Tese - Elizeu Clementino Souza
Tese - Elizeu Clementino Souza
Tese - Elizeu Clementino Souza
Faculdade de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao
O CONHECIMENTO DE SI:
NARRATIVAS DO ITINERRIO ESCOLAR E
FORMAO DE PROFESSORES
Terra
2004
O CONHECIMENTO DE SI:
NARRATIVAS DO ITINERRIO ESCOLAR E
FORMAO DE PROFESSORES
Terra
2004
TERMO DE APROVAO
O CONHECIMENTO DE SI:
NARRATIVAS DO ITINERRIO ESCOLAR E
FORMAO DE PROFESSORES
Terra
2004
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
it allows
SUMRIO
f.
12
26
28
33
41
51
71
74
83
94
108
113
121
137
157
171
crescimento e partilha
173
218
261
280
da formao
307
Referncias
314
Anexos
337
LISTA DE ANEXOS
338
339
340
342
343
344
As fotos utilizadas como marca d gua so de arquivo pessoal de Elizeu Souza, Ourisvalda Gomes,
Simone Carine, Naurelita Maia e Beatriz Lima.
12
por
considerar
que
os
respectivos
autores
vm
aprofundando
Que
relaes
so
estabelecidas
entre
narrativas
A reflexo apresentada corresponde ao texto do e-mail: Perdas, encaminhado para alguns amigos,
por ocasio do falecimento do meu Pai em 15/08/2003, quando estava em Lisboa realizando o
Estgio de Doutoramento, na Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao, da Universidade de
Lisboa, sob a orientao do Dr. Antnio Nvoa.
16
voc, em seu Vicente, aquele homem simples da terra que tive a oportunidade de
conhecer e de refletir tambm o que a perda. Senti isso muito forte quando perdi
meu pai h exatamente um ano atrs; perdi a presena, mas no a referncia
daquele homem que foi muito duro tambm no ensinar. Siga seu caminho com esta
recordao no corao. Um pai o pai. Uma perda a perda. Uma memria a
memria. Estou aqui, estou tambm a com voc para o que der e vier!
a esse misto de dor e de recordaes, como num flash-back, que a morte
nos remete. Aguo o sentido, tranco-me em casa e passo o dia a pensar e a me
conectar com minha histria, com minhas memrias e com muitas e bonitas
lembranas. De forma intensa e, como de costume, num tom bastante singular,
Stella Rodrigues me remete para a pesquisa, a construo do conhecimento e a
indissociabilidade entre a vida e a morte, entre a histria e suas narrativas, ao
afirmar que Nessas horas de intensa vida/morte nos deparamos de frente com o
prprio mistrio e sentido mais profundo da vida. Fiquei pensando um pouco sobre
essa forte experincia de quem se aventura nessa rea do conhecimento. Como
tudo se mistura. O Dilogo entre vida e morte se instaura freqentemente no mbito
desses processos. Mas tua pulso de vida tem te carregado para lugares distantes
te fazendo sempre outro/melhor. Que ironia: estudar histrias de vida/narrativas das
professoras coincide com a tua prpria histria. Belo e trgico, como a vida. A dor
vai se amortecendo, aos poucos. Enquanto isso, o trabalho vai emergindo tambm
com essas marcas.
Ainda ampliando essa reflexo, leio com ateno e com articulao as
diferentes palavras e compreendo o sentido de aprofundar minha histria a partir da
minha matriz. E com essa percepo continuei refazendo e continuarei vivendo o
sentido da histria a partir do meu Pai. Denice me leva a pensar na capacidade de
superar a sabotagem psicolgica e ter Cuidado com as armadilhas que gostamos
de construir para ns mesmos nessas situaes. Acredito que as pessoas quando
morrem vo para algum lugar-outro, que no sei como - talvez ele esteja bem l.
Ser que no tem uma hora em que as pessoas anseiam por outras formas de vida?
E talvez a no pensem que to terrvel partir. A voc cabe refazer consigo mesmo
o lugar dele na tua histria-trabalho para o resto da vida. Um dia vocs se
encontram, no?.
A intensidade e a profundidade da escrita de Lucinete Chaves me permitiram
conectar com coisas e experincias muito prximas. Falamos de aprendizagens com
17
20
Os excertos utilizados no corpo da tese correspondem s escritas narrativas das alunas, produzidas
na Disciplina de Prtica Pedaggica II (Anexo V). Por considerar a pertinncia e a relevncia dos
textos narrativos, sinalizo que em alguns momentos do trabalho alguns excertos se repetem, por
entender que os mesmos marcam e justificam questes tericas e empricas sobre o processo de
formao expressos nas histrias de vida do grupo pesquisado.
23
24
25
26
Processo identitrio aqui entendido, conforme Nvoa (1992b, c), como um lugar/movimento de
lutas, tenses e conflitos, caracterizando-se como um espao de construo do ser e estar na
profisso, que parte do pessoal para o profissional.
27
Homem simples aqui entendido, na concepo utilizada por Jos de Souza Martins (2000),
quando discute a sociabilidade do homem simples e sua vivncia cotidiana como marcas de
aprendizagens cotidianas recortadas por diversos mecanismos de dominao e alienao, bem como
por outras possibilidades construdas para viver processos histricos da vida humana. Afirma o autor
que a sociabilidade do homem simples busca [...] realizar no tempo mido da vida cotidiana as
conquistas fundamentais do gnero humano, aquilo que liberta o homem das mltiplas misrias que o
fazem pobre de tudo: de condies adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de
liberdade, de imaginao, de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria e de festa, de
compreenso ativa de seu lugar na construo da realidade [...] (Martins, 2000, pp. 11/2).
28
pai, que naquele momento tinha uma fazenda nesta vila e sentia-se desconfortvel
com mais uma perda de esposa.
Outras mudanas se impem na vida de Elza e Vicente. Com o casamento e
o nascimento dos primeiros filhos, vem-se impelidos pela necessidade de investir
na educao dos meninos. Anterior migrao da famlia para a cidade, meu av
decide mudar para Jaguaquara e vender a fazenda para meu pai. No incio do ano
de 1968, Vicente e Elza compram uma casa em Jaguaquara-BA e organizam a
mudana para a cidade, embora Vicente sempre tenha estado na lida na fazenda
indo semanalmente para a cidade para estar com sua famlia e acompanhar, no seu
papel de pai, a sua prole. Do meu pai sempre ouvia, desde pequeno, a seguinte
expresso: Para ser algum na vida tem que estudar. Ouvia isso repetidas vezes
do meu pai, num tom de desabafo, de investimento e, muitas vezes, de
transferncia, na tentativa de suprir seu abandono e a negao que sua histria de
vida lhe imps.
Com esse compromisso comigo, com o meu projeto de vida e com a minha
determinao, comeo a minha escolarizao aos 5 anos de idade, no Colgio Luzia
Silva. Uma escola de Freiras, onde fiz a pr-escola, especificamente o infantil. Dessa
escola tenho significativas lembranas, primeiro porque na minha infncia e no incio
da adolescncia sempre vivi neste espao, ora participando do grupo de jovens da
cidade, ora trabalhando nas aulas de catequese. A religiosidade da minha me e a
vivncia na igreja foi constante na infncia e adolescncia de todos os seus filhos.
Aps a construo e a aprendizagens das primeiras letras, ou, para ser
pedagogicamente correto, da base alfabtica, fui estudar no Colgio Pio XII. Da
minha alfabetizao ficam marcas da primeira professora. Carolina Andrade tinha
uma forma peculiar e especial de trabalhar com as crianas. Chamava-me a ateno
seu jeito e sua voz doce e acalentadora, sua maneira particular de contar as
histrias e construir o trabalho pedaggico. Fui alfabetizado, como as demais
crianas da poca, numa perspectiva silbica e tradicional.
Estudei no Colgio Pio XII at a concluso do 2 grau. Escola pblica da
cidade que atendia a maior parte dos alunos em idade escolar, neste espao escolar
pude aprender diferentes e vrios aspectos da convivncia pessoal e educativa. A
organizao e a administrao da escola ficavam a cargo de um Frade Franciscano.
Frei Mariano marcava na escola um clima e uma sociabilidade mpares entre os
29
Fao referncia aos Manuais Pedaggicos: Didtica geral, Fundamentos de educao (princpios
psicolgicos e sociais, elementos de didtica e administrao escolar) e Metodologia do ensino
primrio, de Amaral Fontoura, os quais foram adotados pelos professores e utilizados como princpios
formativos com base na racionalidade tcnica.
31
Para maiores esclarecimentos sobre essa questo, consultar o Documento Final do Encontro
Nacional, realizado em Belo Horizonte, de 21 a 25/11/83 e publicado no Caderno do CEDES 17 O
profissional do ensino: debate sobre a sua formao, 1989.
11
Sobre essa questo importante verificar o Projeto de Lei n. 1258-C construdo pelo Frum
Nacional em defesa da Escola Pblica e Gratuita, gestado pelo movimento dos educadores,
associaes cientficas e encaminhado ao Congresso Nacional em 1988, no final da Conferncia
Brasileira de Educao (CBE), realizada em Braslia. Para maiores esclarecimentos consultar Pino
(1997).
32
Momento de
Utilizo a metfora educador em construo para ilustrar lembranas da memria e marcas que
potencializam o meu desenvolvimento pessoal e profissional como professor, bem como as
respectivas aprendizagens e saberes que venho construindo e reafirmando no meu processo
identitrio enquanto educador.
33
13
Com base na literatura pedaggica publicada na dec. de 80, fui aprofundando a minha formao e
as concepes sobre o trabalho educativo, no que se refere s tendncias pedaggicas, ao estatuto
epistemolgico da didtica e ao compromisso e competncia tcnica do educador, cabendo destaque
os trabalhos de Gadotti (1987), Saviani (1980 e 1983), Libneo (1984), Mello (1982) e Candau (1883).
As influncias da Professora Regina Celi e as indicaes para leitura dos tericos crticoreprodutivistas, tais como: Althusser, Baudelot e Establet; Bourdieu e Passeron, bem como os
tericos crticos e ps-crticos, dentre os quais destaco: Apple, Giroux, Enguita, Silva, possibilitaram
ampliar as concepes e representaes sobre diferentes processos educativos e educacionais.
34
indissociabilidade
entre
teoria
prtica,
reforando
meu
Em seu texto, O Ciclo de vida profissional dos professores, Huberman (1992) apresenta tendncias
gerais do ciclo de vida profissional dos professores e afirma que entre os anos de carreira so
impressas algumas fases e temas que so recorrentes: 1-3 anos, entrada, tateamento; 4-6,
estabilizao, consolidao de um campo de conhecimento pedaggico; 7-25, diversificao (ativismo
ou questionamentos); 25-35, serenidade (distanciamento afetivo ou conservadorismo); 35-40,
desinvestimento (sereno ou amargo).
35
de
professores,
numa
sociedade
em
constante
processo
de
transformao.
A partir da trajetria apresentada, procuro, no prximo captulo, situar
questes tericas sobre a formao de professores, especificamente no que se
refere ao estado na arte no contexto brasileiro. Com base em tal anlise, tenciono
sistematizar aspectos tericos concernentes identidade, aos saberes docentes, ao
professor reflexivo, epistemologia da formao e suas relaes com a abordagem
biogrfica, como dispositivos de autoformao no espao da formao inicial e do
estgio supervisionado no contexto da presente pesquisa.
37
38
Sobre as questes relacionadas crise de identidade e ao mal estar relativo ao estatuto social e
profissional, consultar Enguita (1991), Costa (1995), Contreras (2002), Gatti (2003) e Antelo (2003).
18
o
A Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional, n. 9394/96 estabelece outro locus de formao
e desconsidera as pesquisas produzidas na educao brasileira e as sistematizaes construdas
pelas associaes cientficas, bem como vem privilegiando a implantao da certificao, confundida
como qualificao sem qualidade para os profissionais da educao. As discusses terico-legais
construdas por diferentes pesquisadores, dentre os quais Tanuri (2000), Brzezinski (1997a e b, 1999
e 2002), Valle (2000), Pereira (2000), Chave e Silva (1999), Silva (1998 e 1999), Lisita e Peixoto
(2000), Scheibe e Aguiar (1999), Pimenta e Libneo (1999), por entender que essas pesquisas
discutem e analisam aspectos relacionados aos dispositivos legais sobre a formao de professores
ps LDB, sistematizam e refletem sobre diferentes concepes e impasses colocados sobre o espao
de formao, o tempo, a concepo de formao e seus princpios polticos, a concepo de estgio
e prtica de ensino, bem como questes relacionadas ao processo identitrio e ao desenvolvimento
profissional.
39
19
40
22
Tomo essa categoria, a partir das discusses sistematizadas em diferentes pesquisas sobre
formao de professores, especificamente com base em Pereira (2000), quando discute a relao
poder, saber e subjetivao no movimento de tornar-se professor.
41
(Zeichner 1993, 1995 e 1998; Schn 1983, 1995, 2000; Perrenoud 2002), o
professor como um intelectual crtico (Giroux, 1997) ou crticas feitas sobre esses
conceitos a partir da sistematizao sobre a autonomia do professor (Contreras,
2002).
A emergncia, na literatura nacional, no que se refere formao de
professores reflexivos nasce da influncia exercida por pesquisadores internacionais
sobre tal temtica e perspectiva formativa. Para Pimenta (2002), tal emergncia
deveu-se difuso do livro organizado por Nvoa23 (1995a), o qual apresenta textos
de diversos pesquisadores da Europa em relao profissionalizao e formao
reflexiva, ganhando destaque no Brasil, devido tambm participao de
pesquisadores brasileiros no I Congresso sobre Formao de professores nos
Paises de Lngua e Expresso Portuguesas, em Aveiro, 1993, sob a coordenao da
Professora Isabel Alarco (Pimenta, 2002, p. 28).
So significativas as contribuies apresentadas por Nvoa (1992a, b, 1995b,
2002), Zeichner (1993, 1995 e 1998), Schn (1983, 1995, 2000) e tambm por
pesquisadores brasileiros sobre a formao de professores, tanto no que se refere
contextualizao com a nossa realidade social, poltica e econmica, quanto em
relao utilizao desses conceitos como princpios de formao.
Esses so aspectos que merecem e exigem um olhar atento e, tambm,
investigativo sobre metforas24 construdas com base na tendncia ps-positivista,
conforme afirma Sacristn (2002), sobre o estado do conhecimento na formao de
professores, vez que apresentam alta cotao no mercado intelectual sobre a
investigao pedaggica.
Neste embate terico, diferentes pesquisas j foram produzidas, desde a
dcada de 80, no que se refere ao estado do conhecimento sobre formao de
professores, as quais tratam de princpios tericos, prticos e epistemolgicos sobre
o ensino e a pesquisa. Ainda assim, a literatura internacional e nacional apresenta
diferentes teorizaes sobre a formao de professores, no que tange identidade,
profissionalizao, desenvolvimento pessoal e profissional, saberes da docncia,
23
Os Professores e sua Formao (1995a), editado pela Porto Editora e constitudo de textos sobre a
profissionalizao e a formao reflexiva de professores.
24
Sobre a discusso das metforas empreendidas na tendncia ps-positivista Sacristn (2002)
afirma que so apresentadas diferentes metforas, tais como profissionais reflexivos, professor
investigador da aula, professor intelectual, professor autnomo, dentre outras, as quais so
produzidas por quem constri discursos sobre a educao e no por aqueles que esto na prtica
educativa.
42
25
43
30
44
No contexto da dec. de 80, cabe destaque para os trabalhos de Gadotti (1987), Saviani (1980 e
1983), Libneo (1984) e, especificamente, Mello (1982), por entender que as teorizaes sobre as
perspectivas reprodutivistas e crticas da educao serviram de suporte para que diferentes
pesquisadores avanassem na compreenso de diferentes processos e fenmenos educativos,
dentre os quais saliento a formao de professores.
32
Neste momento histrico, encontrava-me em processo de formao inicial no Curso de Pedagogia,
cuja base terica de formao assentava-se nas leituras dos tericos crtico-reprodutivistas, tais
como: Althusser, Baudelot e Establet; Bourdieu e Passeron, bem como tericos crticos e ps-crticos,
dentre os quais destaco: Apple, Giroux, Enguita, Silva.
45
condies
de
trabalho,
dos
salrios,
dos
saberes
profissionais
e,
nas escolas pblicas, criando-se um paradoxo, por parte do discurso oficial sobre os
recursos destinados educao e formao de professores para atender tal
demanda. neste contexto que se visualiza e discute a expanso da demanda pelo
ensino pblico, com o crescimento da populao escolar, exigindo professores para
que pudessem atender a este novo quadro, marcada pela expanso do ensino
superior com a criao e implantao de cursos de licenciaturas e de faculdades
isoladas. O objetivo era formar novos quadros para as escolas, o que no
aconteceu, visto que se legitimou no discurso oficial a ausncia de maiores
investimentos para a rea educacional e autorizou-se o exerccio profissional de
professores no habilitados para atenderem demanda constituda com a expanso
do sistema de ensino brasileiro.
Problemas diversos emergem com a ampliao sem critrio, planejamento e
qualidade, semelhante ao que vivemos com a atual expanso ps-LDB na dcada
de 90 na sociedade brasileira, reafirmando a crise de identidade profissional, a
diminuio de salrios e, conseqentemente, a reorganizao do trabalho na escola
em funo da descaracterizao do trabalho docente. da que, com base na
diviso tcnica do trabalho, amplia-se a diviso do trabalho pedaggico na escola
entre aqueles que pensam e os que executam, sendo os professores
compreendidos como tarefeiros, cumpridores de programas, de contedos
parcializados e fragmentados no processo de ensino.
Desta forma, as perdas salariais e a diminuio do controle sobre o seu
prprio trabalho imprimem e revelam a gnese da proletarizao profissional dos
professores, com base na dualidade entre o profissionalismo e a proletarizao da
formao e do trabalho docente.
As pesquisas sobre gnero33 subsidiam e demandam novos olhares sobre a
profissionalizao, com base na feminizao do magistrio como uma das
categorias da tese da proletarizao, face ao contingente feminino como fora de
trabalho na educao, isto porque,
[...] o foco histrico que iluminou o processo de feminizao do magistrio mostrou,
porm que a desvalorizao econmica e social no esteve ligada a um processo
inevitvel, natural e universal, mas foi resultado de seleo de alternativas e escolhas
efetuadas por agentes polticos que, diante de condies concretas dadas, optaram
por aliar a formao de professores, e o prprio magistrio, a um menosprezo pelo
33
Sobre essa questo consultar: Nunes (1985); Bruschini & Amado (1988); Lopes (1991); Cardoso
(1991); Demartini e Antunes (1993); Louro (1989 e 1997); Catani et al. (1997) e Passos (1999).
47
feminino, ocultado no discurso mas revelado pelos baixos salrios [...] (Catani et al,
1997a, b, p. 26).
dispositivo
de
formao
inicial
continuada,
profissionalizao,
34
Sobre essa questo, consultar Brando (1984) e, especificamente, os textos de Alves, Chau.
A emergncia destas temticas se inscreve na rea de formao de professores, como tambm no
campo da Didtica e do Currculo. Para um maior aprofundamento, cabe consultar os Anais da
ANPEd, especificamente de 1996 para c.
35
48
esforos
foram
empreendidos
na
comunidade
acadmica
Nos Captulos IV e V discuto sobre princpios histricos e epistemolgicos da histria de vida como
mtodo e tcnica de investigao e apresento a opo pela abordagem biogrfica de pesquisa, como
frtil para a formao inicial de professores, atravs das narrativas da trajetria de escolarizao. Por
isso, no intento aprofundar essa discusso aqui, nem apresentar pesquisas e teorizaes sobre tal
perspectiva de investigao-formao neste momento.
37
Sobre essa questo, consultar: Andr e Ldke (1986); Ldke (1993, 1994, 1995 e 2000); Andr
(1994 e 1995); Fazenda (1991, 1992 e 1995a, b); Geraldi et al (1998); Linhares, Fazenda e Trindade
(1999); Costa (1996) e Macedo (2000).
49
monotcnico
positivista
confronta-se
com
outras
perspectivas
tericas,
38
38
50
controlo
sobre
os
professores,
favorecendo
seu
processo
de
bem
como
os
saberes
que
constituem
docncia,
foram
39
Cf. Nvoa (1992b, c) Livro, publicado em 1984, de Ada Abraham. A partir da, comenta o autor, que
no param de crescer as pesquisas e publicaes sobre a vida dos professores, especificamente na
Europa, EUUA e Canad.
52
40
Para Josso (1988 e 2002), a utilizao da Histria de Vida e da Biografia Educativa tem perspectiva
diferente no contexto de uma investigao. A primeira refere-se globalidade da vida de um sujeito e
a segunda vincula-se, mais especificamente, entrada na histria de vida a partir de uma temtica.
No que se refere a esta pesquisa, caminho na mesma direo que Josso, visto que me aproprio da
idia das biografias educativas, nomeando-as de narrativas de formao a partir da trajetria de
escolarizao dos sujeitos da pesquisa.
54
55
provoca
aprendizagens
em diferentes
domnios
da
existncia,
Para maior esclarecimento dessa questo, consultar Josso (2002, pp. 34/41), quando, no seu texto
A Experincia Formadora: um conceito em construo, apresenta aspectos tericos relativos a
fenomenologia das experincias, fazendo distino entre experincia existencial referindo-se ao
todo da pessoa - e aprendizagem pela experincia ou a partir da experincia, enquanto relativa a
questes menores e mais especficas, as quais exigem competncias afetivas, relacionais, um saberfazer que potencialize mudar situaes em experincias significativas.
56
experiencial
ou
biogrfica44,
cujas
aprendizagens
experienciais
44
Na rea da Cincia da Educao, o precursor desta abordagem foi Gaston Pineau, para o qual a
autoformao exerce um papel singular no processo de formao. Pineau (2000), La formation em
deux temps, trois mouvements, afirma que Cest le mouvement qui fait le plus travailler. Au dbut ds
annes quatre-vingt-dix sest cr au Laboratoire ds sciences de lducation de lUniversit de Tours
l Groupe de recherche sur lAutoformation (GRAF). Dix ans plus tarde, il em est son cinquime
colloque europen et as deuxime rencontre mondiale (2000, p. 130).
45
Para maior aprofundamento dessa questo, consultar os seguintes textos: Gaston Pineau, La
formation em deux temps, trois mouvements, 2000, pp. 127/37; Gaston Pineau, Experincias de
aprendizagem e Histrias de vida, 1999, pp. 327/348; Gaston Pineau, A Autoformao no decurso da
vida: entre a hetero e a ecoformao, 1988, pp. 65/77; Gaston Pineau e Marie Michele, Produire as
vie: autoformation et autobiographie, 1983; Revista ducation Permanente, Lautoformation, 1985;
Pierre Dominic, Lhistoire de vie comme processus de formation, 1990.
58
centramento
do
sujeito
na
abordagem
experiencial,
ou
mais
46
59
mos este poder - tornar-se sujeito -, mas tambm aplic-la a si mesmo: tornar-se
objecto de formao para si mesmo. (1988, p 67).
A utilizao e vinculao das histrias de vida e, mais especificamente, da
abordagem biogrfica, como uma possibilidade de autorformao, evidencia-se
porque permite colocar o sujeito numa posio de ator e autor do decurso da vida,
atravs da narrativa de formao, visto que A construo e a regulao desta
historicidade
pessoal
so
talvez
as
caractersticas
mais
importantes
da
ritmo
determinado
em
responder
figuras
demandadas
[...].
47
Embora, como salienta o autor, o texto trate de um caso particular os professores e a sociedade
inglesa -, entendo que as questes por ele colocadas so cabveis em outras esferas, que no
especificamente o sistema pblico ingls. Afirma o autor que [...] A identidade do professor tem o
potencial para no s refletir ou simbolizar o sistema, como tambm para ser manipulada, no sentido
de melhor arquitetar a mudana [...] (Lawn, 2000, p. 71).
61
transformaes
histricas.
Identidades
que
so
reguladas,
imitadas,
48
Em relao a teorizaes construdas no campo dos estudos culturais sobre identidade e diferena,
busco em Louro (1997, 1998), Hall (2000) e Silva (1999, 2000) princpios tericos que me possibilitam
sistematizar aspectos sobre tal abordagem.
49
Segundo Louro, Gestos, movimentos, sentidos so produzidos no espao escolar e incorporados
por meninos e meninas, tornam-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar e a se olhar, se
aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir. [...] E todas essas lies so atravessadas
pelas diferenas, elas confirmam e tambm produzem diferenas. Evidentemente, os sujeitos no so
passivos receptores de imposies externas. Ativamente eles se envolvem e so envolvidos nessas
aprendizagens reagem, respondem, recusam ou as assumem inteiramente (1997, p. 61).
63
Para Moita, a identidade profissional [...] uma construo que tem uma
dimenso espcio-temporal, atravessa a vida profissional desde a fase da opo
pela profisso at reforma, passando pelo tempo concreto da formao inicial e
pelos diferentes espaos institucionais onde a profisso se desenrola [...] (1992, pp.
115-6). A identidade profissional assenta-se em saberes cientficos e pedaggicos e
tem como referncia axiomas ticos e deontolgicos. Pode-se apreender que
forjada e performatizada a partir do contexto e dos interesses postos historicamente
como forma de controle e de organizao das mudanas educativas ou, ao contrrio,
como forma de no assujeitamento ao estabelecido. Ainda assim, reitera a autora
que a identidade profissional uma construo que tem marca das experincias
feitas, das opes tomadas, das prticas desenvolvidas, das continuidades e
descontinuidades, quer ao nvel das representaes quer ao nvel do trabalho
concreto (idem, p. 116).
Conforme Nvoa (1992b, c), a identidade entendida como um lugar de
lutas, tenses e conflitos, caracterizando-se como um espao de construo do ser e
estar na profisso, que parte do pessoal para o profissional e vice-versa. [...] um
processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para
acomodar inovaes, para assimilar mudanas (1992b, c, p. 16).
As histrias de vida, as representaes e as narrativas de formao marcam
aprendizagens tanto na dimenso pessoal, quanto profissional e entrecruzam
movimentos potencializadores da profissionalizao docente, porque [...] um
professor tem uma histria de vida, um ator social, tem emoes, um corpo,
poderes, uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos
e aes carregam as marcas do contexto nos quais se inserem. (Tardif, 2000, p.
15). Nesta perspectiva, a epistemologia da prtica, os saberes e a histria de vida
so significativos para a aprendizagem profissional, no podemos separar os
saberes das histrias, dos contextos que os instituem, modelam e definem.
A formao do professor como profissional prtico-reflexivo (Schn, 1995),
passa necessariamente pela qualidade e competncia tcnico-poltica e investigativa
que o mesmo estabelece com sua prxis de trabalho docente e educativo a partir do
conhecimento na ao, reflexo na ao, reflexo sobre a ao e sobre a reflexo
na ao.
64
As categorias apresentadas por Schn50 evidenciam a perspectiva prticoreflexiva sobre a ao docente. O conhecimento na ao caracteriza-se como a
competncia que construmos frente ao saber fazer. A reflexo na ao configura-se
como a anlise que realizamos quando desenvolvemos determinadas aes, ou
seja, a reflexo que se constitui no momento da ao. A encontramos,
claramente, com base no pensamento de Schn, a indissociabilidade entre teoria e
prtica. A reflexo sobre a ao e sobre a reflexo na ao inscreve-se como uma
reflexo crtica aps a ao realizada e objetiva retro-alimentar as representaes e
caractersticas no processo de sua prpria ao.
Nesta perspectiva, Nvoa, ao discutir o triplo movimento proposto por
Schn, afirma que a prtica reflexiva da ao docente:
[...] ganha uma pertinncia acrescida no quadro do desenvolvimento pessoal dos
professores e remete para a consolidao no terreno profissional de espaos de (auto)
formao participada. Os momentos de balano retrospectivo sobre os percursos
pessoais e profissionais so momentos em que cada um produz a sua vida, o que no
caso dos professores tambm produzir a sua profisso. (Nvoa, 1995a, p. 26
Grifos do autor)
50
Para uma melhor compreenso da categoria apresentada por Schn sobre a formao de
profissionais reflexivos, bem como da sua trajetria acadmica e implicaes do pensamento de
Dewey sobre sua obra, consultar Campos e Pessoa (1998).
65
prtica da avaliao e, por fim, a razo de ser professor e os papis que assume em
sua funo educativa e docente.
Com base nos estudos de Zeichner e Schn, Matos (1998) analisa a
formao dos professores e identifica adjetivos51 relativos ao professor-pesquisador
e reflexivo, buscando contribuir, numa perspectiva filosfica, para um melhor
entendimento sobre a problemtica do professor-reflexivo, colocando em dvida a
terminologia utilizada, tendo em vista uma melhor compreenso da adoo dessa
terminologia como algo a mais que se acrescenta profisso professor. O autor
questiona [...] porque tantos adjetivos e tantas preocupaes em adjetivar o
trabalho docente. Talvez seria demasiado simplista, mas arriscamo-nos a indagar:
quando ser que iremos falar do professor-professor? [...] (Matos, 1998, p. 278).
Aps uma discusso sobre o ser humano como ponto de partida e o carter de
prtica social da educao, numa perspectiva reflexiva, o referido autor analisa,
numa digresso filosfica, o conceito de reflexo, a fim de melhor compreend-la
como objetivo e contedo da formao de professores.
Para Gmez (1995), a reflexo conota o mergulho consciente do sujeito no
mundo da experincia e das interrelaes, um mundo construdo de valores,
crenas, smbolos, relaes afetivas, interesses sociais, pessoais e contexto poltico.
O conhecimento da prtica social e docente e, respectivamente, os saberes, s
podero ser considerados instrumentos do processo de reflexo se forem integrados
significativamente pelo sujeito, quando analisa a realidade em que se situa e
organiza a sua prpria experincia.
Dickel (1998) entende que a pesquisa seja, no contexto da escola e da
prtica pedaggica, uma das possibilidades de o professor tomar a si o direito pela
direo de seu trabalho e, comprometendo-se com a busca de uma sociedade justa,
torn-lo implicado de modo a promover em seus alunos a capacidade de inventar
num mundo alternativo.
Por fim, parece impossvel que, submersos em um contexto de
desesperana e desalento, possamos falar de professor-pesquisador. Professor este
que, alm do que j foi dito, vive rodeado de conflitos e sofre um processo de
51
Sobre essa questo, tambm consultar Gmez, que afirma: a Crtica racionalidade tcnica
conduziu emergncia de metforas alternativas sobre o papel do professor como profissional
(1995:102).
66
modo
como
estes
so
apropriados,
desenvolvidos,
um
dos
princpios
concernentes
formao
de
professores
na
52
Situo em Pimenta (1996 e 1999), Alarco (1998), Fiorentini et al. (1998), Saviani (1996), Saul
(1996), Freire (1997), Marques (1999), Tardif, Lahaye e Lessard (1991) e Tardif (2000 e 2002)
autores que tematizam sobre os saberes docentes ou a epistemologia da prtica.
67
Saberes provenientes da
formao
profissional
para o magistrio
Saberes
provenientes
dos programas e livros
didticos
usados
no
trabalho
Saberes de sua prpria
experincia na profisso,
na sala de aula e na
escola.
Fonte: Tardif, 2002, p. 63.
Fontes sociais
da aquisio
A famlia, o ambiente de
vida, a educao no
sentido lato, etc.
A escola primria e
secundria, os estudos
ps-secundrios
no
especializados, etc.
Os estabelecimentos de
formao de professores,
os estgios, os cursos de
reciclagem, etc.
A
utilizao
das
ferramentas
dos
professores: programas,
livros didticos, cadernos
de exerccios, fichas, etc.
A prtica do ofcio na
escola e na sala de aula,
a experincia dos pares,
etc.
Modos de integrao
no trabalho docente
Pela histria de vida e
pela
sistematizao
primria.
Pela formao e pela
socializao
prprofissionais.
Pela formao e pela
socializao profissionais
nas
instituies
de
formao de professores.
Pela
utilizao
das
ferramentas de trabalho,
sua
adaptao
s
tarefas.
Pela prtica do trabalho e
pela
socializao
profissional.
53
69
compreender
que,
segundo
Goodson
[...]
no
mundo
do
70
54
Ao discutir [...] as buscas orientadoras dos itinerrios e das escolhas de vida (p. 66), Josso afirma
que o termo busca me aparece particularmente apropriado: uma busca muitas vezes labirntica com
o que isso implica de exploraes, de retrocessos, de revisitaes, de becos sem sada, de chegada
a uma grande sala do Tesouro, de descobertas de uma sada que se revela ilusria, etc [...] (2002, p.
69).
71
55
Sobre essa questo, afirma Josso que O que est em jogo neste conhecimento de si no pois
apenas compreender como nos formamos ao longo da nossa vida atravs de um conjunto de
experincias, mas sim tomar conscincia que este reconhecimento de ns prprios como sujeitos,
mais ou menos activo ou passivo segundo com as circunstncias, permite, da em diante, encarar o
seu itinerrio de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma auto-orientao
possvel que articula de uma forma mais consciente as nossa lembranas, as nossas experincias
formadoras, os nossos sentimentos de pertena, as nossas valorizaes, os nossos desejos e o
nosso imaginrio nas oportunidades socioculturais que soubermos agarrar, criar e explorar, para que
surja um ser que aprenda a identificar e a combinar constrangimentos e margens de liberdade [...].
(2002, p. 65).
72
56
Fao referncia ao texto - A vivncia escolar dos estagirios e a prtica de pesquisa em estgios
supervisionados -, por entender que o mesmo possibilitou implementar o projeto Historiar: a arte de
contar histrias, como procedimento de investigao e formao no espao do curso de pedagogia,
atravs do trabalho coma memria educativa das alunas em processo de formao.
73
57
Sobre essa questo, Nvoa faz uma significativa discusso no texto Os professores e as histrias
da sua vida, especificamente no subttulo Os professores: um novo objecto da investigao
educacional (1992c, pp. 14/25), sobre as perspectivas metodolgicas das histrias de vida, ao
apresentar uma sistematizao sobre os estudos desenvolvidos com nfase na abordagem
biogrfica.
58
Afirmam Catani et. al. que [...] A contra-memria atua tambm, no modo como os professores
concebem a relao teoria/prtica no seu trabalho. medida em que vo demolindo as idias que
lhes foram impostas pela memria oficial e pelos prprios manuais e livros didticos, eles
reconstroem uma nova concepo sobre sua prtica e o modo como esta se delineia e se estrutura,
incorporando no apenas os elementos das teorias como outros que precedem da experincia
pessoal e social que tem lugar dentro e fora da escola [...] (1997b, p. 27)
74
Seminrio organizado pelo Grupo de Estudos Docncia, Memria e Gnero (GEDOMGE), que
agrupa professores e alunos da FEUSP, desde o incio dos anos 90. O referido seminrio ocorreu no
perodo de 6 a 8 de novembro de 1996. Do mesmo resultou a publicao das Atas (1997).
60
Conforme Atas (1997) que resulta da publicao dos trabalhos apresentados no Seminrio, verifico
os seguintes Grupos Temticos: Histria da Educao; Histria e Gnero em Educao; Memria,
Trabalho e Formao Docente; Autobiografia, Histrias de Formao e o Estudo da Profisso
Docente; Docncia, Gnero e Pesquisa em Educao.
76
62
77
compreender
memrias
lembranas
de
um
processo
de
trajetrias
de
escolarizao
sobre
formao
e autoformao
da
78
no
espao
Supervisionado.
Por
da
Prtica
isso,
Pedaggica,
procuro
analisar
na
modalidade
implicaes
das
de
Estgio
narrativas
conseqentemente,
verticalizao
para
um
aprofundamento
da
81
lembranas,
memrias
representaes
da
sua
trajetria
de
los e descrever acontecimentos vividos [...] (1999, p. 117). Com base nessa
compreenso, pude entender a dialogicidade da pesquisa e da experincia formativa
nos espaos de trocas, atravs dos relatos orais e escritos, os quais ganham
diferentes contornos e dimenses quando se potencializa o valor das interaes e
das intersubjetividades das narrativas dos sujeitos no contexto do projeto de
investigao-formao.
A operacionalizao da pesquisa deu-se mediante o planejamento e
construo da Memria Educativa - narrativas de formao - das alunas do 7
Semestre do referido curso (maro a julho de 2001), bem como da elaborao do
projeto de Mini-estgio e, conseqentemente, a ampliao do mesmo para
operacionalizao do Estgio Curricular para as alunas quando cursaram Prtica
Pedaggica III Estgio Supervisionado - (agosto 2001 a maro de 2002), no
espao de duas escolas pblicas estaduais. O desenvolvimento do presente estudo
constitui-se da escrita da memria e vivncia pessoal e escolar de 33 atores63,
sendo um homem e 32 (trinta e duas) mulheres em processo de formao e suas
relaes com as observaes e intervenes construdas na prtica de estgio sobre
a aprendizagem do exerccio docente.
As narrativas (auto) biogrficas foram construdas no momento inicial da
Disciplina de Prtica II (maro a julho de 2001), a partir dos seguintes eixos
norteadores:
- a infncia;
- o processo de alfabetizao;
- a vivncia escolar:
- primeiro contato com a escola;
- funo da escola;
- lembranas dos seus professores e das professoras;
- percepo e vivncia do planejamento;
- desenvolvimento das aulas e das atividades didticas;
63
85
- disciplina na escola;
- as atividades extraclasse;
- a avaliao no cotidiano escolar;
- a escolha do magistrio e do Curso de Pedagogia,
- e, por fim, o significado de ser professora, tendo em vista o resgate e a
escuta de vozes e narrativas do percurso de formao, a fim de relacion-las com o
desenvolvimento pessoal, a construo da identidade e dos sabres da docncia.
No que se refere escrita da narrativa, Josso (2002, pp. 28/9) afirma que a
construo da narrativa de si funciona como uma atividade psicossomtica em
diferentes nveis. Primeiro, no plano da interioridade; segundo, na perspectiva das
competncias verbais e intelectuais, as quais envolvem competncias relacionais,
porque implica colocar o sujeito em contato com suas lembranas e evocar as
recordaes-referncias, organizando-as num texto narrativo que tem sentido para
si e esteja implicado com o tema da formao em curso. Na presente pesquisa
apreendo que a interioridade, as competncias verbais e relacionas foram se
revelando a partir da entrada que cada sujeito fez no seu trajeto de escolarizao e
pde, atravs da sua escrita, trazer marcas e lembranas da vivncia escolar e
socializ-las nas sesses da Disciplina de Prtica Pedaggica II, quando do
momento de escrita do Projeto Memria Educativa. Assim, afirma a autora que [...] a
situao de construo da narrativa de formao, independentemente dos
procedimentos adoptados, oferece-se como uma experincia potencialmente
formadora, essencialmente porque o aprendente questiona as suas identidades a
partir de vrios nveis de atividade e de registro [...] (2002, p. 29).
Isto porque a escrita da narrativa, enquanto aprendizagem experiencial,
implica em colocar o sujeito numa prtica subjetiva e intersubjetiva do processo de
formao, a partir das experincias e aprendizagens construdas ao longo da vida e
expressas no texto narrativo, porque [...] as experincias, de que falam as
recordaes-referncias constitutivas das narrativas de formao, contam no o que
a vida lhes ensinou mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstncias da
vida [...] (p. 31). Desta forma, a escrita da narrativa congrega e carrega experincias
diferentes e diversas, atravs das prprias escolhas, das dinmicas e singularidades
de cada vida. A construo da escrita do texto narrativo surge da dialtica paradoxal
entre o vivido passado -, as projees do futuro, mas potencializa-se nos
questionamentos do presente em funo da aprendizagem experiencial, atravs da
86
Em relao construo da narrativa como um processo de formao, Josso afirma que, atravs
de uma tenso dialtica, o sujeito questiona-se sobre diferentes padres e posturas vividas, tais
como: [...] uma capacidade de reaces programadas e uma capacidade de iniciativa, uma
capacidade de identificao e uma capacidade de diferenciao, uma capacidade de submisso e
uma capacidade de responsabilizao e, finalmente, uma capacidade de orientao imitativa de
modelos culturais e uma capacidade de orientao aberta ao desconhecido [...] (2002, p. 31).
65
Josso afirma que [...] se a palavra transaco mais apropriada do que a de interaco porque
denota uma intencionalidade que se constitui, simultaneamente, sendo modelada por e modelando a
variedade quase infinita das circunstncias das nossas vidas [...] (2002, p. 31).
87
Afirma a autora que [...] Com efeito, enquanto que a narrativa oral da histria encontra, com
facilidade, as palavras para se contar, quando se tem quem nos oia, a passagem ao escrito,
enquanto processo solitrio, parece reintroduzir a opacidade no pensar da sua histria... Por outras
palavras, a questo aqui no a de suspeitar de um sentido escondido ou disfarado nesta primeira
narrao oral, mas antes de tomar conscincia que as narrativas de vida espontaneamente
enunciadas, mesmo que se pretenda terem sido geradas no seio de uma subjetividade, so-no por
modelos sociais do gnero valorizados pelo narrador. (Josso, 2002a, p. 132)
88
autora: [...] a cada uma destas dimenses do acto de escrever ao longo da vida, faz
corresponder uma figura antropolgica especfica do actor sociocultural convocado
para o trabalho biogrfico: o artista sob os traos do contador, o autor sob os traos
do bigrafo e o investigador sob os traos do intrprete [...] (Op. Cit., p. 132 grifo
da autora).
Diante dessa discusso emerge o sentido do que formador para cada
sujeito ao evocar, estabelecer sentido e debruar-se sobre sua prpria experincia,
investigando recordaes-referncias como possibilidade de conhecimento e de
formao ao longo da vida.
As representaes construdas pelo sujeito na narrativa evidenciam-se a
partir de momentos-chave ou de momentos-charneira, implicados em dimenses
prticas e nos processos de conhecimento e de formao das trajetrias de
escolarizao dos atores. Para Josso, Nestes momentos-charneira, o sujeito
confronta-se consigo mesmo. A descontinuidade que vive impe-lhe transformaes
mais ou menos profundas e amplas. Surgem-lhe perdas e ganhos e, nas nossas
interaces, interrogamos o que o sujeito fez consigo prprio ou o que de si mesmo
para se adaptar mudana, evit-la ou repetir-se na mudana (1988, p. 44).
Na escrita da narrativa a arte de evocar e de lembrar remete o sujeito a
eleger e avaliar a importncia das representaes sobre sua identidade, sobre as
prticas formativas que viveu, de domnios exercidos por outros sobre si, de
situaes
fortes
que
marcaram
escolhas
questionamentos
sobre
suas
Sobre essa questo, questiona Josso (2002a): [...] como dar ao leitor, atravs da escolha das
palvaras, dos adjectivos, dos verbos, dos advbios, das preposies e conjunes, bem como pela
construo e subordinao das frases, um acesso a situaes interiores, representaes, ambientes,
atmosferas, sentimentos, interaces, pessoas, estilo de vida, envolvimentos, sensaes,
sensibilidade, universos de aco, etc. (p. 133)
89
seu potencial evocador de tal forma que a potica que dela emana esteja o mais
perto possvel dos mundos evocados, do olhar sobre si prprio em situao, e da
sua formao [...] (p. 133).
Por isso, o trabalho com a narrativa de formao vai exigir, cada vez mais,
tanto do pesquisador, quanto dos sujeitos envolvidos, um projeto de investigaoformao, implicao e distanciamento necessrio para superar limitaes impostas
pela linguagem e pelas prprias especificidades da abordagem biogrfica. Ainda
sobre esse aspecto, questiona Josso: [...] como estar, ao mesmo tempo, implicado
e distanciado? Emergem igualmente as primeiras constataes da imbricao das
interpretaes implcitas no prprio seio dos vocbulos encarregados de descrever
as experincias e as vivncias [...] (Op. cit., p. 134).
A arte de evocar estabelecida antropologicamente figura do artista de forma
implicada e distanciada do ator, como sucesso de estados e de contextos
experienciais e intersubjetivos da narrativa de formao, articula-se ao potencial
formativo e fertilidade da escrita. Assim, afirma Josso que Aprender a expor as
suas sensibilidades, aprender a expor-se nas suas sensibilidades para entrar em
relaes mais abertas e profundas redescobrir que o sentido e o quadro se do a
conhecer atravs da ordenao de palavras escolhidas e das articulaes induzidas
pelos encadeamentos proposicionais; tomar conscincia do pronto a vestir da
nossa linguagem e, por isso, de contextos que influenciam as nossas
representaes; e descobrir as potencialidades poticas da linguagem para dar
conta de uma singularidade; [...] So estas as potencialidades formadoras desta fase
da passagem do oral ao escrito, quer dizer, do processo de escrita [...] (2002a, p.
135).
A arte de evocar, narrar e de atribuir sentido s experincias como uma
estranheza de si permite ao sujeito interpretar suas recordaes em duas
dimenses. Primeiro, como uma etapa vinculada formao a partir da
singularidade de cada histria de vida e, segundo, como um processo de
conhecimento sobre si que a narrativa favorece. O processo de formao e de
conhecimento possibilita ao sujeito questionar-se sobre os saberes de si a partir do
saber-ser mergulho interior e o conhecimento de si e o saber-fazer-pensar sobre
o que a vida lhe ensinou.
A evocao, os sentidos e a interpretao so componentes sempre
presentes no texto narrativo. Num primeiro instante o ator narrador debrua-se sobre
90
sua histria de vida remetendo-a aos saberes de si, o que caracteriza uma
estranheza de si atravs dos conhecimentos expressos na escrita da narrativa
sobre as experincias significativas e as experincias formadoras. Para Josso,
[...] as narrativas escritas oferecem-nos a oportunidade de trabalhar sobre esta
questo das experincias formadoras que, numa boa parte, so constitudas pela
narrao de micro-situaes (designadas, s vezes, por episdios significativos) que
pressupomos no estarem l por acaso [...] (2002a, p. 139). As micro-situaes que
so expressas nos textos narrativos so marcadas pelos acontecimentos vividos
pelos sujeitos e, na maioria das vezes, so transformadas em experincias e
carregadas de um forte componente emocional, seja de dor, tristeza, perda, alegria,
medo, desconforto, insegurana, vergonha.
A identificao pelo prprio sujeito das experincias significativas e
formadoras leva-o a interpretar, no nosso caso particular, sua trajetria de
escolarizao, buscando uma compreenso sobre si, e remete a narrativa para uma
incompletude, exatamente porque a entrada da escrita no tenciona abraar a
totalidade das vivncias do itinerrio de escolarizao do sujeito, mas sim, aquilo
que cada um elegeu como conhecimento de si e como formador na sua vivncia
pessoal e social. A interpretao vivenciada pelo ator no processo de narrar sobre si
coloca-o num movimento e numa posio de estranhamento do outro, atravs da
exteriorizao/materializao de suas experincias num projeto de investigaoformao. Sobre essa questo, afirma Josso que [...] a criao de distncia em
presena de um eu que se narra, ao receber em retorno um impacte mais forte
graas sua materializao, porque a narrativa torna-se um objecto exterior, uma
espcie de frente a frente [...] visto que permite lanar um olhar sobre o seu
contedo, quando o eu se torna leitor de si prprio [...]. (p. 143 grifo da autora).
na interface com a objetividade escrita da narrativa e no face-a-face
consigo prprio que o ator comea a vivenciar o estranhamento de si e a estranheza
do outro, a partir do deslocamento que faz de sua prpria histria.
Ainda pertinente retomar questes anteriormente j discutidas, no que se
refere passagem da narrativa oral para a escrita. Tenho a ntida clareza dos
avanos e das implicaes epistemolgicas e metodolgicas do trabalho com a
Histria Oral68 enquanto campo do conhecimento histrico. Porm, faz-se
68
Sobre essa questo, consultar o Captulo IV, Histria de vida e formao de professores: um olhar
sobre a singularidade das narrativas (auto) biogrficas, especificamente pp. 127/147.
91
necessrio esclarecer e reafirmar, no caso especfico deste projeto de investigaoformao, a opo em trabalhar com as narrativas escritas da trajetria de
escolarizao. As contribuies de Roger Chartier (1990), em Textos, impressos,
leituras, refere-se s prticas scio-histricas-culturais que comportam as narrativas
tanto escrita, quanto oral, ao afirmar que [...] grande a distncia entre o relato
pronunciado e a escrita impressa. Contudo, ela no deve fazer esquecer que so
numerosos os seus laos. Por um lado, levam inscrio, nos textos destinados a
um vasto pblico, das frmulas que so precisamente as da cultura oral (1990,
p.125).
Desta forma, parece-me fecundo compreender as apropriaes culturais (p.
136), conforme afirma Chartier, tendo em vista as dimenses contextuais da
produo das narrativas dos sujeitos implicados nesta pesquisa. Os depoimentos
que foram construdos e socializados no espao da sala de aula, especificamente
em Prtica Pedaggica II e III, materializaram-se em textos escritos seja atravs do
preenchimento dos perfis, da escrita da narrativa ou dos dirios de aula. Assim
sendo, ao narrarem as experincias, os sujeitos expressam representaes de suas
histrias de vida, no caso da narrativa, e de suas experincias docentes, no que se
refere aos dirios de aula no espao do mini-estgio e do estgio supervisionado,
estabelecendo significados s suas vivncias numa dimenso contextual, a partir
das experincias significativas e das experincias formadoras, conforme afirma
Josso (2002), no processo de conhecimento e de formao que comportam a escrita
do texto narrativo.
com base nessa opo que foram definidos os instrumentos de recolha das
fontes e o corpus de anlise da presente pesquisa. Nesta perspectiva, quanto aos
instrumentos de recolha das fontes, trabalhei com as narrativas (auto) biogrficas,
perfil do grupo (Anexos I e IV), dirio de campo e de aula - do pesquisador e dos
pesquisados -, porque entendo que os mesmos me permitem melhor compreender
os objetivos da pesquisa e possibilitam uma leitura individual e
coletiva das
92
69
93
95
Desta forma, o trabalho de Prtica Pedaggica II centra-se no estudo sciopoltico da escola, o qual prioriza discutir historicamente a funo do ato educativo,
enfocando a conjuntura nacional, a fim de possibilitar a leitura crtica da realidade
por parte das alunas.
Sendo assim, faz-se necessrio contextualizar a educao na conjuntura
atual, relacionando-a ao projeto neoliberal e aos pressupostos poltico-econmicos
das sociedades globalizadas. Para isso, interessa-nos investigar a escola enquanto
espao institudo/instituinte de uma prxis crtica e consciente, mediante leituras e
posicionamentos sobre a Lei n. 9.394/96, os PCNs (Parmetros Curriculares
Nacionais), a implantao do Ciclo Bsico de Alfabetizao, o Colegiado Escolar, a
construo do Projeto Pedaggico da escola, bem como do Sistema de Avaliao da
Educao Bsica e suas implicaes no processo de formao/prxis do professor
na contemporaneidade.
A superao da fragmentao teoria/prtica o princpio norteador da
disciplina, a qual nos possibilitar, coletivamente, reavaliar os fundamentos
curriculares e suas respectivas influncias e finalidades frente formao do
educador numa prtica social concreta e emancipatria, logo, comprometida com
um sujeito historicamente concreto e com um novo fazer pedaggico no espao
escolar.
A abordagem metodolgica adotada toma como eixo a dialtica ao-reflexo
docente (definio de objetivos, contedos, opo didtica e avaliao) se d
mediante as concepes crtica e poltica do ato pedaggico, entendido a partir da
sua funcionalidade no contexto especfico do projeto de formao inicial de
professores.
Compreender a produo de projetos pedaggicos definidos a partir da
multireferencialidade do processo ensino-aprendizagem, articulado ao homem
enquanto sujeito concreto da realidade vivida, construindo e reconstruindo a histria,
caracteriza-se como pressuposto fundamental das atividades durante o curso.
Nesse sentido, dada as necessidades levantadas na prtica docente e da
experincia em Estgio Supervisionado no Ensino Fundamental, que defino
diferentes momentos para o curso, na tentativa de subsidiar as alunas e
potencializar a construo do trabalho atravs da escrita da narrativa da vivncia
escolar como vertente/eixo propulsor do trabalho no estgio.
96
73
Os objetivos e contedos trabalhados didaticamente na Disciplina so assim indicados: 1 Resgatar a histria de vida, remetendo-nos a uma leitura do que mais queremos enquanto
educadores, refletindo e recordando os momentos significativos de sua existncia, atravs de sua
trajetria de escolarizao; 2 - Situar historicamente a educao, especificamente o ensino
fundamental, relacionando-o as concepes de teoria-prtica face a formao do professor; 3 Caracterizar o Ensino Fundamental e seus pressupostos tericos, a medida que analisaremos o papel
da escola na estrutura social brasileira; 4 - Categorizar os estgios do desenvolvimento infantil
relacionando-os aos princpios scio-poltico-econmicos e seus condicionantes face prtica
pedaggica; 5 - Construir projetos pedaggicos relativos ao ensino fundamental, com base nos
pressupostos tericos, polticos, filosficos e tcnicos do planejamento, de forma contextualizada e
crtica; 6 - Sistematizar oficinas pedaggicas a partir dos pressupostos trabalhados durante o curso,
bem como, experienciar atividades relativas ao ensino fundamental; 7 - Identificar os elementos
terico-metodolgicos da pesquisa educacional e aplic-los, mediante a observao, coleta e anlise
dos dados no que se refere prtica pedaggica neste nvel de ensino; 8 - Demarcar os prrequisitos bsicos para construo do Projeto de Estgio, mediante observao na unidade escolar
dos suportes e entraves concernentes prxis pedaggica, possibilitando momentos de anlise
crtica da continuidade/ruptura da prtica docente.
97
que
indicao
dos
mdulos
inscreve-se
como
um
Mdulo I
Mdulo II
Perfil Inicial
Projeto Leitura
Momento de
observar e
analisar.
Mdulo III
Anteprojeto
Mini-estgio + Dirio
de Aula
Artigo
98
comuns de sala de aula e dela extrair respostas que reorientem sua prtica
pedaggica com os alunos [...] (Kenski, 1991, p. 41).
A escrita da narrativa construda ao longo do semestre letivo, considerando
os eixos74 indicados no referido projeto e da socializao oral das escritas na sala de
aula. Tenho verificado que esse momento mpar na construo do projeto de
investigao-formao, porque exige uma escuta sensvel e implicada de cada
participante, bem como a lembrana de cada um remete histria dos outros a partir
da objetividade e das subjetividades expressas nos textos narrativos.
O Projeto Leitura75 nasce da organizao de pequenos grupos de estudo, os
quais buscam aprofundar contedos relativos ao ensino fundamental tanto em
relao s questes da estrutura e das polticas pblicas, quanto em relao s
questes didticas e metodolgicas, tendo em vista ampliar e sistematizar diferentes
abordagens que subsidiem as diferentes alunas para a construo do anteprojeto
para o Mini-estgio.
No que se refere ao Momento de observar e analisar busca-se preparar e
compor as duplas76 para o Mini-estgio, tendo em vista o conhecimento e a
organizao de uma escola de Ensino Fundamental mediante observao
participante, caracterizando-a como campo de estgio. A observao caracteriza-se
pela identificao de principais aspectos do funcionamento administrativo e tcnicopedaggico da escola, bem como da observao da dinmica escolar, seu
funcionamento e aspectos da prtica pedaggica, possibilitando a elaborao do
diagnstico da unidade escolar e o perfil da classe onde se desenvolver o Miniestgio e, posteriormente, o Estgio. O princpio maior da observao da escola
74
As narrativas (auto) biogrficas foram construdas a partir dos seguintes eixos norteadores: a
infncia; o processo de alfabetizao; a vivncia escolar: primeiro contato com a escola; funo da
escola; lembranas dos seus professores/professoras; percepo/vivncia do planejamento;
desenvolvimento das aulas e atividades didticas; disciplina na escola; as atividades extraclasse; a
avaliao no cotidiano escolar; a escolha do magistrio e do Curso de Pedagogia e, por fim, o
significado de ser professor/professora.
