Outro Olhar Sobre A Revolução Cubana A Trajetória e Obra de Reinaldo Arenas Na Revista Vuelta

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Outro olhar sobre a Revoluo Cubana: a trajetria e

obra de Reinaldo Arenas na revista Vuelta


Slvia Cezar Miskulin
Resumo
A trajetria de vida e obra do escritor Reinaldo Arenas foi
abordada, a partir da anlise de artigos publicados na revista
mexicana Vuelta, nos anos oitenta do sculo XX. Dirigida
por Octavio Paz, a revista Vuelta conformou um espao para
edio de produes crticas sobre Cuba e publicou
inmeros artigos de escritores cubanos que se encontravam
no exlio.
Palavras-chave: Cuba, Revoluo, Cultura, Intelectual.
Resumen
La trayectoria de vida y obra del escritor Reinaldo Arenas
fue abordada a partir del anlisis de los artculos publicados
en la revista mexicana Vuelta, en los aos 80 del siglo XX.
Dirigida por Octavio Paz, a revista Vuelta confirm un
espacio para la publicacin de producciones crticas sobre
Cuba e divulg a numerosos escritores cubanos que se
encontraban en el exilio.
Palabras claves: Cuba, Revolucin, Cultura, Intelectual
Abstract
The life and the work of the writer Reinaldo Arenas was
analised, utilizing the articles published in the Mexican
magazine Vuelta, in the eigthies of XX Century. Directed
by Octavio Paz, the magazine Vuelta made a space to edit
the critical productions about Cuba and edited many Cuban
writers which were in exile.
Key words: Cuba, Revolution, Culture, Intellectual.

* Artigo recebido em maro de 2009 e aprovado para publicao em maio de 2009.

Revista Brasileira do Caribe, Braslia, Vol. X, n19. Jul-Dez 2009, p. 191-208.

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A revista mexicana Vuelta, dirigida por Octavio


Paz, constituu um importante espao de circulao de
idias entre intelectuais latino-americanos ao longo dos
anos setenta e oitenta. Importantes reflexes crticas foram
editadas sobre a Revoluo Cubana na revista Vuelta,
expressando manifestaes de distintos intelectuais que
formularam um pensamento crtico em relao ao
desenvolvimento da Revoluo em Cuba.
Em dezembro de 1976, Octavio Paz fundou a revista
Vuelta, com a participao de Jos de La Colina como
secretrio de redao, Alejandro Rossi como diretor
suplente da publicao, e Abel Quezada Rueda como
diretor artstico. Muitos escritores mexicanos faziam parte
do conselho de redao da revista: Jos de La Colina,
Salvador Elizondo, Juan Garca Ponce, Alejandro Rossi,
Kazuka Sakai, Toms Segovia e Gabriel Zaid. A maioria
destes colaboradores j havia trabalhado juntos em outra
publicao, a revista Plural, que entre outubro de 1971 e
julho de 1976 foi tambm dirigida por Octavio Paz. No
entanto, com a interveno governamental no jornal
Excelsior (da qual a revista Plural era um suplemento) e a
demisso do editor chefe do jornal, Paz e seus
colaboradores deixaram conjuntamente a direo da revista,
como forma de protesto, e pouco tempo depois,
organizaram-se ao redor de Vuelta (AGUILAR CAMN;
MEYER, 2000:279).
No primeiro nmero de Vuelta, Octavio Paz
mostrou como a nova publicao surgia aps o
desaparecimento da revista Plural e pontuou o significado
de seu nome, como regresso ao ponto de partida, mas
tambm mudana e transformaes (PAZ, 1976:4).
Vuelta compartilhou no s da mesma equipe de direo de
Plural, mas tambm da mesma vocao de abertura para o
mundo e para a Amrica Latina, em questes culturais e
polticas. Para Octavio Paz, a novidade de Vuelta na histria
do Mxico era ser uma revista independente financiada
exclusivamente

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pelos seus leitores, assinantes e pelos anncios (PAZ,


