Futuro Climatico Da Amazonia
Futuro Climatico Da Amazonia
Futuro Climatico Da Amazonia
Climtico da
Amaznia
Relatrio de Avaliao Cientfica
Antonio Donato Nobre
ARA
Articulacin Regional
Amaznica
O Futuro
Climtico da
Amaznia
Relatrio de Avaliao Cientfica
1 edio
Realizao:
Patrocnio Institucional:
Parceria Estratgica:
Avina e Avina Americas
Fundo Vale
Fundao Skoll
Suporte:
Instituto Socioambiental
Projeto Rios Voadores
WWF
Nobre AD, 2014, O Futuro Climtico da Amaznia, Relatrio de Avaliao Cientfica. Patrocinado por ARA, CCST-INPE, e INPA. So Jos dos
Campos, Brasil, 42p.
Disponvel online em: http://www.ccst.inpe.br/wp-content/uploads/2014/10/Futuro-Climatico-da-Amazonia.pdf_
Esta obra est licenciada sob a Licena Creative Commons Attribution 4.0 Licena International. Para
ver uma cpia desta licena, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/.
Este relatrio de avaliao do futuro climtico da Amaznia consiste de uma reviso e sntese da literatura
cientfica, articulada com anlises interpretativas das
questes mais importantes relacionadas ao assunto.
Sem perder o foco na cincia, trata dos temas com linguagem acessvel e aspirao holstica, isto , busca
ligar fontes e muitas anlises de especialistas em uma
imagem coerente do ecossistema Amaznico.
Sumrio Executivo
Suas linhas mestras so o potencial climtico da grande floresta fator critico para todas sociedades humanas , sua destruio com o desmatamento e o fogo e
o que precisa ser feito para frear o trem desgovernado
em que se transformaram os efeitos da ocupao humana sobre o clima em reas de floresta.
O tema vasto. Por isso preciso trat-lo em certa sequncia cronolgica.
1 O texto comea pelo pano de fundo do fator chave na histria geolgica: o tapete tecnolgico1 da
biodiversidade amaznica, que levou dezenas de
milhes de anos para formar sua capacidade funcional. Os processos da vida que operam na floresta contm complexidade quase incompreensvel,
com um nmero astronmico de seres funcionando como engrenagens articuladas em uma fenomenal mquina de regulao ambiental.
2 A seguir, o texto passa descrio das capacidades da Amaznia no seu estado intocado: o
oceano-verde2 da floresta e sua relao com o
oceano gasoso da atmosfera, com o qual troca gases, gua e energia, e com o oceano azul dos mares,
fonte primria e repositrio final da gua que irriga
os continentes. Desde Humboldt3 at hoje, a cincia revelou importantes segredos acerca do poder
da grande floresta sobre os elementos que fazem o
clima. Aqui exploramos cinco descobertas importantes para a ecohidrologia Amaznica.
1 Por falta de melhor termo, o uso metafrico do conceito da tecnologia quer indicar uma dimenso natural (no humana) da incrvel complexidade e sofisticao existente nos sistemas vivos, que opera automaticamente em nanoescala (bilionsimos de metro), de modo a criar e manter a habitabilidade e conforto ambiental. Nas palavras de Arthur C. Clark qualquer tecnologia suficientemente avanada indistinguvel da
magia. A tecnologia da natureza inconcebivelmente avanada.
2 Essa expresso metafrica oceano-verde descreve as caractersticas ocenicas desta extenso continental coberta por densas florestas. A importncia deste conceito novo e incomum reside na sua sugesto de
uma superfcie florestal, estendida abaixo da atmosfera, cuja caractersticas de vastido, humidade e trocas pelos ventos se assemelham s dos oceanos reais.
3 Alexander von Humboldt, influente cientista-naturalista alemo que explorou as Amricas na virada do sculo 18 para o sculo 19, considerado o pai de cincias como geografia, fsica, meteorologia e ecologia.
Para a Amaznia, esses modelos projetam a possibilidade de dois pontos possveis e alternativos de
equilbrio: um que favorece a floresta (mido, atual
para a bacia amaznica e histrico) e outro que favorece a savana (mais seco, atual para o Cerrado,
futuro para a bacia amaznica).
O ponto preocupante desses exerccios de modelagem a indicao de que aproximadamente 40%
de remoo da floresta oceano-verde poder deflagrar a transio de larga escala para o equilbrio da
Agradecimentos
Agradecimentos a todos que contriburam para o aporte de informao qualificada a este relatrio, em especial para
Enas Salati, no histrico dos estudos isotpicos; Martin Hodnett, Jos Marengo e Celso Randow, nos nmeros da evapotranspirao; Digenes Alves e Dalton Valeriano, nos nmeros do desmatamento; Jos Marengo, pelos alertas focados e muito teis; Anita Drumond, pelos clculos sobre evaporao no oceano; Antonio Manzi, que levantou questes sobre a circulao planetria; Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva que deram respostas a essas questes e
pelas correes cruciais sobre a fsica atmosfrica; Claudio Maretti, por ajudar a colocar as questes de preservao
em perspectiva; Elisangela Broedel pela reviso crtica dos nmeros do desmatamento e da destruio de rvores;
Yosio Shimabukuro e Scott Saleska pelas informaes relativas a rea da Amaznia e densidade de arvores; Gilvan
Sampaio pelas correes no texto sobre modelos de equilbrio vegetao-clima; Meirat Andreae e Steven Wofsy pelas
referencias e orientaes sobre qumica atmosfrica; German Poveda pelas referencias e conselhos referente s geleiras dos Andes; Suprabha Sechan por levantar as dificuldades relativas a tecnologia; s excelentes crticas e sugestes
feitas pelos comentadores e pelo pblico na 3 reunio Pan-Amaznica da ARA, em Lima; s questes e reaes do
pblico no debate feito pela Nossa So Paulo e pelo Instituto Ethos sobre a crise da gua na regio metropolitana de
So Paulo; Srgio Guimares, Mrcio Santilli, Paulo Nobre, Tasso Azevedo, Adriana Cuartas, Lou Gold, Foster Brown,
Claudio Maretti, Victor Gorshkov, Anastassia Makarieva, Stephan Schwartzman e Robert Harriss pelas excelentes e
inspiradoras revises; Marcos Losekann e a Gerard e Margi Moss pelas perguntas instigantes, que levaram a mais
aperfeioamentos no texto; Marcelo Leite pela sbria reviso profissional e de alta qualidade, essencial no ajuste e
melhoria do texto; Jaime Gesisky e Moema Ungarelli pelo cuidado e rigor na reviso final; Felipe Horst pela bela diagramao; Margi Moss pela reviso estelar de estilo e fluencia; Articulacin Regional Amaznica pela encomenda
do estudo e Secretaria Executiva da ARA, em especial ao Srgio Guimares e Claudio Oliveira pelo suporte e estmulos constantes. Agradecimentos especiais ao CCST do INPE e ao INPA, pelo patrocnio institucional; a Avina, Fundo
Vale e Skoll Foundation, pela parceria valiosa; ao ISA, Projeto Rios Voadores e WWF, pelo suporte.
