Di Nubila 2008 Papel Classificação Da OMS-CID e CIF Na Defic e Incapacidade

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O papel das Classificaes da

OMS - CID e CIF nas definies de


deficincia e incapacidade
The role of WHO Classifications - ICD
and ICF - on definitions of disability

Resumo
A Organizao Mundial de Sade tem hoje
duas classificaes de referncia para a
descrio dos estados de sade: a Classificao Estatstica Internacional de Doenas
e Problemas Relacionados Sade, que corresponde dcima reviso da Classificao
Internacional de Doenas (CID-10) e a Classificao Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Sade (CIF). A utilizao
da CIF vem sendo aguardada com grande
expectativa pelas organizaes de pessoas
com deficincias e instituies relacionadas. A falta de definio clara de deficincia ou incapacidade tem sido apontada
como um impedimento para a promoo
de sade de pessoas com deficincia.
importante que essas definies, especialmente no mbito legislativo e regulamentar, sejam consistentes e se fundamentem
num modelo coerente sobre o processo
que origina as situaes de incapacidade.
Este artigo tem como objetivo apresentar
elementos da CID-10 e da CIF, e o papel
que desempenham para definir deficincia
e incapacidade. Os componentes da CIF
podem contribuir para diferentes campos
de aplicabilidade no que diz respeito ao
entendimento das definies de deficincia
ou incapacidade a partir do conceito de funcionalidade e dos fatores contextuais.
Palavras-chave: Classificao. CID-10. CIF.
Deficincias. Incapacidade.

Heloisa Brunow Ventura Di Nubila


Cassia Maria Buchalla
Centro Colaborador da OMS para a Famlia de Classificaes Internacionais em
Portugus, Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Sade Pblica
Universidade de So Paulo
Correspondncia: Heloisa Brunow Ventura Di Nubila. Av. Dr. Arnaldo, 715 sala 40 subsolo
(CBCD). CEP 01246-904 So Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Rev Bras Epidemiol


2008; 11(2): 324-35

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Abstract

Introduo

The World Health Organization has two


current reference classifications for the description of health conditions: ICD-10 (International Statistical Classification of Diseases
and Health Related Problems) and ICF
(International Classification of Functioning,
Disability and Health). The utilization of the
ICF is being awaited with high expectations
by organizations of people with disabilities
and related institutions. The lack of a clear
definition of disability is being pointed out
as a deterrent for promoting the health of
people with disabilities. It is important that
these definitions, especially for legal and
regulatory fields, be consistent and based on
a coherent model on the process that leads
to situations of disability. This article aims
to present elements of the ICD-10 and ICF
and their role on definitions of disability.
The ICF components could contribute to
different fields of applicability regarding the
understanding of definitions of disability
through functioning and contextual factor
concepts.

A definio e a mensurao da incapacidade tornaram-se tema de crescente


interesse, em especial a partir do momento
em que as pessoas comearam a viver mais
tempo, quando aumentaram as doenas
crnicas e suas conseqncias1. A falta
de uma definio clara de deficincia ou
incapacidade tem sido apresentada como
um impedimento para a promoo da sade
de pessoas com deficincia. A vigilncia e a
interveno dependeriam da capacidade
para identificar as pessoas que deveriam
ser includas nesta definio2.
Os termos queixas mdicas, molstia,
enfermidade, doena crnica, distrbio,
limitaes funcionais, deficincia e incapacidade para o trabalho representam
fenmenos complexos e mal definidos. A
deficincia muitas vezes no pode ser observada diretamente, mas pode ser inferida
a partir de causas presumidas (prejuzos,
danos) com suas distintas conseqncias,
isto , uma restrio ou incapacidade para
desempenhar normalmente vrios papis,
principalmente de trabalho. Danos sade
que causam deficincia precisam ser avaliados medicamente, mas a certificao clnica
de dano, embora seja necessria, pode no
ser suficiente para atestar a incapacidade para o trabalho ou elegibilidade para
benefcios3. O processo de certificao de
deficincia ou incapacidade pode s vezes
ser bastante litigioso devido a diferenas
entre suas definies legais, administrativas,
sociais e culturais. Diferentes sistemas definem deficincia ou incapacidade de acordo
com suas prprias necessidades e regulaes, mas as definies em geral carecem
de critrios especficos, impossibilitando
determinaes mais precisas4. Para quem
certifica a condio, para fins de acesso a
vrios tipos de benefcios, a questo das definies de deficincia apresenta-se de modo
constante. Quem e quem no elegvel? Ao
utilizar habitualmente os cdigos da CID-10
para cobrir exigncias legais, os mdicos e
outros profissionais podem questionar quais
so os limites, dentro de um conjunto de

Kewwords: Classification. IDC-10. ICF. Deficiencies. Incapacity.

