BERNARDO, João. Um Duplo Desafio

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UM DUPLO DESAFIO

por Joo Bernardo

Joo Bernardo portugus, escritor, doutor pela Unicamp. Desde 1984 tem sido convidado a
ministrar cursos de ps-graduao em vrias universidades pblicas brasileiras. autor de
numerosos livros, sendo os ltimos Labirintos do Fascismo (Porto: Afrontamento, 2003) e
Democracia Totalitria (So Paulo: Cortez, 2004).

Todos os problemas especficos sentidos hoje pelos docentes universitrios devem-se ao


fim da universidade de elite e generalizao da universidade de massas. Alis, curioso ver
professores de esquerda, ou mesmo de extrema-esquerda, lamentarem esta evoluo do ensino
superior e tomarem como referncia ideal a poca em que a universidade se dedicava apenas a
educar os futuros membros das classes dominantes, como se fosse uma degradao formar
futuros membros da classe trabalhadora. Tambm os lacaios de antigamente disputavam a sua
superioridade relativa consoante a posio social ocupada pelo patro a quem serviam.
Na situao actual os docentes universitrios incluem-se com os dos outros graus de
ensino na mesma categoria profissional, e a nica distino que se pode estabelecer entre eles diz
respeito ao nvel de qualificaes que esto encarregados de ministrar aos alunos futuros
trabalhadores. Num pas como o Brasil e alis na esmagadora maioria dos pases muito
duvidoso que existam ainda estabelecimentos de ensino superior dedicados exclusivamente
formao das classes dominantes. As elites enviam os seus filhos e as suas filhas para escolas
secundrias na Sua e colocam-nos depois em meia dzia de faculdades de administrao
localizadas nos Estados Unidos ou em Frana. Tudo o restante, e quaisquer que sejam as iluses
de professores e de alunos, se destina a formar fora de trabalho qualificada, ou pretensamente
qualificada.
Desde h muitos anos tenho vindo a apresentar, em livros e artigos 1, um modelo de
anlise em que os professores so considerados, em termos marxistas, como trabalhadores
produtivos, com a particularidade de ser humano o produto que lhes sai das mos. O professor,
nesta perspectiva, um trabalhador produtor de trabalhadores. Esta maneira de considerar o
problema tem consequncias de vulto para o estudo dos mecanismos da explorao, permitindo
conceber a extorso de mais-valia num quadro muito amplo, dimenso de toda a sociedade e de
toda a vida humana. Foi aproveitando as potencialidades deste modelo que pude, mais
recentemente, conceber tambm a integrao dos cios nos ciclos de reproduo do capital e
compreender a funo desempenhada pelos instrumentos electrnicos de fiscalizao dos lazeres
1

Ver sobretudo O Proletariado como Produtor e como Produto, Revista de Economia Poltica [So
Paulo], 1985, vol. 5 n 3 e A Produo de Si Mesmo, Educao em Revista [Faculdade de Educao, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte], 1989, ano IV n 9. Ver ainda o captulo dedicado a esta questo em
Economia dos Conflitos Sociais, So Paulo: Cortez, 1991.

