19&20 - A Historiografia Da Arquitetura Brasileira No Século XIX e Os Conceitos de Estilo e Tipologia, Por Sonia Gomes Pereira
19&20 - A Historiografia Da Arquitetura Brasileira No Século XIX e Os Conceitos de Estilo e Tipologia, Por Sonia Gomes Pereira
19&20 - A Historiografia Da Arquitetura Brasileira No Século XIX e Os Conceitos de Estilo e Tipologia, Por Sonia Gomes Pereira
19&20AHistoriografiadaArquiteturaBrasileiranoSculoXIXeosconceitosdeEstiloeTipologia,porSoniaGomesPereira
AHistoriografiadaArquiteturaBrasileiranoSculo
XIXeosconceitosdeEstiloeTipologia*
SoniaGomesPereira**
PEREIRA,SoniaGomes.AHistoriografiadaArquiteturaBrasileiranoSculoXIXeos
ConceitosdeEstiloeTipologia.19&20,RiodeJaneiro,v.II,n.3,jul.2007.Disponvel
em:<http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_sgp.htm>.
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daarquitetura.Naverdade,essadificuldadetemrazesprofundas,relativas
prpria constituio da Histria da Arte e a importncia primordial que a
noodeestiloassumiuemsuadefiniocomodisciplinaautnoma.
Sabemos que etmologicamente a palavra estilo vem do latim stilus, que
designava o instrumento usado para a escrita entre os romanos. Por
metonmia, passou a designar tambm a maneira de escrever de um escritor.
Todaessadiscussodeestiloentreosantigospertenciaaocampodaretrica,
queanalisavasobretudoaescolhadaspalavrasesuapertinnciasdiferentes
ocasies, seguindo a doutrina do decorum. Essas noes da retrica
espalharamse para outros campos, como a msica, a arquitetura e as artes
plsticas1. Mas a partir do renascimento que os termos estilo, maneira e
gosto aparecem com maior freqncia, alternandose com significaes
praticamentesimtricas2.
Vasari3 atribui maniera uma grande variedade de matizes, tanto para
identificar um artista ou grupo de artistas, quanto um perodo cronolgico,
mas certamente a questo de um estilo nacional est fora de suas
preocupaes.Imprimesuateoriadobeloidealumsentidoevolucionista,em
analogia natureza. Assim, organiza as biografias dos artistas numa
seqncia, que evidencia uma lgica interna: a sua concepo de que a arte
segue o mesmo ritmo dos seres vivos, passando pelo processo de infncia,
maturidadeedeclnio.EstandoVasariconvencidodafinalidadedaartecomo
construodobeloideal,seumaiorinteressevoltaselogicamenteparaafase
doapogeu,quelocalizavanosromanos,entreosantigos,eemMichelangelo,
entreosseuscontemporneos.
Winckelmann4,emsuaobramaisimportanteHistriadaarteantigade1764,
retomavriasdasposiesdeVasari.Suateoriatambmrepousanaprocura
dobeloideal.Entendiaigualmenteaartedeformaevolutiva,seguindoociclo
vital de desenvolvimento na natureza. Mas, em outros pontos, sua postura
diferetotalmentedeVasari.Consideraqueopadromaisaltodebelezahavia
sido alcanado pelos gregos, e no pelos romanos como defendia Vasari,
acompanhando, assim, o interesse crescente pela Grcia entre vrios de seus
contemporneos. Explica o gnio grego pela influncia do clima: Minerva
escolheu por residncia de seu povo favorito o clima aprazvel da Grcia
como o mais apropriado aos progressos do esprito e do gnio, graas
temperatura amena e ditosa que reina ali durante as diferentes estaes do
ano5.Winckelmannnofoioinventordessateoriaquerelacionaacultura
ao meio geogrfico6, mas essa relao tomou em seu sistema um relevo
significativo.Mas,numoutrotpico,Winckelmanntomaumaposionova:
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PesquisasHistricasdeViena,Rieglapiasenomtododeanlisehistricae
comparativa, derivado da tradio filolgica. A seleo de seus objetos de
estudorevelaaprefernciaportemaspolmicoseoobjetivoderefutarteorias
correntes em sua poca. Assim, publica Stilfragen (Questes de estilo) em
1893, em que se dedica anlise do ornato vegetal, combatendo a teoria da
primaziadatcnicadeSemper,eaomesmotempoinserindosenapolmica
dapocaentreoArtNouveau(Jugendstil),muitoatuanteemViena,easidias
modernistas de combate ao ornamento, como as de Adolf Loos, que sero
reunidasnummanifestologodepois15. Novamente em 1901, ao escrever As
artes aplicadas na poca romana tardia segundo descobertas na ustria
Hungria,Rieglrejeitaasnoesdequeaarteromanadecorredaartegregae
queoromanotardiorepresentaodeclniodaculturalatina.Noaceitaaidia
de decadncia e acredita que os romanos, assim como o perodo romano
tardio, so culturas autnomas, sem estarem necessariamente relacionadas
entre si numa seqncia evolutiva. Por esses motivos, Damisch questiona a
crtica posterior que considerava Riegl simplesmente um evolucionista e um
determinista, acreditando que Riegl cita Darwin justamente para manter
distncia,poisrejeitatotalmenteanoodeseleonatural16.