75
Em relao ao projeto leitura para este grupo, algumas temticas, contidas nas seguintes obras:
FRIEDMANN, Adriana Brincar, crescer e aprender: o resgate do jogo infantil, 1996. HERNNDEZ,
Fernando e VENTURA, Montserrat A Organizao do Currculo por Projetos de Trabalho: o
conhecimento um caledscpio, 1998. HERNNDEZ, Fernando Transgresso e mudana na
educao: os projetos de trabalho, 1998. WARSCHAUER, Ceclia - A Roda, a rotina e o registro:
uma parceria entre professor, alunos e conhecimento, 1993. XAVIER, Maria Luisa M e ZEN, Maria
Isabel H. Della - O Ensino nas Sries Iniciais: das concepes tericas s metodolgicas, 1997.
ZABALA, Antoni A Prtica Educativa: como ensinar, 1998.
76
O Estgio Supervisionado, tanto em Prtica Pedaggica II - Mini-estgio -, quanto em Prtica
Pedaggica III - Estgio Curricular - desenvolvido em dupla, visto que se respalda e referenda-se na
articulao de alunas que j tm prtica docente e daquelas que esto fazendo a formao e no tm
experincia docente.
99
Pedaggico,
com
base
na
Pedagogia
de
Projetos,
na
quanto no estgio propriamente dito. A utilizao da terminologia - mini-estgio articula-se e est referendada na Proposta de Estgio da Faculdade e contemplada
nas experincias de Prtica Pedaggica II das Habilitaes em Educao Infantil e
Sries iniciais do Ensino Fundamental.
O que se objetiva com o trabalho pedaggico no mini-estgio que as duplas
vivenciem, enquanto estagirias, o exerccio docente e ampliem as percepes
desenvolvidas no momento de observao. tambm funo deste momento
conhecer o cotidiano e a realidade da escola pblica de ensino fundamental e
estreitar relaes com a professora e os (as) alunos/alunas da classe em que a
experincia
formativa
desenvolvida.
Tenho
percebido
que
existe
uma
incompatibilidade entre o projeto pensado e construdo para o trabalho do miniestgio e do estgio e a proposta pedaggica assumida pelas diferentes
professoras. Boa reflexo sobre essa questo pode ser pensada entre a cultura
escolar e a cultura do estgio, as quais na maioria das vezes so dspares.
No processo do mini-estgio as estagirias trabalham com os Dirios de
aula, os quais buscam contemplar registros das diferentes atividades planejadas,
desenvolvidas e dos sentimentos e representaes sobre a escola, a classe, a
prtica de ensino. O registro no dirio comea com reflexes construdas por cada
aluna sobre o sentido e significado de estar comeando o estgio, suas impresses
sobre a escola, suas percepes iniciais sobre o trabalho a ser desenvolvido. Desta
forma, a escrita dos dirios77 subsidiada previamente por uma discusso terica
sobre o sentido da escrita, as implicaes epistemolgicas e metodolgicas desta
prtica, bem como sobre a importncia de que se reveste para o processo formativo
e autoformativo.
Sobre as expectativas em relao ao planejamento e o incio do miniestgio78, apreendo nos dirios de aula diferentes representaes, sentimentos e
dificuldades expressas pela alunas. Os excertos apresentados a seguir fazem
referncia aos sentimentos (medo, insegurana, angstia, ansiedade, tranqilidade,
77
Para a construo do Dirio de Aula adotei como referncia o trabalho desenvolvido por Zabalza
(1994), visto que esta atividade possibilita no processo de formao uma reflexo sobre a coleta e
anlise dos acontecimentos no espao da escola e da sala de aula.
78
Antes do incio do mini-estgio, solicitei s alunas que escrevessem sobre os sentimentos e as
expectativas que tinham em relao ao comeo do trabalho e que articulassem a escrita com a
descrio da reunio de acolhimento na escola campo. A realizao da reunio na escola tem os
seguintes objetivos: apresentar a proposta de trabalhos para as professoras e corpo tcnicoadministrativo; socializar informaes, por parte da direo e coordenao da escola, sobre o seu
cotidiano e o seu funcionamento e, por fim, apresentar o grupo ao coletivo da escola.
101
experincia
docente,
para
alm
daqueles
relacionados
atividades
Me sinto ansiosa cheia de duvidas e medo, no deveria, pois j estou exercendo a profisso
h alguns anos e me vejo como uma boa profissional, porm diferente, fico insegura
quando sou observada como profissional no me incomodo, qualquer que seja a pessoa
pode assistir a minha aula, isso me d prazer pois sou vaidosa e gosto de ouvi-las dizer que
trabalho bem. Poderia dizer que no h diferena, mas no mini estgio no e a profissional
que est em sala de aula, a aluna com todas as suas dvidas e dificuldades, e a questo
da observao talvez pela minha insegurana algo que no gosto de pensar, sei que
existe, pois h uma necessidade do professor em avaliar e acompanhar todo o processo e
que no faria sentido se no existisse, mas me incomoda. Falo com franqueza, acho que
peo muito pela minha sinceridade, mas sou assim, gosto de falar o que sinto, no poderia
dizer que est tudo certo, que me sinto bem, quando no verdade. Uma outra questo so
as dificuldades em organizar planos de aula, dirios, atividades e de como conciliar tudo isso
com o trabalho, dificuldades familiares, problemas de sade. Sei que tenho que separar uma
questo da outra, mas as vezes no possvel e acaba por interferir. (Dirio Lcia)
Para o ingresso no estgio, me sinto um pouco apreensiva, mas ao mesmo temp tranquila,
por ter uma compainha. Apesar dela no ter experincia com alfabetizao, tem uma boa
carga terica e pde perceber (no dia da observao), os pontos principais que
precisariamos trabalhar; em concordncia comigo. Sei que iremos desenvolver situaes de
intensa construo tanto da nossa parte, quanto dos alunos e pretendo tirar o maior proveito
disso. Ao mesmo tempo, acredito que temos muitas chances de
desenvolver um bom
trabalho por sermos uma dupla, por isso, apesar da bagagem que trazemos no ser igual,
acho que em conjunto temos mais condies de enfrentar as dificuldades e lidar com as
diferenas na sala. Infelizmente, o que me causa um certo desconforto (apesar de entender a
necessidade) a superviso que implica em umas avaliao. Espero no perder a
naturalidade, e nem ficar tentando adivinhar que aspectos esto sendo analisados no
momento. (Dirio Ana Ivone)
102
A expectativa para o incio do mini-estgio ocorreu com uma certa angstia, ansiedade e
insegurana, pois, alm de eu ser ansiosa e insegura por natureza, as poucas experincias
que tive, trabalhando com sries iniciais no foram assumindo a sala de aula, mas apenas
observando ou auxiliando a professora regente; ento, considero que no tive experincia
propriamente dita nestas sries, e isto faz com que eu tenha esses sentimentos. A dvida
tambm esteve presente, e eu perguntava-me sempre: ser que os alunos iro receber-me
bem?Ser que iro aceitar as atividades? Ser que iro aprender? Ser que terei domnio de
classe? Ser que vou conseguir passar os contedos de forma clara? Estas foram algumas
das perguntas que me fiz durante o perodo de planejamento.
Espero que o mini-estgio sirva para eu esclarecer dvidas, enriquecer a minha prtica, meu
pensamento e, principalmente, aprender a cada oportunidade algo novo alm de questionarme a respeito da educao hoje. (Dirio Simone)
103
104
Pedaggica
III,
face
construo
da
prtica
docente
seus
105
entendido numa concepo mais ampla [...] (Carvalho, 1988, p. 33), ou seja,
entende-se por estgio a desmistificao do equvoco quantitativo, da observao
fria e distante, da prescrio de mtodos e tcnicas e da tnica positivista articulada
aos estgios como um momento eminentemente prtico. Ainda sobre essa questo,
Piconez afirma que [...] h necessidade de se reverem legalmente as
determinaes sobre os estgios, no sentido de se recuperar a sua realizao,
impedindo o velho teatro: alunos fingindo que aprendem, professores fingindo que
ensinam, todos aplaudindo sem saber qual o autor da pea. As bilheterias esto se
esvaziando, e a pea insiste em ficar em cartaz, sem as devidas reformulaes [...]
(1991, p. 31)
Nesse sentido, as abordagens qualitativa e interdisciplinar subsidiam a ao
dos estagirios na unidade escolar, com o objetivo de articular teoria-prtica,
viabilizando experincias concretas na escola de atividades pertinentes formao
de professores e de sua ao multirreferencial no espao escolar.
Assim sendo, entende-se a prtica educativa como o momento sntese dos
fundamentos pedaggicos trabalhados durante o curso, mediante a integralizao
dos princpios terico-prticos do currculo, convergindo para a formao de
professores comprometidos com a realidade social, a construo e socializao do
conhecimento produzido pelos diferentes sujeitos histricos.
Nessa perspectiva, metodologicamente, o trabalho de Prtica Pedaggica III
desenvolvido com base na Proposta de Estgio da FAEEBA (Faculdade de
Educao do Estado da Bahia)80, a qual apresenta os princpios concernentes
operacionalizao do estgio, bem como oportuniza aos alunos a definio da prtica
pedaggica de forma crtica, criativa e transformadora, tendo como base a aoreflexo-ao, a partir da caracterizao do ensino fundamental, no sentido de
compreender a dialtica teoria-prtica, a multirreferencialidade e a prtica
interdisciplinar como pressuposto do trabalho.
O trabalho de Prtica Pedaggica III comea com a apresentao e discusso
da Proposta de Estgio da Faculdade e, em seguida, a discusso da proposta da
80
Com a reestruturao do Sistema Superior de Ensino do Estado da Bahia, atravs da Lei n. 7.176
do Governo do Estado da Bahia, publicada no D.O de 10/09/1997, transformando as faculdades em
departamentos. Hoje denominado Departamento de Educao do Campus I da Universidade do
Estado da Bahia.
106
81
107
82
Neste primeiro encontro, aps a apresentao do grupo, solicitei que respondessem ao instrumento
Perfil Inicial (Anexo I), tendo em vista levantar o perfil do grupo e as expectativas quanto Disciplina
de Prtica Pedaggica II e Estgio Supervisionado.
83
Para maior esclarecimento sobre as questes aqui apresentadas, consultar o Anexo I.
108
84
Sobre essa questo, a pesquisa de Jane Soares de Almeida, Mulher e educao: a paixo pelo
possvel (1998) significativa no que se refere feminizao do magistrio primrio no Brasil, ao
afirmar que A histria do magistrio primrio feminino brasileiro , principalmente, uma histria das
mulheres, de uma fora invisvel que lutou conscientemente e espontaneamente em defesa de suas
crenas e de sua vontade [...] (p. 77). Ainda na perspectiva de compreenso da profisso, sinaliza a
autora que: A profisso do magistrio que a princpio, foi ideologicamente vista como dever sagrado
e sacerdcio, por fora dessas mesmas teorias tornou-se, na segunda metade do sculo XX, alvo das
acusaes e das denncias de proletarizao do magistrio, ora colocando professoras e professores
como vtimas do sistema, ora como responsveis pelos problemas educacionais desde o momento de
sua formao profissional. Ao incorporar que o magistrio era um trabalho essencialmente feminino,
essas mesmas teorias acabaram por promover distores analticas quando alocaram no sexo do
sujeito a desvalorizao da profisso, o que foi, convenhamos, uma contribuio que acabou por se
revelar tambm como um fator de discriminao e vitimizao da mulher [...] (idem, p. 20). Ainda
sobre essa questo, importante consultar o trabalho de Denice Catani et. al., Docncia, memria e
gnero: estudos sobre formao, 1997 e a pesquisa de Elenita Pinheiro Queiroz, Mulher, docncia e
currculo: a atriz/autora pedaggica em questo, 2002.
85
Neste momento, como tinha acabado de ingressar no Doutorado em Educao do PPGEFACED/UFBA, com o projeto: Histria de Vida e prtica docente: desenvolvimento pessoal e
profissional na formao de professores. Ainda que como projeto inicial, o mesmo apresentava linhas
gerais do trabalho com as narrativas no espao do estgio da UNEB. Posteriormente o projeto
ampliado e melhor articulado a questes epistemolgicas e metodolgicas da abordagem biogrfica.
109
esse
momento
buscamos,
coletivamente,
negociar
aspectos
86
Josso apresenta questes bastantes significativas sobre a experincia que desenvolve, como
marca dos fragmentos da busca de si e do auto-retrato que comea a se revelar no incio do trabalho
com a abordagem biogrfica. Sobre essas reflexes consultar, Josso (2002, pp. 47/51).
110
grupo,
devendo
existir
uma
apresentao
prvia
dos
objetivos,
dos
87
No subttulo 3.4, deste Captulo, apresentarei princpios e opes sobre a anlise do corpus da
presente pesquisa. Por essa questo, compreendendo no ser pertinente apresentar e aprofundar
essa discusso nesse espao. Tambm importante afirmar que aps a concluso do trabalho na
Universidade (maro de 2002 e da formatura do grupo em julho de 2002), continuamos mantendo
contatos, com uma certa regularidade, seja atravs de telefone, de e-mail ou em encontros
acadmicos. Impressionava-me a ligao e as relaes implicadas construdas com o grupo, que em
diferentes momentos de anlise atendia s ligaes das alunas ou respondia seus e-mails, os quais
buscavam saber sobre a pesquisa, sobre os trabalhos produzidos que esto comigo e sobre o
agendamento de um encontro com o grupo. Isso acontecer quando da entrega do relatrio da
pesquisa, porque entendo ser pertinente apresentar ao grupo em primeira ordem.
112
O perfil do grupo que ser apresentado constitui-se das informaes obtidas atravs dos resultados
do Perfil Inicial (Anexo I) e do Perfil Final (Anexo IV)
89
Os percentuais apresentados so aproximados.
113
dos anos 70 e incio dos anos 80. Isso evidencia que esse sub-grupo vivenciou seu
processo inicial de escolarizao no incio dos anos 80, momento esse marcado pela
redemocratizao da sociedade brasileira e por diferentes movimentos no mbito da
defesa da escola pblica e gratuita, bem como pela discusso e afirmao da
didtica enquanto cincia da educao; uma poca de discusses sobre o papel
transformador da escola e da prtica educativa no bojo de uma sociedade capitalista
e excludente.
A faixa etria de 26 a 30 anos (6 alunas) corresponde a 17% do grupo, que
embora com idade marcada pelo fim da primeira infncia, tambm vivencia o
processo inicial de escolarizao no incio e/ou metade da dcada de 80.
Basicamente comeam a vivncia escolar em cenrio poltico-econmico prximo da
realidade da escolarizao da maioria do grupo.
O sub-grupo que inicia sua escolarizao no incio e metade dos anos 70
representado pela faixa etria entre os 33 e 35 anos (5 alunas), perfazendo um total
de 15%, e outro sub-grupo entre os 37 e 40 anos (4 alunas), constituindo 12% do
grupo, que tambm inicia a escolarizao no final dos anos 60 e incio dos anos 70.
Esse contexto marcado pela promulgao da Lei n.o 5.692/71 e pelas influncias
da profissionalizao como tnica da escolarizao no Brasil, projeto bastante
direcionado para a classe mdia e para os alunos das escolas pblicas.
As alunas com faixa etria entre 43 e 48 anos correspondem a 6% do grupo,
as quais tm o incio de sua escolarizao no espao familiar e revelam em suas
narrativas uma distncia entre a concluso do 20 grau e o incio da formao no
espao da universidade.
As lembranas e trajetrias de escolarizao das diferentes alunas
evidenciam marcas significativas sobre o papel exercido pelas escolas, no que se
refere a diferentes aprendizagens. Muitas vezes, antes mesmo de ingressarem na
escola, a famlia, atravs da prpria me, quando alfabetizada, ou de irms mais
velhas que j sabiam ler e escrever e encontravam-se avanadas no seu processo
de escolarizao, desenvolvia um papel importante no processo de ensino e de prescolarzao
no
espao
familiar.
Alguns
excertos90
das
narrativas,
mais
90
114
Com seis ou sete anos de idade, no me lembro bem, fui alfabetizada. Na verdade, hoje
analiso que este processo no aconteceu num ano especfico. Na minha casa, apesar de
meus pais pouco terem estudado, sempre houve uma preocupao com o estudo dos filhos.
Assim, desde muito cedo tnhamos contato com letras, com nomes escritos. Meus irmos
mais velhos foram alfabetizados em casa, por minha me. Eu e meus irmos mais novos
fomos alfabetizados por nossas irms que j cursavam o, hoje extinto, ginsio.
Minha irm, Zu (Maria Jos) tinha uma escolinha que funcionava em casa.
Atendia
Este perodo pode afirmar que foi o melhor da minha vida. O ambiente natural da zona rural
proporcionou-me uma vida saudvel e de muitas brincadeiras. Morvamos em uma casa
bonita, espaosa, com um grande quintal, onde meu pai plantava vrios tipos de frutas e
verduras. Essa era a lembrana mais gostosa: correr pelo quintal entre as laranjeiras
carregadas de laranjas maduras, escolhendo a melhor laranja, o melhor mamo, bebendo
muita gua de coco etc. Eu gostava de subir nas rvores, principalmente nas mangueiras e
cajueiros. E o leite tirado fresquinho? Ah, que saudade! Nesse tempo, no tnhamos energia
115
eltrica, ento, a noite costumava brincar com meus primos (as) de cantigas de roda. Outro
momento que acontecia tambm noite, que me emociona at hoje era quando amos para
a casa de tia Honorina que, mesmo sendo deficiente visual no a impedia de contar-nos
lindas histrias clssicas: A gata Borralheira, A Cinderela, O Chapeuzinho vermelho etc.
Havia noites em que o tio Hlio entre uma histria e outra tocava violo. Era maravilhoso! E
quando a tia Hilda chegava de frias do Rio de Janeiro, com bastante presentes: roupas,
brinquedos, cruzadinhas e revistas em quadrinhos? No tnhamos televiso nem brinquedos
eletrnicos, porm, estas coisas no faziam falta. Em compensao havia o cu estrelado
para contemplar; as histrias para ouvir; as cantigas de roda para brincar; os primos e primas
para conversar; as revistinhas para ler; o estudo para se dedicar; e tantas outras coisas...
Aos seis anos, j estudava em casa com minha me, pois naquela poca s podia entrar na
escola pblica a partir de sete anos. Praticamente minha primeira professora foi minha me,
com ela aprendi a ler e a escrever. Estudava na Cartilha do ABC, livrinho pequeno, com o
qual aprendamos o alfabeto de vrias formas: as vogais, as consoantes, slabas e palavras
pequenas, ainda nesta, aprendamos os nmeros at 100 e algumas continhas de somar e
subtrair.Alm disso, este livrinho era de todos os irmos.
O mtodo era de decorar, tomei muito puxo de orelha de meu pai ao tentar ler as letras do
alfabeto, porque eu s conseguia dizer at a letra D. Eram tomadas as lies todos os dias.
Aprendia-se o alfabeto de forma decorada, corrida e soletrada. Usava-se um pedao de
papel com um buraco cortado de forma irregular, para colocar em uma letra de cada vez e
lia-se a letra de maneira rpida e sem gaguejar. A partir da, passava-se para outra letra ou
outra lio, at aprender o alfabeto todo. A escrita era acompanhada com leitura, tnhamos
um caderno, geralmente feito com papel de embrulho, (usado para enrolar po nas vendas
do lugarejo) dobrado ao meio e costurado, e/ou papel pautado e um caderninho fino para
quando j estivesse mais treinada.
S para registrar: minha me s tinha o quinto ano completo, mas valia pela quinta ou sexta
srie de hoje, alm disso, at hoje ela culta e inteligente.tima na matemtica e com uma
caligrafia muito bonita.
Nesse perodo, lembro-me quando meu pai ensinava a meu irmo a fazer conta de adio
com reserva e na parte que dizia: sobe um, ele no conseguia entender esse processo,
ento, era chamado de burro e recebia alguns cascudos na cabea, desse modo,
amedrontava todos meus irmos. (Snia)
Fui para a escola, aos sete anos, j praticamente alfabetizada pela minha irm mais velha. A
professora Jane complementou e me deu os fundamentos da primeira srie de ensino. No
incio dos estudos tive dificuldade por ser canhota, pois a professora e at os meus pais
queriam mudar isso. Isso me leva a pensar como comportamentos que representam
excees so pouco compreendidos pelas outras pessoas.
116
Minha primeira professora foi minha me. Foi ela quem me ensinou a ler e escrever, com o
uso de jornais, revistas e livros de histria. Tinha tambm uma Cartilha azul e uma cor de
rosa. Paralelo s aulas que tinha em casa, aos cincos anos de idade, passei a freqentar a
banca da professora Nadir, uma senhora muito sria, que dava bolo de palmatria, mas que
felizmente gostava de mim. Assim passei a dominar o mundo das letras com o ensino
totalmente tradicional da professora Nadir e as aulas tradicionais e ao mesmo tempo
inovadoras da minha me. Minha me foi a minha verdadeira alfabetizadora, to eficiente
que aos seis anos j sabia ler e escrever quase tudo. Fui ento, matriculada na Escolinha Tio
Patinhas, eu e meu primo Gugu. Lembro da lancheira de porquinho, da sacola, da mariachiquinha de gatinho, da fardinha de tergal e do delicioso cheiro que essas coisas tinham.
Gostoso mesmo eram as festinhas, especialmente a de So Joo, quando nos vestimos de
caipira e eu ganhei de presente da minha tia Maria, um tamanco preto muito chique. Fiquei
nesta escola durante um ano, aprendendo o que j sabia: juntar letras, soletrar e copiar.
Quando completei sete anos, fui matriculada na Escola Madre Helena, na 1 srie, a contra
gosto nosso, pois a 1 srie da escola pblica para alfabetizar e eu j era alfabetizada. Se
fossemos analisar pela lgica das escolas de hoje, pelo nosso desejo daquela poca, eu
seria matriculada na 2 srie. Mas no foi assim. S a para a 2 srie quem tivesse oito anos
completos. E eu fiquei na 1 srie. (Naurelita)
Tambm para as alunas que comeam no incio dos anos 80, seu processo
de escolarizao, as lembranas marcantes e recorrentes, na quase maioria das
narrativas, versam sobre os mtodos utilizados para alfabetizao e as cartilhas
utilizadas. O que marca, efetivamente, a totalidade das narrativas sobre o processo
inicial de escolarizao a influncia e o papel exercidos pela escola tradicional, a
qual, nas vozes das alunas, deixou marcas irreparveis.
O processo de alfabetizao deu-se basicamente atravs do mtodo tradicional, baseandose na exposio verbal da matria e anlise da mesma, que era feita exclusivamente pela
117
118
Fui para a escola com trs anos de idade, em abril de 1982. Estudei, como a maioria das
crianas da poca, na Escolinha Nossa Senhora do Rosrio, escola prxima a minha casa
fundada por Maria do Rosrio, professora e diretora da Escola, preocupada com a educao
das crianas do bairro. Ela amiga minha e da minha famlia at os dias de hoje e eu tive o
imenso prazer de entrevist-la durante as investigaes da memria histrica dos bairros de
Sussuarana, publicada no caderno SEMENTES. A recuperao da histria dos bairros de
Sussuarana a recuperao, em parte, da minha prpria histria.
A escola funcionava em duas salas anexas a casa de Maria do Rosrio e as professoras
eram mulheres da prpria comunidade e sem formao de Magistrio. Por exemplo, uma das
professoras da escola, chamada pelos alunos de Dadai foi minha colega no ICEIA, anos
mais tarde, quando eu cursava o Magistrio.
A princpio no gostava muito da escola. Como a maioria das crianas, chorei muito nos
primeiros dias at me adaptar (o que no aconteceu com o meu irmo Marcelo, que passou a
estudar na escola dois anos depois e at hoje lembrado pela professora Rosria como o
terrorzinho da escola). Rosria no tinha muita pacincia com os alunos que choravam,
mas as mulheres da comunidade sempre ajudavam. Lembro de uma com quem aprendi a
escrever as vogais. O nome dela era Ana e eu a vejo sempre andando pelas ruas de
Sussuarana, mas acho que ela no se lembra de mim. Ela possua muita pacincia para lidar
com as crianas e me passava bastante segurana.
O mtodo com o qual eu me alfabetizei foi, segundo a professora Rosria, seguia uma
mistura do que estava em voga nos anos 80. Eram atividades para cobrir (para treinar a
coordenao motora), desenhos mimeografados para pintar (as vezes tinha desenho livre),
aula expositiva onde eram explicadas as letras e os nmeros, contas de somar, pintura com
tinta guache, colagem, etc. Toda festa cvica e toda data comemorativa, como
Independncia, dia das Mes, do Soldado, etc., era lembrada com atividades ldicas e
surpresas como chapu de soldado e lembrana para as mes. O que eu percebo que
nas escolas de hoje, naquelas que se dizem modernas tambm, repetem a mesma coisa dos
anos 80 e da mesma forma. Eu ainda no parei para pensar at que ponto essas datas so
to essenciais para a formao das crianas da forma que tm sido abordadas.
Aprendi a ler por volta dos sete anos. E isso foi um avano significativo para mim. Com o
domnio do cdigo escrito eu passei a no s desenhar como a registrar os acontecimentos
do meu dia a dia, as impresses que ficavam. (Mrcio)
Tomo aqui a idia de formao como opo feita por cada aluna para a realizao do seu curso de
0
2 grau, ou seja, o curso de magistrio, um curso tcnico - conforme a Lei 5.692/71 - ou o curso
propedutico, em contraposio ao antigo curso cientfico.
119
92
Poderia apresentar aqui alguns excertos das narrativas que expressam as experincias e as
representaes dos sujeitos sobre essa situao, porm opto em apresent-las no captulo VI,
quando enfocarei as trajetrias de escolarizao do grupo pesquisado.
93
Mesmo sabendo que a Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional 9.394/96 institui a Educao
Bsica e seus diferentes nveis, adoto aqui a antiga terminologia por referir-se ao perodo de
concluso de curso do respectivo grupo.
94
Em relao ao tempo de servio, percebo a seguinte classificao: 9% tem menos de 1 (um) ano
de experincia; a maior parte do grupo 40% trabalha entre 1 a 3 anos; 15% j exerce atividade
profissional de 4 a 6 anos; 6% entre 10 a 15 anos e, por fim, 6% que trabalha a mais de 15 anos.
120
95
Tomo o conceito de corpus, como utilizado por Poirier et. al., ao afirmar que [...] aqui, um material
qualitativo constitudo por um conjunto de histrias de vida, de sujeitos sados de um universo
populacional nitidamente definido e dos fins que se procura atingir [...] (1999, p. 108)
121
122
Cdigo
Nome
Nasc.
Idade
Tempo de
Formao
escolarizao
no 2 Grau
Trabalha
rea de
Tempo de
atuao
trabalho
N1
123
regularidades,
tm
por
funo
recolher
testemunhos,
elucid-los
descrever
acontecimentos vividos [...] (Poirier et. al, 1999, p. 117). Entendo ainda que o
surgimento e o agrupamento de excertos das narrativas, a partir da revelao das
unidades temticas de anlise, remetem sempre complexidade e totalidade de
cada experincia narrada, seja atravs da pertinncia e recorrncia dos episdios ou
das suas irregularidades e particularidades.
A idia de anlise temtica ou descritiva considera a escrita e seu grau de
revelao, utiliza princpios da hermenutica e da fenomenologia por permitir uma
melhor compreenso e apropriao das trajetrias de escolarizao e os sentidos
atribudos s experincias vividas pelos sujeitos em suas itinerncias.
A articulao e a dialtica das leituras temtica e interpretativa exigiram
diversos e sucessivos retornos s narrativas. No Tempo III procedi articulao das
narrativas de N 1 a N 33 e, em seguida, do recorte do sub-grupo e,
conseqentemente, a uma melhor identificao e agrupamento das regularidades e
125
96
Piedade Lalanda, em seu texto Sobre a metodologia qualitativa na pesquisa sociolgica, utiliza a
expresso pequenos fragmentos de vida (1998, p. 877), ao referir-se utilizao da entrevista
compreensiva como fonte de informao e de recolha de histrias de vida.
126
prticas,
experincias,
discursos,
marcas
impressas
nas
97
Na perspectiva de Poirier et. al. (1999), a [...] anlise horizontal resulta do encadeamento, trecho a
trecho, da totalidade do discurso organizado pelo sistema categorial [...] (p. 125) e ainda continua
afirmando os autores que [...] empregamos o termo anlise horizontal para indicar o trabalho sobre
o conjunto do corpus, onde a histria considerada s como um elemento de informao [...] (idem,
p. 125 grifos dos autores). Nesta pesquisa, adoto o conceito de unidade de anlise temtica, o qual
contrape-se idia de categoria como expressa pelos autores, bem como no entendo a totalidade
da histria como um conjunto de informaes e sim como um projeto de conhecimento e de
formao, conforme afirma Josso (2002).
127
de
alguns
excertos,
apreender
experincias
lhistoire de vie comme art formateur de lexistence et non pas seulement comme art
dcriture littraire ou de recherche disciplinaire soulve donc des conditions
particulires dexercice [...] (idem , p. 183)
Assim, a triangulao das referidas fontes - narrativas, dirios e observaes
- permite aproximar lembranas da trajetria de escolarizao, aprendizagens da
docncia e da/sobre a profisso no espao do estgio supervisionado, no que se
refere formao inicial de professores.
Uma anlise em trs tempos - pr-anlise e leitura cruzada, leitura temtica
e leitura interpretativa-compreensiva - permite-me entender e sistematizar os
significados das trajetrias de escolarizao e suas implicaes como procedimento
de investigao-formao no projeto especfico a que se refere esta pesquisa.
A anlise interpretativa das fontes deu-se num dilogo constante e sucessivo
da leitura e do olhar sobre essas leituras do corpus desta pesquisa. Isso exigiu
leituras circulares e constantes das fontes, especificamente, das narrativas, dos
dirios e das observaes e suas relaes com o objeto de estudo, com o quadro
epistemolgico e metodolgico que engendram a problemtica e os objetivos do
projeto de investigao-formao, ou seja, do sentido e da compreenso das
narrativas como potencialmente frteis para a formao inicial em contexto de
estgio supervisionado.
No captulo posterior, procurarei discutir questes terico-metodolgicas
relacionadas com a origem e utilizao da histria de vida nas Cincias Sociais,
especificamente na rea educacional, partindo da caracterizao e de alguns
possveis contextos de utilizao, tendo em vista a sistematizao da trajetria
epistemolgica construda, desde os anos 20, sobre a origem deste mtodo e
tcnica de investigao.
129
essas
questes,
Macedo
(2000)
apresenta
pressupostos
130
131
99
Refiro-me aqui ao conceito de abordagem experiencial, conforme construdo por Josso (2002) ao
afirmar que a formao do ponto de vista do sujeito adulto aprendente integra conceitos relacionais,
descritivos, subjetivos, temporais da experincia e das identidades em formao, por entender que
consiste numa abordagem intersubjetiva do processo de formao, atravs da qual a narrativa
assume um papel singular na e para a compreenso dos processos formativos, de conhecimento e de
aprendizagem ao longo da vida. Desta forma, afirma a autora: [...] Formar-se integrar numa prtica
o saber-fazer e os conhecimentos, na pluralidade de registros [...] Aprender designa ento, mais
especificamente, o prprio processo de integrao. (2002, p. 28).
100
Sobre essa questo, consultar Bogdan e Biklen (1994), Andr (1995), Andr e Ldke (1986),
Goldenberg (1997).
132
que
agrupa
diversas
estratgias
de
investigao
que
partilham
101
Sobre essa questo, Andr e Ldke (1986) utilizam a obra de Bogdan e Biklen (1994) para
sistematizar princpios concernentes a abordagem qualitativa na pesquisa educacional, sobre as
caractersticas de estudos qualitativos, especificamente cabe consultar o 2 Cap., pp. 11-24.
102
Para Bogdan e Biklen, o termo Escola de Chicago um [...] rtulo aplicado a um grupo de
socilogos investigadores com funes docentes e discentes no Departamento de Sociologia da
Universidade de Chicago, nos anos vinte e trinta, que contriburam enormemente para o
desenvolvimento do mtodo de investigao que designamos por qualitativo [...]. (1994, p.26). Sobre
essa questo, tambm consultar Goldenberg (1997) e, especificamente, Coulon (1995).
133
103
Sobre essa questo, consultar Bogdan e Biklen sobre a tradio da investigao qualitativa em
educao, 1994, Cap. 1, pp. 19-46. Tambm consultar Goldenberg (1997, pp. 16-32).
104
Maria do Loureto Couceiro (2000) apresenta na sua Tese de Doutorado uma sistematizao
significativa, o que nomeado pela autora como Breve evoluo histrica do reconhecimento
epistemolgico e metodolgico das histrias de vida, nas pp. 151/7.
134
105
135
mtodos
de
investigao
pautados
na
objetividade
racionalidade
106
136
abordagem qualitativa recente neste contexto de pesquisa que, ainda hoje, padece
de estudos meramente quantitativos sobre diversos aspectos, desde os pedaggicos
at os sistmicos.
Foi Pineau, com a publicao de sua obra Produire sa vie: autoformation et
autobiographie (1983), que buscou explicar e utilizar o conceito de autoformao e
sua utilizao nas Cincias da Educao, atravs da articulao entre histria de
vida e autoformao na perspectiva do sujeito adulto. A utilizao da histria de vida
e do mtodo autobiogrfico recente na rea educacional. Segundo Nvoa (1992c),
os mtodos biogrficos, a autoformao e as biografias educativas comearam a
ser utilizados a partir do final dos anos 70, o que demarca outras percepes sobre o
percurso de formao, bem como confronta-se com os mtodos dominantes no
cenrio da pesquisa educacional.
que
possibilita
um
novo
olhar
sobre
formao
dos
Sobre essa questo, Franco Ferraroti (1988) apresenta no texto Sobre a Autonomia do Mtodo
Biogrfico, um excelente quadro terico e as Razes de um revival em relao renovao
metodolgica das Histrias de Vida em contraposio a crise do Santo Mtodo, especificamente
quanto aos seu dois valores fundamentais: a objetividade e a intencionalidade nomottica. Para um
maior aprofundamento dessa questo, consultar o referido texto, pp. 19/34.
137
da
abordagem
biogrfica
no
processo
de
formao
autoformao.
Ao abordar as possibilidades, procedimentos de pesquisa, natureza e fonte da
Histria Oral, Lang (1996 e 2000), Queiroz (1988) e Bom Meihy (1996a) afirmam que
este mtodo constitui-se como metodologia qualitativa de pesquisa direcionada para
uma melhor compreenso do presente, bem como permite apreender a realidade
presente e o passado pela experincia e vozes dos atores sociais que as viveram.
Nesta perspectiva, numa pesquisa de Histria Oral, as narrativas so
gravadas atravs de entrevistas, de forma que a interao pesquisador-pesquisado
faz-se presente, possibilitando sua transcrio e, por fim, a construo de
documentos que sero trabalhados. Nessa perspectiva, Histria Oral termo amplo
que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos no registrados por outro
tipo de documentao, ou cuja documentao se quer completar. Colhida por meio
de entrevistas de variada forma, ela registra a experincia de um s indivduo ou de
diversos indivduos de uma mesma cultura (Queiroz, 1988, p. 19).
Discutindo o dizvel e indizvel nos relatos orais, Queiroz (1988) apresenta
tendncias diversas sobre a utilizao da fonte em Histria Oral, passando pelo
relato oral, depoimento pessoal, histria de vida, biografias e autobiografias. J Bom
Meihy (1996a) classifica os tipos de relatos como modalidades assim denominadas:
histria oral de vida (narrativa da totalidade de experincia de vida de uma pessoa);
histria oral temtica (recorte da histria de vida do ator sobre a temtica estudada)
e tradio oral (relacionada s manifestaes do passado sobre o folclore e a
transmisso geracional). Outra tipificao apresentada por Lang (1996), quando
considera: a histria oral de vida (configurando-se como o relato do narrador sobre
138
sua vivncia atravs do tempo); relatos orais de vida (tem como foco a narrao
direcionada a uma temtica e o narrador aborda aspectos de sua vida concernentes
ao objeto pesquisado) e depoimentos orais (coleta de informaes factuais do ator
sobre sua existncia em situao especfica ou sua filiao e participao em
instituio que se estuda).
Por ser colhida oralmente, a histria de vida insere-se no campo da histria
oral e pode ser definida, conforme Queiroz, como [...] o relato do narrador sobre a
sua existncia atravs do tempo, tentando reconstruir os acontecimentos que
vivenciou e transmitir a experincia que adquiriu [...] (1988, p. 19). A referida autora
apresenta uma distino entre o depoimento e a histria de vida, levando-se em
considerao o papel do pesquisador e a forma que utiliza para recolha dos dados,
porque no trabalho de coleta de depoimentos o investigador dirige o informante
diante do objeto e das questes que pesquisa, ou seja, o pesquisador quem dirige
e conduz a entrevista frente aos acontecimentos da vida do informante que possam
ser includos no trabalho. Na histria de vida, diferente do depoimento, quem decide
o que deve ou no ser contado o ator, a partir da narrativa da sua vida, no
exercendo papel importante a cronologia dos acontecimentos e sim o percurso vivido
pelo mesmo. Ainda que o pesquisador dirija a conversa, de forma sutil, o
informante que determina o dizvel da sua histria, subjetividade e os percursos da
sua vida.
Classificada como mtodo, como tcnica e ora como mtodo e tcnica, a
abordagem biogrfica, tambm denominada de histria de vida, apresenta diferentes
variaes face ao contexto e campo de utilizao. Evidencio, com base em Queiroz
(1988), que a abordagem biogrfica tanto mtodo, porque logrou no seu processo
histrico vasta fundamentao terica, quanto tcnica, porque tambm gozou de
conflitos, consensos e implicaes terico-metodolgicas sobre a sua utilizao. As
variadas tipificaes ou classificaes no uso do mtodo biogrfico inscrevem-se no
mbito de pesquisas scio-educacionais como uma possibilidade de, a partir da voz
dos atores sociais, recuperar a singularidade das histrias narradas por sujeitos
histricos, scioculturalmente situados, garantindo o seu papel de construtores da
histria individual/coletiva intermediada por suas vozes.
Percebo que, nas reas das cincias sociais, as pesquisas com histria de
vida tm utilizado terminologias diferentes e, embora considerem os aspectos
metodolgicos e tericos que as distinguem como constituintes da abordagem
139
So
diversas
as
terminologias
que
designam
Sobre essa questo, afirma o autor que um anlisis de los distintos tipos de literatura
autorreferencial de professores y maestros existente, um intento, no cerrado ni exhaustivo, de
clasificacin de los mismos. Uma clasificacin que implica su caracterizacin y, por tanto, uma
primeira aproximacin a sus formas materiales y textuales, as como a sus motivaciones y contenidos,
cuestiones todas ellas que requieren um tratamiento ms extenso y detallado. (Viao Frago, 2002, p.
143).
140
relativos
la
gestin
de
instituciones
docentes;
k)
Archivos
141
Tabela I
Diferenciao terminolgica das abordagens entrando pela vida
segundo os tipos de vida abordados
Tipos de vida
privilegiados
Vida
A existncia
global
Singular
Plural
Vida em
educao
Vida em
Formao
Vida
profissional
Biografia
educativa
(Josso, 1991)
(Dominic,
1996)
Biografia
formativa
(Leray, 1998)
Biografia
profissional
(Robin, 1994,
1997)
Autobiografia
raciocinada
(Desroche,
1991)
Relato de
formao
(Leguy, 1998;
Chn, 1989)
As histrias de
vida em
formao
(lain, 1998)
Autobiografia
projecto
(Bonvalot, 1984;
Courtois, 1984)
Abordagens
entrando pela vida
Biografia
Abordagem
Biogrfica
(Legrand, 1993)
Autobiografia
Associao
para o Patrimnio
Autobiogrfico
(Lejeume, 1991)
Relatos de vida
(Villers, 1996)
(Bertaux, 1997)
Relatos de vida
Historia de vida
Histrias de
vidas:
existenciais
(Pineau, 1998)
(Dominic, 1990)
Relatos coeltivos
(Dionne, 1996)
Histria de
vidas:
- de mulheres
(Couceiro,
1998)
- de jovens
(Radet, 1998)
-de crianas
(Abels, 1998)
Histria de vidas:
- em coletividade
(Brun, 1999)
- genealgica
(lani, 1997)
Relato de
aprendizagem
Histrias de
vidas:
- no trabalho
(Riverin-Simard,
1984)
- no ensino
(Mallet, 1998)
- de formadores
(Vassileff, 1992)
desenvolvidas
na
Universidade
de
Genebra,
atravs
das
143
Para Pineau (op. cit) D. Bertaux109 foi quem introduziu a utilizao dessa abordagem,
numa perspectiva sociolgica, na Frana.
A utilizao do termo Histria de vida corresponde a uma denominao
genrica em formao e em investigao, visto que se revela como pertinente para a
autocompreenso do que somos, das aprendizagens que construmos ao longo da
vida, das nossas experincias e de um processo de conhecimento de si e dos
significados que atribumos aos diferentes fenmenos que mobilizam e tecem a
nossa vida individual/coletiva. Tal categoria integra uma diversidade de pesquisas ou
de projetos de formao, a partir das vozes dos atores sobre uma vida singular,
vidas plurais ou vidas profissionais, no particular e no geral, atravs da tomada da
palavra como estatuto da singularidade, da subjetividade e dos contextos dos
sujeitos.
Aps a diferenciao conceitual e terminolgica apresentada, percebo como
pertinente tomar os modelos apresentados por Pineau e L Grand (1993), no
sentido de apreender o papel que pode ocupar os atores e os pesquisadores num
projeto de investigao/formao. Desta forma, apresentam os seguintes modelos:
[...] o modelo biogrfico, o modelo autobiogrfico e o modelo interativo ou dialgico
[...] (1993, pp.99/102).
Em relao ao modelo biogrfico, afirmam os autores que existe um
distanciamento entre o sujeito e o pesquisador, tendo em vista construir um saber
objetivo e disciplinar exercido pelo pesquisador. No que concerne ao modelo
autobiogrfico, existe uma eliminao do pesquisador, porque a expresso de
sentido e a construo da experincia centram-se na singularidade e subjetividade
do sujeito. Por fim, o modelo interativo ou dialgico adota uma nova relao de lugar
entre o pesquisador e os atores sociais, tendo em vista uma co-construo de
sentido, porque no redutvel conscincia que tem dela o sujeito e tambm
anlise construda pelo pesquisador. Dadas as especificidades da presente pesquisa
e os seus objetivos, compreendo que a dimenso interativa e dialgica, muito
fortemente utilizada na abordagem biogrfica, possibilita-me apreender as trajetrias
de escolarizao no sentido da investigao/formao tanto para mim, quanto para
as alunas envolvidas e implicadas com o projeto de formao.
109
Sobre essa questo, Pineau (1999) faz referncia ao Livro de D. Bertaux, Ls rcits de
vie.Perspective ethnosociologique, Paris, Nathan-Universit, 1997.
144
145
internacionais e de pesquisadores, uma maior conscincia de sua estrutura sciopoltico-econmica, bem como a construo de um movimento de descolonizao da
nova ordem mundial.
No Brasil a utilizao da histria de vida inscreve-se sob as influncias da
Histria Oral, e sua introduo instaura-se nos anos 60 com o programa de Histria
Oral do CPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e Documentao de Histria
Contempornea do Brasil - Fundao Getlio Vargas), com o propsito de colher
depoimentos da elite poltica nacional, demarcando produes e expanso nos anos
90, inclusive com a criao e influncia exercida pela ABHO (Associao Brasileira
de Histria Oral 1994), frente realizao de seminrios e a divulgao de
pesquisas da rea.
No campo da sociologia, tomo como parmetro as pesquisas desenvolvidas
pelo CERU (Centro de Estudos Rurais e Urbanos 1976), as quais so
empreendidas com a utilizao da Histria Oral. Como expresso dessa produo,
Demartini113 (1992) aponta que as investigaes tm girado em torno de questes
que envolvem diferentes procedimentos de recolha e trabalho das falas e narrativas
dos atores sociais. No campo da Histria, Ferreira e Amado (2000), Lang (1996 e
2000), Queiroz (1988) e Bom Meihy (1996) so autores que tematizam sobre a
validade desse tipo de fonte e as diversas tentativas de recuperar as narrativas.
No campo da educao, diversos movimentos vm-se constituindo, desde o
incio dos anos 90, com a utilizao do mtodo autobiogrfico e com as narrativas de
formao. Cabe destaque o trabalho desenvolvido pelo GEDOMGE/FEUSP (Grupo
de Estudo sobre Docncia, Memria e Gnero Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo), sob a coordenao de Catani, Souza, Bueno e Sousa,
bem como as investigaes realizadas durante o binio 1997/99 atravs do
GEPIS/UFSM (Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao e Imaginrio Social
Universidade Federal de Santa Maria), com pesquisas em rede que intercruzam as
temticas sobre histria de vida, docncia, gnero, subjetividade e imaginrio na
perspectiva de contribuir com a formao de professores. Por isso, cada vez mais,
113
146
114
Dentre os estudos produzidos no final dos anos 90 e incio de 2000, destaco as seguintes
pesquisas: Snia Kramer e Solange Jobim Souza Histrias de professoras: leitura, escrita e
pesquisa em educao (1996); Belmira Bueno, Maria Ceclia Sousa, Denice Catani e Cynthia Pereira
Souza Docncia memria e gnero: estudos sobre formao (1997) e A vida e o ofcio dos
professores (1998); Selva Fonseca Ser professor no Brasil: histria oral de vida (1997); Maria
Teresa de Assuno Freitas Narrativas de professoras: pesquisando leitura e escrita numa
perspectiva scio-histrica (1998); Jane Soares de Almeida Mulher e educao: a paixo pelo
possvel (1998); Roseli Fontana Como nos tornamos professoras? (2000); Valeska Fortes de
Oliveira Imagens de professor: significao do trabalho docente (2000); Mailsa Carla Passos
Memria e histria de professores: como praticar tambm lembrar (2000); Geni Nader Vasconcelos
Como me fiz professora (2000); Ana Alcdia de Arajo Moraes Histrias de leitura em narrativas
de professoras: uma alternativa de formao (2000); Marilda da Silva Como se ensina e como se
aprende a ser professor (2003); Carmem Lcia Vidal Prez - Professoras alfabetizadoras: histrias
plurais, prticas singulares (2003), dentre diversas experincias que demarcam a ampliao da
utilizao do mtodo autobiogrfico e da pesquisa narrativa na formao de professores.
115
Ao referir-se a sua participao no seminrio e ao tempo de balano proposto e vivido no mesmo,
afirma Nvoa que Espero poder construir, neste seminrio que tem como tema A histria de vida em
formao, um trabalho de investigao e de reflexo sobre os momentos significativos dos meus
percursos pessoais e profissionais. um trabalho que desejo virado para o futuro e no para o
passado. Gostaria de ser capaz de o conceber como uma fase preliminar da (nova) aco. Aco
que espero empreender com um outro olhar e as mesmas utopias. (1992, p. 24).
147
Nesse
singularidade
da
autoformao
em
contexto
educativo,
no
comportando
150
experiencial
(Josso,
2002),
permitem
melhor
compreender
116
151
117
Ainda em relao pesquisa com narrativas, busco em Connelly & Clandinin (1995), Arnaus
(1995), Cunha (1997) e Chen (1988), perspectivas de compreenso do enraizamento da formao
vinculada ao espao pessoal e do papel estabelecido autoria do texto narrativo. Entendo como
pertinente situar alguns estudos desenvolvidos por Goodson (1992), Nvoa (1992a, b, 1995a, b e
2002a), Moita (1992), Holly (1992), Huberman (1992), Catani et. al. (1997a, b, 1998 e 2001b), Nvoa
e Finger (1988), sobre histria de vida e formao, porque esses autores apresentam pesquisas que
tematizam os percursos e ciclos de vida dos professores, e outros que vm pesquisando sobre os
dirios reflexivos, a histria de vida, a autobiografia e suas influncias/significados na formao
docente.
153
essa
prtica
formativa
levou-me
superar
enfoques
da
universidade,
configurando-se
como
modalidade
formativa
estgio
supervisionado.
Isto
porque
utilizao
deste
procedimento
(1992c),
ao
categoriza-os
sistematizar
estudos
relacionando
seus
das
abordagens
(auto)
objetivos-contedos
numa
As aulas desenvolvidas atravs das Disciplinas de Prtica Pedaggica II e Prtica Pedaggica III
so por mim denominadas de encontros ou sesses, por entender e relacionar os objetivos do
trabalho com a fertilidade e pertinncia da abordagem experiencial de formao e (auto) formao.
119
Para maior aprofundamento desta questo, consultar o texto de Nvoa, Os professores e as
Histrias da sua vida, especificamente, o subttulo Histria de vida: perspectivas metodolgicas,
1992c, pp. 18/25, quando o referido autor sistematiza estudos sobre as abordagens (auto)
biogrficas, considerando os objetivos de investigao, de formao e de investigao-formao com
as dimenses pessoa do professor, as prticas docentes e a profisso professor, que so abordadas
nas pesquisas.
154
de
uma
contra-memria,
atravs
da
produo
de
relatos
120
Nvoa (1992c) apresenta uma reflexo sobre os aportes terico-metodolgicos da pesquisa com
histrias de vida e Josso (2002) destaca diversas experincias desenvolvidas na rede francfona das
histrias de vida em formao, desde o incio dos anos 80, bem como outras experincias
construdas em Portugal, no Quebeque e no Brasil, especificamente, em So Paulo.
156
121
157
palavras,
compreenso
sobre
sujeito
da
experincia
e,
Ao pensar o significado das duas palavras, Larrosa afirma que [...] as palavras produzem sentido,
criam realidades e, s vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivao. Eu creio no
poder das palavras, na fora das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, tambm, que
as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque no
pensamos com pensamentos, mas com palavras, no pensamos a partir de uma suposta genialidade
ou inteligncia, mas a partir de nossas palavras. E pensar no somente raciocinar ou calcular ou
argumentar, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas sobretudo dar sentido ao que
somos e ao que nos acontece. [...] E, portanto, tambm tem a ver com as palavras o modo como nos
colocamos diante de ns mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos. E o modo
como agimos em relao a tudo isso. (2002, p. 21).
123
Essa discusso construda pelo autor no referido texto, nas pp. 21/4.
158
na
transao
entre
diversas
experincias
aprendizagens
Josso (2002) apresenta, no seu texto Caminhar para Si: um processo-projeto de conhecimento da
existencialidade, elementos significativos sobre as diferenas entre as experincias e os
acontecimentos, o que para a autora so tomados como sinnimo de vivncia, porque a experincia
configura-se como conceito operativo central do trabalho com as histrias de vida na abordagem
biogrfica. Para maiores esclarecimentos sobre essa questo, consultar o referido texto,
especificamente pp. 52/7.
159
suas
implicaes
no
processo
de
investigao-formao
longo da vida. Por isso, [...] para que uma experincia seja considerada formadora,
necessrio falarmos sob o ngulo da aprendizagem [...] (idem, p. 34). Em tese,
caberia entender os sentidos e significados que so vinculados ao processo de
interiorizao e exteriorizao eleito por cada um para falar de si, das suas
aprendizagens, dos valores construdos e internalizados em seus contextos social e
histrico, dos comportamentos, posturas, atitudes, formas de sentir e viver que
caracterizam subjetividades e identidades.
Para Josso [...] o conceito de experincia formadora implica uma articulao
conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afectividade e ideao,
articulao que se objectiva numa representao e numa competncia [...] (p. 35).
Os cenrios e contextos que so descortinados atravs da narrativa de si inscrevemse em experincias e aprendizagens individuais e coletivas, a partir dos diferentes
contextos vividos por cada um, mas tambm nascem da nossa dimenso de ser
sciocultural e psicossomtico que somos. Apreendo este conceito e aplico-o
presente pesquisa, por entender as formas eleitas pelos atores para falarem de si, de
seus vnculos familiares, das opes feitas pelas suas famlias na escolha dos seus
nomes, escolas, lugares vividos, aprendizagens e sentimentos construdos nas
histrias individuais, relatadas atravs da vivncia escolar.
Assim, [...] a aprendizagem experiencial, proposta pela abordagem
biogrfica do processo de formao, implica directamente o aprendente em trs
dimenses existenciais: a sua conscincia de ser psicossomtico ou homo
economicus, a sua conscincia de homo faber e a sua conscincia de homo
sapiens [...]. (idem, p. 29 grifos da autora).
Na medida em que emergiu, tanto para mim quanto para o grupo, trabalhar a
escrita da narrativa do itinerrio escolar como possibilidade de formao, pude
perceber, atravs das experincias desenvolvidas e articulando-as com o trabalho
desenvolvido por Josso (2002), que aprender pela experincia possibilita ao sujeito,
atravs de recordaes-referncias circunscritas no percurso da vida, entrar em
contato com lembranas, sentimentos e subjetividades. O mergulho interior
possibilita ao sujeito construir sentido para a sua narrativa, atravs das associaes
livres do processo de evocao, num plano psicossomtico, com base em
experincias e aprendizagens construdas ao longo da vida.
Para Josso as recordaes-referncias [...] so simblicas do que o autor
compreende como elementos constitutivos da sua formao. [...] significa, ao mesmo
161
tempo, uma dimenso concreta ou visvel que apela para as nossas percepes ou
para imagens sociais, e uma dimenso invisvel, que apela para emoes,
sentimentos, sentido ou valores [...] (2002, p. 29). A escrita da narrativa125 nasce,
inicialmente, de questionamentos dos sujeitos sobre o sentido de sua vida, suas
aprendizagens, suas experincias e implica reflexes ontolgicas, culturais e
valorativas de cada um. Por isso, enquanto atividade psicossomtica, as narrativas,
porque aproximam o ator de si atravs do ato de lembrar-narrar, remetendo-o s
recordaes-referncias em suas dimenses simblicas, concretas, emocionais,
valorativas, podem ser definidas como experincias formadoras.
Desta forma, Lcia Maria126, ao escrever sua memria educativa, afirma que:
Visitar o passado pode ser a mais doce das experincias, mas pode tambm se transformar
numa viagem ao inferno.
Este trabalho prope apresentar a retrospectiva da minha vida pessoal, dando realce para a
minha passagem pela(s) escola(s).
Realizar este trabalho foi como reconstruir das cinzas uma antiga casa. Juntar bloco aps
bloco, tijolo por tijolo, e ver aos poucos toda uma histria de vida escondida nas runas
reaparecer.
Numa viagem interior resgatei o meu eu mais escondido. Como se a vida pudesse
retroceder, reaver cada emoo vivida h tanto tempo.
Como num quebra-cabea, cada pea nova orientava o prximo passo a seguir, surgia minha
histria. Cada vez mais ntida.
Claro deve ficar que muito se perdeu nestes anos vividos. No foi possvel resgatar tanta
coisa... detalhes, s vezes anos de vida. E a gente nem percebe, na dura lida, que jogamos
no lixo tanta histria.
Resgatar minha memria me fez aguar minha conscincia do ser histrico que sou. A
mulher, a me, a esposa, a amiga, a professora, tambm fruto da minha construo
cultural.
Olhando o que fui, revolvendo o que sou, percebendo o meu presente como algo mutvel,
poderei ser melhor ou pior, depende principalmente de mim. (Lcia Maria)
125
Utilizarei as citaes a partir das narrativas originais de cada autora, sem utilizar sic mesmo que
com incorrees gramaticais. Sinalizo que os nomes aqui utilizados correspondem s identidades dos
sujeitos pesquisados, os quais autorizam a utilizao para a presente pesquisa.
