Ensino de Física e Deficiência Visual: Dez Anos de Investigações No Brasil

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der Pires de Camargo

Ensino de Fsica e Deficincia visual:


Dez anos de investigaes no Brasil

Dedicatria e apresentao

der Pires de Camargo

der Pires de Camargo

Ensino de Fsica e
Deficincia visual:
Dez anos de investigaes
no Brasil

EP
Editora Pliade
So Paulo
2008
3

Copyright 2008Eder Pires de Camargo.


Direitos Reservados. Proibida a reproduo, mesmo parcial, e por qualquer
processo sem autorizao expressa do autor e do editor.

Capa: Milena Y. Madeira

Ficha de Catalogao

C172e

Camargo, der Pires de


Ensino de Fsica e deficincia visual: dez anos de
investigaes no Brasil / Eder Pires de Camargo. - So
Paulo: Pliade, 2008.
205 p.
ISBN: 978-85-7651-073-4

1. Fsica Estudo e ensino 2. Educao de


deficientes visuais I. Ttulo
CDU 53
376.3
(Bibliotecria responsvel: Elenice Yamaguishi Madeira CRB: 8/5033)

Editora Pliade
Rua Apac, 45 Jabaquara
CEP: 04347-110 So Paulo/SP
E-mail: [email protected]
Site: www.editorapleiade.com.br
Fones: (11) 2579-9863 - 2579-9865

2008

Impresso no Brasil

der Pires de Camargo

SUMRIO

Dedicatria e apresentao ..........................................................7


Captulo I. Posicionamento terico ............................................15
I.I. Deficincia visual: um fenmeno social ................15
I.II. O impacto da viso na cultura ..............................18
I.III. Interpretaes ao longo da histria......................20
I.IV. O mito da escurido ............................................23
I.V. A deficincia visual como possvel vantagem
para o conhecimento de alguns fenmenos fsicos ......24
Captulo II. Deficincia visual e concepes alternativas .........27
II.I Concepes alternativas: um breve panorama.......27
II.II. Algumas
caractersticas
da
Fsica
Aristotlica e da Fsica do Impetus..............................29
II.III. Principais Relaes entre concepes
alternativas de pessoas videntes e conceitos da
Fsica pr-newtoniana ..................................................32
II.IV. Deficincia visual e concepes alternativas:
a pesquisa .....................................................................35
II.V. Concepes alternativas de pessoas cegas
sobre repouso e movimento: ........................................41
II.VI. Anlise de referenciais observacionais novisuais ..........................................................................55
II.VII. Consideraes finais .........................................70
Captulo III. A formao de professores de fsica no
contexto das necessidades educacionais de alunos com
deficincia visual .......................................................................73
III.I. O quadro da formao docente na perspectiva
da deficincia visual ....................................................73
III.II. A integrao, a incluso e a formao dos
professores ...................................................................76
III.III. A insero da temtica da deficincia visual
num curso de formao de professores de fsica .........80
5

Dedicatria e apresentao

Captulo IV. O planejamento de atividades de ensino de


fsica para alunos com e sem deficincia visual: dificuldades
e alternativas ..............................................................................89
IV. I. Os dados analisados ...........................................89
IV.II. Categorias para anlise dos planos de ensino
e do debate ...................................................................90
IV.III. Anlise dos dados .............................................95
IV.IV. Consideraes finais.......................................154
Captulo V. Proposta para o desenvolvimento de um curso
sobre os conceitos de atrito, gravidade e acelerao para
alunos com deficincia visual ..................................................163
V.I. Modelo para o planejamento e a conduo de
atividades de ensino de fsica ....................................163
V.II. As atividades .....................................................165
V.III. Orientaes didticas .......................................192
Referncias Bibliogrficas .......................................................195

der Pires de Camargo

Dedicatria e apresentao

Quando me ponho a pensar sobre o que j foi, lembrome de muitas coisas. Lembro-me dos dias alegres recheados por
pdios, palcos, gols, moada, violo, serenata, lanchonete,
churrasco, piadas. Como me esquecer da infncia em Pereiras,
Pederneiras e Lenis Paulista? Como no me lembrar das casas
dos avs, Maria Camargo e Enoch, Maria Mineto e Z do Pim,
do gravador velho, da oficina, do p de manga, da plantao de
mandioca, do ovo caipira, do po caseiro, do doce de goiaba, do
leite tirado e tomado ali mesmo no curral, das pescarias com
meu pai e com meu tio, das histrias de beira de rio, das
cavalgadas?
Fica difcil mesmo no recordar a baliza 1 que nunca me
foi negada nas provas de 200 m e 400 m, do Jura beira da
pista gritando "vai" para que o basto me pudesse ser entregue
corretamente no quatro por cem, dos treinamentos do Ariel, do
velho Cacita, da Lucimara, a garota da farmcia que olhava
todos os dias a balana e que hoje minha esposa, meu grande
amor, das corridas de So Silvestre de que participei (2000 e
2001), das medalhas, das msicas: "cumbalala cumbalala
cumbalala vista" enfim, quantas lembranas!
Como no sentir saudades dos discos que gravei "A
histria que mudou a histria", "Soberano", do pessoal do
Aliana Eterna, dos momentos de gravao, do Paulo Campus
Junior, das igrejas por onde cantei, e em especial, da Igreja
Presbiteriana Independente de Lenis Paulista?
7

Dedicatria e apresentao

Como esquecer e no ser eternamente grato aos meus


pais, Elizabete e Elio, por tudo, tudo mesmo que fizeram em
meu favor, foram tantos os desabafos que minha me ouviu de
minha parte, incontveis os textos escolares que leu para que eu
pudesse estudar para as provas, incomensurvel o exemplo de
retido demonstrado o tempo todo por meu pai, impagveis os
esforos que por eles nunca foram medidos para que a realidade
da viso deixasse de ser sonho? Serei sempre grato e admirador
de meu irmo Elinho que vive acertando meu computador e
mandando por e-mail notcias e informaes sobre o Palmeiras,
da Erica que j foi meus olhos e mos lendo artigos e
escrevendo toda minha dissertao de mestrado, ditada por mim,
de tios como o Saulo Pires que descobriu uma forma de
escanear textos sem usar o mouse, o Jos Morelli que vive
divulgando para todos as metas que atinjo, o Sacoman e o
Leomim que j fizeram dupla sertaneja comigo. Tambm me
lembro de todos os outros tios e tias, os tios paternos Jair, o
Jairo, o Juliano, a Tunica e a Madalena, a Edna, a Daisy, a
Vnia, a Jose e a Maria Antnia, as tias maternas Bel, D e
Zinha, e os tios Washington, Claudinei e Lourival, todos muito
amigos, todos guardados no fundo do corao. Gostaria de
prestar homenagem ao Eder Pires de Camargo, tio falecido que
no conheci e que inspirou meus pais a escolherem meu nome.
De que forma hei de agradecer ao Carlos, sua esposa
Sandra e Aline, que a filha do casal, famlia de ouro que
abriu a porta de sua casa em MonteMor para que eu me
hospedasse enquanto cursava o doutorado na UNICAMP?
Carlos, Sandra e Aline, muito obrigado do fundo do corao.
Como no me sentir um privilegiado, tendo em meu
caminho o apoio de pessoas como a Nilce, que a Diretora do
Lar Escola Santa Luzia para cegos, do Artiole que d aulas na
referida escola e que me ensinou Braile e de todos os seus
alunos? Sobre os alunos do Santa Luzia, gostaria de fazer saber
que neles observei potencial e capacidade para o desempenho de
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der Pires de Camargo

quaisquer funes tanto cognitivas quanto profissionais. Embora


o que lhes tenha restado seja tudo o que possuem, penso ser os
locais dos quais foram ausentados os que verdadeiramente
perdem. Vocs no tm noo do quanto colaboraram, no
apenas com minhas pesquisas, mas com todas as pessoas com
deficincia visual que, de uma forma direta ou indireta, viro a
ser beneficiadas devido aos resultados por elas produzidos.
Quando me ponho a pensar sobre o que j foi, lembrome de muitas coisas. Quantas lembranas difceis me vm
mente, o medo de mame acerca de meu futuro, o conforto que
minha av dava a ela, a bolinha que no conseguia achar, os
diagnsticos errneos de oftalmologistas: Hipermetropia?
Astigmatismo? Birra de criana? Retinose Pigmentar? Stargart!
As concluses bem-intencionadas e precipitadas de professoras
que diziam que eu no sabia ler, enquanto que a verdade era a de
que eu estava perdendo a viso, a mudana da ltima para a
primeira carteira, depois a necessidade de levantar para copiar a
matria, a ajuda de colegas que ditavam as coisas, e, por fim, a
ineficincia da viso para ler e escrever. Lembro-me do
Cristiano, da Sandra, do Fbio, do Joo, do Estfano, do Jomar,
do Srgio, do Marcelo, do Kiko, do Adriano, do Donizete, do
Paulo, vocs foram decisivos em minha vida.
Admiro aqueles que aplicam seu tempo de trabalho e
pesquisa no desenvolvimento de tecnologia como a que constitui
o programa de computador Virtual Vision. O Virtual Vision
um software que foi desenvolvido com a finalidade de tornar a
pessoa com deficincia visual apta utilizao do computador
em todas as suas funes. Por meio desse software, pude
escrever minha tese de doutorado, a pesquisa de ps-doutorado,
vrios artigos e o presente livro. Utilizando o referido programa,
posso tambm escanear e ler (ouvir) artigos e livros, ou seja,
entrar no "universo da informao". Destaco, entretanto, a
urgente necessidade da disponibilizao, em formato digital, de
textos, livros, etc. Isso evitaria o processo de escaneamento dos
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Dedicatria e apresentao

textos e, dessa forma, pouparia um grande esforo e tempo da


pessoa com deficincia visual.
Agradeo a todos os funcionrios da Fundao Bradesco
de Marlia. Essa instituio me forneceu, por meio de um curso,
o ensino do Virtual Vision. Agradeo tambm a todos os
colegas que participaram comigo das trs etapas do referido
curso.
Quando me surpreendo a sentir sobre o que vivi, so
inmeras as sensaes que me enchem o peito. Sinto o medo
que caminhou constantemente ao meu lado, o medo de errar, de
ser reprovado na percia mdica, de ser subestimado por
diretores de escolas, por alunos, por colegas de servio. Aprendi
com a vida que, sob pena de serem excludos, aqueles que
possuem alguma deficincia no tm o direito de cometer erros,
nem mesmo os erros que aqueles que no tm deficincia
cometem. claro que isso apenas um desabafo, como todos,
cometo inmeros erros. Apenas gostaria de errar com mais
tranqilidade, apenas gostaria que meus erros no fossem
atribudos minha baixa viso. evidente tambm que, devido
a tal desabafo, eu possa estar generalizando comportamentos de
vrios amigos e profissionais que sempre me prestaram todo o
apoio. Gostaria de destacar que, em boa parte das vezes, obtive
de meus colegas de trabalho, alm desse apoio, compreenso, e
pacincia. Na maioria das vezes, fui o praticante dessas aes.
Quero fazer referncia a todas as escolas que estudei. Ao
parquinho Walt Disney e Alice Prenhaca, minha primeira
professora, Escola Eliazar Braga, na cidade de Pederneiras, s
escolas, Dr. Paulo Zillo e Virglio Capoani, em Lenis Paulista.
Nessas escolas, fiz minha formao bsica. Quero mencionar os
professores, Carlos Brusnardo, Dorival Tagliatela, Nereci
Ceschini, Isabel Cristina Lorenzetti, Ivan Montanholi, Graa
Lorenzetti, Anete Biral, Bernadete e Terezinha Carriti, Veide
Borim Pacola, Jos Alfredo Corradi, Joaquim Brosco, como
pesssoas marcantes em minha trajetria escolar.
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der Pires de Camargo

Como apagar da memria os primeiros exerccios de


Fsica e de matemtica que consegui resolver, a fora que o
professor de fsica, Guerino Telli Junior, me dava, e os
incentivos concedidos pelo Edevar Moretto, meu querido
professor de matemtica e de qumica? Edevar e Guerino: lutei
muito para ser como vocs. Vocs so meus verdadeiros
mestres. Espero ter atingido um pouco dessa meta.
Gostaria de fazer referncia a todas as escolas em que
lecionei: Rubens Pietraria, Virglio Capoani, Fernando Valezi,
Joo Batista Ribeiro, Dr. Paulo Zillo, Vera Braga, Antonieta
Grassi Malatrasi e Leonina Alves Coneglian. Nessas escolas,
ensinei, mas, principalmente, aprendi muito com seus alunos,
com professores, diretores e funcionrios, com colegas de
profisso e amigos do peito. Alis, foi no Virgilio Capoani que
reencontrei Lucimara, meu amor eterno.
Todos, que considerei, so responsveis por tanta coisa,
por minha formao bsica, meu ingresso e egresso no curso de
Fsica da UNESP de Bauru, a superao das dificuldades
decorrentes desse curso, a ajuda que pude receber e dar a vrios
colegas, o nascimento da problemtica do ensino de fsica para
alunos com deficincia visual, meu ingresso e egresso no
mestrado em educao para a cincia da UNESP de Bauru, e,
posteriormente, no doutorado da Faculdade de Educao da
UNICAMP. Serei sempre grato ao Professor Doutor Luiz
Vicente de Andrade Scalve e ao professor Doutor Dirceu da
Silva por me orientarem, respectivamente, no mestrado e
doutorado e por acreditarem em minhas idias. Serei sempre
grato ao professor Doutor Roberto Nardi, meu supervisor de
ps-doutorado. O professor Nardi nunca mediu esforos para
que a pesquisa em ensino de cincias se consolidasse, no
apenas na regio de Bauru, como em todo o Brasil.
Gostaria de agradecer os Departamentos de Fsica e
Educao da UNESP de Bauru, o programa de Ps-graduao
em Educao para a Cincia da Faculdade de Cincias da
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Dedicatria e apresentao

UNESP de Bauru e o programa de Ps-graduao em Educao


da Faculdade de Educao da UNICAMP. Nessas instituies,
estudei e me formei como profissional e como ser humano.
Agradeo tambm ao Departamento de Fsica e de Qumica da
Faculdade de Engenharia da UNESP de Ilha Solteira, instituio
que me recebeu de braos abertos e onde leciono e desenvolvo
minhas pesquisas. Tambm gostaria de prestar agradecimento
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
(FAPESP) que financiou minhas investigaes de mestrado,
doutorado e ps-doutorado.
Dedico o presente livro a todos que citei. Destaco que o
referido descreve os principais resultados de minhas pesquisas
de mestrado, doutorado e ps-doutorado, realizadas entre os
anos de 1997 e 2006. Dessa forma, essa obra representa dez
anos de investigao acerca da temtica ensino de fsica e
deficincia visual.
O livro est organizado em cinco captulos. No captulo
I, apresento a deficincia visual como um fenmeno social, a
influncia da cultura de videntes no ensino, um posicionamento
terico sobre o fenmeno da ausncia de viso, e uma possvel
vantagem oriunda da cegueira para a compreenso de alguns
fenmenos fsicos. O captulo II apresenta os resultados
provenientes de minha dissertao de mestrado. Nele, trato o
tema das concepes alternativas de pessoas cegas, e abordo
alguns referenciais observacionais no-visuais da realidade
fsica. Argumento que tais referenciais participam, na
construo de conhecimento de todas as pessoas, com ou sem
deficincia visual. Os captulos III e IV relatam os principais
resultados de minha pesquisa de ps-doutorado. No captulo III,
reflito sobre o atual quadro brasileiro da formao de
professores de fsica no contexto da deficincia visual; apresento
e discuto ainda a questo da incluso escolar e sua
implementao prtica e descrevo e sugiro um processo para a
formao do docente de fsica em relao a sua atuao em salas
12

der Pires de Camargo

de aulas que contemplem alunos com e sem deficincia visual.


No captulo IV, relato os resultados provenientes de anlises de
planejamentos de atividades de ensino de fsica adequadas, a
priori, participao de alunos deficientes visuais e videntes.
Esse captulo, portanto, enfatiza as principais dificuldades e
alternativas vivenciadas por futuros professores durante o
processo de elaborao de atividades inclusivas. Finalmente, o
captulo V, oriundo de minha pesquisa de doutorado, descreve
procedimentos para a elaborao e conduo de atividades de
ensino de fsica em salas de aulas que contenham alunos com e
sem deficincia visual. Para tal, apresento cinco atividades,
materiais de interfaces ttil e auditiva, e recomendaes ao
docente de fsica.
Espero que o livro promova, entre professores e
pesquisadores, uma ampla discusso sobre o ensinar e aprender
fsica no apenas no contexto de alunos com deficincia visual,
mas de todos os alunos. Entendo que ele pode apontar
alternativas de ensino como elaborao de atividades mais
inclusivas, conduo de atividades de acordo com uma
perspectiva mais colaborativa, bem como, um modelo para a
formao docente no contexto da incluso escolar. Acredito que
ele exemplifique na prtica maneiras de avaliar o conhecimento
distintas das que se fundamentam na classificao, e que
desmistifique a dicotomia entre conhecer e ver. Entendo que
uma das principais contribuies, que o presente livro pode
fornecer, a de considerar amplamente a construo de
conceitos fsicos sem a utilizao da viso. Essa construo,
portanto, poderia ser muito mais inclusiva, se pensada na
perspectiva de outras percepes, as quais colocariam em
igualdade de condies observacionais e comunicativas, grande
parte dos alunos.

13

Dedicatria e apresentao

14

der Pires de Camargo

Captulo I

Posicionamento terico

I.I. Deficincia visual: um fenmeno social


A deficincia visual deve ser reconhecida na perspectiva
orgnica. Negar esse fato negar a existncia de uma
caracterstica que, objetivamente, manifesta-se em diferentes
formas e em diferentes intensidades nos indivduos. De acordo
com a legislao brasileira, considera-se deficiente visual toda
pessoa cuja acuidade visual menor que 20/200 percepo de
luz, ou seja, aps a correo da viso de seu melhor olho, ela v
a menos de 20 metros o que uma pessoa de viso comum pode
enxergar a 200 metros - DECRETO NO. 3.298/1999
(BRASIL, 2004). Segundo os dados do senso realizado no ano
2000, existem no Brasil aproximadamente onze milhes de
pessoas que possuem algum tipo de deficincia visual
(BALERINI, 2002). Trata-se, portanto, de uma modificao do
funcionamento do olho, no rara, e que limita ou impede a
percepo da luz. As pessoas com deficincia visual no querem
negar ou dissimular o fato de que no enxergam. Querem,
todavia, conhecer melhor sua deficincia, seus limites e
potencialidades. Querem ter acesso ao patrimnio cultural e
material. Querem ser respeitadas e no subestimadas. Querem
15

Cap. I Posicionamento terico

ocupar um espao na vida social, querem ser tratadas com


dignidade, acertar, errar, investir, mudar, enfim, exercer direitos
e deveres comuns a qualquer individuo.
A deficincia visual mais que um fenmeno orgnico,
sensorial. Ela , definitivamente, um fenmeno social.
Manifesta-se, de forma objetiva, pois, a sociedade, em seus
contextos, espaos, atitudes, estruturou-se, em razo do padro e
do ideal da normalidade, isto , de caractersticas e de
procedimentos majoritrios comuns forma dominante de ser,
perceber, pensar, atuar, viver. Segundo Omote (1989), as
diferentes deficincias tm sido, em larga extenso, abordadas
do ponto de vista mdico, que as considera, basicamente, como
resultado da presena de algum elemento patognico no
organismo. Nessa abordagem, a origem da deficincia visual
est na prpria pessoa considerada deficiente. Entretanto, como
assinala o mesmo autor, a deficincia um fenmeno muito
mais amplo e complexo e no se constitui numa caracterstica
inerente ou num atributo exclusivo da pessoa. As condies
patolgicas do olho podem ser fontes geradoras de incapacidade
nos deficientes visuais, mas o nvel de funcionamento
educacional, social, etc. desses indivduos no pode ser
compreendido como decorrente exclusiva e automaticamente
delas. Essas condies s adquirem o sentido de desvantagem na
medida em que os atributos prejudicados sejam considerados
importantes para a adequao deles no meio social em que
vivem (OMOTE, 1.986).
Erikson (Apud. OMOTE, 1989) considera que a varivel
crtica a problemtica social e no a pessoa reconhecida como
deficiente. Nessa perspectiva, a deficincia visual passa a ser
uma condio socialmente criada, sobreposta ou no, s
condies mdicas incapacitadoras. Como aponta Omote (1996)
ao invs de circunscrever uma determinada deficincia nos
limites corporais e fsicos, necessrio se faz incluir as reaes
que, em ltima instncia, definem algum como deficiente. As
16

der Pires de Camargo

reaes apresentadas por pessoas videntes frente a indivduos


com deficincia visual no so determinadas exclusivamente
nem necessariamente por caractersticas objetivas, mas
dependem da interpretao, do julgamento e de valores,
fundamentados ou no em crenas que se fazem desse quadro.
Omote (1.989) enfatiza que as pessoas com deficincia,
ainda que portadoras de alguma incapacidade objetivamente
definida e constatvel, no constituem excees da normalidade,
mas fazem parte integrante e indissocivel da sociedade. A
afirmao de Omote vem se coadunar com o discurso oficial
dominante que tem afirmado reiteradamente a igualdade social
entre todos os cidados. No entanto, essa igualdade de
oportunidades, tanto sociais como educacionais, pregada pela
legislao, no condiz com a nossa realidade concreta, que, pelo
contrrio, mostra um quadro bastante diferente (RAGONESI,
1.988).
Em se considerando o sujeito como cidado, este deve
produzir e usufruir dos bens coletivos tanto materiais como
simblicos (cincia, lngua, literatura, arte, condutas, etc.) da
sociedade na qual est inserido. Portanto, sendo uma das
funes da educao construir a incluso social e com ela o
desenvolvimento da cidadania, faz-se necessrio garantir
condies para que a democratizao do ensino de qualidade se
efetue real e concretamente para todos.
A Assemblia Geral das Naes Unidas proclamou 1981
o ano Internacional das Pessoas com Deficincia. Com o tema
Participao plena e igualdade, um programa de ao mundial
relativo a essa parcela da sociedade, permitiria a adoo de
medidas eficazes em nvel nacional e internacional para atingir
metas de participao plena das pessoas com deficincia na vida
social e no desenvolvimento. Entretanto, conforme assinala
Mazzotta (1994), preciso reduzir, e, se possvel, eliminar o
grande desequilbrio existente entre as garantias legais e
recomendaes oficiais a respeito do direito educao e as
17

Cap. I Posicionamento terico

realizaes que possibilitam o exerccio desse direito. Dessa


forma, uma vez proclamados e teorizados os crnicos problemas
que envolvem a questo da deficincia, a conjuntura nos impe
um desafio que exige mais do que a simples constatao da
crise.

I.II. O impacto da viso na cultura


fato inegvel a estreita relao estabelecida
socialmente entre o ver e o conhecer. Tal relao, embora
no entendida objetivamente de uma forma sinnima, , numa
sociedade majoritariamente vidente, freqentemente colocada
como condio uma da outra. Por exemplo, a etimologia da
palavra ver, em sua raiz indo-europia (weid), liga seu
significado idia de olhar para tomar conhecimento e para ter
conhecimento. Do grego (eido) ver significa observar,
examinar, fazer, instruir, instruir-se, informar, conhecer, saber
(MAZINE, 1994). O impacto cultural da viso encontra-se
presente tambm no uso cotidiano da palavra ver e de seus
derivados. Um exemplo pode ser verificado nos significados das
expresses lcido e alucinado (ausncia e presena de luz),
utilizadas na diferenciao entre as idias de loucura
e
sanidade. No obstante, freqente o emprego cotidiano do
sentido viso em substituio outros sentidos: v como isto
brilha, v como isto soa, v como cheira, v como sabe
bem, v como duro. Por outro lado, no comum se dizer
ouve como brilha, cheira como resplandece, saboreia como
reluz, apalpa como cintila (MAZINE, op. Cit.). Nesse
contexto, inegvel a existncia de dependncia entre viso e
atividades da vida diria, a qual sustenta a relao entre
deficincia visual e incapacidade social de pessoas cegas ou com
baixa viso, e que foi denominada como cultura de videntes
(MAZINE, op. Cit.).
18

der Pires de Camargo

Em uma cultura de videntes, natural o estabelecimento


de associaes de dependncia entre pensamento e viso,
conhecimento e viso, realidade e viso, estudo e viso, trabalho
e viso, felicidade e viso, de tal forma que os visualmente
impossibilitados so considerados incapazes de exercerem as
funes indicadas. A cultura de videntes, por influir nos critrios
de acessibilidade, dificulta aos cegos ou com baixa viso a
realizao de tarefas cotidianas simples e comuns como tomar
um nibus, escolher o que comer em um restaurante, contar
dinheiro, ter acesso a informaes, atravessar uma rua, participar
das atividades escolares, etc.
A cultura de videntes evidencia uma concepo de senso
comum acerca da deficincia visual, que, longe de ser neutra,
normaliza estruturas fsicas e atitudinais
inadequadas
participao efetiva de pessoas com deficincia visual na vida
diria. Existe, portanto, uma representao social da deficincia
visual que fundamenta o enquadramento da pessoa cega ou com
baixa viso nos contextos da anormalidade e da incapacidade.
Dois so os referenciais que estruturam as concepes de
senso comum acerca da deficincia visual, o mstico e o
biolgico. Esses referenciais, apesar de representarem
historicamente os primeiros modelos interpretativos da
deficincia visual, mostram-se atuais e atuantes. Explicitar,
conhecer e superar a compreenso de senso comum acerca da
deficincia visual o primeiro passo a ser tomado em direo
incluso social dessas pessoas. Por isso, sero analisados na
seqncia, os modelos mencionados e uma outra interpretao
acerca da deficincia visual, isto , o modelo cientfico ou sciopsicolgico. Essas anlises tero como fundamentao a teoria
de Vigotski oriunda da obra O menino cego (VIGOTSKI,
1997). Nessa obra, Vigotski toma como sujeito de anlise a
pessoa cega de nascimento. Essa observao importante, pois,
a deficincia visual no se resume cegueira congnita. Existem
pessoas cegas de nascimento, que perderam a viso ao longo da
19

Cap. I Posicionamento terico

vida e que possuem baixa viso. Para essas pessoas, a totalidade


das idias de Vigotski no pode ser aplicada.

I.III. Interpretaes ao longo da histria


Vigotski trata o fenmeno da deficincia visual em trs
etapas: mstica, biolgica, e cientfica ou scio-psicolgica. A
etapa mstica engloba a Antigidade, a Idade Mdia e uma
grande parte da histria moderna e pode ser caracterizada pela
viso mstica, superficial e preconceituosa a respeito do cego. A
cegueira associada com infelicidade, invalidez, medo
supersticioso e grande respeito. Paralelamente idia de
invalidez, aparece a idia de que nos cegos se desenvolvem as
foras msticas da alma, como um acesso viso espiritual. ,
nesse perodo histrico, que surgem as tradies acerca do cego,
como o guardio da sabedoria popular, os cantores e os profetas.
Homero era cego, e existe na literatura a suposio de que
Demcrito se cegou para dedicar-se filosofia. Esse
acontecimento serve para exemplificar a relao mstica
estabelecida nessa poca entre o dom filosfico e a cegueira.
Graas a essa tradio, ainda hoje a cultura popular
entende o cego como uma pessoa que possui viso interior
dotada de conhecimento espiritual, no acessvel a outras
pessoas. O cristianismo variou o contedo moral dessa essncia,
mas deixou invarivel a prpria essncia e nisso se baseou o
dogma principal da Idade Mdia acerca dos cegos, isto , a
crena na idia de que para toda classe de sofrimento e privao
atribuir-se-ia um valor espiritual, pobreza terrestre - riqueza com
Deus, corpo dbil - esprito elevado, aproximao do cego a
Deus.
A etapa biolgica surge a partir do sculo XVIII com
uma nova compreenso da cegueira. O misticismo substitudo
20

der Pires de Camargo

pela cincia, e o preconceito, por experimentos e estudos. Essa


nova fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, e se baseava,
na substituio de rgos do sentido, como no caso dos rgos
pares rins e pulmes; assim, na ausncia ou no funcionamento
de um deles, o outro exerceria suas funes. Lendas
fundamentadas em observaes verdadeiras, porm mal
interpretadas sobre a agudeza do tato, a super audio, a
natureza perfeita que tira com uma mo e d com a outra e a
atribuio de um sexto sentido aos cegos, so caracterizadoras
dessa etapa.
Brklen (apud. VIGOTSKI, op. cit.) reuniu alguns
autores que desenvolveram uma nova idia frontal j
estabelecida: indicavam como um fato irrevogvel que, nos
cegos, no existe o desenvolvimento supernormal das funes
do tato e da audio, pelo contrrio, com muita freqncia, essas
funes se apresentam, nos cegos, menos desenvolvidas do que
nos videntes. Fenmenos como o da agudeza ttil, nos cegos,
no surgem da compensao fisiolgica direta da deficincia
visual, mas sim, de uma via indireta, muito complexa da
compensao scio-psicolgica geral. Em outras palavras, o tato
ou a audio nunca ensinaro o cego a realmente ver.
Foi na idade contempornea, aps a superao das vises
mstica e biolgica pela psicologia social da personalidade que a
Cincia se aproximou do domnio do conhecimento sobre a
psicologia da pessoa cega. Tm-se aqui caracterizada a etapa
cientfica ou scio-psicolgica. Segundo as palavras de
Vigotski, fica evidente a nova linha de abordagem que se segue:
Se algum rgo, devido deficincia morfolgica ou funcional,
no cumpre seu trabalho, ento o sistema nervoso central e o
aparato psquico assumem a tarefa de compensar o
funcionamento insuficiente do rgo, criando sobre este ou
sobre a funo, uma superestrutura psquica que tem a tendncia
de assegurar o organismo no ponto dbil ameaado
(VIGOTSKI, 1997).
21

Cap. I Posicionamento terico

A luta criada entre o indivduo cego para se estabelecer


socialmente, poder lev-lo a atingir dois extremos. Um desses
extremos, ou seja, a vitria do organismo pela
supercompensao, no indica apenas a superao das
dificuldades originadas pela deficincia, mas tambm a elevao
a um nvel superior de seu prprio desenvolvimento, criando do
defeito, uma capacidade; da debilidade, uma fora; da baixa
auto-estima, uma alta auto-estima. O segundo extremo o
fracasso da supercompensao. Seria ingnuo pensar que
qualquer enfermidade termina em xito e que todo defeito se
transforma felizmente em um talento; portanto, segundo
Vigotski (op. cit.), o fracasso da supercompensao leva
vitria total do sentimento de debilidade, ao carter associal da
conduta, criao de posies defensivas a partir de sua
debilidade, loucura, impossibilidade da personalidade de ter
uma vida psquica normal, e neurose.
A essncia desse novo ponto de vista reside na tendncia
da superao do conflito social pela supercompensao por parte
do indivduo cego. Essa tendncia est dirigida formao de
uma personalidade de pleno valor no aspecto social, isto , a
conquista da posio na vida social. Portanto, no o tato nem o
ouvido, que se desenvolvem a mais nos indivduos cegos, mas,
com a finalidade de vencer o conflito social, toda personalidade
abrangida, comeando por seu ncleo interno, com a tendncia
de vencer pela supercompensao.
Com o objetivo de explicitar e de superar a viso ingnua
relacionada substituio de funes orgnicas, como, por
exemplo, a de que a audio substitui a viso nos cegos, ser
apresentada, na seqncia, uma anlise acerca de um mito ainda
bastante freqente na sociedade atual, ou seja, o mito da
escurido.

22

der Pires de Camargo

I.IV. O mito da escurido


Contra a opinio comum de que o cego de nascimento se
sente submergido na escurido devido sua cegueira, alguns
psiclogos assinalaram que o mesmo no percebe em absoluto a
referida deficincia. Vigotski (op. cit.) afirma que os cegos no
percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam com os
olhos tapados a percebem, isto , eles no sentem e nem
experimentam diretamente que no tm viso, portanto, a
capacidade para ver a luz tem um significado prtico e
pragmtico para o cego e no um significado instintivoorgnico. Isso significa que o cego sente a deficincia visual de
um modo indireto, refletido unicamente nas conseqncias de
sua vida em sociedade.
Leontiev (1988), aponta que embora os conceitos e os
fenmenos sensveis estejam inter-relacionados por seus
significados, psicologicamente eles so categorias diferentes de
conscincia. Essa idia est fundamentada no conceito de
funes psicofisiolgicas. O grupo inclui as funes sensoriais,
as funes mnemnicas e as funes tnicas. Nenhuma
atividade psquica pode ser executada sem o desenvolvimento
dessas funes que constituem a base dos correspondentes
fenmenos subjetivos de conscincia, isto , sensaes,
experincias emocionais, fenmenos sensoriais e a memria,
que formam a matria subjetiva, por assim dizer, a riqueza
sensvel, o policromismo e a plasticidade da representao do
mundo na conscincia humana.
Portanto, de acordo com Leontiev (op. cit.), se
mentalmente excluirmos a funo das cores, a imagem da
realidade em nossa conscincia adquirir a palidez de uma
fotografia branca e preta. Se bloquearmos a audio, nosso
quadro do mundo ser to pobre quanto um filme mudo
comparado com o sonoro. Por outro lado, uma pessoa cega de
nascimento pode tornar-se cientista e criar uma nova teoria,
23

Cap. I Posicionamento terico

melhor estruturada, sobre a natureza da luz, embora a


experincia sensvel que ela possa ter da luz seja to pequena
quanto aquela que uma pessoa vidente tem sobre a velocidade
da luz.
A partir das reflexes apresentadas, afirma-se que ver
no condio sine qua non para conhecer. Inclusive,
entende-se, por hiptese, que a viso impede o conhecimento
pleno de alguns fenmenos fsicos. Essa hiptese ser, na
seqncia, discutida por meio da anlise do argumento de que a
cegueira nativa contribuiria para a interpretao e conhecimento
de fenmenos de fsica moderna e relatividade.

I.V. A deficincia visual como possvel vantagem


para o conhecimento de alguns fenmenos fsicos
O tema abordado trata de uma suposio que teve
origem em um debate realizado por ocasio da 2 reunio
tcnica do curso de mestrado em educao para a cincia da
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Bauru,
acerca dos anteprojetos da primeira turma de aprovados no ano
de 1997. Durante nossa fala, foi sugerida a hiptese de que
pessoas cegas , por no receberem informaes visuais do
contexto fsico, poderiam abstrair realidades do ponto de vista
quntico e relativstico de uma forma mais adequada que uma
pessoa vidente.
Sabe-se que a mecnica quntica trabalha com
fenmenos que ocorrem no nvel das dimenses atmicas e das
velocidades prximas da luz. Esses fenmenos no podem ser
vistos, j que a viso somente capaz de observar eventos
macroscpicos. Ainda, o tratamento probabilstico que o
referido modelo apresenta, em suas explicaes, tem gerado
discusses filosficas quanto s localizaes espaciais,
24

der Pires de Camargo

temporais e energticas da matria. Esse tratamento requer a


abstrao de situaes e formatos nunca vistos, mas,
constantemente representados, por meio de esquemas visuais.
Sabe-se tambm que muitos fenmenos concernentes
luz no so observveis visualmente. Exemplos: (a) carter dual
da luz proposto para explicar o fenmeno fotoeltrico. Esse
modelo supe que, em alguns experimentos, a luz deva se
comportar como partcula e, em outros, como onda. (b)
modelo da velocidade da luz independente do referencial.
Afirma que em qualquer referencial, a velocidade da luz de
300000000m/s.
O conhecimento cientfico metafrico e no representa
a realidade objetiva, ontolgica de um determinado fenmeno
ou evento (MOREIRA, 1999). Nesse contexto, o ser humano
busca, por meio de metforas e de analogias, representar
modelos acerca do objeto que pretende conhecer. Com a luz, por
exemplo, isso vem ocorrendo, atravs dos anos, sendo que esse
objeto tem sido interpretado e relacionado a elementos
conhecidos do homem, e de forma especfica, partcula e
onda. Muitos foram os debates histricos acerca desse tema, o
que culminou na interpretao atual da dualidade partcula/onda
para a natureza da luz. Essa interpretao, alm de adequar-se a
explicao de fenmenos relacionados luz, torna
compreensvel,
mentalmente observvel e visualmente
representvel um objeto que no pode ser visto, isto , a
estrutura que constitui a luz.
A idia descrita, se aplicada ao contexto educacional,
indica que a utilizao de esquemas visuais de fenmenos no
observveis visualmente pode representar distores conceituais
em relao ao conhecimento e entendimento desses fenmenos.
Superar a relao entre conhecer e ver e reconhecer que a viso
no pode ser utilizada como pr-requisito para o conhecimento
de alguns fenmenos como os de fsica moderna, pode indicar
alternativas ao ensino de fsica, as quais enfocaro a deficincia
25

Cap. I Posicionamento terico

visual no como uma limitao ou necessidade educacional


especial, mas como perspectiva auxiliadora para a construo do
conhecimento de fsica por parte de todos os alunos.

