César Lombroso - Hipnotismo e Mediunidade

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 416

Csar Lombroso

Hipnotismo e Mediunidade
Ttulo original em Italiano
Csar Lombroso - Fenomeni Ipnotici e Spiritice
Roma (1909)

Franz Anton Mesmer

Contedo resumido
Csar Lombroso, esse eminente sbio italiano, detentor de
grande acervo de trabalhos na rea da Psiquiatria e da Antropologia Criminal, relata suas pesquisas com fenmenos de natureza
hipntica e esprita, visando a comprovao da comunicao
entre os mundos espiritual e fsico.
Cita experincias com Euspia Paladino, com a qual, sob fiscalizao rigorosa, desenrolaram-se fenmenos de transportes de
objetos, materializaes parciais, tiptologia, etc., e assuntos
como casas mal-assombradas, estigmas e levitao de santos,
premonio, telepatia e outros temas para anlise de estudiosos.
O autor faz uma anlise cientfica e filosfica, afastando
qualquer teoria preconcebida e firmando-se em uma autoridade
cientfica e em concordncia com o consenso geral dos povos.
1

Sumrio
Traos biogrficos do Autor ......................................................... 3
O homem e sua misso ............................................................... 44
Prefcio ....................................................................................... 57
PRIMEIRA PARTE Hipnotismo
Alguns fenmenos hipnticos e histricos ............................... 59
1 Transposio dos sentidos com os histricos
hipnotizados..................................................................... 59
2 Transmisso do pensamento............................................ 65
3 Premonies por histricos e epilpticos......................... 73
4 Lucidez e profecia no sonho. Estudos de Myers .......... 78
5 Fenmenos fsicos e psquicos com os hipnotizados....... 85
6 Polarizao e despolarizao psquica........................... 100
SEGUNDA PARTE Espiritismo
I Fenmenos espirticos com Euspia.............................. 107
II Resumo dos fenmenos medinicos de Euspia ........... 132
III Fisiopatologia de Euspia. Influncia e ao dos
mdiuns ......................................................................... 139
IV Condies e influncias dos mdiuns............................ 147
V Mdiuns e magos entre os selvagens e os povos
antigos ........................................................................... 156
VI Limites influncia do mdium .................................... 226
VII Experincias fisiolgicas com os mdiuns .................... 243
VIII Fantasmas e aparies de mortos................................... 256
IX Fotografias transcendentais ........................................... 268
X Identificao de fantasmas ............................................ 283
XI Duplos ........................................................................... 301
XII Casas assombradas ........................................................ 312
XIII A crena nos Espritos dos mortos entre os selvagens e
os brbaros..................................................................... 346
Eplogo
I Esboo de uma biologia dos Espritos ........................... 365
II Truques inconscientes e telepticos............................... 381
2

Traos biogrficos do Autor 1


Nascimento, estudos e tendncias
Csar Lombroso nasceu em Verona (Itlia), a 6 de novembro
de 1835, descendente, pelo lado paterno, de judeus espanhis
expulsos de sua ptria pelos reis catlicos, em 1492.
Sua primeira infncia transcorreu tranquila e feliz, desfrutando a famlia de elevados recursos pecunirios e boa situao na
sociedade. Isso no durou muito tempo. Numa dessas reviravoltas do destino, foi o lar de Lombroso mergulhado em relativa
pobreza, o que, entretanto, no impediu continuassem ali reinantes a paz e a unio.
Educado nas ideias e crenas da religio judaica, bem cedo
comeou a frequentar os centros de instruo de sua cidade natal.
Tanto no curso primrio quanto no curso secundrio, deu ele
mostras de extraordinria aplicao e amor ao trabalho e aos
estudos, revelando, malgrado sua timidez, uma inteligncia
bastante precoce. Menino ainda, tornara-se amante da natureza e
dos bons livros.
Seu tio materno, David Levi, que ocupa lugar honroso na literatura italiana, ambientou-lhe o gosto para a poesia, para a
histria e a literatura em geral, especialmente a clssica. Com
seis anos apenas, Lombroso j se deleitava ouvindo os versos de
Dante. Lucrcio, Tcito e Tito Lvio o haviam fascinado, e na
idade de doze anos escreveu, com perodos verdadeiramente
clssicos, o trabalho Saggio sulla grandezza e sulla decadenza di
Roma.
Contudo, um acontecimento inesperado veio decidir para
sempre a vocao cientfica e consequente posio futura do
nosso biografado.
Em 1850 saa a pblico o primeiro volume dos Monumenti
storici rivelati dallanalisi della parola, de autoria do ilustre
mdico, historiador e linguista italiano Paulo Marzolo. Os jornais
elogiaram e encorajaram o autor, mas Marzolo percebeu que as
crticas eram por demais benvolas e... incompetentes. Certo dia,
3

lendo um dirio de Verona, entusiasmou-se com um artigo que


inteligentemente discorria sobre o seu livro e desejou imediatamente conhecer-lhe o autor.
Foi esta a primeira e mais cara emoo que ele sentiu escreveu Ceccarel em sua Vita di Marzolo , a primeira compensao a tantas viglias em estudos ingratos e tristes, a tantos pensamentos e meditaes incansveis. Paulo Marzolo pensava que
o articulista fosse um homem provecto na cincia, um pensador
solitrio, que vivesse na obscuridade por circunstncias fortuitas
ou por caprichos da sorte. O autor do artigo, que pouco depois
visitava Marzolo em Treviso, era um jovenzinho de quinze anos,
Csar Lombroso, que na Itlia foi o primeiro a perceber o gnio
de Marzolo. Ante este, Lombroso se apresentou com o afeto de
um filho e com a venerao de um discpulo.
Marzolo criou tal amizade pelo seu jovem admirador, que,
desde ento, passou a ser o verdadeiro orientador do genial
rapazinho, iniciando-o no cultivo de todas as cincias e de todas
as artes, pondo-o em guarda contra o unilateralismo da cultura.
Sob a sua direo o nosso biografado aprendeu o caldaico, o
chins, o hebreu e algumas lnguas modernas; sob a sua palavra
persuasiva, decidiu-se a estudar Medicina e a entregar-se a
estudos naturalsticos, no obstante a sua inclinao para o
Direito e as Letras.
Marzolo foi tambm quem primeiro inspirou a Lombroso o
estudo da Antropologia e, alm de ter exercido influncia sobre a
sua moral, sobre a sua maneira de conceber e de agir na vida,
nele incutiu para sempre o extremado amor da verdade, em cuja
procura Lombroso foi incansvel a vida inteira.
Nas lutas unificadoras da Itlia, em fins do sculo XIX, a Igreja tentara por todos os meios reter os seus Estados Papais,
afirmando seus direitos ao poder temporal, fulminando antemas
contra aqueles que queriam priv-la de seus domnios em prol de
uma Itlia unida e, posteriormente, recusando qualquer contato
com o governo, por lhe terem sido tomadas as terras. Lombroso,
patriota ardente, foi por isso levado a professar a f socialista,
intensificada na ltima fase de sua vida, acreditando que s com
uma completa reforma social se poderia abater a fora do clerica4

lismo e seus prejuzos, e com esse objetivo, pela tribuna e pela


imprensa, buscou, durante a vida, ajudar a todas as escolas e
instituies que concorressem para diminuir entre o povo o
nmero de analfabetos, e resultassem, em consequncia, na
derrubada das foras dogmticas, freio do progresso e da liberdade.
Curriculum vitae
De 1852 a 1857, Lombroso cursou a matria mdica nas Universidades de Pavia, Pdua e Viena, laureando-se em 13 de
maro de 1858 pela Real Universidade de Pavia. Foi nessa
cidade, quando a fazia o seu curso, que conquistou duas preciosas amizades: Alfredo de Maury e Paulo Mantegazza, tornandose este ltimo quase que um seu irmo. Fisiologistas de excepcional valor, ambos acolheram carinhosamente o discpulo, que
logo se iniciou nos estudos e nas pesquisas sobre a fisiologia do
sonho e do prazer.
Mas na Universidade de Viena, ao lado de mestres da psiquiatria, que ele afirmou a sua vocao mdica, especialmente
psiquitrica, aprofundando-se, desde ento, na leitura de livros
sobre o assunto.
Escreveu, j em 1852, com apenas 17 anos, dois trabalhos elogiados por um jornal de Verona: Saggio sulla storia della
Republica Romana e Schizzi di un quadro storico dellantica
agricoltura in Italia, nos quais se observa a influncia do historiador Marzolo sobre o rapazinho.
Veio, a seguir, consciencioso estudo intitulado Di un
fenomeno fisiologico comune ad alcuni neurotteri ed imenotteri
(Verona, 1853) e, dois anos mais tarde, outro sobre La pazzia de
Cardano (Gazetta Medica Italiana Lombarda, Milo,
01/10/1855), ensaio este em que j se percebe o germe das
fecundas investigaes que posteriormente realizaria a respeito
do homem de gnio.
De certa forma importante o opsculo que deu a pblico,
em 1856, com o nome Influenza della civilt sulla pazzia e della
pazzia sulla civilt e que marca o ponto de passagem de suas
5

preocupaes doutrinrias para o terreno das aplicaes prticas


da Medicina.
Em 1859, revalidou o seu diploma de mdico na Real Universidade de Gnova, ento anexada ao Piemonte, a obtendo a
lurea em Cirurgia.
Ainda nesse ano, chamou a ateno de todos a sua monografia Ricerche sul cretinismo in Lombardia. E a 21 de maio, ao
estalar a guerra franco-italiana com a ustria, que tinha o propsito de expulsar os austracos da Itlia, Lombroso se alistou,
contra a vontade dos pais, como mdico do Corpo de Sade
Militar do Exrcito Piemonts, sendo encaminhado ao Hospital
de Turim e, um ms depois, ao Hospital Militar de Milo.
Em 1861 o Supremo Conselho Militar de Sade distingue
com meno honrosa um utilssimo escrito de sua autoria, sobre
feridas por arma de fogo (Sulle ferite darma da fuoco), e a 6 de
maro desse mesmo ano era ele promovido ao posto de mdico
de batalho de 1 classe, sendo-lhe ainda conferida a medalha
francesa comemorativa da campanha de 1859, que tornou independente a Lombardia.
Removido para a Calbria, a estudou as condies higinicas
da populao. Os resultados de suas investigaes foram por ele
publicados em 1862, no Giornale dIgiene e Medicina Preventiva e no livro Tre mesi in Calabria (Turim, 1863), livro este que,
ampliado, foi reeditado em 1898 com o nome In Calabria,
patenteando-se em suas pginas o progresso realizado na regio
calabresa, to logo foram tomadas as medidas higinicas por ele
aconselhadas.
Em 1862, inaugurando suas funes no magistrio, Lombroso
ministra um curso livre, gratuito, de Psiquiatria, na Universidade
de Pavia, e em 1863 entra como privat-docent de Clnica das
Doenas Mentais e Antropologia na mesma Universidade, ao
mesmo tempo em que passa a exercer gratuitamente suas funes
na repartio dos alienados do Hospital Cvico de Pavia.
Em 1864, a Direo dos Hospitais reunidos de Pavia apresenta-lhe agradecimentos pelas inovaes que ele trouxe queles
Hospitais em benefcio dos alienados.
6

nomeado professor incaricato 2 de Clnica das Doenas


Mentais e Antropologia, na Universidade de Pavia.
Nesse meio tempo, comea a elaborar, e os publica em 1865,
os Studi per una Geografia Clinica Italiana, fonte entre as mais
importantes da legislao sanitria italiana.
Patriota ardoroso, entusiasta da unidade e nova grandeza de
sua gloriosa terra, condecoraram-no, em 30 de maio de 1865,
com a medalha comemorativa da guerra da independncia e
unificao italiana. nesse mesmo ano, em 6 de dezembro, desliga-se do Corpo de Sade Militar, passando a dar um curso livre,
gratuito, de Antropologia, bem como leituras pblicas sobre
Raas Humanas.
Logo sobreveio a campanha antiaustraca de 1866 e que, em
outubro, daria Veneza Itlia. Lombroso, a 20 de maio, retorna
ao servio militar, exercendo suas funes como mdico de
batalho de 2 classe.
Seis meses depois, finda a guerra, d baixa do Corpo de Sade Militar e nomeado mdico primrio da repartio das doenas Mentais do Hospital Cvico de Pavia, continuando ainda a
lecionar o curso gratuito de Antropologia por mais alguns anos.
reconduzido s funes de professor incaricato de Clnica
das Doenas Mentais e Antropologia, na Universidade de Pavia,
dando luz o volume Medicina legale dele alienazioni mentali,
no qual cogita do problema da responsabilidade, to discutido
quele tempo pelos especialistas. Nessa ocasio, tambm publica
a Antropometria degli Italiani, obra que se torna clssica no
gnero.
Aos 22 de junho de 1867, recebe uma distino honorfica,
como mdico do batalho em tempo de guerra, pela coragem e
abnegao demonstradas na cura dos colricos durante a epidemia de 1866.
Com sua memria sobre Pensiero e Meteore conquistou, em
9 de agosto de 1867, o prmio Castiglione do Instituto Lombardo
de Cincias e Letras.
Mas a 16 de outubro de 1867 que consegue a sua grande vitria no magistrio universitrio, alis muito acidentado e peno7

so. A Universidade de Pavia recebe-o, afinal, como professor


extraordinrio de Clnica das Doenas Mentais, cargo em que
confirmado, ano aps ano, at 1875. Na mesma data, condecoram-no com a medalha ao mrito militar, comemorativa da
campanha pr-independncia da Itlia, de 1866.
Lombroso se dedica mais a fundo s suas investigaes psiquitricas e aos estudos sobre a pelagra, mal que fazia muitas
mortes entre os camponeses italianos.
Com sua obra Studi clinici e sperimentali sulla natura, causa
e terapia della pellagra (2 ed., Bolonha, 1872), recebeu, em
1870, como incentivo, a soma de 1.000 libras no Concurso L.
Cagnola, institudo pelo Instituto Lombardo. Ainda por seus
mritos no estudo da pelagra, foi, aos 18 de abril de 1871, agraciado com o ttulo de Cavaleiro da Coroa da Itlia.
Em outubro de 1871 deram-lhe a direo do Manicmio Provincial de Pesaro.
Inicia, em 1872, um curso livre de Medicina Legal sobre o
homem delinquente estudado pelo mtodo antropolgico experimental.
Na cidade de Viena exps, no ano de 1873, o sitforo, aparelho de sua inveno, destinado alimentao forada dos
loucos.
D, em 1874, um curso sobre a causa da pelagra, sob os auspcios da Escola de Agricultura de Milo, e nesse mesmo ano
elevado a professor suplente da ctedra de Medicina Legal,
Toxicologia e Higiene, na Universidade de Pavia.
Nessa Universidade, segundo escreveu Max Nordau, Lombroso teve que lutar constantemente contra a surda hostilidade,
ou at manifesta, de sua direo, que empregava sistematicamente todos os meios para o bom desempenho das funes professorais e toda a melhoria em sua posio oficial. Sua doutrina sobre
a pelagra tambm lhe criava, da parte dos colegas, uma atmosfera adversa. Farto desse conflito, acedeu ao convite insistente de
velho admirador e amigo poderoso, apresentando a sua candidatura ctedra vaga de Psiquiatria e Clnica Psiquitrica, na Real
Universidade de Turim. A, porm, no era menor a inveja e o
8

despeito. Opuseram a que fosse nomeado diretamente, sem


concurso, ele, que talvez no tivesse competidor altura!
A afronta a um nome internacional foi, entretanto, suavizada
pelos canais competentes, e a 1 de outubro de 1876 nomeiam
Lombroso professor ordinrio na referida Universidade, no da
ctedra por ele ambicionada, mas da de Medicina Legal e Higiene Pblica.
Logo de entrada, foi acolhido com frieza por certos colegas
mopes e invejosos, enquanto que a direo da Universidade
passou a criar-lhe dificuldades no ensino da ctedra, negando-lhe
tudo quanto precisava. Foram anos de grandes sacrifcios para
Lombroso, que chegou a tirar dinheiro do seu prprio bolso a fim
de comprar os materiais indispensveis.
Em 1878 eleito membro extraordinrio do Conselho Sanitrio da Provncia de Turim.
Funda, em 1880, juntamente com Henrique Ferri e Rafael Garfalo, a revista Archivio di Antropologia Criminale, Psichiatria,
Medicina Legale e Scienze affini, que logo se tornou mundialmente famosa, verdadeiro monumento cientfico, de valor
incalculvel, segundo a expresso do Professor Pelayo Casanova, da Universidade de Havana, revista que teve sempre testa,
at o seu falecimento, o Professor Lombroso.
Passa a ser membro ordinrio do Conselho Sanitrio da Provncia de Turim, em 1881.
A 1 de fevereiro de 1886, aps concurso, nomeado mdico
sanitrio das Prises de Turim.
De 1887 a 1891, como professor incaricato, ensina Medicina
Legal na Real Universidade de Turim.
A 14 de setembro de 1891 foi finalmente incumbido de lecionar Psiquiatria e Clnica Psiquitrica na Universidade de Turim,
ali tambm chefiando a respectiva clnica, s sendo nomeado
professor ordinrio das mesmas matrias em 9 de janeiro de
1896.
Em 1905 criou o clebre Museu de Antropologia Criminal,
que logo se tornou ponto de romaria para estudantes e professores de todo o mundo, havendo a revista LIllustrazione Italiana
9

estampado em 1906 fotografias do edifcio onde ele funcionava,


bem como de vrias salas de exposio.
nomeado, em 1906, professor ordinrio de Antropologia
Criminal e professor incaricato de Psiquiatria e Clnica Psiquitrica, na Universidade de Turim.
Nesse mesmo ano ocupa o cargo de inspetor dos Manicmios
do Piemonte, e a Sociedade tica de Londres eleva-o presidncia honorria.
A ltima distino recebida em vida foi o ttulo de Doctor juris, da Universidade de Aberdeen (Esccia), em 1907.
Doutrinas cientficas
Exporemos mui sucintamente os pontos capitais em que se
condensa a atividade cientfica de Lombroso, que derramou
novas luzes sobre o abismo doloroso de diferentes formas do
mal, quais a loucura, o delito, a prostituio, o alcoolismo, o
cretinismo, a pelagra.
De incio, h que ressaltar que o carter especfico da mente
de Lombroso foi, antes de tudo, o constante e inexorvel reconhecimento da soberania do fato. Ele segundo palavras do seu
eminente discpulo e continuador, Henrique Ferri cercava o
fato como o co de raa cerca febrilmente a caa. E diante do
fato seu crebro se excitava e dele saltavam centelhas de intuies maravilhosas, emergindo do seu pensamento, explicados no
inesperado contato e confronto, os mais diferentes e abstrusos
fenmenos.
S os fatos possuam a fora de faz-lo mudar de ideia, e nisto reside uma das grandes superioridades do seu esprito. No se
aferrava cegamente s suas prprias doutrinas ou teorias; defendia-as obstinadamente quando acreditava responderem elas aos
fatos, mas as modificava logo que outros fatos viessem demonstrar-lhe a inexatido ou a insuficincia delas.
Como escreveu acertada e admiravelmente Lorenzo Ellero,
Lombroso teve a coragem dos inovadores geniais, profundamente convencidos, ao afrontar sozinho o mundo das ideias
10

secularmente estereotipadas; mas teve tambm uma coragem


bem mais difcil: a de afrontar a si mesmo e a si mesmo corrigirse e contradizer-se, tudo por insacivel ardor pela verdade.
Assim, por exemplo, a gnese natural do delito, explicou-a
primeiramente pelo atavismo. No a crendo, depois, suficiente,
acrescentou a degenerao e uma causa patolgica, a neurose
epilptica. O mesmo se pode dizer com relao ao Espiritismo,
conforme veremos mais adiante.
Afirmou Ferri (In morte di Cesare Lombroso, na revista La
Scuola Positiva, 1909, pgs. 582-3) que Lombroso foi em suas
pesquisas um grande continuador de Galileu. Segundo este sbio
fsico e astrnomo, se, para interpretar a vontade do testador
defunto, h necessidade de se lhe ler o testamento, para interpretar a Natureza, muito mais que a leitura dos livros escritos pelos
filsofos, necessita-se interrogar diretamente a Natureza mesma,
valendo-se da observao e da experincia.
Na verdade, o mtodo de investigao seguido por Lombroso,
mtodo positivista por excelncia, fora empregado por vrios
estudiosos, como Lamarck, Darwin, Despines e outros, sendo
que a novidade introduzida pelo psiquiatra e criminologista
italiano foi a de excogitar a classe de fenmenos que se haveria
de estudar por tal mtodo, para se fundar, por exemplo, um novo
Direito Penal. Para Lombroso, neste caso, os fatos eram os
homens, ou melhor, os delinquentes, os quais considerava como
o documento vivo que devia servir de tema e ponto de partida de
todas as experincias, considerando, alm disso, que unicamente
pela anlise de suas anomalias fsicas e morais poderiam ser
estabelecidos os fatos cruciais da chamada nova cincia penal.
Se bem verdade como salienta a Enciclopdia espanhola
Espasa-Calpe, S. A. que os grandes trabalhos de Lombroso
se referem especialmente cincia penal, resumindo-se nos
princpios formulados pela Escola Positiva, de que ele foi o
chefe, suas investigaes se dirigiram tambm para outros ramos
do saber humano (enfermidades mentais em geral, pelagra,
Hipnotismo, Espiritismo, etc.), mas em todas as ocasies a nota
distintiva do mtodo lombrosiano foi a rigorosa e impassvel
observao da vida em suas complexas interaes, a afirmao
11

de que os fatos, diretamente e bem estudados, constituem as


bases firmes e inquebrantveis sobre as quais se assentar a
Cincia.
De acordo com Ferri, as maiores e mais decisivas descobertas
cientficas de Lombroso foram principalmente estas: a causa
especfica da pelagra, profilaxia e tratamento; a gnese natural
do delito; a natureza do homem de gnio. Afora estas, acrescenta
Ferri, muitas outras descobertas de menor importncia poderiam
ser mencionadas, pois onde o sbio de Verona pousasse os olhos
indagadores, a projetava um feixe de luz.
1 A CAUSA ESPECFICA DA PELAGRA,
PROFILAXIA E TRATAMENTO

Em consequncia da extrema variao na manifestao da pelagra, durante centenas de anos os especialistas no puderam
atinar com a causa desse mal, nem com a sua teraputica. Milhares de casos ocorriam em todo o mundo, e na Itlia, por volta de
1856, cerca de 100.000 casos eram comprovados por F. Lussana
e Frua.
Lombroso comeou a estudar algumas formas especiais da
pelagra, publicando em 1868 vrios artigos sobre esse assunto,
em revistas mdicas. Do estudo destas formas especiais, passou
considerao da enfermidade em geral, e seguindo as pegadas do
Dr. Balardini e do senador Tefilo Roussel, separou o sporisorium maidis e os demais fungos que se desenvolviam no milho
deteriorado, realizando diferentes experimentos com suas culturas, tanto em animais como no homem.
Havendo demonstrado que aqueles fungos no produziam a
pelagra, fez experincias com o extrato do milho estragado, e
ento pde obter os sintomas especficos da enfermidade que
estudava.
O tratamento de um caso grave de pelagra lhe deu a chave do
enigma. Tratava-se de um tifo pelagroso, acompanhado de
uremia aguda e, como todos os sintomas eram os de envenenamento, Lombroso suspeitou que muitos dos fenmenos pelagrosos seriam consequncia de intoxicaes tambm crnicas, isto
, que a pelagra seria devida no a uma infeco, mas sim a uma
12

intoxicao proveniente, no de um fungo do milho, mas de


toxinas formadas no perisperma dos gros de milho deteriorado
por aqueles fungos (Experienze per lo studio della eziologia e
problema della pellagra, in Gazetta Medica Italiana Lombarda, 1869).
Averiguada a causa da pelagra, Lombroso busca-lhe o tratamento. Sucessivamente emprega vrias substncias qumicas,
no conseguindo resultados satisfatrios. Tendo lido numa
Memria de Coletti e Perugini que os pelagrosos encontravam
notvel alvio com o uso das guas de Levico, analisou-as cuidadosamente e, aps comprovar que alguns dos seus componentes
no produziam o efeito desejado, ensaiou, ento, o cido arsenioso, em forma de gotas de Fowler, obtendo, afinal, resultados
realmente maravilhosos.
As consequncias das descobertas de Lombroso resumiam-se
nesses dois pontos: a) devia-se proibir o consumo do milho
deteriorado; b) o arsnico era o remdio especfico da pelagra.
Conta Ferri que por trinta anos Lombroso teve de sustentar
dolorosa luta para ver acolhida a sua descoberta sobre a origem
da pelagra. No s os grandes produtores de milho, como os
prprios homens de cincia o combateram com veemncia:
aqueles, ou porque queriam vender o milho, mesmo deteriorado,
ou porque supunham seria exterminada a cultura do milho; estes,
como os professores Lussana, Porta, Bonfigli, porque achavam
improvveis as afirmaes de Lombroso.
Acentua Scipio Sighele, ilustre socilogo italiano, que o sbio
estudioso da pelagra suscitara tamanha oposio, sendo at
qualificado de heterodoxo e ousado, que por isso quase ia perdendo, em 1868, a ctedra na Universidade de Pavia.
So de 1880 as suas brilhantes Letters al dottor Bonfigli,
clssico exemplo de mpeto polmico e de lgica cerrada, no
dizer de Giuseppe Antonini, diretor do Manicmio de Udina.
Por duas vezes (1870 e 1872), concorrendo ao primeiro prmio institudo pelo Instituto Lombardo, de Milo, encontrou
apenas juzes que negavam a priori tudo quanto apresentava e
afirmava sobre a pelagra. Requereu, ento, uma comisso nome13

ada pelo Instituto. Aps dois anos de estudos, os membros dessa


comisso, torcendo desonestamente os fatos, declararam que o
milho deteriorado era incuo!
Lombroso ficou indignado com essa falsa concluso. Auxiliado pelo qumico Francisco Dupr, extraiu do milho deteriorado
uma soluo aquosa que produzia as reaes gerais dos alcalides e que, absorvida ou injetada em ces, frangos, coelhos e rs,
originava convulses e outros fenmenos prprios da pelagra.
Esse extrato aquoso foi remetido referida comisso. E porque
essa preparao originava sintomas anlogos aos da estricnina,
atreveram-se a acus-lo de fraudador, incriminando-o de haver
misturado esse veneno ao seu produto para obter os seus famosos
coelhos pelagrosos!
Lombroso, inabalvel em sua f na vitria da verdade, resistiu
a todas as investidas que o procuravam ridiculizar. Exigiu que
um qumico do Instituto preparasse, com suas prprias mos, o
extrato, segundo o mtodo por ele indicado. O referido qumico
assim o fez e, tendo experimentado em animais a soluo obtida,
verificou que ela os matava com sintomas semelhantes aos do
envenenamento estricnnico, mas teve a falta de coragem ou de
honestidade para tornar pblico os resultados. Lombroso no se
conteve e publicou as concluses do qumico, que o ameaou de
um desmentido.
E s quando o sbio Marcelino Berthelot, bem como Pellogio, Huseman e Auspitz demonstraram haver no extrato do milho
deteriorado um alcaloide semelhante, mas no igual, estricnina,
s ento os caluniadores calaram e comeou a justia para Lombroso. Sua doutrina sobre a pelagra e o tratamento especfico por
ele indicado ganharam novos defensores.
Finalmente, em 1902, deu-se a consagrao oficial. O Governo italiano promulgou uma lei para combater a pelagra, tomando
uma srie de providncias administrativas, higinicas, econmicas e agrrias, todas inspiradas na doutrina lombrosiana. A
incidncia da doena diminuiu sensivelmente, e em 1905 o
nmero de pelagrosos na Itlia era cerca de cinco mil apenas.

14

Depois de curtir dores e desenganos, que infelizmente sempre


acompanham a obra dos renovadores, ele pde, ainda em vida,
ver triunfar as suas ideias. Por tudo quanto fez e escreveu sobre o
problema pelagrgico, Lombroso merece, por direito na opinio autorizada dos Drs. Antonini e Tirelli ser aclamado o pai
da pelagrogia moderna.
2 A GNESE NATURAL DO DELITO
Conhecendo as obras de Frenologia e Fisionomia publicadas
antes dele, Lombroso props-se completar, sistematizar e organizar a chamada Antropologia Criminal, a fim de fixar as bases
do sistema penal positivo, que, segundo suas prprias palavras,
no seno parcial consrcio, aliana simptica entre o Direito
Penal e a Antropologia Criminal.
Conquanto tivesse tido, de certo modo, precursores como
Gall e Lavater, Morel e Despine, Porta e Lauvergne, Thompson e
Wicholson, que j haviam feito declaraes sobre a natureza dos
delinquentes, insistindo nas relaes entre o fsico e o moral,
procurando estabelecer a existncia de sinais exteriores caractersticos, em correspondncia com as tendncias delituosas ou
degenerativas, Lombroso merece, a bem dizer, as honras de ter
sido o fundador da moderna Antropologia Criminal. Da o Prof.
Jos Sergi, grande antropologista e pedagogo italiano, haver
afirmado que este corpo de doutrina no teve, na verdade, origem nos seus precursores, sendo criao exclusiva do extraordinrio intelecto de Lombroso, atravs de suas observaes diretas
e intuio profunda.
Aps demorados e pacientes estudos, realizados entre os soldados, durante a guerra, entre presos e enfermos mentais, atentamente examinados, aps colher centenas de casos abonadores
de suas ideias, que Lombroso traz a lume a clebre obra
LUomo
delinquente
in
rapporto
allantropologia,
giurisprudenza e discipline carcerarie (Milo, 1876), livro que
teve muitas edies, sempre melhoradas e ampliadas pelo autor,
e que foi vertida para vrias lnguas.
De acordo com a sua doutrina a exposta, tanto o criminoso
como o delito so um produto atvico, herana da idade selva15

gem, da idade animal e at da infncia, e o delito uma consequncia da organizao fsica e moral do criminoso. Foi ele, ao
que parece, influenciado nessas concepes pelas teorias darwinianas, e entre os diversos tipos de criminosos que admitia, como
os de ocasio, os loucos, os criminaloides ou pseudocriminosos,
incluiu a concepo ousada e original do criminoso nato, ser
humano incorrigvel e irresponsvel, predestinado necessariamente prtica do crime por um impulso epilptico congnito e
profundo, que se traduziria por certos caracteres morfolgicos e
funcionais.
Mais larga repercusso teve a 2 edio de LUomo delinquente, tanto que o sbio russo Metchnikoff escreveu ao seu
autor, dizendo-lhe: Acredito que sua obra marcar uma poca
na histria da evoluo dos conhecimentos humanos, pois as
consequncias sociais da nova doutrina sero considerveis.
Combatendo o que era aceito como dogma intangvel nos
domnios da cincia jurdica, Lombroso levantou contra si violenta reao, com vivssimas discusses, por vezes apaixonadas,
despertando grande bulcio em torno do seu nome. Por ignorncia ou no, at propalavam que ele pretendia, por meio de suas
ideias, acabar com as prises, pensamento que jamais lhe passara
pela mente. Desassombrado, no fugiu luta e, ao lado de Ferri,
Garfalo, Marro e Mrio Carrara, conseguiu sobrepor-se e criar
toda uma escola composta de mdicos, filsofos, socilogos e
juristas.
Com o livro LUomo delinquente, Lombroso veio dar significativo impulso ao antigo Direito, que permanecia estacionrio
com Francisco Carrara e discpulos, numa ruminao cientfica, segundo a expresso pitoresca de Ferri, sem proveitos para a
causa da humanidade, a cujas ambies a esgotada escola j no
podia mais satisfazer.
No dizer do Prof. C. Winkler, da Universidade de Amsterd,
Lombroso fez pelo Direito Penal o que, dois sculos antes, fez
Morgagni pela Medicina, comparao, alis, muito honrosa,
pois se sabe que Morgagni, igualmente italiano, foi um dos mais
notveis anatomistas de todos os tempos, contribuindo com suas
16

notas, observaes e descobertas para abertura de novos caminhos cincia mdica.


Livrando a justia penal de toda a sobrevivncia barbrica de
vingana e de violncia, demonstrando ser o criminoso mais
doente do que culpado, abriu novas perspectivas de uma clnica
social, com funes de defesa mais eficazes e mais humanas.
Desde que o criminoso um doente, absurdo ser puni-lo.
Deve receber adequado tratamento e ser posto simplesmente na
impossibilidade de causar dano. Esta revoluo operada por
Lombroso, simples e crist, levou o Prof. Srgio Sighele a declarar que o criador da Antropologia Criminal fez pelos delinquentes o que Pinel, h mais de um sculo, fez pelos loucos: no
apenas obra de cincia, mas principalmente obra de humanidade.
Congressos nacionais e internacionais, publicaes peridicas
e sociedades cientficas surgiram com o crescer do movimento
de ideias por ele desencadeado. O 1 Congresso Internacional de
Antropologia Criminal (1885), realizado em Roma, contou com
a presena de notveis psiquiatras, mdicos legistas e juristas
europeus, e foi, como se disse, a cerimnia de batismo da
Escola Positiva.
Triunfavam, afinal, as ideias do sbio acerca do homem delinquente, ideias frisa o Dr. Leondio Ribeiro, professor de
Criminologia no curso de doutorado da Faculdade Nacional de
Direito do Estado da Guanabara que no se originaram de
pensamentos tericos, mas de fatos positivos observados nos
laboratrios, clnicas, manicmios e prises.
Uma srie de reformas foram iniciadas na justia penal dos
pases da Europa e das duas Amricas, com aplicao da doutrina lombrosiana.
No Brasil, muitos juristas e psiquiatras aderiram s novas
concepes e as propagavam, como Perez Florinha, diretor do
Reformatrio do Rio de Janeiro, o grande Tobias Barreto de
Menezes, Joo Vieira de Arajo, Nina Rodrigues, Cndido Mota
e Francisco Viveiros de Castro, este com a sua obra A Nova
Escola Penal (1894).
17

O jurista e poltico pernambucano Dr. Joo Vieira de Arajo


assim se externava em fins do sculo XIX: Lombroso se erige
frente do Direito Penal neste sculo, como Beccaria se erigiu no
sculo passado. Ele um renovador audaz, um pensador de vista
larga, de ideias largussimas. O ter lanado por terra as antigas
ideias metafsicas e caducas ser o seu maior ttulo de glria.
O feito revolucionrio de Lombroso relembrou h alguns
anos o ilustre criminologista argentino Juan Dalma consistiu
em haver posto no centro da ateno dos estudiosos, no o delito
em si, seno seu protagonista, o homem delinquente, com suas
caractersticas somatopsquicas constitucionais e os aspectos
ambientais que determinam a sua ao. Criou-se, assim, a Antropologia Criminal, que, com seus fundamentos, transformou
completamente o Direito Penal e todo o contedo jurdico, social
e biolgico do delito.
Alm do primeiro Congresso Internacional retrocitado, durante a existncia terrena de Lombroso sucederam-se outros, respectivamente em Paris, Bruxelas, Genebra, Amsterd e Roma, aos
quais compareceram as maiores celebridades mundiais, no
faltando a presena brilhante e sempre ansiada por todos do
mestre italiano.
Atendendo a insistentes pedidos, Lombroso tambm participou, em 1897, do Congresso de Medicina de Moscou, bem como
dos trabalhos cientficos do Congresso Internacional de Psicologia (1905), em Roma, a presidindo a seo de Antropologia
Criminal.
Foi no Congresso de Bruxelas, em 1892, que, segundo seu
presidente, Prof. Semal, se consumou esta grande vitria: a unio
definitiva da cincia mdica com a cincia penal.
H mais coisas interessantes a registrar. No Congresso de Paris, em 1889, o Prof. Manouvrier, pertencente Escola Sociolgica do Direito Criminal, proclamava que a teoria de Lombroso
morrera. Porm, como este morto ressuscitava em todos os
cdigos penais redigidos e adotados posteriormente, um colega e
mulo de Manouvrier, Gauclker, declarava agora, no Congresso
de Amsterd, em 1901, que Lombroso no fizera mais que
18

arrombar portas abertas, pois todas as suas teorias eram velhas


quanto o mundo e mais que conhecidas, trivialidades, lugares
comuns.
V-se, assim, at onde ia a inconsequncia dos adversrios,
que lanavam mo de toda e qualquer sada para desmerecer o
alto nome de Lombroso. Tudo foi em vo, e este crescia sempre
na admirao e no respeito de todos.
Em 1906, de 28 de abril a 3 de maio, realizou-se o VI Congresso Internacional de Antropologia Criminal, celebrando-se
nele o jubileu cientfico do sbio de Verona.
O maior anfiteatro da Universidade de Turim foi palco de
grandiosa solenidade, que marcou para Lombroso um triunfo
sem par. Em presena diz Max Nordau de representantes do
Governo italiano, do Exrcito, que enviara um general como
delegado, de senadores, de deputados, de sbios clebres de
todos os pases; ante os estudantes que haviam acudido em
massa para aclamar o mestre, uma longa fila de oradores subia
tribuna e glorificava Lombroso.
Um desses oradores, o mui ilustre Prof. Van Hamel, da Holanda, referindo-se aos dois Csares da renovao penal Beccaria e Lombroso , assim salientava: O primeiro, nos dias em
que tudo era arbitrrio, disse ao homem: conhea a justia. O
segundo, no tempo em que triunfava a rigidez, o convencionalismo, as frmulas clssicas jurdicas, disse justia: conhea o
homem. Queria ele expressar com isso que de agora em diante,
conhecendo-se melhor o homem, a justia se faria menos injusta.
Para as homenagens a Lombroso vrias comisses haviam
sido constitudas: Comisso Central, presidida pelos Profs.
Leonardo Bianchi e A. Tamburini; Comisso Italiana, entre cujos
membros estavam os professores Brusa, Borri, Carrara, Ferrero,
Severi, Tamassia, Tirelli, de Sanctis, etc.; Comisso Internacional de personalidades do mundo cientfico, como Bechterew,
Benedikt, Max Nordau, Sollier, Van Hamel, etc.; Comisso
Popular, que entregou a Lombroso um objeto de arte, homenagem da classe trabalhadora; Comisso de Estudantes, que ofereceu artstico pergaminho ao amado mestre.
19

Uma das solenidades bastante emocionante foi a entrega que


o Dr. J. A. Lacassagne, professor de Medicina legal na Faculdade de Lio, lhe fez, em meio de estrondosa salva de palmas, da
cruz de Comendador da Legio de Honra, com que o governo
francs o agraciara. A escolha do Prof. Lacassagne para aquela
incumbncia foi muito apreciada. Como chefe da Escola Sociolgica do Direito Penal, combatia as teorias de Lombroso, mas,
acima de tudo isto, admirava-o e o reconhecia sobretudo como
o apstolo da piedade para os infelizes, da justia para os
deserdados.
Em seguida, levanta-se uma comisso de insignes mestres italianos e estrangeiros, do Direito e da Medicina, e presenteia o
homenageado com um rico lbum de assinaturas e com um
medalho cinzelado pelo afamado escultor Bistolfi, medalho
que simbolizava a obra do heri da festa.
Uma das cerimnias mais expressivas foi a instituio, na Universidade de Turim, da ctedra de Antropologia Criminal,
graas aos esforos do grande psiquiatra e neuropatlogo Leonardo Bianchi, ento Ministro da Instruo Pblica, sendo nomeado Lombroso para seu primeiro ocupante, tornando-se, assim,
em todo o planeta, o inaugurador oficial do ensino da cincia de
que ele fora o fundador.
Aquilo tudo escreve Max Nordau foi uma apoteose cuja
repercusso atravessou o oceano. nica exceo na Itlia, na
Europa, pode-se dizer, foi a Faculdade de Turim, que encontrou
o meio de ignor-lo. Absteve-se de tomar parte na festa, no
figurou na comisso, nem entre os oradores, nem sequer entre os
assistentes, e em sua Memria anual passou em silncio uma
cerimnia que tivera por teatro a mais bela sala da Universidade.
Na altura a que chegara, Lombroso podia rir dessa raiva impotente de adversrios grotescos e desprez-la. Contudo, no temos
por que isent-la por isso de merecida censura.
E nos dias atuais, o conhecido criminologista argentino Juan
Dalma demonstrou, em longo estudo, que as concepes lombrosianas do delinquente epilptico foram uma genial antecipao
das modernas doutrinas constitucionalsticas, psicodinmicas e
neurofisiolgicas, doutrinas estas que, em sua opinio, projetam
20

nova luz sobre as velhas concepes do sbio de Pavia, e as


confirmam de forma inesperada. Multa renascentur, quae iam
cecidere.
3 - A NATUREZA DO HOMEM DE GNIO
Estudando os homens de gnio, no s sustentou as relaes
frequentes entre o gnio e a loucura, seno que chegou concluso de que o gnio do homem o produto de uma psicose, de
carter degenerativo. Colocou, assim, os grandes homens no
domnio da patologia mental, o que, alis, j fora sustentado por
outros autores, especialmente por Moureau de Tours e Llut.
Lombroso baseou-se em observaes numerosas, desde os
tempos antigos, e disse Ferri que at nos homens tidos por mais
equilibrados e normais, neles tambm foi comprovada a nota
degenerativa.
A primeira tese que publicou sobre o assunto saiu em 1864,
na cidade de Milo, sob o ttulo Genio e Follia (4 ed., muito
aumentada, Turim, 1882).
Juntaram-se a esta, posteriormente, trs novas obras: LUomo
di genio (6 ed. definitiva, Turim, 1894), na qual suas teorias a
respeito assumiam formas mais definidas; Genio e degenerazione (Palermo, 1898) e Nuovi studi sul genio (2 vols., Palermo,
1902).
Para Lombroso, em suma, o gnio no incompatvel com
uma natureza epilptica, uma degenerescncia epilptica. Muitos
fatos acumulou e coordenou para comprovar a sua doutrina,
emprestando-lhe, segundo a expresso de Ferri, um vigor
miguelangelesco, mas, mesmo assim, teve de enfrentar furiosas
e implacveis crticas, censuras indignas do seu alto valor,
frequentemente misturadas com a fantasia silogstica.
A torrente de ideias profundamente inovadoras que o crebro
pujante de Lombroso derramara no mundo do sculo passado,
sobre um terreno to inquietante como aquele da loucura, do
delito, do gnio, suscitou, como natural e normal, um clamor
de resistncia e averso, ao lado de uma onda entusistica de
adeso, parcial ou total.
21

Poucos sbios ou filsofos foram to infamados e to atacados como o foi Csar Lombroso escreveu o jornal parisiense
Sicle, em 1909.
este, em verdade, o destino de todos os que ousam traar
novas diretrizes no mundo cientfico, filosfico ou religioso, e
Lombroso exteriorizou, em certas ocasies, todo o seu menosprezo por aqueles eclticos que, semelhantes a esponjas, absorvem tudo e no produzem nada. Chamava-lhes mestrezinhos da
Cincia, que, de ordinrio, acrescentava Lombroso, esperam,
para ter uma opinio cientfica, a ltima palavra da Sorbona ou
da feira de Lpsia.
Quem evoca, em mincias e a cores vivas, a vida de lutas e de
dores do genial e verdadeiro homem de cincia sua prpria
filha Dra. Gina Lombroso-Ferrero, quer no artigo La Vita de
Pap (in Archivio di Antropologia Criminale, 1909, pgs.
607-632), quer no livro de sua autoria Cesare Lombroso, Storia
della vita e delle opere, narrata dalla figlia, Turim, 1915 (2 ed.
1921, fundamental).
Houve, naqueles recuados tempos, um mdico e consagrado
psiclogo, Padre Agostinho Gemelli, mais tarde reitor da Universidade Catlica de Milo e presidente da Academia Pontifcia
das Cincias, que, com todas as suas foras, combateu as doutrinas de Lombroso, afirmando, aps o falecimento deste, serem
elas anticrists e que no passavam de caricatura de cincia,
acabando por consider-las definitivamente sepultadas com seu
autor.
A verdade, todavia, vence o tempo e vence os homens. Em
1951, segundo nos conta o Prof. Leondio Ribeiro, esse mesmo
padre franciscano, ao inaugurar a Escola de Aperfeioamento de
Estudos Criminais da Universidade de Roma, volta atrs e afirma
textualmente: Ningum mais poder hoje negar que a Antropologia Criminal realizou conquistas importantes, no campo da
cincia, para o conhecimento do homem delinquente, imprimindo os discpulos de Lombroso novos rumos ao Direito Penal de
nossos dias.

22

Depois de estudar o homem louco, o homem delinquente


e o homem gnio, no ocaso de sua vida Lombroso aprestou-se
a estudar o homem santo, mas a sade no lhe permitiu chegar
a termo.
Produo cientfica
Deixou o sbio verons vasta obra relacionada com a Psiquiatria, a Medicina Legal, as disciplinas carcerrias, a justia penal,
a profilaxia do delito, etc., somando-se a ela centenas de memrias e artigos cientficos estampados, at os seus ltimos anos de
peregrinao terrena, em numerosas revistas e jornais de todo o
mundo, especialmente da Europa.
Alm das obras mencionadas no decorrer deste trabalho biogrfico, alinharemos mais algumas, a saber: LUomo bianco e
lUomo di colore (Pdua, 1871); idem, 2 ed. aumentada (Turim,
1892); I veneli del mais e da loro applicazione alligiene e alla
terapia (Bolonha, 1877); Sulla medicina legale del cadavere
(Turim, 1877); Lamore nel suicidio e nel delitto (Turim, 1881);
Pazzi e anomali (1885), reunio dos seus artigos e polmicas em
defesa da Escola Positiva; Il delitto politico e le rivoluzioni
(Turim, 1890); Trattato profilattico e clinico della pellagra
(Turim, 1892); Le pi recenti scoperte e applicazioni della
psichiatria e antropologia criminale (Turim, 1893); La donna
delinquente, la prostituta e la donna normale, em colaborao
com G. Ferrero (Turim, 1893); Lantisemitismo e la scienze
moderne (Turim, 1894); Grafologia (Milo, 1895); Lezioni di
medicina legale (2 ed. Turim, 1900); Delitti vecchi e delitti
nuovi (1902); Il momento attuale in Italia (Milo, 1904); La
perizia psichiatrico-legale coi metodi per eserguirla e la casuistica legale (Turim, 1905); etc.
As ideias de Lombroso declarou, faz poucos anos, o Prof.
Leondio Ribeiro receberam o apoio de mestres e esto sendo
confirmadas luz das ltimas conquistas da cincia.
No , pois, fora de propsito esta frase do grande jurista
Vincenzo Manzini, professor ordinrio da ctedra de Direito e
Processo Penal na Universidade de Pdua, frase existente no 1
23

tomo do seu famoso Trattato di diritto penale italiano: Se


Lombroso no tivesse existido, haveria uma lacuna na evoluo
lgica das ideias do nosso tempo. Assim escreveu Gross, e este
criminalista germnico tinha inteira razo.
No campo do Espiritismo
Foi lenta e rdua, porm contnua e segura, a marcha de
Lombroso rumo ao Espiritismo.
Em seu opsculo Studi sullIpnotismo (Turim, 1882), o ilustre
antropologista ridiculizava as manifestaes psquicas, chegando
at, segundo suas prprias palavras, a insultar os espritas.
Motejava do fenmeno das mesas girantes e falantes, estranhando que pessoas de mente s pudessem prestar-se a tanta
charlatanice.
Em julho de 1888, publicava no jornal Fanfulla della Domenica (n. 29) um artigo intitulado Linfluenza della civilt e
delloccasione sul genio, artigo em que se mostrava, ao referirse ao Espiritismo, menos intransigente, salientando, aps breve
raciocnio, lgico e cheio de bom-senso:
Quem sabe se eu e meus amigos, que rimos do Espiritismo,
no laboramos em erro.
leitura deste artigo, o conde Ercole Chiaia, cavaleiro napolitano de grande cultura (cuja desencarnao, em 04/03/1905, foi
bastante lastimada por eminentes personalidades do mundo
cientfico e literrio), escreveu longa e brilhante carta a Lombroso, em agosto de 1888, publicada, sob o ttulo Una Sfida per la
Scienza, no mesmo jornal h pouco citado (ano X, n. 34). Nela,
chamava a ateno do sbio para uma doente extraordinria,
com quem se produziam os fenmenos mais estranhos, alguns
dos quais passou a relatar. Em seguida, convidava-o, num desafio corts, para a eles assistir e simplesmente comprovar-lhes ou
negar-lhes a realidade. A referida doente era uma napolitana
analfabeta, da classe mais humilde da sociedade, com menos de
quarenta anos de idade, robusta, e chamava-se Euspia Paladino.
O conde Chiaia dispunha-se ainda um encontro em qualquer
lugar (Npoles, Roma e at Turim) que Lombroso designasse e,
24

alm de outras facilidades de investigao, concedia-lhe plena


liberdade de ao nas experincias. Melhores condies
declarava ele no se poderia oferecer nem mesmo aos cavaleiros da Tvola Redonda.
Trs anos depois, porm, foi obrigado, por motivos profissionais a ir a Npoles. Casualmente ele prprio quem o narra
me encontrei com alguns dos admiradores de Euspia Paladino,
especialmente com o Sr. Chiaia, que me pediu fizesse experincias com essa mdium. Disse-lhe Chiaia: J que estais entre
ns, nada vos impede de assistir a uma sesso e de desmascarar o
embuste.
Sempre havendo pelejado por amor da verdade em todos os
campos do conhecimento humano, conforme acentuou o poeta
orientalista alemo Artur Pfungst, o clebre autor de O Homem
delinquente aceita, afinal, o convite, mas impe estas condies:
no participaria de sesso s escuras ou de sesso pblica, e as
experincias deviam realizar-se luz do dia e no quarto do hotel
onde estava hospedado. Afinal, explicou ele mais tarde, depois
de ter ouvido alguns sbios negarem fatos de hipnotismo, como a
transmisso do pensamento, a transposio dos sentidos, que, por
serem raros, no so menos reais, e que eu verificara atentamente, perguntei-me a mim mesmo se o meu cepticismo a respeito
dos fenmenos espritas no seria da mesma natureza que o dos
outros sbios com relao aos fenmenos hipnticos.
Por se tratar de um acontecimento deveras histrico, ocorrido
em maro de 1891, deixemos que o prprio Lombroso relate o
comeo de sua iniciao nos fenmenos espritas:
Quando vi, plena luz, uma mesa levantar-se do cho s
Euspia e eu estvamos juntos da mesa e uma pequena
trombeta voar como uma flecha da cama mesa e desta
cama, meu cepticismo recebeu um choque, e eu desejei fazer
novas experincias de outra natureza, no mesmo hotel, com
trs colegas.
Na sesso seguinte, fui testemunha da habitual mudana de
lugar de objetos e ouvi pancadas e rudos. O que mais me impressionou foi uma cortina existente defronte da alcova, que,
25

desprendendo-se de repente, se dirigiu para mim e enrolou-se


ao meu corpo, apesar dos meus esforos contrrios, parecendo exatamente uma delgadssima folha de chumbo. S aps
algum tempo consegui desenredar-me dela.
Outro fato muito me impressionou: um prato cheio de farinha deu um giro e, ao se colocar na situao primitiva, verifiquei que a farinha, antes perfeitamente seca, se havia transformado numa espcie de gelatina, permanecendo neste estado por um quarto de hora.
Finalmente, quando nos amos retirar do quarto, um pesado
mvel que estava num canto afastado do apartamento principiou a deslizar na minha direo, como se fosse enorme paquiderme.
Logo a seguir, outras sesses realizou Lombroso com a mdium Paladino e nas quais tomaram parte, ora numa, ora noutra,
vrios professores ilustres, como Augusto Tamburini, Vizioli,
Ascensi, Leonardo Bianchi, Frederico Verdinois, Limoncelli,
Penta, De Amicis, Ciolfi, etc.. Incrdulos a princpio, menos este
ltimo, que j havia observado os fatos medinicos, todos eles se
certificaram da insofismvel realidade dos fenmenos oferecidos
por Euspia e por ela atribudos ao seu guia espiritual John King,
fenmenos na sua quase totalidade de efeitos fsicos, sendo raros
os subjetivos.
Num dos relatrios, escrito pelo Prof. Ernesto Ciolfi, este
conta que em dada sesso, aps se produzirem as manifestaes
habituais de transporte, levitao e tiptologia, os presentes j se
dispunham a retirar, quando a ateno de todos foi despertada
para a alcova, ento fechada por reposteiros. Tinham ouvido um
barulho estranho que dali vinha.
A mdium, do lado de fora, ainda continuava sentada e amarrada.
De sbito, os reposteiros se agitaram fortemente e viu-se, em
plena luz, uma mesinha sair da alcova e caminhar docemente
para a mdium. Neste momento, o Prof. Lombroso entrou na
alcova e constatou que o prato cheio de farinha, ali posto, estava
revirado, sem que se visse a menor partcula de farinha espalha26

da fora do prato; feito que salientou Lombroso nem o mais


hbil prestidigitador seria capaz de operar.
Noutra sesso conforme relatou o clebre escritor cientfico
francs Francisco Henrique de Parville (O Espiritismo e a Cincia, in Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, 07/08/1892)
o Sr. Hirsch, banqueiro, tendo pedido para conversar com uma
pessoa que lhe era cara, viu a imagem desta e ouviu-a falar em
francs (ela era francesa e falecida havia vinte anos), lngua
ento desconhecida da mdium. Esse fenmeno de materializao foi igualmente observado na sesso em que tomaram parte os
Drs. Defiosa e Barth, havendo este ltimo reconhecido seu pai,
j morto, que por duas vezes o abraou.
Diante desses maravilhosos resultados, Lombroso no titubeou em permitir fosse publicado na Tribuna Giudiziaria, de 15
de julho de 1891, uma carta por ele endereada ao Prof. Ciolfi,
datada da cidade de Turim, aos 25 de junho do mesmo ano.
Nesta carta, de um verdadeiro e leal homem de cincia, Lombroso confessava, em certo trecho, pblica e textualmente:
Estou muito envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta persistncia a possibilidade dos fatos chamados espirticos; digo fatos, porque continuo ainda contrrio
teoria. Mas os fatos existem e eu deles me orgulho de ser escravo.
A sinceridade dessa confisso era o primeiro testemunho da
sua imparcialidade. A verdade, para ele, estaria sempre acima de
sua prpria pessoa.
Como compreensvel, a sensacional nova das experincias
lombrosianas com Euspia Paladino e as declaraes categricas
do professor fizeram grande rudo no mundo cientfico.
Alexandre Aksakof, diretor do jornal Psychische Studien
, de Lpsia, Conselheiro de Estado de S. M., o imperador da
Rssia, escreveu, entusiasmado, ao conde Chiaia: Glria a
Lombroso pelas suas nobres palavras! Glria a vs pela vossa
dedicao! Estais largamente recompensado.

27

Tomando em considerao o testemunho insuspeito do Prof.


Lombroso, reuniu-se em Milo uma comisso de ilustres cientistas com o objetivo de verificar os fenmenos eusapianos, submetendo a mdium a experincias e a observaes to rigorosas
quanto possveis. Foram ao todo dezessete sesses, iniciadas em
outubro de 1892, na residncia do egrgio engenheiro e professor
de Fsica, Giorgio Finzi. Alm deste, participaram das investigaes os senhores: Aksakof; Giovanni Schiaparelli, diretor do
Observatrio Astronmico de Milo; Carl du Prel, doutor em
Filosofia, da Universidade de Mnaco, Baviera; Angelo Brofferio, professor de Filosofia; Giuseppe Gerosa, professor de Fsica
na Real Escola Superior de Agricultura, de Portici; G. B. Ermacora, professor de Fsica. Assistiram a parte das sesses Charles
Richet, professor da Faculdade de Medicina de Paris, e Csar
Lombroso.
Um resumo dos notveis resultados obtidos foi dado a pblico no jornal Italia del Popolo (suplemento ao n 883), sendo
alinhados inmeros fenmenos (levitao, transporte, pancadas
fracas e fortes, materializaes, etc.), ocorridos plena luz ou
em semi-obscuridade, muitos controlados pela fotografia, no se
falando da enrgica e contnua fiscalizao exercida sobre a
mdium.
Conta Richet, que diz ter assistido a quase duzentas sesses
com Euspia, que numa dessas sesses de Milo, ele foi tocado,
em dois lugares diferentes do corpo, por mos materializadas,
estando as mos e os ps da mdium perfeitamente seguros por
Schiaparelli e Finzi. Noutra ocasio, no s impresses digitais
foram feitas num papel esfumaado colocado sobre a mesa, mas
tambm a impresso de toda uma mo esquerda, sem que ningum presente sala fosse o autor dessa manifestao. No nos
alongaremos na descrio de muitos outros fatos interessantes,
visto que encheramos pginas e mais pginas.
Diria mais tarde o prprio Lombroso:
Em minha ignorncia de tudo quanto se referisse ao Espiritismo, e somente me baseando nos resultados dos meus estudos sobre a histria e a patologia do gnio, a hiptese mais
28

provvel que me ocorreu foi a de que esses fenmenos hstero-hipnticos seriam devidos a uma projeo motora e sensorial dos centros psicomotores do crebro, enquanto outros
centros nervosos ficariam debilitados pela neurose e pelo estado de transe. Sucederia o que se observa com a inspirao
criadora do gnio, associada a um decaimento da sensibilidade da conscincia e do sentido moral.
Euspia, que era neurtica em seu estado normal, em consequncia de um ferimento na cabea que havia recebido
quando menina, ficava, durante esses estranhos fenmenos
espiritistas perfeitamente inconsciente e presa tambm de
convulses.
Confirmei-me nessa suposio, refletindo que o pensamento, por sublime que seja, um fenmeno de movimento, e
observando que os mais importantes fenmenos espiritistas
sempre se manifestam nas pessoas e nos objetos situados
prximos do mdium.
Tal era, em sntese, na ocasio, a tese explicativa que ele apresentava. No podendo conceber o pensamento sem crebro,
nem, por conseguinte, a sobrevivncia do eu humano, com suas
faculdades integrais, perfilhava ele, para os fenmenos medinicos, as interpretaes neurofisiolgicas, com excluso da hiptese esprita".
A isso tudo ele ainda acrescentava, aludindo aos que, descrentes por preconceito, sem nunca terem experimentado, nada
querem perceber, seno fraude e iluso:
Desconfiemos dessa pretensa penetrao de esprito que
consiste em divisar farsantes por toda parte e em crer que sbios somos apenas ns, porquanto essa pretenso poderia levar-nos justamente ao erro. Nenhum desses fatos (que tm de
ser aceitos, porque no se podem negar fatos que foram vistos) , entretanto, de natureza a deixar supor, para explic-los,
um mundo diferente daquele que os neuropatologistas admitem.
O tempo passa. As experincias de Lombroso se multiplicam.
29

Seu amigo Prof. Ermacora demonstra-lhe a insuficincia da


hiptese aventada de incio, no seu carter fsico, por assim
dizer. O chefe da escola psiquitrica italiana sente, aos poucos, a
fragilidade de sua interpretao psicofisiolgica para os fenmenos, e eis que, em 1900, numa carta ao Prof. Dr. M. T. Falcomer,
esprita convicto, declara, com a sinceridade que sempre o
caracterizou: Sou, com relao s teorias espritas, como pequeno seixo na praia; ainda a gua no me cobre, mas sinto que,
a cada mar, vou sendo arrastado um pouco mais para o mar.
Sempre fiel ao mtodo experimental, realiza ele novas sesses com Euspia (cem pelo menos, afirmou, em 1908, ao redator do jornal parisiense Le Matin), em Milo, Gnova, Npoles, Turim, Veneza, e parece que tambm em Paris, sesses que
o levam passo a passo, lento lento, a tender para a hiptese
esprita.
Em 1902, na casa da condessa Celesia, rene-se a um pequeno grupo de amigos, entre eles os Drs. Celesia, Morselli e Porro,
e obtm novas e valiosas confirmaes experimentais dos fenmenos medinicos de Euspia. Nesse mesmo ano, entre surpreso
e emocionado, v o Esprito materializado de sua prpria me,
ouve-lhe a voz e sente-lhe o contato. Anos depois esse fato se
torna a repetir ante seus olhos e dos demais assistentes.
Referindo-se ao Dr. Pio Fo, que, por essa poca, obtivera
numa placa a impresso de um dos dedos de uma mo materializada, escreveu Lombroso:
a primeira vez, se no me engano, que nos aproximamos intimamente, experimentalmente, dos fenmenos e, por
assim dizer, do organismo esprita, dessas representaes
passageiras, transitrias, da vida do Alm, cuja existncia os
incrdulos pretendem negar, apesar da opinio universal confirmada por milhares de fatos que se multiplicam incessantemente aos nossos olhos...
Lombroso toma conhecimento das corroboraes s suas experincias com Euspia, fornecidas por outros sbios, e prossegue mais confiantemente, ano aps ano, no seu perseverante
trabalho de investigao.
30

Numa sesso, em 1907, por ele realizada juntamente com os


Drs. Audenino, Norlenzki, o editor Bocca e outras pessoas
eminentes, repetiram-se, em toda a sua pujana, os fenmenos
eusapianos. Aparelhos registradores colocados num gabinete,
bem longe da mdium, deram, sem nenhum contato visvel,
indicaes diversas. Um bandolim tocou sozinho. Uma configurao de cabea foi vista.
As experincias do Dr. Filipe Bottazzi, professor de Fisiologia na Real Universidade de Npoles, foram das mais demonstrativas e trouxeram forte apoio s descritas por Lombroso. Elas
forneceriam salienta Charles Richet, prmio Nobel de Fisiologia , se fosse necessrio, a prova decisiva das materializaes e
dos movimentos sem contato.
Alm do Prof. Bottazzi, esteve presente a essas sesses com
Euspia ilustre comisso assim composta: Dr. Gino Galeotti,
professor ordinrio de Patologia Geral na Universidade de Npoles; Dr. Tommaso de Amicis, professor ordinrio de Dermatologia e Sifilografia na mesma Universidade; Dr. Oscar Scarpa,
livre-docente de Fsica e prof. incaricato de Eletroqumica na
Real Escola Superior Politcnica de Npoles; Dr. Luigi Lombardi, professor ordinrio de Eletrotcnica e incaricato de Fsica
Tcnica na mesma Escola; Dr. Srgio Pansini, professor ordinrio de Semitica Mdica na Universidade de Npoles; Engenheiro Emmanuelle Jona, presidente da Associao Eletrotcnica
Italiana e diretor dos servios eltricos da Casa Pirelli, de Milo;
Senador Dr. Antnio Cardarelli, professor ordinrio de Clnica
Mdica na Universidade de Npoles.
Usando moderna e complexa aparelhagem, sob condies de
irrepreensvel controle junto mdium Paladino, esses sbios
reconfirmaram, nos laboratrios do Instituto de Fisiologia Experimental, a autenticidade dos fenmenos de transporte, de levitao, de numerosas e variadas materializaes, contatos de mos,
etc., no se falando da mo fludica que Bottazzi apertou com a
sua e que, em vez de se retirar, se fundiu, se desmaterializou, se
dissolveu.
Bottazzi, que em 1907 havia iniciado esses estudos com cepticismo, concluiu desta maneira: A certeza que adquirimos com
31

respeito a esses fenmenos da mesma ordem da que se adquire


com respeito realidade dos fenmenos naturais, fsicos, qumicos ou fisiolgicos que temos estudado. (Bottazzi, Fenomeni
medianici, Npoles, F. Perrella, 1909).
Ante a opinio pblica, crescia, assim, o crdito nas reiteradas afirmaes de Lombroso relativamente s experincias
eusapianas. Ele se aprofunda nas investigaes. Presencia ainda
os fenmenos produzidos nas chamadas casas assombradas,
como a casa do comerciante de nome Fumero, em Turim, e a do
tipgrafo Mignotte. V, com seus prprios olhos, garrafas passeando no ar, cadeiras saltando como se fossem seres vivos, vasos
partirem-se sem mais nem menos, mveis danarem, etc. Acerca
de suas observaes pessoais nestas casas, tambm chamadas
espiritadas, extenso relatrio foi publicado no The New York
Herald, em 1909. O correspondente, em Turim, desse jornal
norte-americano, na entrevista com o Prof. Lombroso, escreveu,
referindo-se a este:
Ele afirma, ele cr e, ainda mais, ele est certo, por convico prpria, da existncia de foras inteligentes de alm-tmulo,
foras que encontram meio de comunicar-se com os seres vivos
por vias bem tangveis.
E o correspondente anota a declarao abaixo, de Lombroso,
estabelecendo-se, a seguir, um dilogo:
Outra prova da contnua atividade dos mortos temo-la nas
numerosas casas assombradas, casas ocupadas pelos Espritos de pessoas falecidas.
Cr, portanto, neles, professor?
Como posso deixar de crer, quando a sua realidade est
demonstrada at pelos tribunais?
Como assim?
Em resposta, Lombroso relata ao correspondente dois casos
em que os tribunais anularam contratos de aluguel de casas
frequentadas por Espritos e nas quais seus moradores estavam
impossibilitados de viver; refere outros casos por ele mesmo
observados, em que as manifestaes se produziam, com e sem
32

interveno de mdium, e disse ao correspondente estas expressivas palavras:


Voc me olha com assombro. Pode, porm, crer no que
lhe digo. Houve tempo em que eu ria dessas coisas, mais do
que voc ri agora, e no faz vinte anos despertei tambm entre meus alunos o riso, ao dizer-lhes que nunca creria no esprito de um armrio.
E agora, o senhor cr de fato, professor?
Creio na evidncia. E nada mais.
Foi somente depois de haver verificado os fatos das casas
mal-assombradas declarava o sbio criminologista, numa
espcie de confisso pblica e de observar Euspia, em estado de transe, dar respostas com clareza e de modo bastante
inteligente, em lnguas que, como o ingls, desconhecia inteiramente, conseguindo at modelar baixos-relevos que nenhuma pessoa em condies normais podia fazer, ainda mais
sem instruo, como era ela , foi somente depois de tudo isso e aps tomar conhecimento das experincias de Crookes
com Home e Katie King, de Richet e outros, que me vi, tambm eu, compelido a crer que os fenmenos espritas, se bem
sejam devidos em grande parte influncia do mdium, igualmente devem ser atribudos influncia de seres extraterrenos, que possamos talvez comparar radioatividade
persistente nos tubos, depois que o rdio, ao qual ela deve sua
origem, haja desaparecido.
A evoluo de Lombroso, passando progressivamente do
mais profundo cepticismo ao reconhecimento da interveno dos
Espritos, tpica; ela mostra como um esprito realmente cientfico constrangido, pouco a pouco, a abandonar sucessivamente
as diferentes hipteses psicodinmicas, medida que elas se
chocam com impossibilidades lgicas ou experimentais.
Escreveu Lombroso em seu artigo Sui fenomeni spiritici e la
loro interpretazione, in La Lettura de 1906, pg. 978:
Se houve um indivduo, por educao cientfica, contrrio
ao Espiritismo, este indivduo fui eu, eu que escarneci por
33

tantos anos a alma das mesinhas... e das cadeiras, e que havia


consagrado a vida tese que diz ser toda fora uma propriedade da matria e a alma uma emanao do crebro!
Mas, se sempre tive grande paixo pela minha bandeira cientfica, encontrei outra ainda mais fervorosa: a adorao da
verdade, a constatao do fato.
certamente ao sbio criador da Antropologia Criminal, como bem salientou Gabriel Delanne, que se deve o maravilhoso
impulso cientfico do Espiritismo em toda a Europa, qui no
mundo. Mas, em verdade, se faltasse Euspia, talvez no houvesse esse impulso. Durante mais de vinte anos, em Npoles,
Milo, Turim, Gnova, Roma, ilha Ribaud, Carqueiranne, Agnlas, Varsvia, Munique, Paris, Cambridge, Montfort-lAmaury e
Washington, Euspia foi submetida s provas mais rigorosas, s
investigaes mais perspicazes por experimentados sbios, como
Siemiradzki, Richet, Sir Oliver Lodge, Frederic Myers, Ochorowicz, Albert de Rochas, Camille Flammarion, Carlo Fo, Herlitzka, Henry Sidgwick e Sra. Aggazotti, J. Venzano, Ernesto
Bozzano, Vassallo, A. de Gramont, Beretta, Sabatier, Flournoy,
Schrenck-Notzing, J. Maxwell, A.-C. de Wattevile, Morselli,
Pierre e Marie Curie, Courtier, E. Fielding, H. Carrington, Dariex, etc.
Todos esses sbios, decididos a no se deixar enganar, afirmaram e confirmaram os fenmenos produzidos por Euspia.
Para se crer que tudo no passa de iluso, precisaria supor que
todos, sem exceo, fossem ou mentirosos ou imbecis, precisaria
supor que duzentos observadores eminentes, menos ilustres
talvez que os citados, porm de grande e sagaz inteligncia,
fossem, tambm eles, ou mentirosos ou imbecis, assim declarava Richet, em seu Trait de Mtapsychique (1922), acrescentando, em outra obra de sua autoria, La Grande Esprance (1933),
que o testemunho de um s desses grandes homens seria suficiente.
Enquanto a maioria desses estudiosos se embrenhavam por
hipteses engenhosamente arquitetadas, sibilinas ou absurdas, e
a estacionavam, Lombroso foi mais alm, naquela nsia inconti34

da de se aproximar mais e mais da verdade. E vemo-lo, afinal,


ingressar no brilhante grupo dos Wallace, dos Zllner, dos
Lodge, dos Crookes, dos Varley, dos Hare, dos Aksakof e tantos
outros, todos homens to positivos e perspicazes quo idneos e
independentes, os quais haviam passado pelas mesmas fases de
incredulidade e dvida, para proclamarem, enfim, que somente a
interveno de inteligncias extraterrenas permite compreender
racionalmente o conjunto das manifestaes observadas.
Frisava ainda Lombroso, no trabalho Eusapia Paladino e lo
Spiritismo, in La Lettura, setembro de 1907:
Eu tenho a coragem de afirmar tudo isso, como de dizer
que se forma em torno da mdium Euspia um espao de
quarta dimenso, porque no tenho e jamais tive medo do ridculo, quando se trata de afirmar fatos dos quais experimentalmente adquiri profunda convico e porque no improvisei, como aqueles que mui ingenuamente me chamam ingnuo, uma doutrina de uma ou duas sesses com um mdium
apenas, mas sim aps um estudo de muitos anos que me permitiram pr em relao aqueles poucos fatos fragmentrios
que Euspia oferece,3 com os muitssimos outros registrados
pela cincia e concordantes entre si.
Animado de uma intrepidez moral e cientfica e de uma sinceridade bem raras entre os seus colegas, Lombroso resolve,
desafiando a opinio pblica e as Academias, escrever uma obra
na qual condensaria o resultado de suas pacientes investigaes
no domnio do Espiritismo experimental, investigaes que
terminaram por convert-lo definitivamente s crenas espritas.
Em carta de 20 de junho de 1909, dirigida ao Sr. Demtrio de
Toledo, diretor da Revista Internacional do Espiritismo Cientfico, ele anuncia que uma editora italiana de Turim j estava de
posse dos originais de sua nova obra: Ricerche sui Fenomeni
Ipnotici e Spiritici, que s apareceu nas livrarias em fins de 1909
(nova edio em 1914), quase simultaneamente com uma edio
americana que levou o ttulo After Death What?.
Seria esta, alis, a ltima obra do grande criminologista italiano, o coroamento de sua gloriosa carreira cientfica e, porque
35

no diz-lo, a suprema oferta do seu generoso corao humanidade aflita e sofredora.


Homenagens pstumas
Aos 19 de outubro de 1909, desencarnava em Turim, com 74
anos incompletos, aquele que no dizer do notabilssimo historiador da Medicina contempornea, Prof. Arturo Castiglioni, foi
um dos mais geniais pesquisadores e dos mais insignes mestres
italianos do sculo passado.
Se no fora o ambiente do lar, onde esposa, filhas e genros o
adoravam, fazendo-o esquecer as incompreenses do mundo e
vitalizando-lhe o esprito com inmeras demonstraes de afeto,
sem dvida esse desenlace j se teria dado muitos anos antes.
Lombroso expirou docemente, serenamente, nos braos de
sua talentosa filha Dra. Gina, que se referiu a esse momento final
com estas palavras: A sua alma passou para o Infinito como um
rio que, ao chegar foz tranquila, se expande no mar.
Assentaria agora nas mais altas Assembleias Espirituais aquele que, na Terra, alm de grande cientista, sedento de conhecimentos e amante da verdade, foi, por voz unnime, homem
virtuoso, corao aberto a todos os ideais de justia e progresso,
alma nobre, simples e tmida, de bondade infinita, indiferente s
riquezas e s honrarias, marido e pai exemplar, dedicado aos
jovens, a muitos dos quais amparou prodigamente,4 fiel aos
amigos, desvelado para com os humildes e os infortunados da
natureza e da sociedade.
Havendo legado o seu corpo cincia, efetuou-se, no anfiteatro do Instituto de Anatomia Patolgica de Turim, a autpsia dos
despojos pelo Prof. Mrio Carrara, genro de Lombroso e seu
sucessor na ctedra de Medicina Legal e Antropologia Criminal,
na Universidade de Turim.
Achavam-se presentes ao ato os professores Ferrero, Fo,
Tovo, Bovero, Morpurgo, De Amicis, o Dr. Cavalleri, preparadores, mdicos auxiliares e estudantes.

36

O crnio foi medido e dele extrada a massa cerebral, que pesava 1.290 gramas. Era, para decepo de todos, um crebro de
peso normal, igual a tantos outros, e foi conservado no Museu de
Antropologia Criminal da Universidade de Turim.
Pelo telgrafo transmitiu-se a todos os centros civilizados do
ocidente e do oriente a notcia da desencarnao do famoso
chefe da escola antropolgica italiana, levantando ampla e
dolorosa repercusso mundial.
No s os peridicos cientficos, mas igualmente os jornais
dirios de inmeros pases lamentaram profundamente, em
destacados artigos, a irreparvel perda.
A Itlia em peso, mundo oficial e povo, se uniu nas homenagens pstumas.
O rei Vitor Emanuel III telegrafou famlia do extinto, com
afetuosa simplicidade: Prego voler credere alla viva parte che
prendo al loro dolore, interpretando ainda o sentimento de todos
os italianos.
Nas Universidades, nos Corpos e Sociedades cientficas de
toda a Europa, eminentes professores relembraram, em discursos
e conferncias, a grandiosa obra cientfica de Lombroso, reverenciando ainda o homem privado, com o encanto de suas virtudes e modstia pessoais. Entre esses homenageantes destacamos
os nomes de Ferri, Bianchi, Roncoroni, Antonini, Cappeletti,
Zerboglio, Borri, Tamburini, Ottolenghi, Ferrero, Benedetto de
Luca, Leggiardi-Laura, Guido Ruata, Mazzini, Paolo Arcari,
Morselli, etc.
O Prof. Henrique Ferri, um dos famosos esteios da Escola
Positiva de Criminologia e Direito Penal, assim se pronunciava
sobre o seu mestre:
Csar Lombroso pertence quela admirvel falange de
pensadores e de investigadores da verdade, que, na segunda
metade do sculo XIX, transformaram radicalmente o nosso
modo de conceber o universo vivente e as relaes do homem
com este, revelando-se em cinquenta anos muito mais enigmas da vida que em mais de vinte sculos, apesar do gnio
37

poderoso de tantos filsofos e da fantasia metafsica, de Plato a Berkeley.


Darwin, Spencer, Pasteur, Charcot, Virchow foram os gigantes daquela extraordinria poca de cincia internacional,
e entre esses homens Lombroso se enfileira como representante da maravilhosa ascenso do pensamento contemporneo.
Homem de pensamento, e no de ao, a sua vida transcorre sem episdios clamorosos que, no vaivm da vida pblica,
evocam a incandescente ateno e os temores do pblico. E,
apesar disso, o seu nome foi, para a glria intelectual da Itlia, durante mais de trinta anos, um dos mais amplamente conhecidos em todo o mundo civilizado, e a nova cincia por
ele criada, a Antropologia Criminal, tornou-se por muitos anos, como disse Henrique Morselli, quase que a nica mercadoria de exportao cientfica a levar gloriosamente pelo
mundo o nome da Itlia.
Passando da morte imortalidade, Csar Lombroso deixa
tal patrimnio luminoso de ideias inovadoras e tal exemplo
de vida plasmada de f cristalina na verdade, de esforado
trabalho e de contnua solidariedade entre as pesquisas cientficas e os problemas da vida, que o seu nome permanece entre os grandes cientistas, do mesmo passo que entre os benfeitores mais benemritos da humanidade.
Discursando nos funerais, o ilustre historiador e socilogo
Prof. Guilherme Ferrero assim se referiu ao homem:
Fui primeiro seu amigo durante dez anos, e nos dez anos
seguintes pertenci sua famlia; e eu no saberia dizer o que
todos ns, seus ntimos, mais devramos admirar: se o seu
herosmo pois que em sua brandura, mesmo em sua timidez, ele foi heroico , se a sua modstia e desinteresse. Homem algum jamais se aproximou da cincia com pureza maior que a de Lombroso, subtraindo-se s honras e fama, e
sem a mnima preocupao das avultadas somas que teria podido ganhar com os seus trabalhos. E foi pela Cincia, com
38

to puras mos acariciada, que ele mais sofreu sarcasmos e


desgostos.
E ao final do seu discurso, Ferrero, que dois anos antes ainda
possua da vida ideias puramente materialistas, assim perorou:
Agora que ele nos deixou, fao votos para que tenha encontrado no Alm essa verdade que vagamente pressentia e
que, por intuio, muitas vezes concebeu; fao votos para que
seu Esprito possa reviver nessa atmosfera de paz crepuscular
ultraterrestre, de onde se possa manter em contato com o esprito dos seres bem-amados que aqui deixou.
Max Nordau, o famoso escritor hngaro de As Mentiras convencionais de nossa Civilizao e de Degenerescncia (esta
dedicada a Lombroso), numa singela mas sincera homenagem,
assim se expressava:
No no momento em que choro o meu mestre e amigo
Csar Lombroso, que poderei formular um juzo sobre ele;
por outro lado, por muito am-lo, no posso julg-lo. As suas
obras pertencem ao mundo, as suas teorias discusso, e eu
mesmo, que me digo com orgulho seu discpulo, no o aceito
de todo; particularmente lhe expressei, embora respeitando o
mestre, as minhas objees quanto sua identificao do gnio com um estado de epilepsia oculta. Mas o homem, este
est acima da crtica. Ele era admirvel: o crebro mais prodigiosamente rico de ideias originais, o corao mais generoso e mais amante, o carter mais reto, mais franco que j honrou a humanidade; ele era firme como uma rocha nas suas
convices e conciliador como um Buda na forma; modesto
como um santo; reconhecido, como uma criana, a qualquer
bondade.
No Brasil, no foi menor a repercusso da partida desse grande esprito. Vrios jornais da capital e dos Estados deram-lhe
merecido destaque.
O Paiz, um dos dirios cariocas mais lidos na poca, estampava na primeira pgina do seu nmero de 20 de outubro
longo artigo laudatrio, que assim se iniciava:
39

O telgrafo acaba de transmitir ao mundo inteiro a notcia


sbita e inesperada de um dos vultos mais notveis da cincia
contempornea, o professor Csar Lombroso, em cuja obra,
vasta e profunda, se concretiza a maior revoluo sofrida, de
um sculo a esta data, pelo direito de punir.
O Senado Federal brasileiro, na sesso de 20 de outubro, a
requerimento do senador Alfredo Ellis, inseriu em ata um voto
de pesar pela morte do eminente homem de cincia, nisto sendo
acompanhado pela Assembleia Fluminense.
Na Escola Livre de Direito e na Faculdade Livre de Cincias
Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro, corpo discente e docente se
associaram nas homenagens ao extinto.
O festejado matutino carioca, a Gazeta de Notcias, inseria
em sua edio de 20 de outubro, na seo Aqui Ali Acol,
sob a responsabilidade de seu assduo colaborador M. A., um
trabalho deveras revelador sobre o ilustre desencarnado.
M. A. so iniciais que mal encobriam uma das mais esclarecidas e tambm das mais cpticas mentalidades daquela gerao:
o escritor e parlamentar de nomeada Dr. Medeiros e Albuquerque, membro fundador da Academia Brasileira de Letras.
Vejamos o que ele escreveu na Gazeta de Notcias, confundindo a incredulidade sistemtica daqueles que gratuitamente
negavam a converso de Lombroso ao Espiritismo:
Agora que o telgrafo nos d a triste notcia da morte de
Csar Lombroso, posso eu aqui referir a histria de uma entrevista com Ferrero, a respeito do grande sbio italiano.
Ferrero era, como todos sabem, genro de Lombroso. Ora,
quando ele por aqui passou, pareceu ao redator da Gazeta
que seria curioso pedir-lhe algumas informaes sobre as experincias de espiritismo a que o sogro ultimamente se estava
entregando. Paulo Barreto foi e conversou com o casal Ferrero; mas no houve meio de obter que adiantassem grande coisa acerca do ponto essencial. Como, porm, estava combinado o assunto da entrevista, A Notcia, sabendo que ela se
tinha realizado, declarou que, no dia imediato, a Gazeta
40

contaria coisas inditas sobre as relaes de Lombroso e Euspia Paladino.


tarde o diretor da Gazeta me disse o que havia:
Paulo foi, conversou com Gina Lombroso; mas no trouxe nada de importante em especial sobre a Euspia. V se fazes a esse respeito uma entrevista com o Ferrero.
No Garnier, pouco depois, eu o encontrei. Mostrei-lhe a
Notcia. Ferrero protestou, alarmado:
Mas no possvel! Minha mulher no disse nada sobre
Euspia.
Quem sabe? Talvez no tenha ouvido.
No; ela no diria. Ns evitamos sempre conversar a tal
respeito.
Mas, por qu?
Porque as experincias de meu sogro nos desagradam
muito.
At hoje, porm, ele est num terreno cientfico; s tem
apurado fatos, sem sustentar nenhuma doutrina. E os fatos...
Ferrero interrompeu-me com um gesto de desdm:
Os fatos...
positivo retorqui-lhe eu que na sua histria romana
no h nenhum fato apoiado em tantos testemunhos, como os
fenmenos do espiritismo. Esses fenmenos me parecem inatacveis. A teoria esprita que no pode ser mais absurda e
extravagante...
Ferrero pediu-me, ento, que no dissesse o que ele me ia
contar, e referiu-me que Lombroso se tinha convertido inteiramente ao espiritismo inteiramente: aceitava os fatos e a
doutrina. E isso era na famlia um motivo geral de desgosto.
Depois falou-me com profunda antipatia de Euspia Paladino.5 Mas sempre recomendando-me discrio.
Pela segunda vez a Gazeta perdia sua entrevista... Aqui
vai ela, entretanto, dois anos depois.
Depois daquele dia, Lombroso acabou revelando o seu modo de pensar. Sua morte me desobriga do segredo prometido
41

e guardado, porque Ferrero s no queria tratar do assunto


para no ser desagradvel ao sogro. M. A.
Muita razo teve assim o ilustre escritor esprita, engenheiro
Gabriel Delanne, em dizer, h cinquenta anos:
A posteridade, sempre mais justa que os contemporneos,
contar entre os ttulos de glria do grande criminologista suas pesquisas sobre Espiritismo.
Para perpetuar a memria do sbio italiano, foi erigido na sua
cidade natal, Verona, um monumento da autoria de Bistolfi, para
cuja construo colaboraram 24 naes. Com a presena de
ilustres homens de cincia efetuou-se, em 1921, a sua solene
inaugurao.
Em 1926, a Real Academia de Medicina da Itlia concedia ao
Dr. Giulio Tului o primeiro Prmio Lombroso, prmio internacional que continuou a ser distribudo aos especialistas que mais
se destacassem no estudo e na aplicao das ideias sobre Antropologia Criminal.
O nome de Lombroso, pelo desassombro e independncia de
pensamento, pela honestidade e imparcialidade no estudo dos
fenmenos medinicos, viver para sempre no profundo reconhecimento e na justa admirao dos espiritistas. Sua obra
como bem acentuou o Dr. Leondio Ribeiro patrimnio da
cincia universal, e sua vida ficar como exemplo de amor e
dedicao humanidade.
Bibliografia
Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana, Barcelona, tomo XXX.
Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti, Roma, vol.
XXI.
Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, vol. 15.
Archivio di Antropologia Criminale, Psichiatria, Medicina
Legale e Scienze affini, Turim, vol. XXX, 1909. Diretores:
Cesare Lombroso, Mario Carrara e Camilo Negro.
42

Revista Internacional do Espiritualismo Cientfico, edio em


portugus, Paris, 1908-1909.
La Fraternidad (Revista mensual de estudios psicolgicos),
Buenos Aires, 1908-1909.
Reformador, rgo da Federao Esprita Brasileira, Rio de
Janeiro, 1909 e 1910.
Revue Scientifique et Morale du Spiritisme, Paris, 1909.
Prof. Armando Pappalardo, Spiritismo, ed. Ulrico Hoepli,
Milo, 5 edio revista e ampliada, 1917.
Tits da Cincia, seleo de Lzaro Liacho, traduzida pelo Dr.
Silvano de Souza, Livraria El Ateneo do Brasil, Rio de Janeiro, 1956.
Charles Richet, Trait de Mtapsychique, 2 edio, refundida, Librairie Flix Alcan, Paris, 1923.
Arturo Castiglioni, Storia della Medicina, nova edio, 1936,
Arnaldo Mondadori Editorial, vol. II.
Dr. Pelayo Casanova y Parets, Antropologia Juridica, Havana,
1937.
Leondio Ribeiro, As modernas legislaes penais e a contribuio da Antropologia Criminal, Tipografia do Jornal do
Commercio, Rio de Janeiro, 1942.
Leondio Ribeiro, Criminologia, Editorial Sul Americana, Rio
de Janeiro, 1957, vols. I e II.

43

O homem e sua misso 6


Ningum profeta em sua terra.
Se do exame analtico dos fatores psquicos e do estudo de
alguns caracteres peculiares da personalidade pudssemos extrair
um conceito lgico da vida, seramos tentados a reduzir todo o
confuso contingente humano a alguns tipos fundamentais, que
despontam periodicamente na histria do pensamento e da ao,
para continuar uma obra j iniciada no tempo, realizar um sonho
secular ou sacudir um mundo adormecido nos crepsculos
alternados da conscincia humana.
Um estudo comparado desse gnero, conduzido com esprito
isento de preocupaes escolsticas ou religiosas, constituiria
certamente o melhor corolrio cientfico doutrina, to antiga
quanto combatida, da reencarnao.
Substituem-se os elementos do corpo e se renovam as clulas,
porm persiste um centro vital, e com certeza tambm uma
clula-me que o procria e reconstitui, e perdura o carter da
atividade psquica, o timbre fundamental do indivduo que
responde diversamente conforme a diversidade do ambiente de
relao, mas que sempre coerente consigo mesmo no seu
ininterrupto vir a ser. No fluxo e refluxo da vida, o homem
esquece e se olvida, mas a sua histria fica impressa nos extratos
mais profundos do seu ser, nas dobras mais recnditas do seu
organismo vital, e se revela veladamente como instinto, lei fatal
de causalidade, a representar aquilo a que os teosofistas chamam
carma, a estabelecer a identidade substancial do indivduo
alm dos limites da memria.
Com semelhante procedimento se est agora reconstruindo a
Histria. As tradies dos antigos enfraqueceram a memria dos
psteros e se ampliaram com o horizonte fantstico da lenda.
Horrveis cataclismos, fragmentando a unidade primordial,
deixaram na recordao das gentes um sulco de terror, e os
grupos isolados e dispersos perderam os exatos contornos da
realidade.
44

Assim deve suceder ao indivduo nas crises parciais da vida e


naquela catstrofe final que se chama morte.
Hoje em dia a histria do mundo e do homem no mais se atm quase que exclusivamente memria dos povos, mas se
deduz do estudo das estratificaes telricas, do patrimnio
lingustico, dos resduos contemporneos, do prprio mecanismo
da nossa vida moderna, que na sua essncia resume toda a atividade do passado.
Quando se far a reconstruo histrica da personalidade humana?
Estudar buscar a si mesmo, e a Cincia uma recordao,
um reconhecimento do homem nos seus elementos constitutivos,
diretamente e no atravs do prisma da memria, que decompe
as imagens e sofre todas as alteraes provocadas pela distncia.
***
A histria feita de homens-tipo, que estabelecem o nexo lgico no caos flutuante das vicissitudes humanas. A massa passiva, que se encasula no breve crculo da prpria gerao e balbucia penosamente uma slaba do livro da vida, repudia ou mal
entende esses representantes do Logos que encarna, atravs dos
sculos, uma promessa imortal.
Esses trazem consigo, ao nascer, o prprio destino, tm a inquietude da gestante, so possudos da tentao do mundo nascituro, sofrem a atrao do mistrio e se distinguem facilmente da
massa em virtude de sua obstinada tenacidade e de sua excentricidade. Tm uma misso a cumprir, que a memria no mais
registra, porm todo o seu ser retesado como um arco na direo de um alvo e no podem viver seno para isso. Por essa
razo ultrapassam as fronteiras do seu tempo e, como so a
sntese do passado, so igualmente os arautos do futuro, aqueles
que lanam a semente do retorno.
Esses vultos nunca so prudentes. Que outros levantem os diques, se afanem em conter nos justos limites as foras e o pensamento, que burilem a palavra e aprimorem o estilo e corrijam
as provas tipogrficas. A par da ideia que passa nas alturas do
cu histrico e que os sculos so insuficientes para conter, esses
45

outros trazem a cincia em plulas para os estmagos dbeis que


no suportam a verdade demasiado rude e, na sua pequenez, tm
a arrogante prosopopeia de homens imprescindveis. Mas o rio
majestoso passa, apesar do frmito das margens estreitas, e, se
por acaso se abisma, volta, por vias subterrneas, luz e a espalhar a fecundidade das guas a outros povos e a outras terras.
***
Desta raa de homens-tipo foi Csar Lombroso. Os caracteres
do gnio, que ele carinhosamente estudou, se encontram visveis
na sua obra e na sua existncia, e bastaria recordar alguns conhecidos e interessantes episdios de sua vida particular para se
confirmar isso. Em seus escritos, ele semeava a mancheias a
impropriedade do estilo e as ideias, descurava os erros de impresso, no manipulava demais o material para que servisse s
suas geniais construes, e fazia tudo isso com adorvel simplicidade e desenvoltura.
Mas a sua tese j era o resultado de uma poderosa sntese que
trazia em si mesma, na sua complexidade maravilhosa, os elementos de sua prpria fundamentao. Ele apreendia as relaes
longnquas dos fatos dispersos no espao e no tempo a expresso sua e de seus caracteres sabia reconhecer-lhes o parentesco e extrair-lhes a lei. O vasto processo de associao de ideias,
que sobrepujava nele a capacidade comum, faz que seus enunciados mais paream frutos de uma intuio genial que o resultado
de uma pesquisa rdua e minuciosa; mas assim no , e lhe fica
toda a glria de ser escravo dos fatos, como ele mesmo se proclamava. Se a natureza se lhe revelava livre e espontnea
porque ele sabia conservar diante dela o esprito inteiramente
virgem de ideias preconcebidas, que ainda no aprendera a
mentir a si mesmo.
Os fatos eram para ele a norma da conscincia, que no podiam ser excludos ou mutilados por preconceitos cientficos ou
morais. E no se creia que lhe faltasse aquele instinto de resistncia que uma salvaguarda contra o erro e uma garantia de
seriedade; para desmentir semelhante suposio, caso viesse
tona, bastaria relembrar a histria de seu progressivo interesse
46

diante do problema espirtico, e de sua fundada, lentssima e


gradual converso. Isso servir tambm de advertncia crtica
que no tem faltado e no deixar de atirar aqui, mais que alhures, as suas setas: o Espiritismo um cmodo alvo e com ele a
crtica d alegremente asas s suas fantasias.
Na rpida evocao que irei fazendo das fases que assinalam
a evoluo do pensamento lombrosiano em relao ao Espiritismo, valer-me-ei de suas prprias palavras.
No opsculo Influncia da Civilizao sobre a Loucura e da
Loucura sobre a Civilizao, Csar Lombroso escrevia, em fins
de 1856, isto , aos vinte anos:
A epidemia de Redruth se propaga sempre entre as pessoas de intelecto limitado; no obstante, ao manifestar-se e difundir-se, nestes ltimos anos infelizes, j abalados pela guerra de princpios, o prejuzo do magnetismo e aquele outro, ainda mais estpido, das mesas falantes, o fato jamais ultrapassou os limites de um erro generalizado, e a alienao no
produziu deste lado seno vtimas isoladas, espordicas.
(pgs. 19-20.)
Vinte anos mais tarde no o encontramos mudado, apenas a
sua atitude no mais assim to irredutvel. Em Loucos e Anormais, publicado em 1886, respondendo a um artigo de Lus
Capuana favorvel tese esprita, Lombroso terminava deste
modo o captulo sobre as maravilhas do hipnotismo:
No posso, muito menos, suspeitar que ele e seus ilustres
colaboradores estejam imbudos da mstica esprita; no; somente tero por ela uma tal ou qual condescendncia, a ponto
de aceitar algumas de suas hipteses mais verossmeis, o que
admissvel. Nem poderia ser de outro modo, tratando-se de
homens que tanto se destacam no mundo literrio. Isto, porm, no o suficiente para desarmar-me, seja porque tenho
uma tmpera exclusivista, intolerante, que ao mesmo tempo
o meu defeito e a minha fora, seja tambm porque tenho a
convico profunda de que, nestas coisas, basta conceder ao
vulgo, sempre propenso fantasia, um pequeno filete para
47

que este se torne, em curto tempo, uma volumosa torrente.