2001:3). Criada como publicao cultural, temas polticos
foram sempre abordados na revista, o que revelava uma
concepo ampla de cultura de seu diretor e da equipe de
direo.
A revista Vuelta abordou em suas pginas de
maneira recorrente a temtica da Revoluo Cubana a partir
da publicao de anlises de intelectuais latino-americanos e
tambm da edio de escritores cubanos que haviam sado
da ilha e no tinham mais espao de publicao em Cuba. O
posicionamento de Octavio Paz e demais intelectuais
mexicanos agrupados nestas publicaes representaram a
formulao de um olhar diverso da Revoluo Cubana, pois
no se alinharam nem com as orientaes do governo
cubano e sovitico, nem com os ideais do capitalismo.
Muitos destes artigos crticos geraram polmicas no meio
intelectual mexicano, pois segundo recordou Paz, muitos
escritores no aceitavam as crticas feitas na revista aos
pases denominados socialistas (PAZ, 1993:51).
Mostrarei como os artigos publicados na revista
mexicana sobre o escritor cubano Reinaldo Arenas fizeram
parte desta viso crtica da ilha por parte dos intelectuais
colaboradores de Vuelta. Arenas, com sua trajetria de
intelectual premiado na ilha, e depois perseguido pelo
governo, quando foi obrigado a se exilar para continuar a
sua obra, assemelhou-se com o destino de muitos escritores
e artistas censurados que no obtiveram em Cuba as plenas
condies para o desenvolvimento de seu trabalho
intelectual.
O ano de 1980 est marcado em Cuba pelos fatos
que ficaram conhecidos como xodo de Mariel. O porto
de Mariel foi o ponto de partida do exlio de muitos
intelectuais e homossexuais no ano de 1980, e constitui-se
em um marco na histria cubana (BARQUET, 1998). Nessa
ocasio, dez mil pessoas se refugiaram na embaixada do
Peru, pedindo asilo

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poltico e cento e vinte mil pessoas deixaram Cuba por


Mariel, emigrando para os Estados Unidos, chegando a Key
West entre abril e setembro daquele ano.
Reinaldo Arenas foi um dos escritores que deixaram
Cuba pelo porto de Mariel. Sua entrevista para a revista
Vuelta, publicada em outubro de 1980, e gravada por Enrico
Mario Sant, em 8 de junho de 1980, captou as idias do
escritor recm chegado nos Estados Unidos (SANT,
1980:18-25). A entrevista revelou toda sua trajetria como
escritor perseguido na ilha e as dificuldades para criar e
publicar sua obra, que durante mais de uma dcada foi
silenciada em Cuba.
O entrevistador Enrico Mario Sant enfatizou quo
pouco era conhecida a biografia de Reinaldo Arenas. O
escritor esclareceu as circunstncias de sua sada de Cuba.
Nascido em 1943, Arenas relatou que em 1970, perto de
completar seus 28 anos, fecharam a sada do pas e que
durante toda a dcada de setenta no foi possvel deixar a
ilha. No fim dos anos setenta, o governo cubano passou a
permitir a sada de alguns presos polticos, que estavam
ainda nas prises, ou j reabilitados e soltos, como parte
de uma tentativa de dilogo, mas Reinaldo Arenas no
fazia parte deste grupo. Arenas recebeu vrios convites do
exterior, tanto da Europa como dos Estados Unidos, para
dar palestras sobre sua obra, mas o governo cubano nunca
autorizou a sua sada. E por isto passou a pensar em sair de
uma maneira ilegal.
Quando ocorreu o asilo de milhares de cubanos na
embaixada do Peru, em 1980, o governo resolveu deixar
sair alm destes, todos aqueles considerados a escria da
sociedade, como os elementos anti-sociais, imorais e
apolticos, considerados desvinculados do sistema,
iniciando-se assim o xodo de Mariel (BARQUET,
1993:123). Como relatou em sua entrevista para a revista
Vuelta, Reinaldo Arenas preencheu

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um formulrio e se apresentou no quartel de policia, junto