126
Lcia Maria Lima tem 39 anos, fez magistrio e professora h quatro anos em uma escola da
Rede Municipal de Ensino de Salvador.
162
127
Ourisvalda Teles dos Santos Gomes tem 48 anos, fez curso Cientfico, concludo em 1973 e
trabalha h 15 anos no Banco do Brasil.
163
grande valia essa retrospectiva, pois me permitiu rever tantas coisas. Tantos sentimentos e
atitudes. Sem dvida, saio melhor, como ser humano, dessa viagem ao passado, a qual
jamais podemos ignorar, pois de fato ela alicera a nossa vida e muito tem a dizer acerca da
nossa postura atual. (Ourisvalda)
sociales; tanto los profesores como los alumnos son contadores de historias y
tambin personajes en la historias de los dems y en las suyas propias [...] (1995,
pp. 11/2).
Por isso, a narrativa tanto um fenmeno quanto uma abordagem de
investigao-formao, porque parte das experincias e dos fenmenos humanos
advindos das mesmas. O que a educao seno a construo scio-histrica e
cotidiana das narrativas pessoal e social? O cotidiano humano , sobremaneira,
marcado pela troca de experincias, pelas narrativas que ouvimos e que falamos,
pelas formas como contamos as histrias vividas. Da a emergncia e a utilizao,
cada vez mais crescente, das autobiografias e das biografias educativas em
contextos de pesquisas na rea educacional. A crescente utilizao da abordagem
biogrfica em educao busca evidenciar e aprofundar representaes sobre as
experincias educativas e educacionais dos sujeitos, bem como potencializa
entender diferentes mecanismos e processos histricos relativos educao em
seus diferentes tempos. Tambm porque as biografias educativas permitem adentrar
num campo subjetivo e concreto, atravs do texto narrativo, das representaes de
professores sobre as relaes ensino-aprendizagem, sobre a identidade profissional,
os ciclos de vida e, por fim, busca entender os sujeitos e os sentidos e situaes
do/no contexto escolar.
Ao discutir dispositivos pedaggicos e experincia de si, Larrosa (1994)
utiliza o conceito foucaultiano de tecnologia do eu, com o propsito de aprofundar e
sistematizar questes tericas sobre dispositivos pedaggicos auto-reguladores, os
quais s podem ser compreendidos atravs das construes histricas de saber,
poder e subjetivao. Desta forma, toma as histrias de vida na educao de
adultos como um dos exemplos pertinentes para o trabalho de [...] tomada de
conscincia atravs da mediao pedaggica exercida pelo trabalho das narrativas
pessoais. Isto porque esta perspectiva de trabalho busca relacionar a aprendizagem
com a prpria experincia do aluno [...] (1994, p. 47) e, tambm, porque tenciona
[...] estimular algum tipo de reflexo crtica que modifica a imagem que os
participantes tm de si mesmo e de suas relaes com o mundo [...] (idem, p. 47).
A pesquisa com narrativas (auto) biogrficas ou de formao inscreve-se
neste espao onde o ator parte da experincia de si, questiona os sentidos de suas
vivncias e aprendizagens, suas trajetrias pessoais e suas incurses pelas
instituies, no caso, especificamente a escola, pois as [...] histrias pessoais que
165
Este trabalho Memria Educativa foi bastante significativo e enriquecedor para mim, pois me
ajudou a refletir sobre minha vivncia escolar, fazendo com que eu encarasse a realidade
educativa de forma crtica e esclarecesse algumas questes sobre a postura de um
educador. A elaborao foi trabalhosa e ao mesmo tempo prazerosa, ao contrrio do que eu
havia pensando antes de inici-la: seria difcil e cansativo. Foi prazeroso, na medida em que
me levou a refletir bastante e a partilhar momentos e recordaes com pessoas queridas e
colegas. (Simone)
Escrever um pouco das minhas memrias foi a grande oportunidade que tive de voltar ao
passado e fazer uma ponte com o futuro que desejo. Foi um valioso presente. Significou
muito lembrar das peraltices de infncia, dos sonhos adolescentes e de como meus olhos
viam o mundo, viam as pessoas a mim mesma. Pude abrir a janela do tempo e sentir
novamente o perfume que as coisas tinham, quando eu era criana. Embora tenha sido
prazeroso, foi um pouco difcil. A todo instante, em meio s tarefas rotineiras, me perguntava:
Como vou escrever sobre o meu passado? O que escrever? De que forma comear?
128
Simone Carine Reis Guerreiro tem 25 anos. Fez o curso de magistrio, concluindo em 1996, no
trabalha e no tem experincia docente, exceto as relativas ao estgio do curso de magistrio.
129
Naurelita Melo tem 32 anos, fez curso de magistrio e professora da Rede Municipal de Ensino
de Salvador.
166
Enquanto trabalhava, estudava ou conversava com meu marido, ficava a postos para captar o
objeto, no momento em que ele aparecesse. Foi ento que, conversando sobre a educao
do nosso filho, os pensamentos foram divagando na minha histria, sobre as caractersticas
que eu desejava ou no que ele herdasse de mim, sobre os exemplos de meus pais, meus
avs... e os objetos foram surgindo: as fotografias, os sorrisos, os cheiros, as brincadeiras, as
missas, a escola. Tive o cuidado de deixar as lembranas e as idias bem latentes para o
momento em que fosse escrev-las. Ento, alguns dias depois, comecei. Parei, retomei o
papel e caneta e, mais uma vez os guardei. Ento, escrevi o primeiro texto. Uma semana
depois retomei as minhas lembranas e escrevei o segundo texto. Mais uma semana e,
finalmente, conclui o trabalho. (...) Falar de si mesmo no fcil. Requer coragem,
determinao e leveza de ser; requer suavidade, carinho estado contemplativo e auto-perdo.
Da ser to importante falar do meu passado. Pude, atravs desta memria analtica, refletir
sobre o meu papel de me e educadora, sobre a minha postura com os meus pais, parentes,
meu marido e mestres.
Hoje eu tenho mais definio e clareza nas minhas idias e minha prtica pedaggica. Hoje
eu sei, mais do que nunca, o valor de se resgatar a identidade, cultivar a auto-estima, e
favorecer nos alunos, a anlise e recriao de si e do mundo.
Muitos acontecimentos deixaram de ser registrados, uns por no lembrar, outros por no
desejar. (...) Mas, uma coisa certa: a maior beneficiada fui eu, por ter a chance de olhar-me
no espelho e rever-me quantas vezes forem necessrias, revisando os meus conceitos e
pensando sobre at que ponto eu mudei e at que ponto eu sou a mesma.
Escrever minhas memrias como escrever uma carta para mim mesma, e dizer: muito
prazer em me conhecer. (Naurelita)
ler-escrever
sobre
suas
experincias
formadoras,
descortinar
130
Sonia Maria Sampaio Mota Vasconcelos tem 40 anos, fez o curso de magistrio e leciona h 4
anos em escola estadual. Atualmente atua em classes de acelerao.
167
para mim
narrativas
interroga-se
sobre
suas
trajetrias
seu
percurso
de
168
(Josso,
2002)
exigem
do
pesquisador
uma
implicao
um
169
170
Diversos
questionamentos
surgem
na
tenso
dialtica
entre
131
171
conforme
sistematizados
por
Josso132
(2002),
Embora j tenha apresentado esses conceitos no Captulo V, entendo como pertinente situ-los,
tendo em vista as especificidades apresentadas para a anlise das narrativas. Para Josso, [...]
aprendizagem experiencial utilizada, evidentemente, no sentido de uma formulao terica e/ou de
uma simbolizao [...] (2002, p. 28). No que diz respeito experincia formadora, afirma a autora
que [...] uma aprendizagem que articula, hierarquicamente, saber-fazer e conhecimentos,
funcionalidades e significao, tcnicas e valores num espao-tempo que oferece a cada um a
oportunidade de uma presena de si e para a situao pela mobilizao de uma pluralidade de
registros [...] (p. 28). Ainda assim, [...] o conceito de experincia formadora implica uma articulao
conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afectividade e ideao, articulao que se
objectiva numa representao e numa competncia [...] (p. 35). Em relao s recordaesreferncias, reitera a autora que [...] so simblicas do que o autor compreende como elementos
constitutivos da sua formao. [...] significa, ao mesmo tempo, uma dimenso concreta ou visvel que
apela para as nossas percepes ou para imagens sociais, e uma dimenso invisvel, que apela para
emoes, sentimentos, sentido ou valores [...] (p. 29).
172
133
Sobre a relao memria esquecimento, Marc Auge (1998), em seu livro As Formas do
Esquecimento e, mais especificamente, no texto A Memria e o Esquecimento (pp. 11/33), afirma que
Fazer o elogio do esquecimento no vilipendiar a memria, e ainda menos ignorar a recordao,
mas reconhecer o trabalho do esquecimento na primeira e assinalar a sua presena na segunda. A
memria e o esquecimento mantm de algum modo a mesma relao que existe entre vida e morte
(p. 19).
173
quando afirma
que
coletiva
dos
Sobre essa questo, afirma Josso (2002) que [...] a singularidade existencial se joga numa
dialtica entre interioridade (o que se vive e se pensa no interior de si) e exterioridade (o que sciohistrico e culturalmente referencivel) [...] (p. 52), na perspectiva da fenomenologia das histrias de
vida.
175
135
176
No momento da pesquisa, Lcia Maria, 39 anos, fez o Curso de Magistrio, concludo em 1989.
Narra sua implicao e vivncia, inicialmente, como professora leiga, e atua como professora h 4
anos numa escola municipal de Salvador.
177
Sou a stima, numa lista de nove filhos. At a data do meu nascimento ramos seis mulheres
e apenas um homem. Na minha casa, quase todas as mulheres chamam-se Maria: Maria
Erotildes, Maria Jos, Maria Dalva, Lcia Maria (esse o meu nome) e Maria Stella. As
nicas que fugiram regra tm os nomes iniciados pela letra M: Mariluce e Marluce. Os dois
meninos receberam o nome de Antonio Carlos e Jos Raimundo (o caula da famlia).
Meu pai era pedreiro, filho de lavradores, neto de um filho de escravo beneficiado pela lei do
Ventre Livre. Muito pobre saiu cedo para a vida: com doze anos fugiu de casa e foi fazer
carvo em So Sebastio do Pass. Retornou para casa j rapaz. Adorava festas, namorar
sem compromisso, o que o tornava um candidato a marido pouco desejado pelas famlias.
No bebia e no jogava, predicados que o tornou atraente para minha me. Comearam um
namoro que no era bem visto pela famlia dela.
Minha me tinha inmeras prendas domsticas: costurava, bordava, cozinhava, fazia doces,
etc. Seu gentipo denunciava a intensa mistura de etnias que a originou. Sua av materna
tinha origem portuguesa, seu av materno era negro; do lado paterno s tinha conhecimento
da av que era ndia. De estatura mediana, tinha traos marcantes e uma personalidade
forte. Apaixonada por meu pai casou contra a vontade da famlia: me e irmos, pois j no
tinha pai, perdeu-o quando tinha apenas nove anos de idade.
Meus pais iniciaram a vida a dois sem nenhuma estrutura. Casaram no religioso e se viram
de repente sem casa e sem o apoio da famlia de minha me. Foram morar com uma irm
dela, a nica que concordava com a relao dos dois. Em pouco tempo meu pai construiu,
ele prprio, sua casa. Os filhos chegaram e, apesar da extrema pobreza ramos muito
felizes. Havia muito amor entre a gente.
Foi, portanto, num ambiente muito pobre e paradoxalmente muito feliz que eu vim ao mundo.
A nossa famlia acreditava que a pobreza era uma espcie de desgnio de Deus. Vivia alheia
as questes polticas e scio-ecommicas do pas. Como sustentar uma famlia com nove
membros (pai, me e sete filhos) com o quase simblico salrio de pedreiro era um quebracabea para ser montado diariamente. Porm, tnhamos problemas bem menores, tais como:
as briguinhas entre irmos (davam muita dor de cabea a minha me); as insinuaes
maldosas de uma tia-av nossa em relao a minha paternidade (ela, sempre que visitava
minha me, perguntava a quem eu sara branquinha). Tinha alguns irmos to branquinhos
quanto eu, s que aqueles tinham cabelos crespos.
Eu era uma criana branquinha, cabelos lisos e bem pretos, olhos apertadinhos, lbios cheios
e rosados. Todos me achavam uma criana linda, mas, a exceo de minha tia, conseguia
encontrar semelhanas com este ou aquele parente: ora eu era a cara do pai, ora eu era
parecida com uma irm, uma tia... Na verdade, herdei do meu pai, alm de outras coisas, a
cor clara; o cabelo, que na primeira infncia era liso, era herana gentica da famlia de
minha me. (Lcia)
178
Meu nome Mrcio Nery de Almeida, nasci no dia 13 de julho de 1978 s 17:30, no Hospital
Santa Isabel, no Bairro de Nazar (no bairro e na cidade em que vivo h quatro encarnaes
desde que minha alma se transmigrou para as Amricas), Salvador, Bahia. Sou o primeiro
filho do casal Jos Pires de Almeida, pequeno comerciante natural de Itabuna, e de Marinalva
Nery do Espirito Santo (agora Nery de Almeida), costureira, natural de Jequi.
No tenho dificuldade em falar da minha histria de vida. Inclusive esta , para mim, uma
tarefa muito importante e prazerosa. Gosto muito de mexer com a histria, com a origem das
coisas, com os antepassados, etc., por isso sou um pesquisador voltado para recuperar e
afirmar a herana cultural prpria da nossa populao.
Explicar, saber e estudar o porque das coisas, expor meu ponto de vista, mesmo que no
agradasse muito aos que estivessem ao redor, relatar acontecimentos simples do cotidiano
para tirar deles uma lio de vida sempre foram tarefas apreciadas pela minha personalidade
observadora (e s vezes, muitas vezes, desatenta) e investigativa.
Devido a minha pacincia e persistncia, a pesquisa sempre me conduziu a valiosas
descobertas. No de hoje que sou pesquisador. A minha mais recente pesquisa gravita em
torno do meu parentesco com Ana Nery, A Me dos Brasileiros. Intuitivamente, desde
criana, todas as vezes que ouvia o nome e a histria de Ana Nery, dizia a mim mesmo que
ela era minha parenta, minha ancestral. Mais recentemente conversando com a minha me
sobre a origem da nossa famlia, ela falou da existncia de um tio-av, irmo do pai dela,
nascido em Cachoeira ou em Santa Rosa (lugarejo prximo a Cachoeira) e que se chamava
Antnio Isidoro Nery. Coincidentemente, Ana Nery teve trs filhos, sendo que o mais velho se
chamava Isidoro Antnio Nery Filho (nascido em Cachoeira), em homenagem ao pai Isidoro
137
Mrcio Nery tem 24 anos, fez magistrio, concluindo em 1997. Apresenta experincias docentes
no estgio referentes a sua formao no magistrio e com projetos de extenso e de pesquisa
desenvolvidos na universidade, especialmente na Escola Novo Horizonte.
179
Antnio Nery, capito portugus. Voc tambm no acha que muito Antnio, muito Isidoro e
Nery num mesmo lugar em uma mesma poca?
Para acabar de completar, minha colega de estgio tambm Nery e a famlia originria de
Cachoeira. E o primeiro lugar para onde fui levado quando em visita a Cachoeira chamava-se
Casa de Acolhimento a Criana Ana Nery. Mais parece a Conspirao dos Nery. (Mrcio
Nery)
138
180
Nasci no ano de 1978, em Braslia. Sou brasiliense, primeira filha de um casal jovem, um
mineiro e uma goiana, de origem interiorana e humilde. Meu pai militar (marinheiro) e
minha me era, na poca, empregada domstica. Meus pais tinham trs anos de casados
data do meu nascimento.
Nasci prematura de seis meses, por pouco no sobrevivi, passei por diversas turbulncias
em minha sade desde o momento em que nasci, mas como sou batalhadora superei uma a
uma cada dificuldade, o que fao ate hoje.
Meu nome foi escolhido pelo meu pai, da seguinte maneira: Maiesse o nome de uma prima
de meu pai, ele acha muito bonito, ento resolveu coloc-lo em mim sem consultar minha
me, apenas mudou a grafia, cujo nome original (o da prima) se escreve assim Mayesse, a
idia era diferenciar meu nome do dela, mas meu nome duplo Maiesse Regina, meu pai
queria que fosse Maiesse Cristina, por sorte no momento que ele foi me registrar estava
junto dele meu tio-padrinho, que o alertou da briga que ele ia ter com minha me se
colocasse Cristina como meu segundo nome, pois esse era o nome da ex-noiva que meu pai
tinha tido antes de namorar com minha me, certamente ela ficaria ainda mais furiosa do que
ficou quando soube como era meu nome.
Minha me gostaria que meu nome fosse Gisele, mas nunca comentou isso com meu pai,
tambm ele no perguntou a opinio dela, quando ela sobe do meu registro de nascimento
ficou frustrada, no gostou nada, mas como no podia mudar foi obrigada a aceitar a deciso
do meu pai. Ento me chamo Maiesse Regina, um nome de origem rabe, como eu que seu
descendente de srio-libaneses, negros, portugueses e japoneses.
Uma das piores pocas da minha vida foi no primeiro ano: passei por provaes em minha
sade e iniciaram-se de certa maneira os conflitos familiares meus com minha me, os quais
duram at hoje.
Creio que no correspondi desde o princpio s idealizaes feitas por ela de como seria o
filho ideal e ao no suprir essas expectativas, desde sempre fui rejeitada e desrespeitada por
essa pessoa que teve que suportar a carga de problemas que trouxe sua vida desde o
momento em que nasci (ningum deseja um parto complicado eu quis nascer trs dias
antes, mas os mdicos no queriam pois eu tinha somente 6 meses, foi em vo, eu nasci
prematura e alm de tudo muito doente, isso com certeza aborreceu muito minha me).
Apesar de ter sido uma criana com diversos problemas de sade, era inteligente,
comunicativa e esperta, mas retrada, tmida e at hoje no demonstro meus sentimentos por
receio de me ferir, o que j aconteceu quando tentei agir mais com a emoo do que com a
razo, isso me acompanha por toda vida, como explica a psicologia: a nossa vida e os fatos
que ocorrem conosco moldam nosso carter, a personalidade e o jeito de ver as coisas ao
nosso redor.
181
Outro fato que aconteceu em meu ciclo de vida para que eu de certa forma me tornasse uma
pessoa reservada, foram diversas mudanas de Estado em decorrncia da profisso de meu
pai, apesar de na medida do possvel procurei todos esses anos no perder o contato com os
vrios amigos que fiz nos lugares que morei: sempre fiz amizades com facilidade, fui uma
criana com muitos amigos, mesmo com os problemas de relacionamento enfrentados em
minha casa, na medida do possvel conseguia deix-los dentro de casa.
Quando tinha quatro anos de idade meu irmo nasceu. Naquela poca achei que seria mais
um amigo que iria ter, no me esqueo tamanha foi a felicidade que senti com seu
nascimento, de como eu queria proteg-lo, brincar com ele, fazer dele meu melhor amigo,
mas com o passar do tempo percebi que a recproca por parte dele no era a mesma,
infelizmente hoje percebo que aquele amigo to desejado, mais uma vez ficou apenas no
plano do desejo, ele mais um membro de minha famlia (dentro de casa) que no
compreende que as pessoas so diferentes, com suas personalidades e devem respeitar
cada ser humano, pois assim o mundo. E mais uma vez fui frustrada na tentativas de obter
um amigo em minha prpria casa.
Meu pai muito fechado, mas percebo que o nico que ao menos procura me entender e
respeitar meu jeito de ser, nossa relao sempre foi de respeito, carinho e nos damos muito
bem, temos muitas coisas em comum. (Maiesse)
139
Beatriz Lima. 24 anos, fez formao em Contabilidade, concluindo o curso em 1996. No momento
de sua formao, atuou como estagiria no SESI, tendo um ano de experincia. Sua narrativa est
mesclada de sentimentos de amor e saudade da escola.
140
Sonia Maria Sampaio Mota Vasconcelos tem 40 anos, fez o curso de magistrio e leciona h 4
anos em escola estadual. Atualmente trabalha em classes de acelerao.
182
Eu, Snia Maria Sampaio Mota Vasconcelos, nasci em 21 de abril de 1962, pelas mos do
Dr. Gilberto, mdico da nossa famlia.Este momento ocorreu no quarto de minha casa, esta,
situada na Fazenda Lopes, municpio de Conceio do Almeida-Ba. Sou filha de Geraldo
Mendes da Mota, sexta filha em um nmero de dez. Fao parte de uma famlia de classe
mdia baixa, me ex-comerciria e pai agricultor. O meu nome foi escolhido por meu
padrinho que se chamava Betinho.Ele sugeriu a minha me, que colocasse o nome Snia,
por ach-lo bonito. E o segundo nome Maria, vem de mar da flor chamado margarida,
porque minha me gosta dessa flor. Fui recebida por minha famlia com muito amor e
carinho. (Snia)
Minha me conheceu o meu pai numa festa de 15 anos da prima dele. No primeiro momento,
ela no estava interessada nele, mas depois de alguns encontros comearam a namorar e se
casaram.
Nasci no dia 14.04.1978, no Hospital Evanglico localizado no Bairro da Tijuca, na capital do
Rio de Janeiro. O parto cesariano foi realizado s 7 horas da manh. Tinha cabelos pretos,
sobrancelhas bem grossas e pernas bem cabeludas. Meu nome fruto da juno do nome da
141
Ana Ivone tem 24 anos. Fez o Cientfico, concluindo em 1996. Atua como professora de Educao
Infantil h 5 anos em escola particular de Salvador.
183
minha av paterna, Ivonne, e da minha bisav paterna, Ana Catarina; resultado: Ana Ivone.
Segundo a minha me, sempre fui muito dengosa e s gostava de dormir no seu colo,
enquanto cantava para mim; ao fim da cano, comeava o choro! Ela relata que com sete
dias de vida eu virei de bruos, sozinha, o que a fez levar um susto.
Com um ms e meio fui morar na Amaznia: s tomava banho frio devido ao calor muito
forte; tirei fotos com araras, macacos e quatis. Meus pais faziam passeios pelos igaraps isso tudo dentro da floresta amaznica. Aos dois anos fui morar em Santos SP, onde entrei
no meu primeiro colgio, que se chamava Carminho.
Aos quatro anos vim morar em Salvador, devido a mais uma transferncia do meu pai. Morei
no bairro da Pituba e estude no um, dois, 3 localizado no Caminho das rvores. Era muito
tmida, mas gostava muito de danar e participava de todas as festas da escola.
Com seis anos fui para Belm; ficamos s oito meses (...). Depois, fui morar no Rio, onde
estudei no colgio Gotinhas do saber, onde realizei o curso de alfabetizao e fiquei muito
triste por ter sido necessrio sair da escola por conta de uma nova mudana. (Ana Ivone)
142
Naurelita Maia de Melo tem 29 anos. Fez o curso de magistrio, concluindo em 1993. Atua como
professora de Educao de Pessoas Jovens e Adultas h 3 anos, em Escola Comunitria de
Salvador.
184
Eu, Naurelita Maia de Melo, nasci em 28 de abril de 1972. Era outono. A sociedade brasileira
sofria as coseqncias da Ditadura e tantava se erguer mais uma vez, buscando
reestabelecer a ordem depois do grande caos.
Meus pais tinham 22 anos de idade. Pessoas simples, cheias de sonhos, no percebiam os
problemas poltico-sociais que desfilavam em sua janela.
Minha me, Laura Maia de Melo, veio de So Felipe para Salvador, num caminho,
acompanhada dos irmos e dos pais Justo Almeida Silva e Escolstica Maia Silva, porm
todos a chamam de Dara. Tinha perdido o irmo mais velho que, acometido de tuberculose
e vtima da falta de recursos em sua cidade, encontrou na morte, o seu regresso Ptria
Maior. Meu av, Justo no nome e no carter, desgostoso, veio para Salvador, trazendo toda a
famlia. Aqui, reconstruiram o lar em Pernambus, numa cassa de taipa. L, deixaram
fazenda, gado, plantao, casa de farinha, flores, rios, inocncia, alegria, amigos, parentes e
saudades. Primeiros moradores de Pernabus, viram nascer as dificuldades superadas, a
casa de blocos, a horta, a carne do sol vendida na praa. a roupa lavada no rio, o primeiro
chafariz, as primeiras famlias, a primeira rua asfaltada, a Parquia de So Jos Operrio, a
primeira televiso, o primeiro aougue, a primeira padaria, o exrcito, o colgio interno e o
convento. A construo da primeira escola - Escola Madre Helena, Irmos Keenedy- erguida
pela comunidade e pelas freiras italianas, na qual minha me foi professora e eu aluna,
tempos depois.
Meu pai, filho de Silvinio de Melo e Benedita Martins de Melo, um forte guerreiro tanto no
nome quanto na personalidade: Napoleo Martins de Melo. Conheceu a dor da separao
dos pais e, por conseguinte, dos irmos. Viu de perto, o trabalho na infncia, a sada da
escola, o limo vendido na feira, a barbearia, as brincadeiras de menino, a primeira paquera,
a vida nas ruas da cidade e na fazenda. Jovem, teve o priomeiro livro representado vendido e
foi premiado com um trofu de Honra ao Mrito por ser o melhor vendedor de livros.
Foram os livros que o aproximaram de minha me. O jovem Napoleo visitou a jovem Laura,
na inteno de fazer alguma venda e se apaixonou pela cliente. Durante um ano inteiro
visitou a casa de Pernambus, a despeito dos livros, com o desejo de conquistar a moa
mais velha. Deu certo. Os dois casaram-se e eu, a primeira filha de trs mulheres, recebi a
graa de t-los como meus pais e amigos.
Assim eu nasci. Em meio reconstruo do pas, com o Mobral de um lado e as salas de
aula freirianas do outro. Enquanto algumas pessoas sofriam no exlio e pensavam em voltar
ao Brasil, outras desenterravam seus livros e discos do quintal e voltavam escola, que no
era mais a mesma. (Naurelita)
Definir quem somos ou como somos uma tarefa extremamente difcil. At porque dizem os
pensadores, os sbios que, a bem da verdade, somos trs seres em ns mesmos, ou seja,
somos representados por como nos vemos, como os outros nos vem e como, de fato,
somos. Vou buscar espelhar o mais que me seja permitido, sem me trair ou me beneficiar,
mas, por mais que eu busque isentar-me, sabemos que temos uma tendncia natural de
sermos benevolentes conosco mesmo, o que nos leva a autojustificao, em algumas
situaes da vida.
Sou o quinto dos filhos de um casal de agricultores, poca do meu nascimento, sendo a
penltima filha, uma vez que sem a minha me esperar, um ano e meio aps o meu
nascimento, nasceu a minha irm caula, Maria da Glria. Morvamos no municpio de
Antnio Cardoso (BA), na fazenda chamada Maqueira e ramos vizinhos da minha av,
mulher de personalidade muito forte.
Nasci nos idos anos de 1954, numa quarta-feira, s 5 horas da manh, coincidindo o meu
nascimento com a cantada do galo matutino.
O meu pai chamava-se Severino Medeiros dos Santos e a minha me Joana Teles dos
Santos, graas a Deus, ainda vive. Como se poderia supor que eles colocariam o meu nome
de Ourisvalda? Quase todo mundo pensa que o meu nome resultado de juno de parte do
nome do pai e parte do nome da me, quando a histria sobre ele bastante diferente. A
verdade que o meu nome foi escolhido por meu pai que ao me ver, pequenininha, recm-
143
Ourisvalda Teles dos Santos Gomes tem 48 anos, fez curso Cientfico, concluindo em 1973, e
trabalha h 22 anos no Banco do Brasil.
186
nascida, disse que eu seria uma menina de ouro, que teria um futuro brilhante e que o meu
nome seria ento... Ourisvalda.
A diferena de idade entre mim e os meus irmos muito grande, excetuando-se apenas a
minha irm caula que no caso de apenas um ano e meio. Mas acontece que ns somos
muito diferentes, sempre fomos e, apesar de nos darmos bem, no existe, entre ns uma
comunho total. Isso favoreceu em muito para o fato de eu ter, desde muito cedo, uma viso
adulta das coisas, ter me envolvido com a complexa situao familiar que me envolvia.
As primeiras impresses que eu comecei a absorver, desde muito cedo, que o meu pai e
minha me no viviam bem. Ele, muito mulherengo, s vezes gastava toda a economia da
famlia com mulher da rua, como se chamava antigamente. Ela, muito trabalhadora, assim
que chegou Cruz das Almas, foi trabalhar em um dos armazns de fumo da cidade,
levando, de vez em quando, trouxa de fumo para ser beneficiada em casa, quando, s vezes,
a ajudvamos.
Por falar em meu pai, lembro-me de ter ouvido freqentemente falar que boa parte do valor
da venda da fazenda, esvaiu-se nesse tipo de fraqueza que o meu pai tinha, restando-nos,
apenas, a casa que ele adquiriu na cidade. Com isso em mente, sempre tinha o sonho de
poder crescer e ajudar a minha famlia, amparando o meu pai, pois minha me prometia
sempre que ao crescermos ela o abandonaria. E, apesar de ele no representar o lado
correto da histria, eu me sentia atrada a fazer realizar o que eu sonhava.
Entre mim e a minha irm caula, existia um certo tipo de rivalidade consentida. O que isso
quer dizer, exatamente? que ela achou que o meu pai me protegia mais do que a ela.
Tambm ele era muito rigoroso com relao a sairmos sozinhas e como s vezes ele
condicionava a sada dela ao fato de eu estar junto e como eu no gostava de sair, acabava
que ela ficava em casa e me culpava por isso. S que ela, de vez em quando transgredia e
eu no e algumas das ocasies tal comportamento representava uma surra, enquanto eu
dificilmente apanhava,ela ficava fula da vida comigo por isso. (Ourisvalda)
Sou fruto de uma gestao inesperada, porm desejada. Sou a sexta (6) filha depois de
minha me ter dado a luz a cinco (5) meninos. Quando falo inesperada porque eles j
144
Rosana Benevides Abreu Santos tem 30 anos. Concluiu o cientfico em 1993. No momento do
curso no estava trabalhando e j exerceu atividades docentes em sries iniciais.
187
haviam desistido de mais tentativas de ter uma menina. Depois de tantos homens eles eram
loucos para ter uma mulher.
Quando minha me engravidou j tinha trinta e cinco (35) anos e meu irmo mais novo tinha
nove (9) anos. Os dois (meus pais) trabalhavam e era difcil conciliar a ateno aos filhos
com o trabalho. A gravidez foi uma surpresa mas, junto veio a esperana de vir uma menina.
Nasci de parto normal, aproximadamente s 12:00 do dia dezessete de dezembro de um mil
novecentos e setenta e dois (17-12-72) no Hospital Municipal de Mundo Novo, cidade em
que eu morei durante dezessete anos. Cheguei ao mundo rodeada de carinhos, expectativa,
mimos e acima de tudo muito Amor. Meu pai acompanhou minha me no parto mas ao saber
que tinha nascido uma menina ficou to empolgado e feliz que nos abandonou (eu e minha
me) no hospital e passou trs (3) dias comemorando. Fui paparicada tambm por minhas
tias e por meus irmos, que j eram adolescentes e adultos, e j tinham condio de ajudar
minha me.
Sou uma pessoa que gosto de viver, acho a vida bonita porm, existem momentos que d
um pouco de desespero. Adoro conhecer pessoas novas, mas esse processo depende muito
da atitude do outro pois, sou muito introvertida. Mas quando se concretiza procuro dar o
mximo de mim. Considero-me uma pessoa amiga, sincera, otimista, prestativa, aventureira,
adoro estar em contato com a natureza, etc... Esses so os pontos positivos que enxergo em
mim. muito difcil assumir os negativos, mas vou tentar: sou uma pessoa crtica, ansiosa,
impaciente, insegura (essa insegurana tem afetado meu crescimento profissional) e sou
muito tmida. A timidez e a insegurana tm me incomodado muito pois, cheguei num ponto
de minha vida que vejo meus sonhos, meus objetivos deixando de ser concretizados fazendo
com que ocorra um desestmulo e falta perspectiva do futuro. Tenho lutado muito contra isso
mas, ainda no consegui. Fico me questionando para entender por que isso veio se
manifestar em minha personalidade mas no consigo definir. Tambm fico analisando se
estou fazendo o curso certo (pedagogia), porque a timidez tem me deixado em situaes
muito desconcertantes. Fico nervosa j quando um professor fala em seminrio. Quando
estou sendo observada (avaliada) por muita gente, chega o nervosismo, o bloqueio (d um
branco) por mais que eu tenha estudado e pesquisado no deixa de acontecer. A vem a
insegurana e a falta de confiana no meu potencial e por mais que eu oua falar que eu no
tenho que pensar tanto no julgamento que os outros fazem de mim e que meus colegas no
sabem tanto mais que eu, isso ainda um ponto de minha personalidade que no consegui
resolver. (Rosana Benevides)
Simone Carine Reis Guerreiro tem 25 anos. Fez o curso de magistrio, concluindo em 1996, no
trabalha e no tem experincia docente, exceto as relativas ao estgio do curso de magistrio.
189
ltima filha. Contudo, apesar de terem colocado esse nome na menina, todos os seus
familiares, inclusive o prprio Messias, chamam a garota de Carine, o seu segundo nome.
Simone uma pessoa tmida, passiva, simples, calma. No faz amizades com facilidade por
causa do seu jeito introvertido e desconfiado; para Simone considerar uma pessoa como
amiga verdadeira leva tempo, porm quando isto acontece, pode crer que esta pessoa
ganhou uma amiga bastante confivel. A desconfiana de Simone perante os outros
indivduos deve-se ao fato de ela ser muito insegura e medrosa, tendo medo de decepcionarse e magoar-se com algum, pois super sensvel e emotiva. O romantismo tambm uma
de suas caractersticas, o que faz de Simone uma pessoa sonhadora, carinhosa, dengosa e
educada. A responsabilidade e a organizao so marcantes, ela detesta ver as coisas fora
do seu devido lugar, bem como deixar de cumprir com uma obrigao ou cumpri-la s
pressas; tudo tem que ser realizado com calma e/ou com uma programao, j que ela
muito ansiosa e indecisa, o que a torna dependente e conformista. Simone orgulhosa por
demais, e vem lutando para modificar isto, todavia, compreensiva, tolerante e respeitosa;
sabe aceitar, respeitar e compreender a opinio dos outros e quer que faam o mesmo com
ela. Alm disto, Simone honesta, justa e piedosa. (Simone Carine)
6.2
Recordaes-referncias
experincias
formadoras:
um
Embalada na rede, o sono chegava mansamente. Lucinha, (apelido de Marluce), minha irm
imediatamente mais velha, j no mais me derrubava propositalmente, tomada pelo cime de
meus pais. Agora, ela me defendia, como uma leoa, do ataque de outras crianas. Eu era
uma menina bem comportada, obediente e jamais entrei em luta corporal com outra criana.
Por isso, as vezes precisava ser salva, ou vingada, das mordidas de uma priminha da minha
idade. Isso Lucinha sempre fazia.
Morvamos prximo a um pequeno aude (o Tanque da Olaria) era muito bom acompanhar,
nas madrugadas frias, meu pai nas pescarias: ele jogava o anzol e deixava l durante toda a
noite, pela manh, a boia sinalizava o peixe fisgado. As vezes pescvamos tambm no rio
Pojuca, que passava perto da nossa casa.
Minha me tinha uma santa pacincia conosco. Enquanto meu pai passava o dia no trabalho,
ela esperava, cuidando da pequena roa, da casa e dos filhos, o retorno do marido, que
vinha sempre com doces, queijadas, pes de cco, para os filhos e carinhos e afagos para
ela. Ele assobiava antes de chegar em casa e, nossa me corria conosco para encontr-lo.
Foi sempre assim enquanto estivemos juntos.
Enquanto os mais velhos ajudavam nossa me, eu, Lucinha (Marluce) e Dinha (Dalva), que
ainda no trabalhvamos em nada, inventvamos dezenas de brincadeiras. claro, que com
apenas dois aninhos, eu tinha pouca representatividade nessas brincadeiras. Mas,
participava de todas ou quase todas. Quase sempre de p no cho e apenas de calcinha,
ns, lambusadas de suor e terra, ramos, por vezes, comadres com nomes falsos, que iam
juntas as compras, cozinhavam juntas e falavam de suas famlias. O mandacaru era a carne,
as vagens de fedegoso era o feijo (as vezes era a semente do tomate); vivamos num
mundo de fantasia.
Nas datas de aniversrios, s vezes, nossos pais nos davam o privilgio de transformar as
nossas pseudo comidas em pratos reais. Assim, nesses momentos, nas nossas panelas,
tinham carne de verdade e nossas bebidas eram refrigerantes.
192
193
Com seis ou sete anos de idade, no me lembro bem, fui alfabetizada. Na verdade, hoje
analiso que este processo no aconteceu num ano especfico. Na minha casa, apesar de
meus pais pouco terem estudado, sempre houve uma preocupao com o estudo dos filhos.
Assim, desde muito cedo tnhamos contato com letras, com nomes escritos. Meus irmos
mais velhos foram alfabetizados em casa, por minha me. Eu e meus irmos mais novos
fomos alfabetizados por nossas irms que j cursavam o, hoje extinto, ginsio.
Minha irm, Zu (Maria Jos) tinha uma escolinha que funcionava em casa. Atendia
basicamente aos filhos de vizinhos e irmos mais novos.
A metodologia usada era a repetio: o alfabeto era escrito em uma folha de caderno com
espaos entre uma linha de letras e outra para o aluno copiar abaixo a letra escrita acima.
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Repetia-se esse exerccio exausto. O mesmo era feito com palavras e nmeros. Era
muito comum repetirmos a escrita do nosso nome completo at decorarmos sua forma e
desenharmos ele no papel, concretizando um dos objetivos da alfabetizao naquele
momento, que era assinar qualquer documento.
Quanto leitura, no havia muita diferena na metodologia aplicada: lia-se inicialmente as
letras do alfabeto (ordenadas num livrinho que recebia o nome de alfabeto), maisculas e
minsculas, vogais e consoantes, corrido, ou seja na ordem crescente (de a a z) e
salteado (cobria-se o alfabeto deixando vista apenas uma letra de cada vez).
obvio que foram muitas as dificuldades que encontrei para aprender ler e escrever, mas
vencido o primeiro momento - aquele em que aprendi a decodificar todas as letras e,
juntando uma as outras, aprendi a decodificar palavras - devorava tudo que era texto
escrito, dos livros da escola a rtulos de produtos. Era um mundo novo que se abria a minha
frente e eu tinha muita sede de aprender.
J sabia ler, escrever e contar quando fui pela primeira vez escola. Embora minha
capacidade de ler de forma crtica o mundo a minha volta fosse totalmente limitada, eu era
considerada uma aluna alfabetizada. (Lcia Maria)
Este perodo pode afirmar que foi o melhor da minha vida. O ambiente natural da zona rural
proporcionou-me uma vida saudvel e de muitas brincadeiras. Morvamos em uma casa
bonita, espaosa, com um grande quintal, onde meu pai plantava vrios tipos de frutas e
verduras. Essa era a lembrana mais gostosa: correr pelo quintal entre as laranjeiras
carregadas de laranjas maduras, escolhendo a melhor laranja, o melhor mamo, bebendo
muita gua de coco etc. Eu gostava de subir nas rvores, principalmente nas mangueiras e
196
cajueiros. E o leite tirado fresquinho? Ah, que saudade! Nesse tempo, no tnhamos energia
eltrica, ento, a noite costumava brincar com meus primos (as) de cantigas de roda. Outro
momento que acontecia tambm noite, que me emociona at hoje era quando amos para
a casa de tia Honorina que, mesmo sendo deficiente visual no a impedia de contar-nos
lindas histrias clssicas: A gata Borralheira, A Cinderela, O Chapeuzinho vermelho etc.
Havia noites em que o tio Hlio entre uma histria e outra tocava violo. Era maravilhoso! E
quando a tia Hilda chegava de frias do Rio de Janeiro, com bastante presentes: roupas,
brinquedos, cruzadinhas e revistas em quadrinhos? No tnhamos televiso nem brinquedos
eletrnicos, porm, estas coisas no faziam falta. Em compensao havia o cu estrelado
para contemplar; as histrias para ouvir; as cantigas de roda para brincar; os primos e primas
para conversar; as revistinhas para ler; o estudo para se dedicar; e tantas outras coisas...
(Snia)
nesse ambiente que Snia alfabetizada por sua me, a qual utilizava a
Cartilha do ABC e o mtodo de decorar, com a inteno de preparar a filha para
ingressar na escola pblica. O uso da nica cartilha como material pedaggico para
a preparao inicial, antes da escolarizao, era o instrumento disponibilizado e que
marcou aprendizagens formativas no desenvolvimento de Snia. Os limites e as
punies, atravs dos puxes de orelha, da tomada das lies, instituram-se como
dispositivos e rituais pedaggicos no contexto familiar, como forma de garantia do
treino, representando a aprendizagem e, conseqentemente, a passagem para
outras letras ou a ritualizao e premiao com cadernos finos, no mais costurados
e constitudos de papel de embrulho. Ao descrever sobre sua alfabetizao, diz
Snia:
Aos seis anos, j estudava em casa com minha me, pois naquela poca s podia entrar na
escola pblica a partir de sete anos. Praticamente minha primeira professora foi minha me,
com ela aprendi a ler e a escrever. Estudava na Cartilha do ABC, livrinho pequeno, com o
qual aprendamos o alfabeto de vrias formas: as vogais, as consoantes, slabas e palavras
pequenas, ainda nesta, aprendamos os nmeros at 100 e algumas continhas de somar e
subtrair.Alm disso, este livrinho era de todos os irmos.
O mtodo era de decorar, tomei muito puxo de orelha de meu pai ao tentar ler as letras do
alfabeto, porque eu s conseguia dizer at a letra D. Eram tomadas as lies todos os dias.
Aprendia-se o alfabeto de forma decorada, corrida e soletrada. Usava-se um pedao de
papel com um buraco cortado de forma irregular, para colocar em uma letra de cada vez e
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lia-se a letra de maneira rpida e sem gaguejar.A partir da, passava-se para outra letra ou
outra lio, at aprender o alfabeto todo. A escrita era acompanhada com leitura, tnhamos
um caderno, geralmente feito com papel de embrulho, (usado para enrolar po nas vendas
do lugarejo) dobrado ao meio e costurado, e/ou papel pautado e um caderninho fino para
quando j estivesse mais treinada.
S para registrar: minha me s tinha o quinto ano completo, mas valia pela quinta ou sexta
srie de hoje, alm disso, at hoje ela culta e inteligente. tima na matemtica e com uma
caligrafia muito bonita.
Nesse perodo, lembro-me quando meu pai ensinava a meu irmo a fazer conta de adio
com reserva e na parte que dizia: sobe um, ele no conseguia entender esse processo,
ento, era chamado de burro e recebia alguns cascudos na cabea, desse modo,
amedrontava todos meus irmos. (Snia)
198
com muita saudade. Minha casa era a ltima de uma vila, cujo nome no me lembro, do
Bairro de Pernambus. frente, morava Rosemeire, minha companheira nas brincadeiras de
bonecas de papel; no fundo um delicioso quintal; do lado esquerdo, uma construo
abandonada, onde eu brincava de esconde-esconde, cabra-cega e fura-p, com a
vizinhana; do lado direito, ficava um barranco bem alto, onde a me de Rosemeire dizia ser
a morada do lobisomem. Minha me tentava tirar aquelas idias de lobisomem da minha
cabea, mas confesso que tinha um medo terrvel e, principalmente noite, nem queria
chegar perto do barranco. Dessa antiga morada, gostava mais da frente da casa e da
enorme cozinha, onde minha me dava aulas para as crianas do bairro e eu, claro,
participava. Da cozinha lembro da placa de leite que ela, muito engenhosa, transformou em
pia, com ralo e torneira. Tambm gostava muito do quintal! O algodo que usvamos para
brincar, tirar o esmalte das unhas, minhas e das bonecas, era colhido al, bem no fundo da
casa. Mas no brincava muito por l, pois tinha muitas rs e tanto eu, quanto mainha
tnhamos pavor de r e de cobra. Certa vez, apareceu uma cobra bem pequena, na porta da
cozinha e ns duas gritamos tanto que todos os vizinhos vieram socorrer! Foi aquela
algazarra! Aps um vizinho ter dado fim naquela cobra, continuamos tremendo.
Desta vila, ficaram as doces recordaes das freiras que brincavam de roda com as crianas,
na praa, uma vez por semana, da ladeira terrvel que eu subia para ir banca da professora
Nadir; do Stio do Pica-pau Amarelo que assistia na casa da minha tia Elza, bem de vez em
quando. Embora eu no tivesse televiso, no gostava muito de ir visitar a minha tia, pois
aquela casa bonita, com mveis caros e TV colorida era tambm muito escura, com pessoas
muito srias.
Foi nesta vila que aprendi a ler e escrever, gostar de histrias e conviver bem com os
vizinhos.
Como mencionei, no tnhamos televiso. Meu pai era representante de livros! Isso fez com
que meus pais e eu crissemos o hbito de ler juntos, que durou at dois anos atrs. Meu pai
contava histrias e explicava coisas da cincia, das descobertas e das religies. Mainha
ensiava a ler jornais, revistas e livros didticos que ela conseguia numa escola pblica. E
assim, nossos maiores bens eram os livros!
De minha infncia, ficam saudosamente marcados, o cheiro do mar, dos brinquedos e dos
livros novos, as casas onde morei, os vizinhos, meus primos, meus pais e minhas irms e
nossas dificuldades e divertimentos. Da casa de meus avs, ficam as festas de Natal com
uma rvore imensa enfeitada com algodo, bolas, papai noel, caixinhas de presente, piscapisca e, ao p da rvore, muitos presentes! Os almoos da Sexta-Feira Santa, do domingo
de Pscoa, do dia das mes, dia dos pais, dia das crianas e as festas de aniversrio
surpresas.
No seria possvel descrever todos os acontecimentos no tempo de criana, mas fica aqui
muita saudade do meu querido e muito amado av Justo, que no est mais entre ns.
Registro nestas frgeis linhas, a saudade imensa que aperta meu corao e ao mesmo
tempo me traz muitas alegrias, ao lembrar da sua bondade, do seu esprito jovial, alegre e
199
Minha primeira professora foi minha me. Foi ela quem me ensinou a ler e escrever, com o
uso de jornais, revistas e livros de histria. Tinha tambm uma Cartilha azul e uma cor de
rosa. Paralelo s aulas que tinha em casa, aos cincos anos de idade, passei a freqentar a
banca da professora Nadir, uma senhora muito sria, que dava bolo de palmatria, mas que
felizmente gostava de mim. Assim passei a dominar o mundo das letras com o ensino
totalmente tradicional da professora Nadir e as aulas tradicionais e ao mesmo tempo
inovadoras da minha me. Minha me foi a minha verdadeira alfabetizadora, to eficiente
que aos seis anos j sabia ler e escrever quase tudo. Fui ento, matriculada na Escolinha Tio
Patinhas, eu e meu primo Gugu. Lembro da lancheira de porquinho, da sacola, da mariachiquinha de gatinho, da fardinha de tergal e do delicioso cheiro que essas coisas tinham.
Gostoso mesmo eram as festinhas, especialmente a de So Joo, quando nos vestimos de
caipira e eu ganhei de presente da minha tia Maria, um tamanco preto muito chique. Fiquei
nesta escola durante um ano, aprendendo o que j sabia: juntar letras, soletrar e copiar.
Quando completei sete anos, fui matriculada na Escola Madre Helena, na 1 srie, a contra
gosto nosso, pois a 1 srie da escola pblica para alfabetizar e eu j era alfabetizada. Se
fossemos analisar pela lgica das escolas de hoje, pelo nosso desejo daquela poca, eu
seria matriculada na 2 srie. Mas no foi assim. S a para a 2 srie quem tivesse oito anos
completos. E eu fiquei na 1 srie. (Naurelita)
200
146
A discusso apresentada pela referida autora integra o texto A formao como procura de uma
arte de viver em ligao e partilha, (2002, pp. 65/81), quando apresenta as quatro buscas como
sntese das anlises e interpretaes realizadas sobre um conjunto significativo de narrativas.
201
no
sujeito
como
referencial
das
experincias
aprendizagens,
Minha criana assim: feliz, curiosa, observadora, criativa, muito intuitiva, percebendo as
coisas no ar, suscetvel as energias do meio, desconfiada e um pouco confusa.
203
Minha infncia nessa vida foi pobre, humilde (como sou at hoje). Morava numa casa de
taipa, feita pelo meu pai e alguns vizinhos na Sussuarana Velha, que algum tempo depois
deu lugar a outra de construo. Acompanhei parte das lutas dos moradores do meu bairro
para legitimar o espao territorial conquistado, haja vista que o bairro de Sussuarana
constituiu-se a partir de uma invaso muito perseguida pelas autoridades, e conseguir o
mnimo de dignidade, lutando pela gua encanada (minha me carregou muita gua nas
costas, do chafariz at em casa. As vezes a gua vinha em barris no lombo de animais. Eu
ainda tenho essas imagens bem ntidas em colorido na minha memria) energia eltrica, (vi
carretas enormes carregando e guindastes fincando os postes de energia), escolas, etc.
Acompanhei, tambm, todo o processo de destruio da mata nativa (to extensa que esto
destruindo at hoje, sob os meus protestos) que veio a dar lugar ao grande contingente
populacional.
Logo nos primeiros anos da minha infncia havia muito espao entre as casas (espao que
foi diminuindo a cada ano e hoje inexistente) com quintais abertos, sem cercas, onde se
podia transitar e havia passagens de uma casa para outra que dava acesso a casa dos
vizinhos, onde as crianas eram sempre muito bem aceitas. Mas eu no era dado muito a
sair de casa, ou pelo menos das proximidades. Aquele espao em torno poderia ser
compreendido como minha casa. (Mrcio Nery)
Fui para a escola com trs anos de idade, em abril de 1982. Estudei, como a maioria das
crianas da poca, na Escolinha Nossa Senhora do Rosrio, escola prxima a minha casa
fundada por Maria do Rosrio, professora e diretora da Escola, preocupada com a educao
das crianas do bairro. Ela amiga minha e da minha famlia at os dias de hoje e eu tive o
imenso prazer de entrevist-la durante as investigaes da memria histrica dos bairros de
Sussuarana, publicada no caderno SEMENTES. A recuperao da histria dos bairros de
Sussuarana a recuperao, em parte, da minha prpria histria.
204
205
206
O pouco que me lembro da minha infncia a partir da cidade de Cruz das Almas. Na
verdade tenho raras lembranas... Ficava muito sozinha e absorvi muito cedo o mundo adulto
e as suas perplexidades. Buscava a solido por opo e me refugiava nos sonhos, nas
iluses, em busca de uma perspectiva diferente da que era por mim vivenciada.
Durante esse tempo, possu algumas bonecas, que nunca tinham cabelos, pois essas eram
mais caras. Eram bonecas carecas, com o formato do cabelo sempre desenhado, mas que
eram muito bonitas. Gostava delas e as protegia o mais que eu podia.
Fui para a escola, aos sete anos, j praticamente alfabetizada pela minha irm mais velha. A
professora Jane complementou e me deu os fundamentos da primeira srie de ensino. No
incio dos estudos tive dificuldade por ser canhota, pois a professora e at os meus pais
queriam mudar isso. Isso me leva a pensar como comportamentos que representam
excees so pouco compreendidos pelas outras pessoas.
O processo de aquisio da lecto-escrita ocorreu da maneira menos traumtica possvel, o
que me leva a uma boa recordao dessa minha professora, a quem devo o embasamento
dessa fase de ensino. Naquela poca, no pude fugir da soletrao, da cartilha, da prtica de
cobrir as letras, dentre outras, todas descontextualizadas. Tampouco pude fugir da sala de
ensino tradicional, com as carteiras enfileiradas e nenhuma ludicidade no processo. Quanta
falta fez! (Ourisvalda)
Uma das piores pocas da minha vida foi no primeiro ano: passei por provaes em minha
sade e iniciaram-se de certa maneira os conflitos familiares meus com minha me, os quais
duram at hoje. Creio que no correspondi desde o princpio s idealizaes feitas por ela de
como seria o filho ideal e ao no suprir essas expectativas, desde sempre fui rejeitada e
desrespeitada por essa pessoa que teve que suportar a carga de problemas que trouxe sua
vida desde o momento em que nasci (ningum deseja um parto complicado eu quis nascer
trs dias antes, mas os mdicos no queriam pois eu tinha somente 6 meses, foi em vo, eu
nasci prematura e alm de tudo muito doente, isso com certeza aborreceu muito minha me).
Apesar de ter sido uma criana com diversos problemas de sade, era inteligente,
comunicativa e esperta, mas retrada, tmida e at hoje no demonstro meus sentimentos por
receio de me ferir, o que j aconteceu quando tentei agir mais com a emoo do que com a
razo, isso me acompanha por toda vida, como explica a psicologia: a nossa vida e os fatos
que ocorrem conosco moldam nosso carter, a personalidade e o jeito de ver as coisas ao
nosso redor.
Outro fato que aconteceu em meu ciclo de vida para que eu de certa forma me tornasse uma
pessoa reservada, foram diversas mudanas de Estado em decorrncia da profisso de meu
pai, apesar de na medida do possvel procurar todos esses anos no perder o contato com
os vrios amigos que fiz nos lugares em que morei: sempre fiz amizades com facilidade, fui
uma criana com muitos amigos, mesmo com os problemas de relacionamento enfrentados
em minha casa, na medida do possvel conseguia deix-los dentro de casa.
Quando tinha quatro anos de idade meu irmo nasceu. Naquela poca achei que seria mais
um amigo que iria ter, no me esqueo tamanha foi a felicidade que senti com seu
nascimento, de como eu queria proteg-lo, brincar com ele, fazer dele meu melhor amigo,
mas com o passar do tempo percebi que a recproca por parte dele no era a mesma,
infelizmente hoje percebo que aquele amigo to desejado, mais uma vez ficou apenas no
plano do desejo, ele mais um membro de minha famlia (dentro de casa) que no
compreende que as pessoas so diferentes, com suas personalidades e devem respeitar
cada ser humano, pois assim o mundo. E mais uma vez fui frustrada na tentativa de obter
um amigo em minha prpria casa.
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Meu pai muito fechado, mas percebo que o nico que ao menos procura me entender e
respeitar meu jeito de ser, nossa relao sempre foi de respeito, carinho e nos damos muito
bem, temos muita coisa em comum.
Quando tinha um ano de idade fomos morar em Natal (RN), l encontrei trs moas que
foram como mes para mim, pois me tratavam como filha, e at hoje me dedicam muito
carinho e amor. Foi uma poca feliz, meus problemas de sade por um tempo me deixaram
devido ao clima quente da cidade.
Com dois anos de idade, mais uma mudana em minha vida, fui morar no Rio de Janeiro e
tudo voltou a ser como antes, somente minha me, meu pai e eu. No Rio de Janeiro fiz vrios
amigos, afinal foi o lugar onde morei mais tempo (por dez anos), mas como o clima da cidade
instvel minha sade voltou a ficar delicada. Nesta poca comecei a sentir falta de um
contato maior com meus parentes que moram em outros estados e os vejo somente no
mnimo de dois em dois anos.
Quando tinha trs anos de idade, um acontecimento que me marcou foi a morte de minha
bisav, de cncer, ela morreu no dia em que teria alta mdica do hospital. Lembro-me que
assim que ela ficou internada minha me e eu fomos para Braslia e sempre que minha me
ia visit-la eu ficava contente porque ficaria longe dela, at hoje minhas tias comentam esse
fato e dizem que eu expressava isso verbalmente.