26

der Pires de Camargo

Captulo II

Deficincia visual e concepes alternativas

II.I Concepes alternativas: um breve panorama


Sobre as concepes alternativas, desde 1970, um grande
nmero de estudos, em vrias reas do conhecimento, foi
realizado (ECKSTEIN e SHEMESH, 1993). Dentre essas reas,
o nmero de estudos sobre concepes em mecnica ganha
significativo
destaque
pela
quantidade
realizada
(MCDERMOTT, 1984; SEBASTI, 1984). Alm disso,
tambm estudos sobre conceitos ou reas do conhecimento
como calor (MACEDO e SOUSSAN, 1985), eletricidade
(VARELA, 1989), ptica (DE LA ROSA et al, 1984;
VIENNOT e KAMINSKY, 1991), Biologia (JIMNEZ, 1987),
Geologia (GRANDA, 1988), Qumica (FURI, 1986), podem
ser encontrados.
Como decorrncia de tais estudos, houve uma variao
na nomenclatura e uma melhor compreenso e interpretao dos
referidos conhecimentos prvios. Termos como: "teorias
ingnuas" (CARAMAZZA et. al. 1981), "cincia das crianas"
(GILBERT et. Al. 1982; OSBORNE e WITTROCK 1983),
"concepes alternativas" (DRIVER e EASLEY,
1978),

27

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

"representaes" (GIORDAN, 1985), entre outros, podem ser


encontrados na literatura.
Para Lochhead e Dufresne, (1989), a necessidade das
pessoas em compreender o mundo ao seu redor, produz anlises
e interaes sensoriais e sociais, e tais anlises influenciam o
surgimento das concepes alternativas. Em outras palavras,
todas as pessoas adquirem representaes sobre o mundo que
lhes permitem conhecer suas regularidades, tornando-o, dessa
forma, mais previsvel e compreensvel. Conforme indica Coll,
(1998), as concepes alternativas exibem algumas
caractersticas: so construes pessoais, possuem coerncia do
ponto de vista pessoal e no do cientfico, so estveis e
resistentes mudana, so descobertas nas atividades ou
previses, so compartilhadas por outras pessoas e procuram a
utilidade mais do que a verdade.
Em termos educacionais, o conhecimento das
concepes alternativas central para os processos de
ensino/aprendizagem, j que, toda construo de conhecimento
tem por ponto de partida e ancoragem as idias prvias dos
aprendizes. Saber o que os alunos conhecem sobre a matria de
ensino, alm
de trazer tona o aspecto dinmico do
conhecimento cientfico, orienta estratgias instrucionais e
critrios avaliativos, define metas a serem atingidas e explicita
caminhos e obstculos cognitivos.
Devido relevncia do tema para o ensino de fsica,
recentemente, uma nova vertente acerca das investigaes no
campo das concepes alternativas surgiu, ou seja, aquela ligada
s concepes de pessoas cegas. Esse captulo, originado de
uma dissertao de mestrado (CAMARGO, 2000), sintetiza o
primeiro estudo realizado no Brasil sobre concepes
alternativas em fsica e deficincia visual. Nesse estudo,
identificaram-se e analisaram-se as concepes de seis pessoas
cegas acerca de movimento e repouso, e estabeleceram-se
relaes entre tais concepes e os modelos histricos. Buscou28

der Pires de Camargo

se tambm, compreender de que maneira a ausncia de viso


pode interferir na observao de fenmenos ligados
mobilidade dos objetos. Na seqncia, apresenta-se uma breve
anlise histrica acerca da compreenso de questes ligadas ao
movimento. Posteriormente, ser enfocada especificamente a
pesquisa realizada.

II.II. Algumas
caractersticas
Aristotlica e da Fsica do Impetus

da

Fsica

Muitas das idias propostas por antigos filsofos acerca


do movimento mostram-se presentes na maneira de pensar de
pessoas no peritas em Fsica. Segundo aponta Cohen (1967), a
Fsica aristotlica conhecida s vezes como a Fsica do senso
comum, porque a espcie de Fsica em que a maioria das
pessoas acredita e pela qual se guia intuitivamente, ou a espcie
de Fsica que parece interessar e agradar a qualquer indivduo
que use sua inteligncia, mas que no tenha aprendido os
princpios da dinmica. No obstante, pesquisas na rea de
concepes alternativas tm demonstrado que a Fsica de senso
comum mantm estreitas relaes com a Fsica aristotlica e/ou
com o pensamento medieval do impetus. Como aponta Peduzzi
(1996), em termos didticos e tendo em vista a construo do
conhecimento do aluno, parece no apenas inevitvel como
salutar o estabelecimento de algumas analogias entre a lei de
movimento de Aristteles e certas concepes mantidas por
estudantes de qualquer grau de escolaridade sobre fora e
movimento.
De acordo com as observaes de Koyr (1991),
Aristteles de Estagira (384 - 322 a. C.) tornar-se-ia, durante a
segunda Idade Mdia, o representante exclusivo da verdade, a
culminncia e a perfeio da natureza humana. Atento
observador, suas constataes sobre o que via ocorrer, na Terra
29

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

e no firmamento, levaram-no a fazer afirmaes sobre a


natureza das coisas e a formular um modelo do universo. Props
que tal universo deveria ser finito e centralizado na Terra.
Separou a Fsica celeste da Fsica terrestre, baseando-se em
observaes de fenmenos que ocorriam na Terra e no cu.
Associou as mudanas, observadas na Terra, como, alteraes
no clima, nascimento e posterior morte dos seres humanos, entre
outras, a um mundo imperfeito, corruptvel e sujeito a contnuas
modificaes (PEDUZZI, op. Cit.). Ao contrrio da Terra, no
cu, Aristteles via a perfeio, a harmonia, e os ciclos
repetitivos eram caractersticas eternas (COHEN, op. cit).
Fatos como estes levaram Aristteles organizao de
seu mundo fsico do seguinte modo: a formao do mundo
material terrestre era constituda pela mistura de quatro
elementos corruptveis bsicos: o elemento terra, o elemento
gua, o elemento ar e o elemento fogo. J os corpos celestes
seriam constitudos por uma quinta substncia incorruptvel, o
ter, um elemento puro, eterno, inaltervel, no sujeito
mudana, e, portanto, contrastante com os elementos terrestres
(PEDUZZI, op. Cit.). Seu modelo fsico distinguia o movimento
como natural (por exemplo, o movimento de corpos celestiais,
ou objetos cadentes) e forado (por exemplo, um cavalo que
puxa uma carroa, ou o lanamento de uma pedra). Todos os
objetos, de acordo com Aristteles, possuem um lugar natural no
universo, e o movimento natural a propenso de objetos para
se moverem ao seu lugar natural (KOYR, 1986). No entanto,
para que ocorra um movimento forado, deve haver um
movedor que faz com que o objeto se movimente.
A Fsica Aristotlica no contm nenhum conceito de
ao distncia, e a noo de gravidade literalmente
inexistente no sistema aristotlico. O movimento de uma pedra
lanada de um precipcio seria explicado, em condies
aristotlicas, como devido inicialmente ao de um movedor
(a fora aplicada na pedra), uma fora contnua de movimento e
30

der Pires de Camargo

o movimento natural descendente da pedra (GARDNER, 1986).


O mecanismo da fora responsvel pela manuteno do
movimento bastante complexo: o objeto que est em
movimento perturba o meio, que, por sua vez, continua a dar-lhe
fora provocando, com isso, a continuidade do movimento at
que a fora cesse. Tal processo denominado antiperistasis
(FRANKLIN, 1978). Quando se movimenta, o projtil passa a
ocupar o lugar que antes era preenchido pelo ar que havia a sua
frente. Este mesmo ar, por sua vez, flui em torno da pedra para
ocupar o espao vazio deixado pela mesma. Com este
movimento, o ar impele o objeto para a frente... tal processo
imperfeito, e a fora sobre o projtil gradualmente se extingue e
ele pra. (PEDUZZI, op. Cit.).
Os adversrios da dinmica de Aristteles sempre
basearam suas crticas justamente ao conceito de antiperistasis,
e, como aponta Koyr (1986), a contestao s explicaes
aristotlicas aos movimentos contnuos da roda, da pedra, da
flecha, se encontra evidenciada em seus crticos, entre os quais
se destacam Hiparco, Philoponus a Buridan, Nicolau Oresme e
Alberto da Saxnia a Leonardo da Vinci, Benedetti e Galileu.
Tal crtica estabelecida inicialmente por Hiparco (sculo II a.C.)
e Philoponus (sculo V d.C.) fundamentava-se no conceito de
fora impressa (STINNER, 1994) que mais tarde veio a ser
denominada de impetus por Jean Buridan (sculo XIV d.C.)
(MCCLOSKEY et. al. 1980).
Buridan tambm foi o responsvel pela formulao
definitiva desse conceito: "um movedor, ao colocar um corpo
em movimento, deixa impresso nele um certo impetus, um certo
poder capaz de provocar-lhe mudanas na direo que o
movedor imprimir, ou seja, para cima, para baixo, lateralmente,
ou em crculo. Pela mesma quantia que o movedor move o
corpo, o poder do impetus impresso nele. por esse impetus
que a pedra movida depois do lanador deixar de mov-la,
mas, por causa da resistncia do ar e da gravidade da pedra que
31

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

a inclina ao entrar numa direo oposta quela que o impetus


tende a mov-la, este impetus se torna continuamente debilitado.
Ento o movimento da pedra se tornar continuamente mais
lento at que o comprimento do impetus se torne to diminudo
ou destrudo que a gravidade da pedra prevalea sobre ele,
movendo a pedra para baixo para seu lugar natural."
(MCCLOSKEY et. al. Op. Cit.).
Apesar da teoria de impetus ter continuado fiel ao
princpio aristotlico de que fora constante produz velocidade
constante, fato que esse princpio representou um avano
conceitual sobre o movimento de objetos em relao s idias
propostas por Aristteles, j que, de acordo com essa teoria, o
meio passa a ter um papel apenas de resistncia ao movimento, e
no mais responsvel pela continuidade do mesmo. (PIAGET
e GARCIA, 1982).

II.III. Principais Relaes entre concepes


alternativas de pessoas videntes e conceitos da
Fsica pr-newtoniana
Como apontam os estudos de Clement (1979), Minstrell
(1982), Watts (1983), Gardner (1986), h uma tendncia de
ocorrer convergncias entre conceitos pr-newtonianos e
concepes alternativas de pessoas videntes acerca do repouso e
do movimento dos objetos. Tais concepes, so, segundo
McCloskey, et. al. (1980), to antigas quanto as idias de
Aristteles e da fsica medieval do Impetus. Essas concepes,
incompatveis com as teorias cientficas vigentes, no so
enganos arbitrrios ou triviais, pois surgem de experincias
pessoais. Alm disso, elas foram intensamente defendidas pelos
principais intelectuais da fase pr-newtoniana. Se a superao
das vises de mundo, desde Aristteles at Galileu representou
32

der Pires de Camargo

significativo obstculo, na histria da Cincia, no deveria


haver, por parte dos educadores, surpresas no reconhecimento
de que tal superao representa grande barreira para os
estudantes (LEMEIGNAN e WEIL-BARRAIS, 1994). Dessa
forma, apresentar-se-, na seqncia, uma sntese da relao
entre o pensamento pr-newtoniano e concepes alternativas de
pessoas videntes (HALLOUN e HESTENES, 1985).
1) O movimento causado pela ao de uma fora
aplicada ao objeto por um agente externo ou pela ao da
gravidade, que pode ser compreendida como uma propenso
de cair intrnseca do objeto.
2) O movimento mantido por uma ao contnua de
uma fora ou gravidade, ou por uma fora interna ao objeto
(impetus).
3) Os fatores que se opem ao movimento podem ser
descritos como sendo resistncia intrnseca (peso ou massa) do
objeto, resistncia do meio que o envolve, bem como obstculos
em geral. Cabe lembrar que no h distino por parte das
concepes de pessoas videntes entre peso e massa.
4) A terceira lei de Newton se mostra incompatvel com
as concepes de pessoas videntes. Quando dois objetos de
massas consideravelmente diferentes colidem entre si, o de
maior massa exerce uma maior fora no de menor massa.
5) Existem duas analogias para o princpio de soma
vetorial. A primeira refere-se determinao do sentido do
movimento de um objeto que sofre ao de foras paralelas, ou
seja, o sentido do movimento determinado pelo sentido da
maior fora que age no objeto, isso, considerando, claro, que o
objeto sofre ao de foras de mesma direo e sentidos opostos.
A segunda analogia refere-se determinao da direo e
sentido do movimento de um objeto que sofre a ao de foras
no paralelas. Neste caso, a direo e o sentido do movimento
do objeto, so determinados por uma espcie de "meio termo"
das foras aplicadas nele.
33

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

6) Uma fora aplicada sinnimo de empurrar ou puxar.


Para algumas pessoas, apenas seres vivos so reconhecidos
como agentes de fora.
7) O efeito de uma fora aplicada est comumente
caracterizado pelos princpios causais seguintes:
- Uma fora no pode mover um objeto a menos que seja
maior que o peso do objeto (peso no distinto de massa).
- Uma fora constante produz uma velocidade constante.
- Acelerao se deve ao de uma fora crescente.
- O efeito de uma fora constante limitado e depende
de sua magnitude. Tal limitao pode ser descrita de dois
modos:
a) a fora se extingue devido ao seu consumo pelo
movimento ou sua dissipao por agentes resistivos.
b) Uma fora F, acelera um objeto at que ele atinja
uma certa velocidade crtica proporcional a F que o
objeto mantm independente da fora estar sendo ou
no aplicada.
- Uma fora de longo alcance (ao distncia) deve ser
transmitida por uma corda que conecta o objeto ao agente.
Foras de longo alcance no podem agir em objetos que estejam
localizados no vcuo.
8) Uma fora interna ou impetus mantm o movimento
de objetos independentemente de agentes externos.
Segundo Clement (1982), existe um consenso entre
estudantes videntes de que h uma fora na mesma direo do
movimento de um objeto. Nos itens 9, 10 e 11, essa idia
apresentada.
9) Um impetus pode ser fornecido ao objeto, pela ao
de uma fora externa, alm de poder ser transmitido de um
objeto para outro.
10) O impetus de um objeto proporcional sua massa e
velocidade como expresso na equao (F = mv).

34

der Pires de Camargo

11) O conceito de impetus pode ser semelhante ao


conceito de uma fora externa aplicada.
12) A resistncia se ope a uma fora aplicada, ou
consome o impetus de um objeto em movimento. Os tipos
seguintes de resistncia, no so geralmente distintos.
a) Inrcia (peso ou massa) uma resistncia
intrnseca do objeto ao movimento.
b) Frico devido ao contato entre o objeto e uma
superfcie slida
c) A resistncia em um fluido, depende da densidade
desse fluido, como tambm, do tamanho, da forma e do peso do
objeto.
13) Obstculos podem redirecionar ou interromper um
movimento, mas no podem ser agentes de fora.
14) A gravidade encarada como uma propenso que os
objetos tm para cair. De acordo com essa concepo, a
gravidade no necessariamente entendida como uma fora, no
entanto, os princpios causais para foras aplicadas relacionados
acima, podem tambm ser atribudos gravidade.
15) Quanto maior o peso (massa) de um objeto, maior
ser sua velocidade de queda.
Na seqncia, apresenta-se a metodologia utilizada na
realizao da investigao aqui exposta.

II.IV. Deficincia visual


alternativas: a pesquisa

concepes

A realizao de entrevistas mostrou-se um instrumento


fundamental para a constituio dos dados. A liberdade de
percurso desse instrumento de obteno de informaes est
associada mais especificamente entrevista semi-estruturada,
que se desenrolou a partir de um esquema bsico, porm no
aplicado rigidamente junto ao grupo de deficientes visuais,
35

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

permitindo que fossem feitas as necessrias correes,


esclarecimentos e adaptaes (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
Durante a elaborao das questes, utilizou-se um roteiro que
guiou a entrevista atravs dos tpicos principais a serem
cobertos. Esse roteiro seguiu uma certa ordem lgica, ou seja, os
assuntos foram abordados dos mais simples aos mais
complexos.
Cada entrevistado foi colocado mediante quatro
situaes-problema, sendo que, dentro de cada situao, eram
feitas questes que tinham por objetivo traz-los reflexo de
ocasies voltadas ao movimento dos objetos. Procurou-se
conversar com os sujeitos, por meio da utilizao de expresses
no tcnicas, evitando, dessa forma, o emprego de termos
como fora, gravidade, presso, etc. No caso de o sujeito se
referir a um desses termos, aproveitava-se para question-lo
sobre seu significado, e, a partir disso, passava-se a us-lo ou
no. Outros objetos de explorao eram os exemplos que
livremente os sujeitos expunham em suas explicaes, sendo
que a maioria deles foram extremamente teis para anlise.
Dessa forma, a pesquisa realizada se efetivou seguindo
um plano de trabalho, dividido em 04 etapas, listadas a seguir:
ETAPA 01 - Seleo dos sujeitos:
Participaram da pesquisa adultos cegos de nascimento,
ou que perderam a viso na infncia, e que no possuam
deficincia mental e/ou auditiva. Cabe ressaltar que todos os
sujeitos eram alunos da instituio Lar Escola Santa Luzia para
Cegos, localizada na cidade de Bauru, Estado de So Paulo. Em
1999, havia, nessa instituio, vinte e cinco alunos, sendo que
desses, seis se enquadraram nos critrios estabelecidos acima, e
os outros dezenove no apresentavam as caractersticas
necessrias para a pesquisa. Dos seis sujeitos selecionados,
quatro eram cegos de nascimento, e dois perderam totalmente a

36

der Pires de Camargo

viso na infncia, at os cinco anos. Na seqncia, encontram-se


disponveis algumas caractersticas peculiares de cada sujeito:
Sujeito 1: cego de nascimento, 38 anos, cursou o ensino
fundamental e mdio em escola pblica, e era, na ocasio,
universitrio e cursava o segundo ano de Fisioterapia.
Sujeito 2: cego de nascimento, 42 anos, concluiu o
ensino fundamental em escola pblica.
Sujeito 3: cego de nascimento, 16 anos, na ocasio era
estudante da primeira srie do ensino mdio em escola
particular.
Sujeito 4: perdeu totalmente a viso aos trs anos de
idade, 23 anos, concluiu o ensino fundamental em escola
pblica.
Sujeito 5: perdeu totalmente a viso aos cinco anos de
idade, 32 anos, freqentou a escola regular pblica at a 5 srie.
Sujeito 6: cego de nascimento, 45 anos, nunca cursou a
escola pblica regular, vindo a ser alfabetizado na prpria
instituio "Lar Escola Santa Luzia".
ETAPA 02 - Elaborao do questionrio e realizao das
entrevistas:
Nessa etapa, quatro questes-problema abertas foram
abordadas, sendo que, a partir de cada questo, se estabeleceu
um dilogo com o entrevistado, onde sub-questes elaboradas
previamente e/ou extradas de artigos especializados em
concepes alternativas, e exemplos propostos pelos sujeitos
foram enfocados.
Situao 1- Repouso dos objetos:
1- O que faz o livro ficar em repouso sobre a mesa?
2- Coloca-se um livro sobre a mo esticada do sujeito.
Coloca-se mais de um livro na mo esticada do sujeito. O que
voc fez para que o livro permanecesse parado sobre sua mo?

37

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Para voc, o que fora? Voc acha que a mesa poderia exercer
uma fora no livro? (MINSTRELL, 1982).
Situao 2 - Movimento horizontal dos objetos:
1- Com as mos, aplica-se ao livro uma fora paralela ao
plano: O que acontecer quando no houver mais o contato entre
a mo e o livro?
2- Por que os objetos se movem?
3- Voc precisa empurrar ou puxar um objeto para que
ele se movimente sempre com a mesma velocidade?
4- Por que alguns objetos continuam se movendo por um
certo tempo depois de voc ter deixado de empurr-los?
5- Por que objetos param de se mover?
6- Se voc empurra um livro e uma bola de metal com a
mesma fora, qual ir mais longe? Por qu?
7- Poderia existir uma situao em que um objeto em
movimento, continuasse em movimento,
com a mesma
velocidade, embora no haja nada empurrando-o ou puxando-o?
(LOCHHEAD e DUFRESNE, 1989)
Situao 3 - Queda dos objetos:
1- Voc tem em suas mos uma pedra. O que acontecer
se voc abandon-la? Por qu? E se voc lan-la para cima?
2- Por que objetos caem?
3- Se voc joga uma pedra para cima, o que acontece
com ela? Por qu?
4- Voc tem em suas mos uma esfera de metal e uma
folha de papel aberta. Se voc abandon-las da mesma altura,
quem chegar primeiro ao solo? Por qu? (HISE, 1988)
5- Imagine que do alto de um prdio de 50 andares, so
abandonados, no mesmo instante, dois objetos. Um deles
uma grande pedra de uma tonelada, e o outro, uma pequena
pedra de um quilograma. Qual deles chegar primeiro ao solo?
Por qu? (ROBIN e OHLSSON, 1989 ).
38

der Pires de Camargo

6- Lembra-se da questo 3.4 (folha de papel aberta e


esfera de metal)? Imagine agora que a folha de papel esteja
amassada de tal forma que parea com uma esfera. Qual das
duas chegar primeiro ao solo se forem abandonadas no mesmo
instante e da mesma altura? Por qu?
Situao 4 - Trajetria dos objetos:
1- Considere um tubo cilndrico no encurvado colocado
sobre uma mesa horizontal. Coloca-se dentro do tubo uma esfera
rgida de metal cujo dimetro apenas um pouco menor do que
o dimetro do tubo, a fim de que possa se mover livremente
dentro dele. Voc empurra a esfera. Qual ser o caminho
percorrido por ela aps abandonar o tubo?
2- Considere agora que o tubo seja encurvado. Qual ser
o caminho descrito pela esfera ao abandonar o tubo?
3- Voc prende uma esfera a um fio rgido e a gira sobre sua
cabea. Explique qual ser o caminho descrito pela esfera se
voc soltar o fio (MCCLOSKEY, et. al., op. cit.).
A anlise das respostas fornecidas pelos deficientes
visuais a tais questionamentos procurou no desprezar qualquer
manifestao (oral ou gesticulada), pois estas poderiam
apresentar dados indispensveis no que se refere s concepes
alternativas. Por isso, o registro das entrevistas, em fitas de
vdeo, tornou-se fundamental no processo.
ETAPA 03 - Identificao das idias dos sujeitos:
Esta etapa se caracterizou pela transcrio das
entrevistas. Cada linha, no ato da transcrio, foi enumerada a
fim de uma melhor localizao de idias fornecidas pelos
sujeitos sobre os temas j citados. Define-se por idias dos
sujeitos, trechos extrados do texto transcrito que, de acordo
com a interpretao do pesquisador, fornecem informaes
sobre como o sujeito compreende questes relacionadas ao tema
pesquisado (ROBIN e OHLSSON, op. cit.). As idias foram
39

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

caracterizadas pela numerao das linhas do referido texto.


importante ressaltar que a totalidade das idias dos sujeitos no
est aqui explicitada, pois sua disposio ocuparia um grande
espao. Foram utilizadas as siglas Cn para identificar a
concepo alternativa n, Sk para identificar o sujeito k, e E para
identificar o entrevistador (autor do livro).
ETAPA 04 - Interpretao e generalizao das idias:
Nessa etapa, as idias dos sujeitos foram interpretadas
de acordo com semelhanas conceituais. Em seguida, as
mesmas foram agrupadas em termos de concepes alternativas.
Em outras palavras, uma concepo alternativa resultou do
agrupamento de idias do mesmo e/ou de outros sujeitos, que
possuam, de acordo com a interpretao do pesquisador, a
mesma caracterstica conceitual. Por meio do procedimento
descrito, eliminaram-se os erros e ambigidades extremamente
comuns na linguagem falada e pde-se relacionar e generalizar o
mesmo tipo de caracterstica conceitual expressa nas idias do
grupo de sujeitos.
Dessa forma, para S1 identificaram-se cento e duas
idias que foram interpretadas e agrupadas em dezoito
concepes alternativas. Para S2 o nmero de idias foi de
noventa e sete, interpretadas e agrupadas em vinte e cinco
concepes. Para S3 esses nmeros foram de setenta e duas
idias e vinte e duas concepes. J para S4 obtiveram-se
sessenta e duas idias e vinte e uma concepes. Para S5 o
nmero de idias foi de cinqenta e seis, e o de concepes,
vinte. Finalmente, para S6 obtiveram-se sessenta e duas idias e
catorze concepes alternativas.
Os fragmentos abaixo exemplificam como vrias idias
do mesmo e de diferentes sujeitos foram interpretadas e
agrupadas como sendo a concepo alternativa C1. O mesmo
procedimento foi adotado para a identificao das quarenta e
sete concepes alternativas (totalidade das concepes).
40

der Pires de Camargo

S1: Repouso quando a gente coloca um objeto sobre um


lugar e o deixa sem mexer nele.
S1: Exatamente, no mexer. Est paradinho ai, quietinho.
S2: Ele est em repouso, ele est deitado sobre a mesa.
S2: Repouso uma posio inerte, parada.
S2: Parado contrrio dos movimentos.
S3: Parado o que permanece no mesmo lugar.
E: Por que ele parou? S4: Porque ele parou de se movimentar.
S5: Ele est parado, deitado sobre a mesa.
E: Por que voc acha que o livro fica parado sobre a mesa?
S6: Porque no tem jeito de andar

C1 - Um objeto encontra-se em repouso quando est


parado em um determinado local e sem que ningum ou alguma
coisa o empurre ou o puxe, ou mexa com ele.

II.V. Concepes alternativas de pessoas cegas


sobre repouso e movimento:
Portanto, as quarenta e sete concepes alternativas
identificadas encontram-se explicitadas na seqncia:
C1 Um objeto encontra-se em repouso quando est
parado em um determinado local e sem que ningum ou alguma
coisa o empurre ou o puxe, ou mexa com ele.
C2 Pelo fato do livro ser um objeto que no possui
vida, ele no sair do lugar em que se encontra a menos que
algum ou alguma coisa o leve para onde deseja.
C3 Objetos sem vida, como a mesa, no exercem foras
no livro; ela apenas serve de obstculo para que o livro no
chegue ao cho.).
C4 Quando eu seguro o livro com as minhas mos ele
no cai, porque eu, ser vivo, exero uma fora com o meu brao
que suficiente para impedir a queda do livro.
C5 Existem vrias naturezas de foras, como, por
exemplo, a fora humana e a energia eltrica.
41

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

C6 Os objetos se movimentam devido ao de uma


fora, e esse movimento se dar na mesma direo e sentido da
fora.
C7 Um objeto deixar de se mover quando a fora
deixar de ser aplicada sobre ele.
C8 A velocidade constante aquela que permanece
sempre a mesma.
C9 Alguns objetos, como um carrinho de frico ou
uma bola, continuam se movendo mesmo sem haver contato
entre eles e o movedor (aquele que os colocou em movimento),
pelo fato de que o movedor lhes transmite uma fora que
responsvel pela continuao do movimento, e esse movimento
se dar at que a fora cesse.
C10 O motivo pelo qual objetos, como a bola, se
movem mesmo sem o contato com o movedor, e outros como o
livro no, devido ao seu formato, seu peso, ou seu material.
C11 Os objetos pesados caem, e os objetos leves vo
para cima, porque natural que seja assim.
C12 O peso ou gravidade leva naturalmente os objetos
pesados para baixo.
C13 Objetos mais pesados caem mais rapidamente que
objetos leves.
C14 O formato dos objetos no influencia em sua
massa. Exemplo: folha de papel aberta e folha de papel
amassada.
C15 A folha de papel amassada mais pesada que a
folha de papel aberta, ou seja, o formato interfere no peso dos
objetos.
C16 O formato de um cano interfere na trajetria de
uma esfera aps esta t-lo abandonado.
C17 Dependendo do valor da fora aplicada na
bolinha, ela poder descrever trajetrias encurvadas, ao
abandonar o cano reto, ou retilnea, ao abandonar o cano torto.

42

der Pires de Camargo

C18 A velocidade tangencial de uma esfera que gira


amarrada a um barbante no influencia em sua trajetria
quando esta solta, ou quando o barbante se rompe, a
trajetria desta esfera ser retilnea na vertical e de cima para
baixo.
C19 Fora ou energia algo que os seres vivos so
capazes de fazer ou exercer para impedir que um objeto chegue
ao cho, ou para mudar um objeto do lugar, empurrando-o ou
puxando-o.
C20 A altura que um objeto atinge, quando lanado
para cima, depende da fora do lanador.
C21 - Se uma bola e uma pedra forem atiradas numa
piscina com gua, a pedra afundar, e a bola no, pelo fato de
a pedra ser mais pesada que a gua, e a bola, no.
C22 Velocidade est relacionada com distncia e
tempo.
C23 impossvel que um objeto se mova sempre com a
mesma velocidade se alguma coisa no pux-lo ou empurr-lo.
C24 O motivo pelo qual uma bolinha de ao vai mais
longe que uma bolinha de isopor, pelo fato de a bolinha de
ao ser mais lisa do que a de isopor.
C25 o fato da superfcie de contato com o objeto que se
move ser lisa ou spera, influencia na durao do movimento e
na distncia percorrida.
C26 Os objetos mais leves chegam primeiro ao solo,
porque mais fcil para a gravidade empurr-los para baixo.
C27 O ar empurra as coisas para baixo.
C28 Uma bolinha, ao abandonar o cano reto ou torto,
ter uma trajetria aleatria, pois no h nada que a faa
permanecer em linha reta.
C29 A trajetria de uma esfera que, aps se desprender
de um barbante que a fazia girar, circular e na vertical de
cima para baixo.

43

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

C30 Seres vivos, exceto os que possuem algum defeito


fsico, como paralisia, movimentam-se com suas prprias
foras.
C31 Objeto sem vida s se movimentam devido ao
de uma fora externa.
C32 Velocidade e fora so coisas parecidas.
C33 Se no existisse a gravidade, os objetos iriam
subir.
C34 A gravidade uma fora do ar.
C35 A gravidade no age em objetos como pssaro ou
avio.
C36 A folha de papel amassada mais leve que a folha
de papel aberta.
C37 Uma bolinha que est girando amarrada a um
barbante cair um pouco pra frente quando for solta.
C38 A Terra como um m que atrai para si os
objetos distncia.
C39 - A folha de papel aberta e a folha de papel
amassada tm o mesmo peso.
C40 O formato de objetos de mesma massa influencia
no tempo de queda.
C41 Na Terra as coisas caem, no espao, flutuam.
C42 No espao, ao contrrio da Terra, os objetos se
repelem, como ms de mesma polaridade, prximos.
C43 O formato do cano no interfere na trajetria de
uma esfera quando esta o abandona. Sua trajetria ser sempre
retilnea.
C44 A bola e a folha de papel aberta, cairo juntas,
quando soltas da mesma altura ao mesmo tempo.
C45 Fora e energia so a mesma coisa.
C46 Quando um objeto lanado para cima, durante a
subida, sua velocidade aumenta de tal forma que, quando ele
retorna ao lugar de onde saiu, sua velocidade muito maior do
que quando foi lanado.
44

der Pires de Camargo

C47 A gravidade como uma fora que empurra os


objetos de cima para baixo.
Verificou-se importante relao entre as concepes e o
nmero de sujeitos que as expressaram. Por muitas ocasies,
cada sujeito sugeria exemplos de situaes diferentes de outro, o
que resultou na especificidade e na diversidade de concepes.
Por outro lado, obteve-se um conjunto de concepes comuns a
todos os sujeitos ou a um grupo deles, j que, as questes
aplicadas foram as mesmas, e, conseqentemente, o tema em
discusso girou em torno do mesmo assunto. A tabela 1
apresenta a relao discutida.
Tabela 1: Relaciona as concepes com o grupo de sujeitos que as
expressaram

Concepes expressas por


todos os sujeitos
Concepes expressas por
todos os sujeitos com
exceo de um
Concepes expressas por
todos os sujeitos com
exceo de dois
Concepes expressas por
trs sujeitos

C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11


C1 (exceo de S4), C13 (exceo
de S6), C19 (exceo de S1)
C12 (exceo de S3 e S5) e C16
(exceo de S5 e S6),

C15 (S1, S2 e S3), C22 (S2, S3 e S5),


C23 (S2, S3 e S5) e C26 (S3, S5 e S6)
C (S e S2), C8 (S1 e S2), C14 (S1 e
Concepes expressas por 5 1
S3), C17 (S1 e S2), C18 (S1 e S2), C20
dois sujeitos
(S2 e S4) e C43 (S5 e S6)
C21 (S2), C24 (S3), C25 (S3), C27
(S3), C28 (S3), C29 (S3), C30 (S4),
C (S ), C32, (S4), C33 (S4), C34
Concepes expressas por 31 4
(S4), C35 (S4), C36 (S4), C37 (S4),
um sujeito
C38 (S5), C39 (S5), C40 (S5), C41
(S5), C42 (S5), C44 (S6), C45 (S2),
C46 (S2) e C47 (S2).
45

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Observando a tabela 1, pode-se notar que h um


determinado grupo de concepes comum a todos os sujeitos,
outros grupos comuns a cinco deles, quatro deles, comuns a trs
deles, comuns a dois sujeitos e concepes que foram expressas
individualmente. O fato de as questes e do tema abordado
serem os mesmos no justifica a semelhana de concepes
encontradas para todos os sujeitos ou para um grupo deles.
Tanto nas entrevistas realizadas, bem como, no dilogo que foi
estabelecido com cada sujeito, e mesmo na diversidade de
exemplos de situaes de movimento, por muitas vezes, as
explicaes utilizadas pelos entrevistados, assemelhavam-se aos
modelos aristotlico e de impetus. A tabela 2 explicita a relao
entre as concepes diagnosticadas e os modelos mencionados.
Tabela 2: Relaciona as Concepes com as teorias aristotlicas e do
impetus

Concepes que so
concordantes com a teoria
aristotlica de movimento
Concepes que so
concordantes com a teoria
do impetus
Concepes parcialmente
aristotlicas
Concepes que so
discordantes da teoria
aristotlica de movimento
Concepes que so discordantes da teoria do impetus
Concepes que no
possuem conexo com a
teoria aristotlica e/ou com
a teoria do impetus
Concepes gerais

C1, C2, C3, C4, C6, C7, C10, C11,


C12, C13, C19, C20, C21, C23, C25,
C31, C40.
C9, C16, C29.
C24, C27, C30, C37, C41, C46, C47.
C26, C32, C33, C38, C44.
C17, C18, C43.

C5, C15, C28, C34, C35, C36, C42.


C8, C14, C22, C39, C45.
46

der Pires de Camargo

Os critrios utilizados para o enquadramento das


concepes nas categorias da tabela 2 so os seguintes:
Concepes aristotlicas: so aquelas que obedecem a
dois princpios: (1) a manuteno de qualquer movimento devese ao permanente contato entre o objeto que se move e seu
movedor (movimento forado); (2) princpio que explica a
queda de objetos slidos (movimento natural). De acordo com
este segundo princpio, h uma tendncia natural entre objetos
slidos ( formados pelo elemento Terra) ocuparem seu lugar
natural de descanso que o centro do Universo (PEDUZZI,
op. Cit.).
Concepes de Impetus: so concepes que se
assemelham teoria de fora impressa desenvolvida na Idade
Mdia, inicialmente, por Philoponus (sculo V), e,
posteriormente, por Buridan (sculo XIV) (ROBIN
e
OHLSSON, op. Cit.).
Concepes parcialmente aristotlicas: so aquelas que
obedecem, de forma parcial, aos princpios aristotlicos de
movimento, no entanto, utilizam elementos como o ar ou a
gravidade como movedores ou ento, apiam-se em princpios
no aristotlicos. Exemplos: (1) durante o movimento
ascendente de uma bola, sua velocidade aumenta; (2) num
lanamento vertical, de cima para baixo, a velocidade de
chegada de um objeto superior sua velocidade de partida.
Concepes discordantes do modelo aristotlico: so
aquelas que discordam dos princpios de Lugar Natural e de
Movimento Forado.
Concepes discordantes da teoria do impetus:
enquadraram-se, nesta categoria, principalmente as concepes
que eram discordantes da teoria de impetus circular,
especificamente as que se referem trajetria de uma esfera que
gira amarrada a um barbante, ou que abandona canos.

47

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Concepes sem conexo: essas concepes no mantm


qualquer analogia ao modelo aristotlico de movimento e/ou ao
conceito medieval de impetus.
Concepes gerais: so concepes que no podem ser
categorizadas como aristotlicas ou de impetus, pois se referem
a conceitos de velocidade ou de relao massa/formato.
Das quarenta e sete concepes identificadas, dezessete
so concordantes com o modelo aristotlico de movimento, sete
so parcialmente concordantes com esse modelo e trs so
concordantes com o modelo do impetus; cinco concepes so
discordantes do modelo aristotlico, trs so discordantes do
modelo do impetus, sete no mantm conexo com esses
modelos e cinco so concepes gerais por se tratarem de
noes de velocidade e da relao massa/formato. Das vinte e
sete concepes que fazem parte do grupo das aristotlicas,
impetus ou parcialmente aristotlicas, oito foram expressas por
todos os sujeitos, trs, por cinco sujeitos, e duas, por quatro
sujeitos. Uma concepo foi expressa por um grupo de trs
sujeitos, uma outra por um grupo de dois, e doze foram
expressas individualmente. A tabela 3 mostra um panorama
geral da relao do grupo de sujeitos com as caractersticas de
suas concepes alternativas.

