Texto 04, Cassirer, o Homem Como Animal Simbólico

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TEXTO 04: UMA CHAVE PARA A NATUREZA DO HOMEM: O SMBOLO

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bvio que esse mundo (o mundo humano) no nenhuma exceo s regras biolgicas que regem a
vida de todos os demais organismos. No entanto, no mundo humano encontramos uma caracterstica
nova que parece ser a marca distintiva da vida humana. O crculo funcional do homem no s
quantitativo maior; passou tambm por uma mudana qualitativa. O homem descobriu,, por assim
dizer, um novo mtodo para adaptar-se ao seu ambiente. Entre o sistema receptor e o efetuador, que
so encontrados em todas as espcies animais, observamos no homem um terceiro elo que podemos
descrever como o sistema simblico. Essa nova aquisio transforma o conjunto da vida humana.
Comparado aos outros animais, o homem no vive apenas em uma realidade mais ampla; vive, podese dizer, em uma nova dimenso de realidade, Existe uma diferena inconfundvel entre as reaes
orgnicas e as respostas humanas. No primeiro caso, uma resposta direta e imediata dada a um
estmulo externo; no segundo, a resposta diferida. interrompida e retardada por um lento e
complicado processo de pensamento. primeira vista, tal atraso pode parecer um ganho
questionvel. Muitos filsofos preveniram o homem contra esse pretenso progresso. Lhomme que
medite, diz Rousseau, est um animal dprav: exceder os limites da vida orgnica no um
melhoramento, mas uma deteriorao da natureza humana.
Todavia, no existe remdio para essa inverso da ordem natural. O homem no pode fugir sua
prpria realizao. No pode seno adotar as condies de sua prpria vida. No estando mais num
universo meramente fsico, o homem vive em um universo simblico. A linguagem, o mito, a arte e a
religio so partes desse universo. So os variados fios que tecem a rede simblica, e emaranhado da
experincia humana. Todo o progresso humano em pensamente e experincia refinado por essa
rede, e a fortalece. O homem no pode mais confrontar-se com a realidade imediatamente; no
pode v-la, por assim dizer, frente a frente. A realidade fsica parece recuar em proporo ao avano
da atividade simblica do homem. Em vez de lidar com as prprias coisas o homem est, de certo
modo, conversando constantemente consigo mesmo. Envolveu-se de tal modo em formas lingusticas,
imagens artsticas, smbolos mticos ou ritos religiosos que no consegue ver ou conhecer coisa
alguma a no ser pela interposio desse meio artificial. Sua situao a mesma tanto na esfera
terica como na prtica. Mesmo nesta, o homem no vive em um mundo de fatos nus e crus, ou
segundo suas necessidades e desejos imediatos. Vive antes em meio a emoes imaginrias, em
esperanas e temores, iluses e desiluses, em suas fantasias e sonhos. O que perturba e assusta o
homem, disse Epteto, no so as coisas, mas suas opinies e fantasias sobre as coisas.
A partir do ponto de vista a que acabamos de chegar, podemos corrigir e ampliar a definio clssica
do homem. A despeito de todos os esforos do irracionalismo moderno, essa definio do homem
como um animal rationale no perdeu sua fora. A racionalidade de fato um trao inerente a todas
as atividades humanas. A prpria mitologia no uma massa grosseira de supersties ou iluses
crassas. No meramente catica, pois possui uma fora sistemtica ou conceitual. Mas, por outro
lado, seria impossvel caracterizar a estrutura do mito como racional. A linguagem foi com frequncia
identificada razo, ou prpria fonte da razo. Mas fcil perceber que essa definio no
consegue cobrir todo o campo. uma pars pro Toto; oferece-nos uma parte pelo todo. Isso porque,
lado a lado com a linguagem conceitual, existe uma linguagem da imaginao potica.
Primariamente, a linguagem no exprime pensamentos ou idias, mas sentimentos e afetos. E at
mesmo uma religio nos limites da razo pura, tal como concebida e elaborada por Kant, no passa
de abstrao. Transmite apenas a forma ideal, a sombra, do que uma vida religiosa genuna e
concreta. Os grandes pensadores que definiram o homem como animal rationale no eram
empiristas, nem pretenderam jamais dar uma explicao emprica da natureza humana. Com essa
definio, estavam antes expressando um imperativo moral fundamental. A razo um termo muito
inadequado com o qual compreender as formas da vida cultural do homem em toda sua riqueza e
variedade. Mas todas essas formas so formas simblicas. Logo, em vez de definir o homem como
animal rationale, deveramos defini-lo como animal symbolicum. Ao faz-lo, podemos designar sua
diferena especfica, e entender o novo caminho aberto para o homem o caminho da civilizao
In: CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem Introduo a uma filosofia da cultura humana.So
Paulo: Martins Fontes, 2001, p 47-50

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