Com o nascimento do meu irmo, sendo eu uma criana de quatro anos de idade na ocasio,
tivemos que nos mudar para uma casa maior, gostei muito pois teria meu prprio quarto e
conheceria pessoas novas.
Na casa nova, me sentia feliz e realmente na rua onde morava havia muitas crianas da
minha idade, os amigos que conquistei at hoje fazem parte de minha vida e sempre que
posso mantenho contato. Quando criana gostava muito das brincadeiras de rua, com muitas
crianas, me diverti muito brincando de pega-pega, pular corda, amarelinha, salada mista,
queimada, pega-bandeira, pique-esconde, rica ou pobre, mas o que mais gostava era de
reunir-me com meus amigos para conversarmos e as festas de aniversrio. Principalmente
as festas de aniversrio da Rita (uma vizinha que tive que adora Maria Betnia), eram de
arromba do tipo que toda criana sonha com tudo o que tem direito como conto de fadas.
Outra coisa que gostava muito era de pegar doce na poca de So Cosme e So Damio e
Dia das crianas, lembro que quando voltava do colgio nesses dias, mais ou menos ao
meio-dia, mal tomava banho, trocava de roupa, almoava e j ia para a rua correr atrs de
doces e s voltava para casa tarde da noite, trazia tantos doces nas sacolas, enchia tantas
vasilhas que os doces duravam at janeiro do prximo ano (isso tudo, apesar de eu adorar
doces, sou louca por eles, sorte que nunca tive tendncia para engordar).
De dois em dois anos ia para a fazenda de minha av em Minas Gerais, no gostava muito,
s era bom porque revia meus tios, primos e av paterna. A situao ficou pior quando tinha
oito anos de idade e no dia vinte e quatro de dezembro de 1986 (vspera de natal), tarde,
minha av chamou meu irmo e a mim para irmos ao stio vizinho torrar caf, uma mulher me
queimou com gua fervente (uma chaleira) quando passei embaixo da janela, at hoje tenho
209
a marca, senti uma for tamanha que desmaiei, sofri muitos anos com as seqelas, usei vrias
pomadas, uma malha para amenizar as cicatrizes, sem levar em conta o desconforto que
sofri com meu corpo enfaixado num calor de 45 graus no Rio de Janeiro. A partir desse dia a
data do natal acabou para mim, o que ficou foi somente a lembrana desse dia terrvel e de
muito sofrimento, lembro que na poca no houve ceia de natal na casa de minha av.
Gostava muito quando ia passar as frias em Braslia, as brincadeiras com meus primos,
rever minha terra natal renovada, minhas foras, me sentia completa, ia a clubes, shoppings
e conversava muito com minha prima Fabiana e meu primo Eduardo. (Maiesse)
Minha alfabetizao aconteceu da maneira mais tranqila possvel, pois sempre fui boa
aluna, aconteceram alguns contratempos. Nesta poca minha me teve tuberculose e
tivemos que ir para Braslia e ficamos alguns meses por l, mas quando voltamos para o Rio
no tive dificuldades em acompanhar minha turma. Meu pai me ensinou a ler em casa,
unindo a vontade enorme que eu tinha em aprender e em uma semana eu j estava
alfabetizada, a primeira coisa que eu fiz foi me associar a uma biblioteca perto de minha casa
(sempre o fazia quando chegava a uma cidade nova para morar).
Aos seis anos fui alfabetizada por meu pai, no encontrei dificuldades, pois a professora me
orientava muito na escola, alm de minha grande vontade em aprender a ler e escrever,
aliada ajuda que recebia de meu pai.
Em meu processo de alfabetizao ocorreu algo engraado, no incio por considerar mais
fcil, meu pai usava as chamadas cartilhas de alfabetizao, me recordo de duas: O mundo
de Lenita e outra da qual no me recordo o nome, mas me lembro bem dos desenhos para
colorir que vinham no livro e da capa que era rosa com um palhao. Acredito que achava
mais fcil ver as figuras e dizer seus nomes do que l-los realmente, fiz isso por alguns dias
e meu pai pensando que eu j sabia ler, fez um teste comigo: cobria as figuras e deixava
mostra apenas seus nomes e qual sua surpresa, eu no sabia ler.
A partir desse dia ele abandonou as cartilhas e passou a me ensinar com livros, rapidamente
aprendi a ler e fiquei fascinada por este novo mundo ao meu alcance e at hoje adoro ler,
qualquer material escrito, principalmente livros. (Maiesse)
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Com um ms e meio fui morar na Amaznia: s tomava banho frio devido ao calor muito
forte; tirei fotos com araras, macacos e quatis. Meus pais faziam passeios pelos igaraps isso tudo dentro da floresta amaznica.
Aos dois anos fui morar em Santos SP, onde entrei no meu primeiro colgio, que se
chamava Carminho. (...) Aos quatro anos vim morar em Salvador, devido a mais uma
transferncia do meu pai. Morei no bairro da Pituba e estudei no um, dois, 3 localizado no
Caminho das rvores. Era muito tmida, mas gostava muito de danar e participava de todas
as festas da escola: me vesti de anjo no Natal, ndia, caipira, dentre outras. Ganhei um irmo
em 1982, e at ele nascer, foi difcil compreender porque a minha me precisava ficar to
barriguda, ele no saia logo de l. Foi num desfile escolar que eu me senti envergonhada;
desfilei de mos dadas com uma amiga, e ela perguntou ao ver a minha me me chamando
para bater uma foto: aquela barriguda a sua me? Por que ela tem a barriga to grande?
Respondi que ela no era a minha me e fiz de conta que no estava lhe vendo. Mas ela me
chamava insistentemente: Aninha, olha pra c!, e no foi possvel disfarar muito. At hoje
essa histria motivo de riso na famlia.
Quanto ao meu irmo, sinto que enquanto moramos juntos, exerci forte influncia sobre a
sua formao, e mantnhamos uma relao muito estreita at o inicio da sua adolescncia quando as nossas diferenas foram se acentuando. Sempre achei que meus pais
costumavam ser conivente e at meio displicentes com seus atos, e eu gostaria de ter
interferido bem mais, por am-lo tanto.
Com seis anos fui para Belm; ficamos s oito meses, mas experimentei muitos pratos tpico
do lugar: pupunha que minha me me dava com mel no caf da manha, suco de aa,
cupuau, manioba, mas no gostava de pato no tucupi, pois achava muito azedo. O
condomnio em que morvamos era belssimo e todo arborizado, com muitos ps de manga,
aa e pupunha. Tnhamos total liberdade para brincar, andar de bicicleta e fazer passeios
noite com as colegas; era muito tranqilo e seguro. Depois, fui morar no Rio, onde estudei no
colgio Gotinhas do saber, onde realizei o curso de alfabetizao e fiquei muito triste por ter
sido necessrio sair da escola por conta de uma nova mudana. (Ana Ivone)
O meu curso de alfabetizao foi feito na Escola Gotinhas do Saber. O mtodo utilizado foi o
da silabao, que eu treinava com muita perseverana ao tentar decifrar os letreiros dos
nibus. Eu achava muito divertido esse mundo da descoberta; essa nova capacidade
significava para mim ter um poder especial. A nica coisa que me incomodava era a
lentido com a qual eu lia as palavras; s vezes o nibus passava e eu me sentia angustiada
por no ter conseguido decifrar a palavra at o final. Havia para mim uma condio
necessria (ou processo) a ser seguido, que ao mesmo tempo, me levava descoberta, mas
me impedia de faz-la de forma rpida. Eu precisava dizer: b com o faz bo, t com a
faz ta, f com o faz fo e g com o faz go, para dizer satisfeita: Botafogo! isso
quando no esquecia as slabas anteriores e precisava repetir o processo! Mas deu certo; eu
apreciava as letras principalmente as minsculas, coladas na parede da sala. A professora
dizia que as letras davam as mozinhas, formando uma slaba. Grande parte do que me foi
ensinado eu aplico em sala de aula, porm, acrescentando, dentre outras coisas, a
contextualizao.
O marco da internalizao dos papis sociais se deu neste momento da minha vida: certo
dia, a minha me precisou sair e deixou o meu pai assumindo as suas funes dentro de
casa; inclusive a de preparar para ir escola (e isso dificilmente acontecia). Percebi que ele
estava meio perdido e no sabia aonde encontrar o que precisava. Note que havia algo de
diferente em relao rotina que estava habituada a ter com a minha me, mas no entendia
a razo. Ficou gravada na minha memria, a cena do meu pai tentando me pentear com todo
cuidado, mas sem nenhuma habilidade; eu me olhava no espelho, me achava feia e no
entrava na minha cabea como ele estava conseguindo fazer um penteado to horroroso.
Resultado: assumi a posse da escova de cabelo e fiz o que pude para melhorar o visual. A
partir da, me convenci de que ele no levava jeito para a coisa, mas o motivo, eu no
compreendia, afinal de contas, na minha concepo, a funo de ambos era tomar conta de
mim. S com o passar do tempo, a causalidade desse fato me foi apreendida: percebi que o
meu pai ficava pouco tempo em casa e a minha me que passava o dia todo comigo,
considerando raras excees. (Ana Ivone)
212
Para maiores esclarecimentos sobre essa questo consultar os trabalho de Demartini e Antunes
(1993) e Almeida (1998).
213
O fato de ser homem em meio a uma comunidade 99% feminina no me incomodava muito.
A princpio, as pessoas falavam que Magistrio era coisa de mulher, mas eu fazia ouvidos
de mercador. Ainda mais, em vez de professoras, no Magistrio, pela primeira vez em minha
vida, tive professores, o que era um excelente modelo, totalmente oposto daquele que
deturparam. Sempre tive muita determinao e crticas infundadas de forma alguma me
fizeram alterar a minha postura em relao aquilo que acredito, muito pelo contrrio, serviam
(e ainda servem) at de incentivo para que eu prove que EU tenho a razo, e isso sempre
acontece.
Meu pai dizia que professor ganhava pouco (eu gostaria de saber em que ele estava
pensando quando achou que o filho de um proletrio pertencente a escria da populao iria
ganhar mais que um salrio mnimo), no era valorizado, que era desrespeitado pelos alunos
e me olhou atravessado durante os trs anos que passei no Magistrio. O problema do meu
pai que ele sempre deu ouvidos ao que os outros acham, ao contrario de mim que, por
rebelio fao o que manda a minha conscincia desde que a conseqncia das minhas
aes no venham prejudicar pessoas envolvidas. Notei tambm durante certa poca da
minha adolescncia, at por ser primeiro filho, que meu pai, e minha me tambm, pareciam
meio perdidos em lidar com um filho adolescente (o que j no ocorre com os meus dois
irmos agora). Pareciam meio atnitos, despreparados, o que eu poderia achar at natural se
no fosse toda a tenso psicolgica dessa situao que eu tive que arcar e saber administrar
durante um bom tempo.
Minha me me apoiava o tempo todo no Magistrio e acredito que a influncia dela foi
importante para que eu passasse pelo Magistrio sem maiores problemas em casa. Meus
anos no Magistrio foram os melhores da minha vida at ento. At hoje sinto muitas
saudades do ICEIA, tanto dos colegas, porque mesmo com a ELLITH
148
Quando cheguei no ICEIA, fui logo me enturmando com uma galera gente fina e formamos no
Magistrio uma equipe chamada ELLITH, at hoje lembrada por alguns professores como sntese dos
alunos que o ICEIA no possui mais. A equipe era composta por oito pessoas: Leilane Brbara,
Lucilia Cristina, Leide Vernica, Lliam Arajo, Ediluce Maria (vulgo Timbal), Tatiane Coelho, Mrcio
Nery e Weslen Sampaio. Havia, tambm, outros amigos da ELLITH, espalhados por todas as turmas
do Magistrio do vespertino e at dos outros turnos, todos excelentes alunos e empenhados para
lutar pelo direito a uma formao de qualidade.
214
215
H algum tempo atrs, na cidade de Maragojipe, vivia uma menina chamada Simone Carine.
Ela era uma criana muito comportada, cuidadosa, responsvel, educada e tmida. Simone
tinha trs irms: Adriene, Vania e Lvia, sendo ela a caula. Seus pais Maria e Messias eram
respectivamente Professora e Atendente de Farmcia, e trabalhavam dois turnos. Por este
motivo, quem cuidava de Simone e suas irms era a tia Tereza, irm de Maria. Apesar de ter
bab para cuidar das crianas, Tereza fazia questo de tomar conta delas, pois as amava
como se fossem suas filhas.
A infncia de Simone era muito feliz, apesar da falta de dilogo com os pais, os quais
repreendiam Tereza, mas no fundo s pensavam em proteger as filhas, principalmente a
caula. Maria chamava sua filhinha de bonequinha de verdade, tratando-a com muito amor
e carinho. Somente uma nica vez Maria deu uma chinelada em Simone por causa de uma
malcriao: a menina jogou os brinquedos na parede quando sua me reclamou, dizendo
para no brincar na sala. Maria logo se arrependeu, pegando a filha no colo e assoprando o
brao marcado pela chinelada. Esta atitude de arrependimento se deu pelo fato de Simone
ser uma criana doce, que no dava trabalho, fazendo aquilo como forma de protesto, j que
ela sempre brincava ali e a me no a repreendia. (Simone)
O processo de alfabetizao deu-se basicamente atravs do mtodo tradicional, baseandose na exposio verbal da matria e anlise da mesma, que era feita exclusivamente pela
professora. Dava-se nfase repetio de exerccios sistemticos e de conceitos,
memorizao, aprendizagem mecnica. A idia era de que o ensino consistia em repassar
os conhecimentos para os alunos atravs de contedos vistos como completos, acabados.
A alfabetizao era artificial e mecnica, pois se ensinava partindo de letras (ou sons) para
os alunos formarem slabas e s mais tarde formarem palavras, as quais tinham a funo
apenas de fixar letras estudadas. A cartilha, o ditado de palavras, frases e textos, bem como
a cpia eram bastante explorados. Os educandos permaneciam horas e horas repetindo uma
letra ou slaba at chegar memorizao. A professora apressava-se a ensinar a escrita sem
se preocupar se realmente aquilo que os discentes respondiam eram dominado e
216
compreendido por eles, ficando muito satisfeita ao ver seus alunos repetirem uma lista de
palavras. Ler para a professora significava decifrar, confundindo o processo de ler em um
simples reconhecimento de palavras em pginas impressas. Existia uma ntida separao
entre o mecanismo da leitura e o pensamento, reduzindo a leitura a um ato mecnico de
decifrar letras.
As atividades no eram nada dinmicas nem experienciadas; no se exploravam os recursos
do jogo nem das brincadeiras, esquecendo-se das atividades ldicas. Os educandos no
eram motivados pela professora em sua atividade criadora, e muito menos eram incentivados
a investigar e explorar. Sendo assim, no havia participao ativa dos alunos, j que as
atividades no atendiam s suas caractersticas, necessidades e interesses. Tudo era
ensinado para todos ao mesmo tempo, supondo que todos tinham as mesmas dificuldades.
O clima em sala de aula era de carter autocrata, pois as decises fundamentais eram
tomadas ou controladas por quem tinha autoridade, a professora. Diante de suas
determinaes ningum duvidava, discutia ou divergia. A vivncia autoritria era
caracterizada pela ausncia de dilogo; o conhecimento era imposto e a crtica do aluno no
era permitida nem estimulada. A professora detinha todo conhecimento necessrio, por isso
no era dada a palavra ao aluno, que era avaliado positivamente se concordasse com o
sentido nico que era atribudo ao conhecimento e apresentasse comportamentos que no
contestassem esse sentido. Nesta relao, o pensamento e a expresso dialetal eram
totalmente esquecidos, menosprezando um dos requisitos mais importantes para a
aprendizagem: a fala. A funo da docente resumia-se a determinar, dando nfase somente
s capacidades intelectuais, e de uma forma que no desenvolvia as habilidades intelectuais
de: interrogar, procurar respostas, estabelecer relaes, discriminar, reestruturar etc.
O trabalho escolar desenvolvia-se revelia da observncia de normas de conduta, de certas
ordens, no havendo liberdade de expresso de idias e sentimentos nem uso da
imaginao. A professora no se interessava em conhecer o aluno, ouv-lo, aproveitando sua
experincia de vida, partindo de pontos que os alunos j dominassem, nem respeitava a sua
linguagem, pois a escola valorizava a norma padro-culta, a nica que considerava certa.
Enfim, as aulas eram montonas por sua rotina, principalmente pela repetitividade das
tcnicas de ensino, as quais bloqueavam a criatividade, o raciocnio e a naturalidade dos
educandos. (Simone)
mergulho interior possibilita ao sujeito construir sentido para a sua narrativa, atravs
das associaes livres do processo de evocao, com base em aprendizagens
construdas ao longo da vida.
Mobilizando diferentes buscas, a narrativa potencializa a busca de sentido no
ato da escrita, como forma de explicar situaes e percursos vividos. O sentido
genealgico, ontolgico e filosfico, porque orientado pelas significaes
particularizadas de cada trajetria em relao dimenso existencial e s relaes
estabelecidas com o mundo. Desta forma, o sentido atribudo narrativa revela
opes, aprendizagens construdas ao longo da vida e sabedoria de saber-viver num
plano reflexivo, ao explorar as itinerncias e experincias formadoras de cada
sujeito.
149
A idia de dispositivos pedaggicos aqui tomada como similar utilizada por Larrosa (1994),
quando parte do conceito foucaultiano de tecnologia do eu para anlise das prticas pedaggicas,
numa perspectiva terica, a partir das relaes que o sujeito estabelece consigo prprio, visto que A
experincia de si, em suma, pode ser analisada em sua constituio histrica, em sua singularidade e
em sua contingncia, a partir de uma arqueologia das problematizaes e de uma pedagogia das
prticas de si [...] (1994, p. 43). Ainda para ampliar a compreenso desse conceito, cabe consultar
Jorge Ramos do , especificamente no seu texto A governamentabilidade e as tecnologias do eu
segundo Michel Foucault, 2003, pp. 29/50.
220
roa. Enfim, chega escola, sala de aula, e sente-se atordoada com os rituais
iniciticos que ora comea a viver na cultura escolar.
Com muita timidez me preparei para o meu primeiro dia de aula numa escola fora de casa.
Uma sensao esquisita tomava conta de mim: ao mesmo tempo em que sentia medo, sentia
tambm uma espcie de euforia. O novo me assustava e me excitava ao mesmo tempo.
O momento to esperado e temido, finalmente chegou. Vestida com uma cala azul de
tergal, uma blusa branca com o escudo do colgio, sapato preto, tinha os cabelos molhados
e penteados com cuidado. Levava na mo um caderno, um lpis grafite e uma borracha.
Aguardei ansiosa a chegada dos filhos do vizinho mais prximo com os quais eu iria at a
escola. Trs quilmetros e meio separavam minha casa da escola. Passos curtos, em
silncio pareceu um sculo o tempo gasto na caminhada.
E l estava ela, a escola, o Centro Educacional da Casa So Jos, o colgio das freiras, o
maior e melhor de Santa Brbara. Como era da rede privada, s recebia alunos que, como
eu, no podiam pagar a mensalidade mediante pagamento em gneros alimentcios. O aluno
deveria tambm fazer a limpeza das salas de aula depois do expediente. Nunca cheguei a
fazer as tais limpezas, pois minhas irms mais velhas faziam isso por ns.
Fiquei assustada com o nmero de alunos: eram tantos! Me senti perdida naquele mar de
meninos e meninas fardados. O barulho de vozes, tantas vozes, me deixava meio zonza. O
som forte da sineta reuniu todos porta de entrada e em poucos minutos, sob a voz enrgica
de irm Hildete, vrias filas se formaram e o silncio era pleno. Tentei acompanhar o Pai
Nosso e a Ave Maria (embora soubesse as duas oraes, me sentia um tanto desnorteada
com tudo).
Veio a sala de aula. Encolhida num canto respondi a chamada da professora. O meu nome
soava, na sua boca, to estranho. No me lembro se a professora se apresentou para a
turma, mas fiquei sabendo mais tarde que ela se chamava Quinda (nunca soube seu nome
completo). Sempre reservada, nunca conversei pra valer com ela. (Lcia)
da
sua
alfabetizao
no
espao
familiar
para
vivncia
Quando cheguei escola para cursar a primeira srie, j estava alfabetizada. Nesta srie, a
professora chamava-se Dona Jlia uma senhora forte, me de muitos filhos. Professora leiga
que tinha uma carta do estado para ensinar naquele lugarejo, morava na prpria escola, uma
imensa casa, com muitos quartos e uma sala de formato retangular muito grande, na qual
ministrava s aulas, geralmente com uma turma de meninos e meninas de diferentes idades
e sries.
Eu e minha irm mais nova amos para a escola impecveis, vestidas com saia de prega e
blusa banca. Minha me penteava nossos cabelos tipo rabo de cavalo, esticando tanto, que
doa, mas eu gostava porque ficvamos muito bonitas. (Snia)
No final da dcada de 60, incio dos anos 70 e ainda hoje, com menos
freqncia, no nordeste brasileiro, professoras leigas que trabalham com classes
222
A rotina de sala de aula era esta: chamada nominal, correo do Dever de Casa, novo
assunto, exerccios, ditados, contas, tabuada e, de vez em quando, um trabalho em grupo
para casa. Como era difcil a realizao destes trabalhos! Todos os meus colegas moravam
na cidade enquanto eu morava na roa. Voltar tarde para a cidade era quase impossvel.
Por outro lado, a primeira coisa que o grupo fazia era repartir o que se gastaria na compra de
material necessrio para a realizao do trabalho entre os componentes da equipe. Eu nunca
tinha dinheiro. (Lcia)
150
223
As lies eram tomadas na carteira da professora, aluno por aluno, geralmente a aula dividia
em dois tempos: passar deveres no caderno e tomar as lies das cartilhas, s vezes no
dava tempo tomar a lio de todos e assim, ficava para outro dia. Ela sabia se o aluno estava
aprendendo ou no, ento, colocava cruzinhas na mesma pgina para indicar se o aluno
estava atrasado.
Na mesma sala, estudavam os primos, amigos e vizinhos todos se davam muito bem. A farda
era saia azul de pregas e blusa branca, e a dos meninos era cala azul e blusa branca com
nome da Escola Cruzeiro do Sul bordado com letra azul no bolso. A escola ficava na entrada
da fazenda, sendo um ponto de referncia e servia tambm, de local para realizao de
eleies e algumas festas. Era pintada de branco, com rodap vermelho, com muitas janelas
onde tnhamos aulas e podamos apreciar a natureza, o verde das mangueiras e, at ouvir
barulho de queda de um coco ao cho.
Como em todas as escolas, existia a dificuldade de aprendizagens em parte por ser a sala
composta de alunos de vrias sries e vrias idades. Desse modo, a professora no tinha
condies de desenvolver um trabalho didtico melhor, ou talvez o que ela tinha a oferecer
era o melhor sob o ponto de vista dela. Esse perodo foi vlido, no sentido de preservao e
continuao de um modelo de valorizao de bons hbitos da educao domstica de boas
maneiras e de certa forma, havia uma socializao entre os membros daquela comunidade,
tendo a escola como o principal fator.
Posteriormente por motivos polticos a referida escola foi extinta. E agora, em qual escola os
alunos iam estudar? O acesso escola para nossa famlia sempre foi difcil, pelo fato de
morarmos na zona rural. Entretanto, este obstculo, no impediu de a minha me lutar pelos
nossos estudos. Todos meus irmos tiveram dificuldade para conseguir escola para estudar:
alguma de minhas irms passou anos fora do ambiente familiar, morando na cidade na casa
de parentes.
Passado ms volto a estudar na fazenda, com uma professora chamada Edna, uma jovem
recm-formada, que veio da cidade de Conceio do Almeida, nomeada pela prefeitura,
porm, no ficou por muito tempo. Novamente ficamos sem ter escola e professora para
ensinar (a escola funcionava provisoriamente numa igreja). Foi nesse perodo que fiquei um
ano sem estudar. (Snia)
224
gesto da sala de aula e sobre o comportamento dos alunos, o que marca em Snia
uma simpatia pelas pessoas e pela escola, ao dizer que:
No ano seguinte, mudamos para a cidade de Conceio do Almeida Ba, onde cursei a
2srie. A professora chamava-se Neuza e era amiga de minha famlia. No me recordo
muito desse perodo, no me lembro de nada especial, no tenho lembranas de colegas...
Acho que os problemas familiares foram mais gritantes, s lembro-me que voltamos para a
roa.
A 3 srie cursei em outra cidade (Dom Macedo Costa-Ba) mais prxima da fazenda na qual
morvamos. Estava ansiosa para estudar e logo simpatizei com as pessoas da escola.
Lembro-me que inicialmente eu ia cursar a 2 srie, porm a professora achou que eu estava
adiantada na aprendizagem, passou-me para a 3 srie. Todo o dia acordava 5 horas da
manh e andava 6km para chegar na escola. Tenho conscincia que timo perodo de minha
vida foram s sries: 3 e 4, ambas cursadas no mesmo colgio. O clima de amizade, uma
boa formao. Graas a Deus tive continuidade tambm nesta escola, pois geralmente
tnhamos pelos os professores muito respeito e carinho. Os educadores eram responsveis,
cientes do seu papel. Via-se claramente sua boa vontade, preocupao com o
comportamento do aluno. (Snia)
225
Eu j era outra estudante. Mais madura, tinha mais segurana, apesar da timidez atrapalhar
bastante ainda. Tinha construdo algumas amizades dentro e fora da escola. Apareceram os
primeiros paqueras, o desejo era o mais novo sentimento em mim: desejava tanta coisa...E
sonhava de olhos abertos.
Quando sobrava um tempinho entre uma atividade da escola e as vrias atividades
domsticas, adorava ler. Lia um pouco de tudo: romances clssicos de Machado de Assis, de
Jos de Alencar e outros; revistas em quadrinhos, gibis, Jlias, Sabrinas, e o que viesse.
No segundo grau tive que dividir o interesse pela escola com outros interesses que
apareceram. Adorava danar, paquerar, namorar e, de vez em quando viajar para Salvador.
Ficava na casa de minhas irms, que por este tempo moravam nesta cidade.
Meio dispersa em sala de aula, ouvia em alguns momentos reclamaes de professores
voc poderia render mais, o que est acontecendo com voc? J no via a hora de terminar
o colegial. Os vrios anos de sacrifcios para continuar estudando me desgastara. Eram seis
quilmetros dirios de caminhada; estudava sem livros, pois meu pai no tinha dinheiro o
suficiente para compr-los, essas, entre outras dificuldades, estiveram presentes em toda
minha vida escolar. (Lcia)
226
A primeira escola pblica em que estudei foi a Escola Municipal PAX, entre os anos de 1985
a 1988. Foi uma grande transformao na minha vida sair do meu bero, ou seja, do meu
bairro, da minha comunidade, para com apenas sete anos de idade pegar o coletivo da
Sussuarana para a Baixa dos Sapateiros, onde se localizava a escola. A minha me me
levou nos trs primeiros dias, depois me deixou sob a responsabilidade do meu pai, que
trabalhava, e ainda trabalha, perto da escola, e dos filhos dos vizinhos que tambm
estudavam na escola. Tinha um que, apesar da pouca idade (deveria ter seus 11 ou 12 anos
na poca) era muito responsvel e se comprometia em me buscar em casa e me trazer de
volta todos os dias at quando eu me rebelei, me insurgi, uns seis meses depois, e minha
me e eu decidimos que eu iria e voltaria sozinho. A minha insurgncia foi motivada por
constantes brigas e desentendimentos com esses colegas. Picuinhas de crianas. Eu sempre
fui quieto, calado, na minha, como sou at hoje. Uma vez ou outra dado a uma badalao
no bom sentido, uma brincadeira, uma molecagem, etc.,. mas tinha a hora de parar, e na
maioria das vezes a minha hora de parar no era a dos outros, ai...
Houve mais tarde uma reconciliao. A ns j tnhamos chegado a certa uma maturidade
(de criana) para compreender e respeitar os limites do (tanto fsicos quanto psicolgicos) do
outro. Chegou-se a compreenso de que eu fazia falta no grupo e o grupo me fazia falta.
Ento houve uma ressocializao. No entanto houve outra separao com a nossa sada da
227
escola e a ida para escolas diferentes. Eu no era muito dado a brincar na rua nem ir na casa
desses colegas. Houve um certo distanciamento, definitivo at, porque muitos desses
colegas (com honrosas excees, claro) perderam as suas vidas ao enveredarem pela vida
do crime (roubo, trfico, prostituio), justificvel at pelo contexto social desigual em que
vivemos, o que requer da famlia constante vigilncia e diligncia na orientao dos filhos.
Vou contar um acontecimento constante e interessante no bairro de Sussuarana numa poca
em que havia poucos transportes coletivos e nenhuma programao para hora de chegada e
sada dos terminais e que no ocorre mais nos dias de hoje. Nos horrios de pico os nibus
saiam todos de uma vez. Ento a gente, ou seja, os estudantes da escola que moravam no
bairro (uns duzentos, mais ou menos) e eu inclusive, apostava qual dos nibus chegaria
primeiro ao seu destino. Da a gente sabia o nmero do nibus e o motorista que andava
mais depressa. Leva direto, mot!!! a gente gritava. O melhor motorista era chamado por
ns de Bigode. E quando o nosso nibus conseguia ultrapassar o dos outros... voc pode
imaginar a algazarra dentro de um carro abarrotado com menino saindo pelo ladro num
momento como esse. A veia artstica tambm era fantstica. Os sucessos da Banda Mel
(incluindo Fara) eram cantados e percussionados durante todo o percurso. Era muito bom
ser criana em Sussuarana! [risos]. (Mrcio)
228
Nesse meu primeiro ano na Escola PAX (1985), gostei muito da escola, da professora Aida,
da estagiria Maria do Carmo, do que era ensinado, etc. Assistia s aulas com bastante
ateno, fazia os deveres de classe, de casa, a leitura (tomar a lio no livro didtico
integrado) e no me lembro, por incrvel que possa parecer, de momento algum em que a
professora exigisse silncio para explicar o assunto. A professora no era m, muito pelo
contrrio. Era amiga, interessada, dedicada e a classe com quase quarenta alunos a
respeitava muito bem. Depois de feitas as atividades de classe, ns podamos conversar a
vontade (desde que no gritssemos nem levantssemos, por isso os amigos geralmente
sentavam juntos) e me lembro que eu conversava muito com os meus colegas sobre filmes
da tv, desenho animado, lbuns de figurinhas, revistas em quadrinhos, etc.. Essa postura de
deixar os alunos se comunicarem entre si nos intervalos das atividades durante as aulas
parecia, ao meu ver, uma postura tomada pela escola e que fazia parte do cotidiano e das
posturas internalizadas pelos alunos. Quando era necessrio falar a professora era ouvida.
229
desenhei uma pomba. As vovs vieram, olharam o meu desenho e perguntaram a minha
idade, respondi que tinha 9 anos, e o que aquilo significava. Eu respondi ento que era a
pomba, o smbolo da PAZ. Elas ento perguntaram se eu achava que a paz era algo
importante e eu disse que sim para que vivssemos melhor, com mais respeito ao prximo,
com menos desigualdades ( claro que para uma linguagem prpria de uma criana), no
tivesse mais morte, nem fome, etc.. A minha professora ficou admirada dizendo que nunca
poderia imaginar que tudo aquilo pudesse sair de uma criana. Eu j me preocupava com os
conflitos gerados pelas desigualdades sociais.
A minha 4 srie foi com a professora Creuza e foi o ano que mais detestei a escola PAX. A
professora pouco se importava com os estudantes. Ela no demonstrava o seu desdm com
palavras nem com agresses e sim com gestos, com a boca, com os olhares, etc.. Passei a
faltar aulas e inventar histrias para os meus pais dizendo que a professora estava doente,
que estava havendo paralisao e outras coisas assim. Era tambm ma poca que a minha
famlia passava por srias dificuldades financeiras e os meus pais estavam se
desentendendo. A dificuldade era tamanha que eu que sempre tinha o fardamento exigido
pela escola passei a ir para as aulas de chinelo porque meu pai no tinha dinheiro para
comprar sapatos.
Talvez por ser me dada essa liberdade de expor minha opinio, ainda que equivocada, que
eu goste e tanto do ambiente escolar e tenha capacidade para lidar com problemas
decorrentes do cotidiano na escola. A escola me traz boas lembranas. (Mrcio Nery)
230
Da 1 at a 3 srie, minha professora foi Nalvinha. Uma pessoa sria, mas agradvel. Era
exigente, disciplinadora, no gostava de conversa e vivia dizendo que Pensando morreu um
burro, ou Quando um burro fala o outro murcha a orelha, Pau que nasce torto, morre
torto, e outros ditados inibidores da nossa inteligncia, criatividade e liberdade. Na 4 srie,
minha professora se chamava Glria. Diferenciava-se da professora Nalvinha, por ser mais
velha, mais rgida e mais sria. No consigo me lembrar delas sorrindo. Eu tambm no
sorria, era muito tmida e morria de medo de chamar ateno da professora e ela me chamar
ao quadro ou fazer alguma pergunta. Quando isso acontecia, tremia da cabea aos ps. Na
escola primria, aprendia rpido, pois tinha a orientao dos meus pais em casa, que me
ajudavam na realizao das tarefas. Gostava muito de portugus e detestava matemtica,
mesmo assim tirava notas boas. Dessa poca me lembro com um sabor especial do incio do
ano letivo. Minha me e eu amos Baixa dos Sapateiros e Av. Sete, comprar a farda, os
livros e os materiais escolares. Detestava o quichute e a meia preta, a cala e a camisa de
tergal - era tudo obrigatrio. Adorava todo o resto: o cheiro de livros novos, o plstico de
bolinhas, para forrar os livros, o apontador cheiroso, em formato de bichinho, de bola e de
casinha, a borracha, o estojo, os lpis e canetas, todos decorados e muito perfumados. A
pasta, a mochila, a sombrinha decorada, as marias-chiquinhas, que delcia! De tudo isso,
ficou marcado o perfume e os textos do livro de leitura, que eu lia todos antes mesmo do
incio das aulas. (Naurelita)
O ginsio todo passei na Escola Pblica Hildete Bahia de Souza, tambm em Pernambus.
L tive professores timos. Pela primeira vez eu vi o sorriso de um professor, alis de vrios
professores. Estes ficaram imortalizados na minha memria, como meus verdadeiros
mestres e amigos. O ensino era tradicional, mas os professores sorridentes sempre achavam
um jeitinho de colorir as aulas e torn-las mais teis s nossas vidas. Tive aulas de
231
Educao para o lar, com a professora Evilsia, na 5 srie. Nestas aulas, aprendi a costurar,
bordar pentear cabelo e cuidar de beb, alm de muito artesanato. As aulas eram
verdadeiras oficinas, onde meninos e meninas tinham que aprender tudo. Outra professora
inesquecvel a Lurdinha, que estava sempre sorriso, e na disciplina de Educao Religiosa,
nos ensinava Educao Sexual. Excelente professora! Nos ensinava a lidar com os nossos
problemas prprios da puberdade, com naturalidade, respeito e muitas dicas prticas. Assim,
a professora Lurdinha a acompanhado os nossos passos de sada da infncia para a
puberdade e as nossas paixes e conflitos adolescentes. Todas as professoras que tive
fizeram um trabalho tradicional, rgido, recheado com apontamentos e questionrios. Posso
dizer que as relaciono por grau de paixo, alegria e sorrisos que nos transmitiam, era o que
as diferenciava: o sorriso, que quando verdadeiro nos contagiava, nos envolvia e nos fazia
pessoas mais felizes. (Naurelita)
valores morais,
232
sensao de incapacidade, desnimo e de que o que era se resumia aos resultados obtidos
na escola. Os meus pais no souberam lidar com essa situao. O meu pai fazia longos
discursos sobre a importncia da matemtica todos eles distantes da minha realidade,
portanto para mim, eles no traziam nada de concreto. Alm disso, ele me fazia longas e
freqentes argies sobre a tabuada, o que fazia aumentar a minha frustrao diante do
erro e enxergar a tabuada como conhecimento do qual eu nunca conseguiria me apoderar
pelo menos no sentido da compreenso. Eu chorava compulsivamente sobre a tabuada e
procurava meios que me auxiliassem a manter a calma e desvendar o mistrio da tabuada:
cheguei a rezar para uma Santa cuja imagem vi estampada num chaveiro que estava sobre a
mesa. Mas o pior que alm de no saber lidar com toda essa situao, eu no podia
contar com o afeto dos meus pais. As nossas conversas se resumiam tabuada e minha
incompetncia. Todo o tempo disponvel do meu pai para comigo se destinava tabuada: eu
deveria olhar, memorizar e repetir vrias vezes a mesma sentena, e muitas vezes o meu
choro era inevitvel. Como se no bastasse a multiplicao eu deveria aprender a diviso.
A minha me se ocupou mais dessa tarefa. Ensinou-me a agrupar risquinhos que
simbolizavam a diviso, mas isso no me foi passado, e mais uma vez, eu no compreendia
aquele processo. Ela ficava muito nervosa e perdia complemente a pacincia comigo. Aos
trancos e barrancos, passei na recuperao e fiz um exame de admisso para a Escola
Teresa de Lisieux, onde passei a maior parte da minha vida escolar. Cursei a 3 srie. Era
muito tmida e de poucos amigos; nunca participava das aulas por sentir vergonha ter medo
de errar. Confirmava as minhas hipteses em silncio e sempre fui muito atenciosa para no
correr o risco de precisar perguntar alguma coisa (e ainda assim, eu no perguntava).
Adorava cantar a msica de saudao para os visitantes acho que a nica utilizada pela
professora. Nesse mesmo ano comecei a fazer catequese curso que muito me agradava, e
fugia da rotina; trabalhou os meus valores morais e afetividade, apesar das aulas possurem
um carter muito conservador e pouco reflexivo. (Ana Ivone)
151
Sobre essa questo, cabe destaque o trabalho de Tereza Cristina Rego (2003), Memrias de
escola: cultura escolar e constituio de singularidades, quando discute o papel da escola na
formao da personalidade do sujeito, tomando para anlise e interpretao narrativas
autobiogrficas, a fim de compreender o papel da escola na constituio e no desenvolvimento do
indivduo. O excerto da narrativa de Ana Ivone me remeteu referida pesquisa, por compreender
suas relaes e implicaes na formao da personalidade do sujeito.
233
Na minha 4 srie pude sentir mais integrada ao grupo, pois a professora coordenava
algumas brincadeiras e em outras, eu sempre tentava participar, apesar de no ter um bom
desempenho nas brincadeiras de baleado e elstico. Esta professora foi a que apresentou
uma relao muito prxima com os alunos e era mais um fator que unia o grupo; tnhamos
em comum muito carinho e admirao pela professora que repreendia, mas tambm
elogiava. Os deslizes e mal entendidos nunca passavam em branco; os envolvidos eram
convidados a dar explicaes, pensarem sobre o que tinham feito e ouvir o parecer da
professora, evento esse muito produtivo para ns todos. Com essa professora, Magnlia,
tive um desentendimento: fiz um trabalho de Histria, tirei nota nove, levei para casa para ser
assinado e esqueci (seguidas vezes) de devolver. Resultado: um S.R. foi lanado no meu
boletim. No dia da entrega dos resultados, a minha me foi procurar saber o que significava
aquilo. A professora disse que eu no tinha feito o trabalho. Inibida, disse baixinho minha
me a nota que eu tinha tirado, e a professora se esforava para ouvir. Desfeito o mal
entendido a professora conversou comigo sobre a sua insatisfao e me mandou buscar
outro boletim. Deu-me coordenadas, e a partir da eu comecei a compreender melhor a
estrutura da escola. Ao final da aula, tentei sair despercebida, achando que a professora
poderia estar ainda aborrecida comigo, mas quando eu estava quase fora da sala, ela me
chamou para me dar um beijo como de costume, e, alm disso, ganhei um abrao tambm.
Foi a 1 vez que tive a ntida impresso de ser perdoada e querida; um turbilho de emoes
ferveu em mim e eu comecei a aprender a lidar melhor com elas.
234
Para entrar no Centro Educacional Emmanuel Kant fiz um teste, o qual fiquei muito ansiosa
para saber o resultado, por que iria estudar na melhor escola primria do bairro e das
redondezas. Passei e no inicio de maro comecei a estudar l e continuei ate a 4 serie. Era
a escola dos meus sonhos, maravilhosa, com espao para brincar e parque. (Beatriz)
235
Aos cinco anos, meu pai resolveu mudar de cidade e ir para Cruz das Almas, cidade que
representava um setor prspero na fumicultura, cultura que o meu pai dominava, enquanto
proprietrio. E assim se deu: fomos morar em Cruz das Almas, em uma casa situada Rua
Ruy Barbosa, numero 683, rua onde se situava o colgio pblico da cidade, chamado
Colgio Estadual Alberto Torres, onde cursei o ginsio e o curso cientfico. Essa rua tinha
uma posio estratgica, pois alm de ter o colgio nela localizado, era acesso obrigatrio
Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, o que concedia aos seus moradores
uma possibilidade de contato com os estudantes universitrios que advinham das mais
diferentes cidades do estado e s vezes at do exterior (tinha um nmero expressivo de
estudantes latino-americanos).
As segundas e terceiras sries cursei com a professora Margarida S. Era uma professora
amvel que valorizava muito as notas, uma valorizao que fazia parte do processo poca.
Lembro-me de que, na terceira srie, tirei o segundo lugar na turma, ganhando um livro de
presente. Ao voltar para casa as pessoas me perguntavam como fui de ano, pois todos
pareciam envolvidos.
Morava bem prximo ao Colgio e a primeira srie do ginsio comecei com um atraso de trs
meses, pois quebrei a perna durante as frias e tive que permanecer imobilizada por um
perodo de quatro meses. Nessa poca, tive uma colega prestimosa que me levava e trazia.
O seu nome eu nunca esqueo, chamava-se Moema Bahia de Sena e era filha de um
professor da Escola de Agronomia. Ela foi muito importante para que eu no sasse
prejudicada durante aquele ano escolar.
As quartas e quintas sries fiz com a professora Maggi, da qual lembro o nome completo at
hoje. Tinha uma personalidade forte e ensinava muito bem. Ao terminar a quarta srie, a
professora tentou que eu fizesse a admisso ao ginsio, sem precisar cursar a quinta srie,
mas infelizmente o diretor do Colgio no consentiu, alegando problema de idade. A
admisso era tida como um Vestibular; exigia muito dos alunos e representava a primeira
seleo que deixava alguns para trs. Foi uma alegria ver o meu nome naquela lista e saber
que, no ano seguinte, eu passaria a cursar o ginsio. (Ourisvalda)
Fui para a escola com trs anos de idade, foi um dos dias mais felizes da minha vida,
naquela poca lembro-me que estudava pela manh e, muito antes do horrio de entrada na
escola eu j estava na porta do colgio. Gostei muito da professora Valdia, acho que
gostava dela como se ela fosse a minha me, tamanha falta que eu sentia de sua presena
aos finais de semana, ela supriu um lado afetivo meu que estava adormecido. No me
lembro de meus coleguinhas dessa escola, sei apenas que me sentia muito bem na escola.
Minha me conta que at meus seis anos de idade, toda vez que eu sumia de casa era s
me procurar na escola que me encontrava. Sempre fui uma boa aluna, pois sempre gostei de
estudar, sou apaixonada por conhecer coisas novas, devorar livros, revistas, tudo o que
possa me trazer novos conhecimentos.
Aos quatro anos mudei de escola, assim como mudei de casa devido ao nascimento de meu
irmo e compra de uma casa pelo meu pai. No enfrentei dificuldades com isso e me
adaptei rapidamente nova escola, l fiz vrios amigos os quais me acompanharam durante
minha vida escolar at a stima srie e at hoje nos reencontramos quando vou ao Rio de
Janeiro.
Quando tinha cinco anos, um fato do qual me recordo foi uma das minhas fugas de casa para
a escola, eu estudava pela manh e a tarde sa de casa sem avisar, quando minha me
chegou ao colgio, avisada pela diretora que era sua amiga, me encontrou distribuindo uns
desenhos para as outras crianas, a pedido da professora e s concordei em ir para casa
aps pintar meu desenho. (Maiesse)
Aos sete anos de idade, novamente me mudei de escola, pois a anterior, oferecia somente o
ensino pr-escolar at a alfabetizao e como estava indo para a primeira srie, foi
237
Em toda a sua vida escolar, Simone teve professores tradicionais, que no davam
importncia realidade de seus alunos, sua linguagem, aos seus desejos, suas frustraes
e esperanas. O desenvolvimento das atividades no era centrado no aluno, a partir do
conhecimento que ele tinha adquirido no senso comum, nem se utilizava brincadeiras ou
jogos. Os professores incluam os alunos no mundo das convenes, das sistematizaes,
das regras, sem a menor observao das capacidades destes, que tinham que aprender a
linguagem convencional, escrever o que a cultura escolar lhes impunha. Esta cultura
valorizava a linguagem padro, a nica que considerava correta, alm de dar valor escrita,
mostrando ao aluno que correo gramatical sinnimo de linguagem perfeita. Desta forma,
os professores afastavam-se daquilo que fundamental: a linguagem enquanto expresso e
comunicao. No havia dilogo e a participao, verbalizao, discusso e reflexo do
educando no eram permitidas, impedindo-os de falar, colocar suas idias, descrever e
analisar sua realidade. Os conhecimentos eram impostos, tendo o aluno que decorar
perguntas e respostas e/ou apontamentos para na hora da prova no deixar faltar uma
palavra; esta era uma forma de mostrar que o autor do livro, o professor e a escola possuam
o saber. A avaliao era feita atravs do certo e errado, sem levar em considerao o
nvel de desenvolvimento mental do aluno (o importante eram as notas) e suas respostas
pessoais eram pouco valorizadas. Enfim, o mtodo utilizado pelos professores, suas
239
finalidades, regras e prioridades eram diferentes das necessidades reais dos educandos.
(Simone)
Aos sete anos de idade, novamente me mudei de escola, pois a anterior, oferecia somente o
ensino pr-escolar at a alfabetizao e como estava indo para a primeira srie, foi
necessria a mudana. A princpio minha me me matricularia numa escola pblica, mas ao
conhecer a escola no gostou de seu aspecto e resolveu me colocar num colgio particular
que oferecia ensino fundamental (da pr-escola oitava srie). (Maiesse)
240
acontece com Ana Ivone, quando se v obrigada a mudar de escola em funo das
dificuldades financeiras vividas por sua famlia.
Ao final do ano, eu j estava ciente de que seria necessrio me transferir para uma escola
pblica, pois o meu pai enfrentava dificuldades financeiras, e o meu irmo cometeu uma
atitude admirvel: disse que se fosse necessrio escolher, ele sairia da escola particular para
que eu continuasse; mas ambos saem. Com muita insatisfao, ingressei na Escola Estadual
para o trabalho Professor Rmulo Almeida, onde conheci uma realidade muito diferente:
colegas fumando na sala, descaso dos professores e a dificuldade enfrentada pelos alunos
para se manterem na escola. Mas fiz algumas amizades e tentei aproveitar o pouco do que
era passado. No agentei, eu no queria fazer o curso de Contabilidade. Sentia falta da
Biologia, Qumica, Fsica, Histria, Geografia, etc. e por isso abandonei a escola no meio do
ano: quando eu ia, no tinha aula (e fui repetidas vezes), e quando no ia tomava falta.
Permaneci em casa, desafiando os meus pais com essa atitude; passei muito tempo
magoada com o meu pai por no ter tentado investir em mim. O meu nico consolo era o
curso de Ingls, ministrado por um ex-aluno do ACBEU que dava aulas espetaculares. A
minha melhor amiga entrou comigo s para continuarmos juntas!
No ano seguinte a minha me matriculou o meu irmo e eu, no CESCA (Centro Educacional
Santana do Cabula). Fiz muitas amizades na sala e cheguei a jogar baralho durante as aulas!
O mtodo de ensino era muito tradicional; e ao mesmo tempo em que exigia pouco dos
alunos, limitava as respostas do contedo dos livros. A escola enfrentava dificuldades com o
corpo docente e o troca-troca de professores era constante o que dificultava a
aprendizagem. Conheci a tirania da escola particular: na data do vencimento da
mensalidade, os alunos s entravam na escola com o comprovante de pagamento.
A minha colega, Pricila, no teve a mesma sorte. Voltou para o colgio de origem
(Adventista), do qual me falava muito bem e acabei indo para l, pois o meu pai gostou
(dentre outras coisas), da farda. O meu av se props a pagar os meus estudos e eu estava
mais do que nunca, decidida a no decepcionar. O uso da farda foi um verdadeiro trauma
para mim ao longo do primeiro semestre. Eu saia de casa cobrindo o rosto com os cabelos
para que no me reconhecessem. Novamente, conheci uma realidade diferente; no era
permitido usar qualquer tipo de maquiagem, esmalte e o comprimento da saia era
milimetricamente controlado. amos cantar na capela com freqncia, e para mim foi difcil
me manter sria diante do refro acompanhado de coreografias: o amos de Jesus grande
e largo... As mos se batiam e, alm disso, eu ria por sentir estranheza frente s
comparaes das msicas. Mas outras, muito bonitas eram cantadas e eu me sentia bem
naquele ambiente. Tambm pude notar o poderoso presente na conduta de um grande
nmero de alunos presentes: brincadeiras de abaixar as calas, muitas meninas grvidas...
Surpreende-me, pois o primeiro namorado que tive na escola foi de l, e depois que
terminamos (por desconfiana), fiquei sabendo que ele namorou comigo e a escola inteira ao
241
mesmo tempo! Os professores eram excelentes, com exceo do de Fsica, (que no sabia
ensinar e passava listas de exerccios quilomtricas), e o de Matemtica que no tinha
domnio da classe e cobrava a parte, por aulas particulares. Fiz o simulado e fui umas das
primeiras colocadas, mas um ensinamento do professor de Geografia e Biologia ficou
marcado: na dvida, no marque!. Tive problemas srios com Fsica e me debruava
incansavelmente sobre diversos livros. Tentei de tudo: at aulas particulares; aos meus pais
eu expus o problema e eles foram compreensivos. O meu pai tentou me ajudar (ele
Engenheiro Civil), mas muitas dvidas ficaram sem respostas, pois ele no recordava alguns
assuntos. Um imprevisto aconteceu, o professor perdeu as provas da recuperao paralela e
eu passei, mas 90% da turma no, pois apresentavam mdias muito baixas. Passei direto e
guardo boas lembranas desta escola, alm de amizades que se fazem presentes at hoje.
(Ana Ivone)
da
no
opo
pelo
curso
tcnico
em
contabilidade
e,
No entanto consegui ser aprovado para a 5 srie e fui considerado um dos dez melhores
alunos da escola, o que me conferia o direito de matricula em outra escola da rede, de boa
qualidade sem que para isso fosse necessrio pegar filas para matrcula. Fui aprovado, mas
reconheo que foi com pouca qualidade, o que ficou evidenciado nos anos posteriores no
ginsio, com a minha sria deficincia em Matemtica. Era aprovado em todas as disciplinas,
no entanto perdia com mdia baixssima em Matemtica nas quatro unidades.
243
Mesmo com todas modificaes segui em frente em minha vida, a pior barreira que enfrentei
neste ano com meus estudos, foi a greve de quatro meses realizada pelos professores de
escola pblica do estado do Esprito Santo, Cheguei a ponto de ficar desesperada pois fiquei
com muito medo de repetir de ano, mas felizmente isso no ocorreu e conheci realmente a
dura realidade do ensino pblico no Brasil. Quando voltaram as aulas, os contedos eram
transmitidos e trabalhados de maneira superficial, isso sem considerar a velocidade com que
os contedos eram jogados para a turma, o que acabou me prejudicando futuramente
quando fui enfrentar o vestibular.
Para fazer o segundo grau, fui para outra escola pblica, mas com uma qualidade de ensino
superior escola anteriormente citada e optei por fazer um curso tcnico profissionalizante
em contabilidade, fiquei neste colgio at o fim do segundo ano do segundo grau, pois meu
pai foi transferido para Minas Gerais, uma poca pssima de minha vida, no suportava a
cidade em que fui morar, mesmo com os amigos que tenho por l. Terminei o segundo grau
com dezessete anos, sem nenhum problema com notas ou com o colgio. (Maiesse)
Veio ento a quinta srie. J no havia mais a separao primrio/ginsio, mas, mesmo
assim ir para a quinta srie gerava uma bela expectativa.
Novas dificuldades se apresentaram ento: j no eram apenas quatro disciplinas, mas onze
- Portugus, Matemtica, Geografia, Histria, Cincias, Religio, Tcnicas Agrcolas,
Tcnicas Industriais, Educao para o Lar, Ingls e Educao Artstica, por morar distante da
escola fui dispensada de Educao Fsica.
Cada disciplina representava um ramo especfico do conhecimento e eram ministradas por
professores diferentes, de forma isolada. Assim, discutir poltica era coisa pra Histria, texto
era estudado apenas em Portugus, etc.
Gostava muito da escola. Melhor estar l do que na roa trabalhando pesado. Alm disso,
meus pais, usando o provrbio boa romaria faz quem em sua casa est em paz no
deixava a gente visitar vizinhos, nem mesmo aos domingos e feriados. A escola era o lugar
da socializao, o local dos encontros. (Lcia)
245
No entanto consegui ser aprovado para a 5 srie e fui considerado um dos dez melhores
alunos da escola, o que me conferia o direito de matricula em outra escola da rede, de boa
qualidade sem que para isso fosse necessrio pegar filas para matrcula. Fui aprovado, mas
reconheo que foi com pouca qualidade, o que ficou evidenciado nos anos posteriores no
ginsio, com a minha sria deficincia em Matemtica. Era aprovado em todas as disciplinas,
no entanto perdia com mdia baixssima com Matemtica nas quatro unidades.
Quando entrei na Escola Municipal Dr. Alexandre Leal Costa, em 1989, amei o lugar (como
amo at hoje, apesar do prdio na rua da Mangueira, Mouraria, ter sofrido inmeras
modificaes) e passei a amar tambm, pela primeira vez. Vivi entre os anos de 1989 e 1992
um sentimento intenso para com uma colega (que morava na entrada do Toror, no edifcio
Ana Nery, conhecidncia ?) e o prdio foi cenrio desse quase que eterno amor. Nosso tema
musical: Ghost. At que ela se casou com outro no final de 1993. Mas isso j uma outra
histria.
Fui reprovado no ano de 1989 e repeti a 5 srie em 1990 fui para a recuperao de
Matemtica, mas fui aprovado. Em 1991 a dificuldade persistiu, s em Matemtica, sem que
a escola fizesse nada para reverter o caso. A professora Glria era muito respeitada na
escola. Ela simplesmente dava a aula e no queria saber quem entendeu ou no e atribua
os fracassos a falta de interesses dos alunos. Naquela poca ainda no se falava muito de
Na 5 srie, fiz amizades fortes e me divertia muito com elas. Experimentei a sensao de ter
vrios professores, (o que dava um certo status) e tinha horror a apresentao de trabalhos;
eu era a que menos falava, e por isso ganhava a menor nota, apesar de me esforar na parte
escrita e artstica de mapas, cartazes e etc. Fui conseguindo vencer a timidez com os
colegas, a partir da vivncia prxima com poucas amigas, que me fizeram entender que a
convivncia e a troca de experincias pode ser muito prazerosa, mas exige um pr-requisito:
a coragem para aproximao. Desse modo, eu comecei a enfrentar o meu medo. (Ana Ivone)
246
Na quinta srie, houve mais modificaes na estrutura curricular, passei a ter vrias
disciplinas e diversos professores, alm de que a partir desse ano teria que participar da
gincana anual promovida pela escola, o qual envolvia todas as sries do chamado ensino
ginasial, gostava muito e participava ativamente de todas as tarefas.