48

49
C12

C23

C20,

Grupo de
quatro
sujeitos
Grupo de
trs
sujeitos
Grupo de
dois
sujeitos
C21, C25, C31,
C40

C1, C13, C19

Grupo de
cinco
sujeitos

Um
sujeito

C9

C2, C3, C4,


C6, C7, C10,
C11

Todos os
sujeitos

C29

C16

Impetus

Concepes
Aristotlicas

C24, C27,
C30, C37,
C41, C46, C47

Concepes
Parcialment
e
Aristotlicas

C32, C33,
C38, C44

C26

Discordante
s da teoria
Aristotlica

C17, C18,
C43

Discordant
es da teoria
do Impetus

Tabela 3 - Relao entre grupos de sujeitos e caractersticas das concepes

C28, C34,
C35, C36,
C42

C5

C15

Concepes
sem
conexo
com essas
teorias

C39, C45

C8, C14

C22

Concepes
gerais

der Pires de Camargo

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Cabe observar na tabela 3 a relao entre os grupos de


sujeitos e as categorias de concepes por eles expressas. Os
grupos todos os sujeitos, cinco sujeitos e quatro sujeitos, sem
exceo, expressaram concepes aristotlicas, parcialmente
aristotlicas e de impetus. As concepes dos grupos de trs e
dois sujeitos e dos grupos unitrios foram verificadas em maior
proporo junto s categorias aristotlicas, parcialmente
aristotlicas e de impetus.
Com exceo de S4 e S5, que
perderam a viso, respectivamente, aos trs e cinco anos de
idade, todos os outros eram cegos de nascimento, e, portanto, o
grupo de experincias sensoriais que essas pessoas mantiveram
com o mundo fsico nunca teve participao da percepo
visual. Como se nota, apesar da ausncia total do estmulo viso,
e, conseqentemente, da ausncia de experincias visuais,
existia uma semelhana conceitual em seus dilogos ou
explicaes para o repouso, movimento, queda e trajetria dos
objetos. As noes de que h a necessidade de uma fora de
contato ou impressa para a manuteno do movimento e de que
a queda dos objetos algo natural, so comuns e possuem, para
o grupo de deficientes visuais, "valor" extremamente relevante.
As concepes que so discordantes ou que no mantm
conexo com o modelo aristotlico e/ou de impetus, foram
encontradas entre os seis sujeitos, entretanto, destacaram-se por
serem comuns a grupos menores (grupos de trs e de dois
sujeitos) e tambm para grupos unitrios. Essas concepes,
geralmente, referiam-se a situaes particulares de cada sujeito
(exemplos: andar de avio, explicaes do professor sobre
problemas fsicos). Na tabela 4, encontra-se a relao entre cada
sujeito e seu respectivo grupo de concepes.

50

der Pires de Camargo

Tabela 4: Relao entre cada sujeito com seu respectivo grupo de


concepes

Sujeito
Grupo de concepes
s
C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13,
S1
C14, C15, C16, C17 e C18
C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, C10, C11, C12, C13,
S2
C15, C16, C17, C18, C19, C20, C21, C22, C 23, C45, C46 e
C47
C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C14, C15, C16,
S3
C19, C22, C 23, C24, C25, C26, C27, C28 e C29
C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C13, C16, C19, C20,
S4
C 30, C31, C32, C33, C34, C35, C36 e C37
C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C13, C19, C22, C 23,
S5
C26, C38, C39, C40, C41, C42 e C43
C1, C2, C3, C4, C6, C7, C9, C10, C11, C12, C19, C26, C43 e
S6
C44
Como evidenciado na tabela 4, cada sujeito expressou
em mdia vinte concepes que podem ser analisadas em termos
quantitativos da maneira explicitada na tabela 5:

51

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

S1

Cego
de
18
nascena

10

S2

Cego
de
25
nascena

14

S3

Cego
de
22
nascena

12

12

12

10

S4

S5

S6

Perdeu
a viso
21
aos trs
anos.
Perdeu
a viso
aos
20
cinco
anos.
Cego
de
14
nascena

Gerais

Sem conexo

Discordantes
da teoria de
impetus

Discordantes
da teoria
aristotlica

Parcialmente
aristotlicas

Impetus

Aristotlicas

Nmero de
concepes
identificadas

Caracterstica
de sua
deficincia

Sujeitos

Tabela 5: Explicita quantitativamente as concepes obtidas.

Como pode ser observado na tabela 5, as concepes


plenamente e parcialmente aristotlica e de impetus so
majoritrias entre os sujeitos. Para S1, aproximadamente 67% de
suas concepes pertencem ao grupo de conceitos aristotlicos,
52

der Pires de Camargo

parcialmente aristotlicos e de impetus; para S2, esse nmero


de 64%, j S3 apresenta um percentual de 77,3%, S4 76,2%; S5,
70% e S6, 78,6%.
Embora os modelos aristotlico e de impetus
representem a estrutura conceitual dos deficientes visuais, em
algumas ocasies eles expressaram concepes que eram
discordantes desses modelos. S1 e S2 apresentaram concepes
concordantes e discordantes do modelo de impetus; S3 e S4
apresentaram concepes concordantes e discordantes do
modelo aristotlico, e S5 e S6 apresentaram concepes
concordantes e discordantes desses modelos. Essas concepes
minoritrias referem-se a noes de trajetrias de esferas (C17,
C18 e C43) e a noes de queda de objetos ou de fora e
velocidade (C26, C32, C33, C38 e C44).
Na tabela 6, agruparam-se as concepes em funo do
paradigma aristotlico de movimento. Considera-se como
paradigma aristotlico os princpios de movimento forado e
natural. O movimento forado ser subdividido nos casos em
que o movente uma entidade material objetivamente existente,
ou imaterial (impetus). Dessa forma, assume-se que o modelo
de impetus, encontra-se contido no paradigma aristotlico, ou
seja, aquele estruturado na idia de movimento enquanto
processo. Essa idia exige a influncia de uma entidade, mesmo
que imaterial, para a manuteno do movimento. A idia
mencionada somente foi superada pela teoria newtoniana que
interpretou o movimento enquanto estado.

53

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Tabela 6: Relaciona as concepes com o paradigma aristotlico de


movimento.

Objetos que se movem


mantendo o contato com
Movimento o seu movedor
Forado
Objetos que se movem
sem contato com o
movedor (impetus)

C6, C7, C19, C23, C27,


C31, C47.
C9, C10, C16, C24, C25,
C29, C30, C40.

C1, C2, C3, C4, C11, C12, C13, C18, C20, C21, C29,
Movimento
C37, C40, C41, C46.
Natural
Como mostra a tabela 6, das quarenta e sete concepes
identificadas, quinze (aproximadamente 32%) seguem o
princpio aristotlico de Movimento Forado, e outras quinze
(aproximadamente 32%) obedecem ao princpio aristotlico de
Movimento Natural. Isso implica dizer que, aproximadamente
64% das concepes obtidas, obedecem ao paradigma
aristotlico de Movimento.
As concepes de que a todo movimento associa-se uma
fora e de que um objeto cai, pois cair algo natural,
representam a base conceitual do grupo de deficientes visuais
entrevistados. Nesse sentido, verificou-se que suas concepes
so semelhantes s dos videntes o que significa dizer que, se
uma pessoa nasce cega, a percepo das experincias cotidianas
relacionadas ao repouso e ao movimento no obtida por meio
do estmulo visual, mas sim, por meio da influncia de outros
sentidos e de interaes sociais. Em outras palavras. A
ausncia de viso, apesar de trazer limitaes observacionais,
no finaliza as experincias que levam uma pessoa a construir
explicaes e modelos de fenmenos relacionados ao repouso e
ao movimento dos objetos.

54

der Pires de Camargo

Conforme assinala Vigotski (1997 ), para o cego, a


conscincia de no enxergar tem um significado social e no
sensorial. Assim, os demais sentidos no proporcionam para
essas pessoas caractersticas da realidade que so fornecidas
exclusivamente pela viso. Nesse contexto, como explicar a
semelhana entre as concepes dos deficientes visuais e dos
videntes? Reconhecendo a multiplicidade de significados
sensoriais associados aos fenmenos do repouso e do
movimento e que as percepes no-visuais participam
diretamente na construo de concepes alternativas acerca
desses fenmenos.

II.VI. Anlise de referenciais observacionais novisuais


Com o objetivo de explicitar algumas experincias novisuais que atuam como referencial observacional para pessoas
cegas, sero apresentados e analisados na seqncia, trechos de
dilogos extrados das entrevistas dos deficientes visuais.
Lanamento de objetos
Sobre este tema, destacaram-se quatro trechos das
entrevistas de S1, S4 e S6. O primeiro refere-se s explicaes
fornecidas por S1 para a trajetria de uma pena lanada para
frente, e o segundo, para o movimento de uma bexiga de gs
hlio. O terceiro e quarto trechos descrevem declaraes de S4 e
S6 acerca do lanamento vertical de uma bola.
Trecho 1
S1: Se a gente jogar uma pena, ela no vai voar para baixo,
ela vai voar para cima, ela leve.
E: Voc acha que a pena vai voar para cima?
S1: Vai.

55

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Neste trecho, identificou-se uma concepo semelhante


ao modelo aristotlico de Lugar Natural aplicada por S1 ao
movimento da pena. Essa concepo, localizada no fragmento:
Se a gente jogar uma pena, ela no vai voar para baixo, ela vai
voar para cima, ela leve, foi construda por S1
independentemente de quaisquer estmulos visuais (S1 nasceu
cego). A afirmao de S1 parece refletir uma generalizao do
princpio aristotlico de Lugar Natural. Em outras palavras,
possvel que para S1, a pena, embora slida, represente, por sua
leveza, o oposto de objetos pesados e, portanto, deva subir.
Trecho 2
E: Na sua opinio, natural as coisas carem para baixo?
S1: Quando mais pesado, sim.
E: Mais pesado do que quem?
S1: Mais pesado que o ar que faz a fora que empurra ela.
E: O ar, na sua opinio, empurra as coisas para cima ou para
baixo?
S1: Depende do peso do objeto.
E: Depende do peso. No caso da bexiga?
S1: Para cima.
E: No caso da bola?
S1: Para baixo.

Neste segundo trecho, tambm se identificaram


explicaes de S1 que se assemelham ao modelo aristotlico de
lugar natural. possvel que, ao comparar os movimentos da
bola e da pena, S1 tenha associado peso com intensidade do
som do choque da bola com o cho, e leveza com a ausncia
de som proveniente de um choque no verificado entre a bexiga
de gs hlio e o cho.
Entende-se que a construo da concepo semelhante ao
princpio de lugar natural influenciada por percepes novisuais como a auditiva (intensidade do som resultante do
56

der Pires de Camargo

choque de objetos com o solo) e a ttil (segurar um balo cheio


de gs hlio, carregar algo pesado, subir e descer rampas, etc)
Os trechos seqentes, extrados, respectivamente, das
entrevistas de S4 e S6, referem-se ao experimento de lanar uma
bola verticalmente para cima.
Trecho 3
E: Antes de comear a cair, ela vai at onde?
S4: No tem aonde ir.
E: Voc acha que ela sobe uma altura mxima?
S4: No, no tem altura mxima, nem nada. Altura mxima, se
fosse aqui, aqui se jogar aqui, tem altura mxima (teto).

S4 parece no saber descrever o que ocorre efetivamente


com uma bola quando a mesma abandona a mo de quem a
lanou. No claro para ele que a bola sobe, atinge uma altura
mxima e volta. O que ele sabe, que ela volta, pois ouve o
impacto da queda. Sabe tambm que, se a bola for lanada em
uma sala fechada, ela bater no teto e depois retornar ao solo.
J S6, como poder ser observado no trecho seqente,
apresenta uma descrio melhor estruturada do experimento do
lanamento vertical. Faz tambm uma suposio acerca do que
ocorre quando a bola atinge a altura mxima.
Trecho 4
E: Se voc jogar a bola pra cima, o que acontece?
S6: Ela vai bater no teto e vai voltar.
E: E se no tem o teto?
S6: Ela vai pra cima e vai voltar no cho.
E: Por que ela volta?
S6: Se jogar pra cima, no tem lugar pra ela ficar l em cima,
ela volta.
E: Se voc jogar pra cima, por que ela sobe?
S6: Porque ela tem que subir.

57

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Na descrio do experimento do lanamento vertical da


bola, possvel notar os referenciais observacionais adotados
por S4 e S6, ou seja, o ttil e o auditivo. O que eles observam,
efetivamente, so os seguintes eventos no-visuais: (a) No incio
do movimento, a bola encontra-se nas mos do lanador
(observao ttil); (b) Assim que lanada, deixa o lanador de
senti-la (observao ttil); ( c ) Na hiptese de o lanador
encontrar-se num local aberto, a bola, ao retornar, poder cair
sobre ele (observao ttil, ou diretamente no solo (observao
auditiva). (d) Na hiptese de encontrar-se num local fechado, o
lanador receber a informao adicional proveniente do choque
da bola com o teto (observao auditiva). Esse evento lhe
informar que a bola encontra-se acima de sua cabea.
Comparando os eventos da pena e da bola, apresentamse as concluses seguintes: S1 no tinha certeza do que
ocorreria com a pena quando ela abandonava sua mo, pois lhe
faltavam informaes tteis e auditivas acerca do movimento do
objeto mencionado. Nesse sentido, sua descrio fundamentavase na comparao entre o movimento da pena e de objetos
leves por ele observados (exemplo o movimento da bexiga de
gs hlio). J S4 e S6 sabiam que a bola, necessariamente,
voltaria ao solo, pois isso que observam nas ocasies em que
realizam o experimento do lanamento vertical.
Noes de Terra
No quinto trecho selecionado para anlise, S1 apresenta
suas concepes acerca dos formatos da Terra, da Lua e do Sol.
Como poder ser verificado, essas concepes foram
construdas por informaes adquiridas em ambientes sociais
como o da escola combinadas com experincias do entrevistado.
Trecho 5
E: Voc j ouviu falar na Lua, no ? O que a Lua para
voc?

58

der Pires de Camargo

S1: Um crculo.
E: Voc nunca viu a Lua?
S1: Eu no.
E: O que voc j ouviu falar da Lua?
S1: Que ela redonda...
E: E onde ela fica?
S1: Fica l no alto.
E: E por que ela no cai?
S1: Por causa da fora da gravidade que segura ela l em
cima.
E: Mas a fora da gravidade no puxa as coisas para baixo?
S1: Puxa, mas ela no pesada, ento...
E: Ela leve?
S1: Ela leve, fica l em cima. Creio eu que ela seja leve.

Note-se que S1 apresenta um formato para a Lua (algo


redondo). No entanto, por ser cego, nunca viu o mencionado
astro celeste, e, portanto, tudo o que sabe da Lua (que ela
redonda e fica no alto) foi informado a ele. Quando questionado
sobre as causas de a Lua no cair, usou argumentos semelhantes
ao princpio de Lugar Natural, afirmando que a Lua no cai por
ser leve. Em suas explicaes, empregou termos cientficos
como gravidade, que deve ter sido aprendido por ele na
escola, mas que no tem relaes com o conceito cientfico de
ao distncia.
O trecho 6 exibe explicaes de S1 sobre o Sol.
Trecho 6
E: E o Sol?
S1: O Sol um planeta, n?
E: E qual o formato dele?
S1: Eu acredito que ele seja em forma de uma bola.
E: Quente ou frio?
S1: Quente.
E: E por que ele no cai?
S1: porque ele tem que ficar l em cima.

59

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

E: Mas as coisas caem?


S1: Se for pesado, sim.
E: E o Sol?
S1: O Sol deve ser leve.

No trecho 6, S1 expe suas concepes sobre o Sol, ou


seja, que ele como uma bola (algo que jamais viu), quente
(resultado de experincia ttil), leve (explicao do tipo Lugar
Natural). Essas noes, com exceo da quente, no so
resultados de observaes, mas sim, de informaes construdas
socialmente. Alm disso, S1, ao afirmar porque ele tem que
ficar l em cima, utiliza um argumento interessante para o fato
de o Sol no cair. Tal argumento assemelha-se ao princpio
aristotlico de Lugar Natural aplicado aos astros celestes. Para
S1, objetos celestes, como a Lua e o Sol, no caem por dois
motivos: (a) porque so leves, e (b) natural para eles ficarem
no alto (explicao semelhante ao princpio de lugar natural).
No trecho 7, S1 apresenta novas explicaes para os
formatos e localizaes do Sol, da Terra e da Lua.
Trecho 7
E: Ns moramos num planeta, certo? Nosso planeta se chama
Terra. Como esse planeta, na sua opinio? Qual a forma
dele?
S1: Redondo.
E: Isso faz sentido para voc?
S1: Como assim?
E: O planeta ser redondo?
S1: Faz, no faz?
E: Quando voc anda, voc sente que ele redondo?
S1: Nem um pouco.
E: Mas ento, por que voc disse que ele redondo?
S1: Dizem os experientes...
E: que disseram para voc que redondo? Na escola
disseram para voc que a Terra redonda?
S1: Para mim no faz diferena nenhuma.

60

der Pires de Camargo

E: O que para voc faz mais sentido, a Terra ter o formato


redondo ou ter o formato dessa mesa?
S1: Eu acho que redondo.
E: Voc acha que a Terra grande?
S1: No d para ter uma idia.
E: Onde voc imagina que seja o Japo?
S1: um pas do outro lado do mundo.
E: Deixe-me pegar a bola. Voc acha que a Terra assim
como a bola?
S1: Assim no. Eu acho que ela em forma de crculo, como
um disco.
E: Como um disco?
S1: .
E: E a Lua?
S1: A Lua? Eu acho que a Lua como um prato.
E: E o Sol?
S1: O Sol, eu acho que como essa bola.
E: A Terra seria como um disco ento?
S1: E o Sol fica em cima dela como se fosse essa bola aqui.

O trecho 7 descreve concepes de Terra adquiridas por


S1, em contextos sociais que se contrapem a noes de Terra
adquiridas por ele por meio de experincias sensoriais. S1,
influenciado por interaes sociais, afirmou que a Terra tem um
formato redondo (dizem os experientes). Entretanto, quando
S1 comparou seu planeta a um disco, demonstrou possuir
concepes de Terra plana. Note-se que o disco plano e
apresenta caractersticas circulares. Dessa forma, S1 conciliou
informaes adquiridas socialmente sua concepo sobre o
formato da Terra. Pesquisas como as de Sneider e Pulos (1983),
Nussbaum (1985), Nardi (1990) e Baxter (1991) apresentam
noes de Terra de pessoas videntes que se assemelham
parcialmente s de S1. Como aponta Nardi (op. cit.), a
concepo de Terra apresentava variaes de acordo com a
idade dos entrevistados. Contudo, indivduos mais jovens,
61

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

especificamente abaixo de onze anos, forneciam concepes


planas da Terra.
O conhecimento de estar no alto de um prdio
No trecho 8, ficam evidentes as influncias social e
sensorial para a localizao espacial de S3, ou seja, o
reconhecimento de encontrar-se posicionado no alto de um
prdio.
Trecho 8
E: Voc j subiu em um prdio. Como voc sabe que o prdio
alto?
S3: Ah, porque todo o mundo fala.
E: Mas voc no sabe?
S3: Sei, se eu subir tudo, eu sei.
E: Se voc subir no alto de um prdio, voc tem a sensao
que est no alto?
S3: Ah, tenho um pouco sim.
E: Que sensao voc tem?
S3: No sei. No d pra explicar.
E: Mas voc consegue ouvir as coisas l embaixo?
S3: Mais ou menos.
E: Buzina de carro...
S3: Mais ou menos. Ah, d pra ouvir que as coisa esto mais
baixas (intensidade do som ou altura do solo).

Como mostra o trecho 8, a percepo auditiva em


conjunto com o contato de S3 com outras pessoas, influenciam
diretamente a construo de suas noes espaciais.
Na entrevista concedida por S5, encontrou-se um trecho
onde ele descreve, a partir de percepes no-visuais, sua
localizao espacial (conscincia de estar no alto de um prdio).
Trecho 9
E: Voc j subiu num prdio, voc tem noo de altura? Como
voc sabe que voc est no alto de um prdio?

62

der Pires de Camargo

S5: Rudos distncia, buzina do carro, motor, os rudos voc


vai ouvir com bastante distncia, voc vai ter a noo que t longe,
ento voc sabe que est numa posio alta, num plano bem superior
ao nvel do cho.

A argumentao de S5 enfoca a percepo auditiva


(rudos distncia, buzina do carro) como referencial de
localizao espacial. Tal argumentao mostra que, alm das
interaes sociais, percepes no-visuais fornecem noes de
distncia, altura, etc.
Bola que se move em um campo aberto
Os trechos seqentes foram extrados das entrevistas
concedidas por S4, S5 e S6. Tais entrevistados apresentaram
descries do movimento de uma bola em um campo aberto e
do lanamento vertical de objetos.
Trecho 10
S4: ...Ento a bola, c empurra, ela continua o movimento at
um certo tempo, depois ela volta a parar de novo (Impetus).

As expectativas geradas por boa parte das pessoas acerca


do movimento dos objetos concentram-se no argumento de que
eles, separados do movedor, sempre chegam ao repouso
(concepo semelhante ao modelo de impetus ). Essa tambm
foi a expectativa de S4. O trecho 11 relata S5 comparando os
movimentos da bola e do livro.
Trecho 11
E: Voc empurra a bola. Quando voc tira a mo dela, ela
continua em movimento?
S5: Continua e depois pra.
E: E no caso do livro?
S5: Continua s um pouco, a distncia mnima,
praticamente... continua muito pouco, pouquinho.

63

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

As observaes de uma pessoa cega


acerca do
movimento da bola, num campo aberto, concentram-se nos
referenciais ttil e auditivo, os quais no lhe possibilitam
observaes de longo alcance. Por outro lado, a grande parte de
suas experincias indicam que objetos param de se mover (caso
do movimento do livro). Dessa forma, experincias com tais
objetos, em conjunto com as observaes no-visuais,
influenciaram a constatao de S5 de que a bola em movimento
sempre chega ao repouso.
Na entrevista de S5, foi selecionado outro trecho que
aborda o movimento da bola (trecho 12). Nesse trecho, sua
descrio apresenta claramente os motivos pelos quais a bola
continua a mover-se depois de algum t-la chutado, bem como,
os motivos pelos quais ela pra aps percorrer uma certa
distncia. Tais motivos fundamentam-se em uma concepo
semelhante ao modelo de impetus.
Trecho 12
E: A fora que voc aplica na bola permanece na bola?
S5: ...Esta questo meio complicada pra te dizer, eu no
consigo colocar com uma preciso, porque voc d um
impulso, ela sai com uma certa velocidade, chega a uma certa
altura ela pra, aquele impulso no suficiente pra
continuar, agora, se a fora foi junto, eu acho que no, no
sei, estranho... Nunca tinha pensado nisso antes sobre... ela
pra porque ela perdeu a fora, agora, se a fora foi junto, eu
no sei, gozado...

Note-se que, embora seus argumentos passem pelas


expresses "dar um impulso", "aquele impulso no suficiente
para ela continuar" e "ela pra porque ela perdeu a fora",
estranho para o entrevistado o fato de a fora (algo imaterial)
ir junto com a bola, o que, para qualquer defensor da teoria do
impetus, motivo fundamental continuidade do movimento.
64

der Pires de Camargo

O trecho 13 foi extrado da entrevista realizada com S6.


Relata as argumentaes do mencionado entrevistado sobre o
movimento da bola em um campo aberto.
Trecho 13
E: Imagine que voc est no meio do campo e voc
empurra a bola. O que vai acontecer com ela?
S6: Ela vai entrar em movimento.
E: E depois?
S6: Depois ela vai voltar.
E: Voltar pra quem?
S6: Tanto ela pode voltar pra mim ou pra voc... ou pra
qualquer um que tiver junto com a gente.
E: S t voc no campo, mais ningum.
S6: Volta pra mim.
S6 descreveu de uma forma peculiar o movimento da
bola. A descrio por ele apresentada parece fazer parte de suas
experincias com bolas, isto , S6 argumentava que a bola
sempre voltaria para ele ou para uma outra pessoa depois de ter
sido posta em movimento em um campo aberto.
Percepes auditivas na observao do movimento de uma
esfera de ao
O trecho 14 tambm foi extrado da entrevista de S6.
Neste trecho, fica evidente a influncia da audio para a
observao da experincia de uma esfera de ao ou de vidro que
se move e que encontra obstculos.
Trecho 14
E: Mas quando ela sair do cano reto, ela vai continuar em
linha reta ou fazendo curvas?
S6: Ela vai reto, at ela achar um lugar pra ela encostar ela
vai.
E: O lugar de encostar seria onde?

65

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

S6: Se ela cair no cho e encontrar a parede, o lugar de


encostar vai ser a parede, vai fazer ploc l na parede, e ela
vai parar l
E: Antes ela no pra?
S6: Antes no, porque c t rodando, enquanto ela tiver
rodando l, fazendo tatatatat..., a hora que ela fizer ploc l na
parede, ela pra.

importante destacar que a discusso acima surgiu por


ocasio da anlise da trajetria de esferas que abandonam tubos.
Em nenhum momento, moveu-se a esfera, foi S6 quem sugeriu o
exemplo, apresentando sua descrio do fenmeno por meio de
referenciais exclusivamente auditivos, como: "ploc", o que lhe
informa quando a esfera bate na parede e "tatatatat..." o que lhe
informa que a esfera est se afastando. Fica claro tambm a
exigncia inicial que S6 faz para o fim do movimento da esfera,
ou seja, h a necessidade de um obstculo, que, no caso em
questo, a parede (observao auditiva), e, no caso da bola, era
o gol ou a lateral.
Descrio do movimento de um livro sobre a mesa
O trecho 15 relata a descrio feita por S6 acerca do
movimento de um livro que empurrado bruscamente.
Trecho 15
E: Mas, antes de parar?
S6: Antes de parar ele tava aqui (posio inicial)
E: E nesse espao, entre aqui (posio inicial) e aqui na
frente (posio final)? Voc acha que ele se movimentou?
S6: Acho que no
E: No, e como ele chegou l na frente?
S6: Porque eu empurrei, ele ficou parado.
E: Voc poderia me explicar melhor isso?
S6: como voc disse, ele tava aqui (posio inicial) eu
empurrei ele l pra frente (posio final), ele ficou parado l
na frente.

66

der Pires de Camargo

E: E como ele chegou l?


S6: Eu empurrando, empurrei daqui, e ele foi parar l na
frente, do mesmo jeito que ele tava parado aqui, ele ficou
parado l.

No trecho 15, possvel verificar a descrio da


realizao de um experimento por S6. Em tal experimento, o
entrevistado empurrava o livro que parava quase que
imediatamente aps ele ter deixado de toc-lo. Ele no viu o
livro mover-se e descreveu o fenmeno com os seguintes
detalhes: (a) inicialmente o livro estava parado (informao
ttil), (b) em seguida, entrou em movimento, pois foi empurrado
(informao ttil), ( c) o livro continuou a mover-se aps cessar
o contato (informao auditiva) e (d) por fim, parou de mover-se
(informao auditiva).
Uma pessoa cega nem sempre descrever com exatido
determinados fenmenos no observados visualmente. Contudo,
suas observaes tteis, auditivas, etc, fornecem-lhe
informaes suficientes para que ela possa descrever muito bem
alguns fenmenos e generalizar outros. Experincias como a das
esferas e a do livro levam-na a construir concepes acerca de
determinados fenmenos que no so por ela observados
visualmente. A pessoa cega, apesar de no poder obter
informaes visuais do que ir acontecer com uma bola de
futebol que chutada num campo aberto, ou de como a
trajetria de uma bola lanada para cima, ou ainda de qualquer
objeto que se mova, sempre procurar descrever o fenmeno ou
apresentar uma situao do porqu, ou como tal fenmeno
ocorre. Suas referncias sero as observaes no visuais de
outros fenmenos.
O efeito Doppler
A constatao de encontrar-se em movimento pode ser
feita por uma pessoa, independentemente de ela enxergar ou
no. O fato de estar dentro de um carro, por exemplo, e no
67

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

poder ver o que se passa do lado de fora, no priva o indivduo


cego de saber que est se deslocando no espao. Como ser
verificado na declarao fornecida por S6 (trecho 16),
informaes tteis e auditivas so de fundamental importncia
para a constatao de encontrar-se em movimento.
Trecho 16
E: Por que voc acha que as coisas se movimentam? Quando
eu falo as coisas, por exemplo, um carro, voc j andou de
carro, voc sente quando voc t dentro do carro, que ele t
em movimento?
S6: Tranqilamente, pra frente, pra trs, dos lados...
E: Quando voc t dentro de um carro, como voc sabe que
ele est em movimento?
S6: Sinto o vento, o soco, quando passa em cima da lombada,
ai vai embora, vai pra frente.

Note-se que as expresses "pra frente", "pra trs", "dos


lados", "o vento", "o soco", "quando passa em cima da
lombada", referem-se s observaes tteis, que deram ao
entrevistado, a noo de estar em movimento. Tais informaes,
juntamente com outras de natureza auditiva (das quais se
destacam o efeito Doppler e a variao da intensidade do som),
contribuem para a construo das noes de movimento e
velocidade de pessoas cegas. O trecho 17 enfatiza esse tema.
Trecho 17
E: O que significa 300 km/h?
S5: uma coisa muito alta, rpida. Seria mais ou menos
como ir daqui (Bauru) a So Paulo em uma hora.

Num outro exemplo fornecido por S5 (trecho 18), foi


abordado um referencial observacional muito importante para a
pessoa com deficincia visual, isto , o efeito Doppler.
68

der Pires de Camargo

Trecho 18
E: O que voc pensa sobre velocidade?
S5: Velocidade... h uma diferena entre velocidade baixa e
velocidade alta. D pra perceber que h diferena.
Velocidade depende da intensidade dela, pode ser pequena
como a gente estar andando a p normalmente, passeando,
caminhando e voc ver um carro de frmula 1 a 300 km/h.

Quando um ouvinte se aproxima de uma fonte sonora


estacionria, a freqncia do som que ele percebe maior do
que quando ele est em repouso. Se o ouvinte se afasta da fonte
estacionria, ele escuta um som mais grave do que se ele
estivesse parado. Observam-se resultados semelhantes quando a
fonte se movimenta aproximando-se ou afastando-se de um
ouvinte estacionrio (RESNICK e HALLIDAY, 1983). Torna-se
evidente a partir da descrio do efeito Doppler, a relao entre
movimento e freqncia do som. Isso ocorre, pois a velocidade
do som independe da velocidade da fonte, e as variaes de
freqncia decorrentes de tal fenmeno so prontamente
captadas pelo ouvido humano, servindo como referencial
observacional de objetos em movimento.
S5, ao enfatizar o movimento do carro de frmula 1,
referiu-se de forma implcita ao efeito Doppler. Quando se
observa auditivamente o movimento de um carro de frmula 1,
possvel ouvir nitidamente as mudanas de freqncia do som
dele proveniente. Alm da observao dessas variaes, tambm
deve ser considerada a percepo da variao da intensidade do
som proveniente de uma fonte sonora em movimento. Esses dois
referenciais contribuem ao conjunto de experincias auditivas
que participam na formao do conceito de velocidade e
movimento para uma pessoa cega.

69

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

II.VII. Consideraes finais


No presente captulo, foram enfocadas, sob aspectos
histricos e visuais, as concepes alternativas sobre repouso e
movimento de um grupo de seis sujeitos cegos. Verificou-se
que, para o referido grupo, existem tendncias de suas
concepes convergirem aos modelos pr-newtonianos de
movimento.
Como apontam vrias pesquisas nessa rea, tais
tendncias tambm so verificadas junto a pessoas videntes, e,
portanto, indivduos cegos no representam exceo maneira
alternativa de se abordar questes relacionadas ao referido tema.
Nesse contexto, autores denominados construtivistas
afirmam que o conhecimento no absoluto, mas intimamente
relacionado com as aes e experincias do aprendiz
(WHEATLEY, 1991). Quando um indivduo pensa em um
dado fenmeno fsico, como, por exemplo, o movimento de um
objeto, ele procura agir e construir concepes referentes ao
fenmeno em questo, o que constitui o conhecimento do objeto
de pensamento. Como indica Wheatley, (op. cit) o
conhecimento sempre contextual e nunca separado do
conhecedor; conhecer agir; conhecer entender, de uma certa
maneira, uma maneira que pode ser partilhada por outros que se
juntam numa comunidade de conhecimento.
De acordo com Merleau Ponty (apud MASINI, op. Cit.),
a compreenso de fenmenos relacionados com o conhecer se
encontra ligada no apenas com o sentido da viso, mas, com
uma relao dialtica entre o conjunto de sensaes prprias do
ser humano, e a capacidade que o mesmo tem de interpret-las.
Nesse sentido, conclui-se que a construo de concepes
alternativas relacionadas com fenmenos fsicos como o
movimento e o repouso dos objetos, feita por qualquer pessoa,
no depende exclusivamente de aspectos visuais, j que
70

der Pires de Camargo

sensaes auditivas e tteis participam de modo relevante na


construo de tais concepes.
Assim, do ponto de vista sensorial, a comunidade de
conhecimento, influenciada por todos os sentidos, e, portanto,
conhecer um dado objeto ou fenmeno se encontra vinculado s
mltiplas formas de perceber, ao refletir individual e ao
compartilhar social do objeto de conhecimento em questo.

71

Cap. II Deficincia visual e concepes alternativas

Agradecimentos
FAPESP, pelo apoio financeiro. Ao Lar
Escola Santa Luzia para cegos, por permitir a
realizao das entrevistas. Aos professores
doutores Dcio Pacheco e Lizete Maria Orquiza
de Carvalho, pelas sugestes e crticas.

72

der Pires de Camargo

Captulo III

A formao de professores de fsica no


contexto das necessidades educacionais
de alunos com deficincia visual

III.I. O quadro da formao


perspectiva da deficincia visual

docente

na

Um fator fundamental a ser desvelado, dentro do


contexto do ensino de Fsica, refere-se ao conhecimento das
aes docentes frente problemtica da incluso educacional de
alunos com deficincia visual. Nessa perspectiva, os Parmetros
Curriculares Nacionais indicam que o grande desafio para a
implantao de uma escola inclusiva a situao dos docentes
das classes regulares, que precisam ser capacitados de forma
efetiva para adequar sua prtica educacional a uma realidade
caracterizada pela diversidade (BRASIL, 1998).
A incluso efetiva-se por meio de trs princpios gerais:
a presena do aluno com deficincia na escola regular, a
adequao da mencionada escola s necessidades de todos os
seus participantes, e a adequao, mediante o fornecimento de
condies, do aluno com deficincia ao contexto da sala de aula
(SASSAKI, 1999).
73

Cap. III A formao de professores de fsica

Na perspectiva abordada, que perfil deve possuir a


funo docente? Deve ser essa funo caracterizada por
atendimentos especializados ou por saberes que dem conta de
uma prtica de ensino que contemple a presena de alunos com
e sem deficincias? Como discutido nos Parmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, op. Cit.), ao pensar a implementao da
educao inclusiva h que se contemplar que professor o modelo
inclusivista prev. Teoricamente, esse professor deveria estar
preparado para planejar e conduzir atividades de ensino que
atendam s especificidades educacionais dos alunos com e sem
deficincias, o que implica dizer que sua prtica deve adequar-se
s mltiplas formas interativas possveis de ocorrer entre os
participantes das atividades e os fenmenos estudados.
Em relao atuao do docente em contextos
educacionais que contemplam a presena de alunos com e sem
deficincias, tem-se o seguinte quadro: fato que o professor
no discute nos cursos de licenciatura das universidades
brasileiras problemas ligados relao entre educao e alunos
com deficincias (FERREIRA e NUNES, 1997). Esse fato
ganha significativa importncia no Brasil, visto que a atual Lei
de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira - Lei N 9394/96
(BRASIL, 1996), prioriza o enfoque da educao + escola
comum do que o da assistncia social + instituio
especializada (FERREIRA, 1998), o que tem gerado, no Brasil,
desde 1998, um significativo aumento das matrculas de alunos
com deficincias na rede pblica regular de ensino.
Paradoxalmente no Brasil, discusses e reflexes em nvel de
licenciatura acerca de temas ligados ao atendimento educacional
de alunos com deficincias, encontram-se reservados aos cursos
de educao especial. Esse perfil formativo oriundo da
tradio educacional pr-inclusivista que transita na contramo
da perspectiva da incluso escolar (MANTOAN, 2003). Tem-se,
portanto, a instalao de um problema de mbito prtico e no
apenas terico, inerente a atuao docente em ambientes
74

der Pires de Camargo

educacionais caracterizados pela presena de alunos com e sem


deficincias. Se, por um lado, a legislao educacional brasileira
prioriza o atendimento educacional dos alunos com deficincias
na rede regular de ensino, por outro, o docente que recebe esses
alunos sente-se despreparado para o atendimento educacional
dos mesmos, alm de reconhecer que o atendimento mencionado
funo dos docentes da educao especial.
Nesse contexto amplo, como incluir alunos com
deficincias na rede regular de ensino, sem o devido preparo dos
professores que iro receb-los? Ou ainda, num contexto mais
especfico, como incluir satisfatoriamente nas salas de aula de
Fsica, sob o referencial do ensino-aprendizagem, alunos com
deficincia visual, sendo que o docente de Fsica no recebe
formao adequada para o atendimento educacional desses
alunos? Que tipo de atitude pode ser adotado a fim de construir
uma prtica de ensino de Fsica que contemple no s as
necessidades educacionais dos alunos videntes, como tambm as
dos alunos com deficincia visual?
No se defende a idia de que a implantao da educao
inclusiva deva dar-se somente aps a superao de barreiras de
acessibilidade fsica e comunicacional, mesmo porque, o
referido pr-requisito representaria uma justificativa existncia
de espaos educacionais segregativos. Todavia, concorda-se
com uma relao dialtica entre aceitao dos alunos com
deficincias, na rede regular de ensino, e busca de solues
problemtica que se estabelece. Por outro lado, entende-se que
uma abordagem terico-prtica por parte de futuros professores
nos cursos de licenciatura, bem como, de professores ativos em
cursos de formao continuada acerca da temtica ensino e
alunos com deficincias pode influir nas atuaes desses
docentes, e, conseqentemente, na relao de aceitao e de
busca de solues anteriormente mencionada. Como apontam os
Parmetros Curriculares Nacionais, A incluso escolar impese como uma perspectiva a ser pesquisada e experimentada na
75

Cap. III A formao de professores de fsica

realidade brasileira (BRASIL, 1998). Dessa forma, em relao


ao ensino de Fsica e os alunos com deficincia visual, de
fundamental importncia a execuo de pesquisas que visem
contribuir com a formao do professor de Fsica, haja vista que
os alunos com deficincia visual comearam a deixar seus
guetos assumindo espaos sociais como os da escola, os do
trabalho, etc, os quais sempre foram deles, e que, por questes
relacionadas a paradigmas de normalizao de comportamentos,
foram-lhes retirados.
Obs: Tendo em vista as especificidades educacionais
inerentes deficincia visual como entrar em contato com o
contedo fsico de ensino sem o auxlio da viso, participar de
procedimentos de avaliao sem o auxlio da viso, observar
fenmenos sem o auxlio da viso, fazer registros em sala de
aula sem o auxlio da viso, etc., o presente captulo limita o seu
enfoque formao do docente de Fsica e deficincia visual.
Entende-se, contudo, que o tema da incluso escolar de alunos
com deficincias estabelece relaes de proporcionalidade direta
entre amplitude, importncia e complexidade, e merece
urgentemente ser investigado.

