Experiência Religiosa e Crescimento Pessoal
Experiência Religiosa e Crescimento Pessoal
Experiência Religiosa e Crescimento Pessoal
viver da pessoa. Outra forma de se entender a expresso experincia religiosa, de maneira geral,
pensando nos valores, conceitos, tradies e costumes transmitidos ao indivduo pela religio
a que este pertence. A experincia religiosa, em geral, se daria de acordo com a vivncia do
sujeito dentro do grupo religioso. Neste contexto, entendeu-se, para este estudo, a experincia
religiosa como se referindo ao conjunto de significados que foram se formando no
indivduo pelo fato dele ter se encontrado com a tradio religiosa crist na sua
modalidade catlica romana e ter se inserido nela, vivenciando sua religiosidade nesse
contexto.
2. Mtodo
A maneira pela qual se conduziu este estudo aponta, naturalmente, para a utilizao da
abordagem qualitativa e do mtodo fenomenolgico. Segundo Croatto (1992), para se falar de
religiosidade necessrio uma linguagem fenomenolgica, uma vez que tal linguagem procura
se aproximar das vivncias subjetivas da pessoa.
Segundo Gonzlez Rey (2002), as construes qualitativas se convertem em recursos
indispensveis para se entrar em uma zona de sentido que oculta pela aparncia. Tal definio
se encaixa no objetivo desta pesquisa, que pretende compreender qual o sentido da experincia
religiosa para o crescimento pessoal dos participantes. O mtodo fenomenolgico dispe de
mais de uma tendncia, porm, para este estudo, foi utilizada a tendncia emprica
(AMATUZZI, 1996), pois as concluses foram, principalmente, baseadas na anlise dos
depoimentos dos participantes sem a participao dos mesmos.Tendo este estudo um carter
fenomenolgico/exploratrio, participaram da pesquisa quatro pessoas catlicas indicadas por
lderes religiosos. Os participantes deveriam ter mais de 18 anos e poderiam ser do sexo
masculino ou feminino.
No que diz respeito aos procedimentos metodolgicos, as pesquisas qualitativas de campo
exploram, particularmente, as tcnicas de observao e entrevistas devido propriedade com
que esses instrumentos penetram na complexidade de um problema (RICHARDSON, 1999).
Assim, o instrumento utilizado neste estudo foi a entrevista no diretiva ativa, que teve a
seguinte pergunta disparadora: Estou fazendo uma pesquisa sobre experincia religiosa e
desenvolvimento/ crescimento pessoal; o que voc pode me contar sobre isso de acordo com a
sua experincia?
A anlise das entrevistas foi de natureza fenomenolgica e, neste sentido, foi privilegiado o
intencional ou vivido. Os dados coletados durante a entrevista seguiram um processo indutivo,
ou seja, a pesquisadora no se preocupou em buscar evidncias que comprovassem hipteses
tericas, no entanto, o fato de no existirem hipteses ou questes formuladas a priori no
implicou na inexistncia de um quadro terico. O desenvolvimento do estudo foi afunilando-se:
no incio houve questes ou focos de interesse mais amplos, que no final foram se tornando
mais diretos e especficos (DENCKER, 2001). Por se tratar de uma pesquisa orientada para a
descoberta, pretendeu-se entrar em contato com a realidade nica vivida por cada participante
para que se pudesse, a partir da, chegar a uma estrutura do vivido ou a uma elaborao sobre a
natureza do fenmeno. Para uma melhor compreenso das anlises realizadas, ser fornecida
uma breve apresentao dos depoimentos realizados. Cabe ressaltar que todos os nomes
utilizados neste estudo so fictcios, a fim de preservar a identidade dos participantes.
3. Apresentao dos Depoimentos
O primeiro entrevistado foi Andr, 41 anos, casado, pai de dois filhos e gerente em uma
empresa multinacional. Durante a entrevista, Andr descreveu sua experincia religiosa e
demonstrou o quanto esta esteve relacionada com outros aspectos de sua vida. Comeou falando
sobre sua infncia, famlia e sobre a questo religiosa dentro de sua casa. Descreveu sua
adolescncia e os envolvimentos amorosos que teve naquela poca da vida. Segundo Andr, o
incio de sua vida religiosa se deu ao conhecer aquela que atualmente a sua esposa, que
participava de uma comunidade catlica. Para conquist-la, comeou a freqentar a igreja e,
assim, foi se aproximando cada vez mais da religio. Andr relatou uma poca em que teve uma
promoo no emprego e, passada a crise financeira, sentiu uma mudana radical na sua
condio social. Tal situao o deixou muito confuso em relao a diversos aspectos de sua vida
e, a partir disso, comeou a questionar sua vida religiosa.
A segunda entrevista foi com Maria. Ela solteira, 26 anos, no tem filhos e mora com os pais.
Sua formao de nvel superior e trabalha numa escola pblica com crianas. Maria falou
sobre sua experincia religiosa pessoal a partir da religiosidade familiar. Relatou sentimentos de
controvrsia entre os membros da famlia no que se refere orientao religiosa bem como nas
prticas estabelecidas pela Igreja Catlica. Falou sobre seu interesse pela religio desde criana
e como conseguiu amadurecer sua experincia religiosa at os 26 anos.