Sumrio
Concluso 36
Eplogo: o prlogo de uma nova era 37
Referncias 38
Introduo
A tecnologia da floresta insubstituvel
As florestas condicionam o
clima que lhes favorea, e
com isso geram estabilidade
e conforto, sob cujo abrigo florescem sociedades humanas.
10
Buscando esclarecer mistrios, o trabalho dos cientistas no difere muito da investigao de um detetive.
Exploram pistas, analisam evidncias, desenvolvem
teorias, constroem modelos. Nas dedues eletrizantes de Sherlock Holmes, os casos mais intrincados culminavam com solues elementares. A realidade do
mundo natural mostra-se rica e complexa, repleta de
mistrios e segredos. Mas o mtodo cientifico, temperado pelo fascnio e humanizado pela curiosidade
infantil, abre portais de acesso compreenso dos fenmenos mais misteriosos que nos afetam.
1) As florestas geram o
clima amigo: cinco
segredos revelados
9 Definida dentro do que, durante a ditadura brasileira (1964-1985), foi definida por decreto como Amaznia Legal.
10 RAISG Red Amaznica de Informacin Socioambietal Georreferenciada; Amaznia sob presso, em Portugus. Disponvel em Espanhol e Ingls.
11 (Gambini, 2000) Espelho ndio: a formao da alma brasileira.
11
ressuscita na obra Inferno Verde a perspectiva de danao dos invasores espanhis e desmonta de vez a imagem de paraso verde. O voluntarismo verbal contra o
habitat selvagem, lastreado pela admitida ignorncia
desses autores quanto ao valor intrnseco da floresta,
em compasso com a falncia do fausto da borracha,
muito provavelmente deixou sua herana de valores a
influenciar coraes e mentes.
Quanto do subsequente mpeto para a ocupao da
Amaznia, com a radical supresso da mata, no teve
razes a? Euclides da Cunha, prefaciando o livro do discpulo, nega valor para a abordagem holstica de Humboldt (a epistemologia da cincia amaznica florescer se se preocupar menos em revelar a hileia por inteiro
sic) e antecipa a demanda reducionista que viria12.
Tardios foram os estudos
que finalmente comearam a revelar os segredos
da grande floresta. Buscando testar clculos preliminares de balano hdrico
para a Amaznia13 que indicavam reciclagem importante da gua, Enas Salati liderou nos anos 1970 estudos observacionais de chuva e evaporao que demonstraram inequivocamente como, atravs da
reciclagem de umidade, a floresta mantm o ar mido
por mais de 3.000 km continente adentro14.
A reciclagem de umidade da
chuva pela evaporao da floresta mantm o ar mido por mais
de 3 mil km continente adentro.
12 Rafael Leandro assim reflete a expresso de Euclides da Cunha naquele prefcio: a enormidade da floresta s pode ser medida, se repartida somente num futuro tardio, se conhecer os segredos da Natureza [...] A
definio dos ltimos aspectos da Amaznia ser o fecho de toda a Histria Natural... (Leandro, 2009) Inferno Verde: Representao Literria da Amaznia na Obra de Alberto Rangel.
13 (Molion 1975) A climatonomic study of the energy and moisture fluxes of the Amazonas basin with considerations of deforestation effects; (Villa Nova et al. 1976) Estimativa de evapotranspirao na Bacia
Amaznica; (Marques et al. 1977) Precipitable water and water vapor flux between Belem and Manaus.
14 (Salati et al, 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin: An Isotopic Study.
15 Projetos de pesquisa na Amaznia: ARME, NASA-GTE ABLE, ABRACOS, TRACE-A, RBLE, CAMREX, INPA-Max Planck, INPA-ORSTOM, PDBFF, PELD, LBA, LBA-EUSTACH, LBA-CARBONSINK, LBA-CLAIRE, LBA-ECO,
LBA-Barca, LBA-DMIP, GEWEX, ISLSCP, GEOMA, PPBio, Rainfor, AmazonFlux, AMAZE, Amazon Pire, Amazalert, AMAZONICA, Changing Amaznia, ATTO, ACRIDICON-CHUVA, GreenOceanAmazon etc. Apenas no
mbito do grande projeto LBA, foram desenvolvidos 217 subprojetos de pesquisa em 16 anos de operao.
12
16 rea da copa com raio de 10 m, 324,2 m2 x 3,6 litros/m2 = 1131,1 litros transpirados em um dia.
17 rea recente com floresta na bacia hidrogrfica do rio Amazonas, - 5,5 x 1012 m2 x 3,6 litros/m2 = 19,8 x 1012 litros (~20 x 109 toneladas); rea com floresta em toda Amaznia (sensu latssimo Eva et al, 2005, A proposal for
defining the geographical Boundaries of Amaznia), incluindo florestas midas, secas e inundadas = 6.280.468 km2, ou 6, 280.468 x 1012 m2 x 3,6 litros/m2 = 22,609.6848 x 1012 litros (22,61 x 109 toneladas);e projetada para
a rea histrica coberta com floresta (rea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso at 2004, Alves 2007) = 6.943.468 km2, - ou 6,943468 x 1012 m2 x 3,6 litros/m2 = 25 x 1012 litros (25 x 109 toneladas).