III.II. A integrao, a incluso e a formao dos


professores
Atualmente no Brasil, tm-se discutido e posto em
prtica, significativas alteraes em relao s vises de
insero escolar da pessoa com deficincia. Uma dessas
alteraes refere-se mudana no emprego dos conceitos de
incluso e integrao desses indivduos no universo da escola.
Seria essa alterao somente uma mudana de verbo? No,
integrar e incluir no so a mesma coisa.
Numa perspectiva de integrao, o indivduo com
deficincia no recusado no ambiente escolar. Ele pode
76

der Pires de Camargo

participar, desde que se adapte, desde que rena condies


individuais necessrias para estar em um dado ambiente. Como
aponta Mantoan (1998), a integrao escolar uma forma
condicional de insero em que vai depender do aluno, ou seja,
do nvel de sua capacidade de adaptao s opes do sistema
escolar, a sua integrao, seja em uma sala regular, numa classe
especial, ou mesmo em instituies especializadas.
Assim, o foco das crticas s polticas de integrao
centrou-se no argumento de que a escola oculta seu fracasso,
isolando os alunos e s integrando os que no constituem um
desafio sua competncia (DOR, et. al. 1996). Todavia, a idia
de que os alunos se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor
em um ambiente rico e variado (FOREST e LUSTHAUS,
1987), contribuiu para a referida alterao na perspectiva do
fenmeno de insero da pessoa com deficincia. Nesse sentido,
uma nova perspectiva de insero desse tipo de pessoa, no
contexto educacional, deveria, alm de contemplar o carter de
aceitao desses indivduos nos mais variados ambientes,
oferecer condies para a plena realizao das atividades que
caracterizam tais ambientes (SOARES, 1981). Tem-se aqui,
caracterizado uma nova perspectiva de insero da pessoa com
deficincia, no contexto educacional, ou seja, a sua incluso.
Com a incluso, toda a escola deve se preparar, o que
acarreta um reflexo prtico muito importante. A meta da
incluso , desde o incio, no deixar ningum fora do sistema
escolar, que, por sua vez, ter de se adaptar s particularidades
de todos os alunos (MANTOAN, 1998); assim, ao no se
limitar em ajudar apenas os estudantes que apresentam
dificuldades na escola, a incluso causa uma mudana de
perspectiva educacional. Uma abordagem de educao inclusiva
busca apoiar a todos: professores, alunos, pessoal
administrativo, para que se adaptem a uma realidade
heterognea, e para que obtenham sucesso na corrente

77

Cap. III A formao de professores de fsica

educacional geral, diminuindo-se, dessa forma, os servios


segregados (DOR et. al. Op. Cit.).
No Brasil, a incluso de alunos com necessidades
educacionais especiais (alunos com deficincia visual, auditiva,
fsica e mental), em escolas regulares, vem crescendo a cada ano
(COLLUCCI, 2004). Como indica o mesmo autor (op. cit.),
segundo o Censo Escolar do Ministrio da Educao, o nmero
de alunos com deficincias, matriculados no Brasil, cresceu
229% entre os anos de 1998 e 2003, passando de 43923 alunos
em 1998, para 144583 estudantes em 2003.
O verificado aumento da presena de alunos com
deficincias, na rede regular de ensino brasileira, conseqncia
das recomendaes da Lei de Diretrizes e Bases da Educao
(BRASIL, 1996), que, no Artigo 4 define como dever do
Estado o atendimento educacional especializado gratuito aos
educandos com necessidades especiais, preferencialmente na
rede regular de ensino (inciso III).
No Estado de So Paulo, preocupaes com a questo da
incluso das pessoas com deficincias, na rede regular de
ensino, so destacadas por meio da deliberao do conselho
estadual de educao (CEE N 05/00) (SO PAULO, 2000),
que fixa normas para a educao de alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais. No artigo 1, esclarece que
A educao especial modalidade oferecida para educandos
que apresentam necessidades educacionais especiais,
caracterizados por serem pessoas que tenham significativas
diferenas fsicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de
fatores inatos ou adquiridos, de carter temporrio ou
permanente e que, em interao dinmica com fatores scioambientais, resultam em necessidades muito diferenciadas da
maioria das pessoas (artigo 1, pargrafo nico). No artigo 4,
afirma que O atendimento educacional aos alunos com
necessidades educacionais especiais deve ser feito nas classes
comuns das escolas, em todos os nveis de ensino.
78

der Pires de Camargo

Observa-se que o artigo 4 da deliberao CEE N 05/00


remete discusso acerca da incluso para um outro foco, isto ,
o da formao dos professores. Como indica Aranha (2004)
embora nos ltimos anos tenha havido um significativo
aumento de matrculas de alunos com necessidades educacionais
especiais em escolas regulares, isto no tem garantido que a
escola esteja sendo um contexto inclusivo, ou seja, que
reconhea a diversidade, e a ela responda com qualidade
didtico-pedaggica. Assim, se por um lado o acesso s escolas
cresce a cada ano, por outro a questo da capacitao de
professores para o atendimento desses alunos encontra-se pouco
explorada, portanto, necessita ser melhor discutida.
No Artigo 58 do captulo V da lei 9394/96, consta nos
pargrafos 1 e 2, a previso de apoio especializado no ensino
regular. O pargrafo 3 do artigo 4 da deliberao CEE n
05/00 afirma que O trabalho pedaggico com alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais nas classes
comuns deve envolver materiais didticos auxiliares,
acompanhamento e reforo contnuo por parte do professor da
classe e trabalho suplementar com professor especialista,
quando for o caso. O artigo 11 da mesma deliberao esclarece
que programas de formao inicial ou continuada devem
oferecer aos professores que ensinam em classes comuns,
oportunidades de apropriao de contedos e competncias
necessrios para um trabalho com alunos com necessidades
educacionais especiais includos em suas classes.
Como indicam Ferreira e Nunes (1997), o tema da
formao docente mereceu ateno, desde as primeiras
audincias pblicas na Cmara, no desafio de entender o papel
do professor em uma proposta de incluso do aluno com
deficincia na escola, que, teoricamente, pediria um profissional
mais polivalente. Essa formao, como prevem Souza e Silva,
(1997), poderia ser propiciada tanto pelos cursos de licenciatura,
quanto por cursos de especializao. Contudo, mesmo com
79

Cap. III A formao de professores de fsica

instrues legais, o tema da incluso pouco explorado nos


cursos de formao de professores, bem como, na formao
continuada dos mesmos.
Concluindo, pensar a formao dos professores, na
perspectiva das necessidades educacionais dos alunos com
deficincia visual, vai alm do carter puramente escolar,
extrapolando sem dvidas, a um nvel de discusso muito mais
amplo e complexo, referente ao estabelecimento do indivduo
com deficincia visual na vida social como um todo.

III.III. A insero da temtica da deficincia


visual num curso de formao de professores de
fsica
No perodo de abril a dezembro de 2005, efetuou-se um
trabalho problematizador sobre a questo do ensino de Fsica e
da deficincia visual junto aos licenciandos em fsica da
Universidade estadual paulista (UNESP) cmpus de Bauru. O
mencionado trabalho foi realizado a partir do desenvolvimento
das disciplinas de prtica de ensino de Fsica oferecidas no
stimo e oitavo termos do curso mencionado. Em outras
palavras, foi enfocada a estrutura terica e prtica de mdulos de
ensino de Fsica que os licenciandos planejaram e aplicaram
como cumprimento do objetivo central das disciplinas
consideradas. Dessa forma, o trabalho problematizador realizado
pode ser classificado em funo de dois momentos, a saber:
Momento preparatrio e Momento prtico.
Momento preparatrio
O momento preparatrio caracterizou-se por trs
atividades bsicas realizadas pelos licenciandos: preparao de
mdulos e materiais de ensino, discusso reflexiva de temas
80

der Pires de Camargo

inerentes ao ensino de Fsica e deficincia visual, e estgio de


observao.
No incio da disciplina de prtica de ensino de Fsica,
oferecida no primeiro semestre de 2005, (stimo termo), foi
solicitado aos licenciandos para que os mesmos dividissem-se
aleatoriamente em cinco grupos de acordo com os seguintes
temas da Fsica: ptica, Eletromagnetismo, Mecnica,
Termologia e Fsica Moderna (planejamento de mdulos e
materiais de ensino). Cada grupo ficou constitudo, em mdia,
por quatro licenciandos. Assim que os grupos ficaram definidos,
foi apresentado a eles o seguinte problema educacional:
Vocs devem elaborar um minicurso de 16 h sobre o
tema fsico que seu grupo escolheu, sendo que as atividades de
ensino de Fsica por vocs propostas devem ser adequadas s
especificidades educacionais de alunos com deficincia visual e
alunos videntes.
Nas aulas do curso de prtica de ensino de Fsica que se
seguiram (discusso reflexiva de temas inerentes ao ensino de
Fsica e deficincia visual), foram trabalhados pelo docente
responsvel pela disciplina, temas relativos ao Ensino de
Fsica/Cincias e ao ensino de Fsica no contexto da deficincia
visual. As discusses reflexivas realizadas acerca dos temas
considerados faziam parte dos objetivos prprios da disciplina
prtica de ensino de Fsica, entretanto, nelas, ocorreu, a adio
de temas novos relativos ao ensino de Fsica para alunos com
deficincia visual.
No primeiro semestre, aproximadamente 25% das aulas
da disciplina de prtica de ensino de Fsica eram destinadas a
realizao de estgio de observao de prticas pedaggicas de
ensino de Fsica em escolas regulares da rede pblica ou
privada. Para a sua realizao, foi sugerido aos licenciandos para
que, preferencialmente, observassem a realidade de aulas de
Fsica de classes regulares que contemplassem a presena de
alunos com e sem deficincia visual. Foram tambm fornecidos
81

Cap. III A formao de professores de fsica

aos licenciandos o nome e endereo das escolas estaduais e


municipais subordinadas diretoria de ensino da regio de
Bauru que continham alunos com deficincia visual
matriculados. Os licenciandos apresentaram suas observaes
por meio de um relatrio e de discusses realizadas nas aulas
presenciais.
Portanto, objetivou-se, por meio das trs atividades
bsicas descritas, introduzir teoricamente futuros professores de
Fsica na problemtica da incluso escolar de alunos com
deficincia visual em contextos educacionais de Fsica.
Momento prtico
No segundo semestre (oitavo termo), aproximadamente
75% das atividades da disciplina de prtica de ensino de Fsica
foram destinadas para o estgio de regncia. Nesse estgio, os
grupos de licenciandos aplicaram seus mdulos de ensino em
uma sala de aula que continha 37 alunos, sendo 35 videntes e 2
com deficincia visual (cegos). Os outros 25% das atividades da
disciplina mencionada ficaram destinados para a organizao da
aplicao dos mdulos de ensino e para a realizao de uma
atividade denominada reflexo-ao. Dessa forma, a
disciplina de prtica de ensino de Fsica, oferecida no segundo
semestre de 2005, foi organizada em funo de trs atividades
bsicas: organizao do curso O outro lado da Fsica,
aplicao do mencionado curso (mdulos de ensino de 16 horas
desenvolvidos pelos licenciandos) e atividade de reflexoao.
Acerca da preparao para a aplicao dos mdulos de
ensino (estgio de regncia) cabem os seguintes comentrios:
ainda no primeiro semestre de 2005 (stimo termo), os
licenciandos e o professor responsvel pela disciplina de prtica
de ensino de Fsica definiram que os mdulos de ensino, que, na
ocasio, vinham sendo elaborados, constituiriam um curso de
extenso a ser oferecido pela UNESP para uma determinada
82

der Pires de Camargo

escola da rede regular de ensino de Bauru. Esse curso de


extenso, segundo os licenciandos e o docente responsvel pela
disciplina, deveria, a priori, abordar a Fsica de uma maneira
distinta das que normalmente so oferecidas nas escolas, ou seja,
o enfoque conceitual deveria sobressair ao enfoque centrado no
formalismo sem significado e desmotivante que caracteriza boa
parte dos cursos de Fsica ministrados nos estabelecimentos de
ensino pblicos ou privados. O nome O outro lado da Fsica
procurou sintetizar a inteno e os objetivos mencionados para o
curso, e surgiu de um consenso entre os licenciandos e o
professor responsvel pela disciplina de prtica de ensino de
Fsica. Posteriormente, definiu-se a instituio pblica de
ensino, Colgio Tcnico Industrial Prof. Isaac Portal Roldn,
- CTI- localizado na cidade de Bauru SP, como o local onde o
curso seria aplicado.
No incio do segundo semestre de 2005 (oitavo termo),
aps conversas com a direo do CTI e com a sua autorizao
para a realizao do curso, os licenciandos comearam a
divulg-lo, junto aos alunos da mencionada instituio. O CTI
oferece em nvel de ensino mdio, cursos tcnicos de mecnica,
eletrnica e processamento de dados. O acesso a esses cursos
d-se por meio de exames de seleo realizados pela VUNESP.
Portanto, estudam, nessa instituio, alunos da cidade e da
regio de Bauru com Idade Mdia de 15 anos, aprovados em
exame de seleo previamente realizado. O nmero de vagas
definidas para a participao desses alunos, no curso O outro
lado da Fsica, foi de trinta e cinco, sendo que o nmero de
alunos inscritos foi de, aproximadamente, setenta. A escolha dos
trinta e cinco participantes deu-se por sorteio.
Paralelamente ao processo de divulgao descrito, o
pesquisador (autor desse livro) com o consentimento do
professor responsvel pela disciplina de prtica de ensino de
Fsica, entrou em contato com a Escola Estadual Mercedes P.
Bueno, tambm localizada na cidade de Bauru SP, para
83

Cap. III A formao de professores de fsica

convidar alunos com deficincia visual a participarem do curso


anteriormente mencionado. A escola Mercedes foi procurada,
pois, no CTI, no existiam alunos com deficincia visual
matriculados. Essa escola possui uma sala de recursos
pedaggicos que, dentre tantas funes, procura atender s
necessidades educacionais especiais de alunos com deficincia
visual oriundos de escolas da regio de Bauru, como, por
exemplo, o ensino do Braile ou a transcrio de textos ou provas
em Braile. Dois alunos com deficincia visual freqentadores da
sala de recursos da mencionada escola interessaram-se em
participar do curso O outro lado da Fsica. Esses alunos na
ocasio possuam as seguintes caractersticas em relao
deficincia visual e escolaridade: ambos eram cegos, um
possua 15 anos de idade e cursava a 8 srie do ensino
fundamental (atual nona srie), e o outro possua 34 anos e
cursava a 7 srie do ensino de jovens e adultos. Portanto, os
trinta e cinco alunos do CTI e os dois alunos com deficincia
visual freqentadores da sala de recursos pedaggicos da Escola
Estadual Mercedes P. Bueno foram os participantes do curso O
outro lado da Fsica. Dessa forma, constituiu-se um ambiente
de ensino de Fsica que se assemelha s classes da rede regular
de ensino que contemplam tanto a presena de alunos com
deficincia visual quanto de alunos videntes; nesse tipo de
ambiente, os licenciandos, por meio do estgio de regncia,
depararam-se, do ponto de vista prtico, com a problemtica do
ensino de Fsica e da deficincia visual.
A ordem dos temas dos mdulos de ensino que foram
aplicados no CTI foi a seguinte: (1) ptica, (2)
Eletromagnetismo, (3) Mecnica, (4) Termologia e (5) Fsica
Moderna. Essa ordem seguiu uma seqncia distinta das
geralmente encontradas nos planos de ensino das escolas ou nos
livros didticos. A definio pela ordem apresentada deu-se
pelos licenciandos por critrios subjetivos como vontade, medo,

84

der Pires de Camargo

timidez, etc, para aplicar, inicialmente, ou mais ao fim, os


mdulos de ensino.
Observa-se tambm que, ao final da aplicao de cada
mdulo de ensino, realizava-se uma atividade que foi
denominada reflexo-ao e que, a grosso modo, representava
um encontro de todos os grupos com o docente de prtica de
ensino para a realizao de discusses acerca do mdulo que
havia terminado de ser aplicado. Explicitar-se-o, na seqncia,
as principais caractersticas tericas do modelo de formao de
professores utilizado no curso de prtica de ensino de Fsica da
UNESP-Bauru. Destaca-se que a atividade de reflexo-ao
encontra-se fundamentada em tal modelo.
Como aponta ZEICNHER (1993), com o objetivo de
combater as concepes vinculadas idia de racionalidade
tcnica que compreendem as funes docentes como funes
estritamente tcnicas de cumprimento de normas definidas
externamente ao ambiente de ensino escolar, surgiu a idia de
professor reflexivo. Sendo um referencial para as novas
tendncias de formao de professores, a atividade reflexiva,
nos dias de hoje, vem, ao menos no plano terico, constituindose como o modelo mais utilizado por pesquisadores, formadores
de professores e educadores (GARCA, 1992). Todavia, como
indica GARCA (op. cit.), Donald Schn considerado um dos
autores de maior destaque na divulgao do conceito de
atividade reflexiva. Esse autor definiu o conceito de reflexo-naao, como o processo mediante o qual os profissionais
aprendem partindo da anlise e interpretao da sua prpria
atividade, destacando que a docncia uma profisso em que a
prpria prtica conduz necessariamente criao de um
conhecimento especfico e ligado ao, que s pode ser
adquirido atravs do contato com a prtica, pois se trata de um
conhecimento tcito, pessoal e no sistemtico (GARCA, op.
Cit., p. 60).

85

Cap. III A formao de professores de fsica

O conceito de reflexo-na-ao faz parte de um conjunto


de trs elementos, a saber: (1) conhecimento-na-ao; (2)
reflexo-na-ao; (3) reflexo sobre a ao e sobre a reflexona-ao. Na seqncia, apresentam-se convergncias entre as
atividades realizadas pelos licenciandos e o modelo de professor
reflexivo.
Conhecimento-na-ao
Esse elemento refere-se utilizao no campo terico
(planejamento) e/ou prtico (aplicao de atividades) do
conjunto de conhecimentos construdos pelo licenciando ao
longo de seu curso de Fsica como os conhecimentos cientficos
e os conhecimentos pedaggicos. Refere-se especificamente a
um conjunto de saberes que norteia ou serve de referencial ao
planejamento e desenvolvimento inicial de prticas pedaggicas.
Estrutura tanto as aes iniciais docentes revelando intenes
pessoais, planejamentos acerca do como agir, bem como,
objetivos a atingir. No contexto do curso de prtica de ensino,
refere-se s influncias no planejar e no aplicar os mdulos de
ensino provenientes de momentos de observao de modelos de
aulas de Fsica (estgio de observao), e de momentos de
discusses tericas realizadas no stimo termo sobre
conhecimentos do ensino de Fsica, como, por exemplo, respeito
s concepes alternativas dos alunos, uso da histria das
cincias no ensino de cincias, contextualizao do ensino de
Fsica s relaes cincias, tecnologia e sociedade, ensino de
Fsica e deficincia visual etc.
Reflexo-na-ao:
Esse elemento refere-se a momentos de reflexes
realizadas pelos licenciandos enquanto aplicavam seus mdulos
de ensino. Caracteriza-se pelo enfrentamento de situaes no
planejadas, pela necessidade de tomada de decises, pela
reformulao no momento da prtica de aes anteriormente
86

der Pires de Camargo

planejadas, pela crtica pessoal de prticas consideradas


adequadas, etc. Em outras palavras, esse elemento representa a
reflexo docente mediante situaes conhecidas e
desconhecidas, esperadas e inesperadas, as quais impem ao
professor a necessidade de mudana ou de continusmo e que
produzem o questionamento de seu conjunto de conhecimentos
docentes prvios.
Reflexo sobre a ao e sobre a reflexo-na-ao
Ocorria aps a aplicao das atividades (mdulos de
ensino). Caracterizam-se pelas reflexes realizadas pelos
licenciandos acerca da ao prtica de aplicao dos mdulos de
ensino e acerca da reflexo realizada durante momentos da
aplicao dos mdulos de ensino. No contexto do curso de
prtica de ensino de Fsica aqui considerado, essa atividade foi
denominada de reflexo-ao. Sua realizao dava-se na aula
subseqente ao trmino de um determinado mdulo de ensino.
Seu desenvolvimento obedecia aos seguintes procedimentos:
a) Como as atividades de ensino de Fsica no CTI eram
filmadas, para cada mdulo de ensino, oito episdios, de
aproximadamente cinco minutos de durao, eram selecionados
pelo pesquisador e pelo docente de prtica de ensino. Essa
seleo era direcionada pelo pesquisador e pelo docente de
acordo com interesses pr-estabelecidos. Os temas que serviam
de parmetro para a escolha dos episdios eram os seguintes:
ensino de Fsica e deficincia visual, concepes alternativas,
histria da cincia no ensino de cincias, as relaes CTS, e o
uso de analogias no ensino de Fsica. Dessa forma, o
pesquisador e o docente procuravam escolher episdios de
ensino considerados por eles polmicos e que, na medida do
possvel, abordavam os temas descritos. Os episdios relativos
ao ensino de Fsica e deficincia visual procuraram trazer
reflexo e discusso situaes de alternativas ou dificuldades
de ensino de Fsica que envolviam as relaes: docente e aluno
87

Cap. III A formao de professores de fsica

com deficincia visual; aluno com deficincia visual e aluno


vidente; e aluno com deficincia visual e contedo ensinado;
b) Aps a seleo de episdios de ensino, os trechos de
vdeo gravados eram apresentados aos licenciandos que
dispunham de um tempo aproximado de trinta minutos para a
observao, anlise e discusso de cada um deles. Os
licenciandos, ao reverem a participao pessoal ou de um
colega, refletiam e discutiam sobre a ao prtica, e sobre a
reflexo realizada durante a ao prtica. Nesse momento,
portanto, justificativas, argumentaes, pensamentos, reflexes,
vinham tona e passavam por um processo analtico
questionador por parte do grupo de licenciandos.
Dessa forma, ao proporcionar momentos de reflexo
entre a aplicao dos mdulos de ensino, externaram-se
expectativas, dificuldades e alternativas encontradas pelos
licenciandos antes e durante a elaborao e aplicao dos
mdulos de ensino. Procurou-se tambm influenciar as
caractersticas das atividades a serem posteriormente aplicadas
no sentido da busca de alternativas para a superao das
dificuldades encontradas junto ao ensino de Fsica e da
deficincia visual.
No prximo captulo, a anlise dos planos de ensino
elaborados ser apresentada. Dessa forma, objetiva-se dispor ao
leitor as dificuldades e viabilidades encontradas pelos futuros
professores durante a atividade de planejamento de atividades de
ensino de fsica a alunos com e sem deficincia visual.

88

der Pires de Camargo

Captulo IV

O planejamento de atividades de ensino de


fsica para alunos com e sem deficincia visual:
dificuldades e alternativas

IV. I. Os dados analisados


A partir da temtica introduzida, no captulo III,
apresentam-se e discutem-se as principais dificuldades e
alternativas encontradas por futuros professores de Fsica,
submetidos num processo de planejamento de atividades de
ensino de ptica, eletromagnetismo, termologia, mecnica e
fsica moderna, adequadas a priori participao de alunos
com e sem deficincia visual. Observa-se que os procedimentos
descritos fizeram parte da constituio dos dados de um projeto
de pesquisa de ps-doutorado concludo (CAMARGO, 2006).
Retomando o que se havia discutido, no tpico III.III, no
incio da disciplina Prtica de Ensino de Fsica, os alunos
dividiram-se aleatoriamente em cinco grupos de acordo com os
temas fsicos j apresentados. Foi solicitado que cada grupo
planejasse um mdulo de ensino de 16 h adequados
participao de alunos com e sem deficincia visual. No stimo
encontro da disciplina, os grupos foram solicitados para que
esquematizassem e apresentassem, por meio de um debate, a
89

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

estrutura prvia de seus minicursos, e as dificuldades e


alternativas que estavam surgindo em relao problemtica
dos alunos com deficincia visual (primeira fonte de dados). Ao
final do semestre, cada grupo entregou um planejamento escrito
de seus minicursos (segunda fonte de dados). Para elaborarem
os planos, os grupos receberam um modelo de plano de curso
que continha os seguintes tpicos: Tema, Objetivos, Contedo
Programtico, Metodologia de Ensino, Recursos de Ensino,
Introduo ou Justificativa, Desenvolvimento e Critrios de
Avaliao da Aprendizagem. Os tpicos descritos objetivaram
nortear e organizar a elaborao dos planos, como tambm,
identificar junto aos licenciandos, suas prioridades educacionais,
suas dificuldades, suas estratgias para superarem as
dificuldades, suas metodologias de ensino e seus critrios de
avaliao. Em outras palavras, sups-se, a priori, que o debate
realizado (primeira fonte de dados), bem como, o planejamento
das atividades (segunda fonte de dados) poderiam revelar os
pensamentos prvios dos licenciandos sobre processos de
ensino, e de como tais deveriam ser estruturados tendo em vista
uma adequada prtica de ensino de Fsica para alunos com e sem
deficincia visual.

IV.II. Categorias para anlise dos planos de


ensino e do debate
A partir dos critrios estabelecidos para a realizao de
uma anlise temtica (Pr-anlise; Explorao do material;
Tratamento dos resultados e Interpretao) (BARDIN, 1977) e
do conjunto de declaraes dos licenciandos provenientes das
fontes de dados 1 e 2, elaboraram-se cinco categorias de
anlise que sintetizam os contedos enfocados pelos grupos, a
estrutura geral das atividades de ensino, as dificuldades e
90

der Pires de Camargo

alternativas encontradas e as justificativas dessas dificuldades e


alternativas.
Enfoque conceitual
Refere-se ao enfoque que os conceitos e os fenmenos
fsicos receberam dos licenciandos por ocasio do planejamento
das atividades de ensino:
1) Relativo ao conceito/fenmeno fsico: refere-se
explicitao do conceito/fenmeno enfocado.
2) Relativo s concepes alternativas: refere-se s
preocupaes relativas ao tratamento de concepes alternativas
dos alunos.
3) Relativo Histria e Filosofia da Cincia: refere-se
s preocupaes com o enfoque da Histria e/ou da Filosofia da
Cincia por ocasio do tratamento dos conceitos fsicos.
4) Relativo Cincia Tecnologia e Sociedade: refere-se
s preocupaes com o enfoque de questes relativas s relaes
CTS.
5) Relativo ao vestibular: refere-se ao enfoque dos
contedos visando ao vestibular.
Recursos instrucionais
Refere-se aos recursos instrucionais ou meios de ensino
planejados para serem utilizados pelos licenciandos na
organizao e na conduo de suas atividades. Como indica
Libneo (1994), os recursos instrucionais so os meios e/ou
materiais que auxiliam o docente na organizao e conduo do
processo de ensino e aprendizagem. Enquadram-se no conceito
de recursos instrucionais, equipamentos de multimeios, textos,
trabalhos experimentais, computador, recursos da localidade
como biblioteca, museu, indstria, alm de modelos de objetos e
situaes (LIBNIO, op. Cit.).
Obs: Multimeios (recursos audiovisuais ou meios
multissensoriais) so veculos para se comunicar uma idia,

91

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

questes, imagem, udio, informao ou um contedo qualquer


(PARRA e PARRA, 1985).
1) Utilizao de multimeios visuais: Exemplo: quadronegro, cartazes, fotografias, figuras, mapas, transparncias,
simulao computacional, visualizao computacional, data
show etc.
2) Utilizao de multimeios auditivos: Exemplo: rdio,
disco, cd, fita magntica, computador, etc.
3) Utilizao de multimeios audiovisuais: Exemplo:
televiso, vdeo, DVD, simulao computacional.
4) Utilizao de material ttil e/ou tatilvisual.
Enquadram-se na conceituao desses materiais, maquetes e
objetos que, alm de poderem ser vistos, tambm podem ser
tocados e manipulados. Esses materiais referem-se a
equipamentos que estabelecem interfaces ttil e/ou tatilvisual
entre o contedo a ser informado e o receptor da informao. De
forma especfica, representam materiais desenvolvidos,
adaptados ou obtidos pelos licenciandos para o estabelecimento
de comunicaes tteis entre um determinado contedo e os
alunos com deficincia visual, ou comunicaes tatilvisual entre
um determinado contedo e alunos videntes. Nesse sentido,
representam uma extenso do conceito de multimeio,
especificamente ao encontrado em Parra e Parra (op. Cit.) que
restringe a referida conceitualizao aos equipamentos de
interfaces audiovisuais.
Estratgia metodolgica
Refere-se s estratgias metodolgicas de ensino
planejadas pelos licenciandos para o tratamento pedaggico do
enfoque conceitual dos contedos. Procura explicitar relaes
entre docente, discente e conceito fsico que podem ocorrer
durante um processo de ensino. Encontram-se contidos, nessa
categoria, os procedimentos metodolgicos de apresentao,
desenvolvimento e avaliao dos conceitos tratados pelos
92

der Pires de Camargo

licenciandos durante o planejamento de suas atividades de


ensino de Fsica.
1) Estratgia metodolgica diretiva/passiva: refere-se a
procedimentos de ensino cujo foco encontra-se em aes
docentes diretivas como aulas expositivas, demonstraes
experimentais ou tericas, controle de comportamentos,
avaliao buscando verificaes e classificaes. Tais
procedimentos vinculam a participao discente em sala de aula
a aes como recepo e observao passiva dos contedos e
fenmenos expostos ou demonstrados, seguimento de
instrues, no elaborao e apresentao de hipteses, pouca
ou nenhuma interatividade com o docente e com os colegas
discentes. Portanto, as relaes entre docente, discente e
conceito fsico que se estabelecem, por meio dessa estratgia
metodolgica, so fechadas, individuais, unilaterais e de cima
para baixo.
2) Estratgia metodolgica dialgica/participativa:
refere-se a procedimentos de ensino cujo foco encontra-se na
participao reflexiva do discente durante a aula. No decorrer do
processo de ensino, aes como elaborao e exposio de
hipteses,
argumentaes,
defesas
de
hipteses,
questionamentos, reformulaes, busca de solues a problemas,
fundamentam a relao entre docente, discente e contedo de
ensino. A avaliao entendida como formativa, e no como
reprodutora, classificatria. Ao docente cabe coordenar aes
desenvolvidas em aula como exposies dialogadas,
experimentos investigativos, debates, grupos, discusses,
snteses e organizao de diferentes idias, alm de apresentar
questionamentos, modelos, situaes-problema abertas e
estruturas conceituais melhores elaboradas (GIL-PERES et. al.
1999).

93

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Justificativa
Sintetiza justificativas apresentadas pelos grupos de
licenciandos acerca de dificuldades e alternativas explicitadas
por eles para o planejamento das atividades de ensino de Fsica,
dificuldades e alternativas que podem ou no estar relacionadas
problemtica do ensino de Fsica e da deficincia visual. Tais
justificativas so as seguintes:
1) Dependncia da viso: refere-se s justificativas que
vinculam o estudo de um determinado conceito/fenmeno, a
utilizao de um determinado recurso instrucional ou de uma
estratgia metodolgica viso.
2) Independncia da viso: refere-se s justificativas que
desvinculam o estudo de um determinado conceito/fenmeno, a
utilizao de um determinado recurso instrucional ou estratgia
metodolgica da viso.
3) Sem relao com a viso: refere-se s justificativas
para o tratamento educacional de um determinado
conceito/fenmeno, ou para a utilizao de um determinado
recurso instrucional ou de uma determinada estratgia
metodolgica que no esto ligadas diretamente com a
dependncia ou independncia visual.
Implicao
Refere-se s implicaes decorrentes do tratamento
educacional de determinados conceitos fsicos ou do uso de
determinado recurso instrucional ou estratgia metodolgica
planejada para ser utilizada pelos licenciandos. As implicaes
identificadas so as seguintes.
1) Implica dificuldade: refere-se s dificuldades de
ensino contidas de forma explcita nas declaraes dos
licenciandos.
2) Pode implicar dificuldade: refere-se s interpretaes
do pesquisador sobre possveis dificuldades de ensino
decorrentes do tratamento educacional de um determinado
94

der Pires de Camargo

conceito/fenmeno fsico, da utilizao de um determinado


recurso instrucional ou estratgia metodolgica.
3) Implica alternativa: refere-se s alternativas de ensino
contidas de forma explcita nas declaraes dos licenciandos.
4) Pode implicar alternativa: refere-se s interpretaes
do pesquisador sobre possveis alternativas de ensino
decorrentes do tratamento educacional de um determinado
conceito/fenmeno fsico, da utilizao de um determinado
recurso instrucional ou estratgia metodolgica.
Buscando uma sntese, a lgica geral de dificuldades
e/ou alternativas que se busca identificar nas declaraes e nos
planos de ensino a seguinte: o enfoque de determinado
contedo conceitual e/ou a utilizao de determinado recurso
instrucional ou estratgia metodolgica devido "dependncia
ou independncia da viso ou outra justificativa qualquer"
implica "dificuldade ou alternativa" para o ensino desse
contedo/fenmeno e/ou para a utilizao desse recurso
instrucional ou estratgia metodolgica para alunos com
deficincia visual.
Na seqncia, apresenta-se a anlise dos dados de acordo
com as categorias elaboradas.

IV.III. Anlise dos dados


A anlise dos dados encontra-se fundamentada em
declaraes dos licenciandos provenientes das duas fontes de
dados.
Observa-se que as declaraes encontram-se
fragmentadas e enumeradas, e a estrutura de apresentao das
mesmas no obedece a uma seqncia cronolgica de
acontecimento. A apresentao das declaraes feita a partir
da classificao contida na categoria 5. Observa-se tambm que
cada declarao identificada por uma das siglas (d) ou (p) que
95

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

significam, respectivamente, que uma determinada declarao


proveniente do debate ou do plano de ensino.
A anlise ser realizada tendo em vista a separao dos
grupos de licenciandos em dois outros grupos, a saber: grupos
de licenciandos que apresentaram explicitamente dificuldades e
alternativas inerentes ao ensino de Fsica para alunos com
deficincia visual
(grupo 1:
ptica, grupo 2:
Eletromagnetismo, grupo 3:
Termologia); grupos de
licenciandos que no apresentaram explicitamente dificuldades
e/ou alternativas para o ensino de Fsica para alunos com
deficincia visual (grupo 4: Mecnica, grupo 5: Fsica
Moderna).
Grupos que explicitaram preocupaes com a problemtica
do ensino de Fsica e da deficincia visual
Anlise do Grupo de ptica
Os quatro quadros seqentes contm declaraes dos
licenciandos provenientes do debate e do plano de ensino de
ptica.

96

der Pires de Camargo

Quadro 1: Dificuldades para o planejamento das atividades de ptica


Declaraes
1 (d) Para ns a
principal
dificuldade est
sendo introduzir
um curso como
ptica
que
depende de um
conhecimento
visual para um
tipo de aluno
que
desconhecemos.
2 (d) Na parte
de luz, sombra e
cores a gente
no
tem
o
experimento
que
trabalhe
com o deficiente
visual, a gente
est pensando, e
essa parte est
meio
complicada.

