Neoconstitucionalismo - Artigo Científico - Revista Perspectiva

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NEOCONSTITUCIONALISMO: PARADIGMA DE NOVA APLICABILIDADE DO

DIREITO, A RUPTURA DO MODELO POSITIVISTA LEGALISTA.

NEOCONSTITUTIONALISM: PARADIGM OF NEW APLICABILITY OF LEGAL


SCIENCE, THE RUPTURE OF THE LEGALIST POSITIVIST MODEL.
Marcos Massiero Kaminski1
KAMINSKI, M. M.
Alcione Roberto Roani2
ROANI, A. R.
1

Advogado. Cursando Especializao em Cincias Penais na Faculdade Anhanguera Uniderp

- LFG.
Endereo para correspondncia:
Rua Campos Salles, no 296, apt. 103
99700-000
Erechim/RS
Telefone: (54) 9999-0609
Email: [email protected]
2

Professor do Curso de Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das

Misses - Campus de Erechim. Mestre em Filosofia do Direito na Universidade Federal de


Santa Catarina.
Endereo para correspondncia:
Avenida 7 de Setembro, 1621
99700-000
Erechim/RS
Telefone: (54) 3520-9000
Email: [email protected]

NEOCONSTITUCIONALISMO: PARADIGMA DE NOVA APLICABILIDADE DO


DIREITO, A RUPTURA DO MODELO POSITIVISTA LEGALISTA.
NEOCONSTITUTIONALISM: PARADIGM OF NEW APLICABILITY OF LEGAL
SCIENCE, THE RUPTURE OF THE LEGALIST POSITIVIST MODEL

KAMINSKI, M. M.
ROANI, A. R.

RESUMO: O modo de pensar e aplicar o direito no decorrer dos tempos se modificou. A


ascenso da burguesia e os movimentos revolucionrios impulsionou a atividade de legislar,
idealizando-se a lei como suprema e absoluta, justamente pela sociedade ter passado dcadas
sobre a livre vontade do soberano, entendendo assim que a positivao da vida social
impediria o arbtrio dos intrpretes, uma vez que a lei era texto autntico do prprio Estado
(modelo positivista-legalista). Tal concepo de confuso entre direito e lei rescindiu-se nos
julgamentos de Nuremberg (simbolicamente), onde os nazistas que cometeram inmeras
atrocidades utilizaram como tese defensiva que os atos praticados estavam legitimados na lei
positivada da Alemanha. Porm, os julgadores lhes condenaram no pela lei, mas pelo direito,
surgindo o novo paradigma do neoconstitucionalismo, o qual norteado pelo princpio da
dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Legalismo. Positivismo Jurdico. Constituio. Neoconstitucionalismo.

ABSTRACT: The way of conceiving and applying legal science throughout history has
changed. With the ascent of the bourguoisie and the revolutionary movements, the activity of
legislating had an impulse, with law being idealized as supreme and absolute, just because
society has spent decades under the free will of the sovereign. They understood that the
positivation of social life would restrain the arbitrary will of the interpreters, since the law
was the authentic text of the State himself. This conception of confusion between legal
science and the law has been rescinded at the Nuremberg Judgement (simbolically), where the
nazi who commited inumerous attrocities tried to defend themselves with the argument that
what they did was legitimous according to the positive law of Germany. The judges, however,
condemned them not by the law, but by legal science, giving birth to the new paradigm of
neocontitutionalism, which is guided by the principle persona human dignidad.
Key-words: Legalism. Legal Positivism. Constitution. Neoconstitutionalism.

Introduo

O tema central do presente artigo cientfico fazer uma anlise histrica e bibliogrfica
acerca dos modelos de pensamento jurdico positivismo-legalista e neoconstitucionalismo,
para desta forma, verificar se efetivamente na atualidade h ruptura do pensamento positivista
legalista e se existe um novo paradigma do neoconstitucionalismo, bem como qual o seu
marco simblico de surgimento e as suas formas de caracterizao.