com inmeras pessoas, que se declaravam anti-sociais ou
imorais para poderem se exilar (ARENAS apud SANT,
1980:19).
Esperou com cerca de quinhentas pessoas para tirar
fotografias e fazer passaporte. No dia seguinte, um policial
veio muito cedo na sua casa, pedindo que assinasse um
salvo conduto e informou-lhe que tinha apenas meia hora
para se apresentar ao quartel de policia. Ali recebeu seu
passaporte e junto com muitas outras pessoas foi levado de
nibus ao centro de deteno provisrio Mosquito, onde
permaneceu um dia. De l foi ao porto de Mariel, onde pode
embarcar para os Estados Unidos no dia 4 de maio de 1980.
A travessia do barco em que Reinaldo Arenas se
encontrava demorou dois dias, pois a embarcao que lhe
coube era muito pequena e quebrou. Alm disso, o dono do
barco se perdeu, pois nunca tinha feito a viagem antes e
estava se arriscando para ir buscar sua famlia dos Estados
Unidos a Cuba. Por sorte, os doze passageiros foram
encontrados por um barco guarda-costas dos Estados
Unidos, a cinqenta milhas de Cayo Hueso e chegaram na
Flrida em 6 de maio de 1980.
Reinaldo Arenas rememorou como se tornou difcil
sua vida de escritor na ilha, principal motivo para seu exlio.
Em 1965, quando tinha 21 anos, ganhou o segundo lugar no
concurso da Unin Nacional de Escritores y Artistas
Cubanos (Uneac) com seu romance Celestino antes del
alba, publicado em 1967 1. Seu romance no ganhou o
primeiro lugar, pois no tinha contedo poltico, era pura
fantasia e inveno, segundo manifestaram-se dois
membros do jri, Alejo Carpentier e Jos Antonio
Portuondo, conforme relatou Reinaldo Arenas (ARENAS
apud SANT, 1980:19). Das obras premiadas neste
concurso, foi uma das ltimas a ser publicada, com uma s
edio de dois mil exemplares, tiragem considerada pequena
para as publicaes de Cuba na poca.

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Este foi o nico livro de Arenas publicado na ilha e


relatava a infncia de um poeta num meio considerado
hostil, como era o campo em Cuba, com certas passagens
marcadamente autobiogrficas. Neste momento, vivia em
Havana e trabalhava na Biblioteca Nacional Jos Mart,
onde tambm convivia com muitos outros escritores como
Eliseo Diego, Cintio Vitier, Fina Garca Marruz, que o
apoiavam em sua criao literria. Reinaldo Arenas tornouse um escritor conhecido no meio literrio, mas no entre a
maioria da populao cubana.
No ano seguinte, em 1966, Reinaldo Arenas enviou
seu romance El mundo alucinante para concorrer
novamente no concurso da Uneac, mas o mesmo foi
declarado deserto de premiaes e sua obra ganhou apenas
uma meno, o que tornava a publicao opcional. O livro,
baseado nas memrias do frei mexicano Servando Teresa de
Mier Noriega y Guerra, mostrava a trajetria deste
importante precursor pelas lutas de independncias nas
Amricas, com suas inmeras aventuras, prises e fugas: foi
perseguido por suas idias em plena poca da Inquisio e
organizou uma expedio para o Mxico, com o objetivo de
libert-lo do domnio espanhol 2. Nesta ocasio, Reinaldo
Arenas foi entrevistado pelo suplemento cultural cubano El
Caimn Barbudo3 e declarou que o personagem tinha uma
dimenso poltica enorme, com uma projeo americana, j
que o considerava precursor de Bolvar e de Mart nas lutas
de independncia das Amricas (ARENAS, 1966:18).
Apesar de referir-se a um perodo histrico bem
distanciado, El mundo alucinante tinha um contedo crtico
bastante evidente em relao ao Estado. Este teria sido um
dos motivos pelo qual a obra ganhou apenas meno
especial no concurso da Uneac. O jri estava composto por
Virgilio Piera, Alejo Carpentier, Jos Antonio Portuondo e
Flix Pita Rodrguez.

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Na verso de Piera, Alejo Carpentier e Jos Antonio