(pg. 72.)
E no apndice crtico aos Estudos sobre o hipnotismo, acrescentava:
Dem-me mil modos novos de conceber a matria, mas
por caridade no me faam conceber os espritos dos espelhos
e das poltronas.
Mas eis que, em um artigo sobre a Influncia da Civilizao
sobre o Gnio, publicado em 1888, no nmero 29 de Fanfulla
della Domenica, Lombroso, impressionado com alguns aspectos
dos fenmenos hipnticos por ele estudados, reconhecia, com
grande sinceridade e franqueza, a sua posio e a da Cincia ante
os fatos novos:
Toda poca igualmente imatura para as descobertas que
no tm ou tm poucos antecedentes, e quando imatura acha-se na incapacidade de se aperceber da prpria inaptido
para admiti-las. A repetio da mesma descoberta, preparando o crebro para receber-lhe a impresso, torna sempre menos relutantes os nimos para aceit-la.
Na Itlia, por dezesseis ou vinte anos, se tomou por louco,
no seio das maiores autoridades, quem descobrira a pelagrozeina; ainda agora o mundo acadmico ri da antropologia
criminal, ri do hipnotismo, ri da homeopatia; quem sabe se eu
e meus amigos, que rimos do Espiritismo, no estamos em erro; pois que nos achamos, exatamente como os hipnotizados,
graas ao misonesmo que em todos ns domina, na impossibilidade de reconhecer o prprio erro e, da mesma forma como muitos alienados, estando ns apartados da verdade, rimos daqueles que no o esto.
E mais tarde, depois que a insistncia de Ercole Chiaia o levou a realizar as primeiras experincias, em uma famosa carta
por ele dirigida a Ernesto Ciolfi e publicada na Tribuna Giudiziaria, de 15 de julho de 1891, Lombroso fazia a famosa declarao que desde ento se tornou um lugar comum:
48

Eu estou muito envergonhado e desgostoso por haver


combatido com tanta tenacidade a possibilidade dos fatos ditos espritas.
... e solenemente confirmada num artigo publicado a 7 de fevereiro de 1892, na Vita Moderna, que ento se editava em
Milo, artigo, porm, ainda tenazmente adverso hiptese
esprita, a propsito da qual antepunha:
O caso que algumas observaes eram, e creio que ainda
o so, despidas de qualquer credibilidade. Por exemplo: a de
fazer os mortos falarem e agirem, sabendo-se muito bem que
os mortos, mxime depois de alguns anos, no so mais que
um amontoado de substncias inorgnicas. Isto seria querer
que as pedras pensassem e falassem.
E depois de breve descrio de alguns fenmenos observados
em uma sesso com Euspia, presentes Tamburini, Virglio,
Bianchi, Vizioli, prosseguia:
Estes so os fatos. Ora, nenhum destes fatos (fora reconhec-los, pois quem pode negar os fatos quando os presenciou?) de natureza a fazer supor, para explic-los, um mundo diferente daquele que admitido pela neuropatologia.
E conclua:
Estudemos, portanto, como nas neuroses, na criminologia,
no hipnotismo, mais o indivduo que o fenmeno, e a encontraremos a explicao mais satisfatria e menos maravilhosa,
em que primeira vista no se acredita.
E foi assim que, estudando o indivduo mais que o fenmeno,
Csar Lombroso entreviu a grande realidade e se retraiu quase
temeroso, buscando explicaes que revelavam todo o seu
embarao. Eis o fecho de um famoso artigo publicado na Rivista dItalia, de fevereiro de 1904, sob o ttulo Os novos horizontes da Psiquiatria:
E daqui se vai insensivelmente, se o passo no for uma
temeridade, quele mundo ainda oculto, objeto de ferozes
disputas entre quem observa e aceita o que observa, e o aca49

dmico que fecha os olhos para no ver; quele mundo impropriamente chamado esprita, e do qual algumas manifestaes, por obra de indivduos singulares, denominados mdiuns, vo-se multiplicando a cada dia, como a levitao, o
voo lento do corpo, sem esforo de quem o executa, ou melhor, de quem o sofre, como o movimento de objetos inanimados, e, o que mais singular, as manifestaes de seres
que tm, por muito bizarra e imprevista que seja, uma vontade, uma motivao, como se se tratasse de seres vivos, e que
de vez em quando demonstram prescincia de fatos futuros.
Depois de hav-los negado, antes de t-los observado, tive
que constat-los, quando, a contragosto, me vieram diante
dos olhos as provas mais palpveis e palpitantes; e no creio
que, por no poder explicar esses fatos, devesse ter por obrigao neg-los; mas, de resto, como as leis relativas s ondas
de Hertz explicam em grande parte a telepatia, assim tambm
as novas descobertas sobre as propriedades radioativas de alguns metais, especialmente o radium demonstrando-nos
que a pode haver, no apenas breves manifestaes, mas um
contnuo, enorme desenvolvimento de energia, de luz e calor,
sem perda aparente de matria , invalidam a maior objeo
que o cientista ope s misteriosas manifestaes espritas.
E aqui me detenho, que a extenso desses horizontes que se
me desdobram aos olhos me atemoriza mais do que me atrai.
E pressinto j o murmrio de homens dignos de todo o respeito, a dizerem que nesse caminho se vai ao absurdo, ao paradoxo e valha-nos Deus ao imoral. Mas eu afirmo que os
fatos cientficos no podem ser nem morais, nem imorais: so
fatos, contra os quais se esboroa a opinio mais venervel que
seja. Acrescento que muitas verdades, justamente por serem
verdades, causam repugnncia e so fortemente combatidas.
Porm, o fenmeno central, que devia vencer definitivamente
no s a desconfiana cientfica mas tambm a conscincia
moral de Csar Lombroso, foi a reiterada manifestao de sua
me. A primeira data de 1902, e ele assim a descreve em um
artigo Sobre os fenmenos espirticos e sua interpretao,
publicado na Lettura de novembro de 1906:
50

... E logo em seguida eu vi estvamos em semiobscuridade, com luz vermelha afastar-se da cortina uma
figura de estatura semelhante de minha me, velada, que
deu a volta mesa at chegar a mim, sussurrando-me palavras ouvidas por muitos, mas no por mim, que sou meio
surdo; tanto que eu, quase fora de mim pela emoo, lhe supliquei as repetisse, e ela o fez, dizendo-me: Cesare, fio mio o que, devo confessar, no era de seu hbito; ela, na verdade, como boa veneziana, tinha o hbito de chamar-me mio
fiol e, retirando por um momento o vu da face, deu-me um
beijo. Euspia, naquele instante, tinha as mos presas por duas pessoas e a sua estatura pelo menos dez centmetros mais
alta que a da minha pobre me.
E em suas apreciaes sobre a obra de Enrico Morselli, Psicologia e Espiritismo, em Luce e Ombra, de junho de 1908,
Lombroso comentava:
Quando revi minha me, senti na alma uma das emoes
mais suaves da minha vida, uma alegria que raiava pelo paroxismo, frente da qual me surgia no um impulso de ressentimento, mas de gratido, por quem ma atirava de novo, depois de tantos anos, entre os braos; e na presena desse
grande acontecimento terei olvidado, no uma, mas mil vezes, a humilde posio social de Euspia, que havia feito por
mim, embora automaticamente, o que nenhum gigante da ao e do pensamento teria podido fazer.
Mas, para que no se creia que Csar Lombroso tenha sido
levado s suas ltimas concluses unicamente pelo sentimento,
reproduzo, do mesmo artigo da Lettura acima referido, as
razes que, em fins de 1906, o fizeram adotar, para certos casos,
a interveno dos Espritos. Como todos sabem, ele havia inicialmente tentado explicar os fenmenos telepticos exclusivamente com a teoria das vibraes e os de escrita medianmica
pela atividade inconsciente de um hemisfrio cerebral normalmente inerte. Eis como ele se retrata:
Mas justamente me foi observado por Ermacora que a energia do movimento vibratrio decresce na razo do quadra51

do da distncia; desse modo, se se pode explicar a transmisso do pensamento a pequena distncia, incompreensveis se
tornam os casos de telepatia de um a outro hemisfrio da Terra e que vai atingir os percipientes sem desviar-se, mantendo
um paralelismo por milhares de quilmetros e partindo de um
instrumento no instalado sobre uma base imvel. Quanto s
explicaes aplicadas aos mdiuns escreventes, elas de nada
serviriam para aqueles que escrevem, ao mesmo tempo, duas
comunicaes, com as duas mos, e conservam inalterada a
sua conscincia. Neste caso, os mdiuns deveriam ter trs ou
quatro hemisfrios.
Eis como a explicao mais simples chega a assemelhar-se
do truque, de se acrescentar que os casos, diremos crnicos, dos lugares assombrados, nos quais por muitos anos se
repetem as aparies de fantasmas e os rudos, acompanhados
da lenda de mortes trgicas e sbitas que antecederam as aparies, e sem a presena de um mdium, falam contra a ao
exclusiva destes e a favor da ao dos mortos.
E como verdadeiro filsofo, para quem a experincia milenar
da humanidade, registrada na Histria e fixada na crena universal, assume consistncia e valor, conclua:
Tem-se por bonito desprezar a opinio do vulgo; mas se
ele, em verdade, no possui, para apreender o verdadeiro, os
meios do cientista, nem a sua cultura, nem o seu engenho,
supre-os com as numerosas e seculares observaes, cuja resultante acaba por ser superior em muitos casos do maior
gnio cientfico. Dessa forma, a influncia da Lua, dos meteoros sobre a mente humana, da hereditariedade morbosa, do
contgio da tsica, tudo isso foi reconhecido primeiro pelo
vulgo desprezvel que pelo cientista, o qual h bem pouco
tempo, e certamente ainda o faz (as Academias existem para
alguma coisa!), ria s escncaras dessas coisas.
***
Ele foi um verdadeiro positivista e no estacou temeroso a
meio caminho: preocupado mais com os fatos do que com adapt-los ao seu modo de pensar ou dobr-los s exigncias do
52

tempo, ele avanou em suas indagaes at o ponto em que os


valores cientficos adquirem uma consistncia vital, onde o
pensamento atinge as mais altas culminncias e se transforma em
ao. As suas doutrinas antropolgicas revolucionaram as bases
do Direito, renovaram o critrio jurdico e fizeram daquilo que
pomposamente se chamava justia, e era vingana, um verdadeiro instrumento de redeno social. As suas audaciosas teorias
sobre o gnio revelaram de quantas amargas lgrimas e de
quanto sangue forjado o cetro do pensamento, e forosamente
viro a fazer que as futuras geraes sejam menos injustas para
com estes primognitos da mente, combatidos e ridicularizados
em vida, glorificados depois da morte; grandes almas criadoras
que pagam com as maiores dores e desiluses o seu fatal atributo.
Observai os outros, os positivistas prudentes e receosos de
comprometerem a prpria seriedade. Esses negaram que o grande extinto acreditasse nos Espritos e com certeza por estima
o defenderam, no digo o escusaram, daquilo que ser a sua
maior glria. Eles so coerentes e lgicos; mais prticos que
positivistas, representam a falange amorfa que no sabe viver
nem conceber fora do seu tempo e dificilmente aceitam o provar
e tornar a provar, quando h o perigo de descobrirem alguma
novidade importuna para a conscincia ou incmoda para a
profisso.
Permito-me evocar aqui a divisa que est na base da atual
construo cientfica, para relembr-la queles que, em nome da
Cincia, sentenciam aps uma s e mal conduzida prova, o que
tanto mais perigoso quanto mais o fato de haver provado lhes
conferir, perante o povo ignaro, uma certa aurola de competncia. Csar Lombroso teve a limpidez do olhar que v o fundo das
coisas e penetra as grandes leis da natureza; para aqueles que se
jatam de ser perspicazes, foi um ingnuo, mas a sua ingenuidade
lhe permitiu ver, alm do estreito crculo das aparncias, um
novo modo da vida e um novo mundo para o pensamento.
H quem afirme que Lombroso carecia de senso crtico, e no
h dvida de que o seu forte no foi o criticismo; mas, j que nos
encontramos a discutir com ela, miremos bem, face a face, esta
53

senhora crtica, principiando por conhecer as suas virtudes e o


seu valor. A crtica, enquanto se vale dos elementos positivos e
negativos para alcanar uma justa avaliao dos fatos, merece
todo o respeito; ela a nossa salvaguarda, a nossa medida, a
desgraa daquele que a repudia e menospreza; mas, por isso
mesmo, ela deve ser ntegra, impessoal, consciente de sua funo
puramente negativa, e sobretudo severa consigo mesma; deve
saber que as estradas novas so eriadas de obstculos, que
nenhum princpio isento de erros e que a fase de informao
reclama uma certa elasticidade e um certo respeito.
lastimvel constat-lo, mas o criticismo nem sempre se inspira nestes conceitos, e muito frequentemente se entrega prazerosamente prpria tendncia, que a de negar e destruir, e
abafa toda iniciativa mais promissora, oferecendo em troca do
sistema de Coprnico ou da lei de Newton a lgica de Condillac
ou a mordacidade de Voltaire. O seu mtodo no o do juiz, mas
o da promotoria, e se o advogado de defesa for inbil ou desdenhar seguir o adversrio em todos os caminhos do sofisma, a
crtica canta vitria e todo o mundo se compraz com a sua perspiccia..
A anlise lgica e gramatical o apangio deste tipo de crtica. Decompondo o fato em seus elementos, distinguindo a causa
do efeito, mas fazendo, sobretudo, apelo a todos os lugares
comuns da preguia mental que se chama bom-senso, uma crtica
respeitvel pode conduzir, pelo fio da lgica, negao dos
fatos. Desse gnero era a crtica de Gaetano Negri, e dela ele
deixou magnfico exemplo em dois curiosos artigos sobre Espiritismo, que ainda se podem ler, entre outros seus geniais escritos,
no volume Sonhos dos Tempos.
Pensai um pouco: a lgica, a prudncia, o bom-senso! Esta
trindade, da qual dependem a nossa posio social e a nossa
dignidade, que promove e mantm a considerao da gente de
bem, a fama das pessoas equilibradas e srias; tudo isso so
coisas que o gnio jamais conheceu.
Deploro por aqueles que se atm anlise, mas o gnio criador e deve seguir outros caminhos. Csar Lombroso no tinha
seno em dose mnima a arte sutil do distinguere, arte que
54

constitua a delcia dos escolsticos da Idade Mdia e que o


prazer dos sofistas modernos. por isso que o seu volume
pstumo Fenmenos Hipnticos e Espirticos no trabalho de
crtica, mas de descoberta, e, no obstante os descuidos comuns
s outras obras do mesmo autor, uma obra-prima de erudio e
sinceridade, um monumento de sntese que restar como o
testamento cientfico no s de quem o escreveu, mas de toda
uma poca que, partindo da negao, passou, de descoberta em
descoberta, a experimentar toda a embriaguez do vir a ser, e que,
na pesquisa inquieta e afanosa da matria, tocou o umbral do
mundo olvidado e pressentiu as misteriosas potncias do Esprito.
***
Desde que surgiu no horizonte cientfico, Csar Lombroso foi
assaltado pelos caracteres que o gnio apresenta em todas as suas
manifestaes, porque em si estava latente um vasto organismo
genial que o convocava. Aos 19 anos escreveu seu estudo sobre
Jernimo Cardano, e a j se podem encontrar os germes que, na
sua carreira cientfica, produziro o homem: nele se depara a
paixo do tipo genial e patolgico, a intuio do formidvel
abismo que caracteriza todas as culminncias e que associa, num
mesmo indivduo, os antagonismos supremos da vida, como a
confirmar a lei eterna de equilbrio e de justia. O jovem de 19
anos encontrou seu caminho e acompanhar o conflito dramtico
da personalidade humana em seus representantes mais notveis,
da loucura genialidade, do herosmo ao crime, para reencontrlo, mais terrvel ainda, na fronteira da sua prpria existncia
terrena, entre os mundos pondervel e impondervel, entre os
vivos e os mortos.
Viveu na familiaridade das grandes almas do passado, e como
teria podido compreend-las em toda a sua extenso se ele no
fora uma delas? Teve todas as deficincias e grandezas do gnio,
a desordem insanvel e a conscincia profunda do prprio valor.
Sou um desordenado, dizia-me um dia, recomendando-me no
me lembro que documento que o atraa; e de repente, quase com
infantil galhardia, aludindo ao Espiritismo, acrescentava: Eles
contra ns e ns contra eles... Passo o rubico... corto a retirada...
55

ver, jogar-me-o ao mar, mas no importa!... E a sua pequena


mo acompanhava a palavra, fendendo o ar com gesto lento e
curto, que me pareceu um sinal fatdico, divinatrio e solene, que
apartasse o homem do tempo e o consagrasse imortalidade.
A. Marzorati

56

Prefcio
Quando ao trmino de uma jornada rica, se no de vitrias,
certamente de veementes pugnas em prol das novas correntes do
pensamento humano, na Psiquiatria e na Antropologia Criminal
iniciei primeiramente a pesquisa e depois a publicao de um
livro sobre fenmenos ditos espirticos, surgiram, hostis, de
todos os setores, os prprios amigos mais diletos a gritarem:
Quereis desfigurar um nome honrado, uma carreira que, depois de tantas lutas, j chegara finalmente meta, e isso por uma
teoria que todo o mundo no s repudia, mas, o que pior,
despreza e afinal acha ridcula.
Pois bem: tudo isso no me fez hesitar um s instante em
prosseguir nesse caminho iniciado; senti-me, ao contrrio, mais
deliberadamente impulsionado, pois me pareceu fatal coroar uma
existncia, que viveu na busca de novos ideais, combatendo em
prol da ideia mais hostilizada e talvez mais escarnecida do
sculo; pareceu-me um dever o encontrar-me at o ltimo dos
meus, j agora, contados dias, exatamente onde surgem mais
speros os obstculos e mais encarniados os adversrios.
Bem sei que tambm estes no fariam agravo, pois tambm
eu, no h muito, estava entre aqueles, e dos mais implacveis,
porque, concebidos como eram, pelos muitos, os fenmenos
espirticos parece quererem abater o grande conceito do Monismo, que um dos frutos mais preciosos da moderna cultura, e
porque, ante a preciso, a continuidade dos fenmenos experimentais, sempre idnticos a si mesmos, no tempo e no espao, e
sempre coerentes entre si a observao e as experincias espirticas, frequentemente variveis segundo os mtodos, conforme
as horas do dia e a disposio de nimo dos assistentes, por
muito repetidos e controlados por instrumentos de preciso,
embora joeirados por experimentadores severssimos (e bastaria
enumerar Morselli, Di Vesme, Crookes, Richet, Lodge, James
Hyslop, Wallace, Bottazzi, de Rochas, Herlitzka, Fo, Arsonval,
etc.) , tm sempre aquele aspecto de incerteza, de impreciso,
das velhas observaes medievais.
57

Mas, se cada um desses fenmenos nos pode ser ou parecer


incerto, o conjunto de todos forma um compacto mosaico de
provas resistentes aos ataques da mais severa dvida; e agora, tal
qual antes, o tambm grande princpio: no h funo sem rgo,
nem manifestao de energia sem perda de substncia, acha nos
estudos da radioatividade uma pelo menos aparente exceo.
Nem com as novas concluses espirticas vm abater-se as
leis principais do Monismo, pois, ainda que reduzindo-se a
matria fludica, que visvel e palpvel apenas em algumas
circunstncias especiais, a alma continua a pertencer ao mundo
da matria, e assim, pela primeira vez, aparece, entretanto,
conciliada a observao cientfica com aquela multiplicada no
tempo e no espao, desde os povos mais antigos e selvagens aos
mais civilizados, cristalizada por ltimo na lenda religiosa, isto
que, se no pela qualidade, certamente pela quantidade e uniformidade dos sufrgios, lhe confere uma autoridade igual, seno
superior, ao pensamento dos grandes filsofos.
Por isto, nestas pesquisas, situei-me distante de toda teoria:
desejei que esta surgisse espontnea no nimo do leitor, do
mosaico dos fatos solidificados pela autoridade emanada do
consenso geral dos povos.
De resto, depois de tudo isso, estamos bem distante de pretender haver atingido a completa certeza: a hiptese espirtica
surge depois de to fatigantes pesquisas tal qual aqueles imensos
espaos ocenicos dos quais se v emergir, aqui e l, ilhotas mais
elevadas, que s ao julgar do gegrafo do a resultante de antigo
continente, enquanto que o vulgo ri da sua hiptese, assim audaz
na aparncia.
Antes de fechar esta pgina, envio os mais vivos agradecimentos aos que me ajudaram com auxlio e colaborao: prof.
Marzoratti, Ochorowicz, Imoda, Richet e Di Vesme.
Outubro, 1909.
Cesare Lombroso

58

PRIMEIRA PARTE
Hipnotismo
Alguns fenmenos hipnticos e histricos
Se existiu no mundo um homem, por educao cientfica e
quase por instinto, contrrio ao Espiritismo, esse fui eu, que, da
tese ser toda fora uma propriedade da matria e a alma emanao do crebro, havia feito a preocupao mais tenaz da vida,
eu, que havia zombado por muito tempo dos Espritos das mesinhas... e das cadeiras!
Mas se sempre nutri grande paixo pelo meu lbaro cientfico, tive outra ainda mais fervorosa: a adorao da verdade, a
constatao do fato.
Ora, eu que era assim hostil ao Espiritismo, a ponto de no
aquiescer por largo tempo em ao menos assistir a uma experincia, deveria, em 1882, presenciar, na qualidade de neuropatlogo, fenmenos psquicos singulares, que no encontravam nenhuma explicao na Cincia, salvo a de ocorrerem em indivduos histricos ou hipnotizados.

1
Transposio dos sentidos
com os histricos hipnotizados
Certa manh daquele ano, fui chamado para a Srta. C. S., de
14 anos de idade, filha de um dos homens mais ativos e mais
inteligentes da Itlia, que tinha tambm me s, inteligente e
robusta, mas dois irmos crescidos extraordinariamente na
estatura, nas proximidades da puberdade, e com alguma turbao
pulmonar; e a prpria C. S., que era de gentil aspecto, altura de
1,54m, com pupila um pouco midritica, tato normal e normal
sensibilidade dolorfica e s cores, quando na vizinhana da
poca pbere cresceu subitamente 15 centmetros, e teve, nos
59

primeiros acenos menstruais, graves fenmenos histricos no


estmago (vmitos, dispepsia), e por isso, durante um ms, s
pde ingerir alimentos slidos, e num outro ms alimentos
lquidos, apresentando, no terceiro ms, acessos de convulses
histricas, hiperestesia incrvel, pois um fio posto sobre a mo
lhe parecia ter o peso de uma barra de ferro.
Em outro ms, manifestou cegueira e pontos histerognicos
no dedo mnimo e no reto, que, tocados, provocavam convulses,
bem como paralisia muscular no movimento das pernas, com
reflexos exagerados, contraturas, energia muscular aumentada,
sendo que o dinammetro passava, pressionado pela mo, de 32
a 47 quilogramas.
Comearam, ento, a apresentar-se nela fenmenos extraordinrios.
De incio, sonambulismo, durante o qual mostrava singular
atividade nos labores domsticos, grande afetividade aos parentes, distinta disposio musical; mais tarde apresentou mutao
no carter, audcia viril e imoral; mas, o fato mais estranho era
que, enquanto perdia a viso com os olhos, via, com o mesmo
grau de acuidade (o 7 da escala de Jager), pela ponta do nariz e
lbulo esquerdo da orelha, lendo, assim, uma carta que ento me
viera dos Correios, enquanto que eu lhe vendara os olhos, e pde
distinguir os nmeros de um dinammetro.
Curiosa era depois a nova mmica com que reagia nos estmulos levados aos que chamaremos rgos pticos transitrios e
transpostos.
Avizinhando, por exemplo, um dedo orelha ou ao nariz, ou
fazendo meno de os tocar, ou ainda melhor, fazendo com uma
lente incidir um raio de luz de lmpada, mesmo distncia e por
frao de minuto, ressentia-se vivamente e irritava-se.
Quereis cegar-me? gritava.
Depois, com instintiva mmica inteiramente nova, to nova
quanto o fenmeno, movia o antebrao a defender o lbulo da
orelha e a extremidade do nariz, e assim permanecia por alguns
minutos.
60

Tambm o olfato estava transposto: o amonaco e a assaftica


no lhe provocavam a menor reao, quando colocados sob o
nariz, enquanto que uma substncia ligeiramente odorfera, sob o
queixo, dava lugar a viva impresso, e a mmica toda especial.
Assim, se o aroma lhe era agradvel, sorria, piscava os olhos e
respirava com maior frequncia; se o perfume desagradava,
levava rapidamente a mo dobra do queixo, tornado este a sede
do olfato, e voltava com rapidez a cabea para o lado. Mais
tarde, o olfato se transferiu ao dorso do p, e ento, quando um
odor a desagradava, movia a perna para a direita e esquerda,
contorcendo tambm todo o corpo; quando agradava, permanecia
imvel, sorridente, respirando mais frequentemente.
Vieram depois fenmenos de profetismo e de lucidez, pois
previa com rigor, direi matemtico, com 15 ou 16 dias de antecedncia, o dia dos acessos, a hora em que sobreviriam e o metal
apto a faz-los cessar.
Assim, a 15 de junho predisse que a 2 de julho teria delrio e
em seguida 7 acessos catalpticos, que cessariam com ouro, e,
para 25 desse ms, faringismo e dores nos membros; para 6 de
julho, catalepsia primeira gota de gua que lhe fosse atirada, e
calma at 12, no qual seria presa de acesso s 6 da manh, com
tendncia a morder e a despedaar, e que s se acalmaria mediante meia colherinha de quinina e trs gotas de ter.
E tudo aconteceu exatamente como houvera vaticinado.
No dia 14, predisse que os quatro acessos do dia 15 seriam
sanados com chumbo. Em verdade, porm, este ajudou pouco,
sendo mais eficaz o ouro; mas, se houve engano nisto, este no
se positivou na designao da hora, preanunciada exatamente, e
no nmero de acessos.
Mais tarde, profetizou aventuras que deviam atingir o pai e o
irmo, as quais, dois anos depois, se verificaram; viu tambm,
estando no leito, o irmo que nesse momento se encontrava em
um teatro distante mais de um quilmetro da sua casa.
***
Esses fenmenos de nenhum modo so isolados ou nicos.
61

J em 1808, Petetin 7 estudou oito mulheres catalpticas, nas


quais os sentidos externos eram translocados para a regio
epigstrica ou para os dedos das mos ou dos ps.
Em 1840, Carmagnola, no Giornale dellAccademia di Medicina, narrava um caso inteiramente anlogo ao nosso.
Tratava-se de uma jovem, de 14 anos de idade, tambm de
recente catamnio, sofrendo tosse convulsiva, cefaleia, delquio,
soluos quando bebia; espasmos, dispneia e convulses mmicas,
durante as quais cantava; modorra que se prolongava por trs
dias, e verdadeiros acessos de sonambulismo, em cujo decurso
via distintamente pela mo e com esta separava fitas e cores, e
lia s escuras. Querendo mirar-se ao espelho, ante o qual colocava as mos, via apenas estas; abaixava-o para ver o rosto e, no o
conseguindo, enraivecia-se e fugia, sapateando no pavimento,
gesto, o primeiro, espontneo, instintivo, que reproduz aquele da
nossa C. S., escondendo o lbulo da orelha irritado pelo imprevisto raio de luz, e que bastava por si mesmo para excluir a
simulao.
Note-se ainda que, tal qual no caso de Petetin (e no se dir
mais que se trata de coisas descobertas agora), a aplicao do
ouro e da prata acalmava as raivas e a retornava alegre, pelo que,
durante os acessos, buscava avidamente esses metais.
Certa vez tocou em bronze, supondo-o ouro, mas, embora
completa fosse a sua iluso, no obteve alvio algum. A seda e as
pelias lhe tiravam as foras. Pouco a pouco melhorou, mas
reincidia a cada perodo lunar mensal.
Despine refere o caso de uma Stella, de Neuchtel, de 11 anos
de idade, que, partica, depois de um traumatismo no dorso e
aliviada com o uso dos banhos de Aix, aps prticas magnticas
apresentava a transposio da faculdade auditiva para vrias
partes do corpo, mo, cotovelo, espdua e, durante a crise letrgica, para o epigstrio, juntando a isto facilidade para exerccios
natatrios e de equitao, bem como, sob aplicaes de ouro,
fora extraordinria.

62

Frank (Praxeos Mdicae, Turim, 1821) menciona um certo


Baerkmann, no qual a audio era transferida, ora para o epigstrio, ora para o osso frontal, e ainda ao occipital.
O Dr. Angonoa estudava, em Carmagnola, em 1840, uma G.
L, de 14 anos de idade, tornada dispptica e amenorreica aps
um desgosto. Presa de sonambulismo, mais ou menos meianoite, identificava moedas aproximando-as da nuca e distinguia
aromas com o dorso da mo; mais tarde, em fins de abril, vista e
ouvido emigraram para a regio epigstrica, de modo que, olhos
vendados, lia um livro posto a poucos passos de distncia do seu
corpo.
O mesmo esculpio observou certa Piovano, de 22 anos de
idade, com catalepsias histricas e acessos epilpticos, a qual, no
sonambulismo artificial, enxergava ora pela nuca, ora pelo
epigstrio, e cheirava com os ps, pretendendo ainda distinguir,
no prprio corpo, trinta e trs vermes, que, ao fim de algum
tempo, expeliu.
Embora de tal no se estabelecesse analogia, o fato se ligava
ao que era conhecido: sonmbulos comuns que vem perfeitamente quando com os olhos estticos e insensveis, com as
plpebras fechadas ou com o globo ocular voltado para o alto,
semelhana de quem dorme.
Evidentemente, eles enxergam por qualquer outra parte do
corpo, que no pelos olhos.
Preyer e Berger, ainda que observassem, a exemplo recente
de Heidenhain, fatos semelhantes, acreditaram interpret-los
recorrendo maior sensibilidade ttil ou maior agudeza visual,
que verdadeiramente se observam amide em casos tais.
Mas, se essa interpretao pode explicar demais a viso em
local escuro, o que no ocorre, no pode explicar a transposio
neste caso em que se observam inteiramente idnticas, fora e
dentro da crise, a sensibilidade ttil e a acuidade visual. Aqui, a
percepo visual se revela em dois pontos da ctis; a sensibilidade medocre e no basta para, de qualquer modo, explicar a
leitura de um manuscrito.
63

Se os autores mais modernos no levaram em conta estes casos (e Hasse os averbou de iluso), porque, com tendncia
louvvel, mas tambm excessiva, s desejavam admitir os fatos
que cientificamente se pudessem explicar. Por isso, tardaram em
dar crdito ao magnete e a muitos dos resultados que, empiricamente, obtiveram os magnetizadores (catalepsias, hipnoses,
hiperestesias), agora verssimos e at certo ponto explicados
(Heidenhain).
A verdade que uma explicao absolutamente cientfica no
se pode dar destes fatos, os quais entram no vestbulo daquele
mundo que, com justia, se deve chamar ainda oculto, porque
inexplicado.8 E assim a lucidez s em parte se pode explicar por
uma espcie de sugesto, por maior agudeza daquela instintiva
conscincia do prprio estado, que faz ao moribundo recapitular
a sua vida na derradeira hora da existncia. Mais ainda: melhor
se nota o desenvolvimento sucessivo dos fenmenos da prpria
nevrose porque, na excitao extraordinria do xtase sonamblico, adquirimos maior conscincia do nosso organismo, em
cujas condies, semelhana da engrenagem dos relgios, esto
inscritas em potncia, em germe, as vrias sucesses mrbidas.
Cabe aqui conectar a esses fatos um caso primeiramente revelado pelo nosso Salvioli 9 no sonambulismo, isto , que o afluxo
do sangue ao crebro maior do que em viglia, e maior , pois,
a atividade da psique, de igual modo que ocorre aumento na
excitabilidade muscular.
Efetivamente, a nossa enferma, que adquiria, em sonambulismo, uma fora maior de 12 quilos no dinammetro, dizia-me
que, nesse estado, no podia ficar tranquila com o pensamento,
pois necessitava estar sempre ruminando novas ideias.
Mas, esta concluso j no serve, quando a lucidez chega ao
ponto de profetizar o que acontecer, dois anos depois, ao pai e
ao irmo, nem tampouco explicar cientificamente a transposio
dos sentidos.
Emerge aqui, de modo caracterstico, apenas o fato de que os
fenmenos ocorrem em pacientes histricos e nos acessos hipnticos do grande histerismo.
64

2
Transmisso do pensamento
Outro tanto se nota nos casos de transmisso do pensamento,
at h pouco inexplorados.
Dessa natureza o que observei, juntamente com Grimaldi e
Ardu,10 em E. B. de Nocera, de vinte anos de idade, que se
manifestou histrico aos 15, por amores contrariados.
Crnio dolicocfalo, ndice 76, face extraordinariamente assimtrica, aspecto efeminado, acuidade visual e tato normal,
porm maior agudeza esquerda; sensvel a todos os metais,
especialmente ao cobre e ao ouro, que lhe acalmavam as palpitaes do corao e a mialgia; exageradas simpatias e antipatias,
fobia treva, ao extremo de temer uma sombra em ngulo escuro; disposio de nimo mutabilssima, to sugestionvel que se
lhe pde impor o no sentir as dores agudssimas produzidas
com ferro ou ferro quente; transposio dos sentidos e transmisso do pensamento, adivinhando uma palavra ou nmero pensado por outrem, e podendo reproduzir o desenho que se fizesse
por detrs dele, a grande distncia, isso com os olhos vendados.
Traou-se um losango, reproduziu-o grosseiramente, com
grande excitao e inexatido; melhor resultado foi obtido com
um crculo. Manifestou dificuldade na reproduo de um tringulo; depois de hesitao, mais longa do que na primeira prova,
desenhou ntidos dois lados; o terceiro, o da base, era vergado,
com visvel incerteza, e, em vez de uma reta, o trao era quebrado, em zigue-zague, Apenas terminada a experincia, o paciente,
rosto afogueado, queixava-se de grande peso na cabea.
Retiramos-lhe a venda dos olhos e deixamo-lo repousar, recomeando a experincia dez minutos depois.
A figura de um polgono, que podia ser tambm o perfil de
um casebre, foi desenhado sem dificuldade e, para o de um cone
pousado, pediu primeira e segunda reproduo. A essa altura, se
manifestaram esgotamento, vermelhido do rosto e torpor nos
movimentos.
65

Duas experincias logo no lograram xito. Reproduziu bem


a cabea de um homem e um pssaro, e no acertou na reproduo do desenho de um arbusto, pois o iniciou confusamente na
linha da mulher que traou em lugar do arbusto.
Sugerindo-lhe, por escrito, o nome Margarida, acertou em
repeti-lo, e ainda Andrea, depois do que, por fadiga, nada mais
pde reproduzir.
Ordenando-lhe mentalmente que destapasse um tinteiro ou
abrisse uma porta, realizou isso quase sem esforo, com os olhos
tapados, mas o prosseguimento da prova o fez entrar em estado
catalptico.
Presso na fronte o levou a transitar ao estado sonamblico e
depois ao normal, despertando mediante determinao.
Entre as sugestes grficas, algumas merecem consideraes.
Por exemplo, ao sugerirem-lhe uma cabea de homem, sem
orelha, ele a desenhou com ela, e ao reproduzir o pssaro no se
limitou ao perfil, conforme o original, mas acrescentou traos
dando ideia das penas; nos nomes escritos, cometeu erros que
parece distanciarem-se dos precedentes, no s da mesma espcie, mas prestando-se a fazer entender e explicar melhor.
O nome Margarida teve duas reprodues: a primeira, Maria; a segunda, Mar-garida; no de Andrea a grafia parece a de
uma criana tentando copiar um modelo.
Na srie das sugestes mentais de movimentos extensos ocorreram erros que fariam supor fracassos; mas se ajustam com
admirvel clareza aos dos erros grficos acima descritos.
De uma vez, foi sugerido abrir a porta do aposento, o que fez
com presteza (com xito da experincia), mas em vez de se
limitar a isso, chamou em voz alta o criado.
Anlogas experincias, mais recentes, da Comisso Inglesa
de Investigaes Psquicas (seu relatrio j constitui um volume), tiveram prosseguimento at o Dr. Guthrie e o Prof. Herdmann.
Foi paciente a Srta. Relph, que permaneceu sentada, enquanto
os objetos selecionados eram escondidos por detrs de uma
66

cortina e da senhorita. As experincias tiveram lugar sem contato.


Objeto real ou traado

Objeto adivinhado

Papel encarnado, recortado em


forma de porta-ovos, contendo
um ovo branco.

Algo encarnado, mais comprido do


que largo.

Papel azul, em forma de escudela.

azul? Mais largo em cima do que no


meio; depois, mais largo ainda,
espcie de escudela.

Papel encarnado, recortado em


feitio de vaso.

encarnado? Vejo apenas a cor.

Uma espada.

Algo que reluz... prata ou ao...


comprido agudo.

Um crculo encarnado.
Papel prateado, recortado em
feitio de bule.

encarnado, redondo.
de prata reluzente
cafeteira, um bule.

Um retngulo amarelo.

amarelo? Mais comprido do que


largo.

Um Lus de ouro (moeda francesa).

amarelo brilhante, de ouro... e


redondo.

Trs de copas (de baralho).

um papel com dois pontos vermelhos. Um trs de copas ou algo


semelhante.

Cinco de paus (idem).

outro papel com cinco pontos


pretos.

Oito de ouros (idem).

um papel com muitos


vermelhos... um dez.

Um papel
vermelhas.

com duas

cruzes

qual

uma

pontos

algo amarelo; no vejo bem; um


papel com pontos vermelhos.

De qualquer modo, o fenmeno se liga ao estado hipntico do


paciente.
Acrescentarei que sobre outros vinte indivduos por mim estudados 11 e que tiveram xito, adivinhando o nome de uma
carta, um nmero, etc., doze eram neuropatas e foram os que
acertaram com maior rapidez e preciso, e melhor podiam entrar
em estado de monoidesmo, tapando-se-lhes os olhos e as orelhas.
Em trs, o contato imediato facilitava a leitura, e era condio
essencial; em outros trs, no exercia influncia alguma.
67

Em um deles, a emoo favorecia o fenmeno, e s pessoa


que lhe fosse afim podia transmitir-lhe o pensamento.
Observou-se que melhor se transmitia a figura humana do que
linhas geomtricas ou flores, com uma diferena de dez por
cento, e isso se compreende, porque a imagem humana impressiona mais energicamente, pois, quando no se sente com energia, no se pode transmitir com o pensamento.
Em alguns, a transmisso facilitada com o emprego de bebidas alcolicas ou cafenicas, que excitam os centros; mas estas
minhas observaes eram coisa bem pouca, em confronto com
centenas e milhares de outras anlogas, mais minuciosamente
controladas, obtidas na Inglaterra e na Frana.
Na Inglaterra, a clebre Society for Psychical Research institua experincias mui delicadas, sobre indivduos adormecidos
ou despertos, fazendo-os desenhar em uma ardsia a figura que
outro, em aposento diferente ou em lugar distante, traava sobre
uma folha de papel.
Eram tringulos complicados, embarcaes, nomes raros,
qual, por exemplo, chevalon, conseguindo-se felizes resultados
nessas experincias:
5 1/4 nos hipnotizados sugestionados;
43 nos no hipnotizados.
No haver quem possa crer, nem remotamente, que se obtenha outro tanto dentro da lei de probabilidades, porque, note-se
bem, os erros, ou melhor, os semi-erros equivalem a um estado
de transmisso imperfeita, porm no comparvel confuso do
caso.
Mais importantes, a propsito das leis de probabilidades, resultam as experincias feitas, comparativamente, em estado de
viglia e hipntico.
Richet, depois de assegurar-se de que a probabilidade de tirar
uma determinada carta das 52 que constituem um baralho, sobre
um total de 1.833 provas, de 428, refez as mesmas provas
sobre cartas que estavam na mo de um amigo, devendo recair a
68

escolha na que este houvesse pensado, e obteve a cifra de 510,


com vantagem de 82 sobre o nmero provvel.
Com 218 fotografias e figuras, enquanto o nmero provvel
de adivinhaes seria de 42, obteve 67.
Numa terceira srie, o nmero de cartas adivinhadas alcanou
exatamente 17/31. Nesta srie, por 8 vezes consecutivas se
assinalou a carta exata, enquanto que a probabilidade de obteno certa de 8 cartas em seguida era de 18/52, o que vale dizer
1

7.164.958.643.456
Empregando a sugesto hipntica, os membros da Sociedade
para Investigaes Psquicas, de Londres, tiveram 9 xitos em 14
experincias, na primeira prova, e 5 xitos em 5 experimentos,
na segunda.
Vale dizer que, se na primeira experincia a provvel cifra
seria de 0,25, a verdadeira foi de 9.
Em outras anlogas 118 experincias de Stewart, obtiveramse 45/118.12
Se o acaso estivesse em jogo, o nmero de cartas indicadas
deveria ser 22 e no 45.
Atuando sobre pacientes histricos, porm no hipnotizados,
Ochorowicz conseguiu 13 xitos em 31 casos, tratando-se de
adivinhar uma letra, um nmero, um nome (Maria, por exemplo),
um sabor.
Sugestionando depois os hipnotizados, teve 15 sucessos em
20, enquanto que, pelo clculo das probabilidades, no deveria
atingir mais do que 1 sobre 24.13
Disso, Richet deduziu:
1) O pensamento de um indivduo se transmite a outro,
prximo, sem auxlio de sinais externos.
2) Essa transmisso mental de pensamento resulta diversa
em intensidade, conforme o indivduo (e ns acrescentaremos: mxima nos hipnotizados).
69

Essas transmisses de pensamento se tornam ainda mais extraordinrias quando se verifica ocorrerem a distncias s vezes
enormes, e assim os casos seriam mais frequentes, se o nosso
cepticismo no nos impedisse reconhecer o fato, imparcialmente.
H pouco tempo, em 1887, constou que uma menina, de Novara, pressentiu a enfermidade de sua genitora, Ana Voretto, que
se achava em Sttimo Torinese.
Di Vesme, por incumbncia da Societ di Scienze Psichiche
Italiana, verificou, poucos dias decorridos, que, efetivamente, a
17 de fevereiro de 1887, Ana Voretto, residente em Sttimo,
enquanto atendia aos seus interesses, s 12:30, foi de improviso
presa de mal que a vitimou no dia imediato.
Telegrafaram, s 21 horas, irm para que acorresse, com a
filha da agonizante, a menina Stella, e esta, segundo o testemunho de sete pessoas, at 1 hora do dia 17, se mostrou agitadssima, pedindo ir para junto de sua me, porque estava enferma
e no dia seguinte exclamava, no trem: Mame morreu!
O ilustre Prof. De Sanctis me escrevia:
Na segunda metade de setembro ltimo, encontrava-me
em Roma, sem a famlia, que se achava no campo. E porque
ladres no ano anterior haviam assaltado a casa, meu irmo
vinha fazer-me companhia todas as noites.
A 16, 17 ou 18 (no recordo bem) desse setembro, realizando-se espetculo de gala no Teatro Costanzi, em homenagem a jornalistas espanhis que visitavam Roma, disse-me
meu irmo que assistiria a essa festa e, por isso, fui sozinho
para casa.
Comecei a ler um pouco, mas, de sbito, me senti amedrontado. Repeli os maus pensamentos e comecei a despirme, mas interna agitao me perturbava.
Deitei-me, combatendo energicamente a ideia, isto , de
que o Teatro Costanzi se incendiava e meu irmo pudesse
correr algum perigo; apaguei a luz, porm a ideia do incndio
me assediava de tal modo, angustiando-me, que, contra meus
hbitos, religuei a luz, decidido a esperar, desperto, o regres70

so do meu irmo. Estava to amedrontado quanto estaria uma


criana.
Ali pelas 12:30 da noite, ouvi abrir a porta da casa, e disse
de imediato a meu irmo:
Ento, divertido? no intento de que ele desmentisse
formalmente a minha impresso.
Porm, grande foi a surpresa, ao responder-me:
Muito divertido! Mais um pouco e todos pegvamos fogo!
E ento descreveu o pnico produzido no Costanzi, por um
princpio de incndio do qual, no dia seguinte, os jornais davam detalhes.
Confrontada a hora em que, segundo meu irmo, ocorreu o
incidente do teatro, coincidiu ela com a em que eu comecei
com a ideia fixa do incndio.
O Prof. Mercandino me proporcionou este fato de uma sua
cliente, cujos filhos empreenderam a ascenso ao monte Civrari.
Adormeceu ela tranquilamente at meia-noite; s 2 despertou
sobressaltada, parecendo-lhe ver o filho Gustavo sobre uma
rocha, gemendo, e recusava seguir seu irmo Csar, que lhe dava
a beber um licor e o intimava a erguer-se, chamando-lhe covarde.
No dia imediato, ao regresso, contaram que, em verdade, s 2
horas ocorria o que sua me havia pressentido e visto e que
Csar, inquieto, pensava:
Se mame pudesse ver! Oh! Fosse possvel rever nossa casa!
Tschurtschenthaler narrava-me de um rapaz tirols, com pontos histergenos, que tinha dois irmos na Amrica e que, de
improviso, sem receber qualquer notcia, disse que primeiro os
via no mar, e depois desembarcando em Ligria, no dia e hora
em que tal coisa aconteceu.
O Dr. Pagliani me escreveu haver estudado certa Carolina A.,
de 24 anos de idade, casada havia 2 anos, sonmbula, com
frequncia catalptica, a qual, pegando a mo de uma pessoa e
71

cheirando-a, lhe adivinhava o pensamento, ainda que em idioma


estrangeiro por ela ignorado, sendo de salientar que o pensamento era transmitido at distncia de 6 metros, mediante um fio de
ferro.
A esses fatos acrescerei dois por mim constatados, dos quais
de nenhum modo posso duvidar.
S. V., em novembro de 1882, estando no teatro, em Florena,
s 22:30, deu subitamente um grito, e no mais quis ali permanecer, afirmando sentir que seu genitor se encontrava gravemente
enfermo. Regressando ao lar, ali achou um telegrama, comunicando que o pai agonizava, em Turim, e depois recebeu um
segundo, anunciando o falecimento, s 22:30. A Sra. S. V. era
histrica.
A Sra. F. J. tinha uma servial que, mediante permisso, recebia a visita de um soldado, amante ou marido. Certa tarde,
hora costumeira, a senhora impediu a entrada pedida pelo militar
e, cheia de medo, fez trancar a porta, proibindo desde ento
novas visitas, justificando-se depois, com o esposo, com a afirmativa de haver tido pressentimento de que o soldado pretendia
roubar e assassin-la.
noite, verificou-se estar quebrada uma vidraa e o desaparecimento de pequena quantia.
O caso estava quase esquecido, quando a criada, falando a
uma vizinha, descuidou-se em dizer que, quando a patroa negou
entrada ao seu noivo, o soldado, este tramava assassin-la,
apoderar-se da chave, abrir a caixa do dinheiro, furtar a maior
quantia possvel e fugirem para o estrangeiro.
Ora, se h bela explicao destes casos, conforme tentava eu
em princpio, com a afirmativa de que, sendo o pensamento um
fenmeno de movimento, pode-se conceber a transmisso, tanto
a pequena quanto a grande distncia, pode-se-me opor, justamente, que a energia dos movimentos vibratrios decresce com o
quadrado das distncias, e se se pode explicar a transmisso do
pensamento a curta distncia, no se compreende tal entre dois
pontos distanciados, e que chegue ao percipiente sem se dissipar,
72

partindo de um instrumento como o crebro, no assentado


sobre base imvel.
O que, porm, se deve ter em alvo nestes casos que o maior
nmero de transmisses do pensamento se registrava em histricos ou em hipnotizados.

3
Premonies por histricos e epilpticos
Como explicar as premonies e as profecias feitas, no por
pessoas eminentes, geniais ou santas, mas por enfermos, s vezes
em sonhos, quando a nossa ideao imprecisa e aberrante, e
quando se desintegra nossa personalidade psquica?
Tambm aqui os casos chegaram de toda parte, sem que eu os
procurasse, e at quando os rejeitava.
Certo Castagneri, em setembro de 1886, escrevia a Di Vesme
que, a 8 daquele ms, uma serva, Bianchi-Cappelli, sonhara que
sua me, vendedora de frutas em Cesena, fora roubada em 300
liras e que seu irmo enfermara.
Ficou profundamente preocupada, e no dia 11 recebeu carta
informando-a de que precisamente no dia subsequente ao do
sonho se verificaram ambos os acontecimentos, o que Di Vesme
pde verificar com muitas testemunhas.
Tive em tratamento o distinto Dr. C., um dos nossos jovens
doutos mais culto e igualmente mais nevrtico, por verdadeiras
formas histricas, epilpticas, coincidentes com a puberdade, no
poucos caractersticos degenerativos, e no ligeira carga hereditria.
Ele prprio se assinalara, havia tempo, faculdades premonitrias, e assim, por exemplo, apesar de um amigo lhe haver telegrafado que iria procur-lo, no se moveu ao encontro, sentindo
que no chegaria; tambm anunciou genitora o recebimento de
uma carta de pessoa que jamais vira, mas descreveu-a minuciosamente.
73

Porm, o fato mais importante, a nosso ver, porque mais documentado, foi ter, a 4 de fevereiro de 1894, predito o incndio
da Exposio de Como, ocorrido a 6 de julho, e com tal segurana que induziu a famlia ( qual j dera prova do acerto de suas
previses) a vender todas as aes da Societ Milanese de seguros contra incndio, que representavam 149.000 liras, realizando
tal venda vantajosamente.
importante assinalar que, aproximando-se a data do incndio, ele no sentia a certeza, em estado consciente, mas, automaticamente (como recordam bem os da famlia), reiterava o prenncio, especialmente na manh do dia do incndio, confirmando-se, pelo menos com relao ao estado consciente, o que
acerca da profecia das sombras recorda Dante, no canto X do
Inferno, a propsito de Farinata, que lhe havia predito o exlio,
enquanto outros Espritos daquele crculo pareciam ignorar
completamente toda a atualidade:
E par che voi veggiate, se beu odo,
Dinanzi quel chel tempo seco adduce,
E nel presente tenete altro modo. 14
Escrevia-me ele prprio:
O pressentimento me veio instantneo, e ignoro como pude adquirir to intensa convico, de vez que no influiu no
meu pressgio nenhuma considerao de carter tcnico. E
eu, ento, no poderia ter visto mais do que os andaimes da
Exposio, cujo edifcio estava pouco adiantado.
No saberei dizer se antes daquela data existia em mim um
vago pressentimento, mas no tive ideia alguma definida e
consciente, antes de divisar a insgnia da Sociedade de Seguros contra incndios.
Recordo perfeitamente que naquele momento no tive alucinao alguma, nem visual, nem trmica ou semelhante; em
mim, o fatalismo daquele sinistro tinha de modo fulminante
adquirido uma evidncia indiscutvel, qual a de uma verdade,
por assim dizer intuitiva.
Precisamente a surpresa desse inexplicvel estado de nimo
me persuadiu a agir de conformidade com o pressgio, tanto
74

mais que, a despeito da minha convico antiespiritista, tive


comprovada outras vezes a veracidade dos meus pressentimentos.
Acrescentarei que as aes da Companhia de Milo constituam ttulos de crdito altssimo e que a venda foi faclima,
porque tal emprego de dinheiro era, nessa poca, muito mais
remunerativo do que a juros. Por isso, vendidas as aes, no
mais pensei nisso, e no ms precedente ao do incndio tal ideia havia aparentemente me abandonado.
Mas, os que comigo conviviam (e esto prontos a dar testemunho) asseguram que, quando estava distrado eu repetia,
em dialeto Comasco, que tudo devia queimar-se e que, na
manh do incndio, pronunciei muitas vezes tais palavras.
Era ele filho de primos-irmos, neurticos; tinha uma irm
epilptica; crnio enorme (1.761 centmetros cbicos de capacidade), rosto assimtrico, cabelo grisalho aos 12 anos de idade,
enegrecido depois; orelhas mveis, campo visual reduzido pelo
vermelho e pelo azul, com escotomas; possua a estranha faculdade de dilatar a pupila a seu arbtrio e teve, at aos 19 anos de
idade, acessos epilpticos, histricos, com alucinaes.
O Journal of the Society for Psychical Research, de maro
de 1897, narra o caso de uma senhora que veraneava em Trinity,
com a filha de 10 anos de idade. Certo dia, em que a menina
estava brincando em um campinho de sua predileo, prximo
do mar e da via frrea, ouviu uma voz interior que lhe mandava
recolher a pequena, sob pena de ocorrer algo espantoso.
Chamou imediatamente a aia para que fosse buscar a criana.
Meia hora depois, ali descarrilava um trem, que se foi projetar
precisamente no local onde a menina se entretinha a brincar.
Pereceram trs dos quatro ocupantes da locomotiva.
To frequentes so estes fenmenos premonitrios ou profticos, que se podem encontrar at na histria contempornea, e
tambm naquela do Brigantaggio in Italia, De Witt.
Na manh de 4 de novembro, o tenente Perrino ergueu-se
do leito, s 5 horas, e hospedeira, que lhe preparava o almo75

o, disse estar sem apetite, pela influncia de mau sonho que


tivera durante a noite.
Perrino era homem de uns 30 anos de idade, moreno, demorado de movimentos, inclinado s comodidades e habitualmente melanclico.
Na noite de 3 de novembro, estava de excelente humor e
nada permitia antever a desgraa que se lhe avizinhava.
Apenas se recolheu ao leito, dormiu tranquilo sono, mas no
decurso deste lhe pareceu ver-se amarrado a uma rvore, junto com o seu ordenana, e assim fuzilado por salteadores. Os
hspedes e o capito Rota muito riram com a narrativa.
No dia seguinte, com meia companhia e dois carabineiros,
rumou feitoria Melanico, quartel-general dos bandoleiros,
para a rotineira perlustrao diria.
Esses 42 soldados e seus oficiais deviam ser acrescidos ainda por uma companhia de guardas-nacionais, mas o capito
De Matteis, sabendo que em torno do bosque de Grota regurgitavam feros salteadores, fez alto, a milha de distncia, com
os 150 guardas nacionais, e pediu ao capito da tropa que fizesse outro tanto. Rota no aquiesceu e com a sua escassa
bandeira foi afrontar os elementos inimigos, numericamente
dez vezes superiores.
Chegando a determinado ponto, descobriu, sobre um promontrio, 4 homens montados a cavalo, sentinelas dos coligados bandos de salteadores que, em grande nmero, acampavam prximo, retaguarda.
Para alcanar aquela elevao, o oficial ordenou aos comandados atravessarem um campo semeado e lamacento por
efeito de chuva da vspera, caminho imprprio para a marcha
dos soldados. Ele e os mais geis de sua tropa haviam percorrido largo espao de tempo, mas o tenente Perrino e outros
fracos andarilhos, ao contrrio, permaneciam enlodados at
aos joelhos e, por isso, haviam ficado distanciados dos que
seguiam o capito Rota, a cavalo.

76

Nesse momento, Perrino se detivera num pequeno espao


de terreno firme, situado no meio do campo e no qual havia 3
ou 4 carvalhos.
Todo o terreno, arado, era rodeado de colinas, das quais,
pela sua elevao, se podia facilmente dominar aquele vale
lodoso onde se encontrava a tropa.
De improviso, surgiram das colinas laterais 10 esquadrilhas
de facnoras, a cavalo, compostas de 40 homens cada uma, e
quase simultaneamente romperam fogo contra a dispersada
tropa, aproximando-se ao mesmo tempo para detonar as armas, distanciando-se em seguida para ficarem fora de alcance
de tiros e terem tempo para as recarregar novamente.
Mas, depois de prolongada e intil resistncia, foram todos,
grupo aps grupo, cercados, caados, presos, vencidos e mortos.
O primeiro grupo a cair em poder dos salteadores foi o do
tenente Perrino e, efetivamente, ele e seu ordenana, capturados vivos e inclumes, amarrados a um dos carvalhos, foram
fuzilados ao mesmo tempo. Realizara-se o sonho.
Histrico o sonho graas ao qual Jacob, filho de Dante, pde encontrar 13 cantos do poema de seu pai.
Alighieri morreu em Ravena, na noite de 13 para 14 de setembro de 1391.
Os filhos do poeta trataram prontamente de reunir o Poema
Sacro, cujos manuscritos estavam dispersos, e a isso principalmente se dedicou Jacob. Fcil, porm, no foi a tarefa.
Refere Boccaccio, a respeito da recuperao dos 13 ltimos
cantos da Divina Comdia, que Jacob e Pedro os procuraram por
todos os remotos ngulos da casa, persuadindo-se depois de que
Deus no havia deixado Dante, no mundo, o suficiente para que
pudesse compor o pouco que faltava da sua obra.
Estavam, aconselhados por alguns amigos, decididos a suprir,
quanto possvel, a obra paterna, ainda que imperfeitamente,
quando Jacob teve sonho verdadeiramente admirvel: viu o
genitor, com alva vestimenta e rosto resplandecente de inusitada
luz, caminhar ao seu encontro.
77

Jacob aproveitou o azo e fez sombra do pai vrias perguntas, entre as quais a seguinte: Se havia terminado sua obra antes
de haver passado vera vida, e, caso afirmativo, onde encontrar
o que faltava, e no fora possvel achar. A isso lhe pareceu, por
duas vezes, ouvir em resposta: Sim, eu a terminei.
E lhe pareceu tambm que, pegando-lhe na mo, o levava
habitao onde costumava dormir, quando vivo, e que, tocando
em determinado stio, lhe dizia: Aqui est o que tanto haveis
procurado. E, ditas tais palavras, terminou a viso.
Jacob Alighieri, comovido ao mesmo tempo pela alegria e pelo espanto, ergueu-se, a despeito da avanada hora da noite e,
clere, pelas desertas ruas de Ravena, rumou casa de Pier
Giardini, notrio que fora amigo ntimo de Dante, e lhe comunicou a viso.
Por isso, ainda que faltasse muito para amanhecer, seguiram ambos para o local indicado e ali encontraram uma esteira fixada na parede e, ao levant-la, viram uma portinhola,
que ambos desconheciam e nem dela haviam tido notcia, achando ento alguns manuscritos, todos embolorados pela
ao da umidade e prximos da deteriorao que ocorreria.
Cuidadosamente limpos, foram lidos, verificando-se constiturem os 13 cantos to procurados. (Boccaccio).

4
Lucidez e profecia no sonho. Estudos de Myers
Notvel tambm que quando estas premonies no sobrevm no acesso epilptico ou hipno-histrico, se verificam no
sono.
Quem mais aprofundou esses fenmenos misteriosos foi
Myers.
Opina ele que o estado de sono pode considerar-se variedade
evolutiva ou dissolutiva do estado de viglia.
Assim, no surpreenderam os sonos prolongados que se manifestam em determinadas enfermidades, nem a substituio
78

deles com o xtase ou com o delrio, tal como documenta o caso


publicado por Crichton Browon, de um manaco que jamais
dormia: durante o dia, trabalhava nos misteres de carregador e
noite gritava, berrava, movimentava-se, vociferava, e tudo isso
sem sofrimento, nem diminuio de peso.
Foram os sonhos (observa ele) os primeiros fatos que induziram o homem a crer na existncia de um eu inteligente, e em
todas as pocas foram acreditados precursores de algum acontecimento, se bem que neste sentido nunca se estudou, cientificamente, anotando, quantos se confirmaram ou no.
Tambm h sonhos que conduzem a um ato, porm to raros
que no vale a pena referi-los. Pode-se considerar o sonho um
quid medium entre o sono e a viglia.
Muitos dos fenmenos do sono se podem explicar por:
1) maior agudeza dos sentidos, hiperestesia capaz de provocar alucinaes;
2) maior sugestibilidade;
3) memria mais compreensiva;
4) memria de algum ano de vida esquecida (criptoamnsia);
5) reclamos da nossa vida ativa.
Assim se pode explicar que no sono, como ocorre com os sonmbulos, se adquire a propriedade de ver no escuro, seja por
alucinao ou por simples fantasma prolongando-se de um
sonho, ou seja, por hiperestesia da retina. Assim, a Srta. Mason,
acordando de improviso em uma cmara completamente escura,
viu distintamente os objetos do aposento e mais duas barras de
ferro contra uma porta, que lhe haviam passado despercebidas
quando desperta.15
Melhor se compreende que nos sonhos se recordem fatos vistos e depois totalmente esquecidos e os que hajam estado sob
nossa vista, sem chamar a ateno, e no tenhamos observado.
Exemplo do 1 caso cita Delboeuf, a quem perseguiam, em
sonho, os nomes Asplenium, Ruta, Muralia, e no podia
recordar como lhe viessem, mas depois os encontrou em um seu
79

antigo manuscrito; e no caso de Brockelbank, que perdeu uma


faquinha e dela no soube mais durante seis meses, quando
sonhou t-la metido no bolso de uma cala, onde, de fato, a
encontrou; e no de Bickford-Smith, que havia perdido um alfinete de gravata e sonhou que o esquecera dentro de um livro, e ali
o reouve; e assim se diga da Srta. Crellin, que na infncia pegou,
por brincadeira, uma jia de seu professor e dela perdeu o diamante engastado, tendo-o procurado inutilmente, e noite sonhou divis-lo num dado ngulo da casa, onde realmente estava;
no da Srta. Flora Tuart, que, jogando croquet com vrias
pessoas, deu pela falta de um anel muito precioso e, apesar da
busca efetuada por todos, no o encontraram; mas nessa mesma
noite ela sonhou v-lo sob um banco, na frente da casa, e, de
fato, ali o achou.
Outra senhora (caso publicado pelo Prof. Royce) foi a uma
grande herdade da Virgnia, em visita amiga. Passearam todo o
dia e, noite, reparou que perdera um manguito de grande
estimao, mas, devido escurido, no tentou sequer procurlo.
Nessa mesma noite, sonhou ver certo ngulo do vinhedo de
uma casa prxima e, sob monto de folhas, o extraviado manguito.
Ao despertar, deu a uma pessoa as indicaes do local, por
ambas esquecido, e, identificado o ponto, ali se achou a desaparecida pea.
Um rapazote perdeu um anel que lhe fora dado e, por mais
que diligenciasse, no o encontrou. noite sonhou com o anel,
porm, de modo to vago, que ao despertar no se lembrava
mais. Na noite seguinte teve mais preciso o sonho e viu o anel
sob um baloio onde, s tardes, costumava brincar, e ali o reouve.
Certo jardineiro, incumbido de levar cidade uma bolsa, com
cinco libras e um guinu (moeda de ouro inglesa, valendo 21
xelins), perdeu-a e no a reencontrou, desesperando-se, principalmente porque o caminho era muito transitado. noite sonhou
que, retornando cidade, em certa rua, esmagava a bolsa sob os
80

ps e o guinu saltava para fora, enquanto que as libras permaneciam dentro dela. Encaminhou-se rua indicada e achou a bolsa,
tal qual fora vista no sonho.
A Srta. Simons sonhou certa noite haver perdido um alfinete
na cinza. Na manh seguinte procurou-o na cmoda, mas ali no
estava, e sim na cinza da lareira.
O Sr. Herber Leurs recebeu importantssima carta e a perdeu.
Procurou-a durante todo o dia, por todo o aposento onde supunha
hav-la colocado, e noite sonhou divis-la em determinado
recanto do mesmo aposento, onde afinal a descobriu.
So todos casos de criptomnsia, de reavivamento da memria, no estado de sono. E assim se explicam os problemas resolvidos em sonho.
O Sr. Hayes, egrgio artista, dando lio de Geometria a seus
filhos, chegou figura III do problema de traar uma reta sobre
um plano e no pde citar mais do que dois casos; mas, noite
viu lucidamente uma figura geomtrica, com o ttulo de figura
IV, que dava o terceiro caso e a soluo do problema.
Um tesoureiro, o Sr. Davey, cometera um erro nas suas contas e, inquieto, durante algumas semanas no conseguiu encontr-lo. Certa noite sonhou que refazia materialmente no papel
todos os clculos e encontra o engano. Pela manh, o sonho
completamente esquecido.
At aqui fcil a explicao. Como explicar, porm, os casos
seguros de noes de coisas completamente ignoradas, e os de
previses, em sonho, da data da prpria morte?
Amiga da Srta. Corleton, de nome Morris, faleceu. No dia seguinte sonhou Corleton com a defunta amiga, que ento lhe
anunciou viria avis-la 24 horas antes do seu decesso. Quarenta
anos depois a Srta. Corleton, que se encontrava em estado de
perfeita sade, sonhou com a extinta amiga, anunciando-lhe a
morte, que sobreveio, de fato, 24 horas decorridas do sonho.
A Srta. Arabela Barret viu, certa vez, em sonho sua irm, j
falecida, a qual lhe predisse a morte dentro de um lustro. Sem
grande cuidado, tomou nota da data e, cinco anos depois, no dia
exato, morreu.
81

certo que, nestes casos, devemos admitir nos sonhos uma


potncia inexplicvel.
O Sr. Peterson, interessado nas minas de Bengala, descobriu
certo dia vultoso desfalque na Caixa, sem que o pudesse entender. noite sonhou ouvir chamar por um tal Baboo. Desperto,
perguntou a um compatrcio se sabia quem era Baboo, e pouco a
pouco veio a saber que era esse o ladro.
Um juiz devia decidir entre dois litigantes. Um dos scios era
falecido e o que restava pretendia ser credor, enquanto que o
herdeiro dizia o contrrio, ser aquele devedor. A pendncia era
verbal, pois o contrato estava redigido no idioma de Bengala,
desconhecido dos demais.
O juiz sonhou, noite, que em livro particular de um dos litigantes (livro que jamais avistara) encontraria notcia desses
fatos.
No dia seguinte fez que lhe trouxessem o livro e nele verificou, pgina indicada no sonho.
Certo inspetor ferrovirio, encarregado de extensa seo, com
pontes, tneis, etc., sonhou ouvir uma voz que por trs vezes lhe
gritou: Olha a ponte!.
Descendo inspeo, nada encontrou de anormal; porm, na
manh seguinte, em mais detido exame, verificou que os pilares
se achavam escavados pela ao da gua.
O Sr. Alvey Darwin sonhou estar em uma rua onde existiam
duas portas, contguas, prximas de sua residncia, das quais viu
sarem quatro contrabandistas que o golpearam, pelo que gritou
alto, a ponto de acordar a esposa, que o despertou. Pouco depois
readormeceu e viu, no mesmo local, em vez dele, dois de seus
empregados contra os quais os contrabandistas atiravam pedras.
Esta ltima cena era realidade.
O Sr. William Ban, certa noite, despertou, cerca de 22 horas,
dizendo que algo desagradvel ocorria em sua casa de campo e
queria ir l. A esposa o dissuadiu; porm, ao termo de uma hora,
no se pde conter e rumou para o local; encontrou o estbulo
destroado e lhe haviam roubado o cavalo. Esse mesmo senhor
82

sonhara, vinte anos antes, com a morte de seu genitor, o que


ocorreu dez dias depois.
O Sr. Brighton era capito de navio. Em razo do bom tempo,
foi dormir. Ao amanhecer, sonhando, ouviu uma voz que lhe
gritava: Cuidado! Cuidado! Ests para afundar!.
Despertando, obsidiado pelo aviso, mesmo meio despido,
correu ponte de comando; porm o mar estava em calma e no
se observava qualquer anormalidade. Regressou, para vestir-se,
mas continuando a voz a persegui-lo, subiu de novo ponte de
comando e, fixando-se na direo da voz, divisou, distante,
enorme embarcao, navegando a todo vapor, que teria seguramente abalroado o seu navio.
Esse mesmo navegante, certa vez, estando no mar, sonhou ver
dois monstros (ceffo) que volteavam na corda que prendia a
ncora e a tocavam com o dedo, queimando esse ponto a cada
contato, e por isso o navio dentro em pouco ficou merc das
ondas. Despertando, sobressaltado, foi ponte e constatou, com
efeito, a ruptura da corda da ncora.
A este podemos acrescentar os casos recentes de sonhos, um
com viso a distncia e outro com premonio, controlados pelos
tribunais de Chicago e pelo fisco de Chicago e Turim.
A Srta. Loganson de 19 anos de idade, estando em Chicago,
viu, em sonho, assassinar seu irmo Oscar, agricultor em Marengo, cidade situada para alm de 80 quilmetros daquela, e por
muitos dias insiste em acusar dessa morte a um cultivador seu
vizinho. A princpio no se lhe prestou ateno, mas, afinal,
concordaram em que fosse expedido telegrama, cuja resposta foi:
Oscar desaparecido.
Ento, a jovem partiu com um irmo para a feitoria de Oscar,
com alguns agentes de polcia, e l os conduziu diretamente
casa de um tal Bedford, que estava fechada, e foi arrombada
pelos policiais.
Na cozinha descobriram-se rastros de sangue, mas a Srta. Loganson no se deteve e rumou imediatamente ao galinheiro, de
solo empedrado.
Aqui est enterrado meu irmo disse ela.
83

Os agentes policiais ponderaram que o empedrado apresentava indcios de no haver sido movido desde a construo do
galinheiro, mas, dada a insistncia e intensa agitao da jovem,
aquiesceram em proceder escavao.
Sob o empedrado apareceu primeiro um sobretudo e, prosseguindo, a pesquisa terminou por encontrar o cadver de Oscar
Loganson a 1 metro e 50 centmetros de profundidade.
Imediatamente se expediram em todas as direes os sinais de
Bedford, que foi detido em Ellis (Nebraska) e comprovada a sua
culpabilidade.
A Srta. Loganson jamais pde explicar como descobriu o delito: dizia simplesmente que o Esprito de seu irmo exercia,
desde alguns dias, influncia sobre ela.
Rosa Tirone era uma servial, histrica, de 35 anos de idade,
que amava um jovem seu patrcio, com o qual no se animava
casar por motivo da precria sade do moo, que, efetivamente,
morreu aos 25 anos de idade.
Certa noite, em novembro de 1908, Rosa sonhou que o rapaz
lhe dizia:
No quero que continues servindo de criada. Joga nestes 4
nmeros: 4, 53, 25 e 30. E os repetiu, para que se lhe fixassem
na memria, acrescentando: Tenho tanta sede! Tira do poo um
copo de gua e d-me de beber.
Prximo havia com efeito um poo, e a mulher, retirando a
gua, lhe saciou a sede.
No dia seguinte, a serva apostou regular soma nos 4 nmeros,
que foram premiados no sbado imediato.
Esta mulher, que havia sido condenada quatro vezes, por vigarice e furto, tinha de caracterstico o tipo completamente
varonil, e do histerismo a tendncia para a pseudologia fantstica
e necessidade imperiosa de trabalhar, de tratar continuamente de
especulaes incomuns, sem meta e sem dinheiro.
Ainda os furtos e espertezas eram fruto da pseudologia fantstica, pela qual se considerava de posse de dinheiro sem ter um
nquel no bolso.
84

Costumava vangloriar-se de possuir casas, terrenos, e at tratou de os adquirir, como se tivesse posses; ano e meio antes do
sonho proftico, teve uma premonio, desse mesmo amante, em
que lhe foi predito que chegaria a ser rica.
um fenmeno que algumas vezes se nota na epilepsia: um
histerismo completo, sem estigma somtico.
***
Todas estas observaes so suficientes para levar concluso de que h uma srie imensa de fenmenos psquicos que
fogem totalmente s leis da psico-fisiologia, e s tm de comum
o manifestarem-se mais facilmente nos indivduos afetados de
histerismo, neuropatia, em estado hipntico ou em sonhos, que
se assinalam quando a ideao normal mais ou menos completamente inativa, e em seu lugar domina completa a ao do
inconsciente, que foge a toda indagao cientfica, o que demonstra a manifestao exagerada de uma funo quando o
rgo est completamente inativo.

5
Fenmenos fsicos e psquicos com os hipnotizados
De resto, todos ou quase todos os fenmenos que oferecem os
hipnotizados me parecem sair das normas da Fisiologia e da
Patologia, para entrarem nas do ignoto.
Damos os resultados de algumas investigaes especiais a este propsito.
MEMRIA
Os fenmenos da memria so, entre todos, os que mais me
surpreenderam, pela singular variedade individual e ocasional
nos meus hipnotizados.
No obstante seja a inteligncia obscurecida nos estados hipnticos, curioso notar que a memria se torna, algumas vezes,
maravilhosa.
85

Assim, tendo enumerado a Chiarl., jovem estudante, hipnotizado, 12 grupos de cifras, ele me repetiu, depois de meia hora e
pela ordem, os seis primeiros grupos, com 1 erro apenas.
Ele ignorava o alemo, e apesar disso lhe ordenei ler uma linha de autor tedesco e reproduzir, depois de algum tempo (meia
hora), na ardsia, a linha lida, e ele a escreveu, ou melhor, a
reproduziu tal como se achava escrita, em caracteres gticos,
com apenas trs enganos em 60 letras. Fechado o livro, soube,
minha ordem, encontrar a pgina e a linha que havia lido meia
hora antes.
Verifiquei a observao de Delboeuf de que a memria de um
sonho provocado se conserva no indivduo desperto, se tiver na
mo um objeto relacionado com o sonho.
A Chiarl. fiz escrever um trecho de msica, sugestionandolhe a ideia de que era Rossini, e desperto, enquanto escrevia,
lembrou de pronto; e quando lhe fiz crer que fumava um charuto
(era um bastozinho) e que com ele furasse um leno, despertou
enquanto fumava hipoteticamente.
Jamais comprovei que a ordem de conservar a lembrana do
ato executado no sono conseguisse chegar a esse resultado.
Notei, algumas vezes, que, sem ordem e sem interrupo, no
meio do ato, se mantinha uma recordao crepuscular.
Por exemplo: L., a quem se ordenara que fosse boa me de
famlia, que, em carta, dava excelentes conselhos a uma filha
imaginria, quando se lhe menciona a carta, afirmou parecer-lhe
ter sido pai e no me.
Sugerindo-se-lhe que fosse menina que sabe escrever mal,
escreveu pessimamente na ardsia, com mo trmula, de criana
(para faz-lo, esticou-se, ele que era de elevada estatura):
Querida mamezinha
D-me dinheiro, porque hoje fui boa.
Clemen...
Disse, ainda que desperto no preciso momento em que terminava a carta, lembrar-se apenas... de que escrevia. , pois, not86

vel a transformao da personalidade que se afirma no conceito


quanto na caligrafia.
Assim, sugerindo a Col. que era Garibaldi, escreveu uma ordem do dia, de carter vibrante e enrgico e com tom enftico:
Soldados!
Hoje esperamos prodgios de valor.
Garibaldi.
E empunha, para ir ao combate, uma bengala, que se lhe fez
crer ser uma espada. Desperto, no momento, recorda ter uma
espada na mo, em vez da bengala, porm no de ter sido Garibaldi, e no perde a personalidade.
Em compensao, recordou, depois, com uma pena na mo
(tendo-se-lhe sugerido ser uma arma com a qual tinha de matar
uma criana, menina), que havia tido um punhal, porm no este
ltimo propsito.
Impressionou-me a memria do tempo.
A maior parte das ordens sugestionadas, para serem cumpridas a distncia, depois de 8 minutos, meia hora, trs segundos,
etc., em cinco sobre sete foram executadas com singular exatido.
Distrados, ocupados em assuntos que lhes interessavam muitssimo, os hipnotizados, j em estado normal de viglia, se
turbavam de improviso, se interrompiam naquele dado minuto
para cumprir a sugesto imposta.
Isto, de resto, j notrio, na espcie, nos histricos que, depois de haverem previsto, semanas e meses antes, o dia, a hora, o
minuto em que deve sobrevir o fenmeno histrico, este se
realiza exatamente, mesmo ainda com os relgios parados ou
com sucessos graves acontecidos ou provocados, adrede, para
distra-los completamente de qualquer reminiscncia a propsito.
Este fato, j assinalado pelo Prof. Richet, parece inexplicvel,
nos casos remotos, porque a diviso do tempo obra artificial do
homem, e os minutos e segundos e tudo quanto depende do
mecanismo da subdiviso do tempo se introduziu h poucos
sculos nas raas civilizadas.
87

mister admitir, para explicar, que a civilizao foi formando um centro cortical especial para a medida do tempo, e que
este centro se aguce em tais casos.
H, entretanto, excees.
Chiarl., que oferece muitas, apresenta esta, e igualmente a Sra. Verol: amide, esqueceram o tempo dado, ainda que exguo,
para seguirem a sugesto imposta; mas no faltou em ambos,
quase sempre, no prazo, uma inquietude ( semelhana de algum que sabe ter algo a fazer e no a relembra com preciso)
que se desvanecia medida que se lhe ajudava a memria, ainda
que indiretamente.
Imediatamente ento, seguiam com verdadeiro ardor o ato
sugerido, no s como quem cumpre um dever, mas tambm se
liberta de um desejo irresistvel.
Por exemplo: se se ordena a Chiarl. que, ao trmino de 28
minutos e 2 segundos, leia certa linha de um livro, em alemo,
que estava confundido entre outros muitos objetos, ele, nesse
momento dado, se mostra apreensivo, olha aqui, olha acol, sem
fazer coisa alguma. Depois, quando ante seus olhos folheado o
livro, agarra-o pressurosamente e, com satisfeito sorriso, abre e
l a determinada linha.
Assim, quando se lhe ordena que leia, transcorridos 12 minutos (em pgina de livro de Anatomia), certo canto de Rossini,
que ele, por sugesto, crendo-se Rossini, havia ditado, decorrido
o tempo fixado, permanece turbado, nada executando, at que foi
posto o livro ante seus olhos.
Verifica-se, neste caso de hipnotismo, a marcha normal fisiolgica da associao de ideias, que se vo despertando uma e
outra e determinam, sua vez, os atos volitivos.16
Esta mesma reproduo das leis fisiolgicas normais de associao encontrei em um outro erro da memria de muitos hipnotizados.
Tendo sugerido ao Sr. Col. que fosse o bandido La Gala, ele
aceitou com grande repugnncia, porm, uma vez aceita a sugesto, se tornou cruel, brandiu uma caneta como se fosse punhal e
com este trespassou inimigos imaginrios; escreveu carta de
88

resgate, em caligrafia rude e tpica dos criminosos; mas, tendo


posteriormente ordenado que refizesse a mesma carta de resgate,
vinte e um minutos depois de desperto, mudei sbito a sugesto,
para que fosse criana e pedisse, desperto, doces sua me, o
que aceitou com agrado. A carta foi escrita prazerosa, com
carter infantil.
Desperto, depois, conversou tranquilo conosco sobre vrias
coisas; mas, decorrido o tempo prefixado de 21 minutos, se
mostrou irritado, turbado, como quem deve executar algo que lhe
repugna.
Deixando-se-lhe entrever uma folha de papel, pegou imediatamente a pena e encetou uma carta, com estilo e caligrafia que
eram metade de bandoleiro e metade infantil, na qual a menina
ameaava, algo a srio, algo em troa, caso no lhe dessem
bombons.
Em suma, o carter do salteador era misto e fundido com o da
menina. Porm, rpido depois, arrependido, riscou todas as
palavras de cunho infantil e se refez feroz, voltando ao estado
hipntico de vero bandido, mas no sem ficar em sua caligrafia
algum resduo de maior delicadeza do que na missiva anterior.
Aqui se tem prova da denominada estratificao do carter
(Sergi).
A primeira sugesto, influindo sobre a segunda, fazendo esquecer a ideia precedente, que lhe era menos agradvel, de ser
celerado e do resgate, e prevalecendo a ideia da infncia, mais
grata.
(Observo que, a exemplo de todos os hipnotizados, ainda os
mais ambiciosos e recalcitrantes em aceitar os papis no muito
honrosos, acolheu com sumo prazer a identificao com a meninice, o que se pode explicar com a rsea recordao da infncia,
com a geral simpatia por essa tenra idade e, acima de tudo,
porque melhor corresponde quele estado de inibio em que se
acha o crebro dos infantes.)
Influi logo em faz-los modificar a segunda ideia na direo
da primeira. Assim, sugeriu-se a Lesc. que fosse uma esposa:
escreveu, certo, com caracteres femininos, e pede a sua me
89

presto esposo, porm, com um lapsus linguae que depende da


lembrana do estado anterior verdadeiro disse, em vez de
quero meu esposo, quero esposar minha mulher.
O mesmo acontece quando se provocam novas sugestes
tambm com mutaes de movimentos musculares: assim,
havendo franzido histrica V. o msculo supraciliar direito, se
lhe suscitou a ideia dolorosa de que uns garotos brigavam como
feras na praa de So Carlos, mas depois, estirando o msculo
risrio, a alucinao ttrica se mudou para cmica, pois os ditos
rapazelhos se mostravam mutuamente o baixo das costas. Era
uma estratificao ou superposio de uma sugesto sobre a
outra.
O mesmo se observou com a hipnose provocada em pacientes
sos.
Chiarl., a quem se contraiu simultaneamente o msculo supraciliar e o risrio, contava, chorando e rindo ao mesmo tempo,
que um mono afogava o seu dono com a fria dos macacos.
Aqui a estratificao se verificou e fundiu, junta e rapidamente. Esta ltima observao no nova, porque remonta primeiro
a Dumontpellier e depois ao Dr. Silva,17 mas este caso se comprovou no apenas nos histricos, como acentuamos, mas tambm nos hipnotizados.
ESCRITURA
Confirmao curiosssima de observao de Richet 18 pude
fazer, quanto escrita, em relao ao carter moral, tanto na
histrica quanto no hipnotizado.
A uma histrica de medocre cultura, a quem se fez traar
uma carta, com a sugesto de que fosse menina, escreveu-a com
letra infantil; depois, com letra viril, ainda que pouco elegante,
quando se lhe deu a sugesto de que era um coronel. Mas, a
experincia foi mais perfeita em trs estudantes muito engenhosos.
Fizemos a Chiarl., em menos de uma hora, mudar o tipo caligrfico e moral, no de menino, alde, que conduz pombos,
Napoleo, Garibaldi, calgrafo e velha nonagenria.
90

A Lesc., o carter normal se transmudar no de um menino, no


de noiva que apressa o casamento (carter absolutamente feminino) e no de campnio.
A Col., em menina e em turbulento, inteiramente diverso do
seu carter normal. Como se v, se bem que as sugestes ordenassem mudar de sexo e de assumir as mais diversas condies,
no s as ideias e a ortografia, mas tambm o tipo caligrfico
mudaram de modo completo, e muitas vezes do habitual, no
mesmo indivduo.
Encontramos no s o carter de menina, que muitos estimam
e sabem assumir, mas aquele que mais difcil para um homem,
qual o de mulher jovem, o de velha, o de campons, e depois o
de militar enrgico, tipo Garibaldi e Napoleo.
curioso ver um estudante distinto tornar-se malfeitor e, assumindo tal carter, traar vigorosamente o T, com a maneira
tosca que assinalei nos criminosos.
bem estranho que o fenmeno aparentemente mais imutvel, a personalidade, possa mudar a tal extremo no estado hipntico e, por fim, mais vezes no mesmo indivduo.
esta, pois, uma nova dificuldade que se adiciona para castigar certos crimes de vingana, calnias annimas, de obrigada
execuo em estado hipntico.
Agora que uma bela descoberta do nosso compatriota Bianchi
demonstrou a grande frequncia de cartas annimas escritas
pelos histricos, que quase como que um carter especfico do
histerismo (fato baseado especialmente na observao de mltiplos processos de histricos e particularmente no de Conte, que
expedia cartas 19 assinadas por imaginrios inimigos e redigidas
guisa de constiturem prova contra eles, prova que teve tambm um efeito jurdico), muito provvel que nestes casos
acresa uma dificuldade mais na descoberta da culpa e do seu
autor, que, investindo-se da sua parte, mude tambm a caligrafia
e depois, para rebater a calnia, se adicione uma prova demais na
semelhana da letra, na falta de toda analogia com aquele original.
91

Os estados hipnticos, tanto provocados quanto provindos de


enfermidades, tm grande variedade, embora, em suas linhas
gerais, entre eles sempre se ajustem, como vimos no que diz com
a memria. Vejamos o que ocorre com a vontade.
VONTADE
Esta, por exemplo, na maior parte abolida e substituda frequentemente pela do hipnotizador, mas no verdade que o seja
sempre. Sabido j era que muitas vezes os hipnotizados podem
revelar-se contra uma sugesto que esteja em perfeito antagonismo com o seu prprio carter e isto, at certo ponto, pode
servir de medida da fora do carter de um homem.
Assim, uma mulher, no muito moralizada, histrica, hipnotizada, me obedecia com ardor, quando lhe ordenava fosse ladro
e tambm namorado, coronel mulherengo, mas rebelava-se
quando eu pretendia fosse um cientista ou pregador de moral, e
mais lhe repugnava mudar de carter do que de sexo.
A prova mais curiosa obtive em dois estudantes, Col. e Chiarl., a quem sugeri fossem ladres e que, antes de obedecer,
fugiram impetuosamente do aposento, correndo quais loucos
pelo ptio.
Prosseguindo, sugeri de novo, imperiosamente, que fossem
ladravazes, pondo ao seu alcance valioso objeto; mas, tapando o
rosto com as mos, percorreram a habitao, agitados, com
atitude de quem sente pesar na prtica de ao m, e depois um
despertou, dizendo: No quero ser, enquanto que o outro,
apanhando o objeto e metendo-o no bolso, o repeliu imediatamente depois.
Mas, este segundo, sugerido de ser um grande salteador, mostrou repugnncia, a princpio, e terminou por investir-se naquela
parte mais aceitvel pelo lado herico, mostrando-se feroz e
ditando, como lhe fora ordenado, uma carta de resgate.
Depois de se haver deixado converter em Rossini, quis persuadir a Chiarl. que fosse a sua mulher, porm recusou. Disse-lhe:
Sra. Rossini, d-me uma xcara de caf.
Com mau modo respondeu:
92

Dirija-se minha mulher.


Disse-lhe que era Chiarl., e despertou.
Sugerindo-lhe que escrevesse Sou um trapeiro, recusou
desdenhosamente. E Lombroso um trapeiro escreveu pouco
depois, quando busco persuadi-lo, com oportunos argumentos,
quais os do respeito ao filho do povo, e com o dizer que eu
prprio havia sido operrio, etc.
(Isto se explica pela tendncia megalmana j observada nos
hipnotizados, e assim nos meninos e nos selvagens.)
Sugeriu-se a Chiarl. que fosse Napoleo, e aceitou de imediato a honorfica personalidade, porm, ordenando-lhe que escrevesse na lousa uma ordem-do-dia aos seus soldados, recusou e,
em vez disso, ditou, com altivez napolenica:
Soldados:
Uma vez que se pode ordenar ao Imperador que escreva em
uma lousa, demito-me do cargo.
Napoleo.
O mesmo estudante possua a singularidade de despertar imediatamente, quando as sugestes eram em completa oposio ao
seu carter, ou absurdas; aceitava, tal qual teria feito na vida
comum, justificando aquelas menos absurdas que no repugnassem ao seu carter. Assim, concordou em ser Napoleo e ser um
menino, porque todo grande homem passa antes pela infncia, o
que prova que, nas determinaes humanas, mais vale o carter
que a inteligncia.
O mesmo aconteceu com uma histrica a quem se sugestionou fosse primeiramente soldado e depois coronel: Fui promovido, repetia.
Um estudante, Lesc., paciente sugestionabilssimo a quem
tentei convencer fosse menino, de 7 anos de idade, e depois me,
quarentona, inquietou-se, levou as mos ao rosto, confundido, e
obstinou-se a ser a criana, o que j vimos sempre aceito por
qualquer jovem bem nascido (veja-se acima).

93

H, pois, um limite nas sugestes do carter, porm, a exemplo da vida comum, este limite pode ser transposto com a educao hipntica.
Um dos meus estudantes, um nico, me declarou que, medida que era submetido s prticas hipnticas, se tornava mais
rebelde, o que comprova a grande variao individual.
INTELIGNCIA
A inteligncia parece muitas vezes dominada, ou pelo menos
debilitada; acima de tudo o a palavra, tanto que dificilmente se
resolvem a falar sem uma ordem, e algumas vezes um vivo
estmulo, e no raro estmulo repetido. Certa histrica no responde seno quando se lhe comprimem as ltimas vrtebras
dorsais e ao mesmo tempo se lhe repete energicamente a ordem
de falar.
Mais espontaneamente gesticulam e escrevem. Apesar disso,
a excitao produzida pelo estado de sugesto, a invaso, direi,
da nova personalidade com a qual se identificam, faz que se
exprimam s vezes por gestos e escrita com habilidade que no
lhes prpria no estado de viglia.
Assim, a um, sugestionado de ser fotgrafo, executou todas
as operaes do ofcio que jamais realizara na sua vida de banqueiro.
Veja-se, por exemplo, o jovem Chiarl., quando se tornou Napoleo, com quanta eloquncia escreve, usando tambm idioma
estrangeiro:
La patrie attend par vous des prodiges de la valeur dont
nous sommes merveills lisant les uvres des grecs.
Ordenando-se-lhe que fosse Rossini (note-se bem que ele tem
noes de msica), escreveu todo o trecho musical:
Dal tuo stellato soglio,
Signor, ti volgi a noi, ... etc., e o assinou.
Ordenando-se-lhe que executasse o trecho, responde ser aquele mais belo do que difcil, mas o piano no era suficientemente bom. Solicitado a cantar, acompanhando-se ao piano, o
94

fez, corrigindo um erro junto clave, ocorrido na msica escrita,


e colocou um sustenido no d do stellato soglio.
Observei que o jovem S., sugestionado para que fosse mulher, iniciou um bordado de ponto de cruz em semicrculo, que
umas senhoras me disseram estar executado verdadeiramente
segundo a arte. Ora, ele no havia jamais aprendido a bordar, e
desperto no saberia faz-lo; porm, tinha irms que bordavam, e
devia t-las visto, embora distraidamente, realizar esses trabalhos, e a percepo organizada em tempo e permanecida inconsciente, nos centros psquicos, reaparecia e exagerava-se sob o
estmulo da sugesto.
Os indivduos incultos, porm, ainda que sob a sugesto para
personagens ilustres, permanecem sempre vulgares e mostram
grande repugnncia no escrever, como sucederia em estado de
viglia, e ainda maior.
DINAMOMETRIA
Temos estudado a fora muscular de alguns hipnotizados, antes e durante o estado hipntico. No podemos dizer, pelo que
concerne aos resultados da fora muscular, que, no estado hipntico se tenha aquele aumento constante, nem depois da sugesto
de atletismo, que faria suspeitar a hiperexcitabilidade neuromuscular, que, como o caracterstico do grande histerismo, assim
se nota nos primrdios da grande hipnose.
Em dois, com o dinammetro, se teve um acrscimo notvel;
porm, em um, Chiarl., que oferece tantas outras singulares
excees, se obteve uma diminuio em estado hipntico, porm
que cessava, sem voltar ao estado de viglia, quando se lhe
ordenava aumentar a fora.
Nos outros, a ordem de atletismo aumenta, sim, a fora, mas
de pouco.
Chiarl.
Em estado de viglia
Em estado hipntico
Atletismo ordenado

40 quilos, a direita; 35, a esquerda


25 quilos, a direita; 32, a esquerda
28 quilos, a direita; 27, a esquerda

95

Lesc.
20

Desperto
Hipnotizado
Atletismo sugerido

90 quilos com as duas mos;


37, a direita; 44, a esquerda
97 quilos com as duas mos;
39, a direita; 44, a esquerda
98 quilos com as duas mos;
39, 49, a direita; 46, a esquerda

Col.
Em estado de viglia
Hipnotizado

50, a direita; 48, a esquerda


55, a direita; 55, a esquerda

Ted
Desperto
Hipnotizado

35, a esquerda; 40, a direita


32, a esquerda; 25, a direita, com singular
prevalncia para a esquerda (mancinismo)
no estado hipntico

Tendo, porm, experimentado medir quantos segundos poderiam ter estirado o brao, sustentando um peso de 7 quilos, em
todos se notou diminuio, malgrado tambm a ordem de mantlo teso por maior tempo.
Lesc.
Desperto
Hipnotizado
Atletismo determinado

a direita, 48; a esquerda, 45; Chiarl. 32


a direita, 45; a esquerda, 45; Chiarl. 32
a direita, 45; a esquerda, 35

PSICMETRO
Resultado similar se obteve com o psicmetro Hipp: para a
equao pessoal, se bem se tratasse de jovens de superior inteligncia, as cifras desta diferiam um tanto, no estado hipntico,
das do estado de viglia.
Chiarl.
Desperto apresenta na vista
Ouvido
Hipnotizado vista
Com ordem aumentar acuidade visual

Mx.
72
22
90
90

Mn.
54
10
61
55

Md.
28
4
26
33

Dif.
44
18
4
57
96

Lesc.
Mx.
100
86
70
22
25
16

Desperto vista
Hipnotizado vista
Com ordem aumentar acuidade visual
Desperto ouvido
Hipnotizado ouvido
Com ordem aumentar acuidade auditiva

Mn.
74
61
59
13,6
19,6
11,9

Md.
60
45
40
6
15
4

Dif.
40
41
30
16
10
12

O estado hipntico, em um, era acompanhado de obtusidade,


em um outro de leve agudeza na vista; a sugesto s em um dos
dois obteve maior acuidade.
Certa Via..., de 17 anos de idade, filha de alcolatra e com
irmo sonmbulo, histrica desde h 24 meses, que cai em
sonambulismo mais leve presso nos olhos ou mirando-se no
espelho, apresenta o quadro seguinte, com maior agudeza e
menor diferena entre mxima e mnima no ouvido e menor
acuidade e maior diferena dos extremos na vista:
Psicometria
Mdia
Mxima
Mnima
Diferena

Em estado normal Em estado hipntico


Ouvido
55
100
39
61

Vista
40
72
12
60

Ouvido
66,6
104
40
64

Vista
39,8
60
10
50

preciso notar aqui o fato singularssimo: no exame, em estado hipntico, alm de manter-lhe os olhos fechados, ainda os
tapei com a mo, o que no impediu dar a vista resultados pouco
diferentes dos do estado de viglia, com os olhos abertos.
SENSIBILIDADE TTIL
Esta mesma histrica apresentou, em estado de viglia, sensibilidade ttil comum: 1,6 direita; 1,9 esquerda.
Hipnotizada, apresenta na mo 0,5 direita; 1,1 esquerda;
ou seja, maior delicadeza.
Desperta, tem sensibilidade gen. elet. da trena de Dubois
Reymond: 30 direita; 56 mil. esquerda.
97

Sensibilidade dor: 48 direita; 55 esquerda.


Em estado hipntico, a sensibilidade dor muito pouco
mais obtusa: mo direita, 45; mo esquerda, 46.
Sugestionada para ser paraltica, ficou totalmente insensvel,
a 0; os olhos permaneceram insensveis luz, e mesmo ao brusco
aproximar de uma lmpada, quando se lhe sugeriu fosse cega.
Sugerindo-se-lhe fosse surda, no se abalou com o detonar
sbito de um revlver atrs da orelha. Hipnotizada, mais vezes,
olhos fechados e vendados, conseguiu ler vrias linhas de um
livro.
PULSO
Intentei verificar com ela a observao de Beaunis, de que o
pulso se acelera ou retarda, sob a sugesto, e achei resultados
conclusivos para lhe poder dar a importncia que lhes atribui
aquele observador.
Ela apresentava 62 a 66 pulsaes; ordenou-se-lhe que o corao batesse mais devagar, e deu, ao contrrio, 66 a 68. Mais
tarde, estava o pulso a 70; ordenou-se-lhe aumentar e acusou no
mais de 68 e 71; ordenando-se-lhe o abaixamento, deu apenas 55
a 59.
Obteve-se, em compensao, resultados evidentes de elevao at 80, quando se lhe sugere estar ela saindo de uma festa
danante, e de depresso a 53, ao dizer-lhe que estava imersa em
banho frio.
TEMPERATURA
O mesmo se diga da temperatura, que variou nela, verdade,
sob a ordem de subir, de 378 a 38, a 382, porm no desceu
quando o ordenamos.
Alm disso, Mosso mostrou, como veremos, a frequente mutao sob emoo; notei que o estado hipntico, com muita
frequncia, acompanhado de aumento de temperatura sem
causa especial.
Em Lesc., acordado, de 371, sobe a temperatura, em estado
hipntico, a 378; em Col., desperto, de 373 sobe, hipnotizado, a
98

379; em Chiarl., em viglia, de 374 se eleva, hipnotizado, a


379, e de 371 a 38.
MEDICAMENTOS
Verificamos, em 1 s caso em 7, a observao de Bourrou,
Burot e Richet 21 sobre a sensibilidade aos medicamentos nos
hipnotizados.
sabido que eles provaram isto que, alis, haviam pressentido, h muito tempo, os homeopatas: a influncia dos medicamentos a distncia.
Um frasco de tintura de cantrida, bem tapado, posto sobre a
mo, provocou em Vitorina M. fenmenos e gestos erticos mui
acentuados, os quais, na mulher R., eram de tal ordem que no se
podem descrever. Outro vidro, igualmente fechado da mesma
forma, com lcool puro, nelas provocou sinais de embriaguez,
com arrastamento da palavra, movimentos incertos, etc.
Um marinheiro, que no se turbava ingerindo pequena quantidade de lcool e de cloral, uma vez hipnotizado, caiu em embriaguez, no sono, apenas com o contato do lcool e do cloral.
Certa mulher histrica, em cujas mos se colocava uma garrafinha com soluo de morfina em gua de louro-cereja a 2%,
caiu adormecida, e com alucinaes aprazveis, alusivas sua
famlia. Trocada a garrafinha por outra, com valeriana, excita-se
desde logo, e protesta que a mo lhe queima; acalma-se, porm,
com um tubo de cloral. Um frasquinho com lcool lhe produziu
alucinao de ver animais ferozes.
Em uma histrica, submetida em estado de sonambulismo
ao de tubos selados e que continham 35 agentes medicamentosos, por detrs da cabea, ora na nuca, ora em uma ou outra
orelha, Luys revelou que a mesma substncia podia produzir
diversa expresso na fisionomia, conforme fosse aplicada
direita ou esquerda.
Um vidrinho de jaborandi produz salivao abundante e copiosssimo suor.
E assim se revelaram alguns efeitos, direi, psquicos e fsicos
dos remdios, que poucos mdicos, at agora, conheciam; assim,
99

a gua de louro-cereja provocou, juntamente, convulses, xtases


e vises religiosas.
O lcool etlico produz embriaguez alegre; o amlico embriaguez furiosa; a pilocarpina determina a sacarificao da saliva, o
que era inteiramente ignorado antes pela Cincia, assim excluindo, ao menos nestes casos, a ao sugestiva.
E este mtodo serve tambm para a cura dos acessos convulsivos violentos; as contraes histricas desaparecem sob o
contato de tubinhos fechados, com valerianato de amonaco. Em
idnticas histricas, Luys viu diminuir o nmero de acessos com
a simples aplicao, a distncia, de um tubo de brometo de
sdio.22
Em Chiarl, coloquei detrs da nuca um saquinho com 1 centigrama de quinina, dentro de estojo de papel; acusou imediatamente zumbido no ouvido, sabor amargo na boca; renovando a
experincia, com outro envelope, revelou os mesmos efeitos.
O fato, de resto, no novo de todo, porque os homeopatas,
to benemritos dos estudos em matria mdica, haviam assinalado, de h muito, a ao dos remdios a distncia, nos sos e
nos enfermos, e sabem todos de que modo o m, a uma certa
distncia, pode influir na ctis.
O homeopata Bicchmann demonstrou que muitos, por terem
na mo uma garrafa com tampa esmerilada, cheia de mercrio,
sofreram, depois de algum tempo, fenmenos mercuriais.

6
Polarizao e despolarizao psquica
Entre os tantos fenmenos estranhos, ou pelo menos inslitos
na vida fisiolgica, e que no entanto se apresentam frequentemente no estado de hipnose, h aquele que Fr e Binet denominam polarizao psquica, pelo qual o m, aplicado depois da
sugesto, inverte a disposio de nimo sugerida ao paciente
desperto.
Bianchi e Sommer sugeriram Srta. X.:
100

Faremos um passeio recreativo em trem, neste esplndido


dia de abril, e nos divertiremos.
O rosto da paciente expressou satisfao e ela se ergueu e
dispunha-se a caminhar. Nesse momento, se lhe aplica o m na
cerviz, a meio centmetro da epiderme, e imediatamente ela se
conturba e detm.
Que ocorre? perguntamos.
Um desastre ferrovirio; trem desmantelado; impossvel seguir.23
Outra sugesto:
Estamos em Posilipo, o mar calmo, prateado de esplndida lua. Eis uma barca, desamos.
A fisionomia se alegra ante o espetculo encantador e fez o
gesto como que para entrar na embarcao. Aplica-se-lhe o m e
advm perturbao profunda, retrocedendo, assustada.
Que h? interrogamos.
A cena mudou, naquele maravilhoso caleidoscpio do sonambulismo:
Estamos beira de alto e perigoso precipcio.24
Observei outros casos em que no havia inverso, e sim supresso ou mutao dos fenmenos sob o m, e os denominei
despolarizao.
O mais singular foi aquele em que a aplicao de um polo do
m suprimia a alucinao hipntica, que o outro despertava.
O paciente R. P., de 13 anos de idade, pai falecido por encefalite, me anmica, histrica e sujeita a alucinaes hipnaggicas, ncubo noturno e cefalalgia; tinha fisionomia femnea,
cabelos ruivos, ctis finssima; crnio dolicocfalo, fronte estreita coberta de penugem; desenvolvimento genital algo atrasado;
falou tarde, aos 30 meses de idade; revelou-se exageradamente
sensitivo; algumas vezes sonhava desperto; atendia bem ao
estudo e mostrava certo gosto esttico para os trabalhos de ponto
aberto e de bordado.
Em consequncia de traumatismo, sofreu uma coxalgia grave
e, depois de 40 dias, quando esta melhorava, a 15 de maro
101

tomado de improviso por hipnose, perdendo nela a conscincia


da dor, a viso e, com frequncia, a audio.
Esse estado se manifestava mais facilmente s 8 horas da manh e s 4 da tarde; durava, s vezes, um segundo, outras vezes
horas, e se acompanhava frequentemente de alucinaes, nas
quais v ou sente coisas que lembram a luta de um certo P.,
robusto homem, com um dbil adolescente, ou ento cenas da
frica, sobre as quais leu em Jlio Verne, e expressava-se analogamente: por exemplo, falando de fuzilaria, estende os braos
como se detonasse e, ao imaginrio disparo, desperta assustado;
gritando-se-lhe ao ouvido: sia, responde: frica, mas
acordado tambm de imediato, no se recorda de coisa alguma.
Durante o acesso, agita-se, declama em latim, canta e insensvel dor; tem transposio da vista, lendo, com os olhos fechados e vendados, o jornal, em voz alta, e joga xadrez; sensvel ao bronze, ao zinco e ao cobre, que lhe produzem dores, e ao
ouro, que, ao contrrio, lhe d agradvel sensao de calor,
porm mais ao m.
Em realidade, o acesso hipntico, o delrio, etc. cessavam imediatamente, sob a aplicao dos dois polos do m, ou tambm
com a do polo norte, enquanto que o acesso voltava sbito,
aplicando o polo sul; o m influa mesmo quando aplicado por
sobre a vestimenta ou cobertas da cama, ou preso a um fio de
ferro. Curado, cessou toda sensibilidade ao m.
A importncia aqui a ao polarizante, ou melhor, interruptora de um dos polos do m, e a ao oposta que apresentavam
os polos do mesmo, no notadas at agora por outros (se no
erro), exceto A. Rochas.25
Mas, ao mais brilhantemente despolarizante com que, repito, entendemos uma ao diversa, porm no contrria atual,
foi obtida por mim e Ottolenghi, com 170 observaes em 9
pacientes.26
E exatamente em 62% obtivemos franco efeito polarizante
sobre alucinaes e iluses psico-sensoriais, que mudavam, isto
, em sentido contrrio, e nos 38% despolarizao ou leves
modificaes.
102

Nas alucinaes psquicas, a polarizao dos sensrios teve,


quase sempre, conformidade; por exemplo: o vinho se tornava
mais negro; o caldo insulso e mais denso, mais saboroso.
Para bem compreender estas diferenas, valham alguns exemplos.
Certo Mac..., de 56 anos de idade, histrico em consequncia
de grande emoo, a quem se hipnotizava facilmente, caindo em
estado catalptico e depois em sonamblico, recebeu a sugesto,
em estado de viglia, de ver um anjo com asas verdes.
Aplicado o m, o anjo se transformou em diabo, com asas
vermelhas; uma senhora ruiva, com vestido encarnado, se converteu em diabo, conservando a mesma roupagem vermelha,
polarizando-se assim a alucinao fsica, mas no a ptica.
Fazendo ver a Amb..., histrico, em estado hipntico, uma
fotografia de salteador, com aplicao do m o celerado se
transformou em mulher, enquanto que a foto de um ganso no se
transformou, mas desapareceu sob a ao do m. Polariza-se-lhe
at a personalidade, pois, fazendo-se-lhe crer que era um bandido, o m o converte em honesto operrio, e o revlver que tinha
na mo se transforma em instrumento de labor.
E pudemos assim tambm polarizar-lhe duas personalidades
simultaneamente.
Desse modo, pondo-lhe em uma das mos um revlver e na
outra um novelo, sugeriu-se-lhe fosse, por um lado, Gasparone e,
pelo outro, mulher. Aplicado o m sobre a nuca, pelo lado
correspondente ao bandoleiro, se converte em campesino e, pelo
de mulher, se transformou em homem.
As sensaes alucinatrias nele no se polarizam, porm mudam.
Uma flor vermelha, que lhe mostrada em viglia, sob a aplicao do m se torna branca, e era uma rosa de cor encarnada
vivo; sugerindo-se-lhe que teria na mo, em vez de um copo com
gua, um de vinho de Barolo, viu-o tinto e o achou de bom
sabor; com o m, ele lhe soube amargo; gua aucarada se
tornou cida.
103

A um G., submetido j a longas prticas hipnticas, a fotografia de um esqueleto se mudou na de uma jovem, o homem em
mulher, e vice-versa, uma ninfa pompeana em horrenda bruxa;
completa, pois, foi a polarizao; mas, ao contrrio, uma gua
aucarada se fez salgada, um avental encarnado se mudou em
branco. Houve mutao, no inverso do gosto despolarizao
nas alucinaes sensoriais, e no nas psquicas.
Em um quarto indivduo, alcolatra, se obtiveram sempre
despolarizaes: l encarnada ou amarela se descoloriram para
brancas; cido actico se tornou amargo e gua doce em cida.
Em um quinto se obtiveram diferentes mutaes (tal como
ocorreu em caso j citado), conforme os polos do m. Por
exemplo: aplicado o m, uma cruz preta se tornou branca; sob a
ao apenas do polo sul, passou cor amarela, e com o polo
norte volta cor preta; um torro de acar, coisa de que muito
gosta, no muda de sabor sob o m.
Em um sexto indivduo, o m, posto perto da nuca, esmaecia
as imagens, mas aplicado diretamente as fazia desaparecer.
Os efeitos mximos foram obtidos com aplicao do m, porm idntico resultado deu, em 5 sobre 9, aplicando um dedo
sobre a nuca do paciente.
Os indivduos inibidos por fortes paixes ou arraigados hbitos no se deixavam influenciar pelo m.
Assim, em um marido dominado pela mulher, a imagem dela
no mudava, nem com o m, nem com a sugesto, e uma velha
criminosa no mudava a simulao, nem confessava as mentiras
postas em prtica, antes da sugesto, para justificar-se do delito.
singularssimo o fato de que em quase todos esses a imagem alucinatria se assimilava como se fosse imagem real. Por
exemplo: com a lente a mais 3, se agrandava, e com a lente a
menos 3 se apequenava; mudando a distncia da lente, trocavase a dimenso da imagem.
Sob a sugesto de ver um moscardo um pouco distante, dilatava-se a pupila de C., e a contraa medida que a pretensa
mosca se aproximava; quando depois lhe era chegada ponta do
nariz, C. fazia o gesto de repeli-la com a mo, e as pupilas,
104

deixando de fix-la, tornavam a dilatar-se; o mesmo, pois, como


se, em lugar de uma alucinao sugerida, experimentasse sensao verdica.
Isto se verificou 81 vezes em 96 observaes sobre 4 pacientes.
Fez-se ver a C., em estado hipntico, um espectroscpio; no
distinguiu as cores vermelha, amarela, verde e azul, com a
disposio e extenso normais.
Foram-lhe mostrados depois trs vidros coloridos em vermelho, verde e azul separadamente; aplica-se ao extremo anterior
do espectroscpio um papel branco, sugestionando-se a C. tratarse de vidro encarnado, e ele ento v o vermelho em larga zona,
depois pequena faixa amarela, em seguida faixa verde muito
escuro, depois uma poro que lhe parece azul escuro, o resto
todo preto, e desenha por si mesmo o total deste modo: v. a. v. a.
p.
Sugestionando-se-lhe depois para que aquele papel branco
fosse verde, viu pequena faixa de encarnado escurssimo, outra
de amarelo escuro, uma grande verde claro e outra de azul escuro, assim: v. a. v. a., e na proporo para as outras cores.
Sugestionando-se-lhe que um tubo fechado era um espectroscpio, viu igualmente os vidros coloridos como se olhasse nele, e
ainda reviu os mesmos fenmenos com papel branco, quando se
lhe sugestionou que eram vidros coloridos.
Note-se que C. agia em estado de completo automatismo, desenhava quanto observava, sem se aperceber quando a pena
estava enxuta, pois ficava imvel por muito tempo (transe hipntico?).
Na dvida de que tudo isso dependesse da nossa sugesto, foi
repetida a experincia sobre os mesmos objetos, com indivduos
que ignoravam completamente esses estudos, e obtiveram-se
idnticos resultados.
Estas singulares experincias, praticadas em nmero de 65,
com 4 pacientes, deram os mesmos resultados 63 vezes.
Tanto os fenmenos de polarizao quanto aqueles de despolarizao podiam-se tentar explicar por uma orientao especial
105

que imprime nas clulas corticais o movimento molecular prprio do m; porm, quando o efeito igual se obtm com um
dedo, como justificar esta explicao? E depois, como explicar
que as imagens sugeridas se comportem como se fossem reais,
que a imagem alucinatria siga as leis da ptica, conforme
obtivemos em 84% das nossas experincias com a lente, e 96%
com o espectroscpio?
As sensaes visuais que se formam em nossos sentidos desfrutariam nos hipnticos das mesmas propriedades das que
partem dos centros corticais.
As imagens corticais alucinatrias estariam sujeitas s modificaes provocadas pelos meios interpostos, como se os centros
sensrios corticais pudessem substituir-se aos rgos dos sentidos e atuar sem estes.
Tudo isso parece um absurdo fisiolgico.
E como se pode explicar a mutao quase instantnea na
conscincia da prpria personalidade, e isto tambm com a
simples aplicao de um m, da personalidade, primeira a surgir
e a ltima a desaparecer no homem?
Tambm aqui, e assim na transmisso do pensamento e ainda
na transposio dos sentidos, e mais nos sonhos premonitrios,
ocorrem fenmenos que se acham em completa oposio s leis
fisiolgicas e que, sobrevindo no estado histrico e hipntico, e
graas a isto, quando, na desagregao da faculdade psquica,
prevalecem o automatismo e a inconscincia, tudo nos conduz a
admitir a existncia de uma srie de fenmenos que, carecendo
de segura explicao, pertencem mais ao mundo oculto do que
ao fisiolgico.