O trabalho divide-se em dois subttulos, os quais possuem como funo a dissertao dos
modelos de pensamento positivista-legalista e neoconstitucionalista, para compreender cada
forma de pensamento e as mudanas ocorridas no carter do direito, bem como no processo
de quebra de paradigmas jurdicos.
O primeiro subttulo refere-se ao modelo de pensamento jurdico positivismo legalismo,
dissertando-se de forma sistemtica as etapas passadas por tal modelo (surgimento,
fundamentos, movimento codificador, entrada das Constituies, pirmide de kelsen) para
compreender-se os fundamentos, bem como a forma como o direito era interpretado e
aplicado.
O segundo subttulo trata sobre a nova forma de pensar e aplicar o direito atravs do
neoconstitucionalismo, especialmente, as suas caractersticas, seu marco simblico, bem
como o ativismo judicial (Poder Judicirio como sujeito ativo na compreenso e interpretao
das leis).
O presente trabalho acadmico de suma importncia tendo em vista que os temas
abordados traro uma melhor compreenso acerca dos modelos positivista-legalista e
neoconstitucionalista, os quais so as formas de pensar o direito nos ltimos sculos,
consequentemente trar uma viso global do sistema jurdico o que ajudar a pensar
melhorias e articular novas crticas.

Modelo Positivista-Legalista

Apenas a ttulo de elucidao, o presente tpico no visa especificar todas as correntes


(existiram inmeras correntes e formas de pensar o positivismo jurdico, dentre elas:
imperativismo,

historicismo,

conceitualismo,

neopositivismo,

etc.)

relacionadas

ao

positivismo jurdico no decorrer dos anos, mas apenas fazer uma abordagem geral acerca
dessa teoria, bem como a sua aplicabilidade.

Positivismo Legalista: reduo do Direito Lei e a sua Interpretao

O Cdigo Civil Francs de 1804 foi o grande marco das estruturas jurdicas relacionadas
sistematizao do direito escrito, e influenciou sem dvida os padres de legalidade para o
surgimento da mentalidade positivista, inerente at hoje no pensamento jurdico.
Anteriormente Revoluo Francesa, ainda no momento do Absolutismo, o Estado j dava

grande importncia para as leis escritas, entretanto no existiam bices as outras fontes do
direito, como os princpios gerais, os julgados, doutrina e costumes, bem como inexistia uma
sistematizao das leis, at porque ao Estado no interessava legislar minuciosamente acerca
das relaes sociais.
No entanto, com a vitria das revolues burguesas, deixou-se de lado este carter de
hegemonia das leis para uma concepo de reductio ad unum, desencadeando no que afirma o
historiador portugus Antnio Hespanha (1993, p. 33) de projeto de reduo do pluralismo,
ou seja, tentativa de reduzir todo o direito social ao direito do Estado e todo o direito estatal
lei.
Diante de tais situaes, conquistou-se o monoplio da legislao estatal sobre o direito, ou
seja, resume-se o direito lei. Alm do direito estatal, admitia-se discretas referncias ao
direito natural, mas no ao direito romano e cannico, em razo de serem incompatveis com
os ideais iluministas.
Ainda, com a Revoluo Burguesa e os interesses burgueses nas regulamentaes atinentes
a segurana jurdica, especialmente em querer garantir que os contratos devem ser cumpridos
e que o Estado apenas deve-se limitar a regras gerais no que tange aos negcios privados.
Dentro desse raciocnio de unificao e racionalizao, houve uma sistematizao do direito,
mais conhecido como movimento codificador. (COSTA, 2008, p. 175).
Em virtude da importncia dada segurana jurdica, que enseja o desenvolvimento do
positivismo formalista, desencadeando em afirmativas como a de Manuel A. Domingues de
Andrade (1987, p. 54):

A vida e o esprito postulam um direito recto, quer dizer, justo e oportuno: um


direito que harmonize a pura justia que valore e julga a realidade existente,
aspirando a estrutur-la segundo um modelo ideal, com o efectivo e relativo
condicionalismo dessa mesma realidade, um direito, no fim de contas, que
estabelea a justia do possvel ou a possvel justia. Mas por outro lado a vida pede
tambm, e antes de tudo, segurana, e portanto um direito certo, ainda que seja
menos recto. A certeza do direito, sem a qual no pode haver uma regular
previsibilidade das decises dos tribunais, na verdade condio evidente e
indispensvel para que cada um possa ajuizar das consequncias de seus atos, saber
quais os bens que a ordem jurdica lhe garante, traar e executar os seus planos de
futuro.

O movimento codificador originou-se a partir do jusracionalismo iluminista, o qual


defendia que o direito natural se transformasse em um direito positivo e organizado. Assim, as
primeiras inspiraes relacionadas aos cdigos surgiram das ideias dos jusracionalistas, ainda
durante o perodo Absolutista. (OLIVECRONA, 1971, p. 35).