18 vazo do rio Amazonas na foz de 2 x 105 m3/segundo x 86400 segundos = 17,28 x 109 m3/dia.
19 (Jasechko et al., 2013) Terrestrial water fluxes dominated by transpiration.
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14
ar, a chuva no os lava. S quando oxidam-se e precipitam-se como aerossis formando as chuvas, que so
lavados. Mas sempre h mais BVOCs esperando para
formar mais p de pirlimpimpim para a prxima chuva.
Alm da promoo de chuvas volumosas e gentis,
outros mecanismos bioqumicos anlogos aos que
produzem os aromas, atuam como vassourinhas qumicas da atmosfera. Nas condies amaznicas, poluentes perigosos (como o oznio) so removidos do
ar. Nos anos 1980, nos primeiros estudos de qumica
da atmosfera empregando avies instrumentados,
constatou-se que o ar na baixa atmosfera amaznica
continha menos oznio (portanto era mais saudvel)
que o ar das regies mais remotas da Terra (como a
Antrtida). Nas dcadas subsequentes outros projetos
de investigao indicaram o efeito das rvores na limpeza do ar25. Desses e de outros estudos em desenvolvimento pode-se sugerir que as plantas amaznicas
usam algum tipo de vitamina C, como um antioxidante, capaz de remover do ar gases danosos para a vida.
23 Do ingls Biogenic Volatile Organic Carbon; so compostos biognicos porque so sintetizados pelos organismos vivos, como os odores das plantas. Existem outros compostos orgnicos volteis no biognicos, chamados simplesmente de VOCs, como o solvente de uma tinta, por exemplo.
24 (Pschl et al., 2010) Rainforest aerosols as biogenic nuclei of clouds and precipitation in the Amazon, (Clayes et al., 2004) Formation of secondary organic aerosols through photooxidation of isoprene. Press
Release: Max Planck Institute news, Astonishing Discovery over the Amazonian Rain Forest: http://www.mpg.de/495047/pressRelease20040224, em Ingls.
25 Por exemplo (Rummel et al., 2007) Seasonal variation of ozone deposition to a tropical rain forest in southwest Amazonia.
26 (Nobre, 2005) Is the Amazon Forest a Sitting Duck for Climate Change? Models Need yet to Capture the Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall.
15
observaes e os resultados de modelos, ponderei sobre a pergunta em voga poca: com o aquecimento
global, ir a floresta mida na Amaznia secar e morrer?
Ao longo de milhares27, ou provavelmente milhes de
anos28, a floresta tropical da Amrica do Sul evoluiu sua
biota luxuriante sem sinais de ter sido desligada por eventos climticos extremos, como aridez ou congelamento.
No mesmo espao de tempo, no entanto, improvvel
que o impacto do clima externo ao continente tenha
permanecido benigno, especialmente considerando as
interferncias csmicas e sua conhecida relao com
mudanas climticas profundas em escala planetria29.
poderiam regular o clima. Controlar a precipitao significa tambm controlar a conveco, o que, por sua vez,
significa interferir com uma poderosa correia transportadora de massa e energia: a circulao de Hadley31. Atravs da regulao de chuvas, a biologia poderia definir o
ritmo dos ventos alsios do Atlntico, arrastando a necessria umidade do oceano para o interior do continente.
Na mesma poca, Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, aprofundando sua teoria sobre a regulao bitica do ambiente32, examinavam os mecanismos que
ligam a transpirao das plantas com efeitos fsicos
na atmosfera. Das surpreendentes descobertas desta
anlise, eles desenvolveram a teoria da bomba bitica
de umidade33, revelando fisicamente como processos
de transpirao e condensao mediados e manipulados pelas rvores mudam a presso e dinmica atmosfricas, resultando em maior suprimento de umidade
do oceano para o interior de continentes florestados.
Makarieva e colaboradores descobriram que a condensao do vapor dgua na atmosfera gera uma reduo
localizada de presso e produz potencia dinmica que
acelera os ventos ao longo do resultante gradiente de
presso 34. O ponto crucial da teoria que contrastes na
evaporao da superfcie casada com a determinante
condensao nas nuvens muito mais que contrastes
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(Baker et al., 2001) The history of South American tropical precipitation for the past 25,000 years.
(Hooghiemstra et al., 2002) Evolution of forests in the northern Andes and Amazonian lowlands during the Tertiary and Quaternary.
(Berger and Yin, 2012) Astronomical Theory and Orbital Forcing.
(Foley and Costa, 2003) Green surprise? How terrestrial ecosystems could affect earths climate; (Gorshkov et al., 2004) Revising the fundamentals of ecological knowledge: the biotaenvironment interaction;
(Pielke and Avissar, 1998) Interactions between the atmosphere and terrestrial ecosystems: influence on weather and climate.
(Poveda and Mesa, 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena.
(Gorshkov et al., 2000) Biotic Regulation of the Environment: Key Issues of Global Change.
(Makarieva and Gorshkov, 2007) Biotic pump of atmospheric moisture as driver of the hydrological cycle on land.
(Makarieva et al., 2013) Where do winds come from?
J considerando e descontando os efeitos da circulao planetria associada a movimentos e aceleraes inerciais.
16
continuar a importar gua pela atmosfera contrapondo a seca e garantir a continuidade da floresta. A
teoria da bomba bitica vem ganhando aceitao37 e
j tem comprovao observacional38.
17
Salati e colaboradores, comparando as assinaturas qumicas40 entre o fluxo de entrada de vapor ocenico no
grande anfiteatro amaznico com as correspondentes
assinaturas da gua de escoamento que retorna ao
oceano pelo rio Amazonas, perceberam que parte significativa da gua que entrava como vapor no canal
areo no retornava pelo canal terrestre41.