Portuondo recusaram-se a conceder o prmio obra
(PIERA apud ARENAS,1995:104). Pouco tempo depois,
Arenas foi informado que sua obra El mundo alucinante
tinha passagens erticas e por isto no poderia ser
publicada em Cuba. Arenas entregou o romance para
Emanuel Carballo, diretor da Editorial Digenes, que a
publicou em 1969 no Mxico.
O crtico literrio Emir Rodrguez Monegal publicou
em Vuelta suas opinies sobre o El mundo alucinante, obra
traduzida em muitos idiomas e de grande repercusso
internacional. Esclareceu que Arenas inseriu passagens
ficcionais no livro e que a vida orgistica do sculo das
luzes estava presente no romance, seja na corte decadente
de Carlos IV, como tambm nos sales da aristocracia
britnica. Para Emir Rodrguez Monegal, as passagens
homossexuais do livro fizeram com que Arenas fosse mal
visto pela burocracia cubana. Entretanto, o que Rodrguez
Monegal considerou mais subversivo na obra foi sua crtica
s revolues, ambientada nas lutas pela independncia do
Mxico (RODRGUEZ MONEGAL, 1981:33).
Arenas relatou muitos anos depois em sua
autobiografia como a repercusso internacional da obra,
sobretudo aps a edio francesa feita pela Editions du
Seuil, trouxe-lhe muitos problemas:
O livro fez um grande sucesso na Frana e obteve o prmio de
melhor novela estrangeira, junto com Cem anos de solido, de
Garca Mrquez. Num outro pas isso teria sido muito til para
mim, permitindo o desenvolvimento do meu trabalho e
transformando-me numa espcie de escritor respeitvel, ou algo
parecido. Em Cuba, o impacto de El mundo alucinante em sua
verso francesa foi para mim um golpe totalmente negativo do
ponto de vista oficial. A Segurana do Estado ficou de olho em
mim, no apenas por ser uma pessoa controvertida que escrevera
obras como El mundo alucinante ou Celestino

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antes del alba, textos irreverentes que no faziam a apologia do


regime, e sim, pelo contrrio, criticavam-no abertamente, mas
tambm por ter cometido a ousadia de contrabandear aquele
manuscrito e public-lo sem a permisso de Nicols Guilln,
presidente da Uneac (ARENAS, 1995:149).

Em 1969, Arenas passou a trabalhar na Uneac, pois


houve uma mudana abrupta na direo da Biblioteca
Nacional e a diretora Maria Teresa Freyre de Andrade foi
retirada de seu cargo em menos de 24 horas. Arenas saiu da
Biblioteca, pois a instituio passou a fechar s 18 horas,
deixou de ser um centro de cultura e tornou-se um centro de
informaes para estudantes do primrio e do secundrio.
Neste momento, a poltica cultural cubana tornava-se cada
vez mais restrita, j que um ano antes, em 1968, iniciou-se
as perseguies enfrentadas pelo escritor Heberto Padilla,
que ficou posteriormente conhecido como caso Padilla4.
O trabalho de Reinaldo Arenas na Uneac consistia
em editar as revistas La Gaceta de Cuba e a revista Unin,
juntamente com outros escritores. Arenas publicou alguns
artigos e resenhas na revista La Gaceta de Cuba, mas a
partir de 1971 j no pode mais publicar. Juntamente com
ele, muitos outros escritores que haviam sido contratados
para publicar nas redaes das revistas da Uneac tambm
no puderam mais faz-lo, como por exemplo, Reinaldo
Gonzlez, Miguel Barnet e Belkis Cuz Mal, entre outros
(ARENAS apud SANT, 1980:20). Eles continuaram a
trabalhar na Uneac e ganhavam um salrio de escritor, mas
se limitaram a corrigir as provas de textos de outras
pessoas, que no trabalhavam l, mas eram de confiana do
governo cubano.
Para Reinaldo Arenas, nos anos setenta a poltica
cultural cubana se assemelhou muito quela praticada na
Unio Sovitica no perodo stalinista, pois muitos escritores
passaram a integrar uma espcie de lista negra, em que
eram proibidos de publicar.

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Os escritores censurados eram os escritores no oficiais,


ou seja, no eram adictos al rgimen ou no escreviam
aquilo que era desejado pelo governo cubano (ARENAS
apud SANT, 1980:23). A poltica oficial daquele momento
sinalizava que havia uma srie de escritores que
simplesmente iriam deixar de ser escritores:
Cuando todo esto tiene lugar se nos dicen las normas que hay
que seguir: una poltica cultural totalmente adicta al sistema, no
crear una literatura que pueda plantear tendencias contrarias al
sistema, sino que lo apoye explcitamente; toda aquella obra que
no lo haga entra en el terreno de la censura. Despus de
mediados de 1970 ya ninguno de nosotros (ni siquiera escritores
de renombre como Lezama o Virgilio Piera, pudo publicar ms
(ARENAS apud SANT, 1980: 24).