Na stima srie, enfrentei algumas dificuldades de concentrao, mas nada que atrapalhasse
meu desempenho escolar. Ao fim desse ano tive que deixar uma vida estruturada no Rio de
Janeiro e me mudei para Vila Velha no Esprito Santo, novamente reconstru meu mundo,
sofri muito em ter que deixar tudo para trs e passar por mais esta etapa de minha vida.
Apesar de todas dificuldades, sou apaixonada por Vila Velha, por meus amigos capixabas e
a fbrica da garoto (sou louca por chocolates), o pior momento que passei foi a mudana de
escola particular para escola pblica, juntando todas as mudanas ocorridas numa mesma
poca, deixa qualquer adolescente perdido (eu estava com quatorze anos na poca).
(Maiesse)
vinculadas
construes
sobre
os
contedos
trabalhados,
as
Adorava as aulas de Portugus e odiava as de Matemtica. Isso, mais tarde, iria se refletir
nas notas. O que mais me lembro ter estudado em Portugus, foi anlise morfolgica e
anlise sinttica, alm de conjugar verbos e mais verbos. Recordo, tambm os longos
questionrios (de at quarenta questes) de Histria. Decorava ou noite ou ao amanhecer,
sempre em vspera de prova. Dividia o total de perguntas de cinco em cinco para decorar. O
problema era quando esquecia uma palavra ou at uma vrgula: esquecia todo o resto e
estava perdida na prova.
Era freqente termos um professor de Matemtica ministrando aulas de Portugus e viceversa. Professores cursando licenciatura em Biologia dar aulas de Matemtica, sem contar
com o grande nmero de professores com segundo grau apenas atuando em salas de quinta
a oitava srie. (Lcia)
Eu gostava muito das aulas de Portugus dadas pela professora Urnia. Ela era muito
irreverente, dava palavro na sala, implicava divertidamente com os alunos e fazia a classe
inteira aprender sorrindo com as barbaridades que ela falava. As aulas dela, apesar dela
dizer que no, era um decoreba. Lembro-me at hoje as aulas de adjunto adnominal e
adverbial: Maria morreu! De que? Adjunto adverbial de modo. Onde? Em So Paulo (e as
vezes So Petersburgo) Adjunto adverbial de lugar. Quando? Segunda feira! Adjunto
adverbial de tempo. E as aulas de verbo transitivo e intransitivo direto e indireto onde ela
dizia: Se eu chegar aqui para vocs e disser: Queimou!... Vocs vo olhar uns para os
outros e dizer: Essa mulher t doida! Isso porque queimou verbo transitivo direto e
necessita de complemento. Agora se eu chego em minha casa e a minha empregada olha
para a minha cara, eu j cansada, saindo de uma escola e correndo para outra, bota a mo
na cintura e diz: O feijo queimou!. Ah... ela vai comigo direto para a delegacia com panela
de feijo e tudo! E ainda mais hoje com o gs de cozinha e o feijo to caro! [risos].
248
249
250
experincia foi muito marcante para mim. J pensou? Na hora de passar para o ginsio eu
perder de ano? Era o fim do mundo. Foram dias de muita presso psicolgica, mas
felizmente passei. A matemtica tambm me fez passar momentos angustiantes. A didtica
aplicada era terrvel. Lembro principalmente do momento da transmisso de contedos para
aprender a dividir. O conceito de diviso, principalmente, foi transmitido, de forma totalmente
mecnica. E eu no consegui aprender a estrutura, as etapas da conta de diviso. Recordome que quando estagiei na Escola Pedro Tenrio de Albuquerque - Acelerao (1999),
passei por situaes que me deixaram constrangida. Por mais que eu tenha tentado me
aprofundar para dominar o contedo, na hora de transmitir no sentia segurana. Os alunos
percebiam isso e eu ficava numa situao constrangedora.
Essa uma das vrias dificuldades que carrego hoje da falta de viso e experincia que
trago da minha vida escolar. (Rosana)
No tive tambm nenhum estmulo leitura. Em todo meu percurso de vida escolar,
nenhuma escola me estimulou, ofereceu acesso ou proporcionou metodologias agradveis
para o incentivo leitura. Tnhamos acesso biblioteca, mas no recebamos orientao ou
251
Eu gostava muito de minha professora da 2 srie, ela era educada, agradvel e carinhosa.
As aulas eram prazerosas, costumvamos trabalhar em grupos e decorvamos a sala com
cartazes confeccionados pelos prprios alunos, orientados pela professora. Outro fato que
lembro com prazer, diz respeito s festas, em especial a do dia das mes. Era um momento
em que enfeitvamos a escola com muitas flores e colocvamos nas mesas as melhores
toalhas bordadas. Todos colaboravam, transformvamos a escola em um clube.
Apresentvamos recitais de poesia, nmeros de danas, de msicas e at pea teatral, tudo
criado e executado pelos alunos. O cenrio era feito de palhas de coqueiros, palmeiras,
cortinas plsticos. Era sensacional! Os pais compravam algumas lembrancinhas, geralmente
utenslio de casa e dava escondido aos filhos para darem de presente s mes e elas
ficavam muito emocionadas. Achava muito boa a participao do meu pai naquele dia de
confraternizao. [...] Outro fato que eu achava interessante era o desfile de 7 de setembro,
participar da banda era um privilgio [...]. (Snia)
Cursei a 3 srie. Era muito tmida e de poucos amigos; nunca participava das aulas por
sentir vergonha e ter medo de errar. Confirmava as minhas hipteses em silncio e sempre
fui muito atenciosa para no correr o risco de precisar perguntar alguma coisa (e ainda
assim, eu no perguntava). Adorava cantar a msica de saudao para os visitantes acho
que a nica utilizada pela professora. Nesse mesmo ano comecei a fazer catequese curso
253
que muito me agradava, e fugia da rotina; trabalhou os meus valores morais e afetividade,
apesar das aulas possurem um carter muito conservador e pouco reflexivo. (Ana Ivone)
Aos poucos fui percebendo que o colgio So Jos era uma espcie de quartel general, onde
as ordens da superiora, jamais, em hiptese alguma, poderiam ser contestadas (pelo menos
por ns, alunos). Havia uma total rigidez no que se referia ao horrio de chegada e sada e
ao uso do uniforme escolar.
Educada para ser obediente, eu acatava fielmente as leis da escola. Jamais pensei em
reclamar se quer de qualquer arbitrariedade cometida por professores, diretora ou freiras.
Ficar na sala de aula todo o tempo era a palavra de ordem. Eu levava isso to a srio que s
ia ao banheiro quando j no agentava mais. O tempo foi passando: segunda, terceira,
quarta srie. Quase nada mais era novo. Alguns novos colegas, uma nova professora,
contedos novos e acabava a a novidade. (Lcia)
Naquela poca, existia a palmatria, a qual era confeccionada com um pedao de madeira
composta por um cabo no qual era segurado. Esta era usada geralmente nas lies de
sabatina, quando a gente no conseguia acertar alguma questo, tomava algumas batidas
na mo; graas a Deus eu respondia certo. Temamos a palmatria (na prtica no era vista
como agresso), mas nos divertamos quando o colega no acertava, nunca chegou a
machucar ningum. Passado algum tempo foi abolida este recurso que legitimava o mtodo
tradicional, ainda na minha idade escolar. Mas o castigo existia e muito, lembro-me muito
bem, Era colocada a criana de frente para a parede ou sobre os gros de milho, e os pais
255
256
Com relao ao comportamento dos alunos, bem como dos professores, tem alguns fatos
que merecem destaque. Os alunos sempre que tinham aula de SOE, que era a ltima,
fugiam todos do colgio, pois no gostavam desta aula; isto aconteceu algumas vezes
tambm com as aulas de geografia e histria. Nenhum dos alunos gostava da professora
desta ltima matria, pois era autoritria por demais; ningum podia mencionar uma palavra,
nem dar risadas, e muito menos olhar para trs ou para o lado, que ela queria saber o qu e
o porqu, colocando o aluno fora da sala sem motivo; s quem podia falar era ela, mais
ningum. O professor de Ingls tentava ter tal autoritarismo, no entanto no conseguia, e a
soluo que ele encontrava era por os alunos fora da sala, ficando uma vez com apenas 5 ou
6 alunos por causa das risadas dos mesmos; outra vez uma aluna foi posta para fora porque
pirraava este professor, imitando um peru. Os alunos gostavam muito de perturbar o
professor de Ingls, certo dia colocaram a mesa de cabea para baixo, as carteiras de costas
para a lousa, e desenharam com giz um tapete, na entrada da sala de aula, escrito limpe os
ps, depois saram todos da sala, e s entraram junto com o professor, o qual mandou os
alunos desfazerem tudo se no seriam suspensos. (Simone)
Philippe Perrenoud (1995) apresenta no livro Ofcio de aluno e sentido do trabalho escolar, uma
discusso concernente a uma sociologia da educao mais centrada na vida quotidiana, nas
prticas, nas atividades e estratgias dos alunos e dos professores no seio de uma organizao (p.
13), revelando aspectos relacionais e de confronto da cultura escolar e do ofcio de aluno e de
representaes do trabalho escolar.
257
Aos seis anos, j estudava em casa com minha me, pois naquela poca s podia entrar na
escola pblica a partir de sete anos. Praticamente minha primeira professora foi minha me,
com ela aprendi a ler e a escrever. Estudava na Cartilha do ABC, livrinho pequeno, com o
qual aprendamos o alfabeto de vrias formas: as vogais, as consoantes, slabas e palavras
pequenas, ainda nesta, aprendamos os nmeros at 100 e algumas continhas de somar e
subtrair. Alm disso, este livrinho era de todos os irmos. (Snia)
Com seis ou sete anos de idade, no me lembro bem, fui alfabetizada. Na verdade, hoje
analiso que este processo no aconteceu num ano especfico. Na minha casa, apesar de
258
meus pais pouco terem estudado, sempre houve uma preocupao com o estudo dos filhos.
Assim, desde muito cedo tnhamos contato com letras, com nomes escritos. Meus irmos
mais velhos foram alfabetizados em casa, por minha me. Eu e meus irmos mais novos
fomos alfabetizados por nossas irms que j cursavam o, hoje extinto, ginsio.
Minha irm Zu (Maria Jos) tinha uma escolinha que funcionava em casa.
Atendia
Meus pais tinham alguns livros do tempo do Exame de Admisso ao Ginsio que eles
cursaram. Livros muito bons que tinham assuntos pertinentes a Portugus, Histria,
Geografia, Matemtica, Cincias, dentre outros, sobre a estrutura econmica e administrativa
do Brasil, literaturas (uma inclusive que falava da infncia humilde grande homens da nossa
histria como Jos do Patrocnio, Machado de Assis) e eu tinha acesso a esses livros (esto
sob a minha responsabilidade desde a infncia e hoje compem a minha modesta biblioteca).
Lia todos, sempre. O primeiro livro que li foi Os irmos Corsos da Melhoramentos. Falava
da histria de dois irmos gmeos, da aristocracia num pas da Europa do sculo XIX, que
tiveram os pais assassinados durante uma revoluo poltica. (Mrcio)
Minha primeira professora foi minha me. Foi ela quem me ensinou a ler e escrever, com o
uso de jornais, revistas e livros de histria. Tinha tambm uma Cartilha azul e uma cor de
rosa. Paralelo s aulas que tinha em casa, aos cincos anos de idade, passei a freqentar a
banca da professora Nadir, uma senhora muito sria, que dava bolo de palmatria, mas que
felizmente gostava de mim. Assim passei a dominar o mundo das letras com o ensino
totalmente tradicional da professora Nadir e as aulas tradicionais e ao mesmo tempo
inovadoras da minha me. Minha me foi a minha verdadeira alfabetizadora, to eficiente
que aos seis anos j sabia ler e escrever quase tudo. Fui ento, matriculada na Escolinha Tio
Patinhas, eu e meu primo Gugu. (Naurelita)
259
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como
momentos
significativos,
revelando
aprendizagens
incio
da
escolarizao,
processo
de
alfabetizao
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no
estgio,
como
perodo
institucionalizado
formal,
154
Para Catani a didtica como iniciao articula-se ao uso das histrias de vida escolar e da
autobiografia como procedimentos de formao porque [...] atravs dos relatos autobiogrficos de
formao o indivduo tem oportunidade de criar ou transformar modos de compreender as relaes
com o conhecimento, com o ensino, a vida escolar e a realidade social mesma a partir da
reinterpretao da sua insero no mundo. Em mais de um sentido o termo iniciao o mais
apropriado para dar conta dessas formas de compreenso destinadas a favorecer o
autoengendramento. (2001b, p. 21).
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266
267
As falas aqui apresentadas foram construdas no Perfil II, no espao da Disciplina de Prtica
Pedaggica III, momento que antecede o estgio no processo de formao.
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No fiz magistrio, fiz tcnico em contabilidade, eu achava que professora ganhava pouco e
trabalhava muito, e ainda continua assim. (Beatriz)
Minha famlia influenciou bastante, tenho varias irms professoras, mas acredito que era o
que eu queria tambm. ( Lcia Maria)
Minha escolha pelo magistrio ocorreu pelo fato de o colgio onde estudava s ter Magistrio
no 2 grau; eu e todos os meus colegas fizemos Magistrio por esse motivo. (Simone Carine)
Escolhi a rea de Educao por ter vontade de estudar e medo das concorrncias dos outros
cursos. Como resultado, aprendi muito: valorizo ainda mais a profisso (ao contrario da maior
parte da nossa sociedade), e me tornei uma pessoa melhor-acredito que em todos os
sentidos. Esse curso trabalhou bastante as minhas emoes e me fez ter uma nova viso do
profissional de educao. (Ana Ivone)
Porque com 16 anos a nica coisa que eu sabia que sabia fazer era sistematizar, transmitir e
construir conhecimento e passar informaes. (Marcio Nery)
pedaggicos
centrados
na
racionalidade
tcnica,
incluindo
planejamento. Naurelita revela que No fim do terceiro ano, retornei Escola Madre
Helena, para fazer o estgio obrigatrio. Estagiei numa classe de terceira srie, com
alunos de 11 a 15 anos. A escola, quanto ao espao fsico era a mesma de anos
atrs. Os professores tinham as mesmas metodologias tradicionais, mas os alunos
no eram mais os mesmos [...]. Lcia [...] j praticava o magistrio em bancas
ministradas em casa e, mais tarde numa escola rural, substituindo uma das minhas
irms. Apesar disso, o estgio representou pra mim um momento de crise
profissional: ser que queria mesmo ser professora? [...]. As experincias exercidas
no contexto familiar com a educao e com a profisso fosse no espao das bancas
ou na substituio de irms, que j eram professoras em classes multisseriadas,
marcam nas trajetrias de escolarizao das atrizes da pesquisa experincias
formadoras sobre a docncia.
A minha trajetria escolar cheia de dificuldades e a forte influncia de minha me, que me
ensinou o valor da educao na vida de uma pessoa, fizeram-me gosta de ensinar e optar
para ser professora. Fato que, cursando a 8 srie eu j ensinava na varanda de minha casa,
na comunidade onde os polticos no davam importncia para a educao. A classe que eu
ensinava era constituda de alunos de todas as idades e de 1 e 4 sries juntas, fato que se
pode comparar com uma classe de Acelerao de hoje, em que tambm leciono atualmente
pela prefeitura. Neste perodo, tambm, lecionava como professora leiga (tenho orgulho de
falar neste assunto porque me sentia til quela comunidade sem direito educao) noite
numa classe denominada de MOBRAL (movimento brasileiro de alfabetizao de jovens e
adultos).
No ltimo ano de magistrio recordo-me da disciplina de Didtica II, com a professora Edna.
Nesta disciplina aprendi como fazer um planejamento. No 3 ano de magistrio, na escolha
da escola para estagiar, quase fico sem estagiar, porque o colgio mais prximo do centro da
cidade era escolhido para as alunas da classe alta para estagiar. Entretanto, Deus reservoume um destino melhor, a escola destinada para o meu estgio, situava-se na zona rural da
cidade, porm no estava funcionando, ento a direo do colgio em que eu estudava no
teve outra opo a no ser colocar-me no mesmo colgio em que eu estudava e me sa
bem. (Snia)
Fiz magistrio, tanto porque queria ser professora quanto porque era a nica opo que
podia fazer. Em Santa Brbara esse era o nico curso de segundo grau oferecido.
270
O 2 grau, eu fiz numa escola particular: o Colgio do Sagrado Corao de Jesus, no bairro
de Nazar. Fiz o magistrio. Escola de freiras tinha um regime fechado e extremamente
catlico.(...) Os professores, em geral eram muito exigentes e s vezes, intransigentes. No
primeiro ano, tive muita dificuldade e fui para a recuperao de sete matrias, todas faltando
dcimos ou meio ponto. Meu pai pagou uma nota. Estudava tanto, que ningum via minha
cara na sala. Ficava o tempo inteiro no quarto. No queria dar prejuzo nem desgosto para
meu pai, alm do mais, eu nunca havia sido reprovada e no era naquele momento que iria
ser. Fui aprovada e, a partir do segundo ano tive s matrias especficas do curso de
magistrio, alm de Portugus. O curso foi excelente. Aprendi muito e fui estimulada a fazer
vrios cursos livres. Com tanto incentivo, aonde aparecia um curso relacionado rea de
educao, eu estava l. No fim do terceiro ano, retornei Escola Madre Helena, para fazer o
estgio obrigatrio. Estagiei numa classe de terceira srie, com alunos de 11 a 15 anos. A
escola, quanto ao espao fsico era a mesma de anos atrs. Os professores tinham as
mesmas metodologias tradicionais, mas os alunos no eram mais os mesmos. Estavam mais
agressivos, problemticos e mais pobres. A escola no comportava os alunos que tinha e
no sabia o que fazer. Os professores sempre optavam pela omisso e os alunos pelo
descaso. Quando visitei a sala de aula pela primeira vez, sai com dor de cabea, ao ver os
alunos se degladiarem na sala, cadeiras voando e a professora sentada lendo um texto de
Geograifia, como se nada tivesse acontecendo. No segundo dia, j me disponibilizei para
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ajud-la e ela deu Graas Deus. Ento, fazia um ditado, lia um texto ou passava exerccio
no quadro para que os alunos copiassem e assim, durante a semana de observao, a gente
foi se conhecendo melhor, eu, os alunos e a professora regente. A diretora da escola e a
Merendeira se emocionavam ao me ver ali na mesma sala em que um dia fui aluna, dando
aula. (Naurelita)
272
Fiquei pensando em como trabalhar aqueles cartazes todos, flanelgrafo, cartaz de prega,
caixa de contagem e tantas quinquilharias pesadssimas carregadas diariamente num
sacolo do meu tamanho, numa sala como aquela. Pensei, tenho que ter autoridade, do
contrrio no conseguirei fazer nada. Assim, no primeiro dia em que assumi a sala, esperei
todos os alunos na porta. Solicitei que fizessem uma fila, na verdade, mandei. Nomeei o
aluno mais rebelde como o responsvel pela disciplina da turma. Fiz cara de general bravo e
derramei uma lista de regras e normas que eles deveriam cumprir, caso no quisessem ser
reprovados novamente. A maioria altamente disciplinadora. Ento mandei que entrassem e
sentassem nos lugares previamente marcados. Quando percebi que dominava a classe,
comecei um dilogo democrtico, onde decidimos normas de convivncia, sugestes de
contedo e atividades. Havia conquistado aquelas terras. Passei vrios exerccios, conforme
o planejamento exigia e a aula prosseguiu em paz, at a volta do recreio. Naquele momento,
quando todos voltavam sala, a baguna estava completa. E eu, meio sem saber o que
fazer, gritei: Era uma vez. Ningum ouviu. Gritei novamente: Era uma vez.... - e fui
abaixando o tom de voz e eles sentando e silenciando - era uma vezzz, um macaco
chamado.... Timb.
Todos caram na risada. Ficaram atentos, queriam saber o que Timb havia feito, o que
aconteceu com ele e porque a professora contava uma histria para alunos to mal
educados. No final da histria, estavam todos a comentar e dar novo enredo, novas
personagens, novas atitudes, o que nos fez criar um texto coletivo, despertando a percepo
de que no ramos rivais, mas companheiros de uma mesma criao. Acabara de descobrir
o poder mgico da histria. Naquele estgio, os alunos comearam a criar, escrever e ler, at
a apresentao de uma pea que haviam ensaiado escondido e apresentado na festa de
encerramento do estgio, como um presente para professora. A pea foi O Casamento da
D. Baratinha. Foi maravilhoso, ver como aqueles olhares endurecidos de antes, nos
momentos de criao se enterneciam e se enchiam de esperana. Do estgio, ficou no
corao de cada um de ns, a esperana, a f no ser humano e crena nas nossas
capacidades de remover montanhas.
No estgio, removi as montanhas da minha timidez, dos meus medos e da minha
insegurana e me apaixonei de vez pela profisso. Agradeo muito a Solange, professora de
Prtica de Ensino, que um dia vendo o meu desnimo disse: O que voc quer? Quer
ensinar? Ento priorize seus estudos. Com ela aprendi a priorizar os estudos e as relaes
humanas. Estudar, para compartilhar.
Toda a minha vida escolar foi palco onde eu enfrentava o desafio de vencer as duras
paredes da sala de aula e as muralhas internas, erguidas pela minha timidez, medo,
insegurana, e pelas castraes da educao rgida e repressora que recebi. Precisava de
273
algum que me estimulasse, que me dissesse: _ no tenha medo, sua voz bonita, voc
inteligente, fala. Esses algum foram os meus alunos de estgio, os mais doces e
verdadeiros sorrisos, que envolvidos em lgrimas fizeram toda a diferena de nossos olhares
sobre o mundo. (Naurelita)
No curso de Magistrio, os alunos davam aula na sua prpria sala e no primrio do seu
colgio, e faziam teatros, os quais eram abertos para todas as sries que quisessem
apreciar; as peas teatrais que Simone participou foram: O Menino Maluquinho, Tieta do
Agreste, o Campeonato de Futebol (criado pelos alunos), Joo e Maria (fantoche). No 2 ano
de Magistrio foi realizado o Pre-estgio em dois perodos: o primeiro durou 20 dias teis,
sendo apenas observao; o segundo durou 30 dias teis, e os estagirios auxiliavam a
professora regente, passando exerccios no quadro-de-giz, corrigindo as tarefas, tirando
dvidas dos alunos, brincando com eles na hora do recreio. Simone estagiou na 4 e 2
sries respectivamente. No 3 ano aconteceu o estgio propriamente dito, no qual os
estagirios assumiam realmente a sala de aula, durando 50 dias teis. Desta vez Simone
estagiou no pr-escolar.
A formatura, apesar de ter sido simples deixou os alunos super emocionados, saudosos,
felizes e tambm um pouco tristes, j que a turma iria separar-se, pois cada um tomaria um
rumo diferente; contudo ficariam guardados no fundo do corao de cada um. Assim, concluise uma etapa da vida de Simone Carine Reis Guerreiro. (Simone)
Do Alexandre Leal Costa sa para o ICEIA em 1995, com a finalidade de cursar o Magistrio,
o curso de formao de professores. Minha entrada no Magistrio foi um tanto engraada.
Como melhor aluno do ginsio, tive direito, mais uma vez, a vaga garantida em uma escola
de qualidade. O histrico escolar passava de uma escola para outra sem que meus pais e eu
precisssemos se preocupar com isso. S vi o histrico de toda a minha vida escolar quando
precisei do mesmo para me matricular na FAEEBA aps o resultado do vestibular. Perguntei
para a minha me qual o colgio que ela achava melhor e ela indicou o ICEIA. Escrevi no
papel o nome da escola e o turno em que queria estudar, o vespertino, e coloquei na urna do
sorteio.
Um ms depois, a professora Snia, de SOE, minha amiga at hoje, me veio com a notcia de
que eu iria para o ICEIA cursar Magistrio. Magistrio?! O que isso?! Indaguei. Voc no
sabe? o curso de formao de professores. disse ela muito calmamente perguntando se
era aquilo que eu queria e me mostrando o programa, alm do Magistrio, dos cursos de
Administrao, Contabilidade e Nutrio. Resolvi continuar com o Magistrio, afinal, j era de
se notar a minha capacidade de transmitir conhecimento.
Nos meus primeiros dias no ICEIA, achei o colgio enorme e muito desorganizado (as
escolas em que eu havia estudado tinham doze salas, no mximo). O maior colgio pblico
da Amrica Latina. Meu Deus! Estava meio indeciso. Pensei at em desistir do curso, mas
para fazer o que? (Mrcio)
populao iria ganhar mais que um salrio mnimo), no era valorizado, que era
desrespeitado pelos alunos e me olhou atravessado durante os trs anos que
passei no Magistrio [...]. A relao com sua me e o seu acolhimento, projetam em
Mrcio segurana, reforam seu desejo de ser professor e clareza sobre sua opo
pela profisso: [...] Minha me me apoiava o tempo todo no Magistrio e a acredito
que a influncia dela foi importante para que eu passasse pelo Magistrio sem
maiores problemas em casa. Meus anos no Magistrio foram os melhores da minha
vida at ento. At hoje sinto muitas saudades do ICEIA [...].
A potencializao das questes de gnero, as representaes sobre a
profisso e a formao so evidenciadas no espao do estgio, quando se v como
diferente, pela estranheza de si, em relao ao contingente feminino nos anos
iniciais do ensino fundamental: [...] No sei se pelo fato de ser diferente, de ser
homem em um universo dominado pelas mulheres. No mnimo chama ateno e
desperta curiosidade para saber se no fazer pedaggico eu sei, ou no, dar conta do
recado. Sobre essa questo, Catani et. al. (1998b) apresentam no texto Os homens
e o magistrio: as vozes masculinas nas narrativas de formao, tentativas de
averiguar formas das narrativas masculinas, suas composies, aproximaes e
distncias em relao s narrativas construdas por mulheres. No buscam as
autoras reafirmar e situar diferenas historicamente produzidas, mas indicar
elementos constitutivos dos relatos que potencializam outras compreenses sobre
os processo de formao. A anlise das narrativas masculinas empreendida pelas
autoras parte da criao social e histrica dos papis pensados para homens e
mulheres em relao construo de identidades de gnero. Evidencia-se que os
relatos so carregados de significados atribudos s experincias dos sujeitos,
revelando dimenses e representaes sobre a profisso na trajetria de
escolarizao e de formao.
As representaes construdas por Mrcio sobre o estgio e as primeiras
experincias docentes marcam a clareza da sua opo pela profisso e desvendam
em suas iniciais observaes da cultura escolar, nitidez na sua escolha, quando
referenda que [...] Tive a oportunidade de alm de observar, desenvolver algumas
atividades com a classe de crianas do CEB II. Notei que havia optado pelo caminho
correto, mas que ainda tinha que aprender muita coisa [...]. A adoo de uma boa
metodologia, sua implicao com o trabalho e com sua formao evidenciam
dimenses autoformativas nas experincias formadoras na sua trajetria de
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com uma colega de estgio, uma turma de 4 srie com 33 alunos crescidos, repetentes,
indisciplinados e desinteressados. A muito custo Carla e eu conseguimos o respeito e a
confiana dos alunos, que na metade do estgio em diante foram se tornando nossos aliados
quando Carla e eu resolvemos romper com as exigncias curriculares do ICEIA e do rsula
Catharino, orientadas pelo ter que dar esse ou aquele contedo, e os alunos
compreenderam a nossa proposta. J naquele estgio ficou presente a distoro entre a
teoria e a prtica e, devido aos meus dois anos de experincia em Novo Horizonte como
professor e pesquisador, quando pude mostrar para mim mesmo que possvel o
construtivismo, a interdisciplinaridade, a pluriclturalidade, a arte e educao, atendendo as
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Eu cai no magistrio por acaso. O curso em que preferia passar era Enfermagem, e na UNEB
ainda no tinha. Quando me inscrevi no olhei nem para a habilitao, fiz sem perceber.
Escolhi o curso de Pedagogia, porque naquele ano era o menos concorrido. (Beatriz)
Porque se revelou uma forma de eu retornar o que pretendo alcanar. Ento no final do ano
resolvi fazer pedagogia na UNEB, pois a concorrncia era menor. At ento nunca tinha
pensado em ser professora ou trabalhar na rea de educao. (Ourisvalda Teles)
O curso de Pedagogia no foi o nico pelo qual prestei vestibular, mas tambm os cursos de
Secretariado Executivo e Cincias Contbeis. Neste tambm fui aprovada, mas optei pelo de
Pedagogia porque era em universidade pblica. (Simone Carine)
Minha primeira opo era Psicologia, mas no passei. Simultaneamente fiz Pedagogia e
passei, ento resolvi cursar. (Rosana Benevides)
A sim, j foi uma escolha mais consciente com base nos xitos das experincias com o
Magistrio. (Marcio Nery)
Como fiz magistrio, optei pelo curso objetivando dar uma continuidade a minha formao, e
hoje posso dizer com certeza que valeu a pena, pois com o curso foi possvel ampliar mais
significativamente meus conhecimentos. (Lcia)
Optei por fazer vestibular para Pedagogia pela continuidade e especializao do curso de
Magistrio. Queria ser formada academicamente para a profisso. Como soube que o curso
da UNEB era o melhor de Salvador, tentei passar no vestibular e consegui. Gostei muito de
ter feito o curso nesta Universidade, embora alguns dos professores que tive no estivessem
muito comprometidos e empurrarem as disciplinas com a barriga. Nela fiz amigos e amigas
que espero ter para sempre. (Snia)
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Prestei vestibular em 1997 para UFBA disputando uma vaga em Odontologia e para a
UNEB concorrendo no curso de Nutrio. Na UFBA, fiz uma baixa pontuao, apesar de ter
achado a prova acessvel, e na UNEB consegui uma boa colocao, mas no foi suficiente
para conseguir a vaga. A esta altura, a famlia j tinha sido mobilizada, por duas vezes, em
decorrncia de problemas financeiros e a vontade grande de meu pai, de que eu estivesse
perto da famlia. Ele j estava trabalhando no Rio de Janeiro e eu, como estava instalada na
casa da minha melhor amiga por conta da mudana, decidi me impor e ficar em Salvador,
devido s decepes sofridas no primeiro processo de mudana e por no gostar do Rio de
Janeiro como cidade para se morar. Os meus pais e toda famlia foram imcompreensivos e
me consideravam desajuizada e, de certa forma, desertora. Fique muito tempo sem me
comunicar com a famlia, e os poucos telefonemas no eram nada amistosos. At que o meu
tio (irmo da minha me que foi acolhido pelos meus pais e morou conosco durante sete a
oito anos), insistiu para que eu morasse com ele. Corria tudo bem no nosso relacionamento
apesar das dificuldades financeiras, mas aps algum tempo ele no soube lidar com as
dificuldades e descontou sua insatisfao na nossa convivncia que se tornou insuportvel.
Dividimos apartamento com uma terceira pessoa de quem fiquei muito amiga. O meu salrio
como recepcionista mal dava para ajudar nas despesas dirias e uma prestao de servios
para uma empresa clandestina (meu primeiro trabalho me ensinou a desconfiar de tudo!),
resultou num joanete.
Trs meses antes do vestibular comecei a estudar sozinha pelas provas que j tinha feito.
Optei por pedagogia na UNEB, por achar a concorrncia pequena no ano anterior. Passei em
stima colocao e na UFBA passei somente na primeira etapa em nutrio. claro que
todos preferiam que eu passasse em Nutrio e eu tambm preferia, mas sonhava com o
ingresso na universidade. Antes de fazer a prova da UNEB, fiquei sabendo do resultado da
UFBA, que me abalou emocionalmente, mas no a ponto de fazer desistir. Os meus pais no
ficaram satisfeitos e o meu pai, em particular, queria que eu ligasse constantemente para
UFBA na esperana de haver uma segunda ou terceira lista... (Ana Ivone)
Ainda assim, sua escolha expressa representaes sobre a profisso como uma
misso muito importante [...] e, tambm, a desvalorizao por que passam os
profissionais de educao no Brasil. Para Maiesse, a escolha da Pedagogia refora
sua misso como profissional e referenda aprendizagens que sero construdas no
seu percurso de formao, tendo em vista ampliar a pouca experincia que tem na
rea educacional.
Inicialmente pensei em cursar psicologia, tanto que prestei trs vestibulares, mas no passei.
Foi quando me mudei para Montes Claros (Minas Gerais), e como s tenho condies
financeiras de cursar uma universidade pblica fiz vestibular na UNIMONTES (Universidade
Estadual de Montes Claros), mas esta universidade no oferece o curso de psicologia, ento
ao analisar os cursos disponveis, para ento fazer minha escolha, fiquei sabendo que a
grade curricular de pedagogia tinha uma grande parte de matrias ligadas psicologia, este
foi o primeiro fator que pesou na minha deciso em cursar pedagogia, o segundo foi que
gostei da rea de educao, cuja rea nos confere uma misso muito importante, embora
pouco valorizada no Brasil. Percebi que posso realizar um trabalho muito bom nesta rea,
apesar da pouca experincia que possuo, sempre obtive resultados gratificantes em meu
trabalho como educadora, pude vivenciar a prtica escolar desde a pr-escola passando por
todo ensino fundamental (da primeira oitava srie), com diferentes clientelas (crianas de
classes populares, classes mais favorecidas, jovens e adultos). (Maiesse)
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Fiz o vestibular em segredo. Ningum sabia. Nem os meus pais. Isso evitou cobranas,
expectativas e me deixou mais calmo. Fiquei sabendo da minha aprovao ao abrir o jornal
no Sbado de Carnaval de 1998. Guardei cuidadosamente o jornal e esperei a Quinta-feira
para ir ao ICEIA e depois a FAEEBA fazer a matricula. Depois quando meu pai jantava j a
meia noite, entreguei para ele e para minha me uma caixa enrolada em fitas e papel de
presente. Dentro da caixa estavam o papel da matrcula e uma mensagem dizendo: Mrcio
Nery de Almeida aprovado no vestibular da UNEB 1998. (Mrcio Nery)
Aps ter concludo o 2 grau, mudei-me para Salvador-Ba onde comecei a trabalhar. Aps
dezesseis anos, encarei o vestibular. No tive condies para pagar um cursinho pr
vestibular esforcei-me e estudei em casa. Passei na 1 etapa do vestibular da UFBA, porm,
perdi na segunda. Posteriormente (1997) ingressei na Universidade Catlica onde cursei o 2
semestre de Pedagogia. Ciente da impossibilidade de pagar as mensalidades participei do
processo de seleo prestado a candidatos a transferncia externa, ocorrido na UNEB,
graas a Deus passei. Optei pelo curso de sries iniciais do Ensino Fundamental por achar
uma habilitao mais abrangente no sentido de escolha em poder ensinar em vrias sries,
porque nas escolas no escolhemos a srie que vamos ensinar e sim, a srie que precisa do
professor. (Snia)
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Ao narrar sua incurso pelo mundo do trabalho, a partir da perda do seu pai e
da necessidade de ser arrimo de famlia, Ourisvalda relata as condies que a
obrigaram a fazer o curso de agronomia, fala das lembranas de seus professores,
do concurso pblico que fez, descrevendo aspectos de sua trajetria profissional e
as implicaes com a escolha da pedagogia.
Fui arrimo de famlia a partir dos 19 anos de idade, quando perdi o meu pai e achei que a
minha famlia ia se degringolar. Ningum me pediu, era praticamente a irm mais nova e
assumi esse papel, um papel espinhoso, que me custou anos de vida dedicados a situaes
familiares e muitos recursos tambm. Comecei a trabalhar desde cedo e, hoje, poderia ter
uma vida financeira folgada, caso no envidasse esforos como arrimo. Se me perguntassem
se eu me arrependo do que fiz, com total dedicao, provavelmente eu responderia que no,
at porque nunca devemos nos arrepender do bem do que fazemos e, sim, do que no
fazemos quando podemos. Mas, embora eu no esteja arrependida, s no faria da maneira
que fiz, em que praticamente esqueci de mim, estacionei a minha existncia. At porque,
vendo hoje os beneficiados (sobrinhos principalmente que esto bem encaminhados na vida),
vejo que praticamente resta pouca ou nenhuma gratido, sentimento to esquecido por essa
gerao atual.
Quando terminei o curso Cientfico vim para Salvador para comear a trabalhar, labutar pela
vida. O meu irmo mais velho, Ademrio, conseguiu um emprego para mim junto a uma
indstria de leo comestvel, a Industrial de Irec S/A, onde trabalhei por um ano e seis
meses. Nessa poca, a situao que envolvia os meus pais no estava boa e eu ento me
preparava para retornar a Cruz das Almas, inscrevendo-me no vestibular para Agronomia. Ao
fazer o vestibular, no mesmo ano, perdi o meu pai numa morte acidental, aos 59 anos de
idade e eu queria desistir. Passei no vestibular e alguns amigos, poca, no me permitiram
fazer isso.
Fiz o curso de Agronomia, no por vocao, mas por situao de vida. [...] Das lembranas
dos professores da Universidade, destaco o professor Alicio que tinha sido meu professor
desde o curso cientfico, ele tambm queria muito que eu viesse a ser professora da escola
de agronomia, mas tudo que eu queira era sair de Cruz das Almas e buscar apagar as
lembranas ruins que a cidade me trazia.
[...] Terminei o curso e fiz o concurso para a Emater-BA, hoje EBDA Empresa Baiana de
Desenvolvimento Agropecurio. Passei e fui trabalhar, em 1980, junto Unidade Operativa
de Ibitit, municpio da microrregio de Irec [...].
Era do meu conhecimento de que um tcnico agrcola, Manuel Messias, que trabalhou
comigo, tinha conseguido emprego junto ao Banco Econmico S/A, como tcnico de campo.
Assim que cheguei a Salvador, procurei o Econmico, mais especificamente a Econplan
Econmico Planejamento Ltda que, na pessoa de Jos Eduardo Andrade, me concedeu
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emprego. L, passei 8 (oito) anos, como Engenheira Agrnoma, que prestava orientaes e
supervisionava os trabalhos dos tcnicos de campo, inclusive controlando as operaes de
Proagro, programa que controla as operaes rurais, no que se refere s catstrofes naturais
a que esto sujeitas.
Depois do Econmico, passei pelo BRB-Banco Regional de Braslia, durante trs anos e,
agora, j estou no Banco do Brasil, h cerca de oito anos. J me encontro totalmente
desvinculada da minha formao profissional. Sou apenas uma bancria, que lida com
diversas transaes. Essa uma funo que o nico potencial de realizao que voc pode
extrair o diferencial que voc pode fazer ao atender o cliente. E isso, eu sempre busco
fazer. (Ourisvalda)
Fiz Vestibular para Pedagogia, porque estava vivendo um momento muito grande de
questionamento e achei que, cursar uma universidade, a partir daquele momento de minha
vida, seria por demais interessante. Na verdade, escolhi Pedagogia Sries Iniciais, porque
estava 18 (dezoito) anos sem estudar, considerando-me enferrujada acerca da atualizao
de conhecimentos e pensei que assim teria maior chance.
A bem da verdade, no pretendo ensinar, pelo menos Sries Iniciais. Prestei Vestibular,
pensando numa pretenso que tenho de montar uma escola, sendo que o curso de
Pedagogia me fornecer um bom embasamento para permitir o funcionamento de uma
unidade escolar significativa e que contemple as inovaes pedaggicas desse nosso
momento atual ou at outras que venham a surgir, desde que se mostrem capazes de tornar
mais atrativo o fazer pedaggico. (Ourisvalda)
Em 1997. No incio um pouco de insegurana, mas aos poucos fui percebendo que era aquilo
mesmo que eu queria e tudo ficou mais fcil. (Lcia Maria)
Sempre gostei do ensino e das atividades a ele relacionadas, j fui professora estadual, em
1978/79, em curso de 2 grau noturno. No dei continuidade porque fui trabalhar, como
agrnoma no interior do Estado da Bahia. (Ourisvalda Teles)
Minha experincia inicial lecionando foi no 2 grau, quando fiz Magistrio. Estagiei no prescolar, em uma escola particular, com 19 alunos (no tive dupla). Meu maior desafio foi
conciliar o estgio com o colgio, j que estudava pela manh e estagiava tarde. Tive todo
o apoio da professora regente, que estava todos os dias presente, auxiliando-me no que
precisava. Com os alunos no teve problemas, pois no eram indisciplinados e tinham um
bom rendimento durante as aulas. Minha primeira experincia em sala de aula no foi
traumatizante como a do mini estgio; realidades totalmente diferentes. (Simone Carine)
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entre a estagiaria da manh e a da tarde (eu!). Ela ficou muito sentida e preferiu me
dispensar. Dois meses depois ela se arrependeu e me chamou, mas eu preferi esperar uma
oportunidade melhor. A direo e coordenao da escola mantinham um clima tenso na
mesma. Agiam com prepotncia. Era preciso abaixar muito a cabea e agir como simples
operrio; que s executa ... Fiquei um tempo parada e depois fiz um estgio na Escola
Gnesis (Stella Maris). Foi muito puxado. Observei e assumi a classe tambm. Fiz planos,
estudei projetos, ajudei a elaborar relatrios e apresentei contedos estudados em livros
selecionados pela escola. Foi um estgio de quase 3 meses, no remunerado. Contudo, deu
certo. Vou ser contratada. (Ana Ivone)
Agradeo a Deus sempre, que dentre outras coisas, permitiu que eu participasse do projeto
com a Secretaria Municipal de Educao e ingressasse na pesquisa em Educao. Se no
fosse a experincia em sala de aula e a pesquisa que auxiliou e muito na compreenso dos
problemas da educao das comunidades de baixa renda da nossa populao, eu
certamente teria abandonado a Universidade ou estaria por a, ftil, infeliz e tomando
lexotam, como muitos. A experincia abriu novos horizontes para a compercuso de como
tentar e conseguir fazer uma educao que atendesse as necessidades e aspiraes das
comunidades de baixa renda que caracterizam a nossa populao.
Minha experincia mais significativa em sala de aula aconteceu em Novo Horizonte, escola
em que comecei a estagiar desde fevereiro de 1999 at dezembro de 2000 mediante
convenio firmado entre UNEB/SMEC para suprir carncia temporria de vagas que, no caso
de Novo Horizonte, devido ao descaso, eram permanentes.
Realmente a minha convivncia com Novo Horizonte, com a Unidade Escolar e a
Comunidade em termo
existncia
at ento,
Minha experincia inicial foi de muito medo e insegurana. Mas felizmente, consegui superar
essa sensao rapidamente. (Rosana Benevides)
289
157
Essa questo, Adriana da Costa Silva Martins (1999) sistematiza em seu texto, Cultura escolar e o
estgio supervisionado: consideraes sobre a rotina escolar e o estgio, o qual refere-se s
reflexes construdas pela aluna, no momento de concluso do Mini-estgio, realizado no perodo de
31 de maio a 15 de junho de 1999. As posies e questionamentos levantados pela autora reportamse ao choque entre o vivido no espao acadmico e a cultura escolar, na escola campo de estgio,
afirmando que compreender a cultura que ali se encontra j instalada, de certa forma cristalizada,
de fundamental importncia para redefinir o papel do estagirio frente realidade, tendo o mesmo
subsdio as possveis intervenes que no sejam to problemticas tanto para escola quanto para
os estagirios. Em tese, busca a autora refletir sobre o choque com a realidade e as concepes e
prticas sobre a docncia e a cultura escolar no momento do estgio.
290
desprivilegiando
os
tempos
espaos
de
formao
e,
158
Sobre essa questo, Souza (2003) apresenta no texto Cartografia histrica: trilhas e trajetrias na
formao de professores, uma analise de questes sobre formao de professores, a partir de uma
cartografia histrica sobre os embates travados entre o mundo oficial, representado pelas polticas de
formao do MEC e o mundo vivido, atravs das posies construdas e assumidas pelas entidades e
associaes cientficas, no que se refere formao de professores desde a dcada de 80. A partir
da relao contexto/conjuntura e demanda/legal, busco discutir e confrontar questes histricas sobre
a formao de professores e o curso de pedagogia, numa perspectiva histrica abreviada, no que se
refere s polticas de formao docente implementadas na sociedade brasileira, na tentativa de, a
partir da Lei 9.9394/96, analisar as polticas de formao no Brasil.
292
159
293
perspectiva
do
trabalho
de
investigao-formao
que
venho
160
294
Esses dois ltimos semestres para mim foram os mais cansativos, pois as exigncias eram
bem maiores com o trabalho desenvolvido em Prtica Pedaggica II e III. Mas valeu a pena,
pois todos eles para a minha carreira profissional exigem, principalmente a construo de
projetos pedaggicos. Aprendi muito. (Beatriz)
Achei que foi um bom trabalho, no que se refere s atividades desenvolvidas, atravs da
disciplina Prtica Pedaggica III. Fao uma ressalva, porm, com relao ao nmero de
atividades propostos, pois achei demasiado e at repetitivo nos seus contedos. (Ourisvalda)
Acredito que o trabalho de Prtica II foi um pouco prejudicado pela greve e deveria ter
entrado em sincronia com as metodologias. Mas ainda assim, foi muito proveitoso e
cansativo, tambm; bem como Pratica III, porm, este foi mais organizado e amenizado pelos
vrios feriados que permitiram a diminuio do stress. Todavia o professor tambm ajudou
bastante neste aspecto, ao manter a tranqilidade, compreenso, disponibilidade para o
dialogo, etc. (Ana Ivone)
O curso como um todo supriu as minhas expectativas e a disciplina de Prtica tambm. Sua
presena e pacincia, habilidade no orientar e tato no lidar com situaes difceis foi
fundamental para esse xito. (Marcio Nery)
A matria Prtica Pedaggica III no foi como as outras, cheias de teorias, mas para nosso
curso foi um momento culminante no nosso processo de graduao. O professor ajuda muito,
deixando-no vontade e ao mesmo tempo sabendo cobrar de forma flexvel. Aqui com
muita compreenso, pacincia e tica profissional. A hora de praticar, pesquisar, trabalhar.
Termino meu curso carente de muitas informaes e aprendizados que deveramos ter visto
em matrias anteriores.
No ltimo dia de aula, na festinha de encerramento do estgio, observando os olhinhos
brilhantes daquelas crianas e sentindo os abraos repletos de carinho que eles me davam,
pude compreender a importncia do trabalho que realizei. Fiz muitas cobranas e
295
dirio de aula, como uma atividade de reflexo sobre a prtica, aparecem com
regularidade nas narrativas das alunas. O excerto da narrativa de Lcia destaca sua
percepo em relao escrita e ao sentido que ela remete, quando diz que
Confesso que no incio achei um tanto tedioso e at desnecessrio o dirio de aula.
Contudo, com a consecuo do estgio percebi sua grande importncia como meio
de reflexo da prtica. (Lcia). O dirio de aula possibilita analisar a prtica
pedaggica, uma vez que instaura um relembrar sobre a prtica em sala, que servir
para melhorar aspectos didticos e pedaggicos vinculados ao trabalho docente. No
incio, eram recorrentes as queixas e reclamaes sobre a escrita, mas, j nas
primeiras partilhas sobre os dirios, o grupo foi percebendo a fertilidade da atividade,
o sentido de aproximar um olhar mais reflexivo sobre o cotidiano da escola e da sala
de aula e rever posies, posturas e dispositivos engendrados sobre o trabalho
docente revelado na escrita.
A escrita do dirio foi muito importante, pois um momento de elaborao e sntese de idias
compartilhadas em discusses que ocorrem entre alunos e professores. Com os registros
dirios podemos avaliar a aprendizagem do aluno, e o professor avalia tambm, a qualidade
do seu trabalho pedaggico. E, atravs dos registros, identifica-se o nvel de elaborao dos
alunos e o tipo de dificuldade singular, para que se elabore situaes didticas e seqncias
de intervenes com os desafios necessrios construo do conhecimento pelos alunos.
(Snia)
Me faz refletir sobre aspectos que me ajudaro na minha vida de professora e de outros que
no pretendo fazer na minha carreira. No estgio voc faz na turma de outra professora,
toma-se o lugar de uma pessoa que j est no ritmo e convivendo com ela desde o inicio do
ano, ai at do inicio da vida escolar do aluno, e que vem de fora percebe certos aspectos, que
talvez o professor regente no veja, e com a escrita do dirio pude perceber os meus erros e
o da regente tambm, o que me fazia mudar a metodologia e a escolha dos contedos e
objetivos para que elevasse o nvel de aprendizado dos alunos. (Beatriz)
Serve como base para uma reflexo sobre erros e acertos. Confesso que no incio achei um
tanto tedioso e at desnecessrio o dirio de aula. Contudo, com a consecuo do estgio
percebi sua grande importncia como meio de reflexo da prtica. Atravs do dirio o
professor, com um olhar de pesquisador, consegue identificar os aspectos que precisam ser
retomados e os meios de se favorecer o melhor andamento no processo ensino
aprendizagem. (Lcia Maria)
298
A escrita do dirio foi importante na medida em que com o mesmo pude observar o gosto dos
alunos, e, a partir da desenvolver atividades que fossem prazerosas para os mesmos e ao
mesmo tempo estimulassem o raciocnio. (Simone Carine)
O dirio de aula foi o registro de uma experincia dolorosa; que certamente servir como
objeto de estudo desde o inicio da sua escrita. Pode ser feita uma comparao entre
diferentes comunidades, estudo das metodologias e seus resultados, medio do equilbrio
emocional e profissional das estagirias ao final do processo, grau de stress, etc. (Ana Ivone)
A escrita do Dirio, para mim, foi um pouco desconfortvel. No sei explicar bem porque.
Pode ter sido preguia, ou pela obrigatoriedade de relatar os fatos diariamente, ou a falta de
habito de escrever, ou a dificuldade em elaborar os textos, no sei. Confesso que no estou
conseguindo passar uma definio concreta dos meus sentimentos. Ao ler o livro: A roda e o
registro dei importncia escrita do dirio e achei que seria fcil e interessante p-lo em
prtica, mas no momento do estgio no consegui resgatar este interesse. Pode at ser que
em outro momento, eu consiga tirar um melhor proveito na escrita do dirio reflexivo. Para
mim, foram muito mais significativas as reflexes que eu e minha companheira (Eline),
fazamos no final de cada aula ao analisarmos nosso desempenho e o progresso da turma
em relao ao plano de aula. (Rosana)
registro sobre a experincia docente, revelado atravs dos dirios de aula, remete as
estagirias a vivenciarem na formao inicial, atravs da escrita sobre as prticas,
uma poltica de sentido sobre o trabalho, um olhar de pesquisadora sobre o vivido e,
conseqentemente, implica um sentido formativo sobre o trabalho docente desde o
momento inicial da escrita.
O deslocamento construdo por Beatriz, quando da escrita do dirio, a faz
viver e relacionar dois papis, um de observadora da prtica da professora regente e
outro concernente a sua prpria prtica, quando diz que [...] com a escrita do dirio
pude perceber os meus erros e o da regente tambm, o que me fazia mudar a
metodologia e a escolha dos contedos e objetivos para que elevasse o nvel de
aprendizado dos alunos [...]. Os sentidos estabelecidos s condies pedaggicas e
sociais sobre os registros evidenciam formas de ser e estar na profisso seja atravs
do papel da estagiria ou das relaes com o fazer docente da professora regente,
distinguindo possibilidades de escolhas dos objetivos e contedos, implicando na
metodologia utilizada pela professora e na opo que constri frente ao trabalhado a
ser desenvolvido com os alunos.
O sentimento vivido por Rosana, quando da escrita do dirio como [...] um
pouco desconfortvel [...] ou como afirma Ana Ivone, como o [...] registro de uma
experincia dolorosa [...], remete-me dialtica entre a poltica de sentido do dirio
no espao da formao inicial e do estgio e a superao do registro como uma
tarefa ou atividade solicitada por outro, como mais uma obrigatoriedade do trabalho
da professora. Tenho observado que a disseminao e adoo, em larga escala, da
escrita narrativa161 e da escrita do dirio da prtica docente das professoras de
educao infantil e, pouco menos, de professoras dos anos iniciais do ensino
fundamental, configuram-se como uma atividade obrigatria de formao e de
controle do trabalho da professora, deslocando o sentido e as perspectivas
formativas da escrita. preciso entender que a escrita do dirio parte da implicao
e dos sentidos atribudos pelo sujeito em formao, superando a idia de uma tarefa
em si mesma e potencializando a perspectiva formativa da escrita no contexto da
formao inicial e continuada de professores.
161
Sobre essa questo, Nvoa faz uma significativa discusso, no texto Os professores e as histrias
da sua vida (1992c, pp. 13/30), sobre as perspectivas metodolgicas das Histrias de Vida, ao
apresentar uma sistematizao dos estudos desenvolvidos com nfase na abordagem biogrfica.
Afirma o autor que crescente o nmero, e de qualidade diversa, de diferentes pesquisas realizadas,
na ltima dcada, sobre as histrias de vida, os ciclos de vida, as memrias de professores.
300
investimento do ator falar e escrever sobre si, sobre sua histria de vida e de
formao que o sujeito constri sobre si mesmo.
A escrita da narrativa de formao permite diferentes entradas sobre a
constituio da identidade docente, do desenvolvimento pessoal e profissional e
formas de compreender a cultura escolar. A identidade profissional demarca-se
como um processo constante e contnuo, articula-se a diferentes tempos e espaos,
implica-se com as experincias e aprendizagens construdas ao longo da vida e
perpassa o tempo de formao inicial e de aprendizagem institucionalizada da
profisso. A identidade docente tambm reflete as intenes e deliberaes polticas
e scio-histricas forjadas nas polticas de formao, como forma de controle e de
organizao das mudanas educativas em seus diferentes tempos e espaos.
As histrias de vida e as narrativas de formao marcam aprendizagens tanto
na
dimenso
pessoal,
quanto
profissional,
entrecruzam
movimentos
Foi timo poder lembrar de minha infncia, me fez sentir grandes saudades, ramos todos
muito ingnuos, acreditvamos que toda misria vivida tinha o seu princpio no destino ou em
algo parecido, desconhecamos as questes polticas/sociais, contudo ramos felizes.
A minha prtica tem muito de mim, do que eu vivi. Identifico-me muito com os alunos oriundos
da classe popular e com eles mantenho uma relao cordial e de extrema sintonia.
Tento passar para eles informaes que no obtive na minha infncia, conscientizando-os do
porque dessa realidade cruel a qual ainda vivemos, e juntos buscamos encontrar respostas
para as questes que envolvem as nossas vidas. (Lucia Maria)
Resgatar os momentos mais significativos da minha infncia e vivncia escolar foi muito
enriquecedor, pois contribuiu para minha prtica no estgio, j que me fez encarar a
302
Relembrar me fez reviver e aprender mais com as experincias passadas, reafirmando o que
sou e porque sou. A minha postura como aluna/professora resultado dos princpios e
metodologias da minha poca de aluna; o que no quer dizer que estou condenada ou
condicionada a um determinado esteretipo. Sa uma cidad crtica! (Ana Ivone)
Escrever minha historia de vida para mim, foi recordar na escrita, o que j fao no meio de
meus irmos e amigos de infncia, quando nos encontramos. Amigos de escola no muito,
pois os que conviviam mais comigo eram verdadeiros. No fao muita relao com minha
prtica em sala de aula, se fao no percebo. (Beatriz)
Escrever sobre minha historia de vida foi prazeroso. A parte mais difcil foi fazer uma
retrospectiva da minha vida escolar sob a reflexo que desenvolvo hoje como educadora.
(Rosana Benevides)
Escrever a minha histria de vida foi uma atividade de enriquecimento pessoal e profissional
para mim enquanto educadora. Foi um momento de psicanlise, com o qual eu revivi
momentos de minha vida, os quais influenciaram na minha formao como educadora.