Da concluram que a Amaznia devia estar exportando esse vapor para outras regies do continente e irrigando outras bacias hidrogrficas que no a do Amazonas. Anlises preliminares feitas poca nas guas
de chuva coletadas na cidade do Rio de Janeiro detectaram sinais de que parte dela vinha do interior do
continente, no do oceano contguo. E, mais especificamente, que havia passado pela Amaznia. Esse grupo foi o primeiro a sugerir que chuvas na Amrica do
Sul fora da Amaznia poderiam ser alimentadas pelo
transporte continental de vapor.
O conceito de rios atmosfricos foi introduzido em 1992
por Reginald Newell e Nicholas Newell42 para descrever fluxos filamentares na baixa atmosfera capazes de
transportar grandes quantidades de gua como vapor,
tipicamente em volumes superiores ao transportado
pelo rio Amazonas (que tem vazo de 200 milhes de
litros por segundo ou 17 bilhes de toneladas ao dia).
Quase trs dcadas depois dos achados de Salati, a
40 Definidas pelo uso de traadores que portam assinaturas isotpicas. Diz-se que so istopos dois ou mais tomos com o mesmo numero de prtons mas com massas diferentes. Uma analogia boa pensar em gmeos com caractersticas idnticas, exceto peso. Assinatura isotpica a relao numrica entre a imensa
multido de gmeos atmicos em um material ou substancia. A gua pode conter variada combinao de gmeos de oxignio (16O e 18O) e hidrognio (1H, 2H), gerando molculas de gua com pesos distintos. A proporo destes gmeos atmicos que ocorre na gua do mar, por exemplo, se altera com a evaporao
(flutuam primeiro os mais leves) e tambm com a chuva (precipitam primeiro os mais pesados). Assim, ao analisar a assinatura isotpica de uma amostra de gua ou vapor, pode-se saber de onde ela veio, se do oceano ou da floresta.
41 (Salati et al., 1979) Recycling of Water in the Amazon Basin: An Isotopic Study; (Matsui et al., 1976) Isotopic hydrology in the Amazonia, 2, Relative discharges of the Negro and Solimes rivers through 18O concentrations.
42 (Newell and Newell, 1992) Tropospheric Rivers? - A Pilot Study.
43 (Marengo et al., 2004) Climatology of the low-level jet east of the Andes as derived from the NCEP-NCAR reanalysis: Characteristics and temporal variability.
44 (Arraut et al., 2012) Aerial Rivers and Lakes: Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America.
45 (Spracklen et al., 2012) Observations of increased tropical rainfall preceded by air passage over forests.
* Projeto Rios Voadores: http://riosvoadores.com.br, em Portugus.
18
parcela de ar num rio areo (medida pelo ndice cumulativo de rea foliar ao longo da trajetria) com chuva
a jusante na trajetria daquela mesma parcela. Ou seja,
um rio areo conecta regies doadoras de umidade
com outras receptoras de umidade. Da a importncia
crucial das florestas a montante: constatou-se que a
Amaznia de fato a cabeceira dos mananciais areos
da maior parte das chuvas na Amrica do Sul.
46 (Makarieva et al., 2008) On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine.
47 De acordo com os autores: The driving force of all hurricane processes is a rapid release, as in compressed spring, of potential energy previously accumulated in the form of saturated water vapor in the atmospheric column
during a prolonged period of water vapor evaporation under the action of the absorbed solar radiation. (Makarieva et al., 2014) Condensational power of air circulation in the presence of a horizontal temperature gradient.
48 (Nobre P., 2009a) Peer Review Question Interactive comment on On the validity of representing hurricanes as Carnot heat engine.
49 (Gorshkov et al., 2000) Biotic Regulation of the Environment.
50 Storm track, mapa registrando todas as trajetrias observadas de furaces, mostrando que a regies equatoriais das florestas e suas imediaes ocenicas so livres destes fenmenos, http://en.wikipedia.org/
wiki/Storm_track, em Ingls.
51 Hidrologia de matas ciliares: http://www.ipef.br/hidrologia/mataciliar.asp, em Portugus.
19
Em vista dos efeitos extensivos e elaborados das florestas sobre o clima demonstrados pela cincia, que
resultados esperar da sua devastao? Para avaliar os
impactos do desmatamento no clima vem sendo feito um nmero crescente de experimentos de campo e
modelagem, estudos observacionais e, mais recentemente, anlises tericas. Quais as consequncias projetadas do desmatamento e quais as j observadas?
2) O desmatamento
leva ao clima
inspito
estudos para simular o impacto no clima do desmatamento total da floresta amaznica52. Usando um
modelo geral de circulao da atmosfera (GCM53) com
um mdulo acoplado de representao da vegetao
(SiB54), os autores concluram que, quando as florestas
eram substitudas por pasto degradado no modelo,
verificava-se um aumento significativo na temperatura
mdia de superfcie (cerca de 2,5C) e uma diminuio
da evapotranspirao anual (reduo de 30%), da precipitao (reduo de 25%) e do escoamento superficial (reduo de 20%). Na simulao ocorria tambm
um aumento da durao da estao seca na metade
sul da bacia amaznica.
Nas duas dcadas seguintes, outros estudos avanaram no detalhamento e generalizao dessas concluses. Deborah Lawrence e Karen Vandecar fizeram
recentemente uma reviso da literatura55 sobre os
impactos do desmatamento tropical no clima e concluram que vrios GCMs concordam em que o desmatamento em escala regional leva a um clima mais
quente e seco sobre a rea desmatada. Os modelos
que simulam o desmatamento completo da Amaznia preveem um clima com aquecimento na faixa de
0,1-3,8C (mdia de 1,9C) e reduo de chuvas na faixa de 140-640 mm ao ano (mdia de 324 milmetros/
ano, ou 10-15% de reduo).
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srias. Em 1997, German Poveda e Oscar Mesa56 propuseram o papel de ponte hidrometeorolgica para a floresta
amaznica ao conectar os dois grandes oceanos prximos, isto , sugerindo efeitos climticos cruzados entre
os oceanos via atmosfera, mediados pela floresta.