Neste sentindo, Norberto Bobbio (2006, p. 64-65) acrescenta:

Na Frana (e, na verdade, com maior razo, visto ser este pas a ptria maior do
iluminismo) a idia de codificao fruto da cultura racionalista, e se a pde se
tornar realidade, precisamente porque as idias iluministas se encarnaram em
foras histrico-polticas, dando lugar Revoluo Francesa. , de fato,
propriamente durante o desenrolar da Revoluo Francesa (entre 1790 e 1800) que a
idia de codificar o direito adquire consistncia poltica.

Pode-se citar como exemplo, na Prssia, aps longo lapso temporal, entrou em vigor em
1794 o chamado direito territorial geral, um cdigo construdo a partir das idias
jusnaturalistas de Puffendorf e Wolff, que trazia a tona os dois blocos do direito, tanto o
privado como o pblico. Referido cdigo bastou-se a reduzir toda a atividade jurdica
aplicao da lei. Vale salientar que editou-se um decreto em 1798 o qual proibia a
interpretao de precedentes e comentrios de juristas, determinando ainda que se houvessem
dvidas acerca do direito, tais deveriam ser submetidas uma comisso legislativa para que
ela resolvesse a questo atravs de uma interpretao autntica. (WIEAKER, 1967, p. 376377).
Outrossim, a codificao francesa no apenas inaugurou a forma moderna de se constituir
o direito, ou seja, ligado ao Estado pelo poder poltico, como tambm fixou diversos
princpios no que tange as normas relacionados a ideologia liberal, base dos Estados de
Direito. Com a ascenso da burguesia (1800), os seus ideais basicamente voltados para o
liberalismo passaram a nortear a organizao dos Estados Ocidentais, ou seja, a defesa de um
governo de leis e no de homens, os valores da igualdade e liberdade, alm da limitao do
poder do Estado nos direitos naturais do indivduo. (COSTA, 2008, p. 177).
Diante do movimento codificador, nasce o Cdigo de Napoleo, dentre outros cdigos em
vrios pases ocidentais, no decorrer da dcada, criando uma nova realidade jurdica,
adequando-se ao contexto econmico (burgus) e social, alm do racionalismo dos filsofos.
O direito que anteriormente era buscado nos costumes locais ou no direito romano modificouse por meio de normas reguladas em cdigos unificando o direito de cada pas, os quais
regulavam exaustivamente as relaes sociais. Assim, o movimento dos cdigos significou a
concretizao das ideias jusnaturalistas de sistematizao, no entanto tambm marcou o
comeo de sua decadncia, pois a mentalidade positivista j estava implantada. (COSTA,
2008, p. 177-178).

A aplicabilidade do Direito no modelo Positivista (O juiz como sujeito passivo da Lei)

Com a passagem do Absolutismo para o positivismo legalista decorreram tambm


modificaes nas estruturas jurdicas (codificaes), eivando-se uma nova forma de
aplicabilidade do direito.
Com a chegada do direito legalizado (cdigos) e a consequente juno restritiva do direito
lei, nasce uma nova forma de saber, ou seja, um novo discurso. Dentre tais modificaes,
pode-se citar s fontes do direito (apenas a lei), a escrita das normas (facilidade de
conhecimento ao povo), bem como a nova estrutura poltica do Estado voltada a democracia
representativa, onde a lei apenas legtima quando criada por legisladores eleitos pelos
cidados. (COSTA, 2008, p. 178).
Nesse novo contexto a atividade dos juristas no era a mesma, pois da prudncia,
passou-se a tcnica (a atividade do jurista que era achar a resoluo justa atravs dos
princpios universais do direito natural passa para adequar a lei vigente ao caso concreto), esta
que sequer aspirava cincia. No se tratava mais da arte da justia e do equnime, muito
menos a produo cientfica do direito, pelo motivo de no querer se produzir uma teoria.
Com isso, a atividade do julgador, bastou-se a interpretar a lei (buscando o sentido original
que o legislador quis lhe dar), qualificar os fatos (analisando as situaes fticas e os
mandamentos normativos) e, caso verificasse que o fato enquadrou-se com a lei, deveria
aplicar o direito conjuntamente com a sua conseqncia. (COSTA, 2008, p. 179).
Neste sentido, havia uma clara inteno conforme preconizava o positivista Montesquieu
(p. 137, 2004), que os juzes no fossem seno a boca que pronuncia as palavras da lei, seres
inanimados que desta no podem moderar a fora nem o rigor.
O ncleo central que ensejou a concepo do juiz como sujeito passivo da lei, foi que no
cabia a este a competncia de criar a lei, mas ao Poder Legislativo, e eventualmente ao Poder
Executivo, pelo motivo de que apenas atravs de derivao popular (voto) a autoridade
possuiria legitimidade para estabelecer normas de conduta. Diante disso, pelo Poder
Judicirio no ser escolhido pelo voto, apenas reservou-lhe o poder de dizer o direito, no
cabendo a este a criao do direito e a definio e implementao de polticas pblicas.
Ocorre que o modelo positivista sem qualquer parmetro e limite imposto por uma
Constituio, delimitando de certa forma o poder do legislador, foi superado, at porque os
movimentos constitucionalistas foram adentrando nos Estados por motivao inerente ao
prprio legalismo e positivismo.