106

SEGUNDA PARTE
Espiritismo
CAPTULO I
Fenmenos espirticos com Euspia
Mesmo depois de estar convencido disto, a principal objeo
que eu havia adotado para no me ocupar com os fenmenos
espiritistas por inexplicveis pelas leis fisiolgicas veio
faltar-me e eu, embora ainda repugnando, terminei, em maro de
1891, por aquiescer em presenciar uma experincia espiritista,
em pleno dia, a ss com Euspia Paladino, em um hotel de
Npoles, e tendo presenciado levitaes de objetos pesadssimos,
sem contato, ento aceitei o ocupar-me com isso.
***
Euspia Paladino, nascida em Murge, em 1854, aos 8 anos de
idade viu o pai assassinado por bandoleiros; acolhida primeiro
pela av, que a maltratava, e depois abandonada na rua, foi
recebida, mui jovem, como que por ato de caridade, na tarefa de
ama-seca, em casa da alta burguesia de Npoles.
Desde a infncia, teve, sem que se pudesse explicar, aparies medinicas ou alucinaes; e assim ouvia pancadas (raps)
nos mveis sobre os quais se apoiava; noite sentia que lhe
arrancavam as roupas e puxavam as cobertas da cama sobre o
dorso; via fantasmas.
Em 1863, Damiani, que j em Londres, em sesso medinica,
ouviu John dizer existir uma grande mdium em Npoles
(John pretendia que fosse sua filha), presenciou, em casa da
famlia onde estava hospedada Euspia, uma sesso espiritista,
na qual, quando ela atuava, se manifestavam fenmenos extraordinrios de rudos (raps) e movimento de objetos.
De ento, Damiani e Chiaia promoveram-lhe verdadeira educao medinica, e a pobre ama-seca, encontrando nisso uma
remunerao que a tornava independente, concordou sempre
107

mais em prestar-se s sesses, at que o mediunismo se lhe


tornou ocupao nica.27
Descrever uma por uma todas as experincias que se fizeram
na Europa com Euspia Paladino exigiria enorme volume.
Contentar-nos-emos em expor, integralmente, s as 17 sesses celebradas por mim em Milo, em 1892, com Aksakof,
Richet, Giorgio Finzi, Ermacora, Brofferio, Gerosa, Schiaparelli
e Du Prel, resumidas por Finzi, e em que se tomaram todas as
precaues mais indicadas: examinar a mdium, mudar-lhe a
roupa, atar e prender-lhe ps e mos, dispor a luz eltrica sobre a
mesa, de forma a permitir lig-la ou deslig-la vontade. Resumirei as outras mais importantes, realizadas em Gnova, Milo, e
nos ltimos tempos em Paris, no Instituto Geral de Psicologia.
Experincias com Euspia Paladino em Milo (1892)
FENMENOS OBSERVADOS COM LUZ: Movimentos mecnicos
no explicveis, com apenas o contato das mos.
a) Elevao lateral da mesa, sob as mos da mdium, sentada
em um dos lados menores da mesma.
Para esta experincia, foi usada mesa de pinho construda especialmente para esse fim. Entre os diversos movimentos da
mesa, por meio dos quais eram dadas as respostas, seria impossvel no observar especialmente os golpes que, amide, se produziam em ambos os lados dela, elevados simultaneamente sob as
mos da mdium, sem nenhuma precedente oscilao lateral,
com fora e rapidez e por muitas vezes bruscamente, como se
estivesse pegada s mos da mdium, movimentos tanto mais
notveis porquanto a mdium permanecia sentada em uma das
extremidades da mesa e no deixamos de lhe ter seguras as mos
e os ps.
E porque este fenmeno se produz quase sempre e com a
maior facilidade, para observ-lo melhor deixamos a mdium
sozinha na mesa, com as duas mos sobre a tbua da mesma, as
mangas do vestido arregaadas at ao cotovelo. Estvamos em
108

p, ao seu redor, e o espao por cima e por debaixo da mesa era


bem iluminado.
Em tais condies, o mvel se levitou, num ngulo de 30 a 40
graus, e assim se manteve por alguns minutos, enquanto a mdium conservava estiradas as pernas e batia os ps um contra o
outro.
Fazendo ento fora com uma das mos sobre o lado erguido
da mesa, sentimos considervel resistncia elstica.
b) Medida da fora empregada na levitao lateral da mesa.
Para esta experincia, a mesa foi suspensa, por um dos lados
curtos, a um dinammetro preso a uma corda fixada em travesso apoiado em dois armrios.
Assim, elevando-se de 15 centmetros a extremidade da mesa,
o dinammetro marcava 35 quilos; sentou-se a mdium no
mesmo lado curto, com as mos inteiramente sobre o mvel,
direita e esquerda do ponto de unio da corda com o dinammetro, enquanto as nossas mos formavam cadeia sobre a mesa,
sem exercer presso, e deste modo s podiam influir para aumentar a presso exercida sobre a mesa.
Expressamos o desejo de que, ao revs, diminusse a presso,
e de pronto a mesa comeou a elevar-se pelo lado do dinammetro, e o Sr. Gerosa, que observava a marcao deste, anunciou
estas diminuies expressas nas sucessivas indicaes: 3, 2, 1, 0
quilogramas, depois do que, tal foi a levitao, que o dinammetro repousou horizontalmente sobre a mesa.
Ento, invertemos as condies, colocando as mos debaixo
da mesa, e a mdium em particular as situou no sob a borda,
onde poderia alcanar a cornija e exercer trao para baixo, mas
sob a prpria cornija que unia os ps do mvel, e tocando-a, no
com a palma, e sim com o dorso das mos.
Assim, todas as mos s poderiam diminuir a trao do dinammetro.
Expresso o desejo de aumento, ao contrrio de antes, o Prof.
Gerosa, em seguida, viu e anunciou que as indicaes cresciam
de 3,5 at 5,6 quilos.
109

Durante todas essas experincias, cada p da mdium estava


sob o do seu mais prximo vizinho da direita e da esquerda.
c) Elevao completa da mesa.
Era natural concluir que se o mvel, em aparente contradio
com as leis da gravidade, pode levitar-se por um lado, podia
tambm elevar-se totalmente. E assim sucedeu, com efeito,
sendo este dos fenmenos mais frequentes com Euspia, e se
presta a exame satisfatrio.
Produz-se de imediato nas seguintes condies: as pessoas
sentadas, em torno da mesa, pem as mo sobre ela, formando a
cadeia; cada mo da mdium presa pela mo adjacente dos dois
vizinhos imediatos, e os ps sob os dos vizinhos, que, com os
seus joelhos, pressionam os da mdium, sentada, como de
costume, a um dos lados menores do mvel, posio menos
favorvel para levitao mecnica.
Ao trmino de alguns minutos, a mesa faz movimento lateral
e se eleva, ora direita, ora esquerda, e por fim se levita completamente com os quatro ps no ar, horizontalmente, como se
estivesse flutuando em um lquido, ordinariamente a uma altura
de 10 a 20 centmetros (excepcionalmente at 60 e 70), caindo
depois sobre as quatro extremidades simultaneamente.
Algumas vezes se mantm no ar alguns segundos, e faz tambm movimentos flutuantes, durante os quais se pode examinar
completamente a posio dos ps que ficam sob ela.
Durante a ascenso, a mo direita da mdium, unida do seu
vizinho, abandona amide a mesa, e est por cima. Durante a
experincia, o rosto da mdium est convulso, contraem-se-lhe
as mos, geme e parece sofrer, conforme lhe ocorre geralmente
quando algum fenmeno est para produzir-se.
Para melhor observar o fato em questo, eliminamos, pouco a
pouco, as pessoas da mesa, por haver reconhecido que a cadeia
de muitas no era necessria, nem neste, nem em outros fenmenos, e, afinal, deixamos uma s pessoa com a mdium.
Colocada esquerda, esta pessoa apoiava os ps sobre os de
Euspia, e uma das mos sobre os joelhos, mantendo, com a
outra, a mo esquerda da mdium, cuja direita estava sobre o
110

mvel, vista de todos, e tambm se elevava durante a levitao.


E porque a mesa permanecesse no ar alguns segundos, foi possvel obter vrias fotografias do fenmeno.
Pouco antes da levitao, observou-se que a fralda da saia de
Euspia se inflava pelo lado esquerdo at encostar numa das
pernas da mesa e, tendo um de ns tentado impedir tal contato, o
mvel no pde elevar-se na mesma altura das outras vezes;
mas, permitido novamente o contato, elevou-se, o que ficou
evidente nas fotografias, apanhadas daquela face, e tambm
naquela em que a perna da mesa em questo visvel de qualquer modo, na sua extremidade inferior.
Notou-se, ao mesmo tempo, sobre a face superior estar apoiada a mo da mdium, e assim que aquela perna estava sob a
influncia da mdium, tanto na parte inferior, por meio da saia,
quanto na parte superior, pela mo.
Para evitar esse contato, propusemos provocar a levitao,
estando de p, mdium e cooperadores, porm negativo foi o
resultado.
Alvitramos colocar a mdium em um dos lados mais amplos
do mvel, ao que ela se ops, alegando ser isso impossvel.
Releva dizer que no conseguimos obter levitao completa
com os 4 ps da mesa, livres de todo contato, e h razes para
suspeitar ter havido anlogo inconveniente na elevao de 2 ps
que se situavam do lado da mdium.
Levitao completa, de 60 centmetros, foi obtida em Paris,
no Instituto Psicolgico, da qual foi publicada a fotografia no seu
Boletim, nesse mesmo 1908; outra, mais completa ainda, em que
a mesa aparece voltada para cima, se obteve, com o mdium
Carancini, de Roma, conforme publicao na Luce ed Ombra.
d) Variaes de presso exercida pelo corpo da mdium sentada em uma balana.
A experincia se revestia de grande interesse, porm era difcil, pois se compreende que todo movimento, voluntrio ou no,
da mdium na plataforma da balana podia originar oscilaes na
plataforma e, pois, na indicao.
111

Para que a experincia fosse concludente, deveria o fiel da


balana, sempre que mudasse de posio, estacionar alguns
segundos, para permitir a medida do peso mediante a deslocao
do contra-peso da balana romana.
Com esta esperana se fez a tentativa. A mdium foi sentada
em cadeira posta sobre a balana, pesando o total de 62 quilogramas.
Depois de algumas oscilaes, produzia-se pronunciadssimo
descenso no fiel da balana, durante alguns segundos, permitindo
ao Prof. Gerosa, prximo a ele, medir imediatamente o peso, que
foi de 52 quilos, o que indica a queda de presso equivalente a
10 quilos.
Expresso o desejo de obter o fenmeno oposto, o extremo do
jogo regulador no tardou em subir, indicando um aumento de 10
quilos.
Esta experincia foi repetida mais vezes, e em 5 sesses diversas; em uma no deu resultado, mas na ltima vez um aparelho registrador permitiu obter duas curvas do fenmeno.
Experimentou-se reproduzir, por ns outros mesmos, tais deflexes, e s se obteve xito estando muitos sobre a plataforma e
apoiando-se ora sobre um dos lados, ora sobre o outro, perto das
bordas, com movimentos bastante amplos que, ao contrrio,
nunca observramos na mdium e lhe eram impossveis, dada a
posio na cadeira.
Todavia, reconhecendo que a experincia no se pode dizer
absolutamente satisfatria, completamo-la com a que ser descrita no n 3.
Tambm nesta experincia da balana, por alguns dos nossos
foi notado que o xito parecia depender do contato do vestido da
mdium com o cho sobre o qual estava diretamente colocada a
balana. Isto foi verificado com adequada experincia, na noite
de 9 de outubro.
Colocada a mdium na balana, aquele de ns outros incumbido de lhe vigiar os ps viu, em seguida, inflar a parte inferior
da saia e propender a ficar pendente para debaixo da plataforma
da balana.
112

To logo se intentou impedir esse movimento (o qual certamente no era produzido pelo p da mdium), a levitao no
teve lugar; mas, apenas permitido o contato da fimbria do vestido tocar o pavimento, ocorreram repetidas e manifestas levitaes, que foram assinaladas em belssimas curvas sobre o disco
registrador das variaes do peso.
De outra vez, intentou-se realizar a levitao da mdium, colocando-a sobre larga mesinha de desenho e esta sobre a plataforma da balana. A mesinha impedia o contato do vestido com
o pavimento, e a experincia no logrou xito.
Finalmente, na noite de 13 de outubro, preparou-se outra balana (stadera), com a plataforma bem isolada do pavimento,
distando deste 30 centmetros.
Exercendo-se severa vigilncia, de modo que no permitisse
contato de qualquer maneira entre a plataforma e o solo, nem
mesmo a ponta do vestido de Euspia, a experincia fracassou.
Ao contrrio, em smiles circunstncias, algum ligeiro resultado parece se obtivesse, a 16 de outubro, mas desta vez a experincia no foi certa, havendo dvida sobre se um mantelete,
com o qual Euspia envolvia a cabea e as costas, havia tocado a
ponta da balana (stadera) durante a persistente agitao da
mdium.
Conclumos que nenhuma levitao se conseguiu com a mdium totalmente isolada do pavimento.
e) Aparies de mos sobre fundo ligeiramente luminoso.
Colocamos sobre a mesa um papelo recoberto de substncia
fosforescente (sulfureto de clcio) e espalhamos outros nas
cadeiras e diversos pontos do aposento.
Desse modo vimos perfeitamente o negro perfil de mo que
pousava sobre o papelo da mesa, e ao fundo, constitudo pelos
outros, a mo, projetada em preto, passar e repassar em torno de
ns.
Na noite de 21 de setembro, um dos nossos viu repetidas vezes, no uma, porm duas mos se projetarem simultaneamente
113

sobre a dbil luz de uma janela de vidraa fechada (fora era


noite, porm no completamente escura).
Essas mos se agitavam rapidamente, porm no tanto que
impedisse distinguir nitidamente sua forma; eram de todo opacas
e se projetavam sobre a janela, em preto absoluto.
No foi possvel ao observador julgar quanto ao brao ao qual
aquelas mos estavam presas, porque s uma pequena parte,
junto do pulso, se interpunha entre o foco de luz da janela, no
lugar onde ele estava observando.
Estes fenmenos de visibilidade simultnea das duas mos,
ao mesmo tempo, so muito significativos, porque no se podem
explicar com a teoria de astcia da mdium, a qual de modo
algum pode liberar ambas as mos do controle do seu vizinho.
mesma concluso conduz o batido de duas mos, uma contra
outra, que foi ouvido muitas vezes durante o curso das nossas
experincias.
f) Elevao da mdium sobre a mesa.
Entre os fatos mais importantes e mais significativos, pomos
esta levitao, executada duas vezes, isto , a 28 de setembro e 3
de outubro, em consequncia da qual a mdium, que estava
sentada perto de uma das cabeceiras da mesa, entre grandes
lamentos foi erguida em peso, com a cadeira, e colocada com
esta em cima da mesa, sentada na mesma posio anterior e
sempre com as mos presas e acompanhadas pelos vizinhos.
Na noite de 28 de setembro a mdium, com as mos presas
pelos Professores Lombroso e Richet, queixou-se de mos que a
apertavam debaixo dos braos; depois, em transe, com a voz
mudada, habitual neste estado, disse:
Agora vou levar a minha mdium para cima da mesa.
Ao trmino de 2 ou 3 segundos, a cadeira, com a mdium
sentada, foi, no atirada, mas erguida, sem artifcio, e deposta
sobre a mesa, enquanto Richet e Lombroso estavam seguros de
no haver ajudado a ascenso com esforos prprios.
Depois de um discurso, em transe, a mdium anunciou sua
descida e, substitudo Lombroso por Finzi, a mdium foi reposta
114

no cho, com a mesma segurana e preciso, enquanto Richet e


Finzi acompanhavam, sem os ajudar, os movimentos das mos e
do corpo, e continuamente se interrogavam sobre a posio das
mos.
Durante a descida, ambos sentiram repetidamente que invisvel mo lhes tocava ligeiramente a cabea.
Na noite de 3 de outubro, o fenmeno se repetiu em circunstncias bastante anlogas, estando ao lado da mdium Du Prel e
Finzi.
g) Contatos.
Alguns destes merecem ser notados, com determinada particularidade, em razo de certas circunstncias oferecerem indcio
interessante sobre sua provvel origem, e primeiramente se deve
notar aqueles contatos que foram sentidos pelas pessoas que
estavam fora do alcance das mos da mdium.
Assim, na noite de 6 de outubro, o Prof. Gellona, que se achava a uma distncia de trs postos da mdium (cerca de 1,20m,
estando a mdium no lado curto da mesa e o Prof. Gerosa num
dos ngulos adjacentes ao lado curto oposto), tendo levantado a
mo, por ser tocado, sentiu mais vezes que outra mo golpeava a
sua para abaix-la e, persistindo ele, foi golpeado com uma
trombeta que momentos antes soara no ar.
Em segundo lugar, deve-se notar aqueles contatos que constituem operao delicada e impossvel de executar s escuras com
a preciso com que esta foi observada. Duas vezes, a 16 e 21 de
setembro, tiraram os culos do Prof. Schiaparelli e os deixaram
sobre a mesa, na frente de outra pessoa. Esses culos eram
presos s orelhas por meio de duas espirais elsticas e retir-los
requeria cuidado, mesmo alguma ateno a quem agisse luz
plena. No entanto, s escuras foram retirados com tal delicadeza
e rapidez que o professor s deu pelo fato porque cessara a
sensao dos culos sobre o nariz, aos lados da cabea e nas
orelhas, e teve de apalpar com as mos para certificar-se de que
os culos no mais estavam no lugar costumeiro.

115

Anlogas reflexes derivam de muitos outros contatos feitos


com grandssima delicadeza, a exemplo de quando um dos
assistentes sentiu que lhe alisavam a barba e o cabelo.
Em todas as numerosssimas manobras executadas por misteriosas mos, nunca se notou um equvoco, ou choque, o que
inevitvel nos casos ordinrios com aqueles que agem na escurido.
Esta era, no mais dos casos, salvo uma ou duas excees j
assinaladas, to completa quanto possvel, e no se pode imaginar que a mdium ou os demais pudessem ver, aproximadamente
sequer, o perfil das pessoas sentadas em torno da mesa.
Pode-se acrescentar, a este propsito, que corpos to pesados
e volumosos quanto cadeiras e vasos cheios de argila foram
postos sobre a mesa, sem que jamais encontrassem uma das
tantas mos que estavam apoiadas nessa mesa, o que era especialmente difcil, pelas cadeiras que ocupavam grande espao com
a sua extenso.
Uma cadeira foi certa vez revirada sobre a mesa e posta em
posio longitudinal sem esbarrar em ningum, embora abrangesse quase toda a mesa.
h) Contatos com um rosto humano.
Um de ns, tendo expressado desejo de ser beijado, sentiu o
contato de dois lbios, e por duas vezes (21 de setembro e 1 de
outubro). Em outras trs ocasies, a um dos assistentes aconteceu tocar um rosto humano, com cabelo e barba; o contato da
pele era absolutamente o de um rosto de homem vivo, o cabelo
muito mais forte e spero do que o da mdium, enquanto que a
barba parecia muito fina.
i) Som de trombeta.
Na noite de 6 de outubro, sendo colocada uma trombeta por
detrs da mdium e por detrs da cortina, em pouco ouvimos
soar, por detrs de nossas cabeas, diversas notas. Os que estavam mais perto da mdium ficaram em condies de assegurarse de que os sons no provinham da direo dela.
116

j) Havendo um dos nossos deposto, no incio da sesso, o sobretudo em cima de uma cadeira, fora do alcance da mdium, no
final da sesso foram vistos, trazidos para cima de um carto
fosforescente, que estava sobre a mesa, diversos objetos que o
dono do sobretudo reconheceu, de imediato, serem os existentes
em um dos bolsos internos do dito sobretudo.
Deve-se registrar que a mdium comeou a lamentar-se e a
fazer gestos de desgosto, queixando-se de que algo lhe havia
sido posto em torno da garganta e a apertava.
Ligada a luz, no se encontrou mais o sobretudo no lugar anterior, mas, fixando nossa ateno sobre a mdium, que estava
atordoada e de mau humor, nos apercebemos de que lhe estava
s costas o dito sobretudo, com os braos enfiados em cada uma
das mangas; entretanto, durante a sesso, as mos e os ps da
mdium estiveram sempre controlados pelos dois vizinhos, pelo
modo habitual.
Compreende-se que nesta, mais do que em qualquer outra ocasio, a confiana no xito de um fenmeno to grandioso
repousa plena na segurana e na continuidade do controle das
duas mos; ora, desde que o fenmeno era de todo inesperado, a
ateno dos vizinhos da mdium no podia atuar de maneira
constante sobre a vigilncia; estes dois experimentadores declararam que a eles no lhes parecia haver abandonado a respectiva
mo da mdium; mas, no havendo outros desvios de ateno
produzidos pelos fenmenos advindos, e tendo sempre fixa a
ateno exclusivamente neste ponto, devemos admitir possvel
(no provvel) que a hajam deixado livre momentaneamente,
sem se aperceberem.
Fenmenos at agora observados na escuridade
e obtidos afinal em plena luz, com a mdium vista
Restava, para chegar a pleno convencimento, tentar obter os
fenmenos importantes da escuridade, sem perder, porm, de
vista a mdium.

117

Pois que a escurido favorece bastante, ao que parece, a sua


produo, era necessrio deixar na obscuridade os fenmenos e
manter a luz para ns e para a mdium.
Por isso, procedeu-se, na sesso de 6 de outubro, do seguinte
modo: parte de uma cmara ficou separada por grossa cortina
divisria, para ficar s escuras; a mdium foi sentada em cadeira
frente da abertura da cortina, com o dorso na parte escura,
ficando os braos, as mos, o rosto e os ps na parte iluminada
da cmara.
Detrs da cortina foi posta uma cadeirinha com uma campainha a cerca de meio metro de distncia da cadeira da mdium, e
sobre uma outra cadeira mais distante um vaso cheio de argila
mida, perfeitamente lisa na superfcie. Na parte iluminada,
formamos o crculo em redor da mesa, a qual foi posta diante da
mdium. As mos desta estiveram sempre seguras pelos seus
vizinhos, os Srs. Schiaparelli e Du Prel.
O recinto era iluminado por uma lmpada de vidros vermelhos posta em outra mesa. Pela primeira vez a mdium era submetida a estas condies.
Presto comearam os fenmenos. Tambm luz de uma vela,
sem vidro vermelho, vimos a cortina inflar-se para ns, e os
vizinhos da mdium, pondo suas mos nela, sentiram resistncia;
a cadeira de um deles foi puxada com violncia e depois cinco
fortes golpes foram dados nela, o que significava pedido de
menor claridade.
Acendemos ento uma lanterna vermelha, protegendo-a, alm
disso, em parte, com um interceptor de raios luminosos, mas,
pouco depois, retiramo-lo e a lanterna foi posta sobre a mesa, em
frente mdium.
As orlas da abertura da cortina foram fixadas aos ngulos da
mesa e, a pedido da mdium, tambm presas na sua cabea, com
auxlio de alfinetes.
Ento, sobre a cabea da mdium algo comeou a aparecer
por vrias vezes. Aksakof ergueu-se, ps a mo na abertura da
cortina, acima da cabea da mdium, e logo anunciou que dedos
o tocavam repetidamente e depois sua mo foi agarrada atravs
118

da cortina e, por ltimo, sentiu que algo lhe vinha empurrando a


mo: era a cadeirinha, que Aksakof pegou, e lhe foi retirada,
caindo ao solo.
Todos os presentes introduziram a mo pela dita abertura e
receberam o contato de mos. No fundo preto da prpria abertura, sobre a cabea da mdium, as costumeiras luzes azuladas
apareceram muitas vezes; Schiaparelli foi tocado com fora,
atravs da cortina, no espinhao e na ilharga; sua cabea foi
coberta pela cortina e puxada para a parte escura, enquanto ele,
com a esquerda, retinha sempre a mo direita da mdium, e com
a direita segurava a mo esquerda de Finzi. Nesta posio,
sentiu-se tocado por dedos nus e clidos, viu luzes descrevendo
curvas no ar, e que iluminavam um pouco a mo ou o corpo que
os transportava. Depois retomou seu lugar, e ento nova mo
comeou a aparecer na abertura, sem mais se retirar to subitamente, mas de modo mais distinto.
A mdium, que jamais tal presenciara, ergueu a cabea para
ver, e logo veio a mo tocar-lhe o rosto.
Du Prel, sem soltar a mo da mdium, introduz a cabea pela
abertura, por cima da cabea da mdium, e imediatamente se
sentiu tocado fortemente de vrios pontos, por muitos dedos.
Entre ambas as cabeas, a mo ainda se mostrou.
Du Prel retornou ao seu lugar e Aksakof introduziu um lpis,
que foi tomado e agarrado pela dita mo, e no caiu. Pouco
depois foi atirado, atravs da abertura, sobre a mesa. Uma vez,
um punho fechado apareceu sobre a cabea da mdium, abriu-se
lentamente e mostrou a mo aberta com os dedos separados.
impossvel contar o nmero de vezes que esta mo apareceu e foi tocada por todos ns, de forma que nenhuma dvida
seria possvel: era verdadeiramente mo humana, viva, que
vamos e tocvamos, enquanto, ao mesmo tempo, o busto e os
braos da mdium permaneciam vista e eram retidos pelos seus
dois vizinhos.
Terminada a sesso, Du Prel foi o primeiro a passar para a
parte escura e anunciou a moldagem na argila. De fato, constatamos que a argila fora deformada com profunda arranhadura de
119

cinco dedos de mo direita (o que explicou o fato de, ao finalizar


a sesso, ter um pedao de argila sido arrojado, atravs da abertura da cortina, sobre a mesa), prova segura de que no estivramos alucinados.
Estes fatos se repetiram ainda mais vezes, sob a mesma forma
ou em forma pouco diversa, nas noites de 9, 13, 15, 17 e 18 de
outubro.
Se bem que as posies da misteriosa mo no permitissem
supor que fosse pertencente mdium, todavia, para maior
segurana, na noite de 15, foi aplicada na sua mo esquerda uma
fita de borracha que envolvia separadamente os dedos, permitindo a todo momento distinguir qual das mos cada vizinho tinha
em custdia.
As aparies tiveram igualmente lugar logo, e assim tambm
ocorreram nas noites de 17 e 18 (embora com intensidade menor), sob controle rigoroso dos professores Richet e Schiaparelli,
e por eles solenemente atestado, pois que ambos prestaram
especial ateno a esta parte. Tal condio era, aqui, e sempre,
bastante difcil, porque a mdium agitava as mos continuamente
e, em lugar de as manter sobre a mesa, vista de todos, as colocava, mais abaixadas, sobre os seus joelhos.
Concluso
Assim, pois, todos os maravilhosos fenmenos que tnhamos
observado em completa ou quase completa escuridade (cadeiras
puxadas com fora, com a pessoa sentada, contato de mos,
luzes, marcas de dedos, etc.), obtivemo-los afinal sem perder de
vista, por um instante, a mdium.
Por isto, a sesso de 6 de outubro foi, para ns, a constatao
evidente e absoluta da justeza de nossas impresses anteriores na
escuridade; foi a prova incontestvel de que, para explicar os
fenmenos na completa escuridade, no necessrio supor
fraude da mdium, nem iluso de nossa parte; foi prova de que
estes fenmenos podem resultar das mesmas causas dos produzidos quando a mdium visvel, com luz suficiente para lhe
controlar a posio e os movimentos.
120

Ao tornar pblico este breve e incompleto resumo das nossas


experincias, devemos ainda expressar estas nossas convices:
1) que, nas circunstncias dadas, nenhum dos fenmenos
obtidos com luz, mais ou menos intensa, poderia ser
produzido por qualquer artifcio;
2) que a mesma convico pode ser afirmada para a maioria dos fenmenos na completa escuridade; para uma
parte destes ltimos, podemos reconhecer, no mximo, a
possibilidade de imit-los por meio de algum hbil artifcio da mdium; todavia, depois disto que dissemos,
evidente que esta hiptese seria no s IMPROVVEL,
mas tambm INTIL, em nosso caso, pois que, com o
admiti-la, o conjunto dos fatos no seria de modo algum
comprometido.
(seguem-se as assinaturas.)
***
E agora respiguemos, da lembrana dos outros experimentadores, os fenmenos mais interessantes.
Em Npoles, no ano de 1893, com os egrgios colegas Bianchi, Tamburini, Vizioli e Ascensi, refiz com Euspia estas experincias, em uma cmara propositadamente escolhida em nosso
hotel, e a, em plena luz, vimos uma grande cortina que separava
nosso aposento de uma alcova vizinha, e que distava da mdium
mais de um metro, vir bruscamente sobre mim, envolver-me e
apertar-me as costas, e foi com dificuldade incomum que dela
me libertei.
Um prato com farinha de trigo fora colocado atrs, na alcova,
distncia de 1,50m da mdium, que, em transe, tinha pensado
ou dito ao menos que me derramaria no rosto o contedo do
prato, e luz se encontrou o prato emborcado sobre a farinha,
todavia seca, mas quase coagulada como se fora gelatina.
O fato nos parece duplamente inexplicvel com as leis da Fsica e por manobras da mdium, que no s estava com os ps
atados, mas presas ambas as mos nas nossas. Ligadas as luzes,
quando todos estvamos de partida, viu-se um grande armrio,
121

colocado atrs da alcova, a cerca de 2 metros de distncia de ns,


mover-se lentamente em nossa direo, qual um grande paquiderme que vagarosamente tencionasse atacar-nos, como que
empurrado por algum.
Em outras sucessivas experincias com o Prof. Vizioli e De
Amicis, em plena luz, tendo pedido a Euspia fizesse mover pelo
seu John uma sineta colocada no solo, a um metro distante
dela, mdium, atada de ps e mos, ns vimos vrias vezes
estender-se a sua saia, em um ponto, como se fosse um terceiro
p que apresentava pequena resistncia, qual o do gs dentro de
uma bexiga, e este terceiro brao, diremos etreo, sob nossos
olhos, a plena luz, finalmente, de um golpe se apoderou da sineta
e a fez soar.
Eis agora algumas das experincias mais curiosas observadas
em Gnova, pela condessa Celsia, no Circolo Scientifico della
Minerva, e em Milo, na Societ di Studi Psichici, presentes
muitos cientistas, Bozzano, Venzano, Porro, Lombroso, Morselli, Marzorati, em 1906-1907, e descritas com exatido por Barzini.28
A mdium seguia, com frequncia, as experincias sugeridas
pelo capricho dos presentes.
Certa noite, pedimos que trasladasse para a mesa uma trombeta que estava sobre uma cadeira, no ngulo do gabinete medinico, e enquanto vamos Euspia imvel, sentimos a trombeta
cair no cho, e depois, por longos minutos, ouvimo-la mover-se
ligeiramente, como se uma mo a empurrasse, sem peg-la.
Tendo um dos assistentes estendido os interruptores da luz
eltrica que lhe havamos confiado, rumo do gabinete e a cerca
de dois metros de Euspia, dito: Pega!, imediatamente lhe
tiraram da mo o cordo a que estavam unidos os interruptores e
que se lhe deslizou por entre os dedos quase um metro; atraindoo com violncia, sentiu uma resistncia elstica, mas forte.
Depois de movimentos de estica e afrouxa, exclamou: Faa
luz!, e uma das lmpadas acendeu.
Esses exerccios algumas vezes so to rpidos que podem
surpreender e deixar a mais legtima dvida acerca da sua verda122

deira natureza; porm, muito frequentemente so lentos, fatigantes e revelando esforo e concentrao intensa.
Durante a sesso, Morselli sentiu que pesada mo lhe agarra o
brao direito, da qual sente perfeitamente a posio dos dedos,
ao mesmo tempo em que a mdium adverte ainda: Atento! e a
lmpada verde acende e apaga. O interruptor da dita lmpada,
unido a amplo cordo pendente do teto, estava no bolso de
Morselli e este no sentiu mo alguma que ali se introduzisse.
Todos observamos que a lmpada acendeu e apagou, sem que se
percebesse o rudo do interruptor, e como para confirmar a nossa
impresso, a lmpada torna a acender e apagar, vrias vezes, de
igual modo silencioso.
No devemos esquecer uma circunstncia: o acender e apagar
da lmpada correspondiam a pequeno movimento que o dedo
indicador de Euspia fazia na palma da minha mo.
Esta sincronia, entre os fenmenos e os gestos da mdium,
havamos encontrado quase sempre, e notvel o fato de que,
nestes casos, o esforo da mdium se verifica da parte oposta
quela em que se verifica o fenmeno; por exemplo: se o punho
de Euspia se contrai, quem est sua esquerda sente provavelmente um toque de mo e pode reconhecer que tal mo a mo
direita.
Isso um singularssimo cruzamento, uma inverso que pode
ser importante constatar.
Forte mesa, pesando dez quilos e trezentos gramas, situada no
vo da janela e sobre a qual estavam postos uma caixa de placas
fotogrficas e um metrnomo de Morselli, se aproximou de ns e
depois se distanciou. O metrnomo comeou a funcionar e deu
incio ao seu tique-taque regular. Aps alguns minutos parou.
Depois recomeou e tornou a parar. No operao difcil nem
longa pr em andamento e deter um metrnomo, mnima;
todavia, no operao que os metrnomos tenham o hbito de
realizar por si mesmo.
Amide, os objetos vindos mesa medianmica so acompanhados com a cortina preta, como se fossem trazidos por pessoas
123

escondidas no gabinete, as quais pusessem o pano entre os


objetos e suas mos.
Em outra sesso, vimos um dinammetro, quase em contato
com a barra da cortina, que chegou at mesa, movimentar-se e
desaparecer por detrs da cortina. No ouvimos o leve rumor que
houvesse feito ao pousar em algum lugar e examinamos se
algum o havia tocado; e eis que de pronto, no gabinete e sobre a
cabea da mdium, uma mo avanou sustendo o dinammetro
em atitude de mostr-lo. Depois retirou-se e, decorridos alguns
segundos, o dinammetro reapareceu sobre a mesa. A agulha
marca a presso de 100 quilogramas. a presso que pode dar
um homem robustssimo.
indubitvel que o pensamento dos presentes exerce certa
influncia sobre os fenmenos. Parece que as nossas palavras so
escutadas como sugesto para a execuo das vrias manobras:
se falamos da levitao da mesa, esta se eleva; se damos golpes
rtmicos sobre a tbua da mesinha, os golpes so exatamente
repetidos e quase sempre, aparentemente, no mesmo ponto.
Entramos a discorrer sobre os fenmenos luminosos que, algumas vezes, se manifestaram com Euspia, e que no mais
havamos visto nestas sesses e eis que, subitamente, vimos uma
luz que aparece sobre os joelhos da mdium, desaparece, mostrase ainda sobre a cabea de Euspia, desce ao longo de seu lado
esquerdo, faz-se mais vvida e desaparece altura do seu quadril.
Em seguida, Morselli nota ao lado da cortina uma pessoa;
sente que nela se apoia e todos vimos os braos envoltos na
cortina.
De improviso, Bozzano colocou a cabea na abertura da cortina para olhar no interior do gabinete e este estava vazio. A
cortina se encontrava inflada e vazia. Isto que, por um lado,
parece o relevo de um corpo humano que se move coberto pela
cortina, da outra parte uma cavidade no estofo, um moulage.
Vem mente O homem invisvel, de Wells.
Bozzano, tocando com a mo direita, que tem liberta, o enfunado da cortina, na parte externa, efetivamente encontra sob o
tecido a resistncia de uma cabea vivente; identificou a fronte,
124

deslizou a palma da mo pelas bochechas e nariz e, quando tocou


os lbios, a boca se fechou e lhe prendeu o polegar; sentiu nitidamente o morder de uma dentadura s.
Um carillon chega sobre a mesa, como que caindo do alto. E
ali, perfeitamente isolado, enquanto o olhamos curiosamente,
soou durante alguns segundos. Tinha a forma de minsculo
moinho de caf e esse instrumento, to simples e to pouco
musical, para tocar, precisava do concurso das duas mos, uma
que o mantivesse firme e outra que lhe girasse a manivela.
Apenas cessado o seu glin-glin, ouvimos o bandolim rastejar no
cho. Bozzano viu-o sair do gabinete e parar por detrs do Prof.
Morselli, onde mal tocou duas ou trs vezes. Dali se elevou e
veio para cima da mesa; girou em todo redor e terminou por
alojar-se nos braos de R., qual criana lactante. Pondo nossas
mos sobre as cordas, ns as sentamos vibrar por ignota fora, e
tnhamos assim uma prova sobre a realidade do fenmeno.
Havamos observado que, no movimento do bandolim, e assim no de todos os objetos transportados, h uma espcie de
orientao, ou seja, no giram nunca, tm mais translao do que
revoluo, movem-se precisamente como se fossem sustentados
por uma mo e avanam, recuam, vo direita e esquerda,
mantendo a mesma posio.
O bandolim conservou sempre o brao voltado para a mdium.
As cadeirinhas, que fazem seus singulares passeios e sobem
sobre a mesa, apresentam-se sempre como se fossem pegadas
pelo encosto.
Morselli trouxe consigo uma cordinha de 40 centmetros de
comprimento e, em dado momento, colocou-a sobre a mesa; a
cordinha andou, indo e vindo, coleante. Quando Morselli exprimiu o desejo de v-la enodada, ela desapareceu no gabinete e
voltou pouco depois com trs ns em lugares diferentes, ns
iguais, grossos, bem feitos, simtricos, equidistantes.
Em uma quinta sesso, na qual Morselli havia atado perfeitamente Euspia a uma rede, constatou, depois de todos os
125

fenmenos de aparies, que havia sido desatada e ligada de


modo diverso.
Artes ou engenhos fantasmticos
Nos cinco primeiros anos, Euspia apresentou mais fenmenos de movimento de objetos e de apports do que de formas
fantasmticas.
Depois dos primeiros anos, comearam a produzir-se mos
isoladas ou unidas a braos de vrios tamanhos e, mais raramente, ps.
Nestes ltimos anos, esses braos e mos apareciam mais frequentes no meio ou no final da sesso.
Algumas vezes, acompanhavam os deslocamentos tambm de
cadeiras, do bandolim e, em outras, apareciam plidos e difanos
rostos humanos.
Bottazzi,29 que intensificou as observaes a propsito, viu
sair um punho negro, nitidamente, da cortina esquerda e avizinhar-se de uma senhora, que sentiu contato na nuca e na face; de
outra vez, mo natural, da qual sentiu o calor e a solidez, pousou
em seu brao e depois se reintegrou no corpo de Euspia.
Em realidade, certa vez, o seu colega Galeotti viu distintamente, naquela sesso, surgirem de Euspia, esquerda, dois
braos idnticos: um, preso pelo controle, o verdadeiro, e o
outro, o fantasmal, que se despegava do ombro, tocava a mo do
vizinho controlador, e depois tornava a fundir-se no corpo de
Euspia.
Esses braos so aqueles com que a mdium faz mover, a 20
e a 30 centmetros para alm da extremidade dos seus prprios,
os objetos, e que, se espetados, provocam dor, como se fossem
os seus, e tm conexo com aquele inflado tubular nas vestes que
eu via preceder a levitao da mesa, com as variaes do dinammetro e da balana.
Algumas vezes, nas boas sesses, esses engenhos se prolongam um pouco, porm no mais de 1,50m da mesa.
126

Fantasmas
Houve tambm, muito mais raras vezes, no final das sesses e
nas melhores sesses, fantasmas verdadeiros.
Anoto entre os mais importantes, por haver sido presenciado
por muitos e por se ter repetido, a apario do falecido filho de
Vassallo.30 E tambm a narrada por Morselli a mim, pessoalmente, se bem que posta em dvida depois, qual a de sua me, que o
beijou, lhe enxugou os olhos, lhe disse algumas palavras e depois
de novo lhe apareceu e acariciou, e para demonstrar a prpria
identidade, lhe ala a mo e a leva sobrancelha direita da
mdium.
No ali disse-lhe Morselli, e encaminha a mo esquerda, onde, perto do superclio, havia um pequeno defeito.
Morselli estava sentado direita de Euspia e Porro esquerda.
Outra apario tive a verificar, eu mesmo, com imensa comoo.
Em 1902, em Gnova, a mdium estava em estado de semiembriaguez e, por isso, pensei que coisa alguma poderia realizar.
Pedindo-lhe, antes de iniciar a sesso, fizesse mover, luz
plena, um pesado tinteiro de vidro, respondeu naquela sua vulgar
linguagem:
Por que te mergulhas nestas ninharias? Sou capaz de muito
mais, sou capaz de te fazer ver tua me; nisto deverias ter pensado!
Sugestionado por essa promessa, altura de meia hora de sesso fui presa do vivssimo desejo de v-la concretizada e imediatamente a mesa acedeu, com seus slitos movimentos, acima e
abaixo, ao meu pensamento; logo depois vi (estvamos em semiescuridade com luz vermelha) destacar-se da tenda uma figura
um tanto pequena, qual era a de minha me,31 velada, que fez um
giro completo em redor da mesa, at chegar a mim, sussurrandome palavras que foram ouvidas pelos demais (no por mim,
devido minha surdez), tanto que, quase fora de mim, pela
emoo, supliquei que as repetisse, e ela repetiu:
127

Cesar, fio mio!


Isto, confesso de imediato, no estava no seu hbito, pois, veneziana, costumava dizer-me, em seu dialeto: Mio fiol.
Pouco depois, a meu rogo, tornou a dar o giro e, destacando
por um momento os vus da face, deu-me um beijo.
Menos distintamente, isto , coberta pela cortina, me apareceu, beijando-me e falando-me, em oito sesses sucessivas,
realizadas em 1906-1907, em Milo e em Turim.
Anloga apario teve Massaro, de Palermo, na sesso de 26
de novembro de 1906, em Milo,32 na Societ di Studi Psichici, a
que assisti.
Em ocasio anterior, tendo evocado, pela mesa-girante, o Esprito do filho, morto recentemente, teve uma promessa de
materializao, para Milo.
Na sesso de 26, presente Massaro na formao da cadeia,
Euspia disse, quase em seguida, estar vendo um jovem que
vinha de longe e, interrogada, precisou: de Palermo, e acrescentou:
Retrato vivo feito ao sol.
Tal frase no foi entendida. Mas, Massaro, a estas palavras,
recordou ter na carteira uma fotografia do filho, feita em campo
aberto, e nesse mesmo instante sentiu que lhe batiam vivamente
no peito, precisamente no lugar onde se encontrava o dito retrato,
e percebeu que o beijavam duas vezes, na face esquerda, atravs
da tenda que lhe ficava vizinha.
E aos sculos seguiram-se carcias bem acentuadas, embora
delicadssimas. Depois de uma pausa, repetiram-se os contatos
intencionais, sendo que desta vez uma mo se insinuava, com
vivaz movimento, no bolso interior da sua roupa, justamente
onde guardava a carteira, que se abriu onde estava o retrato.
A esta segunda manifestao acompanharam beijos e afagos,
e depois se sentiu pegado pelo peito e atrado para a cmara
escura e beijado reiteradamente.
Sobreveio, finalmente, a apario, sobre a tenda, de uma cabea vendada de branco, na qual reconheceu o filho.
128

Poucos meses antes da sua morte, Chiaia me mostrou alguns


baixo-relevos obtidos, sempre em estado de transe, por Euspia,
colocando greda molhada sobre pedao de madeira, dentro de
caixa coberta com uma tabuinha, em cima da qual havia pesada
pedra. Sobre esta a mdium colocava a mo e, quando entrava
em transe, dizia:
J est feito.
Abria-se a caixa e encontrava-se o molde, em baixo relevo,
da mo ou do rosto de um ser, cuja expresso fisionmica oscilava entre a vida e a morte.
No assisti a essas sesses, mas o testemunho de Chiaia, de
honrada memria, e a de um ilustre escultor de Npoles que
moldava os relevos dos moldes, so suficientes, e tambm o
juzo de Bistolfi, segundo o qual, para obter, em poucos minutos,
estes moldes, que vistos de perto nada dizem, porm de longe
tm expresso terrvel e verdadeiramente macabra, seriam necessrias operaes demoradas; seria preciso admitir na mdium
uma habilidade artstica extraordinria, enquanto que Euspia
no tem sequer os primeiros elementos da arte.
Acrescente-se que estando a greda coberta de um vu sutil,
medianmico, cuja trama se entrev no molde, o artista mais
exmio no poderia conseguir, valendo-se da presso, e com o
dedo da mo, nota Bozzano, produzir um molde exato, e sim
estrias.
A verdade destes fatos me provada tambm por se repetirem
sob as vistas de Bozzano, no Crculo cientfico Minerva, de
Gnova (1901-1902), e em Frana, sob o controle de Flammarion, em Monfort-lAmaury, onde se reproduziu a prpria efgie
de Euspia, e, sob minhas vistas, em Milo e em Turim.
Certa noite, com as janelas completamente fechadas, enquanto tnhamos, Richet e eu, presas as mos da mdium, que fora
previamente revistada a seu pedido , sentimos ambos, no
tero inferior do brao, um corpo estranho, que depois se verificou ser uma rosa fragrante, com haste e algumas folhas. O talo
parecia cortado obliquamente, como que por instrumento afiado,
No se pode explicar a louania daquela flor, que devia estar
129

pelo menos pressionada pela manga do casaco. Euspia, no


incio da sesso, havia predito um apport, mas no sabia dizer de
que natureza seria.
Em Milo, Schiaparelli levou nossa sesso uma resma de
papel e pediu a Euspia que escrevesse seu nome, e ela ps o
dedo e fez gestos de traar caracteres grficos sobre o papel, mas
o seu nome se encontrou escrito, com cor violeta, no lado inferior da mesa; em uma segunda prova, sobre a linha da cortina,
distante mais de trs metros e ao alto; numa terceira prova, na
ltima folha da resma.
O recentssimo Bulletin de lInstitut Gnrale Psychologique,
de dezembro de 1908, insere um relato de Courtier, sobre as
sesses de Euspia, nos anos de 1905 a 1908, em Paris, sob o
controle de cientistas, como Curie, Courtier, Richet, dArsonval,
Jouriewitch, Debierne.
Notou-se a levitao da mesa at, 20, 50, 60 centmetros do
solo, permanecendo no ar de 27 a 52 segundos.
Tendo Debierne dito que John era capaz de quebrar a mesa,
imediatamente foi quebrado o p da mesma.
Para registrar a levitao do mvel, muniram-se os ps de
contatos eltricos, que funcionavam quando o p se separava do
solo. Esses contatos estavam ligados, cada um, a registrador
Despretz que grafava sobre um cilindro.
Para verificar se o peso da mesa se somava ao da mdium,
durante a levitao, fixou-se a cadeira onde estava Euspia sobre
uma balana de Marey, e notou-se que quando os 3 ou os 4 ps
da mesa se erguiam, conjuntamente, o aparelho registrava aumento de presso, como se o peso da mesa levitada se unisse ao
da mdium sentada, e como se esta fosse o ponto de apoio da
levitao.
Isto se confirma com o fato de quando se elevavam os dois
ps da mesa, do lado oposto ao de Euspia, havia decrscimo de
presso.
Com uma balana romana se observou que Euspia aumentava de 10 para 13 quilos o peso da mesa, quando esta se elevava,
mostrando que os fenmenos estavam conformes com as leis da
130

mecnica, porque os 3 quilos de mais provinham dos movimentos descompassados de Euspia, de vez que a mesa pesava 10
quilos.
Euspia aumentava e diminua vontade seu prprio peso e o
das mesinhas. A 45 centmetros de distncia, e no interior da
cmara, pde provocar a ruptura de um tubo de borracha da
balana onde estava sentada, tubo que, antes de ser mutilado,
sofre um estiramento e depois uma presso. Ao mesmo tempo,
rompeu em dois pedaos um lpis, que pedira, e disse: Est
quebrado. Assim tambm, pouco depois, quebrou em trs
pedaos pequena mesinha de madeira que lhe haviam posto
detrs da cadeira, e no se compreende como pde anunciar o
nmero de fragmentos a que foi reduzida, estando s escuras e de
costas.
Sobre a fronte, ao lado direito de Euspia, se observavam luzes azuladas, fosforescentes, e uma espcie de centelha rsea,
porm ampla, aos ps da mesa. Euspia tirou de mquina eltrica, posta a dois metros de distncia, trs fascas que se perceberam depois sobre sua cabea; fez brotar tambm centelhas nos
cabelos e nas mos dos assistentes.
Agia sobre eletroscpios; descarregava-os lentamente, os dedos a dois centmetros de distncia do contato.
Podia produzir fenmenos, luz plena, ao final das sesses e
ainda no incio, quando se apaixonava em mostrar o seu poder
medinico.
Mostra ter sensibilidade a distncia. Dizia, por exemplo: Este barro (a dois metros de distncia) mole ou muito duro, e
assinalava a viscosidade de um objeto distanciado, e assim,
distncia, podia provocar rupturas de objetos, exteriorizao da
sensibilidade e da motricidade.

131

CAPTULO II
Resumo dos fenmenos medinicos de Euspia
Morselli resume nesta sucinta sntese os fenmenos oferecidos por Euspia em transe.33 So eles, de forma catalogada:
Primeira classe Fenmenos mecnicos, com produo de
movimentos nos objetos ainda em contato com a pessoa da
mdium, que Euspia produz facilmente, tanto na obscuridade
quanto luz plena.
1 Oscilaes e movimentos da mesinha, sem significao.
2 Movimentos e golpes da mesinha, tendo significao, so
frequentssimos. Os golpes correspondem linguagem convencional usada por Euspia (2 golpes, no; 3, sim, etc.) e
regulam geralmente o andamento da sesso.
Verdadeiramente, nas sesses de Euspia a tiptologia se reduz
a pouca coisa, em comparao s maravilhosas comunicaes de
carter pessoal ou de ordem filosfico-social, dadas por outros
mdiuns.
Em compensao, a mesinha, com Euspia, tem riqussima
linguagem, que se pode dizer mmica; e se assemelha de um
menino, se bem que parea sorrir e, ao contrrio, escarnea,
quando no canta certas rias.
3 Levitao total da mesinha at 78 segundos.
4 Movimentos de objetos diversos, apenas tocados pelas
mos ou corpo da mdium, que no so explicveis com a debilssima presso por ela exercida.
5 Movimentos, ondulaes, inflao das partes da cmara
medianmica, sem que Euspia possa faz-los com as mos e
com os ps, que esto sob severo controle.
6 Movimentos e inflao da vestimenta da mdium.
Segunda classe Esta classe o aperfeioamento da primeira. Os efeitos mecnicos se produzem sem contato algum com a
pessoa da mdium, a distncias que podem variar de poucos
centmetros a um metro. So os mais discutidos, porque em
132

desacordo com as leis ordinrias da Fsica, a qual ensina que


uma fora mecnica deve atuar diretamente sobre a resistncia
oposta pelos corpos materiais. Todavia, esta telecinesia medinica entre as coisas mais frequentes a serem vistas nas sesses de
Euspia. Citemos sumariamente os fenmenos precpuos da
classe:
7 Oscilaes e movimentos da mesinha medinica, sem
contato.
8 Levitao autnoma da mesinha. Presenciamos verdadeiros solos de dana da mesinha, luz plena do gs, quando a
mdium estava fechada e imobilizada dentro do gabinete.
9 Ondulaes, inflaes, prolongamentos das partes da
cmara.
Ocorrem tambm quando a mdium est distante: por exemplo, deitada e atada solidamente dentro da cabine, dir-se-ia que
personagens invisveis levantam com suas mos a tela, estiramna para abrir e estiram-na para fechar, etc.
10 Movimentos impressos a corpos materiais por mos voluntariamente voltadas para eles, porm distncia. Este fenmeno sobrevm ordinariamente luz plena e ao finalizar da
sesso. a verdadeira exteriorizao da motricidade, ilustrada
por Albert de Rochas.
11 Movimentos espontneos ou deslocamento de objetos
diversos, a vrias distncias e tambm at 2 e 3 metros da mdium.
12 Transportes, para a mesinha, de objetos distanciados.
Muito frequentemente, porm, tais objetos parecem trazidos com
as tendas pretas, que tm, na fenomenologia de Euspia, uma
funo importantssima, quase a abrigo de membros invisveis.
13 Deslocamento das cadeiras dos controladores. Com frequncia, sentem que lhes tiram a cadeira de sob o corpo, etc.
14 Movimentos funcionais de ordem mecnica e de colocao a distncia. Por exemplo, a entrada em ao de instrumentos musicais (bandolim, ctara, piano, trombeta) e de outros

133

pequenos mecanismos (carillons, metrnomo, dinammetro,


etc.) distantes de Euspia.
Terceira classe Esta classe dos fenmenos mecnicos concerne alterao da gravidade dos corpos, que so os fenmenos
menos seguros, embora investigadores insignes lhes garantam a
autenticidade.
15 Mudanas espontneas de peso em uma balana. Assistimos a oscilaes do brao de uma balana romana, sem que
visivelmente Euspia a pressionasse. Mas, o fenmeno pareceu
duvidoso.
16 Mudana de peso do corpo da mdium (de 5 a 10 quilos).
17 Levitao do corpo da mdium. Morselli teve a impresso de que a levitao fosse sincera em seu incio, mas ajudada
inconscientemente, na consumao, pelos dois controladores. Em
minhas observaes, isto excludo.
Uma classe curiosa, pouco estudada at agora, aquela dos
efeitos medinicos trmico-radiantes. Essa consta de poucos,
mas interessantes fenmenos.
18 Vento do gabinete escuro. frequentssimo e se sente
em quase todas as sesses. verdadeira corrente de ar que vem
do interior da cmara e por detrs da mdium.
19 Frio intenso. sentido comumente pelos dois controladores, e preludia muitas manifestaes.
20 Radiaes da cabea e do corpo da mdium. Aproximando a mo cabea de Euspia, principalmente onde tem uma
depresso ssea, consequente de antiga queda, e algumas vezes
tambm de suas mos, percebe-se sensvel sopro, ora tpido, ora
fresco.
A classe dos fenmenos acsticos j est em parte compreendida nas trs primeiras, porque mui frequentemente os movimentos distncia se tornam possveis mediante rumor, som, etc. dos
instrumentos postos em ao. Mas, fora disso, nada tm de
especial.
21 Golpes, choques e outros rudos na mesinha.
134

22 Golpes e choques a distncia da mdium.


23 Sons de instrumentos musicais. Verdadeiramente, jamais so acordes harmnicos, a menos que maestros assistam
sesso. Quando muito, so marcao de compasso.
24 Rumores de mos e de ps.
25 Sons vocais humanos.
Passo a uma classe no menos impressionante de manifestaes, isto , aquelas que, segundo os espiritistas, deveriam
revelar a ao de Inteligncias ocultas, com efeitos duradouros
sobre a matria inerte. Euspia, por sua incultura, pobre destes
fenmenos.
26 Sinais misteriosos deixados a distncia. Consistem em
sinais ou borres que se encontram sobre a mesinha, nos punhos
dos presentes, nas paredes e parecem feitos a lpis.
27 Escrita direta. Seria a escrita feita diretamente pelos Espritos, sem ao notria de mo, ora porm com utenslios
grficos visveis (lpis, grafite), ou sem eles.
28 Marcas, imagens em matria moldvel (plastilina). So
impresses de dedos, de palmas de mo, de punho, de ps, e
tambm de rostos, geralmente todos de perfil e meio-perfil.
Esses rostos tm certa semelhana com uma Euspia envelhecida
e seriam em realidade a reproduo do rosto de John King, seu
pai em outra vida.
29 Transportes. Apario imprevista, sobre a mesinha ou
na sala, de objetos vindos de longe, e entrados atravs de portas e
paredes, tais flores, raminhos, folhagens, pregos, moedas, pedras,
etc.
30 Materializaes. Trata-se da criao ex-novo de formas
mais ou menos organizadas que tm os caractersticos fsicos
assinalados da matria, isto , de serem resistentes ao tato e ao
senso muscular (tangveis), e algumas vezes dotadas de luz
prpria (luminosas), e mais geralmente capazes de deter os raios
exteriores de luz (fazendo-se visveis). A primeira subclasse a
das materializaes slidas, que eu direi estereosas medinicas.
31 Toques, apalpos e apertos de mos invisveis.
135

32 Organizao de formas slidas, tendo os caractersticos


de membros do corpo humano. So ordinariamente mos, braos,
costas (?) e ainda cabeas que se tocam atravs da tenda preta, e
parecem pedaos ou fragmentos de uma criatura que se esteja
formando; de raro, do a impresso (tangvel) de uma pessoa
total. Apertadas ou agarradas atravs das tendas, retraem-se, no
mais das vezes apressadamente; mas, outras vezes, permanecem
tambm longo tempo e se deixam tocar, principalmente no rosto.
A boca, invisvel, faz o movimento de beijar, morder, etc.,
protegida, porm, quase sempre pelo pano.
32 bis Organizao de mos perceptveis, nuas ao tato. Algumas vezes, sente-se o toque de mos verdadeiras, possuidoras
dos caractersticos dos membros de uma criatura vivente, e
sente-se a pele, o calor e a mobilidade dos dedos. E se as apertamos, a impresso de que se dissolvem e fundem como se
fossem compostas de substncia semifluida.
33 Aes complexas de formas materialssimas (tangveisinvisveis). Aqueles braos, mos, cabeas e meio-pessoas,
embora imperceptveis vista, mesmo de quem olha o interior
do gabinete, por detrs da tenda pela qual so cobertas, avanam
para os assistentes, tocam-nos, palpam, abraam e agarram, ou
repelem, acariciam, atraem e beijam, com todos os movimentos
de criaturas vivas e reais. Alm disso, estas formas executam
aes ainda mais complexas, seja na sombra da cabine, seja
diante dela, com o intermdio das tendinhas pretas infladas e
projetadas at ao plano da mesinha ou rumo das cadeiras dos
vizinhos (ainda que fora da cadeia), seja afinal em liberdade e
em pleno meio dos presentes, que se sentem invisivelmente
tocados, abraados, revistados nos bolsos, etc.; muitos assim
vem satisfeitos desejos apenas pensados.
Quinta classe Uno em um pequeno grupo os fenmenos
luminosos elementares, sejam os visveis por si, sejam os visveis
por luz exterior, mas sempre inorganizados.
34 Apario de pontos luminosos. So as clebres chamazinhas espiritistas. Euspia as produz de quando em quando,
porm no com a intensidade de outros mdiuns observados por
136

mim. So pirilampos indefinveis, no mais das vezes de contornos esfumados e algumas vezes globinhos lucidssimos, semelhantes s chamadas lgrimas batvicas, mas invertidas; outras
vezes tambm so verdadeiras lnguas de fogo, como se veem
figuradas sobre as cabeas dos apstolos. No foram ainda
fotografadas (que eu saiba), porm so evidentssimas, s vezes
mltiplas e intermitentes, sendo impossvel e at absurdo, para
quem as haja visto uma s vez, compar-las (no digo assimillas) a fosforescncias artificiosas.
35 Surgimento de nuvens ou nebulosidades esbranquiadas. Estas no parecem dotadas de luz prpria, pois que s se
distinguem a uma dbil claridade, aqum da tenda ou no interior
da cabine; alguma vez, circundam a cabea de Euspia ou se
elevam sobre o seu corpo, quando est deitada no gabinete.
Deixo para final as materializaes visveis que aparecem
formadas com uma substncia ou matria sutilssima, emanante
da pessoa da mdium e composta de partculas ou molculas que
interceptam a luz ordinria (teleplastia).
36 Formao de prolongamentos escuros do corpo da mdium. So os membros supranumerrios entrevistos e descritos
por todos aqueles que fizeram experincias com Euspia. Visveis mdia ou debilssima claridade, e quando as mos anatmicas ou verdadeiras de Euspia esto vista e bem controladas,
estes apndices neoplsticos executam muitos dos fenmenos
acima descritos (contatos e apalpaes nos mais prximos,
sacudir de cadeiras, transporte de objetos, etc.).
37 Sada de formas com a semelhana de braos e mos,
do gabinete preto.
38 Apario de mos. Est entre as mais comuns e antigas
manifestaes espiritistas. As mos aparecem de contornos
quase sempre indecisos ou evanescentes, de cor esbranquiada,
prximo de difanas, e com os dedos estirados. Eu as percebi
muito bem, todas as vezes que me foi dado achar-me em situao
favorvel para v-las, e no eram as mos da mdium, as quais
ao mesmo tempo estavam no s controladas, mas tambm
visveis de todos sobre a mesinha.
137

39 Aparies de formas escuras, de carter indeterminado


ou pouco evidente. So as materializaes incompletas. Ora se
veem, entre o claro-escuro, avanar e desaparecer globos pretos
(cabeas?), apndices indefinveis de penumbra (braos? punhos?); ora sombras de perfil adunco e que se conjeturam barbudas (John King?); ora sobre fundo semiluminoso, larvas enegrecidas, planas, que aparecem como que transparentes, e ajustadas ou formadas de modo estranho, gesticulando de maneiras
bizarras. A mim se manifestaram particularmente nas sesses de
1901-1902, e no tive tal percepo precisa (afirmada pelos
outros companheiros) para que possa desenhar uma por uma.
40 Aparies de formas com carter determinado e pessoal.
A estas classes de Morselli, segundo a minha experincia, acrescentarei:
Sexta classe
41 Influncia sobre chapas fotogrficas, envoltas em papel
escuro.
42 Fenmenos de leitura do pensamento, de viso na escuridade, distncia. (Veja-se o captulo IV.)
43 Compreenso de idiomas desconhecidos da mdium (alemo, ingls). (Veja-se o captulo IV.)
44 Influncia sobre eletroscpios que a mdium descarrega
com a mo, distncia.
Portanto, nos fenmenos com os quais se objetiva a mediunidade de Euspia, temos, segundo este esquema provisrio,
quarenta e quatro ordens de manifestaes. Morselli alega que
sua classificao simplifica muito as coisas, distinguindo os
fenmenos em ordens distintas, como se se produzissem separadamente. Em realidade, a sesso, por vezes, extremamente
complicada e se assiste a manifestaes variadas, simultneas,
verdadeiras descargas potentes de mediunismo e confuses
espiritistas.

138

CAPTULO III
Fisiopatologia de Euspia.
Influncia e ao dos mdiuns
Euspia Paladino estudada clinicamente 34
Vejamos agora se a explicao de todos esses maravilhosos
fenmenos se pode encontrar no organismo da mdium. Com
este escopo, vamos estudar um: Euspia, por exemplo, clnica e
fisiologicamente.
Nos caractersticos externos, primeira vista, Euspia nada
apresenta de anormal, salvo certa mecha de cabelo branco que
rodeia um afundamento no parietal esquerdo, depresso causada
no se sabe bem, se pelo golpe de uma caarola, dado pela
madrasta, ou pela queda do alto de uma janela, quando contava
um ano de idade.
Pesa 60 quilos, e o peso varia pouco depois das sesses; tem
estenocrotafia (ou seja, dimetro bizigomtico maior do frontal,
127 a 113); dolicocefalia com ndice ceflico 73, que tnica;
circunferncia da cabea normal, 530; assimetria, tanto do crnio
quanto do rosto, por maior desenvolvimento da direita.
O olho esquerdo apresenta o fenmeno de Claude BernardHorner, comum nos epilpticos; as pupilas coretpticas, no alto e
interno, reagem escassamente luz, e bem, ao invs, acomodao.
A presso arterial, medida com o esfigmmetro de RivaRocci, deu o seguinte resultado: 1 prova direita, 200,
esquerda, 230; 2 prova direita, 200, esquerda, 239.
Oferece, pois, uma assimetria na presso, que frequente nos
epilpticos, e, tal qual estes, apresenta notvel canhotismo ttil,
assinalando o estesimetro nas polpas da direita grande obtusidade, 5 milmetros, e menor na esquerda, 2,5. A sensibilidade
geral, estudada com a trena de Ruhmkorff, apresenta, ao contrrio, destrismo, assinalando a distncia de 73 milmetros direita
e 35 esquerda; a dolorfica 60 direita e 30 esquerda, mostrando-se de todo modo muito mais delicada do que nos normais,
139

cuja sensibilidade geral, ensaiada com o mesmo mtodo, assinala


45 milmetros e a dolorfica 20.
A sensibilidade brica desigual, parecendo-lhe o mesmo objeto ser mais pesado na direita, que na esquerda; apresenta depois
diferenas de peso de 5 gramas; a sensibilidade ssea, ao diapaso, de 5 na direita e 8 na esquerda, porm falta na fronte.
Com o dinammetro pequeno de Regnier-Mathieu assinala 11
quilos na direita e 12 na esquerda. Prxima ao transe, marcou
mais, isto , 15 quilos em ambas as mos. Com a mo direita e
brao estendido sustm um peso de 500 gramas durante um
minuto e dois segundos, e com a esquerda por dois minutos. Tem
zonas hiperestsicas, especialmente no ovrio; tem o bolo esofgico dos histricos, e debilidade geral ou paresia nos membros
do lado direito.35
O campo visual, estudado pelo Dr. Sgobbo, mostrou-se amplo
e regular. Os reflexos tendinosos so mais obtusos direita e se
provocam com o fenmeno de Jendrassik, sendo nulos na esquerda. Nada se nota com o aparelho de dArsonval, nem aos
raios Roentgen.
Certa vez, quando em estado normal e em plena luz, se lhe
fez manter, por quatro minutos, a mo direita sobre uma chapa
fotogrfica, envolta em trs folhas de papel escuro; isso bastou
para que casse em transe e sentisse na mo a sensao de frmito eltrico. Revelada a chapa, no ponto correspondente ao seu
indicador, ficou um sulco informe da extenso do dedo. Esse
fato, que talvez se filie com a radioatividade espiritista, pode ser
aproximado a uma outra sua anomalia, que Flammarion observou e que consiste em uma diafaneidade nos contornos dos
dedos, que formam quase um segundo contorno deformado.
Quando tenho este sinal assevera ela , posso obter coisas
maravilhosas.
A urina amarela, em quantidade de 2000 cm, com peso especfico de 1022, apresenta: acar 40%; fosfatos 1,20%; cloretos
3,598; leves traos de albumina. Depois de uma sesso medinica, aumentou de muito a albumina: 0,5% e diminuiu o acar
para 20%. Das anlises feitas em Npoles, por Bottazzi e Galeot140

ti,36 resulta que a densidade, imediatamente depois da sesso,


aumentada: 1023, em vez de 1022, e a albumina 2%, em vez de
1,25; o azoto 11,28%, em vez de 9,53; subiu a condutibilidade
eltrica, 177,10, em lugar de 150,10; crescido o ponto de congelamento, 1,560 em vez de 1,260.
Os fenmenos hipnticos, que tanto se ligam, at se confundirem, com os fenmenos espiritistas, so frequentes nela, se bem
que insensvel aos metais e ao m.
Assim, Arullani (ob. cit.), s em lhe deslizar a mo na fronte,
pde hipnotiz-la e faz-la cair prontamente em estado catalptico; Morselli, ao contrrio, encontrou mais facilidade em magnetiz-la do que hipnotiz-la, se bem que, com o deslizar metdico
da mo sobre a cabea, lhe pde cessar a cefalalgia e acalmar
seus furores; e com passes magnticos, de baixo para cima,
provocar uma hemicatalepsia; com passes em sentido contrrio,
cessarem as contraes e a paresia (ob. cit.).
Duas vezes apenas teve claras premonies, expostas com
aquela sua pseudologia fantstica, to varivel, que se torna
difcil discrimin-la. A primeira, a propsito do furto de joias de
que foi vtima, teve, segundo assegura, aviso em dois sonhos
consecutivos nas noites precedentes ao acontecimento, mas
resulta de outra narrativa que o roubo se verificou de modo mui
diferente dos seus sonhos, e assim que, para esclarec-lo e
descobrir o autor, teve de se curvar ante uma rival, sonmbula,
uma certa Del Piano, que lhe indicou o culpado na pessoa da
porteira da casa, opinio que pareceu verdadeira, porque coincidiu com a da Polcia.37
Outra vez, na noite precedente sua desclassificao em
Cambridge, e esta foi a desgraa mais grave de sua vida, apareceu-lhe John movendo com tristeza a cabea. Parece, pois, que
John interveio tambm em Paris, quando, enferma, era cuidada
por uma enfermeira, que negligenciava e dormia, em vez de
velar por ela, e em quem, para despertar, John aplicava sonoros bofetes, que a espantaram e fizeram fugir.
O egrgio engenheiro Grauss refere, a propsito, que, tendo
sido admoestada pelo comissrio por haver lanado em rosto o
141

furto porteira, tardiamente, quando j se tornavam inteis as


pesquisas em sua casa, Euspia foi abalada at cair em delquio.
A mesa ento comeou a agitar-se, expressando tiptologicamente
o pensamento de John:
Salva minha filha, porque enlouquece; salva-a com a sugesto.
E havendo respondido o engenheiro que John era mais forte
do que ele, apareceu, em pleno dia, um velho alto, magro, com
longa barba, que, sem falar, pousou a palma da mo cabea e
depois na de Euspia, deixando-a em profundo esgotamento.
Euspia despertou esquecida de todas as agruras.
Na loteria, em que pecam todos os paroquianos de Npoles,
no teve nunca premonio segura.
Teve, em vez disso, singulares telepatias. Duas vezes, havendo sido apresentada a pretensos admiradores seus, ela os repeliu
com brutal insolncia, sem sequer lhes olhar o rosto, dizendo-os
inimigos, e o eram efetivamente. Tinha muito amor prprio.
H muitos prncipes dizia frequentemente e muitos reis,
mas s existe uma Euspia.
Sua cultura era a de uma paroquiana da ltima classe. Carece
muitas vezes de bom senso e de senso comum, mas tem uma
intuio e uma finura intelectual que contrastam com sua incultura e lhe faz, malgrado esta, julgar e apreciar o verdadeiro
mrito dos homens com quem estava em contato, e sem ser
sugestionada, no seu julgamento, pelo prestgio ou falsa notoriedade proporcionada pela riqueza e autoridade.
Ingnua, at se deixar iludir e mistificar por qualquer intrigante, ela prpria capaz de mentiras e velhacarias.
Muitos so os truques que fazia em estado de transe, inconscientemente; e fora disto, por exemplo, liberando uma das mos,
presa pelo controlador, para mover objetos que estavam ao seu
alcance, tocar nos presentes e, com um joelho ou com o p,
levantar a perna da mesa, e, fingindo alisar o cabelo, arrancar um
fio e com ele baixar a pequena balana de um pesa-cartas.

142

Foi tambm vista por Faifofer, antes da sesso, colhendo flores em um jardim, furtivamente, para simular apports na sesso
da noite, prevalecendo-se da escuridade.
Parece ainda que tivesse aprendido, de algum pelotiqueiro,
truque especial, por exemplo, aquele de simular rostos humanos,
com o movimento das duas mos circundadas de um leno
ajeitado guisa de turbante.
Todavia, sua maior dor, mesmo durante a sesso, quando
acusada de truque (preciso dizer que s vezes injustamente),
porque s agora temos a segurana de que membros medinicos
se sobrepem aos seus naturais e fazem as vezes destes e foram
tidos como sendo dela.
Tem memria visual bastante vivaz, a ponto de recordar 5 em
10 testes mentais apresentados em 3 segundos; e o dom de
lembrar com grande vivacidade, especialmente fechando os
olhos, os contornos das pessoas, com a viso exata de poder
desenhar os traos caractersticos.
Retm perfeitamente srie de 5 nmeros,38 mas comete erros
na srie de 6, e tambm se equivoca em recordar palavras, especialmente as de mais de trs slabas; tem uma faculdade de
associao de ideias de todo elementar, e assim o papel s lhe
evoca a ideia de caneta, e o co a fidelidade; infiel lhe a memria para figuras lineares.
A mdia dos tempos de reao simples auditiva foi nela de
113 milsimos na 2 prova. Tem ndices morbosos, que vo at
loucura histrica; passa rapidamente da alegria tristeza; tem
fobias estranhas: por exemplo, a de sujar as mos, temer a escuridade; fortemente impressionvel e sujeita a sonhos, malgrado
sua idade madura.
Tem, no raras vezes, alucinaes, e com muita frequncia v
sua prpria sombra; na infncia acreditava ver dois olhos que a
fixavam por detrs das rvores e das sebes. Quando se encoleriza, especialmente se a ofendem em sua reputao de mdium,
violenta e impulsiva, a ponto de maltratar seus adversrios.
Estas suas tendncias contrastam com uma singular bondade
de nimo, que a faz empregar seus ganhos para aliviar a misria
143

dos pobres e das crianas; que a faz sentir pelos velhos e pelos
dbeis uma piedade sem fim, que a leva a perder o sono, e a
impulsiona a proteger os animais a ponto de maltratar os seviciadores.
Antes da sesso, e s vezes no correr dela, pode prever o que
se far, se bem que depois no se recorde se se obteve ou no,
quanto prometeu, e nem sempre acerta o que se gabava de fazer.
No princpio do transe (copio Morselli na sua belssima diagnose), sua voz se faz rouca; todas as secrees, suor, lgrimas e
at o mnstruo aumentam.
hiperestesia, especialmente esquerda, se sucede a anestesia; faltam os reflexos pupilares e tendinosos, se ocorrem tremores, miostenia, a que sucede amiostenia, paresia, especialmente
na direita.
Igual aos faquires, quando quer entrar em transe, diminui a
respirao, passando de 28 inspiraes a 15, 12 por minuto,
enquanto que, ao contrrio, o corao aumenta as pulsaes de
70 a 90 e at a 120; as mos so presa de estremecimento e
tremores, as articulaes dos ps e as mos tm movimentos de
flexo e extenso e, outro tanto, se enrijecem.
A transio deste estado ao sonambulismo ativo assinalada
por bocejos, soluos, suores na fronte, transpirao nas mos e
estranhas expresses fisionmicas; ora parece presa de violenta
clera, que se manifesta por ordens imperiosas e por frases
sarcsticas contra seus crticos, ora dir-se-ia vencida por um
xtase voluptuoso-ertico.
No estado de transe, antes de tudo, empalidece, volta as pupilas para cima, o branco do globo ocular vista, agita a cabea
para um lado e outro, e depois fica exttica e tem muitos daqueles gestos frequentes no acesso histrico: bocejos, riso espasmdico, mastigao frequente, viso a distncia e linguagem s
vezes seletssima e tambm cientfica, ideao rapidssima, que
lhe permite apreender os conceitos dos presentes, ainda que eles
no os expressem em voz alta ou os exprimam em misteriosa
forma.
144

Morselli notou em seu transe todos os caractersticos do histerismo, a saber: 1) amnsia; 2) a personificao com a de John
King, em cujo nome fala; 3) gesticulaes passionais, ora
erticas, ora sarcsticas; 4) obsesso, principalmente de no ter
xito nas sesses; 5) alucinaes.39
Nos fins do transe, quando ocorrem os fenmenos mais importantes, experimenta grande sede (fenmeno de polidipsia,
prprio das histricas); agitada de verdadeiras convulses e
grita qual uma parturiente. Por fim, cai em sono profundo, e da
mossa do parietal se evapora um fluido quente, sensvel ao tato.
Depois da sesso, Morselli notou nela canhotismo exagerado:
42 quilos na esquerda e 18 na direita; hiperestesia na esquerda;
reflexos rotulares abolidos; pulso debilitado, 90; peso diminudo
de 2.200 gramas.40
Assim como exercita em transe sua motricidade, fora das suas
vias anatmicas, assim tambm percebe sensaes visuais e
tteis sem a interveno costumeira dos rgos dos sentidos
especficos, e assim d notcias de coisas que ocorrem em nosso
derredor, em posies no acessveis sua vista, nem de nenhum outro, notcias que depois se comprovavam verdadeiras; e
mostra durante o transe conhecimentos que no tinha antes, nem
conserva depois. Durante toda a sesso, permanece em contnua
ligao com os presentes, exprime as prprias opinies e a sua
prpria vontade, seja viva voz, muitas vezes pronunciando mal
as palavras, qual um paraltico progressivo, seja com golpes que
se sentem provir, ora da mesinha, ora de outros objetos, seja em
lngua italiana, seja em idioma estrangeiro.
Depois da sesso medinica, tem a sensibilidade morbosa,
hiperestesia, fotofobia e, amide, alucinaes e delrio, no qual
pede que a vigiem para que no se lhe faa mal, e sofre graves
distrbios de digesto, e vmitos se houver comido antes da
sesso, e, finalmente, tem paresia das pernas, pelo que necessita
que outros a conduzam e dispam.
Jourevitch notou que a hiperestesia em zonas, nas falanges,
no dorso da mo, no omoplata e no lado esquerdo da cabea.

145

Estes distrbios se agravam de muito se, por imprudncia dos


assistentes, for exposta, na sesso ou depois, a uma luz imprevista, o que recorda a pitonisa de Delfos, a quem as profecias
abreviavam a vida, e o triste caso da dEsperance, que, por ter
estado exposta, subitamente, a forte luz, durante uma sesso, foi
tomada de paralisia por muitos e muitos anos.
Devo acrescentar um fato descoberto pelo Dr. Imoda: que
Euspia, em estado normal, no exerce influncia alguma sobre
o eletroscpio, mas, apenas desperta de transe intenso, tendo a
mo suspensa sobre o eletrodo, pode, depois de 3 ou 4 minutos,
provocar a queda das folhas de ouro. Isto, posto de acordo com a
impresso de seus dedos na chapa fotogrfica envolta em trs
folhas de papel escuro, confirma a radioatividade em transe, e
tambm concorda ainda com a frequente apario de nuvens
brancas flutuantes, smiles de nvoa luminosa sobre a superfcie
da mesa ou sobre a sua cabea, durante a sesso, j que propriedade dos raios catdicos provocar a formao de nvoa quando
atravessam uma camada de ar saturado de umidade.

146

CAPTULO IV
Condies e influncias dos mdiuns
No so estes fenmenos morbosos s de Euspia, pois que
se verificam em quase todos os mdiuns.
A clebre mdium E. Smith 41 tinha av, me e um dos irmos sujeitos a fenmenos hipnticos e medinicos; tinha obsesses e alucinaes desde criana e, mais tarde, acessos de sonambulismo, dismenorreia e, no transe medinico, completa
anestesia de uma das mos, e aloquiria, pelo que, espetada na
mo direita, sentia a dor na esquerda, e tambm acreditava ver
esquerda objetos que estavam direita.
Na Sra. Piper o transe comea com ligeiras convulses clnicas, seguidas de estupor, respirao estertorosa.42 Tornou-se
mdium depois do susto por um raio, e aps duas operaes em
tumores.
Home declarava produzir os mais maravilhosos fenmenos
quando estava em letargo, o que o impedia de bem recordar-se
depois; teve enorme atraso no seu desenvolvimento, e aos 6 anos
ainda no caminhava; depois de um pleito com a Sra. Lyon,
sofreu congesto cerebral, paralisia, amnsia.
No letargo dizia os Espritos se apoderam de mim,
mudam o meu todo, meus gestos, e at meu corpo pode estender-se de oito polegadas.
No tem influncia sobre os fenmenos, deseja muitas vezes
realiz-los, mas no obtm xito, visto que ocorrem quando ele
est no leito, adormecido.43
Cada em transe escreve, de si, dEsperance , experimento uma sensao de vcuo e perco o sentido do espao;
no saberia dizer, por exemplo, onde que movo o dedo,
como se o movesse na gua.
Nas materializaes lhe sai primeiro do abdmen um vapor
luminoso, que se transforma num ser vivo, transformao essa
to rpida que no se sabe qual se forma antes, se o corpo, se a
vestimenta.
147

Quando aparece o fantasma, experimento dificuldade em


encontrar meus pensamentos e minhas foras; estou como
que em sonhos e no posso mover-me. Quando Iolanda se
movimenta, faz-me transpirar e me exaure mais do que se me
movesse eu prpria; quando se materializa fora, sinto-me
mais forte; quando toca algum objeto, sinto os meus msculos se contrarem como se fossem as minhas mos a toc-lo;
quando imerge as mos na parafina derretida, eu me sinto
queimar; quando um espinho lhe penetrou no dedo, experimentei grande dor; eu a vi tocar o rgo, e a vi por vezes fora
do gabinete.
No primeiro momento do semitranse, quando no est ainda formado o fantasma, tenho uma sensibilidade maior do
que a normal, sinto quando transita uma pessoa pela casa, ouo o relgio da igreja e os silvos do trem, o que no ocorre
quando estou em estado normal, e apreendo o que pensam os
presentes. Quando toco as mos de Iolanda, creio sentir as
minhas, mas atino depois com o meu erro, quando vejo quatro mos; quando estendo as mos para toc-la, no sinto nada; quando se assenta nos meus ps, no sinto peso algum.
Todavia, num sbado, senti todo o peso do seu corpo. 44
Politi, que, fora do transe, no apresenta qualquer anomalia,
no transe tem convulses, anestesia, alucinaes terrorficas,
zoomrficas, e delrios de perseguio.
Tudo isso se liga histeria, tal qual (nota mui justamente
Morselli) tabes e paralisia geral, que no se originem de
processos sifilticos, mas que se desenvolvem com os avarisicos, bem como com os atingidos de areias biliares e asma, sem
ser de natureza gotosa ou reumtica.
Tudo isso pode bastar para concluir que nos fenmenos de
transe domina o supremo automatismo; que o transe medinico
um verdadeiro equivalente histrico, tal qual o estro genial ,
para mim, um equivalente do acesso psquico epilptico, sobre
fundo neurtico e morboso, e assim os fenmenos mais estranhos dos hipnotizados e do sonho se devem s desagregaes
psquicas na hipnose e no sono que, na paralisao comum das
148

faculdades, fazem prevalecer a ao do inconsciente (veja-se a


parte I) e o automatismo.
Por isso, quando o Prof. Lucatello, em Pdua, acha em Zuccarini completa insensibilidade dolorfica cutnea, e o sonambulismo levado at ao estado catalptico imediato, com o simples
esfregar da pele (e outras anomalias histricas j havia notado
Patrizi: assimetria do rosto e do crnio, com menor desenvolvimento na metade esquerda, fenmeno de Claude BernardHorner, assim frequente nos epilpticos; disparidade na funo
visual nos dois olhos; ambidestrismo, desproporo entre a
grande abertura dos braos (1,71m) e a estatura (1,60m); sonolncia habitual e escassa fora de ateno), isto no depe contra
a sua faculdade medinica, mas com maior razo sela e em parte
explica como, a meu ver, os milagres do gnio e do hipnotismo
so explicados pela concomitante neurose (veja-se a parte I).
Assim sendo, somos atrados a crer que muitos dos fenmenos espiritistas derivam do estado neurtico do mdium, enquanto que muitos destes fenmenos se assemelham aos hipnticos,
que com a nevrose tm tanta relao, e se desenvolvem sempre
nas vizinhanas do mdium, especialmente sua esquerda. As
mos e os braos fantasmticos saem geralmente do seu corpo e
das suas vestes, e os fantasmas aparecem as mais das vezes sobre
sua cabea ou sobre a do controlador que est a seu lado, e
quanto mais importantes e raros so os fenmenos por exemplo, nos casos de materializao , tanto mais se agrava o transe
do mdium.
Quando ocorrem movimentos de objetos, inclusive dos distantes do mdium, notam-se movimentos sincrnicos no prprio
mdium, que foram fixados graficamente por Bottazzi e
dArsonval, e frequentemente se notou, durante o transe, e
especialmente durante as materializaes, que o peso do mdium
diminui, e volta ao normal, ou quase, ao cessar dos fenmenos
(veja-se o captulo seguinte). Isto deve provir de que o prprio
corpo do fantasma se forma a expensas do corpo real do mdium, o que seria tambm confirmado pelo fato de que, nas
primeiras materializaes, os fantasmas tm muitas vezes certa
149

semelhana com o rosto e os membros daquele e com toda a sua


pessoa.
Acrescente-se o fato descoberto por Albert de Rochas, da exteriorizao da sensibilidade do mdium, a centmetros para fora
do seu prprio corpo. Ora, bastaria poder estender esta exteriorizao atividade psquica e prolongar a motricidade a maior
distncia, para explicar boa parte dos fenmenos do Espiritismo
e, at certo ponto, tambm aqueles fantasmas que saem do ventre
ou da cabea do mdium (dEsperance), e lhe assumem os gestos
e as formas.
O mdium, de resto, tem alguns especiais caractersticos alm
do olhar estranho, epileptoide, tpico do transe.
Segundo Maxwell, apresenta manchas zoomrficas na ris, e,
se no normalmente canhoto, assim se torna no transe, ou viceversa.
Afora isso, pode variar na inteligncia, da ultramediocridade
de Politi genialidade da dEsperance e de Moses, mas, no
transe, o mdium mais estlido pode desenvolver uma inteligncia extraordinria, e Wallace narra o caso de um caixeiro ignorante e grosseiro que, em transe, podia discutir sobre a Fatalidade
e sobre a Prescincia, enquanto que, fora dele, sabia apenas falar
de coisas comuns (e ns os vemos entender os idiomas estrangeiros mais dspares).
Pior a situao quanto moralidade: muitos se mostram enganadores e lascivos, enquanto outros, tais a Smith e Stainton
Moses, tocam os limites da santidade. Vi alguns, durante a
embriaguez ou uma forte emoo aprazvel, terem aumentadas as
faculdades medinicas.
No mais das vezes, os mdiuns necessitam de escuridade, de
excitamento, de rumor, de gritos, de cantos,45 para desenvolverem a faculdade, e no conservam (exceto os clebres casos de
dEsperance e Home) conscincia e memria do que fazem em
transe, como sucede nos epilpticos.
As provas das transmisses do pensamento, ainda que se afirmem em alguns, so de todo modo frequentes e evidentes no
transe de Euspia.
150

Eu pensava fortemente em poder rever minha me; a mesa


assentiu com energia ao meu desejo, inexpressado pela palavra, e
em seguida apareceu a imagem de minha genitora.
O Sr. Becker pediu mentalmente que lhe desatassem e deslocassem a gravata, e isso se verificou imediatamente. O Dr.
Surada pensou em que John, de uma garrafa, derramasse a
gua num copo, na cabine medinica, e o ato executado em
seguida, e o copo, cheio, trazido para a mesa e, depois, para os
lbios de um dos controladores.
A condessa de A. (em Veneza, do Prof. Faifofer) costurou
sob uma dobra da barra do vestido um saquinho, que envolvia
certa moeda, e veio sesso com a ideia, no expressa pela
palavra, de que fosse descosido e retirado, e isso foi feito apenas
repensou; num outro dia, veio com um adereo escondido na
cabea, e pensou em que fosse transferido para a de Euspia, a
quem queria presente-lo; apenas isso pensou e o transporte se
fez.
Como veremos, os mdiuns adquirem no transe energias
musculares e intelectuais que no tm antes e que s raras vezes
se podem explicar pela transmisso do pensamento dos presentes, pela telepatia, e que exigem, pois, uma explicao especial,
qual aquela da ajuda dos mortos.
Estes transmitem, durante o transe, algumas de suas faculdades tambm mais singulares, assim o canhotismo em Euspia, a
levitao e a incombustibilidade em Home, o qual podia pegar,
sem se queimar, em carves em brasa, e assim fazia que outro o
pegasse com igual imunidade.
Muitos manifestam sua atividade em uma s direo. Os mais
frequentes e menos importantes, e amide errados, so os mdiuns tiptlogos, que transmitem com golpes emanados da mesa
ou com movimentos de um ponteiro sobre alfabeto disposto num
mvel. Muito frequentes so, todavia, os mdiuns motores, que
fazem mover mesas, cadeiras, etc.
Existem, conforme descobriu recentemente Ochorowicz, aqueles que atraem com os dedos os objetos, deixando-os suspensos no ar, como poderia o m fazer com o ferro.
151

Curandeiros h, frequentemente ignorantes da Medicina, e


que, sem embargo, obtm singulares resultados.
Vi uma estpida mulher, qual faquires hindus haviam reconhecido como irm, melhorar, por dois ou trs meses, com
exerccios musculares apropriados, uma doente de tabes, em
ltimo grau.
Existem os mdiuns pintores que, sem saber coisa alguma de
desenho, se improvisam de sbito pintores, tal aquele Machner,
ex-marinheiro alemo, que pintava quadros de flores e paisagens,
e aquela camponesa, tambm alem, que, sem haver jamais
pegado um pincel ou um lpis na mo, desenha e pinta complicadas figuras de fantsticas e elegantes flores. E at os que
compem em poucas horas e s escuras, quadros a leo que
exigiriam dias inteiros de labor.
Sardou e Hugo de Alessy pintam automaticamente, procedendo ao acaso, e assim mesmo obtm xito nos retratos; Fernando Desmoulin, que j era artista, quando pintava espiriticamente terminava s escuras, em 25 ou 40 minutos, trabalhos
bastante extensos, e pintava tambm com o rosto metido num
saco. Desperto e cessado o transe, apesar de ser pintor, no
conseguia terminar esses esboos.
Hugo de Alessy no era pintor, e acertou pintar retratos de
mortos desconhecidos; o guarda campestre Destips, com a mo
direita estropiada, a ponto de no poder escrever, traava ao
acaso, em estado de transe, flores e ornamentos orientais belssimos.
E como j vimos, Euspia, em transe, era hbil escultora.
Existem mdiuns fotgrafos, com a presena dos quais aparecem, nas chapas fotogrficas, ou retratos de vivos ausentes ou de
mortos.
H mdiuns falantes e adivinhos que descobrem fontes e metais subterrneos;46 pneumatogrficos que provocam a escrita
direta; os desmaterializadores, que fazem os transportes de fora,
apesar das portas e janelas fechadas e intactas; os evocadores dos
fantasmas; os fotforos, que provocam luzes mais ou menos
circunscritas; os glotlogos, que falam idiomas desconhecidos;
152

os premonitores, que profetizam; os escreventes intuitivos, que


ouvem no seu crebro uma voz que lhes dita o que escrevem; 47
os acsticos, que ouvem a voz dos Espritos no ouvido.
Outros mdiuns so msicos, enquanto fora do transe no conhecem uma nota; outros, incombustveis, manejam, sem se
queimar, carves acesos. Outros, os mdiuns de incorporao,
assumem, de improviso, o aspecto, os modos, a voz, etc. de um
ou de vrios mortos, um depois do outro.
Eu prprio vi Randone de Roma assumir sucessivamente o
aspecto, os modos e a voz de um idiota, de um orador de igreja e
de um professor afetado de paralisia geral.
Outros so volantes, desfazem-se subitamente e se refazem a
grande distncia, tais os irmos Pansino de Ruvo (estudados por
Lapponi), que, em 10 segundos, desapareceram de Trani e se
encontraram em Ruvo;48 outros s apresentam levitaes, tal o
Zaccarini de Bolonha. Euspia e Home, ao contrrio, reuniam
muitos destes caractersticos: materializaes, escrita direta,
levitaes.
A maior parte de mdiuns de efeitos fsicos, motores; a menor parte de efeitos intelectuais. Notei tambm, na vida de
Euspia, que as suas primeiras manifestaes eram motrizes, as
ltimas fantasmticas; tambm nas atuais sesses, primeiro
ocorrem fenmenos motores e os fantasmas aparecem por ltimo, quando chega o mximo de letargia.
Sobre o espao a quatro e mais
dimenses em relao ao mdium
Ocorrem certos fenmenos nas sesses medinicas que, segundo alguns autores, no se podem explicar com a energia
prpria do mdium, mas com o supor que, merc de ignota
razo, em redor do mdium se produza uma atmosfera ultrafsica na qual as leis comuns da gravidade, coeso, impenetrabilidade e inrcia da matria sejam suspensas, como se o nosso
espao assumisse quatro ou mais dimenses.49

153

Esta hiptese, que foi pesquisada primeiramente por Zllner,


viria, acima de tudo, explicar os fenmenos de transportes,
autolevitaes, de autodesapario e reapario.
Pode-se ver a este propsito o que me escreve Brofferio:50
Para que um objeto possa penetrar, do exterior de uma habitao fechada, sem abrir as portas ou as janelas, preciso
faz-lo passar atravs da madeira, ou do vidro ou dos tijolos;
mas, para isto, necessrio que suceda uma destas trs coisas: que passe atravs do vidro sem se desfazer, nem quebrar,
isto , que seus tomos passem pelos intervalos interatmicos
dos vidros, ou seja, que o objeto se decomponha em matria
impondervel (operao que denominam, pouco felizmente,
desmaterializao) antes de passar pelas paredes e recomposto depois,51 ou seja, que, para aparecer ou desaparecer sem
passar pelas paredes, seria necessrio que ele entrasse em
uma quarta dimenso do espao e depois tornasse a sair. Para
seres que vivessem em um espao de apenas duas dimenses
(tais as figuras fotogrficas que parecem mover-se, mantendo-se sempre num plano, no eletro-taquiscpio), poderamos
fazer desaparecer uma flor que fosse pintada dentro de um
crculo e depois faz-la reaparecer fora desse crculo, porque
podemos ergu-la no ar, faz-la desaparecer numa terceira
dimenso, na altura ou profundidade (que esses seres fotogrficos no poderiam sequer imaginar).
Assim se explicariam tambm os transportes de objetos, sem
contato, frequentemente a grande distncia, a escrita entre duas
lousas, a passagem de dois anis, um dentro do outro, ou de uma
mesa para outra, a formao de ns em tiras de couro ou em
cordis presos nas duas extremidades, etc., os fenmenos de
incombustibilidade de muitos mdiuns, entre eles Home, e
tambm a possibilidade de fazer que permanea no ar a gua
derramada de um copo.
Se se admitisse, neste novo espao, uma reviravolta, um distrbio das leis normais do tempo, conseguir-se-ia explicar de que
modo os mdiuns podem, por vezes, transformar-se em profetas,
como foi constatado pela Sra. Piper, que predisse a diversas
154

pessoas, perfeitamente ss, sua futura enfermidade, e o nome de


quem as curaria, etc. (veja-se o captulo seguinte).

155

CAPTULO V
Mdiuns e magos entre os
selvagens e os povos antigos
Esta preponderante ao dos mdiuns, nos fenmenos espiritistas, est confirmada pela observao de que todos os povos
primitivos e selvagens, e tambm o nosso vulgo, especialmente o
dos campos, veneram alguns seres, magos, feiticeiros, santarres
e profetas que so verdadeiros mdiuns, os quais, segundo esse
vulgo, se cr hajam transformado as leis comuns do tempo, do
espao e da gravidade: ver distncia, predizer o futuro, elevarse no ar, passar atravs dos corpos opacos, transportar-se num
relmpago a milhares de quilmetros, etc., estar em comunicao
com seres extraterrenos, diabos, santos e, acima de tudo, com as
almas dos mortos.
Comeando pelo nosso vulgo, leio em Pitr 52 que em Siclia
crena popular que os inspirados (homens nos quais entrou um
Esprito, ou diabo, no corpo) falam todas as lnguas, so bons ou
maus, segundo os Espritos que tenham no corpo; e que s
podem ser libertos por outros inspirados mais potentes do que os
outros e chamados caporali dos Espritos, verdadeiros magos
que frequentemente discutem entre os colegas acerca da sua
superioridade; um tinha Espritos benignos e falava ingls; outro
possua malignos, emitia sons inarticulados e, epilptico, caa ao
cho.
Exorcizam-se os inspirados com certas oraes, com atadura
de um leno no brao, com puxo dos cabelos, com a queima de
incenso em braseiro, com sopapos, pauladas, murros no peito.
Em lugar dos caporali, algumas vezes conseguem o mesmo de
certos santos, especialmente com S. Filipe.
As bruxas (stria, magara) tm aspecto ora de gatos, ora de
morcegos e, feias, velhas de mau sangue, no saem de dia;
aparecem meia-noite, tratam de matar ou corromper meninos
no batizados at 49 dias de nascidos. Quando praticam um
malefcio (fattura), vencem a vontade da vtima como que hipnotizando-a, e assim esta no pode exercer sua prpria liberdade;
156

tm o hbito de voar noite; tm especial atrao pelo alho,


grande horror ao sal; gostam das nogueiras, sob as quais se
renem aos milhares; despertam nos homens amores e dios
violentos por uma dada mulher; podem torn-lo impotente,
enfermo, louco, imbecil; para tal fim, porm, preciso que
tenham qualquer objeto da sua vtima, algum cabelo, meias,
camisa, etc.
Para atuar sobre a mulher, til usar um po, adicionado de
ps de ossos pulverizados, e com algumas gotas de sangue da
mulher amada ou do seu tributo mensal, misturado com cabelo
de frade e com talo de salva.
Sabem enfeitiar (envouter), introduzindo pregos e alfinetes
numa laranja, num limo, num ovo, o que provoca dores fortssimas no corpo da pessoa visada.
Algumas vezes se servem de bonecas e fantoches, com os
quais afiguram a pessoa odiada. Mas, esses bruxos eram mais
frequentes em pocas remotas, pelo que foram criados para eles
crceres especiais.
O arcebispo de Torres, em suas Memrias, distingue as bruxas e os bruxos que vo s danas dos que predizem o futuro,
dos que curam a citica.
Existiram depois e existem, em Siclia, as donne di fuori,
ou da noite, belas, volumosas, que querem encontrar a ordem
em toda parte, e so pouco avistadas, e somente nas quintasfeiras; preferem os bosques e as casas pobres e isoladas, nas
quais penetram pelos orifcios das fechaduras ou pelas frestas
das portas; caprichosas, se favorecem a casa, tudo marcha bem;
caso contrrio, tudo vai mal, de modo que os habitantes so
constrangidos a mudar-se, e ento cessa toda a triste sorte.
Muitos desses fenmenos coincidem com os dos nossos mdiuns, tais a xenoglossia, atuar de noite, etc.
Mdiuns cirauli Esta uma outra espcie de mdiuns,
para os sicilianos.
Ciraulo o nascido na noite de 29 de junho ou 24 de janeiro.
Esses tm especiais virtudes. So todos fortes, prsperos; manejam impunemente pastas venenosas, serpentes, escorpies.
157

Ungindo com a saliva, neutralizam qualquer mordedura venenosa; com pequeno basto, que batem no solo, encantam qualquer
animal, inclusive as lombrigas nas crianas; adivinham o porvir e
transmitem a todos os seus descendentes estas qualidades, reconhecidas oficialmente nas Pandetas protomedicais de Siclia
(Pitr). Tm uma espcie de Meca ou cidade santa, em Palazzolo-Acreide. l que fazem moradia e os mais famosos domnios;
l que realizam uma procisso, no dia de S. Paulo, conduzindo
serpentes nas mos.
Benevente De Blasio 53 pde estudar, nas circunvizinhanas
de Benevente, 2.000 magos, aproximadamente 1% da populao,
e precisamente 180 janare (bruxos), 1.391 occhiardi provocadores de vento e 89 magos, 47 enganadores, muitos deles
histricos, 242 epilpticos, 333 bbados, 339 muito sanguinrios;
todos usam uma gria e gestos especiais; distinguem-se os que
maleficiam dos que desmaleficiam.
Portugal No h pais da Europa onde os impostores ganhem tanto dinheiro quanto em Portugal. A so velhas que
predizem o porvir, preparam filtros de amor e executam outras
obras de feitiaria. Em Lisboa, o bairro onde predominam
chamado da judiaria ou Mouraria. O Weltspiegel anota que a
Idade Mdia revive naquelas espeluncas. As pitonisas leem o
futuro na gua, no chumbo, no espelho, nas borras de caf, e
preparam as suas drogas segundo todos os preceitos da arte: com
ossos de mortos, crebro de co, peles de gato, cauda de salamandra. A polcia intentou muitas vezes pr termo a essas comdias da superstio, que repetidas vezes degeneram em tragdia, porm sempre em vo.54
Vosges 55 Nos Vosges se cr que os bruxos vos podem extraviar do caminho; fazer tomar folha por ouro; com um sopro,
um olhar, um gesto, secam a medula dos ossos; inoculam mil
ferres na pele; envenenam as estrebarias; destroem as colheitas
com as suas ervas; com as suas oraes podem fazer dos demais
o que quiserem; nos seus espelhos malditos fazem aparecer os
mortos e os vivos, e para isso no mister deixar em suas mos
fragmentos de unhas ou de cabelos. Na sexta-feira noite, e
especialmente no sbado, vo ao bosque e so por isto ento
158

mais perigosos. Podem transformar-se e transformar a outros em


animais; com a varinha forquilhada descobrem as fontes, os
tesouros, os ladres (tal qual os rabdomantes).
Bretanha H na Bretanha mulheres nervosas que fazem
predies e so chamadas Abision; inteiram-se da queda de um
objeto, do suspiro emitido por invisvel boca ou da apario
durante o sono da pessoa que deve morrer; em suas casas, as
campainhas soam por si para avis-las da morte de um parente
em pas distante.56 Neste ltimo caso, algumas vezes os parentes
ouvem golpes ou rumores de gente que caminha sobre gros, ou
mos que apertam e puxam as cobertas. Certa me viu a imagem
de seu filho, ferido, coberto de sangue, e ele morria na mesma
hora (so os costumeiros fenmenos espiritistas); uma outra viu
um archote, na eira, acender-se e apagar-se trs vezes, e ouviu
chorar, enquanto tratava de uma vaca. Pouco depois soube que
sua madrasta morrera.
Existem lugares especiais para os bruxos: Pes, Trevis, Cancoret.
Cr-se que os feiticeiros tm a faculdade de matar os animais
e algumas vezes os homens, atirando contra eles sortilgios, e
sugestionando um bom nmero. Assim, em Trevis, tendo uma
jovem recusado esmola a um mendigo, este lhe disse que ela se
arrependeria e, desde aquele dia, as suas vestes eram rasgadas,
mesmo dentro do armrio, por mos invisveis.
Os bruxos, untando a pele com uma substncia, por todo o
corpo, podem voar; algumas vezes intentaram comer meninos;
amide impediram que o leite produzisse a nata da manteiga.
Para guardar-se contra eles, preciso ter consigo uma serpente e
vestir a roupa pelo avesso, ou pr sal no fundo do boio.
H alguns livros, tais o Salom e O Pequeno Alberto, que do
o poder de evocar o diabo, dar-lhe ordens e de fazer tornar-se em
animais.
Povos brbaros e selvagens
Vejamos, pois, quo pouco temos de ensoberbecer, sobre o
assunto, ante os povos selvagens e brbaros.
159

rabes Comeando pelos rabes, bedunos, etc., vemos a


seita dos Aissaua, que vive particularmente na Arglia, apresentar aqueles mesmos fenmenos de insensibilidade que os faquires indianos mostram: comer carves em brasa e vidro, traspassam-se de lado a lado um membro do corpo com uma espada,
sem que resulte cicatriz sequer, etc.
Osman Bey, no seu Gnio do Islamismo,57 fala de fenmenos
similares que se encontram junto dos derviches Cheik, os quais
operam verdadeiros milagres, graas ao poder a eles transmitido
pelo prprio Pir, o fundador da Ordem.
Os Cheik continua ele vendem musk, ou seja, amuletos; praticam o nefes, ou seja, tratamento das doenas por meio
do magnetismo; recorrem ao buiu ou verdadeiro exorcismo
com objetivo de unir os bons Espritos e tornar impotentes os
malvados.
Entre os fenmenos mais notrios aos muulmanos esto aqueles que se obtm pelo que os espiritistas denominam mediunidade no copo de gua, embora em vez de gua se faa uso de
um cristal, de um espelho ou de algo smile.
Laborde, em estudo sobre a magia egpcia,58 fala de um mago
rabe, de nome Achmed, o qual chamava um rapaz qualquer dos
presentes, fixava-o nos olhos, vertia-lhe tinta na cavidade da mo
e depois, ordenando-lhe olhar para ela, lhe fazia aparecer a
pessoa que os assistentes designavam. E foi assim que uma vez o
rapaz viu no cncavo da mo Shakespeare e o Sr. Cradok, este
em misso diplomtica junto do Pach de Alexandria, que os
presentes reconheceram, sem a menor dvida, ante a descrio
que o rapaz deu.
Na colossal obra da Explorao cientfica da Arglia, relatrio de El Akach, se l que As gentes de Trpoli so afamadas
por sua sinceridade e pelo grande nmero de Medidube (pg.
100).
Medidubim se chamam l aqueles indivduos que sob o influxo de especiais circunstncias, caem em um estado que lembra o dos convulsionrios de S. Medardo. So numerosos na
160

Arglia e mais conhecidos pelo nome de Aisaovi ou Ammarim.