Como aluna do Curso de Pedagogia mantida pela UNEB e docente numa Classe de
Acelerao, vi que a inter-relao estabelecida entre estas duas posies, gerou
transformaes positivas em minha prtica pedaggica. (Snia)
Foi excelente! Retornar aspectos de minha vivncia escolar ajudou-me a refletir sobre a
importncia de no incorrer nos mesmos erros cometidos por alguns de meus mestres, fruto
da ignorncia pedaggica. (Naurelita)
303
304
em
um
tempo
marcado
por
muitas
dvidas,
incertezas
306
metodolgica,
como
potencialmente
significativas
para
162
Durante o primeiro semestre letivo de 2004, quando retomei as atividades acadmicas nas
Faculdades Integradas Olga Mettig, reafirmei a construo do Projeto Historiar: a arte de contar
histrias, o qual utiliza a abordagem biogrfica, atravs da utilizao do recurso da escrita da
narrativa, como uma das atividades desenvolvidas nas Disciplinas de Gesto e Assessoria
Pedaggica ao Professor e a o Aluno I e Estgio Supervisionado I. As memrias de escolarizao, no
contexto deste projeto de formao, possibilitam aproximar, numa perspectiva terico-prtica, a
compreenso do trabalho do coordenador pedaggico no espao escolar.
307
308
dimenso
pessoal,
quanto
profissional,
entrecruzam
movimentos
309
Foi timo poder lembrar de minha infncia, me fez sentir grandes saudades, ramos todos
muito ingnuos, acreditvamos que toda misria vivida tinha o seu princpio no destino ou em
algo parecido, desconhecamos as questes polticas/sociais, contudo ramos felizes.
A minha prtica tem muito de mim, do que eu vivi. Identifico-me muito com os alunos oriundos
da classe popular e com eles mantenho uma relao cordial e de extrema sintonia.
Tento passar para eles informaes que no obtive na minha infncia, conscientizando-os do
porque dessa realidade cruel a qual ainda vivemos, e juntos buscamos encontrar respostas
para as questes que envolvem as nossas vidas. (Lucia Maria)
Resgatar os momentos mais significativos da minha infncia e vivncia escolar foi muito
enriquecedor, pois contribuiu para minha prtica no estgio, j que me fez encarar a
educao de forma crtica e reflexiva, esclarecendo quanto minha postura enquanto
educadora.
Houve muita diferena entre minha vivncia escolar e minha prtica como professora, pois
procurei no cometer os mesmos erros que os meus antigos professores cometeram, como
por exemplo, a falta do ldico e as atividades decorebas, as quais me prejudicaram muito.
(Simone Carine)
Relembrar me fez reviver e aprender mais com as experincias passadas, reafirmando o que
sou e porque sou. A minha postura como aluna/professora resultado dos princpios e
metodologias da minha poca de aluna; o que no quer dizer que estou condenada ou
condicionada a um determinado esteretipo. Sa uma cidad crtica! (Ana Ivone)
Escrever minha historia de vida para mim, foi recordar na escrita, o que j fao no meio de
meus irmos e amigos de infncia, quando nos encontramos. Amigos de escola no muito,
pois os que conviviam mais comigo eram verdadeiros. No fao muita relao com minha
prtica em sala de aula, se fao no percebo. (Beatriz)
Escrever sobre minha historia de vida foi prazeroso. A parte mais difcil foi fazer uma
retrospectiva da minha vida escolar sob a reflexo que desenvolvo hoje como educadora.
(Rosana Benevides)
310
Escrever a minha histria de vida foi uma atividade de enriquecimento pessoal e profissional
para mim enquanto educadora. Foi um momento de psicanlise, com o qual eu revivi
momentos de minha vida, os quais influenciaram na minha formao como educadora.
Como aluna do Curso de Pedagogia mantida pela UNEB e docente numa Classe de
Acelerao, vi que a inter-relao estabelecida entre estas duas posies, gerou
transformaes positivas em minha prtica pedaggica. (Snia)
Foi excelente! Retornar aspectos de minha vivncia escolar ajudou-me a refletir sobre a
importncia de no incorrer nos mesmos erros cometidos por alguns de meus mestres, fruto
da ignorncia pedaggica. (Naurelita)
excelente, prazerosa, que foi algo inesperado, importante e caracteriza-se como [...]
um excelente instrumento de auto-anlise [...] ou como nos diz Snia, configura-se
como um [...] momento de psicanlise, com o qual eu revivi momentos de minha
vida, os quais influenciaram na minha formao como educadora [...] ou como
afirma Naurelita, quando relaciona a escrita de si com os modelos e dispositivos
apreendidos em sua trajetria de escolarizao, revelando que [...] Retornar
aspectos de minha vivencia escolar ajudou-me a refletir sobre a importncia de no
incorrer nos mesmos erros cometidos por alguns de meus mestres, fruto da
ignorncia pedaggica [...].
Sob o ngulo da formao e das itinerncias dos sujeitos em processo de
formao, a escrita da narrativa, por partir das experincias formadoras e das
recordaes-referncias, exige atividade psicossomtica em diferentes nveis.
Mesmo que o objetivo do trabalho no seja, a princpio, uma entrada teraputica nas
histrias de vida dos sujeitos, a escrita mobiliza associaes livres sobre a
interioridade, a socializao de autodescries formadoras, competncias verbais e
relacionais sobre as trajetrias de escolarizao, formao e autoformao no
decurso da vida e da constituio de identidade e subjetividades. Embora apaream
nas narrativas das alunas referncias escrita como um trabalho de auto-anlise ou
como um trabalho teraputico associado psicanlise, entendo que o trabalho
centrado na narrativa de formao evidencia questionamentos e potencialidades
frteis sobre as experincias formadoras da profisso e saberes contextualizados
num espao e tempo histrico sobre a profisso.
A escrita autobiogrfica configura-se como um ato de reflexo e inveno do
eu. O mergulho na interioridade e as relaes contextuais de desenvolvimento e
formao, atravs do pacto autobiogrfico, vivido pelo sujeito em seu processo de
formao, possibilita, a partir do conhecimento e da singularidade de cada ator e
autor no seu percurso de formao, revelar dimenses histrica, cultural, contextual
e constitutiva das identidades dos sujeitos em formao que a escrita de si e sobre si
oportuniza.
O relato de formao permite ao sujeito refletir sobre as experincias,
distinguindo-as dos acontecimentos vividos em sua itinerncia, atravs da narrativa
de formao, revelando sua identidade narrativa a partir da escrita. A adoo da
escrita da narrativa como potencialidade de formao, atravs da abordagem
biogrfica ou experiencial, permite s alunas, mediante as entradas que fazem sobre
312
313
REFERNCIAS
In:
VEIGA,
Ilma
Passos
Alencastro
(Org.)
Caminhos
da
314
315
316
317
319
Docente:
professor(a)-pesquisador(a).
So
Paulo:
Mercado
de
320
321
322
323
324
325
326
328
Jlio
Emlio
Diniz
Formao
de
professores:
pesquisa,
Philippe
A prtica
reflexiva
no ofcio de
professor:
329
Pedro
Seixas.
Lisboa:
Instituto
Piaget,
1999.
(Coleo
Horizontes
Pedaggicos)
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PINHO, Ana Sueli Teixeira de - A heterogeneidade fundante das classes
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presente. 2004, 179 p. Dissertao (Mestrado em Educao), Programa de Psgraduao em Educao e Contemporaneidade, Universidade do Estado da Bahia,
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330
2002.
Anais
on-line...
Caxambu,
2002.
Disponvel
em
333
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Brasil
(1982-1991):
avaliao
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BOSI, Ecla Memria e sociedade: lembranas de velhos. So Paulo: T.A.
Queiroz, 1979.
335
336
Anexo
337
Anexo I
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS I
HABILITAO: SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
PRTICA PEDAGGICA II
TRAANDO O SEU PERFIL Maro 2001
I - IDENTIFICAO
Nome______________________________________ Nascimento: ____/ ____/ ____
Endereo: ___________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________CEP: ____________________
Fone: _________________ Celular: _______________ E-mail: _________________
Empresa ___________________________________________________________
Funo ____________________________________________________________
Endereo __________________________________________________________
__________________________________________ Fone: ___________________
Diretor (a) da escola __________________________________________________
Coordenadora _______________________________________________________
II - QUESTES GERAIS
1. Quais expectativas voc tem sobre esta disciplina?
Anexo II
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO - DOUTORADO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS I
HABILITAO: SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
PROJETO: Memria Educativa:
recortes de um eu em crescimento...
Estamos comeando mais uma jornada. Temos certeza de que este um momento
fundamental para a definio do professor/professora, e conseqentemente do trabalhador em
educao que almejamos ser.
Resgatar a sua histria de vida, o marco inicial das atividades que desenvolveremos em
Prtica Pedagogia II durante este semestre.
Para tanto, necessrio que voc compreenda seu papel enquanto estagirio/pesquisador
demarcando, assim, os momentos significativos de sua existncia, a partir de sua vivncia escolar.
Nesse sentido, preciso disponibilidade e sagacidade para que voc possa ... aproveitar as
atividades comuns de sala de aula e dela extrair respostas que reorientem sua prtica pedaggica
com os alunos... (Kenski, 1994:41)
PROPSITO.
1 - Resgatar a histria de vida, remetendo-nos a uma leitura do que mais queremos enquanto
professores/professoras, refletindo e recordando os momentos significativos de sua
existncia.
2 - Compreender seu papel enquanto professor/pesquisador demarcando, assim, os momentos de
sua vivncia escolar, tomando como base uma reflexo sobre a Educao / a Escola e a Sociedade
atual.
METODOLOGIA.
Vamos comear a fazer uma viagem, contar uma histria, onde, com certeza, voc o
narrador e o personagem principal, por isso, pense, reflita e busque recordar os momentos
significativos de sua histria de vida. Caso seja necessrio consulte/colete documentos, relatos, fotos
da poca e procure narrar sua histria com singularidade.
1 - Gnese: ao que mais quero?
2 - Minha Infncia.
2 - Vivncia Escolar:
2.1. Significado da educao na conjuntura atual.
- a escola que tive e que temos.
2.2. Primeiras experincias com a escola;
- aprendendo a ler (o mundo / a palavra);
3 - A educao: minhas perspectivas:
- Funo social da escola quanto:
- aos contedos de ensino;
- aos mtodos;
- a avaliao;
- a disciplina da/na escola;
- relao professor X aluna.
4 - Por que o Curso de Pedagogia.
5 - O ser professor/professora hoje: aprendizagens e desafios.
Sucessos e Bom Trabalho!!!!
___________________________________________________
Material elaborado pelo Prof. Elizeu Souza, para fins didticos.
339
Anexo III
340
5. Operacionalizao:
- Concepo. Descrio do fazer.
- Iniciao, desenvolvimento, culminncia.
6. Avaliao (concepo/descrio)
7. Bibliografia
Plano Dirio:
Dados de Identificao
Tema
Sub-tema
Objetivo geral
Desenvolvimento
Obj.
Especfico
Contedos
Procedimentos
Horrio
Recursos
Avaliao
Bibliografias:
Observaes:
Concluso;
Bibliografia;
Anexos.
BOM TRABALHO!
Elizeu Souza
341
Anexo IV
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS I
HABILITAO: SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
PRTICA PEDAGGICA III
PERFIL FINAL - Maro 2002
I IDENTIFICAO
Nome_____________________________________ Nascimento: ____/ ____/ ____
Endereo: __________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________CEP: ____________________
Fone: ________________ Celular: _______________ E-mail: __________________
Empresa/Escola______________________________________________________
Funo _____________________________________________________________
Srie ou Ciclo ________________________________________________________
Endereo ___________________________________________________________
___________________________________________ Fone: ___________________
Diretor (a) da escola ___________________________________________________
Coordenadora _______________________________________________________
II - QUESTES GERAIS
1. Quando voc comeou a lecionar? Descreva um pouco a sua experincia inicial...
2. Por que a escolha do magistrio?
3. Por que a escolha do Curso de Pedagogia?
4. Como foi para voc escrever sua narrativa da vivncia escolar? Voc estabelece
alguma relao com sua prtica enquanto professora/professor (seja na sua sala de
aula ou na sala que desenvolveu o estgio)?
5. Que significado tem para voc a escrita do dirio de aula?
6. Espao reservado para comentrios sobre o trabalho desenvolvido em Prtica
Pedaggica II e III.
Terra, maro de 2002.
342
Anexo V
CARTA DE CESSO
_________________________
Assinatura
343
344
Sumrio
Memria Educativa
Lucia Maria Lima
predicados que o tornou atraente para minha me. Comearam um namoro que no
era bem visto pela famlia dela.
Minha me tinha inmeras prendas domsticas: costurava, bordava,
cozinhava, fazia doces, etc. Seu gentipo denunciava a intensa mistura de etnias
que a originou. Sua av materna tinha origem portuguesa, seu av materno era
negro; do lado paterno s tinha conhecimento da av que era ndia. De estatura
mediana, tinha traos marcantes e uma personalidade forte. Apaixonada por meu
pai casou contra a vontade da famlia: me e irmos, pois j no tinha pai, perdeu-o
quando tinha apenas nove anos de idade.
Meus pais iniciaram a vida a dois sem nenhuma estrutura. Casaram no
religioso e se viram de repente sem casa e sem o apoio da famlia de minha me.
Foram morar com uma irm dela, a nica que concordava com a relao dos dois.
Em pouco tempo meu pai construiu ele prprio sua casa. Os filhos chegaram e,
apesar da extrema pobreza ramos muito felizes. Havia muito amor entre a gente.
Foi, portanto, num ambiente muito pobre e paradoxalmente muito feliz que eu
vim ao mundo.
A nossa famlia acreditava que a pobreza era uma espcie de desgnio de
Deus. Vivia alheia as questes polticas e scio-ecommicas do pas. Em 1963, o
Brasil vive em crise econmica, e principalmente poltica.
Quando Jnio Quadros renuncia ao cargo de presidente, em 1961, alguns
militares, ministros e polticos da UDN tentaram impedir que se cumprisse a
Constituio, alegando que Joo Goulart, considerando Getulista e at comunista,
no poderia assumir a presidncia do Brasil. A Campanha da Legalidade lanada
pelo ento governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, conquista o apoio de
boa parte da populao e o medo de uma guerra civil contribuiu para o
estabelecimento de um acordo entre as partes antagonistas: Joo Goulart assumiria
o poder desde que se instaurasse o regime parlamentarista no pas. O regjme
parlamentar ganhou impopularidade e em janeiro de 1963, num plebiscito, os
brasileiros decidiram pela restaurao do presidencialismo.
Enquanto isso, o pas se deteriorava econmico-financeiramente. A inflao
atingiu o ndice de 80%, afetando o poder aquisitivo da classe trabalhadora. As
presses salariais cresciam rapidamente e Jango opta por fazer reforma ( agrria,
administrativa, fiscal e bancria) que prejudicavam os interesses de grupos
conservadores dominantes. Alm disso, Jango estabeleceu medidas que visavam
conter a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior, o que vai lhe
valer a oposio dos EUA e dos grupos ligados ao capital internacional.
Estava montado o quadro que iria culminar no golpe militar de 1964.
Enquanto tudo isso acontecia l fora, nossa famlia, praticamente sem
nenhum veculo de comunicao (no tnhamos sequer um rdio de pilha nessa
poca) desconhecia a realidade do pas. Os nossos eram problemas corriqueiros, do
cotidiano, porm um deles era bem real: sustentar uma famlia com nove membros
(pai, me e sete filhos) com o quase simblico salrio de pedreiro era um quebracabea para ser montado diariamente. Porm, tnhamos problemas bem menores,
tais como: as briguinhas entre irmos (davam muita dor de cabea a minha me); as
insinuaes maldosas de uma tia-av nossa em relao a minha paternidade (ela,
sempre que visitava minha me, perguntava a quem eu sara branquinha). Tinha
alguns irmos to branquinhos quanto eu, s que aqueles tinham cabelos crespos.
Eu era uma criana branquinha, cabelos lisos e bem pretos, olhos
apertadinhos, lbios cheios e rosados. Todos me achavam uma criana linda,
mas, a exceo de minha tia, conseguiam encontrar semelhanas com este ou
aquele parente: ora eu era a cara do pai, ora eu era parecida com uma irm, uma
tia... Na verdade, herdei do meu pai, alm de outras coisas, a cor clara; o cabelo,
que na primeira infncia era liso, era herana gentica da famlia de minha me.
MINHA INFNCIA
Embalada na rede, o sono chegava mansamente. Lucinha, (apelido de
Marluce), minha irm imediatamente mais velha, j no mais me derrubava
propositalmente, tomada pelo cime de meus pais. Agora, ela me defendia, como
uma leoa, do ataque de outras crianas. Eu era uma menina bem comportada,
obediente e jamais entrei em luta corporal com outra criana. Por isso, as vezes
precisava ser salva, ou vingada, das mordidas de uma priminha da minha idade. Isso
Lucinha sempre fazia.
Morvamos prximo a um pequeno aude (o Tanque da Olaria) era muito
bom acompanhar, nas madrugadas frias, meu pai nas pescarias: ele jogava o anzol
e deixava l durante toda a noite, pela manh, a boia sinalizava o peixe fisgado. As
vezes pescvamos tambm no rio Pojuca, que passava perto da nossa casa.
Minha me tinha uma santa pacincia conosco. Enquanto meu pai passava o
dia no trabalho, ela esperava, cuidando da pequena roa, da casa e dos filhos, o
retorno do marido, que vinha sempre com doces, queijadas, pes de cco, para os
filhos e carinhos e afagos para ela. Ele assobiava antes de chegar em casa e, nossa
me corria conosco para encontr-lo. Foi sempre assim enquanto estivemos juntos.
Enquanto os mais velhos ajudavam nossa me, eu, Lucinha (Marluce) e
Dinha (Dalva), que ainda no trabalhvamos em nada, inventvamos dezenas de
brincadeiras. claro, que com apenas dois aninhos, eu tinha pouca
representatividade nessas brincadeiras. Mas, participava de todas ou quase todas.
Quase sempre de p no cho e apenas de calcinha, ns, lambusadas de suor e
terra, ramos, por vezes, comadres com nomes falsos, que iam juntas as compras,
cozinhavam juntas e falavam de suas famlias. O mandacaru era a carne, as vagens
de fedegoso era o feijo (as vezes era a semente do tomate); vivamos num mundo
de fantasia.
Nas datas de aniversrios, as vezes, nossos pais nos dava o privilgio de
transformar as nossas pseudo comidas em pratos reais. Assim, nesses momentos,
nas nossa panelas, tinham carne de verdade e nossas bebidas eram refrigerantes.
Alm de brincarmos de comadres, divertamos tambm com as simulaes de
candombl, sempre que nossos pais no estavam, pois estes afirmavam que aquilo
era coisa do demnio.
Tinha tambm as simulaes de vaqueiros conduzindo bois para o matadouro
(bois e vaqueiros eram representados por ns); as bonecas de pano, feitas por
nossa me, que tinham nomes e uma histria de vida criada por ns.
Em 1966, meu pai comprou um terreno maior do que aquele em que
morvamos, mais distante da cidade, com algumas rvores quase morta pelo
abandono. Era uma antiga chcara, que tinha sido ocupada pela plantao de sisal.
Meus pais sonhavam em refazer a chcara e antes de mudarmos, iam com
frequncia realizar o penoso trabalho de arrancar o sisal sem o uso de uma
mquina. Assim, era constante a ausncia dos meus pais em casa, o que nos
deixava livres para fazer muitas traquinices, do tipo: tomar banho no aude, correr
atrs das galinhas como se essas fossem gado, simular festas em terreiros de
candombl (embora nossa me, catlica extremada, tivesse averso ao culto aos
orixs, nosso av materno tinha sido pai de santo), etc.
tudo que era texto escrito, dos livros da escola a rtulos de produtos. Era um mundo
novo que se abria a minha frente e eu tinha muita sede de aprender.
J sabia ler, escrever e contar quando fui pela primeira vez escola. Embora
minha capacidade ler de forma crtica o mundo a minha volta fosse totalmente
limitada, eu era considerada uma aluna alfabetizada.
VIVNCIA ESCOLAR
Com muita timidez me preparei para o meu primeiro dia de aula numa escola
fora de casa. Uma sensao esquisita tomava conta de mim: ao mesmo tempo em
que sentia medo, sentia tambm uma espcie de euforia. O novo me assustava e
me excitava ao mesmo tempo.
O momento to esperado e temido, finalmente chegou. Vestida com uma
cala azul de tergal, uma blusa branca com o escudo do colgio, sapato preto, tinha
os cabelos molhados e penteados com cuidado. Levava na mo um caderno, um
lpis grafite e uma borracha.
Aguardei ansiosa a chegada dos filhos do vizinho mais prximo com quem eu
iria at a escola.
Trs quilmetros e meio separavam minha casa da escola. Passos curtos, em
silncio pareceu um sculo o tempo gasto na caminhada.
E l estava ela, a escola, o Centro Educacional da Casa So Jos, o colgio
das freiras, o maior e melhor de Santa Brbara. Como era da rede privada, s
recebia alunos que, como eu, no podiam pagar a mensalidade mediante
pagamento em gneros alimentcios. O aluno deveria tambm fazer a limpeza das
salas de aula depois do expediente.
Nunca cheguei a fazer as tais limpezas, pois minhas irms mais velhas faziam
isso por ns.
Fiquei assustada com o nmero de alunos: eram tantos! Me senti perdida
naquele mar de meninos e meninas fardados. O barulho de vozes, tantas vozes,
me deixava meio zonza. O som forte da sineta reuniu todos porta de entrada e em
poucos minutos, sob a voz enrgica de irm Hildete, vrias filas se formaram e o
silncio era pleno. Tentei acompanhar o pai nosso e a ave Maria (embora soubesse
as duas oraes, me sentia um tanto desnorteada com tudo.
Veio a sala de aula. Encolhida num canto respondi a chamada da professora.
O meu nome soava, na boca dela, to estranho.
No me lembro se a professora se apresentou para a turma, mas fiquei
sabendo mais tarde que ela se chamava Quinda (nunca soube seu nome completo).
Sempre reservada, nunca conversei pra valer com ela.
Depois vieram outros dias de aula e eu, aos poucos fui me acostumando com
a escola, a professora, os colegas. No cheguei a fazer nenhuma amizade que
merecesse um citao nestas pginas.
Adorava as aulas de Portugus e odiava as de Matemtica. Isso, mais tarde,
iria se refletir nas notas.
A rotina de sala de aula era esta: chamada nominal, correo do Dever de
Casa, novo assunto, exerccios, ditados, contas, tabuada e, de vez em quando, um
trabalho em grupo para casa. Como era difcil a realizao destes trabalhos! Todos
os meus colegas moravam na cidade enquanto eu morava na roa. Voltar tarde
para a cidade era quase impossvel. Por outro lado, a primeira coisa que o grupo
fazia era repartir o que se gastaria na compra de material necessrio para a
realizao do trabalho entre os componentes da equipe. Eu nunca tinha dinheiro.
Nesta poca, mesmo nas escolas pblicas, todo material usado pelo aluno
era comprado pelos pais ou responsveis daquele. O governo no subsidiava o
ensino pblico no tocante a material de expediente.
Aos poucos fui percebendo que o colgio So Jos era uma espcie de
quartel general, onde as ordens da superiora, jamais, em hiptese alguma, poderiam
ser contestadas (pelo menos por ns, alunos).
Havia uma total rigidez no que se referia ao horrio de chegada e sada e ao
uso do uniforme escolar.
Educada para ser obediente, eu acatava fielmente as leis da escola. Jamais
pensei em reclamar se quer de qualquer arbitrariedade cometida por professores,
diretora ou freiras.
Ficar na sala de aula todo o tempo era a palavra de ordem. Eu levava isso to
a srio que s ia ao banheiro quando j no aguentava mais.
O tempo foi passando: segunda, terceira, quarta srie. Quase nada mais era
novo. Alguns novos colegas, uma nova professora, contedos novos e acabava a a
novidade.
Veio ento a quinta srie. J no havia mais a separao primrio/ginsio,
mas, mesmo assim ir para a quinta srie gerava uma bela expectativa.
Novas dificuldades se apresentaram ento: j no eram apenas quatro
disciplina, mas onze Portugus, Matemtica, Geografia, Histria, Cincias,
Religio, Tcnicas Agrcolas, Tcnicas Industriais, Educao para o Lar, Ingls e
Educao Artstica, por morar distante da escola fui dispensada de Educao Fsica.
Cada disciplina representava um ramo especfico do conhecimento e eram
ministradas por professores diferentes, de forma isolada. Assim, discutir poltica era
coisa pra Histria, texto era estudado apenas em Portugus, etc.
O que mais me lembro ter estudado em Portugus, foi anlise morfolgica e
anlise sinttica, alm de conjugar verbos e mais verbos. Recordo, tambm os
longos questionrios (de at quarenta questes) de Histria. Decorava ou a noite ou
ao amanhecer, sempre em vspera de prova. Dividia o total de perguntas de cinco
em cinco para decorar. O problema era quando esquecia uma palavra ou at uma
vrgula: esquecia todo o resto e estava perdida na prova.
Era freqente termos um professor de Matemtica ministrando aulas de
Portugus e vice-versa. Professores cursando licenciatura em Biologia dar aulas de
Matemtica, sem contar com o grande nmero de professores com segundo grau
apenas atuando em salas de quinta a oitava srie.
Gostava muito da escola. Melhor estar l do que na roa trabalhando pesado.
Alm disso, meus pais, usando o provrbio boa romaria faz quem em sua casa est
em paz no deixava a gente visitar vizinhos, nem mesmo aos domingos e feriados.
A escola era o lugar da socializao, o local dos encontros.
Passou a quinta, veio a sexta, a stima, a oitava srie.
Eu j era outra estudante. Mais madura, tinha mais segurana, apesar da
timidez atrapalhar bastante ainda.
Tinha construdo algumas amizades dentro e fora da escola. Apareceram os
primeiros paqueras, o desejo era o mais novo sentimento em mim: desejava tanta
coisa... E sonhava de olhos abertos.
Quando sobrava um tempinho entre uma atividade da escola e as vrias
atividades domsticas, adorava ler. Lia um pouco de tudo: romances clssicos de
Machado de Assis, de Jos de Alencar e outros; revistas em quadrinhos, gibis,
Jlias, Sabrinas, e o que viesse.
No segundo grau tive que dividir o interesse pela escola com outros
interesses que apareceram. Adorava danar, paquerar, namorar e, de vez em
quando viajar para Salvador. Ficava na casa de minhas irms, que por este tempo
moravam nesta cidade.
Meio dispersa em sala de aula, ouvia em alguns momentos reclamaes de
professores voc poderia render mais, o que est acontecendo com voc? J no
via a hora de terminar o colegial. Os vrios anos de sacrifcios para continuar
estudando me desgastara. Eram seis quilmetros dirios de caminhada; estudava
sem livros, pois meu pai no tinha dinheiro o suficiente para compr-los, essas, entre
outras dificuldades, estiveram presentes em toda minha vida escolar.
Fiz magistrio, tanto porque queria ser professora quanto porque era a nica
opo que podia fazer. Em Santa Brbara esse era o nico curso de segundo grau
oferecido.
Mesmo antes de terminar o segundo grau j praticava o magistrio em
bancas ministradas em casa e, mais tarde numa escola rural, substituindo uma das
minhas irms. Apesar disso, o estgio representou pra mim um momento de crise
profissional: ser que queria mesmo ser professora? Achei todo processo de
planejamento, observao, co-participao que antecedia o estgio propriamente
dito um tanto quanto deslocado da realidade escolar que tnhamos. O estgio ento,
era uma pobre representao do real. O professor regente de classe, feliz retirava-se
de sua sala, cedia lugar para o estagirio, ia viver frias fora de poca; os alunos
conscientes de que o estagirio no podia reprovar (o estgio acontecia na terceira
unidade) despreocupados entravam naquele jogo de faz de conta, onde a aparncia
valia mais que a essncia. O estagirio, eu no caso, preparava um material (planos
de unidade e de aula, murais, cartazes, dobraduras, etc.) que mal sabia utilizar em
sala, um material bonito, mas sem grande utilidade prtica, dada a nossa realidade.
Fico pensando, as vezes que todo aquele material era mais pra mostrar a professora
de Prtica de Ensino do que para utilizar com eficincia em sala de aula.
No final do estgio, o que sobrara? O retorno do aluno a mesmice e um
relatrio floreado dos meus malfadados dias; claro que ali continha toda a minha
tentativa de inovao educacional.
No fosse a sensao de ter feito o aluno de cobaia, e de ter sido eu prpria
tambm cobaia, teria dito: finalmente o dever cumprido!
O SER EDUCADOR HOJE
Ser educador hoje quebrar as amarras com o velho e a partir de propostas
educacionais inovadoras conduzir o processo ensino/aprendizagem a objetivos mais
concretos, visando a construo de um novo cidado.
A escola oficial e autoritria cede aos poucos lugar para o aluno como centro
do processo educacional.
S teremos uma escola pblica, gratuita e qualificada se suas necessidades
no mais estiverem atreladas as exigncias do mercado.
Muito se tem feito pela educao no Brasil hoje. Porm, tem se gastado muito
com as questes burocrticas, o que representa um entrave aos avanos
conseguidos no campo terico.
Os Parmetros Curriculares Nacionais trazem uma proposta que, apesar de
inovadora, continua desconhecida por boa parte dos profissionais que atuam em
salas de aula do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio.
O uso, ou tentativa, de uma metodologia nova, porm pouco conhecida tornase responsvel por um fracasso ainda maior nas escolas.
Na Bahia, especificamente, alguns projetos como o PDE (Plano de
Desenvolvimento da Escola) esbarra em questes de mbito poltico, na inrcia de
alguns diretores de escola e na ignorncia e desinteresse de alguns professores que
usam o carter mecanicista do projeto para justificar o desinteresse. No est se
colocando aqui a eficcia ou no do projeto. O que se quer mostrar que qualquer
projeto, at para se criticar, deve ser conhecido.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Lei 9.394/96) no avana
muito. Alguns setores da sociedade continuam no beneficiados por ela, a exemplo
do aluno rural, da periferia das grandes metrpoles, do aluno negro, etc.
Enquanto a poltica educacional do pas ignorar a formao do professor
como um dos principais eixos que movem a educao, esta haver de andar aos
tropeos, emendando-se aqui, partindo-se ali. No falo apenas da formao
profissional, mas tambm, e principalmente da formao poltica. Pouco adianta
projetar uma escola que dever formar cidados conscientes, se aqueles
responsveis por esta formao, ainda no so cidados conscientes.
CONSIDERAES FINAIS
Realizar este trabalho foi como reconstruir das cinzas uma antiga casa. Juntar
bloco aps bloco, tijolo por tijolo, e ver aos poucos toda uma histria de vida
escondida nas runas reaparecer.
Numa viagem interior resgatei o meu eu mais escondido. Como se a vida
pudesse retroceder, reaver cada emoo vivida h tanto tempo.
Como num quebra cabea, cada pea nova orientava o prximo passo a
seguir, surgia minha histria. Cada vez mais ntida.
Claro deve ficar que muito se perdeu nestes anos vividos. No foi possvel
resgatar tanta coisa... detalhes, s vezes anos de vida. E a gente nem percebe, na
dura lida, que jogamos no lixo tanta histria.
Resgatar minha memria me fez aguar minha conscincia do ser histrico
que sou.
A mulher, a me, a esposa, a amiga, a professora, tambm fruto da minha
construo cultural.
Olhando o que fui, revolvendo o que sou, percebendo o meu presente como
algo mutvel, poderei ser melhor ou pior, depende principalmente de mim.
Um campo de possibilidades se abre nesse instante diante de mim. E como j
dizia Raul Seixas, Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante (...) do que ter aquela
velha opinio formada sobre tudo.
MINHA GNESE
Snia Maria Sampaio Mota Vasconcelos
O futuro s vem se a gente o fizer. Se a gente o fizer
transformando o presente. O futuro no est ali s
escondidas, pela nossa chegada, para nos surpreender e
para nos fazer dizer: Olha o fato aqui! Estava se escondendo
de mim! O futuro s vem se a gente construir. Se a gente
transformar o presente com vistas ao perfil, ao sonho ou
utopia. Paulo Freire
VIVNCIA ESCOLAR
Quando cheguei escola para cursar a primeira srie, j estava alfabetizada.
Nesta srie, a professora chamava-se Dona Jlia uma senhora forte, me de muitos
filhos.Professora leiga, que tinha uma carta do estado para ensinar naquele lugarejo,
morava na prpria escola, uma imensa casa, com muitos quartos e uma sala de
formato retangular muito grande, na qual ministrava s aulas, geralmente com uma
turma de meninos e meninas de diferentes idades e sries.
Eu e minha irm mais nova amos para a escola impecvel, vestidas com saia
de prega e blusa banca. Minha me penteava nossos cabelos tipo rabo de cavalo,
esticando tanto, que doa, mas eu gostava porque ficvamos muito bonitas.
As lies eram tomadas na carteira da professora, aluno por aluno,
geralmente a aula dividia em dois tempos: passar deveres no caderno e tomar as
lies carquilhas vezes no dava tempo tomar a lio de todos e assim, ficava para
outro dia.Ela sabia se o aluno estava aprendendo ou no, ento, colocava cruzinhas
na mesma pgina para indicar se o aluno estava atrasado.
a Deus tive continuidade tambm nesta escola, pois geralmente tnhamos pelos os
professores muito respeito e carinho. Os educadores eram responsveis, ciente do
seu papel como educador.Via-se claramente sua boa vontade, preocupao com o
comportamento do aluno.
Eu gostava muito de minha professora da 2 srie, ela era educada,
agradvel e carinhosa. As aulas eram prazerosas, costumvamos trabalhar em
grupos e decorvamos a sala com cartazes confeccionados pelos prprios alunos,
orientados pela professora. Outro fato que lembro com prazer, diz respeito s festas,
em especial a do dia das mes.Era um momento em que enfeitvamos a escola
com muitas flores e colocvamos nas mesas as melhores toalhas bordadas. Todos
colaboravam, transformvamos a escola em um clube.Apresentvamos recitais de
poesia, nmeros de danas, de msica s e at pea teatral, tudo criados pelos
alunos.executado O cenrio era feito era feito de palhas de coqueiros, palmeiras,
cortinas plsticos.Era sensacional! Os pais compravam algumas lembrancinhas,
geralmente utenslio de casa e dava escondido aos filhos para darem de presente s
mes e elas ficavam muito emocionadas.Achava muito boa a participao do meu
pai naquele dia de confraternizao.
Aprendi muito na 3 a 4 sries, acompanhei a turma muita bem, era uma
aluna de conceito AS (8,0 a 10.0).
No ano seguinte, a 5 srie cursei na cidade de Santo Antonio de Jesus, em
um colgio de freiras, onde tudo era proibido e vigiado. Ainda residindo na roa,
amos de nibus todos os dias, vezes eu ficava com um pouco de medo, porque
espervamos o nibus na BR. Neste perodo tudo era muito novo para mim: as
amizades, o colgio, os contedos das matrias e a minha forma de ver o mundo, de
encarar as coisas novas. Tnhamos vrios professores (as), lembro-me do fato de
que eu no gostava da aula de Ingls, porque eu no entendia nada. A forma como
ensinavam era passar questionrios para decorar as perguntas e respostas.Era raro
uma aula que houvesse dilogo entre alunos e professores. Os alunos no
questionavam e no podiam sugerir. A aula de portugus com a professora Nolia
(severa) aprendi como interpretar um texto. Eu costumava ler nas entrelinhas do
texto, criando hiptese diferente sobre o texto que ela no concordava, ento se
voltava para o seu ponto de vista sobre aquela interpretao.
As aulas de Educao Fsica s 6 horas da manh era um momento bom,
ficava fascinada quando eu vestia quela saia branca de prega curta, para fazer os
jogos na quadra. Outro fato que eu acha interessante era o desfile de 7 de setembro,
participar da banda era um privilgio muito grande.
Durante o perodo de ginsio, tinha dificuldade em matemtica e alguma srie
fica sem professor por um bom tempo e quando tinha, no explicava direitos os
assuntos.
Apesar de morar na roa, eu era e ainda sou uma pessoa educada, de boas
maneiras e, ficava indignada com o comportamento de algumas colegas. A maioria
delas, por ter boa condio financeira achava-se no direito de menosprezar os
outros.Eram metidas e eu no gostava desse comportamento.
As sries seguintes(6, 7, 8 e 1, 2 e 3 ano de magistrio) cursei no
colgio referido anteriormente, a nica novidade, dizia respeito ao 1 ano porque eu
teria que optar em cursar o 3 ano de secretariado ou magistrio, porm esse ltimo
falou mais forte. A minha trajetria escolar cheia de dificuldades e a forte influncia
de minha me, que me ensinou o valor da educao na vida de uma pessoa,
fizeram-me gosta de ensinar e optar para ser professora. Fato que, cursando a 8
srie eu j ensinava na varanda de minha casa, na comunidade onde os polticos
MEMRIA EDUCATIVA
Mrcio Nery
Conspicuidade*1 - Arkheolo-pedaggica
A comunidade escolar de Novo Horizonte pelo carinho e pela confiana.
MINHA INFNCIA
No baralho cigano a carta de nmero 13 a carta da criana, que representa
o sexto sentido, a intuio, a inocncia e as idias puras. Na CABALA judaica, as
idias puras (as mesmas das quais falou Plato), representado pelo caminho de
Roquimah (o reino das idias puras), ligado a categoria angelical denominada de
Querubins que, apesar de serem os anjos mais velhos, se apresentam como
crianas gordinhas, rechonchudas, xeretas e com olhar e sorriso maroto de criana
travessa. Ainda, segundo rezam muitas tradies orientais, temos dentro de ns
uma criana nunca morre.
Essa tradio passou para o Ocidente com o Natal, onde as pessoas
festejam o nascimento do Menino Jesus e, inconscientemente, a Criana Crstica
que habita em todos os seres, podendo ser tambm interpretada como o Cristo
Interno ou a Centelha Divina dos quais se referem alguns movimentos religiosos da
atualidade. Essa energia habita no nosso corpo no espao atrs do nosso corao
fsico (lugar onde mora o Cristo Interno) e se reflete em uma glndula chamada
Timus que vai se atrofiando com a idade (geralmente quando chega a adolescncia
e o ser vai perdendo a sua pureza e inocncia). Os Mestres Avataras possuem essa
glndula intacta, pois ela smbolo do ser puro, elevado e ligado conscientemente a
sua origem divina.
Minha criana assim: feliz, curiosa, observadora, criativa, muito intuitiva,
percebendo as coisas no ar, suscetvel as energias do meio, desconfiada e um
pouco confusa.
Minha infncia nessa vida foi pobre, humilde (como sou at hoje). Morava
numa casa de taipa, feita pelo meu pai e alguns vizinhos na Sussuarana Velha, que
algum tempo depois deu lugar a outra de construo. Acompanhei parte das lutas
dos moradores do meu bairro para legitimar o espao territorial conquistado, haja
vista que o bairro de Sussuarana constituiu-se a partir de uma invaso muito
perseguida pelas autoridades, e conseguir o mnimo de dignidade, lutando pela gua
encanada (minha me carregou muita gua nas costas, do chafariz at em casa. As
vezes a gua vinha em barris no lombo de animais. Eu ainda tenho essas imagens
bem ntidas em colorido na minha memria) energia eltrica, (vi carretas enormes
carregando e guindastes fincando os postes de energia), escolas, etc. Acompanhei,
tambm, todo o processo de destruio da mata nativa (to extensa que esto
destruindo at hoje, sob os meus protestos) que veio a dar lugar ao grande
contingente populacional.
Brincava com pequenos animais existentes no local como iguanas,
minhocas, formigas de espcies e tamanhos variados, borboletas, etc. H muitas
semelhanas com a infncia das crianas de Novo Horizonte.
Conheci meu av paterno quando ele veio morar com a gente e a irm
caula do meu pai, tia Mira, me contava muitas histrias, do tipo Branca de Neve,
Chapeuzinho Vermelho, dentre contos que hoje considero como ancestrais.
Logo nos primeiros anos da minha infncia havia muito espao entre as
casas (espao que foi diminuindo a cada ano e hoje inexistente) com quintais
abertos, sem cercas, onde se podia transitar e havia passagens de uma casa para
outra que dava acesso a casa dos vizinhos, onde as crianas eram sempre muito
bem aceitas. Mas eu no era dado muito a sair de casa, ou pelo menos das
proximidades. Aquele espao em torno poderia ser compreendido como minha casa.
PROCESSO DE ALFABETIZAO
Fui para a escola com trs anos de idade, em abril de 1982. Estudei, como a
maioria das crianas da poca, na Escolinha Nossa Senhora do Rosrio , escola
prxima a minha casa fundada por Maria do Rosrio, professora e diretora da
Escola, preocupada com a educao das crianas do bairro. Ela amiga minha e da
minha famlia at os dias de hoje e eu tive o imenso prazer de entrevist-la durante
as investigaes da memria histrica dos bairros de Sussuarana, publicada no
caderno SEMENTES. A recuperao da histria dos bairros de Sussuarana a
recuperao, em parte, da minha prpria histria.
A escola funcionava em duas salas anexas a casa de Maria do Rosrio e as
professoras eram mulheres da prpria comunidade e sem formao de Magistrio.
Por exemplo, uma das professoras da escola, chamada pelos alunos de Dadai foi
minha colega no ICEIA, anos mais tarde, quando eu cursava o Magistrio.
A princpio no gostava muito da escola. Como a maioria das crianas,
chorei muito nos primeiros dias at me adaptar (o que no aconteceu com o meu
irmo Marcelo, que passou a estudar na escola dois anos depois e at hoje
lembrado pela professora Rosria como o terrorzinho da escola). Rosria no tinha
muita pacincia com os alunos que choravam, mas as mulheres da comunidade
sempre ajudavam. Lembro de uma com quem aprendi a escrever as vogais. O nome
dela era Ana e eu a vejo sempre andando pelas ruas de Sussuarana, mas acho que
ela no se lembra de mim. Ela possua muita pacincia para lidar com as crianas e
me passava bastante segurana.
O mtodo com o qual eu me alfabetizei foi, segundo a professora Rosria,
uma mistura do que estava em voga nos anos 80. Eram atividades para cobrir (para
treinar a coordenao motora), desenhos mimeografados para pintar (as vezes tinha
desenho livre), aula expositiva onde eram explicadas as letras e os nmeros, contas
de somar, pintura com tinta guache, colagem, etc. Toda festa cvica e toda data
comemorativa, como Independncia, dia das Mes, do Soldado, etc., era lembrada
com atividades ldicas e surpresas como chapu de soldado e lembrana para as
mes. O que eu percebo que nas escolas de hoje, naquelas que se dizem
modernas tambm, repetem a mesma coisa dos anos 80 e da mesma forma. Eu
ainda no parei para pensar at que ponto essas datas so to essenciais para a
formao das crianas da forma que tm sido abordadas.
Aprendi a ler por volta dos sete anos. E isso foi um avano significativo para
mim. Com o domnio do cdigo escrito eu passei a no s desenhar como a registrar
os acontecimentos do meu dia a dia, as impresses que ficavam.
Eu consumia um caderno (desses fininhos, de 48 folhas) por semana. O
caderno fazia parte da lista de compras. Todo o Sbado a tarde quando meu pai
chegava do trabalho eu ia com ela para o supermercado para comprar o caderno.
Lembro das incontveis tarde de Sbado, principalmente das chuvosas, muito
bonitas, onde eu ficava da janela da minha casa admirando a natureza (o mato, as
borboletas, o arco ris e, as vezes, naves extraterrestres) enquanto esperava ansioso
pelo meu pai. O meu sonho de consumo era um caderno universitrio (que pedi de
presente no meu 8 aniversrio, e fui atendido. O caderno era da coleo Halley.
Tenho a capa guardada at hoje) porque duraria mais tempo e eu no ficaria
naquela angstia aos sbados. Meu pai brincava comigo dizendo que me daria um
caderno universitrio quando eu estivesse na Universidade...
Da em diante, todo Natal, dia das Crianas, aniversrio, meu presente era
dado em dinheiro para que eu pudesse comprar esses materiais (papel ofcio,
criana, queria ler todos. Minha prima dizia que eu no podia ler assuntos
adiantados demais para a minha idade e eu respondia que se todos naquela casa
podiam ler eu tambm podia. Eu sempre fui assim: ousado.
Assistia programas de televiso, o da Bandeirantes e da TVE (muito pouco
da Globo) voltados para a criana como TV Criana e Mos Mgicas, e que
ensinavam como utilizar a criatividade produzindo dobraduras, arte com papel, com
colagem, etc., que possibilitaram o desenvolvimento de meus talentos artsticos
No tenho traumas do meu processo educativo. Considerava-o como til e
necessrio. No entanto considero que a escola, em momento algum, tomou
conhecimento ou contemplou esse meu lado curioso e criativo (mas isso acontece
at na Universidade, hoje) e se interessou por aquilo que eu me interessava, a no
ser depois de muita luta e sacrifcio da minha parte para fazer valer aquilo que eu j
trazia e que poderia ser muito bem utilizado no processo de ensino-aprendizagem.
VIVNCIA ESCOLAR
A vivncia escolar pode ser considerada como um dos momentos mais
significativos da minha existncia, que influenciou e definiu, em parte, na tomada
deciso em me tornar um profissional na rea de educao. De um modo geral,
sempre tive um bom relacionamento com os meus professores. Tenho como amigos
desde a minha primeira professora, as professoras da escola onde fiz o ginsio, sou
amigo da escola at hoje, sempre convidado para os eventos realizados na escola,
at professores do Magistrio, no qual se destaca o professor Francisco de Borja,
isso sem falar nas novas amizades que estou consolidando na faculdade. Isso se
traduz numa prpria postura pessoal e na imagem passada para as pessoas. Na
maioria das vezes, com exceo do Magistrio, me sinto melhor ao lado dos
professores do que dos prprios colegas, tanto que no foram poucas as vezes que
no Departamento de Educao fui confundido com um funcionrio e at mesmo
como professor.
A primeira escola pblica em que estudei foi a escola Municipal PAX, entre
os anos de 1996 a 1988. Foi uma grande transformao na minha vida sair do meu
bero, ou seja, do meu bairro, da minha comunidade, para com apenas sete anos
de idade pegar o coletivo da Sussuarana para a Baixa dos Sapateiros, onde se
localizava a escola. A minha me me levou nos trs primeiros dias, depois me
deixou sob a responsabilidade do meu pai, que trabalhava, e ainda trabalha, perto
da escola, e dos filhos dos vizinhos que tambm estudavam na escola. Tinha um
que apesar da pouca idade ( deveria Ter seus 11 ou 12 anos na poca) era muito
responsvel e se comprometia em me buscar em casa e me trazer de volta todos os
dias at quando eu me rebelei, me insurgi, uns seis meses depois, e minha me e
eu decidimos que eu iria e voltaria sozinho. O minha insurgncia foi motivada por
constantes brigas e desentendimentos com esses colegas. Picuinhas de crianas.
Eu sempre fui quieto, calado, na minha, como sou at hoje. Uma vez ou outra dado
a uma badalao no bom sentido, uma brincadeira, uma molecagem, etc.,. mas
tinha a hora de parar, e na maioria das vezes a minha hora de parar no era a dos
outros, ai...
Houve mais tarde uma reconciliao. A ns j tnhamos chegado a certa
uma maturidade (de criana) para compreender e respeitar os limites do (tanto
fsicos quanto psicolgicos) do outro. Chegou-se a compreenso de que eu fazia
falta no grupo e o grupo me fazia falta. Ento houve uma ressocializao. No
entanto houve outra separao com a nossa sada da escola e a ida para escolas
diferentes. Eu no era muito dado a brincar na rua nem ir na casa desses colegas.
Houve um certo distanciamento, definitivo at, porque muitos desses colegas (com
honrosas excees, claro) perderam as suas vidas ao enveredarem pela vida do
crime (roubo, trfico, prostituio), justificvel at pelo contexto social desigual em
que vivemos, o que requer da famlia constante vigilncia e diligncia na orientao
dos filhos.
Vou contar um acontecimento constante e interessante no bairro de
Sussuarana numa poca em que haviam poucos transportes coletivos e nenhuma
programao para hora de chegada e sada dos terminais e que no ocorre mais
nos dias de hoje. Nos horrios de pico os nibus saiam todos de uma vez. Ento a
gente, ou seja, os estudantes da escola que moravam no bairro (uns duzentos, mais
ou menos) e eu inclusive, apostava qual dos nibus chegaria primeiro ao seu
destino. Da a gente sabia o nmero do nibus e o motorista que andava mais
depressa. Leva direto, mot!!! a gente gritava. O melhor motorista era chamado por
ns de Bigode. E quando o nosso nibus conseguia ultrapassar o dos outros...
voc pode imaginar a algazarra dentro de um carro abarrotado com menino saindo
pelo ladro num momento como esse. A veia artstica tambm era fantstica. Os
sucessos da Bamda Mel (incluindo Fara) eram cantados e percussionados durante
todo o percurso. Era muito bom ser criana em Sussuarana! [risos]
Nesse meu primeiro ano na Escola PAX (1985), gostei muito da escola, da
professora Ainda, da estagiria Maria do Carmo, do que era ensinado, etc. Assistia
as aulas com bastante ateno, fazia os deveres de classe, de casa, a leitura
(tomar a lio no livro didtico integrado) e no me lembro, por incrvel que possa
parecer, de momento algum em que a professora exigisse silncio para explicar o
assunto. A professora no era m, muito pelo contrrio. Era amiga, interessada,
dedicada e a classe com quase quarenta alunos a respeitava muito bem. Depois de
feitas as atividades de classe, ns podamos conversar a vontade (desde que no
gritssemos nem levantssemos, por isso os amigos geralmente sentavam juntos) e
me lembro que eu conversava muito com os meus colegas sobre filmes da tv,
desenho animado, albuns de figurinhas, revistas em quadrinhos, etc.. Essa postura
de deixar os alunos se comunicarem entre si nos intervalos das atividades durante
as aulas parecia, ao meu ver, uma postura tomada pela escola e que fazia parte do
cotidiano e das posturas internalizadas pelos alunos. Quando era necessrio falar a
professora era ouvida.
A professora Janice Carluxo, da 3 srie era muito organizada, e
simplesmente, um luxo, como era conhecida. No sei como a professora de escola
pblica conseguia ostentar com carro do ano, jias (que diziam ser verdadeiras),
vestidos (no repetia um), cabelo armado e muita maquiagem. Era to organizada
que fazia plano de aula e colocava no quadro o assunto que seria estudado no dia
posterior par que os alunos lessem no livro ou pesquisassem, para apresentar no dia
seguinte o que j sabiam para que ela pudesse ento, conduzir a aula, explicando o
assunto tirando as dvidas e passando os exerccios. A estagiria, Snia, segui a
linha metodolgica da professora.
Dentre as professoras do PAX, Janice foi de quem eu mais gostei. Foi com
ela que aprendi conta de multiplicar. Ela inclusive incentivava para que fizssemos
redaes, ou produo de texto. No com esses nomes, claro, pedia para que
fizssemos frases sobre determinados assuntos e tentssemos junt-las, e no
cobrava isso na prova porque muitos no sabiam fazer e no era atividade prevista
no programa. A no ser uma vez em que ela pediu na prova para que
escrevssemos uma mensagem falando sobre o dia da criana. Eu disse que no
sabia fazer mensagens ... [lgrimas] ... e ela disse para que eu escrevesse o que eu
soubesse. Ento escrevi: O dia 12 de Outubro dia da Criana, mas tambm dia
de Nossa Senhora Aparecida. Ento nesse dia vamos pedia a Nossa Senhora
Aparecida que proteja todas as criana do Brasil. Depois que ela corrigiu desse que
achou o mximo. Leu para os colegas de sala e me deu uma surpresa que no me
lembro o que era, talvez um lpis, uma lapiseira, coisa assim. Eu era considerado
como um bom aluno e como exemplo para os demais (at hoje eu sou modelo
dessas coisas, e esse titulo, as vezes me agrada mas muitas vezes me incomoda
muito). Quando tinha estagiria havia sempre o ajudante do dia. Devido ao meu
bom comportamento era o ajudante permanente e os outros eram eleitos ajudante
do dia. Se eu fosse ajudante do dia no deixaria espao para mais ningum.
Lembro do dia em que duas vovs (talvez tcnicas da Prefeitura ou de
algum rgo pedaggico) chegaram na sala e fizeram uma dinmica com ns
alunos. Deram uma folha de papel ofcio para cada um e pediram para que
desenhssemos o que quisssemos. Eu desenhei uma pomba. As vovs vieram,
olharam o meu desenho e perguntaram a minha idade, respondi que tinha 9 anos, e
o que aquilo significava. Eu respondi ento que era a pomba, o smbolo da PAZ.
Elas ento perguntaram se eu achava que a paz era algo importante e eu disse que
sim para que vivssemos melhor, com mais respeito ao prximo, com menos
desigualdades ( claro que para uma linguagem prpria de uma criana), no
tivesse mais morte, nem fome, etc.. A minha professora ficou admirada dizendo que
nunca poderia imaginar que tudo aquilo pudesse sair de uma criana. Eu j me
preocupava com os conflitos gerados pelas desigualdades sociais.
Certa vez, em dezembro de 1985, quando voltava para casa de nibus aps
o show de Papai Noel na Fonte Nova, vi um negro ser discriminado e me lembro que
no gostei nada do que vi. No sabia se ele tinha ou no razo, mas no justificava
as atitudes tomadas contra ele. No falei nada. Fiquei calado e pensando que o
mundo seria melhor se todos, independentes da cor, fossem tratados como
irmos. Parece que eu sou pluricultural de bero.
Talvez por ser me dada essa liberdade de expor minha opinio, ainda que
equivocada, que eu goste e tanto do ambiente escolar e tenha capacidade para lidar
com problemas decorrentes do cotidiano na escola. A escola me traz boas
lembranas. Na escola sempre tive a capacidade de mostrar para os outros os maus
talentos e potencialidades. Ser amado (e muitas vezes odiado) e ser feliz. Quando
isso no acontecia ficava infeliz, deprimido, o rendimento escolar caa
vertiginosamente. Mas isso era logo revertido se no em um ano, no outro. Eu
procurava meios e sempre houve pessoas que acreditassem em mim. O destaque
entre os demais colegas no vem de agora. Sempre estive em evidncia.
A minha 4 srie foi com a professora Creuza e foi o ano que mais detestei a
escola PAX. A professora pouco se importava com os estudantes. Ela no
demonstrava o seu desdm com palavras nem com agresses e sim com gestos,
com a boca, com os olhares, etc.. Passei a faltar aulas e inventar histrias para os
meus pais dizendo que a professora estava doente, que estava havendo paralisao
e outras coisas assim. Era tambm ma poca que a minha famlia passava por
srias dificuldades financeiras e os meus pais estavam se desentendendo. A
dificuldade era tamanha que eu que sempre tinha o fardamento exigido pela escola
passei a ir para as aulas de chinelo porque meu pai no tinha dinheiro para comprar
sapatos.
No entanto consegui ser aprovado para a 5 srie e fui considerado um dos
dez melhores alunos da escola, o que lhes conferia o direito de matricula em outra
escola da rede, de boa qualidade sem que para isso fosse necessrio pegar filas
para matricula. Fui aprovado, mas reconheo que foi com pouca qualidade, o que
ficou evidenciado nos anos posteriores no ginsio, com a minha sria deficincia em
Matemtica. Era aprovado em todas as disciplinas, no entanto perdia com mdia
baixssima com Matemtica nas quatro unidades.