na manuteno da ordem estabelecida. Mas so outras as implicaes deste modelo para as quais
pretendo chamar aqui a ateno.
Enquanto trabalhadores explorados da sua mais-valia, os docentes das universidades de
massas adoptaram modalidades de organizao e de luta comuns aos restantes trabalhadores, e
inevitavelmente se sindicalizaram e comearam a fazer greves. Todavia, tanto na forma de
mobilizao ecolhida como nas paralizaes do trabalho a que procedem, os professores parece
que no se tm dado conta da especificidade que os distingue dos outros trabalhadores. Eles no
so operrios, fabricantes de bens materiais, nem so prestadores de um tipo de servios que
tenha uma mera funo acessria para o consumidor. Eles so produtores de fora de trabalho,
no produtores de pessoas mas produtores das qualificaes que essas pessoas vo ter quando no
futuro forem trabalhadores tambm.
Ora, at agora os sindicatos de docentes no aproveitaram as enormes capacidades de
aco anticapitalista proporcionadas pela posio de formadores de futuros trabalhadores.
Consoante o modo como os professores orientarem a instruo que do aos alunos, assim
contribuiro para produzir ou um esprito de obedincia ou uma capacidade de resistncia. No
me refiro aqui predominantemente ao contedo do que se ensina, que para esta questo
secundrio. Refiro-me sobretudo forma como se ensina, ao relacionamento vigente entre os
professores e os alunos, ao tipo de organizao adoptado. Se as associaes sindicais dos
professores e as lutas encabeadas pelos professores pretendessem efectivamente pr em causa o
capitalismo, no deveriam desperdiar aquela situao estratgica.
Na verdade, porm, no se trata de uma incompreenso por parte dos professores e dos
seus organismos sindicais. Em todas as empresas o capital hierarquiza os trabalhadores. A noo
de classe trabalhadora , por si mesma, um instrumento terico de ruptura com o capital, porque
uma das principais preocupaes da administrao de uma empresa introduzir diferenas de
nveis, de competncias, de funes e de remuneraes que ponham uns trabalhadores acima dos
outros e os dividam a todos, impedindo que existam como classe. Nenhuma luta anticapitalista
pode prosseguir sem romper essas hierarquias. O mesmo sucede nos estabelecimentos de ensino,
onde proliferam variadas chefias que tantas vezes no chefiam coisa nenhuma, e os professores
sabem que sem transformar estas relaes hierrquicas em relaes solidrias no conseguem
resistir administrao pblica ou aos donos das escolas privadas. No entanto, as instituies
escolares no so fbricas nem escritrios, e em que situao ficam as outras pessoas dessas
instituies os alunos durante as lutas dos professores?
At agora, de uma maneira deliberada, consciente e sistemtica, aqueles mesmos
professores que pretendem reforar a solidariedade e derrubar as hierarquias capitalistas no
mbito da sua profisso tm-se esforado por conservar os alunos numa estrita situao de
disciplina e de obedincia. claro que tudo nas escolas, como alis em quaisquer empresas,
pressiona neste sentido, mesmo a arquitectura e a disposio das salas de aula, que coloca o
professor no lugar de destaque, para onde convergem os olhares. O problema que at durante as
lutas, quando eles prprios esto a violar a disciplina da instituio escolar, os professores no
prescindem das exigncias disciplinares relativamente aos alunos. E assim, na medida em que
restringem as suas greves a reivindicaes salariais e de carcter corporativo, os docentes tm
mantido indisputada a sua posio hierrquica numa das reas mais importantes da sociedade
capitalista. Eles sentem-se entalados entre, por um lado, o Estado ou os donos das escolas e, por
outro, os estudantes. E para muitos professores os estudantes so uma ameaa bem pior do que o
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Estado ou os patres privados, j que estes, se lhes pagam mal, ao menos os reforam na