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolg
ica

Justificativ
a

Impli
cao

Relativo ao
conceito
cientfico
(ptica)

No
mencionado

No
mencionad
a

Dependnc
ia da viso

Impli
ca
dificu
ldade

Relativo ao
conceito
cientfico
(luz, sombra
e cores)

No
mencionado

Realizao
de
experiment
o

Dependnc
ia da viso

Impli
ca
dificu
ldade

O grupo 1 apresenta, em duas declaraes, suas


dificuldades para o planejamento de atividades de ensino de
ptica para alunos com deficincia visual (declaraes 1 e 2).
Como mostram as trs assertivas seqentes, os licenciandos
fundamentaram suas dificuldades na dependncia da viso.
(1)
Dependncia
entre
o
conhecimento
de
conceitos/fenmenos pticos e a viso (declarao 1).
(2) Elaborao de experimentos sobre os conceitos de
sombra, luz e cores independentes da observao visual
(declarao 2).
(3) Desconhecimento do aluno com deficincia visual
(declarao 1).
97

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

possvel que, ao se depararem com a problemtica do


planejamento de atividades de ensino de ptica para alunos com
deficincia visual, os licenciandos tenham se envolvido com
questes como: Se o aluno no enxerga, como eu vou ensinar
para ele o que luz? Como eu vou montar um experimento para
que ele compreenda o que sombra? Como ele vai saber o que
so as cores? A observao das declaraes seqentes pode
exemplificar este argumento: a principal dificuldade est sendo
introduzir um curso como ptica que depende de um
conhecimento visual (declarao 1) A parte de luz, sombra e
cores a gente no tem o experimento para o deficiente visual, a
gente est pensando, mas essa parte est meio complicada
(declarao 2).
As dificuldades apresentadas nas duas primeiras
assertivas podem estar centradas no desconhecimento das
potencialidades e limitaes que caracterizam de fato uma
pessoa com deficincia visual. Esse desconhecimento no
neutro e, em geral, revestido de conceitos mticos sobre a
deficincia visual. Tal desconhecimento tambm se fundamenta
em conceitos extremos, tais como, o da dependncia e
incapacidade total do deficiente visual, e o da supervalorizao
dessas pessoas como portadoras de um sexto sentido inatingvel
aos videntes (MASINI, 2002). A declarao (1) explicita esse
desconhecimento: Para ns a principal dificuldade est sendo
introduzir um curso como ptica que depende de um
conhecimento visual para um tipo de aluno que
desconhecemos.
Portanto, esse desconhecimento acerca da deficincia
visual, em conjunto com as relaes conhecer, ensinar e ver
fenmenos pticos, coloca o aluno com deficincia visual numa
posio de dupla dificuldade em relao ao aluno vidente,
primeiro porque as aes educacionais planejadas para o ensino
de ptica so compreendidas e elaboradas tendo como pano de
fundo a dependncia da viso, e segundo porque o
98

der Pires de Camargo

conhecimento acerca do aluno com deficincia visual pode estar


revestido de aspectos que valorizam ou desconsideram em
extremo suas reais potencialidades.

99

Enfoque conceitual

Relativo ao
conceito cientfico
(Cor, sombra e
penumbra)
Relativo ao conceito
cientfico (reflexo
da luz e formao de
imagens)
Relativo ao conceito
cientfico (formao
de imagens em
espelho esfrico)
Relativo ao
conceito cientfico
(ver coluna
anterior)

Relativo ao
conceito cientfico
(defeitos da viso,
vergncia e lentes
corretivas)
Relativo ao
conceito cientfico
(defeitos da viso,
vergncia, lentes
corretivas)

Declaraes

3 (p) Cor de um corpo, sombra e


penumbra (...) giz, lousa

4 (p) Espelhos planos, espelhos


esfricos, formao de imagens (...)
lousa, diversos experimentos com
espelhos
5 (p) Posteriormente, com uma
explicao oral e a lousa, explicaremos
a formao das imagens em espelhos
esfricos.
6 (p) Definio de refrao da luz, ndice
de refrao, leis da refrao, ngulo
limite, prisma e a disperso da luz, arcorias, lentes e seus elementos, construo
de imagens (...) giz, lousa, lentes, laser

100
7 (p) Faremos o estudo citado
utilizando algumas equaes para
descrever qual o tipo de lente e qual
sua vergncia para corrigir determinada
anomalia da viso.
8 (p) Executaremos alguns testes
prticos para confirmar as previses
tericas.

Demonstrao de
experimentos

No
mencionado

Sem relao
com a viso

Sem relao
com a viso

Sem relao
com a viso

Aula expositiva (oral)


demonstrao
(visual)

Demonstrao de
equaes

Sem relao
com a viso

Realizao
de
experimento
s

No
mencionado

Sem relao
com a viso

No
discriminada

Sem relao
com a viso

Justificativa

Estratgia
metodolgica

No
mencionada

Multimeios
visuais

Multimeio
visual

Multimeios
visuais

Multimeios
visuais

Recurso
instrucional

Pode
implicar
dificuldade

Pode
implicar
dificuldade

Pode
implicar
dificuldade

Pode
implicar
dificuldade

Pode
implicar
dificuldade
s

Pode
implicar
dificuldade

Implicao

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Quadro 2: Possvel implicao de dificuldades para o planejamento de


atividades de ptica

der Pires de Camargo

As declaraes apresentadas, no quadro 2, pelos motivos


seqentes,
foram interpretadas como contendo possveis
dificuldades para o ensino de conceitos pticos aos alunos com
deficincia visual:
1) Consideram a utilizao de multimeios visuais sem
explicitarem uma articulao entre esses recursos instrucionais e
aspectos relacionados s estratgias metodolgicas (declaraes
3, 4, 5 e 6), aspectos que pudessem indicar uma superao das
limitaes impostas pela dependncia da viso que se estabelece
na relao entre discente com deficincia visual e comunicao
dos contedos por meio dos recursos instrucionais visuais. As
estratgias metodolgicas, quando indicadas, vinculam a
utilizao de multimeio visual a prticas demonstrativas ou
expositivas (estratgias diretivas/passivas), isto , a uma
comunicao oral/visual interdependente, a qual pode
representar uma linguagem sem significado quando o receptor
da mesma encontra-se impossibilitado de perceber uma de suas
faces (declaraes 4 e 5).
2) Consideram o trabalho com linguagem matemtica
(declarao 7) e com experimentao (declarao 8), a partir de
uma estratgia metodolgica demonstrativa (diretiva/passiva),
sem uma explicitao clara das relaes entre a estratgia
considerada e recursos instrucionais no-visuais. Dessa forma,
demonstrar idias fsicas, por meio de linguagem matemtica,
bem como, experimentos, sem uma perspectiva desvinculadora
entre a demonstrao e a observao visual, implicar muito
provavelmente em dificuldades de ensino.

101

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Quadro 3: Alternativas para o planejamento das atividades de ptica


Declarao
9 (d) Para o deficiente
visual no caso da
reflexo em espelhos a
gente pensa em fazer
maquetes para que eles
possam sentir o que est
acontecendo,
10 (d) Para o deficiente
visual na parte de
reflexo a gente pensou
em contar para ele: o que
voc acha quando a
gente coloca o lpis
dentro da gua? E depois
contar para ele o que est
acontecendo: para
quem enxerga v o lpis
torto, porque voc acha
que ele est torto? Ento
voc conta para ele como
uma pessoa enxerga e
depois voc questiona
ele porque as pessoas
enxergam assim
11 (p) Cor de um corpo,
sombra e penumbra (...)
ventilador, maquetes
com materiais do
cotidiano e simulaes
que dem sensaes
tteis sobre esses temas,
12 (p) atravs de uma
aula praticamente
experimental,
explicaremos os
processos de refrao
enfatizando a mudana
de velocidade da luz, ao
atravessar meios
diferentes, atravs de
experimentos e maquetes
com o intuito de facilitar
o toque do material pelos
deficientes visuais.

Enfoque
conceitual
Relativo ao
conceito
cientfico
(Reflexo
em
espelhos)

Recurso
instrucional
Material ttil
e/ou
tatilvisual

Estratgia
metodolgica
Aula
expositiva
(ttil)

Justificativa

Implicao

Independncia da viso

Implica
alternativa

Relativo ao
conceito
cientfico
(refrao
da luz)

Material ttil
e/ou
tatilvisual

Trabalho
com
situaesproblema

Independncia da viso

Implica
alternativa

Relativo ao
conceito
cientfico
(cor,
sombra e
penumbra)

Material ttil
e/ou
tatilvisual

No
mencionada

Independncia da viso

Implica
alternativa

Relativo ao
conceito de
refrao da
luz

Material ttil
e/ou
tatilvisual

Aula
experimental,
demonstrao
tatilvisual

Independncia da viso

Implica
alternativa

102

der Pires de Camargo

Os licenciandos apresentaram, por meio de quatro


declaraes, suas alternativas para o ensino de ptica para
alunos com deficincia visual. Dessas quatro declaraes, duas
esto relacionadas com o conceito de refrao (declaraes 10 e
12 ), uma com o conceito de reflexo (declarao 9), e uma
outra com os conceitos de luz, cor e sombra (declarao 11).
Essas alternativas, do ponto de vista dos recursos instrucionais,
encontram-se fundamentadas na utilizao de material ttil e/ou
tatilvisual. J do ponto de vista das estratgias metodolgicas, as
alternativas encontram-se fundamentadas na exposio ou
demonstrao ttil/oral dos conceitos pticos representados nas
maquetes ou objetos tteis (declaraes 9 e 12) e no trabalho
com situaes-problema (declarao 10). Observa-se que a
declarao 11 no apresenta de forma explcita a estratgia
metodolgica a ser empregada no ensino dos conceitos de luz,
sombra e cores.
Para o conjunto dos fenmenos pticos mencionados, o
foco dos problemas de ensino parece residir na relao
conhecer/ver. Nesse sentido, o ensino dos fenmenos reflexo
da luz, refrao da luz e luz, sombra e cores, por possuir certa
dependncia da observao visual, representou uma situao
educacional problemtica. No obstante, a soluo encontrada
pelos licenciandos para tal situao fundamentou-se na
desvinculao desses fenmenos da observao visual e
posterior vinculao a referenciais tteis e auditivos e a
interaes sociais. Em outras palavras, as alternativas para o
ensino de ptica a alunos com deficincia visual centraram-se na
busca de solues ao problema da relao entre conhecer
fenmenos pticos e ver esses fenmenos. Para tanto, os
licenciandos tiveram que fazer uma suposio de que possvel
dicotomizar a mencionada relao. Apresentaram ento as
seguintes propostas: no caso da reflexo em espelho a gente
pensa em fazer maquetes para que eles possam sentir o que est
acontecendo (declarao 9) e na parte de refrao contar para
103

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

ele como uma pessoa enxerga e depois voc pergunta para ele
porque as pessoas enxergam assim (declarao 10). Nesse
sentido, a relao problema educacional/busca de alternativas
poderia ser sintetizada pelos significados contidos nas
declaraes de 9 a 12. Refrao: contar o que est acontecendo
(...) questionar o porqu de as pessoas enxergarem assim
(declarao 10); experimentos e maquetes (...) facilitar o toque
pelos deficientes visuais (declarao 12). Reflexo: fazer
maquetes (...) sentir o que est acontecendo (declarao 9); Cor
sombra e penumbra: materiais que dem sensaes tteis
(declarao 11).
As referidas propostas so inovadoras, criativas,
possuem um carter ativo de busca de solues e de no
atribuio de responsabilidades. Centram-se nas aes ativas de
fazer maquetes (declarao 9) de contar para ele e
perguntar para ele (declarao 10), aes que possuem
finalidades explcitas de observao no visual (declarao 9) e
finalidades implcitas de conhecer e questionar o que o aluno
com deficincia visual pensa, para a partir disso, realizar aes
educacionais
futuras
(declarao
10)
estratgia
dialgica/participativa.
Em linhas gerais, as alternativas apresentadas pelos
licenciandos indicam suas preocupaes com a questo da
viabilidade da utilizao de interfaces no visuais entre o sujeito
que conhece e o objeto de conhecimento, mesmo que este objeto
venha sendo relacionado diretamente com interfaces visuais.
Indicam tambm suas preocupaes com o conhecimento
construdo por uma pessoa com deficincia visual acerca de
fenmenos no observados visualmente por elas. A explicitao
desse tipo de conhecimento de fundamental importncia para o
ensino de contedos de ptica a alunos com a citada deficincia.

104

der Pires de Camargo

Quadro 4: Possibilidade de implicao de alternativas para o planejamento


de atividades de ptica
Declarao
13 (d) Trabalhar tambm
com questo de microscpio,
telescpio, fibra ptica seria
interessante.
14 (d) Vamos falar como
aconteceu a parte histrica da
compreenso de luz.
15 (p) Para explicar a
reflexo da luz, adotaremos
uma dinmica em grupo com
atividades experimentais e
debates levando os alunos a
uma construo de
conhecimento.
16 (p) A aula inicia-se com
uma questo aberta: a que
distncia nossa imagem no
espelho est de ns? Em
seguida, proposto um
experimento e para a sua
execuo a sala ter que ser
dividida em grupos de seis
integrantes; aps o
experimento, acontece um
pequeno debate onde so
reforados os conhecimentos
e corrigidos pequenos erros.
Posteriormente, outra
questo proposta: por que
nos vemos apenas quando
estamos de frente com o
espelho? O que acontece
quando estamos um pouco
deslocados em relao
frente do espelho?
17(p) Utilizando uma
superfcie com pequenos
espelhos planos colados,
mostraremos as propriedades
de espelhos esfricos
utilizando experimentao.

Recurso
instrucio
nal

Estratgia
metodolgi
ca

No
mencionado

No
mencionada

No
mencionado

Aula
expositiva
(oral)

No
mencionado

Dinmica
de grupo,
atividade
experimental, debate

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
ao
conceito
cientfico
(formao
de
imagem)

No
mencionado

Dinmica
de grupo,
atividade
experimental, debate,
trabalho
com
situaesproblema

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
ao
conceito
cientfico
(espelhos
esfricos)

Material
ttil e/ou
ttilvisual

Experimen
tao e
demonstrao

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

Enfoque
conceitual
Relativo
cincia,
tecnologia
e sociedade
Relativo
histria da
cincia
(luz)
Relativo
ao
conceito
cientfico
(reflexo
da luz)

105

Justificat
iva
Sem
relao
com a
viso
Sem
relao
com a
viso

Implica
o
Pode
implicar
alternativa
Pode
implicar
alternativa

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica


18 (p) Definio de refrao
da luz, ndice de refrao,
leis da refrao, ngulo
limite, prisma e a disperso
da luz, arco-ris, lentes e seus
elementos, construo de
imagens (...) maquetes, copo,
gua, lixa, carrinho

Relativo
ao
conceito
cientfico
(refrao
da luz)

Material
ttil e/ou
ttilvisual

No
mencionada

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

19 (p) Iremos apresentar o


olho humano, atravs de uma
maquete, e analisar os
principais elementos
envolvidos no processo da
viso.

Relativo
ao
conceito
cientfico
(olho
humano,
processo
da viso)

Material
ttil e/ou
ttilvisual

Demonstra
o
(tatilvisual)

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

20 (p) Estudar e analisar os


processos envolvidos na
ptica da viso, atravs de
maquetes com materiais do
cotidiano e prticas
experimentais simples,
demonstrando as formas de
correo das anomalias da
viso.

Relativo
ao
conceito
cientfico
(ptica da
viso,
defeitos da
viso)

Material
ttil e/ou
ttilvisual

Realizao
de
experiment
os,
demonstra
o
(tatilvisual)

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
alternativa

As declaraes contidas no quadro 4 indicam possveis


alternativas ao planejamento de atividades de ensino de ptica
para alunos com deficincia visual. Tais declaraes foram
caracterizadas da forma seqente:
1) Enfoque conceitual: a declarao 13 aborda a relao
cincia, tecnologia e sociedade; a 14, um enfoque histrico do
conceito de luz, e as declaraes de 15 a 20, um enfoque
conceitual relativo aos seguintes conceitos pticos: reflexo da
luz (declarao 15), formao de imagem (declarao 16),
espelhos esfricos (declarao 17), refrao da luz (declarao
18) e olho humano, processos e defeitos da viso (declaraes
19 e 20).
2) Recursos instrucionais: as declaraes 17, 18, 19 e 20
referem-se utilizao de material ttil e/ou tatilvisual. As

106

der Pires de Camargo

declaraes 13, 14, 15 e 16 no apresentam recurso instrucional


a ser utilizado.
3) Estratgias metodolgicas: nessa categoria, as
declaraes podem ser classificadas como se segue: (a)
Estratgias metodolgicas diretivas/passivas: aula expositiva
oral (declarao 14), e utilizao de experimentao e
demonstrao tatilvisual (declaraes 17, 19 e 20), (b)
estratgias metodolgicas dialgicas/participativas: realizao
de dinmica de grupo, atividade experimental, debate, trabalho
com situaes-problema (declaraes 15 e 16).
As declaraes mencionadas no representam
explicitamente alternativas para o planejamento de atividades de
ptica para alunos com deficincia visual, pois no evidenciam a
justificativa da utilizao de determinado recurso instrucional ou
estratgia metodolgica como uma forma de tornar o ensino de
determinado fenmeno ptico independente da viso.
Entretanto, nas declaraes consideradas, as estratgias
metodolgicas e os recursos instrucionais podem, dependendo
da maneira como forem utilizados, desvincularem o ensino de
conceitos pticos da observao estritamente visual. Dessa
forma, as possibilidades de que as declaraes aqui analisadas
contenham alternativas so dadas pelos seguintes motivos
hipotticos:
Primeiro: Possvel desvinculao do processo de ensino
de conceitos/fenmenos pticos de recursos instrucionais
estritamente visuais. Por meio do planejamento da utilizao de
materiais tteis e/ou ttil-visuais, os licenciandos previram a
utilizao ou construo de equipamentos e maquetes cuja
finalidade seria o estabelecimento de interface no visual
(declaraes 17, 18, 19 e 20). Essa vinculao, em demasia
empregada nos cursos de Fsica, sobre o pretexto de que a
ptica caracteriza-se como um contedo visual, alm de buscar
tornar observvel visualmente muitos fenmenos no visuais,
simplifica e/ou distorce fenmenos e conceitos pticos ou
107

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

mesmo reduz a fsica ondulatria faixa visvel do espectro


eletromagntico. No se trata de negar a importncia da
observao visual na ptica, e sim de reconhecer que vrios
desses fenmenos no podem ser observados visualmente.
Algum j viu ftons, o comprimento de onda ou a freqncia
de um determinado raio de luz? possvel observar visualmente
a interao luz matria por ocasio da ocorrncia dos fenmenos
de reflexo e refrao da luz? Entretanto, desenham-se ftons,
elaboram-se simulaes computacionais visuais sobre
fenmenos como os considerados, traam-se retas na lousa com
a inteno de representar a trajetria retilnea de um raio de luz,
desenham-se ondas eletromagnticas tridimensionais em planos
bidimensionais. Tais aes dificultam consideravelmente o
acesso do aluno com deficincia visual aos fenmenos pticos
estudados e, como mencionado anteriormente, distorcem
conceitualmente alguns desses fenmenos.
Cabe destacar que os recursos instrucionais ttil-visuais
podem criar, entre vidente e deficiente visual, canais de
comunicao sobre o conceito ptico estudado. No possvel
concluir, de acordo com as declaraes aqui apresentadas, que
essa possibilidade teria ou no sido considerada pelos
licenciandos na ocasio da elaborao de seu plano de ptica. A
confirmao ou no do surgimento de tal veculo de
comunicao, portanto, dar-se- em situaes prticas onde
esses recursos estariam sendo utilizados. Entretanto, a questo
da comunicao ser melhor explorada na seqncia:
Segundo: A criao de canais de comunicao: entendese que um dos principais fatores geradores de dificuldades no
contexto do ensino de ptica para alunos com deficincia visual,
aquele relacionado com uma adequada comunicao. A
comunicao entre os participantes de um processo de ensino
fundamental e , por meio dela, que o docente busca tornar
acessvel o conhecimento e que se estabelecem padres
discursivos que podem proporcionar confronto de idias,
108

der Pires de Camargo

questionamentos, defesas de posicionamentos, elementos


centrais ao surgimento de conflitos cognitivos e reformulaes
conceituais (WHEATLEY, 1991).
Assim, uma adequada estratgia metodolgica,
articulada com recursos instrucionais no-visuais, fundamental
para o estabelecimento de comunicao entre vidente e
deficiente visual. a comunicao que permitir ao docente
apresentar fenmenos, demonstrar experimentos, questionar,
receber de seu aluno com deficincia visual suas impresses
acerca do fenmeno estudado, seus questionamentos, enfim, ,
por meio dela, que se estabelece a relao tridica entre docente,
discente e conhecimento cientfico, relao que caracteriza um
episdio de ensino (GOWIN, 1981). , por meio dela tambm,
que os alunos com e sem deficincia visual podero interagir
acerca dos conceitos pticos estudados.
Dessa forma, as declaraes 14, 15, 16, 17, 19 e 20, por
apresentarem idias que favorecem a criao de canais de
comunicao entre vidente e deficiente visual, foram
interpretadas como contendo possveis alternativas. Essas
declaraes foram classificadas de acordo com duas categorias
metodolgicas, ou seja, a categoria diretiva/passiva (declaraes
14, 17, 19 e 20), e a categoria dialgica/participativa
(declaraes 15 e 16).
Em linhas gerais, as estratgias metodolgicas
diretivas/passivas caracterizam-se por uma posio diretiva e de
controle por parte do docente, e por uma posio passiva e
receptiva por parte do discente. As declaraes, enquadradas
nessa categoria, fundamentam-se na exposio oral (declarao
14) e na demonstrao tatilvisual da representao dos
fenmenos pticos (declaraes 17, 19 e 20).
A declarao 14 no apresenta explicitamente os
recursos instrucionais que seriam utilizados.
Refere-se ao
enfoque da histria da compreenso de luz, o qual seria
apresentado de forma oral. Como hiptese, entende-se que essa
109

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

exposio oral da parte histrica, pode ter sido planejada devido


a dois motivos: (1) O fato de os licenciandos entenderem o
enfoque histrico da cincia como ilustrativo e no de acordo
com a abordagem dos problemas enfrentados por antigos
pesquisadores (CASTRO E CARVALHO, 1992). (2) A
estratgia de exposio oral dos fatos histricos no
representaria, a priori, uma dificuldade metodolgica em
relao aos alunos com deficincia visual. Esses fatores tm
como aspecto positivo a perspectiva da oralidade na abordagem
de contedos de Fsica, oralidade que coloca alunos com
deficincia visual e vidente em condies comunicacionais de
igualdade. Por outro lado, os fatores mencionados revelam uma
compreenso limitada do emprego da histria da cincia, no
ensino de Fsica, limitao que necessita ser superada.
J as declaraes 17, 19 e 20 apresentam a relao entre
recurso instrucional e estratgia metodolgica, relao que se
fundamenta na demonstrao ttil e/ou tatilvisual de
experimentos e maquetes e na independncia da observao
visual. Portanto, a lgica instrucional, contida nas declaraes
consideradas, pode ser descrita da seguinte maneira: (1)
pretende-se comunicar ou demonstrar um determinado contedo
ou fenmeno ptico; (2) o aluno receptor dessa comunicao ou
demonstrao no possui o sentido visual; (3) esse fato impede
que o mesmo observe tais comunicaes por meio da viso; (4)
constroem-se ou adaptam-se materiais que podem ser tocados e
manipulados; (5) apresentam-se esses materiais aos alunos com
deficincia visual e comunica-se ou demonstra-se o contedo ou
fenmeno pretendido. Essa lgica, embora fundamentada, numa
perspectiva metodolgica diretiva/passiva, pode representar
uma alternativa para o ensino de conceitos pticos para alunos
com deficincia visual, pois cria um canal de comunicao no
visual entre docente e discente com deficincia visual, o qual, se
bem usado pelo professor, pode produzir condies para a

110

der Pires de Camargo

ocorrncia de aprendizagens sobre conceitos pticos em alunos


com deficincia visual.
As declaraes 15 e 16, pelo fato de preverem o dilogo
e a participao dos alunos, foram interpretadas como contendo
possveis alternativas. As interaes sociais previstas so
fundamentais criao de ambientes questionadores e reflexivos
(GERGEN, 1982). As referidas declaraes no discriminam os
recursos instrucionais a serem utilizados, entretanto, apresentam
detalhadamente as etapas constituintes do processo de ensino.
Portanto, a organizao de grupos, a realizao de dinmicas em
grupos, a quantidade de alunos por grupos, a aplicao de
questes e problemas abertos, o emprego de experimentao, e o
momento de utilizao desses elementos so apresentados. A
explicitao desses elementos revela uma capacidade
organizativa dos participantes do grupo de ptica, a qual
fundamental ao cumprimento dos objetivos pretendidos.
Outro enfoque refere-se ao das relaes cincia
tecnologia e sociedade que seria feito por meio da abordagem
de equipamentos como o telescpio, o microscpio e a fibra
ptica. Apesar de referirem-se a equipamentos ligados
estritamente observao visual, os licenciandos no
externaram dificuldades nem apresentaram alternativas para o
tratamento educacional no contexto da deficincia visual.
Entretanto, as dificuldades no podem ser encaradas como
desprezveis, e as alternativas podem se dar tanto pela
construo de maquetes, bem como, pela externalizao,
compreenso e questionamento dos conhecimentos construdos
por pessoas com deficincia visual.
Anlise do grupo de eletromagnetismo
Os quadros seqentes contm declaraes dos
licenciandos do grupo de eletromagnetismo provenientes do
debate e do planejamento das atividades de ensino.

111

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Quadro 5: Dificuldades para o ensino de conceitos de eletromagnetismo


Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
meto-dolgica

Justificativa

Implicao

Relativo
s
concepes
alternativas

No
mencionado

Trabalho
com
situaesproblema

Sem
relao
com a
viso

Implica
dificuldades

No
mencionado

No
mencionado

Realizao de
experimento

Dependncia
da viso

Implica
dificuldades

23 (d) A ausncia de material


didtico-pedaggico como
material de apoio para estudo e
pesquisa do aluno deficiente
visual tambm um problema.

No
mencionado

Utilizao
de
materiais
especficos
(no
existentes)

No
mencionada

Indepen
-dncia
da viso

Implica
dificuldades

24 (d) Uma outra dificuldade que


estamos tendo, em relao ao
aluno com deficincia visual, a
impossibilidade de uso de
recursos visuais como lousa,
grficos, desenhos e textos.

No
mencionado

Multimeios
visuais

No
mencionada

Dependncia
da viso

Implica
dificuldades

25 (d) Na parte de
eletromagnetismo, a gente no
est conseguindo ainda ver
alguma coisa que pudesse ser
usada com deficiente visual;
ento um problema para ns, a
eletrosttica tambm est difcil
de a gente conseguir,

Relativo
aos
conceito
s
(eletrom
agnetismo
e
eletrostt
ica)

No
mencionado

No
mencionada

Dependncia
da viso

Implica
dificuldades

Declarao

21 (d) Apresentar uma situao problema e levantar uma questo


para o grupo para dessa forma
conseguir captar as concepes
espontneas. A gente tem uma
incgnita muito grande de como
vai ser a reao deles, se eles vo
se manifestar, ou se a gente vai
ter que provocar; isso vai ser um
problema do momento.
22 (d) Nossa maior dificuldade
est sendo fazer um experimento
prtico e possibilitar a percepo
quantitativa e qualitativa pelo
aluno com deficincia visual.

112

der Pires de Camargo

As dificuldades apresentadas pelos licenciandos podem


ser classificadas como: (a) dependentes da viso, (b)
independentes da viso, e (c) sem relao com a viso.
(a) Dependentes da viso: essas dificuldades referem-se
s questes de mbito conceitual, metodolgico e de utilizao
de recursos instrucionais. Dito de outro modo, as estratgias
metodolgicas planejadas para o trabalho de apresentao dos
contedos centram-se na utilizao da lousa e na demonstrao
visual de experimentos (estratgias diretivas/passivas), o que,
por um lado, vincula o acesso ao contedo percepo visual e,
por outro, restringe a observao de determinados fenmenos
viso (ver declaraes 22 e 24).
As dificuldades metodolgicas e conceituais encontramse focadas na "impossibilidade de uso de recursos visuais como
lousa, grficos, desenhos e textos" (declarao 24), e na
elaborao de "um experimento prtico" cujo objetivo seria o de
"possibilitar a percepo quantitativa e qualitativa pelo aluno
com deficincia visual" (declarao 22). As expresses:
"impossibilidade de uso de" (declarao 24), "dificuldade de
fazer" (declarao 22), "a gente no est conseguindo ainda ver
alguma coisa" (declarao 25) indicam que os participantes
licenciandos notaram a necessidade da no utilizao de
recursos instrucionais vinculados estritamente a recursos visuais,
bem como, a necessidade de construir, elaborar, adaptar, inovar
equipamentos ou mtodos para uma prtica de ensino de Fsica
que contemple a presena de alunos com deficincia visual.
Dessa forma, problemas relacionados a aes de: "no utilizao
exclusiva de multimeios visuais", "impossibilidade de elaborar
ou adaptar experimentos", indicam que os licenciandos do grupo
de eletromagnetismo no conseguiram desvincular o
planejamento de suas prticas de ensino do uso da viso.
(b) Independentes da viso: essas dificuldades referem-se
s questes ligadas no disponibilidade de materiais

113

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

especficos para o ensino de conceitos fsicos para alunos com


deficincia visual.
A referida dificuldade constata um aspecto da realidade
educacional do aluno com deficincia visual relacionada
carncia de material especfico como disponibilidade de material
impresso em Braille, informaes digitalizadas, softwares e
experimentos com interfaces auditivas etc. Esse tipo de
argumentao, todavia, apia-se em responsabilidades externas
s do docente como forma de justificar a dificuldade
educacional e legitimar posies passivas frente problemtica
estabelecida. Quando os licenciandos justificaram: "A ausncia
de material didtico/pedaggico como material de apoio"
(declarao 23), centraram a dificuldade na ausncia de "algo".
A responsabilidade da existncia do "algo", portanto, fica
implicitamente atribuda ao outro, ao desconhecido, ao distante.
(c) Sem relao com a viso: essas so dificuldades de
mbito metodolgico e conceitual. Centram-se no levantamento
e no tratamento das concepes alternativas dos alunos, o que
implica
a
utilizao
de
estratgias
metodolgicas
dialgicas/participativas - trabalho com situaes-problema (declarao 21). Entretanto, a dificuldade inerente ao tratamento
das concepes alternativas no est vinculada com a questo
visual, pois refere-se ao tratamento das concepes de todos os
alunos.

114

der Pires de Camargo

Quadro 6: Possveis dificuldades de planejamento de atividades de ensino de


eletromagnetismo para alunos com deficincia visual
Declarao
26 (p) Tambm
faremos aulas
expositivas usando
lousa e giz sobre os
conceitos
eletromagnticos.
27 (p) Por ltimo,
uma avaliao
(provas contendo
algumas questes de
clculos e
conceitos) com o
objetivo de verificar
o grau de
aprendizado dos
alunos ser
realizada.

Enfoque
conceitual

Recurso
instruciona
l

Estratgia
metodolg
ica

Justificativ
a

Implicao

Relativo
ao
conceito
eletromag
netismo

Multimeio
visual

Aula
expositiva

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
dificuldad
e

Relativo
aos
conceitos
cientficos
ensinados

No
mencionad
o

Avaliao
do tipo
prova

Sem
relao
com a
viso

Pode
implicar
dificuldad
e

As declaraes 26 e 27 foram interpretadas como


contendo possveis dificuldades de ensino de conceitos
eletromagnticos para alunos com deficincia visual.
A primeira, relacionada ao uso de multimeios visuais,
associados a aulas expositivas (estratgia diretiva/passiva), j
havia sido anteriormente apresentada como uma dificuldade
para o tratamento educacional desses conceitos junto aos alunos
com deficincia visual (declarao 24). No se est afirmando
que a utilizao da lousa ou de outros multimeios visuais,
associados s aulas expositivas, resultem necessariamente em
dificuldades de ensino para alunos cegos ou com baixa viso. O
que entendido, como possvel dificuldade, a relao docente,
representao visual e comunicao dos contedos que podem
se estabelecer. O que ocorre que a relao descrita, na
maioria das vezes, apia-se no vnculo entre representao
visual e descrio oral, o qual representa uma linguagem sem
115

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

significado para o deficiente visual. o caso de frases do tipo:


como mostra esta equao, de acordo com o que mostra este
grfico, notem o sentido do vetor, o mvel parte do ponto A
e vai para o ponto B de acordo com o que indica a figura, frases
constantemente utilizadas em aulas de Fsica e que denotam a
relao anteriormente mencionada. Nesse contexto, poderia o
aluno com deficincia visual questionar: que equao?, que
grfico?, que figura? Portanto, se o docente no apresentar
um detalhamento oral das idias ou fenmenos visualmente
representados ou no dispor ao aluno materiais tteis ou
auditivos, o discente com deficincia visual no ter acesso s
informaes veiculadas.
A segunda (declarao 27) faz uma declarao acerca da
realizao de avaliao sobre os conceitos eletromagnticos.
Nesse sentido, a idia de avaliao contida na declarao
considerada aproxima-se de um modelo somativo e
classificatrio e no formativo. A avaliao ser realizada por
ltimo, ter uma estrutura do tipo prova contendo questes de
clculo e conceitos e ter o objetivo de verificar o grau de
aprendizado dos alunos. Note-se que a relao entre momento
de realizao da avaliao (por ltimo), sua estrutura (provas
contendo questes de clculos e conceitos), e seu objetivo
(verificar o grau de aprendizagem) remete estrutura avaliativa
do grupo de eletromagnetismo a uma perspectiva
diretiva/passiva, perspectiva que levanta algumas questes que
necessitam ser discutidas e esclarecidas. Como ser esta
avaliao? Ser em braile, no ser em braile? Se for em braile,
quem vai preparar esta prova? a escrita braile adequada
realizao de clculos? Saber o docente ler ou decodificar a
escrita braile dos alunos? importante que ele (o docente) saiba
ler e escrever em braile ou isso deve caber a outra pessoa? Se
no for em braile, ser oral, ou ser realizada por meio de outros
recursos como computadores com sintetizador de voz? Outras
questes como essas poderiam ser feitas e seus esclarecimentos
116

der Pires de Camargo

seriam de fundamental importncia. O que fica claro, portanto,


que a reduo da relao entre docente e discente com
deficincia visual a uma relao transmissiva, receptiva e
individualizadora restringir, ao papel e lousa, as formas de
comunicao entre eles. Isso conduzir a mencionada relao a
um labirinto de problemas educacionais.
Quadro 7: Alternativa apresentada para o ensino do conceito de corrente
eltrica
Declarao

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgica

Justificativa

Implicao

28 (d) Na parte da
circulao da
corrente para o
deficiente visual a
gente imagina
colocar alguma
coisa que produza
algum som quando
a corrente eltrica
circular. At a tudo
bem, eletrodinmica
d para sair por a.

Relativo ao
conceito de
corrente
eltrica

Multimeio
auditivo

Demonstrao de
experiment
o

Independncia da viso

Implica
alternativa

A alternativa apresentada refere-se utilizao de um


multimeio auditivo em conjunto com uma estratgia
metodolgica demonstrativa para o tratamento do conceito de
corrente eltrica e est relacionada com a independncia da
viso. De acordo com a declarao 28, os participantes do grupo
de eletromagnetismo viram uma alternativa para o tratamento
educacional do fenmeno corrente eltrica, por meio da
construo de um dispositivo que emita sons quando uma
corrente eltrica passar por um circuito. Essa alternativa
desvincula da viso a observao do fenmeno mencionado e
apresenta um enfoque ativo de superao mediante a
problemtica da deficincia visual. As aes passivas de no
sei, no imagino como, no existe o material so
117

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

substitudas por uma proposta, por atitudes inovadoras. Vale


destacar, contudo, que a alternativa da emisso de sons, devido
circulao de uma corrente eltrica, fundamenta-se na
observao auditiva de um fenmeno que no observvel
visualmente a no ser em esquemas visuais apresentados na
lousa ou por meio de modelos de imagem.
Nesse sentido, a alternativa indicada, torna-se curiosa,
pois centra-se na desvinculao visual de um fenmeno que no
pode ser observado visualmente. Isso denota a relao conhecer
determinados fenmenos fsicos como sinnimo de ver esses
fenmenos, que pode estar servindo de referencial ao
planejamento de atividades de ensino de Fsica e que, alm de
implicar dificuldades para o ensino de alunos com deficincia
visual, pode apresentar de forma incorreta a todos os alunos,
com deficincia visual ou no, muitos fenmenos fsicos no
observveis visualmente. Assim, caberia a anlise da seguinte
questo: possvel observar visualmente o movimento ordenado
de eltrons em um condutor devido ao de um campo
eltrico? No, a resposta a tal questo; entretanto,
representaes exclusivamente visuais desse fenmeno so
feitas na lousa ou em simulaes computacionais, pois se supe
que a visualizao dessas representaes possa significar o
conhecimento do fenmeno. evidente que a materializao
ou observao emprica de um determinado fenmeno no
observvel visualmente pode facilitar a construo de
conhecimento por parte do aprendiz acerca desse fenmeno. O
que se questiona que o referencial de observao de
representaes de modelos de fenmenos seja, na maioria das
vezes, o visual. possvel e vivel a construo de maquetes
tteis ou mesmo a produo de referenciais sonoros para
representar um determinado fenmeno fsico. Essas aes
podem ser benficas aprendizagem de todos os alunos, alm de
incluir o aluno com deficincia visual nos contextos de ensino
de Fsica.
118

der Pires de Camargo

Quadro 8: Possveis alternativas ao ensino de eletromagnetismo


Declarao
29 (d) A gente se
prope a fazer uma
introduo
no
comeo do curso da
histria, a parte
histrica
da
eletricidade.
30 (d) A gente vai
tentar associar esses
conceitos aos temas
da
cincias
e
tecnologia.
31 (p) A aula
iniciar-se- com a
introduo de uma
breve histria da
eletricidade,
sua
descoberta
e
evoluo.
32 (p) Nas aulas,
tambm
faremos
apresentao
de
experimentos sobre
os
conceitos
eletromagnticos.