Explorando com modelagem em direo similar, mais
recentemente Paulo Nobre57 e colaboradores estudaram o impacto do desmatamento na chuva amaznica, tendo como referncia a incluso ou a excluso das
respostas dos grandes oceanos aos cenrios de desmatamento58. Comparando simulaes feitas em um
GCM atmosfrico usual com um GCM acoplado a outro
modelo que simula as condies internas dos oceanos
(salinidade, correntes etc.), esses autores encontraram
uma reduo consideravelmente maior na precipitao quando o GCM acoplado com o oceano foi rodado
para um cenrio de desmatamento total da Amaznia:
42% de reduo da chuva contabilizando os mecanismos internos dos oceanos, contra 26% de reduo da
chuva sem considera-los. Os oceanos sempre estiveram presentes, e a incluso das suas respostas internas
d mais realismo s simulaes.
J existem comprovaes de muito do que foi projetado pelos modelos como consequncia do desmatamento, especialmente a ampliao da estao seca.
Porm, esses experimentos virtuais indicavam um
prolongamento da estao seca aps destruio de
100% da floresta, o que j se observa com o corte raso
de pouco menos de 19 % da floresta. Ou seja, esses
modelos parecem tender a subestimar as consequncias negativas nos cenrios simulados. Os resultados
de projees mais recentes incluindo os oceanos agravam o quadro e aumentam o alerta.
Mas preciso tambm considerar a teoria da bomba
bitica e sua previso de reduo de chuvas. Diferentemente dos modelos numricos convencionais, uma teoria fsica constri
entendimento baseada exclusivamente em leis fundamentais da natureza. Se a teoria estiver correta, torna
possvel prever quantitativamente efeitos fsicos apenas
com a anlise dos cenrios e de sua lgica funcional.
A eliminao da floresta principal agente da condensao
continental equivale a desligar
o interruptor de uma bomba
de umidade atmosfrica.
56 (Poveda and Mesa, 1997) Feedbacks between hydrological processes in tropical South America and large-scale ocean-atmospheric phenomena.
57 (Nobre P. et al., 2009b) Amazon Deforestation and Climate Change in a Coupled Model Simulation.
58 Que utiliza apenas a srie histrica observada das temperaturas da superfcie dos oceanos.
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estudos pioneiros com dados de satlite, Digenes Alves64 contabilizou at 2004 um desmatamento total de
663 mil km2. Agregando-se os nmeros mais recentes
do projeto PRODES do INPE, o desmatamento acumulado total at 2013 chega a 762.979 km2.
Pelo vis do dano ao clima, o que se tem na Amaznia
um passivo gigantesco de destruio do oceano verde. No h, portanto, qualquer motivo para comemorar as taxas relativamente mais baixas de corte raso dos
ltimos anos, mesmo porque, depois da aprovao do
novo Cdigo Florestal (2011), com sua ampla anistia a
desmatadores, j se observa uma ntida tendncia de
aumento das taxas anuais.
Na contabilidade do INPE, o corte raso brasileiro (sem
considerar os dos demais pases da bacia amaznica)
chegou em 2012 a 18,85% da rea original de floresta67.
Mas a destruio no uniforme, pois ocorre grande
concentrao de corte raso no chamado Arco do Fogo
ou Arco do Desmatamento68. Se a vastido raspada j
gravssima para o clima, a situao torna-se ainda pior
ao se considerar o oceano verde ferido.
A explorao madeireira e o desmatamento gradual produzem extensas reas de florestas degradadas que raramente entram na contabilidade oficial da destruio, mas
que, a depreender das informaes e estimativas disponveis, podem ter impacto significativo sobre o clima.
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(Alves 2007) Science and technology and sustainable development in Brazilian Amazon.
rea desmatada, 762.979 km2 / 0,004136 km2 = 184.472.679 de campos de futebol.
(Viana, 2012) Mquinas e Mtodos de Desmatamento.
Banco de dados no INPE de monitoramento do desmatamento. Interface: http://www.dpi.inpe.br/prodesdigital/prodes.php Lista (uma tabela) e Consolida (somatrios para a unidade de rea considerada).
Porcentagem de rea desmatada at 2012: TO 75%, MA 72%, RO 41%, MT 40%, PA 22% e AC 13%.
Prodes report 2008, pdf: http://www.obt.inpe.br/prodes/Relatorio_Prodes2008.pdf
23
Figura 1 Desmatamento acumulado de 2000 at 2010 (vermelho forte) e anterior (vermelho mais fraco) na Amrica do Sul74.
70 Clculo utilizando a mensurao de Esprito-Santo et al., (2014) para a floresta remanescente na Amaznia brasileira [3.500.000 km2], acrescida da rea acumulada do desmatamento [762.979 km2], chegando a
4.262.979 km2 de florestas originais na Amaznia brasileira.
71 Impacto usando rea total de floresta original estimada pela cobertura atual (florestas remanescentes + desmatamento acumulado) baseado respectivamente em Esprito-Santo et al. (2014) com 7.562.979 km2 e
em Eva et al. (2005) com 6.943.468 km2.
72 (Laurance & Williamson, 2001) Positive Feedbacks among Forest Fragmentation, Drought, and Climate Change in the Amazon.
73 (Valeriano et al., 2008) Monitoramento da Cobertura Florestal da Amaznia por Satlites. Sistemas PRODES: http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php; DETER: http://www.obt.inpe.br/deter; DEGRAD:
http://www.obt.inpe.br/degrad; e QUEIMADAS: http://www.inpe.br/queimadas; 2007-2008.
74 Universidade de Maryland - Mapa da Cobertura Global das Florestas: http://earthenginepartners.appspot.com/science-2013-global-forest, em Ingls.
24
3) Amaznia e o
calcanhar de
Aquiles: o heri
invencvel tomba
25
26
Em 2003, Marcos Oyama e Carlos Nobre lanaram a hiptese da savanizao da Amaznia em seu estudo de
modelagem usando um GCM e um modelo de equilbrio de vegetao84. Como o clima interage com a vegetao, ao mudar-se um, o outro tende a mudar em retroalimentao positiva (desestabilizadora) ou negativa
(estabilizadora), at que surja um novo equilbrio.
Clima e vegetao na Amaznia oceano-verde esto
em equilbrio estvel e resiliente na condio mida.