Posteriormente, mesmo com a existncia de parmetros de limitao nos sistemas jurdicos


positivistas, a atividade do juiz ainda possua como nica funo a de dizer o direito,
buscando a aplicabilidade deste apenas na lei e na sua conscincia. Tais consideraes
seguiram as codificaes napolenicas e posteriormente pirmide kelseniana, distinguindose a atividade tcnica do juiz da atividade poltica do legislador. (GOMES e MAZZUOLI,
2010, p. 28).
A lgica da pirmide de Kelsen bem esclarecida pelas afirmativas de Luiz Flvio Gomes
e Valerio de Oliveira Mazzuoli (2010, p. 28):

Referida pirmide tem seu ponto alto na Constituio, que abre um campo de
deciso ao legislador, isto , dentro dos limites constitucionais ele toma suas
decises polticas no momento da elaborao das leis e, assim, vai construindo o
ordenamento jurdico; o juiz, num momento posterior, partindo do texto legal, tem
tambm um amplo campo de liberdade, sobretudo em sua interpretao, mas uma
liberdade tcnica, no poltica. O esquema kelseniano, desse modo, pode ser assim
resumido: o legislador est (formalmente) limitado pela lei maior, isto , no pode
ultrapassar as fronteiras constitucionais; caso isso ocorra, impe-se o controle
constitucional mediante a legislao negativa (declarao de inconstitucionalidade
da lei); as sentenas, por seu turno, caso ultrapassem o marco legal (dado pelo
legislador), esto sujeitas ao controle do segundo grau mediante recurso. Dentro
desse rgido sistema no cabe pensar em uma confrontao entre a sentena e a
Constituio.

A formao educacional norteada pela Revoluo Francesa e a filosofia positivista,


ajudou a formar o juiz dogmtico, os quais nas palavras de Dagoberto Romani (1988, p. 236)
o:

[...] seguidor do mtodo do culto ortodoxo da lgica formal abstrata ditada pelo
legislador, em nada contribui para o Direito novo, prprio do pretor urbano da antiga
Roma, mais prximo a cada tempo da verdadeira justia, aquela coerente com os
direito naturais do povo, que o mais legtimo credor da prestao jurisdicional...
nos regimes autoritrios e corruptos o juiz formalista torna-se apenas um
instrumento de aplicao das leis de exceo.

No positivismo jurdico prega-se o culto a norma, ao direito positivo, onde a preocupao


est inteiramente ligada a vigncia da lei e no com sua eficcia ou validade. Estuda-se o
ordenamento jurdico sem crtica, acolhendo-se cegamente os valores ali expostos. Neste
modelo jurdico, a anlise do direito deve ser feita independentemente de qualquer juzo de
valor tico-poltico, ou qualquer referncia a realidade social onde atua, podendo-se concluir
que todo o direito (lei) possui justia e diante disso no pode ser questionado. Neste modelo
de aplicabilidade do direito, inexiste falar em vigncia e validade da lei, pois estas se
confundem. (GOMES e MAZZUOLI, 2010, p. 31).