Enfoque
conceitual

Recurso
instruciona
l

Estratgia
metodolgi
ca

Justificativ
a

Implicao

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade

No
mencionado

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

Relativo
histrica
da cincia

No
mencionado

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

Relativo ao
conceito de
eletromagnetismo

No
mencionado

Demonstrao
de
experimentos

Sem
relao
com
viso

Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

Sobre os enfoques conceituais: histria da cincia


(declaraes 29 e 31) e relaes CTS (declarao 30) o grupo de
eletromagnetismo no mencionou que estratgias metodolgicas
seriam utilizadas para a abordagem desses temas, e no aponta a
dependncia ou independncia visual como justificativa de
dificuldade ou alternativa.
Pelo fato de a deficincia visual no estar sendo utilizada
como justificativa de dificuldades para o tratamento educacional
da perspectiva histrica e das relaes CTS, pode estar implcito
que os licenciandos pretendiam tratar as perspectivas descritas
119

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

sob o referencial ilustrativo feito de forma oral com o apoio de


projeo de textos ou figuras. Esse tratamento no estaria
vinculado
necessariamente

relao
exposio
oral/demonstrao visual. Nesse sentido, interpretaram-se as
declaraes como contendo possveis implicadoras de
alternativas para o ensino de eletromagnetismo, no contexto da
deficincia visual, pois desvinculando a apresentao de
elementos histricos e tecnolgicos de uma relao audiovisual
interdependente, e associando-se tais elementos a estratgias
metodolgicas dialgicas/participativas, o enfoque da histria da
cincia e das relaes CTS pode ser motivante e
contextualizador.
Um outro aspecto que pode ser interpretado, como
possvel alternativa, a utilizao de prticas de ensino
centradas na oralidade em sala de aula. Entende-se que
estratgias metodolgicas que utilizem a oralidade no ensino de
eletromagnetismo, como o caso do uso de leitura de textos
paradidticos, podem representar uma alternativa vivel e eficaz
para dicotomizar a relao ensino /representaes visuais.
Anlise dos dados referente ao grupo de termologia
Os quadros 9, 10, 11 e 12 contm declaraes dos
licenciandos do grupo de termologia provenientes do debate e
do planejamento das atividades de ensino.
Quadro 9: Dificuldades: Ensino de termologia/deficincia visual
Declarao

Enfoque
conceitual

Recurso
instruciona
l

Estratgia
metodolgi
ca

Justificativ
a

Implicao

33 (d) A gente acha


que a demonstrao
da dilatao linear
uma coisa meio
visual; se fosse
sensao do tipo
ttil, fica mais fcil
fazer a experincia.

Relativo ao
conceito de
dilatao
linear

No
mencionad
o

Realizao
de
experiment
o
demonstrat
ivo

Dependnc
ia da viso

Implica
dificuldade

120

der Pires de Camargo


34 (d) Uma outra
dificuldade fazer
com que o aluno
deficiente visual e
os outros alunos
rompam com as
possveis
concepes
espontneas erradas
que este assunto
pode gerar.

Relativo s
concepes
alternativas

No
mencionad
o

No
mencionad
a

Sem
relao
com
viso

Implica
dificuldade

As dificuldades de ensino, apresentadas pelos


participantes do grupo de termologia, so de dois tipos: (a)
realizao de experimentos demonstrativos para alunos com
deficincia visual (estratgia metodolgica diretiva/passiva) e
(b) tratamento das concepes alternativas de todos os alunos
(estratgia metodolgica dialgica/participativa).
(a) A principal dificuldade encontrada pelos licenciandos
refere-se realizao de um experimento de dilatao linear
para alunos com deficincia visual. Essa dificuldade justifica-se
no estabelecimento da dependncia entre a viso e a observao
do fenmeno da dilatao linear: a demonstrao da dilatao
linear uma coisa meio visual; se for sensao do tipo tato, fica
mais fcil fazer a experincia (declarao 33). Dessa forma,
para o grupo de termologia, pensar um experimento de dilatao
linear envolve explicitamente observar visualmente o referido
fenmeno, ou implicitamente observar-lhe visualmente medidas
relativas, ou ainda observar-lhe as representaes visuais (como
as representaes expostas em livros ou na lousa). Entretanto, a
justificativa: A demonstrao da dilatao linear uma coisa
meio visual (declarao 33) questionvel, visto que, em
linhas gerais (principalmente para os slidos) o fenmeno de
dilatao linear no facilmente observvel pela viso, pois
envolve variaes microscpicas dos materiais. O que torna o
ensino desse fenmeno dependente da viso so as
representaes visuais construdas em multimeios visuais como
121

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

a lousa, as quais possuem um carter altamente excludente em


relao aos alunos com deficincia visual.
(b) Uma outra dificuldade refere-se ao tratamento de
concepes alternativas dos alunos com e sem deficincia
visual: Fazer com que o aluno deficiente visual e os outros
alunos rompam com as possveis concepes espontneas
erradas que este assunto possa gerar (declarao 34). Tal
dificuldade no se justifica em questes relacionadas viso, e
sim em argumentos ligados ao desconhecimento de como
utilizar estratgias metodolgicas dialgicas/participativas, ou
seja, como valorizar e tratar as concepes de todos os alunos.
Por outro lado, a expresso os alunos rompam com as
possveis concepes espontneas erradas (declarao 34)
denota um aspecto de atribuio de valor epistemolgico s
concepes dos alunos e aos modelos cientficos. Isso pode
representar que os licenciandos, ao tratarem as concepes
alternativas dos alunos, tenham por objetivo educacional fazer
com que os mesmos substituam suas concepes erradas pelas
cientficas corretas. Esse tratamento das concepes dos
alunos pode representar dificuldades aos licenciandos, pois a
meta educacional radical de substituio de concepes
alternativas por concepes cientficas inadequada, j que,
dificilmente, a substituio considerada ocorre (HEWSON,
1989).
Ainda nessa linha de pensamento, a compreenso dos
licenciandos acerca das concepes dos alunos como
concepes erradas, pode representar que os licenciandos
entendam o conhecimento cientfico como verdadeiro, imutvel,
sendo os conhecimentos dos alunos representantes opostos
dessas caractersticas. Isso pode implicar uma dificuldade para o
ensino de conceitos de termologia, pois pode ocorrer que as
atividades dos licenciandos no abordem o dinamismo evolutivo
do conhecimento cientfico, reduzindo-o a uma noo esttica, a
qual no relaciona o conhecimento prvio dos aprendizes a
122

der Pires de Camargo

modelos cientficos defendidos por antigos cientistas


(STINNER, 1994). Portanto, embora os licenciandos tivessem
apresentado preocupaes relativas s concepes dos alunos,
eles no indicaram explicitamente relaes entre concepes
alternativas de fenmenos de termologia e viso, e nem
possveis estratgias metodolgicas para o levantamento e
tratamento dessas concepes. Entende-se hipoteticamente que
tenha faltado aos participantes do grupo de termologia, reflexes
mais aprofundadas acerca do tema das concepes alternativas
dos alunos com e sem deficincia visual, as quais poderiam
trazer

tona
possveis
estratgias
metodolgicas
dialgicas/participativas e, conseqentemente, alternativas para
o enfoque do referido tema.
Quadro 10: Possveis dificuldades para o planejamento de atividades de
termologia
Declarao
35 (d) A gente est
pensando em dar
um curso que ensine
os
alunos
a
resolverem
exerccios, e que
ajude alguns alunos
ao menos uma
minoria que tenha
interesse de fazer
vestibular.
36 (p) Utilizaremos
vdeo
quando
necessrio mostrar
situaes em que os
conceitos
de
termologia
so
utilizados e que no
for possvel realizar
experimentalmente.

Enfoque
conceitual

Recurso
instruciona
l

Estratgia
metodolgi
ca

Justificativ
a

Implicao

Relativo ao
vestibular

No
mencionado

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

Pode
implicar
dificuldade

Relativo ao
conceito de
termologia

Utilizao
de
multimeio
audiovisual

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

123

Pode
implicar
dificuldade

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Duas possveis dificuldades para o ensino de termologia


para alunos com deficincia visual so apresentadas nas
declaraes 35 e 36. A primeira aborda a relao ensino de
Fsica/exame vestibular, e a segunda, a utilizao de vdeo
(multimeio audiovisual). Tais abordagens foram interpretadas
como contendo possveis dificuldades pelos seguintes
argumentos.
Primeiro: Em relao ao enfoque do ensino da resoluo
de exerccios de vestibular por alunos com deficincia visual, tal
abordagem envolveria, a priori, estratgias metodolgicas
diretivas/passivas centradas na utilizao da lousa para a
exposio de equaes, grficos, tabelas etc. Essas estratgias,
por estarem vinculadas a uma comunicao audiovisual,
representam, no contexto do ensino de Fsica e da deficincia
visual, dificuldades. Em outras palavras, o docente de Fsica, ao
resolver problemas na lousa, utiliza uma linguagem que
relaciona, de forma dependente, viso e audio. Essa
linguagem exclui o aluno com deficincia visual do
acompanhamento e compreenso de tal comunicao. Nesse
sentido, cabe ao docente de Fsica, detalhar oralmente os passos
e descries, apresentadas na lousa, e dispor ao aluno com
deficincia visual, materiais de interface ttil.
No obstante, preciso uma melhor discusso acerca de
recursos instrucionais adequados resoluo de clculos por
alunos com deficincia visual, visto que a resoluo de clculos
implica para o operador da mencionada ao uma relao
simultnea entre observao e raciocnio. Essa relao encontrase vinculada observao visual de smbolos contidos em papel,
representao mental de tais smbolos, realizao dos
raciocnios e volta ao papel sempre que necessrio. Como o
aluno com deficincia visual encontra-se impossibilitado de
efetuar e observar visualmente as representaes em papel, ele
pode acabar se perdendo ao longo do clculo. O braile no
resolve esse problema, j que o deficiente visual no estabelece
124

der Pires de Camargo

o contato simultneo entre raciocnio e observao dos nmeros.


Em outras palavras, na escrita braile tradicional, os smbolos so
representados do lado oposto ao de sua confeco, e isso
desvincula a observao dos cdigos tteis do raciocnio
envolvido no clculo.
necessrio o desenvolvimento de recursos instrucionais
que desvinculem o processo de realizao de clculos da relao
observao visual/raciocnio, vinculando tal relao a uma outra
centrada na simultaneidade entre observao ttil/raciocnio.
possvel pensar que o computador conectado s placas de
interface ttil possa representar um caminho de solues ao
problema apresentado. Outro caminho poderia ser a construo
prvia de representantes tteis de smbolos com que se pretenda
operar, como, por exemplo, smbolos tteis dos sinais
matemticos e de algumas variveis. Essa idia limitaria as
possibilidades de desenvolvimentos dos clculos, mas, dentro
de certos limites, disponibilizaria aos alunos com deficincia
visual condies para o estabelecimento da relao
observao/raciocnio. Destaca-se que, na anlise do
planejamento do grupo de mecnica, esse tema ser novamente
abordado.
Dessa forma, a no discriminao de dificuldades de
ensino de Fsica quanto questo da resoluo de exerccios de
vestibular por parte de alunos com deficincia visual, poderia,
alm de no representar maiores problemas metodolgicos,
explicitar a ausncia de uma melhor reflexo acerca do referido
tema. Por outro lado, poderia tambm representar o
estabelecimento de uma ciso entre as preocupaes acerca do
ensino de Fsica voltado para o vestibular e os alunos com
deficincia visual, perspectiva de ensino que estaria
hipoteticamente destinada apenas a alunos videntes.
Segundo: A justificativa, apresentada pelos licenciandos
para a utilizao de vdeos, no se apia em argumentos
relativos viso, e sim em argumentos fundamentados na
125

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

impossibilidade de realizao de experimentos, ou, por exemplo,


de visita a algum local por algum motivo inacessvel (lua, sol,
topo de uma montanha etc.) (MEDEIROS e MEDEIROS,
2002). Outro argumento bastante empregado para a utilizao de
vdeos (no explicitado na declarao 36), refere-se a aspectos
motivacionais, no sentido de que esse multimeio audiovisual
estabeleceria uma relao ldica com o observador e,
conseqentemente, poderia funcionar como um recurso para
instigar a ateno dos alunos aos temas abordados (MORAN,
1995).
Enfocando, na perspectiva do ensino de Fsica e da
deficincia visual, o argumento da utilizao de vdeos ou de
visualizaes computacionais que vise substituio e
motivao anteriormente mencionadas, cabe destacar os
seguintes aspectos: qual ser a estrutura de interface desses
materiais, e em que contexto educacional eles sero utilizados?
Em outras palavras, ser o vdeo constitudo de informaes
visuais vinculadas s auditivas de tal forma a tornar a percepo
parcial dessas linguagens incompreensvel? Haver material de
interface ttil como representantes de esquemas ou situaes
apresentadas no vdeo? A estratgia metodolgica utilizada pelo
professor permitir aos alunos, com e sem deficincia visual,
interagirem acerca de suas percepes e compreenses dos
temas abordados no referido multimeio? Imagine-se uma
situao de sala de aula, que tenha presentes alunos com e sem
deficincia visual, em que o docente resolve apresentar aos
mesmos um vdeo, por exemplo, sobre calor e temperatura.
Apresentam-se, por meio do vdeo, dois corpos de diferentes
temperaturas, bem como, linhas interligando-os e que
representariam a transferncia de energia do corpo de maior para
o de menor temperatura (o calor). Imagine-se tambm que
conjuntamente apresentao das imagens, existisse um locutor
descrevendo aspectos da cena, tais como: notem a temperatura
do corpo A e a do corpo B, as linhas indicadas representam a
126

der Pires de Camargo

energia em trnsito do corpo de maior para o de menor


temperatura. Mediante esse quadro hipottico, estaria o aluno
com deficincia visual, limitado em relao compreenso da
informao contida no vdeo e, como conseqncia, submetido a
uma situao desmotivadora em relao ao estudo dos referidos
temas.
Quadro 11: Alternativas: Ensino de termologia/deficincia visual
Declarao
37 (d) Na experincia da gua quente e gua fria, a gente pensou que para o
deficiente
visual
ainda no tem problema; como vai
envolver a sensibilidade do tato ento
no vai ter grandes
problemas,
38 (d) No caso da
dilatao da bexiga,
se a gente conseguir o
nitrognio liquido,
um exemplo que ele
pode estar percebendo; a gente pode
colocar a bexiga, a
deixa a bexiga emcostar no nitrognio e
perceber a contra-o.
39 (p) Com a
utilizao do tato
durante os experimentos, todos os alunos,
incluindo os com deficincia visual, podero extrair conhecimentos como, por exemplo, a diferena
de calor e temperatura.

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgi
ca

Justificativa

Implicao

Relativo ao
conceito de
calor
e
temperatur
a

No
mencionado

Realizao
de
experimento

Independncia da
viso

Implica
alternativa

Relativo ao
conceito de
dilatao
volumtrica

Material
ttil e/ou
tatilvisual

Realizao
de
experimento
demonstrativo

Independncia da
viso

Implica
alternativa

Relativo ao
conceito de
calor
e
temperatura

Multimeios
tteis e/ou
tatilvisual

Realizao
de
experimentos

Independncia da
viso

Implica
alternativa

127

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

As alternativas apresentadas pelos licenciandos


fundamentam-se na realizao dos experimentos de calor e
temperatura (declaraes 37 e 39) e de dilatao volumtrica
(declarao 38). De acordo com os licenciandos, experimentos
que envolvem esses fenmenos independem da observao
visual (principalmente em relao ao experimento de calor e
temperatura).
importante notar que os participantes do grupo de
termologia consideram a observao dos fenmenos de calor,
temperatura e dilatao volumtrica vinculada observao
ttil, e essa vinculao que viabiliza o ensino desses
fenmenos. importante tambm notar uma idia contida, na
declarao 39, fundamentada na elaborao de atividades de
ensino de termologia adequadas participao de todos os
alunos. Observe-se a idia da mencionada declarao: Com a
utilizao do tato, durante os experimentos, todos os alunos,
incluindo os com deficincia visual, podero extrair
conhecimentos, como, por exemplo, a diferena de calor e
temperatura. Essa idia constitui-se em pano de fundo
implantao de contextos inclusivos de ensino de Fsica, os
quais se caracterizam por valorizar a diversidade humana,
estruturando-se para atender essa diversidade (MANTOAN,
2003). Nesse sentido, o sujeito da deficincia muda de foco, j
que as condies do meio que recebe o aluno com deficincia
assume um papel ativo de adaptar-se, de dar condies,
abandonando a passividade de permanecer como est
esperando que o outro unicamente se adapte.

128

der Pires de Camargo

Quadro 12: Possveis alternativas ao planejamento de atividades de termologia


Declarao
40 (d) A gente vai
tentar
introduzir
dentro de todos os
tpicos que a gente
vai trabalhar um
pouco da histria
daquele conceito.
41 (d) A gente vai
trabalhar tambm
com a idia da
termologia do cotidiano,
e
trazer
talvez alguns fatos,
curiosidades
que
tambm
ocorrem
que tambm seria a
questo da tecnologia e sociedade,
dizer a questo da
termologia onde ela
est presente no
nosso
dia,
em
indstrias.
42 (d) A gente
deixaria a contrao
da bexiga como
problema para eles
pensarem
numa
prxima aula.
43
(p)
Exemplificaes
sero utilizadas em
todo
momento,
tentando relacionar
o fenmeno que est
sendo
trabalhado
com sua aplicao
nas diversas ferramentas utilizadas no
nosso cotidiano.
44 (p) Algumas

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgica

Justificativa

Implicao

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

No
mencionada

Sem
relao
com
viso

Pode
implicar
alternativa

No
mencionado

Exposio
oral

Sem
relao
com
viso

Relativo ao
conceito de
dilatao
volumtrica

No
mencionado

Trabalho
com
situaesproblema

Sem
relao
com
viso

Relativo s
relaes
CTS

No
mencionado

Exemplificaes
e
estabelecimento de
relaes

Sem
relao
com
viso

Relativo ao

No

Trabalho

Sem

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade

129

Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

Pode

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica


questes conceituais
sobre
calor
e
temperatura sero
propostas para que
os alunos, entre si,
possam chegar a um
consenso,
contribuindo para a
construo
do
conhecimento.
45
(p)
Iremos
avaliar durante todo
o
curso
a
participao
dos
alunos durante os
experimentos
e
durante
as
discusses
em
grupo e tambm
pretendemos fazer
um rol de perguntas,
no
ltimo
dia,
englobando todo o
contedo abordado
durante o curso.

conceito de
calor
e
temperatur
a

mencionado

Relativo ao
conceito de
termologia

No
mencionado

com
situaes
problema

relao
com
viso

Avaliao
diagnstica

Sem
relao
com
viso

implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

As declaraes do quadro 14 foram interpretadas como


contendo possveis alternativas ao ensino de termologia para
alunos com deficincia visual. Em linhas gerais, a declarao 40
enfoca o ensino da histria dos conceitos de termologia, as
declaraes 41 e 43 enfocam o tratamento das relaes
cincia, tecnologia e sociedade; as declaraes 42 e 44 enfocam
o tratamento de situaes-problema de termologia, e a
declarao 45 aborda o modelo de avaliao. As propostas
contidas, nas declaraes mencionadas, no se justificam na
dependncia ou na independncia da viso, sendo que algumas
discriminam, e outras no, as estratgias metodolgicas. As
declaraes que discriminam as estratgias metodolgicas
podem ser classificadas em dois grupos, ou seja, aquelas que
apresentam estratgias dialgicas/participativas (declaraes 42,
130

der Pires de Camargo

43, 44 e 45), e uma outra que se fundamenta em estratgia


diretiva/passiva (declarao 41). A declarao 40 no discrimina
a estratgia metodolgica a ser utilizada para o tratamento do
enfoque conceitual nela contido. Observa-se que nenhuma
declarao apresenta os recursos instrucionais a serem utilizados
no tratamento dos conceitos de termologia.
Ao apresentarem a inteno de abordar a histria dos
conceitos de termologia (declarao 40), os licenciandos no
discriminaram quais seriam os recursos instrucionais e as
estratgias metodolgicas a serem utilizadas para o tratamento
desse enfoque conceitual. Supe-se que essa abordagem teria
sido planejada para ser realizada de forma oral e ilustrativa
(estratgia diretiva/passiva), o que apresenta um aspecto
positivo, isto , aquele relacionado utilizao da oralidade.
Nesse sentido, a abordagem de fatos histricos como ilustrao
de acontecimentos, no estaria vinculada a uma comunicao
audiovisual interdependente, o que proporcionaria ao aluno com
deficincia visual, condies para a compreenso das
informaes veiculadas. claro que essa perspectiva para o
enfoque da histria da cincia apresenta limitaes, pois pode
secundarizar a abordagem de problemas e contextos (CASTRO
e CARVALHO, 1992). Entretanto, possvel ao docente
articular a descrio oral de fatos histricos ao contexto sciopoltico da poca em questo, e isso pode fazer com que sua
abordagem produza reflexes crticas dos discentes.
Uma outra possibilidade de alternativa, apresentada de
forma indireta sobre a deficincia visual, refere-se relao
entre os conceitos de termologia e a questo da cincia
tecnologia e sociedade (declaraes 41 e 43), e ao trabalho com
situaes-problema acerca dos temas dilatao volumtrica e
calor e temperatura (declaraes 42 e 44). O enfoque das
relaes CTS e o trabalho com situaes-problema centram-se
em estratgias metodolgicas no vinculadas com a viso, como
exposio oral das relaes CTS (estratgia diretiva/passiva:
131

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

declarao 41), exemplificaes e estabelecimento de relaes


(estratgia dialgica/participativa: declarao 43) e a utilizao
de situaes-problema (estratgia dialgica/participativa:
declaraes 42 e 44). Observem-se as declaraes: Dizer a
questo da termologia onde ela est presente no nosso dia
(declarao 41) a gente deixaria a contrao da bexiga como
problema para eles pensarem numa prxima aula (declarao
42). Portanto, essas alternativas de ensino no se justificam
diretamente na independncia visual e contemplam a
participao de todos os alunos.
A declarao 45 refere-se ao modelo de avaliao que os
licenciandos planejaram utilizar. Tal modelo, pelos motivos
seqentes,
estabelece
relaes
com
estratgias
dialgicas/participativas:
1) avaliao contnua e no pontual que vise a
replanejamentos e no apenas verificao e classificao
avaliar durante todo o curso;
2) perspectiva de avaliar no apenas os contedos
conceituais e procedimentais, como tambm, o atitudinal
(ZABALA, 1998) avaliar a participao dos alunos durante as
discusses em grupo;
3) avaliar, ao final do curso, para analisar o processo de
ensino: fazer um rol de perguntas no ltimo dia.
As caractersticas do modelo de avaliao apresentado
foram interpretadas como contendo possveis alternativas para
alunos com deficincia visual. Elas no atribuem ao discente um
aspecto de anormalidade ou separao ou mesmo de
diferenciao excludente, no contexto do fenmeno avaliativo,
comum s estratgias diretivas/passivas. Em outras palavras,
planeja-se avaliar a participao, planeja-se que todos os alunos
participem, planeja-se, portanto, realizar atividades que
possibilitem aos alunos expressarem-se, comunicarem-se com o
docente, tirando dvidas, apresentando interpretaes, hipteses,

132

der Pires de Camargo

questionamentos durante as discusses em grupo e no de


forma isolada.
O modelo dialgico/participativo parece conter o
substrato que colocar os alunos com deficincia visual em
condies no anormais em contextos avaliativos de Fsica.
No se est negando as especificidades inerentes relao
deficincia visual/avaliao, como, por exemplo, provas ou
redao de texto em braile, posterior correo desses materiais,
utilizao de computador com sintetizador de voz etc., e sim
afirmando que a vinculao da avaliao do aluno com
deficincia visual a elementos de carter de no participao e
de registros visando a verificaes, limita o processo avaliativo
e obstrui o acesso do docente aos contedos conceituais,
procedimentais e atitudinais. Entende-se que tal vinculao
contribua com a estigmatizao do aluno com deficincia visual
como algum anormal, estigmatizao que limita a realizao de
muitas das aes docentes, como a de avaliar.
Grupos que no apresentaram de forma explcita
preocupaes com a problemtica do ensino de Fsica e da
deficincia visual.
Os licenciandos dos grupos de mecnica e fsica
moderna no apresentaram, explicitamente, dificuldades e
alternativas para o ensino de Fsica para alunos com deficincia
visual. Eles indicaram, por meio do debate e do plano de ensino,
um conjunto de declaraes que contm a planificao para a
utilizao de recursos instrucionais e estratgias metodolgicas
para o tratamento do enfoque conceitual dos contedos. A
dependncia e a independncia da viso no foram utilizadas
pelos licenciandos como justificativa para o emprego de um
determinado recurso instrucional ou estratgia metodolgica.
Por esse motivo, o planejamento de recursos instrucionais e/ou
de estratgias metodolgicas foi interpretado como contendo

133

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

possvel dificuldade ou alternativa. Na seqncia, apresentamse as anlises realizadas:


Anlise do grupo de mecnica
De acordo com o planejamento do grupo de mecnica, os
contedos abordados seriam: Leis de Newton, princpios da
conservao da energia e da quantidade de movimento,
cinemtica, dinmica, esttica e hidrosttica. Destaca-se que
algumas das declaraes dos licenciandos, retiradas do
planejamento, no apresentam explicitamente em sua estrutura o
contedo conceitual a ser trabalhado. Entretanto, de forma geral,
os mesmos sero interpretados como os contidos no presente
pargrafo, j que no planejamento do grupo de mecnica,
constou de forma separada os contedos a serem trabalhados, os
recursos instrucionais e as estratgias metodolgicas a serem
empregadas para o tratamento do conjunto de contedos. Nos
dois quadros seqentes, apresentam-se as declaraes
interpretadas como implicadoras de dificuldades e alternativas
para o ensino de conceitos de mecnica para alunos com
deficincia visual.
Quadro 13: Possveis dificuldades de ensino de Fsica para o grupo de
mecnica
Declaraes
46 (p) Aula expositivas e utilizao
da lousa e de
recursos instrucionais
na resoluo de
problemas
47 (p) Critrios de
avaliao da aprendizagem: resoluo
de problemas com
os recursos a serem
utilizados

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
mtodolgica

Justificativa

Implicao

Relativo
aos conceitos
de
mecnica

Multimeio
visual

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificuldade

Relativo
aos
conceitos
de
mecnica

Multimeio
visual

Resoluo
de
problemas

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificuldade

134

der Pires de Camargo

A metodologia explicitada na declarao 46 fundamentase numa estratgia diretiva/passiva (aulas expositivas), e na


utilizao de multimeios visuais (lousa e computador) para a
resoluo de problemas de mecnica. Essa resoluo, articulada
com a estratgia metodolgica e o recurso instrucional
considerados, traa hipoteticamente um perfil para a aula que os
licenciandos planejaram realizar. Tal aula seria centrada na
dependncia entre as formas de comunicao oral e visual e na
resoluo de problemas cujo desenvolvimento apia-se na
simultaneidade entre raciocnio e observao. Essa
simultaneidade objetiva proporcionar ao autor da ao condies
para o desenvolvimento de pensamentos abstratos e
visualizaes, lembranas e registros desses pensamentos. Esse
o caso, por exemplo, do desenvolvimento de clculos
matemticos e/ou fsicos, em que o realizador dos clculos
estabelece com a ao de calcular, uma relao visualmente
dependente. Nesse contexto, duas situaes educacionais foram
interpretadas como possveis implicadoras de dificuldades, a
saber: (1) O estabelecimento de uma relao de dependncia
entre comunicao oral e visual na apresentao ou
desenvolvimento de contedos de mecnica e resoluo de
problemas, e (2) a resoluo de problemas de mecnica que
envolvem a resoluo de clculos.
(1) O estabelecimento de uma comunicao que se
fundamenta em uma relao de dependncia entre visualizao
de objetos ou smbolos e descrio oral desses elementos pode
constituir-se em dificuldades ao ensino de mecnica para alunos
com deficincia visual, pois a compreenso das informaes
contidas na comunicao somente ocorrer se o receptor tiver
acesso simultneo s duas fontes comunicacionais. Incluem-se,
em tal relao de dependncia, a representao visual/descrio
oral de problemas na lousa, a construo visual/descrio oral de
grficos na lousa ou no computador, a representao
visual/descrio oral de esquemas ou figuras na lousa ou no
135

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

computador, etc. A dificuldade, portanto, surge pelo fato de o


aluno com deficincia visual no manter o contato simultneo
entre as formas visual e auditiva de representao.
o caso de declaraes hipotticas como: notem as
caractersticas desse grfico, somando a primeira equao
com a segunda obtemos esta aqui etc. Tais declaraes
hipotticas surgem como resultado da relao de dependncia
anteriormente considerada, a qual faz com que o aluno com
deficincia visual encontre-se excludo. Portanto, necessrio
que o docente que trabalhe com explicaes orais, em conjunto
com representaes visuais, seja oralmente descritivo em suas
aes, disponibilizando aos alunos com deficincia visual,
referenciais de observao no visual dos objetos de ensino,
como, por exemplo, grficos e figuras em alto relevo, sistema de
resoluo de equaes que proporcionem simultaneidade entre
representao no visual, raciocnio e contato no visual com
tais representaes.
Acerca do tema da realizao de clculos e interao com
grficos e outros elementos matemticos por pessoas com
deficincia visual, cabe a anlise de uma ferramenta computacional
denominada Triangle (GARDNER et. al. 1997 ).
(2) O Triangle: Gardner, um usurio da ferramenta
triangle descreve que, quando perdeu a viso, em 1988, seu
computador, seu leitor de telas, e seu sintetizador de voz,
permitiram com que ele continuasse seus estudos. Contudo, o
computador podia dar-lhe acesso auditivo somente s palavras,
que, por exemplo, para um escritor suficiente, mas, para o seu
caso, ou seja, o de um cientista, no. Precisava ler, escrever e
manipular expresses e grficos matemticos. Necessitava
entender os grficos e diagramas de textos cientficos e de livros
didticos a fim de continuar ensinando e pesquisando.
Ao aprender a ler braile, rapidamente percebeu que havia
entrado em contato com uma ferramenta, um referencial
observacional ttil capaz de coloc-lo em contato com
136

der Pires de Camargo

elementos distinguveis at ento apenas visualmente em


computador, ou papel.
O desenvolvimento de uma impressora de jato de cera,
capaz de fornecer impresses em alto-relevo, juntamente com a
fonte DotsPlus, mostrou-se til, pois permitiu de maneira
autnoma, a impresso de documentos cientficos, equaes
matemticas, grficos, tabelas etc. A DotsPlus uma fonte para
ser usada com uma impressora de computador. Essa fonte
produz no papel, representaes em alto-relevo. Assim como o
braile, fornece uma informao ttil semelhante s informaes
visuais. A sua eficcia permitiria a qualquer usurio de
computador criar materiais escritos em alto-relevo. Entretanto,
em situaes cotidianas reais, a fonte DotsPlus no pode atingir
todos os objetivos em relao ao acesso de informaes. Em um
mundo ideal hipottico, um usurio de computador cego que
desejasse ler um documento contendo grficos, poderia
simplesmente selecionar a fonte DotsPlus e imprimir o
documento. Infelizmente, no mundo real, as coisas no so to
simples. No existe nenhuma tecnologia ttil que pode
representar variaes de cor como em fotografias. Por outro
lado, a impressora de jato de cera era um fracasso comercial e,
por isso, esteve disponvel no mercado apenas por alguns anos.
Gardner motivou-se ento a continuar pesquisando, por
meio de materiais em alto-relevo, bem como, a buscar outros
mtodos inovadores de acesso informao cientfica. Existe
um projeto denominado Science Access Project (SAP), que
dedicado pesquisa e ao desenvolvimento de mtodos de
armazenamento e de acesso a informaes eletrnicas no
visuais. O SAP comeou a desenvolver mtodos que podem
fazer todos os grficos. Esses mtodos de exibio no visuais
esto evoluindo rapidamente e daro a todos os cegos acesso s
informaes cientficas. Porm, um estudante ou um
pesquisador devem escrever e interagir com informaes
cientficas alm de l-las. Softwares para o desenvolvimento de
137

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

operaes matemticas no so encontrados com facilidade, mas


o SAP vem trabalhando com algumas companhias para o
desenvolvimento dos mesmos.
Todavia, o SAP desenvolveu um software chamado
Triangle, bastante til, principalmente para estudantes e
pesquisadores com deficincia visual que precisam ler, escrever,
manipular textos cientficos, trabalhar com computadores e
interagir com grficos e figuras. O Triangle um software em
Dos. Destina-se a deficientes visuais que trabalhem nas reas de
cincia, engenharia e matemtica. Inclui um editor de texto para
matemtica e cincia, uma calculadora grfica, um visualisador
de grfico y X x, um visualizador ttil de mesa e um
programa ttil-auditivo, que emite informaes orais e tteis de
textos e de figuras (GARDNER, op. cit.). Equipamentos, como
o mencionado, podem diminuir as condies educacionais
desfavorveis dos alunos com deficincia visual em relao
realizao de clculos matemticos e construo e leitura de
grficos.
A declarao 47 refere-se ao modelo de avaliao que os
licenciandos planejaram utilizar. Esse modelo fundamenta-se na
resoluo de problemas com os seguintes recursos
instrucionais: lousa e computador para comunicar o problema, e
computador e papel para sua resoluo. A mencionada ao
pode implicar dificuldades a alunos cegos ou com baixa viso, j
que os recursos instrucionais mencionados no realizam
interfaces auditiva e ttil com o usurio. Mesmo que adaptaes
como realizao de provas em braile ou por meio de computador
com sintetizador de voz forem executadas, as dificuldades
permaneceriam. Tais adaptaes estariam vinculadas lgica
de resoluo de problemas numricos anteriormente mencionada
(simultaneidade entre observao, raciocnio e registro).
importante frisar que a escrita tradicional em braile
no realizada simultaneamente leitura em braile. Em Braile,
escreve-se da direita para a esquerda, e l-se da esquerda para a
138

der Pires de Camargo

direita. Isso porque os furos so feitos na parte oposta do papel.


Nessa lgica, o aluno com deficincia visual no pode ler o que
escreve enquanto escreve. Por outro lado, o uso do computador,
na realizao de clculos, pode, por meio de softwares de
interface ttil-auditiva (Triangle), proporcionar simultaneidade
entre escrita e leitura.
Portanto, entende-se que a realizao exclusiva de
avaliaes, como provas tradicionais, resultar em problemas
educacionais secundrios (adaptao de materiais em Braile,
transcrio da prova realizada em Braile para tinta, etc).
Entende-se ainda que preciso planejar estratgias avaliativas
que aproveitem as potencialidades de todos, permitindo a
comunicao de idias por vrias formas e meios,
proporcionando ao docente condies de interao com seus
alunos. Sugere-se que a realizao de debates sobre problemas
abertos possa ser uma alternativa vivel ao processo avaliativo.
No caso de haver necessidade de algum tipo de registro
individual, a realizao de avaliao reservada com o aluno
deficiente visual pode ser feita. Tal processo avaliativo deve ser
executado de forma oral e registrado em udio, ou em tinta pelo
docente.

139

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Quadro 14: Possveis alternativas para o planejamento de atividades de


mecnica
Declaraes
48 (d) De um modo
mais geral, a gente
estava pensando em
trabalhar
com
questes histricas.
49
(d)
Vamos
trabalhar com uma
questo filosfica e
a a gente pensou
em duas questes
filosficas
para
tratar mecnica que
seria a questo do
tempo e a massa.
50 (d) Falar das
tecnologias
que
cada
conceito
proporciona.
51 (d) Propor uma
experimentao
para um conceito
geral.

