
foi produzida ainda na Idade Mdia, e devemos recordar que estes
dizeres poderiam colocar o homem no caminho do salvador, e para sua
salvao poderiam representar devoo, pobreza e renncia.
A civilizao medieval possua uma
forte presena corporal, de extensa
materialidade fsica, repleta de corpos
nus em sua iconografia, representados
ao natural, para o deleite de uns e
desespero de outros. Para os modernos
historiadores impossvel acreditar
que somente as sociedades
Tpica cidade da era medieval contemporneas foram as primeiras a
se interessar por este corpo nu
carregado de complexidades, onde a nudez no seria perdoada em
hiptese alguma. Para muitos destes estudiosos a nudez representou a
redeno da prpria Idade Mdia, caso contrrio o avano cristo no
teria a base concreta de expandir-se, e a concretizao est no corpo nu,
e no na metafsica abstrata da alma. Para os medievalistas Jacques Le
Goff e Nicolas Truong o corpo nossa Histria, o que nos difcil
contestar em se tratando de uma sociedade que vivia da pregao da
salvao do homem ainda em vida, e de seu corpo purificado, nu ou no,
naturalmente.
*Historiador, ps-graduado em Histria Social da Amaznia e
Histria e Crtica da Arte.
Naturista, Diretor de Divulgao da Grana-AM
[email protected]
Manaus, 24 de novembro de 2006.
figuras medievais retiradas do endereo
http://edenwater.naturalchristian.com/v3i3/V3I3.htm

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