O modelo positivista serviu, e muito bem, para as sociedades industriais (capitalistas), as


quais possuem como ncleo norteador a expanso econmica, e quase nada relacionado a
construo das liberdades individuais e dos direitos sociais. Nada melhor que um modelo
aplicador do direito que caracteriza-se pela separao da moralidade de um lado, e a
legalidade e positividade, de outro. (GOMES e MAZZUOLI, 2010, p. 31).
J basta a ideia do juiz tecnicista, conhecedor dos cdigos, sujeito submisso da lei escrita
(legislador), existindo a necessidade da inverso desse papel apoltico do julgador. O papel do
juiz deve ser o de declarar o ordenamento jurdico, exercendo o controle da arbitrariedade
muito atinente ao Poder Executivo e Legislativo, os quais editam e legislam normas/atos
totalmente contrrios a Constituio Federal e aos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos.
Assim, o Poder Judicirio deve dar um basta ao formalismo positivista legalista, no
cabendo mais ao juiz a nica funo de aplicar a lei, mas sim de analisar se esta se encontra
adequada ao ordenamento jurdico e sua hierarquizao, distinguindo-se a lei vigente da lei
vlida.

Neoconstitucionalismo

Crise do Estado de Direito Legal

O avano do Estado de Direito Legal para o Estado de Direito Constitucional


(neoconstitucionalismo), sistema normativo base para as sociedades civilizadas, a partir da
Segunda Guerra Mundial, possui avano extraordinrio nas conjecturas jurdicas, sociais e
polticas, sendo novo paradigma a ser estudado e conhecido. (GOMES e MAZZUOLI, 2010,
p. 36).
A evoluo da cultura da lei (Estado de Direito Legal) para a cultura do direito (Estado de
Direito Constitucional) teve como marco simblico os julgamentos de Nuremberg,
acontecimento em que vrios indivduos integrantes do movimento nazista foram condenados
por violao ao direito, mesmo tendo cumprido literalmente a lei vigente e vlida da
Alemanha naquela poca. (VIGO, 2005, p. 25 e ss.).
Nesta linha de pensamento Dimitri Dimoulis e cio Oto Duarte (2008, p. 106) dissertam:

A maior prova da culpa inconteste do juspositivismo foi o fato de os rus em


Nuremberg terem justificado as suas aes com base na lei positiva: Persegui,

torturei e matei porque assim ordenava a lei. E a lei a lei. Gesetz is Gesetz: Eis a
filosofia do positivismo jurdico, bradavam, impvidos, os jusnaturalistas. Sem a
considerao de valores superiores que devem guiar o direito, este corre o risco de
se transformar em uma ordem de opresso onde a norma jurdica, por ser jurdica,
possui um valor intrnseco, devendo ser obedecida incondicionalmente. Essa seria
ento a verdadeira herana do positivismo jurdico, que desprezando a evoluo de
valores jusnaturalistas como a igualdade e a liberdade, teria imposto regimes
polticos opressivos ou, pelo menos, justificado e legitimado as experincias
autoritrias da primeira metade do sculo passado.

O Estado regido pelo positivismo legalista, o qual se utilizava exclusivamente da norma,


alcanou no sculo XX, a sua maior crise. Dentre os inmeros pontos atinentes a esta crise, o
pensador Luigi Ferrajoli, elenca trs que se sobressaem: a crise da legalidade, a crise na
funo social e a crise do tradicional conceito de soberania. (FERRAJOLI, 2004, p. 15-17)
A crise da legalidade revela que a subordinao dos poderes pblicos exclusivamente lei
nunca foi eficaz no que tange a conteno das formas autoritrias de exerccio do poder.
Afinal, o poder continua a ser exercido de forma ilimitada, ou sob limites meramente formais,
sem controles definidos. A crise na funo social relaciona-se a busca incessante pelo lucro, e
a libertinagem do mercado neoliberal, no tendo os Estados cumprindo suas funes sociais,
como alimentao, sade, educao, moradia e etc. Por fim, a crise do tradicional conceito de
soberania, que refere aos Estados estarem sendo cada vez menos protagonistas do seu futuro,
j que muitas vezes o destino ditado e guiado por rgos internacionais. (FERRAJOLI,
2004, p. 15-17)
O direito, embora alimentado reiteradamente de centenas e mais centenas de normas, tem
se mostrado ineficaz para reger as complexas sociedades contemporneas, as quais esto por
perceber, diante as infinitas normas redigidas diariamente, falta de coerncia entre as leis,
ausncia do Estado no cumprimento das obrigaes sociais, pluralidade de fontes normativas
desorganizadas, imposies do poder econmico, tecnolgico e poltico, bem como,
irresponsabilidade dos trs poderes e corrupo em nveis exacerbados. (GOMES, 2010, p.
37)
Na existncia de uma crise, normalmente se vem mudanas, as quais decorrem para a
construo de um novo paradigma, conhecido como Estado de Direito Constitucional, cuja
importncia maior a dignidade da pessoa humana (NEVES, 2009, p. 4-5). Vale salientar,
ento, que do governo dos homens (Absolutismo), evoluiu-se para o governo das leis
(Positivismo legalista) e deste ingressamos no governo de um novo modelo de aplicabilidade
do direito, aquele sob a gide de uma Constituio, a qual possui como fundamento, a
garantia dos direitos, a separao dos poderes e o governo limitado. (GOMES, 2010, p. 37)