52 (p) Utilizao de
materiais
do
cotidiano
para
experimentao

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgica

Justificativa

Implicao

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

Trabalho
com
situaesproblema

Sem
relao
com
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
filosofia da
cincia

No
mencionado

Trabalho
com
situaesproblema

Sem
relao
com
viso

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
viso

No
mencionado

Trabalho
com
experimentao

Sem
relao
com
viso

Materiais
do
cotidiano
sem
descriminao de
caractersticas

Trabalho
com
experimentao

Sem
relao
com
viso

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade
Relativo a
conceitos
gerais de
mecnica
Relativo
aos
conceitos
de
mecnica

Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa
Pode
implicar
alternativa

Pode
implicar
alternativa

As declaraes de 48 a 52 foram interpretadas como


contendo possveis alternativas ao ensino de mecnica para
alunos com deficincia visual. Tais declaraes podem ser
classificadas em trs grupos em relao abordagem do enfoque
conceitual, ou seja, declaraes cujo enfoque conceitual
relaciona-se ao planejamento de aspectos histricos e filosficos
140

der Pires de Camargo

(declaraes 48 e 49), declaraes cujo enfoque conceitual


refere-se abordagem de conceitos de mecnica por meio do
trabalho com experimentao (declaraes 51 e 52) e uma
declarao cujo enfoque conceitual refere-se ao planejamento do
trabalho educacional das relaes CTS (declarao 50).
Nas declaraes 48 e 49, os licenciandos apresentaram o
planejamento para o enfoque de situaes -problema de mbito
histrico-filosfico
(estratgia
metodolgica
dialgica/participativa).Tais declaraes foram interpretadas
como contendo possveis alternativas, pois o enfoque de
situaes-problema de mbito histrico-filosfico pode produzir
momentos de debates, em sala de aula, os quais podem se
caracterizar por exposio de idias, descries de situaes,
confrontos de modelos, questionamentos, ou seja, por
participao ativa dos discentes e do docente. Momentos como
estes, alm de diminuir consideravelmente a quantidade de
problemas educacionais oriundos de prticas de ensino centradas
na adaptao unilateral do aluno com deficincia visual a
condies construdas e apropriadas aos videntes, colocam
alunos com e sem deficincia visual em situaes de igualdade
em relao ao tratamento das questes e problemas de mecnica,
As declaraes 51 e 52 referem-se utilizao de
experimentos para a abordagem de fenmenos de mecnica. A
declarao 51 no menciona os recursos instrucionais que os
licenciandos pretendem utilizar durante a realizao dos
experimentos, enquanto que a declarao 52 menciona a
inteno dos licenciandos em utilizarem materiais do cotidiano
durante as experincias. Essas declaraes podem ser
interpretadas como contendo alternativas, medida que os
experimentos a serem realizados proporcionem condies para o
estabelecimento de interfaces no visuais entre discente com
deficincia visual e fenmenos trabalhados, e/ou condies para
o estabelecimento de interaes entre os alunos. Essas interaes
podero gerar situaes de descrio de fenmenos,
141

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

principalmente daqueles no observveis ttil e auditivamente,


ou de aspectos no visuais dos quais os alunos com deficincia
visual podem se atentar mais detalhadamente. Nesse contexto,
entende-se que a utilizao de experimentao, articulada s
estratgias metodolgicas dialgicas/participativas, podem
proporcionar as condies para que o aluno com deficincia
visual participe ativamente das prticas educacionais.
A declarao 50 apresenta o planejamento do enfoque
da relao cincia, tecnologia e sociedade (CTS). Tal declarao
no descreve detalhadamente as formas de abordagem desse
contedo conceitual, embora conste a expresso falar das
tecnologias. Isso pode indicar que os licenciandos planejaram
apresentar a relao CTS por meio de exposio oral de fatos ou
situaes (estratgia metodolgica diretiva/passiva). O que foi
interpretado, como contendo possvel alternativa, foi a
perspectiva da utilizao da oralidade no contexto do ensino de
Fsica. Em outras palavras, a nfase em uma comunicao oral
como instrumento de apresentao e descrio de fatos,
equipamentos e situaes ligadas relao CTS, pode indicar
um caminho de alternativas para a criao de atividades de
ensino sobre a relao considerada.
Anlise do grupo de fsica moderna
Os quadros seqentes contm declaraes dos
licenciandos do grupo de fsica moderna provenientes do debate
e de seus planos de ensino.

142

der Pires de Camargo

Quadro 15: Implicao de dificuldades ao planejamento de atividades de


fsica moderna
Declarao

Enfoque
conceitual

Recurso
instruciona
l

Estratgia
metodolgi
ca

Justificativ
a

Implicao

53 (d) A gente tinha


pensado assim: se
fosse possvel usar
computador
para
trabalhar
fsica
quntica para tentar
usar alguns desses
aplicativos, mas no
sabemos se ser
possvel sempre a
gente
usar
os
computadores.

Relativo ao
conceito de
fsica
quntica

Multimeio
visual
(computad
or)

No
mencionad
a

Sem
relao
com
viso

Implica
dificuldade

A declarao 53 explicita uma dificuldade relativa


indisponibilidade de computadores para a execuo de uma
determinada ao educacional de Fsica. Tal dificuldade revela um
aspecto comum das escolas brasileiras, principalmente daquelas
mantidas pelo poder pblico, isto , a ausncia ou insuficincia de
computadores para o desenvolvimento de uma determinada
atividade. Dessa forma, embora, por muitas vezes, professores
planejem a utilizao de computadores para o tratamento de temas
cientficos, e uma quantidade variada de softwares venham sendo
desenvolvidos, a ausncia ou insuficincia ou mesmo burocracia
que envolvem a utilizao desse tipo de tecnologia apresenta-se
como um fator de dificuldade para o ensino de Fsica. Portanto,
fundamental o investimento por parte do poder pblico no sentido
de eliminar esse tipo de dificuldade.
Em relao aos alunos com deficincia visual,
fundamental investir e disponibilizar computadores com
sintetizador de voz, o que poderia representar o acesso desses
alunos a condies adequadas de interao com informaes e
conceitos cientficos, que, na maioria das vezes, encontram-se
disponveis somente em papel.
143

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

Quadro 16: Possvel implicao de dificuldades ao planejamento de atividades


de fsica moderna
Declaraes
54 (d) Falar de relatividade,
tentar mostrar a diferena
entre o mundo clssico e
quntico,
falar
de
velocidade da luz, tentar
trabalhar
relatividade
partindo da velocidade da
luz; talvez seria importante
passar um vdeo nesta parte
da aula,
55 (p) Ainda sobre o
assunto fsica clssica e
fsica moderna, os alunos
sero levados sala de
computao e orientados
pelos
professores
com
relao ao uso do CD com o
software educacional e que
mdulo devero explorar
naquele dia.
56 (p) As concepes sobre o
assunto fsica clssica e fsica
moderna sero trabalhadas da
seguinte ma-neira: h alguns
nomes de equipamentos que
eles devero separar em duas
colunas. Em uma delas,
devero ser registrados os
equipamentos que eles acreditam se relacionar com a
fsica moderna, e, na outra, os
que no pertencem a essa
rea da fsica. Depois sero
escolhidos alguns dos equipamentos expostos e explicar-se-o simplificadamente
como funcionam e em que
bases
da
fsica
so
enquadrados.

Enfoque
conceitual
Relativo
aos
conceitos
de
relatividade,
velocidade da luz,
fsica
clssica e
quntica

Relativo
aos
conceitos
de fsica
clssica e
moderna

Relativo
s
concepes
alternativas

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgica

Justificati
va

Implicao

Multimeio
audiovisual (vdeo)

Exposi
o
por
meio de
vdeos

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificuldades

Multimeio
visual
(computa
dor com
software
de
interface
visual)

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificulda
de

Multimeio
visual

Anlises,
classificao
e
explicao

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificuldades

144

der Pires de Camargo

57 (p) Tambm ser


aplicado outro questionrio
de concepes espontneas
em outros dias.

Relativo
s
concepes
alternativas

Multimeio
visual

Respostas
a
qustes
de forma
individual

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
dificuldades

As declaraes de 54 a 57 foram interpretadas como


contendo possveis dificuldades ao ensino de fsica moderna
para alunos com deficincia visual. As declaraes 54 e 55
referem-se ao emprego de multimeio audiovisual (vdeo) ou
visual (computador), e as declaraes 56 e 57 referem-se ao
planejamento do tratamento das concepes alternativas dos
alunos, fundamentado em recursos instrucionais visuais.
Na declarao 54, os licenciandos apresentaram o
planejamento do enfoque de fenmenos qunticos e
relativsticos (diferena entre os mundos clssicos e qunticos,
corpos velocidade da luz, etc. ). As teorias quntica e da
relatividade apresentam explicaes para uma realidade
fundamentada em dimenses subatmicas e velocidades da
ordem da velocidade da luz, realidade no observvel
visualmente. Entretanto, planejam os licenciandos utilizarem,
como recurso instrucional para a apresentao desses
fenmenos, um multimeio audiovisual, ou seja, o vdeo. Isso
denota a inteno da realizao da transformao de fenmenos
no visveis em representaes visveis, o que pode distorcer a
compreenso conceitual desses fenmenos. Por exemplo, a
explicao apresentada pela mecnica quntica ao tomo, sua
forma, constituio, localizao dos eltrons, spin, etc.,
fundamenta-se em conceitualizaes energticas, o que
inviabiliza o estabelecimento de analogias e metforas desses
objetos com elementos de uma realidade macroscpica. Por
outro lado, fenmenos relativsticos como a deformao
espao/tempo decorrente da invariabilidade da velocidade da
luz, caberiam mais a representaes abstratas e no a
representaes objetivas que se tentam produzir por meio da
145

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

criao de modelos imagem. Entende-se que alunos com


deficincia visual, pelo fato de no terem acesso a
representaes visuais, poderiam apresentar certa vantagem
em abstrair fenmenos como os mencionados (ver subtpico
I.III.). Em outras palavras, se um aluno cego de nascimento e,
portanto, nunca teve experincias visuais, os modelos mentais
que ele constri acerca da realidade Fsica, no se apiam em
imagens visuais (VIGOTSKI, 1997). Esse fato, como hiptese,
poderia ser um fator positivo produzido pela deficincia visual
para a compreenso de modelos de fenmenos qunticos e
relativsticos. Destaca-se, contudo, que esse tema carece de
investigao, representando, no momento, apenas uma hiptese.
A declarao 55 trata do planejamento da utilizao de
um software denominado Tpicos de Fsica Moderna,
desenvolvido por Machado (2005) para a realizao de um
projeto de doutorado (MACHADO, 2006). Esse software
apresenta contedos de fsica moderna por meio de textos que
podem ser acessados por temas explicitados em cones na tela
do computador. A variedade de temas permite aos alunos certa
autonomia no direcionamento dos contedos que pretendem
estudar, j que, para cada texto acessado, uma variedade de
cones, com temas relacionados ao contedo lido, surgem ao
lado do texto. Dessa forma, se um aluno est interagindo no
computador com textos ou figuras relacionadas a um
determinado tema, e se interessa por um outro apresentado na
tela por meio dos cones, ele pode clicar com o mouse o tema de
seu interesse, e o computador mostra na tela outro texto sobre o
tema escolhido e fornece, novamente ao usurio, as opes de
outros temas. O que foi interpretado, como contendo possvel
dificuldade, refere-se a um aspecto de mbito metodolgico e de
interface. Tal aspecto ser analisado na seqncia.
Na hiptese de a metodologia fundamentar-se numa
estratgia diretiva/passiva, ou seja, na interao individual do
aluno com o computador, o problema relacionado deficincia
146

der Pires de Camargo

visual estar na operao do programa educacional em questo.


Em outras palavras, se o aluno no enxerga, como ele vai ler e
acessar os cones do programa? Nesse contexto, o referido aluno
encontrar-se- numa condio de inoperabilidade mediante o
programa educacional. Por outro lado, a existncia de
sintetizador de voz para realizar a interface auditiva das
informaes, contidas na tela do computador, pode no
representar solues dificuldade indicada. necessrio
conhecer as condies de operao do programa educacional,
haja vista a possibilidade de que o mesmo tenha sido construdo
para ser manipulado apenas por controles do mouse.
Um outro aspecto de dificuldade, gerado devido
utilizao individual do programa educacional, refere-se
ineficcia de sintetizadores de voz para computador, como o
caso do Virtual Vision, em descrever informaes contidas em
figuras, grficos, equaes etc. Nesse caso, seria necessrio a
disponibilizao ao aluno com deficincia visual, de maquetes
desses elementos, ou mesmo, de programas computacionais que
estabelecem interfaces tteis com o usurio, como o caso do
Triangle.
Portanto, entende-se que necessrio articular a
utilizao do programa educacional de fsica moderna s
estratgias dialgicas/participativas; essa articulao poderia
proporcionar condies de colaborao entre os discentes com e
sem deficincia visual.
As declaraes 56 e 57 referem-se ao planejamento do
tratamento das concepes alternativas dos alunos, tratamento
que se fundamenta em estratgias metodolgicas que, por
contemplarem atitudes discentes de reflexo, anlise, tomadas
de deciso, e atitudes docentes de conhecimento das idias dos
alunos, durante todo o processo, aproximam-se de estratgias
dialgicas/participativas. A estrutura geral metodolgica para o
tratamento das concepes parece adequada; contudo, um
aspecto dessa estrutura foi interpretado como contendo possvel
147

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

dificuldade (aes de escolha e classificao de nomes de


equipamentos e posterior separao e escrita desses nomes em
colunas). Essa dificuldade pode ser sanada, se for disponvel aos
alunos os nomes dos equipamentos em braile, ou mesmo, se
existir a possibilidade de se dispor aos alunos os prprios
equipamentos, a fim de que os mesmos possam ser tocados e
manipulados. Uma outra possibilidade articular uma estratgia
metodolgica que d condies para que os alunos videntes
trabalhem em conjunto com os alunos com deficincia visual, o
que poderia proporcionar situaes de ajuda. Em outras
palavras, os alunos videntes poderiam ler os nomes dos
equipamentos e anotar a classificao indicada pelo discente
com deficincia visual. O docente tambm poderia executar essa
ao colaborativa.

148

der Pires de Camargo

Quadro 17: Possveis alternativas ao planejamento de atividades de fsica


moderna
Declaraes
58 (d) Tambm falar
sobre uma parte da
histria, isto seria a
primeira aula.
59 (p)Mostrar-se- aos
alunos que, atravs da
histria da cincia, houve
contribuies importantes
para a sociedade.
60 (p) A partir do ponto
de
vista
histrico,
discorrer-se- sobre o
surgimento e desenvolvimento dessas duas
teorias
(teoria
da
relatividade e da mecnica quntica) reafirmando que ambas ainda
so questionadas.
61 (d) Na primeira aula,
fazer uma introduo do
tema de fsica moderna e
falar tambm dos avanos
tecnolgicos com essa
parte de cincias e a parte
de sociedade.
62 (p) Vamos buscar
relacionar os temas de
fsica clssica com a
cincia/tecnologia/socieda
de at chegar fsica
moderna.
63 (p) Sero discutidos os
acidentes nucleares, as
bombas atmicas e outras
formas de energia. Esses
debates abordaro a tica
e a no imparcialidade do
papel da cincia e do
cientista nesses episdios.

Enfoque
conceitual

Recurso
instrucional

Estratgia
metodolgica

Justificativa

Implicao

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
histria da
cincia

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade

No
mencionado

Aula
expositiva

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
cincia,
tecnologia
e
sociedade

No
mencionado

Realizao
de debates

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

149

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica


64 (p) Os alunos reunir-seo em grupos para tentar
responder
a
algumas
questes do CD que sero
previamente
escolhidas
pelos professores. As
questes do CD que no
forem selecionadas para os
grupos de alunos podero
ser usadas pelos professores para esclarecimentos
adicionais.

Relativo
conceitos
de fsica
moderna

Multimeio
visual
(computador com
software de
interface
visual)

Trabalho
em grupos
com
situaesproblema

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

65 (p) Os alunos tambm


sero divididos em grupos
para tentar responder a
algumas perguntas do CD
selecionadas pelo professor sobre relatividade.

Relativo
ao
conceito
de
relatividade

Multimeio
visual
(computador com
CD tpicos
de fsica
moderna)

Trabalho
em grupos
com
situaesproblema

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
aos
conceitos
de fsica
moderna

Multimeio
visual
(computadores com
software
educaciona
l)

Avaliao
em grupos
sobre
questes

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
ao
conceito
de
dualidade
da luz

No
mencionado

Pea
teatral
com
participao
dos
docentes e
dos
discentes

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

Relativo
ao
conceito
de
dualidade
da luz

No
mencionado

Avaliao
por meio
do teatro

Sem
relao
com
a
viso

Pode
implicar
alternativa

66 (p) A avaliao ser


feita em grupos, algumas
vezes em relao a que
nvel de respostas os alunos
conseguiram chegar nas
questes propostas, que j
foram formuladas e esto
no software educacional.
67 (p) Ser apresentada a
pea teatral: luz, onda ou
partcula?

protagonizada pelos professores. Como a pea se


passa em um tribunal de
justia, os alunos participaro como corpo de
jurados, dando o des-fecho
final da histria.
68 (p) No caso das aulas
referentes dualidade do
comportamento da luz, o
teatro ser a ferramenta de
avaliao, j que sero os
alunos, por meio dos
conhecimentos adquiridos
nas aulas, que decidiro o
desfecho da histria

150

der Pires de Camargo

As declaraes de 58 a 68 foram interpretadas como


contendo possveis alternativas ao ensino de fsica moderna para
alunos com deficincia visual. Essas declaraes organizaram-se
em quatro conjuntos de acordo com semelhantes aspectos do
enfoque conceitual dos contedos, das estratgias metodolgicas
e dos recursos instrucionais.
As declaraes 58, 59 e 60 (conjunto -1) possuem
caractersticas semelhantes por se referirem ao planejamento do
enfoque histrico. As declaraes 61, 62 e 63 (conjunto -2)
caracterizam-se, por abordarem as relaes cincia, tecnologia e
sociedade. As declaraes 64, 65 e 66 (conjunto -3) contemplam
o planejamento da utilizao do software educacional
(MACHADO, 2005), articulado s estratgias metodolgicas
dialgicas/participativas. Por fim, as declaraes 67 e 68
(conjunto -4) referem-se ao uso de uma estratgia metodolgica
dialgica/participativa, fundamentada na realizao de uma pea
teatral.
As declaraes constituintes do conjunto 1 caracterizamse pelo planejamento de o enfoque histrico fundamentar-se em
aulas expositivas de fatos ou acontecimentos. Esse tipo de
abordagem est vinculado metodologia diretiva/passiva. Nessa
perspectiva, entende-se que a articulao entre metodologia e
enfoque conceitual pode representar alternativa aos alunos com
deficincia visual. Essa alternativa vincula-se s caractersticas
da informao a ser oralmente apresentada, referentes
descrio de fatos, de acontecimentos histricos e na capacidade
receptiva auditiva do aluno. Uma outra possvel alternativa, no
indicada pelos licenciandos, refere-se ao vnculo entre enfoque
histrico e leitura de textos paradidticos (estratgia
dialgica/participativa) o qual pode proporcionar a ocorrncia de
episdios colaborativos de ensino. Nesses episdios, alunos
com e sem deficincia visual executariam funes
complementares de leitura, interpretao e discusso dos

151

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

assuntos histricos contidos nos textos. Tal temtica merece


investigao.
As declaraes, que constituem o conjunto 2, referem-se
ao enfoque das relaes cincia, tecnologia e sociedade. Essas
declaraes possuem duas caractersticas metodolgicas
distintas. As declaraes 61 e 62 caracterizam-se pelo
planejamento de aula expositiva (estratgia diretiva/passiva), e a
declarao 63 prev a realizao de debates (estratgia
dialgica/participativa). Entende-se que a exposio oral de
elementos da relao CTS poderia representar uma alternativa
ao ensino de fsica moderna para alunos com deficincia visual,
pois desvincula a comunicao entre docente e discentes da
linguagem visual. Por outro lado, tanto a realizao de debates
ressalta a importncia da oralidade em aulas de Fsica que
contemplam a presena de alunos com deficincia visual, como
tambm, a criao de ambientes colaborativos e interativos de
ensino/aprendizagem. Nesse sentido, poderia ser vivel a
utilizao de leituras de textos paradidticos, j que essa
estratgia metodolgica pode criar as condies de colaborao,
interao, discusso, questionamentos, etc.
As declaraes do conjunto 3 dizem respeito utilizao
de um multimeio visual em articulao com estratgias
metodolgicas dialgicas/participativas. As declaraes 64 e 65
referem-se realizao de trabalhos em grupos sobre questes
contidas no CD educacional (MACHADO, op. Cit.), e a
declarao 66 refere-se avaliao em grupos (avaliao de
contedos do CD). Embora o CD estabelea unicamente
interface visual com o usurio, considera-se que a articulao
entre esse multimeio e metodologia dialgica/participativa, pode
suprir as dificuldades relativas mencionada interface, pois
possibilita a criao de condies de colaborao entre alunos
com e sem deficincia visual.
Essas condies objetivam superar as dificuldades
oriundas de operaes individuais de equipamentos. Em muitas
152

der Pires de Camargo

ocasies, essas operaes representam pr-requisito realizao


de atividades educacionais. No caso do CD, alunos com
deficincia visual encontram-se impossibilitados de realizarem a
atividade educacional, que , certamente, mais importante que a
atividade operacional. Em outras palavras, as relaes
colaborativas, durante a utilizao do CD, podem originar
episdios de ensino em que alunos videntes leiam as
informaes contidas, no recurso instrucional, e todos os alunos
participem das discusses.
A articulao mencionada pode representar alternativas
para a problemtica da avaliao de alunos com deficincia
visual, pois tira o foco da avaliao da individualizao e da
padronizao de aes, dando condies ao docente de receber
informao oral e/ou escrita de todos os alunos, sendo a primeira
oriunda dos momentos de discusses, e a segunda, do registro
escrito das snteses realizadas, por exemplo, por um aluno
vidente.
As declaraes do conjunto 4 referem-se utilizao de
pea teatral para o enfoque de conceitos de fsica moderna
(estratgia dialgica/participativa). A declarao 67 refere-se ao
planejamento da apresentao do fenmeno do comportamento
dual da luz, e a declarao 68 ao planejamento para a avaliao
dos conceitos relativos a esse fenmeno. A estratgia
metodolgica pretende, por meio de uma pea teatral, envolver
docentes e discentes em discusses e reflexes: os alunos
participaro como corpo de jurados, dando o desfecho final da
histria (declarao 67).
A pea teatral foi interpretada como possvel alternativa,
j que, hipoteticamente, no vincula a comunicao a linguagens
inacessveis aos alunos com deficincia visual. Em outras
palavras, supe-se que a interatividade gerada pela pea pode
levar videntes e deficientes visuais criao de canais
adequados de comunicao acerca de fenmenos de fsica
moderna e relatividade. Tais fenmenos, por sinal, no so
153

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

observveis visualmente, mas so, no campo educacional,


registrados e comunicados por meio de cdigos visuais. Esse
fato, como indica Mazine (1994), denota a influncia da cultura
de videntes no mbito educacional e reflete a crena na
objetividade da viso. Desarticular conhecimento e viso, para
os casos da fsica moderna e da relatividade, mais que
necessrio, uma exigncia conceitual.

IV.IV. Consideraes finais


Enfocando as principais reaes apresentadas pelos
grupos de licenciandos acerca da problemtica educacional, que
a eles foi apresentada, podem-se traar os seguintes perfis de
dificuldades e alternativas:
Relao entre conhecer fenmenos fsicos e ver esses
fenmenos
A principal dificuldade apresentada pelos grupos de
licenciandos refere-se relao direta entre observar
visualmente o fenmeno ou suas representaes e a elaborao
de estratgias metodolgicas para o ensino desse fenmeno.
Acerca da referida relao, cabe retomar o argumento
apresentado no captulo I (subtpico I.IV.).
O conhecimento cientfico metafrico, no representa a
realidade objetiva, ontolgica de um determinado fenmeno ou
evento (MOREIRA, 1999). Nesse contexto, o ser humano busca,
por meio de metforas e analogias, representar modelos acerca
do objeto que pretende conhecer. Com a luz, por exemplo, isso
vem ocorrendo, atravs dos anos, sendo que esse objeto tem sido
interpretado e relacionado a elementos conhecidos do homem, e
de forma especfica, partcula e onda. Muitos foram os
debates histricos acerca desse tema, o que culminou na
interpretao atual da dualidade partcula/onda para a natureza
154

der Pires de Camargo

da luz. Essa interpretao, alm de adequar-se explicao de


fenmenos relacionados luz, torna compreensvel e
mentalmente observvel e visualmente representvel um
objeto que no pode ser visto, isto , a estrutura que constitui a
luz. Assim, relacionando de forma simplificada a observao
mental a elementos de conhecimento e a representao visual
a elementos de ensino, torna-se natural em uma cultura de
videntes (MASINE, 1994) a associao entre conhecer/ensinar
um determinado objeto e ver esse objeto. Nessa linha de
raciocnio, entende-se que, quanto mais as variveis cultura de
videntes e estratgias metodolgicas diretivas/passivas
articularem-se, mais relacionar-se-o os elementos conhecer e
ensinar um determinado fenmeno a representaes visuais
desse fenmeno.
Esses fatores, alm de representarem limitaes ao
ensino e aprendizagem de fenmenos como os relacionados
natureza da luz, colocam o aluno com deficincia visual numa
posio de dificuldade de ensino. Em outras palavras, a
utilizao de representaes visuais de fenmenos no
observveis visualmente no ensino de Fsica, pode representar
distores conceituais em relao ao conhecimento e
entendimento desses fenmenos. Parece haver uma relao entre
conhecer e ver, na medida em que o convencimento do que se
conhece apenas se estabelece pela visualizao ou representao
visual do objeto de conhecimento. Superar tal relao e
reconhecer que a viso no pode ser utilizada, como prrequisito para o conhecimento de alguns fenmenos fsicos,
pode indicar alternativas ao ensino de Fsica, as quais enfocaro
a deficincia visual no como uma limitao ou necessidade
educacional especial, mas como perspectiva auxiliadora para a
construo do conhecimento de Fsica por parte de todos os
alunos.

155

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

O desconhecimento da pessoa com deficincia visual


Tal desconhecimento foi observado de forma explcita junto aos
licenciandos do grupo de ptica. Sua anlise ser fundamentada,
no modelo de VIGOTSKI para a cegueira, apresentado no
captulo I (subtpico I.III.).
O desconhecimento da pessoa com deficincia visual no
neutro. Em geral, ele fundamenta-se em dois princpios, a
saber: (a) conhecimento mtico e supersticioso sobre a
deficincia visual e (b) idia da substituio dos rgos do
sentido tal como ocorre para o caso dos rins e pulmes.
(a) O conhecimento mtico acerca da deficincia visual
assume de forma simultnea, interpretaes extremas sobre as
reais potencialidades das pessoas cegas ou com baixa viso.
Nessa perspectiva, a deficincia visual associada com
infelicidade, invalidez, medo supersticioso e grande respeito.
Paralelamente idia de invalidez, aparece a idia de que nos
deficientes visuais se desenvolvem as foras msticas da alma,
como um acesso viso espiritual (VIGOTSKI, 1997). Graas a
esse conhecimento mtico, a cultura popular entende o deficiente
visual como uma pessoa que possui viso interior, dotada de
conhecimento espiritual, no acessvel a outras pessoas.
(b) A substituio dos rgos do sentido: esse tipo de
conhecimento acerca da deficincia visual baseia-se na
substituio de rgos do sentido, como no caso dos rgos
pares rins e pulmes, isto , na ausncia ou no funcionamento
de um deles, o outro exerceria suas funes (VIGOTSKI, op.
Cit.). Ao contrrio de tal concepo, nos cegos no existe o
desenvolvimento supernormal das funes do tato e da audio.
Fenmenos como o da agudeza ttil, nos deficientes visuais, no
surgem da compensao fisiolgica direta da limitao visual,
mas sim, de uma via indireta, muito complexa, ou seja, da
compensao scio-psicolgica geral. Em outras palavras, o tato
ou a audio nunca ensinaro o cego realmente a ver, portanto,
conforme assinala Vigotski (op. Cit.), preciso compreender a
156

der Pires de Camargo

substituio, no no sentido de que outros rgos assumam


diretamente as funes fisiolgicas da vista, mas sim, no sentido
da reorganizao complexa de toda a atividade psquica,
provocada pela alterao da funo visual e dirigida por meio da
associao da memria e da ateno, ou seja, da criao de um
novo tipo de equilbrio do organismo em funo do rgo
afetado.
A superao da concepo mstica e da idia da
substituio poderia ser trabalhada nos cursos de formao de
professores, o que influiria positivamente na relao de docentes
e discentes com deficincia visual, e conseqentemente, nas
aes educacionais planejadas e conduzidas por esse docente.
Em outras palavras, necessrio ao docente de Fsica o
conhecimento das reais potencialidades e limitaes de seu
aluno com deficincia visual, o qual passa pela definio de
deficincia visual, fenmeno que no se restringe cegueira,
mas que abrange tambm a baixa viso. Nessa linha de
pensamento, o conhecimento da funcionalidade visual do aluno,
pode influir na definio de metodologias e na utilizao de
meios de ensino mais adequados ao perfil observacional desse
discente. Esse conhecimento aproximar docente e discente com
deficincia visual, na medida em que o primeiro no
estabelecer com o segundo relaes msticas do tipo: meu
aluno com deficincia visual no participa da aula porque no
consegue fazer as atividades, seria melhor ele estudar numa
escola especializada, coitado dele, no enxerga, como vai
aprender?, ou ento, tenho um aluno que, apesar de cego,
muito inteligente porque tem um sexto sentido para ver as
coisas. No obstante, a superao da idia da substituio dos
rgos do sentido fundamental para a definio de critrios de
observao de fenmenos, adequao semntica e de
acessibilidade da linguagem utilizada em sala de aula e
interpretao das caractersticas do conhecimento do aluno com
deficincia visual acerca dos fenmenos fsicos estudados.
157

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

A atribuio de responsabilidades
Observou-se essa dificuldade explicitamente junto ao grupo de
eletromagnetismo. Trata-se da justificativa de a dificuldade de
se ensinar Fsica para alunos com deficincia visual
fundamentar-se no argumento da no existncia de materiais
prprios para a realizao desse ensino.
Esse fato, embora tenha sido observado junto ao grupo
de eletromagnetismo, no se restringe a este campo de
conhecimento e deficincia visual, podendo ser verificado em
outras disciplinas e com outras deficincias. Isso pode ser uma
caracterstica prpria de alguns professores, a qual um fator
que dificulta para a incluso do aluno com deficincia e que
precisa ser superada. Em outras palavras, a qualidade da
incluso escolar de alunos com deficincias, estar em parte
vinculada ao conjunto de conhecimentos docentes sobre o
fenmeno da deficincia e sobre as funes e responsabilidades
do professor em sala de aula. possvel, por exemplo, que o
docente partilhe da idia da educao segregada, isto , de que
alunos com deficincia devam estudar em instituies de ensino
especializadas. Essa idia e o argumento da formao
inadequada e da no existncia de recursos materiais podem
constituir a base para a consolidao de posies passivas
mediante a problemtica da incluso escolar de alunos com
deficincias.
A no superao de procedimentos tradicionais de ensinoaprendizagem
Esse tipo de dificuldade no exclusivo problemtica do
ensino de Fsica e da deficincia visual, contudo influencia
diretamente o planejamento de atividades de ensino de Fsica
que atendam s necessidades de todos os alunos.
Aqui se apresenta um posicionamento particular a favor
de atividades dialgicas/participativas em relao a atividades
diretivas/passivas. Se, por um lado, a incluso no se limita
158

der Pires de Camargo

simples insero do aluno com deficincia em sala de aula, por


outro, a pedagogia tradicional, por si, no garante a excluso
desses alunos. Voltando idia de incluso, esse um processo
bilateral de adequao que exigir de seus participantes e do
sistema educacional, responsabilidades e funes de adaptao
s condies de ensino. Em outras palavras, sem eximir a
responsabilidade dos alunos com deficincias no processo de
adaptao s condies de ensino, tal processo deve ser
estruturado em funo da diversidade de necessidades de todos
os discentes. Particularmente, duas condies so consideradas
essenciais incluso escolar de alunos com deficincias: a
criao de canais adequados de comunicao entre os
participantes do meio educacional, e a criao de condies para
a obteno de respostas de todos os alunos sobre os efeitos
produzidos pelo tratamento educacional a que os mesmos foram
submetidos. Nessa perspectiva, o perfil comunicativo e de
obteno de respostas, caracterstico de um ambiente de ensino
tradicional, limita a participao discente a uma condio
passiva, e a comunicao docente a uma condio homognea,
em geral caracterizada por uma linguagem udio-visual
interdependente. Tal perfil comunicativo e de obteno de
respostas podem gerar um labirinto de problemas de
adequao do sistema educacional s necessidades dos alunos
com deficincias, inviabilizando sua incluso. Por outro lado,
ambientes de ensino, caracterizados por estratgias
metodolgicas dialgicas/participativas, podem criar veculos
adequados de comunicao e de obteno de respostas, na
medida em que favorecem a argumentao e a exposio de
idias entre seus participantes. Como sugerem os Parmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a elaborao de
propostas de ensino que favoream a implantao da incluso
escolar deve basear-se na interao entre os alunos, no
reconhecimento de todos os tipos de capacidades presentes na
escola, em metodologias diversas e motivadoras e em avaliaes
159

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

processuais e emancipadoras. Nessa perspectiva, as interaes


entre docente e discentes, com e sem deficincias, podem trazer
tona as reais dificuldades e dvidas dos alunos, o que pode
exigir do professor a busca de cdigos de comunicao
adequados compreenso dos discentes e, em especial, dos com
deficincia visual.
Busca de solues
Enfocam-se, neste item, atitudes dos licenciandos que
foram interpretadas como alternativa para a superao da
problemtica educacional aqui tratada.
Retomando sinteticamente o que j foi discutido, os
participantes do grupo
2 propuseram a criao de um
dispositivo para a observao auditiva do fenmeno da corrente
eltrica. A lgica, estabelecida por esse grupo para a superao
da problemtica do ensino de Fsica e da deficincia visual,
fundamenta-se no rompimento entre a observao visual de
esquemas ou modelos visuais do fenmeno da corrente eltrica e
seu ensino. Os participantes do grupo 1 apresentaram
alternativas para o ensino dos fenmenos de reflexo da luz em
espelhos e refrao da luz. Essas alternativas eram
fundamentadas na construo de maquetes para o ensino da
reflexo, e na utilizao de situaes problemas para o ensino da
refrao. No caso da reflexo da luz, a lgica de ensino consiste
na transposio de um fenmeno, observado visualmente, em
uma forma de representao no visual desse fenmeno. No
caso da refrao, a lgica consiste na utilizao de situaesproblemas a fim de se descobrir o que alunos com deficincia
visual argumentam mediante o que no esto observando, para
que aes futuras sejam planejadas. Para o grupo 3, as
alternativas de ensino fundamentam-se na realizao de
experimentos acerca de propriedades ou de fenmenos no
observados visualmente como o caso da diferena entre calor e

160

der Pires de Camargo

temperatura e de fenmenos tambm observveis tatilmente


como o caso da dilatao volumtrica de uma bexiga.
Todas as alternativas apresentadas tratam de atitudes no
passivas adotadas pelos licenciandos mediante o problema
mencionado. Essas atitudes visam superar a dificuldade
denominada: Atribuio de responsabilidades, pois se
caracterizam pelo agir, pelo elaborar, pelo criar, pelo correr
riscos e pela no atribuio de responsabilidades a outrem.

161

Cap. IV O planejamento de atividades de ensino de fsica

162

der Pires de Camargo

Captulo V

Proposta para o desenvolvimento de um


curso sobre os conceitos de atrito, gravidade e
acelerao para alunos com deficincia visual

V.I. Modelo para o planejamento e a conduo de


atividades de ensino de fsica
O presente captulo apresenta resultados oriundos de
uma tese de doutorado (CAMARGO, 2005). Fornece a
professores de Fsica uma proposta para o ensino de conceitos
dessa disciplina para alunos cegos e/ou com baixa viso. Para
tanto, apresenta cinco atividades. As duas primeiras relacionam
atrito e acelerao; a terceira e a quarta relacionam gravidade e
acelerao, e a quinta aborda a resoluo de um problema
aberto. A conduo das atividades fundamenta-se em
observaes tteis e auditivas do objeto de estudo e em
interaes sociais entre seus participantes. Na seqncia,
apresentam-se os critrios adotados na elaborao das
atividades.

163

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Componentes prticos e elementos de estrutura


A elaborao das atividades apoiou-se em 3
componentes prticos: tarefas, grupos e debates (WHEATLEY,
1991). Essas atividades, todavia, possuem uma estrutura interna
que se fundamenta em trs elementos, denominados elementos
de estrutura. So eles: (a) Interao com o objeto de estudo, (b)
Resoluo de problemas e (c) Confronto de modelos (GILPERES et. al. 1999).
Tanto os componentes prticos quanto os elementos de
estrutura objetivam permitir ao discente com deficincia visual:
Condies de observar o fenmeno estudado
Para tal, construram-se equipamentos e dispositivos que
permitem a alunos com deficincia visual o estabelecimento de
interaes auditivas e tteis com o objeto de estudo.
Condies para anlises (qualitativas e quantitativas)
das situaes-problemas
Tendo em vista a sistematizao de anlises qualitativas
e quantitativas dos fenmenos estudados por parte dos alunos
com deficincia visual, disps-se aos mesmos materiais que
produzem interfaces sonoras e tteis, bem como, textos e
questes.
Elaborar estratgias e hipteses para a resoluo dos
problemas propostos e confrontar as hipteses elaboradas ao
corpo de conhecimento de que se dispe
A fim de que modelos explicativos para os fenmenos
estudados sejam explicitados e submetidos a questionamentos,
as atividades contemplam momentos de trabalhos em grupos e
de debates.
O processo prtico de conduo das atividades obedece
seguinte sistemtica: inicialmente, apresenta-se aos alunos uma
tarefa que se constitui na observao de um fenmeno e na
reflexo de um problema relacionado a tal fenmeno (interao
com o objeto de estudo). Em seguida, os alunos, em pequenos
164

der Pires de Camargo

grupos, trabalham na realizao dessas tarefas (resoluo de


problemas). Por fim, a classe toda se rene para um debate, e os
grupos de alunos apresentam para seus colegas e para o professor as
solues que obtiveram para o problema que foi trabalhado (confronto
de modelos) (WHEATLEY, op. cit.).
No contexto descrito, as aes docentes podem ser
apresentadas da seguinte maneira: durante o trabalho em grupo, o
professor dever circular pelos grupos, atendendo aos alunos que
necessitam de sua ajuda. No momento do debate, ele dever coordenar
o andamento do mesmo, intervindo e auxiliando sempre que
necessrio. Suas intervenes devem sempre buscar a sntese de
idias, a organizao de modelos propostos pelos alunos, a
coordenao de confrontos entre esses modelos, e a introduo dos
modelos cientficos, confrontando-os com os apresentados pelos
alunos.