Quando entrei na Escola Municipal Dr. Alexandre Leal Costa, em 1989, amei
o lugar (como amo at hoje, apesar do prdio na rua da Mangueira, Mouraria, ter
sofrido inmeras modificaes) e passei a amar tambm, pela primeira vez. Vivi
entre os anos de 1989 e 1992 um sentimento intenso para com uma colega (que
morava na entrada do Toror, no edifcio Ana Nery, conhecidncia ?) e o prdio foi
cenrio desse quase que eterno amor. Nosso tema musical: Ghost. At que ela se
casou com outro no final de 1993. Mas isso j uma outra histria.
Fui reprovado no ano de 1989 e repeti a 5 srie em 1990 fui para a
recuperao de Matemtica, mas fui aprovado. Em 1991 a dificuldade persistiu, s
em Matemtica, sem que a escola fizesse nada para reverter o caso. A professora
Glria2 era muito respeitada na escola. Ela simplesmente dava a aula e no queria
saber quem entendeu ou no e atribua os fracassos a falta de interesses dos
alunos. Naquela poca ainda no se falava muito de ensino sem qualidade (como o
da 4 srie no PAX) que no oferecia os pr requisitos necessrios para que os
alunos avanassem nas sries seguintes.
No sei como explicar ou atribuir a culpa a esse ou aquele fator. Eu sei
que eu era bom na Matemtica, pelo menos a dada na escola e em casa no dia a
dia. Mas essa experincia causou um bloqueio que demorou algum tempo para ser
superado. Tal dificuldade gerou problemas na minha auto-estima. Passei a ser
considerado e a me considerar como um fracassado, um perdedor.
Eu gostava muito das aulas de Portugus dadas pela professora Urnia. Ela
era muito irreverente, dava palavro na sala, implicava divertidamente com os
alunos e fazia a classe inteira aprender sorrindo com as barbaridades que ela falava.
As aulas dela, apesar dela dizer que no, era um decoreba. Me lembro at hoje as
aulas de adjunto adnominal e adverbial: Maria morreu! De que? Adjunto adverbial
de modo. Onde? Em So Paulo (e as vezes So Petersburgo) Adjunto adverbial de
lugar. Quando? Segunda feira! Adjunto adverbial de tempo. E as aulas de verbo
transitivo e intransitivo direto e indireto onde eladizia: Se eu chegar aqui para vocs
e disser: Queimou!... Vocs vo olhar uns para os outros e dizer: Essa mulher t
2
Quando sa do Alexandre Leal Costa em 1994, sa com a idia fixa de fazer o levantamento histrico
da Unidade Escolar para que essa histria no se perdesse. Desde quando entrei na escola em 1989
ouvi que a mesma possua uma histria interessante e fiquei curioso em saber. Com a sada da
escola para um curso que envolvia educao achei pertinente a idia de realizar o trabalho. Contactei
com algumas pessoas que poderiam me ajudar, mas por falta de tempo e clareza para fazer a
pesquisa a idia ficou no plano das idias. At que poucos anos depois, em 1998, estando eu na
Universidade cursando a disciplina da Histria da Educao e cuja avaliao seria dados histricos
sobre uma unidade escolar. Surgira de novo a chance e hoje a escola tem sua memria histrica
produzida por mim. Descobri tambm que Dr. Alexandre foi um professor baiano (na verdade ele
nasceu em Gois, mas morou toda a sua vida em Salvador) muito importante, pluricultural,
construtivista e exepcionalmente de vanguarda. Sempre peo inspirao para ele quando preciso.
Conheci suas filhas e uma ex-aluna que desenvolve trabalho importantssimo com bot6anica na
UFBA. Minha relao com a escola to prxima que recentemente fui convidado para as Bodas de
Prata da Escola, na Igreja da Palma, onde fiz o discurso oficial e o depoimento da minha vida como
aluno. Havia muitos ex-professores, muitos meus amigos que ajudaram na preparao da festa. A
professora Glria tambm estava presente e ficou muito lisongeada com as homenagens. Certa vez
quando eu era aluno dela disse em tom rspido que um dia ela iria se orgulhar de mim. No imaginei
que acontecesse dessa forma.
Nesse evento realizado entre 1 e 9 de setembro de 1996, o ICEIA reviveu seus tempos ureos,
quando havia desfile cvico pelas ruas do Barbalho com o Pavilho Nacional e emblemas cvicos do
Estado e da Instituio. Houve quatro premiaes, dois trofus, para as turmas que cantassem
melhor o Hino Nacional Brasileiro, sendo que uma turma de ginsio e a outra do Magistrio. E outras
duas medalhas: uma para o estudante que construsse a melhor frase em homenagem a ptria e para
o outro que descobrisse a melhor definio de ptria escrita por um brasileiro. Fui em cheio no alvo:
descobri, mediante orientao da Espiritualidade, a definio de ptria escrita por Rui Barbosa e ,
mediante tambm aos meus esforos conjuntos com o do Alto, reunindo a 10V8 (minha turma) para
ensaiar (porque , ao que perecia, eu era o nico que sabia o Hino Nacional Brasileiro da forma correta
sem os vcios de linguagem que desclassificariam a turma) ganhou o trofu do Magistrio. Dos
quatro prmios abocanhamos dois, deixando os terceiroanistas, muitos destes meus amigos, sem
prmio algum. Ocorreu algo parecido com o jornal mural, quando eu tendo amigos em uma turma
mais adiantada em srie, tiro-lhes algo que todos julgavam pertencer a eles. S que dessa vez, em
vez da inimizade, a amizade foi ainda mais consolidada.
Desejo ser diretor do ICEIA durante a festa de 200 anos da Escola Normal, isso em 2036. Tento
imaginar o quanto a educao dever ter avanado daqui at l. E de repente no. Espervamos
para 2001 a era dos Jacksons e parecemos mais os Flinckstons, principalmente no que diz respeito a
conscincia. Mas espero que daqui para l consigamos ao menos reduzir as desigualdades sociais e
que a escola no seja obstculo para as populaes de baixa renda.
lugar que eu queria, para o curso que eu que ria e podia, haja vista que no posso
pagar um particular, logo aps a sada do Magistrio sem que para isso fosse
necessrio fazer curso pr vestibular) e precisei do histrico, foram consultar a
diretora para saber se poderiam ou no liberar a minha documentao. Segundo o
que me contara ela praticamente se ajoelhou, agradeceu a Deus e dizendo para a
secretria que liberasse, pois eu iria cantar de galo em outro terreiro.
Fiz o vestibular em segredo. Ningum sabia. Nem os meus pais. Isso evitou
cobranas, expectativas e me deixou mais calmo. Fiquei sabendo da minha
aprovao ao abrir o jornal no Sbado de Carnaval de 1998. Guardei
cuidadosamente o jornal e esperei a Quinta-feira para ir ao ICEIA e depois a
FAEEBA fazer a matricula. Depois quando meu pai jantava j a meia noite, entreguei
para ele e para minha me uma caixa enrolada em fitas e papel de presente. Dentro
da caixa estavam o papel da matrcula e uma mensagem dizendo: Mrcio Nery de
Almeida aprovado no vestibular da UNEB 1998.
A minha aprovao no vestibular, impulsionada pela Divindade, caracterizouse como uma resposta para aqueles que no acreditavam em mim, e que teciam
crticas destrutivas, e uma confirmao para aqueles que sempre acreditaram e
sabiam que eu era capaz.
MINHA IDENTIDADE COMO PROFESSOR
Minha primeira experincia como educador em escola se deu no primeiro
estgio de observao do Magistrio na 1 escola pblica de Sussuarana, Acelino
Maximiniano da Encarnao, em 1995. Tive a oportunidade de, alm de observar,
desenvolver algumas atividades com a classe de crianas do CEB II. Notei que havia
optado pelo caminho correto, mas que ainda tinha que aprender muita coisa. As
professoras da escola ficaram muito interessadas e satisfeitas, salientando que eu
na sala de aula como professor era muito melhor do que muitas professoras. No sei
se pelo fato de ser diferente, de ser homem em um universo dominado pelas
mulheres. No mnimo chama ateno e desperta curiosidade para saber se no fazer
pedaggico eu sei, ou no, dar conta do recado.
Com as crianas eu j no sinto que elas respondam diferente. No meu
segundo estgio curricular do Magistrio, de 100 dias letivos no rsula Catharino,
s fui me dar conta de perguntar para os alunos o que eles achavam de ter um
professor e no uma professora, depois que uma amiga minha me fez a mesma
pergunta e eu no soube responder. Os alunos da 4 srie, do rsula Catharino me
responderam que achavam natural, que j estavam acostumados e que j haviam
estudado com outros professores.
Em Novo Horizonte, assim como na Escola Municipal de Nova Sussuarana e
na Jesus de Nazar, eu sou a sensao. Os meus alunos gostavam muito de ter um
professor, e diante das boas referncias dadas aos pais pelas crianas e dos
comentrios que as crianas fazem uma com as outras, muitos se dirigiam a minha
sala para me conhecer, ou falar comigo no ptio, ou na rua, no caminho para escola,
tanto que at hoje eu no tenho paz ...[risos]... essa boa relao com os alunos e
com os pais, aliados a uma boa metodologia e o interesse de minha parte em me
aperfeioar cada vez mais, foram muito teis para a mim diante dos dirigentes da
escola e fundamental para a pesquisa que desenvolvi, e ainda desenvolvo com a
comunidade, que s fez ampliar ainda mais essa rede de alianas.
Acho que a mdia tambm ajudou um pouco. Como por exemplo: Malhao,
o Cravo e a Rosa, Sandy e Jnior, havia, e h, professores de carisma e isso vai
permeado e alimentando aos poucos o imaginrio das pessoas.
No rsula Catharino (onde fiz mais amigos, ou melhor, amigas educadoras,
assim como no Acelino, devido a minha dedicao e excelente trabalho
desenvolvido) tive que enfrentar, com uma colega de estgio, uma turma de 4 srie
com 33 alunos crescidos, repetentes, indisciplinados e desinteressados. A muito
custo Carla e eu conseguimos o respeito e a confiana dos alunos, que na metade
do estgio em diante foram se tornando nossos aliados quando Carla e eu
resolvemos romper com as exigncias curriculares do ICEIA e do rsula Catharino,
orientadas pelo ter que dar esse ou aquele contedo, e os alunos compreenderam
a nossa proposta. J naquele estgio j ficou presente a distoro entre a teoria e a
prtica e, devido aos meus dois anos de experincia em Novo Horizonte como
professor e pesquisador, quando pude mostrar para mim mesmo que possvel o
construtivismo, a interdisciplinaridade, a pluriclturalidade, a arte e educao,
atendendo as expectativas do nosso estudante e as exigncias curriculares e
institucionais, pensai que, pelo menos para mim, esse problema havia sido
superado.
Infelizmente no isso que se evidencia nesse momento de preparao
para o mini estgio. Estou afirmando aqui, e peo a Deus que seja em enorme
equivoco da minha parte, que a camisa de fora institucional nos aflige com os
fantasmas que mais tememos nos obriga a fazer aquilo que condenamos. E no
venham me dizer que por causa do currculo antigo, todo fragmentado, quando
na verdade mais parece que os professores esqueceram de lembrar do que
disseram durante todo esse tempo justamente agora no momento mais importante.
Ou de repente eu esteja surtando, achando que vi e ouvi coisas que jamais foram
faladas. Mas quem Mrcio Nery para voc considerar essas coisas. S chega
atrasado nas aulas e vive intocado com aquele povo narcisista e recalcado que acha
que tudo no Brasil gravita em torno do negro?
Agradeo a Deus sempre, que dentre outras coisas, permitiu eu participasse
do projeto com a Secretaria Municipal de Educao e ingressasse na pesquisa em
Educao. Se no fosse a experincia em sala de aula e a pesquisa que auxiliou e
muito na compreenso dos problemas da educao das comunidades de baixa
renda da nossa populao, eu certamente teria abandonado a Universidade ou
estaria por a, ftil, infeliz e tomando lexotam, como muitos.
Minha tarefa como educador, a qual eu me propus e me foi confiada pela
Divindade (ainda porque, para que a Divindade se manifeste necessrio que essa
gerao no se perca) auxiliar a formar esse novo cidado do 3 Milnio, para esse
mundo pragmtico e competitivo, e que o estudante, principalmente os de baixa
renda, possa galgar a escada da cidadania e ter direito ao mnimo de dignidade na
sociedade oficial, sem perder de vista seus valores enquanto ser humano.
No quero que acontea com os meus alunos, e nem com os jovens de uma
forma geral, o que ocorreu com muitos dos meus colegas da escola primria (e o
que vem ocorrendo com muitos jovens, principalmente os das reas perifricas das
cidades) que enveredaram pela vida criminosa por falta de oportunidades (porque
no acredito que a delinqncia entre os jovens de baixa renda econmica seja
inerente a personalidade, nem ao meio, nem que seja por opo) e perderam as
suas vidas.
Para isso tentarei dar a minha parcela de contribuio. J mostrei a mim
mesmo a, comunidade, Escola Municipal Novo Horizonte e Universidade que
MEMRIA EDUCATIVA
educada e tmida. Simone tinha trs irms: Adriene, Vania e Lvia, sendo ela a
caula. Seus pais Maria e Messias eram respectivamente Professora e Atendente de
Farmcia, e trabalhavam dois turnos. Por este motivo, quem cuidava de Simone e
suas irms era a tia Tereza, irm de Maria. Apesar de ter bab para cuidar das
crianas, Tereza fazia questo de tomar conta delas, pois as amava como se fossem
suas filhas.
A tia Tereza, que as crianas chamavam de titia, mimava muito as sobrinhas,
tudo que queriam ela dava ou fazia; se aprontavam alguma, defendia. Com Simone,
que era a caulinha, ento, os mimos passavam da conta. At os 7 anos de idade, a
comida era dada na boca e o banho era dado por Tereza. Na hora de ir para a
escola a tia arrumava a menina, penteava os cabelos, deixando-a parecendo uma
boneca, e o pai levava a menina. Quando chegava a hora de dormir, Tereza
penteava os cabelos de Simone, cobria-a e apagava a luz do quarto; se por acaso a
tia esquecesse, a menina gritava, chamando-a e dizia: me cobre e apaga a luz. Os
pais de Simone conversavam com Tereza, dizendo para ela no encher as crianas
de mimos, mas no tinha jeito.
A infncia de Simone era muito feliz, apesar da falta de dilogo com os pais,
os quais repreendiam Tereza, mas no fundo s pensavam em proteger as filhas,
principalmente a caula. Maria chamava sua filhinha de bonequinha de verdade,
tratando-a com muito amor e carinho. Somente uma nica vez Maria deu uma
chinelada em Simone por causa de uma malcriao: a menina jogou os brinquedos
na parede quando sua me reclamou, dizendo para no brincar na sala. Maria logo
se arrependeu, pegando a filha no colo e assoprando o brao marcado pela
chinelada. Esta atitude de arrependimento se deu pelo fato de Simone ser uma
criana doce, que no dava trabalho, fazendo aquilo como forma de protesto, j que
ela sempre brincava ali e a me no a repreendia.
Quanto aos festejos na casa de Simone, eram sempre familiares: batizado,
aniversrios, Natal, So Joo. O batizado de Simone aconteceu quando ela tinha 2
anos ( ver anexo III) e seus padrinhos eram Leninha, irm de Maria e Lus, sobrinho
de Maria. Simone tinha vergonha de Lus; sempre que ele ia visit-la, ela escondiase no quarto ou no banheiro e no saa de l enquanto o padrinho no fosse
embora. Seus aniversrios eram em casa, com poucos convidados, sendo
comemorados apenas o 1 e o 2 ano (ver anexo IV). No Natal de 1985, Simone,
que tinha 6 aninhos, pediu de presente para sua me uma boneca que dava risada e
falava mam; sua irm Adriene, que tinha 10 anos, queria esta mesma boneca.
Maria, ento, comprou a boneca que ria e falava e deu para Adriene porque ela era
maior e comprou outra do mesmo tamanho, mas que no fazia nada, e deu a
Simone. Esta apesar de ter ficado triste, no falou nada para a me e cuidou de sua
boneca com amor, a qual est em bom estado at hoje (2001). Simone sempre
cuidava de seus brinquedos, seu material escolar, seus pertences, e chorava
quando algo quebrava ou estragava. Nas festas juninas, a menina vestia-se de
caipira e tocava fogos na porta de sua casa com a ajuda da tia Tereza; isto ocorreu
at os 14 anos de idade.
Outra festa que Simone adorava era o Carnaval, pois ela saia fantasiada com
a irm Adriene e as amigas desta, indo para a Matin; alm de sair mascarada com
sua me. Simone era muito apegada a sua irm Adriene, que no se importava em
levar a irmzinha para as festas com ela. As duas brincavam de boneca, amarelinha,
circo (fantasiando-se e apresentando-se para as outras irms, os pais e a tia), pedra
de capito, forca, aniversrio de boneca, esconde-esconde com as bonecas,
quebra-cabea, ludo, dama, jogo da vida, banco imobilirio e diverso outros jogos e
preocupado; at que ele encontra Tereza com Simone e conta o que tinha
acontecido. Maria ao ver a filha com a tia ficou aliviada, e todos riram do ocorrido.
Simone participava sempre de algumas festas religiosas como: a Coroao
de Nossa Senhora, na qual as crianas vestiam-se de anjo e cantavam vrios versos
e a rainha coroava a Santa (ver anexo V); a Oferta, na qual as crianas vestiam-se
de branco e carregavam flores para ofertar. Aos 10 anos Simone fez sua 1
comunho (ver anexos VI e VII); ela tomava aula de catecismo todo domingo e
sempre que a professora tomava a lio ela era bem sucedida.
Em toda a sua infncia, Simone no tivera muitos sofrimentos, apenas
algumas doenas que teimavam em surgir como: a inflamao da garganta, que
quando atacava, deixava a menina com muita febre, levando-a a desmaiar aps
uma injeo; os furnculos, que faziam Simone sofrer de dor, principalmente quando
a tia, apesar da pena, era obrigada a espremer para o prprio bem da sobrinha. Fora
isto se conclui que Simone teve uma infncia muito feliz, no lhe faltando nada de
especial.
Processo de Alfabetizao
O processo de alfabetizao (ver anexo VIII) deu-se basicamente atravs do
mtodo tradicional, baseando-se na exposio verbal da matria e anlise da
mesma, que era feita exclusivamente pela professora. Dava-se nfase repetio
de exerccios sistemticos e de conceitos, memorizao, aprendizagem
mecnica. A idia era de que o ensino consistia em repassar os conhecimentos para
os alunos atravs de contedos vistos como completos, acabados.
A alfabetizao era artificial e mecnica, pois se ensinava partindo de letras
(ou sons) para os alunos formarem slabas e s mais tarde formarem palavras, as
quais tinham a funo apenas de fixar letras estudadas. A cartilha, o ditado de
palavras, frases e textos, bem como a cpia eram bastante explorados. Os
educandos permaneciam horas e horas repetindo uma letra ou slaba at chegar
memorizao. A professora apressava-se a ensinar a escrita sem se preocupar se
realmente aquilo que os discentes respondiam eram dominado e compreendido por
eles, ficando muito satisfeita ao ver seus alunos repetirem uma lista de palavras. Ler
para a professora significava decifrar, confundindo o processo de ler em um simples
reconhecimento de palavras em pginas impressas. Existia uma ntida separao
entre o mecanismo da leitura e o pensamento, reduzindo a leitura a um ato
mecnico de decifrar letras.
As atividades no eram nada dinmicas nem experienciadas; no se
explorava os recursos do jogo nem das brincadeiras, esquecendo-se das atividades
ldicas. Os educandos no eram motivados pela professora em sua atividade
criadora, e muito menos eram incentivados a investigar e explorar. Sendo assim, no
havia participao ativa dos alunos, j que as atividades no atendiam s suas
caractersticas, necessidades e interesses. Tudo era ensinado para todos ao mesmo
tempo, supondo que todos tinham as mesmas dificuldades.
O clima em sala de aula era de carter autocrata, pois as decises
fundamentais eram tomadas ou controladas por quem tinha autoridade, a
professora. Diante de suas determinaes ningum duvidava, discutia ou divergia. A
vivncia autoritria era caracterizada pela ausncia de dilogo; o conhecimento era
imposto e a crtica do aluno no era permitida nem estimulada. A professora detinha
todo conhecimento necessrio, por isso no era dada a palavra ao aluno, que era
avaliado positivamente se concordasse com o sentido nico que era atribudo ao
ajudava. Quando chegou o dia da formatura, Simone fez a orao lendo com
bastante facilidade, o que a deixou muito feliz. Um outro acontecimento que marcou
ocorreu quando Simone estava na 3 srie; um de seus coleguinhas, apelidado de
Tutuca, estava perturbando a menina durante a aula, e quando a mesma no
agentou mais, pegou a sua sombrinha e bateu na testa de Tutuca, deixando um
pequeno ferimento. A professora, sabendo como era o comportamento de Simone
(quieta) e de Tutuca (perturbado), perdoou a menina e levou o garoto para colocar
medicamento. Depois da aula, vrios coleguinhas de Simone foram atrs dela
gritando: Simone vai pagar o curativo de Tutuca...
Da 5 srie at o 3 ano Simone estudou no Centro Educacional Simes
Filho, em Maragojipe. Neste perodo deu-se incio s pescas durante as provas e
testes: Simone sempre passava cola a seus colegas. Um dia, durante a prova de
Ingls, Rejane pediu a Simone uma questo (a ltima que faltava para terminar a
prova), e a menina disse a resposta; s que a professora viu e tomou a prova das
duas, dando-lhes zero. As duas foram para a casa chorando e contaram para as
suas mes, as quais foram conversar com a professora, fazendo com que as
meninas prometessem que no iriam mais pescar; a docente ento retirou o zero e
deu a nota da prova, ficando Rejane com 10 e Simone com 9, pois esta no chegou
a terminar de resolver a prova. Apesar de ter prometido nunca mais passar cola,
Simone, depois de certo tempo, volta a ajudar seus colegas.
Os trabalhos em grupo, geralmente eram para serem realizados em casa; os
alunos reuniam-se na casa de um dos componentes do grupo para a elaborao, o
que acontecia vrias vezes at a concluso do trabalho, que era sempre no dia
anterior entrega, pois os alunos conversavam e riam mais do que trabalhavam,
fazendo das reunies um divertimento. Certa vez, um professor resolveu fazer um
trabalho de debate, dividindo a turma em dois grupos, os quais fariam perguntas,
sobre um determinado assunto, para o outro grupo responder; s que este trabalho
foi avisado com antecedncia, e ento, os alunos combinaram de cada grupo
elaborar as perguntas com as respostas e entregarem um ao outro, ficando cada
componente com uma. No dia do debate todos acertaram as respostas e
receberam nota 10, deixando o professor orgulhoso da turma.
Com relao ao comportamento dos alunos, bem como dos professores, tm
alguns fatos que merecem destaque. Os alunos sempre que tinham aula de SOE,
que era a ltima, fugiam todos do colgio, pois no gostavam desta aula; isto
aconteceu algumas vezes tambm com as aulas de geografia e histria. Nenhum
dos alunos gostava da professora desta ltima matria, pois era autoritria por
demais; ningum podia mencionar uma palavra, nem dar risadas, e muito menos
olhar para trs ou para o lado, que ela queria saber o qu e o porqu, colocando o
aluno fora da sala sem motivo; s quem podia falar era ela, mais ningum. O
professor de Ingls tentava ter tal autoritarismo, no entanto no conseguia, e a
soluo que ele encontrava era por os alunos fora da sala, ficando uma vez com
apenas 5 ou 6 alunos por causa das risadas dos mesmos; outra vez uma aluna foi
posta para fora porque pirraava este professor, imitando um peru. Os alunos
gostavam muito de perturbar o professor de Ingls; certo dia colocaram a mesa de
cabea para baixo, as carteiras de costas para a lousa, e desenharam com giz um
tapete, na entrada da sala de aula, escrito limpe os ps, depois saram todos da
sala, e s entraram junto com o professor, o qual mandou os alunos desfazerem
tudo se no seriam suspensos. Ao final do ginsio os alunos receberam o certificado
de 1 grau.
A relao entre os alunos normalmente era de amizade e unio, desfazendose somente uma vez, quando estavam no 2 ano de Magistrio, pois a professora
pediu que dividissem a turma em dois grupos para fazerem um cartaz sobre o Dia
das Crianas; s que na hora da diviso no estavam todos os alunos presentes,
ento os que dividiram separaram aqueles que tiravam notas melhores dos que no
tiravam, e por isso estes ficaram chateados, o que levou a uma competio. No
ltimo ano a turma voltou a unir-se ainda mais; organizavam caf da manh, jantar,
forr e amigo secreto, sendo estas ocasies bastante divertidas. Sempre aps as
aulas Simone e alguns de seus colegas saam para dar um passeio pela cidade, ir
at a praia ou sentar na praa para conversar. Na poca das festas juninas, os
alunos enfeitavam a sala de aula e tambm participavam do Forr Estudantil
(organizado pelo colgio), armando barracas com bambu e palmeiras, enfeitando-as
e levando comidas tpicas, licores e refrigerantes para o evento, o qual era realizado
no prprio colgio, com banda de Forr. Esses alunos uniam-se tambm, em
algumas situaes, contra a direo do colgio. Uma destas situaes foi o desfile
de 7 de setembro, que os alunos eram obrigados a desfilarem seno ficariam sem
fazer prova, e tambm tinham que desfilar com cala branca; por causa disto, os
alunos, j que no poderiam faltar, resolveram ir todos de cala jeans, forando a
direo formar um peloto de jeans, o qual foi o ltimo desfile. Outra situao foi a
novena em homenagem ao colgio, que todo ano tem no ms da festa do Padroeiro
da Cidade (So Bartolomeu Agosto); os alunos tambm eram obrigados a
comparecerem seno seriam suspensos; o resultado disto era que os alunos
compareciam, mas no permaneciam na novena, indo montar no parque, que nesta
poca estava na cidade.
No curso de Magistrio, os alunos davam aula na sua prpria sala e no
primrio do seu colgio, e faziam teatros, os quais eram abertos para todas as sries
que quisessem apreciar; as peas teatrais que Simone participou foram: O Menino
Maluquinho, Tieta do Agreste, o Campeonato de Futebol (criado pelos alunos), Joo
e Maria (fantoche). No 2 ano de Magistrio foi realizado o Pre-estgio em dois
perodos: o primeiro durou 20 dias teis, sendo apenas observao; o segundo
durou 30 dias teis, e os estagirios auxiliavam a professora regente, passando
exerccios no quadro-de-giz, corrigindo as tarefas, tirando dvidas dos alunos,
brincando com eles na hora do recreio. Simone estagiou na 4 e 2 sries
respectivamente. No 3 ano aconteceu o estgio propriamente dito, no qual os
estagirios assumiam realmente a sala de aula, durando 50 dias teis. Desta vez
Simone estagiou no pr-escolar.
A formatura (ver anexo XIV), apesar de ter sido simples deixou os alunos
super emocionados, saudosos, felizes e tambm um pouco tristes, j que a turma
iria separar-se, pois cada um tomaria um rumo diferente; contudo ficariam guardados
no fundo do corao de cada um. Assim, conclui-se uma etapa da vida de Simone
Carine Reis Guerreiro (ver anexo XV).
Ser Educador Hoje
O profissional de educao atualmente deve iniciar sua prtica pedaggica a
partir do diagnstico da turma com a qual ir trabalhar, observando as
caractersticas scio-econmicas, linguagem, faixa-etria, carncias, interesses da
mesma, pois desta forma tem-se uma srie de elementos que devem ser
selecionados e organizados de maneira que atendam as necessidades das crianas
e, ainda, que atinjam as dificuldades previstas na srie. O diagnstico que fornece
definir o que ser o uso lingstico socialmente aceitvel para que seus alunos no
fracassem no curso de sua futura vida profissional em nossa sociedade. Sendo
assim, dever conduzir os alunos a alternar a fala familiar com a norma culta
conforme as situaes em que se encontrarem (formal ou informal). O docente deve
ensinar aos alunos o que uma lngua, quais as propriedades e usos que ela
realmente tem, qual o comportamento da sociedade e dos indivduos com relao
aos usos lingsticos, nas mais variadas situaes de suas vidas.
Com relao leitura e escrita, uma sugesto que sejam apresentadas
criana sob uma forma ldica, agradvel e significativa, pois certamente se estar
proporcionando o nascimento de um bom e verdadeiro leitor e escritor. Deve-se
colocar a criana em contato com bons livros mesmo ainda no sabendo ler para
que ela descubra o prazer pela leitura antes de aprender a ler. Este aprendizado s
ocorre quando h o domnio da mecnica da leitura e o relacionamento simultneo
com o pensamento. importante ainda, que a criana saiba qual o objetivo da
escrita Por que escrevemos?. A escrita um sistema convencional utilizado pelo
homem com a finalidade de comunicar-se entre si, registrar suas descobertas, sua
histria, suas idias e pensamentos. um meio de expresso e conservao de
idias e pensamentos.
Na sua prtica pedaggica, o educador deve considerar o estgio de
desenvolvimento da criana, por isso tem de: graduar a atividade de acordo com o
nvel do educando; acompanhar, controlar e propor situaes de socializao
segundo o nvel do aluno; aps uma atividade, pedir sempre que o discente
descreva a sua ao; deixar transparecer uma afetividade igual por toas s crianas;
propiciar a todos os alunos um desenvolvimento integral e dinmico; formar
indivduos sensveis crticos, criativos, etc.
Para o docente manter uma boa relao com seus alunos preciso que ele
mostre-se aberto s idias que estes apresentam decorrentes de sua vivncia, tendo
flexibilidade para possibilitar a incorporao da crtica necessria funcionalidade
ou correo das decises tomadas. necessrio que leve em considerao o
sucesso do aluno ao invs do fracasso, ou seja, o esforo do professor deve ser
dirigido no sentido da aprendizagem do aluno e no no sentido do que este fez de
errado; aceitando e recompensando a melhor resposta de que o aluno tenha sido
capaz, at aquele ponto, de forma a avanar a partir do que este j possui.
A avaliao deve estabelecer-se como diagnstico avaliado pelo educador,
pois implica em uma reorientao de se seu trabalho e dos alunos para superar as
dificuldades apresentadas na aprendizagem. Embora no diagnstico do trabalho
escolar o julgamento do produto discente seja efetuado pelo professor, o aluno
tambm tem a oportunidade da busca e da auto-crtica, essencial a qualquer
processo de aprendizagem significativa. Esta vivncia democrtica caracteriza-se
pela existncia de dilogo; o conhecimento desenvolvido, elaborado e reelaborado
atravs de uma interao na qual o aluno tem tambm o direito de falar. O conhecer
o aluno, ouvi-lo, colocar-se no seu lugar, sem esquecer seu prprio lugar (de
professor), surge como qualidade verificada dentro da unidade de relacionamento,
no qual so vivenciados modelos democrticos.
Esse tipo de mediao possibilita que se atinjam os objetivos da educao de
construir e distribuir o conhecimento. A construo do conhecimento exige que haja
normas que garantam a liberdade de expresso de idias e sentimentos, e
participao responsvel dos membros do grupo-classe e tambm da escola. A
distribuio do conhecimento exige igualdade de oportunidade para todos os
educandos, confiana e respeito, para que o conhecimento beneficie concretamente
MEMRIA EDUCATIVA
Maiesse Regina Ferreira de Magalhes
Com a elaborao deste projeto, consegui resumir minha vida em poucas
pginas, o que achei que seria praticamente impossvel, devido a tantas passagens
importantes ou no que vivi e ainda mais exp-la outra pessoa de forma to
explcita, como est relatada neste trabalho.
O projeto memria serviu como oportunidade de ns enquanto alunos do
curso de pedagogia fazermos uma retrospectiva no tempo a fim de resgatar todos os
momentos de nossa vida.
O objetivo principal da elaborao desse projeto foi o de podermos refletir
sobre todos aspectos de nossa vivncia e analisar profundamente os fatos trazidos
do meu inconsciente ou consciente, a fim de recordarmos e avaliarmos as
conseqncias que tudo isso trouxe minha vida contribuindo para me tornar quem
sou hoje.
nos reencontrando intensamente e nos reconhecendo, teremos conscincia
de ns (nosso eu interior) e condies de reconhecer o sujeito (aluno), com quem
trabalharemos.
ORIGEM E MINHA INFNCIA
Nasci no ano de 1978, em Braslia. Sou brasiliense, primeira filha de um casal
jovem, um mineiro e uma goiana, de origem interiorana e humilde. Meu pai militar
(marinheiro) e minha me era, na poca, empregada domstica. Meus pais tinham
trs anos de casados data do meu nascimento.
Nasci prematura de seis meses, por pouco no sobrevivi, passei por diversas
turbulncias em minha sade desde o momento em que nasci, mas como sou
batalhadora superei uma a uma cada dificuldade, o que fao ate hoje.
Meu nome foi escolhido pelo meu pai, da seguinte maneira: Maiesse o
nome de uma prima de meu pai, ele acha muito bonito, ento resolveu coloc-lo em
mim sem consultar minha me, apenas mudou a grafia, cujo nome original (o da
prima) se escreve assim Mayesse, a idia era diferenciar meu nome do dela, mas
meu nome duplo Maiesse Regina, meu pai queria que fosse Maiesse Cristina,
por sorte no momento que ele foi me registrar estava junto dele meu tio-padrinho,
que o alertou da briga que ele ia ter com minha me se colocasse Cristina como
meu segundo nome, pois esse era o nome da ex-noiva que meu pai tinha tido antes
de namorar com minha me, certamente ela ficaria ainda mais furiosa do que ficou
quando soube como era meu nome.
Minha me gostaria que meu nome fosse Gisele, mas nunca comentou isso
com meu pai, tambm ele no perguntou a opinio dela, quando ela sobe do meu
registro de nascimento ficou frustrada, no gostou nada, mas como no podia mudar
foi obrigada a aceitar a deciso do meu pai. Ento me chamo Maiesse Regina, um
nome de origem rabe, como eu que seu descendente de srio-libaneses, negros,
portugueses e japoneses.
Uma das piores pocas da minha vida foi no primeiro ano: passei por
provaes em minha sade e iniciou-se de certa maneira os conflitos familiares
meus com minha me, os quais duram at hoje.
Creio que no correspondi desde o princpio s idealizaes feitas por ela de
como seria o filho ideal e ao no suprir essas expectativas, desde sempre fui
rejeitada e desrespeitada por essa pessoa que teve que suportar a carga de
problemas que trouxe sua vida desde o momento em que nasci (ningum deseja
um parto complicado eu quis nascer trs dias antes, mas os mdicos no queriam
pois eu tinha somente 6 meses, foi em vo, eu nasci prematura e alm de tudo muito
doente, isso com certeza aborreceu muito minha me).
Apesar de ter sido uma criana com diversos problemas de sade, era
inteligente, comunicativa e esperta, mas retrada, tmida e at hoje no demonstro
meus sentimentos por receio de me ferir, o que j aconteceu quando tentei agir mais
com a emoo do que com a razo, isso me acompanha por toda vida, como explica
a psicologia: a nossa vida e os fatos que ocorrem conosco moldam nosso carter, a
personalidade e o jeito de ver as coisas ao nosso redor.
Outro fato que aconteceu em meu ciclo de vida para que eu de certa forma
me tornasse uma pessoa reservada, foram diversas mudanas de Estado em
decorrncia da profisso de meu pai, apesar de na medida do possvel procurei
todos esses anos no perder o contato com os vrios amigos que fiz nos lugares
que morei: sempre fiz amizades com facilidade, fui uma criana com muitos amigos,
mesmo com os problemas de relacionamento enfrentados em minha casa, na
medida do possvel conseguia deix-los dentro de casa.
Quando tinha quatro anos de idade meu irmo nasceu. Naquela poca achei
que seria mais um amigo que iria ter, no me esqueo tamanha foi a felicidade que
senti com seu nascimento, de como eu queria proteg-lo, brincar com ele, fazer dele
meu melhor amigo, mas com o passar do tempo percebi que a recproca por parte
dele no era a mesma, infelizmente hoje percebo que aquele amigo to desejado,
mais uma vez ficou apenas no plano do desejo, ele mais um membro de minha
famlia (dentro de casa) que no compreende que as pessoas so diferentes, com
suas personalidades e devem respeitar cada ser humano, pois assim o mundo. E
mais uma vez fui frustrada na tentativas de obter um amigo em minha prpria casa.
Meu pai muito fechado, mas percebo que o nico que ao menos procura
me entender e respeitar meu jeito de ser, nossa relao sempre foi de respeito,
carinho e nos damos muito bem, temos muita coisas em comum.
Quando tinha um ano de idade fomos morar em Natal (RN), l encontrei trs
moas que foram como mes para mim, pois me tratavam como filha, e at hoje me
dedicam muito carinho e amor. Foi uma poca feliz, meus problemas de sade por
um tempo me deixaram devido ao clima quente da cidade.
Com dois anos de idade, mais uma mudana em minha vida, fui morar no Rio
de Janeiro e tudo voltou a ser como antes, somente minha me, meu pai e eu. No
Rio de Janeiro fiz vrios amigos, afinal foi o lugar onde morei mais tempo (por dez
anos), mas como o clima da cidade instvel minha sade voltou a ficar delicada.
Nesta poca comecei a sentir falta de um contato maior com meus parentes que
moram em outros estados e os vejo somente no mnimo de dois em dois anos.
Quando tinha trs anos de idade, um acontecimento que me marcou foi a
morte de minha bisav, de cncer, ela morreu no dia em que teria alta mdica do
hospital. Lembro-me que assim que ela ficou internada minha me e eu fomos para
Braslia e sempre que minha me ia visit-la eu ficava contente porque ficaria longe
dela, at hoje minhas tias comentam esse fato e dizem que eu expressava isso
verbalmente.
Com o nascimento do meu irmo, sendo eu uma criana de quatro anos de
idade na ocasio, tivemos que nos mudar para uma casa maior, gostei muito pois
teria meu prprio quarto e conhecer pessoas novas.
Na casa nova, me sentia feliz e realmente na rua onde morava havia muitas
crianas da minha idade, os amigos que conquistei at hoje fazem parte de minha
vida e sempre que posso mantenho contato. Quando criana gostava muito das
brincadeiras de rua, com muitas crianas, me diverti muito brincando de pega-pega,
pular corda, amarelinha, salada mista, queimada, pega-bandeira, pique-esconde,
rica ou pobre, mas o que mais gostava era de reunir-me com meus amigos para
conversarmos e a festas de aniversrio. Principalmente as festas de aniversrio da
Rita (uma vizinha que tive que adora Maria Betnia), eram de arromba do tipo que
toda criana sonha com tudo o que tem direito como conto de fadas. Outra coisa que
gostava muito era de pegar doce na poca de So Cosme e So Damio e Dia das
crianas, lembro que quando voltava do colgio nesses dias, mais ou menos ao
meio-dia, mal tomava banho, trocava de roupa, almoava e j ia para a rua correr
atrs de doces e s voltava para casa tarde da noite, trazia tantos doces nas
sacolas, enchia tantas vasilhas que os doces duravam at janeiro do prximo ano
(isso tudo, apesar de eu adorar doces, sou louca por eles, sorte que nunca tive
tendncia para engordar).
No dia das crianas, um vereador fechava a rua onde morava (a rua
enorme) e trazia um parque de diverses, alm de distribuir doces, picols, sorvetes,
pipocas, bolos, refrigerantes, vinham crianas de toda redondeza e essa festa
durava o dia inteiro, eu s no faltava as aulas , mas quando chegava em casa,
rapidamente ia para a festa e s voltava para casa no fim da noite.
De dois em dois anos ia para a fazenda de minha av em Minas Gerais, no
gostava muito, s era bom porque revia meus tios, primos e av paterna. A situao
ficou pior quando tinha oito anos de idade e no dia vinte e quatro de dezembro de
1986 (vspera de natal), tarde, minha av chamou meu irmo e a mim para irmos
ao stio vizinho torrar caf, uma mulher me queimou com gua fervente (uma
chaleira) quando passei embaixo da janela, at hoje tenho a marca, senti uma for
tamanha que desmaiei, sofri muitos anos com as seqelas, usei vrias pomadas,
uma malha para amenizar as cicatrizes, sem levar em conta o desconforto que sofri
com meu corpo enfaixado num calor de 45 graus no Rio de Janeiro. A partir desse
dia a data do natal acabou para mim, o que ficou foi somente a lembrana desse dia
terrvel e de muito sofrimento, lembro que na poca no houve ceia de natal na casa
de minha av.
Gostava muito quando ia passar as frias em Braslia, as brincadeiras com
meus primos, rever minha terra natal renovada, minhas foras, me sentia completa,
ia a clubes, shoppings e conversava muito com minha prima Fabiana e meu primo
Eduardo.
Em meus aniversrios sempre tiveram festas at a idade de oito anos, devo
ter enjoado pois hoje em dia no gosto mais de fazer festas nesta data.
Fui batizada com oito meses de vida, minha primeira comunho foi aos 10
anos, sempre fui muito catlica, como minha famlia, ou at mais, pois por muitas
vezes, desde meus seis anos muitas vezes ia sozinha s missas (somente com
meus amigos).
PROCESSO DE ALFABETIZAO
Minha alfabetizao aconteceu da maneira mais tranqila possvel, pois
sempre fui boa aluna, aconteceu alguns contratempos. Nesta poca minha me teve
tuberculose e tivemos que ir para Braslia e ficamos alguns meses por l, mas
quando voltamos para o Rio no tive dificuldades em acompanhar minha turma. Meu
pai me ensinou a ler em casa, unindo a vontade enorme que eu tinha em aprender e
em uma semana eu j estava alfabetizada, a primeira coisa que eu fiz foi me
associar a uma biblioteca perto de minha casa (sempre o fazia quando chegava a
uma cidade nova para morar).
Em meu processo de alfabetizao ocorreu algo engraado, no incio por
considerar mais fcil, meu pai usava as chamadas cartilhas de alfabetizao, me
recordo de duas: O mundo de Lenita e outra da qual no me recordo o nome, mas
me lembro bem dos desenhos para colorir que vinham no livro e da capa que era
rosa com um palhao. Acredito que achava mais fcil ver as figuras e dizer seus
nomes do que l-los realmente, fiz isso por alguns dias e meu pai pensando que eu
j sabia ler, fez um teste comigo: cobria as figuras e deixava mostra apenas seus
nomes e qual sua surpresa, eu no sabia ler.
A partir desse dia ele abandonou as cartilhas e passou a me ensinar com
livros, rapidamente aprendi a ler e fiquei fascinada por este novo mundo ao meu
alcance e at hoje adoro ler, qualquer material escrito, principalmente livros.
Fiquei sabendo que sempre insistia a meu pai para que este deixasse de
fazer o que estava fazendo para continuar me ensinando, chegava a incomod-lo.
H de se observar que eu j estava na escola a algum tempo (desde a prescola), desse modo fui sendo preparada pedagogicamente para esta etapa to
complexa e decisiva na vida de uma criana de seis anos. Fato este que me
proporcionou uma rpida aquisio da lecto-escrita.
VIDA ESCOLAR
Fui para a escola com trs anos de idade, foi um dos dias mais felizes da
minha vida, naquela poca lembro-me que estudava pela manh e, muito antes do
horrio de entrada na escola eu j estava na porta do colgio. Gostei muito da
professora Valdia, acho que gostava dela como se ela fosse a minha me,
tamanha falta que eu sentia de sua presena aos finais de semana, ela supriu um
lado afetivo meu que estava adormecido. No me lembro de meus coleguinhas
dessa escola, sei apenas que me sentia muito bem na escola.
Minha me conta que at meus seis anos de idade, toda vez que eu sumia de
casa era s me procurar na escola que me encontrava. Sempre fui uma boa aluna,
pois sempre gostei de estudar, sou apaixonada por conhecer coisas novas, devorar
livros, revistas, tudo o que possa me trazer novos conhecimentos.
Aos quatro anos mudei de escola, assim como mudei de casa devido ao
nascimento de meu irmo e compra de uma casa pelo meu pai. No enfrentei
dificuldades com isso e me adaptei rapidamente nova escola, l fiz vrios amigos
os quais me acompanharam durante minha vida escolar at a stima srie e at hoje
nos reencontramos quando vou ao Rio de Janeiro.
Quando tinha cinco anos, um fato do qual me recordo foi uma das minhas
fugas de casa para a escola, eu estudava pela manh e a tarde sa de casa sem
avisar, quando minha me chegou ao colgio, avisada pela diretora que era sua
amiga, me encontrou distribuindo uns desenhos para as outras crianas, a pedido da
professora e s concordei em ir para casa aps pintar meu desenho.
Aos seis anos fui alfabetizada por meu pai, no encontrei dificuldades, pois a
professora me orientava muito tem na escola, alm de minha grande vontade em
aprender a ler e escrever, aliada ajuda que recebia de meu pai.
Aos sete anos de idade, novamente me mudei de escola, pois a anterior,
oferecia somente o ensino pr-escolar at a alfabetizao e como estava indo para a
CONSIDERAES FINAIS
Ao iniciar a escrita do presente projeto, no supunha a grandeza e turbilho
de emoes pelas quais passei. Confesso que senti muita angstia, tristeza e alegria
e uma enorme saudade de coisas que no voltam mais porque ficaram no meu
passado, bem como a imensa falta de meus amigos distantes e de meus familiares.
Alm de tudo foi um momento de avaliar tudo o que j vivi, analisar
intensamente as seqelas que me provocaram, aquilo que foi gratificante ou no.
Uma oportunidade de verificar toda minha vivncia, explorando meu ntimo e
trazendo minha memria todas lembranas e sentimentos que me fazem bem e
outros que procuro a todo instante (quando estes insistem em tornarem-se
conscientes) esquecer e apagar da minha memria.
Por fim, me sinto de certa forma um pouco dividida por estar passando a
limpo minha histria e com isso ter a certeza mais do que nunca que nada em nossa
vida acontece por acaso. Deus escreve certo por linhas tortas.
Escrever esse projeto foi como se estivesse fazendo uma autoterapia,
tamanho foi o esforo psicolgico em resgatar minhas memrias, tive dificuldade em
pass-las para o papel, em certos momentos as emoes contraditrias eram tantas
que me faltavam palavras para expressar totalmente meus sentimentos e
acontecimentos que os provocaram.
PROJETO MEMRIA
Ourisvalda Teles dos Santos Gomes
Agradeo primeiramente a Deus por todas as coisas que me
foram possveis construir, pelas minhas conquistas, desafios e
percalos enfrentados, atravs dos quais me foi permitido o
crescimento como ser humano, at percebendo o valor da
renncia na vida de cada um de ns.
Aos meus pais, Severino Medeiros dos Santos (In
Memoriam) e Joana Teles dos Santos, por me terem ensinado a
ver a importncia de aceitar e enfrentar os desafios impostos pela
vida e por me terem passado os valores que me fortaleceram e
possibilitaram sair em busca da realizao dos meus objetivos e
sonhos.
Aos meus familiares que me ajudaram nos momentos de
desalento, de dor, empurrando-me para o avano da vida, no me
permitindo o recuo.
A todas as pessoas que, de alguma maneira, contriburam
para a concretizao deste trabalho.
quer numa superviso ou direo como pretendo. O ato de educar pode e deve ser
delicioso e dispomos de muitos conhecimentos, a serem postos em sala de aula, no
que se refere s mais diversas prticas de ensino, na busca de um saber interativo,
ativo, experimental e contextualizado. Foi de grande valia essa retrospectiva, pois
me permitiu rever tantas coisas. Tantos sentimentos e atitudes. Sem dvida, saio
melhor, como ser humano, dessa viagem ao passado, o qual jamais podemos
ignorar, pois de fato ele alicera a nossa vida e muito tem a dizer acerca da nossa
postura atual.
GNESE
QUEM SOU EU ?
acesso a outras. O lado bom disso que poca, alm de me entreter, ensinou-me
a ter boa escrita, desde cedo e a ter certa facilidade para a redao de textos.
J escrevi muitas poesias e at tenho algumas escritas h muito tempo
guardadas. Procurei o caderno mas no localizei, pois so tantas as coisas
guardadas. Quando eu sa de frias vou tentar recuperar isso, pois acredito que
ningum rasgou em alguma dessas arrumaes que se costuma fazer. Tomara que
no!
Sou uma pessoa que reajo por acumulao, ou seja, no dia a dia tolero
muitas coisas, dizem que eu sou at paciente. Mas a, a coisa vai, vai acumulando e
em um dado momento explode. Ai a coisa costuma no prestar porque s vezes
vem forte. Um ex chefe dizia, a meu respeito, que eu engolia um leo e engasgava
com o mosquito. Eu no gosto que isso ocorra assim e tenho buscado mudar. S
que o processo no lento mas est sendo buscado.
Reflito muito sobre mim mesma e quando ocorre uma sinalizao negativa,
como citado acima, eu tento me recuperar e me resgatar do processo. Esse, eu
acho, um lado bom da minha personalidade, pois atravs da reflexo se depura
muitos dos nossos processos , tais como os referentes a relacionamentos.
Fui arrimo de famlia a partir dos 19 anos de idade, quando perdi o meu pai e
achei que a minha famlia ia se degringolar. Ningum me pediu, era praticamente a
irm mais nova e assumi esse papel, um papel espinhoso, que me custou anos
devida dedicados situaes familiares e muitos recursos tambm. Comecei a
trabalhar desde cedo e, hoje, poderia ter uma vida financeira folgada, caso no
envidasse esforos como arrimo. Se me perguntassem se eu me arrependo do que
fiz, com total dedicao, provavelmente eu responderia que no, at porque nunca
devemos nos arrepender do bem do que fazemos e, sim, do que no fazemos
quando podemos. Mas, embora eu no esteja arrependida, s no faria da maneira
que fiz, em que praticamente esqueci de mim, estacionei a minha existncia. At
porque, vendo hoje os beneficiados (sobrinhos principalmente que esto bem
encaminhados na vida), vejo que praticamente resta pouca ou nenhuma gratido,
sentimento to esquecido por essa gerao atual.
Quando terminei o curso Cientfico vim para Salvador para comear a
trabalhar, labutar pela vida. O meu irmo mais velho, Ademrio, conseguiu um
emprego para mim junto a uma indstria de leo comestvel, a Industrial de Irec
S/A, onde trabalhei por um ano e seis meses. Nessa poca, a situao que envolvia
os meus pais no estava boa e eu ento me preparava para retornar a Cruz das
Almas, inscrevendo-me no vestibular para Agronomia. Ao fazer o vestibular, no
mesmo ano, perdi o meu pai numa morte acidental, aos 59 anos de idade e eu
queria desistir. Passei no vestibular e alguns amigos, poca, no me permitiram
fazer isso.
Fiz o curso de Agronomia, no por vocao, mas por situao de vida.
Durante o curso, estagiei em diversos departamentos da prpria Universidade e
tambm junto Agro Comercial Fumageira, que lidava com a plantao e
beneficiamento do fumo. A agro quis me contratar, mas no estava entre os meus
planos trabalhar numa indstria de fumo, eu era muito idealista para aceitar algo to
inspito para mim.
Os Professores da Universidade, dentre os quais destaco o professor Alicio
que tinha sido meu professor desde o curso cientfico, tambm queria muito que eu
viesse a ser professora da escola de agronomia, mas tudo que eu queira era sair de
Cruz das Almas e buscar apagar as lembranas ruins que a cidade me trazia.
o dia fora, uma parte junto a UNEB e a restante junto ao BB. O que ns temos feito
(o pai e eu) sempre responder aos questionamentos dele, que so muitos. O que a
gente percebe que, como diz Emlia Ferreiro e Ana Teberosky, em suas pesquisas,
a criana que fica exposta aos livros, tem mais facilidade para absorver. Levy (este
o nome dele), desde muito cedo ficou exposto a um mundo letrado, inclusive a
alguns livros infantis, que ele nos pedia para ler ou s vezes ficava sozinho,
envolvido em suas gravuras (do livro, claro).
A MINHA INFNCIA
Aos cinco anos, meu pai resolveu mudar de cidade e ir para Cruz das Almas,
cidade que representava um setor prspero na fumicultura, cultura que o meu pai
dominava, enquanto proprietrio. E assim se deu: fomos morar em Cruz das Almas,
em uma casa situada Rua Ruy Barbosa, numero 683, rua onde se situava o
colgio pblico da cidade, chamado Colgio Estadual Alberto Torres, onde cursei o
ginsio e o curso cientfico. Essa rua tinha uma posio estratgica, pois alm de ter
o colgio nela localizado, era acesso obrigatrio Escola de Agronomia da
Universidade Federal da Bahia, o que concedia aos seus moradores uma
possibilidade de contato com os estudantes universitrios que advinham das mais
diferentes cidades do estado e s vezes at do exterior (tinha um nmero expressivo
de estudantes latino-americanos).
O pouco que me lembro da minha infncia a partir da cidade de Cruz das
Almas. Na verdade tenho raras lembranas, pois convivendo com irms mais velhas
e uma irm que no se identificava comigo. Ficava muito sozinha e absorvi muito
cedo o mundo adulto e as suas perplexidades. Buscava a solido por opo e me
refugiava nos sonhos, nas iluses, em busca de uma perspectiva diferente da que
era por mim vivenciada.
Durante esse tempo, possu algumas bonecas, que nunca tinham cabelos,
pois essas eram mais caras. Eram bonecas carecas, com o formato do cabelo
sempre desenhado, mas que eram muito bonitas. Gostava delas e as protegia o
mais que eu podia.
Acreditava em mulas-sem-cabea, lobisomem, saci-perer. Tinha medo deles
e se algum adulto queria me assustar bastava falar num desses personagens que eu
me pelava. Tambm acreditava em Papai Noel, tanto que j com 11 anos fiz uma
carta a ele pedindo uma bicicleta de presente, onde eu justificava o bom
comportamento e o fato de ter passado com boas notas, para que o meu pedido
fosse aceito. Que decepo, meu Deus! Apesar de todos os meus argumentos, o
bom velhinho no atendeu o meu pedido. Foi frustrante demais!
PROCESSO DE ALFABETIZAO E ENSINO PRIMRIO
Fui para a escola, aos sete anos, j praticamente alfabetizada pela minha
irm mais velha. A professora Jane complementou e me deu os fundamentos da
primeira srie de ensino. No incio dos estudos tive dificuldade por ser canhota, pois
a professora e at os meus pais queriam mudar isso. Isso me leva a pensar como
comportamentos que representam excees so pouco compreendidos pela s outras
pessoas. O processo de aquisio da lecto-escrita ocorreu da maneira menos
traumtica possvel, o que me leva a uma boa recordao dessa minha professora, a
quem devo o embasamento dessa fase de ensino. Naquela poca, no pude fugir da
Memria Educativa
Naurelita Maia de Melo
Este trabalho foi uma proposta do professor de Prtica Pedaggica II, Elizeu
Souza, que nos inspirando com a histria O Patinho que No Sabia Voar de
Rubem Alves, nos questionou se somos patos domsticos ou selvagens e quais os
nossos desejos mais profundos.
Como saber os meus desejos mais profundos? Fui educada para realiz-los?
Meus pais me educaram para ser um pato domstico ou selvagem? Sou a
representao dos desejos dos meus pais ou dos meus prprios desejos? Sabendo
quem sou, sinto-me satisfeita ou quero mudar? Mudar como, mudar o que?!
Estas foram s questes que me conduziram ao tnel das minhas memrias.
Precisava de respostas, precisava de espelhos, ento escrevi.
Veremos a seguir, os textos que retratam essas recordaes, de forma muito
particular, tendo incio no meu nascimento e as estrias em torno dele, enveredando
pelas minhas reflexes sobre quem sou e quais os meus desejos. A viagem passa a
ser mais prazerosa, quando vou remontando a minha infncia e a minha vida
escolar, culminando com as respostas em relao s indagaes iniciais.
Talvez as concluses s quais cheguei, mudem daqui a algum tempo. Espero
que mudem para melhor, pois o meu objetivo ser melhor a cada dia, a cada pgina
que for sendo preenchida com os traos das minhas conquistas.