Batas Os batas, quando encontram um homem possudo de
gnio mau, respeitam-no profundamente e o olham por orculo.
Mostram-me diz clebre viajante , com respeito, uma jovem
dita filha do demnio, porque o pai louco. sempre visitada
pelos maus gnios, e logo todas as suas vontades se executam.59
Nos Nias, Modigliani 60 nota que se escolhem para magos ou
mdicos (Ero) aqueles atingidos de alguma especial deformidade, ainda que esta seja das deformidades mais desprezveis.
Acima de tudo, escolhem aqueles que os gnios (Bela) tornam
loucos de sbito, demonstrando deste modo que os designam
seus intermedirios.
Ento, fazem-nos sair do povoado, para viverem sobre as rvores e, quando seus patrcios os descobrem empoleirados,
agarram-nos e os fazem descer, confiando-os ao chefe-mago, que
os instrui por espao de 14 dias, durante os quais devem banquete-los toda a vila e os mestres, mas, sua volta, por toda a vida,
so lautamente mantidos, e assim que muitos fingem de loucos
para conseguir a frutuosa honraria.
Peru Existiam no Peru, alm dos sacerdotes e virgens sagradas, os magos ou profetas de ordem secundria que improvisavam profecias (chamados Hecheloc) em meio de convulses
e contores terrveis, e eram venerados pelo povo e desprezados
pelas classes mais cultas.61 Os patagnios tm magas e mdicas
que profetizam em meio de acessos convulsivos; podem ser
eleitos ao sacerdcio tambm os homens, porm devem vestir-se
igual s mulheres e ter demonstrado, desde a juventude, particulares disposies. Os epilpticos so eleitos por direito, porque
possuem o esprito divino.62
Entre os ndios carais (Brasil) se torna mdico-mago qualquer que tenha nascido ou se revele epilptico, nervoso, disposto,
pois, nevrose desde o nascimento.63
Nos Diujeric da Austrlia do Sul, tornam-se mdicos os
que veem desde a infncia o diabo, o que neles provoca medrosos sonhos, na modalidade de ncubos.
161

Os adivinhos entre os cafres


Os cafres so um povo em extremo supersticioso; a superstio tem grande importncia nas relaes da sua vida e faz parte
das leis, dos costumes, da religio. O sistema religioso consiste
na venerao do Esprito dos mortos (Amadhlosi).
Isanusi ou Isangoma chamam-se os adivinhos, os quais
se podem considerar os sacerdotes dos cafres e so os intermedirios entre vivos e mortos; sua influncia para o bem e para o
mal, e assim o seu poder sobre o corao dos cafres, sem
limites. A arte da adivinhao pode ser exercitada tanto pelos
homens quanto pelas mulheres, e todos os que cumprem estes
encargos formam uma classe bem distinta entre as raas sulafricanas.
Os europeus confundem os adivinhos com os magos; entretanto, na interpretao dos cafres, os adivinhos so uma seita
religiosa que funciona para o bem do povo.
O dar a um Isangoma (adivinho) o ttulo de Untakati
(mago) infligir-lhe a mais grave das ofensas, igual a, na Europa, chamar ladro a um policial. Entre os cafres, o adivinho
protetor do povo: a ele incumbe desmascarar os rus, os bruxos,
e submet-los a juzo e penalidade.
Enquanto o mago exerce a arte no seu prprio interesse, o adivinho trabalha para o bem comum, qual um empregado do
Estado. Antes de eleger um adivinho, prova-se a sua idoneidade
na descoberta de malfeitores, no encontrar objetos perdidos, no
reconhecer uma enfermidade e sua causa. Porm, pode ele ter
outros dons, e h especialistas para a chuva, granizo, trovoadas,
ervas, etc. O adivinho tambm perito na arte mdica. Mas,
acima de tudo, deve ser capaz de comunicar com os Espritos dos
mortos para revelar seus auspcios. Aqui, a imaginao e o
engano cooperam para resolver a tarefa. O que tem nervos
sensveis e sonhos agitados considerado idneo para relaes
com os Amadhlosi (Espritos dos mortos), e por isso que as
mulheres tm maior predisposio. Ningum pode, por si s,
declarar-se adivinho. Os candidatos devem ser instrudos durante
algum tempo por um adivinho sbio, escolhido entre os mais
162

idosos da raa, e nomeado com o consenso dos chefes. Na


primavera, com a renovao das folhas, aparecem os primeiros
sintomas dos futuros adivinhos. Se, nessa estao, um jovem tem
sonhos tumultuosos, imagina-se em seguida que os Amadhlosi
tenham relaes com ele: cr ouvir vozes; anda, errante, por
lugares solitrios; salta s guas profundas para receber as comunicaes dos Espritos e quando, noite, regressa a sua casa,
recusa o alimento, que antes devorava qual um lobo, e depois cai
em xtase.
Em continuao a esses fenmenos, seus parentes concluem
em faz-lo examinar por um adivinho. Se este no encontra
autntica a vocao, ordena-lhe medicao para reforo dos
sintomas misteriosos; coloca-lhe um tufo feito de penas na
cabea e inicia-o nos segredos da cincia; o candidato continua a
sua cura de medicinas e frices e, tomado enfim pelo frenesi,
atira-se contra as rochas, imerge na gua, expondo a perigo a
prpria vida, se os amigos no o vigiarem. Conjura as serpentes
e as enrosca em redor do corpo e do pescoo; enquanto isso,
emagrece visivelmente, o que lhe aumenta o valor, porque os
indgenas tm escassa confiana nos adivinhos gordos; muitos
colegas vm sua cabana, e no raro disputam entre si sobre a
arte que exercem, tachando-se um a outro de mistificador e
ignorante. Depois de algum tempo, o adivinho se acalma, volta o
apetite, seu sono ento mais tranquilo e comea a exercitar-se
na busca de objetos perdidos. Antes de ser reconhecido publicamente, deve, ante o povo, passar por um exame. Em lugares de
esconderijo so postos diversos objetos e, se sozinho no os sabe
encontrar, outros adivinhos vm em sua ajuda. Se a prova d
bom resultado, declarado verdadeiro adivinho. Entre os cafres
no se celebram consagraes sem carne e sem cerveja, e os
mestres do novo colega, depois de lhe haverem revelado os
segredos da cincia, por temor de que se afaste e torne ao viver
anterior, matam-lhe o rebanho para uma festa pblica; os amigos
lhe fazem ddivas para atender s primeiras necessidades, e
depois, com uma boa dose de astcia e de desenvoltura, manobrando pelo faro seus clientes, poder procurar riquezas. Se os
seus auspcios se cumprem, torna-se clebre e faz em breve
163

frutuosa clientela; se se equivoca, basta que diga (e assim os


espiritistas) que hoje os Espritos o enganaram ou que estavam
em lua m, ou que no quiseram pressagiar coisa alguma.
Curiosa a confisso de velha maga cafre, chamada Paula,
que vive em Marianhill, convertida h 12 anos ao Cristianismo, e
que foi durante 40 clebre adivinha. Narra ela:
Quando eu era jovem, depois de haver dado luz meu terceiro filho, adoeci de convulses, tive vises e fiquei magra
qual um pau. Meus parentes interrogaram um adivinho e meu
pai, que era clebre nessa arte, disse:
Trazei-a a mim, quero faz-la clarividente.
Meu marido se ops primeiramente, temendo ter de gastar
muito dinheiro, mas afinal fui levada a uma adivinha que,
junto com meu pai, me ensinou a ver claro nos mistrios. Levaram-me as trs excelentes medicinas (?) de bondade, de
mansuetude, de conformidade com os Espritos dos mortos.
Bebi-as por trinta dias e depois fui com essas bem lavada e
esfregada. Puseram-me nas costas peles de cabra, por distino dos meus mritos. Os Espritos falavam sempre mais comigo; nos sonhos, via os dos meus antepassados, sob a forma
de lagartos pardos, e comecei a profetizar. Depois de todas as
provas, fui declarada hbil, conduzida minha terra, onde me
foi feita a honraria de grande festa; mataram-se bois, bebeuse utschwala (cerveja dos cafres); os meus mestres tiveram
a ddiva de dois bois.
Peguei um galo, ao qual dava a beber umas medicinas, coloquei-o no teto da minha cabana e ali permaneceu ele, dia e
noite, a fim de que visse, avisando-me com o seu cantar, a
chegada dos meus clientes. Quando as convulses estavam
para me assaltar, eu gritava:
Depressa, depressa, vinde em meu auxlio: os Espritos
me assaltam.
O povo acorria, cantava e danava, pisando-se os ps. H
cerca de 17 anos, o juiz de Maritzburg mandou chamar-me
porque fora roubado em dois cavalos. Eu lhe disse:
164

Ide cascata de Umgeni, l encontrareis os cavalos, amarrados, mas os ladres lhes cortaram a cauda e a crina.
Muitos policiais foram mandados ao local por mim indicado e encontraram os animais, conforme eu havia dito. Os ladres, que estavam prontos para os levar, foram aprisionados.
O adivinho se serve, para suas investigaes, de ossos de animais, quando no de bastes, que atira ao solo. Alguns se
servem dos bastes, baseando-se na posio em que caem no
cho: se horizontalmente, a pergunta recebe resposta negativa; se
bate contra o cliente, a resposta positiva.
Se se trata de enfermo do estmago, os bastes devem cairlhe sobre o ventre, mas se batem, ao invs, em outro ponto, quer
dizer que o mal reside ali.
Tylor 64 e o missionrio Rowley narram de um bruxo que se
serve, para descobrir uma ladra, de dois bastes, morada de um
Esprito, o qual, passando pelo esconjuro, aos quatro jovens que
seguram os bastes, os impeliam rumo cabana do ru. Os
quatro jovens, com efeito, excitados pelas contores e gritos do
bruxo, depois de alguns minutos foram presa de nervoso tremor,
que se transmudou em verdadeiras convulses, durante as quais,
em carreira louca pelas moitas, foram cair esfalfados e sujos de
sangue na cabana de uma entre as mulheres de um chefe, que era
a ladra.
Na ndia
Passando ndia, a terra clssica da magia e do ocultismo,
encontramos os faquires, que so brmanes de 2 grau, os quais
j cumpriram um largo perodo de iniciao e so especialmente
destinados a produzir fenmenos espiritistas. Constituem (diremos com linguagem europeia) os mdiuns da ndia.
Luis Jacolliot, cnsul em Benares,65 pde aproximar-se de
mais de um e, ainda que no crendo nas suas teorias espiritistas,
certifica que:
165

1) no do representaes pblicas, em que a reunio de


mais de uma centena de pessoas impossibilitaria o comparsa;
2) no so acompanhados de nenhum assistente ou comparsa;
3) apresentam-se dentro de casa completamente nus, salvo
uma cinta de pano, com a largura no superior da mo;
4) no utilizam copinhos, nem sacos encantados, nem caixinhas de duplo fundo, nem mesas preparadas, nem algum dos mil objetos necessrios aos prestidigitadores
europeus;
5) no levam consigo mais do que uma varinha de bambu,
com sete ns, e um pequeno assobio, que prendem em
madeixa de seus longos cabelos;
6) operam vontade da pessoa a cuja casa hajam ido;
7) quando necessitam de outra pessoa para desenvolver os
seus fenmenos de magnetismo, aceitam qualquer dos
presentes que se lhes indique;
8) se lhes necessrio um objeto qualquer, pedem que lho
emprestem;
9) recomeam quantas vezes se deseje suas experincias,
sob vossos olhos, para permitir sejam controladas;
10) finalmente, jamais pedem remunerao, limitando-se a
aceitar uma esmola para o templo do qual dependem. 66
Eis aqui alguns dos principais fenmenos observados por ele,
com Covindasamy, com o qual obteve os mais importantes
resultados e que, em sntese, se podem agrupar nestas 7 categorias:
1) levitaes; 2) transportes; 3) aderncia ao solo; 4) mediunidade musical; 5) escrita medinica; 6) vegetao acelerada; 7) materializaes.
Com referncia s levitaes, o prprio Jacolliot quem narra:
166

Pegando um basto que eu trouxera comigo de Ceilo, o


faquir apoiou a mo direita sobre um ponto do corpo e, pronunciados alguns conjuros mgicos, se elevou a dois ps do
solo, com as pernas cruzadas moda oriental, em posio
muito similar das esttuas de Buda. O fenmeno durou 20
minutos.
Outra vez, distanciando-se, o faquir se deteve no vo da
porta que comunicava o terrao com a escada e, cruzando os
braos no peito, se elevou, pouco a pouco, sem apoio aparente, a uma altura de 25 ou 30 centmetros do solo. Durou o fenmeno algo mais de 8 minutos.
Mas, eis um outro fenmeno mais maravilhoso:
Trs vasos de flores, bastante pesados, que requereriam
considervel esforo para os levantar, encontravam-se na extremidade do terrao. Covindasamy escolheu um e, pondo-lhe
a mo suspensa, guisa de toc-lo na borda com a extremidade dos dedos, lhe imprimiu, sem esforo aparente, uma oscilao regular, qual a de um pndulo, sobre a sua base. Pouco depois, pareceu-me que o vaso abandonava o solo, sem
modificar o seu movimento, ondeando no vazio, da direita
para a esquerda, segundo a direo que lhe imprimira o faquir.
Jacolliot descreve em seguida um fenmeno de aderncia ao
solo:
Peguei uma pequena mesinha de madeira de tek, que
ergui sem esforo com o polegar e o indicador, coloquei-a no
meio do terrao e perguntei ao faquir se poderia torn-la aderente ao local que ocupava. O malabar, impondo sobre ela as
mos, permaneceu imvel 15 minutos. Transcorrido esse
tempo, disse:
Os Espritos vieram, e ningum poder levar daqui a mesinha sem o consentimento deles.
Aproximei-me e, agarrando a mesinha, fiz o necessrio esforo para ergu-la: no se moveu, como se estivesse encravada no cho. Redobrei os esforos, e o frgil tampo da me167

sinha me ficou entre as mos. Peguei obstinadamente os ps


do mvel, mas no obtive melhor resultado.
Igualmente notvel outra experincia relatada por Jacolliot,
da harmnica que toca espontaneamente.
Pegou ele uma harmnica, suspendeu-a mediante cordel a
uma das barras de ferro do terrao, de modo que balouasse a
dois ps do solo, e pediu ao faquir que a fizesse soar, sem tocar
no instrumento.
Acedendo imediatamente ao meu pedido prossegue o
nosso autor , Covindasamy prendeu entre os dedos polegar e
indicador de cada mo a corda que suspendia a harmnica e
se concentrou, na mais completa imobilidade. Depois de poucos minutos, o instrumento se agitou suavemente, o fole se
contraiu em movimento de vaivm, semelhante ao que lhe tivesse imprimido invisvel mo, e dele saram prolongados
sons, sem harmonia entre si, mas perfeitamente ntidos na sua
emisso. Pedi obtivesse uma ria musical.
Evocarei o Esprito de antigo msico do templo respondeu.
Esperei. Depois de prolongado silncio, o instrumento emitiu uma srie de acordes que pareciam preldio, e em seguida
soou resolutamente uma das rias mais populares da costa
malabar. Durante o tempo que durou o trecho de msica, o
faquir no fez o mnimo movimento: limitava-se a permanecer em contato com o cordel que sustentava a harmnica.
E agora vejamos a escrita direta.
Covindasamy havia trazido consigo um saco de areia finssima; derramou-a no solo e a nivelou com a mo, de modo
a formar uma superfcie de cerca de 50 centmetros quadrados. Pediu que me colocasse em frente a ele, com uma folha
de papel e lpis. Tendo solicitado que eu lhe desse um pedacinho de madeira, atirei-lhe uma caneta, que deps na areia.
Escuta disse-me. Eu evocarei os Espritos. Quando
vires erguer-se verticalmente a caneta e ficar em contato com
168

o solo, por uma das suas extremidades, poders escrever no


papel o que quiseres, e v-lo-s reproduzido na areia.
Estendeu, ento, horizontalmente, as mos para diante,
murmurando as frmulas secretas das evocaes. Ao trmino
de alguns minutos, a varinha de madeira se elevou, e no
mesmo instante fiz correr o meu lpis sobre o papel, traando
ao acaso as figuras mais estranhas. Vi a caneta de madeira
copiar sbito, fielmente, todos os meus movimentos, e os arabescos caprichosos que eu estava desenhando desenvolverem-se detrs de Covindasamy, sobre a areia. Quando me detive, o improvisado lpis parou tambm.
Pensa disse-me o faquir numa palavra snscrita, porque os Espritos se servem com maior facilidade desse idioma.
Estendeu as mos, como o fizera antes; o lpis mgico se
moveu gradativamente e traou puruncha o vocbulo que
eu havia pensado.
Entre as pretenses mais estranhas dos faquires escreve
Jacolliot 67 est a de influir sobre a vegetao e de poder
acelerar de tal modo o seu desenvolvimento, que obtm em
poucas horas resultados que, ordinariamente, requerem longos meses de cultivo.
Jacolliot pensara sempre tratar-se de um truque, pelo que, avaliando a poderosa mediunidade do faquir, decidiu pedir-lhe a
reproduo do fenmeno, em condies que lhe permitissem o
controle. O faquir aceitou, querendo apenas que lhe dessem a
terra de um ninho de caris (trmitas), comunssimas na ndia.
Mandei meu criado trazer um vaso de tamanho ordinrio e
algumas sementes de diferentes espcies. Entreguei a Covindasamy o vaso cheio da terra pedida; o faquir a diluiu lentamente com um pouco de gua, murmurando os metram.
Quando julgou que a terra estava suficientemente preparada,
pediu-me que lhe desse uma semente minha escolha, e ainda alguns cvados de qualquer tecido branco. Apanhei ao acaso uma semente de mamoeiro e, antes de entreg-la ao fa169

quir, cortei ligeiramente a pelcula da semente e lha dei, com


alguns metros de musselina de mosquiteiro.
Dentro em pouco, dormirei o sono dos Espritos disseme Covindasamy. Jura-me que no tocars em mim, nem
no vaso?
Prometi. Ento, plantou a semente na terra, que havia reduzido a estado de lama lquida; plantou tambm, num ngulo
do vaso, o seu basto de 7 ns, signo de iniciao, que no
abandonava jamais e que serviu se sustentculo sobre o qual
estendeu a musselina que eu lhe dera.
Em seguida, acocorou-se, estendeu as mos horizontalmente sobre o vaso e caiu em estado de completa catalepsia.
Transcorreram duas horas sem que o mais insignificante movimento revelasse vida nele. O sol descambava quando leve
suspiro me fez estremecer: o faquir voltara a si. Fez sinal para
que me aproximasse e, tirando a musselina que velava o vaso,
me mostrou, fresca e verde, uma tenra planta de mamoeiro,
com cerca de 20 centmetros de altura. Para fazer germinar
uma semente de mamo, em condies normais, so necessrios nada menos de 15 dias.
O faquir pegou certo dia um braseirinho dos que se encontram em todas as casas da ndia, colocou-o em meio do terrao e ps perto dele um prato cheio de ps odorferos; feito isso, acocorou-se no solo, na posio que lhe era habitual, e
encetou longo cntico. Terminado este metram, imobilizou-se, com a mo esquerda sobre o corao e a direita sobre
o basto de 7 ns. De pronto, uma nuvem fosforescente se
formou no meio do recinto, e de todas as partes certas sombras de mos saam da nuvem e nela voltavam a entrar, com
rapidez. Ao cabo de alguns minutos, muitas dessas mos perderam a aparncia vaporosa e semelharam mos humanas.
Perguntando ao faquir se me seria possvel toc-las, uma,
destacando-se do grupo, veio ela apertar a mo que eu lhe estendia.
O Esprito est ali, ainda que uma s de suas mos seja
visvel disse Covindasamy. Podes falar-lhe, se desejas.
170

Perguntei ento se consentia em deixar-me uma lembrana.


Por toda resposta senti aquela mo esvair-se na minha e voltear na direo de um ramo de flores, do qual tirou um boto
de rosa, que me atirou, e depois desapareceu.
Pouco a pouco, todas as mos se desvaneceram; a nuvem
de onde pareciam sair gradativamente sumia, medida que as
mos pareciam desmaterializar-se.
A estes fenmenos sucederam outros mais maravilhosos
ainda. Um instante depois da desapario das mos, uma nuvem, semelhante primeira, veio sobrevoar por cima do pequeno braseiro. Pouco a pouco, revestiu forma humana e distingui o espectro de velho brmane sacrificador, ajoelhado
prximo ao braseiro. Quando o brmane desapareceu, ouvi
bizarra modulao executada com instrumento que me pareceu ser a harmnica. Os sons, distantes a princpio, se aproximaram a tal extremo que pareciam sair do recinto vizinho;
pouco depois pareceu-me ouvi-los na minha alcova, e vi arrastar-se ao largo da parede o fantasma de um msico, do Pagode, que tirava de uma harmnica os sons flbeis e montonos que caracterizam a msica religiosa dos indianos. Quando terminou de dar a volta pela minha habitao e pelo terrao, o fantasma desapareceu.
Mas, entre ns, os faquires indianos so mais notados pelos
fenmenos da invulnerabilidade e pelo fenmeno de sepultamento e pseudo-ressurreio, do qual refiro um exemplo extrado de
um livro intitulado A Corte de Rundjet-Ling, de M. Osborne:
O faquir declarou estar pronto para sofrer a prova. O Maraj, o chefe sike e o general Ventura reuniram-se junto de
um tmulo de tijolos, expressamente construdo. Sob suas
vistas, o faquir obturou com cera todos os orifcios do corpo
que pudessem dar entrada ao ar, exceto a boca. Foi envolto
num saco de pano e, segundo seu desejo, se lhe revirou a lngua para trs, de modo a tapar-lhe a garganta. Sbito, caiu em
estado de letargia.
O saco que continha o corpo foi fechado e o Maraj lhe aps o seu selo. Colocou-se depois o saco em um fretro de
171

madeira, fechado a chave e selado, que foi introduzido na


tumba, pondo-se-lhe em cima terra socada, na qual se semeou
cevada, e, por fim, postadas sentinelas em redor, com ordem
de vigiar dia e noite.
No obstante todas essas precaues, ao Maraj restavam
algumas dvidas; por duas vezes, nos dez meses durante os
quais o faquir ficou sepultado, fez abrir em sua presena a
tumba: o faquir estava no saco onde fora envolto, frio e exnime.
Decorridos os dez meses, fez-se a exumao definitiva. O
general Ventura e o capito Wade viram abrir os cadeados,
romper os selos e retirar a caixa do sepulcro, e desta o corpo
do faquir. Nenhum batimento no corao, nem no pulso, indicava presena da vida. Uma pessoa introduziu o dedo na
boca do desenterrado e restabeleceu a posio normal da lngua. Unicamente na parte superior da cabea permanecia um
calor sensvel. Derramando-se com lentido gua quente na
cabea dele, obteve-se, pouco a pouco, algum sinal de vida.
Ao termo de duas horas de cuidados, o faquir se ergueu e
comeou a andar. Esse maravilhoso homem conta que, durante o seu sepultamento, teve deliciosos sonhos e que o instante
de despertar sempre penoso.
O Weltspiegel (1909) registra algumas faanhas de faquires
que o missionrio alemo Schmidt afirma ter presenciado. Um
jaghin, de nome Hassan Khan, convidou-o certo dia a pr a
mo sob a mesa e pedir o que mais lhe agradasse. Schmidt
pensou em uma garrafa de rum; fechou a mo, retirou-a depois
de debaixo da mesa; empunhava a garrafa. Repetiu-se a faanha
iguais vezes com iguais objetos, mas, no raro, Schmidt, em vez
de estender a mo embaixo da mesa, estendia atrs da porta, e o
resultado era sempre igual.
Outro faquir, chamado Gorvindarvanin, lhe espalhou areia
aos ps e deu um pedao de papel e lpis; pronunciou seus
conjuros, pediu-lhe que desenhasse qualquer coisa no papel.
Schmidt fez um desenho, que apareceu imediatamente na areia.
Mas, o lance mais extraordinrio foi quando o faquir pegou um
novelo e, com a extremidade do fio preso na mo, atirou o nove172

lo para o ar. O fio comeou a desenrolar-se e a subir at desaparecer. Ento, ordenou a um menino que subisse por aquele fio. O
menino obedeceu e em breve desaparecia tambm. O homem
mandou depois que descesse, e no foi obedecido.
So fatos to estranhos que provocam cepticismo.
No Extremo Oriente
Mongis Kiernan 68 diz que entre os povos nmades da
Monglia os fenmenos apresentados pelos magos-fetiches,
Shaman so totalmente smiles epilepsia, pelos furores e suas
vises; que ambos os estados se confundem (como ocorre com
os gregos e os latinos) sob o nome nico de doena sagrada. E
sempre se acreditou que fossem devidas a alguma influncia
sobrenatural, benigna ou maligna, conforme o que se procedia
para aplac-la ou expeli-la.
Em certas tribos siberianas, a virtude medinica, a fora sciamana, sobrevm de pronto, qual enfermidade nervosa: manifesta-se por debilidade e tenso nos membros, tremores e gritos
inarticulados, febre ou acessos convulsivos, epilpticos, at que
os atingidos caem em insensibilidade, pois pegam e atiram para
cima ferros candentes, sem dano algum; tornam-se delirantes at
quando, de improviso, apanham o tambor mgico e comeam as
manifestaes. Depois se acalmam. Se encontram oposio ao
seu profetar, tornam-se estpidos ou loucos furiosos.69
Entre os chineses Passando China, encontramos, nos conventos dos lamas, monges budistas, as mais maravilhosas prticas espiritistas e, entre outros, os fenmenos de invulnerabilidade. Nos Souvenirs dun voyage dans la Chine et la Tartarie,
escritos pelo padre Huc, antigo missionrio apostlico, e em Di
Vesme (obra citada), se encontra o relato de maravilhoso caso de
invulnerabilidade de um lama, o qual, abrindo o ventre com a
faca sagrada, recolheu na mo direita um pouco de sangue do seu
ferimento, levou-o boca, nele soprou trs vezes e depois o
atirou para o ar, emitindo grande grito; passando em seguida,
rapidamente, a mo sobre a ferida do ventre, tudo voltou ao
173

estado primitivo, sem que ficasse trao da diablica operao,


salvo extremo abatimento.
Nem todos os lamas tm poder para esta prodigiosa ao,
que, as mais das vezes, s se encontram nos dos ltimos graus da
hierarquia.
Os lamas mais autorizados mostram, em geral, horror a semelhantes espetculos.
Abrir o ventre um entre os mais famosos si-fa (modos
perversos) que possuem os lamas. Os demais, ainda que do
mesmo gnero, so menos grandiosos e mais em voga, e consistem em passar repetidamente a lngua por um ferro ardente, em
fazer incises no corpo, sem que, um instante depois, reste o
mnimo trao, etc.
Tcherpanoff 70 cita um mtodo em uso no Tibet, para descobrir os objetos roubados.
O lama se serve, para esse escopo, de mesinha quadrada ante
a qual se senta no solo e pousa sobre ela a mo, lendo um livro.
Ao cabo de meia hora, ergue-se, tirando a mo da mesa, porm
mantendo-a na mesma posio, como se ainda a tivesse pousada.
A mesa se eleva do cho e se dirige em algum rumo; o sacerdote
a segue sempre com os braos estendidos, mas algumas vezes
isto se prolonga e fatiga, tanto ela se apressa. Assim, a mesinha
vai colocar-se sobre o lugar onde jaz o objeto roubado, ou dele
perto.
No caso que presenciei diz Tcherpanoff , a mesa se
projetou a grande distncia, cerca de trinta metros, porm o
objeto buscado no foi recuperado. Mas, na direo indicada
pela mesa estava a cabana de um colono russo, que, tendo notcia do fato, se suicidou. O suicdio despertou suspeitas, foi
revistada a cabana e nela encontrada escondida a coisa roubada.
John Bell, que percorreu a sia em 1719, referiu que, tendo
sido roubado um comerciante russo perto de uma tribo mongol,
certo lama pegou um banco, f-lo girar e revirar vrias vezes, at
que este, por si, rumou em direo da tenda do larpio. Para ali
174

se transportou o lama, que ordenou a restituio da fazenda


roubada, e foi obedecido.71
Entre os japoneses Entre os japoneses, a crena nos Espritos dos mortos to viva que a religio popular, o Sintosmo, se
reduz, em ltima anlise, no culto dos mortos, e existem certos
mdiuns, denominados ieiko. So jovens de 15 a 20 anos, que
no tm domiclio estvel, mas percorrem o pas em busca de
clientes. O mtodo das suas evocaes o seguinte: sobre um
tabuleiro pem uma taa de porcelana cheia de gua; o experimentador escreve o nome da pessoa com a qual deseja entrar em
comunicao, sobre larga tira de papel, que enrola e imerge em
gua, fazendo o ieika trs asperses. Este, com a cabea apoiada entre as mos, murmura oraes at que seja evocada a alma
do morto ou do ausente, a qual se apodera do mdium e pela sua
boca responde s interrogaes que lhe faam.
A magia entre os antigos gregos, hebreus, etc.
Dos selvagens, passando aos povos antigos, vemos repetiremse quase os mesmo fatos. Mdiuns e magos se encontram nos
povos escandinavos e teutnicos, cujos reis, a darmos crdito a
Sasson, o Gramtico, e a Joo e Olao Magno, se valiam largamente de artes mgicas nas suas guerras. Segundo Tcito, na
Germnia as mulheres particularmente sobressaam na magia e
na arte adivinhatria.
A magia foi praticada por todos os povos do antigo Oriente:
caldeus, assrios, babilnios e persas, cujos sacerdotes e magos
(do zendo, mah, que se pronuncia mag e se traduz por
grande) se dedicaram largamente Astrologia e a todas as
cincias ocultas, e assim que sua denominao se torna sinnima de nigromante.
Segundo Estrabo, trs mtodos estes sacerdotes aplicavam
para descobrir o futuro e influir sobre o presente, a saber: 1)
evocando os Espritos; 2) valendo-se de copos e mesas; 3)
servindo-se de gua, isto , viso no copo de gua, de trpodes
moventes e de outras prticas, ainda usadas atualmente.
175

Em todos esses povos as prticas mgicas eram mais especialmente dirigidas para a adivinhao do porvir.
Hebreus Nos tempos de Saul os profetas eram bem mais
raros, mas Samuel fundou um Seminrio exclusivo, em Rama.
sabido que entre os hebreus, ser louco ou nevrtico era um ttulo
para passar por profeta, e Saul foi reconhecido profeta quando se
despojou de seus vestidos.72 No 1 Livro de Samuel vemos
turmas de falsos profetas correrem desnudos pelos campos,
comerem imundcies e cortarem-se as mos. Sob os Reis, depois
de Jeroboo II, cerca de sete sculos antes da era vulgar, o
profetismo assumiu importncia sempre maior. Pode-se dizer
que os hebreus interrogavam seus profetas tal qual hoje se vai
consultar as sonmbulas, e assim os gregos e romanos aos orculos.
Gregos Em todos os graves assuntos, os governos helenos
expediam a Delfos, para que trouxessem as respostas, plenipotencirios, chamados teori, e tambm os romanos, pois no
tinham orculo nacional, se voltavam, em caso de necessidade,
para l. Junto de alguns orculos era usada a mediunidade do
copo dgua.
Na vizinhana de Telemesso, havia um templo de Apolo onde
os consulentes, fixando o olhar em um poo, viam, em imagem,
a resposta s suas perguntas.73
Segundo Apuleio,74 que se reporta a Varo, o xito da guerra
Mitridtica foi predito aos habitantes de Tralles por um menino
que olhava num copo dgua.
Outros orculos davam as respostas por meio de sonhos (oniromancia). Tais eram os orculos de Amfiarao, perto de Potnia, e
em Oropo, aquele de Pasife, em Talamia, na Lacnia, aquele de
Calcante, na Daunia. Os dedicados a Esculpio, existentes em
Epidauro, em Roma, etc., estavam particularmente consagrados
cura de enfermidades, tal como ocorre agora no santurio de
Lourdes, no de Caravaggio, etc.
Os autores informam que a sacerdotisa de Delfos, no entusiasmo, falava idiomas ignorados por ela, exatamente como sucede
com os nossos mdiuns. Tambm o orculo de Amon falou em
176

grego a Alexandre Magno, porm com sotaque estrangeiro. Os


orculos respondiam aos brbaros em seus respectivos idiomas.
Quando Mys foi ao templo de Apolo Ptnico, aquele vate profetizou no idioma Lario.75
Tambm na Itlia havia orculos, embora o uso etrusco, dos
ugures, dos arspices e dos livros sibilinos tornassem menos
florescente a instituio.
Abstraindo os da Magna Grcia, podem recordar-se: em Itlia, aquele de Marte, em Tiera Matiena (Abruzzos); o de Fauno,
em Tivoli, e sobre o monte Aventino; o de Gerione, em Albano,
sobre as colinas Euganei; o de Hrcules, em Tivoli e Roma; o de
Jove, Terracina; o da Fortuna, em Preneste e nzio.
Em alguns desses templos, os orculos se obtinham mediante
sortes, que eram algo semelhante aos pianeti dos nossos
charlates; em outros, e assim naquele da Fortuna, em nzio,
eram as esttuas e os simulacros dos mesmos deuses que respondiam de viva voz s perguntas que lhes eram dirigidas (orculos
autfonos).
Bastante consultados eram em Roma os ugures ou arspices,
os quais recebiam o augrio da observao das vsceras das
vtimas; mas as consultas profticas, s quais s se recorria nos
casos mais graves e difceis, eram feitas s sibilas.
Na histria tergica da antiguidade, avulta a figura de Apolnio de Tiana, que viveu no I sculo do Cristo. Parecia dotado da
chamada dupla vista; em Alexandria, encontrou, por acaso, certo
dia, com doze malfeitores que levavam ao patbulo. Observou-os
e disse:
No so todos culpados; eis um que inocente.
E procrastina por todos os meios a execuo deles, at que
chegou, rdea solta, um cavaleiro portador de contra ordem
para que fosse posto em liberdade o dito condenado, por haver
sido reconhecida a sua inocncia. Outra vez, de Alexandria,
anunciou a Vespasiano o incndio do templo de Jpiter, no
Capitlio, ocorrido um dia antes, em Roma. Acusado de conspirar contra Domiciano, a favor de Nerva, e levado ante o tribunal
daquele, depois de haver brevemente respondido ao interrogat177

rio, no qual se pretendia faz-lo parecer ru de magia e conspirao, desapareceu de improviso da presena do imperador e de
toda a corte. A desapario de Apolnio se deu pouco antes do
meio-dia; antes do pr-do-sol, encontrava-se em Pozzuoli, com
seus dois discpulos, Demtrio e Damide, que para ali havia
antes enviado.
Certo dia, enquanto ensinava Filosofia, sob os prticos de feso, ele baixou o tom da voz, como que tomado de espanto, e
gritou:
Ferido, ferido o tirano!
Alguns dias depois, chegou a feso a notcia do assassnio de
Domiciano, e o dia e a hora da morte estavam perfeitamente
concordes com as indicadas por Apolnio.
Entre o Messias e os apstolos
So conhecidos os dotes taumatrgicos de Jesus.76 No Talmude se diz: Na viglia da Pscoa, Jesus foi crucificado, por ser
dado magia e aos sortilgios.
Bem frequentemente Jesus operava curas, com a imposio
das mos.
Todos os que tinham algum mal se precipitavam para ele,
para toc-lo. (S. Marcos).
Como nota Di Vesme, as curas logradas por Jesus, deste modo, no eram sempre instantneas, mas demandavam, s vezes,
a repetida aplicao da sua virtude curativa, revestindo as formas
de simples fenmeno espiritista. No direi, para abreviar, das
transfiguraes de Jesus, a exemplo daquela notabilssima do
Monte Tabor, presentes os apstolos Pedro, Tiago e Joo, as
quais se assemelham s hodiernas transfiguraes dos mdiuns.
Nas atuais sesses espiritistas, o mdium frequentemente se
transforma e assume a imagem do Esprito que opera ou nele
parece operar.
Apstolos Frequentes eram entre eles os fenmenos espiritistas. Nos Atos dos Apstolos, cap. II, se l:
178

Todos estavam recolhidos juntos, em comum pensamento.


Subitamente, veio do cu um rudo como de impetuoso vento
que sopra, encheu toda a casa onde estavam. E lhes apareceram como que lnguas de fogo, e pousaram sobre cada um. E
todos foram cheios do Esprito Santo e comearam a falar
lnguas estrangeiras, segundo lhes fazia o Esprito raciocinar...
Di Vesme nota a esse respeito:
Pelo que concerne s lnguas de fogo, basta observar que
um fenmeno comunssimo a apario de luzes no ar ou sobre uma parte qualquer das pessoas que assistem a uma sesso espiritista.
Conhecidssima , enfim, a rivalidade surgida e o paralelismo
dos fenmenos entre os apstolos e os magos, dos quais queimaram os livros publicamente.77
Entre estes, o mais celebrado foi Simo de Gitton, conhecido
sob o nome de Simo Mago.
Nos Atos dos Apstolos se admite que ele operava coisas
extraordinrias por meio de artes mgicas: fazia andar esttuas;
precipitava-se nas chamas, sem se queimar; assumia formas
diversas; evocava sombras e produzia fenmenos de transportes;
e tudo isso, segundo ele, com ajuda das almas dos mortos.
Seu rival foi Simo Pedro. Muitas anedotas desta competio
foram registradas.
Certa vez, na Corte de Nero, fez o Mago de Gitton aparecer, de improviso, grandes ces que se lanaram cabea dos
apstolos, ameaando lacer-los. Em outra oportunidade, Simo Mago desafiou Pedro, na presena do Csar, a elevar-se
e voar nos ares... Na data preestabelecida, o bruxo subiu de
fato sobre o Capitlio e de l se atirou sobre as penhas que
lhe ficam embaixo.
Ento Pedro, que se encontrava entre os espectadores, pronunciou as seguintes palavras:

179

Senhor Jesus, manifesta o teu poder, e no permitas que


este povo, que em breve deve crer em ti, seja por mais tempo
enganado com tais iluses.
E, apostrofando os Espritos:
Vs, Espritos que sustentais e conduzis este homem, eu
vos conjuro, em nome de N. S. Jesus-Cristo, a abandon-lo a
si mesmo.
Com efeito, subitamente abandonado, caiu Simo e, se no
morreu imediatamente, fraturou as duas coxas.
No Baixo Imprio e na Idade Mdia
Percorrendo rapidamente o perodo da Idade Mdia, e abstendo-me de falar dos prodgios dos filsofos neoplatnicos, entre
os quais abundaram os tergicos, e dos mrtires que permaneciam insensveis aos mais atrozes tormentos, oportuno recordar
um caso de premonio tiptolgica, como poderia ocorrer agora,
exposto por Ammiano Marcellino. Narra ele que, em 371, dois
filsofos gregos, Patrcio e Hilrio, foram presos sob a imputao de haverem tirado horscopo para saber quem sucederia no
Imprio a Valente. Submetido a tortura, Hilrio confessou:
Construmos de madeira de loureiro este infausto velador
(infaustam hane mensulam), imitao da cortina dlfica,
pois que a tnhamos consagrado ritualmente com secretos
conjuros, e a pusemos em movimento. Logo que se movesse,
ns o consultvamos acerca das coisas ocultas e opervamos
da maneira seguinte: colocava-se o velador no meio da casa,
toda purificada de antemo com perfumes rabes, e sobre ele
uma bandeja funda, feita com vrios metais, e que tinha esculpidas em redor das bordas as 24 letras do alfabeto, separadas umas das outras.
Perguntando-se-lhe quem sucederia no Imprio, e porque
havia dito que seria um homem digno sob todos os respeitos,
o anel, sempre saltando, tocou as letras Theo. Assinalada a ltima letra, um dos presentes exclamou que o predestinado era
Theodoro (Theodorus), e no mais interrogam sobre o caso,
180

sendo para ns bastante acertado fosse Theodoro o nome que


buscvamos. 78
O Theodoro, que aos consulentes parecia designado pelo orculo, era um entre os cortesos do Imperador e homem tido por
todos em unnime estima de engenho e virtude. Hilrio declarou
que Theodoro de nada sabia, porm Valente tambm o fez morrer na carnificina de todos que suspeitou implicados na conjura.
A resposta tiptolgica obtida por Hilrio e Patrcio no era
errnea: inexata foi, entretanto, a interpretao. Quem sucedeu a
Valente foi Theodsio Goto, o que talvez os consulentes teriam
sabido, se houvessem deixado o velador concluir a resposta.
De Jmblico se narra que, caindo em xtase, ele se elevava 10
cvados no ar e ento se transfigurava e sua cabea se rodeava
de luminosa aurola.79
Orgenes, contemporneo dos Mrtires, fala de aparies que,
em estado de viglia ou em sonho, bastam para dar a coragem do
martrio queles que obtiveram a graa de obt-lo.80
Tertuliano narra as mesmas coisas dos martrios de que foi
espectador, e particularmente dos de Perptua e Saturo. No
fundo de tenebroso crcere, consumiam-se de dor e espanto,
quando uma viso os consolou; a Saturo revela que morrer de
uma nica dentada de leopardo, como se verificou, e que Perptua permaneceria insensvel s torturas. E assim foi, pois durante
estas, viram-na tranquilamente alisando os cabelos, compondo as
dobras da roupa, e pedir, por fim: Quando comeareis?
Aqui, Santo Agostinho exclama: Onde estava, pois, seu Esprito? Que bebida podia t-la alucinado a tal ponto?
Os Ordlios
E chegamos, sem mais, aos famosos juzos de Deus, chamados todavia Ordlios pelos anglo-saxnios. Ordal, que
significa juzo, e que Patilta define: um procedimento com o
qual se acreditava poder induzir os seres sobrenaturais a manifestar a sua deciso sobre um assunto, com efeitos jurdicos, ou
pergunta feita aos Espritos em certas condies e com tal forma181

lidade que os induza ou constrinja a responder por forma prefixada.


A prtica dos Ordlios se encontra em quase todos os povos
selvagens, ainda mesmo naqueles de outra religio, a menos que
no tenham f na sobrevivncia da alma dos mortos.
Comeando pela frica, vemos a prova do fogo adotada em
Serra Leoa,81 junto aos Joloffi,82 os Waswaheli,83 no Benin, onde
o acusado deve provar sua inocncia, com o deter, por algum
tempo, entre as mos, um ferro candente, ou ento faz-lo passar
trs vezes sobre a lngua, por um sacerdote. Em Luango, passase sobre uma perna do acusado um faco em brasa, que deve
esfriar-se imediatamente.84 Entre os Mandingos 85 e os Kros,86 os
acusados tm que imergir a mo em gua ou azeite fervendo. Em
Bakalai, na Serra Leoa, perto dos Wanika,87 o acusado deve
extrair de caldeira fervendo qualquer objeto: o inocente triunfa,
no assim o culpado que se queima.
Alguma vez se consulta o Esprito dos mortos, especialmente
quando se trata de descobrir a causa de sua morte. Assim, segundo Koeler, Cruickshank, Wilson, o cadver pego pelos bruxos,
pela cabea, e ento eles, sacudindo-o para l e para c, chegam
cabana do culpado.
Mais usada dos selvagens africanos a prova do veneno, misturando-se, na gua ou no po, a casca do teli (Erythrophlum
guineense) ou outra substncia venenosa.
O ingls Lander, acusado de traio por alguns mercadores
portugueses, teve que se submeter prova do veneno, em Badagey, regio do Nger. A beberagem devia ocasionar-lhe a morte,
se culpado fosse. Pouco seguro da prpria inocncia, Lander,
retirando-se para a sua cabana, bebeu grande quantidade de gua
morna, e conjurou assim todo o perigo.88
Os Ordlios em uso pelos australianos se limitam a vrias
formas de interrogar o morto sobre a causa da sua morte, que
raramente se considera natural. Frequentemente se coloca o
cadver em uma padiola, e se lhe pergunta:
Algum te feriu no sono? Tu o conheces? este, este outro?
182

Se a padiola se move, considera-se a resposta afirmativa; caso


contrrio, prossegue o interrogatrio. Creem que Huinyo, deus
da morte, produz os movimentos. Outras vezes, a padiola
sustida por vrias pessoas, que sentem uma sacudidela se
mencionado o nome do culpado, fenmeno smile dos a que
assistimos em nossas sesses espiritistas.
Nas ilhas Hawai, os bruxos pretendiam ver o retrato do culpado na superfcie da gua (habituada aplicao da mediunidade do copo de gua) ou durante o sono fatdico em que caam
depois dos conjuros; ou, ento, recitavam rogativas, enquanto o
acusado aproximava a mo do copo com gua, que se encrespava, se era ele culpado.
Menos usados foram os juzos de Deus entre os selvagens da
Amrica; entre os antigos hebreus era bastante usado o juzo de
Deus, por meio de sortes.89
Do juzo de Deus j se fala nos Vedas, que, na sua parte mais
antiga, remonta a 3000 anos antes do Cristo, e dos Ordlios
falam todavia os cdigos de Gautama, Bandhayana, Vasishtha,
Apastamba, Vichnu, etc., redigidos poucos sculos antes do
Cristo; no de Vichnu so descritas as provas da balana, do ferro
candente, da gua fria, do veneno e da poo sacra.
A prova da balana consistia em pesar o acusado, mediante
uma pedra ou outro objeto equivalente, e tornar a pes-lo, depois
de haver dirigido conjuros balana: o inocente devia tornar-se
mais leve.90
No mesmo princpio se fundava a prova da gua fria, na qual
se metia o acusado e uma pedra, em dois sacos unidos por uma
corda, os quais eram atirados num curso de gua. Se o homem
fosse ao fundo e a pedra sobrenadasse, aquele era considerado
ru; se o homem viesse tona e a pedra afundasse, o acusado era
reconhecido inocente.
interessante notar desde ento, e assim muito mais tarde, na
Idade Mdia, que de um smile resultado se induzisse, no a
inocncia, mas a culpa do acusado.
sabido, com efeito, em que consistia a prova da gua fria,
da nossa Idade Mdia, mais conhecida pelo nome de banho das
183

bruxas, porque especialmente usada para descobrir os feiticeiros. Atirava-se gua a pessoa, bem atada com uma corda da
qual uma das pontas ficava na mo dos julgadores; o acusado era
tido por inocente, se afundava, e ru se sobrenadasse. Esta
crena no menor peso das bruxas fazia que elas fossem condenadas, quando a balana marcava menos que o seu peso normal.91
Assim, no famoso processo de Seghedino, em 1728, foram
queimadas 13 feiticeiras, que, atiradas gua, no ficaram na
superfcie, como se fossem de cortia, e pesadas depois, no
excederam meia ona de seu peso.92
Os juzos de Deus no eram desconhecidos dos antigos gregos, e Sfocles, na Antgona, fala de um acusado, o qual, para
provar sua inocncia, estava disposto a apertar com a mo um
ferro candente, e atravessar o fogo.93
Os celtas se serviam de trs espcies de provas: o ferro em
brasa, a gua fervente e o duelo.94
Mas, foram os germanos que deixaram nos Ordlios maiores
pegadas do que qualquer outro povo, e difundiram este costume
na Idade Mdia.95 Um juzo de Deus peculiar dos germanos o
duelo, quando o impunham os tribunais ou as leis. Raciocinavase que o Altssimo no poderia deixar sucumbir um inocente,
quando dbil, e no lhe multiplicasse as foras, paralisando as do
adversrio.96 Frequentemente usada era, contudo, a prova do
fogo, a qual, na Germnia e, consequentemente, em toda a
cristandade, consistia em fazer passar entre duas piras o acusado,
no mais das vezes com uma camisa coberta de cera.
Pedro Aldobrandini, em 1063, provou a simonia e a heresia
do Bispo de Florena, atravessando, descalo, um fogaru formado por duas pilhas de lenha, de 10 ps de extenso, 5 de
largura e 4 e meio de altura, entre as quais havia passagem
suficiente apenas para uma pessoa. Corpo e roupa ficaram intactos. E sofreram tambm prova de fogo, com xito igualmente
feliz, Bonifcio, que pregou o Evangelho aos germnicos e aos
russos, Pedro Gonzalez e S. Guilherme.

184

Na mulher de Carlos, o Gordo, acusada de adultrio, vestiram


uma camisa impregnada de cera e piche, e lhe deitaram fogo,
mas, sem embargo, a inocente esposa ficou ilesa.
Uma esplndida prova de fogo se tem na histria dos Camisards. Joo Cavalier, testemunha ocular, referia:
Meu cunhado, que era nosso chefe, em agosto de 1703
havia convocado uma assembleia dos oleiros de Cannes, perto de Sevignan. Vieram 500 ou 600 dos nossos, entre homens
e mulheres. Ento, o irmo Clary foi tomado pelo Esprito e,
entre fortssimas convulses, anunciou que na reunio havia
dois traidores. Com a cabea e peito convulsos, foi agarrar
dois entre os presentes, os quais, sem mais nada, caram de
joelhos e confessaram seu culposo propsito.
Entretanto, a inspirao de Clary prossegue por pressentir
que muitos julgavam ser tudo aquilo uma comdia adrede
preparada, e exclamou:
Homens de apoucada f! Quero que imediatamente se acenda um grande fogo, no qual penetrarei sem sofrer coisa
alguma!
Aceso, em poucos instantes, grande monto de lenha, Clary
subiu, ereto, sobre a pira, com as mos entrelaadas na cabea, e continuou pregando.
A multido, em redor, ajoelhada, chorava e orava, enquanto sua esposa gritava desesperadamente. Todos tiveram vagar
para v-lo no meio das chamas que o envolviam totalmente.
Clary no quis sair daquele inferno seno quando restava apenas um monto de brasas. O Esprito no o abandonou
mais naquela prova, que, a meu ver, durou alm de 15 minutos. 97
Mais usado era o Ordlio do ferro candente, que, com feliz
xito, suportou Conegundes, esposa de Santo Henrique, Duque
de Baviera, e por Emma, filha do duque de Normandia e esposa
de Etelredo, rei da Inglaterra, a qual, para desvanecer a acusao
de adultrio, caminhou descala sobre nove relhas de arado em
brasa.
185

prova do fogo e do ferro candente se acresce a da caldeira


com gua ou azeite fervendo, da qual se havia de extrair um
objeto qualquer.
A antiguidade deste Ordlio nos povos teutnicos est documentada naquela passagem de Edda Kemundar (Niebellungen),
na qual Gudruna, mulher de tila, rei dos Hunos, acusada de
infidelidade por uma escrava chamada Erkia, para provar sua
inocncia imergiu a mo em uma caldeira de gua fervente e
retirou um seixo musgoso. A escrava acusadora tenta a mesma
prova, mas retirou a mo terrivelmente queimada e foi ento
afogada no paul.
E a isso se coliga todavia a forma, das mais comuns, do Ordlio com gua, na qual o acusado era imerso com a mo esquerda
ligada ao p direito e a direita ao esquerdo, de modo que no
pudesse nadar. Se afundava, era considerado inocente. O viceversa, nos finais da Idade Mdia, se estabeleceu, ou seja, que
devia considerar-se culpado ao que imergisse.
Temos um ltimo exemplo, em 1836, em que os habitantes de
Hela, perto de Dantzig, submeteram a esta prova uma velha
acusada de magia, e a mataram porque sobrenadou.
Os taumaturgos cristos
A religio crist , talvez, depois das asiticas, a mais fecunda em prodgios e fenmenos espiritistas.
Desde o primeiro dos padres at o ltimo dos papas escreve Gibbon , apresenta-se uma sucesso ininterrupta de bispos,
de santos, de mrtires e de milagres.
Milagres que, na sua maior parte, so de curas de doenas.
Para referir todos os que se consignam nas obras hagiogrficas,
no bastariam volumes. Limito-me, pois, a citar alguns que se
atribuem a santos mais conhecidos e que viveram em tempos
relativamente modernos.
Afetada de grave tumor em um dos seios, os mdicos de Lucrcia Gazia julgaram indispensvel a interveno cirrgica. Mas
a senhora, na noite precedente da operao, abandonou o leito
186

e se apresentou a S. Filipe Nri, que, tocando-a na parte enferma,


lhe disse:
Vai contente, e no temas que te sobrevenha mal algum.
Lucrcia regressou a casa e, pouco depois, enquanto jantava,
ergueu-se, dizendo:
No sinto dor alguma; estou curada.
Quando chegaram os mdicos para oper-la, no mais encontrando qualquer vestgio da enfermidade, retiraram-se estupefatos (vehementer obstupuerunt).98
Um monge do Convento de S. Caetano de Tiena caiu e fraturou uma perna. O mdico, depois de lhe haver aplicado, em vo,
diversos remdios, decidiu proceder amputao. Poucas horas
antes que esta tivesse lugar, S. Caetano se aproximou do leito
dele, confortou-o, convidando-o a orar; depois mandou que
tirasse as bandagens da perna, beijou-a, fez sobre ela o sinal da
cruz e determinou que a enfaixasse novamente. E retirou-se.
Pela manh, o mdico encontrou a perna completamente s.
A santidade no era considerada requisito indispensvel para
execuo de tais prodgios. Tambm Santo Agostinho reconhece
haver pessoas que podem curar diversas feridas com o olhar,
com o contato ou com o sopro.
De maravilhoso poder curativo era dotado o cavalheiro irlands Valentin Greatrakes. Em 1669 teve, em sonho, a revelao
de poder curar a escrfula: tocou alguns escrofulosos e os sarou.
Sobrevindo uma epidemia, na Irlanda, sonhou poder minor-la e
o conseguiu, e assim tambm sarava feridas, lceras, a hidropsia,
as convulses, etc. Glauville recolheu e conservou os mais
autorizados testemunhos dos fatos. Deles se deduz que o profeta
irlands, como era chamado, procedia precisamente ao modo
dos nossos mdiuns espiritistas que curam.
Com a aplicao da sua mo dizia Jorge Rust, bispo de
Dromar, na Irlanda , fazia desaparecer a dor, empurrando-a
para a extremidade dos membros. O efeito era, s vezes, rapidssimo. Posso afirmar que curava vertigens, enfermidades de
olhos e ouvidos gravssimas, epilepsia, lceras inveteradas,
187

escrfulas e tumores cirrosos e cancerosos. Vi fazer amadurar, no espao de cinco dias, tumores que datavam de muitos
anos. Estas curas no me induziram a crer que se tratasse de
coisa sobrenatural. Ele tambm no o pensava e o seu modo
de curar prova que no eram milagres, nem influncia divina.
Ao que parece, emanava do seu corpo um fluido balsmico e
salutar. um dom de Deus.
Jorge Fox, fundador dos ququeros, converteu talvez menos
gente com as predicaes do que com as curas.
Estigmas dos santos
Depois que S. Francisco de Assis deps o generalato de sua
Ordem e se retirou para um lugar deserto do Apenino toscano,
julgou ouvir a voz do Altssimo que lhe ordenava abrir o Evangelho, a fim de que seus olhos lessem o que devia fazer de mais
grato ao Senhor.
Trs vezes o santo abriu o Evangelho, e trs vezes caiu sob
seu olhar a parte onde narrada a Paixo do Cristo.
Desde esse dia, o serfico se tornou absorto na contemplao
daqueles sofrimentos. E eis que, no dia da Exaltao da Cruz (14
de setembro), enquanto estava imerso nas suas contemplaes,
viu um anjo descer do cu at ele, sustendo um homem crucificado. Quando desapareceu, S. Francisco experimentou, nos ps e
nas mos, sensaes dolorosssimas, seguidas de chagas sanguinolentas, por entre as quais se viam cravos, formados por excrescncias do tecido celular; por um lado apareciam aguados e por
outro tinham a cabea rebatida, de modo que entre eles e a mo
se podia insinuar um dedo; eram mveis em todos os sentidos:
quando se empurrava uma extremidade, sobressaa a outra, mas,
no obstante, no podiam ser arrancados e, ainda aps a morte de
S. Francisco, Santa Clara, em vo, tentou faz-lo. Nas costas,
tinha o santo outro estigma: o do lanao de Longinos, de trs
dedos de extenso, bastante largo e profundo.
A esses estigmas, que duraram at sua morte, jamais se aplicou curativo e, sem embargo, no supuraram.
188

Depois de S. Francisco graas qui ao esprito de imitao


e de emulao surgiram novos estigmatizados, os quais foram
sempre crescendo em nmero, at que o fenmeno se tornou
comunssimo.
A segunda a ser favorecida foi Santa Catarina de Siena.
Entre os monges mais tarde estigmatizados, pode-se enumerar
Benedito de Reggio, Filipe dAcqueria, Carlos de Sazia e Dolo;
entre os simples irmos leigos, Matias Careri, Cherubim
dAviliana, Nicolau de Ravenna, cujas chagas s se descobriram
depois de sua morte.
Mas, impossvel seria enumerar todas as mulheres que foram
distinguidas com as mesmas marcas. Algumas viveram no sculo
passado, tal foi Rosa Cerra, de Ozieri (Sardenha), religiosa
capuchinha. Nas proximidades de 1812, todos puderam estudar
os estigmas de Ana Catarina Emmerich. O prussiano Von Hartwig visitou, em 1840, Maria Mrl, de cujas feridas emanava
sangue todas as sextas-feiras, mas especialmente na Semana
Santa; fala tambm da Dolorosa, de Capriana (Trentino),
Maria Domnica Lazzari, que tinha, alm dos sinais da crucificao, as da coroa de espinhos, que se encontraram todavia em
outras beatas, tais Joana Maria da Cruz, Maria Villani, Vicenta
Ferrera, etc.
Pico de Mirandola viu, ele prprio, a marca de coroa na cabea de Santa Catarina de Racconigi, e disso deixou a descrio:
uma espcie de sulco que rodeava a cabea, e sua profundidade
era tanta que o dedo de uma criana podia nele penetrar.
Mas os estigmas no eram privilgio sacro; algumas vezes
apareceram em pessoas que no eram precisamente relquias de
santidade.
Na Vida de Santo Incio de Loiola se menciona, por exemplo, uma jovem, de no muito severos costumes, que, com
frequncia, caa em xtase e trazia na cabea, nas mos e nos ps
os sinais da crucificao do Cristo, por quem sentia amor vivssimo. O padre Drebegne, trapista e mdico, fala de outra estigmatizada (1840), cuja conduta desordenada fazia suspeitar que
recorresse fraude para produzir o prodgio. Cobriram-lhe e
189

selaram as mos, para impedir que se tocassem, mas o fenmeno


persistiu igualmente.99
De resto, nos herticos abundaram os estigmatizados. Entre
os convulsionrios de S. Medardo, uns duzentos sentiam as dores
da Paixo do Cristo. O Dr. Arnhard fala dos frequentes estigmatizados religiosos entre os maometanos, os quais reproduziam as
feridas que o Profeta recebeu na batalha travada por sua f. 100
Nos santos extticos se verificava algumas vezes a incombustibilidade, que j temos encontrado em alguns mrtires, nos
juzos de Deus e em alguns mdiuns espiritistas.
De Santa Catarina se assegura que o fogo no tinha sobre ela
ao alguma e que, muitas vezes e na presena de testemunhas,
era atirada s chamas por uma irresistvel fora. Narra o seu
bigrafo Raimundus que ela, certo dia, sentada a ss na cozinha,
com um espeto-assador na mo, resvalou da cadeira, e a encontraram cada com o rosto sobre as brasas, porm inclume.
Algo semelhante se narra de Simeo de Assis, que um dia,
estando em xtase, lhe caiu um carvo aceso no p descalo e a
se consumiu sem lhe causar dores nem leso alguma.
A clebre Bernadete de Soubirous, que descobriu a gua de
Lourdes, certo dia, ajoelhada diante de centenas de pessoas,
manteve durante quinze minutos uma tocha cuja chama lhe
atingia os dedos, deixando-os inclumes.
Mas, tambm este fenmeno no privilgio dos taumaturgos
cristos. Na Bblia se encontram idnticas passagens, nas quais
se faz meno do culto tributado a Moloch, um entre os Baal,
ou numes cananeus, ao qual se rendia homenagem, passando-se
atravs do fogo, sem se queimar.
Estrabo refere que as sacerdotisas de Diana, em Castabalis
(Capadcia), caminhavam, indenes, a ps nus, sobre carves
acesos.
Plnio 101 escreve:
No distante de Roma, no pas dos Falisques, acham-se
algumas famlias que oferecem, cada ano, um sacrifcio a

190

Apolo, no monte Soracte, e caminham sobre um braseiro,


sem se queimar.
Esses sacerdotes de Febo e da deusa Fernio eram chamados
Irpini.
Tambm Verglio 102 faz meno:
Sumo deus, Apolo, custdio de Soracte... tu, por quem,
sustentados de santo zelo (freti-pietate), caminhamos, confiantes, sobre ties ardentes...
Andrea Lang, na Contemporary Review,103 fala dos nistinari, seita religiosa antiqussima dos arredores de Burgas
(Rumlia Oriental), que, cada ano, em maio, celebram estranhssima festa. Eis a parte que interessa ao nosso argumento:
... Ento, um nistinrio, inspirado, empunha o cone de
Helena, em xtase, mostra-o multido, e entra, a ps nus, no
vasto braseiro ardente, dana no fogo, enquanto a msica
prossegue a tocar e palavras sacras surgem de seus lbios.
Suas profecias se aplicam a pessoas e a coisas, anuncia as calamidades que golpearo as famlias, os animais, as colheitas... nada, em sua aparncia, indica sofrimento: dir-se-ia que
incombustvel. No sai daquela fornalha at que haja terminado sua profecia e, com olhar tranquilo e passo grave, vai
submergir os ps no lodo produzido pela gua das libaes.
Rpido, um segundo nistaro entra no fogo e segue o exemplo do primeiro. Todos os sacerdotes se sucedem assim em
seu redor. A incombustibilidade s se limita, porm, ao ms
de maio.
Estvo Ponder, no Langmans Magazine, fala de uma tribo
indiana, chamada dos Klings, os quais atravessam, nus e imunes,
lenha acesa em cerca de 18 metros de extenso, para expiar os
pecados cometidos pela comunidade.
A incombustibilidade dos sacerdotes existe todavia na Polinsia, nos Nbengga, nos Ivilankata, que costumam descer fornalha, na qual se faz cozinhar masawe, e por ela caminhar impunemente.
191

Mas, a prova mais extraordinria da incombustibilidade a


oferecida por Maria Sonnet, por isso exatamente conhecida dos
seus contemporneos com o pseudnimo de Salamandra. Sabe-se
que Paris, nos meados do sculo XVIII, se revolucionou com os
prodgios dos convulsionistas, a propsito dos quais o historiador Carr de Montgeron assim se exprime:
Veem-se convulsionrios permanecer arejados no meio do
fogo, que no costuma poupar os corpos e igualmente as vestimentas... Todo Paris no presenciou muitas vezes Maria
Sonnet se deitar nas chamas ou carves acesos, sem que aquelas nem estes tivessem ofendido nem as partes do corpo,
nem os panos em que era envolta? E que tambm tantos outros, seus companheiros, sem dano algum, comiam brasas vivas? E com outros ainda punham a cabea na chama de grande fogueira, sem nada sofrer, sem sequer se lhes chamuscarem os cabelos?
O exemplo de Sonnet no era nico prossegue Montgeron ; no viu todo Paris, por espao de muitos anos, outros
convulsionrios se estenderem no meio de grandes fogarus e
ali permanecerem, e at adormecerem, sem que as chamas,
investindo de todos os lados, lhes causassem o mais leve dano ao corpo, nem s vestes? Ou como punham os ps sobre as
ardentes brasas, que lhes queimavam o calado, sem experimentarem sombra de dor? Ou que submergiam o rosto nas
chamas, sem resultar ofensa e sem que sofresse um s fio do
seu cabelo?
As levitaes dos santos
Entre os fenmenos mais frequentes que se verificam, entre
os extticos cristos, est o denominado pelos espiritistas de
levitao.
Grres, em sua Mstica, cita uma infinidade de exemplos, em
sua mor parte bem documentados.
Margarida de Hungria elevava-se do solo depois de cada comunho. S. Domingos, na abadia de Castres, recolheu-se para
192

rezar na igreja, onde um frade, que o foi buscar, o encontrou


suspenso entre o cu e a terra. O mesmo ocorreu com S. Bernardo, enquanto pregava aos monges reunidos em captulo; a Santa
Lutgarda, enquanto as religiosas cantavam o Veni Creator; a S.
Francisco Xavier, enquanto dizia missa e dava comunho aos
fiis; a Santo Alberto, enquanto recitava, noite, os Salmos,
ajoelhado ante o crucifixo.
Durante suas preces ou meditaes, aconteceu o mesmo a
Santo Incio de Loiola, a Santa Catarina de Siena, carmelita
Catarina Texada, a Santo Estvo, rei da Hungria, a ngela de
Milo, a Nicolau Fattori, a Gaspar de Florena, a Teresa, rainha
de Castela, a Maria Gomes, a Camilo de Lellis, a ngelo de
Bressanone, a Domingos do Paraso, a Francisca Olmpia, a
rsula Benincasa, a Catarina de Seins, a Matias de Baseio, a
Maria Villani, a Ins de Assis, a Joana de Orvieto, a Liberta de
Civitella, a Pedro de Garde e a Francisco de Assis.
Os historiadores das diversas Ordens regurgitam de relatos
em torno de fatos semelhantes, ocorridos ante as multides.
Bernadette, a exttica de Lourdes, que morreu em 1893, foi
tambm vista muitas vezes elevar-se e flutuar enquanto rezava.
S. Lus Gonzaga ficou por vezes suspenso no espao, privado do
uso dos sentidos e imvel.
De S. Pedro de Alcntara, clebre por suas levitaes, dizem
que superava, nos voos, a altura da copa das mais elevadas
rvores.
Santa Teresa de Jesus assim fala das suas levitaes extticas:
Algumas vezes meu corpo se sentia atrado at o ponto de
se elevar do solo; mas isto me ocorria raramente. Aconteceu
uma vez, enquanto estava no coro com as outras religiosas, e
ajoelhada para comungar. Vezes diferentes, quando comeava a dar-me conta de que o Senhor ia repetir o mesmo prodgio, estendia-me no cho, e as companheiras se acercavam
para reter-me, mas, apesar disso, a divina operao se efetuava e uma vez, entre outras, tal me aconteceu no dia da festa
do nosso santo patrono (S. Jos), durante o panegrico, ao
qual assistiam vrias damas de qualidade. Por isso, depois de
193

tal fato, supliquei insistentemente ao Senhor que no mais me


concedesse a graa que dEle desse mostra externa... Desde
ento, nada tornou a ocorrer de parecido e verdade que s
de h pouco assim pedi a Deus. (...)
Quando queria resistir, sentia sob meus ps como que maravilhosa fora que me erguia ao alto; no saberia a que compar-la: o mpeto parecia muito maior do que em outros semelhantes de fervores do esprito; era terrvel luta em que eu
ficava dbil e desfeita.
Mas, nenhum santo se pode paralelar, em tais raptos, com S.
Jos de Cupertino, que viveu no sculo XVII. To avaramente
fora dotado pela natureza, que os capuchinhos o julgaram incapaz at para a cozinha; porm, merc da sua asctica piedade,
adquiriu tal intuio das coisas espirituais que doutssimos
membros da sua Ordem confessavam haver obtido grande proveito dos seus colquios. Lia o estado de nimo e o pensamento
dos que se lhe avizinhavam, tinha o dom da profecia e, em vida,
duas vezes apresentou o fenmeno da ubiquidade. Entre os
testemunhos dos seus prodgios, figura at o de Urbano VIII,
pois quando levaram Jos para lhe beijar a sandlia, o papa
esteve a ponto de perder os sentidos, ao v-lo, em xtase, elevarse no ar. Os xtases de Jos se repetiam com tal frequncia e
durao, que por espao de 35 anos seus superiores no o admitiram com os demais irmos no coro, nem nas coletas, nem no
refeitrio. Para provocar seus raptos bastava que algum estimulasse o fervor em suas devoes. Imerso nesse estado, no mais
acusava sensao alguma, ainda que lhe metessem os dedos nos
olhos ou o queimassem com fogo, ou o espetassem com agulhas.
E ento voava seu corpo, ordinariamente para determinada meta,
da qual costumava regressar com segurana plena. Certa vez, em
que convidara alguns pastores para a adorao ao Menino Celeste, emitiu alto grito e voou qual pssaro, numa distncia de 50
passos, do centro da igreja para o altar-mor. Ali, abraado ao
tabernculo, esteve flutuando 15 minutos. Nenhum dos crios
acesos, que em quantidade ornavam o altar, caiu, nem ateou fogo
sua tnica. Tendo feito erigir um calvrio sobre pequeno cerro,
observou, depois de erguidas as duas cruzes laterais, que a do
194

centro, devido ao seu peso (a altura era de quase 54 palmos), 12


homens, empregando toda a fora, no a podiam colocar. Rpido, saiu pela porta do convento e voou, oitenta passos de distncia, at sobre a cruz, que levantou, como se se tratasse de uma
palha, e a colocou na abertura que se fizera para tal fim.
Mas, tambm os fenmenos de levitao no eram exclusivos
dos santos, de vez que se viam com frequncia nos endemoninhados.
Vi refere Sulpcio Severo um possesso, ao aproximarse de S. Martinho, elevar-se com as mos eretas sobre a cabea e permanecer suspenso no ar.
Santa Genoveva, diz a tradio, fez permanecer no ar, enquanto os interrogava, doze energmenos que haviam levado
sua presena. Algo semelhante se pretende fizesse o seu mestre,
S. Jernimo.
No livro intitulado LAffaire curieuse des possds de Louviers so citados muitos exemplos de monjas prodigiosamente
transportadas de suas celas, ao ptio, ao teto, para alto muro, e a
um bosque vizinho.
conhecido o caso daquela pobre possessa de Vervins, chamada Nicolette Aubry, que, na catedral de Laon, ante imensa
multido, se elevou por nove vezes no ar, sem embargo dos
esforos de seis homens que, com todas as suas foras, pretendiam sujeit-la.
Fenmenos no menos extraordinrios so os transportes corporais invisveis, nos quais uma pessoa desaparece de um lugar
para reaparecer em outro. Encontramos um exemplo nos Atos
dos Apstolos, onde, de Filipe, dicono, se diz:
O Esprito do Senhor o arrebatou, e o eunuco que com ele
estava no o viu mais... Filipe se encontrou em Azot.
S. Joo da Cruz passava a vida, por assim dizer, em voo contnuo. Dele dizem os bolandistas que aconteceu desaparecer do
leito onde jazia enfermo e reaparecer depois de algum tempo.

195

Mas tambm este fenmeno, rarssimo na hagiografia, ns o


vemos repetir-se em alguns mdiuns modernos, a exemplo dos
irmos Pansini, de Ruvo, na Puglia.
Magos e bruxos
Tambm na poca crist, ao lado dos milagres dos santos, encontramos os sortilgios dos bruxos e vemos que as cincias
ocultas, e assim em todos os perodos da Histria, eram mais
especialmente voltadas para conhecer o porvir. s antiqussimas
formas de adivinhao, outras inumerveis se foram agregando,
at formar uma cadeia deveras interminvel. Eis um pequeno
elenco:
Aburomancia, alevromancia, cristomancia (adivinhao com a
farinha sobre a cabea da vtima nos sacrifcios), aeromancia
(pelo vento), aletromancia (pelo galo), aritmomancia (pelos
nmeros), astragalomancia e cubomancia (pelos dados e fichas), astrologia (pelos astros), axinomancia (por um crio),
belomancia (pela flecha), botanomancia (pelas folhas), bibliomancia (por um livro), cartomancia (pelo baralho), capnomancia (pelo vapor), catoptromancia (pelos espelhos), cleidomancia (pelas chaves), cefalomancia (pela cabea do asno), ceraunomancia (pelos raios), ceromancia (por figuras de cera), coscinomancia (pela peneira), cromniomancia (pelo cabelo), dactilomancia (pelo exame dos dedos), dafnomancia (pelo louro),
epatocoscopia (pelo exame do fgado da vtima), filorodomancia (pelas ptalas de rosa), farmancia (pelos perfumes), geomancia (pela terra), gastromancia (por vasos cheios de gua),
giromancia (por crculos traados no solo), hidromancia (pela
gua), ictiomancia (pelos peixes), lampadomancia, licnomancia (pela forma da chama nas lmpadas), lebanomancia (pela
fumaa do incenso), leconomancia (pelos recipientes cheios de
gua), margaritomancia (pelas prolas), metatoscopia (pelas
rugas do rosto), molibdomancia (pela cera ou chumbo), miomancia (pelos ratos), necromancia (evocando mortos), nefelomancia (observando as nuvens), ofiomancia (por serpentes),
oniromancia (pelos sonhos), ooscopia (pelos ovos), onoma196

mancia (pelos nomes prprios), partenomancia (pelos sinais da


virgindade), piromancia (pelo fogo), quiromancia (pelo exame
das mos), rabdomancia (pela varinha), rapsodomancia (pelos
livros profticos), sicomancia (por folhas de figueira), estafilomancia (por passas de uva), tefromancia (pela cinza dos sacrifcios), terascopia (pelas imagens), xilomancia (pelos ramos
espargidos no solo).104
Entre esses sistemas adivinhatrios sobressaem a catoptromancia, que se exercia com espelhos; a hidromancia, a leconomancia, a gastromancia, que tinham por base a gua.
Os espiritistas denominam a primeira de viso no cristal e
as outras mediunidade no copo de gua, mas todas, no fundo,
tm um mesmo princpio e um mesmo alvo: a alucinao produzida pelo fixar uma superfcie brilhante. Alguns, ao contrrio,
obtinham os mesmos efeitos contemplando uma das unhas, um
escudo, a lmina de uma espada.105 A antiguidade desses sistemas de adivinhao indubitvel e encontramos traos na Bblia,
onde se faz meno do copo pelo qual Jos fazia suas adivinhaes;106 na Grcia, ao orculo de Apolo, cujas respostas se
obtinham olhando em um poo.107
Varro 108 assegura que o uso de espelhos mgicos originrio da Prsia. Santo Agostinho 109 diz que Numa via aparecer na
gua a imagem dos deuses que lhe indicavam o que devia fazer.
Plnio 110 e Apuleio 111 assim descrevem a leconomancia:
colocavam-se em um recipiente cheio de gua algumas lminas
de ouro e prata, e pouco depois se viam aparecer as figuras
desejadas; ouvia-se adiante a resposta, com o que o fenmeno
auditivo se unia ao visual. Espartiano 112 narra que Ddio Juliano,
antes de dar batalha a Septmio Severo, consultou o espelho
mgico, por intermdio de um menino, sobre cuja cabea se
havia previamente feito encantamentos.
Em poca mais moderna, vemos que o astrlogo Ruggieri se
servia de um espelho mgico para dar a conhecer, a Catarina de
Mdicis, o futuro dos seus dois filhos, Carlos IX e Henrique III.
Natale Lecomte narra que, durante sua guerra contra Carlos V, o
rei Francisco I, desde Paris, tinha conhecimento do que acontecia
197

em Milo. Nesta cidade se encontrava um espio, o qual escrevia


suas informaes em espelho mgico, em tudo smile de outro
que Francisco I tinha e no qual lia o que o espia tinha escrito em
Milo.113
Mas, os que usavam estas prticas mgicas no estavam isentos dos perigos. Em 1609, foi queimado na praa da Greve, de
Paris, um tal Saint-Germain, por haver feito uso de espelhos
mgicos com uma mulher e um mdico.114 Certo bispo de Verona foi condenado morte, por Martin de Scala, porque encontraram debaixo do travesseiro dele um espelho em que estava
escrito o nome de Fiorone, nome que certos magos davam ao
demnio. Assim era tambm o espelho que se descobriu na casa
de Cola de Rienzi.115
O uso da catoptromancia e da hidromancia todavia bastante difundido tambm em nossos dias no Oriente.116 O orientalista Reinaud 117 escreve:
Os levantinos ainda tm espelhos mgicos, nos quais imaginam fazer aparecer anjos e arcanjos. Perfumando o espelho,
jejuando durante sete dias e mantendo-se no mais absoluto retiro, dizem perceber, com os prprios olhos, ou por meio de
uma virgem, ou um menino, os anjos que se deseja evocar.
Os muulmanos e brmanes da ndia fazem tambm uso dos
espelhos mgicos, unsun, lmpada negra.
Quando se trata de pessoa suspeita de ser vtima de obsesso,
colocam o espelho em mos de um menino, e este no tarda a ver
desenharem-se as feies do Esprito possessor.118
A esse propsito escreve Ibn Khaldun:119
Creem alguns que a imagem, deste modo aparecida, se desenhe na superfcie do espelho, mas se equivocam. O adivinho olha fixamente essa superfcie at que esta desaparea, e
um velrio, smile de nvoa, se interponha entre ele e o espelho. Nesse velrio se desenham as formas que ele deseja discernir, o que lhe permite dar indicaes afirmativas ou negativas sobre quanto se deseja conhecer. Os adivinhos, enquanto esto nesse estado, no percebem o que normalmente se v
198

nos espelhos: um outro modo de perceber o que neles nasce.


Essa descrio idntica quela que, do mesmo fenmeno,
do os nossos mdiuns espiritistas.
Convulsionistas
Enquanto antigamente os fenmenos de inspirao, profetismo, obsesso e similares apareciam de ordinrio em casos espordicos e insulados, nos sculos XVI, XVII e XVIII vemos
produzir-se um fato quase novo na Histria: a epidemia desses
fenmenos. Foi ao redor de 1550 que estalou, simultaneamente
em diversos pontos da Europa, a epidemia demonoptica que os
franceses designam com o nome de Possessions des Nonnains,
porque atacou mais especialmente as monjas (nonnes).
Segundo o ritual catlico, os fenmenos nos quais se podia
reconhecer a possesso eram os seguintes:
1) faculdade de conhecer o pensamento alheio, ainda que
no expresso;
2) inteligncia de idiomas desconhecidos;
3) faculdade de falar esses idiomas desconhecidos;
4) conhecimento de acontecimentos futuros;
5) conhecimento de quanto ocorre em lugares distantes;
6) desenvolvimento de foras fsicas superiores;
7) suspenso do corpo no ar, durante certo tempo (levitao).
Pois bem, exceto este ltimo fenmeno, todos os demais se
encontram, dentro de dados limites e em dadas condies, em
nossos mdiuns. Os convulsionistas apresentavam estranhos
fenmenos de invulnerabilidade, que quase no tm confronto na
Histria.
Maria Sonnet se colocava em posio de arco invertido, com
a cabea e os ps no solo e os rins sustidos no ar por aguada
estaca. Depois, por meio de uma roldana, deixavam cair repetidamente sobre o seu estmago, do teto do recinto, uma pedra do
199

peso de 23 quilos. Nem a pele, nem a carne acusaram jamais a


menor ofensa: ao contrrio, ela pedia sempre pesos maiores.
Carr de Montgeron golpeou Joana Maulet, com todas as suas
foras, na concavidade do trax, com uma pea de ferro, que
depois transferiu a um homem vigorosssimo, que, por sua vez,
assentou uma centena de golpes na convulsionada, a qual sempre
os achou muito dbeis, e tambm no lhe ocasionaram a menor
contuso.
Certa mulher, do burgo de Meru, diocese de Beauvais, se fazia dar golpes de espada por todo o corpo e, se bem que a pele
cedesse sob a ponta da arma e resultasse alguma vez um pequeno
sinal avermelhado, nunca se lhe rompeu a carne.120
Fabricao artificial de mdiuns e bruxos
Vimos anteriormente que todos os povos primitivos recorriam
aos nevrticos, aos histricos, no grau de profetas ou mdiuns,
para consultar sobre o futuro. E quando os mdiuns, profetas ou
bruxos escasseavam entre os selvagens, estes, havendo certamente percebido que a faculdade medinica se ligava a graves
neuropatias, provocavam sua apario, infligindo, nalguns
predispostos, medo na infncia, na concepo, e prolongados
jejuns, fabricando-se assim magos artificiais. Um primeiro
mtodo desta fabricao artificial de magos consiste em modificaes impressas aps o nascimento. Os aleutas diz Rclus ,
quando tm meninos graciosos, os vestem e educam como se
fossem meninas, e os vendem, aos 15 anos, a um rico qualquer,
quando no os consagram a um sacerdote; apenas passada a
juventude, entram, com grande facilidade, nas ordens sagradas.
Em Bornu, o daiaco que se faz padre toma trajes e nome femininos, esposa um homem e uma mulher, o primeiro para
acompanh-lo e proteg-lo em pblico. Tambm o sacerdote
aleuta recebe, para educao, as meninas adaptveis, aperfeioando-as na arte da dana, dos prazeres e do amor, e as transformam em magas e sacerdotisas.121
Para fazer que se tornem sacerdotes e profetas, submetem-nos
a especiais tratamentos. Tambm se dirigem a determinados
200

esposos para que provoquem nos futuros filhos uma nevrose,


com prolongados jejuns, comendo certos alimentos e evitando
outros, e, apenas nascida a criana, banhada com urina e esterco; por dias, deixam-na s; depois, passa por uma srie de iniciaes. Para poder comunicar com os Espritos, deve abster-se, a
intervalos, por muito tempo, da comunidade, participar de caa e
pescar s de vez em quando; tanto mais prosseguem neste regime, tanto mais se tornam alienados; no se sabe se esto despertos ou sonham, pois tomam as abstraes como sendo realidade;
criam enormes simpatias e antipatias em torno de si: iguais aos
iogues, aos faquires da ndia e aos shamani da Sibria, tm por
aspirao suprema o xtase; do manifestaes que entram na
categoria da epilepsia, tm estranha lucidez e hiperestesia; creem
na perseguio dos demnios que os vm atormentar; nos acessos profticos se entregam a estranhas contores, convulsivas, a
gritos no humanos, com espuma na boca, congestionamento da
face e dos olhos, com perda da viso. Se encontram facas, feremse e ferem os outros.
Passadas essas iniciaes, o indivduo escolhido se torna mago ou hangacoc, ou seja, grande ou ancio, que acumula
os cargos de conselheiro, de juiz de paz, de rbitro nos negcios
pblicos e privados, de poeta, de mdico. A iniciao para a
Medicina se pratica, entre os blculas, com jejuns e rezas; entre
os peles-vermelhas, com jejuns, sonhos e estada nos bosques e
na soledade; entre os negroides da Austrlia, com a busca de um
Esprito de mdium morto na solido; entre os ndios de Gamina,
por trs meses deve o candidato alimentar-se com folhas especiais e viver sozinho no bosque, at que lhe aparea um fantasma.
Os futuros mdiuns dos Wascows, dos Caiuso, dos WallaWalla, iniciam a carreira mgica dos 8 aos 10 anos; devem
dormir, em cabana, sobre a terra nua, onde recebem o Esprito
sob a forma de bfalo-co, que lhes faz importantes revelaes, e
quando isto no acontea, devem jejuar at sua vinda; depois
comunicam o que ouviram ao mdico mestre.
Entre os cafres-kosa, o candidato vive solitrio na cabana, at
que lhe aparea, em imagens, leopardos, serpentes, pssaros de
201

fogo, que o ajudem no trabalho; por ltimo lhe aparece o fantasma do chefe-morto, que o obriga a danar e a estar inquieto.
Na Sumatra, por um dia inteiro, o candidato deve permanecer
num cesto suspenso na janela de uma casa, com um mnimo de
alimento, e durante esse tempo de quase india, rogando aos
deuses que o tornem invulnervel. Se o cesto se agita, significa
que o Esprito penetrou no candidato; ento o espetam, ferem-no
com lana e espada, e as feridas cessam de manar sangue e se
fecham quando tocadas por ele com a mo.
Ao Thay-Phap, mdico-profeta dos anamitas, se prescreve
uma dieta especial: no pode comer carne de co ou de bfalo,
mas deve alimentar-se sempre de uma certa planta que tem as
folhas em forma de corao.
Os gangas, de Luango, s podem beber em certos stios e horas determinadas do dia; tm igualmente muito limitada a alimentao de carne, com proibio da de alguns quadrpedes,
mas, em troca, podem comer muitos vegetais.
***
Outro mtodo consiste em provocar convulses e delrios,
com movimentos precipitados da cabea ou com substncias
inebriantes.
Os aissau, seita de fanticos, difundida entre os rabes da
Arglia, devem sua origem a Mohamed Ben-Hissa, que, maioral
de uma caravana, rodeado de todos os perigos do deserto; insolao, simun, ladres e fome, recorreu ao expediente extraordinrio do fanatismo religioso, l onde a fora humana pouco valia.
Quando a caravana estava faminta, ele, em nome de Al, mandava comer escorpies e serpentes, e quando estes faltavam, ordenava o djedjeb, os gestos que faziam calar a fome. O djedjeb
um mover violento dado cabea, da esquerda direita, enquanto os braos permanecem pendentes e as pernas acompanham os movimentos da cabea e do tronco. Depois de uma hora
de semelhante exerccio, sobrevm uma espcie de furor e de
embriaguez, que logo se transforma em estado de insensibilidade.122
202

Mas, desamos a maiores particularidades. Os sectrios esto


recolhidos em sala adequada para o caso e muito iluminada, os
msicos batem, em enorme tambor, dois golpes lentos e um
rapidssimo, e os irmos ou aissaus os acompanham com uma
brbara cano:
Deus, Deus, Deus, nosso Senhor, Deus, nosso Deus
Ben-Hiss ordena o amor de Deus
A serpe obedece a Deus
Ben-Hiss me fez beber o seu segredo, ... etc.
Este cntico insulso inconcludente, e assim todos os dos ascetas; contudo, no dizer de um europeu, d um frmito entusistico tambm nas veias do mais incrdulo espectador. Ento,
aqueles entre os fiis, que mais avassalados ficaram pelo cntico,
caem no djedjeb ou sacra convulso: o coro cessa o canto, mas
os tambores continham a acompanhar as contores dos desatinados, que cantam:
O teto alto, Ben-Hiss o levantou, ... etc.
medida que o aissau gira na sua furiosa dana, o sangue
lhe aflui ao rosto, as veias do pescoo de tornam trgidas, a
respirao passa a sibilante, pela traqueia comprimida, e todo o
trao do canto desaparece para dar lugar a um som inarticulado,
que o derradeiro esforo de uma respirao obstaculada.
Chegado a este ponto, o aissau empunha uma barra de ferro
candente e golpeia com ela a fronte e a cabea, lambe-a, morde-a
com os dentes.
Senti diz o egrgio viajante o nauseabundo mau cheiro
da carne queimada e o crepitar da pele.
No era, pois, iluso. Ento, o djedjeb se torna geral: todos
gritam e correm, ferindo-se ferozmente nos braos e nas costas;
alguns imitam, de gatinhas, o rugir do leo ou o ronco do camelo; pedem comida e lhes do folhas de cactos e escorpies vivos,
que gulosamente deglutem.
Um adido ao Consulado francs, na Arglia, no dando crdito aos prprios olhos, prometeu dinheiro a um sectrio para que,
203

diante dele, devorasse uma vbora que havia matado antes um


galo e uma galinha.
O aissau provocou o djedjeb e, atingido o ponto de exaltao, a devorou.
Outras quatro seitas so conhecidas, na Arglia, anlogas a
esta. Um dcimo e no raro um quinto do total da cidade o
admite. Uma sociedade to numerosa quanto violenta e cruel
existe atualmente entre os negros de S. Domingos: a denominada Sociedade do Voudou. Ignota a origem desta palavra, que
talvez signifique pas das serpentes. Assim se designam a
divindade, a instituio e, inclusive, seus adeptos. Esse deus, em
S. Domingos, a cobra, e na ilha de Orlees a serpente cascavel.
de origem puramente africana e especialmente do Congo e de
Juidala. Os sacerdotes do deus exercem autoridade extraordinria, tanto em Haiti quanto no Congo... Ao fundo da sala onde se
renem os adeptos est a arca santa onde jaz a serpente; ao lado,
o papai e a mame (o sacerdote e a sacerdotisa do deus) sob
grande manto de trapos vermelhos; o papai, pondo o p e a mo
sobre a arca, entoa um cntico sagrado:
Eh! Eh! Bomba, hon, hen
canga basio te,
canga mouni de li
E transmite uma sacudidela mame, e esta a todo o crculo
de espectadores, que agitado de movimentos coreicos laterais,
em que a cabea e os ombros parecem deslocar-se; exaltao
febril se propaga a todos os filiados; os negros entram em singular furor, imergem os braos em gua fervente, cortam e rasgam
as carnes com uma faca e com as unhas e fazem colocar piles
sobre as costas, e vigorosos homens socam (pilam).
Fatos anlogos a estes se registram entre os derviches otomanos. Cada convento de derviches tem uma espcie particular de
dana sacra, ou melhor, de convulses epileptoides. Alguns
rezam, fazendo movimentos laterais com a cabea, outros dobram o corpo da esquerda para a direita e de diante para trs,
porm na maioria dos conventos, tais os Kufai, Cadria e Beyrami, usam colocar-se apertados em crculos e, pondo adiante o p
204

direito, aumentam a cada passo a fora. Comea os Kufai com o


cntico de Al e fazem movimentos laterais de cabea e pem os
braos sobre os ombros dos outros e giram cada vez mais rapidamente, at que caem no haleth ou rapto. Nesse estado sofrem a prova do ferro candente, ferem-se com alfanjes, etc.
Estranheza anloga narra a Bblia, dos sacerdotes de Baal,
confirmada nos monumentos de Nnive.
Na ndia, os sacerdotes de Siva e de Durga repetem iguais
convulses, seguidas de smiles dilaceraes voluntrias, que
direi voluptuosas. Outro tanto se observa ainda nos santes do
Egito. Uma das cerimnias mais curiosas que praticam os ulemas
do Egito a do Zikr; realizam-na pronunciando a palavra Al e
agitando continuamente a cabea e o corpo, at que, sacudidos,
exaustos por esses movimentos, caem por terra, a face congestionada, espuma na boca, tal qual os epilpticos, e durante esse
frenesi se mutilam e queimam as carnes.
A coexistncia de uso to estranho em raas assim diversas e
distantes, semitas, caucsicas, camitas, indica uma causa mais
profunda e fisiolgica do que a religio, a qual, resultando dos
sentimentos do povo, a ele se amolda e, pois, no uniforme.
E entre as tendncias ao contrrio, mais caractersticas das
raas humanas, o uso daqueles excitantes artificiais do crebro,
a que chamam inebriantes, e que crescem em nmero e atuam
com o aumento da evoluo. As substncias mais estranhas tm
sido adotadas pelo homem com esse escopo: o vinho, o lcool, a
mandioca, a noz de cola, a cerveja, o soma, o pio, at o cido
ltico e actico (Trtaros) e as injees nasais de niopo, no
Kamtschatska.
Povos que, pelas particulares condies de selvageria, assim
os aissua, ou pelas leis, tais os maometanos, no podem usar
alcolicos, nem substncias anlogas; suprem-nas com movimentos laterais da cabea, o mais selvagem modo de inebriedade
que seja possvel. Que aquele movimento lateral do corpo e da
cabea produza uma congesto cerebral, qualquer um que faa a
experincia por algum tempo ficar mais do que convencido.