Mas, certamente, a teoria de Riegl est centrada na idia de continuidade, e
nonaderuptura.Paraele,humacriatividadecontnua,identificadaporuma
sriedetransformaes,menospelodesejodeimitaranatureza,emuitomais
pelaspossibilidadesvirtuaisdasformas,queconstituemasleisdoestilo.Para
Riegl, no h imperativo tcnico, mas sim uma Kuntswollen,queOttoPcht
traduzporaquiloquedeterminaaarte:muitomaisdoquevontade,como
normalmente traduzido, tratase de uma pulso, como no conceito
freudiano17.
Outros tericos poderiam ser aqui mencionados, mas esses trs autores
Semper, Taine e Riegl j nos bastam para evidenciar a diversidade de
abordagens,emqueanoodeestilotomadanosculoXIX.
bastante significativo que o problema do estilo e suas implicaes para a
histria e crtica da arte sejam retomados nos anos 1950 e 1960, justamente
quando se avolumam as crticas ao modernismo e comea a se constituir o
psmodernismo.
Meyer Schapiro escreve em 1955 o artigo Style que se tornou clssico na
rea18.Nele,Schapiroenumeraasvriasdimenseseconotaesdapalavra
estilo, finalizando por reafirmar aquela que constitui, na sua opinio, a
abordagem mais importante: muito mais do que o material, ou o meio, a
anlise da forma como expresso que distingue a obra de arte. O conceito
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colocadoemtermosindividuaisounomximoemtermosdeescolasartsticas,
masnoestendeanooparanenhumidiadeculturaglobal.Relacionaessa
abordagem diretamente com a teoria de arte moderna, o que parece coerente
numadcadaemqueoinformalismoserevigora,tantonaEuropaquantonos
EstadosUnidos.
Ernst Gombrich publica um artigo tambm chamado Style em 196819. Sua
posio de intenso questionamento das teorias do estilo, tanto as
materialistasquantoasidealistas.Naverdade,oseuargumentoestcentrado
nocarterholsticodessasteorias,queimplicamsemprenumapriori,qued
sentido arte e cultura como um todo, submetidas, assim, a um
determinismo inexorvel20. No aceita as tentativas de determinar a lgica
interna de uma evoluo, tomandoa como inevitvel e genrica, pois, para
ele,osestilostraadosnumaevoluososemprerecortesarbitrriosRecusa
tambmastentativasdecaracterizaessincrnicas,quevemoestilocomo
expressodoespritocoletivo,criticandooKunstwollen(vontadedaarte),o
Zeistgeist(esprito de poca)eo Volksgeist(esprito do povo). Identifica em
HegelaorigemdestaidiaeacreditaquetodaahistoriografiadoXIXeparte
do XX tentou se livrar dos traos embaraosos da metafsica de Hegel, sem
sacrificarsuavisounitria.Assim,todasessasteorias,quetmumcarter
a priori, fundamse sobre uma presumida interdependncia entre estilo e
sociedade, constituindo, na sua opinio, generalizaes questionveis. Para
Gombrich o futuro est sempre aberto e o artista est sempre compelido a
fazer escolhas. A questo central de toda a teoria da expressividade ,
portanto, o conceito de escolha, estando a sinonmia na raiz de todo o
problema de estilo. Logicamente essas escolhas no so ilimitadas: h
restriesimpostaspelasdiversassituaespessoaisoudomeio,masoartista
temsempreumgraudelatitudeparaescolhas.NaopiniodeGombrich,so
exatamenteessaslimitaeseescolhasquedevemserobservadas.Amaneira
de identificar os estilos decorre em parte da familiaridade com as suas
convenes e o preenchimento ou no dessas expectativas. Apesar dos
esforosdeumamorfologiacientfica,quepretendedarcontadaconstituio
dos estilos, a tomada intuitiva do especialista ainda o melhor caminho,
emboranoinfalvel.