Diante da crise do Estado de Direito Legal baseada na lei formal (positivismo), surge um
novo modelo de Direito, denominado neoconstitucionalismo, o qual possui como premissa a
dignidade da pessoa humana, no bastando mais ao pensador jurdico saber a lei escrita, mas
verificar que existem novas formas de interpretar, aplicar e pensar o direito.

O pensamento neoconstitucional

necessrio salientar que entre a doutrina especializada no tema neoconstitucionalismo,


esta diverge em inmeros pontos, como o da sua abrangncia (situao que dificulta a sua
compreenso), o que pode ser notado na obra clssica Neoconstitucionalismo(s), organizada
por Miguel Carbonell, com Alfonso Figueroa, Sastre Ariza, Robert Alexy e Pietro Sanchs,
justamente pela obra encontrar-se no plural, indicando a pluralidade de pensamentos sobre o
tema. (MOREIRA, 2008, p. 21).
Basicamente o presente tpico abordar o neoconstitucionalismo terico (marco histrico
que tenta explicar o momento de sua consolidao) com alguns pensamentos do
neoconstitucionalismo filosfico (filosofia do direito aplicada).
Apena para fins elucidativos, neoconstitucionalismo terico pode ser compreendido nas
palavras de Eduardo Ribeiro Moreira (2008, p. 22) como a forma de pensar o direito que:
revisa a teoria da norma, a teoria da interpretao e a teoria das fontes, suplantando o
positivismo, para, percorrendo as transformaes tericas e prticas, aproxim-las do
constitucionalismo contemporneo.
Outrossim, o neoconstitucionalismo encontra-se presente no mundo jurdico h tempos,
originado de vrias questes, tanto de carter sociolgico, pela luta dos indivduos pela
democracia e direitos sociais, quanto de carter poltico, especialmente pela ruptura do Estado
Liberal.
Ressalta-se que, o marco histrico do neoconstitucionalismo inicia-se no ps Segunda
Guerra Mundial (como tratado anteriormente, porm como marco simblico), no entanto
muitas contribuies do final do sculo passado forneceram elementos significativos para sua
melhor compreenso. (MOREIRA, 2008, p. 28).
Pode-se citar apenas a ttulo exemplificativo acerca das inovaes trazidas nos ltimos
sculos

complementar

neoconstitucionalismo

(surgido

pelo

movimento

constitucionalista): o modelo de pensamento jurdico do internacionalismo (a tutela dos


direitos humanos fundamentais tambm uma questo internacional, pode-se citar no Brasil a
ratificao e submisso Conveno Interamericana de Direitos Humanos) e pelo modelo de

pensamento jurdico universalismo (normas que possuem nvel supraconstitucional, as quais