V.II. As atividades
As atividades possuem problema central, questes
avaliativas, textos falados e uma situao- problema aberta. Os
textos, os problemas centrais, as questes avaliativas e a
situao-problema foram gravados e podem ser apresentados aos
alunos. Observa-se que as gravaes foram realizadas em um
estdio
e
encontram-se
disponveis
em:
http://www.fc.unesp.br/pos/ciclos/index.htm
(clicar
em
downloads e depois nos arquivos udio.mp3).
ATIVIDADE A: contextualizao do fenmeno do atrito
O objetivo da atividade (a) o de proporcionar
condies para que alunos com deficincia visual reconheam
por meio do referencial do atrito, diferentes objetos e
superfcies, a fim de contextualizar o estudo do referido
fenmeno. A mencionada atividade tem um desenvolvimento
165

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

prtico fundamentado em trs momentos: (1) Momento de


interao com o fenmeno estudado (grupos), (2) Momento de
propostas e de discusso de situaes-problemas (debate); (3)
Momento de apresentao de modelos, snteses e concluses. Na
seqncia, apresentam-se algumas orientaes para a conduo
prtica da atividade (a).
Grupos
Debate
Dando seqncia, o professor poder organizar um
debate entre os alunos acerca de trs questes: (1) Diferenas e
semelhanas observadas tatilmente entre os objetos e entre as
interaes provenientes dos contatos desses objetos; (2)
Situaes de seus cotidianos onde estejam presentes questes
relacionadas com as caractersticas observadas; (3) Situaes
onde o atrito pode ser encarado como necessrio ou
desnecessrio.
Mediao docente
Buscando apresentar modelos cientficos relacionados ao
surgimento do atrito e uma organizao dos temas discutidos, o
professor poder ler ou utilizar-se de um toca-CD para
apresentar aos alunos o texto falado: Entre tapas e beijos.
Entre tapas e beijos
(arquivo Audio1.mp3).
Na Fsica, a idia de contato est
relacionada interao que surge quando
objetos se tocam. Podemos entender essa idia se
pensarmos em nosso prprio corpo. Ele est
equipado para sentir estas interaes, que podem
se manifestar sob as mais diferentes formas,
produzindo uma grande variedade de sensaes
166

der Pires de Camargo

em nossa pele. Uma boa bofetada, por exemplo,


corresponde a uma interao entre a mo de
quem bate e a face de quem recebe, assim como
um carinho. Do ponto de vista da Fsica essas
duas interaes so da mesma natureza. Uma
diferena bsica entre elas a intensidade da
fora aplicada: um tapa, em geral, significa uma
fora muito mais intensa do que um carinho.
Porm h outra diferena importante entre o
tapa e o carinho: a direo da fora aplicada.
Em um tapa, a fora na direo perpendicular
face da vtima, e no carinho, em geral, essa
fora ocorre numa direo paralela pele. Essa
distino tambm ocorre em outras situaes em
que existe o contato entre os objetos. Em batidas,
chutes, pancadas, beijos, espetadas, ou mesmo
simplesmente quando um objeto se apia sobre
outro, temos foras que agem na direo
perpendicular ou normal superfcie dos objetos
e, por isso, so denominadas foras normais. Em
outros casos, a fora aparece na direo paralela
superfcie. o que ocorre em situaes como
arranhes, raspadas, esfregadas, deslizamentos,
etc. Em geral, essas foras recebem o nome de
foras de atrito. Portanto, os efeitos das foras de
contato entre objetos dependem da maneira como
so aplicados, paralela ou perpendicular
superfcie. Mas no s isso que influi. Tambm
so importantes: a intensidade da fora, as
caractersticas dos objetos e de suas superfcies,
e o tempo em que eles permanecem em contato
(COPELLI, et. Al. 1998).

167

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Por meio dos eventos cotidianos "tapa" e "carinho",


abordados no texto, podem ser apresentados dois tipos de
interao entre superfcies: a interao perpendicular
superfcie (tapa), e a interao paralela superfcie (carinho). O
professor, com a finalidade de apresentar aos alunos um
referencial sonoro (papapa), poder explicar que, batendo sua
mo perpendicularmente mesa, ao contrrio das interaes
perpendiculares, o atrito surge das interaes paralelas entre
superfcies. Deslizando sua mo paralelamente mesa e
produzindo um rudo (xixixixi), ele dever evidenciar as
diferenas existentes entre os dois referidos tipos de interao e
mostrar que o atrito surge das interaes paralelas.
Para terminar a atividade, o professor, com a finalidade
de explicar individualmente as diferenas entre as duas
interaes citadas, poder locomover-se entre os alunos.
Pegando em suas mos e interagindo-as com a mesa das
maneiras descritas, ou seja, batendo-as levemente e esfregandoas mesa, ele poder apresentar as definies de
"perpendicular" e "paralelo", e relacionar a primeira ao conceito
de "fora normal", e, a segunda ao de "fora de atrito". Na
seqncia, apresenta-se a atividade (b) que complementa o
ensino do conceito de atrito trabalhado na atividade (a)
relacionando-o ao conceito de desacelerao.
ATIVIDADE B: o atrito e o conceito de desacelerao
Objetivos:
a) Compreender o atrito como resultado da interao e
do deslizamento de uma superfcie sobre outra.
b) Observar tatilmente o comportamento do movimento
de blocos de madeira sobre superfcies de diferentes polimentos
(o conceito de desacelerao).
Materiais a serem utilizados
Quite 2
168

der Pires de Camargo

constitudo pelos seguintes materiais: (1) Trs


superfcies, sendo uma spera como uma lixa, outra bem lisa, e
uma outra com um polimento intermedirio; (2) Blocos de
madeira, em formato de paraleleppedo, de mesmas superfcies,
e diferentes massas. Obs) As massas dos blocos podem ser
aproximadamente: 100 g, 300 g, e 500 g.
Foto (1) Blocos de diferentes massas sobre as
superfcies

Quite 3
constitudo pelos seguintes materiais: (1) Uma
superfcie de apoio enrugada; (2) Um objeto com a superfcie
de apoio enrugada. Obs) Tanto a superfcie quanto o objeto,
devem permitir ao aluno com deficincia visual observar com o
tato suas salincias.

169

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Foto (2) Bloco enrugado sobre a superfcie


enrugada

Quite 4
constitudo pelos seguintes materiais: (1) Um pedao
de um cabo de vassoura de 30 cm de comprimento, fixo
perpendicularmente a uma pequena tbua de 30 cm de
comprimento por 20 cm de largura. Com esse objeto, pretendese representar uma reta normal a uma superfcie; (2) Trs
pedaos de madeira de 5 cm de largura por 15 cm de
comprimento, fixos paralelamente a uma pequena tbua de 30
cm de comprimento por 20 cm de largura. Pretende-se, com esse
objeto, representar retas paralelas.

170

der Pires de Camargo

Foto (3) Representao de uma reta normal a uma


superfcie

Foto (4) Representao de retas paralelas

171

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Este material (quite 4) objetiva contribuir para a construo dos


conceitos de fora normal e de fora de atrito, visto que utilizase de um referencial ttil para a observao de retas dispostas
perpendicular e paralelamente.
A conduo da atividade
O professor poder conduzir a atividade em quatro
etapas: etapa de experimentao; etapa de discusso de
problemas; etapa de exposio de modelos; etapa de avaliao.
Etapa de experimentao: Nesta etapa, o professor
pode desenvolver as seguintes aes organizacionais: I. Separar
os alunos em grupos de, no mximo, quatro alunos e distribuir
aos grupos os materiais do quite 2; II. Ligar o toca-CD, no
problema central da atividade, ou ler o problema central aos
alunos (arquivo: audio2.mp3); III. Solicitar aos alunos para que
empurrem os diferentes blocos de madeira, em diferentes
posies sobre as superfcies lisas e speras, e para que
observem tatilmente o que ocorre com o movimento desses
blocos nas diferentes superfcies.
Problema central da atividade: Quais so os principais
fatores que influenciam o movimento do bloco? O "peso" do
objeto importante? Seu formato importante? Ambos so
importantes? Como podemos descobrir?
Conscientes do problema central, os alunos, ao
interagirem com os materiais do quite 2, podero iniciar a busca
de solues ao referido problema.
Etapa de discusso de problemas: Nesta etapa, o
professor poder organizar um debate entre os grupos, para que
os mesmos possam apresentar suas concluses sobre o
fenmeno observado. Durante esse debate, o professor poder
apresentar os argumentos cientficos sobre o tema em questo,
representando, dessa forma, mais um grupo participante da
discusso.
172

der Pires de Camargo

Etapa de exposio de modelos


Encerrados os momentos de experimentao e de
discusso de problemas, o professor, por meio dos quites 3 e 4,
do texto sobre o atrito e de explicaes orais e tteis, poder
expor
aos alunos o modelo de Coulomb e o modelo
Eletromagntico para o fenmeno do atrito, e relacionar o
referido fenmeno ao da acelerao.
O professor, aps entregar o quite 3 aos grupos de alunos
e permitir que os mesmos o observem por um tempo, poder
explicar individualmente a cada um, fazendo-os tocarem, nos
materiais do quite 2, e observarem que as superfcies dos
referidos materiais representam superfcies ao nvel atmico,
ampliadas. Nesse contexto, pode explicar que, de acordo com
Coulomb, "a causa do atrito se deve existncia de
irregularidades entre as superfcies em contato, que se
encaixariam umas nas outras, dificultando o deslocamento
relativo entre elas" (GASPAR, 2000). O professor poder
enfatizar que o modelo de Coulomb para o atrito no o mais
aceito. Visando aprofundar as explicaes acerca do tema
estudado, poder ligar o toca-Cd, no texto sobre o atrito, e, aps
os alunos ouvirem o referido texto, poder apresentar a eles o
modelo Eletromagntico.
Texto sobre o atrito
Arquivo: audio3.mp3
Para iniciarmos o movimento de um
bloco, que est apoiado sobre uma superfcie,
sentimos uma certa resistncia. Geralmente,
assim que esse movimento se inicia, essa
resistncia diminui. Isso ocorre, pois, quando
fazemos a superfcie de um corpo escorregar
sobre a de outro, cada corpo exerce sobre o
outro, uma fora paralela s superfcies, a qual
denominada Fora de Atrito. A fora de atrito
173

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

sobre cada corpo tem sentido oposto ao seu


movimento em relao ao outro corpo, e, dessa
forma, as foras de atrito se opem ao
movimento, nunca o favorecem.
Em nosso dia-a-dia, o atrito exerce uma
funo fundamental. O movimento de um carro,
por exemplo, s possvel porque existe uma
fora na direo e no sentido do movimento do
mesmo. O processo basicamente o seguinte: a
queima do combustvel no motor provoca o
movimento de pistes que transmitido para as
rodas, e, conseqentemente, para os pneus.
Esses, atravs de uma fora de contato,
empurram o cho para trs (ao), e o cho
empurra o carro para frente (reao). Sem essa
reao que tambm uma fora de contato ou de
atrito, o carro no sairia do lugar, e os pneus
deslizariam sobre o asfalto. Se no houvesse o
atrito, ou seja, se tudo fosse muito liso e
escorregadio, caminhadas, corridas, passeios de
carro, de nibus etc., tornar-se-iam quase que
impraticveis. Segurar um puno, ou mesmo ler
um texto em Braille seriam tarefas complexas.
A fora de atrito entre um par qualquer
de superfcies secas, no lubrificadas, obedece a
duas leis empricas:
1) aproximadamente independente da
rea de contato, dentro de amplos limites.
2) proporcional fora normal.
Vamos tentar entender a fora normal,
analisando um caixote cheio de areia sobre uma
mesa. Esse caixote, sob a ao da gravidade
(Fora Peso), comprimido contra a superfcie
da mesa, que reage com uma fora igual em
174

der Pires de Camargo

intensidade, mas em sentido contrrio,


denominada fora normal. Assim, a fora normal
uma fora perpendicular superfcie de apoio,
exercida por esta ao objeto.
Do ponto de vista macroscpico, a rea
real de contato entre dois objetos muito pequena,
limitando-se a alguns pontos. Sendo assim, a
presso nesses pontos bastante grande, o que
provoca a unio dessas pequenas regies. Na
maquete do atrito (quite-2), representamos em
detalhe a rea de contato entre um caixote e uma
mesa. Observe que o contato ocorre apenas em
pequenas regies da base do caixote. O atrito surge
da necessidade de quebrar essas unies quando se
tenta fazer um objeto deslizar sobre outro. Iniciado
o deslizamento, as unies j existentes so
quebradas e outras so formadas.
O que diferencia uma determinada
superfcie de outra tanto a natureza dessa
superfcie, bem como, sua condio de polimento e
de lubrificao. Entretanto, como representado na
maquete, ao nvel atmico, mesmo a superfcie
mais cuidadosamente polida est longe de ser
plana. Portanto, o atrito depende da natureza, do
grau de polimento dos materiais, que formam os
objetos, e da lubrificao entre eles. Se as
superfcies de contato forem polidas e lubrificadas,
a intensidade desses contatos nas unies ser
menor, diminuindo a fora de atrito. Dessa forma,
para atenuar os efeitos do atrito, costuma-se
colocar lubrificantes entre as duas superfcies, pois
os leos diminuem os nmeros de unies entre as
mesmas (adaptado de RESNICK e HALLIDAY,
1984 e GONALVES e TOSCANO, 1997).
175

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Dando continuidade, poder explicar o professor que a


fora de atrito entre superfcies rgidas no lubrificadas, deve-se
90% a foras de adeso, de natureza eletromagntica, e 10% aos
encaixes e desencaixes sugeridos por Coulomb (GASPAR, op.
Cit..).
Colocando o texto, no trecho que fala sobre a fora
normal e utilizando-se do quite 4, o professor poder apresentar,
por meio de explicaes orais e tteis, uma das leis empricas do
atrito (lei 2) que estabelece uma relao direta entre a fora de
atrito e a fora normal. Nesse momento, ele poder tambm
estabelecer relaes e diferenciaes entre as foras peso e
normal, bem como, diferenciar o conceito de peso e de massa,
os quais so freqentemente entendidos como iguais. Aps
explicar a relao entre fora normal e fora de atrito, poder
ainda enfocar a relao entre fora de atrito e dimenses da rea
de contato do bloco (primeira lei emprica acerca do atrito).
Destaca-se que o quite 4 tambm pode ser utilizado tanto para a
explicao do conceito de paralelo, bem como, da direo e do
sentido da fora de atrito. Para finalizar, o professor poder
sintetizar as relaes entre o atrito, a fora normal e a rea dos
blocos, relacionar a intensidade do atrito ao movimento e
estabelecer a influncia desse atrito na mobilidade dos blocos, e,
por conseqncia, em sua acelerao.
Etapa de avaliao: Nesta etapa, o professor poder
ligar o toca-CD, na questo avaliativa da atividade, e
proporcionar um momento para que os alunos apresentem suas
respostas para a referida questo. Dessa forma, poder avaliar se
essas respostas aproximaram-se ou no dos conceitos
trabalhados.

176

der Pires de Camargo

Questo avaliativa
Arquivo: audio4.mp3
Responda: Como uma pessoa, em repouso sobre
a superfcie gelada e muito lisa de um lago,
poderia alcanar a margem?
Na seqncia, apresentam-se duas atividades que
relacionam gravidade e acelerao (atividades c e d) e uma
ltima atividade (atividade e), que buscam, por meio de um
problema aberto, relacionar e sintetizar os temas abordados nas
quatro primeiras atividades.
ATIVIDADE C: O estudo qualitativo da acelerao por
meio de um plano inclinado
Objetivando proporcionar aos alunos, com deficincia
visual, condies, para que os mesmos construam o conceito de
acelerao da gravidade, foi desenvolvido um artefato para a
observao auditiva dos movimentos descendente e ascendente
de um objeto, e adaptado um quite (quite 5) para a observao
ttil do fenmeno magntico de ao a distncia.
Artefato: Plano inclinado com interface sonora
Este artefato formado por uma superfcie de madeira de
2 m de comprimento por 15 cm de largura, que varia espaos
condutores (1 cm de fita de papel alumnio), e espaos isolantes
(19 cm de madeira), e por um carrinho de brinquedo (carrinho
de brinquedos que imita um carro de bombeiros) com o circuito
eltrico responsvel pela emisso dos sinais de sua sirene aberto
e com os fios de ligao expostos do lado de fora. Dessa forma,
durante a descida ou durante a subida do plano inclinado, a
sirene do carrinho emitir um som quando os fios de ligao
tocarem a parte condutora do plano inclinado (papel alumnio) e
deixar de emiti-lo quando os fios condutores tocarem a parte
isolante do referido plano (madeira).
177

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Foto (5): Carrinho com os fios de ligao do


lado de fora

178

der Pires de Camargo

Foto (6): Plano inclinado

Quite 5
Observao ttil do fenmeno magntico de ao a
distncia
Este quite constitudo por quatro ms de intensidades
de campos magnticos diferentes e por alguns objetos sensveis
atrao magntica.
Grupos
No incio da atividade, o professor poder dividir os
alunos em grupos e, aps a diviso, apresentar aos mesmos, de
maneira individual, como funciona o artefato. Assim que o
conhecerem, dever propor-lhes para que observem o
movimento do carrinho sobre o plano inclinado e tentem
explicar os questionamentos do problema central da atividade.
179

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Problema central da atividade


(arquivo Audio5.mp3)
Explique a variao do intervalo de tempo dos
sinais emitidos pela sirene durante a subida e
durante a descida do carrinho no plano
inclinado.
Debate
O professor poder organizar um debate entre os grupos,
para que os mesmos possam apresentar suas explicaes acerca
do problema central da atividade e de suas observaes.
Mediao docente
1) Distribuir para cada grupo de alunos o quite 5: o
professor, tocando nas mos dos alunos, poder fazer com que
eles observem, por meio do tato, a ao distncia entre ms.
Colocando um m sob a mesa e outro sobre a mesa, poder
mostrar que a ao magntica no age em alguns materiais,
como a madeira, e age em outros como nos objetos sensveis
atrao magntica.
2) Apresentar aos alunos o texto "Gravidade",
Texto: Gravidade
(arquivo Audio6.mp3)
Voc capaz de imaginar como seria viver
sem peso? O que aconteceria se a gravidade
deixasse de existir?
Se isso ocorresse, no haveria justificativa
para que tudo aquilo que se encontra apoiado sobre
a superfcie da Terra permanecesse assim: ns, os
automveis, a gua dos oceanos, a atmosfera,
vagaramos pelo espao.

180

der Pires de Camargo

E, se a gravidade no desaparecesse, mas


fosse apenas muito pequena, que alteraes
ocorreriam na nossa forma de viver?
Andar, por exemplo, seria bem diferente,
pois o tempo necessrio para erguer o p e faz-lo
retornar ao solo seria bem maior. Alm disso, o
atrito entre o p e o cho seria menor, o que
dificultaria nossos movimentos. Escutar os sons
tambm seria diferente, porque em um lugar de
pequena gravidade, no h atmosfera, e o som
precisa de meio material para se propagar.
Portanto, as ondas sonoras utilizariam como meio o
nosso prprio corpo e o solo.
Estamos to acostumados gravidade
terrestre que esquecemos como ela influencia nossa
forma de viver. Podemos pensar numa situao aqui
na Terra, nada agradvel, mas equivalente a uma
situao de "aparente ausncia de peso". Imaginese dentro de um elevador, cujo cabo se rompe, e o
sistema de segurana no funciona. O elevador
despenca. O que ocorreria com o peso dos
passageiros? O elevador cai devido gravidade, as
pessoas perdem contato com o piso, "flutuam" e tm
a sensao de "ausncia de peso". Todos caem
simultaneamente e no h como medir o peso das
pessoas ou dos objetos dentro do elevador. Quando
uma balana cai em queda livre, impossvel medir
o peso de qualquer objeto que se coloque sobre ela,
porque ele no pressiona a balana. Embora exista
o peso do objeto, a balana no consegue medi-lo.
Dessa forma, s no haveria peso se existisse um
local onde no houvesse gravidade.
As situaes em que h uma aparente
"ausncia de peso" chamam-se estado de
181

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

imponderabilidade. Se uma pessoa estiver em estado


de imponderabilidade, poder facilmente carregar
um caminho.Em compensao, registrar anotaes
no nada fcil, uma vez que ocorre tambm
ausncia de contato para apoio e, portanto, de
atrito. Tente imaginar como seria difcil abrir a
gaveta de um armrio sem apoio e sem atrito.
Fisiologicamente,
algumas
alteraes
tambm ocorrem no estado de imponderabilidade.
Fica mais fcil ao corao bombear o sangue para
todas as regies do corpo; a presso para baixo,
sobre a coluna vertical, deixa de existir. Alis, o
"para cima" e o "para baixo" perdem
completamente o significado, pois tambm deixa de
existir uma direo privilegiada (Adaptado de
GONALVES e TOSCANO, 1997).
3) Expor aos alunos por meio de explicaes orais e
tteis, o conceito de ao a distncia. Depois que o texto for
apresentado, o professor poder expor oralmente o modelo
gravitacional de ao a distncia, diferenciando-o da ao
magntica. Observa-se que possvel que os alunos interessemse por temas abordados pelo texto como imponderabilidade e,
dessa forma, conveniente que o professor valorize as questes
dos alunos e discuta-as.
Avaliao
O professor dever apresentar aos alunos a questo
avaliativa da atividade e permitir que eles reflitam por um tempo
sobre ela.

182

der Pires de Camargo

Questo avaliativa
(arquivo Audio7.mp3)
Responda: Por que os objetos caem?
Para finalizar, o professor poder organizar um novo
debate entre os alunos acerca da referida questo, e, assim,
verificar se conceitos, apresentados por eles durante a atividade,
modificaram-se ou no. Dessa forma, poder, de acordo com a
necessidade, retomar discusses e enfocar os conceitos
cientficos que objetiva ensinar.
ATIVIDADE D: Queda dos objetos
Tendo em vista a construo do conceito de acelerao
da gravidade, a presente atividade objetiva tanto viabilizar ao
aluno, com deficincia visual, a observao auditiva e ttil da
queda de um objeto, bem como, a anlise quantitativa desse
movimento por meio do clculo da velocIdade Mdia e da
acelerao do referido objeto.
Materiais a serem utilizados para a montagem do
artefato: Interface sonora para queda dos objetos
a) Tubo de PVC de 1,8 m de altura com 102 mm de
dimetro interno.
b) Sensores magnticos para alarme.
c) Um disco metlico e um m.
d) Chapa dobrada.
e) Bobina, oscilador e potencimetro.
f) Rolo de fita de papel para marcador de tempo.
Obs: Utilizou-se um pedao de fita de papel de,
aproximadamente 2 m de comprimento, com marcaes em alto
relevo de 1cm. Essas marcaes, feitas ao longo de toda a fita,
tm por objetivo, proporcionar ao aluno com deficincia visual
as condies para que o mesmo obtenha as distncias entre os
183

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

pontos marcados na fita de papel pelo marcador de tempo. Um


outro aspecto a ser ressaltado refere-se utilizao da fita de
papel solta e no em forma de rolo. A disposio da fita de papel
da maneira citada se mostrou mais eficaz, j que a utilizao da
mesma, na forma de um rolo, fazia com que, durante a queda do
objeto, o papel se rompesse, coisa que no ocorreu com a fita
solta.
g) Um fio de nylon de aproximadamente 3 m de
comprimento.
Obs: Esse fio tem por objetivo retirar o disco de dentro
do tubo. Alm disso, ele pode ser utilizado para controlar com as
mos a velocidade de queda do disco e para proporcionar uma
percepo ttil da atrao gravitacional.
Montagem do artefato: Interface sonora para queda dos
objetos
Para a realizao desta atividade, desenvolveu-se um
equipamento que permite, por parte de uma pessoa com
deficincia visual, a observao auditiva do fenmeno da queda
de um objeto.
Trata-se de um tubo de PVC de 1,80 m de altura com 102 mm
de dimetro interno, o qual foi perfurado a cada 15 cm, e, nesses

furos, foram colocados sensores magnticos para alarme.


Quando abandonado da extremidade do tubo, um disco desliza
dentro do mesmo com um m, que, por sua vez, ao passar pelos
sensores, ativa o alarme. No topo desse tubo, foi colocada uma
chapa dobrada por onde o papel (fita para marcador de tempo)
alimentado e preso ao disco. No topo da estrutura, fica a bobina
com um oscilador e um potencimetro que permitem ajustar a
freqncia mais adequada de impacto para a agulha que perfura
o papel enquanto o disco cai dentro do tubo.

184

der Pires de Camargo

Foto (7): Tubo de PVC do artefato:


Interface sonora para queda dos objetos

185

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Foto (8): Disco metlico preso fita de papel

Foto (9): Fita de papel com as marcas superiores e as


marcas feitas pelo vibrador (marcas centrais)

186

der Pires de Camargo

Com este artefato, um aluno com deficincia visual pode


observar auditivamente a queda do objeto dentro do tubo, por
meio do som emitido pelo alarme e, por meio das marcas
deixadas no papel, fazer anlises quantitativas.
A conduo da atividade
1) Separar os alunos em grupos de no mximo trs
participantes. Cada grupo dever realizar o experimento de
deixar cair o objeto dentro do tubo, observando, assim, de
maneira auditiva, a queda do mesmo. Aqui existe um espao
para o professor Apresentar explicaes acerca do fenmeno
observado. Em seguida, os grupos, com a posse da fita de papel,
podero seguir os passos descritos abaixo.
2) Escolher a unidade de tempo. Escolhida a unidade de
tempo, _5 tiques, por exemplo_, os grupos devero numerar a
fita de papel com intervalos inteiros de unidade de tempo. Para
tanto, o professor ou um colega vidente dever reforar com a
ajuda de um instrumento pontiagudo, as marcas escolhidas e
deixadas na fita de papel pelo marcador de tempo. Aqui existe
uma outra oportunidade de interveno, por parte do professor,
j que os alunos estaro observando por meio do tato, as marcas
deixadas no papel pelo marcador de tempo.
3) Solicitar aos alunos para que com o auxlio das marcas
de 1 cm em relevo, meam o comprimento de cada intervalo
numerado na fita de papel.
Neste momento, o professor poder apresentar aos
alunos as seguintes questes: esses comprimentos so iguais?
Por qu? A diferena entre cada intervalo consecutivo
constante? Qual o significado fsico desses comprimentos? As
velocidades em cada intervalo tm o mesmo valor? Por qu?
4) Calcular a variao da velocidade, subtraindo o valor
da velocIdade Mdia, num intervalo de tempo, pelo valor da
velocIdade Mdia no intervalo anterior. Repetir esse
procedimento em vrios intervalos e comparar os resultados.
187

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Questo que pode ser apresentada pelo professor: a


variao da velocidade foi constante?
5) Calcular a acelerao em cada intervalo, dividindo a
variao da velocidade pelo intervalo de tempo correspondente a
essa variao (cinco tiques).
Avaliao
Depois de os alunos terem realizado as medidas e
clculos, anteriormente mencionados, o professor poder
apresentar-lhes, por meio do toca-CD, a seguinte questo
avaliativa (arquivo: audio8.mp3):
Responda: Como seriam as marcas deixadas por um
vibrador em uma fita de papel presa a um objeto que se move
com velocidade constante?
Para finalizar, o professor poder organizar um debate
entre os alunos acerca da questo avaliativa. Dessa forma,
poder observar, por meio das argumentaes dos discentes, a
compreenso dos mesmos sobre o fenmeno gravitacional.
O colaborador docente
A temtica do colaborador docente oriunda do item 2
do tpico: a conduo da atividade. Quando a atividade (d) foi
aplicada, no momento de coleta dos dados (obteno das marcas
na fita de papel), o professor, que tem deficincia visual,
necessitou da colaborao de uma pessoa vidente para reforar
as marcas deixadas pelo vibrador na fita de papel. Dessa ao
colaborativa, surgiu a idia do colaborador do docente com esse
tipo de deficincia. Esse colaborador prendeu a fita de papel ao
disco e reforou com uma agulha, determinadas marcas prestabelecidas na fita, aes que o professor, devido sua
deficincia, no era capaz de executar. Esses aspectos implicam
uma dupla anlise relacionada presena de pessoas com
deficincia visual em ambientes de ensino.

188

der Pires de Camargo

Em primeiro lugar, destaca-se a importncia de um


colaborador do professor com deficincia visual, cuja funo
estaria relacionada a atividades no pedaggicas dentro de uma
sala de aula, como atividades burocrticas (preenchimento de
cadernetas, chamadas, etc), ou preparao de materiais (como a
preparao descrita). Como aponta Mantoan (1998), na
perspectiva de uma prtica educacional inclusiva, a constituio
do sistema escolar deve considerar as necessidades de todos os
seus participantes (como os alunos e os professores), e tal
sistema deve ser estruturado em funo dessas necessidades.
Desse modo, os custos relacionados a essas necessidades, como,
por exemplo, a contratao de um colaborador docente, deve
estar embutido nos custos prprios de determinada instituio,
como mais um instrumento, ou um equipamento necessrio a
essa estrutura.
Em segundo lugar, enfoca-se o contexto colaborativo que
ambientes de ensino deveriam possuir. Em outras palavras,
considerando-se uma sala de aula regular que esteja preenchida
por alunos videntes e deficientes visuais seria perfeitamente
vivel tanto do ponto de vista pedaggico, quanto colaborativo,
o estabelecimento de relaes de ajuda entre esses indivduos.
Nessa perspectiva, o aluno com deficincia visual e o aluno
vidente poderiam ajudar-se, mutuamente, tendo em vista o
aproveitamento de suas potencialidades. Assim, no caso aqui
exposto da fita de papel, o aluno vidente poderia ajudar um
colega com deficincia visual a prender o papel ao disco e a
furar a fita, nas marcas determinadas pelo professor, e o aluno
deficiente visual poderia chamar a ateno de seu colega vidente
para as observaes auditivas da queda do objeto. Essas aes
poderiam trazer ricas discusses acerca do fenmeno estudado,
as quais, por sua vez, estariam fundamentadas em observaes
de vrios referenciais sensoriais, e por princpios colaborativos
em substituio aos de competitividade.

189

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

ATIVIDADE E: Problemas abertos: posio de encontro


Objetivo
Apresentar aos alunos um problema aberto, de
referencial observacional auditivo, cujas solues exigem a
anlise do fenmeno fsico envolvido, a formulao de
hipteses, e a realizao de vrias tentativas e aproximaes
(SNCHEZ et al, 1995).
Materiais a serem utilizados
a) Rdio para tocar CD ou fita.
b) A gravao da situao-problema (em CD ou fita
cassete).
Situao-problema aberta:
arquivo: audio9.mp3)
Um carro se aproxima de uma ferrovia. O
motorista nota, por meio do som do apito e das
rodas do trem, o movimento do mesmo.
Conseguir o motorista do carro frear o veculo
para que no haja coliso?
Aqui, gravou-se, em primeiro lugar, o som do carro se
movendo, em seguida, o som do trem apitando e se movendo,
em seguida, novamente o som do carro, depois, outra vez o som
do trem apitando e se movendo, e, por fim, o som do carro e do
trem simultaneamente.
A conduo da atividade
a) Separar os alunos em grupos de, no mximo, quatro
alunos e apresentar-lhes a gravao da situao-problema
descrita.
b) Proporcionar aos alunos um momento de reflexo e de
discusso sobre a questo do problema: "Conseguir o motorista
do carro frear o veculo para que no haja coliso?"
190

der Pires de Camargo

c) Proporcionar um momento para o debate em grupo da


situao-problema em questo.
Como a presente atividade aborda o problema aberto de
uma possvel coliso entre um carro e um trem, ela pode
proporcionar aos alunos condies para a realizao de um
estudo qualitativo acerca da posio de encontro de veculos, e,
dessa forma, os discentes podero apresentar hipteses sobre a
referida problemtica.
Nesse contexto, destaca-se que o problema aberto
mostra-se eficaz em produzir hipteses acerca do fenmeno por
ele enfocado, pois possibilita a abordagem por parte dos alunos
de uma grande quantidade de variveis. Entretanto, sugere-se
que um professor que esteja trabalhando problemas abertos, v,
de maneira gradativa, ao mesmo tempo em que valoriza todas as
solues dos alunos, fechando o problema ou conduzindo-o de
acordo com seus interesses. Se ele no quiser, por exemplo,
limitar o problema em funo de valores numricos, poder
mant-lo aberto e explorar-lhe as diferentes solues. Por outro
lado, se o professor decidir abordar um problema mais fechado,
poder atribuir-lhe valores numricos s grandezas envolvidas e
j discutidas.
Portanto, a conduo de uma atividade, para estudar o
problema da posio de encontro, pode, como sugesto,
obedecer ao critrio organizacional de se tratar inicialmente o
caso geral (por meio de problemas abertos), e, posteriormente, o
caso especfico (com a introduo de valores numricos s
grandezas envolvidas). Assim, na hiptese de o professor propor
um problema numrico, talvez exista a possibilidade de se
trabalhar com mais detalhes as caractersticas dos movimentos
do carro e do trem, ou seja, se eles iriam se mover com
acelerao constante ou no, velocidade constante ou no. Por
outro lado, muitas variveis fsicas que podem interferir no
fenmeno da acelerao, por meio de um problema aberto,
podem ser trabalhadas, j que a abordagem de situaes
191

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

imprevistas poderia ficar prejudicada em um problema mais


fechado.

V.III. Orientaes didticas


Na seqncia, sero apresentadas algumas orientaes
didticas que podem auxiliar o trabalho do professor de fsica
que leciona a alunos cegos ou com baixa viso. Tais orientaes
fundamentam-se, nos princpios de solidez, de unificar
experincias e de aprender fazendo, os quais, foram definidos
por Lowenfeld (1983).
Solidez: o conhecimento do aluno com deficincia visual
construdo, principalmente, por meio da audio e do tato
(LOWENFELD, op. cit.). Segundo esse autor, para que um
aluno com deficincia visual realmente compreenda fenmenos,
que ocorrem ao seu redor, os professores devem apresentar-lhe
objetos que possam ser notados e manipulados (observados), e,
por este motivo, os materiais didticos, desenvolvidos e aqui
apresentados, foram estruturados de tal forma que a observao
dos fenmenos estudados e a posterior anlise dos mesmos,
pudessem se dar sobre referenciais no visuais.
Unificar experincias: a experincia visual, como
indica Lowenfeld (op. cit.), tende a unificar o conhecimento em
sua totalidade. Esse um dos sentidos sintticos do homem
(SOLER, 1999). Para Lowenfeld (op. cit.), um aluno com
deficincia visual tem dificuldades em obter essa unificao, a
no ser que os professores lhe apresentem experincias como
"unidades de experincia". Nesse sentido, necessrio que o
professor, por meio de procedimentos de mediao, coloque
todos os alunos em contato, com a experincia concreta real, e
unifique tais experincias tanto por meio de explicaes orais e
tteis, bem como de seqncias.
192

der Pires de Camargo

Aprender fazendo: para que alunos com deficincia


visual tenham possibilidades de compreender contedos fsicos,
necessrio inici-los na auto-atividade. Como Lowenfeld (op.
cit.) sugeriu que a viso domina uma boa parte dos estgios da
aprendizagem que representam a base para muitos dos processos
intelectuais superiores, fundamental oferecer aos alunos com
deficincia visual as programaes sistemticas de experincias
no visuais como tocar em suas mos, fazer determinados
rudos, disponibilizar-lhes textos, eventos e questes sonoras,
visto que, por meio de tais programaes, esses alunos podem
interagir com o objeto de estudo.
Entretanto " necessrio ao educador dispor de engenho,
pacincia e energia". Engenho para propiciar prticas ao aluno
para explorar o meio circundante e comunicar-se com as
pessoas, utilizando, para isso, os sentidos e os recursos de que
dispe. Pacincia, para esperar e respeitar o ritmo do aluno e no
ter pressa em v-lo realizar as atividades. No obstante,
"engenho e pacincia no so suficientes; necessrio tambm
energia para incentivar o aluno a participar e realizar por si as
atividades, pois, s vezes, parece mais fcil e mais rpido fazer
as coisas por ele, em vez de esperar e de insistir para que
execute a tarefa por si" (MASINE, 2002). Como aponta Masine,
(1994), "penetrar no mundo percebido pelo aluno com
deficincia visual to difcil quanto faz-lo perceber o mundo
como o aluno que enxerga o faz", mas condio necessria
para o ensino de contedos de Fsica a esses alunos.

193

Cap. V Proposta para o desenvolvimento de um curso

Agradecimentos:
FAPESP pelo apoio financeiro.
Ao Lar Escola Santa Luzia para cegos, por permitir a
realizao das atividades.
Aos Professores Doutores Roberto Nardi, Jomar de
Barros Filho, Elizabete Baroli e Afira Vianna Ripper pelas
sugestes e crticas.

194

der Pires de Camargo

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