autoridade, ao passo que vm nos alunos um perigo permanente para a hierarquia e para a
disciplina. Qualquer manifestao de protesto por parte de alunos que inclua actos de indisciplina
ou vexames feitos a autoridades acadmicas so vistos com indignao pela esmagadora maioria
dos professores, se bem que tais actos no atinjam os professores enquanto pessoas; e mesmo as
autoridades acadmicas, quando so visadas, so-no somente em virtude das funes que
exercem, no enquanto membros comuns do corpo docente. Ao mesmo tempo que manifestam a
sua hostilidade s formas de contestao especificamente estudantis ou, no melhor dos casos, que
ficam indiferentes perante elas, os professores esquecem-se de que com uma simples greve
atingem os interesses materiais da totalidade dos estudantes. Apesar disso acusam os estudantes
de atraso poltico quando estes reclamam da suspenso das aulas.
Se os professores quisessem contestar seriamente os mecanismos do capital aproveitar-seiam do lugar estratgico que ocupam, e nas suas greves, em vez de se limitarem a no dar aulas,
dariam aulas ao contrrio, alterando no s o contedo do ensino mas sobretudo invertendo as
hierarquias, abolindo a disciplina, realmente sabotando um dos aspectos bsicos das relaes
sociais capitalistas. Alcanaramos deste modo uma solidariedade entre os produtores de
trabalhadores e os trabalhadores produzidos.
Na perspectiva em que abordo aqui a questo, o fracasso das lutas dos docentes
completo. Um exemplo flagrante dado pela insurreio juvenil que se generalizou nos
subrbios das cidades francesas. Tendo em conta as suas caractersticas sociais e os seus lugares
de residncia, pode afirmar-se que entre esses jovens se contam maciamente aqueles vinte por
cento de analfabetos funcionais registados nas estatsticas escolares dos pases mais
desenvolvidos. J nos textos atrs mencionados, em que apresentei o modelo do ensino enquanto
produo de mais-valia, eu pretendi mostrar que, em pases com uma escolarizao obrigatria
superior a dez anos, o analfabetismo funcional de modo algum se deve a qualquer insucesso
escolar mas, pelo contrrio, explica-se pelo xito alcanado por muitos alunos na resistncia ao
aprendizado. Adestrados para serem futuros trabalhadores numa sociedade que, tendo em conta
as suas habilitaes e a sua origem social, no lhes proporcionar mais do que empregos
precrios, aqueles jovens recusam-se liminarmente a desempenhar o papel que lhes atribudo na
encenao. Os acontecimentos em Frana confirmam este ponto de vista. Confirmam tambm, e
muito lamentavelmente, a incapacidade de os professores juntarem os seus protestos aos dos
alunos rebeldes. No muito tempo antes da insurreio dos subrbios os professores franceses
haviam-se manifestado, uma vez mais, contra a reforma neoliberal do sistema escolar, mas pelos
vistos s desejam faz-lo desde que os alunos respeitem a disciplina.
Enquanto o sindicalismo docente se mantiver dentro destes limites, no conseguir
ultrapassar os meros interesses corporativos. Mas esta s uma metade da questo, aquela que
diz respeito ao carcter especfico dos professores enquanto trabalhadores e, portanto, ao carcter
especfico que se deveria exigir dos sindicatos de professores. Falta a outra metade da questo,
que diz respeito a todo o tipo de sindicalismo na situao actual.
Na sua estrutura interna e na maneira como funcionam, os grandes sindicatos
hierarquizados de massas explicam-se pela situao do final do sculo XIX e do comeo do
sculo XX, quando a esmagadora maioria dos operrios das cidades tinha emigrado recentemente
dos campos e no sabia desenvencilhar-se na sociedade urbana e industrial. Este tipo de
sindicalismo correspondeu, do lado dos trabalhadores, aos sistemas produtivos que, do lado dos
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patres, foram instaurados com o taylorismo e o fordismo. medida, porm, que se foi