A terceira entrevistada foi Ftima. Casada, 40 anos e dois filhos. Sua formao de nvel
superior, mas, atualmente, no est exercendo sua profisso. Sua atividade trabalhar com
crianas na comunidade catlica qual pertence. Ftima iniciou relatando sua histria de vida
familiar e sua busca pela espiritualidade. Segundo ela, a famlia e, principalmente, a me,
tiveram certa influncia na sua experincia religiosa, pois, cada membro da famlia tinha um
ponto de vista diferente sobre questes relacionadas religio. Ftima, a princpio, sentiu-se
mais atrada pela religio adotada pela me e, foi a partir dessa influncia que ela iniciou sua
busca por um crescimento espiritual.
A ltima entrevistada foi Neuza. Com 75 anos, casada, tem dois filhos casados e mora com o
marido. Seu grau de instruo o 1 grau incompleto (at a 4 srie do ensino fundamental).
Durante toda sua vida, trabalhou como vendedora e, agora que esta aposentada ministra aulas de
pintura alm de cuidar da casa. Houve uma necessidade, por parte da entrevistada, em descrever
alguns aspectos de sua vida antes de falar sobre sua experincia religiosa. A maior parte da
entrevista foi marcada por esse relato da histria de vida e somente ao final do depoimento
que Neuza falou sobre sua experincia religiosa e a relao que ela faz com seu crescimento
pessoal.
4. Anlise e Discusso dos Depoimentos
A anlise e discusso dos depoimentos foram baseadas na Teoria do Desenvolvimento religioso
proposta por Amatuzzi (2001). Este autor, em seu artigo Esboo de Teoria do Desenvolvimento
Religioso, explica que cada um pode ter uma histria de vida diferente a contar, e que, no
entanto, para alguns, nessas histrias ocorreram experincias religiosas num sentido mais
especfico. Seriam acontecimentos marcantes ou transformadores no campo religioso assumidos
com certo significado, ou seja, relacionados com o sentido ltimo. Nessa acepo mais
especfica, uma determinada experincia religiosa corresponde vivncia de um encontro
pessoal com outra dimenso da realidade, de que decorre uma compreenso mais radical
das coisas e que , em geral, referido a um plo transcendente do sentido, denominado
Deus. Foi nesse sentido de experincia religiosa, descrito por Amatuzzi, que se baseou o
presente estudo. Nos quatro depoimentos, foi possvel observar que a relao entre a experincia
religiosa e o crescimento pessoal abordada a propsito de acontecimentos concretos,
vivenciados no campo religioso e compreendidos pelos participantes como um encontro com o
transcendente.
4.1. Religiosidade Familiar
Nos depoimentos de Andr, Maria e Ftima, foi possvel perceber que a questo da
religiosidade no ncleo familiar se fez muito presente. Esta questo muito importante para a
orao que eu percebi que eu no sabia quem eu era. Na religio eu encontrei a fora para agir
[depoimento de Maria].
Ftima relatou que seu crescimento pessoal ocorreu atravs de uma busca pelo transcendente e
que, sem essa busca, ela no conseguiria sentir o mundo como sente hoje. Sua experincia
religiosa proporcionou uma nova maneira de lidar com os problemas cotidianos e, luz do que
compreende hoje, foi somente ao entrar em contato com uma religiosidade que fez sentido em
sua vida que ela conseguiu mudar algumas atitudes e sentir o mundo de outra maneira.
Eu acho que a minha busca pela espiritualidade trouxe principalmente amadurecimento. Porque
voc s se desenvolve quando comea a entrar em contato com as coisas do mundo, quando tem
sentimentos envolvidos. Foi nesse momento de busca, de sofrimento e mudanas que eu acabei
crescendo. Toda a minha busca foi necessria. Antes eu era uma pessoa mais insegura, sinto que
ainda sou, mas, hoje eu tenho Jesus do meu lado, hoje eu sinto o meu anjo da guarda me dando
a mo. Hoje eu no sou uma pessoa totalmente segura de tudo o que eu fao, eu tenho os meus
medos, meus defeitos, mas hoje eu luto, no fujo com tanta facilidade como eu fazia antes, e
tudo isso mudou porque eu sinto que tem algum mais forte lutando ao meu lado, junto comigo.
Eu diria que eu nasci de novo! [depoimento de Ftima].
Para Neuza, o crescimento pessoal ocorreu junto com o desenvolvimento religioso. De acordo
com sua compreenso, esse desenvolvimento pessoal s ocorreu quando ela pde sentir que na
religio encontraria apoio para lidar com suas dificuldades emocionais. Nesse sentido, pode-se
entender que Neuza se desenvolveu, psicologicamente, medida que conseguiu desenvolver um
auto-apoio para lidar com algumas questes de sua vida que ainda no estavam totalmente
resolvidas. Segundo Amatuzzi (2000), durante as fases do desenvolvimento religioso, o desafio
central do idoso passar dos apegos libertao, descobrir o que simplesmente viver,
independente de fatores outros. A conseqncia disso uma sensao de serenidade e sabedoria.