A superao do modernismo e a confrontao com a arte e a crtica ps
modernastmobrigadooshistoriadoresdaartearevisesprofundasemseus
embasamentos tericos e metodologias. Superar a pretenso de que seria
possvelreconstituiropassadototalmenteecomamximaverdadepossvel.
Compreenderasincronicidadedeprocessosdelonga,mdiaecurtadurao,
em lugar da sucesso e superao dos estilos. Entender tambm a
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ancoravaemcaractersticascomuns,emtermosdefunooupartido.Diante
dessaspranchas,comoseoarquitetotivesseexpostodiantedesitodauma
tradio arquitetnica sua disposio para ser reutilizada nos prdios
contemporneos. Mais do que imitar simplesmente o passado, tratase de
aproveitar de sua notvel experincia. A sua exemplaridade avaliza as
escolhasdoarquitetoegarantealegitimidadedesuaarquitetura.Temosaqui,
tambm, todo um processo de escolha entre alternativas possveis, como
aquelaqueGombrichindicacomosendoespecficadotrabalhoartstico.
Ao contrrio de Durand, Quatremre de Quincy23 aceitava a validade da
tradioclssica,acreditandonapermannciadeumaessncianaarquitetura,
que estaria localizada em suas origens. A diferena que essa origem no
estaria apenas na cabana primitiva, como se afirmava antes, mas em trs
elementosagrutausadapeloscaadores,atendadospastoreseacabanados
camponesestendoesseselementossidodesenvolvidospordiferentespovos:
a gruta pelos egpcios, a tenda pelos chineses e a cabana pelos gregos. Fica,
assim evidenciado que Quatremre, apesar de ainda atrelado ao pensamento
clssico,jincorporaraumavisohistricaerelativista.Tambmemrelao
imitao, possvel verificar essa historicizao do classicismo. Quatremre
estabeleceuumadiferenaentremodelo,queumacoisa,etipo,queuma
idiaequeconstituiuanicabasevlidaparaimitao.Aessnciadotipo
umprincpioelementar,espciedencleo,masapresentasediferenteemcada
pas24. Retomada por Argan nos anos 1960, a noo de tipologia tornouse
temacentraldodiscursoarquitetnico.Arganadotouadistinoentretipoe
modelodeQuatremre,enfatizandoqueapenasotipodeveriaseropontode
partidaparaoprojeto.Passandoparaocampodourbanismoedapreservao
dopatrimnio,AldoRossipropunhaotipocomocontendoidias,quesoos
elementos irredutveis nas cidades elementos culturais que deveriam ser
preservados. Posteriormente, apesar da diferena de contexto, essas idias
obtiverambastanteaceitaoentreosarquitetosnosEstadosUnidos25.
Acreditamos, portanto, que esta relao tipo/estilo lana uma luz nova no
entendimento das opes formais dessa arquitetura, evidenciando que, muito
mais do que escolhas estilsticas, tratamse em grande parte de escolhas
tipolgicas,quedevemtersidodegrandeoperacionalidadenosembatesentre
tradio e modernidade na Europa e, no caso brasileiro, nos projetos de
modernizaoedeconstruodanaonosculoXIX.
Ilustraes
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Holanda do sculo XVII. Deixou manuscrita a Gramtica Histrica das artes plsticas,
escritoem18971898,epublicadaporSwobodaeOttoPchtem1963.
15EmStilfragen,combateatesedeprimaziadatcnicaexatamenteemcimadasartestxteis,
quetinham,comofoivistoantes,umaimportnciafundadoranateoriadeSemper.Ascrticas
ao ornamento feitas pelo modernismo tm em Adolf Loos o seu verdadeiro manifesto:
OrnamentundVerbrechen(Ornamentoecrime),redigidoem1908epublicadoem1912na
revistaDerSturm.
16DAMISCH,Hubert. Le texte mis nu. In RIEGL, Alois. Les questions de style. Paris:
Hazan,1992.Prefciop.IXXXI.DamischacreditaqueRieglestejamaisprximodeLamarck
(17441820), que apresentou a teoria da vontade animal, que foi tambm examinada por
Freud.