GNESE: quem sou eu?
Cabe viver bem esta idade e as idades que vm depois.
Maria Clara Machado
Eu, Naurelita Maia de Melo, nasci em 28 de abril de 1972. Era outono. A|
sociedade brasileira sofria as conseqncias da Ditadura e tentava se erguer mais
uma vez, buscando reestabelecer a ordem depois do grande caos.
Meus pais tinham 22 anos de idade. Pessoas simples, cheias de sonhos, no
percebiam os problemas poltico-sociais que desfilavam em sua janela.
Minha me, Laura Maia de Melo, veio de So Felipe para Salvador, num
caminho, acompanhada dos irmos e dos pais Justo Almeida Silva e Escolstica
Maia Silva, porm todos a chamam de Dara. Tinha perdido o irmo mais velho que,
acometido de tuberculose e vtima da falta de recursos em sua cidade, encontrou na
morte, o seu regresso Ptria Maior. Meu av, Justo no nome e no carter,
desgostoso, veio para Salvador, trazendo toda a famlia. Aqui, reconstruram o lar
em Pernambus, numa cassa de taipa. L, deixaram fazenda, gado, plantao, casa
de farinha, flores, rios, inocncia, alegria, amigos, parentes e saudades. Primeiros
moradores de Pernambus, viram nascer as dificuldades superadas, a casa de
blocos, a horta, a carne do sol vendida na praa. a roupa lavada no rio, o primeiro
chafariz, as primeiras famlias, a primeira rua asfaltada, a Parquia de So Jos
Operrio, a primeira televiso, o primeiro aougue, a primeira padaria, o exrcito, o
colgio interno e o convento. A construo da primeira escola - Escola Madre
Helena, Irmos Keenedy- erguida pela comunidade e pelas freiras italianas, na qual
minha me foi professora e eu aluna, tempos depois.
Melhor ser uma boa professora e feliz do que uma engenheira ruim e infeliz. Fiz
magistrio e estou preste a me formar em Pedagogia.
Sou otimista. Aprendi com meus pais. A insegurana tambm. Sr. Napoleo,
que sofreu muitas perdas, viu na vitria algo muito complicado, quase impossvel e
nos sonhos, o consolo. Meu pai um sonhador. D. Laura temia pelo meu futuro.
Desejava que eu no sofresse e fosse uma mulher independente e no me
submetesse aos caprichos de homem nenhum. Minha me uma super-me.
Meus pais so meus grandes mestres e amigos! Fizeram-me rvore, deramme liberdade para crescer, florir e ao mesmo tempo poldaram-me. Fiz-me floresta.
Sinto-me hoje, pessoa de outono, guiada pelas dores, pelos devaneios, pelos
ideais e pelo amor. Um ser iluminado, abenoado por Deus, pois estou esperando o
meu primeiro filho. Trabalho e estudo com o objetivo de dar um futuro feliz para meu
filho e melhorar a minha qualidade de vida, cumprindo com o meu papel social e
familiar. Desejo ser cada vez melhor do que fui e do que sou. Quero aprender, para
melhor servir e amar, amar muito, porque acredito ser essa a nica fatalidade
existente: o amor.
MINHA INFNCIA
Divertido mesmo era as frias em Arembepe, pois ia a famlia quase toda, nos
finais de semana. Eu, meus pais e minhas irms, meus tios Maia e Maria e os filhos,
meus tios Elza e Justino e meus primos Neia, Nete, Juce e Jnior, Meus tios Darci e
Hlio e os filhos Dario e Dudu. Alm desta trupe super-divertida e alguns
convidados, no poderiam faltar meus avs Justo e Dara, claro. Nos reunamos
todos em Pernambus e amos em comboio, cada um em seu carro e ns, a
primarada, na C10 de meu tio Maia, que chamvamos de camburo. Lembro das
msicas que entovamos at chegar em Arembepe: O jipe do Padre, A baratinha
voou e tantas outras. Era muito divertido. Quanta saudade! Bem, chegando l, os
homens se reuniam para brincar de palitinho, e quem perdia se vestia de mulher e
desfilava na rua ou na praia e tirava fotos. As mulheres arrumavam o perdedor e
todos assistiam ao desfile, dando muita risada. Lembro de meu pai vestido de
mulher, desfilando na rua... Que engraado...
Minhas tias sempre se reuniam para conversar sobre suas vidas e... a vida
dos outros. Eu, minhas irms e meus primos ficvamos o dia todo pra l e pra c. Da
praia praa, da praa casa, da casa s casas dos outros, de l para a aldeia dos
ripes, onde tomvamos deliciosos banhos de rio, pois naquela poca no havia gua
encanada e depois para casa. Passado o fim de semana, todos voltavam para casa
e os primos todos ficavam, com nossa av, que tomava conta da gente. Na verdade,
a gente tomava conta dela. Fazamos tudo que queramos, comamos as comidas
apimentadas da vov e, no caf-da-manh, tomvamos vitamina de banana na
padaria ou na lanchonete de Tan, o japons que nos divertia muito. Nesta
lanchonete, tambm tomvamos sorvete todos os dias, no final da tarde.
Com toda a liberdade que tnhamos, no aprontvamos com ningum.
Nossas brincadeiras eram saudveis e s abusvamos uns aos outros, brigando e
logo fazendo as pazes. Meus tios, pais e avs, nos deram uma educao muito
semelhante, ensinado os princpios da unio, do perdo, do respeito e obedincia
aos mais velhos e da religio.
Lembro da minha Primeira Comunho, na Parquia de So Jos Operrio,
quando tinha 11 anos. Quando fui me confessar, para fazer a primeira eucaristia,
no quiz e disse ao padre que se Deus poderia ouvir minhas preces, ele mesmo me
perdoaria pelos meus pecados, sem que eu precisasse de intermedirios. Esta ali,
naquela atitude, marcado o meu quase total afastamento da Igreja Catlica, pois no
concordava com seus dogmas e no encontrava respostas para as minhas
perguntas. S ia missa da Igreja do Bonfim, aos domingos de manh, bem de vez
em quando, com minha famlia. Mas qual a festa foi maravilhosa, l isso foi. Meus
pais fizeram uma festa to grande, que mais parecia festa de quinze anos. Vieram
todos os meus parentes e amigos. Quase todos os maternos, inclusive os que
moravam em So Felipe e So Paulo e muitos paternos. Vieram tambm duas
colegas da eucaristia, que comemoraram junto comigo e a professora de catecismo.
Ganhei muitos presentes, me deliciei com muitas guloseimas, as quais foram
preparadas durante um dia e uma noite inteirinha por minha me e minha tia Telma,
irm de meu pai. Foi festa o dia inteiro e muitas fotografias, alis se tem algo que eu
acho muito feio, so as minhas fotografias, pois no era nem um pouco fotognica,
alm de ser orelhuda e muito magra, mas mesmo assim, foi inesquecvel!
Aps a primeira eucaristia, deixei de frequentar a Parquia e s ia Igreja do
Bonfim, bem de vez em quando. No quis me crismar. Mais tarde quando tinha
quatorze anos, meu av Justo nos levou ao Centro Esprita Mensageiros da Luz,
conhecido como Centro de Arapiraca, por ser ele o Presidente, e l nos encontramos
at hoje. Meu pai parou de beber, eu encontrei as respostas que me inquietavam e
magistrio, alm de Portugus. O curso foi excelente. Aprendi muito e fui estimulada
a fazer vrios cursos livres. Com tanto incentivo, aonde aparecia um curso
relacionado rea de educao, eu estava l. No fim do terceiro ano, retornei
Escola Madre Helena, para fazer o estgio obrigatrio. Estagiei numa classe de
terceira srie, com alunos de 11 a 15 anos. A escola, quanto ao espao fsico era a
mesma de anos atrs. Os professores tinham as mesmas metodologias tradicionais,
mas os alunos no eram mais os mesmos. Estavam mais agressivos, mais
problemticos e mais pobres. A escola no comportava os alunos que tinha e no
sabia o que fazer. Os professores sempre optavam pela omisso e os alunos pelo
descaso. Quando visitei a sala de aula pela primeira vez, sair com dor de cabea, ao
ver os alunos se degladiarem na sala, cadeiras voando e a professora sentada lendo
um texto de Geografia, como se nada tivesse acontecendo. No segundo dia, j me
disponibilizei para ajud-la e ela deu Graas Deus. Ento, fazia um ditado, lia um
texto ou passava exerccio no quadro para que os alunos copiassem e assim,
durante a semana de observao, a gente foi se conhecendo melhor, eu, os
alunos,e a professora regente. A diretora da escola e a Merendeira se emocionavam
ao me ver ali na mesma sala que um dia fui aluna, dando aula.
Fiquei pensando em como trabalhar aqueles cartazes todos, flanelgrafo,
cartaz de prega, caixa de contagem e tantas quinquilharias pesadssimas
carregadas diariamente num sacolo do meu tamanho, numa sala como aquela.
Pensei, tenho que ter autoridade, do contrrio no conseguirei fazer nada. Assim, no
primeiro dia em que assumi a sala, esperei todos os alunos na porta. Solicitei que
fizessem uma fila, na verdade, mandei. Nomeei o aluno mais rebelde como o
responsvel pela disciplina da turma. Fiz cara de general bravo e derramei uma lista
de regras e normas que eles deveriam cumprir, caso no quisesse ser reprovados
novamente. A maioria altamente disciplinadora. Ento mandei que entrassem e
sentasse nos lugares previamente marcados. Quando percebi que dominava a
classe, comecei um dilogo democrtico, onde decidimos normas de convivncia,
sugestes de contedo e atividades. Havia conquistado aquelas terras. Passei
vrios exerccios, conforme o planejamento exigia e a aula prosseguiu em paz, at a
volta do recreio. Naquele momento, quando todos voltavam sala, a baguna
estava completa. E eu, meio sem saber o que fazer, gritei: Era uma vez. Ningum
ouviu. Gritei novamente: Era uma vez.... - e fui abaixando o tom de voz e eles
sentando e silenciando - era uma vezzz, um macaco chamado.... Timb.
Todos caram na risada. Ficaram atentos, queriam saber o que Timb havia
feito, o que aconteceu com ele e porque a professora contava uma histria para
alunos to mal educados. No final da histria, estavam todos a comentar e dar novo
enredo, novas personagens, novas atitudes, o que nos fez criar um texto coletivo,
despertando a percepo de que no ramos rivais, mas companheiros de uma
mesma criao. Acabara de descobrir o poder mgico da histria. Naquele estgio,
os alunos comearam a criar, escrever e ler, at a apresentao de uma pea que
haviam ensaiado escondido e apresentado na festa de encerramento do estgio,
como um presente para professora. A pea foi O Casamento da D. Baratinha. Foi
maravilhoso, ver como aqueles olhares endurecidos de antes, nos momentos de
criao se enterneciam e se enchiam de esperana. Do estgio, ficou no corao de
cada um de ns, a esperana, a f no ser humano e crena nas nossas capacidades
de remover montanhas.
No estgio, removi as montanhas da minha timidez, dos meus medos e da
minha insegurana e me apaixonei de vez pela profisso. Agradeo muito
Solange, professora de Prtica de Ensino, que um dia vendo o meu desnimo disse:
O que voc quer? Quer ensinar? Ento priorize seus estudos. Com ela aprendi a
priorizar os estudos e as relaes humanas. Estudar, para compartilhar.
Toda a minha vida escolar foi palco onde eu enfrentava o desafio de vencer
as duras paredes da sala de aula e as muralhas internas, erguida pela minha
timidez, medo, insegurana, e pelas castraes da educao rgida e repressora que
recebi. Precisava de algum que me estimulasse, que me dissesse: _ no tenha
medo, sua voz bonita, voc inteligente, fala. Esse algum foram os meus alunos
de estgio, os mais doces e verdadeiros sorrisos, que envolvidos em lgrimas
fizeram toda a diferena de nossos olhares sobre o mundo.
SER EDUCADOR, HOJE
Mestre no quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Guimares Rosa
Hoje, vivemos um mundo que se reconstri a cada instante. No existem mais
teorias, teses e modelos de comportamento que atravessem as longas datas da
Histria. Somos seres complexos, dotados da compreenso de uma realidade
transitria, inconstante, com uma mutabilidade permanente. Essa certeza de que
no h mais verdades absolutas, mesmo no mbito cientfico, faz cair por terra os
nossos conceitos positivistas. A Ordem e o Progresso enveredaram por uma
aparente desordem de pensamentos, que inicialmente pareciam no evolurem para
uma concluso verdadeira, convincente, que servisse como espelho para a
sociedade. Mas corresponde ao processo mental da descoberta e construo do
conhecimento que ganha mais movimento, criatividade, investigao, ousadia e
responsabilidade.
Atualmente, o mercado necessita mais de criaes do que de consertos e
reparos das mquinas e pensamentos antigos. O tcnico de hoje precisa inventar,
melhorar, inovar para competir e vencer, numa intensa velocidade. Os 15 minutos de
fama atuais no so os mesmos do passado. Hoje todos precisam de no mnimo, 15
minutos de fama de algum que traga novas idias, que atendam s necessidades
primordiais. O tempo passa numa velocidade absurda e ns precisamos de samos
da cadeira de telespectadores para produtores e atores deste novo mundo, nos
reeducando a cada dia.
Considerando que a educao um dos pilares da reconstruo deste novo
mundo, penso na dimenso da minha responsabilidade. No posso me acomodar na
simples reproduo de conceitos, normas e at dogmas educacionais, aplicando
planejamentos de carbono, que se repetem com o passar dos anos, nas inmeras
e distintas classes. Tambm no posso escolher uma s teoria ou uma s
metodologia, por mais modernas que sejam - estamos vivendo no mundo
contemporneo, o modernismo j passou. No h mais referncias nicas, nem
modelos nicos em nenhuma rea cientfica. H, sim, a busca de novas teorias,
novas metodologias, novos rumos que venham a clarear a obscuridade das nossas
mesmices. Os alunos que por ventura vierem a compartilhar comigo, as suas
caminhadas, sejam eles do ensino fundamental, do ensino mdio, do pr-vestibular,
adultos analfabetos ou professores e, quem sabe no futuro, universitrios, so seres
humanos, dotados de sensibilidade, inteligncia e uma riqueza vivencial muito
grande. Esses meus companheiros exigem de mim, uma postura investigadora,
reflexiva, criativa, solidria e humilde.
receios e medos, vendo a todos como um imenso arco-ris, onde, com certeza ser
encontrado um pote de ouro: ns mesmos.
CONSIDERAES FINAIS
O problema no inventar, ser inventado hora aps
hora, e nunca ficar pronta a nossa edio convinvente.
Carlos Drumond de Andrade
Escrever um pouco das minhas memrias foi a grande oportunidade que tive
de voltar ao passado e fazer uma ponte com o futuro que desejo. Foi um valioso
presente. Significou muito lembrar das peraltices de infncia, dos sonhos
adolescentes e de como meus olhos viam o mundo, viam as pessoas a mim mesma.
Pude abrir a janela do tempo e sentir novamente o perfume que as coisas tinham,
quando eu era criana.
Embora tenha sido prazeroso, foi um pouco difcil. A todo instante, em meio
s tarefas rotineiras, me perguntava: - Como vou escrever sobre o meu passado? O
que escrever? De que forma comear? At que revendo um trecho do filme Forrest
Gump - O Contador de Histrias, veio a idia. A personagem principal viaja para o
passado atravs do sapato da moa que estava sentada ao seu lado. Atravs de um
sapato! E quem o conduziu ao sapato? Uma pena que pairava no ar, chamando sua
ateno e repousando entre os ps da moa. Era isso! Preciso de alguma lembrana
da infncia e de algo que me conduzisse a esse objeto. Enquanto trabalhava,
estudava ou conversava com meu marido, ficava a postos para captar o objeto, no
momento em que ele aparecesse. Foi ento que, conversando sobre a educao do
nosso filho, os pensamentos foram divagado na minha histria, sobre as
caractersticas que eu desejava ou no que ele herdasse de mim, sobre os
exemplos de meus pais, meus avs... e os objetos foram surgindo: as fotografias, os
sorrisos, os cheiros, as brincadeiras, as missas, a escola. Tive o cuidado de deixar
as lembranas e as idias bem latentes para o momento em que fosse escrev-las.
Ento, alguns dias depois, comecei. Parei, retomei o papel e caneta e, mais uma vez
os guardei. No dia seguinte decidi s parar quando terminasse. Ento, escrevi o
primeiro texto. Uma semana depois retomei as minhas lembranas e escrevei o
segundo texto. Mais uma semana e, finalmente, conclui o trabalho.
O desgaste de ficar horas em frente tela do computador, as outras tarefas e
principalmente no saber o como escrever colaboraram com a morosidade. Falar de
si mesmo no fcil. Requer coragem, determinao e leveza de ser; requer
suavidade, carinho estado contemplativo e auto-perdo. Da ser to importante falar
do meu passado. Pude, atravs desta memria analtica, refletir sobre o meu papel
de me e educadora, sobre a minha postura com os meus pais, parentes, meu
marido e mestres.
Hoje eu tenho mais definio e clareza nas minhas idias e minha prtica
pedaggica. Hoje eu sei, mais do que nunca, o valor de se resgatar a identidade,
cultivar a auto-estima, e favorecer nos alunos, a anlise e recriao de si e do
mundo.
Muitos acontecimentos deixaram de ser registrados, uns por no lembrar,
outros por no desejar. Talvez a leitura de alguns trechos tenha sido enfadonha,
ainda no sei com exatido a importncia das minhas memrias para o leitor. De
qualquer maneira, espero que tenha sido proveitosa. Mas, uma coisa certa: a
maior beneficiada fui eu, por ter a chance de olhar-me no espelho e rever-me
Fortalece-me muito saber que Eu me amo, amo todos e sou amada por
todos ao meu redor. Isso agradeo todos os dias a Deus.
A Infncia
Falar dela e fazer lembrar de um dos saudosos momentos de minha vida,
curtida com uma galera composta por oito pessoas, que fazia do quintal de minha
av Libanea (in memorian) um verdadeiro parque de diverso .
Como no podamos, eu e meus irmos, ir para a rua, utilizvamos o quintal
o nosso campo de concentrao junto, com o resto do pessoal que se juntava
gente, para arquitetar as nossas travessuras.
A ribanceira era um tobog, as telhas de cermicas servia como tapete e
ento deslizvamos o terreno abaixo ate chegar no quintal da Vampira, uma senhora
cuja acreditvamos que era o monstro medieval, morramos de medo.
A lavanderia era a nossa pequena casa, com cozinha, sala, banheira que
tinha ate banheira, tudo que uma verdadeira casa merece. Utilizvamos a nossa
imaginao para se divertir.
Havia interligao entre os quintais, ento aproveitvamos para mexer nas
plantaes vizinhas, roubar cana, mamo, melancia, laranja, tangerina, tamarindo
entre outras frutas que seus donos poderiam oferecer. Ento ficvamos todas
marcadas pelos matos, por causa de nossas buscas.
Ele tambm era o nosso salo de festas, que eram comemoradas nos dias
das mes, pais, Crianas, no natal, eram timas. Cada componente do grupo levava
um prato, que escolhia. A decorao era perfeita ao nosso ver, com bolas de
assoprar e painis. as mes velhas do grupo ficavam com a incumbncia de
distribuir os pratos para no haver confuso, e as mes s participavam para a
preparao dos doces e salgados.
As nossas msicas inventadas eram inspiradas nos seriados japoneses ,
que passavam no Clube da Criana: Jaspion, Chagman, Gibam. Lion Man. Partindo
de nossa habilidade de criao formamos um grupo musical composto por eu, Rose
e Patrcia (minhas irms), Ana Paula, Adriana e Rosana. Todo dia tinha ensaio para
cantar uma msica, que floresceu depois da campanha Criana Esperana, o nome
era Vida de criana no e fcil.
E o nosso grupo de dana , disputava todo ano um torneio nos Dias das
crianas no Cabula, ganhamos dois anos consecutivos com as msicas Bad Bay e
Flashdance.
Os Menudos eram a nossa paixo assim como adolescentes dos dias atuais,
dizamos que cada componente do grupo pertenciam a uma de nos. Por ser o mais
jovem Rick Martin era destinado a mim. Houve o show dele no estdio da Fonte
Nova, minha me nos levou, parecendo umas malucas ficamos deslumbradas.
Imagine s, vimos ao vivo e a cores os meninos que ramos apaixonadas e s
vamos pelo televisor?
Era o maior barato a nossas idas a shopping, o de preferncia era o
Iguatemi, juntava-se o dinheiro da merenda, e no final de todo ms passevamos
nele, lanchvamos na Big Burger, perturbvamos e paquervamos bastante, para
depois resenhar e dar boas gargalhadas.
Como toda galera houve muitas brigas e discusses, mas logo eram
resolvidas com as brincadeiras.
E perceptvel presena do grupo em todos os momentos de minha
infncia, com o crescimento e descobertas de cada uma de nos houve a separao,
mas mesmo assim Ana Paula continuou atrelada a minha famlia, mudamos para
outro bairro, e ela vinha passar todos os finais de semana conosco.
Rosana tornou se me de gmeos ainda na adolescncia, e Adriana por ter
um pai muito fofoqueiro acabou separando do grupo.
Todas separadas, mais nunca ir esquecer-me dos elsticos, piculas,
esconde-esconde, pular corda, das arraias, desfiles, baleos, macaquinhos, das
quedas, festas,ou seja, de tudo aquilo que me fez ser uma criana feliz.
A alfabetizao
Comecei a ler e escrever simultaneamente com 5 anos de idade, estudava
na Escolinha recanto da Tia Lurdes, na sala da professora Vera e Ftima, que se
utilizaram o mtodo da casinha feliz e silabao para a minha alfabetizao.
Amava ir para a escola todos os dias. Fazia caligrafia todos os dias, acho
que por isso minha letra ser desenhadinha. Estudava tabuada para a sabatina. Os
ditados de palavras eram feitos diariamente para o treino de palavras com a silaba
ensinada no dia, se errasse copiava a palavra no mximo dez vezes para decorar a
escrita. Pintar desenhos era uma loucura, j vinham prontos o que facilitava o
processo inibitrio nas produes artsticas escolares. A leitura era feita todos os
dias na carteira da professora, se no conseguisse a professora persistia ate
pronunciar corretamente.
Alem da escola, tomava banca com Geni, todos os dias, o que me ajudou
bastante para o meu conhecimento sobre o mundo do lecto-escrita. Minha me
participou ativamente no meu processo da alfabetizao, utilizando os mesmos
instrumentos da escola e da banca, e tinha presena constante nos dois meios. Para
o meu aprendizado rpido do alfabeto e nmeros ela colocava-os em cima da mesa
cobertos, deixando apenas um a vista para dizer qual se referia. Se errasse levava
um belisco e continuava ate acertar.
Aprendi rapidamente, apesar das memorizaes, repeties, reprodues e
treino de palavras. Cheguei na primeira serie escrevendo e lendo muito bem, e hoje
no apresento nenhum trauma devido ao meu processo de alfabetizao.
Vivncia escolar
Comecei com 3 anos de idade, e dos meus 13 anos dedicados os ensino
escolar nunca perdi de ano, conheci a recuperao somente no 2 grau por desleixo
de adolescente. Amei todo o tempo que passei na escola, sinto saudades.
A primeira escola que conheci foi o Recanto da Tia Lurdes, permaneci l do
pr ate a 1 serie. Lembro me de poucos fatos que aconteceu nesta poca, mas o
que marcou foi quando Ana Paula Mandou que os alunos da alfabetizao e da 1
srie pisoteassem a mochila de Roseli. Ela a detestava, e todos os alunos tinham
medo dela, e a obedeciam cegamente, quem a desacatasse levava pancada e
entrava na lista negra.
A nica que estava longe de suas maldades era eu, por ser a sua melhor
amiga dentro e fora de l. Apesar de minha cumplicidade todos gostavam de mim e
eram meus amigos, pois a cada momento cativava com meu jeito meigo a amizade
de todos. Ela acabou sendo expulsa e foi estudar em outra escola.
Ser Educador
Em um pas cheio de desigualdades e contradies como o Brasil, as
pessoas devem ter acesso ao conhecimento da realidade , para a partir da
refletirem sobre sua ao na sociedade para transform-la. Ento cabem a ns
educadores a assumir esse papel corajoso, pois somos um dos instrumentos
utilizados, que possibilita o desenvolvimento integral dos alunos, para o cumprimento
a fim de transformar a realidade na qual esto inseridos. Sendo que uma tarefa
fundamental importncia, uma vez que estamos na responsabilidade de formar
personalidades, comportamentos e atitudes que podero marcar profundamente a
vida de um indivduo. No pretendo refazer as prticas pelas quais fui alfabetizada,
pretendo sim, criar ambientes que propiciem aos meus alunos um aprendizado que
tenha um significado na vida, que possam relacionar a seu mundo aquilo que est
vivenciando em sala de aula.
uma batalha rdua, pois mexe com estruturas sociais, econmicas,
polticas e histricas, precisando mudar o seu modo de pensar par realizar algo, dar
de si, receber, trocar, pesquisar, ensinar e aprender para cumprir o nosso maior
objetivo na sociedade brasileira, que tem carncia de professores dispostos e
competentes para a mudana de nossa realidade.
Eu pretendo construir novos seres, enquanto educadora, para que saibam
conviver com as diferenas e tenham uma viso ticopoltica a partir de seu
pensamento crtico e criativo.
Consideraes Finais
Pesquisar uma das tarefas que o professor deve cumprir para reciclar
sempre os nossos conhecimentos, partindo do conhecido e do desconhecido, para a
descoberta do novo . Por que no investigar sobre ns para procurarmos a verdade
e compreenso do que queremos, para procurar daquilo que pretendemos ser.
Escrever sobre a minha infncia e a vivncia escolar, para mim foi
maravilhoso, e comprovei que esse perodo foi maravilhoso e inesquecvel, e
tambm no poderia ter nascido e crescido em outra poca e no lugar onde fui
criada. Curti bastante esses estgios de minha vida: infncia e adolescncia. Cada
qual no seu momento no fui retrograda e nem me adiantei em nada, tudo
aconteceu no seu momento, coisas que no vem acontecendo na sociedade
atualmente, por exemplo meninas de oito anos de idade j namorando, eu acho isso
um absurdo.
Quando ramos crianas tnhamos vontade de escrever sobre as nossas
travessuras, e hoje pude relatar um pouco sobre ela. E adorei.
PROJETO MEMRIA
Ana Ivone
GNESE
Minha me conheceu o meu pai numa festa de 15 anos da prima dele. No
primeiro momento, ela no estava interessada nele, mas depois de alguns encontros
comearam a namorar e se casaram Nasci no dia 14.04.1978, no /hospital
Evanglico localizado no bairro da tijuca, na capital do Rio de Janeiro. O parto
cesariano foi realizado s 7 horas da manh. Tinha cabelos pretos, sobrancelhas
bem grossas e pernas bem cabeludas. Meu nome fruto da juno do nome da
minha av paterna, Ivonne, e da minha bisav paterna, Ana Catarina; resultado: Ana
Ivone. Segundo a minha me, sempre fui muito dengosa e s gostava de dormir no
seu colo, enquanto cantava para mim; ao fim da cano, comeava o choro! Ela
relata que com sete dias de vida eu virei de bruos, sozinha, o que a fez levar um
susto.
MINHA INFNCIA
Tive uma infncia saudvel e tranqila, mas era muito comilona: gostava
muito de suco de frutas, ovo quente, gelia de mocot, papinhas e sopas diversas.
Aos sete meses comecei a engatinhar, aos 10 j falava "papai" e "mame" e
adorava nadar. Gostava de andar de avio; adorava ser convidada pela aeromoa
para conhecer a cabine do piloto e sempre perguntava quando iria comear a pular
(turbulncia). Com um ms e meio fui morar na Amaznia: s tomava banho frio
devido ao calor muito forte; tirei fotos com araras, macacos e quatis. Meus pais
faziam passeios pelos igaraps - isso tudo dentro da floresta amaznica. Aos dois
anos fui morar em Santos SP, onde entrei no meu primeiro colgio, que se
chamava Carminho. L, tinha um mini-zoo onde eu me escondia quando mame ia
me buscar, e queria sempre levar a tartaruga para casa. Quando fui conhecer o
verdadeiro zoolgico de So Paulo, fiquei encantada com a casa das formigas, pois
elas andavam com folhas dentro de tubos (inveno do bilogo Mario Antoori). Tudo
isso eu contei a mame com a ajuda de gestos, pois ela no foi comigo; esse
passeio foi organizado pela escola.
Aos quatro anos vim morar em Salvador, devido a mais uma transferncia
do meu pai. Morei no bairro da Pituba e estude no um, dois, 3 localizado no
Caminho das rvores. Era muito tmida, mas gostava muito de danar e participava
de todas as festas da escola: me vesti de anjo no Natal, ndia, caipira, dentre outras.
Ganhei um irmo em 1982, e at ele nascer, foi difcil compreender porque a minha
me precisava ficar to barriguda, ele no saia logo de l. Foi num desfile escolar
que eu me senti envergonhada; desfilei de mos dadas com uma amiga, e ela
perguntou ao ver a minha me me chamando para bater uma foto: aquela barriguda
a sua me? Por que ela tem a barriga to grande? Respondi que ela no era a
minha me e fiz de conta que no estava lhe vendo. Mas ela me chamava
insistemente: Aninha, olha pra c!, e no foi possvel disfarar muito. At hoje essa
histria motivo de riso na famlia.
Quanto ao meu irmo, sinto que enquanto moramos juntos, exerci forte
influncia sobre a sua formao, e mantnhamos uma relao muito estreita at o
inicio da sua adolescncia - quando as nossas diferenas foram se acentuando.
Sempre achei que meus pais costumavam ser coniventes e at meio displicentes
com seus atos, e eu gostaria de ter interferido bem mais, por am-lo tanto.
Com seis anos fui para Belm; ficamos s oito meses, mas experimentei
muitos pratos tpico do lugar: pupunha que minha me me dava com mel no caf
da manha, suco de aa, cupuau, manioba, mas no gostava de pato no tucupi,
pois achava muito azedo. O condomnio em que morvamos era belssimo e todo
arborizado, com muitos ps de manga, aa e pupunha. Tnhamos total liberdade
para brincar, andar de bicicleta e fazer passeios noite com as colegas; era muito
tranqilo e seguro. Depois, fui morar no Rio, onde estudei no colgio Gotinhas do
saber, onde realizei o curso de alfabetizao e fiquei muito triste por ter sido
necessrio sair da escola por conta de uma nova mudana. Com oito anos, ainda no
Rio, fomos praia do Flamengo: eu, mame, papai, meu av e primo. Ficamos
brincando e observando um campeonato de pipas; nos distramos e nos perdemos.
Meus pais e meu av entraram em pnico; mobilizaram o pessoal conhecido para
nos procurar. Passaram-se 30 minutos de angustia tanto para os meus pais e meu
av, quanto para eu e o meu primo. Nos no tnhamos condies de nos
localizarmos naquela praia lotada. At que resolvemos ir para o passeio publico com
o objetivo de ter uma viso melhor do espao e encontrar ajuda (mas no
pedamos!). Ento um guarda que passava pelo local nos abordou gentilmente e
ofereceu ajuda. Queramos muito andar no bugre da policia e, sem saber, ele
realizou o nosso desejo. Por um momento ficamos felizes e depois, bem mais, pois
fomos rapidamente encontrados. O meu av, que coronel da policia agradeceu
imensamente os colegas de trabalho.
MINHA VIDA ESCOLAR
O meu curso de alfabetizao foi feito na Escola Gotinhas do Saber. O
mtodo utilizado foi o da silabao, que eu treinava com muita perseverana ao
tentar decifrar os letreiros dos nibus. Eu achava muito divertido esse mundo da
descoberta; essa nova capacidade significava para mm Ter um poder especial. A
nica coisa que me incomodava era a lentido com a qual eu lia as palavras; s
vezes o nibus passava e eu me sentia angustiada por no ter conseguido decifrar a
palavra at o final. Havia para mim uma condio necessria (ou processo) a ser
seguido, que ao mesmo tempo, me levava descoberta, mas me impedia de faz-la
de forma rpida. Eu precisava dizer: b com o faz bo, t com a faz ta, f com
o faz fo e g com o faz go, para dizer satisfeita: Botafogo! isso quando no
esquecia as slabas anteriores e precisava repetir o processo! Mas deu certo; eu
apreciava as letras principalmente as minsculas, coladas na parede da sala. A
professora dizia que as letras davam as mozinhas, formando uma slaba. Grande
parte do que me foi ensinado eu aplico em sala de aula, porm, acrescentando,
dentre outras coisas, a contextualizao.
O marco da internalizao dos papis sociais se deu neste momento da
minha vida: certo dia, a minha me precisou sair e deixou o meu pai assumindo as
suas funes dentro de casa; inclusive a de preparar para ir escola (e isso
dificilmente acontecia). Percebi que ele estava meio perdido e no sabia aonde
encontrar o que precisava. Note que havia algo de diferente em relao rotina que
estava habituada a ter com a minha me, mas no entendia a razo. Ficou gravada
na minha memria, a cena do meu pai tentando me pentear com todo cuidado, mas
sem nenhuma habilidade; eu me olhava no espelho, me achava feia e no entrava
na minha cabea como ele estava conseguindo fazer um penteado to horroroso.
Resultado: assumi a posse da escova de cabelo e fiz o que pude para melhorar o
visual. A partir da, me convenci de que ele no levava jeito para a coisa, mas o
motivo, eu no compreendia, afinal de contas, na minha concepo, a funo de
ambos era tomar conta de mim. S com o passar do tempo, a causalidade desse
fato me foi apreendida: percebi que o meu pai ficava pouco tempo em casa e a
minha me que passava o dia todo comigo, considerando raras excees.
A televiso exerceu forte influncia sobre mim na infncia, principalmente
em relao sexualidade. Havia um garoto na sala que eu gostava muito, e o
considerava como meu namorado". Aborrecia-me v-lo dar tanta ateno a
brincadeiras e nem tanta a mim. Eu pedia que ele me desse beijos (e ele dava!),
porm, um dia, eu pedi que ele desse um beijo de novela, mas ele no deu;
certamente por no ter atendido o que eu pedia, e nem eu sabia ao certo. O que me
chamava a ateno era a imagem, a esttica do beijo e os sentidos que o
provocavam.
A 2 srie primria eu fiz em Salvador, no Instituto Educacional do Stiep,
prximo da minha casa. A minha professora ensinava de uma forma tradicional e
mecnica: tomava leitura, fazia argies, valorizava quem acabava primeiro, etc.
Com ela, apresentei os meus primeiros problemas com a matemtica; estavam eles
concentrados na multiplicao e diviso. Acabei na recuperao. Esta foi uma fase
muito difcil para mim; experimentei sentimentos como decepo comigo mesma,
insatisfao dos pais, nervosismo, medo, sensao de incapacidade, desnimo e de
que o que era se resumia aos resultados obtidos na escola. Os meus pais no
souberam lidar com essa situao. O meu pai fazia longos discursos sobre a
importncia da matemtica todos eles distantes da minha realidade, portanto para
mim, eles no traziam nada de concreto. Alm disso ele me fazia longas e
freqentes argies sobre a tabuada, o que fazia aumentar a minha frustrao
diante do erro e enxergar a tabuada como conhecimento do qual eu nunca
conseguiria me apoderar pelo menos no sentido da COMPREENSO. Eu chorava
compulsivamente sobre a tabuada e procurava meios que me auxiliassem a manter
a calma e desvendar o mistrio da tabuada: cheguei a rezar para uma Santa cuja
imagem vi estampada num chaveiro que estava sobre a mesa. Mas o pior que
alm de no saber lidar com toda essa situao, eu no podia contar com o afeto
dos meus pais. As nossas conversas se resumiam tabuada e minha
incompetncia. Todo o tempo disponvel do meu pai para comigo se destinava
tabuada: eu deveria olhar, memorizar e repetir vrias vezes a mesma sentena, e
muitas vezes o meu choro era inevitvel. Como se no bastasse a multiplicao eu
deveria aprender a diviso. A minha me se ocupou mais dessa tarefa. Ensinoume a agrupar risquinhos que simbolizavam a diviso, mas isso no me foi passado,
e mais uma vez, eu no compreendia aquele processo. Ela ficava muito nervosa e
perdia complemente a pacincia comigo. Aos trancos e barrancos, passei na
recuperao e fiz um exame de admisso para a Escola Teresa de Lisieux, onde
passei a maior parte da minha vida escolar. Cursei a 3 srie. Era muito tmida e de
poucos amigos; nunca participava das aulas por sentir vergonha ter medo de errar.
Confirmava as minhas hipteses em silncio e sempre fui muito atenciosa para no
correr o risco de precisar perguntar alguma coisa (e ainda assim, eu no
perguntava). Adorava cantar a msica de saudao para os visitantes acho que a
nica utilizada pela professora. Nesse mesmo ano comecei a fazer catequese
curso que muito me agradava, e fugia da rotina; trabalhou os meus valores morais e
afetividade, apesar das aulas possurem um carter muito conservador e pouco
reflexivo.
Na minha 4 srie pude sentir mais integrada ao grupo, pois a professora
coordenava algumas brincadeiras e. em outras, eu sempre tentava participar, apesar
de no ter um bom desempenho nas brincadeiras de baleado e elstico. Esta
professora foi a que apresentou uma relaco muito prxima com os alunos e era
mais um fator que unia o grupo; tnhamos em comum muito carinho e admirao
pela professora que repreendia, mas tambm elogiava. Os deslizes e mal
entendidos nunca passavam em branco; os envolvidos eram convidados a dar
explicaes, pensarem sobre o que tinham feito e ouvir o parecer da professora,
evento esse muito produtivo para ns todos. Com essa professora, Magnlia, tive
um desentendimento: fiz um trabalho de Histria, tirei nota nove, levei para casa
para ser assinado e esqueci (seguidas vezes) de devolver. Resultado: um S.R. foi
lanado no meu boletim. No dia da entrega dos resultados, a minha me foi procurar
saber o que significava aquilo. A professora disse que eu no tinha feito o trabalho.
Inibida, disse baixinho minha me a nota que eu tinha tirado, e a professora se
esforava para ouvir. Desfeito o mal entendido a professora conversou comigo sobre
a sua insatisfao e me mandou buscar outro boletim. Deu-me coordenadas, e a
partir da eu comecei a compreender melhor a estrutura da escola. Ao final da aula,
tentei sair despercebida, achando que a professora poderia estar ainda aborrecida
comigo, mas quando eu estava quase fora da sala, ela me chamou para me dar um
beijo como de costume, e alm disso, ganhei um abrao tambm. Foi a 1 vez que
tive a ntida impresso de ser perdoada e querida; um turbilho de emoes ferveu
em mim e eu comecei a aprender a lidar melhor com elas.
Ainda na 4 srie, participei de festinhas, ganhei o meu primeiro suti e
usava muito batom. Tinha uma boa aceitao no grupo, apesar de ser considerada
como uma das mais tmidas e menos comunicativas das garotas da classe. Esses
colegas me acompanharam at a 7 srie, mais ou menos, bem como a imagem que
tinham de mim. Eu sentia medo diante da aproximao de alguns colegas com os
quais no tinha intimidade, e por isso me fechava ainda mais, tentando evitar
dilogos longos que pudessem me deixar constrangida de alguma forma. Uma
colega de sala, Paula, me encontrou certa vez, fora da escola e me fez uma serie de
questionamentos sobre o meu jeito de ser; eu fui ficando cada vez mais tmida e
tentavadar um tom de comedia situao, s balanando a cabea para responder,
pois a verdadeira resposta sobre o meu jeito de ser, eu no dispunha no momento.
Ela chegou a pisar no meu pe (de brincadeira!), para ver se eu pelo menos emitia
um som que expressasse dor, mas ela desistiu e foi embora. No fizemos contato
durante um bom tempo e eu fiquei triste, pois tinha vontade de ser amiga dela.
Na 5 srie, fiz amizades fortes e me divertia muito com elas. Experimentei a
sensao de ter vrios professores, (o que dava um certo status) e tinha horror a
apresentao de trabalhos; eu era a que menos falava, e por isso ganhava a menor
nota, apesar de me esforar na parte escrita e artstica de mapas, cartazes e etc. Fui
conseguindo vencer a timidez com os colegas, a partir da vivncia prxima com
poucas amigas, que me fizeram entender que a convivncia e a troca de
experincias pode ser muito prazerosa, mas exige um pr-requisito: a coragem para
aproximao. Desse modo, eu comecei a enfrentar o meu medo.
Na 6 srie, vivenciei dificuldades maiores relacionadas minha dificuldade
de expresso (agora, principalmente na sala de aula). Como se j no bastasse o
mtodo enfadonho de aula expositiva, havia trabalhos em grupo com apresentao
MEMRIA EDUCATIVA
Rosana Benevides Abreu Santos
Quando minha me engravidou j tinha trinta e cinco (35) anos e meu irmo
mais novo tinha nove (9) anos. Os dois (meus pais) trabalhavam e era difcil conciliar
a ateno aos filhos com o trabalho. A gravidez foi uma surpresa mas, junto veio a
esperana de vir uma menina.
Nasci de parto normal, aproximadamente s 12:00 do dia dezessete de
dezembro de um mil novecentos e setenta e dois (17-12-72) no Hospital Municipal
de Mundo Novo, cidade em que eu morei durante dezessete anos. Cheguei ao
mundo rodeada de carinhos, expectativa, mimos e acima de tudo muito Amor. Meu
pai acompanhou minha me no parto mas ao saber que tinha nascido uma menina
ficou to empolgado e feliz que nos abandonou (eu e minha me) no hospital e
passou trs (3) dias comemorando. Fui paparicada tambm por minhas tias e por
meus irmos, que j eram adolescentes e adultos, e j tinham condio de ajudar
minha me.
Sou uma pessoa que gosto de viver, acho a vida bonita porm, existem
momentos que d um pouco de desespero. Adoro conhecer pessoas novas, mas
esse processo depende muito da atitude do outro pois, sou muito introvertida. Mas
quando se concretiza procuro dar o mximo de mim. Considero-me uma pessoa
amiga, sincera, otimista, prestativa, aventureira, adoro estar em contato com a
natureza, etc... Esses so os pontos positivos que enxergo em mim. muito difcil
assumir os negativos, mas vou tentar: sou uma pessoa crtica, ansiosa, impaciente,
insegura (essa insegurana tem afetado meu crescimento profissional) e sou muito
tmida. A timidez e a insegurana tm me incomodado muito pois, cheguei num
ponto de minha vida que vejo meus sonhos, meus objetivos deixando de ser
concretizados fazendo com que ocorra um desestmulo e falta perspectiva do futuro.
Tenho lutado muito contra isso mas, ainda no consegui. Fico me questionando para
entender por que isso veio se manifestar em minha personalidade mas no consigo
definir. Tambm fico analisando se estou fazendo o curso certo (pedagogia), porque
a timidez tem me deixado em situaes muito desconcertantes. Fico nervosa j
quando um professor fala em seminrio. Quando estou sendo observada (avaliada)
por muita gente, chega o nervosismo, o bloqueio (d um branco) por mais que eu
tenha estudado e pesquisado no deixa de acontecer. A vem a insegurana e a
falta de confiana no meu potencial e por mais que eu oua falar que eu no tenho
que pensar tanto no julgamento que os outros fazem de mim e que meus colegas
no sabem tanto mais que eu, isso ainda um ponto de minha personalidade que
no consegui resolver.
Tenho um pouco de dificuldade de me relacionar com a maioria das pessoas
da minha sala (7 semestre). Existem umas panelinhas que no do oportunidade
para que ocorra o coleguismo, a solidariedade, a hospitalidade. Isso me decepciona
muito, talvez seja pelo fato de ter vivido a maior parte de minha vida no interior, onde
as pessoas so mais receptivas, amigas, solidrias etc... e a prpria timidez dificulta
tambm o processo.
MINHA INFNCIA
Nasci numa cidade do interior chamada Mundo Novo-BA. A cidade era
pequena, tranqila. A famlia de minha me quase toda morava l e a de meu pai
nunca tive muito acesso, pois morava fora.
Tive uma infncia maravilhosa. Comeando pelo amor que emanava dos
meus pais. Eles possuam um casamento equilibrado, o que me transmitia
confiana. Por ser a caula e nica menina dos irmos sempre fui muito
paparicada. E hoje com a maturidade que tenho, sei que isso me prejudicou, pois
me tornei uma pessoa dependente.
Passei toda minha infncia no interior e pude curtir tudo que uma criana
gostaria de curtir. As brincadeiras do meu tempo eram: pular corda, brincar de
elstico, jogos (baleado, handeboll, voley), esconde-esconde, pega-pega, trilhar
mato imitando o bando de Lampio e muitas outras coisas interessantes. Enfim, fui
uma criana muito feliz.
PROCESSO DE ALFABETIZAO
Tive a oportunidade de aos 4 anos de idade ingressar numa escola prescolar particular. Devido ao ano que isso aconteceu (1976), ao fato de ser uma
cidade de interior pequena foi um privilgio, pois muitos colegas meus no puderam
participar dessa experincia.
No consigo me recordar de muitos detalhes nvel de contedo
programtico, mtodo aplicado, etc. Mas, me recordo muito bem que foi um dos
momentos mais felizes da minha infncia. O fato de vestir a farda, usar a merendeira
e a mochila e ir para aquela escolinha toda linda, com pinturas por todos os lados
(paredes) com mesinha e cadeirinhas adequadas para crianas daquela idade, foi
fascinante. No senti medo ou tive qualquer dificuldade de adaptao pois, os
demais alunos eram j quase todos meus colegas de brincadeiras. A professora era
meiga e transmitia proteo, ocasionando uma sensao de bem-estar e segurana.
Era usado muito o ldico. Estvamos sempre participando de brincadeiras,
trabalhando com pinturas (lpis de cor, de cera, hidrocor, tinta guache, etc.) e
participando de competies (gincanas). A escola era realmente acolhedora. No me
recordo de traumas nessa fase de minha vida escolar. A nica coisa que lembro
claramente que eu era muito danada. Adorava rua e como j tinha costume de
fugir de casa quando meus pais no me deixavam sair, fiz a mesma coisa algumas
vezes na escola. Tinha uma outra colega que era to pintona quanto eu. Tornamonos cmplices nas peraltices e uma das que mais me recordo e me marcou foi no
dia que planejamos fugir da escola escondido pois, no quintal da escola possui um
barranco (mais ou menos alto) e l em cima havia uma roa com uma plantao de
milho de um velhinho muito simptico que adorava parar para conversar com as
crianas. E como minha casa era caminho da rocinha dele, sempre parava para me
cumprimentar quando estava na porta de casa. E ns (eu e minha colega)
descobrimos que l havia um tanque fundo e cheio de gua que ele usava para
regar a plantao. Planejamos tudo e num momento de distrao da professora
fugimos e escalamos o barranco at alcanar o topo. No momento foi uma
experincia maravilhosa para aquele esprito aventureiro. Mas, quando se deram
conta da nossa ausncia foi o maior rebolio na escola e logo chamaram nossos
pais. Acabamos ficando de castigo e visadas na escola. Essa entre outras muitas
pintanas que fizemos gerou um alerta para alguns pais de outros colegas que os
proibiram de brincar conosco. E assim essa fama se prolongou por outros anos de
minha vida.
Ao iniciar o processo de alfabetizao fui para outra escola tambm
particular e muito acolhedora.
A maioria dos colegas que participaram da pr-escola caminhou junto
comigo na trajetria educativa at o final da 8 srie.
O perodo da alfabetizao em si considero que foi bom. No tive dificuldade
para aprender a ler e escrever.
VIVNCIA ESCOLAR
Ao passar para as sries seguintes a situao comeou a se complicar um
pouco. O cumprimento curricular se iniciava: o ensino da matemtica, cincias,
portugus e estudos sociais. Era uma professora s, para transmitir as quatro
matrias e no existia de forma nenhuma a interdisciplinaridade.
A escola era tradicionalista (no radical) e sua metodologia de ensino
deixava muito a desejar. Era muito tmida. Quando apresentava alguma dvida no
me sentia vontade para pedir explicaes. No consigo entender como esse
aspecto negativo se instalou em mim. S sei identificar que at hoje sofro graves
consequncias.
A relao professor-aluno no era de muita intimidade. O professor era
visto como autoridade que no poderia ser desacatado. A pesar de ter lembranas
de momentos afetuosos com alguns professores.
Ao desrespeitar as normas da escola ramos punidos: para sentarmos numa
cadeira diferente das demais (mais alta) que ficava ao lado da carteira da professora
e de frente para todos alunos da sala, ficar isolado na secretaria por tempo
indeterminado fazendo uma srie de cpias, abaixando a nota e at mesmo levando
advertncia e/ou suspenso, sendo apontado ou repreendido em voz alta sem
nenhuma descrio etc.;;; Pude vivenciar algumas dessas situaes e afirmo que
no trouxeram nenhum crescimento positivo. Isso mexeu muito com minha autoestima, dificultando basicamente meu processo de aquisio. E como aquele
processo todo no me trazia muito prazer (eu como criana) fui perdendo o estmulo
para estudar, pesquisar, me dedicar. E tentava aproveitar o espao da escola para
me encontrar com minhas colegas, brincar, etc...
Me considero uma pessoa inteligente mas, tenho dificuldade de
concentrao e memorizao.
Nesses momentos de conflitos e inseguranas educativas no tive o apoio
da escola, a viso que a escola precisaria ter para rebuscar meu estmulo e autoestima. Tambm faltou o apoio dos meus pais e familiares. Mas, sei que foi por
ingenuidade e falta de viso na dinmica educativa. Pois era muito protegida, amada
e sabia que eles (meus pais) estavam fazendo tudo por mim. Eles se preocupavam
com meu cumprimento assduo do horrio escolar, de me lembrar de fazer as
tarefas, de me colocar numa banca. Mas isso no foi suficiente para que eu
despertasse para me engajar no papel de aluna num contexto proveitoso. Tambm
reconheo que naquele momento nem eu, nem meus pais, nem a escola poderia ter
uma viso madura e conveniente do processo cognitivo. Apesar de reconhecer,
carrego comigo uma mgoa por no ter sido diferente. Muitos dos problemas
existenciais que carrego em mim hoje, foi consequncia dessa fase de minha vida.
Na competitividade que vivenciamos hoje na nossa sociedade, me sinto impotente.
Como se quisesse caminhar para frente e algo me impulsionasse para trs.
Lembro de alguns momentos especficos de cada matria isoladamente.
Portugus era a parte que eu mais gostava. Utilizvamos muita cartilha para treinar
a caligrafia, a silabao, a cpia, a leitura de textos em voz alta etc. As Cincias,
achava tambm interessante pois trabalhava muito o corpo humano e tive muitas
descobertas. Com os Estudos Sociais lembro da precariedade. A metodologia era
totalmente desestimulante: ficvamos inertes ouvindo a professora falar horas e
horas sobre o assunto e ramos conduzidos a depois ler e decorar todos aqueles
nomes e datas. Para mim era pssimo pois no tinha facilidade de memorizar ou
melhor , decorar tudo aquilo e acabava tirando notas baixas. Inclusive no final da 4
que administra, estimula, enriquece e d vida a uma srie de processos que levam o
aluno a aprender.
O processo escolar requer que se desenvolvam simultaneamente dois
traos contraditrios: disciplina pessoal e curiosidade. Parte do que se aprende na
escola disciplina de trabalho, isto , o hbito de fazer o que precisa ser feito apesar de faltar vontade, sobrar desconforto e haver a atrao de coisas mais
interessantes. Mas, ao forar esses hbitos pessoais, a escola pode matar a
curiosidade espontnea do aluno, seu instinto de explorar o mundo que o cerca, de
fazer perguntas s porque no sabe a resposta. Se isso acontecer, perde-se algo
valiosssimo. Mas curiosidade sem disciplina no leva a parte alguma. Ao professor,
cabe a mgica de orientar o aluno nas duas direes: disciplina pessoal e
curiosidade.
Como se d essa mgica?
O bom professor:
Tem um conceito positivo de si mesmo e de seu trabalho. Ele faz o que
gosta, gosta do que faz e se sente realizado porque professor.
Busca as possibilidades de fazer boas coisas diante da adversidade, em
vez de procurar as excelentes razes para se desculpar por no hav-las feito. No
se contamina pelo pessimismo dos outros. Em vez disso, ele cria uma ilha de
otimismo em torno de si.
Sabe mostrar ao aluno a beleza e o poder das idias.
Tem sempre expectativas positivas acerca de seus alunos.
Nunca ridiculariza seus alunos. Aliviar o mau humor, mas custa de
maltratar a auto-estima do aluno, pssima idia.
Consegue que seus alunos participem ativamente da aula. Educao
no se despeja de qualquer forma. Aprender um processo ativo, em que o aluno
trabalha (intelectualmente) tanto quanto o professor.
Dialoga com os colegas e pede conselhos quando tem problemas com
os alunos. Ser professor aprender constantemente com os alunos e com os
colegas que j viveram situaes semelhantes.
Entende que a indisciplina comea quando o aluno pra de aprender.
No v os pais como adversrios temveis, mas como aliados e
parceiros.
O bom professor consegue que todos aprendam o que tm de aprender,
que cada um aprenda quando est pronto para tal e que sejam felizes no aprender.
Mas, se os adjetivos so esses, a maneira de atingi-los varia tanto quanto a
personalidade humana variada. O que no deve existir o professor bonzinho,
que tudo deixa, tudo entende e tudo perdoa.
O perfil no impossvel. O desafio aproximar-se dele. Imperfeitos somos
todos.
Internalizar esses conceitos e coloc-los em prtica uma tarefa difcil que
pode ser construda com muita pacincia e perseverana, contando com o tempo.
No tenho muita experincia na sala de aula nem com crianas, e no hoje
minha identidade como professora sofre algum tipo de abalo, insegurana, medo e
expectativa. Mas, espero me encontrar nessa profisso (mesmo que no seja em
sala de aula) que muito pode acrescentar na evoluo do ser humano.
CONSIDERAES FINAIS
Ao comear a fazer esse trabalho senti um pouco de ansiedade sobre os
critrios de produo do mesmo, dentro das formalidades requisitadas.
Tive algumas dificuldades de recolher alguns dados pessoais e no processo
da vivncia escolar, mas dentro do possvel espero ter passado as informaes
fundamentais.
Foi muito prazeroso resgatar a minha Histria de Vida. Fazer uma viagem no
tnel do tempo de minha trajetria, desde o incio da minha gestao at os dias
atuais. Houveram momentos de altas reflexes que me fizeram questionar valores,
dificuldades, conflitos, perspectivas e realizaes pessoais. Tambm uma grande
oportunidade de analisar meu perfil como futura educadora.
Em meio dessa construo me emocionei muito com um fato que aconteceu.
Pedi minha me para pesquisar algumas informaes sobre os critrios educativos
usados na poca de minha alfabetizao. Ela foi escola que estudei e procurou a
dona que tambm foi minha professora (e ensina at hoje) para pedir algumas
informaes e de uma maneira muito educada (com sua tica profissional) e
carinhosa mandou para mim essas informaes em forma de relatrio e se lembrou
de fatos, detalhes de minha personalidade, de acontecimentos, do eu criana e
aluna, que eu realmente no me recordava. Isso foi muito significativo para mim.
Pois, constatei que realmente ainda existem professores dedicados de corpo e alma
ao trabalho que exercem.
FONTES
Arquivo da Escola Castro Alves - Mundo Novo-BA
Contedo programtico do perodo do Ensino Fundamental (5 a 8 srie) da
Escola Polivalente de Mundo Novo.
Conversa (pesquisa) com Zenbia M. B. Abreu (minha me)
lbum de fotografias da famlia