O cerceamento da liberdade de expresso e de


publicao dos escritores coincidiu com um momento de
grande fechamento no meio intelectual e poltico da ilha,
conhecido como anos cinza5. O fracasso da safra de 10
milhes de toneladas de acar em 1970, as resolues do
Primeiro Congresso Nacional de Educao e Cultura, e o
caso Padilla, ambos ocorridos em Abril de 1971, foram os
principais acontecimentos que marcaram o endurecimento
dos anos setenta em Cuba. O fracasso da safra de acar de
1970 provocou uma grave crise econmica e social e o
governo cubano acentuou suas relaes com a Unio
Sovitica, com o aumento do financiamento sovitico
economia cubana.
As resolues do Primeiro Congresso Nacional de
Educao e Cultura estabeleceram uma srie de normas que
seriam adotadas no meio cultural e educacional. Acentuouse o controle da vida privada dos intelectuais, com o
impedimento dos homossexuais de exercerem atividades
ligadas juventude e cultura ou ainda representar Cuba no
exterior, pois os homossexuais foram considerados um
desvio, uma patologia, j que se tratava de uma
atividade de carter anti-social (RESOLUES, 1980:2829).

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As resolues do Congresso tambm criticaram a


extravagncia, as aberraes e o exibicionismo na
moda da juventude, alm de criticarem as religies afrocubanas, como por exemplo, os abakus ou as nhnigas,
pois eram consideradas responsveis pela delinquncia
juvenil (RESOLUES, 1980:22-25). As resolues de
afastamento dos homossexuais de qualquer atividade
educacional e cultural, e sua proibio de representar Cuba
no exterior eram elementos de uma poltica homofbica e
repressiva do governo cubano, que j havia emergido
durante o perodo das Umaps6 e que nos anos setenta se
configurava na forma de ostracismo e silenciamento em
relao aos intelectuais homossexuais.
J o caso Padilla consistiu na priso e a famosa
autocrtica que o escritor Heberto Padilla foi obrigado a
fazer, em abril de 1971, no qual acusou muitos outros
escritores de estarem conspirando contra a Revoluo
Cubana (PADILLA, 1989; PADILLA, 1998). Reinaldo
Arenas em sua entrevista em Vuelta declarou que o caso
Padilla foi uma forma de submeter a essa poltica todos
os escritores que foram convidados a ouvir as declaraes
de Padilla (ARENAS apud SANT, 1980:23). A priso e
auto-confisso de Padilla teve grande repercusso
internacional, muitos escritores europeus e latinoamericanos que at aquele momento apoiavam a Revoluo,
manifestaram-se contrrios e romperam publicamente com
o governo aps este episdio, o que marcou o fim da lua
de mel entre a intelectualidade de esquerda internacional e
o governo cubano.
Nos anos setenta, muitos escritores foram enviados
ao campo, para trabalhar nas plantaes de cana de acar.
Reinaldo Arenas foi enviado a Pinar del Ro, auxiliou no
corte da cana, mas nunca conseguiu escrever nada sobre
esta experincia, pois a cana no era para ele uma fonte de
inspirao (ARENAS apud SANT, 1980:21)7.

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Arenas se deu conta de que no conseguiria mais


publicar na ilha, seu conto La vieja rosa, que havia sido
pedido pela Uneac para publicao foi censurado, e
juntamente com muitos outros escritores se sentia
discriminado e perseguido. Em suas palavras:
En ese tipo de situacin, en ese infierno, estuvimos casi todos
los escritores algunos hasta camos presos todos en una
situacin muy incierta donde se nos combata por cualquier
cosa, por diferencias morales, cuestiones ideolgicas,
abiertamente en revistas, hasta en el rgano de las Fuerzas
Armadas, la revista Verde Olivo, donde se publicaban los
famosos ataques de Luis Pavn; hasta se crean por aquel
entonces una serie de delitos en la nueva constitucin bajo el
rubro ambiguo de diversionismo ideolgico (todo lo que
nosotros ya habamos hecho era un delito segn estos nuevos
decretos: escribir una novela que no se ajustara al marxismo, por
ejemplo, era diversionismo ideolgico). Mucha gente iba a la
crcel por slo eso. O sea, que yo en aquella poca desde 1970
en adelante viv en una situacin de verdadera persecucin
poltica incluso s por amigos mos que la polica les iba a
preguntar por m, dicindoles que yo haba sacado cosas al
extranjero (ARENAS apud SANT, 1980:21).