esgotando o fluxo migratrio dos campos para as cidades e que o proletariado urbano aprendeu a
conhecer e a dominar o meio em que vivia e em que laborava, o sindicalismo clssico e o
taylorismo clssico foram postos em causa. Nas dcadas de 1960 e de 1970, de um e outro lado
das fronteiras da guerra fria, tanto entre os pases mais desenvolvidos da rea de influncia norteamericana como na esfera sovitica e na China, os trabalhadores desencadearam um novo tipo de
movimentos, caracterizado principalmente por dois aspectos. Em primeiro lugar, os trabalhadores
mostraram-se capazes de iniciar e conduzir as suas lutas fora das estruturas sindicais. Em
segundo lugar, eles mostraram-se capazes no s de ocupar mas ainda de fazer funcionar fbricas
e estabelecimentos comerciais, o que em certos pases e em certas pocas os levou a
responsabilizarem-se por pores muito considerveis da economia. Conjugando ambas estas
caractersticas, o que sucedeu foi que os trabalhadores, se conseguiram prescindir das direces
sindicais e gerir as suas prprias lutas, conseguiram tambm gerir as empresas e dispensar as
administraes patronais. Ora, a capacidade de gesto demonstrada pelos trabalhadores durante
aqueles movimentos surpreendeu no s as chefias sindicais, que julgavam os filiados capazes de
obedecer a palavras de ordem mas no de conceber tcticas e muito menos estratgias, como
deixou igualmente espantados os administradores fordistas, que tinham como axioma que o
trabalhador mexe as mos mas no pensa. O sindicalismo autoritrio e o taylorismo clssico
foram ambos postos de parte pelos trabalhadores.
O neoliberalismo e o toyotismo limitaram-se a reconhecer a nova situao e a aproveit-la
em benefcio do capital. Vendo que os sindicatos j no mobilizavam os operrios mais
combativos e que, por conseguinte, haviam perdido o fundamento da sua legitimidade, os
governos neoliberais dispensaram as burocracias sindicais. E os administradores das empresas,
vendo que os trabalhadores, alm de usarem os msculos, usavam tambm o crebro, e o faziam
com muita eficcia, passaram a explorar no s a componente fsica mas ainda a componente
intelectual do trabalho. A capacidade de iniciativa dos trabalhadores foi convertida pelo
toyotismo em elemento da mais-valia, e para isso o autoritarismo dos dirigentes sindicais era no
s intil mas nocivo. Nesta situao, qual o lugar que resta s burocracias sindicais?
No sistema toyotista de organizao do trabalho os capitalistas podem enquadrar os
assalariados no mbito das empresas, sem precisarem de recorrer aos sindicatos. Por outro lado, a
fragmentao dos regimes de trabalho suscitada pela difuso da terceirizao, do sistema de
trabalho temporrio, dos contratos a prazo e, em geral, a precarizao do estatuto profissional
tornaram obsoleto o sistema sindical de gesto do mercado de trabalho. Neste quadro, em que se
abre muito pouco espao aos sindicatos enquanto representantes burocrticos dos trabalhadores,
desenvolveu-se outra vertente menos conhecida do sindicalismo, que eu analisei num pequeno
livro publicado h quase vinte anos2. Desde a sua origem que os sindicatos gastaram uma parte
considervel dos fundos no no apoio a greves ou outras formas de resistncia anticapitalista mas
em investimentos de interesse econmico. Foi assim que, ainda no sculo XIX, as burocracias
social-democratas da Alemanha e da Blgica se alaram aos lugares de gesto de grandes
cooperativas de consumo. Este tipo de investimentos continuou ao longo do sculo XX, e em
alguns casos extremos, como em Israel, por exemplo, os sindicatos passaram a deter uma poro
muitssimo considervel da economia nacional. Enquanto administradores de empresas geridas
como quaisquer outras, a situao destes gestores de origem sindical em nada difere da dos
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Capital, Sindicatos, Gestores, So Paulo: Vrtice, 1987.