Com o desmatamento, o clima muda gradualmente e
se instabiliza at ultrapassar um ponto de no retorno
(borda da bacia mida). O sistema pode ento saltar
para outro equilbrio (muito mais seco).
equilbrio. Tal perspectiva coloca sob nova luz a poltica de preocupar-se em preservar intactas apenas as
designadas reas de conservao.
Essas extrapolaes em geral consideram cenrios
de reduo relativamente modesta de chuva, sempre
presumindo que a direo dos ventos no mudar
muito sem a floresta. Nesse cenrio, os ventos alsios
carregando umidade do oceano continuariam a entrar
pelo continente, e apenas certas trocas verticais sobre
a Amaznia se alterariam.
O cenrio projetado pelo modelo de Oyama e Nobre (e mais tarde detalhado por outros estudos)85, j
seria ruim o suficiente ao prever a savanizao, com
84 Usando as mesmas classes de vegetao do SSiB. (Oyama and Nobre, 2003) A new climate-vegetation equilibrium state for Tropical South America.
85 Por exemplo: (Malhi et al., 2009) Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest.
27
As mudanas climticas na Amaznia e fora dela j batem porta. Mas se os cenrios catastrficos se materializaro ou no, e quanto tempo isso demorar,
depende de muitos fatores difceis de se prever, entre
eles quanto da cobertura vegetal original ter sido
modificada e com qual velocidade.
Acelerando o desmatamento e ultrapassando o ponto
de no retorno, que parece estar prximo, estimam-se
poucas dcadas at o clima saltar para outro estado de
equilbrio86.
4) O futuro climtico da
Amaznia: j chegou
A floresta oceano-verde no pertur- aquecimento global. Ainbada tem capacidades inatas para da assim, existem incerteresistir a impactos climticos exter- zas sobre qual a resistnnos, como oscilao nas chuvas.
(Coe et al., 2013) Deforestation and climate feedbacks threaten the ecological integrity of south-southeastern Amazonia.
(Malhi et al, 2008) Climate change, deforestation, and the fate of the Amazon.
(Cox et al., 2000) Acceleration of global warming due to carbon-cycle feedbacks in a coupled climate model.
(Good et al., 2013) Comparing Tropical Forest Projections from Two Generations of Hadley Centre Earth System Models, HadGEM2-ES and HadCM3LC.
28
De forma grosseira, e sem considerar os efeitos debilitantes da degradao florestal , pode-se extrapolar a
histria conhecida de desmatamento corte-raso - ~20%
da cobertura florestal da Amaznia brasileira removida
em 40 anos, com efeitos sobre o clima j salientes e
projetar outros 40 anos para remover mais 20%, totalizando 40% de corte raso acumulado, o nmero sugerido pelos modelos como o limiar climtico90. Mas os
efeitos do desmatamento somam-se aos impactos do
fogo, da degradao florestal e das mudanas climticas, o que implica uma acelerao do cenrio esperado.
Contudo, apesar de os modelos climticos serem extrapolaes bem fundamentadas e teis, os climas
passados podem no oferecer uma boa base para prever o futuro, especialmente quando se trata de sistemas complexos e quando os equilbrios climticos estiverem prximos da borda da bacia, na iminncia de
saltar para outro estado de equilbrio. Saberemos com
certeza quando o futuro chegar, mas seria irresponsvel to somente esperar.
A perturbao antropognica, embora j extensiva e
provavelmente demasiada, o fator mais imprevisvel
numa projeo sobre o destino final da Amaznia. A razo simples que temos o livre arbtrio. Se escolhermos
continuar no ritmo deixa-como-est-para-ver-como-que-fica (business as usual), e principalmente se optarmos por no recuperar os estragos infligidos grande
floresta, a teoria sugere que o sistema amaznico pode
entrar em colapso em menos de 40 anos. Os limiares
90 (Sampaio et al., 2007) Regional climate change over eastern Amazonia caused by pasture and soybean cropland expansion.
91 (Sampaio et al., 2007)
29
Mas a reduo de taxas anuais, embora essencial, assemelha-se a fechar com as mos um buraco no fundo
do bote inflvel (clima), depois que a gua vazada nos
ltimos 40 anos (desmatamento) j ameaa colocar o
bote a pique.
A farra do desmatamento sem limites est encontrando
no clima um juiz que sabe contar rvores e que no esquece nem perdoa.
O foco usual quando se discute o futuro do clima na
Amaznia o desmatamento futuro, ou quanto cortar
da mata que sobrou. Injustificadamente ausente, o assombroso desmatamento acumulado do passado precisa voltar ao foco, pois sobre ele que recai o principal
da reciprocidade climtica. Sem tratar da devastao
passada, o assombro se converter em assombrao.
Com uma mdia diria em torno de 4 mm de gua transpirada95, o que equivale a 4 litros por m2, a floresta a
parceira generosa do clima amigo. Removida, a transpirao despenca se ainda chover para 1 mm, no caso
de pastagens96, e menos ainda com a aridificao.
Adicione ao caldeiro de iniquidades o fogo, a fumaa e a fuligem, com seu efeito aniquilador sobre a floresta, as nuvens e as chuvas, e a maldio do clima
92 Densidade populacional mdia de rvores (DAP > 10cm) na Amaznia (sensu latssimo Eva et al, 2005, A proposal for defining the geographical Boundaries of Amaznia) = 555 (114) /ha, ou seja, 55.500
(11.400) rvores km2 (Feldpausch et al., 2011, Height-diameter allometry of tropical forest trees); rea total coberta por dossel fechado na Amaznia em 2004 = 6.280.468 km2 (Eva et al, 2005, incluindo florestas
midas, secas e inundadas); rea histrica coberta com floresta (rea com floresta em 2004 mais desmatamento corte raso at 2004, Alves 2007) = 6.943.468 km2 (pode ser maior se incluir desmatamento acumulado fora do Brasil); estimativa total mnimo de arvores no bioma amaznico original: 385.362.474.000 (79.155.535.200).
93 O corte raso raspou 762.979 km2 da cobertura original (somente no Brasil); estimativa de arvores eliminadas com o corte raso = 42.345.334.500 (8.697.960.600).