independem do aceite dos Estados para sua aplicao interna, pode-se citar o Tribunal Penal
Internacional), os quais construram de forma significativa a doutrina neoconstitucionalista,
entregando a referida teoria jurdica novos elementos, fundamentos e fontes a serem
conhecidas e pensadas. (GOMES e MAZZUOLI, 2010, p. 79 e 123)
Nesta linha de pensamento Luiz Flvio Gomes e Valerio de Oliveira Mazzuoli (2010, p.78)
acrescentam: [...] logo aps a Segunda Guerra nasceram (congnitos) trs movimentos: o
constitucionalista, o internacionalista e (ainda que de forma incipiente nesse primeiro
momento, mas com ntidas evolues futuras) o universalista).
Valendo-se com liberdade das lies de Luiz Flvio Gomes e Valerio de Oliveira Mazzuoli
(2010, p. 46 e ss.), bem como de Rodolfo Luiz Vigo (2005, p. 25 e ss.), elencar-se- e
dissertar-se- a respeito das principais mudanas ocorridas por esta nova forma de pensar o
direito (neoconstitucionalismo):
O Estado de Direito Legal, constitudo basicamente do positivismo legalista representa um
modelo que se identifica a lei com o direito. Essa confuso entre direito e lei foi desatada pelo
neoconstitucionalismo que interpreta o direito de forma muito mais ampla: a fonte do direito
comea pelo constituinte e termina na jurisprudncia.
No basta mais simplesmente ler o Dirio Oficial para conhecer o direito, pois este muito
mais amplo, deve-se conhecer a Constituio Federal, os tratados internacionais de direitos
humanos, o direito positivo de todo o pas e ainda, conhecer a jurisprudncia nacional e
internacional.
O saber jurdico no mais dogmtico (que possui o intuito de explicar e sistematizar o
direito positivado), mas compreender outros saberes como filosofia, psicologia, sociologia,
economia, dentre outros, em razo da relevncia que estas reas tm para explicar e definir o
direito justo aplicvel ao caso concreto.
A Constituio no um documento jurdico, mas sim poltico, a qual possui valor
superior a qualquer outra norma jurdica, devendo o legislador a ela estar vinculado. Portanto,
nem tudo o que o Poder Legislativo produz vlido, ou seja, nem tudo que vigente tem
validade.
Passou-se do tempo em que a vontade do legislador ordinrio era soberana, justamente
pelo direito no possuir a lei como fonte nica e interminvel, j que a construo do direito
se faz atravs da Constituio at a jurisprudncia, tendo o juiz o papel de sujeito ativo, o
senhor do direito.

Do legalismo, onde todo o direito fundava-se na lei soberana, passa-se para o


principialismo, onde a justia baseada nos princpios e valores constitucionais, consagrando
uma forte operatividade nos direitos humanos, tendo como principais protagonistas de tal
pensamento os jusfilsofos Alexy, Dworkin, Ferrajoli e Zagrebelsky.
Na viso principialista diferente do pensamento legalista, retira-se o carter de
identificidade do direito quando inclui ao mesmo a moral, podendo uma lei positivada ser
declarada inconstitucional ou no aplicada pela sua afronta a princpio.
Do juiz inanimado (Montesquieu) passa-se a ideia do juiz que interpreta o ordenamento
jurdico e que procura atravs da sensibilidade a soluo justa para o caso concreto.
No sistema neoconstitucionalista, o incio para a descoberta do direito no a lei, mas a
Constituio. A lei at poder ser o final da descoberta do direito, porm apenas se for
absolutamente compatvel com as demais normas hierarquicamente superiores.
Diferentemente da jurisprudncia entendida pela teoria pura do direito (Kelsen) que
validada para o caso concreto, passa-se da jurisprudncia como fonte imediata do direito,
novamente valorizando a figura do juiz como sujeito ativo que interpreta o Ordenamento
Jurdico.
O juiz no necessita mais passar pelos clssicos mtodos interpretativos, os quais possuam
o intuito de descobrir a vontade do legislador, na atualidade o juiz deve ter preocupao em
descobrir o direito efetivamente vigente e justificar racionalmente a soluo justa para o caso
concreto.
O direito tornou-se complexo, possuindo vrias fontes e sendo integrado por princpios e
valores que devem ser descobertos pelo juiz de acordo com cada caso especfico. Portanto, O
direito positivado na lei muitas vezes deve ser ocultado (Dworkin), a lei injusta deve ser
desconsiderada (Finnis), a injustia extrema no direito (Alexy e Radbruch), a scientia juris
no se confunde com a prudentia (diz Zagrabelsky). (GOMES e MAZZUOLI, 2010, p. 50).
De um sistematicismo jurdico complexo, passa-se para um modelo principiolgico
flexvel, onde o juiz baseando-se em princpios e valores encontrar a resposta correta para o
caso. Do pensamento sistemtico positivista legalista passa-se para o pensamento
problemtico onde o juiz tem o dever de encontrar a justia por meio do direito, ou seja,
descobrir o direito justo em cada caso concreto.
Diferentemente do pensamento positivista legalista em relao Constituio, que
entendia esta como um programa poltico dirigido ao legislador, que tinha total liberdade para
criar o direito, no sistema neoconstitucionalista, a Constituio assume o papel de norma
fundamental e o parmetro de validade de todas as demais normas.