administradores comuns de um estabelecimento capitalista comum. Eles integram a classe dos


gestores, e o controlo que detm sobre as relaes de produo e sobre os ritmos do trabalho
assegura-lhes a capacidade de se apropriarem, como qualquer patro, de uma poro da maisvalia. Os gestores sindicais so exploradores capitalistas.
Nos ltimos anos, porm, os sindicatos tm tido oportunidade de proceder a novas
modalidades de investimento. Nos Estados Unidos comeou a suceder com certa frequncia que
os dirigentes sindicais negoceiem com os donos ou as administraes das empresas uma reduo
da taxa de crescimento dos salrios ou uma reduo de outros benefcios, obtendo em troca um
pacote de aces da empresa correspondente ao montante dessa reduo. Nominalmente, as
aces so concedidas aos trabalhadores, mas como eles no recebem a possibilidade de as
movimentar e como a sua gesto entregue aos dirigentes sindicais, so estes dirigentes quem,
para todos os efeitos, se apodera das aces. Ou seja, aquilo que os trabalhadores deixaram de
ganhar converte-se em capital para os dirigentes sindicais. No este mesmo o mecanismo da
mais-valia? Outra modalidade de investimentos sindicais, bastante semelhante quanto s suas
consequncias, obteve uma enorme difuso na Rssia graas s privatizaes. Quando as
empresas estatais foram postas venda, a lei concedeu o direito de opo aos assalariados, o que
levou generalizao de coligaes formadas pelos administradores dessas empresas e pelos
trabalhadores estes representados, como no podia deixar de ser, pelos dirigentes sindicais
que adquiriram a maioria das aces das empresas. Em resultado, o mesmo conjunto de
administradores de empresa e de gestores sindicais que j na poca sovitica dirigia in loco cada
estabelecimento econmico continua agora a dirigi-los, mas atravs da deteno de aces. Para
isto necessrio que os trabalhadores sejam impedidos de exercer influncia sobre as assembleias
de accionistas, o que se consegue facilmente porque os trabalhadores possuem as aces
dispersas, e s os dirigentes sindicais, graas ao seu direito de representao colectivo, podem
falar em nome da maioria dos accionistas. Nunca entenderemos os mecanismos econmicos
modernos se ignorarmos que, alm da deteno do capital atravs da propriedade privada, existe
a sua deteno atravs do controlo, e que esta que fundamenta a existncia dos gestores
enquanto classe dominante e exploradora. Outra modalidade, estreitamente relacionada com
aquelas duas, consiste no controlo obtido pelos dirigentes sindicais, ou por administradores por
eles nomeados, sobre os fundos de penses. Deste modo as burocracias sindicais, directa ou
indirectamente, tornaram-se capazes de mobilizar volumes financeiros colossais, que se contam
entre os maiores em numerosos pases. Isto explica que os sindicatos possam ter interesses
prprios de estabilidade monetria e de conteno da inflao, muitas vezes em franco
antagonismo com os desejos dos trabalhadores comuns. Em suma, se hoje os sindicatos perderam
em grande parte as suas funes de representantes burocrticos dos trabalhadores e de
regulamentadores do mercado de trabalho, conseguiram por outro lado um xito crescente
enquanto investidores. este processo que eu denomino capitalismo dos sindicatos.
O caso brasileiro insere-se no movimento geral que acabei de esboar. As greves do ABC,
que liquidaram o regime militar, no se opuseram s s direces sindicais pelegas, mas
contestaram tambm o aparelho sindical existente. Contra os sindicatos hierarquizados de massas
herdados do getulismo, as oposies operrias defenderam um novo tipo de organizao, ligada
s bases e capaz de aproveitar a espontaneidade das lutas. Dede o comeo do Novo Sindicalismo
foi muito claro o confronto entre a tendncia autoritria e verticalizante e a tendncia que
pretendia privilegiar os organismos de base. Acabou por triunfar, sob um nome diferente, aquilo
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que era afinal uma variante do sindicalismo tradicional, e a partir desse momento o destino ficou
ditado. A inevitvel burocratizao da CUT gerou tudo o resto, e aqueles que agora lanam mos
aos cabelos, apavorados com o que est a suceder, teriam feito bem melhor se se tivessem
arrepelado h vinte anos, quando tinham cabeleiras mais fartas e menos brancas.
Definitivamente burocratizada e separada das bases, a CUT encontrou nas verbas do
Fundo de Amparo ao Trabalhador o estmulo propcio sua evoluo capitalista. Estas verbas
permitiram que os sindicatos se encarregassem da formao profissional e da adequao dos
trabalhadores terceirizao ou sobrevivncia no desemprego, tarefas que deviam ter cabido
aos patres, mas a sua verdadeira importncia situou-se a um nvel mais profundo. Do mesmo
modo que os fundos de penses, os financiamentos do FAT envolveram a CUT em interesses
directa e estritamente econmicos e fizeram com que ela acompanhasse a tendncia generalizada
de expanso do capitalismo sindical. A histria produz os seus prprios smbolos, e neste caso
Delbio Soares representa, pelo seu percurso, o desenvolvimento capitalista dos sindicatos da
CUT, e depois a sua ligao, atravs do PT e do governo, ao capitalismo genericamente
considerado. O capitalismo dos sindicatos uma componente imprescindvel dos actuais
escndalos governamentais.
No vejo que sirva para alguma coisa um organismo sindical desligar-se da CUT se
continuar futuramente prticas do mesmo tipo, embora encobertas por outra linguagem. O que se
afigura urgente, na minha opinio, a ruptura com modalidades de organizao e com formas de
reivindicao que at hoje tm vindo a ser cegamente aceites. No caso dos docentes esta ruptura
deve ser dupla, por um lado, repensando a mobilizao no interior da escola, de maneira a que as
lutas dos professores se liguem rebeldia dos estudantes, em vez de a ostracizar. Por outro lado,
rompendo com um tipo genrico de sindicalismo que, atravs da sua burocratizao e dos seus
interesses econmicos, se converteu numa pea indispensvel dos prprios mecanismos do
capital.
No se trata de um desafio, mas de dois, o que no fcil.

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