17AssimcomoAlberti,Rieglenfatizaoornatocomoartedesuperfcie.Apassagemdasartes
plsticas para as artes de superfcie sempre implica numa maneira de projeo, na acepo
geomtricadotermo:representaogrficadelinhas.Essaslinhasnoexistemnanatureza,
com exceo dos vegetais, como nas folhas, por exemplo. Mais do que a inveno do
contorno,dotraoedaimpresso,oatodetraarqueimportaemtodoodesenho:indcio
de uma pulso artstica. Essa dimenso pulsional est naturalmente sempre sujeita a
limitaeseobservncisaderegraseprincpios,quecaracterizamoestilo.
18MeyerSchapiro(19941995) foi professor da Columbia University em Nova York. Esse
artigo foi publicado pela primeira vez em KROEBER, Alfred, ed. Anthropology today.
Chicago:UniversityofChicagoPress,1953.
19Ernst Gombrich foi professor do Warburg Institute em Londres e seu diretor de 1959 a
1976.FoitambmprofessornasUniversidadesdeOxfordeCambridge.EsseartigoStylefoi
publicado na International Encyclopaedia of the Social Sciences. New York: Marmillan,
1968,tomo15.
20GombrichfoimuitoinfluenciadoporK.R.Popper,especialmentepelasuaobraPobreza
doHistoricismo de1957,emquecriticaerefuta o holismo cultural existe uma verso em
portugus dessa obra (POPPER, K. A Misria do Historicismo (1957). So Paulo: Edusp,
1980),disponvelnositehttp://www.ateus.net/ebooks/index.php
21LOYER,Franois.Ornementetcaracterre.InLesicledeleclectisme:Lille18301930.
Paris/Bruxelles: Archives darchitecture moderne, 1977 PATETTA, Luciano.
Consideraes sobre o ecletismo na Europa. In FABRIS, Annateresa, org. Ecletismo na
arquiteturabrasileira.SoPaulo:Nobel/Edusp,1987.
22Durand,JeanNicholasLouis (17601834) era arquiteto formado pela Academia Real de
Arquitetura de Paris. Foi professor de arquitetura na Escola Poletcnica a partir de 1796.
Escreveuduasobrasquesetornarammanuaisobrigatriosparaosestudantesdearquiteturae
engenhariaemtodoosculoXIX:Recueiletparallledesdificesentoutgenre,ancienset
modernes, remarquables par leur beaut, par leur grandeur ou par leur singularit, et
dessins sur une mme chelle. Paris, 17991801 (Disponvel no site da Gallica:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k85721q
e
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k857222). DURAND, JeanNicholasLouis. Prcis des
leonsdarchitecturedonneslcolePolytechnique.,Paris:18021805.2vols
23Quatremre de Quincy (17551849) foi secretrio da classe das Belas Artes, depois
Academia de Belas Ares de 1816 1 1839. O verbete Type foi publicado originalmente na
Encyclopdiemthodique:Architecture.Paris:Panckoucke,17881825,tome3,pp.543,544
e
545
(cf.
o
facsmile
dessa
obra
no
site
da
Gallica:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k85720c)
24Carol W. Westfall afirma que, durante a tradio clssica, tipo uma terminologia
imprecisa,masdequalquermaneiracircunscritaaocampodaarquitetura.Maisoumenosem
1800, h uma ruptura. Nova epistemologia relativista e historicista vai proceder
classificaodosprdiossegundocategoriasdeestiloecarter.Noentanto,duasnoesde
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tiposobreviveram,formuladasmaisoumenosem1800:adeDurandeadeQuatremre.So
noesdiferentes,masambasalternativastentativarelativistaehistoricistadominantede
reduziroconhecimentodaarquiteturahistriadosestilosarquitetnicos.Asnoesmais
antigasdetiponosobreviveram:otermopassouaserusadoparareferiralgumacoisaforado
corpotradicionaldaarquitetrua.(WESTFALL,CarolS.&VANPELT,RobertJ.Architectural
principlesintheageofhistoricism.NewHavenandLondon:YaleUniversityPress,1993.p.
145148).
25ARGAN, Giulio Carlo. El concepto del espacio arquitectnico desde el barroco a
nuestros dias. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visin, 1973. p. 2936. ROSSI, Aldo. The
architectureofthecity.Cambridge:MITPress,1942.p.41.
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