94 Ritmo temporal de corte: 42.345.334.500 (8.697.960.600) arvores cortadas em 40 anos; 1.058.633.363 (217.449.015) ao ano; 2.900.365 (595.750) ao dia; 120.848 (24.823) por hora; 2.014 (413) por minuto;
33,5 (6,9) por segundo.
95 (von Randow et al., 2013) Inter-annual variability of carbon and water fluxes in Amazonian forest, Cerrado and pasture sites, as simulated by terrestrial biosphere models. (Marengo, 2004) Characteristics and
spatio-temporal variability of the Amazon River Basin Water Budget.
96 (Hodnett et al., 1996) Comparisons of long-term soil water storage behavior under pasture and forest in three areas of Amazonia.
30
Esforo de Guerra
Nas grandes ameaas a uma nao, as foras militares entram logo em
prontido. Depois do ataque japons a Pearl Harbor, os Estados Unidos
decidiram ser necessrio entrar na Segunda Guerra Mundial. Em poucos
meses montou um esforo de guerra, em que fbricas de automveis
passaram a produzir tanques e avies de guerra, e outras fbricas no
blicas passaram a produzir munio, armamentos e outros materiais
e equipamentos requeridos. At Amaznia chegou aquele esforo de
guerra, com os soldados da borracha. Sem tal esforo concentrado e
extraordinrio, os Aliados no teriam vencido.
97 Em projetos como Lucas do Rio Verde Legal: http://www.tnc.org.br/tnc-no-mundo/americas/brasil/projetos/lucas-do-rio-verde.xml; Paragominas: De Viles a mocinhos do Desmatamento:
http://www.tnc.org.br/nossas-historias/destaques/paragominas-deixa-lista-do-desmatamento.xml; Y Ikatu Xingu: http://www.yikatuxingu.org.br; etc. Todos os links em Portugus.
31
5) Florestas de
oportunidades:
cinco passos para
recuperar o clima
98 Picos de desmatamento em 1995 (29.059 km2) e 2004 (27.130 km2) deram-se no auge de forte desempenho da economia.
99 (Laurance et al., 2001)The Future of the Brazilian Amazon.
32
Mas voltemos comparao com o tabaco. Durante dcadas, a indstria mascarou a realidade sobre os danos
do fumo sade. Empregou elaboradas estratgias e
muitos recursos no embaralhamento cognitivo, buscando desmerecer a cincia e confundir a sociedade.
Mas a verdade triunfou. E algo que parecia impossvel
tornou-se tendncia mundial irreversvel. O mesmo
percurso de banimento em relao ao fogo facilitado
pela existncia de muitas alternativas queima que podem ser empregadas com vantagens pelos produtores.
suficiente para reverter as ameaadoras tendncias climticas. preciso confrontar o passivo do desmatamento acumulado, comear a pagar o principal da enorme
dvida ambiental com a floresta.
Mas como reconstruir uma
paisagem devastada? Se
fosse uma paisagem urbana,
seria o caso de se retrabalhar
com as estruturas e edifcios
que demandariam penosa reconstruo, tijolo a tijolo,
um esforo de anos. J estruturas inertes da natureza,
como solos, rochas e montanhas levam milhares, milhes ou at bilhes de anos para se compor ou recompor, fruto da ao de lentas foras geofsicas.
viria em um mdulo desenvolvedor (semente). Colocado em um vaso ao sol e regado por algumas semanas,
cresceria o veculo.
Parece difcil? Acontece que essa tecnologia j existe,
funcionando a todo vapor nos ecossistemas da Terra,
desde a sua origem. Uma rvore portentosa, cujas habilidades fsicas e bioqumicas para existir e sobreviver
beiram a fico, saiu inteirinha de uma simples e minscula semente, tirando do ar e da terra os materiais
para se formar.
E a paisagem viva? Se a vida anterior no tiver sido extinta, isto , se houver propgulos, esporos, sementes,
ovos, pais e seus filhotes, uma fora misteriosa e automtica de reconstruo entra em ao. Os tijolos biolgicos so os tomos, que unem-se nas molculas,
compem as substncias que constroem as clulas, articulam-se nos tecidos, aglomeram-se nos rgos, constituem os organismos, povoam os ecossistemas, interagem nos biomas e cuja soma total a biosfera.
Para uma ideia prtica do que est implcito nesta ordem viva encadeada e automtica, imaginemos como
seria se pudssemos dispor de bens modernos (da tecnologia humana), da mesma forma que o faz a natureza.
Poderamos encomendar um automvel (espcie) que
Na perspectiva do clima,
precisamos regenerar
tudo que foi alterado.
100 (Koren et al., 2004) Measurement of the Effect of Amazon Smoke on Inhibition of Cloud Formation.
101 (Nobre, 2006) Fnix Amaznico, Renascendo das Cinzas da Destruio. Proposta para a construo de um ecossistema de empreendimentos sustentveis na Amaznia.
33
nas reas replantadas. Uma coleo de rvores plantadas melhor que o solo exposto, entretanto ainda
est longe de reconstituir em toda sua complexidade
a parte funcional do ecossistema destrudo102.
Precisamos e devemos regenerar o mais extensivamente possvel o que foi alterado. Somente a integridade do oceano verde original garantiu ao longo de
eras geolgicas a sade benigna e mantenedora do
ciclo hidrolgico na Amrica do Sul.
Mas essa recomposio
florestal implicaria a reverso do uso do solo em vastas reas hoje ocupadas,
algo improvvel na ordem atual. No obstante, existem caminhos alternativos com chances de criar condies imediatas de aceitao. Trata-se de fazer um
uso inteligente da paisagem, com aplicao de tecnologias de zoneamento das terras em funo das suas
potencialidades, vulnerabilidades e riscos103.
preciso usar a paisagem de
modo inteligente, zoneando as
terras por suas potencialidades, vulnerabilidades e riscos.