O Estado no mais totalmente absoluto na criao das leis, j que soberana a ele a
Constituio, a qual so submissas todas as normas criadas pelo Estado.
Na atualidade, o juiz funciona no s como legislador negativo, como tambm sujeito
derrogativo e interpretativo. Sendo que a Constituio o higher law (o direito mais alto)
quem comanda toda a produo jurdica legislativa. Portanto, o juiz por fora do controle de
constitucionalidade deve reconhecer a invalidade de qualquer lei que no esteja de acordo
com a Constituio.
De qualquer maneira, cabe ao Tribunal Constitucional o poder de dizer a ltima palavra em
nome do Poder Constituinte. Diante disso, deve este adotar os ensinamentos
neoconstitucionalistas, especialmente amparando a dignidade da pessoa humana como
preceito absoluto (respeitando tambm os tratados internacionais de direitos humanos e as
normas de direito supraconstitucional novos modelos posteriores ao constitucionalismo).
Zagrebelsky (1995, p. 13) reflete acerca da construo do constitucionalismo: o direito
constitucional um conjunto de materiais de construo, mas o edifcio concreto no obra
da Constituio enquanto tal seno de uma poltica constitucional que versa sobre as possveis
combinaes de materiais.
Com isso, a invaso do neoconstitucionalismo, faz nortear mesmo que implicitamente uma
certa poltica constitucional que no contempla apenas decises judiciais, mas adentra em
todas as esferas de poderes, as quais ensejaro um aperfeioamento no direito e
consequentemente para a sociedade, especialmente no mbitos dos direitos de liberdade
individuais.

Consideraes Finais

A estruturao do Estado, em todas as suas esferas, sempre imps o formalismo para a


manuteno da ordem estabelecida e o Poder Judicirio ao longo dos tempos bastou-se a
servir as leis produzidas pelo Poder Legislativo, tornando-se mero sujeito passivo na
legitimao de inmeras leis injustas.
No entanto, a aplicao do direito deve estar alm do modelo positivista-legalista, que j
padeceu, o pensador do direito tem desafios no sentido de conhecer, desvendar e lapidar as
novas

formas

de

aplicar

direito,

especificamente

neoconstitucionalismo

(constitucionalismo, internacionalismo e universalismo), modelo norteado pelo princpio da


dignidade da pessoa humana.

As modificaes podem ser compreendidas atravs de uma nova forma de pensar


moralmente a Constituio, a qual est inserida de princpios e valores. As fontes jurdicas,
no possuem mais a velha mxima do modelo positivista-legalista em que a lei fonte
absoluta e interminvel do direito confundida com a prpria concepo de direito. Afinal, o
direito vai alm da concepo de lei e as fontes jurdicas so construdas desde a Constituio
at os julgamentos.
Ao jurista no cabe mais o papel de aplicador das leis e cdigos. A sua funo interpretar
e construir o ordenamento jurdico vlido em torno da Constituio.
O neoconstitucionalismo uma nova forma de pensar e aplicar o direito que poder ajudar
a sociedade se desenvolver e garantir especialmente liberdades individuais inerentes ao
Estado Democrtico de Direito. Ressalta-se que as solues para os problemas sociais e
estruturais dos Estados no se passam integralmente pelo pensamento neoconstitucionalista,
muito menos o julgador melhor que o legislador ou administrador (at porque j se
passaram dcadas do pensamento e somente agora ocorrem algumas modificaes
relacionadas especificamente ao mbito dos direitos e garantias individuais dos cidados e
no nas desigualdades sociais).
O pensamento neoconstitucionalista atravs do ativismo judicial (sistemtica tratada neste
artigo cientfico) pode ser verificado em diversas decises recentes do Supremo Tribunal
Federal do Brasil: permisso da progresso de regime nos crimes hediondos (HC no 82.959),
priso civil apenas por dvida de alimentos (RE no 466.343-1), descriminalizao das
marchas da maconha (ADI no 4274), unio estvel entres casais homoafetivos (ADI no 4277
e ADPF no 132), descriminalizao do aborto de feto anenceflico (ADPF no 54), dentre
outros.
Diante disso, constata-se uma grande mudana no cenrio de aplicao do direito nos
ltimos tempos, tendo a Corte Constitucional do Brasil se posicionado enfrentando vrias
matrias utilizando-se do pensamento neoconstitucionalista, porm ainda existem inmeras
matrias a serem enfrentadas e debatidas (descriminalizao do porte de drogas ilcitas para
consumo pessoal, eutansia, ortotansia, etc.), inclusive que a alta corte j se posicionou
fundamentando-as contrariamente ao pensamento neoconstitucionalista (declarao de
constitucionalidade da lei de anistia, constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, etc.).

REFERNCIAS

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