205

Uma vez descoberto como com estas prticas obtinham a ebriedade e as convulses estados to anormais que s podiam
ser interpretados, pelos povos primitivos, como sendo uma
obsesso dos deuses, uma segunda, uma nova personalidade que
lhes parecia sagrada, divina , aplicaram tais prticas para entrar
em comunicao com os deuses, de igual modo que se serviam
dos epilpticos e dos loucos, e mais tarde dos intoxicados e
inebriados.
***
Mais frequentemente, em verdade, recorreram s substncias
embriagantes. Os sacerdotes antigos, que primeiro notaram a
ao estimulante das bebidas fermentadas sobre a mente, reservaram-nas para eles, declarando-as sagradas, como, por igual
motivo, declararam sagrada a epilepsia.
A lenda afirma que a vida nasceu de uma gota de sangue divino cada na Terra, o meth, bebida da feiticeira nrdica de
Quasio, o mais sbio dos deuses. Deuses foram Lieo, Osiride,
Dionsio, inventores da vida e iniciadores da civilizao. Baco
o deus salvador, o deus mago, o deus mdico, e deixa ainda
rastos da sua grande influncia na blasfmia: Sangue, corpo di
Bacco!
Os egpcios s permitiam o vinho aos sacerdotes. O vinho entra no grau de licor sagrado nas liturgias, nas libaes e ablues.123
O sacerdote indiano um bebedor de soma. Ao suco da Asclpias, fermentado, ao soma, atribua a inspirao potica, a
coragem dos heris e a faculdade de imortalizar a vida (Amritam, de onde o abrtono dos gregos, a gua da vida, o lcool).124
No Rig-Veda (VIII, pgina 48) se l: Havamos bebido o
soma, fizemo-nos imortais, entramos na luz. 125
No Yacna, de Zoroastro, o suco do Haoma, que o mesmo
soma, distancia a morte.126
O mesmo soma se torna um deus, a rivalizar com o fogo:
Soma, tu que fazes os Richis, que ds o bem, tu imortalizas
homens e deuses, se l no Rig-Veda.127
206

O soma s era permitido aos brmanes, tal qual no Peru a coca s se concedia aos descendentes dos incas e, entre os Chibcha,
aos sacerdotes que se serviam dele como agente de inspirao
Note-se que o soma se denomina madhu, em snscrito, e
que, em zend, tem significado de vinho, o que liga o Med nrdico, o Madus lituano e o Mad snscrito com o nosso louco, e, com
efeito, Baco, que nasceu deus, derramado em honra aos deuses,
e o delrio bquico uma virtude proftica e a possesso do
deus; Esculpio filho de Baco.128
Parece que os primeiros a observarem os efeitos benficos e
malficos do vinho criaram a lenda da rvore da cincia, ou do
bem e do mal, o que se pretende fosse precisamente da ma, de
cuja putrefao saram os primeiros licores fermentados.
Os assrios tiveram exatamente uma rvore sagrada, a rvore
da vida, que era primeiro a asclpias, depois a palma, de onde se
extrai ainda agora um licor fermentado. Com os egpcios, era o
Ficus religiosus, cujo suco fermentado tornava imortal a
alma.129 Outros recorreram aos eflvios de gases txicos.130
Os orculos de Delfos, de Delo, de Abe, de Tegiro, etc., na
Grcia, estavam em mos dos sacerdotes, que faziam profetizar
uma, duas e por fim trs histricas, depois de as intoxicar com
fumaa de louro e com as emanaes de alguns gases. A pitonisa, essencialmente, se preparava com ablues, fumigaes de
louro e de cevada queimada. Sentava-se numa trpode, com uma
bacia de mo, sobre uma fenda que exalava gases txicos
hidrocarburetos e hidrossulfuretos (segundo me escreve Giacosa)
, que lhe envolviam toda a parte inferior do corpo,131 at que
caa em transe, to enrgico que, s vezes, terminava com a
morte; outras vezes, falava em verso e delirava com verbiagem
descosida, qual os sacerdotes davam sentido apropriado e
tambm forma rtmica, valendo-se para isso de poetas especiais.
Nos labirintos de um penhasco de Delfos escreve Justino
havia pequeno plano e neste um buraco ou fenda na terra, pelo
qual manava um sopro frgido, que saa com a fora igual do
vento, para o alto, e que mudava a mente dos poetas em loucura
(mentes vatum in vecordiam vertit, XXIV);132 ao princpio, era
207

ignorada esta virtude, e os pastores para ali levavam os animais a


pastar; mas, certo dia, uma cabra, caindo naquela fenda, foi
acometida de convulses imediatamente. Dado o preconceito que
relacionava, tambm no djedjeb, a convulso com a inspirao
divina, e por isso eram sagrados os epilpticos, da surgiu a ideia
de servir-se desses vapores txicos para provocar o profetismo.
Mas este se associou primeiramente com a embriaguez bquica,
pelo que algumas pitonisas eram dionisacas, e Dionsio-Baco,
segundo a lenda, permaneceu longamente em Delfos.
Esses orculos, provocados pelos gases intoxicantes, aumentavam onde emanasse gs dos terrenos: nos lagos Averno, Erclio e Figalo; e, por isso, acreditavam-nos em comunicao com
o Inferno, pretendia-se que dessem lugar evocao dos mortos
e, o que mais simples, intoxicao inebriante dos vivos, que
assim se constituam em intrpretes dos mortos, ou nigromantes.
curioso consignar que Porfrio, depois de haver observado
de que modo o profeta ou mdium se acha frequentemente em
estado patolgico, e como venha este provocado artificialmente
com vapores, bebidas alcolicas, etc., acrescente, repetindo
quanto analogamente notou Plato:
A causa, pois, que produz o xtase pode bem ser uma afeco mental ou loucura patolgica derivada de sobreexcitao da psique, tal a que resulta de viglias prolongadas
e de excitaes medicamentosas. Quanto ao demnio, aderido
a ns, suspeito possa ele ser uma certa parte do Esprito humano.
Outro exemplo desses mdiuns artificiais por intoxicao se
pode colher entre os atuais abissnios, nos Liebescaias ou magos descobridores de ladres, segundo me refere, atendendo a
meu pedido, o colega, Dr. de Castro, em carta que transcrevo:
Ocorrido um furto, a vtima corre ao Liebescaia e confia
completamente na sua arte para encontrar o culpado e reaver
o furto. Ele, antes de tudo, faz que lhe antecipem o estipulado
e, acompanhado de um rapazote de seus 13 anos, se traslada
ao local do delito. Feita rpida inspeo, faz que se lhe d de
comer e de beber, e ao jovem comparsa. noite, um ajudante
208

do Liebescaia permanece no local para fazer a toalete do jovem, lavando-o cuidadosamente com sabo, polindo-lhe as
unhas e, depois de nova inspeo do lugar, para certificar-se
de que no h substncias cidas, que tm efeito antagnico
ao da poo da qual diremos, ambos se agacham em um ngulo da casa e dormem at manh seguinte. Ao raiar o dia,
chega o Liebescaia-chefe, acompanhado de um servo, com
bolsa de couro a tiracolo, com todo o necessrio para a atuao; conduz o jovem para fora da casa e o faz sentar-se no
cho; apresenta-lhe um cachimbo amarelo, que afinal uma
cabaa ocada, com gua dentro, e um canudo longo, aderido
de um lado, com boquilha para sorver, e outro tubo aplicado
no extremo da cabaa, com um fornilho para acender o fumo.
A preparao da droga se faz com duas ou trs espcies de
ps, um cor de caf, outro violeta e um terceiro de cor por
mim desconhecida. Dessa mistura se derrama parte em uma
cubeta de madeira, que contm leite, mas, antes de d-la a
beber, fazem-se passes cabalsticos com a cubeta e com o vaso sobre a cabea do jovem. Outra parte da amlgama posta
no fornilho do cachimbo, adicionada de um pouco de fumo
aceso. O jovem, depois de haver bebido do vaso, absorve
com fortes aspiraes o fumo do cachimbo, enquanto o chefe
lhe queima incenso debaixo do nariz. Depois de vrias e profundas fumadas, o jovem comea a respirar mais frequente,
os olhos parecem saltar das rbitas, congestiona-se-lhe o rosto, at que, de um salto, sai correndo, com um basto para abrir caminho, e o ajudante o segue, segurando-o pela borda
da vestimenta ou pela extremidade do lenol que leva enrolado em redor do tronco.
Na vez que presenciei este fato, o rapaz, derrubada uma
cerca do recinto, depois de haver divagado aqui e ali, entrou
em uma cabana indgena, mostrou que o ladro havia sado
dali, reconstituindo seu percurso e reproduzindo as pegadas
que aquele teria deixado; depois, reentrando na cabana, atirou-se ao solo, qual corpo morto, dormindo prazenteiro sono
de cerca de hora e meia. Despertando, deram-lhe a beber qua209

tro ou cinco copos de gua, que vomitou, ficando, embora visivelmente exausto, desperto como antes da hipnose.
O dono da cabana foi, deste modo, acusado de furto. Encontrado o ladro, ou o que se acreditava o fosse, o infeliz
logo atado. Sequestram-lhe a casa, os utenslios e o dinheiro,
at que haja restitudo o roubo ou pago seu valor e mais as
custas judiciais.
s vezes, o desgraado um pobre que no tem nada de
nada, e ento constrangido, para se livrar dos cepos, a angariar a soma imposta entre os piedosos que o queiram ajudar.
Justia estranha, mas qual ainda os que dela descreem esto sujeitos de bom grado, porque expedita, e, com todos os
seus erros, corta cerce as questes e evita um longo processo.
Todos a ela recorrem, at o Negus, que deixa tenham crdito
tais usanas, s quais ele prprio no d muito valor, mas que
tm o salutar efeito de fazer medo aos ladres. Todavia, a
fraude ocorre no meio da fraude mesma, se esta como tal se
devesse considerar, pois se diz acontecido o caso de algum
ladro pagar o Liebescaia para fazer recair a culpa sobre um
inocente.
Foi tambm cmico o caso de um Liebescaia que vimos no
crcere de Adis-Abeba, acusado por um colega, com os
mesmos materiais do ofcio, de falsidade em um furto praticado por aquele.
A profisso de Liebescaia monoplio secreto de certas
famlias privilegiadas, que o transmitem de gerao em gerao. O segredo est, naturalmente, na composio dos ps.
Sendo vedado aproximar-se do Liebescaia, enquanto est em
funo, para impedir qualquer indiscreto exame, s resta o
recurso da induo. Certo, naquele estado, o mago dos ladres corre, como se v frequentemente, por toda parte, superando impunemente os passos mais perigosos, caminhando
presto pela borda de precipcios, saltando espinhosas moitas e
altos muros, sem cair, nem se ferir e detendo-se somente no
local do delito. Cr-se, porm, que, atravessando um curso de
gua, a ao hipntica desaparece. Pareceu-me reconhecer,
no odor da fumaa do cachimbo, o cheiro da cnabis ndica
210

ou haschich, cujos efeitos inebriantes so bem notrios,


mxime se misturados com o cat ou celastrus edulis, e o
pio, e se fala tambm no estramnio e no fumo. Porm, nada, repito, se sabe ao certo.
Castidade nos magos
Recorrem a outros singulares procedimentos, entre eles, aquela castidade que ficou depois por signo de santidade em algumas
religies, e que totalmente desprezada pelos selvagens.
sabido, com efeito, quanto nos povos brbaros o celibatrio
desprezado. Entre os santalos, o velho celibatrio no considerado homem; entre os cafres, no tem voz deliberativa no
kral; no Brasil, entre os tupis no podia tomar parte nas festas;
na Polinsia, cr-se que deva sofrer uma pena antes de entrar no
reino dos mortos; com os astecas, excetuados os sacerdotes,
ningum pode permanecer solteiro alm dos 22 anos e as mulheres alm dos 18.
Os atlascalas cortavam o cabelo, em sinal de desonra, aos que
recusavam casar; com os hebreus e maometanos o matrimnio
era dever religioso; nos sequazes de Zoroastro o homem que no
tem filhos vai para o Inferno; em Roma os censores podiam
obrigar os celibatrios ao pagamento de um imposto especial.
Pois bem: apesar disso, estranho ver que a castidade se impunha, em cmbio, aos magos e aos sacerdotes, e pelo rito.
Os tlinkiti creem que o mago sciamano, se no permanece
casto, morto pelos seus Espritos protetores. Os magos patagnios, as sacerdotisas mexicanas, as do Sol, na Prsia, eram
mantidas em castidade absoluta. Os indianos, que tanto honram o
matrimnio, acham meritrio o celibato para os seus magos e
santos.
Westermark,133 que recorda tudo isso, explicaria com o fato
de que se consideravam as sacerdotisas como esposas de Deus,
do Sol, etc., tendo por impureza o contato sexual, ou porque se
buscava assim acalmar, com uma penalidade, a clera dos deuses.
211

Creio, em troca, que especialmente para os magos se pretendia, com a abstinncia absoluta, provocar aqueles transtornos
sexuais que se refletem com enorme excitamento do sistema
nervoso, que pode conduzir ao histerismo e, assim, mediunidade.134
Mulheres preferidas ao homem
Mas, existe outra prova ainda mais curiosa na preferncia
que, por este aspecto, o da castidade, se dava preferncia
mulher.
Nos povos selvagens, e assim nos povos mais antigos, as mulheres, salvo raras excees que explicaremos, eram tidas em
grande desprezo, e alguma vez em horror. Sobejam as provas.
Nos barca 135 homem e mulher ocupavam rara vez o mesmo leito, porque, diziam, o hlito da mulher debilita o marido.
Em Vitria do Oeste (Western W.), a mulher menstruada no
pode comer, nem beber; ningum toca nos alimentos que ela haja
preparado, porque debilitariam. Entre os dayaks, de Bornu
Noroeste, aos jovens vedado carne de animais selvagens, que
o alimento especial para as mulheres e os velhos, pois que os
tornaria tmidos qual o cervo.
Um zulu recm-casado no ousa entrar em batalha: se vai,
ferido, pois os homens dizem que o regao de sua mulher
impuro, isto no evidente intuito de fazer medo infeco da
timidez feminil.
Na tribo Wivaijuri,136 probe-se aos meninos brincar com as
meninas e com os omahas, os que o fazem so depreciativamente
acoimados de hermafroditas.
Entre os samoiedos, os ostiakis e outras populaes bramnicas, as mulheres so olhadas como que contaminadas, tanto que
o homem evita, inclusive, tocar nos objetos a elas pertencentes e,
por isso, as mulheres tm loua e utenslios especiais, e s podem andar, nas lojas, pelos ngulos que lhes esto assinalados;
no podem passar na mesma rua dos homens; tambm no se
podem aproximar do fogo, porque at este ficaria contaminado.137 Se algum homem obrigado a fazer uso de utenslios
212

pertencentes a mulheres, tem de purificar-se com fumigaes, e


assim, quando a mulher aplicou pez na tenda, deve fumig-la
antes de o homem se dignar de ali entrar.
Nas ilhas do sul, s mulheres proibido tocar no alimento reservado aos homens ou oferec-lo aos deuses, como se estes
pudessem ser contaminados.
Um australiano, verificando que a mulher havia dormido no
seu leito, matou-a e morreu de terror 15 dias depois.
Entre os ndios da Costa Rica, a mulher, na sua primeira gravidez, infecta a vizinhana inteira: todas as mortes so postas
sua culpa e o marido deve indenizar os danos. Em algumas tribos
brasileiras acredita-se que a mulher impede a fermentao do
vinho. Em Nukaiva, se acontece a qualquer mulher tocar ou
sentar perto de um objeto que seja tabu (tornado sacro) em
contato com um homem, aquele no pode mais ser usado, e a
mulher punida de morte. No Taiti, a mulher deve respeitar os
lugares frequentados pelos homens e seus apetrechos de pesca e
de combate; a cabea de um marido ou de um pai se contamina
com o contato de mulher, e uma esposa ou irm no podem tocar
objeto algum que tenha estado em contato com essas cabeas
tabus.
Entre os brmah, considerado indignidade ter qualquer mulher acima da cabea e, para tal evitar, s se constroem casas de
um andar. Entre os maoris, as paredes das casas so tabus e
nenhum homem a elas se encosta, porque as mulheres costumam
esconder nos seus interstcios a roupa usada no perodo catamenial. Entre os kassas, o marido s pode ver a mulher noite; ela
fica recolhida na parte interior da casa, sem utilizar o resto;
mulher vedado sair, e qualquer infrao se pune com trs anos
de crcere (Craroby).
Quando mulher bakairi se pergunta o nome, responde: Sou
mulher. Entre os samoiedos, os coreanos, as mulheres no tm
nome e assim na antiga Roma. E, entre muitos povos, acreditam
que as mulheres no tenham alma. A mulher, por isso, muitas
vezes excluda dos templos, como fazem os rabes, em Meca;

213

segundo alguns telogos, no h para elas lugar no Paraso;


assim, tambm, nas ilhas Sandwich.
Entre os fijis, os ces so excludos de alguns templos e as
mulheres de todos. Nas ilhas Marquesas, so diretamente mortas
as mulheres que penetram no templo onde se celebram cerimnias religiosas, ou toquem com os ps as sombras das suas
rvores; a segregao das mulheres se estende, pois, s festas,
aos banquetes; muitas vezes h danas de pessoas, todas de um
s sexo, nas quais a interveno do outro sexo punida com a
morte. Tal separao dos dois sexos se faz, entre os groenlandeses, inclusive nos acompanhamentos fnebres. Se uma indiana
toca em uma imagem, a divindade desta anulada e deve ser
posta fora.
Magos, padres vestidos de mulher
Sendo to grande o desprezo pela mulher entre os povos selvagens, parece bastante estranho o fato de que exatamente entre
os selvagens e entre os povos mais antigos os sacerdotes e os
magos adotassem vestes, ornamentos e, pode-se dizer, a aparncia de mulher.
Por exemplo, nos teadyaks, alguns padres pretendem ser mulheres, assim se vestem e querem ser tratados nessa condio.
Entre os kodyaks, homens h, vestidos de mulher, que so olhados e respeitados como magos. Vimos anteriormente que o mago
Daiaco se veste de mulher e desposa um homem e uma mulher.
Os sacerdotes persas usavam na cabea uma tiara que tinha
uma espcie de mscara com duplo vu na parte inferior do
rosto, para que o hlito no emporcalhasse a sagrada vestimenta.
Ora, sabido que as mulheres em quase todo o Oriente, entre os
frgios e entre os scioanios, cobrem a cabea com vus, de igual
modo que os assrios trazem a tiara. Os hebreus usavam uma
espcie de coifa, tiara ou mitra, ornada de ouro, coberta precisamente com um vu, amplos cales e dupla sobrepeliz. Os
sacerdotes frgios, da deusa Cibele, eram chamados curetos ou
coribantes e tambm galos; usavam, na festa de Cibele,
conduzir a imagem da deusa, danando ao redor desta, e depois,
214

com a espada desembainhada, cortavam a pele, flagelando-se,


castrando-se, gritando em altas vozes e, cantando, atiravam os
rgos no lugar sagrado. Em seguida vestiam-se de mulher.
Esses galos eram uma espcie de charlates (nota Plutarco)
que vendiam orculos, em maus versos, a mulheres de baixa
condio. Amide levavam em sua companhia velhas que faziam
encantamentos, murmurando versos.
Os sacerdotes egpcios eram barbeados e depilados, e usavam
colares de prolas ou anis nos ps, tal qual as mulheres; os
srios e fencios usavam vestes de vrias cores e tnicas brancas,
ornadas de prpura, que se atavam com um cinturo de linho ou
seda; eram vestidos de mulher e, tal qual esta, pintavam o rosto e
as sobrancelhas.
Em muitas tribos selvagens da Amrica do Norte, certos homens se vestem de mulher. Segundo Marquette, prximo de
Illinois ou dos Nadovessi, estes homens, assim to afeminados,
eram considerados, pelo estranho modo de viver, no grau de
maniteus ou santos. Encontravam-se tambm entre os americanos do Noroeste, mas ali se relacionavam com o sacerdcio ou
magia.138 Em Virgnia, os magos traziam pregueada saia de
mulher, presa na espalda direita e descendo at meia coxa,
cabea raspada, salvo o vrtice, onde ficava um tufo, e o corpo
pintado de vrias cores.
Entre os patagnios, h sacerdotes profetas para os dois sexos; os homens devem usar vestes femininas e observar o celibato, ao qual, em contrrio, no esto sujeitas as mulheres. Sua
vocao se anuncia com paroxismos epilpticos e convulses.
Os cristos, nos primeiros quatro sculos, no usavam vestimenta particular. S. Jernimo (sculo IV) o primeiro dos santos
que fala de vestes especiais dos ministros do altar, imitadas dos
orientais. Os antigos padres vestiam tnica branca, como se v
no mosaico de Santo Ambrsio.
Os sacerdotes de alta categoria usavam e usam a tiara, a estola, sobrepeliz, casula e o amito, leno branco que colocavam no
pescoo para no molhar de suor os hbitos. A alva era uma
espcie de camisa que chegava aos ps, mas nos primeiros
215

sculos se usava tambm fora da igreja, ficando depois apenas


para os sacerdotes ante o altar.
Antigamente, usavam panos, ornados de seda e ouro, no peito
e costas, nos punhos e nas faldas, tal qual as mulheres usam.
Na catedral de Viterbo se conserva uma alva do bispo Firentino, em conjunto com um amito, onde se v uma tiara de brocado sobre ele, com letras gticas trabalhadas com missangas.
Esses usos duraram at 855.139 Atualmente esta sobrepeliz
ornada com rendas, mais ou menos belas, segundo o grau, e com
seda, como usam as mulheres. Na sexta-feira santa as alvas eram
de tecido preto.140
Histeria e magia na mulher
Qual pode ser a causa dessas contradies? Como compreender que a mulher, desprezada pelo homem, em nvel abaixo dos
animais, fosse ao mesmo tempo objeto de tanta venerao? A
explicao no muito difcil, porque, antes de tudo, os sacerdotes conservaram sempre o uso mais antigo, e o vesturio feminil,
que se pode reduzir a um grande lenol posto em torno de todo o
corpo, mais antigo do que o masculino comum, o qual, como
foi bem demonstrado por Hckel, a reduo do traje militar.
Quando o homem adotou uma veste especial, imitao do
guerreiro, o sacerdote no o seguiu, mas adotou o da mulher, no
o vestido, e sim os adornos, a moda de cortar o cabelo, a ausncia de barba.
Isto me parece facilmente explicvel, pelo fato de que a mulher, mais predisposta histeria, era mais apta para a hipnose e,
portanto, para dar lugar queles fenmenos verdadeiramente
misteriosos da telepatia, da mediunidade, dons a que o sacerdote,
que costumava monopolizar tudo quanto se relacionava com o
seu ofcio, aspirava mais do que a qualquer outro dote.
Que a mulher seja mais facilmente histrica do que o homem
coisa notria, porm poucos sabem, talvez, quanto mais
facilmente sujeita aos fenmenos hipnticos. Segundo Pitres, 1/3
das mulheres e s 1/5 dos homens histricos so sujeitos a fen216

menos hipnticos. Sobre 350 pessoas hipnotizadas por Bertillon,


265 eram mulheres, 50 homens e 45 meninos.
De um estudo feito entre 17.000 indivduos, resultou que 12%
das mulheres e 7% dos homens tm alucinaes verdicas. Segundo Jastrow, 15 por 1.000 dos homens e 26 por 1.000 das
mulheres sonham com frequncia; 7 por 1.000 dos homens e 8,3
por 1.000 das mulheres sonham todas as noites.
Ora, a observao prova que o histerismo e o hipnotismo,
com os povos selvagens, tomam mais facilmente a forma de
magia, de bruxedo e de profecia e, por isso, se acredita sejam as
mulheres mais idneas para aquela funo.
Bodesi calcula que a proporo entre bruxas e bruxos de 50
por 1.
Os haffiros, do Estado livre de Orange, acreditam que a maldio do homem seja sem consequncia, mas a de mulher seja
sempre eficaz.
As mulheres diz o povo de Peshawar so todas bruxas;
por vrias razes, podem no exercitar seus poderes, mas estes
lhes so inerentes. E, assim, as mulheres so todas tidas por
bruxas em Gampur e em Faos, etc.; em Pangar, se ocorrem trs
ou quatro mortes sucessivas, as mulheres do lugar se tornam
suspeitas imediatamente e a culpada descoberta por meios
especiais.
Na Costa dos Escravos so as histricas tomadas pelos Espritos, e por isso destinadas aos ofcios religiosos; dominam completamente os maridos, que as servem.
Os fuegianos celebram uma festa comemorativa da liberao
dos homens das mulheres que, possuindo os segredos da bruxaria, tinham em mos o poder.
Todos conhecem que o orculo de Delfos estava essencialmente em mos de mulheres histricas, convulsionrias, dirigidas por sacerdotes masculinos.
A funo de profetizar, a princpio, era confiada a adolescentes consagrados a Apolo; mas, havendo surgido inconvenientes,
escolheram-se mulheres avanadas em idade, que se chamavam
Pitonisas (veja-se Parte I). No podiam profetizar quando queri217

am; s o faziam uma vez ao ano, depois duas, e antes deviam


tornar o deus propcio. Para os dias solenes, a Pitonisa se preparava com grandes jejuns, que duravam trs dias, depois imergia
na fonte Castlia, e mastigava folhas de louro. No dia prefixado,
Apolo se manifestava, agitando o louro que estava sobre a porta
do templo, e ento se colocava a Pitonisa sobre uma trpode, em
meio de uma atmosfera densa de vapores de ervas odorficas,
que eram queimadas debaixo dela. Apenas sentia o sopro divino,
eriavam-se-lhe os cabelos, extraviava-se-lhe o olhar, boca
espumosa, o corpo se contraa tremente e, debatendo-se em mos
dos sacerdotes, emitia grunhidos e gritos que enchiam o templo.
Depois desse culto a Apolo, enfermava por dois meses e muitas
vezes sobrevinha a morte.
At entre os hebreus, onde a mulher era assim desprezada,
houve mulheres profetisas: Maria, irm de Moiss; Dbora,
Holda e, no Novo Testamento, Ana Maria e as quatro filhas de
Filipe, o evangelista.
As mulheres hebreias no tomavam parte nas funes sacerdotais, o mesmo se verificando entre os muulmanos, prsios,
budistas; porm, entre os romanos e os gregos presidiam a
muitas funes religiosas, especialmente aos orculos nos santurios, e mulheres eram vestais.
Os gauleses e os germanos acreditavam as mulheres mais aptas do que os homens para receber o Esprito proftico. Entre os
etruscos, as mulheres tinham grande parte no culto, sendo tambm admitidas ao sacerdcio em maior nmero do que os homens. As druidesas, segundo uns, s podiam revelar o porvir ao
homem que as havia profanado; segundo outros, deviam consagrar-se a largo celibato, no ver o marido mais do que uma ou
duas vezes ao ano. Parece que dividiam com ele as funes do
sacerdcio, pelo que, durante sua ausncia, podia ele imolar
vtimas divindade. Em alguns santurios, s as mulheres davam orculos, tal era, por exemplo, o de Namnete, na ilha de
Sena, onde as assim chamadas virgens terrveis davam orculo
s aos marinheiros; curavam males incurveis; conheciam o
futuro e, algumas vezes, assistiam ao sacrifcio noturno, nuas,
pintadas de preto, agitando-se em frenesi. Sua principal funo
218

era consultar os astros, tirar horscopos e predizer o futuro, pelas


vsceras da vtima ou pelo modo do coagular do sangue.
Eram as druidesas de ltima classe as que davam as consultas
nas margens dos lagos.
Os germanos nada empreendiam sem a interpretao da profetisa que supunham inspirada, e nem davam batalha, ainda que
com condies favorveis, se a interpretao a tal se opunha. As
druidesas conservaram-se influentes na Glia, mesmo depois da
disperso dos druidas, sob os imperadores romanos e, com o
nome de Fanice-Fatue, que est em relao com o nosso
fantico, e decerto com Fee (fada), profetizavam do fundo das
cavernas, dos poos secos.141 As fades, ou fadas, eram, em sua
origem, um colgio de mulheres profetisas, que sucederam as
druidesas. Acreditavam-se imortais; atribua-se-lhes poder
sobrenatural; tinham especiais funes sacerdotais, que exerciam
em afastados bosques. Sob a dinastia dos primeiros reis de
Frana, eram todavia muito influentes. Sob Carlos VII, tinham
ainda crdito, e no processo de Joana dArc lhe foi perguntado se
ela era fada.
O traje do homem pr-histrico
Talvez esta funo provavelmente mgica da mulher se inicie
no final da poca paleoltica, e qui tambm explica a sua
primeira vestimenta.
At agora se supunha que na poca pr-histrica o homem
vivesse nu e que se vestisse ou mesmo se cobrisse com adornos
muito antes do que a mulher, cujo vesturio e coquetismo surgiram em tempo quase histrico, aparecendo nos poucos fragmentos que se possuem com a estranha peculiaridade das hotentotes,
o ventre enormemente avultado pela gestao, porm nua sempre.
Um singularssimo documento publicado na Anthropologie
(fasc. 1 e 2, 1909), trata da pictografia encontrada na rocha, perto
de Cretas, sobre o Ebro, na Espanha, exibindo, ao revs, o homem completamente nu, a cujo redor danam oito mulheres
219

cobertas de saias, com o peito descoberto, mostrando os seios


muito prolongados, tal qual os das hotentotes.
notria a maneira com que os magos e os bruxos se adornam, no momento da sua funo: de ossos, chifres, enfeites
estranhssimos e tambm de peles, que constituem seu uniforme
de cerimnia.
provvel que aqui se trate de uma dana mgica e que a
mulher, que pelos povos primitivos desprezada como mulher
e venerada como maga, provavelmente pelo seu maior histerismo
adotasse, como tal, aquela espcie de vestimenta, no por
adorno, mas por dique s emanaes genitais, to temidas pelos
selvagens, pois podiam perturbar as sagradas cerimnias. E qui
deste princpio a mulher comeou a usar vestimentas que a
coqueteria completou e perpetuou.
Que fez o sacerdote?
Isto posto, que restava ao sacerdote fazer, a fim de que a desprezada mulher no lhe tirasse os atributos mais especficos de
suas funes? Nada mais do que tentar o confisco do privilgio, assumindo-lhe o sexo. sabido que o sacerdote monopolizou sempre, na antiguidade, todas as artes e noes que, de perto
ou de longe, dissessem com o seu ofcio. Com efeito, nos primitivos tempos, da cozinha (o primeiro sacerdote foi, como atesta
Atnio Dipnosofista, cozinheiro que dava a carne cozida e salgada aos antropfagos, aos quais presidia depois nos sacrifcios)
passou Astronomia, Medicina. So padres, mdicos e adivinhos na Amrica, na frica, e os h tambm nos pases catlicos,
nos quais se fizeram de mdicos, e muitas farmcias tm o nome
de monges e de santos.142 Jahova aos Jahiti fazem de sacerdote e
de mdico no Brasil (?); entre os guaranis e piaies so mdicos e
padres. Segundo o Eclesiaste, 38, I, a virtude dos remdios vem
de Deus e os reis deviam saber Medicina (Isaas, 3: 7).
Na Idade Mdia, a Medicina foi exercida longos anos pelos
eclesisticos, na espcie de curandeiros. Foram clebres Constantino Cartagins, Alfonso (sculo X), Menge, bispo de Winchester, Pedro Lombardo e Bruno.
220

O Conclio de Revins (1131) proibiu os monges de exercer a


Medicina, porm Bonifcio X levantou a proibio.143
Mais ainda se poderia dizer da Meteorologia, pois que, no
faz muitos anos, acusavam de sacrlegos os que se dedicavam a
ela sem serem clrigos.
Como, pois, no deviam monopolizar a arte mgica e proftica, to comum e to especializada na mulher?
Que fizeram? Em alguns stios, arrolaram as mulheres ao seu
servio, tal como eram as pitonisas na Grcia, ou trataram de
mear com elas a arte e os proventos, desposando-as ou violentando-as, como foi com os druidas, ou deixando a elas uma parte
secundria, como se fez entre os povos romanos e etruscos;
algumas vezes venceram-nas totalmente, como ocorreu com os
fuegianos, que ainda festejam a liberao dos homens da bruxaria feminina.
Mas, a supremacia da mulher se sobreps a todos os esforos,
porque se baseava em suas condies orgnicas, e vimos que os
gauleses e os germanos as consideravam mais aptas s profecias,
no obstante esses esforos dos sacerdotes masculinos, seus
rivais. E vimos que na ilha de Sena as druidesas predominavam
completamente, como a fundo predominavam em Delfos, e
tambm totalmente predominavam nas Costas e na Glia medieval.
Ento, s restou aos sacerdotes o recurso de dizerem: Sejamos mulheres, e, porque o hbito faz o monge, assim comearam
a vestir trajes femininos, deixando de parte todo o resto da
vestimenta de guerreiros, que ficou apenas para os leigos.
Isto era visto, em parte, tambm na antiga Roma. Nos mistrios da Boa Deusa s consagravam mulheres; as vestais no eram
sacerdotisas. Os homens eram excludos.
Ora, segundo Juvenal, como os homens queriam imitar os
mesmos mistrios, para observar antigos ritos vestiam-se de
mulher, adornando tambm a cabea com faixas e pondo colares
no pescoo. Em alguns casos, e assim entre os frgios (coribantes), patagnios e em muitos peles-vermelhas chegaram at
autocastrao (v. supra) ou efeminao, e acrescentaram, para
221

completar a transformao, as joias no penteado e barbeando-se,


caracterstico este que se observa nos padres catlicos hodiernos.
No podendo vencer ou suprimir as mulheres, mascararam-se
de mulher e tiveram suas razes, porque a supremacia lhes foi
completa, havendo tambm, na magia e na profecia, reconquistado a primazia.
E se agora, pela voz do Vaticano e dos seus rgos, decretam
antemas contra o Espiritismo (que eles exercitaram sob o nome
de profecia, para o que fizeram tantos sacrifcios) e contra o
hipnotismo, porque, nas rpidas descobertas sobre estes fenmenos, ainda no encontraram o modo que tornaria fcil monopoliz-los e confisc-los a seu talante.
Assim, anatematizaram os meteorologistas, porque entravam
nos seus domnios, e os fundadores da moderna Astronomia,
Galileu e Coprnico; porm, quando viram que seus decretos no
produziam efeito, porque partidos de leigos, dedicaram-se a
fazer, quanto lhes era possvel, astrnomos e meteorlogos,
jurando e perjurando que sempre haviam protegido as ditas
cincias, quando, ao revs, as perseguiram.
Assim, em Astronomia, destacaram-se os padres Secchi,
Denza, Piazzi, Francott e Giovanazzi, que fundaram, no mnimo,
quinze Observatrios.
O mesmo no suceder dentro de no muito tempo, quando
os fenmenos medinicos entrarem (o fundamento seria justssimo) a fazer parte de uma nova religio ou das antigas; ento
procuraro tirar proveito.
***
O que mais importa em tudo isto a analogia entre todas as
variedades de mdiuns, nos vrios tempos e povos. As manifestaes especiais dos faquires repetem, exageram aquelas dos
nossos mdiuns, em especial as levitaes, transportes, materializaes, invulnerabilidade, incombustibilidade, profecia, xenoglossia. E quando falamos de convulsionrios, quando encontramos os magos-mdicos nos peles-vermelhas, como quando
falaremos dos camisardos, encontrar-se-o os mesmos caracteres, que so todavia anlogos aos notados por Clemente XII para
222

distinguir os verdadeiros dos falsos santos;144 os mesmos caractersticos davam os hebreus aos profetas.
Ora, estes fenmenos, vistos singularmente, parecem justamente inverossmeis, porm surge a grande verossimilhana, por
no dizer a certeza, do fato de que se repetem em pocas, em
regies e em naes diversas, sem ligaes histricas entre si, e
algumas, ao contrrio, em completo antagonismo religioso e
poltico. E, a exemplo dos nossos mdiuns, trazem nevroses
graves e do lugar aos maiores prodgios, quando em estado de
coma, xtase, catalepsia, e tambm agem como se estivessem em
um espao de quarta dimenso, sob a influncia de seres diferentes dos vivos e que prestam aos mdiuns momentnea superioridade sobre os viventes privados desta associao.
objeo de que as maravilhas medinicas se tornaram rarssimas, fcil responder que, como vimos pouco acima, nos
nveis populares so frequentssimas, e que seriam tambm mais
frequentes nas outras classes, se fossem acolhidas pela opinio
pblica, porm so negadas ou esquecidas, como se no houvessem ocorrido. Isto se depreende, porque a Estatstica, a Histria e
a imprensa suprem a curiosidade do pblico, dando respostas
mais seguras de fatos distantes e ainda sobre as probabilidades
futuras.
Eu, que por muitos anos venho estudando os fenmenos hipnticos, to anlogos aos espirticos, observei que muitos destes
deviam ter sido mais frequentes em tempos anteriores, em que a
magia, a telepatia, a revelao em sonhos e a profecia estavam
to disseminados, e em que havia profissionais para as provocar
e comunicar.
provvel que em tempos antiqussimos, em que a escrita era
embrionria, a transmisso do pensamento dos hipnotizados, a
profecia e a magia medinica fossem mais repetidas e mais
resguardadas. E que, por isso, os povos selvagens, em vista da
sua maior frequncia nas mulheres, nos castos e nos neurticos,
chegassem a escolher entre estes os seus mdiuns e faz-los ou
cri-los artificialmente.

223

Mas, com o incremento da civilizao, com a escrita, com a


linguagem sempre mais aperfeioada, o trmite direto o da
transmisso do pensamento se tornou para eles incerta e, com
maior razo, prejudicial e incmoda, traindo o segredo e comunicando as ideias com erros e confuses sempre maiores do que
quando por meio apenas dos sentidos, pelo que foi desaparecendo de todo, e assim diminuram e sumiram tambm os profetas,
os magos e as aparies.
E enquanto perduram, em vasta escala e em nossos vulgos,
nos selvagens e brbaros (indianos, peles-vermelhas, etc.), em
nossos tempos na alta classe s repululam em casos absolutamente patolgicos ou nos nevropatas, o que se harmoniza com a
genial explicao de Myers (veja-se a Parte I).
Segundo Myers, estes fenmenos acontecem porque, alm da
nossa personalidade comum consciente, que age e pensa, possumos uma segunda personalidade inconsciente (que ele denomina
eu subliminal), de capacidade muito superior consciente, na
qual se englobam faculdades que se foram perdendo na luta pela
vida, tal o sentido do rumo, o do tempo, o dos pressentimentos, o
da telepatia. Quando esta segunda personalidade (ainda que
pululando de vez em quando) pode ser sotoposta e dirigida pela
primeira, surgem os gnios e os santos que dominam o mundo;
quando, ao contrrio, as duas personalidades se fundem e se
confundem, temos os histricos e, o que pior, a loucura.
Nossas faculdades ordinrias so as que ficaram vitoriosas na
luta pela vida e continuamente se vo modificando; assim, por
exemplo, o sentido artstico e o moral so faculdades desenvolvidas com o dano do sentido do rumo, do tempo, do olfato e de
quantas outras faculdades possudas pelos nossos antepassados.
***
Assim que a demonstrao da existncia, da potncia e da
origem patolgica do mdium se confirma com o consenso
universal de todos os povos antigos e selvagens, consenso levado
at ao ponto de adorao do epilptico e da produo artificial de
nevrticos para obter um profeta e um mago (que o gnio dos
povos brbaros), e at a respeitar e a exigir, por isso, a despreza224

da castidade, e ainda a mais desprezada feminilidade, e at, com


maior razo, a mascarar de mulher o sacerdote-homem.

225

CAPTULO VI
Limites influncia do mdium
Tudo isto prova e confirma a grande influncia do mdium
nos fenmenos espirticos, que pareceriam devidos projeo e
transformao da sua energia, visto seu enorme esgotamento
depois das sesses, perda de foras e peso ao ocorrerem fenmenos na sua imediata vizinhana, etc.
Seria, porm, enorme exagero acreditar que tudo isto fica explicado, embora primeira vista esta hiptese nos sorria. Assim,
em verdade fcil supor que, quando ocorre a transmisso do
pensamento, a distncia, aquele movimento cortical, no qual
consiste, se transmita pelo ter a grande distncia, de um crebro
predisposto a um outro e que o pensamento, movimento molecular do crebro, se propague em vibraes etreas e que, como
essa fora se transmite, possa tambm transformar-se, e de fora
psquica converter-se em motora e vice-versa, tanto mais porque
temos no crebro centros que presidem oportunamente o movimento e o pensamento, e que, quando irritados, e assim nos
epilpticos, provocam ora movimentos violentos das artes, ora as
grandes inspiraes do gnio ou o delrio do louco.
Mas, justamente Ermacora me fez observar que a energia do
movimento vibratrio est em razo inversa do quadrado da
distncia, e ento, se se pode explicar a transmisso do pensamento a curta distncia, mal se compreende os casos de telepatia
de um a outro hemisfrio terrestre, que se produzem em idnticas
manifestaes espirticas, e mal se compreende como este movimento vibratrio fira o percipiente sem sofrer desgaste, mantendo um paralelismo de milhares de quilmetros e partindo de
um instrumento no fixado sobre base imvel.
Se a exteriorizao da motricidade e da sensibilidade encontrada por Albert de Rochas no mdium explica muitos fenmenos espiritistas, por exemplo, que o mdium veja, em transe, a
distncia, na escuridade, com os olhos fechados; que sinta os
pontaos feitos no fantasma; que se transporte com o pensamento a distncia, e alguma vez com o corpo a um ponto distanciado,
226

e a fazer que se mova e atue um corpo igualmente a uma certa


distncia por meio dos apndices fludicos do seu duplo (v. cap.
I), e ainda possa dar lugar a um fantasma, ou melhor, reproduo exata do seu corpo (v. captulo XI), tal exteriorizao no
pode explicar o desenvolvimento de foras e de energias muito
maiores do que as suas prprias, que adquire da associao com
o Esprito, nem pode explicar a formao de fantasmas absolutamente diferentes do seu corpo, nem ainda os fenmenos de
profecia, de materializao e rematerializao que se subtraem a
toda potncia humana. Quanto explicao intentada, principalmente para os mdiuns escreventes, de que neles atua um
nico hemisfrio cerebral, preferencialmente o direito, permanecendo o esquerdo inerte, e fundada na inconscincia e no improvisado canhotismo de muitos deles (Smith), a explicao no
serve para aqueles que escrevem simultaneamente duas ou, o que
pior, trs comunicaes. Vale recordar aqui, contra esta hiptese, a simultaneidade de vrios fenmenos nas sesses medinicas. Por exemplo: Numa sesso realizada em Milo, em que
Euspia estava em completo transe, apareceu minha direita e
dos vizinhos uma figura de mulher que me disse uma palavra.
No centro, estava Euspia adormecida, prxima, e sobre mim se
inflava a cortina; ao mesmo tempo, esquerda, se movia um
velador na cmara medinica e dali um pequeno objeto era
trazido para a mesa, que estava interposta no meio.
Em Gnova, Barzini tocou, entre os cabelos de Euspia, em
estranha mo, que se movia, ao mesmo tempo em que a parte
esquerda da cortina inflava, segura por um punho que avanava,
agitando o pano sobre a cabea dos controladores que se achavam em torno da mdium. Simultaneamente, Bozzano, que
estava a um metro de distncia da mdium, sentiu que lhe tocavam nas costas vrias vezes.
Enquanto um me toca e se apoia por detrs de mim (escreve
Visani Scozzi; veja-se cap. XIII), vejo na janela um perfil de
pessoa e outro ser toca em Mainardi. O Dr. Imoda observou que,
enquanto um fantasma tirava uma pena das mos do Sr. Becker e
a devolvia, outro fantasma apoiava a fronte em suas costas.
Outra vez, enquanto eu era acariciado por um fantasma, a prince227

sa Ruspoli sentia-se tocada na cabea e Imoda sentia que outra


mo apertava fortemente a sua.
Temos notado que muitos mdiuns escrevem simultaneamente com ambas as mos e falam com um terceiro (Aksakof).
Mansfeld escrevia com as duas mos, ao mesmo tempo e em
dois idiomas, e falava de outro assunto com os presentes, e, entre
outras coisas, anunciou a morte de Jacobs, que ocorria naquele
instante (Mosers). E Mosers, em uma sesso medinica, ouviu
soarem simultaneamente trs instrumentos.
Como explicar que a fora psquica de um mdium no s se
transforme em motora e sensria, mas tambm, ao mesmo tempo, aja em trs diferentes direes e com diversos objetivos? E se
no possvel a um homem so, no pleno uso dos seus sentidos,
voltar a ateno ao extremo de conseguir fenmenos objetivos
em trs diferentes direes, como possvel isso a um mdium
em estado de automatismo? E h fatos que ocorrem contra a
vontade do mdium e tambm contra a vontade do pretenso
Esprito operante.
Tendo ouvido dizer que em uma sesso, com o Duque de Abruzzi, a mesa, com o movimento de seus quatro ps, marcou o
ritmo da Marcha Real, eu disse, pilheriando, que em Turim
tambm as mesas, e at John King, eram monarquistas; mas,
no havia ainda terminado a frase, quando a mesa comeou a
protestar, com movimentos to expressivos, que os teria interpretado qualquer profano em linguagem tipolgica.
E tendo eu repetido: Oh, John, ento no s monarquista?, a
mesa negou fortemente com os dois habituais golpes, e isto se
deu em outras sesses. Ento me veio mente que a ideia houvesse partido de Euspia, tanto mais que em Npoles os paroquianos so ardentemente devotados Monarquia. Na intimidade
que mantinha com ela, fiz um dia recair a conversa para esse
tema, e a pobrezinha que, em sua movimentada vida, teve muitos
e nem sempre alegres contatos com prncipes e reis, me afirmou
que no possua nenhuma ideia poltica; que o rei no lhe interessava de todo; que o governo que mais teria preferido seria o
que pensasse nos pobres, e em suas conversaes seguintes
228

jamais se contradisse. Com relao ao Duque de Abruzzi, que a


remunerou largamente por uma sesso, estava queixosa, porque
S. A. no lhe dera o carto de visitas e no tivera para com ela o
tratamento que outros lhe davam. Aquela manifestao monrquica no podia, pois, partir nem de Euspia, nem de John, e
estava, mesmo, em contraste com os seus sentimentos.
Algumas vezes, escreve Aksakof,145 o mdium no quer que
um nome seja pronunciado, e vice-versa, e a mesa o revela.
Frequentemente se pedem letras e so obtidos algarismos, que
nada expressam, se o Esprito no d a chave para decifr-los.
Tambm com frequncia surgem anagramas, palavras escritas
em sentido contrrio e com transposio de letras, que embaraam; a ortografia abreviada e simplificada e do modo mais
curioso, e as mensagens se sucedem com tal rapidez que no as
podemos seguir e entender. Outras vezes, os Espritos se opem
vontade do mdium, e Aksakof refere o caso de um mdium
que, desejando entrar em comunicao com sua falecida me,
recebeu recusa e a comunicao tiptolgica: No quero que te
ocupes de Espiritismo. E a de um vivo que fundou um Centro
com o exclusivo objetivo de obter comunicaes de sua falecida
mulher, crculo formado s por parentes dela, que lhe conheciam
intimamente a personalidade; mas, assim mesmo, no puderam
jamais entrar em comunicao com ela, enquanto que podiam
faz-lo com outros Espritos.
Bozzano refere que, certo dia, propondo a Euspia uma outra
sesso para o dia seguinte, ela se ops formalmente, sabendo
quanto a sequncia de sesses a exauriam; porm, John no s
protestou, exigindo a sesso, mas, porque Euspia persistisse na
recusa, chegou a esbofete-la.
Stainton Moses, mdium religiosssimo, telogo, encontrou
muitas vezes em seus escritos automticos proposies ateias,
satnicas. Quase todos os meus escritos automticos confessa
ele eram contrrios s minhas convices. Mdiuns pios
escrevem, inconscientemente, blasfmias, obscenidades, e uma
rapariga chegou a confessar, em transe, vergonhas tais que teria
preferido morrer antes do que as revelar.
229

Certo dia, disse Euspia ao Sr. R.: Este fantasma vem por
tua causa. E imediatamente caiu em profunda letargia. Apareceu ento mui formosa mulher, com os braos e espdua cobertos com as bordas da cortina, porm deixando adivinhar as
formas. Cobria-lhe a cabea vu finssimo, soprou clido hlito
no dorso da mo de R., levou-lhe a mo aos cabelos e lhe mordeu levemente os dedos. Nesse entretempo, Euspia dava gemidos prolongados que denotavam penoso esforo, que cessou ao
desaparecer o fantasma. Este foi visto por dois outros dos presentes, e voltou mais vezes. Pediu-se-lhe ento que se deixasse
fotografar. A isso assentiram Euspia e John, mas o fantasma,
acenando com a cabea e as mos, se ops e rompeu por duas
vezes a chapa fotogrfica. Pediram que se obtivesse ao menos o
molde de suas mos, mas, desta vez ainda, o fantasma fez repetidos gestos de negativa, com a cabea e as mos, e, conquanto
Euspia e John prometessem interceder pelo nosso desejo,
nada conseguiram.
Na ltima sesso, a promessa de Euspia se tornou mais intensa, e os habituais trs golpes de assentimento se repetiram
vrias vezes, e, com efeito, se ouviu na cmara o rudo de mo
submergindo no lquido; segundos depois, R. teve na mo um
bloco de parafina com o molde completo, porm, uma mo
fludica, sada da cmara, o fez em pedaos. Tratava-se soubemos depois de mulher viva, porm adormecida, outrora
amante de R., residindo na mesma cidade, e que tinha grande
interesse em no deixar prova da sua identidade.
assim evidente, pois, que nos fenmenos espiritistas pode
interferir uma terceira vontade que no a do Esprito, nem a do
mdium, nem dos presentes sesso, mas, ao revs, contrria
de todos juntos.
Os Espritos do com frequncia aos mdiuns instrues acerca do regime de vida que devem seguir e, se estes se opem,
eles os obrigam at fora.
Aksakof narra, por exemplo, o caso de um mdium muito guloso, ao qual o Esprito proibiu carne, ch, caf e fumo. Quando
o mdium se dispunha a transgredir-lhe as ordens, o Esprito o
advertia por meio de golpes sobre a mesa em que estava comen230

do. E, se acontecia no se desse por entendido, a mesa se colocava em oposio direta com ele, e alguma vez a voz mesma do
Esprito se fazia ouvir para exort-lo a seguir as prescries
dietticas que haviam sido impostas. A sade do mdium terminou assim se restabelecendo completamente. Mas, uma vez em
que, numa travessia martima, se deixou vencer pela tentao de
fumar um charuto, foi amargamente castigado, porque, apenas
desembarcado, durante um transe, foi atirado violentamente ao
cho, e um coto de charuto lhe foi introduzido fora na boca.146
E quando o mdium abusa das faculdades e se entrega a excessos que possam ter funestas consequncias para a sua sade,
os Espritos que dele se servem recorrem nessas ocasies a meios
violentos para reconduzi-lo razo, como se v no seguinte caso
que Aksakof 147 tirou de um artigo de M. Brackett:148
Uma viva, que abusava de suas faculdades medinicas, foi
muitas vezes advertida pelos Espritos para que moderasse sua
ao, mas, porque no os quisesse ouvir, certo dia estes a convidaram a descer adega e a entrar em um tonel. Um seu irmo,
mdico, que j duvidava das faculdades mentais da irm e a
julgava louca, surpreendendo-a naquele lugar, confirmou sua
opinio e a fez encerrar em uma Casa de Sade. E porque ela se
lamentasse com os Espritos pelo mau gracejo que lhe haviam
feito, eles responderam: Fizemos para teu bem, a fim de te
subtrair runa moral e fsica para a qual te encaminhavas. Aqui,
ao menos, te tranquilizars. E assim acontece em muitos casos.
Os fatos precedentes poderiam explicar-se ainda admitindo
que, em parte, fossem desejados das vtimas, porque redundam
em seu proveito, mas veremos que no so raros os casos de
pessoas perseguidas ferozmente pelos Espritos, para que, contra
toda a vontade, se faam mdiuns, e ainda sem razo alguma.
conhecido o caso do Dr. Dexter, cptico dos fatos do Espiritismo
e do qual lhe repugnava ocupar-se, apesar de constrangido por
uma srie de perseguies.
Certo dia, estava sentado em seu gabinete com o pensamento bem distante do Espiritismo , quando, de golpe, sentiu num
brao estranha impresso como se duas mos o tivessem apertado altura do ombro. Tentou ergu-lo, mas no o conseguiu. Em
231

seguida, sua mo comeou a tremer como que violentamente


sacudida; no mesmo momento, ouviu dois golpes fortssimos
batidos na parede.
Estes golpes so produzidos pelos Espritos? indagou em
voz alta.
E ouviu outros trs golpes. Perguntou ainda:
Os Espritos querem exercitar sobre mim a sua influncia?
E os trs golpes foram repetidos. Quis deitar-se, mas os golpes perseguiram-no no quarto de dormir. E ento se distanciou
de qualquer sesso esprita, julgando assim ficar a coberto de
toda perseguio, mas os fenmenos, ao revs, cresceram de
frequncia e de intensidade, at faz-lo sofrer levitao quando
no leito, e s cessaram quando aquiesceu a entrar em comunicao com os Espritos.149
Em casa de Harry Phelps, um jovem, filho de pastor protestante nos Estados Unidos, viu-se, de improviso, moverem-se
cadeiras, mesas, ties ardentes, as roupas espedaadas ou
infladas como que simulando corpos humanos. Quando o jovem
ia para a escola, os rumores e movimentos o seguiam. Em poucas
semanas, setenta e um objetos se quebraram em torno de Harry.
Indo a passeio, caam pedras no carro, atiradas por mos invisveis, e os fenmenos s cessaram quando ele acedeu em entrar
em comunicao com os Espritos.150
O agente russo Schtchapov refere no Rebus, de 1886, as perseguies a que foi sujeito com a famlia, por espao de seis
meses, a partir de novembro de 1870. As perseguies comearam com os rotineiros fenmenos: golpes dados nas paredes e
nos mveis, deslocamento de pequenos objetos, etc. Mas, num
dia de janeiro do ano seguinte, a mulher do agente viu sair de sob
a cama um globo luminoso, que se agrandava pouco a pouco, at
alcanar as dimenses de uma sopeira. Espantados, os infelizes
cnjuges decidiram mudar de residncia e se estabeleceram na
cidade vizinha, onde possuam um prdio, esperando assim fugir
s perseguies. Mas, os fenmenos no cessaram na nova
moradia: recomearam os costumeiros golpes e os objetos foram
de novo atirados ao ar: facas e garfos saam das caixas onde
232

estavam guardados e se cravavam nas portas e janelas. Retornados herdade, os fenmenos se reproduziram com maior violncia. Certo dia, luz plena, pesado canap, onde repousava a me
de Schtchapov, se elevou do solo e comeou a danar, caindo
depois em sua posio normal; os objetos ardiam, e um dia at a
esposa dele se viu de repente rodeada de chamas que lhe destruam os vestidos, porm coisa curiosa no lhe causaram queimadura alguma.
No pode ser o inconsciente do mdium o agente de todos esses malefcios, mas deve tratar-se certamente de fora estranha
sua vontade, porque, inconsciente e instintivamente, trataria de
defender-se de atos to danosos.
E assim se diga dos primeiros involuntrios propagadores
americanos do Espiritismo, da famlia Fox, cujas revelaes
foram provocadas por violentas perseguies, s quais em vo
tentaram esquivar-se.
notvel que no transe espirtico se manifestem energias motrizes e intelectivas muito diferentes e, vez por outras, maiores e
frequentemente desproporcionadas com as do mdium, energias
que fazem supor a interveno de outra energia, de outra inteligncia, ainda que transitrias.
Assim, para a fora muscular, vimos que, h tempos, a fora
dinamomtrica de Euspia, correspondente a 36 quilos, subiu,
por ao do brao fludico, que ela dizia ser de John, e em
pleno dia, a 42 quilos, ou seja, aumentou 6. Nestes ltimos
tempos, em que estava afetada de diabetes e albuminria, e sofria
de esgotamento pelo excesso de sesses, a sua dinamometria
desceu para 15 e 12 quilos. Pois bem: em uma sesso, com
Morselli, em Gnova, a fora no dinammetro chegou a 110
quilos, e em uma sesso, em Turim, projetou tal fora que rompeu durssima mesa, fora que se pode calcular, no mnimo, em
uma centena de quilos. Em 80 quilos se deve presumir a fora
necessria para elevar do cho a mesa com o editor Bocca sobre
ela, e muito mais ainda para arrastar, por segundos, Bottazzi
sentado em uma cadeira cujo peso total era de 93 quilos. O
mdium de Ochorowicz, cuja fora de 120 quilos, chega, em
transe, a 240.151
233

Mas, se j difcil explicar estes fenmenos com a s projeo e transformao das foras psquicas do mdium, que dizer,
pois, daqueles casos em que o mdium se eleva muito lentamente
do solo, com a prpria cadeira, sem pousar os ps, sem nenhum
apoio e, alm disso, contra a vontade dos controladores?
Oportuno recordar aqui que o centro de gravidade de um
corpo no se pode deslocar no espao sem que atue sobre ele
uma fora externa. Sob a ao nica de foras internas se pode
certamente ter deslocamentos particulares em regies do corpo,
mas os deslocamentos dessas partes so sempre de natureza a
manter inalterada a posio do seu centro de gravidade.
Como se pode, pois, explicar a levitao de Home, que gira
em posio horizontal em redor de todas as janelas de um palcio, e que se sente levitar enquanto dorme, e aquela dos dois
Pansini, de Bari, que percorrem 45 quilmetros em 15 minutos?
No se admite a explicao dada por John a Ochorowicz de
que das mos dos assistentes e das do mdium emana um fluido
que se eleva, qual um feixe de fios, e sustm os corpos, que
caem, se quebrada a corrente.
Mas, quem assistia Home e Pansini em seus voos? Alm disso, em uma levitao de Euspia, em Milo, John me disse:
Agora eu levo a mdium para cima da mesa. E, com efeito,
toquei duas mos fludicas, sob as axilas de Euspia, que ajudavam a levant-la.
Uma observao ocorre ainda a acrescentar: nas sesses, o
movimento dos objetos tem uma espcie de orientao, como se
fossem conduzidos por mos (Barzini); algumas vezes, ao contrrio, a mo fludica foi vista, a plena luz, pizicar o bandolim,
soar tambor, pr em andamento o metrnomo, sem chave, e a
mo era maior que a de Euspia.
Verdade que o maior nmero de fenmenos motrizes e os
intelectuais, mais intensos, partem sempre das proximidades do
mdium, especialmente do seu lado esquerdo, onde, sendo
canhoto no transe, mais potente. certo que tais fenmenos
so precedidos de movimentos sincrnicos da mdium; v-se em
volta da sua saia ou do seu dorso, a plena luz, sair um corpo
234

fludico que se funde em brao e move os objetos; mas, seja o


mdium uma grande ajuda, at o mximo, no se deduz que se
torne obra sua exclusiva. E quanto aos movimentos sincrnicos,
no se repetem mais do que quando naturalmente sobrevm em
todos os incios de um esforo, de um movimento, at daqueles
que se irritam com um outro, como, por exemplo, de uma me
que levanta o brao e a voz, a fim de que a criana se aproxime
dela, e, sem dvida, a ningum ocorreria afirmar que isso complete o movimento da criana.
Nem podemos conforme indicamos (cap. IV) explicar,
com a influncia do mdium, aqueles fenmenos nos quais as
leis da gravidade, coeso e impenetrabilidade da matria parecem abolidas, porque semelhantes mutaes, possveis to
somente com um espao da quarta dimenso, esto completamente fora da influncia humana.
Quanto inteligncia, como se explica que o mdium, em
transe, adivinhe o futuro e veja distncia?
Euspia quase iletrada, decifra com dificuldade uma pgina
impressa e no entende as letras manuscritas, sem que lhe sejam
lidas e explicadas. Pois bem: em uma sesso, em Turim, tendo
vindo reunio um jovem com um bracelete no bolso, ela adivinhou no s que lhe era destinado, mas, mediante mo fludica, a
um metro de distncia da sua prpria, o retirou do bolso dele e o
ps no seu brao, sem embargo de ter as mos sob controle.
Interrogada sobre que outra coisa havia no bolso, respondeu:
Uma carta, e nela se faz um pedido.
Ora, o jovem sabia ter papis com frmulas qumicas, porm
no se recordava, em verdade, de uma carta que lhe havia sido
entregue por pessoa que lhe era indiferente, tanto assim que lhe
ignorava o contedo, pois ainda no a tinha lido. luz, esvaziou-se o bolso do estudante e foi encontrada, com efeito, a carta
na qual algum lhe pedia poder avistar-se com Euspia.
Como pde ela, sendo iletrada, s escuras, no s ler a carta,
mas fazer rapidamente, em transe, o seu transunto? Neste passo,
nenhum dos vivos presentes a ajudou. E como se explicam as

235

belssimas e improvisadas esculturas de Euspia, ignorante da


arte de Fdias?
E como pde a Srta. Edmonds, em Nova Iorque, declarar, em
transe, Sra. Evangelides que seu filho morria, na Grcia, como
era verdade, quando essa senhora, pelo que sabia, o julgava so?
Uma vez, em Veneza, com o professor Faifofer, um mdium,
que no sabia latim, ditou, de improviso: Sordidi sunt hic, peltenda sunt sordida (Aqui h sujos, preciso repelir as coisas
torpes).
No se compreendia a quem desejava aludir, at que o velador, com a sua slita linguagem tiptolgica, advertiu:
O tal tem um livro.
O aludido convidado confessou que, efetivamente, tinha no
bolso um livro, O Templo de Vnus.
Compreendo que o latim possa ter sido sugerido por algum
dos doutor presentes, mas quem indicou ao mdium a presena
do livro? lgico admitir que o prprio dono do volume sugerisse a ideia para ser publicamente acusado, e como que a de
grave culpa? Nenhum dos presentes sesso chegaria a esse
extremo: a censura, pois, devia ter partido de algum estranho ao
crculo, que sentisse e pensasse de modo diferente de todos.
sabido que Euspia tem grande antipatia pelos instrumentos
tcnicos e ignora completamente o manejo deles. Ora, curioso
observar que, em experincias realizadas em Gnova, Turim e
Npoles, John pde abrir e fechar interruptores, apertar tambores de Marey, ajustar estetoscpio e pr em andamento um
metrnomo.
E se certo que os mdiuns, o mais das vezes, ainda que paream inventar, dizem coisas que esto na mente dos presentes,
casos h, todavia, nos quais esta influncia dos presentes
sesso se deve excluir.
Assim, os americanos elogiaram o livro filosfico Arcana of
Nature e Bchner, que tambm dele gostava, ao cumprimentar o
autor, Hudson Tuttle, simples campons, este lhe respondeu
dizendo ter sido unicamente o mdium de um Esprito.
236

Por minha vez escreve Brofferio 152 , conheci um mdium


escrevente a quem Boccacio, Bruno e Galileu faziam escrever
respostas que, por sua elevao, estavam mais altura dos trs
do que ao nvel do mdium, e poderei citar testemunhas competentes. Assim, as respostas que Kant e Schopenhauer davam,
medianimicamente, a Hellenbach no eram indignas de Schopenhauer e Kant.
A Scaramuzza, Dante, ou algum por ele, ditou trs cantos
em tercetos. Li apenas alguns tercetos, mas at onde posso
julgar, eram muito belos. Certo, aquele mdium, se bem que
excelente em sua arte, no o era na arte potica.
Citarei um exemplo, por ser breve: uma Inteligncia oculta,
que havia tomado o nome ou o pseudnimo de Manzoni, era
evocada com alguma insistncia por quatro experimentadores
que conheo, e dos quais no tenho nenhum motivo de dvida e
de quem posso dar particularmente os nomes. A resposta ao
reiterado chamamento foi esta sextilha:
Perch si spesso il fremito
Della tua mano audace
Suole dal sonno togliere
Di desiata pace
Gli spiriti incorruttibili
Di quei che furo un di?
Barkas, com um mdium no profissional, obteve sbias respostas sobre acstica musical, em sesses s quais no assistia
nenhum tcnico.153
E como se explica que o Esprito de Spencer Stattford revele
o telefone a dEsperance, ignorante de Fsica, trinta anos antes da
sua inveno, e quando nenhum fsico estava presente sesso?
E como se explica o caso daquele rapaz ingls que, sem haver
jamais sado da sua ilha, escreve rapidamente em caracteres
chineses, e o daquela senhora francesa, lembrada por Charles
Richet, que escrevia pginas inteiras em grego, sem haver jamais
estudado sequer o alfabeto? Como se explica o fato de que, tanto
em Milo quanto em Npoles e em Turim, John respondesse,
imediata e preferentemente em ingls, idioma que era apenas
237

conhecido por um dos presentes e ignorado pelo mdium? Nas


experincias de Bottazzi era includo o idioma rabe, e em Nova
Iorque a mdium Srta. Edmonds falou em grego, indiano, havaiano, etc., que nenhum dos presentes vivos sabia. Alm do mais,
como pode o mdium que emprega esta linguagem, pela primeira
vez, ter facilidade de a entender, falar e escrever?
Home disse certo dia a Soffietti ver, vizinha a este, a preta
que fora sua nutriz e lhe salvara a vida aos trs anos de idade,
quando estava na iminncia de ser colhido pela roda de um
moinho, circunstncia que Soffietti havia esquecido completamente e que foi depois verificada verdadeira. Outra vez, o mesmo Home relembra a Pisk um retrato de sua me, com uma
Bblia sobre os joelhos. Pisk, procurando em casa, terminou por
encontrar um daguerretipo, de cinco lustros antes, no qual sua
genitora estava fotografada naquela atitude e no era possvel
que Home j a tivesse visto, de vez que a prpria Pisk ignorava
tal existncia.154
Ainda mais importante, pela maior autoridade pessoal e pela
natureza dos fatos, so, por exemplo, as observaes de Stainton
Moses.155 Entrado em comunicao com um Esprito que se dizia
chamar Home, filho de um maestro e nascido em 1710, que
citava quem o havia educado, Moses colheu informaes e
verificou exatos todos os pormenores. Pediu-lhe que escrevesse
o ltimo verso do poema de Verglio e este foi reproduzido
corretamente; mas, na dvida de que influsse a sua memria
inconsciente ou a sua sugesto, solicitou que reproduzisse a
ltima linha da pgina 94, do ltimo volume da terceira estante
da sua biblioteca, do qual ignorava o ttulo, e a dita linha foi
reproduzida exata.
Como possvel querer explicar tais fatos com os rastos ficados no inconsciente, se eles ali no podiam existir? Dir-se- que
era viso a distncia; mas, quando a filha de Edmonds declara
haver recebido mensagem de certa Debiel, que era ento falecida
o que era exato, mas ningum sabia, e estava, havia cinco anos,
em um manicmio 156 , a viso a distncia no cabe, e menos
ainda neste caso, narrado por Moses:157
238

Apresentou-se-nos um menino que d o nome de dois seus


irmos e a data da respectiva morte, na ndia. Ningum conhecia o fato, porm Walther pde comprovar a veracidade
do caso.
Falam, pois, contra a influncia do mdium e dos presentes,
os fenmenos das casas secularmente assombradas, onde, de
improviso, se veem mover, de modo vertiginoso, cadeiras,
mesas, camas, etc., e onde parece excepcional a influncia dos
presentes, pois que se trata frequentemente de casas desabitadas
e onde esses fenmenos perduram por vezes atravs de geraes
e sculos.
E dado, com Pull, que em 28% se encontre a influncia de
mdium, quase sempre meninos (21 em 28 casos), e frequentemente a distncia, como, sem a ajuda de outros seres, se explica
a grande energia atltica continuada desses movimentos?
Em alguns desses casos (Home com Soffietti e Pusk, por exemplo) se d a explicao como no caso das palavras snscritas
escritas pelo mdium Smith, que no conhecia o snscrito e s
uma nica vez havia visto uma gramtica dessa lngua, pela
criptomnesia, recordao inconsciente de antigas percepes, ou
pela ecmnesia, lembrana aguada. Hiptese admissvel, porm
exagerada.
Eis, pois, um caso no qual essa hiptese no se adapta:
Para facilitar as comunicaes, Aksakof 158 escreveu num
papel os alfabetos russo e francs e adaptou o dito papel a
uma prancheta que devia pr-se em movimento e indicar as
letras. Foi pedido primeiro o alfabeto russo, mas depois de
algumas frases nesse idioma, a prancheta assinalou estas letras do alfabeto francs: emek habbacha.
Mas isto no tem sentido; em francs no existe uma palavra smile observou Aksakof.
E quem vos diz que so francesas?
Ento, que idioma ?
Deveis, todavia, saber; em russo, isto significa vale de
lgrimas.
239

No verdade; isto mistificao.


Aquele que saiba o hebraico pode verificar as minhas palavras.
Ento, hebraico?
Sim.
E de quem essa frase?
sentena de um douto hebreu portugus chamado Sardovy.
Interrompida a sesso e consultado um vocabulrio da lngua hebraica, verificou-se que emek habbacha quer, de fato, significar vale de lgrimas e que a frase s se encontra
uma vez no Antigo Testamento, Salmo 83, versculo 7, que
nenhum dos presentes conhecia. Mas, por mais que se buscasse, no se encontrou indcio de Sardovy.
Reaberta a sesso, a prancheta corrigiu o nome, para o de
B. Cardsio ou Cardovi. Consultado um Dicionrio biogrfico, encontrou-se que um Fernando Cardoso, mdico portugus, que havia renegado a religio catlica pela judaica, viveu no sculo XVII, e que a frase emek habbacha fora posta por ele como epgrafe de um seu livro.
E tratando-se de homens cultssimos, que assistiam sesso,
no improvvel que algum tivesse a criptomnesia da pouco
conhecida obra de Cardoso e da epgrafe; mas se havia um que a
recordava, embora inconscientemente, porque tantas investigaes, tantas contradies e enganos, antes de chegar ao resultado
final?
Mas, nem a ecmnesia, nem a criptomnesia podem explicar
como, em 1887, em Vilna, a professora sua, Ema Stramm,
mdium escrevente, tenha, do seu irmo Lus, falecido anos
antes, a notcia de que um seu amigo, que a pretendeu em casamento, Augusto Duvanel, havia falecido naquele mesmo dia. E
trs dias depois, tem Ema, em carta de Neuchatel, a confirmao
da notcia, que por meio da escrita automtica lhe fora dada, em
Vilna, 5 horas depois do acontecimento.159 Aqui, no se pode
mais falar de viso a distncia, nem de inconsciente, nem de
criptomnesia.
240

Automatismo. Precocidade dos mdiuns


Em grande parte, os atos dos mdiuns so automticos, conforme o prova a uniformidade dos seus gestos e a reproduo dos
seus movimentos, etc. (Morselli). No que escreve tiptologicamente, o automatismo clarssimo, porque sua mo escreve,
enquanto a mente ocupada em assuntos completamente diversos. bastante provvel que esse automatismo dependa de um
fato pouco notado at ento, e isto porque quase todos os fenmenos espiritistas partem do lado esquerdo (dEsperance, Euspia, Politi) ou so sentidos esquerda, ainda que se produzam
direita, e que nas sesses se transmite transitoriamente o canhotismo tambm aos controladores do mdium, como se pde
controlar com cifras dinamomtricas que assinalavam depois de
uma sesso a perda de 6 quilos direita e 14 esquerda (Morselli). No transe espirtico, como j se notara no hipntico, prevalece o trabalho do crebro direito, o menos apto para o trabalho
psquico, aquele que menos participa da atividade da conscincia, e por isto os atos que se realizam em transe parecem automticos.
Ora, pergunto: Quem anima este autmato? Como se concilia
com o automatismo do mdium a sua multplice atividade e a sua
produo artstica?
Aqui surge, e necessria, a hiptese de uma interveno externa, que ser precisamente a do Esprito, que, impotente por si,
se torna potente, associando-se ao corpo vivo do mdium.
Considera-se timo o dizer que age aqui o inconsciente do
mdium, mas, quando se trata de um idioma ou de uma arte
completamente ignorados do mdium e dos presentes, como se
concilia isso, se verdadeiro o Nihil est in intellecta quod prius
non fuerit in sensu? Analogamente ao automatismo e em sua
corroborao, adianta notar aqui a precocidade extraordinria de
alguns mdiuns, que operam tal qual adultos fortes e educados.
O menino Attwood, de Waterford (Nova Iorque), no s fazia
mover mesas, cadeiras, etc., mas obtinha comunicaes tiptolgicas que pareciam provir de parentes dos presentes; o menino
Jencken, aos dois meses, dava respostas mediante raps, aos
241

cinco comeou a escrever e aconselhou o pai regressasse da


cidade a Londres, pois a moradia lhe era nociva pelas fadigas
que lhe causavam as muitas frequentes viagens; a sobrinha do
baro Seymour Kirkups, aos nove dias, escrevia automaticamente; A. Omerod, com quatro semanas, dava comunicaes tiptolgicas.160
Estes fatos no mereceriam crdito se no fossem confirmados por aqueles historicamente verificados com os Camisards,
cujos meninos, de catorze e quinze meses, e na lactncia, predicavam em purssima linguagem.161
Vernet ouviu um, de treze meses, que falava em correto francs e ainda no sabia andar; Bonnemre 162 e Figuier 163 explicam
o fato pela exaltao religiosa, porm esta no pode criar faculdades que ainda no existiam. E veremos que os poucos mdiuns
de casas assombradas so, na maioria, crianas.
Grande , realmente, a influncia dos mdiuns nos fenmenos
espirituais, e isso explica boa parte deles, mas no todos.
A explicao completa se pode encontrar com o integrar a
fora medinica com outra fora, ainda que fragmentria e
transitria, porm que adquire, por um dado momento, com a
integrao do mdium, potncia maior. Esta fora, da tradio de
todos os sculos e de todos os povos e da observao experimental, mostrada na ao resdua dos mortos; assim que Davin
atribua 60% dos fenmenos medianmicos aos Espritos e s
16% auto-sugesto do mdium, e ns acrescentaremos sua
momentnea desintegrao psquica no transe, como acontece no
estro pela inspirao para as criaes geniais, e ao sono hipntico para certos maravilhosos fenmenos hipnticos (v. Parte I).
Esta momentnea desintegrao, que explica o automatismo do
mdium, se pode tornar mais fcil de compreender de que modo
o Esprito de um morto possa penetrar nele e ter acesso mais
facilmente e mais facilmente servir-se dos seus rgos como se
fossem prprios, o que buscaremos melhor demonstrar mais
adiante, e explica como algumas vezes o mdium, em transe,
manifesta fora e inteligncia maiores do que as que possui.

242

CAPTULO VII
Experincias fisiolgicas com os mdiuns
No se pode estudar o grande problema medinico seno atravs de instrumentos de preciso, que impedem todos os erros
de interpretao e premunem contra todas as sugestes. A eles
devemos a soluo de grandes problemas cientficos.
Peso
Os estudos fsicos que mais importam so, talvez, aqueles que
se referem ao peso dos mdiuns e dos chamados Espritos.
Crookes j observara, com a mdium Cook, quando ocorria a
apario do fantasma, que ela perdia quase a metade do seu peso
e que o readquiria depois do desaparecimento do fantasma, o que
seria indcio de que os fantasmas se formam a expensas do corpo
do mdium.
O fato se confirmou depois.
Em uma sesso, com a Srta. Fairlamb, a mdium foi, por assim dizer, costurada em uma rede, cujos sustentculos estavam
providos de um aparelho que permitia registrar as oscilaes do
seu peso. Depois de poucos minutos do transe, o peso comeou a
diminuir gradualmente e, quando apareceu um fantasma, os
aparelhos assinalaram a perda de 27 quilos no peso da mdium,
ou seja, a metade do seu peso normal.
Quando o fantasma comeou a desmaterializar-se, o peso da
mdium foi de novo aumentando, e no fim da sesso no assinalaram mais do que uma perda de um a dois quilos.164 Morselli
notou em Euspia, depois do transe, diminuio de dois quilos e
duzentos gramas no peso, e fora do transe e a plena luz, variaes no peso de 60 e 56 quilos, subindo de novo a 60, e assim
procedendo, alternadamente, vrias vezes, sem que fosse possvel descobrir fraude alguma no fenmeno.165
Em Milo, em 1892, Euspia baixava do seu peso normal de
62 quilos para o de 52.
243

DArsonval, em Paris, experimentou-lhe as variaes do peso, medindo, de segundo em segundo, no correr do transe, e
verificou que, quando se produzia a levitao da mesa, o peso do
corpo de Euspia aumentava com o de toda a mesa. Em outra
experincia, em lugar dos mdiuns, foram pesados os corpos dos
fantasmas que apareciam durante a sesso. Isso se fez, por exemplo, com a Srta. Wood, e constatou-se que o peso dos fantasmas, que se materializavam sob a influncia dela, variavam de
15 a 80 quilos, que era o peso normal dela,166 o que coincide com
a desapario de parte ou de todo o corpo de dEsperance, em
transe, apario do fantasma, fato tambm verificado com a
desapario da manga de Marta, quando aparecia Beni Boa
(Richet).
Resultados interessantssimos se obtiveram tambm, estudando a alterao do peso dos corpos submetidos influncia de
Home: de 8 libras subia a 36 e 48, e depois descia a 46, enquanto
que, em outra experincia, ascendeu a 23 e 43 para descer a 27
libras.167 E, para estudarem cientificamente essa variao de peso
dos corpos sob a influncia dos mdiuns, construram, entre
outros, um aparelho simples, que se compunha de uma tabuinha
de madeira, provida de dois ps, apoiada por uma extremidade
na borda de uma mesa e suspensa pela outra a um dinammetro
no mximo, sustentado por slido cavalete.
Ora, enquanto uma presso se exercitava na extremidade da
tabuinha que pousava na mesa em condies normais, no devia
turbar o equilbrio, Home, com a simples imposio das polpas
dos dedos, obtinha o abaixamento da tabuinha, at fazer descer o
ndice do dinammetro de 3 a 6 e tambm a 9 libras.168
Antes de Crookes, o Dr. Hare havia construdo um aparelho
semelhante, com o qual o mdium s podia ter comunicao por
meio da gua e, todavia, o dinammetro assinalou uma tenso de
18 libras.169
Bechterew, da Universidade de Petersburgo, fez Home impor
as mos sobre um aparelho construdo de modo que a presso
delas diminusse, em vez de aumentar, a tenso do dinammetro;
contudo, assinalou a de 150 libras, sendo a normal de 100.170
244

Morselli 171 notou, depois da sesso medinica, nos cinco assistentes a diminuio, no dinammetro, de 6 quilos direita e
14 esquerda, e que Euspia, durante o transe, perdeu o canhotismo e fez Morselli se tornar canhoto transitrio.
H alguns anos vimos que a fora dinamomtrica de Euspia,
correspondente a 36 quilos, subiu, por ao de um brao fludico,
que ela dizia ser de John, a 42 quilos, em pleno dia, ou seja,
um acrscimo de 6 quilos.
Nestes ltimos anos, em que ela est afetada de diabetes e de
albuminria e sofre de exausto, pelo excesso de sesses, a sua
dinamometria desceu a 12 quilos. Pois bem: em uma sesso com
Morselli, em Gnova, a sua fora ao dinammetro chegou a 110
quilos, e em uma sesso, em Turim, John desenvolveu tal
energia que chegou a romper uma mesa, fora que se pode
avaliar, no mnimo, em uma centena de quilos.
Crookes anotou o nmero de pulsaes cardacas de Katie
King, diferentes das da mdium; Richet verificou a emisso de
cido carbnico na respirao do fantasma Beni Boa.
Mas, acima de tudo, notveis so os resultados obtidos nestes
ltimos tempos, aplicando tambm ao estudo dos fenmenos
medinicos os mtodos do registro grfico, que conquistaram
tanta importncia nas cincias modernas experimentais. A 18 de
fevereiro de 1907, colocamos no gabinete medinico um cardigrafo de Marey, comunicando por meio de um tubo que atravessava a parede do dito gabinete, com uma pena sobre cilindro
enfumaado. A pena escrevente estava situada a 51 centmetros
da parte lateral esquerda do gabinete medinico e cerca de 1,50m
da mdium. Tudo preparado, rogamos a John que apertasse o
boto do cardigrafo. Aps minutos, ouvimos o rudo da pena
que deslizava pelo cilindro e que, posto a rodar, nos ofereceu
dois grupos de curvas que rapidamente decrescem; uma parte do
segundo grupo se entrelaa com o primeiro, por no havermos
podido, na escuridade, afastar a tempo o cilindro.
O primeiro grupo corresponde, segundo o sinal Desprez, a
cerca de 23 e o outro a cerca de 18.

245

Esses traados, que indicam grande exaurimento e, por sua


dessemelhana e brevidade, diferem dos traados normais, foram
obra de John ou do duplo de Euspia, certamente no dela,
porque estavam seguras as suas mos.
Bottazzi, em Npoles, em 1907, entre muitas experincias
com Euspia, ps, no gabinete medinico, distante cerca de um
metro e meio, um tmpano-receptor, de Marey, sobre cujo boto
central fez aplicar um disco de madeira, com o objetivo de
aumentar a superfcie sobre a qual se havia de exercer a presso
e, mediante um tubo de borracha, se ps em comunicao com
um manmetro, de mercrio, de Franois Frank, colocado no
aposento contguo. Toda presso exercida na rodela de madeira
colada sobre a membrana elstica do tmpano se traduzia em
uma elevao do flutuante e depois da pena do manmetro que
lhe era conjunta e podia correr ao longo do cilindro coberto de
papel enfumaado, e toda depresso em descenso. Assim preparado o aparelho, pediu-se a John que pressionasse o boto do
tmpano. No traado que se obteve eram vistos grupos de linhas
ascendentes e descendentes, algumas mais altas, outras mais
baixas.
Naturalmente as mais altas correspondiam a presses mais
fortes; as medocres, a presses de mdia intensidade e as mais
baixas a dbeis contatos do disco de madeira. As ditas presses
mais fortes s podiam ter por efeito as linhas mais altas, se
executadas sobre a membrana do tmpano; mo ou p invisvel
devem, pois, haver premido fortemente a membrana do tmpanoreceptor.
Bottazzi,172 em outras experincias com Euspia, conjugou
um metrmetro colocado no gabinete medinico com um assinalador Desprez, cuja pena corria sobre cilindro enfumaado, e
convidou John e p-lo em movimento. Depois de bater um
pouco, o metrmetro, que estava pouco carregado, parou. Observando o traado, notam-se irregularidades que podiam tambm
derivar das tentativas feitas por Euspia em seguida ao convite
dos experimentadores para fechar a haste do metrmetro.
Referirei, enfim, o resultado de duas sesses medinicas, celebradas em Turim, com Euspia, pelos Drs. A. Herlitzka, C. Fo
246

e A. Aggazzotti, nas quais foram aplicados os mtodos de registro grfico ao estudo dos fenmenos medinicos.
Esses trs experimentadores escrevem:
Para registrar objetivamente os movimentos que o mdium pode projetar, tnhamos preparado um cilindro rotativo
ao redor de um eixo vertical, que realizava giro completo em
seis horas. O cilindro estava envolto em papel claro recoberto
com uma camada de fuligem. Sobre esta capa roava uma
ponta fixa que, pelo movimento do cilindro, riscava na fuligem e marcava no papel uma linha branca horizontal. Se a
ponta se move de cima para baixo, marca no papel uma linha
vertical. A alavanca escrevente podia ser posta em movimento por um pequeno eletrom (assinalador Desprez) e coligada com um acumulador e um manipulador telegrfico. O cilindro rotativo com o assinalador Desprez estava sob uma redoma de vidro e sobre slida prancha de madeira. A redoma,
provida, embaixo, de grosso rebordo, se fixava tbua mediante uma fita que passava atravs de trs orifcios formados
de pequenos nastros selados com lacre ao eixo; o bordo da
redoma servia de detena fita. Atravs de dois orifcios abertos na espessura da tbua, os fios condutores, provindos
do assinalador, saam da redoma para se introduzirem imediatamente em um tubo de vidro que impedia o contato intencionado ou casual dos fios entre si e, portanto, que fechasse o
circuito eltrico. Dos fios, um chegava ao acumulador. Todas
as pores do fio que no se podiam isolar com vidro eram
envoltas em fita isolante coberta com fita selada com o nosso
sinete. A tecla (manipulador), enfim, estava fechada numa
caixinha de papelo pregada na tbua e fechada mediante duas cintas em cruz e seladas. Dois pequenos furos da caixa davam passagem a dois tubos de vidro que continham os fios
condutores. Acumulador e tecla eram fixados na mesma tbua sobre a qual se achava o cilindro. Em tal disposio, devia-se ter um sinal no cilindro s quando o manipulador fosse
abaixado.

247

Na primeira sesso, foi obtido um traado no cilindro, produzido pela repetida descida do manipulador, executado por efeito
medinico:
Eis o relato da segunda sesso:
Para a segunda sesso havamos modificado o nosso aparelho, e para assinalar, no s os movimentos executados,
mas tambm para medir sua intensidade, renunciamos sinalizao eltrica, substituindo-a pela manomtrica. Com esse
intuito, unimos um vaso com gua, provido de um tubo de
vidro com um manmetro, formado de tubo, e que continha
mercrio. A abertura superior do vaso era coberta por uma
espessa membrana de borracha estreitamente atada ao recipiente. Desse modo tnhamos um espao fechado, cheio de lquido, na extremidade do qual estava colocado o manmetro;
uma presso exercida na membrana traduzia-se em uma alta
na coluna de mercrio, na parte livre do manmetro. E porque sobre o mercrio flutuava uma barrinha provida de ponta
escrevente sobre o cilindro, toda presso ficava registrada em
documento objetivo.
O cilindro rotativo e o manmetro foram colocados fora da
cmara medinica, em posio visvel e controlvel durante
toda a sesso; no gabinete pusemos apenas o recipiente de vidro, sobre cuja membrana devia experimentar-se o poder do
mdium. Este recipiente estava em uma caixeta de madeira
em cuja abertura se havia estendido e pregado um vu; a
membrana de borracha tambm estava recoberta de uma camada de fuligem para comprovar a existncia de impresses
digitais.
Em fotografia feita luz de magnsio, em outra sesso, durante uma levitao da mesa, e que fora gentilmente anunciada, viram-se faixas luminosas debaixo dela. Para verificar se
tais faixas de luz so um fenmeno constante e se atravessam
os obstculos opacos, havamos fixado sob a mesa medinica
uma chapa fotogrfica cuidadosamente envolta em papel preto. A chapa foi fixada com quatro cravos recurvos e resistiu a
todos os choques e estremees violentos da mesa na movimentada sesso.
248

De todos os nossos preparativos no se disse palavra a Euspia, para no impression-la. No serviu de muito a precauo de cobrir com um vu o aparelho; em dado momento ouvimos que se rasgava o vu, e Euspia convidou uma senhora, sentada quase defronte dela, que estendesse a mo, e a senhora sentiu que uns dedos, sados de sob a cortina, lhe entregavam alguns pedacinhos do vu; outros pedaos foram
dados prpria mdium, que os apanhou, erguendo a mo
acompanhada pela do controlador por cima da cabea.
A essa altura, sentia-se mover a mesa onde estava o aparelho e avanar para a abertura da cmara, o que pde muito
bem observar quem estava sentado direita da mdium. Euspia chamou ento para seu lado aquele de ns que ficara fora da cadeia (H), e lhe fez pousar a mo sobre a mesa, frente
a ela, e, acariciando-lhe e palpando-lhe lentamente a mo,
disse:
coisa redonda.
Depois lhe premiu a mo com o punho e acrescentou:
Muito dura.
Com efeito, a membrana sobre a qual se desejava fosse exercida presso estava muito esticada e representava uma calota. Repitamos que Euspia ignorava, no s a forma do aparelho, mas at sua presena ali.
Por desejo da mdium, H. substituiu no controle de vigilncia ao Dr. Arullani, que se instalou esquerda, vizinho ao
gabinete medinico, onde, sbito, sentiu um punho e ps que
o pisaram e uma unha se lhe cravou na mo. Entretanto, alguns dos assistentes observaram uma espcie de nvoa branca em torno da cabea da mdium, e poucos segundos depois
foi ouvido, do interior da cmara, reiterado som que nos advertiu estar sendo tocada a membrana do nosso aparelho. E,
sincronicamente com esses rumores, o controlador da direita
sentiu a mo premida pelo punho da mdium. O aparelho estava direita desta e, no momento em que se deram estes fenmenos, se encontrava a poucos decmetros do controlador e
perfeitamente visvel. No havia ningum na cmara medinica.
249

O Dr. Arullani se aproximou de uma mesa, que, movendose para ele, com violncia, o repeliu; o doutor agarra uma slida mesinha de madeira branca, de 80 centmetros de altura,
90 de extenso e 55 de largura, com o peso de 7 quilos e 800
gramas, que lhe vem ao encontro, e pediu cmara um aperto
de mo, e a mdium respondeu, de viva voz:
Primeiro quero quebrar a mesa, depois darei a mo.
A esta declarao seguiram-se trs novas levitaes completas da mesinha, que caa, cada vez, pesadamente no cho.
Inclinou-se a mesa e passou para detrs da cmara, seguida
por um de ns (F), que a viu tombada sobre o ngulo de um
dos seus costados menores, enquanto uma perna se separou
com violncia, como que sob a ao de uma fora de alavanca sobre ela. A mesa, a essa altura, saiu violentamente como
que arrancada da cmara e, vista de todos, continuou quebrando-se, primeiro pelas junturas, e despedaando-se por ltimo cada parte. Suas pernas, ainda unidas por uma banda,
vieram equilibrar-se em ns, indo parar na mesa medinica.
A mesita se deslocou para o centro do aposento e se elevou
depois completamente no ar. Aps certa espera, durante a
qual se mencionou, falando entre ns, haver uma chapa fotogrfica sob a mesa medinica, e enquanto estvamos todos de
p e a certa distncia da mesa, Euspia fez que Aggazzotti lhe
desse a mo, e subitamente a chapa caiu sobre a dita mesa.
Visitamos o campo de batalha: a mesita nmero um, rota,
em vrios pedaos, de diversos tamanhos. Sob a mesa medinica faltavam dois dos pregos que sustinham a chapa fotogrfica. O nosso manmetro havia traado no papel enfumaado
diversos riscos, dos quais o mais elevado correspondia
presso de 56mm de mercrio, o que indica dadas as propores da membrana elstica que contra ela fora exercitada uma presso igual a 10 quilos aproximadamente. Sobre a
membrana de borracha, coberta de fuligem, encontraram-se
s em parte as marcas do vu rasgado.
Das vrias chapas fotogrficas, duas deram resultado incerto, que no pudemos tomar em considerao, mas, em troca,
uma outra, que esteve alguns segundos segura e controlada
250

por mo invisvel, mostrou claramente a imagem negativa negra de quatro dedos grossos que, pela posio e forma, correspondiam ao indicador, mdio, anular e mnimo: a impresso do polegar parecia existir, mas no era evidente.
Os trs experimentadores no insistem mais sobre esses fatos
ocorridos em circunstncias que permitem um controle perfeito,
mesmo depois da sesso, e assim resumiram:
1 Os sinais do aparelho empregado na segunda sesso
foram produzidos enquanto o cilindro rotativo estava fora da
cmara medinica, de modo que ningum dele podia aproximar-se sem ser visto, enquanto que o aparelho transmissor se
achava encerrado numa caixa de madeira mais alta do que a
membrana elstica, perfeitamente visvel e tambm vista por
um de ns (H). Este sentiu, no momento dos golpes da membrana, presso da mo direita da mdium sobre a sua mo esquerda. A outra mo de Euspia estava na do professor Fo.
O aparelho se encontrava esquerda de Herlitzka, cuja mo
esquerda, como se disse, segurava a direita da mdium, enquanto que a sua direita estava com a do vizinho. Outro de
ns (F), sentado detrs de Herlitzka, vigiava-o, e se, inconscientemente, houvesse ele pressionado a membrana, t-lo-ia revelado. Assim se exclui tambm a participao inconsciente,
nossa, no xito do fenmeno. A vigilncia se estendia mdium e aos demais partcipes da sesso e tambm a ns mesmos. No sabemos dizer por que foi necessria a ruptura do
vu que cobria a caixa de madeira. Decerto Euspia no
compreendeu a importncia que teria a experincia, se o vu
houvesse permanecido intacto, porm no diminui, por isso,
seu valor, quando se considere que o aparelho era visvel
quando se exerceu a presso sobre a membrana.
2 A slida mesa sofreu ruptura completa sob o olhar de
todos, sem que ningum a tocasse; os pregos foram arrancados e as junturas e a tbua despedaadas. A ruptura, como se
disse, ocorreu lateralmente mdium e para a frente e esquerda, ante muitos dos assistentes e em boas condies de
visibilidade. Uma interveno fraudulenta da mdium, com
251

as mos ou ps, se exclui, acima de tudo, porque Euspia estava impedida ao lado de dois controladores e, a seu pedido,
um terceiro tinha as mos nas costas dela, isto porque, frente do grande esforo necessrio para quebrar a mesa, mdium seria preciso fazer movimentos amplos, violentos e certamente no mascarveis. Por outra parte, repitamos, enquanto os controladores vigiavam a mdium, todos os demais viram a mesa, por ningum tocada, fazer-se em pedaos.
3 A chapa fotogrfica, cravada sob a mesa, veio com
mpeto para cima da mesma, enquanto todos os presentes estavam de p, em cadeia, em timas condies de luz; todos,
inclusive a mdium, distantes da mesa, que estava livre e bem
visvel em todas as suas pontas. Os documentos objetivos de
tal fenmeno foram estes: terminada a sesso, a chapa estava
em cima e no embaixo da mesa, e dois pregos, dos que prendiam a chapa, no mais estavam encravados no seu lugar; antes que o fenmeno sobreviesse, Euspia fez que lhe desse a
mo tambm aquele de ns (A) que havia colocado a chapa,
de modo que a mo direita da mdium estava segura, ao
mesmo tempo, pela mo de dois de ns.
4 A chapa fotogrfica envolta em papel preto, que um de
ns (F) manteve sobre a cabea da mdium e que por poucos
segundos estivera mantida por aquela a que chamamos mo,
mostrou, depois de revelada, a marca preta negativa de quatro dedos. Evidentemente se trata de um fenmeno de radioatividade e no de luminosidade, porque a impresso da chapa
foi feita atravs de um obstculo opaco.
Radioatividade
evidente que, ao lado da ao do mdium, nestas experincias se manifesta outra mais dbil, porm frequentemente diversa, que presumimos seja a do morto que obtenha, fundindo-se no
mdium, uma energia para si mesmo, maior do que a medinica.
Mas, isto melhor veremos no captulo seguinte.
Recordemos aqui os muitos indcios de um estado radiante
dos mdiuns em presena dos supostos mortos: a descarga do
252

eletroscpio conseguida por Euspia, tendo as mos suspensas a


10 centmetros (o que fenmeno radioativo); a impresso dos
quatro dedos que ela deixou em uma chapa fotogrfica envolta
em trs papis pretos; as nvoas fosforescentes flutuando sobre
sua cabea e sobre a mesa onde estava sentada, em transe, e as
nos dois mdiuns, em transe, de Beni Boa, de Richet, e aquelas
fluorescncias do abdmen de dEsperance ao se formarem os
fantasmas; as faixas e globos luminosos nas sesses de Politi, de
Euspia, de Randone;173 as luzes em forma de estrelas ou globos
de 60 e at 70 centmetros de dimetro, que no aquecem e no
iluminam e se elevam lentos e descem rpidos, frequentemente
atravessam o espao em seu menor trajeto e so ora azuis, ora
verdes, amarelados, e correspondem por vezes aos raps, e
frequentemente se dirigem com movimentos intencionais e
podem ser projetados e dirigidos pelo mdium, como se este
fosse um fio condutor, mas manifestando-se ao longe, anos
seguidos (Aberden), e com um percurso e horrio sempre igual,
com verdadeira direo intencionada, qual em Berbenno e em
Quargent.174
Anote-se tambm o caso de Stasia, cujo corpo fantasmtico
consta de globos luminosos e pode provocar clares em seu
redor, e o fato da reproduo, na escuridade, dos fantasmas
obtidos pelo conde de Boullet e Reiners com o mdium Firman,
e recentemente por Ochorowicz.
E isto reconfirmado na citada experincia na qual uma chapa envolta em trs folhas de papel preto (posta pelos Drs. Herlitzka e Fo sobre a cabea da mdium, diante da cortina negra
da cmara medinica, para fotografar um fantasma aparecido),
obstaculada por uma grande mo, que no pertencia a nenhum
dos presentes, e menos mdium (e tambm isto demonstra
haver nas sesses enrgicas vontades contrrias da mdium e
dos presentes), reproduziu quatro enormes dedos que no se
assemelhavam aos de Euspia.
Este fato to estranho, que os observadores, por pudor cientfico, atenuaram no seu relato (mas cuja importncia eu medi
pelas prprias palavras que me disseram, e que me parece em
grande conexo com o consignado anteriormente, com a impres253

so da mo de Euspia sobre uma chapa fotogrfica), verdadeiramente de valor extraordinrio, porque, excluda a radioatividade do Dr. Fo 175 e a da mdium, que estava distante, e de mos
inteiramente diversas, resta nica a hiptese de que as radiaes
partissem diretamente do corpo encarnado, cuja imagem apareceu primeiro, tal qual de seres smiles obtiveram-se impresses
na parafina, sobre gesso, sobre chapas fotogrficas, sem analogia
com as formas da mdium.
Com esta experincia, salvo equvoco, nos avizinhamos mais
intimamente dos fenmenos, melhor direi, do organismo assim
chamado espirtico, aqueles representantes transitrios, evanescentes, do Alm, dos quais no se quer admitir a existncia, por
pudor cientfico, no obstante a tradio universal renovada por
milhares de fatos que continuamente repululam sob nossos
olhos. E se descobre que estes corpos parecem pertencer quele
outro estado da matria, ao estado radiante, que agora ps seu p
firme na Cincia, oferecendo assim a nica hiptese que pode
conciliar a crena antiga, universal, da persistncia de algum
fenmeno da vida depois da morte, com os postulados da Cincia, segundo os quais sem rgo no h funo, e isso se
concilia, sob nossos olhos, nas experincias espiritistas.
Com efeito, salvo os casos excepcionais de Katie King, em
Londres, e de Leonora, em Barcelona, nos quais estes seres
espirticos perduram em nosso meio por dias e por anos entre os
vivos, destes fantasmas ns raras vezes vemos rosto e corpo
completos, e mais frequentemente vemos alguns membros, a
mo, um brao, etc., que saem de alguma parte do mdium ou da
cortina da cmara medinica, e tm a tendncia instintiva de
regresso tenda, depois do seu voltear.
E, palpando-os, raras vezes e por pouqussimo tempo ns verificamos o estado slido, porm mais frequentemente sentimos
partir da cortina ou da saia da mdium um corpo fludico que se
infla e se desvanece sob a nossa presso, sem que por isso possamos declarar no existentes, e sim, exatamente por isso, que
formado de alguma substncia 176 que foge ao nosso tato, porque
mais fluida, mais sutil do que alguns daqueles gases cuja exis254

tncia negamos e talvez ainda negaramos se a Qumica no os


tivesse confirmado.
Evidentemente, porm, esses seres ou remanescentes de seres
no teriam um meio de adquirir completa consistncia, de incorporar-se, se no tomassem por momentneo emprstimo uma
parte da substncia do mdium, que est naquele instante amodorrado, quase agnico, perdendo transitoriamente parte do
prprio peso (v. mais adiante), e tambm, parece, do prprio
volume corporal. Mas, o tomar emprestado a fora e o corpo do
mdium no quer dizer identificar-se com ele. Tudo, pois, conduz hiptese de que a alma resulta de matria radiante, provavelmente imortal, ao menos resistente a muitos sculos, e que se
centuplica de energias, para atingir a dos vivos, assimilando a
prpria matria radiante de que esto providos com exuberncia
os mdiuns, durante o transe, e os seus rgos. E com isto se
explicaria a grande potncia dos mdiuns.