Na entrevista concedida revista Vuelta, Arenas


esclareceu que passou a enviar suas obras para publicao
no exterior, pois sabia que no iria conseguir public-las em
Cuba. Entregou para Angel Rama um livro de contos
intitulado Con los ojos cerrados8, que foi publicado no
Uruguai em 1972, fato que o autor s foi tomar
conhecimento quando foi viver nos Estados Unidos. Arenas
iniciou em Cuba o projeto de escrever uma pentagonia, com
certas passagens autobiogrficas. O livro Celestina antes del
alba e El palacio de las blanqusimas mofetas, os dois
primeiros da pentagonia foram escritos na ilha. El palacio
de las blanqusimas mofetas foi levado Frana e editado
em 1975. O terceiro romance de sua pentagonia, Otra vez el
mar,

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foi escrito em Cuba e tinha cerca de quinhentas pginas,


quando Arenas entregou a um amigo, junto com todas as
suas cpias, para fazer a reviso. Algum tempo depois, este
amigo declarou que havia perdido o romance, com todas
as suas verses. Reinaldo Arenas no pode fazer nada, pois
foi preso pouco tempo depois, em 1974.
As circunstncias surreais de sua priso foram
narradas pelo prprio escritor. Arenas encontrava-se na
praia de Guanabo com um amigo, em junho de 1974,
quando teve suas roupas e papis roubados. Ao se dirigir a
uma delegacia de policia, percebeu que estavam l as
pessoas que haviam roubado suas coisas, mas ao acus-los
de roubo, os ladres denunciaram Arenas e seu amigo de
serem imorais, estar fazendo manifestaes pblicas e
de escndalo pblico (ARENAS apud SANT, 1980:22).
No dia seguinte, quando Arenas chegou na Uneac para
trabalhar, soube que diziam por l que havia sido pego na
praia fazendo uma orgia e lendo manuscritos contrarevolucionrios (o que na verdade eram apenas alguns
poemas). Dois meses depois, Reinaldo Arenas soube por
seu advogado que havia contra ele um expediente criminal,
em que era pedido oito anos de priso. Junto ao processo
encontrava-se ainda seu romance perdido e os poemas
roubados na praia. Alm disso, havia tambm um informe
do administrador da Uneac acusando-o de imoral e de
contra-revolucionrio, de ter enviado trs livros ao
exterior, dos quais dois j estavam publicados. Neste
momento, Arenas tentava reescrever seu romance
perdido, mas pouco tempo antes de ir ao julgamento, a
polcia poltica revistou sua casa e levou novamente todos
seus manuscritos de Otra vez el mar.
Reinaldo Arenas havia confessado ao amigo que
estava com ele na praia, que estava planejando ir embora da
ilha antes que fosse parar na priso, mas aps esta conversa,
no dia seguinte foi levado preso, antes mesmo de ser
julgado.

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Como no tinha nenhum antecedente criminal, foi acusado


de escndalo pblico e somente depois que j estava preso
h seis meses, foi condenado a um ano e alguns meses de
priso. Quando saiu da cadeia, em janeiro de 1976, estava
numa condio de liberdade condicional, sem ter onde
viver, nem aonde trabalhar. Ficou durante um ano como
ambulante, sem lugar fixo, at que em 1977 um amigo o
abrigou em seu quarto, onde viveu at 1980, quando saiu de
Cuba. Durante esta poca, quase no escreveu mais, pois
estava numa situao muito difcil:
Trat por todos los medios para salir de alguna manera ilegal (ya
que no haba ninguna otra). Lo que hice fue aparentar que era
una persona que haba renunciado a la literatura, que ms o
menos sobreviva haciendo guardias en el CDR [Comit de
Defensa de la Revolucin] , que no tena ninguna contradiccin
fundamental con el sistema. Que estaba adaptado(ARENAS
apud SANT, 1980:23).

Ao finalizar a entrevista publicada em Vuelta,


Reinaldo Arenas revelou seus planos para aquele ano de
1980, recm chegado aos Estados Unidos. Buscaria terminar
mais uma vez o terceiro romance de sua pentagonia Otra
vez el mar, reescreveria alguns poucos contos e poemas que
conseguiu trazer com ele quando deixou Cuba, alm de se
debruar em novos projetos literrios.
Uma resenha da obra de Arenas, escrita pelo crtico
literrio Emir Rodrguez Monegal, trouxe novamente o
escritor cubano para as pginas de Vuelta. Ao analisar o
romance Celestino antes del alba, Emir Rodrguez Monegal
destacou que a inteno de Arenas nesta obra era mostrar
como se forma e se deforma um poeta (RODRGUEZ
MONEGAL, 1981:34). O personagem principal, Celestino,
filho de camponeses miserveis, convive com a fome, a
ignorncia e a brutalidade, escreve nas folhas das rvores e
parece aos olhos de sua famlia, um louco9.