A religio torna-se uma relao experimentada na humildade diante do mistrio, como ocorreu
com Neuza.
A gente s cresce enquanto pessoa quando realmente sente que tem algo mais forte nos
ajudando a crescer. Voc pode ter muitas experincias na vida, mas, nenhuma destas
experincias te ajuda a amadurecer os seus sentimentos, nenhuma te ensina a olhar para uma
pessoa que te fez sofre durante uma vida toda com olhos de perdo e compreenso. Foi
exatamente esse crescimento que a religio me proporcionou. Eu aprendi a sentir o mundo de
outra maneira, mais sereno [depoimento Neuza].
Amatuzzi (1997:35) ressalta que a experincia religiosa tem uma repercusso direta na vida
da pessoa. Ela tal que transforma ou modifica a vida. Esta proposio vem explicar o
sentido de mudana subjetiva relatado pelos participantes deste estudo, ou seja, as
transformaes internas vivenciadas por eles foram to significativas que a conseqncia foi
um crescimento pessoal no sentido de mudana de viso de mundo com a conseqente
modificao de suas aes cotidianas. A experincia religiosa abre a pessoa para um mundo
inteiramente novo e diferente do cotidiano, do qual s possvel dar conta a partir de dentro
dele mesmo (AMATUZZI, 1997:37). Nesse mesmo sentido, Teixeira (2005) ressalta que a
grande obra da espiritualidade justamente sensibilizar a pessoa para captar o outro lado
das coisas, perceber aquilo que est sempre presente, mas escapa ao olhar desatento. Para o
autor, fazer a experincia do mistrio gratuito no romper com o mundo e a realidade
envolvente, mas sim entrar em profunda comunho com estes, como ocorreu com Neuza, que a
partir da experincia religiosa conseguiu mudar seu olhar em relao ao mundo e as pessoas a
sua volta e com isso obteve maior amadurecimento pessoal. Teixeira (2005:19) explica que na
trajetria de muitos dos buscadores espirituais h a presena de um movimento de sada de
determinada perspectiva de vida e a retomada de um novo caminho, que possibilita um olhar
distinto sobre tudo, capaz de perceber o abrao generoso e envolvente do Mistrio.
Dessa forma, podemos dizer que a experincia religiosa proporcionou aos participantes uma
mudana de viso de mundo que s pode ser compreendida a partir de dentro da prpria
vivncia da pessoa (diretamente ou por compreenso emptica).
5. Concluso
Conclumos que a experincia religiosa dos participantes esteve relacionada ao
desenvolvimento pessoal num sentido de mudanas subjetivas, particulares e singulares que
trouxeram, como conseqncia, alteraes comportamentais na vida cotidiana dos entrevistados.
Essas mudanas de comportamento foram sentidas pelos participantes como algo importante
para melhora da qualidade de vida.
interessante observar que envolvendo o divino, o transcendente ou o mais profundo do Eu, a
experincia religiosa aparece como algo que ultrapassa o plano das idias, sendo difcil para
os participantes descrev-la tal e qual foram vivenciadas. Por ir alm do plano das idias,
usar apenas a linguagem verbal ou escrita para transmiti-la, como reduzi-la a um contexto
empobrecido de significado. Dessa forma, no podemos atribuir experincia religiosa um
carter passivo ou uma relao mgica de causa e efeito na qual, por acaso, o sujeito vivencia
algo diferente e de repente no mais o mesmo. Para reforar a compreenso de mudanas
subjetivas relatadas pelos participantes, nos reportamos a Catalan (1999). Este autor ressalta que
uma experincia religiosa autntica tende a ser transformadora. Tal experincia poderia ser
entendida como uma converso que no tem nada de mgico e que possibilita ao indivduo um
voltar-se para Deus e um desviar-se de tudo o que possa interferir negativamente nessa relao.
importante ressaltar que os resultados desta pesquisa no sugerem uma relao simples e
direta entre experincia religiosa e transformao existencial, nem apontam exclusivamente para
uma relao geral e positiva entre experincia religiosa e comportamento saudvel. O que
podemos afirmar, com este estudo, que a experincia religiosa dos participantes contribuiu
para uma mudana subjetiva com conseqente modificao de comportamentos e que tais
mudanas podem ser entendidas como uma faceta do crescimento psicolgico. Podemos
afirmar com segurana que a vivncia religiosa proporcionou uma melhora na qualidade de vida
dos entrevistados medida que estes modificaram seu olhar em relao ao mundo.
Concordamos com Hill e Butter (1995: 141) quando afirmam que tanto a experincia religiosa
como a prtica do comportamento saudvel so entidades com diversas ramificaes, cada
uma envolvendo uma variedade de crenas, valores, atitudes e comportamentos.
Destacamos, ainda, que a legitimao da experincia religiosa, como uma varivel de pesquisa,
nos revela que desprezar a centralidade e a importncia dessa varivel na vida humana seria
negligenciar uma faceta do humano.