255

CAPTULO VIII
Fantasmas e aparies de mortos
Quando se trata de fenmenos fantasmticos, vem sbito
mente o conselho de Dante:
Sempre a quel ver chha faccia di menzogna,
De luomo chiuder le labbra quantei pote,
per che senza colpa la vergogna. 177
E timo conselho para quieto viver, no caso, no mundo acadmico, que propenso a dissimular, a negar os fatos que se
rebelam a qualquer explicao, tais os precisamente to pouco
aceitveis de influncia do alm-tmulo. Assim mesmo, repito,
se bem seja perigoso faz-lo, nenhuma outra explicao dos
fenmenos espiritistas possvel, seno aquela segundo a qual os
mortos conservam ainda suficiente energia para realizar, sob a
influncia dos mdiuns, o que estes e os assistentes s sesses
no poderiam fazer por si mesmos. E aqui recordo oportunamente que os povos primitivos que creem nos magos, e at os criam
artificialmente, atribuem grande potncia a esses seus mdiuns,
um poder que se baseia, em mor parte, no conselho e ajuda dos
Espritos. E no poder dos Espritos dos mortos todos os povos
antigos acreditaram, como veremos mais adiante, e creem,
tambm, quase todos os povos brbaros do mundo (e foi esta
qui a base de todas as religies), com uma tenacidade e uma
uniformidade que deve ser tida, se no por prova, ao menos por
indcio importante da verdade.
Hiptese fludica
E com isto no viria abater-se a Cincia positiva: tratar-se-ia,
no j de puros Espritos privados de matria, que de resto nem a
nossa imaginao pode conceber, mas de corpos nos quais a
matria est de tal modo sutilizada que s pode ser pondervel
ou visvel em especiais circunstncias, tais os corpos radioativos
que podem desenvolver luz e calor, sem aparentemente perderem
o peso.
256

Oportunamente, linhas atrs, vimos quantos indcios de radioatividade apresentam os fluidos dos mdiuns e dos fantasmas.
Lodge compara as materializaes aos fenmenos do molusco que pode extrair da gua a matria da sua concha, ou ao
animal que pode assimilar a matria da sua nutrio e convert-la
em msculos, pele, ossos, penas. E assim esta entidade viva, que
no se manifesta ordinariamente aos nossos sentidos, se bem
esteja em relao constante com o nosso universo psquico,
possuindo uma espcie de corpo etreo (melhor diremos radiante), pode utilizar temporariamente as molculas terrestres que a
circundam, para confeccionar uma espcie de estrutura material
capaz de manifestar-se aos nossos sentidos.
Isto que cremos compreender por incorpreo produto de
uma concepo fictcia: trata-se, em suma, de um grau de consistncia atenuado, sem qualquer efeito sobre os nossos sentidos.
Verglio, para conciliar na mente de Dante o conceito da prpria materialidade que o torna a ele invisvel, com aquela absoluta transparncia, lhe diz:
Ora se innanzi a me nulla s adombra,
No ti meravigliar pi che de cieli,
Che l uno all altro raggio non ingombra. 178
O ter que enche o espao completamente , todavia, uma
substncia, se bem que no seja diretamente perceptvel; o
prprio ar, do qual se conhecem os elementos, o peso, a densidade, no habitualmente notado como sendo uma entidade corprea. que nossos sentidos possuem uma extenso de perceptibilidade muito limitada ante a ao das possveis influncias
externas; as ondas sonoras, por exemplo, so por ns notadas
dentro de um limite mnimo e um mximo numrico; para alm
deles, no existem sons para ns, nem consequentemente corpos
sonoros.
O mesmo ocorre com a luz, cujo indefinito campo nos foge,
desde que esteja para alm do vermelho e do violeta. Mas fazemos depender dos mdiuns todos os fenmenos espiritistas,
porque vemos os mdiuns e no vemos os Espritos dos mortos.
257

Fantasmas
Isso, porm, no de todo verdadeiro, porque os Espritos
concordam fazer-se visveis, no s dos mdiuns, mas aos no
mdiuns, em materializaes, em fantasmas que as mquinas
fotogrficas reproduziram (vide captulo IX), e viveram momentaneamente uma vida terrestre.
O caso de Katie King, verificado durante trs anos, 18821884, sob a observao dos maiores experimentadores ingleses,
parece-me afastar toda suspeita sobre o fenmeno mais controvertido, o da reencarnao.179
Florence Cook, sem nenhuma disposio anterior, sentiu-se
impulsionada ao mediunismo depois de haver assistido em casa
de uma sua amiga a uma sesso espiritista, quando havia atingido 15 anos de idade. Em sua presena, o velador se elevou at ao
teto e deu golpes, e escritas diretas revelaram sua extraordinria
aptido medinica. Depois de algumas sesses, comeou a
aparecer-lhe o fantasma de belssima jovem, que todos os presentes puderam ver e tocar. Na dvida,180 e para evitar toda
forma de truque, foi a mdium atada, sob selo, sinete-chancela, e
imobilizada em nicho murado, como se fosse mmia, cintados os
braos com fios eltricos que assinalavam qualquer movimento,
e submetida ao controle de Crookes, Gully, Wallace e Varley.
Sem embargo, o fantasma continuou a aparecer, por espao
de trs anos, e foi visto trs vezes simultaneamente com a mdium em transe; no terceiro ano, desaparecia, dissolvendo-se no
solo; disse ser filha de John King.
Escrevia, falava, brincava com meninas, aparecia fora da cmara escura, desaparecia, frequentemente se desmaterializava
vista dos assistentes. Era mais alta que a mdium e, com esta, no
rosto, parecia um pouco, mas enquanto a mdium tinha uma
cicatriz no colo, a pele morena e os cabelos longos e escuros, o
fantasma os possua alourados e curtos, o colo sem marcas, pele
branca, os dedos mais compridos e as orelhas no furadas.
O seu corao, auscultado por Crookes, acusava 75 pulsaes, enquanto que o da mdium pulsava 90, e o pulmo se
mostrava mais sadio do que o da mdium, encatarrado.
258

Por muitos anos duraram as aparies de Iolanda, com a Sra.


dEsperance, e foi possvel fotograf-las juntas: o fantasma
emergia de um globo de vapor luminoso, que se formava do
corpo da mdium e se materializava a expensas desta, especialmente dos membros inferiores, que desapareciam durante a
materializao. Iolanda parecia uma jovem semi-selvagem, sem
inteligncia, porm muito curiosa; apenas aparecia e, ignorando
que coisa fosse uma cadeira, intentou sentar-se no espaldar de
uma e caiu; no demonstrou afeto por ningum; brincava com os
filhos de Fioller, por estar a isso habituada; em dez anos, aprendeu apenas algumas letras do alfabeto, mas tinha grande vontade
de ser louvada e aplaudida; assimilou de imediato o uso de joias.
O seu corpo parecia to real, to carnalmente feminino, que
algum, tomando-a por mulher verdadeira, quis ofend-la, e com
fatal dano para a mdium, a quem isso causou enfermidade quase
mortal.
Em Barcelona, Marata, com a mdium Crmen Dominguez,
na quarta sesso surgiu a apario de Leonora, um fantasma
completamente materializado, que saudou os presentes com voz
um tanto velada; desapareceu depois de poucos minutos, voltou
ainda, reentrou no gabinete e dele saiu iguais vezes, e uma vez
permaneceu entre os experimentadores quase uma hora, revelando engenho no comum.
Durante estas aparies, sentou-se trs ou quatro vezes em
uma cadeira trazida por ela do gabinete, deu a mo aos presentes,
permitiu que tocassem sua negra cabeleira, e assim na branca
vestimenta que a todos pareceu de tule finssima, com reflexos
luminosos.181
Estela Marta apareceu ao marido, Livermore, por cinco anos
seguidos, durante horas inteiras, em 388 sesses, com a mdium
Kate Fox, noite e em completa escuridade. A materializao foi
gradual, completando-se na 43 sesso. Pde, por fim, suportar a
luz e ser fotografada 182 e reconhecida. Falava pouco, escrevia
diretamente, de prprio punho, estilo pessoal e caligrafia sua,
frequentemente em francs, idioma ignorado pela mdium,
enquanto esta estava com as mos presas por Marata. Em 1866
259

cessou de aparecer materializada, porm continuou comunicando-se com mensagens e com fotografias transcendentais.
Pude verificar uma vez a apario completa de minha me.
Foi em Gnova, certa noite, com Euspia em estado de embriaguez, pelo que pensei nada seria obtido. Solicitada por mim,
antes da abertura da sesso, a que fizesse mover-se, a plena luz,
um pesado tinteiro de vidro, respondeu, com aquela sua habitual
linguagem:
E por que te enredas nestas pequeninices? Sou capaz de
muito mais; sou capaz de te fazer ver tua me. Nisto devias
pensar.
Sugestionado por esta promessa, depois de meia hora de sesso fui tomado pelo vivssimo desejo de v-la transformada em
realidade, e a mesa imediatamente assentiu, com os seus conhecidos movimentos, de cima para baixo, ao meu pensamento. E
sbito, depois, vi (estvamos em semiescuridade, com luz vermelha) destacar-se da tenda uma figura, algo baixa, velada, que
fez o giro completo em torno da mesa at mim, sussurrando-me
palavras ouvidas por muitos (no por mim, meio surdo que sou),
tanto assim que, quase fora de mim, pela emoo, roguei as
repetisse, e o fez, dizendo:
Cesar, fio mio.
Isto, confesso, no estava no seu hbito; natural de Veneto,
tinha o costume de chamar-me Mio fiol (so, porm, notrios
os erros de expresso dos mortos) Afastando depois, por momentos, os vus do rosto, deu-me um beijo. Euspia nesse instante
estava bem segura, mantida por duas pessoas, e tem estatura no
mnimo 10 centmetros mais alta que a da minha me. Depois
daquele dia, a sombra de minha me (Ah! muita sombra!) reapareceu pelo menos vinte vezes nas sesses de Euspia (quando
esta, em transe, mas envolta no vu da tenda, apenas expondo a
cabea e as mos), dizendo-me fiol e tesoro e beijando-me a
fronte e os lbios. Duas vezes estes me pareceram secos e speros.
A Richet 183 apareceu, em vinte sesses, junto do general Noel, na Arglia, um fantasma, Beni Boa, com elmo e turbante.
260

Richet pde ouvir o rudo dos seus passos, constatar o calor,


notar-lhe a respirao e tambm premir os ossos das suas mos.
Tendo Richet preparado um copo com gua de barita lmpida, de
modo que, soprando em um tubo, se podia fazer gorgolejar o ar
expirado, Beni Boa tomou o tubo das mos do general Noel e,
seguindo suas indicaes, soprou de modo a fazer gorgolejar por
espao de meio minuto o ar expirado, provocando o embranquecimento do lquido, o que prova haver expirado cido carbnico,
como se vivo fosse.
E curioso, a propsito, que ele depois, como que em uma
ribalta, fora da tenda, agradeceu, com inclinaes cmicas, os
aplausos dos assistentes, que julgou a ele endereados, e no
pelo xito da experincia cientfica. Vaidade que se perpetua no
Alm!
Em outra sesso, em dado momento, apenas Beni Boa entrou
novamente na cmara, junto desta se viu, entre a cortina e a
mesa, formar uma bola luminosa, branca, que rodava pelo cho.
Desta bola desabrochou, ereto, como que saindo de um alapo,
Beni Boa, no muito alto, com um pano e cinturo; andava
coxeando, arrastando-se como se no pudesse suster-se nas
pernas, e depois, vizinho tenda, caiu e desapareceu no solo,
produzindo um rudo de clac-clac. Trs ou quatro minutos
depois, aos ps do general, reaparece a mesma bola branca, ao
rs do cho, e dela de novo repula Beni Boa, para depois tornar a
desaparecer no solo, com idntico rudo, e abalroando, com
alguma violncia, as pernas do general.
Este fato de grande importncia, porque no se pode atribuir
a truque a bola luminosa no solo e que se transforma em um ser
vivo, tanto mais que, no dia seguinte, Beni Boa aparece trasladando a cmara para outro ponto atrs da qual se havia formado
primeiro. Trs vezes se renovou este estranho fenmeno. Uma
vez, Beni Boa apareceu s com o turbante e com bigode negro.
Estava agigantado, quase tocando os bordos do baldaquino, e
teve de inclinar-se devido grande estatura que assumira; depois, abaixa a cabea at ao cho, desaparecendo junto com o
manto que o envolvia.
261

As sesses eram celebradas em um quiosque isolado de qualquer habitao, ante sete pessoas, quase todas da famlia Noel,
entre elas Marta, a mdium, de 19 anos de idade, e esposa do
filho do general, quase sempre acompanhada de uma preta,
chamada Aisha, que se acreditava tambm fosse mdium.
A cmara medinica era constituda por um baldaquino triangular, fechado por tenda espessssima, dentro da qual se viam
Marta esquerda e Aisha direita.
Destas sesses se obtiveram, simultaneamente, cinco fotografias, luz de magnsio e clorato de potssio, com uma Kodac e
um aparelho estereoscpio Richard, o que exclui toda possibilidade de fraude fotogrfica. As chapas foram reveladas em Argel,
por um ptico que ignorava todo o ocorrido precedente. Na
fotografia emerge, na abertura da cmara, uma pessoa corpulenta, envolta em manto branco que esvoaava; sob o manto, muito
sutil, transparece o cbito, o brao e uma das mos do fantasma,
enquanto a outra mo, completamente materializada, termina em
um vapor branco. esquerda se v o encosto da cadeira de
Aisha, com a espdua esquerda bem clara e distintos os desenhos
da sua veste. Em outras sucessivas fotografias no se v toda a
figura, mas apenas o queixo, a barba e algo do nariz; abaixo do
fantasma, sua esquerda, no lugar de Marta h uma espcie de
manga que parece oca. O pano pendente dos braos esquerdo e
direito como que uma nuvem branca que cobre a cabea e o
corpo de Marta. Os dois mdiuns esto unidos por uma larga
mancha luminosa. Decerto so formas incompletas neste fantasma, porm, apesar disso, bem estudado; pois, exatamente por
tratar-se de seres no vivos e completos, a forma incompleta a
regra, e no exceo, e a estereoscopia exclui toda dvida, dando
direita, mais ntidos contornos da espdua de Aisha, e abaixo,
esquerda, fazendo distinguir bem a manga de Marta em plano
posterior.
Na fotografia estereoscpica, tomada em outro dia, se v nitidamente a figura de Aisha, que se volta para Beni Boa, que tem a
cabea coberta com elmo e em cima do elmo um turbante; uma
espcie de banda lhe cobre a bochecha e a orelha direita. Do
262

turbante parte uma tela flutuante, cuja luminosidade se reflete


sobre a mesa; sua face menos distinta do que a da parte escura.
Em outra fotografia, a face de Beni Boa est descoberta, tem
longa barba, e junto dele se v bem Aisha; em outra se distingue,
ao lado de Aisha, Marta, sentada, de quem se pode distinguir o
vestido, a cintura e o brao direito voltado para ela prpria; nas
vrias fotografias diferente a estatura de Beni Boa: ora maior,
ora menor.
Tudo isto exclui qualquer possibilidade de engano. Alm do
mais, Marta de idoneidade absoluta; supor que possa levar o
elmo, o manto e o turbante, que antes da sesso no se encontravam na cmara, e que depois desaparecessem repentinamente,
ridculo, tanto mais que as vestes de Marta, quase transparentes
sobre o seu talhe gentilssimo, no poderiam ocultar todas as
volumosas vestimentas de Beni Boa, nem o manequim de apoio.
Acrescente-se que Beni Boa aparecia vivo, movia-se e falava;
no havia cavidade no cho onde, por trs vezes, se enfossou e
desapareceu; a cmara medinica e o quiosque foram revistados
antes e depois da sesso. Est, pois, demonstrado que alguns, ao
menos, destes fantasmas apareceram, e no por breves instantes,
nem fragmentrios, e sim com todo o corpo e por anos inteiros,
de modo que se pde verificar peso, temperatura, pulsaes,
expiraes de gs carbnico, e fixar o carter moral deles: doce,
benvolo, apostlico, em Katie King; vaidoso e palrador, em
Walther e em Finoit; srio, austero e orgulhoso, em Imperator;
genial e ambicioso, em Pelham; inculto, em Iolanda; de dois se
possuem os retratos simultaneamente com seus mdiuns.
***
De resto, se o fenmeno do fantasma completo bastante raro, frequentemente surgem aqueles fragmentos de fantasmas
(rostos, braos, mos) que aparecem amide nas sesses medinicas. E se tambm os fantasmas completos ou incompletos no
aparecessem, teramos a demonstrao da sua presena e ao
naqueles gestos e atos inteligentes, algumas vezes estticos e
tambm artsticos que tm lugar a distncia e fora da esfera de
exteriorizao da sua habilidade e competncia.
263

H a bela frase de Flammarion: nada de singular foi revelado


pelos Espritos e pelos mdiuns que no estivesse j ao nvel da
capacidade dos presentes; mas, eu pergunto: Em uma sesso,
onde no havia nenhum escultor, com um mdium que no
saberia esculpir um ovo, como se podiam formar aquelas maravilhosas esculturas, que tambm artistas no se sentem capazes de
executar em tempo to breve? E como se poderiam formar
aqueles quadros, alguns verdadeiramente belssimos? E como
puderam Finoit e Pelham fornecer profecias de fatos absolutamente no previstos e que, sem embargo, se verificaram?
Em menor escala, pode-se dizer outro tanto daquela srie de
movimentos que supem a ajuda de mos de pessoa prtica, tais
o tocar bandolim, violino e em piano fechado, porque no se
compreende que Euspia, ainda que exteriorizando a motilidade
de seu duplo, obtivesse resultado que no teria podido conseguir
quando desperta, com sua mo feminina, por hbil que fosse.
Entretanto, compreendemos que o possam as formas fludicas
animadas pelo corpo vivo da mdium, e compreendemos que,
fundindo-se um Esprito mais ou menos iluminado no corpo de
Euspia, pode dar lugar a energias e atos dos quais ela sozinha
no seria capaz, qual ocorre com o espermatozide que se torna
fecundo se chega a penetrar no vulo, e nada mais vale se nele
no se integra.
ESTATSTICA
As numerosas aparies fantasmticas estudadas na magnfica recompilao Phantasms of the Living, de Gurney, Myers e
Podmore, trazem uma prova at estatstica da sua realidade.
Sobre 5.705 pessoas submetidas sua investigao, 96 tiveram
alucinaes verdicas de fantasmas; 44 de pessoas mortas havia
muitos anos e 13 de mortos de pouco tempo; 23 (ou seja, uma
para 248) foram alucinaes visveis de pessoas vivas adormecidas ou enfermas e 1 sobre 40 de pessoas mortas nas ltimas 12
horas.
Assim, como tais cotas sobrepassam em muito aquelas das
leis de probabilidades acidentais, e de igual modo a maioria
dessas aparies eram imprevistas e cerca de 93 delas foram
264

vistas por muitas pessoas simultaneamente em diferentes lugares,


e muitas constatadas com os sentidos da vista, do ouvido e do
tato, assim vem a quase certeza da influncia do moribundo e
tambm do recm-morto no fantasma transitrio que, na maior
parte dos casos se apresentava uma vez apenas.
E aqui tambm se acrescenta o fato de que, no raras vezes,
esses fantasmas foram percebidos igualmente por animais domsticos, prova de que no existiam apenas na fantasia excitada
do homem.
Samuel Johnson cita o caso de cavalos que se empinaram
quando seu cavaleiro via um fantasma; um fantasma foi visto por
duas meninas de 13 anos de idade e por um cavalo, que estremeceu e no mais quis andar para a frente.184
Zecchini possua um cozinho que saa da sua casinha, saltava e ladrava de alegria quando se evocava o Esprito do menino
Emlio, com quem antes brincava. Parece, pois, que se deve
integrar a fora medinica com uma outra, ainda que transitria,
a qual seria a dos mortos assim denominada pela tradio de
todos os tempos, de todos os povos e pela observao experimental.
PROVAS HISTRICAS
Acrescento que idnticas aparies tm chancela histrica.
No dia 1 de fevereiro de 1733, o feldmarechal von Grumbkow se encontrava enfermo, em Crossen sobre o Oder, aonde
fora a convite do seu soberano, um ms antes, para render homenagem a Frederico Augusto, o qual, em seguida, regressou para a
sua Polnia. s trs horas da tarde, o marechal ouviu rumor em
seu aposento e, na penumbra do recinto, cujas janelas estavam
fechadas, viu o dito rei que se aproximava at toc-lo, dizendo:
Acabo de morrer, em Varsvia.
Trs dias depois, chegava a notcia oficial de que Augusto I
havia falecido na mesma hora em que Grumbkow tinha visto e
ouvido o seu fantasma.
Em sonhos, Petrarca viu aparecer o bispo Colonna, que ento
regia uma diocese na Gasconha, que lhe disse (escreve o prprio
265

Petrarca, em carta ao bispo Joo Andra) com o ar assim de


quem costuma ser risonho:
Recordas quo fastidiosas te foram as tempestades dos
Pirineus, quando estavas comigo diante da Garenna? Pois
bem: a mim tambm chegou o tdio, e vou para Roma, para
no voltar jamais.
Eu lhe rogava que me levasse consigo, mas ele, depois de
estender-me a mo aberta, duas ou trs vezes, me replicou,
mudando de pronto a expresso do rosto e do tom da voz:
Agora no te quero para companheiro.
Fixando o olhar, reparei, por sua exangue palidez, que estava morto. Presa de medo e de pesar, emiti um grito e, ao
mesmo tempo, despertei ouvindo desse grito o derradeiro
som. Tomei nota do caso e do dia, narrando-o aos presentes,
e o relatei em carta aos amigos. E eis que, depois de 25 dias,
recebi a notcia da morte do bispo e, confrontada a data, era a
mesma da apario. Seus despojos (eu no sabia, nem mesmo
o suspeitava) foram dali trasladados a Roma no terceiro dia.
(Epstola.)
Um abade de Saint-Pierre, nos Discours pour expliquer la
cause de quelques apparitions, refere o relato do protagonista
de uma apario, Bezuel, e que ele depois constatou verdica
atravs de diversas pesquisas. Em 1876, Bezuel, que ento
contava 15 anos de idade, tinha grande amizade com o filho do
procurador Abaquene, com o qual antes havia permutado a
promessa de que o primeiro que morresse viria dar notcia do
prprio estado ao sobrevivente. Transcorrido quase um ano
daquela macabra promessa, e havia 6 semanas que Bezuel no
recebia cartas do amigo, cognominado Desfontaines e residente
em Caen, um dia, achando-se no palheiro da casa do Sr. de
Sorteville, se viu presa de tal aturdimento e debilidade, que
perdeu os sentidos. Socorrido pelas pessoas presentes, tornou a si
e, enquanto o ajudavam a descer a escada, percebeu Desfontaines
junto desta, o qual o pegou pelo brao direito e o conduziu a uma
via solitria, a trinta passos dali, e lhe disse:
266

Afoguei-me no rio de Caen, anteontem, a esta hora aproximadamente (eram cerca de duas e meia da tarde); eu fora tomar
banho com Fulano e Sicrano. Na gua, tive um delquio e afundei.
Desfontaines lhe relatou em seguida quanto lhe havia sucedido, durante esse ltimo passeio ao rio, e o que havia falado aos
companheiros. Todas as particularidades foram verificadas
verdadeiras por Bezuel, que posteriormente teve ainda, por duas
outras vezes, aparies do amigo.

267

CAPTULO IX
Fotografias transcendentais
A confirmao da existncia dos fantasmas, a prova de que
estes no so um fenmeno alucinatrio, subjetivo, estaria fornecida, completa, nas chamadas fotografias espiritistas, se sobre
algumas no houvesse suspeita. Eis qual a histria e a lenda.
Em maro de 1861, Mumler, gravador da casa Bigelow Bros
e Kermand, que dedicava suas horas de cio fotografia, viu
certa vez aparecer em uma das suas provas uma figura estranha
ao grupo que fotografara e concluiu que uma chapa j impressionada se havia, por engano, misturado com as novas. Mas, uma
segunda prova deu igual resultado, com aparncia humana ainda
mais ntida. Esta seria a primeira fotografia espiritista ou transcendental. A notcia se espalhou rapidamente, e bem depressa o
pobre diletante foi assediado com pedidos que chegavam de toda
parte e, para satisfaz-los, houve de consagrar duas horas por dia
a esta nova indstria. Depois, fazendo-se a clientela sempre mais
numerosa, teve de renunciar ao ofcio de gravador.
Importantes personagens desfilaram ante a sua objetiva, conservando o incgnito, e s a algumas pde conhecer posteriormente. Dizem que aceitava todas as condies que exigissem
para o controle. As figuras que apareciam eram as de seres cuja
recordao preocupava a mente da pessoa que posava.
O clebre fotgrafo M. Black, de Boston, inventor do banho
de nitrato, fez um inqurito acerca do mtodo de Mumler. Por
mediao de um amigo, que precisamente havia obtido uma
prova do fantasma, Black ofereceu 50 dlares a Mumler para que
operasse em sua presena. Com completo escrpulo crtico
julgou dever examinar objetivas, chapas, recipientes e banhos;
no mais perdeu de vista a chapa nos seus preparativos preliminares e ele prprio a levou cmara escura. L, ao revel-la, viu
aparecer o fantasma de um chins sobre a espdua do seu amigo.
Mumler foi em seguida encorajado a continuar publicamente
suas provas; com esse fim, abriu um gabinete em Nova Iorque,
depois de ter convencido seus colegas Silver, Gurney, etc., e no
268

mais hesitou em aceitar trabalhos nos seus estdios, com seus


aparelhos e chapas, conseguindo sempre idnticos efeitos. Um
dia, Mumler preso, em Nova Iorque, sob acusao de bruxaria
e fraude. Seu processo foi clamoroso, numerosas testemunhas o
defenderam, e ele foi absolvido.
Muitos continuaram depois as tentativas, com maior xito.
Afamado entre todos foi, pela constncia, Joo Beattie, de Clifton (Bristol), homem de provada honestidade e habilssimo em
matria fotogrfica, que quis rodear-se de seguros controles e
que, para maior precauo, quis operar no laboratrio de um
outro colega, Josty, usando um bom mdium, Butland. Em uma
primeira sesso, foram feitas nove poses, sem resultado; mas, na
segunda sesso, depois de oito infrutferas, na nona chapa apareceu qualquer coisa que, na revelao, tinha vaga semelhana com
uma forma humana.
Nas experincias sucessivas, obtiveram-se imagens que se assemelhavam parte superior de um corpo de mulher ou se
aproximavam forma de uma estrela, de um cone, de uma
garrafa. Com frequncia, o mdium, durante a pose, descrevia a
forma das aparies, que depois se verificavam na chapa, e as
suas descries foram sempre confirmadas verdadeiras. Notvel
era a rapidez com que apareciam estas imagens na chapa, muito
superior em que se revelam as imagens normais.185 Ainda aqui,
e assim em outras provas, nos encontraremos, pois, frente a
produes de uma certa matria, invisvel aos nossos olhos e
luminosa por si mesma, e que reflete sobre a chapa fotogrfica
raios de luz aos quais a nossa retina insensvel, e que seria
dotada de tal energia fotoqumica que as suas impresses aparecem antes de todas as outras imagens, antes mesmo das figuras
normais, cuja revelao exige mais longo tempo.
Tambm dele suspeitaram, porm no foram estas as ltimas
provas de fotografias espiritistas. Experincias smiles e com
igual fruto foram tentadas por Guppy, Parkes, Reeves, Russell,
Slater, Williams, na Inglaterra; Reimers, na Alemanha; Damiani,
na Itlia.
Wagner, na Sua, com Slater, obtm um dia o retrato de uma
sua irm, entre dois rostos, um dos quais era sem dvida o de
269

Lorde Brougham, morto algum tempo antes, e no outro Slater


reconheceu o retrato de Robert Owen, ao qual estava ligado por
slida amizade e que antes de morrer lhe havia prometido que,
caso existisse um outro mundo, lhe apareceria.
O editor Dow, de Boston, tinha entre os empregados uma jovem a quem era grandemente afeioado e que morreu aos 27
anos de idade. Sete dias depois da sua morte, um mdium lhe
disse que uma bela jovem queria v-lo e oferecer-lhe rosas que
tinha na mo. Depois de algum tempo, em Saratoga, conheceu
outro mdium, Slade, que, em sesso, ignorando totalmente os
antecedentes, apenas tocou a mo de Dow, escreveu automaticamente sobre o oleado: Estou sempre convosco. E a seguir a
assinatura da morta.
De regresso a Boston escreve Dow , apresentei-me
mdium Hardy e com a sua ajuda tive a apario da minha
amiga, a qual me disse que, em Saratoga, me havia dado prova da sua identidade. Acrescentou que estava sempre perto de
mim e desejava dar-me o seu retrato, sugerindo-me ir ao fotgrafo Mumler. Fui, e no o encontrando, anunciei-me sua
esposa com o nome de Sr. Johnson. Depois de uma semana,
durante outra sesso, minha amiga apareceu, dizendo-me:
Como est, Sr. Johnson? No havia notado at agora que
V. se envergonhasse do seu nome.
Tornei casa de Mumler e, depois de duas poses negativas,
na terceira, estando a Sra. Mumler em transe, compareceu
minha amiga, dizendo:
Hoje, ter V. meu retrato. Estarei perto de V., apoiando a
mo em seu ombro e com uma coroa de flores na cabea.
E assim foi. E se trata de um cptico em Espiritismo, que
desconfiava do fotgrafo.
Escolhi este nico exemplo entre os numerosos que poderia
citar de Mumler, porque o mais documentado e ocorreu quando
as dvidas e acusaes contra ele deviam fazer aumentar as
suspeitas de um j cptico.

270

Tambm Hartmann, de Cincinnati, por ter obtido dessas fotografias, foi acusado de fraude, porm obteve os mesmos resultados quando uma comisso adversa quis presenciar as experincias e nelas tomou parte.
O que entre tantas incertezas mais fala em prol da fotografia
espiritista o ver que, longe de cessar, depois dos processos
clamorosos contra os fotgrafos, continuou e foi difundindo-se
sempre mais, at nossos ltimos dias.
Recentemente, Carreras 186 contava de dois mdiuns, no profissionais, nem remunerados, de honradez inatacvel, os irmos
Randone, que obtiveram curiosssimas fotografias desse gnero.
Em novembro de 1901, o fotgrafo Benedetto, luz do magnsio, fotografou Randone e o Sr. Bettini, e ao revelar a chapa,
alm da imagem, encontrou uma srie de rastos luminosos e
transparentes.
Na manh de 18 de maro de 1901, Filipe Randone sentiu-se
impulsionado 187 como que por irresistvel sugesto a tentar uma
fotografia transcendental, servindo de mdium uma sua irm.
Desembaraou para isso o recinto da mesa que estava no centro,
colocou uma poltrona e uma cadeira ao lado uma da outra, com a
ideia de que na primeira se acomodasse a mdium e na segunda
pudesse tomar lugar um Esprito materializado, conforme acontecera em vez anterior. A senhorita caiu adormecida, subitamente, estando de p, e ento o irmo a ajudou a sentar-se na cadeira,
por estar mais prxima do que a poltrona. Imediatamente viu que
se formaram em torno da irm como que flocos de algodo
branco, que rapidamente se condensaram em nuvem sobre a
poltrona, direita da mdium. A Sra. Mazza tambm distinguiu
perfeitamente uma figura branca, com cabelos pretos, meio
difusa, ao lado da mdium adormecida, gemendo, como o fazem
todos os mdiuns em transe.
Tomou Randone a mquina fotogrfica, abriu a objetiva, fazendo uma exposio de 30 segundos, finda a qual viu apenas a
irm; antes, o fantasma permanecera materializado de 10 a 12
minutos, sem emitir som algum ou mover-se, parecendo apenas

271

que se agitara quando Randone o tocou, e parece que foi perdendo densidade no momento da pose.
Revelada a chapa, em presena de seis pessoas, chapa controlada e que se reconheceu ser uma das contra-senhadas, apareceu
uma figura que, no negativo, no se distinguiu bem, mas depois
deixou aparecer o fantasma de uma jovem, aparentando 17 ou 18
anos de idade, vestida de branco, com bastos cabelos negros,
que, semelhana de dois bandos, lhe encobriam o rosto.
A pressa e a agitao com que foi feita a fotografia foram
causa de que faltasse a parte inferior do fantasma.
Nenhum de ns a conhecia, porm, em muitas comunicaes sucessivas, dadas pela voz da dita mdium Randone, o
vu do mistrio foi em parte levantado. Com efeito, aquela
personalidade disse, no sem uma certa confuso de ideias,
que desejou comparecer no dia anterior; quando viva, era jovem e bela, to bela, que estava noiva; morrera em 1889; do
vu em que a envolveram foi cortado um pedao que seus
pais conservam; que lhe cortaram o cabelo na parte da nuca;
que eram mui formosos seus cabelos; fora rica e habitava um
castelo nas terras de Ar...
Em uma srie de sucessivas comunicaes, deu outras particularidades: chamavam-lhe Bebela; tivera todas as coisas
rubras sua frente; que fora exposta ao povo durante trs dias e que os aldees vinham contempl-la e diziam:
Pecado! Era to bela!
Viu-se levada a enterrar em um alto, no meio do bosque,
em capela que tem uma janela, pela qual se pode ver o lugar
onde est sepultada; que h uma luz acesa na capela, a propsito da qual fala:
Dizei a Camilo que nem sempre acendem a luz, conforme
ele desejaria. Quando faleci, estavam todos assim de vermelho;188 quando viva, ia com as monjas e com elas brincava.
Por todos estes pormenores imaginei qual famlia podia
ter a morta pertencido. Atendo-me s informaes, averiguei
que, efetivamente, do Prncipe M., em Ar..., em 1889, morrera uma filha de 16 anos e meio, vtima de nefrite consecutiva
272

a escarlatina; de nome Isabel (de onde o carinhoso familiar


Bebela, conhecido unicamente da famlia e dos ntimos da
casa, como me foi confirmado por fidedigno intermedirio);
bela de talhe e de rosto, e abundante cabeleira; esteve exposta
ao pblico trs dias e foi inumada em capela familiar, sita na
parte mais elevada da vila e adjacente ao castelo medieval.
A me, porm, declarou no reconhecer a morta no pouco
de rosto que se mostrava na fotografia e acrescentou que os
cabelos nesta apareciam mais escuros e mais lisos; que sua filha nunca esteve prometida (o que se explica pelos erros que
os Espritos costumam cometer), e que no lhe haviam posto
o vu de que falava e no qual se mostrava envolta. Afora isso,
confirmou-me todos os detalhes indicados.
A 27 de junho, quando a Srta. Randone estava j vestida e
colocara o chapu para sair, caiu de inopino em transe. Subitamente se formou a seu lado um fantasma envolto em volumosos panos brancos, visvel da cabea a um p, que parecia
calado com meia, fantasma que foi fotografado, mas, pela
escassez de luz, rapidez da apario e por no estar bem formado o rosto, no saiu bem.
Simultaneamente apario, foi feito o transporte (apport)
de uma tira de vu crespo, verde, com sinais de pregado, e de
algumas flores fanadas. Os transportes de flores continuaram
no dia seguinte, a plena luz, em presena de cinco pessoas, e
isso constatei perfeitamente com os meus prprios olhos.
Na ltima fotografia, embora no bem sucedida, h uma
particularidade interessante: os cabelos do fantasma eram
crespos, conforme, com efeito, os tinha Bebela. Parecia, com
isso, que a entidade manifestada quisesse responder objeo
da genitora acerca da sua cabeleira.
Tummolo, em Roma, em uma sesso com Politi, obteve a fotografia de sua filha morta havia alguns anos. Para evitar toda
suposio de fraude, ele prprio comprara a chapa e, para maior
precauo, nela aps sua assinatura, que se v reproduzida no
fundo da chapa, junto com a imagem da filha.189

273

Mas, talvez mais do que tudo, pela autoridade do nome, prevaleam as provas de Stead e de Ochorowicz. Stead nota, ele
prprio, quanto fcil o truque fotogrfico; porm ele se serve
de chapas contra-senhadas e reveladas por ele mesmo, e a garantia se estriba em ser o retrato, perfeitamente reconhecvel, de um
morto cuja existncia era ignorada tanto dele quanto do fotgrafo
que o ajudava.
De tais fotografias escreve obtive diversas provas, porm referirei apenas um bem documentado caso. O fotgrafo,
a quem a mediunidade permite fotografar o invisvel, velho
e sem instruo, clarividente e clariaudiente. Na poca da ltima guerra dos boers, pedi-lhe uma sesso.190 Apenas me
havia sentado diante dele, disse-me:
Outro dia tive uma surpresa: um velho boer se apresentou
no meu estdio, armado de fuzil, e seu olhar feroz me sobressaltou.
Vai-te embora disse-lhe , no me agradam armas de
fogo.
E ele desapareceu. Mas, eis que voltou, entrando com V.
Est desarmado e tem o olhar mais tranquilo. Deve-se consentir que fique?
Certamente respondi-lhe , e poder V. fotograf-lo?
Sentei-me frente objetiva e o operador enfocou a mquina. Nada podia discernir, mas, antes de retirar o chassis, solicitei ao fotgrafo que lhe perguntasse o nome. O fotgrafo
mostrou atitude de formular uma pergunta e de aguardar a
resposta. Depois:
Diz que se chama Piet Botha.
Piet Botha? objetei em tom dubitativo. Conheo um
Filipe, um Lus, um Cristiano, e no sei quantos outros Botha, porm nunca ouvi falar deste Piet.
Ele insiste em que esse o seu nome.
Quando foi revelada a chapa, vi, apoiado no meu ombro,
um tipo galhardo e hirsuto, que tanto podia ser um boer quanto um mujique. No disse nada, mas aguardei o trmino da
guerra, e, chegada do general Botha a Londres, lhe remeti a
274

fotografia, por mediao de M. Fischer, agora Primeiro Ministro do Estado de Orange. No dia seguinte, M. Wessels,
Delegado de um outro Estado, veio ver-me e me disse estar
maravilhado de ver aquela fotografia:
Esse homem meu parente, e tenho seu retrato junto comigo. Foi o primeiro comandante boer que sucumbiu no assdio de Kimberley. Petrus Botha acrescentou , a quem
chamvamos Piet para abreviar.
A fotografia eu a conservo e foi igualmente identificada
por outros colegas dos Estados Livres que conheceram Piet
Botha. Foi por simples acaso que pedi ao fotgrafo o nome
do Esprito.
Este fato no se explica com a telepatia. Ningum na Inglaterra, pude assegurar-me, tinha notcia da existncia de Piet
Botha.
***
Mais importante a fotografia do Esprito-guia de um mdium, obtida por Ochorowicz. Eis o que ele escreveu:
Envio-lhe a fotografia da pequena Stasia, tomada em 6 de
abril de 1909, em cmara vazia, completamente escura, contgua em que nos achvamos, eu e a mdium Tomczyk. A
mdium, colocada frente da porta fechada do outro recinto,
viu, por debaixo daquela, um claro. No podendo v-lo do
lugar onde eu estava, desejei que se reproduzisse; no se fez
possvel naquele momento repetir a fotografia completa. Estavam tambm presentes De Vesme e Manuell.
Pudemos constatar 12 clares medinicos em diferentes
pontos do aposento pouco distante da mdium, da qual eu tinha presas as mos. A fotografia da pequena Stasia foi tomada a meio metro de distncia com um Anastagmot Sutar, com
a chapa Lumire, retirada de uma caixa adquirida expressamente poucas horas antes, e intacta. Esta luz ou claro medinico iluminava s o fantasma e uma parte do encosto da cadeira em que ele estava sentado.

275

V-se, examinando-a com uma lente, em torno da figura do


fantasma uma espcie de franja luminosa, que, segundo a explicao do fantasma, provinha da concentrao, naquele
ponto, de um vapor luminoso que o circundava e do qual estava impregnado o mata-borro (papel secante) com que,
falta de outra matria, se havia confeccionado o busto. A toalha esponjosa destinada a cobrir o resto do corpo do fantasma, pouco materializado, estendida por mim no encosto da
cadeira, se encontrou (arrastada pelo solo e enxovalhada) sobre a mesa ao lado da parede; os cabelos estavam materializados incompletamente.
Entretanto, a mdium, em estado de viglia, sente apenas
calafrio e tremor intenso, mas, algumas horas depois da sesso, o retardado prazer do xito obtido se manifestou com
fora excepcional, prova da sua exausto na sesso.
Nos ltimos Annales des Sciences Psychiques, com maiores
detalhes, Ochorowicz explica como ocorreu o fato.
Sua mdium T. sofrera um desgosto; em seguida advertiu, pelos movimentos de um cestinho prximo a ele, que seu Espritoguia, Stasia, desejava falar-lhe.
Em seguida recebemos o aviso tiptolgico:
Quero fotografar-me; preparai o aparelho, instalai-o no
centro do recinto, enfocando-o a dois metros; no necessito
de magnsio, nem de mdium.
No dia seguinte, 29, fui comprar chapas Lumire. A pequena Stasia, depois da refeio, anunciou-se com movimentos do cestinho e repetiu:
Quero fotografar-me; ponde o aparelho sobre a mesa,
perto da janela, regulando-o a meio metro; colocai uma cadeira diante da mesa e depois deem-me algo para cobrir-me.
Contentou-se com uma toalha que estendi no encosto da
cadeira onde devia sentar-se; abri o obturador e fui reunir-me
mdium em minha cmara, fechando a porta.
Sentamo-nos pouco esperanosos de xito, quando de
pronto a mdium viu, pela fresta da porta, um claro, e aos
276

dois ou trs minutos um toalheiro, em que a mdium apoiava


a mo, se moveu e se recebeu a mensagem:
Est feita, revelai a chapa.
Entrei na cmara escura para fechar a objetiva, acendi a luz
e vi que a toalha, antes posta no dorso da cadeira, estava sobre a mesa, amarfanhada; uma grande folha de papel secante
(mata-borro), rasgada em parte, e mida, estava na mesa de
cabeceira. Aos trs quartos de hora se revelava na chapa a
imagem de Stasia, que parecia no ter peito, nem ventre, nem
pernas, e no podia, pois, ter sido substituda por uma pessoa
viva e muito menos por um quadro recortado, porque em toda
a periferia da cabea eram vistos, com a lente, pequenos globos luminosos que provinham de vapores luminosos fludicos, com os quais, conforme explicou, se havia constitudo,
porque globos luminosos menores formavam o resto do rosto
e da cabea.
Ora, pergunta-se: no havendo ningum entrado na cmara,
quem havia mudado a posio da toalha? Quem trasladou e
usou o papel secante que se encontrou molhado, para entrar
em contato com os vapores fludicos?
A luz que permitiu fazer a fotografia proveio da esquerda,
mas veio de cima, onde se assinalam bordas luminosas; e, na
parte de baixo, caindo sobre a metade esquerda da toalha e
projetando sombra no papel secante.
Interrogada, Stasia respondeu que se havia sentado frente
da objetiva; que conseguira materializar-se no rosto e um
pouco no cabelo; que toda a sua figura era apenas o acmulo
daqueles globos luminosos de vapor de que estava formada;
que havia provocado uma luz esquerda e acima da parede.
No sei porque este claro ilumina o meu rosto ao alto, e
em baixo, pela esquerda.
A maior quantidade de luz que se refletiu na fronte de Stasia vinha de cima. Ora, um claro de magnsio que eclodisse
sobre a cabea no teria fotografado o rosto, e sim velado a
chapa. A participao da mdium, que no se notou no momento, pois que parecia normalssima, e com maior razo
277

contente pelo xito do fenmeno, se revelou mais tarde,


noite, com fortssimas convulses e mal-estar.
***
Numerosa srie de fotografias espiritistas foi conseguida nestes dois ltimos anos pelo Dr. Imoda, com a mdium Lina G.
(especialmente desenvolvida neste gnero de experincias), com
o controle dos Drs. Marzocchi e Audenino, em Turim, em casa
da marquesa de R., e tambm do prof. Richet, em Paris. A mdium tinha por guia o Esprito Vicente, de quem se fala no
captulo Identidade, o qual demonstra nas sesses o carter
brutal e cnico que apresentava em vida. Nas primeiras sesses
provocava fenmenos desordenados, incoerentes, queda de
objetos pesados, ruptura de mveis e de instrumentos cientficos
e nem sempre com respeito incolumidade das pessoas.
Mas, com o progredir das sesses, foi-se, pouco a pouco, suavizando nos modos e na linguagem, embora conservando sempre o carter brutal, violento e, em sumo grau, a autonomia.
Prometeu, ante os insistentes pedidos dos experimentadores, que
com pacincia e tempo seria possvel a fotografia de mos e
vultos medinicos, e, com efeito, ao cabo de um ano da citada
sesso, manteve a promessa.
Primeiro deixou ver (apenas perceptvel) na sesso, com o eclodir do magnsio e do clorato de potssio, a sua efgie em um
busto de gesso, tronco na parte inferior, em ngulo agudo; depois, uma mo que rodeava, guisa de colar, a cabea da mdium, mais tarde, um crisntemo na cabea de um dos controladores (esta flor desapareceu; disse Vicente que, tendo-a materializado, teve de desmaterializ-la) e depois ainda fez demonstraes; finalmente, fez aluso cnica a um incidente ocorrido
mo branca (de gesso?) em posio de figurar chavelhos e que
dava essa sombra.
Doutra feita, aparece outra mo, aparentemente de gesso, sustentada antes por um brao do que por uma tabuinha retangular
coberta pela cortina.
Aps trs meses destas aparies incompletas, conforme havia prometido nas precedentes sesses, apareceu, contornada por
278

vus postos no gabinete medinico, a face de mulher carecedora


de tronco, que se dizia amiga de Vicente. Ao termo de um ms
apareceu o rosto delicadssimo de uma menina de 4 anos de
idade, contornado por um vu medinico e que Vicente disse ser
filha da anterior apario.
Depois de idnticas outras sesses sem novas imagens, apareceu belssima e completa mulher, que se disse campesina e rival
da precedente. Antes da sua apario, foi sentida forte altercao
na cmara medinica; repetiu-se com a prpria voz da mdium
uma discusso de pessoas que queriam passar, para serem
fotografadas.
Apareceram depois figuras belssimas e roagantes, quase vivas. Ao todo, trs mulheres, uma delas algo parecida com a
mdium, e trs meninas, quase todas carecentes de mos, de ps
e de orelhas. Tinham, no geral, um vu medinico na periferia;
os panos do gabinete lhes rodeavam o resto do corpo, como que
a dissimularem a ausncia das mos e dos ps. Mas, o que mais
importa: faltavam as sombras; sempre, em todos os retratos, as
figuras no projetam sombra ou a projetam s quando envoltas
nos panos do gabinete.
Em uma sesso de Richet, na qual Vicente pretendia apresentar um louco por mim curado, apareceu um rosto de mulher
convulsionria, com a cabea revirada para a da mdium.
Ora, essas fotografias, cuja autenticidade segura, porque as
vimos revelar sob nossos olhos, parecem ser, pela falta de sombra, reproduo de retratos feitos estupendamente sobre chapa e
retalhados depois para simular um corpo verdadeiro. No so
decerto pinturas diretas, que a mdium no podia realizar, pois
possui apenas rudimentos de desenho, nem traz-las escondidas,
porque revistada antes e depois da sesso, e menos Vicente,
por ser inculto e anttese de esteta.
A nica hiptese possvel que, tal qual ocorre com as moldagens de gesso, sejam elas mediunicamente transportadas s
sesses, de onde desaparecem depois, semelhana de muitos
transportes (apports) medinicos.191

279

Noto nesta altura que a muitos profanos devem parecer fictcias tais imagens, porque so carecentes de uma parte do tronco
e do rosto, quando no gessiformes ou rgidas, como se fossem
fantoches plantados em bastes ou neles envoltos.
Mas podemos assegurar haver visto os fenmenos em uma
casa particular, em que preparamos o gabinete medinico e onde
ningum era suspeito, nem podia fazer truques.
Pouco antes, vimos que Stasia aparecia com o tronco quase
completo na fotografia, e ainda Ochorowicz pde constatar que
aquele busto e aquele tronco eram formados com papel secante e
com um pano que se encontrava no recinto.
Ns, como humanizamos os instintos dos animais, errando
frequentemente na interpretao, tambm assim damos por
pessoa completa de ser vivente esses fantasmas que so quase
sempre fragmentrios e incompletos, que se ataviam, com diabrura, com os objetos que se acham ao seu redor, alm do vu
medinico para tomar forma que seja mais acessvel aos nossos
olhos, quando no assumem aquele aspecto de luzes errantes que
talvez seja a sua imagem mais sincera.
Nestas, de Imoda, compareceram sob a forma de bustos, quadros e retratos. Creio, a este propsito, que aquela estranhssima
fotografia que Randone e sua irm obtiveram, de uma certa
Baruzzi, serva residente em Roma, e morta na Sardenha, na qual,
alm da prpria imagem, aparecia a de um bastio de Civitavecchia, ante o qual aparece de novo a mesma Baruzzi, com traos
desvanecidos, ou seja, o misto de uma paisagem e do retrato da
morte.
E a este propsito, recordemos que, pelos ltimos estudos de
Taylor e de Rochas,192 as fotografias espiritistas se devem classificar em 6 espcies:
1) retratos de entidades espirticas, invisveis em condies
normais;
2) flores, escritos, coroas, luzes, imagens estranhas ao pensamento do mdium e ao do operador no momento da
impresso da chapa;
280

3) tipos que parecem a reproduo de esttuas, pinturas ou


desenhos; estas imagens se podem atribuir, injustamente, a fraude ou truques grosseiros, quando so talvez a
reproduo de imagens mentais mais ou menos conscientes do mdium, ou signos voluntrios dados por inteligncias estranhas do espao;
4) imagens de formas materializadas, visveis por todos os
assistentes;
5) reproduo do corpo astral ou duplo de pessoas viventes;
6) provas nas quais parece que a revelao nada tenha feito
aparecer, porm nas quais os mdiuns e os clarividentes
distinguem uma imagem que ali consta, absolutamente
autnoma da personalidade do observador.
Anloga, parece-me, a formao de esculturas perfeitas por
obra de mdiuns ignorantes da arte e que, portanto, no podem
ser seus verdadeiros autores (vejam-se, por exemplo, as esculturas obtidas por Euspia).
Em 1875, Denton, com o mdium Hardy, obteve em parafina
o molde de mos e ps, enquanto o mdium estava a 60 centmetros de distncia da parafina. Mais tarde, foram obtidas, com a
parafina fechada em uma caixa, constituda por uma tela de ferro
de malhas densas e solidssimas, com o fundo e tampa de madeira. A tampa se compunha de duas partes munidas de fechadura.
Para maior precauo, a caixa foi envolvida em um pano, selando-se o orifcio do fecho.
Depois de 40 minutos, foram ouvidos golpes animados que
anunciavam o bom xito da experincia.
Rotos os selos e aberta a caixa, encontrou-se a forma completa de grande mo, que flutuava na gua fria. O escultor OBrien
no hesitou em afirmar que, entre os escultores de fama, talvez
no se encontraria um entre cada 100, capaz de modelar semelhante mo, com todas as suas menores particularidades, e que
correria ainda o risco de no triunfar, pois que, para reproduzir
os objetos, se emprega o cunho em peas, o que ocasiona depois
o incmodo do desbaste para tirar as barbelas das junturas.
281

Com Reimers, em 1876, renovou-se a experincia, encerrando-se o mdium num saco, que lhe tapava a cabea e as mos. Os
dedos que se obtiveram eram de um centmetro mais curtos e
dois menos na circunferncia dos do mdium; porm algumas
das caractersticas das mos do mdium (tais as rugas da idade)
figuravam entre as do fantasma, que era jovem.

282

CAPTULO X
Identificao de fantasmas
quelas das fotografias espirticas se juntam outras provas
para documentar que as aparies e as comunicaes tiptolgicas
no so iluso imaginativa dos mdiuns ou dos presentes s
sesses.
Nomes
Morselli afirma que, dos Espritos revelados at agora, no se
conhece exatamente o nome, porque so criaes da fantasia do
mdium. Seria esta uma forte objeo contra a realidade dos
fantasmas, porm podemos responder que o mais importante de
todos eles, Pelham, viveu com o nome de Pelhev, e que Katie
King era a Srta. Annie Owen Morgan.
E se verdade que muitos desdenharam revelar seus nomes, o
que se deu exatamente com sua me, e se esconderam sob pseudnimos, tambm certo que, na intimidade, depois de numerosas sesses, muitos, assim Imperator e Rector, terminaram
revelando-os a Stainton Moses.
No ltimo livro de Joire, Les Phnomnes Psychiques, encontro larga srie de indivduos que no s deram seus nomes nas
sesses tiptolgicas da Societ de Studi Psichichi, de Nancy,
seno que tambm provas de identidade, confirmadas 19 vezes
em 20 casos.
Tais foram, por exemplo, Garcia Moreno, que comunicou a
nica palavra pronunciada quando estava para morrer, assassinado a golpes de machete pelo irado Rayo; Henrique Carlos
Montagne, morto no Annam; e precisamente Nhatrant, que
declarou ter sido morto por um tigre, quando estava de servio, e
apelou para o testemunho de Daniel Richer, que confirmou todos
os dados que aquele havia mencionado. E assim Maurcio Bauss,
tecelo em Viry, que declarou haver morrido aos 20 anos, em
Gerbipol, por embriaguez e frio, e o prefeito do dito lugar confirmou tal morte, na neve, em 1877.
283

Impossvel tratar-se aqui de criptomnsia, pois os presentes


quela sesso tambm no existiam em 1877.
Tambm a Sra. Duchen manifestou haver falecido aos 78 anos, em Vendrett, o que foi pelo prefeito local confirmado. E
assim Lus Naude e ainda Joo de Boutoris, que declarou ter
vivido sob a Regncia, ter sido amigo do Cardeal Dubois, ter
nascido em Montauban, que seus parentes estavam agora em
Monteccome, o que foi confirmado pelo prefeito.
Sixnoma de Levitz falou de uma irm, Isabel, que se constatou ter existido e que se manifestou em sesso, e citou certos
parentes que residiam em Perpignan, Rua Nova, o que igualmente se positivou.
De resto, uma comunicao de Gurney 193 justifica a renitncia dos Espritos em revelar os nomes, porque, se estes recordam
ao mdium fatos comuns ou que lhe so conhecidos, e ento
inspirando associaes pessoais, revelam a atividade subconsciente que tece novelas fantsticas; e, quando no so novos, no
despertando associaes antigas, s logram fixar-se pelo mdium
com muita dificuldade.
Coincidncias
Muitas coincidncias provam a realidade das aparies e tolhem toda suspeita de origem sugestiva, como bem demonstra
Laurent.194 De 666 aparies anotadas por Gurney,195 das quais
antes falamos, 20 eram coletivas. Em 5 casos, o agente era
desconhecido do paciente e, assim mesmo, foi descrito. Em 9
casos, a apario apresentou alguma particularidade, um novo
vestido, uma ferida, etc., cuja existncia o percipiente ignorava.
Eu, contudo, ouvi da Sra. de March ter ela visto em sua vila,
situada a 20 quilmetros de Siena, a sombra do Prof. Bar..., que
foi seu mdico, com o rosto metade barbudo e metade imberbe,
como jamais o houvera visto em vida. Ora, eu pude verificar que
ele possua esta anomalia que, em vida, sempre escondeu de
todos, barbeando-se diariamente, o que era ignorado pela Sra. de
March.
284

certo que muitas vezes firmar a identidade das aparies,


no ddalo dos truques, confuses e erros de linguagem (erros
frequentemente, como veremos, involuntrios), e separar o que
cabe ao inconsciente do mdium e dos assistentes difcil, mas
casos h em que isso se consegue, com a confirmao dos vivos
presentes ou distantes.
Tais eram, por exemplo, as comunicaes de Pelham. Este
pertencia a uma grande famlia da Norte Amrica, estudou
Direito, mas depois se dedicou completamente Literatura e
Filosofia, tendo publicado duas belas obras filosficas. Interessaram-lhe vivamente as investigaes psquicas e a Sociedade de
Estudos Psquicos Americana, mas sustentou, particularmente
com Hodgson, vivas polmicas a respeito da sobrevivncia, na
qual ele no acreditava, prometendo que, a ser possvel, trataria,
depois de morto, de comunicar com ele.
Pelham conhecia a potncia da mdium Piper, tendo assistido
a algumas das suas sesses. No ms de fevereiro de 1892, caiu
de um cavalo e morreu, ainda muito moo, e a 12 de maro se
manifestou, por escrita automtica, quando Piper era guiada por
Phinuit, que procurou repeli-lo, mas depois se adaptou sua
intruso. Das 156 pessoas que estiveram em contato com a Sra.
Piper, reconheceu 30 e a cada uma dedicou palavras alusivas ao
respectivo passado e relaes com ele antes de morrer. Assim,
perguntou a Alhovar se ainda se ocupava em escrever acerca da
sobrevivncia, e acrescentou:
Resolverei o problema de Catarina.
Esta frase no podia ser entendida por quem no soubesse (e
Alhovar o ignorava) que, anos antes, havia com ela discutido a
respeito da Eternidade e do Espao, e lhe dissera:
Resolverei estes problemas.
Srta. Vance, inscrita em uma Sociedade Mtua pela Arte de
Escrever, perguntou:
Quem corrige os escritos, agora que no estou a?
E lhe falou do irmo, dela, que fora seu condiscpulo, e da casa de campo onde existia uma vinha de um lado e um balouo do
285

outro lado; reconheceu os botes de punho de Joo Hart, os


mesmos que lhe havia ofertado antes de morrer.
E minha me acrescentou os pegou, deu a meu pai, que
lhos remeteu.
E olhando a fotografia:
a vossa casa de campo, mas lhe falta uma dependncia.
E, com efeito, faltava na fotografia um galinheiro. Pediu a
Evelina, filha de Howard, notcia de um livro que lhe havia
ofertado com dedicatria e, recordando sua incapacidade para a
Matemtica, disse:
Eu no te atormento mais, hoje; porm, serias capaz de me
dizer que coisa faz 2 somado com 2?
Apresentam-lhe as primeiras linhas do Pater, em grego, e ele,
depois de longas hesitaes, o traduziu, mas, no segundo versculo, acertou apenas com as primeiras palavras, conquanto fosse
ajudado por Moses, como Stattford, em uma questo de Anatomia Nervosa, se fez auxiliar por Wilis.
Ora, a Sra. Piper no sabe uma palavra de grego e, se o traduzisse do pensamento dos presentes, teria sabido traduzi-lo no
todo, e no em parte. Acrescente-se que Sra. Piper, por exemplo, se manifestou uma havaiana e comunicou trs ou quatro
palavras do seu idioma, que nenhum dos circunstantes conhecia,
e isto vale para atalhar ao meio aquelas objees de que o mdium recolhe do inconsciente dos presentes as noes que ele
no tem.
Certo dia, Lodge pediu ao seu falecido tio Jerry, que se comunicava pela Sra. Piper, revelasse algum incidente de sua vida,
e ele respondeu:
amos num barco, que soobrou, e tivemos de atingir a
margem a nado. Perguntem ao meu irmo Roberto.
Disto no sabia Lodge, nem a Sra. Piper, pelo que se deve excluir o inconsciente e a criptomnsia. Interrogado Roberto,
recordou que, efetivamente, estiveram em perigo de afogamento,
no porque a barca soobrasse (erros comuns nos Espritos), e
sim porque, sados da barca, se puseram a brincar de luta, e
286

caram na gua. Todos ignoravam o fato e, como se v, o ignorava, em parte, o prprio comunicante, que o desfigurou. Jerry
tambm recordou que seu irmo Franck, muito jovem, subiu
certa vez ao teto de uma cabana e se escondeu; que deu sopapos
em um tal Joo e foi ameaado pelo pai deste, porm pde fugir.
Tudo isso era verdadeiro, mas ningum o sabia.196
Outra prova de identificao psquica proporcionada pelas
comunicaes do pai de Hyslop, Roberto,197 que faleceu em
1896. Levara vida muito retrada, sofrendo de apoplexia, de
ataxia locomotora e de cncer na garganta, do qual morreu, de
modo que, por 35 anos, no se moveu da distante granja onde
nascera. Religioso, parcimonioso, de limitada mente, usava uma
linguagem de provrbios, que, j morto, repetia, por exemplo:
No fiques de mau humor, no se ganha nada com isso. Ainda que no tenhas o que desejas, aprende a contentar-te com o
menos e no fiques mal humorado.
Tudo isso a Sra. Piper teria podido recolher das recordaes
dos presentes; mas ele, um dia, acrescentou:
Como est Tom?
Tratava-se de um cavalo, morto anos antes, do qual o filho
ignorava a existncia, de modo que teve de fazer longa investigao para entender a pergunta. Ainda pediu notcias de um
gorro preto que, afirmou, usava. O filho de nada sabia (era filho
do primeiro matrimnio), porm a sua madrasta confirmou o uso
de tal gorro, durante muitos anos antes, e confirmou tambm a
existncia de uma garrafa redonda e outra quadrada, que teria
tido sobre a sua mesa, garrafas a que continuamente se referia
em suas comunicaes.
Lembras-te dizia ao filho da faquinha preta com que eu
cortava as unhas e guardava depois no bolso da jaqueta?
Embora o filho de nada soubesse, a madrasta informou que,
em verdade, muitos anos antes, ele a usou, mas guardava-a no
bolso da cala e no no da jaqueta. Falou de um filho no muito
bem, mas recomenda, a propsito, o costumeiro: No fiques de
mau humor.
287

Recordou um sacerdote calvinista com quem discorria sobre a


vida futura, e que no fundo no estava errado. Voltando ao filho:
Tu tens disse tuas ideias prprias, que te pertencem exclusivamente.
Era uma frase feita que, em vida, muito repetia. Depois ele,
que morreu vtima de cncer na laringe, com aqueles habituais
erros prprios dos Espritos, pretendia ter estado enfermo do
estmago, fgado e cabea e, acima de tudo, do corao.
Parecia que me apertavam at sufocar-me o peito, mas depois adormeci.
Comprovou-se que teve dispneia, mas, isso, na agonia, quando os batimentos do corao eram quase imperceptveis, o que
demonstraria que, tambm na agonia avanada, se pode conservar a conscincia.
So sempre as mesmas inpcias observadas tambm com os
vivos, bem como aqueles pequenos equvocos que se observam
constantemente na linguagem espiritista, quer se trate do obtido
por Moses ou por dEsperance ou pela Sra. Piper; mas, exatamente por isso, so uma prova de identidade e que mostram o
seu especial carter, que se devia presumir, tratando-se no de
seres orgnicos completos, e sim de seres fragmentrios, que, ao
demais, pensam e sentem com a imperfeio semelhante nossa
nos sonhos e que, se eram dbeis da mente, em vida, tanto mais o
devem ser depois da morte. Enganos que no ocorreriam se as
notcias viessem telepaticamente atravs dos vivos.
Fatos judicirios
E h comunicaes que deram prova de identidade, revelando
fatos ignorados, de grande importncia econmica e judicial.
O Dr. Davey tinha um filho mdico, residente no estrangeiro.
Desejando regressar ptria, embarcou em um navio, porm
faleceu durante a travessia. Chegando a Londres, o capito
notificou o ocorrido ao pai e lhe fez entrega de 22 esterlinos, que
dizia ter encontrado no bolso do morto. Poucos meses depois, em
uma sesso esprita, compareceu o filho ante o pai e lhe disse ter
288

morrido envenenado com essncia de amndoas amargas, em vez


de essncia de hortel, dissolvida em leo de rcino, que se
receitara, e que deixara 70 e no 22 esterlinos. O caso foi depois
comprovado judicialmente.198
Levaram certo dia ao mdium Powell, de Boston, uma folha
de papel em que uma senhora, no presente sesso (note-se),
havia escrito, ocultando de todos, um nome. Apenas o mdium
colocou o papel na testa (era o modo que ordinariamente usava
para obter comunicaes dos mortos), empalideceu horrivelmente e caiu ao solo como que desmaiado. Depois, ergueu-se lentamente, pegou a mo de um dos presentes e disse:
Digam a Hattie (senhora que havia escrito na pequena folha
de papel) que no foi desgraa, nem suicdio, e sim vil assassnio... e foi meu marido que o praticou. Existem cartas que o
provaro. Eu sou a Sra. Sallie Laner.
Era o nome escrito no papel, o da mulher que, dias antes, fora
encontrada morta por um tiro de fuzil e do qual no se havia
conseguido descobrir a procedncia. No dia seguinte, o marido
era preso.199
Certo Jack comunicou tiptologicamente ter um dbito de 35
dlares e centsimos e um crdito de 15 dlares com A., sapateiro, e o fato se confirmou judicialmente.
Foi encontrado morto um homem distante de sua casa, com
roupa que no era a dele, suja de lama. Apenas chegou a notcia
sua residncia, uma de suas filhas caiu em desmaio e, ao despertar, disse haver visto o pai com o traje mudado e que lhe
referiu que na roupa que lhe roubaram estava costurada grande
soma de dinheiro, que fora subtrada. Este fato foi confirmado. O
fantasma, pois, comunicou duas notcias: uma que s ele sabia e
a outra conhecida por pouqussimos.
Brofferio cita alguns casos nos quais estaria o de haver sido
revelado em sonhos o lugar onde encontrar um recibo ansiosamente procurado. Caso semelhante refere Santo Agostinho:200
Quando nos encontrvamos em Milo, soubemos, com toda a certeza, pro certo, que, depois da morte de ..., algum
apresentou ao seu filho uma promessa de pagamento firmada
289

pelo genitor, mas que, em verdade, foi por ele saldada, antes
de expirar. O jovem ficou triste, angustiado e admirado de
que o pai no houvesse, no testamento, dito palavra sobre esse dbito. Mas, numa das noites seguintes, eis que o pai lhe
aparece e indica o lugar onde o recibo se conserva. O jovem
se dirige ao local, acompanhado do magistrado, e, assim, no
s confundiu a calnia, como recuperou o recibo que seu pai
se esquecera de levar quando pagou o dbito.
Outro caso referido por Ernesti,201 outro pelo Dr. Kerner 202
e um terceiro por Party.203 O mais curioso narrado por Machish:204
O Sr. R., de Bowland, foi chamado ante o Tribunal para pagar
considervel soma que lhe era reclamada, e que seu pai havia
satisfeito. Buscou o recibo entre os papis testamentrios, sem
resultado. Chegada a vspera do prazo fixado para efetivao do
pagamento, decidiu pagar no dia imediato. Mas, noite, apenas
adormecido, apareceu-lhe o pai, que lhe disse:
Os documentos relativos a esse assunto esto em mos do
procurador M., agora aposentado e residente em Suveresk, perto
de Edimburgo. Recorri a ele naquelas circunstncias, se bem que
no mais o tivesse incumbido dos meus negcios. Se no se
recordar, lembra-lhe que houve entre ns dois pequena discusso
a propsito de uma moeda portuguesa, e que decidimos beber a
diferena num botequim.
O Sr. R. se transportou para Suveresk, antes de ir a Edimburgo, e encontrou o procurador muito envelhecido e que havia tudo
olvidado; mas, o pormenor da moeda de ouro lhe reviveu o caso.
Encontrou-se o documento e foi ganho o pleito.
Aqui ficam excludas a telepatia e a criptomnsia.
A Sra. de Marteville, viva do Ministro da Holanda, em Estocolmo, foi intimada a pagar um dbito do marido, dvida que ela
recordava perfeitamente estar saldada, porm, por mais que
procurasse, no encontrava o recibo. Nesse entretempo, a senhora, sem outro motivo que o de se aproximar de Swedenborg, que
to famoso j se tornara por suas relaes com o mundo invisvel, foi visit-lo. Perguntou-lhe se havia conhecido seu marido, e
290

Swedenborg respondeu no o ter jamais avistado. Oito dias


depois, o Esprito do extinto ministro apareceu, em sonho,
esposa e lhe indicou uma caixeta de finssimo lavor onde encontraria, alm do recibo, um alfinete-joia que ela julgava perdido.
Ergueu-se sbito do leito, fez luz no quarto e correu ao lugar
indicado pelo marido, onde encontrou a caixinha, o recibo e o
alfinete. Pela manh, recebeu ela a visita de Swedenborg, que lhe
anunciou ter, durante a noite, conversado com muitos Espritos e,
entre eles, o do marido, com quem teria desejado entreter-se
mais tempo, se ele no tivesse dito que ia ver a esposa, para
revelar-lhe onde se encontrava um documento para ela de suma
importncia e um alfinete-joia extraviado.
O baro Korff, falecido em 1867, em abril, havia deixado um
testamento que no se encontrava. Ora, em julho desse mesmo
ano, os Korff receberam uma carta do prncipe de Wittgenstein,
que os cientificava de haver recebido, em nome do extinto,
comunicao espiritista revelando o local onde estava oculto o
testamento.205 E assim foi.
Fatos verdadeiros, ignorados do mdium e dos presentes
Aqui a identidade resulta da revelao de fatos e pessoas desconhecidos do mdium e dos presentes e que se verificaram
autnticos.
mdium Prosper, em 1857, em Nova Iorque, apareceu um
Esprito desconhecido de todos e lhe comunica ser Chamberlain,
ter quase um sculo de idade, onze filhos, e haver falecido em
1847, em Point Plaisant, e ter sido soldado. Tudo isso se verificou ser exato, salvo que, em vez do quase um sculo, chegou aos
104 anos de idade (slitos erros de datas nas comunicaes
espiritistas).206
Em Londres,207 o mdium K... teve, em 1874, comunicaes
de Abrao Florentin, que se disse natural de Nova Iorque, ter
morrido aos 83 anos, um ms e 17 dias de idade, ter sido soldado
na guerra da Independncia norte-americana. Dava ao velador
violentas sacudidelas, dizia-se feliz por se haver libertado das
dores da vida. Verificou-se, em Washington, ser tudo isso verda291

de, e a viva afirmou que fora sempre violento e muito sofrera


antes de morrer.
A morte de Carducci escreveu-me o amigo Faifofer
nos foi notificada no mesmo dia. A 18 de fevereiro, noite,
nossos Espritos amigos no davam sinal da presena deles;
depois de iniciada a sesso, tivemos de esperar cerca de meia
hora. Remgio, solicitado a dizer a razo da demora, respondeu:
Estamos aqui agitados e confusos; regressamos de uma
festa dolorosa para vs e de alegria para ns. Festejamos Carducci.
Tinha falecido naquele dia e naquela hora, e em Veneza ainda no havia chegado a notcia.
Num outro dia assisti a algumas sesses, em Chiusaforte,
para ser agradvel a uma senhora, Elisa Bier..., que no pde
comparecer segunda sesso, na qual o velador comunicou:
Elisa foi amada por mim.
Solicitado ao Esprito dizer quem era, respondeu recusando, mas pedindo ao mesmo tempo que no se dissesse nada a
Elisa. Aps muitos rogos, disse ser um certo G... Quando
soube isto, a Sra. Elisa confessou que, antes de casar, cerca
de 40 anos antes, um jovem, G..., dela se enamorara verdadeiramente, porm, por timidez, no lhe declarara seu amor.
A timidez perdurara depois da morte.
Em Paris, um velador, enunciando o sobrenome do Esprito
comunicante, acrescentou que fora farmacutico em Quebec, e
que um dia comeou a duvidar sobre se havia ocasionado a
morte de uma pessoa, errando ao manipular certa receita, e temer
que o erro pudesse ser descoberto, do que lhe resultaria grande
desastre. No o pudera confortar um amigo, a quem comunicou
sua desconfiana, de modo que terminou por afogar-se no S.
Loureno. Tudo isso se verificou ser verdade.
Um tal tenente Vicente apareceu, por dois anos, nas sesses
com Lina, das que nos ocupamos no Captulo IX, ao tratar das
fotografias espiritistas do Dr. Imoda, em Turim. Ocultava tenazmente os elementos para sua identificao, que pareciam
292

tanto mais curiosos porque, nas sesses, mostrava um carter


muito seu, brutal, violento, ignorantssimo, a ponto de pretender
que s se lhe falasse em dialeto piemonts; grosseiramente
ertico, com gestos tambm expressivos para as senhoras, frequentemente aos homens ministrava bofetes na primeira oportunidade. Nos ltimos meses do segundo ano, embora continuando a resistncia em dar seu nome, escapou-lhe dizer que
morrera havia 13 anos, em duelo, com um jornalista, em Savigliano. Seguindo esta pista, verificou-se ser ele um certo Demos,
oficial de Cavalaria que, por ignbil causa, se batera, em Savigliano, com grande escndalo pblico. Todos seus antigos companheiros o recordavam tal como se manifestara a ns: homem
brutal, inculto, provocador e mulherengo, de modo que se obteve
no s a identidade do homem, mas a do temperamento do
indivduo que se manteve tal, mesmo depois de morto.
Moribundos que anunciam sua morte
Existem casos de moribundos que anunciam, quase sempre
com seu prprio fantasma, seu fim a parentes que se encontram
distantes.
Um maestro, que com frequncia se sentia impulsionado a
escrever automaticamente e em latim, sem conhecer esse idioma,
certo dia, ao distanciar-se, a p, do seu povoado, sentiu que a
bengala lhe tremia na mo. Deixando-a livre, ela traou na neve
as palavras: Volta; teu pai faleceu esta manh; encontrars R.,
que te dar a notcia. E, efetivamente, nessa hora, faleceu-lhe o
pai.208
A Sra. Laura Edmonds, durante uma sesso, recebeu mensagens de uma certa Dabiel, de Glasgow, que havia conhecido anos
antes e lhe anunciava, por aquele meio, sua entrada no mundo
dos Espritos. E a notcia se verificou certa.
A morte de Querini, no Polo, foi comunicada a Faifofer dois
meses antes que tal se soubesse na Itlia.
Refere Myers 209 que certa ocasio, entre 11 e 12 horas da
noite, estando desperta ainda, a Sra. Dadeson ouviu ser chamada
293

pelo nome, por trs vezes, e viu a figura de sua me, falecida
havia 16 anos, com duas crianas nos braos, e que lhe disse:
Cuida-as, porque acabam de perder a me.
No dia seguinte, recebeu a notcia de que sua cunhada morrera em consequncia de parto, trs semanas depois de haver dado
luz ao segundo filho.
Doze casos quase smiles so citados no Phantasms of the Living. Desses, trs apareceram antes que expirassem, e nos demais provvel que aparecessem depois do decesso. Parece que
nisso possa influir uma promessa feita em vida, ou outro vivo
sentimento, mas, de qualquer modo, provam esquisitamente a
identidade.
Num caso, certo tsico, que havia prometido jovem amante
aparecer-lhe, sem a assustar, caso morresse, apareceu, com
efeito, porm no a ela, e sim a uma sua irm, que se encontrava
numa sege. Apurou-se que ele estava ento agonizante, e morreu
dois dias depois.210
Edwin Roussen devia cantar, baixo que era, em uma sextafeira, na Igreja de S. Lucas, em S. Francisco, quando caiu morto
na rua, vtima de apoplexia. Trs horas depois da morte, Beeves,
maestro da capela, que ignorava o trespasse, viu o fantasma de
Roussen, que tinha uma das mos apoiada na testa e na outra
empunhava um rolo de msica. Decerto seu nico pensamento
foi que no podia cumprir o combinado, e desse modo dava o
aviso.211
Cite-se aqui o caso referido por Owen:212
Sherbroke e Wynyard, capito um e tenente o outro, do 23
Regimento da Guarnio de Sidney, a 15 de outubro de 1895, s
9 horas da manh, quando tomavam caf em casa, viram, na
porta do corredor, a figura de um jovem que passou lentamente
no aposento de dormir. Wynyard exclamou de sbito:
Deus meu! Joo, meu irmo!
Sherbroke, que no o conhecia, pressentindo possvel equvoco, revistou, com o tenente, toda a casa, sem encontrar ningum.
Pouco depois, chegou a mensagem que anunciava a Wynyard a
morte do irmo, ocorrida nesse mesmo dia e hora em que haviam
294

visto o fantasma. Porm, mais ainda: Sherbroke, que jamais vira


Joo Wynyard quando vivo, reconheceu, na Inglaterra, um outro
irmo, pela semelhana com o aparecido em Sidney. Aqui a
identidade tambm ressalta do fato de haver sido a apario vista
por duas pessoas, uma das quais no conhecia o aparecido.
Talvez ainda melhor deponha o caso da viva de Weatcroft,
que, na noite de 14 de novembro de 1857, viu em sonho o marido, de uniforme, porm com os cabelos em desordem, face
plida, e com as mos comprimindo o peito, o rosto exprimindo
grande emoo. Quis falar e no pde; permaneceu visvel cerca
de um minuto. No dia seguinte, referiu ela o sonho sua genitora, e pouco tempo depois recebeu telegrama comunicando a
morte do marido, ocorrida a 15 de novembro, em Sucknow.
Escreveu ela ao seu advogado, dizendo-lhe que na comunicao
oficial devia estar incorreta a data da morte, que devia ser a de
14, em que teve a apario. Aqui se deu o caso singular de que o
advogado encontrou, poucos dias depois, um mdium que lhe
declarou ter visto, s 9 horas da noite de 14 de novembro, a
figura de um capito que afirmava ter sido morto na ndia,
naquela data, depois do meio-dia. Feitas novas verificaes
oficiais, resultou que verdadeiramente fora morto por bomba no
peito, a 14, ps-meridiano. No caso, a mesma apario se apresentou a duas mulheres, distantes uma da outra, e os pormenores
quanto hora e dia foram averiguados por uma terceira pessoa, e
coincidiram perfeitamente.
***
Recentemente Stead, na Revue des Revues (janeiro de 1909),
d novas provas da identidade dos Espritos, as quais adquirem
grande valor pela elevada idoneidade do observador. Tinha ele
duas amigas ntimas, muito ligadas entre si, Jlia e M. E., que se
haviam prometido mutuamente aparecer uma outra, em caso de
morte. Jlia faleceu, em Boston, pouco tempo depois de haver
firmado este pacto e, semanas aps, compareceu frente da
amiga M. E., radiante de felicidade; permaneceu muda na cabeceira da cama e depois se diluiu, lentamente, em ligeira nvoa,
que perdurou no aposento por espao de meia hora. Apareceu de
novo, depois de alguns dias, na Inglaterra, para onde a amiga se
295

havia trasladado, e esta a viu to nitidamente como se fosse viva,


exceto que no podia falar. Pediu M. E. a Stead que procurasse
obter uma mensagem dela. Este, que mdium escrevente,
sentou-se mesa e, antes de tudo, rogou ao Esprito que desse
prova de sua identidade, e viu a mo escrever estas palavras,
aparentemente absurdas:
Diga amiga recorde o que me falou quando nos vimos pela ltima vez, junto de Minerva.
Estranhou ele esta resposta, mas M. E. a julgou justssima,
pois que Jlia, com ela, pouco antes da sua morte, havia visitado
uma amiga a quem chamavam Minerva, e com aquelas palavras
evidentemente aludia a esta ltima visita, que Stead decerto no
conhecia. Ela, porm, lhe deu depois uma outra prova de identidade, fazendo-o escrever:
Pergunte-lhe se se recorda de que ns fizemos um passeio,
quando ela se feriu na espinha dorsal.
A amiga, em verdade, no recordava este incidente, porm
Jlia insistiu:
Estou perfeitamente certa; isso ocorreu h 7 anos e ela o esqueceu. amos por detrs da igreja e, havendo neve, ela resvalou,
defronte da casa Buell.
Ento a amiga relembrou o olvidado incidente.
Admitamos, todavia, seja este caso de criptomnsia, mas a
morta tambm fez predies verdadeiras.
M. E. estava empregada havia alguns anos no escritrio de
Stead; era agradvel, porm leviana. Certo dia, em meados de
janeiro, Stead obteve esta mensagem de Jlia:
Seja paciente com M. E.; ela vir reunir-se comigo, aqui,
antes do fim do ano.
Mensagem insistentemente repetida nos meses consecutivos e
coisa alguma permitia supor devesse realizar-se. Em julho, M. E.
ingeriu, por infelicidade, um preguinho, e os mdicos no alimentavam esperana de salv-la, porm outra mensagem participou:
No, ela ficar boa, mas sucumbir perto do fim do ano.
296

De fato, sarou. Em dezembro, foi atacada de influenza grave,


mas, ainda aqui, o Esprito informa:
Ela no vir para aqui de modo natural e vir ao expirar o
ano.
No Natal, enfermou, e Jlia, interrogada, disse:
Posso ter-me equivocado em alguns dias, porm o que anunciei verdade.
A 10 de janeiro, escreveu:
Vereis, amanh, M. E. e lhe dareis adeus; no a vereis mais
sobre a Terra.
Stead foi v-la, e a encontrou febril e com tosse. Dois dias
depois, recebeu telegrama participando que M. E, em delrio de
febre, se havia arrojado pela janela, matando-se.
Posso provar esclarece Stead a autenticidade deste fato,
com os manuscritos das minhas mensagens originais e atestados
assinados por meus dois secretrios, aos quais, confidencialmente, comuniquei as advertncias de Jlia.
A mesma M. E., que, em vida e longe de Stead, escrevia amide automaticamente, lhe havia feito quatro promessas, que
trataria de cumprir, se o precedesse na morte: servir-se de sua
mo para comunicar-lhe como se encontrava no Alm-tmulo;
aparecer a qualquer dos seus amigos; fazer-se fotografar; enviarlhe mensagem por um mdium, estabelecendo a autenticidade da
comunicao com uma espcie de sigla uma cruz dentro de um
crculo.
M. E. continua Stead manteve as quatro promessas:
1) escreveu muitas vezes com a minha mo;
2) apareceu a dois amigos meus, uma vez em recinto de refeies, cheio de convidados, entre os quais passou invisvel para todos, exceto para a sua amiga, que declarou
hav-la visto distintamente; outra vez, na rua, em pleno
dia, e aps dar alguns passos desapareceu, mas a apario ela a apresentou de modo que no deixava dvida
alguma acerca da sua identidade;
297

3) foi fotografada pelo menos uma dezena de vezes depois


de sua morte; os seus retratos so perfeitamente reconhecveis e nenhum deles reproduo dos que tirou em
vida;
4) mandou mensagem acompanhada com a sigla convencionada: uma cruz dentro de um crculo; s pude obter
esse documento h poucos meses. Eu j havia perdido
toda esperana, quando, de improviso, um mdium, que
fazia refeio com um dos meus amigos e que no a conhecia e ignorava a promessa, recebeu esta comunicao, firmada com o sinal: Diga a William que no fique
enfadado. No tinha outro meio. No conhecia o mdium e meu amigo no esperava a mensagem.
Mortos antigos
Existem comunicaes de pessoas mortas h sculos.
Um exemplo desse gnero encontro na comunicao feita a
um descendente de Sebastian Bach, por um msico italiano,
Baldassarini, que viveu na Corte de Henrique III, de Frana,
comunicao que o leitor pode encontrar no livro de Delanne 213
e que foi confirmada verdadeira graas a um folheto encontrado
no interior de uma espineta de 1664, com quatro versos escritos
pela mo de Henrique III, cuja autenticidade se controlou com
manuscritos de Henrique III, existentes na Biblioteca Imperial.
Um dia me apareceu escreve Moses 214 um Esprito
que dizia ser o Dr. Dee, qumico alquimista que fora Leitor
na Universidade de Paris, na poca da Rainha Isabel, que o
visitou em Mortlake, onde morreu.
Tudo Stainton Moses confirmou, vista de documentos inditos do Museu Britnico.
Um certo Zacarias Gray me comunicou ter sido o eclesistico
que, em 1728, em Cambridge, escreveu um livro, The Immortale
Holibrass. Escrevia com uma caligrafia estranhssima, que se
averiguou autntica, confrontando-a com os manuscritos conservados no Museu Britnico.
298

***
Mas a prova maior de identidade dada por aquelas 50 ou
mais mensagens complementares (cross-correspondences dos
ingleses), obtidas graas ao Esprito-guia de Myers (que conserva sua grande posio cientfica no Alm), surgidas, quase no
mesmo momento, com a escrita automtica da mdium Holland,
na ndia; com as mdiuns Farbes e Verrall, em cidades diversas
da Inglaterra; com a Sra. Piper, na Amrica mensagens que
conteriam comunicaes, idnticas no fundo (ainda que um
pouco confusas e fragmentrias), do Esprito de Myers, o qual
teria ditado a mesma ideia a quatro mdiuns, em vrias partes do
mundo e ao mesmo tempo.215
***
Muitos destes fatos, considerados insuladamente, podem inspirar alguma dvida, mas a reunio do todo d a certeza, que
vem, acima de tudo, de se verem reveladas circunstncias da
vida, insignificantes por si e ignoradas por todos, ou em que
havia o supremo interesse de no d-las a conhecer, mas de
ocult-las; e da completa identidade da escrita, da qual o mdium
ignorava absolutamente a forma, tratando-se muitas vezes de
caligrafia de passados sculos e que condiz, no tempo e no
pensamento, com idnticas comunicaes medinicas em regies
muito distantes entre si.
E uma prova, em certas comunicaes tiptolgicas, o carter mesmo fragmentrio e contraditrio do dilogo, que retrata
muito bem o confuso cruzamento de diversas personalidades e as
condies intelectuais do comunicante, como, por exemplo,
quando, interrogado acerca de uma questo de anatomia, Stattford pediu o auxlio de Willis para resolv-la, no sendo ele
anatomista, e quando, na sesso com Thompson, a menina Nelly
disse, a propsito de um objeto contido num estojo, selado, que
lhe apresentaram:
A pessoa que o introduziu no estojo no se sentia bem naquele momento. Inanio. Delicada. Tem necessidade de ser
alimentada. No sei: a Sra. Cartwright quem usou aquela
palavra.
299

Evidentemente, Nelly repetia aquela frase papagueantemente,


embora contivesse uma verdade, porque se tratava de uma pessoa anmica.216 E a mesma Sra. Cartwright, ante Piddington,
corrigiu outra comunicao da menina Nelly, acerca do bispo
Benson, acrescentando:
Temo que a menina se haja equivocado. Vs no deveis
permitir-lhe palrar assim. E, quando ela o faa, deveis mand-la
de novo a ns. 217
A mdium Corwin, durante um transe, de improviso cessou
de falar e continuou a comunicao com especiais movimentos
das mos, que foram depois reconhecidos como da linguagem
usual dos surdos-mudos, o que a mdium ento ignorava. O
Esprito comunicante era, com efeito, o de uma surda-muda.218
Nestes gestos, nestes dilogos fragmentrios, porm caractersticos e que se corrigem uns aos outros, nota Bozzano, mui
justamente, em sua bela obra Identificazione dei fenomeni spiritice (Gnova, 1909), h tanta ingenuidade que exclui a fraude e
at completa o indcio de identidade.

300

CAPTULO XI
Duplos
A realidade da existncia dos fantasmas aparece agora menos
paradoxal, admitindo-se o assim chamado duplo do corpo (em
ingls, wraith; em alemo, doppelgnger; em francs, double),
do qual esto cheias as lendas dos antigos. Estes, porm, observaram poucos fatos de aparies e de sonhos, enquanto ns, ao
contrrio, temos, para dar-lhes crdito, uma longa srie de observaes e de provas. Se algumas, tomadas isoladamente, podem
ser postas em dvida, elas adquirem, semelhana das pedras de
uma abbada, a solidez da sua unio recproca.
Exteriorizao motora
O primeiro indcio do duplo se colhe nas observaes de Rochas, que Maxwell pde controlar em Aguillar. Notou, em
alguns pacientes sensitivos, que no s a motricidade, isto , a
faculdade de projetar movimentos, mas a prpria sensibilidade
durante o sono magntico, hipntico ou medinico se prolonga
um tanto fora do corpo. Uma primeira zona de prolongamento de
sensibilidade segue os contornos por uma espessura de trs ou
quatro centmetros. Ao redor destes, separados por intervalos de
seis a sete centmetros, h outros prolongamentos que se sucedem at dois ou trs metros. Levando mais longe a hipnose, estas
extenses sensveis se condensam em dois polos de sensibilidade, um direita e outro esquerda do paciente. Por fim, estes
dois polos se unem e a sensibilidade do paciente se transporta,
qual um traje num manequim, para uma espcie de fantasma que
pode distanciar-se sob as ordens do magnetizador e atravessar
obstculos materiais, conservando a sua sensibilidade.
Tambm Euspia, segundo Rochas e Morselli, apresenta este
fenmeno de exteriorizao da sensibilidade. E Morselli nota
que uma picada de alfinete foi por ela sentida a cerca de trs
centmetros do antebrao e a cinco ou seis do dorso da mo
esquerda.219
301

O duplo dos magnetizados


A existncia desses duplos comprovada pelas experincias
de Durville.220
Ele, com passes e prticas magnticas, criou uma espcie de
duplo em redor de dois pacientes, Ninete e Marta, cuja motricidade se exteriorizava reciprocamente, a distncia de vrios
recintos, de modo a golpear em diversas partes do corpo, segundo a ordem dada. Alm disso, continuando a experincia, viu
formar-se um verdadeiro fantasma em torno de um dos seus
pacientes, a 50 ou 60 centmetros de distncia, que podia afastarse um pouco do corpo. As partes constitutivas desse duplo se
evaporavam, sob a forma de eflvios, da fronte, do occipital, da
garganta, do epigstrio e at do bao do mdium; aparecia denso,
tomava o aspecto do paciente e se tornava mais ou menos luminoso. Esse duplo era ligado ao corpo por um cordo fludico, que
partia do umbigo, do bao ou do epigstrio; seus aparentes
rgos sensrios eram os nicos que percebiam o paladar, a
vista, o tato, mesmo atravs de corpos opacos, enquanto que,
com os seus verdadeiros rgos sensoriais, o paciente nada
apreendia. Chegando-se perto desse fantasma ou duplo, tem-se a
impresso de frio ou de vento ou de arrepio; na palma da mo,
colhe-se a sensao de frescor mido, e na obscuridade os dedos
se fazem luminosos.
Alguns pacientes podem provocar raps, golpes a distncia,
smiles aos dos Espritos, abrir portas e caixas a distncia, e
verem atravs de corpos opacos.
Lewis, magnetizador, foi solicitado, por R., para ir sua casa
e tocar a espdua de duas senhoras. Mandou-se casa de R., para
verificao, e ali tudo estava em polvorosa, porque um fantasma
(o duplo de Lewis), em plena luz, havia tocado as costas de uma
senhora, na cozinha.221
Duplos no sono
Aceitos esses fatos, no difcil compreender que, no sono,
cessando a atividade psquica do corpo, funcione, em seu lugar,
302

esse duplo, e se traslade a grande distncia, como teria provado


Hyslop com a seguinte observao:
O Dr. C. W. S., uma hora da manh de 1907, em Bfalo,
domingo, foi despertado de profundo sono, com a sensao
precisa da presena de algum no aposento. De fato, bem desperto, viu a esposa aos ps do leito, vestida com os trajes caseiros, e
lhe perguntou:
Que fazes aqui?
E ela respondeu:
Vim para ter notcias tuas.
Aproximou-se, abraou-o e desapareceu. O doutor C. W. S.
abandonou o leito, averiguou que o aposento estava s escuras e
acendeu o gs. Pela manh, telegrafou esposa, que lhe respondeu: Todos estamos bem. Porm, alguns dias depois, regressando a Nova Iorque, ao chegar a casa, estranhou o interesse da
esposa, que desejava saber se ele havia dormido bem na noite de
sbado, acabando por lhe confessar que, tendo lido em Laws of
Physical Phenomens, de Hadeson, que se uma pessoa, no momento de perder a conscincia, ao adormecer, fixa o pensamento
em outra pessoa e deseja aparecer a esta em certas condies, a
dita pessoa receber exatamente a impresso da sua presena,
pensou pr em prtica tal observao. E, depois de deitar-se, no
sbado precedente, fixou no pensamento aparecer-lhe e abralo. Buscou mais vezes depois renovar a experincia, mas no
teve xito.
Recordo haver fortemente, longamente pensado, enquanto
conservava a conscincia, antes de adormecer.
A senhora disse, porm, ter suposto que a apario ocorresse
s 11, enquanto que, em vez disso, ela se deu horas depois.222
Duplo no transe
Passemos agora ao estado da atividade do duplo no estado
medinico, em transe.
William Crookes viu o duplo da Sra. Fay tomar de um livro a
oito ps de distncia, enquanto a mesma estava amarrada
303

cadeira. A filha do juiz Edmonds podia mandar seu duplo s


pessoas que o solicitavam. Fergusson, que acompanhou os
Davenport, viu suas mos, braos e bustos a dois metros e mais
de distncia de seus corpos.
Outro exemplo de duplo em transe foi acompanhado, quase
experimentalmente, por um missionrio: Uzzema Usago, chefe
bruxo ou mdium da tribo de Jadicow (frica), declarou ao
missionrio F. que iria, num timo, ao planalto Yemog, a quatro
dias de distncia. F-lo assistir aos preparativos do que chamava
sua partida e aceitou incumbncia para a vila de Ucskon, para
um tal Esaba, amigo do missionrio, a trs dias de distncia, no
sentido de que Esaba procurasse, na caixa deixada por ele,
alguns cartuchos de fuzil.
Uzzema acendeu grande fogueira de madeiras odorferas,
despiu-se, adornou-se com seus fetiches, repetindo continuamente um cntico, lento e bizarro, uma espcie de melopeia que
continha invocao aos Espritos das florestas e das guas;
depois, girou lento em derredor do fogo, untou todo o corpo com
um lquido viscoso e se estendeu no leito, dormindo um sono
todo especial, como que catalptico. Parecia sem movimento
respiratrio e, erguida a plpebra, o globo ocular no reagia
chama; a pele no sentia punturas; as articulaes apresentavam
rigidez quase cadavrica.
Assim permaneceu at s 8 horas da manh. Depois, regressou vida, com movimentos espasmdicos; declarou estar
bastante fatigado, haver estado realmente no planalto vizinho de
Yemog, ter cumprido a incumbncia, como, de fato, verificou-se
ser verdade, porque Esaba, trs dias depois, mandou os cartuchos, dizendo que, naquela noite, s 9 horas, Uzzema lhe batera
porta, para lhe falar, e pela porta entreaberta dera o recado. 223
Parece que, recorrendo a seus processos hipnticos com substncias txicas, Uzzema provocou o estado de transe completo,
ocasionando a viagem do seu duplo, a enorme distncia, em
pouqussimo tempo.

304

Duplo em estado aparentemente normal


Em 1845, na Livnia, num colgio para jovens, era professora a Srta. Emlia Sage, francesa, de Dijon. Poucas semanas
depois do seu ingresso no colgio, comearam a circular murmuraes a seu respeito, entre as alunas, que asseveravam hav-la
visto em pontos diversos, ao mesmo tempo. No se deu, a princpio, grande importncia a tais murmuraes, mas um dia em
que ela tomava a lio de 13 alunas, estas divisaram, imprevistamente, duas Sage, uma vizinha outra; uma intentava escrever no quadro negro e a outra, ao lado, imitava os seus movimentos.
De outra vez, estava Sage no refeitrio, comendo com todas
as alunas, e o seu duplo, por detrs da cadeira, sem comer, lhe
imitava os gestos. Um dia, estava acamada com resfriado, e uma
sua amiga, a Srta. Wrangel, lhe fazia companhia, lendo-lhe um
livro, quando, com imenso espanto, viu o duplo da companheira,
passeando no aposento. Em outra ocasio, todas as jovens estavam reunidas em uma sala, ocupadas em trabalhos de bordados,
e viram Sage que, no jardim vizinho, colhia flores, enquanto
seu duplo estava sentado, na sala, em uma poltrona, silencioso e
imvel. Duas alunas se lhe achegaram e sentiram que aquele
corpo tinha uma consistncia de gasoso e, pouco a pouco, desapareceu.
A Srta. Sage, que antes estava como que adormecida, interrogada, respondeu haver pensado na poltrona vazia e no temor
de que, estando ela ausente, as meninas fizessem muito barulho.
Isto se repetiu por espao de 18 meses, mas, afinal, tiveram
de despedi-la. Ao sair, disse ela: a 19 vez que me acontece ir
embora pela mesma causa. 224
Em 1828, R. Bruce, segundo oficial de Marinha, navegando
em guas de Terra Nova, viu, imprevistamente, na cabine contgua sua, um homem desconhecido, sentado em uma mesinha,
disposto a escrever em uma ardsia. Aterrorizado, correu ponte
para dar notcia, mas, regressando, no viu mais ningum, e na
ardsia estava escrito: Rumai a Noroeste.
305

Seguiu o conselho e nesse rumo encontrou um navio que se


afundava, dentro do qual Bruce reviu a pessoa que avistara
anteriormente na cabina. Era um passageiro que pouco antes
havia despertado de profundo sono, dizendo: Hoje seremos
salvos, e afirmava ver a nave que os socorreria. Salvos, ele no
se recordou de nada.225
Duplo nos nervosos
A existncia desse duplo foi constatada em certos nervosos.
Pailhas recentemente 226 assinalou o desdobramento da personalidade, depois de alteraes sensoriais e perifricas (por fleimes, por exemplo, e erisipelas).
Vi dois casos, consecutivos a grandes hemorragias, que provocaram depois excitaes sensoriais e cenestesia, a qual se ativa
mais nas condies inferiores da psique.
Certa mulher, de 46 anos de idade, depois de grave hematmese e insnia, sentia dores de cabea; e do lado direito, onde se
lhe fizeram injees de ergotina, via uma parte do seu corpo
deitado em um segundo leito que lhe era vizinho, e falava com
esse segundo eu, e queria que a este dessem parte do alimento
que lhe ofereciam, dizendo: Deem-lhe a ele; eu no sofro.
Outra mulher, depois de grande enterorragia, tinha a impresso de ser dupla, de ter dois corpos completos. Se sentia frio na
perna direita, parecia-lhe que as pernas frias fossem direitas e
duplas; se movia uma extremidade articulada, julgava pr em
movimento duas do mesmo lado. Outros dois casos semelhantes
notou o autor em um neuropata, de 60 anos de idade, e em uma
tsica de forma galopante, que, em sonolncia, sentia apresentarse-lhe uma personagem. Desperta, acreditava ser o seu duplo.
Duplo post-mortem
Quando morreu a Rainha Ulrica, da Sucia, o seu cadver foi
exposto, em fretro aberto, na capela ardente. tarde, apresentou-se ao comandante da guarda, que rendia honras fnebres na
antecmara que precedia a capela, a condessa Steenbek, a ex306

favorita da rainha, que pediu e obteve permisso para entrar na


capela, onde foi deixada a ss com a morta.
Seguiu-se prolongado silncio, que se atribuiu ao seu pesar.
Mas, quando os oficiais, depois de longa espera, no a viram
sair, comearam a temer alguma desgraa e decidiram abrir a
porta, e desta, escancarada, viram a rainha, de p, no esquife,
estreitamente abraada condessa. A apario parecia flutuar no
ar e, em breve, se dissipou como que em lamacenta nvoa.
Quando aquele denso vapor se diluiu, o cadver da rainha jazia
rgido, qual antes, no atade, mas a condessa Steenbek havia
desaparecido.
Enviou-se com urgncia um portador Corte, com a notcia
do acontecimento, e de l se soube que a condessa, que no se
ausentara de Estocolmo, havia falecido no mesmo momento em
que a viram nos braos da defunta.
Do acontecido foi logo feito um processo, firmado por todos
os que presenciaram o fato, processo que conservado no Real
Arquivo Sueco.227
Se esta narrativa autntica, o duplo, depois da morte, aparece qual ocorre no sono ou no transe.
Duplo com os santos, profetas, etc.
Depois disto, fcil ser compreender e admitir como possvel
a bilocao to frequente com os santos e com os antigos magos.
Tcito refere que, enquanto Vespasiano estava no templo de
Serpis, em Alexandria, foi visto, por detrs dele, o fantasma do
sacerdote Basilide, que ento estava enfermo a 800 milhas dali.
Santo Agostinho to bem conhecia esses fenmenos, que deixou escrito: As aparies dos mortos aos vivos devem fazer-se
como dos vivos aos vivos. 228
Em Sofrnio 229 se l de Jorge, abade do Monte Sinai, o qual,
no sbado santo, foi tomado de vivo desejo de festejar a Pscoa
em Jerusalm. Na mesma noite, encontrava-se ele entre os que
Pedro, patriarca da Cidade Santa, administrou o santssimo
307

sacramento. Muitos se surpreenderam ao v-lo e o patriarca,


voltando-se para Menade, seu coadjutor, indagou:
Quando chegou o abade de Monte Sinai?
Senhor respondeu , agora que o vejo pela primeira vez.
Diga-lhe que no se retire, quero que faa refeio comigo.
Menade foi dar o recado ao abade, porm este, poucos instantes depois, foi encontrado em sua cela, onde o enviado do patriarca o avistou e soube que havia muitos e muitos anos no se
ausentava ele do Convento.
S. Jos de Cupertino prometeu a Otvio Piccino que iria assisti-lo em seus ltimos momentos e cumpriu a promessa, sem
sair de Roma. De sua cela, no Convento de Assis, assistiu tambm sua me, agonizante em Cupertino.
Enquanto Santo Antnio pregava na Espanha, seu pai foi acusado de homicdio, em Pdua, e condenado morte. Estava j
para ser executada a sentena, quando Santo Antnio compareceu ao lugar do suplcio, provou a inocncia do pai e revelou o
verdadeiro culpado, que mais tarde sofreu o merecido castigo.
No processo de canonizao, ficou patente, por documentos
irrefragveis, que o santo no se havia movido de Espanha.230 O
mesmo Santo Antnio subiu um dia ao plpito, em Monte Pessulo, e, no melhor da prdica, lembrou ter esquecido dar a um seu
irmo incumbncia urgente. E ento desceu o capelo sobre o
rosto, permanecendo por alguns instantes silencioso e imvel;
depois, recomeou o interrompido sermo. Soube-se, mais tarde,
que assim havia reparado telepaticamente como se diria hoje
seu esquecimento.
No processo de beatificao de Afonso de Liguori se l que
esse bom servo de Deus foi miraculosamente assistir nos seus
ltimos momentos o Papa Clemente XIV, no Vaticano, enquanto
seu corpo, imvel em um canap, em Arienzo, estava absorto,
em xtase, do qual s saiu 24 horas depois, no preciso momento
em que o pontfice expirava, isto , s 7 horas da manh de 22 de
setembro de 1774. Teve o fato to numerosas testemunhas, que
determinou a canonizao de Afonso, antes do interregno exigido.231
308

Duplos com os gnios


notria a alucinao que teve Goethe do seu prprio duplo,
depois de viva e dolorosa comoo, aps haver dado o ltimo
adeus a sua Frederica.
Voltava para Drusenheim, quando fui presa de um dos mais
estranhos pressentimentos. No com os olhos do corpo, mas com
os da mente, vi a mim mesmo vestido com um traje que jamais
vestira, cor parda e ouro, a cavalo vir ao meu encontro, pelo
mesmo caminho. Quando me refiz do estupor, a viso desaparecera. estranho o caso de que, 9 anos depois, vestido casualmente com um traje cor parda e ouro, me encontrei naquele
mesmo caminho, com o desejo de ver Frederica. 232
Guy de Maupassant, nos ltimos dias de vida, quando j havia sentido os primeiros sintomas da paralisia geral de que
sucumbiu, viu, com grande terror, a viso do seu prprio eu,
sentado sua mesa, na poltrona, na atitude que ele costumava
adotar, e disso deixou um trao em seu livro La Horla.
George Sand escreveu:233
Estava persuadida de que algum estava comigo; no vendo
ningum, estudava esse prodgio com grande prazer; maravilhava-me ouvir meu prprio nome pronunciado pela minha voz.
Ocorreu-me a estranha explicao de que eu era um duplo, que
estava em meu redor outro eu que no podia ver, porm me via
sempre, porque sempre me respondia. Dizia-lhe que viesse, e
respondia vem, e me parecia que se distanciava ou aproximava
quando eu mudava de lugar.
***
Por isto a existncia do duplo se pode dizer certa em todos os
estados mais ou menos anormais da psique. O duplo pode explicar muitos dos fenmenos espirticos, sem recorrer aos Espritos
dos mortos, substituindo a ao destes pela do mdium, cujo
corpo ou parte dele atue a uma certa distncia do seu corpo vivo.
Talvez ao duplo pertenam tambm aqueles membros mais
ou menos formados que se veem sair do corpo, das costas ou da
309

saia da mdium e que deram to frequentemente origem a suspeitas de truque.