A agricultura e outras atividades econmicas nas zonas rurais podem ser otimizadas, aumentando sua
capacidade produtiva e liberando espao para o reflorestamento com espcies nativas. Variados estudos
da Embrapa mostram como intensificar a produo
pecuria, reduzindo grandemente a demanda por
rea de pastos. Projetos como o Y Ikatu Xingu104 e Cultivando gua Boa105 demonstram como possvel a
associao de interessados dos vrios setores na recuperao de matas ciliares e outras valiosas aes de
sustentabilidade.
O caos climtico previsto tem o potencial de ser incomensuravelmente mais danoso do que a Segunda
Guerra Mundial. O que impensvel hoje pode tornar-se uma realidade incontornvel em prazo menor
do que esperamos. A China, com todos os seus graves
problemas ambientais, j trilha esse caminho e tornouse o pas que mais refloresta. Restaurar as florestas nativas a melhor aposta que podemos fazer contra o
caos climtico, uma verdadeira aplice de seguro.
102 Partners: povos e reflorestamento nos trpicos - uma rede de ensino, pesquisa e sntese: http://partners-rcn.uconn.edu/page.php?4; WeForest: http://www.weforest.org, ambos em Ingls.
103 Isto poderia ser alcanado atravs da aplicao do Modelo HAND de terreno, que foi desenvolvido no grupo de modelagem de terrenos do Centro de Cincia do Sistema Terrestre do INPE:
http://modelohand.blogspot.com.br
104 Y Ikatu Xingu, salvando a gua boa do Xingu, http://www.yikatuxingu.org.br
105 Cultivando a gua Boa, um programa da Itaipu Binacional (hidreltrica), http://www.cultivandoaguaboa.com.br
34
106 (Edenhofer et al., 2014) IPCC WGIII AR5 SPM : Summary for Policymakers; (Agrawala et al., 2014) IPCC WGIII AR5 TS Technical Summary.
107 Por exemplo: (Stern, 2007) Stern Review on the Economics of Climate Change; (Sukhdev, et al., 2009) TEEB - The Economics of Ecosystems & Biodiversity: Climate Issues Update.
108 Por exemplo: (Meir et al., 2011) Ecosystem Services for Poverty Alleviation in Amazonia; (Trivedi et al., 2009) REDD and PINC: A new policy framework to fund tropical forests as global eco-utilities.
35
Concluso
Na grande floresta da Amaznia, a Terra guarda um
de seus mais espetaculares tesouros: a profuso de
vida que inala gs carbnico e exala oxignio, transpira gua, emite odores mgicos, remove gases txicos,
pulsa e regula, umedece e faz chover, propele ventos
e alimenta rios areos, acalmando a fria dos elementos, tornando amigo o clima prximo e tambm o
mais distante. As sociedades abrigadas sob seu hlito
doador de vida tm nela um cordo umbilical que sustm suas economias e lhes d bem-estar. Por tudo isso,
necessrio, desejvel, vivel e at lucrativo alterar o
modus operandi da ocupao humana na Amaznia.
O esforo de guerra contra a ignorncia e pela conscincia da necessidade vital das florestas a melhor
estratgia para harmonizar a sociedade comeando
pelos governantes em torno do objetivo comum de
recuperar o tempo perdido, criando chances reais de
evitarmos o pior dos desastres climticos. Entretanto,
se a despeito da montanha de evidncias cientficas
ainda no formos capazes de agir, ou se formos lentos
demais, ento provvel que tenhamos de lidar com
prejuzos incompreensveis para quem sempre teve
sombra e gua fresca providos graciosamente pela
grande floresta.
36
O abundante conhecimento cientfico, assim como outras formas accessveis de percepo e entendimento
j nos permitem resolver problemas empregando uma
nova abordagem iluminada, integrativa, propositiva
e construtiva. Uma abordagem diferente, portanto, do
pragmatismo reducionista e inconsequente que nos
guiou at aqui111.
Anlises srias e abrangentes mostram numerosas
oportunidades para a harmonizao da presena e
dos interesses da sociedade contempornea com uma
Amaznia viva e vigorosa, reconstituda em suas mltiplas capacidades. Para chegarmos l, preciso compenetrao e modstia, dedicao e compromisso com a
vida. Com os recursos tecnolgicos disponveis, podemos agregar inteligncia ocupao, otimizando um
novo uso do solo que abra espao para a reconstruo
ecolgica da floresta. Podemos tambm revelar muitos
outros segredos ainda bem guardados da resiliente biologia tropical e, com isso, ir muito alm de apenas compreender seus mecanismos.
Pioneira na percepo dessas possibilidades, Janine
Benyus lanou em seu livro Biomimtica, a inovao inspirada pela Natureza112, uma revoluo na ideia de conexo
entre natureza e tecnologia. Apresentando a proposta de
que os seres humanos deveriam copiar conscientemente
o gnio da natureza nas suas prprias criaes, ela enuncia trs princpios bsicos dessa reaproximao:
Natureza como modelo: estudar e inspirar-se nos sistemas da natureza, seus designs e processos para resolver problemas humanos.
Natureza como medida: usar um padro ou critrio ecolgico para julgar a correo de nossas inovaes. Aps 3,8
bilhes de anos de evoluo, a natureza aprendeu o que
funciona, o que apropriado e o que tem durabilidade.
Natureza como mentor: um novo modo de ver e valorizar a natureza, do qual surge uma era baseada no
naquilo que podemos extrair do mundo natural, mas
no que podemos aprender a partir dele.
Alm desses, uma srie de outros princpios que guiam
o funcionamento da natureza apresentam potencial
para resolver grande parte dos problemas atuais. Uma
lista curta desses princpios listados por Janine Benyus
constata que a natureza propelida pela luz solar; utiliza somente a energia de que necessita; ajusta forma
funo; recicla todas as coisas; recompensa a cooperao; aposta na diversidade; demanda conhecimento
local; limita os excessos internamente; e aproveita o
poder dos limites.
111 Visto por Einstein: No podemos resolver problemas empregando o mesmo tipo de pensamento que usamos ao cri-los. O pragmatismo gerador de problemas no deve ser a sada para resolver esses mesmos problemas.
112 (Benyus, 1997) Biomimicry: Innovation Inspired by Nature.
37
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