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O livro possua ainda um estilo surrealista, segundo


Rodrguez Monegal, e o romance passava uma viso plural,
contraditria e paradoxal: os personagens morrem e no
morrem, as coisas acontecem e no acontecem, o que traz
ao leitor uma sensao de no ser possvel saber exatamente
quem fez o que, quando e em que lugar10.
Como avaliou Emir Rodrguez Monegal, El palacio
de las blanqusimas mofetas romance que continuava a
pentagonia de Arenas, ampliou as questes j abordadas por
Arenas, pois a famlia havia sado do campo e se mudado
para uma pequena cidade. O protagonista do romance,
Fortunato, era um jovem que queria aderir guerrilha de
Fidel. Mas novamente estava presente no romance a
circularidade, o eterno retorno, onde tudo ocorre e no
ocorre. Ao finalizar sua resenha, Rodrguez Monegal
declarou:
Arenas est ahora en los Estados Unidos, libre de los burcratas
estalinistas que hace diez aos han destruido la cultura en Cuba.
Ahora podr completar su pentaloga y mostrar a sus lectores
(pocos antes, ahora numerosos) que es la suya una de las voces
ms originales de la nueva y siempre renovada novela
latinoamericana (RODRGUEZ MONEGAL, 1981:34).

Outra publicao na revista Vuelta sobre Arenas foi


a resenha de Jos Miguel Oviedo em 1983, sobre a obra
Termina el desfile de Reinaldo Arenas, publicada dois anos
antes pela editora Seix Barral em Barcelona. Jos Miguel
Oviedo esclareceu que uma primeira verso desta coletnea
de contos foi publicada anteriormente, no Uruguai, em
1972, com o ttulo Con los ojos cerrados. Durante toda a
dcada de setenta, Arenas sofreu com o silenciamento
involuntrio em Cuba, perodo em que no s no teve
nenhuma obra publicada, mas tambm sofre um
hostigamiento cada vez ms asfixiante (OVIEDO,
1983:43).
Para Jos Miguel Oviedo, Arenas sobreviveu nestes
anos no mais puro estilo undergruond, ou seja, continuou

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Outro olhar sobre a Revoluo Cubana: a trajetria e


obra de Reinaldo Arenas na revista Vuelta

sua produo, mas se viu obrigado a contrabandear seus


manuscritos para o exterior, para burlar o cerco que se
impunha sua obra. Em Cuba, Arenas era acusado e
perseguido duplamente: no era apenas uma acusao de
carter poltico, mas tambm continha aspectos morais: En
su caso la acusacin no era, como ocuri con Heberto
Padilla, slo de carcter poltico, sino oscuramente moral:
con caracterstico espritu puritano y represivo, la
revolucin lo acusaba tambin de homosexual, como a
tantos otros. (OVIEDO, 1983:43).
Reinaldo Arenas viveu nos Estados Unidos at 1990,
quando se suicidou devido ao agravamento de suas
condies de sade, por ser portador de Aids. Durante sua
vivncia no exlio, foi um dos editores da revista Mariel.
Escreveu e publicou diversas obras, conseguindo finalizar a
sua pentagonia, com a edio de Otra vez el mar (ARENAS
1982), El color del verano (ARENAS, 1991a) e El asalto
(ARENAS, 1991b). Deixou tambm um livro de memrias,
Antes que anoitea, em que relatou de forma tocante as
perseguies e censuras que sofreu em Cuba e tambm as
suas dificuldades para deixar a ilha e concretizar seu xodo
(ARENAS, 1992; ARENAS, 1995)11.
O cerceamento liberdade de expresso em Cuba
no se restringiu obra do escritor Reinaldo Arenas. Vuelta
editou muitas contribuies literrias de outros importantes
intelectuais cubanos exilados como Guillermo Cabrera
Infante, Carlos Franqui e Severo Sarduy, fato que
certamente desagradou o governo cubano. Alm disso, as
vises crticas da Revoluo Cubana publicadas na revista
mexicana fez com que o governo cubano colasse-as no rol
das revistas proibidas de circular na ilha. O pesquisador
cubano Carlos Espinosa mostrou como a revista Vuelta
figurou no index da biblioteca Casa de las Amricas
elaborado pela diretora Marta Ferry, e que as publicaes
deste index s podiam ser consultadas por razes estritas
de trabalho (ESPINOSA, 2005).