Esse fenmeno do duplo explica ainda a viso e a percepo
que o mdium tem de quanto acontece no recinto, em plena
escurido; explica talvez o estranho fenmeno da transposio
dos sentidos, pelos quais o hipntico v pela orelha, cheira pelo
joelho (v. captulo I); explica, em suma, um dos fenmenos mais
inexplicveis do hipnotismo. Pode ainda explicar a viso dos
hipnticos (v. captulo I) e dos mdiuns a distncia ou atravs
dos corpos opacos, a possibilidade de distinguir os metais,
apenas pelo tato, que exteriormente no apresentam diferena
alguma entre si; explica ainda como possa ser desdobrado ou
bilocado o corpo de um adormecido, de um agonizante ou de um
exttico a uma grande distncia dele.
E, como indicamos, o duplo nos pe no caminho de compreender como possam existir corpos fludicos que apresentam, ao
menos por algum tempo, todas as faculdades do corpo vivo. O
duplo, pois, deve ser considerado quase como um elo de conjuno entre o mdium e o Esprito dos mortos. Mas, a ao deste
parece que se perpetua indefinidamente, enquanto que a do duplo
parece no se prolongar alm do estado agnico e no est
jamais em contraste, antes em continuidade com a ao do vivo,
enquanto que a ao dos mortos amide autnoma, frequentemente em contradio com a ao do mdium.
E com frequncia o Esprito aparece com um fantasma diferente do mdium, o que no acontece com o duplo e frequentemente provoca fenmenos e energias, como a materializao, a
percepo do futuro, a pneumatografia, e com os caracteres
prprios do morto, energias estas que o mdium sozinho no
pode possuir.
Duplo na Histria
Tambm esta questo do duplo no uma observao nova.
Os egpcios distinguiam trs elementos no homem: 1) o corpo,
2) o Kou luminoso, ou Esprito; 3) o Ska, o duplo, reputado o
liame ou intermedirio entre o Esprito e o corpo, dito tambm
310

Srit, sombra, e considerado matria sutil que cobria e reproduzia


o corpo vivo,234 com as mesmas linhas, pose, vestes e, segundo
as vrias pocas da vida, crescendo ou declinando com o mesmo
corpo.
As molculas desse corpo acreditava-se fossem to sutis, que
se tornavam imperceptveis para a gente comum e visveis
somente para certos sacerdotes ou mdiuns, aptos mediante
exerccios especiais ou por dons naturais para tal percepo.
Dos egpcios esta crena passou para os gregos, como mostra
Homero,235 e aos hebreus, pela qual, segundo a Cabala, a alma
chamada Nefes; o duplo ou corpo etreo, sopro, Ruach; e mais
uma forma refinada de alma, de Esprito, Neshamch. Os trs
elementos passam, tal qual as cores do espectro, de um a outro.
O Ruach o liame entre o Esprito e o corpo.
Orgenes sustenta que as almas, ao sarem do corpo, se revestem de outro, sutil, qual uma espcie de estojo smile daquele
que abandonam.236

311

CAPTULO XII
Casas assombradas
Importante contribuio para a soluo do problema da atividade ps-morte dos mortos dada pelas casas assombradas.
Os fenmenos das casas assombradas seriam absolutamente
iguais aos medinicos, salvo que se manifestam mais espontaneamente do que estes, amide sem causa, e esto, no geral, ligados a uma casa ou a um grupo de pessoas. Os mais frequentes
so: raps violentos, roagamentos, passos, transporte de objetos,
mesmo atravs de recintos fechados a chave; mais raras so as
aparies. Diferem, nota bem Joire,237 os seus fenmenos motrizes pelo aparente absurdo e falta de objetivo: so campainhas
que soam, luzes acesas que se apagam, caarolas e principalmente sapatos e chapus que se trasladam aos pontos mais estranhos,
at a esconderijos, e trajes que so confinados juntos.
Outra diferena mais frequente est na violncia dos rudos,
na projeo brutal dos objetos, sem considerao s pessoas e s
coisas, enquanto que nas sesses medinicas se evita delicadamente toda ofensa aos assistentes, e com frequncia at aos
mveis.
Algumas vezes dir-se-ia que existe uma inteno maligna,
como quando ardem colches, rasgam roupas, etc.
bem antiga a tradio da existncia dessas casas, tanto que
em todos os idiomas se encontram vocbulos para design-las:
em alemo, spuken; em ingls, haunted; em francs, hante; em
italiano, spiritate ou infestate, alm dos termos de dialetos
locais.
E a realidade delas confirmada por muitas sentenas judicirias.
Nos ltimos dias de dezembro de 1867, em Florena, Rua Gibellina n 14, comearam a anunciar-se retumbos subterrneos e
imprevistos golpes na mesa, em redor da qual estava reunida a
famlia; estalos de objetos dentro dos armrios, chuva de pedras,
apertes, por mos invisveis, nos braos dos moradores, alguns
312

dos quais viam fantasmas cobertos com amplos chapus iguais


aos dos Irmos da Misericrdia.
O inquilino citou em Juzo o proprietrio para indenizao de
danos e o Tribunal admitiu a demanda, depois que foram provados os fatos.
Na casa de propriedade da baronesa Laura Englen, no Largo
de S. Carlos n 7, em Npoles, alugada pela duquesa de Castelpoto e sua famlia, produziram-se estranhas manifestaes peridicas, que descreviam uma parbola, primeiro ascensional e
depois declinante. A princpio, eram golpes e estranhos rudos
que mais se intensificavam ao cair da tarde e noite. Depois,
deslocamento de mveis, por vezes de modo estrepitoso, a ponto
de chamar ateno nos andares inferiores. Uma vez, ouviram-se
passos e foi visto aproximar-se do umbral do recinto um fantasma, que arremessou uma chave. Os moradores abandonaram, de
noite, a casa e, regressando, encontraram as portas obstrudas
internamente por mveis, desde o interior. Em consequncia,
pediram e obtiveram a resciso do aluguel.238
De fato, as leis antigas j previam, analogamente, com especiais disposies, esses casos,239 como ainda ocorre na Espanha.240 E esta jurisprudncia se conservou ainda at depois de
1889.241
Dalloz escreve: Discutiu-se ao mximo a questo: se a apario dos espectros em uma casa habitada constitui vcio pelo
qual o locatrio pode acionar o locador. A maioria dos autores se
pronuncia pela afirmativa, e ensina, em consequncia, que o
locatrio tem o direito de pedir a resciso do contrato.
1 CASAS ASSOMBRADAS MEDIUNICAMENTE
As casas assombradas, parece-me, devem subdividir-se em
dois grandes grupos: as que assim se manifestam por tempo
circunscrito e costumeiro e em que quase sempre se pode encontrar a influncia de um mdium, e estas se devem denominar
melhor casas medinicas; e aquelas onde o fenmeno perdura
ou em que toda influncia medinica parece, ao menos em
aparncia, se deva excluir.
313

Sobre dez casas assombradas que pude visitar, em Turim, s


encontrei quatro do primeiro grupo. Em uma: asperses de gua;
movimentos contnuos de campainhas, mesmo com os fios
cortados; erguimento de uma senhora, levantada pelos cabelos
por seres invisveis; movimento de objetos de cozinha, de mveis, de um para outro ponto, mesmo depois de presos por pregos. A influncia provinha de uma rapariga histrica. Casada e
transferida para outra cidade, cessaram os fenmenos, que haviam perdurado por 24 meses.242
Em casa do operrio R. D. ocorriam durante o ano de 1900,
depois da meia-noite, estranhos fatos: ouviam-se estrondos,
como que de canho, dentro das paredes; abriam-se portas e
janelas, de inopino; os cabelos e as tranas das meninas eram
retorcidos; e tudo isso aconteceu depois que se havia hospedado
na casa uma jovem mulher. Examinada, tendo-se-lhe encontrado
pontos histergenos com hemianestesia lateral e uma estranha
coreia dos msculos abdominais, que simulava a dana do ventre, fez-se recolh-la ao hospital, onde, depois de algum tempo,
sarou.
O que mais importa, porm, que durante sua ausncia todos
os fenmenos desapareceram e, quando curada da coreia, no
mais deu lugar aos fenmenos medinicos que provocava inconscientemente, enquanto dormia e que evidentemente estavam
ligados ao mal.
Em modesto aposento de um 4 andar, habitado por pobres
tipgrafos, com numerosa famlia, se manifestaram, na parede,
junto da cama das crianas, raps espantosos, guisa de canhonaos que comeavam meia-noite e s terminavam antes do
amanhecer, amedrontando todos os moradores.
As indagaes e pesquisas policiais excluram qualquer manobra de vivos. Interrogado em sesso tiptolgica, o Esprito
presumvel causador dos rudos respondeu, em vrias vezes,
dando seu nome, sobrenome e profisso, tudo verificado falso;
declarou querer vingar-se do dono da casa, mas esta, na poca
em que o pretenso Esprito deixou a Terra, ainda no tinha sido
construda. Existia, porm, um mdium inconsciente, um menino
de 8 anos de idade, que dormia do lado da parede. Retirado da
314

casa, cessaram os rudos, porm, se retornava ao leito, os fenmenos recomeavam e enfraqueciam quando o menino adoecia.
Em uma leiteria, de Turim, smiles rudos e movimentos automticos, etc., eram provocados por um pequeno mdium de 5
ou 6 anos de idade, filho e sobrinho de outros mdiuns; mas no
duraram seno 18 dias.
A proporo das casas assombradas, sob influncia de mdiuns , segundo Pull, de 28%. Os mdiuns que agem sobre estas
casas so, na maioria, mulheres, meninos ou adolescentes: em 20
sobre 28, so de 9, 11, 14, 16 anos de idade, inscientes completamente da sua ao, que est em contradio com a debilidade
muscular infantil e feminina.
2 CASAS ASSOMBRADAS, PSEUDOMEDINICAS
Em outros casos, a influncia dos mdiuns menos certa. Por
exemplo: a 16 de novembro, em Turim, rua Bava n 6, em pequena estalagem de um certo Fumero, comearam a ouvir, de dia
e mais especialmente noite, uma srie de estranhos rumores.
Pesquisando o motivo, verificou-se que na adega se quebravam,
depois de serem lanadas das prateleiras ao cho, intactas, garrafas cheias ou vazias; mais frequentemente desciam ao alto e,
rolando, se amontoavam de encontro porta fechada, de maneira
a obstruir a entrada quando era aberta. No quarto de dormir, no
andar superior, que, mediante escada, comunicava com o tinelo
vizinho saleta da estalagem, amarfanhavam-se vestidos e
alguns desciam pela escada para a saleta de baixo; com a queda,
duas cadeirinhas foram quebradas; os objetos de cobre que
estavam dependurados nas paredes do tinelo caam ao cho,
percorrendo largo trecho do recinto e quebrando-se algumas
vezes. Um espectador ps o chapu sobre a cama da alcova, no
andar superior, e em seguida o chapu desapareceu, sendo depois
encontrado nas imundcies do ptio, no trreo.
Examinando atentamente, para verificar qual seria a causa estranha desses fatos, a fim de elimin-la, em vo se recorreu
polcia e depois ao padre, este com resultado contrrio, pois,
enquanto exorcizava, uma enorme garrafa, cheia de vinho,
estourou a seus ps. Uma floreira, trazida estalagem, desceu,
315

para uma mesa vizinha, do alto de uma salincia da porta onde


estava colocada, sem se quebrar. Dois garrafes de um licor que
estava sendo destilado romperam-se em pleno dia. Por quatro ou
seis vezes, ainda em presena da polcia, uma escadinha de mo,
apoiada num lado da parede do salozinho da hospedaria, deslizava lentamente pelo pavimento, sem a ningum molestar. Um
fuzil atravessou o local e foi encontrado no cho, no ngulo
oposto; duas garrafas desceram do alto, com certo mpeto, sem
que se quebrassem, e contundiram, ao cair, um trabalhador, que
recebeu leve equimose.
Inquietavam-se todos; e a polcia, preocupando-se com o caso, fez compreender a Fumero que ele era suspeitado de simulao, de modo que o pobre homem resolveu suportar em silncio
o mal e, com maior razo, deu a entender que tudo havia cessado
depois da imaginria visita minha e isso para no ter de somar
o prejuzo ao escrnio.
Estudei com ateno o caso. Examinei minuciosamente os
locais. Aposentos pequenos: dois que serviam de tenda para
vender vinho e um para refeies, que se comunicava, por escada, com uma alcova do andar superior, e finalmente uma profunda adega, com acesso por larga escada e um corredor. Advertiram-me de que haviam notado que, apenas algum entrava na
adega, quebravam-se garrafas. Entrei primeiro s escuras, e senti,
com efeito, ruptura de vidros e rodarem garrafas sob meus ps.
Ento, iluminei o local. As garrafas estavam enfileiradas em
cinco prateleiras, umas sobrepostas s outras; no centro havia
tosca mesa, onde mandei colocar seis candeias acesas, supondo
que os fenmenos espritas, viva luz, deviam cessar. Ao contrrio, vi, de pronto, trs garrafas vazias, que estavam verticais no
solo, rodarem como se fossem empurradas com um dedo, e se
quebrarem perto da minha mesa.
Para prevenir possvel truque, examinei tudo, luz de grande
vela, e apalpei minuciosamente todas as garrafas cheias que
estavam emprateleiradas, assegurando-me de que no havia fio
nem corda que explicassem seus movimentos. Depois de poucos
minutos, primeiro duas, depois quatro e logo outras garrafas da
segunda e terceira prateleiras se destacaram e caram ao solo,
316

sem mpeto, como se fossem trazidas por algum, e depois da


descida seis se quebraram no cho, mido do vinho j derramado, e duas ficaram intactas. Decorrido um quarto de hora, outras
trs, da ltima prateleira, caram e se quebraram. Abandonei a
adega e, enquanto saa, ouvi outra garrafa quebrando-se no cho.
Fechada a porta, tudo ficou tranquilo.
Voltei num segundo dia. Disseram-me que, pouco mais ou
menos, continuaram os mesmos fenmenos, acrescentando que,
da parede onde estava pendurada, pequena pea de lato havia
saltado de um ponto a outro do refeitrio, projetando-se na
parede oposta, de modo tal que ficou amassada, conforme verifiquei. Duas ou trs cadeiras haviam saltado com tanta violncia
que se quebraram, sem causar dano aos que lhes estavam prximos; tambm se quebrou uma mesa.
Pedi para examinar bem as pessoas: um garom de 13 anos,
aparentemente normal; um outro, garom-chefe, normal igualmente. O dono era um velho soldado, corajoso, que ameaava os
Espritos com o fuzil. Pela face rosada e pela alegria imotivada,
parecia algo alcoolizado. A patroa era, ao contrrio, uma cinquentona magra, debilssima, sujeita a tremores, nevralgias e
alucinaes noturnas desde a infncia; fora operada de hsteroovariotomia e por isso aconselhei o marido que a fizesse ausentar-se por espao de trs dias.
Seguiu ela para Nole, sua terra (22 de novembro), e ali teve
alucinaes de vozes noturnas, de movimentos de pessoas que
ningum viu ou ouviu, mas no provocou deslocamentos.
Nesses trs dias, nada aconteceu na hospedaria; mas, apenas a
mulher regressou, multiplicaram-se os fenmenos, primeiro com
muito mpeto, mais brandos depois.
Sempre os mesmos utenslios: cadeiras e garrafas se quebravam ou deslocavam. Em vista disso, reaconselhei mulher
ausentar-se de novo, e partiu (26 de novembro). No dia da partida, a hospedeira estava muito excitada e havia blasfemado contra
os pretensos Espritos, e viu-se quebrarem-se, caindo ao solo,
todos os pratos e garrafas colocados na mesa. Se a famlia quis
comer, teve que preparar a mesa em lugar diferente e por outra
317

mulher, porque nenhum prato que a patroa pegasse ficava intacto. Era, pois, de suspeitar nela influxo medinico. Todavia,
durante a sua ausncia, os fenmenos se repetiram igualmente, e
precisamente dois borzeguins seus, que estavam na alcova sob o
toucador, em pleno dia, s 8 e meia da manh, desceram pela
escada, percorreram aereamente o tinelo, passaram deste sala
que servia hospedaria e depois caram do alto aos ps de dois
clientes que estavam sentados a uma mesa (29 de novembro).
Reconduzidos os borzeguins e vigiados continuamente, no
se moveram at s 12 horas do dia seguinte, mas nessa hora,
enquanto todos faziam a refeio, desapareceram. Foram encontrados, aps uma semana, sob a cama do mesmo aposento. Dois
outros borzeguins de mulher, colocados na dita alcova, em cima
do toucador, e vigiados atentamente, sumiram e s foram achados depois de vinte dias, amassados, como se tivessem sido
comprimidos em ba, embaixo dos colches de uma cama, na
mesma alcova, que fora revistada inutilmente dois dias depois da
desapario.
Vendo que os fenmenos prosseguiam, regressou de Nole a
mulher e eles se repetiram com igual continuidade. Uma garrafa
de gasosa, por exemplo, que estava na taberna, vista de todos,
em pleno dia, percorreu lentamente, como que conduzida por
uma mo, quatro ou cinco metros, at ao tinelo, cuja porta estava
aberta, e depois caiu, quebrando-se.
Depois disto, ocorreu ao patro a ideia de despedir o mais jovem dos garons. Saiu este (7 de dezembro), e cessaram todos os
fenmenos, o que podia fazer suspeitar uma influncia dele, que
no era histrico, nem provocou em casa dos seus novos patres
nenhum acidente espirtico; mas tambm se pode admitir que,
mesmo de Nole, a patroa, histrica, atuasse sobre os mveis da
sua prpria casa, em Turim, como veremos que acontece em
outra parte.
***
De fato, uma influncia pseudomedinica, a enorme distncia
entre o mdium e a casa influenciada, narrada por Hare, na
Story of my Life.243 Em 1891, a Sra. Butter, que residia na Irlan318

da, com seu marido, sonhou encontrar-se em belssima casa, com


todas as comodidades imaginveis. Este sonho lhe causou bastante impresso, e na noite seguinte sonhou com a mesma casa e
que a percorria toda, e assim por muitas noites seguidas. Em
famlia, todos se riam dela, da casa e dos sonhos.
Em 1892, os Butter decidiram abandonar a Irlanda e estabelecer-se na Inglaterra. Foram a Londres e procuraram anncios de
casas de campo, em vrias agncias. Ouvindo falar de uma casa
no Condado de Hampshire, foram visit-la. Ao chegar casinha
do porteiro, a Sra. Butter disse:
Esta a portaria do meu sonho.
Quando a mulher encarregada lhe mostrou o interior da casa,
a Sra. Butter lhe disse que a reconhecia toda, exceto uma porta,
que fora aberta havia apenas seis semanas. Porque era mdico o
preo de venda, os Butter decidiram sem demora adquirir o
prdio, mas, uma vez pago, lhes pareceu to baixo o preo que
suspeitaram houvesse algum defeito grave e expuseram ao
agente encarregado da venda a sua preocupao, e este respondeu que, efetivamente, se acreditava ser assombrado o prdio,
porm no devia a Sra. Butter preocupar-se, porque era ela
mesma o fantasma que ali aparecia.
Aqui a mdium teria agido automaticamente com o seu duplo,
que, como acontece algumas vezes aos adormecidos, se transportava a grande distncia, do lugar onde estava dormindo, ao stio a
que se volvia intensamente o seu pensamento, no sonho.
Outro caso paralelo foi colhido por Tummolo, em Luce ed
Ombra, de maio de 1909. Tratava-se de certa Carnevali Nomentina, que, quando presa de convulses histricas durante as
quais ladrava e passava a catalptica , sbito, na sua palhoa, se
abriam portas, danavam cadeiras e se abrasava um prego.
Transportada a Carnevali a 1.500 metros da palhoa, para Commezzazzi continuaram igualmente os golpes, os raps e os movimentos de objetos, quando era ela presa das convulses, e na
hora precisa do acesso.

319

Logo a influncia do mdium pode manifestar-se a distncia,


ainda que a 1.500 metros, e assim mesmo sem diminuir de
intensidade.
Chuva de gua, de leite e de vinho; livros que danam Em
Ancona, na casa do Procurador do Rei, o advogado Marracino,
em 1903 verificaram-se extraordinrios fenmenos. Seus dois
filhos, ambos advogados, assim mos descreveram:
noite, tnhamos ouvido como se batessem reiteradamente,
moviam-se mveis em aposentos desabitados. Acudimos, mas
notamos bulha e nada mais. Ao mesmo tempo, manifestou-se
curiosa agitao nas campainhas eltricas, que a todo momento
soavam por conta prpria.
Presumindo que se tratava de contato comum, mandamos de
imediato revistar as instalaes, mas resultou verificar-se que
estavam em ordem. O desagradvel veio depois, quando das
paredes de quase todas as dependncias comeou, de improviso,
a manar gua, que quase inundou os pavimentos. Esses repuxos,
que alm de ns foram vistos por outras pessoas, produziram
todo o gnero de desastres; de noite, enchiam-se de gua os
chapus e durante o dia tomavam por alvo especialmente as
camas, de modo que, para evitar ficassem perdidos os colches,
tivemos de cobri-los com impermeveis.
Alguns engenheiros, a quem mostramos os sinais desses minadores de gua, abriram vrios stios do enladrilhado, sondaram
paredes, mas no encontraram explicao alguma para o fenmeno. Em outro dia, verificaram-se fatos mais estranhos: na sala
de jantar, perto do sof, caiu de cima da parede meia taa de
leite. Um de ns, que estava em casa, encontrou o solo coberto
de leite; imediatamente depois, a meio metro dali, veio de cima
uma taa de caf com leite. Estupidificados, mas incrdulos,
chegamos assim ao fenmeno mais relevante e que ocorreu
hora da refeio: meu pai, discorrendo acerca do jato de leite,
havia acrescentado, rindo, que teria sido prefervel, em vez de
jato de leite, vinho. Pouco depois, quando nos levantvamos da
mesa, ouvimos que caa um lquido: era vinho!

320

Pouco distante do ponto onde caiu o vinho, havia uma pera


grande e ento nos lembramos que antes nossa irmzinha a havia
pedido na mesa; estava colocada numa bandeja, dentro do buf,
fechado a chave. Aberto o buf, a pera no mais estava ali. Isto
nos fez suspeitar que a fora medinica provocadora destes
fenmenos pudesse irradiar de nossa irmzinha e quisemos
segui-la quando se ergueu da mesa. Com efeito, ao passar junto
do mvel onde se achavam dois livros, de Espiritismo, um deles
se elevou, indo golpe-la nas costas, e depois caiu no solo,
comeando a saltar, como que movido por fora propulsora,
percorrendo 6 ou 7 vezes o recinto e, alcanando-se de novo, foi
unir-se parede, no ponto de onde havia jorrado o leite; ali
esteve por alguns segundos e depois recaiu no cho.
Existe aqui alguma probabilidade de influncia de mdium,
ainda que criana.
3 CASAS ASSOMBRADAS TRGICAS
No maior nmero de casas assombradas, que denominarei
trgicas, o mdium aparentemente ali no se acha e os fenmenos persistem, s vezes, por sculos. Lendas populares e ainda as
crnicas atribuem os rudos e a apario de fantasmas, no raro
sangrentas, a cenas de violncia mortais acontecidas muitos anos
ou muitos sculos antes e que se conexam com a observao de
uma maior energia nas almas dos mortos violentamente na flor
da vida e com a tendncia neles prevalecente, ao que parece, de
continuar nos velhos hbitos (Espritos de marinheiros de nave
submergida que continuam as manobras navais no fundo do mar)
e nos stios onde foram mortos ou sepultados, pelo que o fenmeno mais ligado a certas casas.
O exemplo mais antigo aquele de Pausnias, que, depois de
haver capitaneado os Lacedemnios a Plateia, foi condenado a
morrer de fome, no templo de Minerva; mas seu Esprito se
manifestou com vozes e rudos, expandiu o terror naqueles
lugares, at o dia em que um psicagogo (sacerdote evocador da
sombra dos mortos), feito vir a Tesslia, conseguiu fazer que
cessassem as manifestaes.244
321

Outro tanto se narra de Perseu, que largo tempo assustou os


habitantes de Cheminis, fazendo-se visvel no templo.
O filsofo Atenodoro comprou uma casa em Atenas e foi ocup-la, com seus servos. noite passou a ler e escrever, como
era de seu costume. Eis que, de imprevisto, ele ouviu fortssimo
rudo como que de correntes arrastadas no pavimento. Ergueu os
olhos e viu um velho que, com entristecido rosto e carregado de
ferros, se lhe avizinhou, fez sinais para que o seguisse e, chegado
a certo ponto do ptio, desapareceu. O filsofo, no dia seguinte,
referiu o caso a um Magistrado, o qual fez escavar o cho, no
lugar indicado. Removidos alguns torres, encontrou-se um
esqueleto, atado de correntes, ao qual se deu digna sepultura. E,
desde ento, cessou na casa toda perturbao.245
Afirma Pitr:246
As almas dos mortos suicidas giram em Modica, noite, visitando todos os ngulos da casa onde foram depositados mortos,
sacudindo correntes e gritando. As almas dos tristes, que roubaram os pobres, e at as dos seus filhos que gozaram do roubo,
vo todas as noites visitar a casa da vtima, e at que o furto seja
restitudo no tm repouso, e assim as almas dos padres que
fraudaram missas.
Outros Espritos habitam velhos palcios, em Palizzi Generoso, na Torre do Diabo, em Ficurazzi, e assobiam, atiram pedras, acendem fogos, tocam campainhas, etc.
Carapua Vermelha, um fantasma de M. Erice, velho soldado assassino, enforcado impenitente, aparecia com uma carapua encarnada.
Perto de Piana dos Gregos existe um abismo pleno de Espritos que, h muitos anos, ali foram precipitados. Na caverna de
S. Maurcio, o espectro de um malvado volta do Inferno todas as
noites. No cabo Feto se agitam os Espritos dos que foram esmagados sob uma pedra.
Na Igreja de S. Joo, em Modica, aparece o Esprito de uma
lavadeira, que, por haver ferido, em rixa, uma sua comadre,
morreu repentinamente, quando lavava, e cada noite regressa ao
322

stio onde faleceu e comea a lavar e, ao cantar o galo, desaparece pelo teto da igreja.
Em Trembley, Bretanha, existe velho castelo que ningum
pode habitar, pelos infernais rudos que se ouvem, provocados,
pretende-se, pelo rei Oton, assassino dos antigos senhores.247
Mais singulares seriam, todavia, os fenmenos desse gnero
que se verificaram em Frana ao tempo das perseguies contra
os Camisards.
Ouviam-se no ar, antes ainda de estalar a revolta escreve o
abade Pluquet 248 , perto dos lugares onde se encontravam as
runas dos templos, vozes similares ao canto dos salmos que os
protestantes entoavam. Tais vozes foram ouvidas em Bearn, em
Cevennes, em Passy, etc. Alguns ministros fugitivos foram
escoltados por esta divina salmodia.
Isabel Charras afirma haver ouvido muitas vezes esses misteriosos cnticos em lugares distantes de casa e onde era impossvel que algum estivesse oculto.
Isto recorda que, a 31 de agosto de 1572, oito dias depois da
matana de S. Bartolomeu, Paris foi aterrorizada por um estrpito de gemidos entremeados de gritos de raiva e furor, que se
ouviam no ar, como lembrado no livro de Juvenal de Ursins,
lugar-tenente do General de Paris, publicado em 1601.249
Na Inglaterra, durante largo tempo se falou dos casos acontecidos no castelo real de Woodstock, quando Cromwell, depois da
execuo de Carlos I, enviou comissrios, presididos por Harrison, para que tomassem posse dele. Por uma quinzena de dias
eram despertados noite por ensurdecedores barulhos; atiravam
em seus aposentos montes de lenha, pedras, vidros, etc.; os leitos
eram levantados do solo; mesas e cadeiras voavam nos ares, sem
que se pudesse descobrir os autores.
Calculam-se em 150, no mnimo, na Inglaterra, as velhas casas, abadias, escolas e hospitais assombrados, quase todas abandonadas por seus habitantes.250
Na Torre de Londres, o guardio, Sr. Swiste, viu, em 1860,
sair da cela onde so guardadas as joias da Coroa, e onde esteve
reclusa Ana Bolena, um urso, que o sentinela no pde ferir, pois
323

que se diluiu como se fosse de cera. No dia seguinte, o sentinela


morreu do susto.251
***
A Srta. Fielden me referiu escreve Hare 252 que, em sua
juventude, a famlia foi ilha de Wight e alugou St. Boniface
House, entre Boachurch e Ventnor. Dormia ela em aposento do
primeiro andar, com a irm Ghita; a professora, francesa, e a
outra irm, Carlota, dormiam na alcova ao lado, e a professora
inglesa estava no andar superior. Certa noite, quando se achavam
no leito, abriu-se a porta de sbito, com grande rudo, e algum
entrou na cmara, produzindo corrente de ar. Depois o cortinado
da cama lhe foi atirado cabea, juntamente com as cobertas. As
duas irms saltaram do leito, cujo colcho estava sendo sacudido. Saram do quarto, pedindo socorro. A professora inglesa e os
criados acudiram e encontraram o aposento em perfeita ordem: a
roupa da cama dobrada e distribuda em trs ngulos da alcova, o
colcho junto da parede e a colcha de l na lareira.
Soube-se depois que isso tambm havia acontecido a outros e
que a casa era considerada assombrada. Ora, certa mulher havia
matado um seu filho pequeno, naquela habitao. Algumas vezes
o fantasma dela era tambm visvel, porm mais repetidamente
se manifestava com rumores e movimento de mveis.
Em 1906, foi Esccia certo M. V. e, antes de habitar uma
casa, mandou reform-la. Notou, porm, que os trabalhadores
no queriam ali permanecer depois que anoitecia. A primeira
noite que passou com a esposa, ele despertou s duas horas, mas
sem saber por qu. No dia seguinte, mesma hora, a esposa
acordou, ouvindo um gemido como que de moribundo. Outro
dia, em plena luz, a senhora viu uma sombra; depois, ela e o
marido ouviram passos de mulher, na casa, a todas as horas do
dia e da noite; os criados, espavoridos, no queriam permanecer
ali. Certa noite, estando mesa, ouviram, de pronto e por trs
vezes, um soluar de mulher. Ergueram-se e procuraram por toda
parte, inutilmente. Ao ouvir esses rudos, o gato da casa, espantado, se aproximava dos amos e no queria distanciar-se deles.
Verificou-se depois que seu antecessor e esposa presenciaram
324

iguais manifestaes, que se acreditavam provenientes de uma


senhora ali assassinada pelo marido. Ao cabo de algum tempo, a
Sra. M. V. ouviu duas vozes misteriosas que dialogavam entre si.
Outro dia, estando a ss na cozinha, viu finalmente a apario da
mulher assassinada, distinguindo-lhe a face e o vestido pardo.
Depois disso no tornou a v-la, se bem que as manifestaes
costumeiras se repetissem de vez em quando.
Aqui se v a escala dos fenmenos que se percebem nas casas
assombradas: primeiro rumores, depois vozes ou soluos, depois
sombras vagas e, por ltimo, o fantasma inteiro.
Os que tm faculdades medinicas mais fortes percebem primeiro, e melhor; mas tambm os animais se assustam.
A Srta. Gladstone foi visitar a famlia Maxwell, em Glenlee.
Ao meio-dia recolheu-se ao aposento que lhe designaram para
repouso, e desde logo lhe pareceu que a parede fronteira se
enchia de nvoa. Acreditou provir da lareira, mas no viu nem
fogo, nem fumaa; olhou para ver se procedia da janela, porm
fora fulgia pleno o sol. Pouco a pouco a nvoa parecia assumir
uma forma, at que se converteu em uma figura parda, de mulher, que olhava o relgio. A Srta. Gladstone desmaiou; quando
voltou a si, a figura havia desaparecido. Tambm a Sra. Stamford Raffles foi a Glenlee. Era inverno. noite despertou e, luz
do fogo que ardia no aposento, viu o mesmo efeito de nvoa que
se unia pouco a pouco at formar uma figura humana, que olhava
para o relgio. Teve imenso frio e ficou sem sentidos, depois de
haver tentado, em vo, despertar o marido, que dormia a seu
lado, pois lhe parecia estar ela com os membros paralisados. A
famlia de Maxwell, pouco tempo depois, abandonou Glenlee.
Ora, Glenlee era uma casa de campo isolada, habitada anteriormente por uma senhora que envenenou o esposo para casar
com um jovem oficial de quem se enamorara e com ele conviveu. Tratou-a to mal, porm, que ela terminou por abandon-lo
e voltou para Glenlee, onde viveu tristemente os dias, a girar
pelos corredores do prdio, at que, velha, morreu. Era a sua
apario que ali se via e, ao que se diz, cessou depois que um
inquilino, catlico, mandou rezar uma missa.253
325

Aqui o fantasma parece ligado casa e aos tristes acontecimentos que ali se desenrolaram, mais do que presena de
mdiuns. Os visitantes provocavam as aparies com a sua
presena e especialmente ali dormindo, e no por dotes medinicos que tivessem e que no se manifestaram em outros lugares.
Essa influncia de determinada casa j habitada pelo morto e
qual est indissoluvelmente ligado o seu Esprito ilustra-se com
o caso registrado por Graus, da mdium Piano.254
Indo Euspia Paladino casa da mdium, viu um fantasma
que esta afirmava ver continuamente, que se inculcava por Jos,
e a seguia em todos os seus afazeres. Perguntado, nas sesses,
sobre quem era, respondeu ser um esprito alado da casa e
dava sinais de ira se se insistia no assunto.
Quando a Sra. Piano teve de deixar o prdio, por necessidades domsticas, ficou apavorada com a raiva que o Esprito lhe
demonstrava, quebrando os objetos da casa. Aconselhada por
Graus a pedir ao Esprito que fosse com ela para uma nova
vivenda, ela fez a proposta, que ele aceitou, com a condio de
que ela levasse algum fragmento com o qual se pudesse incorporar. A Sra. Piano pegou um ladrilho do pavimento e o levou para
a nova residncia, apoiando-o verticalmente na parede da sala de
visitas. O ladrilho comeou a mover-se, subindo e descendo ao
longo da parede. Desde esse dia, esteve presente nas sesses da
nova moradia. Esta aderncia, a uma determinada casa e at aos
seus fragmentos, explica por que se encontram tantos Espritos
nas runas inabitadas dos castelos, das casas antigas abandonadas
e, como notara Stainton Moses, nos stios onde muitos mortos
foram sepultados.
4 CASAS PREMONITRIAS
Outra espcie de casas assombradas oferecida por aquelas a
que chamarei premonitrias, de apario rarssima, a largos
intervalos e sempre para a premonio da morte de algum dos
moradores. Assim a Dama Branca 255 do palcio real de Berlim,
a Dama de Isoen, a Morena do Condado de Norfolk, a Parda de
Windsor.
326

Na Irlanda ainda se acredita que certas famlias tm o privilgio de possuir uma Banschie ou fada domstica, que aparece,
vertendo lgrimas, quando um membro da casa deve morrer.
Cardano, no seu livro Della variet delle cose, afirma que cada vez que ia morrer algum da famlia parmense dos Torelli,
aparecia uma velha na lareira de uma sala do visado palcio.
Paris possua o Homem Vermelho das Tulherias, cuja tradio remonta origem do edifcio. Catarina de Mdicis o viu
amiudadamente; mostrou-se antes da morte de Henrique IV;
predisse a Lus XIV os tumultos da Fronde; viram-no certa
manh no leito de Lus XVI; um soldado, que velava os restos de
Marat, o enxergou, e morreu de pavor; apareceu de contnuo a
Napoleo, s vsperas de qualquer acontecimento de importncia, como da campanha do Egito e da Rssia. Sob a Restaurao,
anunciou a morte do duque de Berry e se fez presente na de Lus
XVIII. Tal era o terror que ainda inspirava em poca recente este
misterioso ser, que a Imperatriz Eugnia, mulher de Napoleo
III, proibiu fosse mencionado na Corte, mesmo em tom de
gracejo.256
Pela curiosa analogia que apresentam com as aparies referidas, podem ser recordados os fantasmas que se apresentaram a
Scrates, Bruto, Cssio, Druso, Tcito (imperador), Juliano, etc.,
para lhes anunciar a sua morte iminente.
No ano de 1880, na Esccia, certa senhora alugou um castelo
abandonado havia muitos anos. Certa noite, despertou, vendo aos
ps da cama o fantasma de um homem sem cabea, vestido
moda de dois sculos antes. Despertou o marido, que no viu
coisa alguma. Poucos dias depois morreu um dos habitantes do
castelo.
Ora, segundo uma lenda do pas, cada vez que esse fantasma
aparecia, um dos habitantes do castelo devia faltar. E se explicava sua apario com isto: ao tempo da guerra civil de 1600, um
proscrito, pertencente ao partido dos cavalheiros, tendo pedido
hospitalidade ao castelo, este o havia atraioado, entregando-o
ao partido inimigo, pelo qual foi decapitado.

327

Na Story of my Life,257 Hare narra que o clebre Brewster, indo com a filha visitar a famlia Stirling, em Kilpenrass (Esccia),
noite fugia do aposento aterrorizado com os estranhos rudos e
lamentaes. Tambm a camareira da Srta. Brewster ouviu
tantos rumores e lamentaes, que desejou ir embora em seguida. Ao meio-dia, esta, ao recolher-se ao seu aposento, viu, no
alto da escada, uma mulher alta, apoiada na balaustrada; pediu
que lhe mandasse a camareira, porm aquela no respondeu,
anuindo, por trs vezes, apenas com acenos de cabea, e apontou
para um ponto do corredor, e depois desceu a escada. A Srta.
Brewster falou do caso Sra. Stirling e esta se impressionou
bastante pelo que a apario pressagiava.
No aposento para o qual acenou a apario, dormia o Comandante Svedducburee com a esposa.
Antes de finalizar o ano, ambos foram mortos, na revolta da
ndia Inglesa.
Na casa existia a lenda de que o assinalado pelo fantasma
morreria dentro do ano.
No castelo de Berry-Pomeroy estava enferma a mulher do
mordomo da casa Pomeroy. O Dr. Farquhar a visita e acha que a
enfermidade ligeira, e perguntou ao marido quem era a belssima senhora por ele encontrada na antecmara. O interrogado
empalideceu, porque sabia que aquela viso, desde mais de um
sculo, precedia a morte de algum da famlia. E, com efeito,
nessa noite, a mulher faleceu.
Alis, essas aparies poderiam ser explicadas pela influncia
medinica que muitos homens possuem, na proximidade da
morte, e que lhes permite revelar, a distncia, o prximo fim
deles mesmos, com vozes, golpes ou com a presena do seu
duplo. O moribundo seria nesse caso como que um mdium
transitrio que desperta a energia dos Espritos dos mortos
fixados em certas casas a que esto ligados por antigos hbitos.
5 CASAS ASSOMBRADAS, SEM MDIUNS APARENTES
Em outras casas perturbadas, e so as em maior nmero, no
se encontra sequer vestgios de mdium. Pull 258 enumera, em
328

101 casas assombradas, 28 nas quais se comprova a presena de


mdium, pelo que, ao que diz ele, em 72% se ignora inteiramente
a concomitncia do mdium.
Solovovo 259 fala de uma casa, na Rssia, habitada por duas
famlias modestas, patriarcais, os Kupryanoff e os Nazaroff.
Esta ltima famlia tinha o costume de comprar, em janeiro e
fevereiro, para todo o ano, toros de lenha, grossssimos, com o
peso mnimo de 7 libras, que eram arrumados ao longo da parede
do celeiro, a uma altura de 20 ps ingleses. Ora, a famlia ouviu
certa noite rumor nesse lenheiro. Iluminado o celeiro, com uma
lanterna e depois com trs candeias, viu-se que, no da de cima,
e sim da camada do centro da pinha, se destacava um toro e caa
no cho, a uns metros de distncia. Isso continuou por 40 minutos, durante os quais 27 toros de lenha foram destacados. O
curioso que os espaos vazios pela lenha retirada no se preenchiam com outros cepos, e no dia seguinte verificou-se que a
camada de lenha estava de novo compacta, sem um vo. Os
troncos no se projetavam de um s ponto, e sim de muitos, e
sempre do centro da pilha, e no da de cima ou dos lados.
Exclui-se a influncia de animais e de homens e, portanto, de
mdiuns.
O major Moor publicou que em sua casa, de Suffolk, em
1841, a campainha soou violentamente dois meses seguidos.
Caso semelhante se repetiu em Pusterfield, por espao de 18
meses, mesmo depois de cortados os fios da campainha.260
Em uma casinha perto de Tedworth, o juiz Mompreson e sua
famlia eram perturbados todas as noites, apenas se deitavam,
por um tambor invisvel que rufava sinistramente no interior do
prdio, acompanhado de uma dana circular de todos os mveis,
que pareciam atirados com violncia por invisveis mos. Os
ces se escondiam. O juiz se viu obrigado a deixar a moradia. O
curioso que esse tamborzinho respondia s perguntas com
golpes correspondentes sucesso das letras do alfabeto, como
nas atuais experincias espiritistas. Isto acontecia em 1662.
O Dr. Morice 261 refere o caso do castelo de T, na Normandia,
que j existia em 1835, e foi restaurado e reabitado pela Sra. de
329

X... Em outubro de 1867 comearam a surgir extraordinrios


golpes, movimentos de mesas etc., que em 1875 se renovaram e,
pior ainda, em 1892. Era um castelo j famigerado por haver
sido, em tempos anteriores, infestado por malficos fantasmas.
Em outubro de 1875 constataram-se rudos como que de passos
sobre o terreno coberto de neve, porm no se encontraram
marcas de pegadas; as poltronas e as esttuas mudavam de lugar;
grandes mveis eram arrastados e ouviam-se passos rpidos e
depois fortes golpes no patamar da escada; num outro dia, gritos
agudssimos e tropel de galope de cavalo no corredor. Tudo isso
durava desde meia-noite at s 3 horas; depois os fenmenos
comearam a notar-se tambm de dia. A esposa de X., querendo
entrar em um aposento onde ouviu rudo, estirou a mo direita,
mas a chave saiu da fechadura e lhe golpeou a mo esquerda.
Aplicados exorcismos, diminuram por um pouco os fenmenos
e depois cessaram, porm se repetiram em 1891.
Aqui a influncia de mdium parece excluda, ainda pela larga durao, e faz suspeitar da ao benfica dos exorcismos.
M. Joseph Proctor 262 divulgou um dirio no qual estavam
anotados, dia por dia, os fenmenos acontecidos na casa paterna,
que antes esteve habitada por um certo X., sem que notasse nada
de singular; mas, desde os predecessores de X., estivera a casa
abandonada, pelos estranhos fenmenos que nela passaram a
ocorrer. Comeou, apenas admitida em servio, uma nutriz a
queixar-se de rudos, pisadas, estrpitos, gritos que se ouviam na
cmara vizinha. Estes, mais tarde, ouviam-nos todos os outros
moradores.
Dois meses depois, um dos moradores da casa viu uma figura
branca na janela; em outra noite, o porteiro, sua mulher e uma
filha viram passar um sacerdote, com estola branca, durando a
apario dez minutos. Durante 6 meses, eram as servas retiradas
do leito muitas vezes; mais adiante, foi visto aos ps da cama um
fantasma de velho com os dedos cruzados. Em junho, um amigo,
ali hospedado, fugiu da cama, apavorado, por avistar o fantasma
e por espantosos barulhos. Passados dois anos, os habitantes da
casa ouvem, aqui e ali, seus nomes pronunciados por pessoas
invisveis. Muitas e muitas vezes apareceu diante de crianas,
330

quando brincavam, um fantasma de monja ou o simulacro de


uma cabea plida, que se desvanecia, tombando.
Finalmente, os inquilinos resolveram deixar a casa, porm na
ltima noite os rudos e aparies redobraram. Abandonada a
fatal residncia, na nova no ouviram mais nenhum rumor, nem
viram aparies. Em compensao, os que os sucederam na tal
moradia foram raivosamente perseguidos e tiveram igualmente
que abandonar o prdio, que no mais foi alugado.
***
Nesses casos, faltaria todo indcio de mdium, salvo admitir
que, como se viu anteriormente neste captulo, os mdiuns
influem com o seu duplo durante o sono, inconscientemente e
ainda a enormes distncias. Mas, recordando que, em Paris, o
Esprito Stasia dizia a Ochorowicz que, alm de seu mdium, ela
procurava outro, em Londres, que a ela servia completamente
inconsciente, talvez possamos explicar os fenmenos acima
descritos, que se repetiram por espao de muitssimos anos e
com diversas famlias as quais, ao mudarem de casa, no
tornaram a encontrar mais nada , com a influncia direta daqueles Espritos que eram, mais e mais vezes, assinalados at em
forma de fantasmas, Espritos que escolhem, ainda que em stios
distantes, seus mdiuns, os quais agem inconscientes dessa
influncia.
6 AO QUASE AUTNOMA DOS ESPRITOS
Em outros casos, a grande influncia, se no exclusiva, dos
mortos se deduz de sua apario em forma de fantasmas que
reproduzem a imagem, e das declaraes por eles feitas nas
sesses medinicas, no desenvolvimento de sua energia, ainda
que terrvel para dados objetivos, tal, por exemplo, para reivindicar a ocupao da casa prpria ou a honra da famlia ou para
advertncias morais, religiosas, etc.
A Sra. R., que, em 1857, em outubro e durante muitos meses
seguidos, habitou o castelo de Ramhurst, em Kent, desde os
primeiros dias foi perturbada pelos raps nas paredes e por vozes
que no se podiam explicar, e a todos aterrorizavam. Certa Srta.
331

S., desde a infncia acostumada a ver aparies (e era mdium),


foi visit-la e, apenas penetrou no prdio, viu sob o umbral a
figura de um casal de velhos, vestidos antiga, que lhe reapareceram todos os dias, circundados por uma espcie de nvoa.
Certa noite lhe falaram, alegando serem os proprietrios da
manso, que se chamavam Children e estavam sentidos por
verem agora o castelo, to caro a eles, em mos estranhas. A Sra.
R., a quem a Srta. S. repetiu a confidncia, continuou percebendo vozes e rudos, porm no mais aparies, mas, ao fim de um
ms, quando estava para descer ao refeitrio, eis que viu em seu
aposento, muito iluminado, as duas figuras tal qual a amiga as
havia descrito, e sobre a cabea da velha ressaltava, na parede,
em luz fosforescente, o letreiro: Dama Children.
Depois de muitas pesquisas, a Sra. R. soube, por uma velha
senhora, que, muitos anos antes, havia conhecido um velho que
guardava o canil de certos Children, ento habitantes do castelo;
entre eles havia um Ricardo, morto em 1753, isto , um sculo
antes.
Owen comprovou ainda, pelas memrias de Hasted, que um
Ricardo Children se havia fixado em Ramhurst e falecido em
1753, aos 83 anos de idade; que a famlia emigrara em seguida
para outra parte e que depois de 1816 aquela casa ou castelo se
convertera numa espcie de feitoria.263
Aqui no se encontra trao de mdiuns que provoquem os fenmenos; todavia o trao da influncia dos mortos, de um sculo
antes, foi comprovado por duas pessoas, e se descobre o motivo
da sua apario e seu nome revelado com a escrita e linguagem
medinicas, quando por acaso ali se encontra um mdium, e se
confirma pela Histria, ou melhor, pela crnica histrica.264
O conde Galateri conta que, em 1852, seu pai, retirando-se da
Armada, adquiriu em Annecy uma vila onde, havia alguns anos,
ocorreram estranhos fenmenos: as portas se abriam por si,
noite, os mveis e as botas se chocavam uns contra os outros, de
modo que em 1861 ele decidiu vender a propriedade. No ltimo
dia que l passaram, a condessa, notando que os rudos se intensificavam em uma pequena adega e sempre partiam dali, tentou
escavar com uma enxada, e logo os rudos cessaram. Em 1864, 4
332

anos decorridos, viram os Galateri um jornal desdobrar-se por si


mesmo sobre a mesa. Eram 10 horas da manh. Precisamente a
essa hora, em outra casa, a me celebrava uma sesso medinica,
na qual a filha falecida lhe dizia: Corro a fazer uma surpresa a
papai e a meu irmo.
Em outra sesso, a me declarou ver, com outra mdium, na
porta da vila assombrada, de Annecy, de que antes falamos, um
militar, com perna de pau, que lhe contava como ele, em uma
batalha travada sob as ordens de Napoleo, costumava despojar
os cadveres, de modo que enriqueceu e, com o dinheiro to mal
havido, comprou aquela vila, onde escondeu o seu tesouro, na
adega. Agora, porm, arrependido do que fizera, queria, com
aqueles rudos, levar a condessa busca desse dinheiro, para
distribu-lo com os pobres.
Ao termo de 2 anos, voltando a condessa s cercanias da sua
antiga vila, soube que o proprietrio queria desfazer-se dela a
qualquer preo, porque os rudos continuaram, apesar dos exorcismos de um sacerdote. Ela pediu para habit-la por dois dias,
escavou na adega e encontrou um vaso cheio de alguns milhares
de francos em ouro, que distribuiu entre os pobres. Desde ento
cessaram os fenmenos espirticos.265
Aqui a ao do morto nos fenmenos das casas assombradas
se torna evidente e independe do mdium, que, neste caso, se
surpreende, mas no tem a menor ideia da inteno do defunto,
s tendo a explicao e a prova com a cessao dos fenmenos,
depois de satisfeito o desejo do Esprito.
E o mesmo se diga de um caso exposto por De Vesme no
meu Archivio di Psichiatria, vol. XVII. Golpes de chicote,
mveis deslocados e vestidos femininos que se encontravam em
caixas e armrios, despedaados e postos na janela, foram manifestaes que ocorreram na casa de Fer., em Turim, rua Garibaldi, depois da morte de sua irm, mulher religiosssima. Os fenmenos se reproduziram at fora de casa, onde quer que Fer.
fosse. Cessaram, de pronto, depois de uma sesso tiptolgica, em
que o Esprito de sua irm declarou que era a autora de todos
aqueles fenmenos, irritada porque seu irmo convivia ilegal333

mente com uma mulher e que, se se casasse com ela, cessaria


toda perturbao. E assim sucedeu.
Ora, nem a mulher nem F. possuam faculdades medinicas,
nem pessoa alguma daquela casa. Evidentemente, aqui sobressai,
clara e racionalmente, a ao da morta, ainda que utilizando
mdium ignoto e distante.
7 FAMLIAS ACONSELHADAS PELOS ESPRITOS
Importante, a esse propsito, a histria consignada no dirio
do proco Marquart Feldmann 266 (anos 1584 a 1589), do qual foi
testemunha ocular, e que ocorreu no castelo de Hudemhlen, dos
senhores Von H., pouco distante do burgo homnimo, na Bomia.
Em 1854 tiveram incio no castelo rudos estranhos, dos
quais, a princpio, se fez pouco caso.
Mas, pouco a pouco, um Esprito comeou a falar, em pleno
dia, aos serviais, que muito se assustaram a princpio, mas que
com ele se acostumaram. Nem mesmo no aposento do dono da
casa o Esprito se continha: durante o jantar e a ceia, falava em
voz alta e, paulatinamente, se foi tornando familiar e comeou a
discorrer com todos acerca de qualquer tema, no raro cantando
e pilheriando. Se por acaso algum falava mal dele, ou dele
zombava, estrepitava e atirava objetos, ameaando os ofensores
com terrveis vinganas, que algumas vezes realizou.
Perguntado quem era, contou ter famlia em Bhmerwald,
me crist, porm que, no podendo ela t-lo a seu lado, teve de
refugiar-se no estrangeiro; que seu nome era Hintzelmann, mas
tambm se chamava Lring; que mais tarde se deixaria ver no
seu verdadeiro aspecto, sendo que isso, no momento, no lhe era
possvel. Sua voz e modo de falar eram de adolescente. No
tolerava que lhe chamassem Esprito mau ou demnio, assegurando que era um homem comum, e esperava alcanar a salvao
eterna.
Por esta intruso, porm, adquiriu o castelo m fama, e o proprietrio intentou, inutilmente, dele se desfazer. Ento, persuadido de que no podia facilmente afastar o Esprito de Hintzel334

mann, a conselho de amigos resolveu ausentar-se e fazer uma


viagem a Hanover; porm, mal ali se instalara, Hintzelmann se
fez presente, anunciando-se com os seus arremessos costumeiros. Certo dia desapareceu uma corrente de ouro, de grande
valor, que o Sr. von H. usava no pescoo. Recaram as suspeitas
na criadagem do hotel, cujo dono defendeu os seus servidores da
suspeita do furto e exigiu satisfaes, de modo que o caso ameaava tornar o assunto muito srio. Eis que se manifesta Hintzelmann, que lhe sugeriu: Procura na tua cama, debaixo do travesseiro, e talvez encontre a corrente. Assim foi feito e ela foi
encontrada.
O Sr. von H. compreendeu ento a inutilidade de querer evitar o Esprito e regressou a casa. Mas, um dia, tendo ouvido falar
de famoso caa-diabos, mandou cham-lo. Este acudiu ao lugar
onde Hintzelmann de preferncia se entretinha e comeou a fazer
os seus exorcismos. Por algum tempo o Esprito permaneceu
quieto, mas depois lhe arrancou de sob o nariz o livro em que lia
os exorcismos e o fez em mil pedaos; em seguida agarrou o
exorcista, golpeou-o raivosamente e o atirou, rodando, escadas
abaixo. Ainda foi mais mal tratado por Hintzelmann um escrivo
pblico que tentou exorciz-lo.
Naquele tempo prossegue o nosso autor viviam no castelo de Hudemhlen duas senhoritas, Ana e Catarina, s quais o
Esprito consagrava grande afeio e com as quais se entretinha
de boamente; mas, quando se apresentavam jovens senhores com
inteno de pedi-las em casamento, Hintzelmann lhes turbava a
mente, de modo a que no acertassem em formular o pedido e,
atirando-lhes objetos em cima, os atormentava, de modo que iam
embora.
Hintzelmann costumava ser o orculo da casa. Certa vez, Ana
enviou um criado a Rethen para lhe comprar algumas peas de
vestir e pouco depois o Esprito lhe disse: Hoje tens de mandar
pescar a tua roupa na lagoa.
Com efeito, naquela tarde o criado, tendo-se embriagado, caiu
na lagoa e se afogou. Os artefatos foram pescados na gua, da
qual retiraram tambm o cadver do empregado.
335

Um dia esteve em Hudemhlen um Sr. Falkenberg, homem


jovial, que se divertiu loucamente em excitar Hintzelmann, de
contnuo, at que este lhe disse:
Hoje te burlas de mim, mas espera: se nunca foste a Magdeburgo, ali te moero as costelas de maneira que te passar a
vontade de brincar!
Pouco depois, Falkenberg tomou parte, com o Exrcito da
Saxnia, no assdio de Magdeburgo, onde uma bala de pequeno
canho, esfacelando-lhe o queixo, f-lo sucumbir ao fim de trs
dias.
Hintzelmann trabalhava com toda a boa vontade na cozinha e
na cavalaria; noite lavava a loua, limpava e cuidava dos
cavalos; encontrava e restitua aos de casa os objetos perdidos e
ralhava com os criados negligentes e os castigava.
Em uma ocasio, enquanto um dos trabalhadores de Hudemhlen trabalhava no campo e vrios outros ceifavam cereais,
eis que se lhes manifesta Hintzelmann, dizendo quele:
Corre, corre depressa a tua casa, para socorrer teu pequeno
que caiu de rosto no fogo e sofre graves queimaduras.
O homem, assustado, foi apressadamente a casa, onde verificou a exatido do aviso.
Hintzelmann, em 1588, quando as duas irms, Ana e Catarina, se transferiram para o castelo dEstrup, acompanhou-as, a
recomeando a sua ao, tal qual em Hudemhlen, o que provaria que o Esprito tinha por mdium uma das duas mulheres. As
suas manifestaes duraram at ao regresso do dono do castelo,
cessando ento.
***
Esta narrao, que, primeira vista, deve inspirar incredulidade, como fbula do povo, encontra confirmao nas recentes
aventuras de honrada famlia de Bordus, de quem Maxwell
recebeu um dirio e garante a autenticidade.267
Trata-se de outro pretenso Esprito protetor, que se manifestou modesta famlia V. na ocasio da compra de uma estatueta da Virgem, em 1867, com golpes que pareciam canhonaos
336

sobre os mveis e paredes, golpes que se renovavam noite,


mesma hora, e cessaram depois.
Em janeiro de 1868, a Sra. V. e sua camareira, ambas histricas e que por isso atuavam como mdiuns, viram a estatueta
inclinar-se duas vezes em seu pedestal, como que para as saudar,
e isso se repetiu todos os dias s 11 da manh. Enquanto isso,
moviam-se os quadros e as espadas da panplia pendente da
parede, especialmente com a presena da Sra. V. e, sobretudo, da
camareira.
A estatueta da Virgem se atirava no leito e levantava-se depois. Sendo, por ordem do Esprito, magnetizada a camareira,
viu ela, sua frente, a imagem de um homem, com um livro na
mo, que fazia mover a estatueta. Um dia, no pode ela despertar
do sono magntico, antes das 4, porque o Esprito dizia: Agrada-me ficar contigo pelo menos at s 4. Estranhamente, alteraram-se as faculdades dele: discutia altas questes filosficas, em
linguagem elevada; dava conselhos de moral e ainda de ortodoxia religiosa; preocupou-se com a felicidade de todos; predisse
que o namorado da camareira a faria correr perigo, sobrevindolhe uma ferida na mo, que a impediria de trabalhar. Com efeito,
certo dia, o namorado rondava a casa, disfarado, e tencionava
feri-la; porm ela, advertida, se ps a salvo. E o Esprito acrescentou que, para maior segurana, ia inspirar no tal enamorado a
ideia de emigrar, o que, em realidade, ocorreu pouco depois.
Se, durante a refeio, os V. sentiam qualquer desejo, a camareira parecia ouvir isso de viva voz; quando ela executava mal as
suas tarefas, o Esprito a punia, rasgando-lhe o leno da cabea e
arremessando-lhe o po ao rosto; o leito em que ela dormia,
pesadssimo, se movia quatro ou cinco vezes durante a noite, por
impulso de invisvel fora; os movimentos de mveis continuavam ainda quando os V. estavam fora de casa, e isso com espanto dos vizinhos.
Sendo a casa rodeada de jardim, a camareira tinha de atravess-lo para receber do leiteiro o leite. Um dia o Esprito passou a
abrir a fechadura da cancela, apenas se aproximava o leiteiro, e
isso continuou fazendo durante todo o ano.
337

Quando os patres regressavam, cansados do passeio, invisvel mo prevenia a camareira dessa chegada. Um dia a Sra. V.
ouviu uma voz cham-la pelo nome e, entrando em comunicao
com essa voz, o Esprito lhe disse que passaria a falar por seu
intermdio e no pela camareira, pois esta no mais devia ser
magnetizada. De fato, certa manh, a Sra. V. ouviu ditarem-lhe
esta ordem para seu marido: Deves fazer vender, em Paris, por
telegrama, 6.000 liras do juro de 3%, e comprar 10.000 da italiana. Quero que ganhes este dinheiro para fazeres uma obra de
caridade que te indicarei.
A coisa era bastante estranha, porquanto a Sra. V. ignorava
no s as combinaes, mas tambm a linguagem da Bolsa. O
marido objetou ao Esprito que a sua combinao era a cavaleiro
das liquidaes, sendo a renda italiana para o dia 15 e a de 3%
para o fim do ms.
Sei respondeu , o italiano se liquidar antes, porque o benefcio que resulte deve empregar-se pronto; com o outro se far
um presente tua filha.
Daquele dia em diante, pela manh, o ignoto predizia o valor
dos ttulos que depois, s 4 horas da tarde, eram transmitidos
telegraficamente. Solicitado a predizer de vspera, respondeu
que necessitava da noite para informar-se. Um dia, em que V.
achou a diferena de 2 1/2 cntimos entre o valor profetizado e o
telegrafado, pediu explicao ao Esprito e este respondeu:
Isto resultou de um mau sujeito que influiu na cotao ltima hora, precisamente ao soar da campainha.
Isto demonstra que o Esprito conhecia a gria da Bolsa. Ele
depois revelou o contedo exato da caixa-forte dos haveres e
quanto cada um dos V. tinha na algibeira; fazia as contas exatssimas dos lucros das operaes, includas as despesas dos telegramas e corretagens, e acrescentava:
Teus negcios no te devem preocupar; deles me encarrego
e no tens mais do que me obedecer, para te veres coberto de
riquezas.
Tendo-se quebrado a estatueta da Virgem, o Esprito, depois
de haver pedido prazo de uma noite para informar-se, indicou a
338

casa de um modelador de gesso, em rua completamente ignorada


dos V., onde, efetivamente, ele morava.
Dos 3.000 francos de lucro da primeira parte da operao da
Bolsa, reservou 1.000 para um pobre. Declarou depois que
desejava oferecer filha de V. um piano, que estava na Rua
Tournay, n 50, ao preo de 650 francos. Seguiram o conselho,
porm aprearam em 600 francos. O Esprito explicou que a
diferena provinha de equvoco da vendedora e, com efeito, no
ato do pagamento, foi percebido o engano.
Esta aparncia de erro exclui a telepatia e a viso a distncia,
e a exclui tambm o fato de que, quando o Esprito indicava a
pessoa a ser socorrida, algumas vezes precisava no s o nome,
mas ainda o nmero, a rua e o andar, desconhecidos para os V.,
de modo que, com frequncia, necessitavam percorrer uma srie
de ruas, sem encontrar a que procuravam, porm o Esprito os
fazia voltar, at encontr-la. Algumas vezes tratava-se de gente
rica em aparncia, mas imersa em secreta misria.
Mais tarde, dizendo querer erigir uma capela, o Esprito mudou de ttica nas operaes; em vez de retirar os lucros de cada
liquidao, ops-se a toda insistncia dos V., que queriam a
retirada de cada uma, mesmo quando j se atingia a um lucro de
30.000 francos.
O pior que continuou a se opor, quando se avizinhava a
guerra de 1870, e ainda quando esta se declarou, de modo que
sobreveio o desastre. Desde ento, no mais respondeu s peties e imprecaes de suas vtimas, tornadas bem mais pobres
do que antes.
Os V. esto persuadidos de que, por dois anos e meio, o Esprito teve por escopo captar-lhes a confiana, para poder arruinlos.268
Evidentemente, aqui o mdium, ou melhor, as duas mdiuns
foram o meio automtico e involuntrio, de comunicao de um
Esprito que tinha plano de conduta todo especial e completamente oposto aos desejos e aos interesses das prprias mdiuns,
cuja desgraa ele provoca, e para a qual estas no podiam, nem
mesmo inconscientemente, contribuir, porque nem mesmo no
339

inconsciente se pode abrigar um desejo to teimoso e dissimulado de fazer dano a si prprio. Acrescente-se que elas no teriam
podido fazer as previses exatssimas dos aumentos que sucediam no dia seguinte, na bolsa, nem prever as intenes malvadas
do namorado da camareira e sua fuga, nem conhecer aquelas
pessoas que deveriam ser beneficiadas, nem discutir alta filosofia.
Pode-se admitir que os duplos das duas mdiuns vissem, a
distncia, no caso da estatueta, que abrisse a cancela ao leiteiro,
que avisasse a camareira do retorno dos patres, porm no se
compreende como pudessem as mdiuns, nem seus duplos, falar
de coisas filosficas, sendo indoutas; que movessem imensa
cama, como se fossem atletas; que previssem, no s as cotaes
da Bolsa, mas tambm as intenes do namorado e as aventuras
que lhe deviam acontecer.
Extraordinrio em tudo que narramos certamente o cunho
pessoal e intencional do Esprito, superior ao das mdiuns.
Estranho , todavia, o fenmeno vocal. Conquanto maravilhoso,
o fato no isolado.
Uma srie de fenmenos auditivos se encontra nas Memrias
da Srta. Clairon.
Um jovem breto estava to enamorado dela que, pela mgoa
da recusa, enfermou e morreu. O caso ocorria em 1743. No
mesmo dia em que expirou, fizera suplicar inutilmente a Clairon
que fosse v-lo, no que no foi atendido. Ao contrrio, naquela
noite, deu ela uma festa em sua casa. Havia ela apenas terminado
de cantar uma cano, quando, ao soar das 11 horas da noite, se
ouviu agudssimo grito.
A ttrica modulao narra a Srta. Clairon fez empalidecer a todos; eu desmaiei e por um quarto de hora permaneci
desacordada; os amigos, os vizinhos e a prpria polcia ouviram
aquele grito ( mesma hora, enviado, cada dia, sob minha janela)
que parecia vir do vago do ar. Eu fazia refeio raramente fora
de casa e nesses dias nada ocorria, mas, reentrando no meu
aposento, ouvia-se novamente o grito ao nosso derredor. Um

340

meu colega de Arte, Rosely, muito incrdulo, impressionado


com a minha aventura, solicitava-me que evocasse o fantasma.
Fosse fraqueza, fosse audcia, aquiesci. O grito ressoou trs
vezes, terrvel pela intensidade e rapidez, porm por muitos dias
no mais se repetiu.
Ela acreditava estar para sempre liberta, mas enganou-se: o
grito a seguiu em Saint-Cloud, aonde fora com a sua Companhia
Teatral. Depois sucedeu outro fenmeno mais surpreendente:
cada dia, s 11 horas, ouvia-se uma detonao, como que de um
tiro de fuzil contra a sua janela; depois bater de mos, guisa de
aplausos, e em seguida sons meldicos. Por fim, tudo cessou.
No muito tempo decorrido, soube ela, por uma velha senhora que assistira aos ltimos momentos do jovem, que, quando ele
se convenceu de que a atriz no iria v-lo, apertou a mo da
senhora, desesperadamente, e exclamou:
Cruel! Arrepender-se-; eu a perseguirei depois de morto,
tal qual a persegui em vida!
Nestes ltimos casos, mesmo admitindo a interveno inconsciente de um mdium, a ao do morto preponderante e
independente da do mdium, pois atuava contra o interesse deste
e com um carter evidentssimo de sua prpria autonomia pessoal.
8 RESUMO
Se casos h, no geral temporrios, em que os fenmenos das
casas assombradas se podem explicar pela ao de mdiuns,
muitssimos outros existem em que esta ao mnima; e so
estes os de maior durao, secular s vezes, e nos quais a ao
dos mortos controlada com as comunicaes tiptolgicas ou
com aparies ou com vozes ouvidas pelas pessoas sensveis,
fatos esses conhecidos desde tempos antiqussimos em todos os
povos, atravs da lenda popular.
As casas assombradas, em suma, oferecem os documentos
mais antigos, mais difundidos e menos contestveis, da influncia, quase autnoma, da ao voluntria, persistente, dos mortos,
em pocas tambm distanciadssimas da sua morte e com algu341

mas caractersticas especiais, quais as de se apresentarem com o


vesturio do seu tempo, em horas, dias e pocas determinadas,
da noite, e principalmente depois de meia-noite; de se manifestarem mais raro por vozes e escritos; de repetirem continuamente
os mesmos gestos e movimentos, em especial os que lhes eram
habituais em vida; de se manifestarem tambm aos mdiuns,
primeiro com rudos, depois com movimentos de objetos ou
outros, depois com poucas aparies; por vezes, para se vingarem, ou para dissuadirem outros de praticarem atos pecaminosos,
e algumas vezes por causas absurdas e ridculas, qual aquela dos
dois Children, que se acreditavam proprietrios do castelo, que
havia um sculo abandonaram e que reivindicavam; ou ento
para anunciar a morte prxima de alguma pessoa.
Quando esses fenmenos esto mais diretamente influenciados por um ou mais mdiuns, tm carter mais intenso, as aparies so mais vivazes, continuadas, conquanto mais transitrias,
de 15 dias a 24 meses. Mas, na maior parte, como vimos, aparecem sem interferncia de mdium, o que natural, quando se
considera que sobrevm frequentemente em casas de todo abandonadas, s vezes h sculos, e que ali continuam, no obstante a
mudana de inquilinos, enquanto que no mais se manifestam
nas novas habitaes destes, pois que mostram o carter especial
de se prenderem a determinadas casas. exatamente nisso que
consiste a maior prova da ao predominante dos mortos, a qual
no somente confirmada pela lenda, mas tambm repetidamente por documentos histricos.
E enquanto a maior parte das pessoas s percebe a presena
pelos rudos, percusses e movimentos desordenados, os indivduos dotados de faculdades medinicas veem diretamente os
mortos, com a sua fisionomia e sua vestimenta (como no caso
Children). Resta, por isso, nestes casos, o misterioso problema
de como, sendo diminuta a ajuda que d aos mortos o corpo de
um vivo, possam eles desenvolver to enrgica ao. Alguns do
a pouco aceitvel explicao de que os Espritos tomam dos
animais e das plantas da casa deserta a matria para a sua incorporao. Duas vezes tive esta explicao, por mdiuns em transe,
aos quais fiz a pergunta.
342

Aqui til a hiptese de que tambm as casas infestadas, que


eu defini como no medinicas, fossem influenciadas por mdiuns distantes e invisveis. Cita-se, a este propsito, o caso de
Varley, que ouviu dois golpes na parede de seu prprio aposento,
distante mais de cinco milhas inglesas da casa do mdium Home,
o qual inconscientemente os provocava, e que soube desses
golpes porque seu Esprito-guia, repetindo-os em sua casa, o
advertiu da dupla concomitncia e o convidou a escrever a
Varley, para lhe dar uma prova do Espiritismo.
Mas estes casos, e assim tambm aquele (vide supra) da Srta.
Butter, que, da Irlanda, algumas vezes durante o sono se transportou, com o seu duplo, a Londres, e o de Tummolo, em que a
mdium, em convulses histricas, provocava movimentos de
objetos em uma casa dela distante 1.500 metros, so antes casos
de desdobramento do mdium, que se trasladou por algumas
vezes a distncias por poucos momentos, do que casos de casas
assombradas, onde a ao tem mais continuidade, e assume, com
muita frequncia, os caractersticos que os mortos tinham em
vida.
De qualquer modo, so fenmenos que provam a possibilidade de um mdium provocar aparies e movimentos de objetos, e
da alguns fenmenos de casas assombradas, tambm a grande
distncia.
Melhor ainda responde a hiptese de que os Espritos dos
mortos, nessas casas desertas, recebam energia de mdiuns
distantes, que eles prprios escolhem, hiptese que teria por
apoio a interrupo dos fenmenos, sob prticas religiosas, as
quais devem ter influncia sugestiva sobre os vivos e ainda se
apoiariam nas declaraes feitas pelo Esprito de Stasia, a Ochorowicz,269 de que lhe fornecia a energia, em Londres, uma neurtica que caa em convulses quando ela, Stasia, se manifestava
em Paris. Mas, admitindo isto, fica sempre, todavia, o fato de
uma notvel energia e de uma continuada marca pessoal, que, em
certos casos, parece terem os Espritos dos mortos, como quando
reclamam seus velhos direitos, ou vigilam minuciosamente os
interesses de uma casa, com desconhecimento dos mdiuns, e
que a influncia destes no poderia explicar.
343

Ressalta, ademais, a coincidncia desses fenmenos com as


mortes violentas, suicdios e homicdios, to numerosos na poca
feudal, cujas moradias so as mais infestadas, isso por se saber
da particular atrao dos Espritos pelos lugares onde foram
mortos ou sepultados, onde residiam em vida, por determinadas
casas ou fragmentos delas, pela continuao mais tenaz dos
hbitos que vivos tinham aqueles que, inopinadamente, morreram jovens e de modo violento. E essas manifestaes no so
nicas: a esses casos de habitaes assombradas, sem mdium
aparente, h que acrescer os de pedradas, to frequentes quanto
breves, isto ainda sem concurso aparente de mdium; e os fenmenos luminosos, qual o de Quargnento, que comeou a ser
notado pelo Sr. Sirembo, nos primeiros meses de 1895, e depois
pelo Prof. Falcomer, Prof. Garzino, livre-docente de Qumica,
pelo engenheiro Capello, etc. O fenmeno se manifestava mais
ou menos s 20:30 horas; as dimenses da massa luminosa eram
as de uma grande lmpada, mas algumas vezes chegava ao
dimetro de 60 a 70 centmetros. O movimento de translao era
aos saltos, ia desde a igrejinha de S. Bernardo, onde esto enterrados os membros da famlia Guasta, ao cemitrio, e cerca de
meia-noite regressava igrejinha. O fenmeno se produz em
todas as estaes do ano, mas nem todos podem v-lo e conhecido no pas sob o nome de fogo de S. Bernardo.
Um fenmeno anlogo foi observado em Berbenno de Valtelina. Os movimentos so intencionais, sempre em determinada
hora, e se desenvolvem de um campo a um edifcio; uma
chama que foge a toda lei qumica e, entre um e outro, passa
atravs das rvores sem as queimar. Tudo prova que sejam
manifestaes espirticas, tanto mais se recorde quantas vezes,
nas sesses medinicas, aparecem globos e fachos luminosos nos
pontos onde se obtm manifestaes de Espritos. Pois bem: no
foi possvel, embora se hajam feito indagaes, encontrar nas
vizinhanas de Quargnento e de Berbenne indcios de mdiuns.
, pois, bem curioso notar como possam, nestes ltimos tempos, ocorrer estes fatos, to numerosos e documentados, enquanto que, por quase dois sculos, no se observou nenhum, salvo
entre as classes das ltimas camadas populares, as quais no
344

estavam, diremos, em contato com as classes cultas. Estas, de


qualquer modo, no acreditando, ainda quando se produziam sob
seus prprios olhos, no se preocuparam em examin-los, nem
de propalar-lhes a existncia, pelo que se perdiam da memria.
Agora acontecem, so observados e estudados, se bem que
depois sejam esquecidos facilmente e tratados com incredulidade
e escrnio. Assim, no caso Fumero, se eu no houvesse insistido,
se no houvesse retornado ao lugar do acontecimento, ter-se-ia
acreditado que, com o primeiro aparecimento da polcia, ou do
meu, os fenmenos teriam desaparecido e teriam sido atribudos
a truques, desviados deles toda ateno.

345

CAPTULO XIII
A crena nos Espritos dos mortos
entre os selvagens e os brbaros
O fato de que em todos os tempos e em todos os povos esteve
sempre viva a crena em algo invisvel, que sobrevive morte do
corpo e que, sob o influxo de condies especiais, pode manifestar-se aos nossos sentidos, torna-nos propensos a aceitar a hiptese espiritista.
Que nossos mais antigos progenitores acreditavam, se no na
imortalidade da alma, ao menos em sua existncia temporria
depois da morte, opinio comum dos antroplogos, os quais
observam, com Figuier,270 que os vveres, as lmpadas, as armas,
as moedas os objetos de ornamento depositados, at nas pocas
pr-histricas, nas tumbas, ao lado de cadveres, mostram claramente a crena em uma vida futura.
E essa mesma crena ns a encontramos ainda junto de todos
os povos selvagens, mesmo entre aqueles que tm de Deus uma
ideia extremamente vaga, ou no na tm de maneira alguma.
Letourneau, citado por Baudi de Vesme, naquela sua tima
Storia dello Spiritismo,271 da qual me hei valido largamente na
compilao do presente captulo, escreve na sua Sociologie
daprs lEtnographie (livro III, cap. XVII); Entre as raas
inferiores, junto dos habitantes da Terra do fogo, entre os tasmnios, os australianos e os hotentotes no existem templos, nem
padres, nem ritos. Nessa fase primitiva do desenvolvimento
humano, a religiosidade consiste em crer na existncia de Espritos antropomorfos e zoomorfos que habitam as rochas, as grutas,
as rvores, etc., e a ideia de comunicar-se com estes seres no
ocorre a ningum.
Um pouco mais tarde, o homem, tornado mais inteligente,
raciocinador, chega naturalmente a pensar que, com genuflexes,
ddivas, etc., chegar a pesar nas decises desses deuses feitos
sua imagem. Ento se edifica o templo e aparece o sacerdote: a
princpio, o templo extremamente humilde, uma cabana qual
346

as outras; sendo os deuses imaginados como seres errantes muito


anlogos aos homens, se lhes oferece uma casa onde repousem.
Com o tempo, e principalmente antes disso, aparece o sacerdote que, de boa ou m-f, pretende ter o privilgio de comunicar com os Espritos, de servir de intermedirio entre eles e os
homens.
E escreve Maury: Sendo o culto entre os povos selvagens
quase reduzido exclusivamente a conjuros dos Espritos e
venerao dos amuletos, os sacerdotes so apenas bruxos que
tm a misso de entrar em relao com os to temidos demnios. 272
Alguns viajantes tm falado de populaes selvagens completamente ateias. Levaillant, Thompson e Campbell afirmam que
os hotentotes no tm ideia alguma de uma vida futura, nem de
deuses.
No tocante religio diz o missionrio Tyndall 273 , creem que suas almas sejam quase como folhas em branco. No
obstante, acreditam que os mortos deixam atrs de si uma sombra geralmente malfica.
Os tasmnios segundo o Rev. Bonwick 274 no tinham ideia alguma da divindade, mas o Dr. Milligan 275 refere que estes
selvagens povoam de Espritos, do gnero malfico, os interstcios, rochas e montanhas, etc., que os rodeiam.
Segundo Letourneau, quando os negros da frica afirmam
que tudo termina depois da morte, preciso acrescentar: Salvo
a terrvel larva do fantasma.
E Du Chaillu, na Voyage dans lAfrique Equatoriale, escreve
que os habitantes do Gabon no tm ideias claras da existncia
do alm-tmulo, porm acreditam que o homem deixa, morrendo, uma sombra, que lhe sobreexiste por algum tempo e reside
na vizinhana do local onde foi sepultado o cadver.
Winwood Read 276 refere que, no Congo, os filhos algumas
vezes matam sua me, para que esta, convertida em Esprito
poderoso, lhes preste assistncia.
Segundo os cafres, o homem que morre deixa atrs de si uma
espcie de vapor, anlogo sombra que o corpo projeta quando
347

vivo.277 Frequentemente esses selvagens escolhem, para fazerem


uma espcie de anjo-custdio, o Esprito de um chefe ou de um
amigo, e o invocam nos momentos difceis.
Em Madagascar, segundo um doutor indgena, Ramisiras,278
domina entre os indgenas o preconceito de que os Espritos dos
antepassados esto sempre perto dos vivos, seja para lhes trazer
ajuda, seja para lhes fazer mal, e da o seu grande culto aos
mortos.
Os Bambara 279 creem nos Espritos, nos gnios, nos anjos;
acreditam que eles exercem uma influncia da qual os homens se
podem preservar com os amuletos e que procuram o xito para
os amigos e os resguardam das doenas. Desses Espritos ou
Disioren, h os que vivem nos silvados e outros no interior do
povoado ou em seus arredores; os primeiros so perigosos em
pleno dia. Quando se funda uma povoao, o mago que est em
comunicao com os Espritos busca a rvore da sua preferncia,
habitualmente um baobab, e, vizinho dela, cada famlia pe
um pilo para pilar o sorgo, e o fogo; nas ramas se suspendem
os arcos e os fuzis, e sua sombra se faz a dana.
O mago protege o povoado, fazendo abortar os malefcios;
faltar-lhe ao respeito faltar ao Esprito, porque ambos esto
unidos indissoluvelmente.
A mulher estril oferece ao Esprito noz de cola e um galo, e
promete mais ainda se chega a ser me. Quando a aldeia se v
ameaada de algum perigo, dos gafanhotos, dos macacos, das
serpentes, pede-se ajuda aos Espritos dos mortos, especialmente
queles que protegem as messes.
Segundo Duvergier,280 quando os negros Tuareg do Norte
partem para expedies longnquas, as mulheres, para terem
notcias, vo deitar-se nas tumbas dos seus mortos, evocandolhes as almas, e obtm informaes que so depois verificadas
verdadeiras. De similar costume j fala o gegrafo romano
Pomponius Mela, a propsito dos anjos, povo da frica. Os
anjos diz ele no conhecem outra divindade que a alma dos
mortos, e a consultam como a orculos. Com esse fim, depois de

348

haverem formulado a pergunta, deitam-se sobre o tmulo e


consideram resposta o sonho que tm.281
Mary Kingsley, em uma conferncia Sulle forme delle apparizioni nell Africa Occidentale , consigna que poucas
pessoas no tm tido aparies, ou de um deus ou dos Espritos
dos mortos; os sacerdotes pretendem, pois, estar em contato
contnuo com os Espritos. Com frequncia, um deus toma posse
de um sacerdote e fala por sua boca, porm com palavras estrangeiras. Provavelmente o seu sistema nervoso mais sensvel lhe
faz ver coisas que ns, mais obtusos, no vemos; o seu uma
chapa fotogrfica mais perfeita, onde mais facilmente se imprime o mundo do alm-tmulo.
Os baiacas (vizinhos do Congo) acreditam que a alma, depois
da morte, habite no ar e aparea aos vivos nos sonhos para
lamentar-se do mau trato dado ao seu sepulcro e para pedir
vingana contra seus assassinos.282
Os awemba do centro da frica creem que os Espritos dos
mortos (Mipashi) vagam nos bosques onde foram inumados;
algumas vezes encarnam no corpo de uma serpente, ou aparecem
aos crentes, no sono, porm mais frequentemente esto em
relaes com os vivos por meio de mulheres magas; estas tomam
o nome e imitam os gestos do morto, entregam-se dana sagrada, caem em xtase, proferindo palavras que s o mago-mdico
interpreta e do indicaes teis aos guerreiros e aos caadores.
Os indgenas da Oceania, embora disseminados em tantas ilhas separadas por vastos mares, tm crenas quase que uniformes a respeito da existncia de uma vida futura. Segundo eles, o
Esprito humano permanece por certo tempo, cerca de trs dias,
em torno do cadver e percebe perfeitamente quanto se diz.
Isto explica estranha usana que vigora entre os australianos,
os quais, durante algum tempo, depois da morte de uma pessoa,
no se aventuram pronunciar seu nome, receosos de provocarem,
com isso, a apario de seu gneit ou fantasma.283
Segundo Perron dArc,284 eles vo, noite, nos cemitrios para comunicar com os seus mortos e alcanar seus conselhos.
349

No Taiti e nas ilhas Marianas, os nativos acreditam que os


Espritos antigos velam sobre eles continuamente. Nas ilhas Fiji,
quando algum morre,285 invoca-se-lhe o Esprito para saber o
que lhe ocasionou a morte; creem que seu Esprito vague sobre
as rochas, vizinhas do mar, e depois em povoaes submarinas.
Quando algum est enfermo, consultam o profeta para que
indique a vila, a casa, o indivduo a quem se deve o mal; alguma
vez imaginam que os Espritos estejam irritados porque em um
dado ponto se tenha feito uma plantao, ou construdo uma casa
em terreno indevido, e ento o proprietrio muda de lugar,
vendendo-a.286
Os habitantes da Nova Zelndia creem na existncia de uma
parte inteligente e imaterial do homem, e se matam um inimigo
em peleja, praticam certos ritos com a finalidade de evitarem a
vingana de sua sombra.
O juiz Manning, no Tle old New Zealand for a pakeha
Maori, narra uma sesso que se pode paralelar com as sesses
espiritistas, em que os selvagens da Nova Zelndia (maori)
pretendem obter respostas dos seus mortos por meio de verdadeiros mdiuns, chamados Tohunga; refere uma a que ele assistiu,
na qual o Tohunga evocou o Esprito de um chefe dos maori,
morto em combate. Saudados os presentes, o Esprito pediu
notcias da sua famlia, e a um irmo, que lhe perguntou como se
encontrava, respondeu estar bem; indagado pelos amigos quanto
a notcias sobre outros mortos, ele as deu, prometendo-lhes
comunicar as suas mensagens no outro mundo; convidou o irmo
a dar um cerdo e seu fuzil ao sacerdote e revelou o lugar onde
estava oculto um dirio da tribo, por ele escrito.
Segundo Dumont dUrville,287 os sacerdotes Tonga, na Oceania, apresentam todos os fenmenos que os antigos assinalaram
com as pitonisas e com as sibilas, e que o magnetismo reproduz.
Marner, em Tongatabu, viu sacerdotes inspirados por uma divindade que sabiam verdadeiramente adivinhar o futuro ao som
de tambor, tal qual os padres siamanos, na Sibria.

350

Lafiteau, a propsito dos Peles-Vermelhas, escreve que eles


creem, no s em Deus, como tambm nos Espritos ou gnios
dos mortos, dos quais uns mais do que outros so favoritos.
Segundo Shoolcraft, os Sioux (ndios da Amrica do Norte)
temem tanto a vingana dos Espritos, que o homicdio lhes
desconhecido, tal a certeza da vingana dos assassinados.
Nas Lettres difiantes, os missionrios, os quais nisto so testemunhas mais do que imparciais, falam dos dolos que se movem espontaneamente, de objetos transportados imprevistamente
de um lugar para outro, ainda mesmo que bastante distanciado.
Os magos de Montagnais, segundo refere o padre Arnaud, no
Rapport sur les Missions du Diocse de Qubec, em suas consultas se sentam de pernas cruzadas, sobre um wigwan, que, sob
sua influncia, se agita e, com saltos e golpes, responde s
interrogaes que se lhe formulam, pouco mais ou menos como
fazemos ns com a mesinha. As adivinhaes as fazem com uma
espcie de cela cilndrica, de casca de carvalho, que mais ou
menos corresponderia ao nosso gabinete medinico, dentro do
qual pode estar de p um homem. Apenas entra o sacerdote,
inicia-se grande rumor, e depois se ouvem vozes: uma dbil, uma
fortssima (a do sacerdote), e a dbil muitas vezes revela fatos
ignotos e distantes.
O juiz Larrab viu, entre os Peles-Vermelhas, um mago, ndio, construir trs espcies de pequenas tendas de couro, que
apenas podiam acomodar um homem, situadas a cerca de dois
ps de distncia uma da outra; em uma metia os seus mocasin
(botas); em outra acessrios, e na do meio entrava ele. Todo
ndio que desejava falar com um morto fazia a pergunta, e em
seguida as tendas comeavam a mover-se e saam vozes de todas
as trs, emitidas ao mesmo tempo, que s o mago podia interpretar.
Segundo Litz Gibbons, ltimo governador de Bay-Island,288
muitos entre os Peles-Vermelhas so mdiuns e obtm maiores
resultados do que os nossos mdiuns. Os Espritos, que se manifestam por intermdio deles, tm nomes espanhis ou america-

351

nos e pretendem pertencer a raas pr-histricas, das quais se


veem os monumentos sob as florestas virgens.
Curioso, a esse propsito, o relato de um certo Henry, prisioneiro dos hures, na guerra de 1750. Tratava-se de saber se
deveriam aceitar uma proposta, feita por Sir Johnson, de enviarem seus chefes ao forte do Nigara para concluir a paz. Sendo
assunto importantssimo, quiseram consultar o Esprito de um
chefe clebre, chamado Grande Tartaruga, que se manifestou
na tenda mgica, primeiro sacudindo-a e depois com a voz.
Perguntado se no Forte havia muitos soldados, ausentou-se e
voltou, dizendo que eram pouqussimos, porm muitos estavam
esparsos ao longo do rio, embarcados, e que, se os chefes fossem, seriam cumulados de ddivas. E assim, de fato, aconteceu.
O juiz Larrab conta que um comerciante esperava um agente
havia muitos dias, quando o mago-mdico lhe props dar notcias. Cobriu a cabea com os seus panos e disse: Quando o Sol
estiver a ponto de sumir, vers chegar o teu amigo. E assim se
verificou.
Os esquims creem nos Espritos, o mais poderoso dos quais
Torgarsuk, que tem sob sua autoridade um exrcito de gnios
inferiores, muitos deles a servio dos magos.
Jacolliot narra de um faquir que, depois de haver realizado
maravilhas, voos, desapario do corpo, levitaes, etc., lhe
disse, ao ser interrogado sobre como obtinha aqueles fenmenos:
Eu no fao; so os Espritos dos teus antepassados que fazem
isso; tanto verdade, que eu sigo, vou longe, e s os Espritos te
faro sentir a influncia deles.
E, com efeito, tendo-se fechado numa habitao distante do
palcio, obteve-se, noite, uma srie de sacudidelas, movimento
de mesas e de raps que duraram at o amanhecer.
Ora, este o fato que me chamou a ateno: confirmar-se, na
ndia como na Amrica, regies sem ligao histrica, o mdium
como o agente passivo dos fenmenos, enquanto que o ativo
seria o morto, no obstante ser verossmil exatamente o contrrio.
352

Os brbaros
ESCANDINAVOS, GERMANOS E CELTAS
Se agora dos selvagens passamos para os brbaros de todas as
idades, vemos, com pequena diferena, repetirem-se as mesmas
coisas.
Sabemos de quantos diversos gnios, gnomos, silfos, slfides,
Normas, Valqurias, Alfes, etc. est povoada a mitologia germnica e escandinava. Mas, onde mormente se acentuou a crena
no mundo invisvel foi na raa cltica. Para os gauleses, os
Espritos eram a alma dos mortos e com esses se mantinham em
relao, por intermdio de seus sacerdotes, os druidas, e de seus
videntes, que caam em xtase, profetizavam e evocavam os
mortos nos recintos sepulcrais de pedra, chamados dlmen ou
cromlech.
Narram os historiadores que Vercingtorix discorria nas densas selvas com as almas dos valentes mortos pela ptria e dele se
conta que, antes de sublevar a Glia contra Jlio Csar, foi ilha
de Sein, a vetusta morada das druidesas, onde o gnio lhe apareceu e lhe predisse a derrota e o martrio.289
A NDIA
So notveis as relaes mantidas pelos indianos com os Pitri
(Espritos que esperam uma nova vida).290
Entre os documentos que provam a antiguidade das prticas
espiritistas na ndia, citarei a Agruchada ou Livro dos Espritos, em cuja ltima parte so descritos os modos de evocao
que se devem seguir, com o objetivo de obter que os Pitri (os
Espritos dos antepassados) consintam em manifestar-se aos
homens. E j vimos, pouco acima, como os maravilhosos fenmenos dos faquires so por estes atribudos aos Espritos dos
mortos, e dos quais declaram ser apenas um instrumento.291

353

OS ESPRITOS NA INDOCHINA
A crena nos Espritos vivssima entre os anamitas, cuja
verdadeira religio a dos antepassados, dos quais os Manes
velam sobre a famlia e a protegem.
O mundo dos anamitas l-se na Revue Franaise, de maro de 1894 povoado de fantasmas que so as almas de todos
os seres que viveram anteriormente. Os Espritos das pessoas
mortas sem descendncia, ou que delas os descendentes no
cuidaram, ficam errantes, engrossando o exrcito de maus Espritos que os anamitas temem bastante.
ENTRE OS JAPONESES
Difundidssima esta crena entre os japoneses, cuja religio
popular, o Shintosmo, consistia originariamente na personificao e adorao das foras da Natureza; mais tarde, na venerao
dos Espritos dos antepassados, at que, por ltimo, se transformou no culto a estes, aos quais se oferecem sacrifcios pelo seu
descanso e de quem se invoca ajuda e proteo.292
E J. K. Goodrich, no Ausland (de 18 de fevereiro de 1889),
falando dos Ainu, populao semi-selvagem e autctone japonesa, assegura: Quanto s suas concepes a respeito da vida
futura, no so muito claras; todavia, creem todos que os Espritos dos mortos mantm simptico comrcio com os vivos, os
quais podem confiar naqueles como gnios tutelares que velam
seus povoados, zelando pelo bem-estar dos seus habitantes.
E agora, passando a tratar de outros povos (caldeus, assrios,
babilnicos, persas, egpcios, etc.), entre os quais, com pequenas
diferenas, encontramos as mesmas crenas, vamos ao Extremo
Oriente.
No Extremo Oriente
ENTRE OS CHINESES
Difundida a crena nos Espritos entre o povo menos supersticioso do mundo: o chins. Segundo a seita dos Tao-si
(mestres da cincia), existem no homem duas almas: o ling
354

(essncia nobre) e o nuen (princpio vital); juntos, formam o


ser, que sucede ao corpo do morto. Se este possui grandes mritos, elevado ao grau de hien (santo); se medocre, fica entre
os chen, sujeito s mesmas paixes terrenas; os perversos
ficam entre os kueng.293 Duas vezes no ano, noite, adornam e
iluminam suas casas e lhes aprestam banquetes suntuosos. Aps
isso, dirigem-se em procisso aos cemitrios e convidam os
Espritos dos mortos a segui-los a casa, para participarem da
comida familiar e, uma vez terminada esta, retornam necrpole, para acompanhar os Espritos. Esta a chamada festa dos
Mani ou dos Espritos, e em uso tambm no Japo, como o era
em Roma (vide antes).
So notrias as mesas dos antepassados, que toda famlia chinesa abastada custodia no oratrio domstico. Pensam os chineses que, depois da morte, o Esprito venha habitar a dita mesinha
e recolher as preces dos sobreviventes. So todavia notrias, na
China, as mesas girantes, das quais o abade Vincot, missionrio, escreve, no Univers, de 14 de abril de 1857: So aqui
conhecidas, desde h muitos sculos, as mesas semoventes, que
sabem tambm escrever, com a ajuda, seja da pena, seja de um
lpis que se lhe prende perpendicularmente a um dos ps.
O Journal des Dbats (maio de 1894), a propsito das mesinhas girantes adotadas pelos lamas do Tibet, para interrogar os
Espritos, registra:
Coloca-se no meio de um aposento uma mesa redonda, coberta de cinza ou areia. Ao teto presa uma flecha que toca com
a ponta a mesa; os lamas, colocados em crculo, apoiam as mos
sobre o mvel. Aos poucos instantes, a mesa comea a mover-se
e a flecha se agita e escreve na cinza as respostas s perguntas
formuladas. As respostas so francas, no idioma do pas, e as
letras pertencem ao alfabeto tibetano.
Nos fins de 1829, lia-se nos Annales des Voyages:294
Aquele que, na China, deseja consultar um sin, prepara
duas mesitas e as cobre com um p branco; depois busca uma
varinha da qual se faz um pincel e traz, para que o maneje, um
rapaz que no saiba ler, nem escrever. Se o Esprito quer mani355

festar-se, o pincel comea a mover-se e d as respostas, em prosa


ou verso, segundo as circunstncias.
NO TIBET
O explorador J. Bocat depositou no Museu Guimet um rosrio de 106 discos de crnios tirados de outros tantos eremitas
tibetanos mortos, primeiramente considerados Espritos malignos, gnios ou profetas, e depois considerados santos, de modo
que um pedao de seu osso craniano se acredita d boa sorte.
Praticava-se, com efeito, a trepanao teraputica nos crnios
para expulsar o Esprito maligno que se supunha nele habitar.295
Curioso sistema de evocao dos mortos usado atualmente
ainda entre indgenas de Tonkim. Eis a descrio dada por
monsenhor Crocq, em uma carta que o Conservatore reproduziu, em 7 de outubro de 1869:
Colocava-se horizontalmente, entre o polegar e o indicador
de cada mo, uma pequena cabaa, atravessada verticalmente por
uma haste de madeira. Depois da recitao da frmula, o Esprito
se manifesta, fazendo oscilar a cabaa, de modo que a haste,
movendo-se, possa desenhar na areia ou no saibro a resposta que
o Esprito quer dar. Escolhem-se preferencialmente pessoas que
no saibam ler, nem escrever. A obedincia do Esprito varia,
segundo os evocadores.
Os egpcios
similitude dos chineses e dos indianos, os egpcios antigos
distinguiam na alma a parte chamada ka, que reproduzia, como
o duplo, o semblante do indivduo, e depois a alma propriamente
dita, Ba.296 Acreditavam na transmigrao da alma, que, antes
de chegar a transformar-se em alma humana, passava pelos
diversos seres da Natureza, melhorando sempre.
Antes de chegar ao Elsio, o Esprito do morto devia percorrer
uma viagem longa, lutando com a fome, com a sede, com o fogo.
Podiam sempre os Espritos sair da regio infernal, para se
transformar e regressar entre os homens, retomando as suas
formas.297
356

Os hebreus
Que os hebreus acreditavam na imortalidade da alma e conheciam as prticas espiritistas coisa que resulta, entre outras,
das injunes e das ameaas lanadas por Moiss 298 contra eles.
Em passagens da Bblia ressalta como a classe sacerdotal possua
certas rodas adivinhatrias e outros instrumentos aptos a estabelecer comunicaes com o alm-tmulo.299
Kircher faz a descrio de uma mesa giratria:
Havia em cima quatro globos de tamanhos diversos, e tinham todos, no centro, um eixo sobre o qual podiam facilmente
girar. Deste centro partiam 22 linhas que terminavam em outras
tantas letras do alfabeto hebraico; aqui havia um dedo indicador
chamado tetragrammaton. Os experimentadores rogavam, com
a mxima intensidade possvel, que o aparelho se pusesse em
movimento; depois tomavam-no pelos dois punhos e, elevando
os olhos para o alto, espreitavam cuidadosamente os movimentos
fatdicos. Quando, por fim, o instrumento parava, toda a sua
ateno se voltava para as letras indicadas pelas linhas traadas
ao centro, que deviam dar a resposta, por virtude de uma inteligncia diretriz. 300
No era desconhecida dos hebreus a mediunidade denominada do copo dgua, pois que se diz no Gnesis 301 do copo pelo
qual Jos costumava adivinhar. No Deuteronmio se probe 302
consultar os mortos: Que no se encontre entre vs nem prognosticadores, nem ugures, nem mgicos encantadores, nem
homens que consultem o esprito de Pton, nem profetas de
buena-dicha, nem algum que interrogue os mortos. Levtico:303
Quando um homem ou uma mulher tiver um esprito de Pton e
seja adivinho, faa-se morrer, seja lapidado e seu sangue caia
sobre ele.
No faltam, com efeito, na Bblia, exemplos de aparies de
mortos, e clssica a de Samuel evocado pela pitonisa de Endor,
que predisse a Saul a sua derrota e morte. Nesta passagem se v
ainda que a evocao de mortos por parte de mdiuns ou de
pitonisas era uma profisso proibida, sob pena de morte, pelo
prprio Saul, e que, apesar disso, se conservava tenazmente. A
357

pitonisa de Endor viu, depois de evoc-lo, sair da terra um velho,


envolto em um manto, que ele, o rei, reconheceu em seguida ser
Samuel.
Os gregos
Passando Grcia, entramos, pode-se dizer, no reino do Espiritismo. J notrio que os chamados deuses eram Espritos.
Expressa-o claramente S. Paulo: Todas as religies pags eram
religies dos Espritos.
Parece, com efeito, pelo que sabemos das pacientes investigaes dos estudiosos, que Saturno, Jpiter, Baco, etc., eram
homens divinizados depois de sua morte, ou talvez antes. Estes
deuses ou Espritos, e assim os fantasmas dos modernos espiritistas, tinham a faculdade da apario, a que davam o nome de
teofania.
Alguns gregos, e assim Anaxgoras, foram to longe, que negaram houvesse outros deuses fora dos Espritos. So os vossos
mortos disse Clemente de Alexandria aos pagos do IV sculo
, fortes pela autoridade, que o tempo concilia com o erro,
tornados deuses junto dos seus descendentes. 304
Quanto alma dos mortos, quando considerados virtuosos,
esses eram geralmente designados com o nome de heris. E
Plutarco escreve que os heris, elevando-se, podem algumas
vezes ascender ao grau de demnios, e ainda ao de deuses.305
Para explicar a unio da alma imaterial com o corpo terrestre,
os antigos filsofos gregos tinham reconhecido a necessidade da
existncia de uma substncia mista, designada pelo nome de
ochema, que servia de envoltrio anlogo ao que os modernos
ocultistas chamam corpo astral e os espiritistas perisprito.
Na Grcia acreditava-se na apario dos mortos, no s o
vulgo, mas tambm os filsofos, especialmente os platnicos e,
antes, os pitagricos, os quais pensavam que o Esprito humano
era composto de uma parte celeste intelectiva e de uma parte
visvel em determinadas circunstncias, porque corporal; admitiam, ainda, que a alma, depois da desencarnao, conservasse a
forma do corpo, se bem que intangvel, e que o ar fosse cheio de
358

Espritos, os quais nos inspiram e com frequncia se comunicam


conosco.
E a familiaridade dos pitagricos com as prticas era tal
como disse Aristteles , que se maravilhavam quando ouviam
algum dizer que jamais havia visto um Esprito.
Por ltimo, Demcrito dizia que aos homens se apresentavam
frequentemente fantasmas visveis e audveis, anunciando o
futuro.306
Bastante numerosos so os casos de aparies de mortos, dos
quais a Histria e a tradio conservaram lembrana. Referirei
algumas, autnticas ou no, unicamente para demonstrar quanto
a crena na existncia dos Espritos estava difundida. E comearei com o recordar a apario da sombra de Ptroclo a Aquiles.
Este quer abraar o extinto amigo (Ilada, XXIII).
Pausnias assegura que, no campo de Maratona, 400 anos depois da batalha se ouviam ainda os gemidos e os suspiros dos
homens e dos animais ali sucumbidos, e deles se viam distintamente as sombras.
E narra Plutarco, de Eliseu de Terina, que, tendo perdido o
filho, Entneo, e suspeitando que este morrera envenenado, foi a
um templo onde se evocavam os mortos. Depois das costumadas
cerimnias, adormeceu e viu em sonho a sombra do filho, de
quem recebeu algumas tabuinhas, as quais, ao despertar, encontrou entre as suas mos, estando nelas escrito que no devia
chorar a morte do filho, porque este havia recebido um favor dos
deuses.307
Narram Ccero e Valrio Mximo de dois homens chegados
juntos a Megara e que se separaram para alojar-se, um em casa
de um amigo e outro em um albergue. Quando o primeiro adormeceu, viu em sonho o companheiro a implorar-lhe socorro
contra o estalajadeiro que queria assassin-lo. Despertou subitamente, saiu rua para socorrer o amigo, mas, refletindo em que
no devia dar f a um sonho, voltou para casa e deitou-se de
novo. Mas, apenas retomou o sono, apresentou-se-lhe ainda o
companheiro, todo ensanguentado, e lhe disse, que visto no lhe
ter querido prestar o socorro solicitado, que ao menos procurasse
359

no deixar impune o assassino; que se colocasse, ao raiar do dia,


perto da porta oriental da cidade, pela qual passaria um carro
carregado de esterco, ocultando o seu cadver, ali escondido pelo
homicida. Despertando novamente, resolveu cumprir com fidelidade o encargo recebido: foi ao lugar indicado, e no tardou em
ver surgir o carro de esterco. Fez det-lo e revistar, encontrandose o cadver. O criminoso foi preso e condenado morte.
A evocao dos mortos era, pois, antiqussima. Ainda sem
falar da evocao que Orfeu faz da sombra de Eurdice, achamos
j um exemplo na Odisseia,308 onde Ulisses os evoca, cerca de 5
sculos antes que Simmia, personagem do Fedro platnico,
evocasse a sombra de Lsias, mestre de Epaminondas.309
Os mistrios de Elusis eram, segundo a acertada observao
de Du Prel, cerimnias necromnticas. Certo que os psicagogos
evocavam os mortos em seus templos. J Herdoto fala de
evocaes na Trespcia, perto do rio Aqueronte, onde o tirano
Periandro mandou interrogar a sombra da sua falecida mulher,
Melissa, e esta lhe deu uma prova da sua identidade, que a
decncia veda referir.310 O prprio Aristteles foi ameaado de
processo, por haver pretendido evocar o Esprito de sua finada
esposa.
Os romanos
Apontamos h pouco a Festa dos Espritos que os chineses
costumam celebrar. Uma semelhante encontramos entre os
romanos, que usavam oferecer aos Espritos suntuoso banquete
(silicernium).
Luciano escreve: Esto persuadidos de que estas sombras
comem verdadeiramente, agrupam-se em redor das viandas e
bebem mesmo o vinho.
Ovdio, Tito Lvio, Dionsio de Halicarnasso e Macrbio, a
propsito das festas funerrias, chamadas Lemrias, pretendem
que os espectros saem das entranhas da Terra; que o povo ia em
procisso busc-los e lhes preparava festins.
notria a f dos romanos nos orculos e nos fantasmas.
360

Leiamos em Lucano como, poucos dias antes da batalha de


Farslia, Sexto Pompeio, em companhia de amigos de confiana,
consultou a maga Erictona, que por um espectro lhe predisse a
iminente derrota, e recordemos tambm o fantasma dos Filipes.
Quando Caracala estava para sair de Antioquia, a sombra de
seu pai, Stimo Severo, lhe apareceu e disse:
Eu te matarei, como mataste teu irmo Geta.
Flvio Vespcio narra que pouco antes da morte do imperador Tcito a sombra de sua me lhe havia prenunciado o prximo
fim. E Quintiliano patrocinou ante o Tribunal a causa de uma
mulher a quem todas as noites aparecia seu filho recentemente
falecido, pois que um mago, chamado pelo marido, operou tais
encantamentos na tumba do jovem, que a me cessou de ver a
amada sombra e por isso ela encetou um processo contra o
marido.
As evocaes de imagens falantes do profundo Aqueronte se
praticavam mediante espargimento de sangue, e isto sob a Repblica e sob o Imprio. Disso falam Ccero,311 Horcio,312 Plnio,313 e o descreve Lucano.314 Foram acusados igualmente
muitos imperadores, entre eles Nero 315 e Caracala.316
Tambm a Itlia tinha templos para evocaes, entre os quais
o mais clebre, perto do lago Miseno, Averno, conhecido de
Verglio 317 e de Lucrcio,318 e descrito por Mximo Trio.319
***
E, vindo Idade Mdia e Moderna, quem poder dizer
quantas so as almas que vieram atormentar os mortais? Benedito XIV sentenciou:320 Innumera sunt apparitionum exempla,
quibus sancti se ternam consecutos fuisse felicitatem
ostenderunt.
Nos Espritos muitos acreditaram, na Idade Moderna, ainda
antes de Swedenborg.
Wallace 321 cita: ... as desordens que aconteceram no antigo
palcio de Woodstock, em 1649; as de M. Mompesson, em
Redworth, em 1661; as de Ysworth, em 1716; na famlia de
361

Wesley, pai do fundador do Metodismo; o revenant de Cook


Lane, examinado pelos Drs. Johnson, Bishop e Percy; os fatos
extraordinrios na casa de M. Jobson, no Sunderland, em 1839,
que foram estudados e publicados pelo Dr. Clanny, membro da
Sociedade Real, e certificados por 16 testemunhas, entre elas
cinco mdicos.
E Wallace s se refere a exemplos ingleses, pois no conhece
os colecionados por Du Prel, Perty, Jung, Stilling e toda a falange de escritores alemes deste sculo.
A Ludovico, o Mouro, queriam apresentar um jovem por intermdio do qual os Espritos se faziam visveis ad faciem.
John Bee, celebrado matemtico e astrnomo na Corte da Rainha Isabel, teve larga srie de sesses espiritistas com o mdium
Kelley e conservava as atas, publicadas depois por Casaubonus,
em 1659.
Cardano e Benevenuto Cellini tinham faculdades medinicas;
aquele declara haver falado com os Espritos elementares e este
refere haver evocado os Espritos malignos (no II livro da sua
Autobiografia).
VULGOS MODERNOS
Vejamos afinal em que, a propsito, ainda creem os nossos
vulgos nestes ltimos anos.
Na preciosa Biblioteca delle tradizioni populari Siciliane, de
Pitr,322 est escrito:
Os campesinos adoram as almas dos condenados; creem que
elas defendem os dbeis contra os ladres noturnos, diminuindo
as foras destes, e isso especialmente perto do rio Oreto, onde
esto enterrados. Centenas de quadrinhos na Igreja da Madona
del Fiume assinalam estes milagres. Estas almas vagueiam,
noite, com aspecto humano, respondem aos adoradores e do
conselhos, principalmente no vero. A alma dos justiados,
suicidas, mortos nos hospitais, etc., ou ficam encarceradas no
corpo de animais, sapos, lagartos, ou reaparecem no mundo, pela
vontade de Deus ou por seu capricho; as dos assassinados va362

gueiam no stio onde caram e se lamentam durante todo o tempo


que deviam permanecer vivos, e depois se precipitam no Inferno.
Para se subtrarem deste viver, procuram entrar no corpo dos
vivos, nas proximidades da meia-noite.
Certas almas de clebres judeus, condenados, vagueiam no
ar ou debaixo da terra.
Aparecem os Espritos, no geral, da meia-noite s 6 da manh, e isso no vero; as dos mortos comuns saem de 1 a 2 de
novembro, noite, da sepultura, para alegrar os filhos, e se
vestem de branco.
VOSGOS
Na Frana, nos Vosgos,323 o culto aos mortos tem grandes
honras. No dia de Todos os Santos, servem na mesa uma polenta
de milho em honra das almas do Purgatrio. No dia de Finados,
as almas vo em procisso e ningum sai, para no as encontrar.
Na Bretanha 324 acredita-se que os Espritos retornam Terra
para corrigir os vivos, para fazer penitncia, principalmente os
padres que fraudaram nas missas; as infanticidas se tornam
lavadeiras toda noite; os devedores vm, para que consigam
pagar os seus dbitos e os mortos insepultos para conseguir
sepultura.
H os que aparecem, porm, s aos que so especialmente escolhidos (vale dizer, aos mdiuns). H os que se vingam dos
inimigos; acima de tudo, tm primazia os mortos violentamente,
tais as mulheres catlicas mortas pelos huguenotes.
***
Ainda aqui notamos, como quando nos referimos aos magos,
a estranha uniformidade, no tempo e no espao, da crena na
ao dos Espritos dos mortos, na possibilidade de conhecer o
futuro ou notcias de pessoas e de fatos acontecidos em pases
muito distantes e encontrar ajuda em circunstncias dolorosas; a
analogia na maneira de os evocar, indo aos lugares onde morreram ou foram enterrados, e confinando-se e enredando-se em
lugar escuro, fechado, em tendas, ocos de rvores, e cantando
(encantamentos) ou usando frmulas especiais, sempre noite
363

ou pouco antes do amanhecer, e, acima de tudo, recorrendo


intercesso de pessoas especiais, mdiuns, magos, profetas,
faquires e lamas, que conquistam ante o vulgo um carter sagrado.
E tudo isso peculiar, como vimos, nos magos, em regies e
pocas bem diversas uma da outra, sem relao alguma entre si e
que, ao contrrio, estavam s vezes em completo antagonismo; e
tudo se reproduz, quer nas baixas classes dos plebeus, quer nas
mais cultas, como nas mais brbaras da Europa. No so estas
analogias de tempo e espao um grande indcio da verdade dos
fenmenos?
H satisfao em desprezar as opinies do vulgo e do brbaro, porm, se certo que no possuem, para atingir a verdade, os
grandes recursos dos sbios, nem sua cultura, nem seu engenho,
eles os suprem com a sua mltipla e secular observao, cuja
resultante acaba por ser superior, em muitos casos, do maior
gnio cientfico. E assim a influncia da Lua, dos meteoros sobre
a mente humana,325 da herana morbosa e do contgio da tuberculose foram conhecidos primeiro pelo ignbil vulgo, do qual os
cientistas faziam, no h muito, e talvez ainda hoje (as academias existem para alguma coisa!), c e l, motivo para grandes
gargalhadas.