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Slvia Cezar Miskulin

A revista Vuelta constituu um importante espao de


posicionamento crtico em relao Revoluo Cubana.
Esta publicao tornou-se um veculo de grande relevncia
para manifestao e reflexo dos intelectuais latinoamericanos, que no estavam alinhados com a linha poltica
do governo cubano nos anos setenta e oitenta e por isto foi
proibida de circular na ilha.
Notas
1 A mesma obra teve tambm posteriormente outras edies fora
de Cuba (ARENAS, 1980; ARENAS, 2002).
2 No Brasil esta obra contou tambm com uma edio (ARENAS,
1984).
3 O suplemento cultural El Caimn Barbudo surgiu em 1996,
como parte do jornal Juventud Rebelde, rgo oficial da Unio de
Jovens Comunistas Cubanos (MISKULIN, 2009).
4 Para uma anlise do ano de 1968 na ilha e do incio do caso
Padilla ver MISKULIN (2008). Sobre o ano de 1968 em Cuba
ver tambm HERNNDEZ (2009).
5 Na minha pesquisa de doutorado analisei o endurecimento da
poltica cultural nos anos setenta em Cuba (MISKULIN, 2009).
6 As UMAPS, Unidades Militares de Ayuda a la Produccin,
funcionaram como campos de trabalho forado, em Camagey,
em meados dos anos sessenta, para os desviados ideolgicos ou
sexuais, os homossexuais. Nas UMAPs tambm eram presos
dissidentes, hippies, jovens que queriam sair do pas, religiosos
(seminaristas catlicos, ministros protestantes e praticantes das
religies afro-cubanas, como os santeros), estudantes
depurados das universidades, camponeses jovens que se
recusavam a integrar-se s cooperativas e proprietrios de
pequenos negcios urbanos (BEJEL, 2001, p. 101; QUIROGA,
2000, p. 125).
7 Apesar de Reinaldo Arenas ter declarado na entrevista em
Vuelta que no conseguiu escrever nada sobre sua vivncia nas
plantaes de acar, durante sua estadia em Pinar del Ro ele
escreveu um longo poema, El Central, em que contrapunha trs
momentos distintos: a escravizao dos ndios, a dos negros e os
campos de trabalhos forados nas plantaes de cana de acar,
para onde eram enviados em Cuba os jovens recrutas do servio
militar obrigatrio (ARENAS, 1981).
8 Segundo Enrico Mario Sant, a obra de Arenas Con los ojos
cerrados ganhou

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Outro olhar sobre a Revoluo Cubana: a trajetria e


obra de Reinaldo Arenas na revista Vuelta

meno honrosa no Concurso da Uneac, em 1968, mas no foi


publicada em Cuba (SANT, 2002, p. 316).
9 As dificuldades materiais da vida no campo durante a infncia
relatadas em Celestino antes del alba, possuem muitos elementos
autobiogrficos, como Arenas deixou claro na entrevista
publicada em Vuelta e na autobiografia publicada postumamente
(ARENAS, 1992).
10 Na anlise de Enrico Mario Sant, o romance Celestino antes
del alba formava parte da literatura fantstica (SANT, 2002, p.
315).
11 Ver tambm o filme Antes do anoitecer, de Julian Schnabel,
produzido nos Estados Unidos, em 2000, sobre a vida de Arenas.
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1980.
------ Celestino antes del alba. Barcelona: Tusquets editores,
2002.
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------ El Central. Barcelona: Seix Barral, 1981.
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------ Los desiertos y los premios. Hablan cinco. El Caimn
Barbudo, Havana, n.8, novembro de 1966, p. 18.
------ El mundo alucinante. Una novela de aventuras. Mxico:
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------ O mundo alucinante. Trad. de Paulo Octaviano Terra. Rio de
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------ El socialismo en cuestin: anti-utopa en Otra vez el mar y
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de la Universidad
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