364

Eplogo
CAPTULO I
Esboo de uma biologia dos Espritos
Todos esses fatos, que, examinados insuladamente, parecem
fragmentrios e incertos, adquirem slido encadeamento ao se
somarem numa resultante nica. Vimos fenmenos hipnticos
(transmisso de pensamento, premonies, transposio dos
sentidos) s poderem ocorrer pela desagregao e inibio das
funes dos centros corticais primrios, especialmente direitos
(de onde o automatismo, o mancinismo), que d lugar prevalncia dos outros centros. E outro tanto entreveremos, com maior
constncia, pelos fenmenos medinicos.
A existncia do duplo, de uma atmosfera fludica que circunda, e algumas vezes substitui nosso corpo fsico, ajuda a explicar
alguns fenmenos hipnticos, tal a viso a distncia e a transposio dos sentidos, e mais, alguns fenmenos medinicos, a
viso em estado letrgico e na obscuridade, os movimentos de
corpos a pouca distncia do mdium e, talvez, sua bilocao, etc.
Aqui, a grande ao do mdium, ajudada pela energia dos
presentes s sesses, que se sentem depois debilitados, est
provada, no s por uma srie de experincias precisas, mas
tambm pelas observaes de todos os nossos vulgos e dos
povos antigos e selvagens.
H fenmenos, porm, que esta influncia no basta para explic-los: quando se trata de premonies, de aviso contemporneo da prpria morte ou das prprias condies, a grande distncia e a vrias pessoas; quando se trata de materializaes de
diversos entes operantes simultaneamente e em vrias direes,
quando se trata de extraordinria fora e inteligncia em pessoas
dbeis e incultas, em crianas de poucos meses de idade, por
exemplo; quando se trata de fenmenos de levitao, de voos, de
incombustilibidade, de apario ou desapario atravs de corpos
opacos; quando, em suma, se modificam os corpos em torno do
365

mdium, como se estivessem em um espao de quarta dimenso,


ento aquela influncia no basta, por si s, para os explicar.
E ento vem em socorro da influncia do mdium, que mostra
estranha radioatividade, outra influncia entrelaar e fundir-se,
influncia admitida por todos os povos e em todos os tempos
aquela dos mortos, que se manifestaria a quem tenha faculdades
medinicas, ou atravs de outras circunstncias de desagregao
do sensrio, tal o letargo ou a agonia, ora com rumores, ora com
movimentos de objetos, ora com vozes, ora com a presena de
partes do corpo, especialmente da mo, mais raramente do rosto
inteiro e, mais raramente ainda, de corpo completo, assumindo
transitoriamente (a expensas do mdium) quase todas as funes
do corpo vivo, se bem que s tenham um corpo fludico, talvez
radioativo.
A estreita relao desses corpos com os mortos est confirmada com algumas provas de identidade, com declinao de
nomes e circunstncias comprovadas posteriormente por cuidadosas investigaes e pela sua reproduo em chapas fotogrficas (tambm protegidas), o que evidencia sua natureza radioativa
e exclui se trate de fenmenos de sugesto, por agirem tambm
com caractersticas prprias, independentemente dos mdiuns,
sobre pessoas e sobre instrumentos de preciso.
***
J agora, os fatos concernentes s atividades dos Espritos so
tantos que nos podemos permitir uma reconstituio sinttica.
Os Espritos se manifestam geralmente em forma de luzes,
quando no de mos e ainda de imagens de pessoas, porm rara
vez completas, que parece (Stasia) se formam de globos luminosos que se condensam sempre mais nas materializaes, nas
quais um com o outro assume, quase direi absorvem, do corpo do
mdium os rgos mais essenciais.
Crookes e Richet ressaltaram, de fato, nos fantasmas observados a temperatura humana, os batidos do corao e das artrias, os movimentos de respirao normal e constataram ainda
(Richet) a expirao de cido carbnico.
366

A sensibilidade dolorfica sentida nas partes homlogas do


mdium, como se, em vez das do fantasma, fossem tocadas as
daquele.
A formao do fantasma precedida de uma nvoa luminosa
sobre o solo, sobre a cabea ou sobre o ventre do mdium, nvoa
que se vai condensando aos poucos at tomar forma corprea, e
ento, da proximidade do mdium ou do gabinete medinico,
pode passar a alguma distncia deste, a deambular no recinto,
gesticular, e mais raramente falar, enquanto o mdium est no
mximo letargo.
A minha impresso, apenas estou no gabinete medinico
diz dEsperance , a de ser coberta de teias de aranha (impresso que experimentam os mdiuns e tambm os controladores,
segundo Maxwell); depois sinto que o ar se enche de substncia
e que uma espcie de massa branca e vaporosa, quase luminosa,
se forma altura do meu ventre. Depois que essa massa agitada
em todos os sentidos por alguns minutos, s vezes por meia hora,
para bruscamente e ento nasce um ser junto de mim.
Os fantasmas vm vestidos de um tecido branco finssimo, s
vezes duplo, triplo e tambm qudruplo, que, segundo afirmam,
tiram do traje do mdium. Esse tecido medinico como disse
Katie King a Crookes necessrio para conter seu organismo
fludico e impedir que se dissolva luz. Muitos, porm, no modo
de vestir, conservam traos do seu tempo e do seu pas, dando
uma nova prova de identidade. Com frequncia, quando intentam
formar-se solidificar-se, direi eu , recorrem, alm da ajuda da
fora do mdium, ajuda dos assistentes, dos objetos que esto
em redor, mas especialmente s cortinas do gabinete medinico,
nas quais envolvem, antes de os mostrar, mos e braos e ainda a
cabea, que ento mais se adivinha do que se v, pelo seu relevo,
ou tocando-os.
Tambm na escultura medinica tm necessidade de usar esse
tecido, que se entrev perfeitamente nos decalques (v. anteriormente).
Vimos tambm os interessantssimos resultados obtidos, estudando o peso dos mdiuns e dos fantasmas, os quais provam
367

como as materializaes se fazem a expensas do corpo dos


mdiuns e, no dizer de Stasia, a expensas tambm dos vivos, de
pessoas no mdiuns com as quais possam entrar em contato.
O coronel Alcott 326 e Aksakof, experimentando com a mdium Compton, notaram que, quando comparecia a jovem fantasma K., o corpo da mdium desaparecia. Ento ligaram-na e
lacraram um fio, passando-o da orelha da mdium ao dorso da
sua cadeira. Apareceu o Esprito, pesando de incio 35 quilos,
mais tarde 26 e mais tarde ainda 23 quilos. Enquanto a mdium
estava desaparecida, o Esprito desapareceu e reapareceu, com o
peso de 10 quilos.
DEsperance, em 1893, ao formar-se Iolanda, via faltarem-lhe
os joelhos e os ps, mas, se se picava no lugar onde estavam
antes sentia a dor, o que prova portanto a persistncia ali de uma
parte invisvel. Esta desapario das extremidades inferiores foi
confirmada por muitos, interrogados por Aksakof, e ela mesmo
dirigia as mos dos presentes para constatarem a desapario das
pernas e das coxas. As testemunhas verificaram que seus vestidos pendiam, durante a desapario, verticalmente da cadeira, e
depois se enchiam de novo, sem que a mdium se movesse.
Quando isso ocorria, ela era presa de imensa prostrao e de
enorme sede, enquanto que em outras circunstncias jamais
sentia necessidade de beber.
medida que Iolanda desaparecia, a mdium sentia diminuir
a sensao de vcuo e de prostrao, e as pernas reapareciam.
Tambm com Euspia, durante uma levitao, Bozzano e
Vezzano notaram o desaparecimento transitrio das pernas dela,
e John explicou ser ele quem provocava a desmaterializao,
para ter que levantar menos peso.
Em algumas casas assombradas, principalmente nas que ocorreram mortes violentas ou criminosas, parece que os Espritos
dos mortos podem provocar fenmenos motores, rumorosos,
raras vezes psquicos, e mais excepcionalmente materializaes
em que se reproduzem a forma, ainda que truncada, dos mortos,
sem a ao prxima de qualquer mdium, e sim a uma enorme
distncia destes. E parece que, em tais casos, sejam os Espritos
368

que escolhem esses mdiuns inconscientes, o que explica a


sucesso dos mesmos fenmenos durante sculos, sem que se
conheam os mdiuns nisso atuantes. Parece tambm que o
estado agnico e o letrgico provocam fenmenos anlogos, que
despertam a ateno pblica, quando ocorrem em grandes famlias. O moribundo vem a ser, neste caso, um mdium transitrio.
As formas humanas que os Espritos tomam no so verdadeiramente aquelas prprias da sua maneira atual de existncia,
mas formas temporrias, que eles assumem para se fazerem
conhecidos por ns, e podem, pois, ser variadssimas e ordinariamente imitativas do carter que o morto tinha em vida. 327
Com frequncia, tomam do mdium a fisionomia, a voz, os
gestos, algumas vezes variam de aspecto, at no mesmo dia; em
outras, ao revs, assumem uma fisionomia prpria e assim um
carter moral prprio, que pode perdurar meses (Walter) e ainda
anos (como em Katie King). E esta faculdade de transformao
por eles transmitida frequentemente ao mdium. Allan Kardec
fala de uma jovem de 15 anos que reproduzia no s a face, mas
a estatura, o volume e o peso de alguns mortos, especialmente do
irmo.
Certa noite a Sra. Crookes teve transformada a fisionomia,
coberta de espessa barba negra, e seu genro nela reconheceu a do
seu finado pai. Pouco depois seu rosto se mudou no de uma
velha, de cabelos brancos, conservando entretanto a conscincia,
mas sentindo em todo o corpo um prurido como que causado por
uma bateria galvnica.
Frequentemente os Espritos so atrados s casas onde viveram muito tempo ou s tumbas onde esto sepultados, e se fazem
ver depois que estas so visitadas (Moses).
Nos cemitrios ou nos lugares onde houve mortes imprevistas, o mdium Stainton Moses constatou grande nmero de
fantasmas, que se acotovelavam, parece, sua passagem. Isto
explica (posto que a Qumica no o pde fazer) a frequncia, nos
cemitrios, dos fogos-ftuos que muitas vezes demonstraram,
por seu aparecimento a hora certa e sempre numa certa direo,

369

bem determinada e sempre igual, a expresso de uma verdadeira


vontade.
Os fantasmas tm a propriedade, direi, negativa de se dissolverem sob uma luz viva, tal qual a cera ao calor. Isso se viu em
duas experincias com Katie King, e isto d a razo pela qual
quase no se manifestam luz do dia; podem desenvolver, em
presena de um mdium, sob a influncia da clera ou da vaidade ofendida, uma fora dinamomtrica que por vezes chegou a
100-110 quilogramas por vez, e muitas vezes a 80 - 90 e 93.
Notvel fora podem exercer tambm a grande distncia dos
mdiuns e com mdiuns debilssimos, nos castelos assombrados,
a ponto de abrirem portas e janelas pesadssimas e atirarem
chuvas de pedras, mesmo de baixo para cima. Mas, parece
tambm, por suas revelaes, que essas foras minguam rapidamente.
Nos grficos com um cardigrafo de Marey, em comunicao
com um cilindro rotativo, John traava dois grupos de linhas,
um com a durao de 23 segundos e outro com a de 18 segundos,
em cada um dos quais a fora desaparecia, como em um homem
normal desaparece depois dos dois primeiros minutos.
Em uma experincia de Herlitzka e Fo, com Euspia,
John, sobre um manmetro de mercrio, desenvolveu uma
presso de 10 quilos.
No podemos calcular sua velocidade no espao, to extraordinria . Os dois Pansini puderam transportar-se, decerto desmaterializados, atravs de 45 quilmetros, em 15 minutos.328
Muitas vezes, como vimos, os fantasmas impressionaram
chapas fotogrficas, e um at deixou ainda a impresso de quatro
dedos numa chapa envolvida em trs folhas de papel preto. E
por isso, e por outros fenmenos j mencionados, tais a descarga
de eletroscpios, rostos radiantes e globos luminosos aparecidos
nas sesses e impressos depois nas chapas, e por se cobrirem sob
alguns tecidos especiais, como corpos gasosos, por isso, digo,
que pusemos frente a hiptese de que a sua constituio molecular se aproxima da dos corpos radiantes.
370

Geralmente se expressam com pouca boa vontade, e em forma laconssima e truncada; com frequncia veem-se obrigados a
se interromperem prometendo voltar ao assunto em outro dia.
Mais comumente, exprimem-se por sinais e gestos.
No raro que nas comunicaes adotem forma simblica,
recordando nisso os orculos dos antigos. Assim, a Srta. Walt,
pintora automtica, certo dia, durante o transe, sentiu-se constrangida a pintar trs anjinhos no meio de plantas indianas. Nesse
mesmo dia morriam, quase ao mesmo tempo, trs meninos de
uma sua amiga da ndia.
Assim, em algumas premonies recolhidas por Bozzano,329
certa me v voar, em deserta planura, um passarinho, do qual
caem as asas, e sbito, pouco depois, lhe morre o filho. Outra
pessoa v um esquife na casa de um parente e este, tambm
pouco depois, falece.
Cada Esprito adota seu rap especial e uma forma que lhe
sinalizao prpria simulam por fim um telgrafo Morse com
o qual aprovam ou contradizem as palavras dos consulentes, ou
imitam os golpes dos controladores.
Os raps so ouvidos tambm em plena luz;330 estendem-se s
vezes a dois e ainda a trs metros de distncia do mdium,
determinando neste e nos assistentes certa sensao de fadiga.
So sentidos tambm nas salas dos restaurantes, nas estaes,
nos museus ante os quadros de consagrados pintores, sobre
cobertas das camas, nos tecidos, sobre livros, na ponta do lpis
de um mdium escrevente, etc.
A intensidade dos raps no tem relao com a distncia do
mdium; enquanto est em relao com cada movimento deste e
dos assistentes, no est em proporo com a fora do movimento. Produzem-se ainda quando os assistentes assobiem ou falem
(Maxwell). Com isso, parece que os Espritos desejam vivamente
dar-se a conhecer aos vivos, e os insucessos os incitam a novas
tentativas, enquanto que, obtido o xito, desaparecem.
Adotam para isso os meios que lhes so mais habituais. Algumas vezes impem-se com violncia a um vivo para que lhes
sirva de mdium. J vimos, em outro captulo, o caso do Dr.
371

Dexter, constrangido a prestar-se a sesses medinicas e a converter-se ao Espiritismo, pelas perseguies ferozes dos Espritos.
Os Fox, torturados pelos raps, denunciados como truquistas,
excomungados pela Igreja, intentaram subtrair-se aos Espritos,
mudando de casa e de localidade, mas os golpes se repetiram e
os Espritos declararam que no cessariam de persegui-los at
que fosse propalada a verdade da existncia deles, Espritos.
Certo Spin vinha muitas vezes s sesses de Moses, para ser
identificado; quando o foi finalmente, e verificado ser irmo de
uma certa S. P., ele, que morrera havia 13 anos, no mais compareceu.
Mas, apesar do vivo desejo de entrar em relao conosco e
tambm de mostrar a prpria influncia ou para dar notcias dos
amigos ou falar dos fatos atuais, que ignoram totalmente no
Alm, tm os Espritos estranha averso em dar a conhecer o seu
nome. Nas comunicaes tiptolgicas, do quase sempre nomes
falsos ou recusam dar o verdadeiro; em outras, adotam pseudnimos, alguns estranhssimos, tais Imperator, Rector, com
Moses, e Finoit, Pelham, com a Sra. Piper. Mas, prosseguindo na intimidade, alguns revelaram depois seus nomes reais.
Contrariamente afirmao de Moses, no momento da morte
o Esprito parece que acha menos fcil a manifestao da prpria
existncia. As declaraes de Pelham a Piper falam, de fato, de
um imprevisto aturdimento que se segue morte, coisa natural,
visto ter havido completa mudana das condies de vida do
falecido.
Descrevendo o instante de sua prpria morte, Pelham ditava:
Tudo se obscurecia para mim; depois a conscincia retorna,
porm crepuscular, como quando se desperta, antes do amanhecer. Quando compreendi que no estava morto de todo, tive
alegria.
Tambm Altkin Morton, que se suicidou em momento de desesperao, confessou que depois de morto no reconhecia
ningum e s mais tarde se recordou dos seus.
372

No geral, parece que os atingidos por morte imprevista, especialmente em idade jovem, renovam os gestos e retomam as
aes que lhes eram habituais. Assim, em recente naufrgio de
navio de guerra, o Esprito de um dos componentes daquela
nave, em sesso medinica em Londres, disse que os marinheiros
continuavam as manobras como se estivessem em pleno mar.
Esta assero, que parece fantstica, confirmada, primeiro
pelas lendas de muitos povos (v. cap. XIII), depois pelos fatos
que se notam nos castelos assombrados.
Sei de um criado que se afogou perto da moradia do patro,
que aparece noite e lava as garrafas e os copos da casa, como
se ainda estivesse em servio.
Segundo Stainton Moses, as almas conservam no Alm os
seus bons ou maus desejos e apetites, e procuram satisfaz-los,
mesmo atravs de intermedirios; se malvados, impelindo os
vivos a se enrodilharem sempre no vcio, no obstante o esforo
das almas evolvidas que tentam impedi-los.
Assim se explicaria que muitos, e especialmente os mdiuns,
sejam vtimas dos Espritos, que conseguem contra eles choques
atrozes, atiram-lhes gua cabea, queimam-lhes as vestes e os
mveis da casa.
Em S. Petersburgo, uma chuva de pedras caa sobre a carruagem de Phelps, que anotava esses fatos em um carn, que foi
destrudo. Fechou seus escritos em uma caixa e estes arderam no
interior da mesma, e a fumaa s se fez notar quando estavam
queimados de todo.331
Os Espritos conservam a mentalidade e a tmpera que tinham em vida.
Na quadragsima sesso da Sra. Piper, com os dois Lodge, o
fantasma Finoit apresentou Rich, que pediu que enviassem ao
seu genitor expresses do seu afeto.
Meu pai disse ele, em outra sesso est muito aflito pela
minha morte; digam-lhe que estou vivo. 332
Depois, queria os seus culos, tocou os olhos com as mos e
acrescentou: Meu pai deve t-los e tambm os meus livros.
Nenhum dos presentes sabia coisa alguma de tudo isso. Averi373

guou-se depois que ele usava culos e que repetia, no seu dilogo, como em vida: Merci, mille fois..
O pai de Hyslop continua a dizer: Dai-me o chapu, como
quando penosamente andava em casa ante qualquer visitante.
Quando se trata de Espritos de loucos, as comunicaes
nota Hodgson so fragmentrias e at amalucadas.
Um amigo de Hodgson, o Sr. A., lhe fez comunicaes incoerentes; Pelham insistia em que o deixassem depor, porque durante algum tempo estaria confuso, por haver sofrido doena mental
e neurastenia.
A falecida Ana Wild interrompeu a entrevista com sua irm,
atravs da Sra. Piper, porque era hora da missa e no queria
perd-la. Com efeito, em vida, era mui religiosa e nos dias
festivos jamais faltava missa.
O fantasma de Vicente, no obstante comunicar-se por mdium de temperamento dulcssimo, mostrou-se de estranha
violncia e luxria, interrompendo as sesses com murros,
blasfmias e mofas torpes. Tal fora assim em vida.
Faifofer me falou de Espritos que impediam muitas vezes as
sesses, porque, em sesso anterior, fora consultado um outro
Esprito. Se os Espritos escreve Hyslop que comunicam
conosco no so tomados a srio, ofendem-se, fogem, quando
no respondem com epigramas aos nossos.
As crianas, quando morrem, reproduzem as palavras e os
gestos infantis e pedem seus brinquedos; porm, quando transcorre muito tempo de sua morte, atuam e falam como se fossem
adultos, enquanto que seus parentes s as podem recordar no tipo
de criana. Isto prova tambm que o inconsciente e o consciente
do mdium e dos presentes nem sempre tm influncia nestas
comunicaes, porque, evidentemente, os considerariam ainda
crianas.
Servindo de intermedirio de um destes Espritos, ao qual a
me falava como se se tratasse de uma criana, Pelham informou: Ele j no mais um menino, um homem.
Parece, das palestras de alguns Espritos com dEsperance,
que eles no conhecem de todo o presente, de modo que desejam
374

e pedem notcias de um ou de outro dos amigos, enquanto que


conhecem e preveem os fatos futuros, isto que Dante expressou
nos versos do canto X do Inferno, 110 e seguintes.
Finoit predisse Sra. Pitmann: Ireis este vero a Paris; caireis logo enferma do estmago e da cabea; um homem louro e
plido vos tratar. No quis dizer se lograria cura. A senhora,
que se sentia bem do estmago e no tinha a menor inteno de
ir a Paris, riu; mas, chegado o vero, teve de ir, e adoeceu do
estmago e dos nervos; foi atendida pelo louro Dr. Herbert e
morreu.
Parece que aos Espritos falta completamente a noo do
tempo e do espao ou que a possuem equivocada. Do espao,
compreende-se, porque as distncias no existem quase para
eles, e vo e voltam, em poucos minutos, de um ponto a outro,
distantes entre si centenas de quilmetros.
Anteriormente vimos que, do tempo, alguns s conhecem o
futuro, por isso, em suas falas, confundem o porvir com o presente. Assim, Finoit disse a Lodge que seu filho tinha afeco na
palma da mo, e poucos dias depois o mal que este sofria no
calcanhar se localizou, de fato, na palma da mo. E se viu Pelham, solicitado a que fosse ver o que estava sua me fazendo,
em determinado momento, voltar dizendo hav-la visto fazer,
no aquilo que ento fazia, mas o que ela depois fez, no dia
seguinte.
Em contraste com esses fatos, parece que os Espritos no esquecem jamais certos objetos que lhes pertenceram em vida.
Estes os atraem tanto quanto maior tempo estiveram em suas
mos, e quando esto ligados a uma lembrana especial; servem
de ponto de referncia na grande confuso da sua memria,
arejando a associao de ideias. No jargo espiritista da Sra.
Piper se denominam influncias. Eles nos recordam os objetos
que se colocam nas mos dos hipnotizados, como cabelos, cartas,
etc., para lev-los ao rumo de recordar ou predizer os acontecimentos passados ou futuros da pessoa que os possuiu.
Finoit parecia achar nestas influncias muitas fontes de informao.
375

Tambm Imperator assim se ajudara com a Sra. Piper, para


fixar as ideias do comunicante e impedir de afastar-se do assunto
ou se tornar incoerente.
A inteligncia dos Espritos, e assim dos que foram em vida
de grande cultura, tendo de se valer do crebro dos vivos,
fragmentria e incoerente. Os mortos de h muito tempo pareciam a Moses como que aturdidos e confusos, ao revisitarem as
antigas cenas da Terra.
No transe diz o Esprito de Pelham (Hyslop) o corpo etreo do mdium sai do corpo fsico, como no sonho, e deixa vazio
o seu crebro, e ento ns nos apossamos dele. Vossa conversao nos chega como que por telefone de estao distante. Faltanos a fora, especialmente ao finalizar da sesso, na pesada
atmosfera do mundo.
O Esprito de Robert Hyslop assim diz ao filho vivo:
Interrompo-me, devo ir embora, porque sinto faltar-me as
foras, e no sei o que fao.
E Pelham insiste frequentemente:
Quando se quer obter de ns comunicaes claras, no
bom que nos atordoem com perguntas; para se manifestarem a
vs, os Espritos se introduzem em um ambiente que bastante os
incomoda. Esto como quem haja recebido um golpe na cabea e
em um semidelrio: necessrio acalm-los, encoraj-los, darlhes segurana; depois do que, suas ideias tornaro tona. Para
entrarmos em comunicao convosco (Hyslop), devemos penetrar na vossa esfera, adormecer como vs; eis porque cometemos
erros, somos incoerentes. Sou inteligente como antes, mas as
dificuldades para falar convosco so bastante grandes. necessrio, para vos falar, que entre em um corpo e sonhe dentro dele,
e por isso preciso perdoar-me os erros e as lacunas.
Segundo as revelaes de Pelham, at os mais sbios, mortos
recentemente, do comunicaes incoerentes, inexatas, pelo
grande choque inicial da desencarnao, pela chegada a um
ambiente novo, onde nada compreendem. Sua inabilidade, a
princpio, para servir-se do organismo do mdium, grande,
porm pouco a pouco se esclarecem.
376

Amigos dizia ele , no considereis isto com os olhos de


crtico; o Esprito que se comunica convosco, valendo-se do
mdium, igual a um que se enfia dentro do tronco de uma
rvore oca.
que toda a luz lhe vem do mdium.
Quando a Sra. Piper est em transe, eu me pressiono. dizia
o Esprito Finoit. O mdium para ns como que um farol,
enquanto que vs, no mdiuns, sois para ns escuros, como que
no existentes; mas, cada vez que vos vemos, como que em
meios ou apartamentos escuros, clareados por uma espcie de
janelinhas, que so os mdiuns.
Aksakof perguntava a um Esprito ou suposto Esprito:
Dizes possuir um rgo visual; ento, como no podes ver
certas coisas sem o mdium?
E o Esprito lhe deu sensatssima resposta, que resumo:
Eu vejo; porm, nossas sensaes so, quantitativa e qualitativamente, diversas das vossas, de modo que distinto ver uma
coisa por mim e outra v-la de maneira que possa torn-la compreensvel a ti; por isto, preciso que eu a veja como a verias tu,
e para isso tenho necessidade do mdium.
Se difcil expressar-se por meio de um intrprete, tanto mais
difcil deve ser tornar compreensvel, por sua mediao, as cores
a um cego. O interrogante e o Esprito so como dois prisioneiros que desejam comunicar-se atravs de uma porta, sendo um
surdo e o outro cego. Isto poderia explicar a obscuridade e a
incoerncia de muitas comunicaes espiritistas.
Se, com frequncia, me equivoco continuou Pelham
porque me sirvo de um organismo que no est feito minha
medida.
Muitos gnios deram comunicaes indignas deles (Hyslop).
Acontece com eles, como conosco, quando acreditamos no
sonho haver ditado rasgos memorveis que, recordados ao
despertar, causam piedade.
Com frequncia, a maioria dos Espritos cansam de pronto.
Da o fato, destacado por Hyslop, de se mostrarem perfeitamente
377

lcidos no incio das manifestaes, para depois, mais ou menos


rapidamente, passarem ao estado de confusionismo psquico, at
necessitarem retirar-se, ante a impossibilidade de coordenar
ulteriormente as ideias. Da a necessidade dos assim chamados
Espritos-guias, ou seja, entes geniais que os sustenham nos
interrogatrios.
Muitos Espritos so sinceros, porm a maior parte ignobilmente constituda de burles e, conforme a modalidade,
muitos se deixam sugestionar, aceitando por verdadeiros fatos
no ocorridos.
Muitos no se podem orientar seno em um crculo muito ntimo de conhecidos.
O Mdium Stainton Moses, quando ia de um crculo espirtico a outro, s recebia comunicaes vagas e fragmentrias.
Advertido, tiptologicamente, restringiu-se a um grupo de pouqussimos ntimos, e teve desde logo comunicaes importantssimas.
Poucas vezes os Espritos reproduzem a caligrafia prpria:
Pelham no o conseguiu jamais. Frequentemente escrevem com
caracteres tipogrficos, evidentemente pela predominante do
hemisfrio direito no transe do mdium; muitas vezes as palavras
so escritas inversamente: latipsoh por hospital.
Encontram-se, em suma, enorme quantidade de erros, ainda
que involuntrios, nas comunicaes dos Espritos, donde aquela
justa desconfiana que inspiram a muitas pessoas sensatas.
Nas comunicaes da Sra. Piper, com Hyslop e Hodgson,
quando presente o Esprito de Rector, houve engano em muitos
nomes ingleses: ao tio Carruthers nunca chamaram com o seu
nome, e sim Charles, Clarke, Clarake. A segunda esposa de
Roberto Hyslop se chamava Margarida, em ingls Maggie, nome
que jamais veio tona. Hodgson o fez notar a Rector, mas este,
no conseguindo record-lo, cedeu a incumbncia a Pelham, que
se recusou, mas depois disse:
Bem, irei procura; se existir um nome, encontr-lo-ei.
E, decorrido um quarto de hora, veio com o nome de Margarida, ao invs de Maggie.
378

Ora, se a comunicao houvesse sido teleptica, ou de leitura


de pensamento, do mdium com os vivos, estes nomes deviam
encontrar-se imediatamente, e certos, sendo evidente que o filho
devia saber o nome da madrasta e do tio, e isto prova, com maior
razo, que os presentes no podiam influir nimiamente nessas
comunicaes. Assim se disse, em uma sesso com a Sra. Holvold:
um certo Farnan que vos deseja falar; quer pedir-vos notcia da tia Ellen, de quem foi servidor, por muitos anos.
Mandou-se em busca da tia Ellen, e se soube que, realmente,
ela tivera por jardineiro um tal Farnwsod, quatro decnios antes,
mas a Sra. Holvold jamais havia ouvido falar nesse nome.
Hyslop compilou uma estatstica das comunicaes mais importantes, recolhidas nas 15 conferncias com a Sra. Piper. Ora,
destas, 152 foram verificadas verdadeiras, 16 falsas, 37 indecisas. Tendo contado depois 927 fatos, com os detalhes mencionados em tais comunicaes, 717 eram verdadeiros, 43 falsos, 167
incertos.
E foram centenas de comunicaes, e cada uma com o seu
estilo, a sua maneira de tratar: Imperator, sempre bblico e
orgulhoso; Finoit, vaidoso, presunoso, superficial; Pelham,
impaciente, genial, nobremente ambicioso da prpria fama;
Robert Hyslop fala sempre de no querer mal-humorar-se, como
acontecia quando vivo.
Mas, se as comunicaes com o alm foram at agora fragmentrias e incertas, que os meios adotados eram grosseiros e
inadaptados; agora, esses meios foram sempre e mais se aperfeioando; dos golpes nas paredes, inventados com a finalidade de
atender s interrogaes das Fox, se utilizaram as letras alfabticas; depois adotou-se (a conselho dos Espritos) a mesinha, o que
era mais cmodo do que a parede. Depois, ainda mesinha se
adaptou um lpis e depois l se adaptou uma prancheta, passando
posteriormente a usar-se as mos.
E agora o ltimo progresso a tentativa de aplicar os mtodos
grficos de preciso, o tambor de Marey, etc., para medida e
379

estudo da sua atividade psicolgica e biolgica e, acima de tudo,


temos a cross-correspondence para prova de identidade.
A influncia do mdium, em confronto com a do Esprito dos
mortos, deve ser preponderante, porque um possui o organismo
completo e o outro no, e o segundo no pode funcionar sem a
ajuda do primeiro.
As condies especiais do transe, nas quais, como em alguns
acessos histricos que estudamos na parte I, pela paralisia de
alguns centros, ativada a ao de alguns outros, do ao mdium, em certos momentos, faculdades extraordinrias, que ele
no possua antes do transe, e que o trivial dos homens no
possui comumente. Ativa-se, acima de tudo, a ao do inconsciente; vm superfcie e predominam aqueles centros que parecem inativos na vida comum, recordam-se fatos olvidados de h
muito tempo (criptomnsia), adivinha-se e assimila-se o pensamento dos presentes. Explica-se, assim, o modo por que o mdium, em transe, l no pensamento dos presentes e fala os seus
idiomas, inclusive se estrangeiros (xenoglossia).
Mas, ele no pode apreender e logo manifestar o que sempre
ignorou, se no est no pensamento dos assistentes sesso, nem
sem a ajuda destes pode desenvolver uma fora dcupla da sua
prpria; nem ter a energia que antes no possua. Assim, quando
adivinha o futuro; quando, sem estudos literrios, escreve um
romance; quando esboa uma escultura, sem interveno, ao
menos momentnea, de um escultor; quando d comunicaes
ignoradas por todos; quando escreve com os caracteres e com o
estilo de defuntos desconhecidos dos presentes, tudo isso ocorre
porque fora do mdium se associa uma outra que, transitoriamente, d aos vivos condies que eles no possuem: ler o
futuro, improvisar-se artistas, etc.

380

CAPTULO II
Truques inconscientes e telepticos
Chegado a este ponto, receio que o leitor, imitando o famoso
Cardeal dEste, me interrompa com a exclamao:
No vos tereis deixado enganar pela mais vulgar das velhacarias?
A primeira impresso, de fato (e a mim tambm no faltou),
de que se trata de um truque, e a explicao mais adaptada ao
gosto da maioria, pois evita que se perca tempo em pensar e
estudar e deixa ao homem vulgar supor-se um observador mais
consciencioso e mais hbil do que o douto. Realmente devemos
convir que nenhum fenmeno natural, melhor do que os espirticos, se presta dvida e fraude, primeiro porque os fatos mais
importantes, mais raros, ocorrem sempre s escuras e nenhum
experimentador pode aceitar por verdadeiros fatos que, desenvolvendo-se no escuro, no podem ser bem controlados e observados. Depois, os prprios mdiuns, involuntariamente ou no,
muitas vezes se prestam ao truque, no mais das vezes histricos,
propensos que so fraude como todos os histricos, e porque,
quando sentem faltar a energia medinica, querem supri-la com
artifcios, buscando conseguir o escopo com o mnimo dos
esforos, e algumas vezes, sugestionabilssimos como so,
trucam para obedecer ao secreto convite de algum Esprito
maligno, como me declarava certa vez Euspia, a qual, em
Gnova, ouvira ordenar-se-lhe secretamente que trucasse e teve
de obedecer.
No falemos, pois, dos falsos mdiuns, falsrios de profisso,
que pululam nos cenrios e nos pases onde mais difundidas
esto as crenas espiritistas.
Existe uma grande literatura, especialmente americana,333 que
constitui um arsenal tpico de que se serviriam tais mdiuns,
para os seus truques: barbas postias, mscaras, vestidos de
musselina finssima, substncias fosforescentes, cadeiras com
esconderijo onde o mdium oculte as mscaras, quando no
com molas que, funcionando, simulam a levitao.
381

Tambm Euspia no se subtrai regra geral. Vimos que


muitos so os truques cometidos por Euspia, em estado de
transe e fora dele, liberando, por exemplo, uma das mos, presas
pelos controladores, para mover objetos a ela vizinhos, para
estabelecer contatos; com um joelho ou um dos ps levantar
lentamente a perna da mesa; fingir ajeitar os cabelos e arrancar
um, para fazer baixar uma balancinha de pesar cartas. Foi tambm vista, por Faifofer, colher furtivamente, antes da sesso,
flores, para simular depois apports, noite, prevalecendo-se da
escurido. Parece, igualmente, que houvesse aprendido, com
pelotiqueiros, algum truque especial, aquele, por exemplo, de
simular rostos humanos, com movimentos de ambas as mos,
circundadas por um leno colocado guisa de turbante. Sem
embargo, sua dor maior, tambm durante a sesso, quando
acusada de truque ( preciso dizer que, por vezes, injustamente),
porque certo agora que membros medinicos se sobrepem aos
seus membros e fazem as vezes destes, e no raro foram interpretados como sendo os seus braos, assim como, pela comprovao, se encontraram mos justapostas, mediunicamente, quando
o Esprito toca objetos protegidos pela escuridade.
Ora, isto se acresce para diminuir a importncia dos pretensos
truques, que muitas vezes no existem, e sim manifestaes que
induzem a suspeitas injustas. Tais so os apndices fludicos,
mos, braos ou ps que saem das costas ou da saia da mdium e
que, na escuridade, podem ser interpretados como sendo sua mo
ou seu p.
Tal o novo fato descoberto agora por Ochorowicz,334 do fio
medianmico que se forma e se desmaterializa sob a influncia
medianmica e que, at aqui, se tinha como truque produzido por
um fio verdadeiro. Tais fatos e tambm porque os movimentos
medianmicos ocorrem em lugar escuro, no mais das vezes na
imediata vizinhana da mdium, e especialmente em contato
com sua saia, fazem supor um artifcio; entretanto, o que influi
no fato que o elemento fludico se refora na escuridade e
dentro dos vus medianmicos, como o so as saias da mdium,
as cortinas do gabinete medinico, das quais partem tantas vezes
as materializaes.
382

Verdade que, quando se procura precisar as manifestaes


medinicas com mecanismos especiais, elas muitas vezes falham, e que, de outras vezes, em condies idnticas, elas no se
verificam, ao contrrio, pois, do que acontece em todos os fatos
experimentais. Assim, alguns pouqussimos mdiuns podem
operar com luz, enquanto que os demais no o podem. Acrescente-se que a maior parte dos mdiuns so de uma vulgaridade que
contrasta estranhamente com aquelas manifestaes aparentemente sobrenaturais de que do prova, ainda que estas sejam no
raro de uma vulgaridade mista de obscenidade e em contraste
com a sua qualidade pseudodivina.
A estas objees, que no so sem importncia, pode-se responder que ningum nega a obra do fotgrafo, embora ele s
possa revelar no escuro as suas chapas, e este exemplo, conforme
nota Richet, por analogia, pode ajudar a compreender como a luz
possa impedir o desenvolvimento dos fenmenos medinicos.
Por outra parte, apesar da contradio que predomina em toda
essa matria, conhecem-se mdiuns, a exemplo de Slade e Home, que puderam operar a plena luz; e em plena luz se desenvolvem os estranhos milagres dos faquires indianos, to estranhos
que s o relat-los faz hesitar.
A mesma Euspia, se bem que, em transe, refratria luz,
deu lugar, em plena claridade, a uma srie de extraordinrios
fenmenos, como as modificaes do dinammetro e da balana
e o movimento de enorme armrio. Tais modificaes ocorridas
na balana e no dinammetro provam que, no raras vezes, a
estes fenmenos assim refratrios aos mtodos cientficos se
puderam aplicar, com vantagem, outros meios de preciso.
Verdade que os mdiuns, como eu j disse, recalcitram, tanto que, de incio, os fazem falhar; mas, bem se pode compreender que eles tambm sejam misonestas e adversos, pois diante
de novos mecanismos, assim o todo o gnero humano.
Richet notou exatamente que substituir uma mesa por outra,
ou introduzir um novo elemento na cadeia dos experimentadores,
interrompe muitas vezes a srie de fenmenos espiritistas.

383

Assim a intromisso acrescenta de um novo elemento


nas condies de uma experincia, nem sempre til ao seu
xito, visto que se trata de experincias sobre fatos desconhecidos ou quase desconhecidos.
Temos mais ainda: meios de conteno de modo a evitar
qualquer truque foram aplicados em Euspia, ligando-se-lhe as
mos e ps, ou rodeando-a (Ochorowicz) com uma rede de fios
eltricos, ligados a uma campainha, que soava ao mais leve
movimento dos seus ps.
Politi, na sociedade de Cincias Psquicas de Milo, foi encerrado, nu, em um saco de l.
DEsperance foi metida em uma rede, qual peixe, e apesar
disso, nesse estado, provocou o aparecimento do fantasma de
Iolanda, e assim a Cook. Pde-se ver e fotografar a Srta. Cook
junto ao fantasma, quando circundada por um fio eltrico disposto de modo que lhe era impossvel fazer agir um espectro artificialmente, sem interromper o circuito. E, assim mesmo, Katie
King falou, escreveu, tocou com a mo muitas pessoas. O circuito no se interrompeu e a mdium sempre se manteve em estado
catalptico.335
Houve experincias fsicas realizadas com toda a seriedade e
a importncia das experincias feitas com instrumentos exatos, e
mais, que foram controladas com a fotografia. Conquanto seja
verdade que das fotografias espiritistas se tenha abusado e feito
objeto e meio de fraude, por exemplo, com uma impresso na
superfcie da chapa, com uma ligeira pelcula ou utilizando
certos raios qumicos ou certas substncias (qual o bissulfato de
quinina, por exemplo), que, invisveis aos nossos olhos, so
recolhidos pela objetiva, e assim que um crnio, pintado na
fronte com esta substncia, aparece depois no revelar a chapa.
Toda suspeita justa, menos quando se trata de fotografias
obtidas ante uma comisso especial de peritos e de homens de
renome indiscutvel, tais Zllner, Finzi, Aksakof, Volpi, Falcomer e Carreras.
Outro tanto se diga dos tantos mdiuns tiptlogos, no profissionais. Ainda os mais simples entre os fenmenos espiritistas
384

(diz Brofferio) 336 no poderiam ser imitados sem algum estudo


e, acima de tudo, sem muito exerccio, que seria difcil ocultar; o
escrever ou falar faclimo, mas, por exemplo, escrever impondo a mo sobre um cestinho ou sobre um violino ao qual unido
um lpis, escrever febrilmente enquanto se fala com outrem,
mudando a caligrafia e o estilo, cada vez que muda o Esprito, e
dando as respostas concordes, no deve ser coisa que se possa
fazer sem estar preparado.
A coisa ainda parece mais estranha, se se considera que mdiuns desta espcie existem por centenas. Que haja alguns que,
por originalidade, se divirtam em continuada impostura, intil e
difcil, pode dar-se; porm, que semelhante vocao seja epidmica, muito inverossmil.
Acrescente-se que, com frequncia, falta a capacidade para
delinquir, quando, por exemplo, o mdium menino. A impostura do mdium escrevente me parece diretamente impossvel.
Quando um mdium escreve uma comunicao com a mo
direita e outra com a mo esquerda e d uma terceira de viva
voz, ou quando se faz indicar, por um mdium, as letras do
alfabeto com a prancheta, sem que ele a veja, e mudando a
ordem das letras, tudo isso me parece no ser impostura.
Os prestidigitadores continua Brofferio no tm imitado
at agora os fenmenos espiritistas de modo a enganar, salvo
quando obtm duas condies: a primeira que com eles no se
tenham todas as exigncias, nem se tomem todas as precaues
que se tm tomado e se tomam com os mdiuns.
O prestmano executa o jogo, mas o jogo que ele preparou; e
intil pedir que faa outro ou que o repita. Ao revs, os fenmenos que se obtm com o mdium so quase sempre os que se
lhe pedem, ainda que no o sejam sempre, porque a Inteligncia
oculta que os produz tambm possui vontade prpria.
A Comisso da Sociedade Dialtica de Londres chegou at a
querer que durante as experincias fossem os mdiuns vigiados
por nem mais, nem menos dois dos melhores prestidigitadores daquela capital.

385

A opinio de que os fenmenos espiritistas so imitveis est


muito difundida entre o pblico, mas no esta a opinio dos
prestmanos Jacob, do Teatro Robert Houdin, de Paris, e
Bellacchini, prestidigitador da Corte de Berlim, que fizeram ao
mdium Slade declaraes de que nenhuma das suas artes pode
produzir os fenmenos que ele, Slade, realiza.
Trollope, citado por Wallace, conta que Bosco, um dos mais
peritos prestmanos que j existiram, ria muito da crena de que
os fenmenos produzidos por Home se pudessem atribuir aos
recursos da sua arte.
Uma causa dos pretensos desmascaramentos dos mdiuns a
preveno de que os fenmenos no devem ser verdadeiros. H
iluses ocasionadas pela credulidade, mas tambm existem as
produzidas pela incredulidade.
Os incrdulos se pem num estado de ateno expectante e
por isso creem ver o que no ; se no o veem, adivinham; eles
tudo compreendem, tudo explicam. Tm tal medo de ser burlados, que se burlam por si mesmos e, por evitar o inverossmil,
inventam o impossvel.
E as mesmas causas que produzem os desmascaramentos so
as que do origem aos processos. O processo contra Slade foi
feito no interesse da Cincia, e a condenao se fundava, em
parte, sobre motivos tirados do notrio curso da Natureza. Assim, a sentena do Tribunal deriva de um preconceito: que o
curso conhecido da Natureza exclui a possibilidade dos fenmenos medinicos; ora, o impossvel no se pode fazer, mas apenas
fingir; logo, todos os mdiuns so impostores.
Da resulta, para eles, para os espiritistas, por crerem na possibilidade das coisas impossveis, so imbecis. Por isso, no so
jamais chamados como peritos, conquanto sejam os nicos
peritos e, pois, os nicos competentes e, quando ouvidos como
testemunhas, no acreditam neles.
Enfim, s imitaes feitas por mdiuns impostores, por prestidigitadores e cpticos, os espiritistas respondem, com Hellenbach, que as perucas no provam a inexistncia do cabelo; as
386

dentaduras postias, que no haja dentes e, assim, as moedas


falsas, as flores de papel, etc.
Tendo eu visto fatos reais, intil que Tyndall me venha dizer que h muitos falsos. Sei que o caf tambm se fabrica com
chicrea, bolota e figos secos; tudo isso sei porque um dos meus
conhecidos fabricante de caf; sei muito bem que no suficiente garantia nem mesmo compr-lo em gro, porque um comerciante em artigos coloniais me assegurou que o fabricam com
resduos de caf, e to bem que eu no o distinguiria do legtimo.
Sem embargo, porque bebi algumas vezes do verdadeiro caf,
estou, quanto ao caf, naquele estado de nimo a que alude
Tyndall: estou afetado de incurvel credulidade. Nem um bloqueio continental, que me privasse do caf por toda a vida, curarme-ia da iluso de que existem o Moca e o Porto Rico. verdade
que um fantasma difere muito de uma xcara de caf, mas a
diferena depende disto: que todos os que vo a Npoles vo ao
Caff Nuovo, enquanto que quase ningum pergunta por
Euspia.
Telepatia
Outras explicaes se tentam para evitar a da influncia dos
mortos: por exemplo, a de que o mdium extrai do crebro dos
presentes a resposta aos quesitos, e tambm a imagem dos fantasmas, que depois projeta no exterior. Mas, deixando de lado
que esta projeo de fantasmas no sobrevm em nenhuma outra
condio da vida, principalmente de modo a assumir as pulsaes, o calor, o peso do ser vivo, admito que dos assistentes, que
conheam um idioma estrangeiro, o mdium possa extrair o
momentneo conhecimento desse idioma e assim os conhecimentos improvisados de Fsica, de Qumica, como atinge as
crenas, de modo que ateu em um grupo de ateus, pio em um
grupo de pessoas pias, mas no compreendo como dos presentes
possa o mdium extrair aquilo que os presentes no conhecem,
como quando Piper no idioma havaiano, que nenhum dos assistentes conhecia.

387

Compreendo a telepatia no caso de Stainton Moses, que teve


a apario da imagem de um seu amigo, o qual, antes de adormecer, fixou o pensamento nele, ou no caso de M. D., que aparece a duas mulheres, depois de ter fortemente desejado mostrar-se
a elas.
Porm, conforme nota James Hyslop, a sucesso de vrios
Espritos comunicantes, 5, 6, 10 vezes, com personalidades
distintas, bem ntidas, no se pode explicar pela telepatia. E viuse, com a Sra. Piper, que Espritos comunicantes, que no conheceram Hodgson, sabiam assinal-lo. E os prprios erros das
comunicaes excluem a telepatia, enquanto que, ao contrrio,
eles bem se explicam pela dificuldade que tm esses seres,
chegados a uma nova forma de vida, para explicar a sua energia.
Se, repito, as comunicaes medinicas viessem da telepatia,
se todas fossem telepticas, porque tantas confusas e falsas? E
como, assim, com frequncia, perdiam as noes de tempo e dos
nomes (v. antes), enquanto entre os vivos permanecem to
intensos e precisos? Nem a telepatia pode revelar fatos que
acontecero no futuro ou ocorridos com um morto, como quando
a Sra. Meurier duas vezes sonha ver aos ps do seu leito o irmo
decapitado, com a cabea colocada sobre um fretro. Neste caso,
no se pode tratar de telepatia, porque ele no estava morto
quando ela assim o avistou, tendo sido ele, de fato, decapitado
pelos rebeldes chineses. Portanto, a notcia foi trazida e transmitida por uma outra Inteligncia que no era a sua viva, pois que
no podia ele, vivo, transmitir a notcia do que lhe devia acontecer, depois de morto.337
O Rev. V., enquanto escrevia congratulaes a um amigo, pelo seu aniversrio, ouviu vrias vezes lhe dizerem: A quem
escreves? A um morto?
E, com efeito, quela hora, o amigo estava morto. O fenmeno no podia provir de um ser vivo, e assim no podia ser teleptico.338
E assim se diga da predio do porvir. A Srta. Curtis, por exemplo, sonha ver certa mulher passar a seu lado, depois de
encontr-la estendida na rua, enquanto entre os presentes uns
388

diziam que estava viva, e outros morta. Tratava-se da Sra. C., sua
amiga, de quem, havia tempo, no tinha notcias.
Na manh seguinte, a senhora C. caa na rua, ferindo-se. Como poderia a telepatia fazer ver o que no havia acontecido?
Um vigrio da Nova Zelndia devia fazer uma excurso de
pesca em uma ilha, com alguns amigos, que deviam ir busc-lo
ao alvorecer. Uma voz, primeiro na escada, depois no seu aposento, advertiu: No v!
E quando ele ponderou: E se me vierem chamar?
Respondeu a voz: Fecha-te a chave.
Ele compreendeu que o ameaava um perigo e recusou seguir
os amigos. Pela manh soube que se haviam afogado na excurso.
Aqui no podiam ser eles a dar o aviso, mas outros Espritos a
quem o futuro no era desconhecido.
A telepatia diz Brofferio 339 arma de dois gumes; se os
fantasmas dos vivos tornam desnecessrios os dos mortos,
tambm os tornam possveis. Se um vivo pode aparecer e agir
onde no est seu corpo, isto conduz hiptese de que possa
aparecer e atuar quando o corpo no existe; se a forma do corpo
pode separar-se deste, poder sobreviver-lhe.
Esta no mais do que uma hiptese; poderia dar-se, ao revs, que a apario de um vivo fosse a ao fisiolgica de um
organismo sobre outro; mas tambm no , por obra, mais do que
uma hiptese.
Existe ainda outra razo verdadeiramente peremptria contra
a objeo tirada da telepatia. Quando o fantasma visto e fotografado no se assemelha ao mdium, no pode ser uma apario do
mdium. Quando, pois, se tem simultaneamente mais fantasmas,
diferentes do mdium, a ao do seu duplo deve ser inteiramente
excluda.
sabido que Vassalo e Porro, em sesses com Euspia, viram vrias vezes seus filhos falecidos; ao prprio Morselli
apareceu a sua me, e por vrias vezes, mas com seios exuberantes e com modos menos corretos dos que lhe eram prprios, e o
389

mordiscou em vez de beij-lo; depois teria tido verdadeiros


colquios com ele, por gestos e, acenando quase com mgoa
para os culos e para a semicalva dele, queria faz-lo compreender quanto tempo decorrera depois que o deixara presunoso,
belo rapaz. E quando ele lhe pediu uma prova de identidade, ela
tocou a fronte com a mo, mostrando uma verruga, mas do lado
esquerdo, onde no na teve, e depois direita.
Embora tudo isso, Morselli, com a sua ndole antiespiritista,
quando se encontra ante o fantasma do filho de Vassalo e da
filha de Porro, traz baila a hiptese de que Euspia se tenha
assenhoreado, com antecedncia, de referncias com a famlia
sobre suas caractersticas fsicas ou as haja tirado do inconsciente dos presentes, e obedecido ao seu desejo.340
Mas, se esta ltima era a razo do fenmeno, como pode acontecer a Srta. Edmonds e a Euspia fazerem aparecer fantasmas de pessoas conhecidas apenas de criaturas recmdesembarcadas, de distantes terras, nessa mesma noite?
E como Euspia no viu, no inconsciente de Morselli, todas
as caractersticas da me dele, e no conseguiu dar o nome dela?
E porque no obedeceu a Morselli, a quem repugnava absolutamente v-la evocada? E como, ao revs, a Bozzano fez Euspia
aparecer a imagem da sua detestada cnjuge, com a qual havia
litigado durante toda a vida, e decerto no desejava tornar a v-la
depois de morta, e ela lhe falou, em puro genovs, dialeto que
Euspia no conhece?
E como, a ser certa a hiptese, no reconstituiu, completa e
precisa, a figura de Giacosa, se no s podia ler no pensamento
dos presentes, mas especialmente no do seu ilustre genro, Albertini, como tambm decerto havia visto o retrato dela, em todos os
cantos da cidade e nos jornais, por meses a seguir, depois da sua
morte? A hiptese que deve servir para uns deve servir tambm
para outros, e se, ao invs, no quadra a todos, ento mister
inclinar-se para a outra hiptese, a de que os fantasmas sejam
efeito de qualquer coisa mais do que a exteriorizao do pensamento do mdium ou dos presentes.

390

A prova, pois, de que aquele fantasma no era o de sua me,


Morselli a encontra na hesitao e no erro ao indicar a verruga, e
assim, ao querer pronunciar seu nome, do qual apenas disse as
iniciais, e no se lembrou ele, to douto na matria, de que os
Espritos, conforme disse Hodgson, muitas vezes falam negro;
que aqueles so os equvocos que se notam em todos os Espritos
evocados, os quais, manejando grosseiramente os rgos do
mdium e com a incapacidade de quem se serve deles pela
primeira vez, cometem sempre destes erros; d ainda importncia
ao fato de aparecer ela exuberante nos seios, tal qual Euspia, e
no se recorda de que os fantasmas assumem a palavra e as
formas dos mdiuns.
Isto lhe teria explicado o gesto vulgar de mordiscar as pessoas queridas, comum a outros fantasmas de Euspia, da qual eles
tomam os modos.
Inconsciente
A hiptese que desejava explicar os fenmenos chamados espiritistas atribuindo-os ao inconsciente do mdium no hiptese recente, tendo nascido espontaneamente da observao de
que, para a produo dos ditos fenmenos ocorre quase sempre a
presena de um mdium, sendo mais fcil admitir-se que ocorre
a separao da alma em duas partes, hiptese devida a Pitgoras
e Plato.
J encontramos claro rasto em Plutarco, o qual narra como o
orculo de Trofnio disse a Timarco que o Demnio de Scrates
era a alma racional (o inconsciente) do mesmo filsofo.
Mas, quem primeiro exps claramente tal teoria, a qual depois deveria ser ressuscitada nestes ltimos anos como sendo
novidade, por Hartmann e outros psiclogos, quem a tornou
extensiva a todos os fenmenos que se acreditavam espiritistas,
foi um neoplatnico, Porfrio, que, depois de haver observado
que o profeta (mdium) se encontra com frequncia em estado
patolgico e que este s vezes provocado artificialmente com
vapores, bebidas alcolicas, etc. (como vimos, ao tratar dos
orculos), acrescenta: A causa, pois, que produz o xtase podia
391

bem ser uma afeco mental ou uma loucura patolgica derivada


de uma sobreexcitao da psique, como aquela que resulta das
viglias prolongadas ou de excitantes farmacuticos... Quanto,
pois, ao demnio aderido a ns... suspeito que ele possa ser uma
certa parte da alma humana.
E alguns fenmenos espiritistas encontram realmente explicao naquele estado singular do crebro, no qual, enquanto se
paralisam algumas energias, entram em atividade outras, latentes, das quais no temos conscincia e que desenvolvem maravilhosa potncia.
Tal , por exemplo, o estro genial que por tantas razes semelha exatamente o acesso psquico dos epilpticos: sobrevindo,
no no crebro do vulgar, mas no de um grande engenho, em vez
de atroz blasfmia ou negro delito, ou de um espasmo motriz, d
uma obra genial.
Frequentemente escreve Beaconsfield sinto que no existe mais de um passo entre a intensa concentrao mental e a
loucura. Quase no poderei descrever-vos o que sinto naquele
momento durante o qual as minhas sensaes so estranhamente
agudas e intensas; todos os objetos me parecem animados, meus
sentidos parecem delirar, no estou seguro de minha existncia e
frequentemente recorro a um livro, para ver um nome escrito e
assegurar-me de que vivo.
Anlogas so as confisses de S. Paulo, de Nietzsche e de
Dostoyewski.
Imprevistamente escreve este ltimo, em Bezi , algo se
lhe abriu ante ele, uma luz interna, extraordinria, iluminou sua
alma; isto durou talvez meio segundo. Momentos h, e coisa que
no dura mais do que cinco ou seis segundos, em que se sente
subitamente a presena da harmonia eterna.
Veja-se tambm quanto escreve Berlioz:341
O vcuo se faz em torno do meu peito palpitante e me parece que o corao, sob a aspirao de uma fora irresistvel, se
evapora e tende a dissolver-se por expanso. Depois, a pele de
todo o meu corpo se torna dolorida e ardente, arroxeada da
cabea aos ps. Quisera gritar, chamar algum em meu socorro,
392

que me consolasse, me impedisse de ser destrudo, para deter a


vida que me foge. uma atitude violenta procura da felicidade,
uma fria de atividade que s se pode adquirir com uma nsia
imensa, furiosa, devorante, que se mistura a incalculvel superabundncia de sensibilidade.
E o grande Beethoven:
A inspirao para mim aquele estado misterioso em que o
mundo inteiro parece formar vasta harmonia, quando cada
sentimento, cada pensamento ressoa em mim, quando todas as
foras da Natureza se tornam instrumentos para mim, quando o
calafrio me sacode todo o corpo, quando os cabelos se me eriam
na cabea.
evidente, nestes casos, que onde h o mximo da produo
genial, h o mnimo da conscincia. E assim se explica como
criaes geniais possam concretizar-se nos sonhos dos grandes
homens.
Sabem todos que, no sonho, Goethe resolveu graves problemas cientficos e ditou versos belssimos; tal como La Fontaine
(A fbula dos prazeres) e Coleridge e Voltaire. B. Palissy teve
em sonho a inspirao de uma das suas mais belas cermicas.
Outro tanto vejo nas Confessions, de Daudet e de Maury:
Tenho tido em sonhos diz Maury pensamentos e projetos
cuja execuo e direo denotaram inteligncia que eu no tenho
quando desperto; tenho tido, ao contrrio, em sonho, ideias,
inspiraes que nunca, acordado, alcanariam a minha conscincia. Assim, em um sonho, no qual me encontrava ante uma
pessoa que me haviam apresentado dois dias antes, me assaltou a
dvida acerca da sua moralidade, dvida que no havia notado
em viglia.
Daudet ideou, em sonho, emocionantes versos a Jlia.342
Holde comps, sonhando, La Phantasie, que reflete, na harmonia, sua origem, e Nodier criou Ldia, juntamente com uma
teoria acerca da sorte futura do sonho. Condillac, em sonho,
aperfeioou uma lio interrompida ao deitar-se. Kruger, Corda e
Maignan resolveram, no sonho, problemas e teoremas matemticos.
393

Stevenson, no Chapter on dreams, confessa que as mais originais de suas novelas foram compostas em sonho. Tartini teve,
em sonho, uma das suas mais portentosas inspiraes musicais.
Era em abril narra ele , e da janela entreaberta do aposento
penetrava um arzinho acre. De sbito, abaixaram-se-lhe as
plpebras, fecharam-se, e lhe pareceu divisar uma sombra que se
ergueu ante ele. Era Belzebu em pessoa, com um violino nas
mos, e a sonata comea: um adgio divino, tristemente doce,
um lamento e uma sucesso vertiginosa de notas rpidas, intensas. Tartini estremece, ergue-se, pega seu violino e reproduz no
mgico instrumento quanto em sonho havia ouvido tocar. A
sonata recebeu o nome de Sonata do Diabo, uma de suas obras
mais afamadas.
Tambm Jean Dupr, no sonho, concebeu seu belssimo grupo da Piedade. Em um dia estival, clido e sufocante, Dupr
estava estirado em um div e pensava, preocupado, na pose que
poderia dar ao Cristo. Adormeceu e, em sonho, v o grupo
inteiro, ento acabado, com o Cristo naquela exata pose que ele
anelava e que a sua inteligncia no conseguira fixar completamente.
DISTRAES E AMNSIAS DOS GNIOS
Ora, esta grande influncia do sonho no gnio se explica, segundo vimos, com a grande influncia que tem sobre ele o
inconsciente. E precisamente com o exagerado domnio deste
que se explica igualmente como o gnio seja sujeito a distraes
e amnsias, que justamente lembram a epilepsia. Os exemplos
aqui so numerosos.
Um dia escreve o Dr. Veretz Meissonier disse a Dumas:
Se Giraud no morreu, devo t-lo encontrado ontem e, sem
embargo, no o conheci e o saudei friamente; depois recordei
que era o rosto de um amigo, e agora compreendo que deve ser
ele. E correu a pedir-lhe desculpas.
Grossi destruiu, no vaso sanitrio, muitas pginas do seu
Marco Visconti. Torti saiu de uma sala com dois chapus na mo
e foi procurando o seu chapu por toda parte.343 Walter Scott,
394

ouvindo cantar, em um salo, alguns versos, disse: So roubados de Byron, e eram de sua autoria.
Carlyle disse a Fronde que desejava publicar suas Memrias,
que havia esquecido quanto escrevera a tal propsito. Das distraes de Ponchielli e Galuppi fizeram-se monografias. Assim,
segundo Mandelli, de quando em vez Ponchielli saa de uniforme, com chapu alto e de chinelos; chovendo, conservava fechado o guarda-chuva, molhando-se totalmente; tomando caf,
enquanto jogava bilhar, acontecia amide dar giz ao taco com
um tablete de acar, desesperando-se depois por no carambolar.
Mas, inconsciente no equivale a inexistente; o estado de inconscincia pode fazer vir tona e reunir, em fecundo conbio,
ideias e fatos mais ou menos esquecidos e que por isso no
existiam na conscincia viva do indivduo, mas no os fatos que
jamais aprendeu. Assim, se devemos admitir, com Flournoy,344
que a Smith, quando pretende falar o idioma de Marte, se sugestiona por velhas recordaes, suas ou dos presentes; quanto a
lnguas estrangeiras, compreende-se como, na exaltao do
xtase espirtico, as escassas fragmentrias notcias sobre Maria
Antonieta nela tomassem vulto, de igual maneira que, sob excitao do estro genial, nas ideias adormecidas e fragmentrias se
destacam de pronto e do lugar a descobertas. No podemos
admitir, porm, com ele que a teoria do inconsciente e da criptomnsia explique exatamente os 40 vocbulos de snscrito e os
versos em snscrito ditados por ela, s por haver visto, por
brevssimo tempo, a capa de uma gramtica snscrita. Nem
admissvel que tenha podido reproduzir exatamente a firma do
alcaide e do proco de um lugarejo remotssimo, remontando a
poca distante (1839), s por haver estado em um vale prximo,
em passeio esportivo, porm no paleogrfico.
Se se liga um fio ao dedo de certa mulher e a outra extremidade a um anel que penda no centro de um copo vazio, pode-se
frequentemente, ainda que ela no queira diz-lo, saber sua
idade, porque o anel bater tantas vezes quantos anos de idade
tenha ela. Isto verssimo, porm a mulher sabe a idade que tem;
portanto, uma parte do enigma est descoberto e no se trata de
395

inconsciente; mas, quando um mdium, em transe, fala chins ou


em lngua havaiana, diante de pessoas que as ignoram, igualmente no se pode falar em inconsciente, porque aqui tambm deveria trabalhar com seus conhecimentos adquiridos, visto que no
poderia extrair esses conhecimentos das pessoas presentes, que
no os possuam.
O mesmo se diga da criptomnsia. Apresentemos um exemplo: quando estou a uma grande altura, 1800, 2000 metros,
recordo versos italianos, latinos e at gregos, olvidados desde
muitos anos, mas eu sei muito bem que os li na minha primeira
juventude. Do mesmo modo, durante certos sonhos, em noites de
intoxicaes intestinais, se me reproduzem exatamente momentos desagradveis de h muitos anos, com particularidades to
minuciosas e precisas que mal posso recordar desperto. Observo,
porm, que so sempre recordaes de fatos que me aconteceram
e que havia esquecido.
Na vspera de encetar viagem para visitar sua terrinha, que
no via desde uma vintena de anos, Maury sonhou encontrar
algum que lhe disse: Bons dias, Sr. Maury. E ele respondeu:
Desculpe-me bom homem, mas no tenho o prazer de o conhecer.
O outro, maravilhado e quase ofendido, lhe declinou o prprio nome e o sobrenome e disse que era um amigo de seu pai,
que desejava recordar-lhe circunstncias da sua infncia, quando
estiveram juntos. Tudo foi intil: Maury despertou rindo daquele
estranho que pretendia reconhec-lo. Mas, quando chegou sua
terra, entre os primeiros que encontrou, viu aquele que em sonho
o havia reconhecido, porm mais velho do que o do sonho,
porque o sonhara tal como o deixara muitos anos antes. Assim,
pois, no desdobramento do sonho, o seu inconsciente havia
recordado e reconhecido o que seu consciente no mais sabia.345
De igual modo, as notcias sobre o barrete preto, sobre a faquinha, sobre o falar por provrbios do pai, Hyslop podia atingir-lhe
o inconsciente da sua primeira juventude. Mas, quando o tio
Jerry fala a Lodge do perigo em que estiveram de afogar-se em
sua juventude, com o irmo Roberto, e que seu outro irmo
Franck se havia encarapitado em um telhado para esconder-se,
396

estes eram fatos ocorridos na juventude de seus velhos genitores


e que eles ignoravam totalmente.
Podemos compreender como fenmeno de criptomnsia que
o mdium de Aksakof se recorde de improviso, no transe, de
Cardsio, da epgrafe de um seu livro, Nemek Habbacha, embora
declare o mdium no o ter lido nunca. Mas a criptomnsia no
explica como algum possa ler a ltima linha da ltima pgina
de um livro que se encontre em determinada estante da biblioteca, e do qual esse algum ignore o ttulo e que outro possa
revelar no s o nome de um certo Gray, que viveu em 1628, e
at escrever com a caligrafia dele (veja-se o captulo X).
***
Assim termina a obra que tivemos a honra de traduzir. Sentese que uma obra inacabada. Tudo indica que o estado de sade
do autor, cuja desencarnao se deu dias depois de ele datar o
prefcio, no lhe permitiu apresentar as concluses finais.
Procurando, de alguma forma, reparar esta ocorrncia, aqui
reproduzimos, como remate desta traduo, um pequeno trecho
do prefcio do genial autor:
... se cada um desses fenmenos nos pode ser ou parecer incerto, o conjunto de todos forma um compacto mosaico de
provas resistentes aos ataques da mais severa dvida.

0
Notas:
1

Trabalho compilado pelo Sr. Zus Wantuil e aqui includo


pela Editora da FEB.
2
Professor nomeado por decreto ministerial e que substitui
temporria ou definitivamente o professor titular.
397

Numerosas e variadssimas so as manifestaes medinicas objetivas e subjetivas, e Euspia oferecia aos estudiosos
apenas uma parte dos fenmenos objetivos. (Nota da Editora.)
4
Entre os que Lombroso deu a conhecer ao mundo, citam-se,
por exemplo, Fo, Patrizi, Ferrero, Rossi, Barsilai, Turati, etc.
5
Ferrero, que sempre se negara a assistir s sesses com
Euspia, aqui se refere certamente parte da famlia, visto que
exatamente nesse mesmo ano de 1907 (La Lettura, I vol.,
pgina 389), Paola Lombroso, ilustre escritora e filha do sbio
de Verona, publicava, sob o ttulo Eusapia Paladino (Cenni
biografici), um artigo em que ela, mui simpaticamente, prestava uma espcie de homenagem humilde mdium italiana.
(Nota de Z. W.)
6
Trabalho de autoria do Prof. A. Marzorati, ilustre colaborador de Lombroso nas experincias com Euspia Paladino.
A Editora brasileira incluiu-o nesta obra, traduzindo-o da
famosa revista Archivio di Antropologia Criminale, Psichiatria, Medicina Legale e Scienze affini, 1909, pginas 593 a
603.
7
Eletricit animale, Lyon, 1808.
8
Por agora, a noo do duplo (v. cap. Duplos), onde daremos uma tentativa de explicao.
9
Archivo di Psichiatria e Scienze Penali, vol. 11, pg. 415.
10
Lombroso, Grimaldi ed Ardu Sulla transmissione del
pensiero, Turim, 1881.
11
Csar Lombroso Studi sull Ipnotismo, Turim, 1882.
12
Thougt Reading, 1883.
13
La Suggestion Mentale, 1890.
14
Se bem escuto, parece que antecipadamente vedes o que
consigo o tempo traz, mas o mesmo no sucede com relao ao
presente.
15
O mesmo ocorreu em Messina, sob a emoo do terror, em
dois terremotos.
398

16

Verificou-se que a impresso sensria se mesclava de modo


estranho com a cortical: onde as figuras anatmicas eram bastante coloridas, lia aquelas imaginrias linhas com dificuldade
e distinguia a causa do obstculo; onde as figuras eram plidas,
lia com clareza.
17
Rivista Clinica, 1885-86.
18
Bulletin de la Socit de Psycol. Physiol., II, 1886.
19
Bianchi Conte e la grande isteria. Npoles, 1886.
20
Com o pequeno dinammetro Broca, 58 a direita e 48 a
esquerda, em viglia; hipnotizado, 55 a direita e 30 a esquerda;
sugesto de atletismo, 45 a direita e 35 a esquerda.
A histrica C., desperta, acusa 32-36 quilogramas; no estado hipntico, 43-47 quilogramas.
21
Bulletin de la Soc. de Psycol., 1886.
22
Academie de Medecine, 1885.
23
La Polarizzazione Psichica, Npoles, 1887.
24
Ibidem.
25
Revue Scientifique, 1886.
26
Ottolenghi e Lombroso Nuovi studi sull ipnotismo, Turim, 1889.
27
Os experimentadores fizeram-na abandonar o seu modestssimo emprego e colocaram-na disposio deles. (Nota do
tradutor.)
28
Nel Mondo dei Misteri, 1907.
29
Nelle Regioni Inesplorate della Biologia, 1907.
30
Vassallo Nel Mondo degli Invisibili, 1902.
31
Euspia naquele momento era contida pelas mos de duas
pessoas e tinha a estatura de pelo menos 10 centmetros mais
alta do que a de minha me.
32
Luraghi I Fenomeni Medianici, 1907.
33
Na magnfica obra Psicologia e Spiritismo, Turim, 1907.

399

34

Os estudos experimentais foram conduzidos em colaborao com o Dr. E. Audenino.


35
Arullani Sulla medianit di Euspia Paladino, etc., 1907.
36
Ob. cit.
37
Ing. Grauss Annales des Sciences Psychiques, 1907.
38
Bulletin de lInstitut Psychologique, 1908.
39
Ob. cit.
40
Ob. cit.
41
Flournoy Des Indes la Plante Mars, Paris, 1901.
42
Sage M. Piper, 1902.
43
Relaz. della Societ Dialet. di Londra, 1869.
44
Aksakof Um caso de desmaterializao parcial do corpo
de um mdium, 1902.
45
Maxwell (Les Phnomnes Psychiques, 1905, Alcan) faz
notar justamente que tambm na antiga magia era atribudo ao
canto especial influncia, de onde os encantamentos, o encantar, etc.; e os faquires entoam o seu mentrama antes de fazerem
seus milagres. A 2 gloga de Tecrito e a VIII de Virglio
aludem a cantos mgicos. Euspia preferia o sopro ao canto.
46
Uma aplicao curiosa da adivinhao o descobrir delinquentes e perdas, que est em uso em alguns povos brbaros e
selvagens, como veremos no captulo seguinte.
47
De nenhum outro modo, seno meros casos de mediunidade
escrevente, se devem considerar as revelaes que muitos santos tiveram no sonho exttico e tambm fora dele, que abundam na hagiografia. Santa Teresa figura entre os melhores
escritores inspirados. Ela mesmo apreende como, s vezes, o
Esprito lhe ditava to copiosamente que se lhe cansava a mo.
Os meus confessores acrescenta humildemente maravilhavam-se e eu tambm mais, conhecendo a minha estupidez.
Famosssima, todavia, foi Santa Brgida, cujos Oito livros de
revelaes circulam ainda nas mos dos devotos. Apenas, enquanto o Esprito Santo inspirava esta santa desvelasse o mistrio da Imaculada Conceio de Maria Virgem, com grande
400

jbilo dos escolsticos, a mesma Pessoa da S. S. Trindade revelava a Santa Catarina que Nossa Senhora havia concebido no
pecado, como afirmavam os Tomistas. Tal qual os Espritos
modernos revelam a Allan Kardec a teoria da reencarnao, e a
Jackson Davis o contrrio. De resto, nas revelaes dos santos
cristos a mesma nebulosidade, vaniloquncia e verbosidade
dos profetas hebreus e dos mdiuns escreventes espiritistas, o
mesmo abuso de alegorias, o mesmo gosto de no concluir, de
no desencravar declaraes explcitas e concretas. Leo Augusto, na Via de S. Joo Crisstomo, Joo Damasceno (De
imaginibus, orat. I) e outros autores eclesisticos, conservaram
um caso de mediunidade escrevente. Certa noite, Proclo, antes
de entrar no recinto onde estava trabalhando S. Joo Crisstomo, olhou pelo orifcio da fechadura e viu, com grande surpresa, um homem de venervel aspecto que ditava ao santo, enquanto este escrevia. Retirando-se, voltou na noite seguinte e
reviu o mesmo espetculo. Fez que outros olhassem, mas estes
viam Crisstomo inteiramente s. Compreendeu ento que se
tratava de um prodgio e interrogou respeitosamente o santo, e
este lhe confessou que todas as noites o apstolo dos Gentios
vinha ditar-lhe os Comentrios s Epstolas de S. Paulo. Proclo
era pessoa bastante autorizada, tanto que sucedeu Crisstomo
na cadeira episcopal de Constantinopla. (Baudi de Vesme
Stria dello Spiritismo, Turim, 1897, vol. II, pgs. 139 e seguintes.)
48
Ipnotismo e Spiritismo, 1906, pg. 110.
49
Tambm se pode formular, a propsito, a hiptese de uma
faculdade que os mdiuns tivessem de desmaterializar e rematerializar a eles prprios e os objetos circunvizinhos com fulminante rapidez. Mas, isto no explicaria a levitao, e incombustibilidade, a profecia e, ainda que parecendo mais simples,
seria igualmente difcil compreender-se tanto quanto o espao
na quarta dimenso.
50
Per lo Spiritismo, pg. 195.
51
Zllner, depois de haver preso em um n as duas extremidades de comprido cordel e ao n aposto um controle, o sub401

meteu imprevistamente aos olhos de Slade, expressando o desejo de que se formassem ns; e tudo, de golpe, vi realizado,
enquanto as mos de Slade permaneciam a um centmetro do
fecho-controle, que ficou intacto.
Em outra tentativa, Zllner ligou dois grossos aros a uma
cordinha, que amarrou e colocou suspensa borda da mesa
sobre a qual Slade descansava as mos. Imprevistamente os
aros se desprenderam do lao e foram achados aos ps de outra
mesa que lhe estava vizinha.
52
Usi e costumi siciliani, vol. IV.
53
Inciurmadori Maghi a Benavento, Npoles, 1900.
54
Weltspiegel, 1907.
55
Souv Folklore dans les Vosges, pg. 169.
56
Sbillot Folklore, 1890.
57
Turim, 1890; Di Vesme Storia dello Spiritismo, vol. II.
1906.
58
Revue des Deux Mondes, 1841.
59
Ida Pfeifer Reise, cap. VIII.
60
Un viaggio nel paese dei Nias, 1890, Milo; Di Vesme
Ob. cit.
61
G. de la Vega Hist. de los Incas.
62
DOrbigny Homme americaine, II, pg. 65.
63
M. Bartolo Die Medizin der Naturvolkers, Leipzig.
64
Di Vesme Ob. cit., t. II, pg. 203.
65
Le Spiritisme dans le monde, Paris, 1875.
66
Adianta notar esta precauo to acurada para aqueles que,
de oitiva, julgam puras mistificaes os fenmenos dos faquires.
67
Loc. citada.
68
Alienist, 1898.
69
Bartels Ob. cit.

402

70

Annali dello Spiritismo, junho, 1865, pg. 257; Di Vesme


Ob. cit.
71
Tylor Civilisation primitive, vol. II, pg. 203; Di Vesme
Storia dello Spiritismo.
72
Samuel, XIX: 24.
73
Pausanias VIII, 21 parg. 6.
74
De Magia; veja-se Di Vesme, ob. cit.
75
Di Vesme Storia dello Spiritismo.
76
Di Vesme Ob. cit.
77
Atos, XIX.
78
Livro XXIX, cap. II.
79
Euspio Vita de Giamblico.
80
Contra Celsum, I.
81
Winterbottom Sierra Leone Kste, 1805, pg. 172.
82
Mollien Reise in den innere von Africa, 1820, pg. 52;
Hildebrandt, in Zeitschr. fr Ethnol., tomo X, 1878), pg. 388.
83
Du Chaillu Dans lAfrique quatoriale.
84
Bruns Erdbeschreibung von Africa, t. IV, pg. 82.
85
Moore Travels into the Irland ports of Africa, 1742, pg.
136.
86
Wilson West Africa, 1862, pg. 100.
87
Du Chaillu Winterbottom, etc.
88
Rville Les Rligions, t. I, pg. 102.
89
Samuel L. I, XIV, 36-43.
90
Di Vesme Ob. cit.
91
Di Vesme Ob.cit.
92
Ibidem.
93
Ibidem.
94
Di Vesme Ob. cit.
95
Ibidem.
96
Ibidem.
403

97

Thatre sacr des Cevennes, pgs. 51-54; Kreyhor Die


Mystischen Erscheinungen des Seelenlebens, tomo I, pg. 282;
Perty Die Mystichen Erscheinungen, t. II, pg. 340; Vesme
Ob. cit.
98
Vesme Ob. cit.
99
Vesme Ob. cit.
100
Ibidem.
101
Historia Naturalis, VII, 2.
102
Eneida, XI, 785-788.
103
Agosto, 1896.
104
Di Vesme Ob. cit.
105
Di Vesme Ob. cit.
106
Giov. di Salisbury Polycraticon, I, c. XII, pg. 27.
107
Gnesis, cap. XLIV, vers. 5.
108
Pausanias, cap. VIII, 21-26.
109
Apud. Santo Agostinho, De Civit. Dei, VII.
110
Hist. Naturalis, XXXVII, 11.
111
Apolog., pg. 52.
112
Did. Julian, VII.
113
Vesme Ob. cit.
114
Le Mercure franais pour 1609, pg. 348.
115
Muratori Scriptor, rerum italicor, tomo I, col. 293, 545.
116
Vesme Ob. cit.
117
Descript. du cabinet Blacas, t. II, pg. 401.
118
V. lib. IV, cap. II, 7.
119
Prolg. hist., trad. Slane; Notices et Extr. des Manuscr.,
etc., pgs. 221-22.
120
Vesme Ob. cit.
121
Rclus Les Primitifs, pg. 83.
122
Berbrugger Exploration Scientifique de lAlgrie, Paris,
1868.
404

123

Lombroso Il vino nella pazzia e nel delitto, Turim, 1884.


124
Ibidem.
125
Ibidem.
126
Ibidem.
127
Ibidem.
128
Lombroso Il vino nella pazzia e nel delitto. Turim, 1884.
129
Ibidem.
130
Ibidem.
131
Estrabo, IX, 419.
132
Ccero.
133
Westermark Moralbegriffe ber die Ehelosigkeit (arch. f.
Rass. 1908, pg. 22). Do mesmo modo, como vimos antes,
desprezam as monstruosidades no homem, at a ponto de matar, porm, sendo tambm sinal daquela degenerao que entra
na histeria e na mediunidade, quando se trata de magos, lhes
parece bem (veja-se cap. IV).
134
Estermark Ob. cit.
135
S. L. Craroby Sexual Tabao (Journal of the Antropological Institute, vol. XXIV, n 2, novembro de 1894 a 2 de agosto
de 1895).
136
Ibidem.
137
Ibidem.
138
Ratzel Le razze umane, vol. II, pg. 699.
139
Moroni Dizionario dErudizione Ecclesiastica: Quem v
a coifa de muitas montanhesas do Piemonte e da Noruega convence-se de que as mitras e as tiaras eram originariamente ornamentos femininos.
140
Ibidem.
141
Prova singular que na ilha de Sena a histeria foi sempre
dominante, anteriormente a Charcot. Fatus, Fatuus, enfatuado
de fatuus, nulo, vo, estlido.

405

142

Muitas e muitas ervas medicinais tomam o nome de Nossa


Senhora: Erva de Nossa Senhora, Cardo de Maria, Rosa de
Nossa Senhora, Marien Distel, Marien Mautel, Marien Mnzo;
nos gregos, Artemsia, erva de Diana; assim a Mandrgora em
alemo, Abran Wurtzel, isto , raiz de Abrao. A tropa Beladona j se chamava Circria, em honra da maga Circe. O herepes se chama fogo de Santo Antnio; a coreia, dana de S.
Vito; a metrorragia, mal de Santa Marta. Certas lceras malignas, ignis sacra. A peste era dita efeito das flechas de Apolo. A
deusa Sria acusada de fazer lceras nas pernas. O Levtico,
XIV: 13, classifica de culpa o ter lepra. A terapia vem de Rafa
cozer, e Terapim se chamavam os dolos, de onde vem
terapia, teraputica.
143
Molani Medicarum Ecclesiasticum Diarium, 1505, Lovaurium.
144
De Sanctitate, in Opera omnia.
145
Animismo e Espiritismo, Paris, 1906, pg. 282 e seguintes.
146
Animismo e Espiritismo, Paris, 1906, pg. 282 e seguintes.
147
Aksakof Ob. cit., pg. 285.
148
Light, 1886, pg. 368.
149
Aksakof Ob. cit., pg. 285.
150
Ibidem.
151
Annales des Sciences Psychiques, 1909.
152
Ob. cit., pg. 141 e seguintes.
153
Aksakof Ob. cit., pg. 332.
154
Myers e Berret, Su Daniele Home, 1900.
155
Spirit Teachings.
156
Aksakof Ob. cit.
157
William Stainton Moses Ob. cit.
158
Aksakof Ob. cit.
159
William Stainton Moses Ob. cit.
160
Aksakof Ob. cit., pgs. 343 e seguintes.
406

161

De Vesme Spiritismo, II.


162
Les Camisards, Paris, 1860.
163
Histoire du Merveilleux, II, pg. 404.
164
Psychische Studien, 1881, pgs. 52-53.
165
Psicologia e Spiritismo, II
166
Ibidem.
167
Psychische Studien, 1881, pgs. 52-53.
168
Ob. cit., pgs. 23-24.
169
Veja-se a American Association for the advancement of
Science, de agosto de 1855.
170
Ob. cit., pg. 41.
171
Ob. cit., I, pg. 369.
172
Bottazzi Nella regione inesplorate della biologia umana.
(Revista dItlia), fasc. de junho e julho de 1907.
173
Luce ed Ombra, 1902.
174
Arch. di Psich., t. XVIII, pgs. 266-422.
175
A radioatividade de Fo excluda tambm, porque, sendo
Fo diletante em fotografia, jamais constatou uma ao qualquer dos seus dedos sobre centenas de chapas por ele manuseadas. Resta a hiptese de que, durante a sesso com Euspia, a
mo de Fo se houvesse tornado radioativa, mas, durante toda
a sesso, ele teve e manteve, por tempo, na mo outras trs
chapas e sobre nenhuma delas se notou imagem de dedos. Isso
exclui tambm que a sua mo tenha sido, fraudulentamente,
por outrem borrifada de substncias radioativas.
176
Barzini Nel Mondo dei Misteri, se expressa assim: A
cortina est inflada e oca, o que, por uma parte, d o relevo de
um corpo humano, que se move coberto pelo pano, e, pela outra, uma cavidade na cortina. Toco o inflado da cortina pela
parte exterior; sob o estofo identifico as bochechas, o nariz, a
fronte, e, quando toco os lbios, sinto que me apertam o polegar com dentes, e depois, de sbito, se desinfla a cortina.
177
Inferno, cap. XVI, pgs. 124-126.
407

178

Purgatrio, cap. III, pgs. 28-30.


179
Parece-nos que a palavra reencarnao foi usada aqui, por
Lombroso, designando o fenmeno de um Esprito aparecer
com um corpo humano. Ns espiritistas, porm, damos outra
significao a essa palavra. (N.T.)
180
William Crookes Recherches sur le Spiritualisme. (*)
(*) Esta obra foi publicada em lngua portuguesa sob o
ttulo Fatos Espritas, pela editora da FEB. (Nota desta edio
eletrnica.)
181
Aksakof Animismus, pg. 620.
182
Dale Owen Das Strugge, pg. 260.
183
Les phnomnes de la Ville Carmen, avec documents nouveaux, Paris, 1902.
184
Wallace Les Miracles, pg. 328.
185
Aksakof Animismo e Espiritismo, pg. 26 e seguintes.
186
Luce ed Ombra, 1904, fasc. 1, agosto de 1901.
187
Ibidem.
188
Os msicos dAr... que se vestem de vermelho.
189
Tummolo Sulle basi positive dello Spiritismo, Viterbo,
1905.
190
Annales des Sciences Psychiques, 1909.
191
Outras numerosas fotografias e o relato de todas as sesses
foram publicadas pelo Dr. Imoda num livro especial: La Fotografia dei Fantasimi.
192
Registro fotogrfico dos seres, em Luce ed Ombra, 1908.
193
Proceedings, XXI, 1900.
194
Annales des Sciences Psychiques, 20-21, 1900.
195
Phantasms of the Living, pg. 136.
196
James Hyslop Science and Future, Boston, 1905.
197
Ibidem.
198
Aksakof Ob. cit., pg. 422.
199
Ibidem, pg. 596.
408

200

De cura pro mortuis, XI.


201
Opuscula orat., IX.
202
Blter aus Prevorst, V, pg. 75.
203
Die Mystischen Erscheinungen, II, pg. 392.
204
Philosophy of Sleep, pg. 81.
205
Aksakof Ob. cit., pg. 562 e seguintes.
206
Ibidem.
207
Ibidem, pg. 477.
208
Paul Gibier Le Spiritisme, Paris, 1887.
209
Human Personality, Londres, 1907.
210
Myers Ob. cit., pg. 286.
211
Proceedings of the S. P. R., vol. VIII, pg. 814.
212
Esame critico dell esistenza del sobrenaturale.
213
Gabriel Delanne O Espiritismo perante a Cincia, pgs.
300 a 307.
214
William Stainton Moses Spirit Teachings.
215
Proceedings of the S. P. R., vol. XXI, 1906, e Journal of
the S. P. R., janeiro de 1909.
216
Proceedings of the S. P. R., vol. XVIII, pgs. 130, 132.
217
Ibidem.
218
Aksakof Pg. 541.
219
Morselli Psicologia e Spiritismo, vol. II., pg. 213.
220
Journal du Magntisme, 1907-1908.
221
Wild pg. 515.
222
Journal of American Society for Psychical Research, N. Y.,
1907.
223
Joire Les Phnomnes Psychiques, 1909.
224
Aksakof Animismo e Espiritismo, pg. 557 e seguintes.
225
Robert Dale Owen Footfalls on the boundary of another
world.
226
Encephale, 1908, fasc. 2.
409

227

De Vesme Ob. cit.


228
De cura pro mortuis.
229
Prato Spiritualis, pargrafo CXVII.
230
De Vesme Ob. cit. (*)
(*) H equvoco na meno dos pases e confuso nos detalhes do caso. (Nota do tradutor.)
231
De Vesme Ob. cit.
232
Aus meinem Leben, vol. II, pg. 135.
233
La Revue, 1908, n 14, pg. 135.
234
Birch Sopra una patera egiziana del Louvre, 1858.
235
Odisseia, XI.
236
De Resurrectione, lib. I.
237
Ob. cit.
238
F. Zingaropoli Una casa infestata dagli spiriti, Npoles,
1907.
239
Digesto, tit. II, Lei 27.
240
Porzia e Covarruvio Variorium resol, C. 6.
241
Troplony Delle Perm. e Locaz., Cod. di Nap. 1802.
242
Annales des Sciences Psychiques, abril, 1906.
243
Vol. VI, pg. 365.
244
Plutarco Pausnias.
245
Plnio Epst., VI.
246
Tradiz. Siciliane, vol. IV.
247
Sabillot Folk-lore, etc., Paris, 1882.
248
Dictionnaire des Heresies.
249
Livro I, cap. IV.
250
Ingram Haunted Homes of Great Britain, 1907.
251
Ibidem.
252
Ob. cit., vol. III, pg. 78.

410

253

Esses dois casos me foram narrados pela condessa de


Channas, que, para cmulo de gentileza, interessou em meu
nome, o Prof. Scott Elliott a control-los junto da proprietria.
254
Graus Luce ed Ombra, maio de 1909.
255
Apareceu em 1589, 8 dias antes da morte do prncipeeleitor Joo Jorge, e depois em 1619, 23 dias antes da morte de
Segismundo, e assim em 1688; em 1850 anunciava o atentado
contra Frederico Guilherme IV, da Prssia (De Vesme Storia
dello Spirit, II, Turim). A fada Melusina, trs dias antes da
morte de Lusinhano, mostrava-se no castelo de Poitou (idem,
pg. 315). A Dama Branca apareceu um dia antes do suplcio
de Maria Antonieta. A mais famosa entre todas aquela Berta
de Rosenberg, que viveu no sculo XV e se mostrou, primeiro
por largo tempo, no Casterlo de Neuhaus, onde residiu, e depois na moradia de vrias outras famlias aparentadas com a de
Rosenberg, e particularmente a dos Hohenzollern. Atua abrindo e fechando as portas, com um grande molho de chaves preso
cintura; irrita-se contra os blasfemos e contra os que no ajudam os pobres. No fim do XV, Erasmo de Roterdam escrevia:
A coisa mais notvel da nossa Germnia talvez a Dama
Branca, que se deixa ver quando a morte est para bater porta
de algum prncipe, no s da Alemanha, mas tambm da Bomia. Este espectro de fato se mostrou na morte da mor parte
dos Grandes de Neuhaus e de Rosenberg e se mostra ainda hoje
em dia.
256
De Vesme Storia dello Spiritismo.
257
Vol. III. pg. 40.
258
Die Spatt von Resau, Berlim, 1889.
259
Annales des Sciences Psychiques, 1899, p. 173.
260
Wallace Les Miracles, 1889.
261
Annales des Sciences Psychiques, IV, 1892.
262
Journal of Society for Psychical Research, dezembro, 1892.
263
Anoto este nome, comprovado historicamente, como acima
o de Pausnias e o R. C. de Galateri, e acima de todos o de
411

Hillzelmann, para suprimir a objeo de Morselli de que de


nenhum dos mortos presentes nas casas infestadas se conhece o
nome e a personalidade (Morselli Fattorie e case infestate,
Lugano, 1909).
264
Wallace Les Miracles, pg. 106.
265
Luce ed Ombra, novembro, 1905.
266
Der vielfrmige Hintzelmann, oder Umstndige und merkwrdige Erzblung von einem Geist, Lipsia, 1704. De Vesme
Storia dello Spiritismo, vol. IV.
267
Les Phnomnes Psychiques, 1890.
268
Se as pessoas da famlia V. tivessem apenas algumas noes de Espiritismo, certamente no teriam cado nessa armadilha. (N.T.)
269
Aquela inglesa continua (Annales des Sciences Psychiques, 1909) no um mdium, mas, sem embargo, me d sua
fora durante a noite, dormindo; por isso, eu me manifesto
mais disposta noite. Mortos os seus dois mdiuns, ela no
poder mais produzir nenhum fenmeno, e isto suceder dentro
de um lustro. Quando nos materializamos, tomamos matria de
tudo em nosso redor; mas uma parte nossa materializada,
torna-se seca e slida, se no permanece mida.
270
LHomme primitif.
271
Turim, 1896, 3 volumes.
272
La Magie et lAstrologie, cap. I.
273
Ratzel Le Razze Umane.
274
Daily Life and Origin of the Tasmanians, pg. 171.
275
Ob. cit., pg. 181.
276
Savage Africa.
277
Burchell Travels, vol. II, pg. 550.
278
Croyances Mdicales du Madagascar, 1904.
279
Anthropos, 1908, vol. III, fasc. III.
280
Annali dello spiritismo, maio, 1891, pg. 152.
281
frica Interior, cap. IX.
412

282

Journal of the Anthropological Institut, volume XXXVI,


1906.
283
Dumont dUrville Voyage autour du Monde, vol. III, pg.
277.
284
Aventures en Australie, pg. 163.
285
Anthropos, 1909, fasc. I.
286
Ob. cit, lug. cit.
287
Ob. cit., vol. II, pg. 80.
288
Gibier Spiritisme, Paris, 1890.
289
Bosc et Bonnemre Histoire Nationale des Gaulois.
290
De Vesme Ob. cit.
291
No uma fora minha que age. respondeu o faquir a
Jacolliot. Eu no sou mais do que um instrumento, evoco os
Espritos dos antepassados e so eles que manifestam seu poder.
O faquir disse-lhe um outro no nada: ele canta os
Metram e os Espritos o ouvem.
Com efeito, depois da evocao, ele viu formar-se uma
nuvem luminosa que pouco a pouco revestiu forma humana: o
espectro de um velho brmane, com sinais de Visnu, tocou-lhe
com as mos clidas e vivas e depois desapareceu.
292
Neumann Bilder aus Japan, no Westermanns Illustrirte
Deutsche Monats-Hefte, janeiro, 1890.
293
Amiot Mmoires sur les Chinois, vol. XV.
294
Tomo XVIII, pg. 363.
295
Bulletin de la Socit dAnthropologie, Paris, 1909.
296
Maspero Revue Scientifique, 1899.
297
De Vesme Ob. cit., pg. 98.
298
Provavelmente, escreve De Vesme, no eram mais do que
instrumentos medinicos o Theraphim, o Ephod, o Urim e o
Thumim, que se encontram citados com frequncia na Bblia e
deram tanto que fazer para explic-los aos exegetas modernos.
413

E Saul, com efeito, recorreu Pitonisa antes de empreender a


guerra contra os filisteus, quando, invocado, Jeov no lhe quis
responder, nem com sonhos, nem por meio dos Urim e Thumim. O profeta Oseias escrevia: O meu povo interroga o lenho
e este lhe d aviso. (Oseias, cap. IV, vers. 12). Os hebreus
consultavam (tal qual os modernos aramaicos) os Theraphim,
estatueta dos Penates ou deuses tutelares, que profetizavam; os
fencios consultavam o crnio de um primognito morto e murado em um nicho, ante o qual se acendia uma lmpada e se
evocavam os demnios.
299
Ibidem.
300
Ibidem.
301
Cap. XDIV.
302
Cap. XVIII.
303
Cap. XX, vers. 27.
304
Discorso ai Gentili, t. I.
305
Dialogo della Cessazione degli Oracoli, cap. X e seguintes.
306
Sesto, contro i Mat., IX, 19; Cic., de nat. Deor., I, 120.
307
De Consol. ad Apoll.
308
XI, 23-50.
309
Plutarco De gen. Soc.
310
V. 92.
311
Tusculano, vol. I, pg. 37; In Vatinium, vol. II, c.
312
Sat., vol. I, pg. 8, 24 e seguintes.
313
H. N., 30, 2.
314
Pharsal., vol. VI, pgs. 452 e seguintes.
315
Suetnio, Nerone, pg. 34.
316
Erodiano, vol. IV, pg. 12, 3.
317
Eneida, vol. VI, pg. 237.
318
Vol. VI, pg. 740.
319
Diss., 14, 2.
320
De serv., Dei beat., vol. IV, pg. 32, 5.
414

321

Enciclopedia di Chambe, 1892.


322
Vol. IV, Palermo, 1889.
323
Sauv Les Folk-Lore, Paris, 1889.
324
Sbillot Traditions et superstitions de la Haute-Bretagne,
Maison-Neuve, 1882.
325
Lombroso Pensiero e meteore, Milo, 1880.
326
Aksakof Um caso de desmaterializao parcial do corpo
de um mdium.
327
Gibier Pg. 171.
328
Lapponi Ob. cit.
329
Archives des Sciences Psychiques, 1908.
330
Maxwell Les Phnomnes Psychiques, 1903.
331
Aksakof Animismo e Espiritismo, pg. 297.
332
Este fenmeno estranhssimo creio que nasa da iluso pela
qual cada um de ns cr poder gozar sempre aquele estado que
desfruta transitria e acidentalmente e pelo qual o homem jovem no cr, nem pensa poder tornar-se velho, sabendo-se de
resto que todas as iluses mais estranhas dos homens vivos se
conservam depois da morte.
333
Albott Behind the scenes with Hoc mediuns, Chicago,
1907.
334
Annales des Sciences Psychiques, julho, 1909.
335
Wallace Les Miracles.
336
Per lo Spiritismo, pg. 35 e seguintes.
337
Wallace Ob. cit.
338
Wallace Ob. cit.
339
Ob. cit.
340
Morselli Ob. cit., pg. 408.
341
Berlioz Mmoires, pg. 246.
342
Daudet Notes sur la Vie, 1890.
343
Stampa S. Manzoni, vol, II.
415

344
345

Flournoy Des Indes la Plante Mars.


Brofferio captulo cit., pg. 155.

416

Você também pode gostar