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situaes muito vasto e heterogneo. Estes


profissionais podem ainda questionar o uso
de definies legais vagas como parmetro,
estas fortemente ancoradas em diagnsticos mdicos, com pouqussima orientao
quanto a aspectos funcionais.
As definies de incapacidade de mbito
legislativo e regulamentar tm de ser consistentes e se fundamentar em um modelo
coerente sobre o processo que origina a
incapacidade, para que o desenvolvimento
das polticas seja baseado em dados vlidos
e fiveis sobre o estado funcional da populao5. A publicao da CIF neste caminho,
como classificao complementar CID,
com seu foco na funcionalidade, trouxe o
interesse em explorar as sobreposies e interfaces das duas classificaes, no que tange aos prprios limites a serem desenhados
para as definies de deficincia. Associar
as categorias de diagnsticos de estados
de sade da CID-10 com os elementos da
recm-apresentada CIF, oferecendo uma
discusso sobre a prtica possvel a partir
das duas classificaes, pode contribuir
para um melhor entendimento de possveis
definies de deficincia ou incapacidade.
Os autores, atravs de documentao assinada e enviada a RBE, declaram no existir
nenhum tipo de conflito de interesses.
Breve histrico das duas classificaes
A Classificao Internacional de Doenas (CID) veio sendo estruturada, por
mais de um sculo, primeiro como forma
de responder necessidade de conhecer
as causas de morte. Passou a ser alvo de
crescente interesse e seu uso foi ampliado
para codificar situaes de pacientes hospitalizados, depois consultas de ambulatrio
e ateno primria, sendo seu uso sedimentado tambm para morbidade. A sua
Dcima Reviso, denominada Classificao
Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade, ou de forma
abreviada CID-10, a mais recente reviso
da Classificao de Bertillon de 18936, que
era inicialmente uma classificao de causas
de morte, e apenas a partir da Sexta Reviso

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passou a ser uma classificao que incluiu


todas as doenas e motivos de consultas,
possibilitando seu uso em morbidade7.
O conceito de uma Famlia de Classificaes foi surgindo na medida da percepo
dos usurios de que uma classificao de
doenas no seria suficiente para todas as
questes relacionadas sade. Segundo esse
conceito, a CID atenderia as necessidades
de informao diagnstica para finalidades
gerais, enquanto outras classificaes seriam usadas em conjunto com ela, tratando
com diferentes enfoques informaes sobre
procedimentos mdicos e cirrgicos e as
incapacidades, entre outros. Assim, a partir
da Dcima Reviso foi aprovada a idia de
desenvolver uma famlia de classificaes
para os mais diversos usos em administrao
de servios de sade e epidemiologia6,7.
A idia de desenvolvimento da CIF
partiu da necessidade de cobrir as questes que no eram alcanadas pela CID, a
princpio as conseqncias das doenas.
Isto foi amplamente publicado, avaliado e
revisado. Assim, a CIF pertence famlia8
apresentada acima, e foi desenvolvida a
partir da Classificao Internacional das
Deficincias, Incapacidades e Desvantagens publicada em 1980 (nesta verso,
Classificao Internacional de Deficincias,
Incapacidades e Desvantagens ou International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps, conhecidas pelas
siglas CIDID em portugus ou ICIDH do
nome em ingls), em carter experimental
para propsitos de teste, que incorporava
categorias que correspondiam s conseqncias duradouras das doenas 9,10.
A CIF foi desenvolvida aps estudos de
campo sistemticos e consulta internacional que comearam no incio dos anos 90,
sendo ento aprovada em maio de 2001
para uso internacional8,11. Foi endossada
como segunda edio da ICIDH11, refletindo
o conhecimento e o pensamento de uma
dcada diferente12,13. Organizaes como
a Rehabilitation International (RI) tiveram
participao importante em questes conceituais ao longo das revises sucessivas
da CIDID/ICIDH at a verso final da CIF9.

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Foi um processo com ampla participao


internacional, envolvendo mais de 50 pases
e 1.800 peritos com todos os centros colaboradores, grupos de trabalho especficos para
algumas partes, instituies internacionais
representativas e redes internacionais11,13.
A verso final da Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Sade, foi disponibilizada nos seis idiomas
oficiais na pgina da famlia de classificaes da OMS e publicada na lngua portuguesa para todos os pases lusfonos em
novembro de 2003 tambm disponvel na
pgina http://www.fsp.usp.br/~cbcd11,13,14.
CID-10 e CIF
A OMS agora tem duas classificaes de
referncia para a descrio dos estados de
sade: a CID-10 e a CIF12. Na famlia de classificaes internacionais da OMS, as condies ou estados de sade propriamente
ditos (doenas, distrbios, leses, etc.) so
classificados principalmente na CID-10, que
fornece um modelo basicamente etiolgico,
embora tenha uma estrutura com diferentes
eixos ou grandes linhas de construo, entre
estes o etiolgico, o antomo-funcional, o
antomo-patolgico, o clnico e o epidemiolgico. A funcionalidade e incapacidade
associadas aos estados de sade so classificadas na CIF8,11.
Uma classificao de doenas definida
como um sistema de categorias atribudas a
entidades mrbidas segundo algum critrio
estabelecido, com vrios eixos possveis de
classificao. Um determinado eixo pode
ser selecionado, dependendo do uso das estatsticas elaboradas. Em uma classificao
estatstica de doenas, todas as entidades
mrbidas devem estar includas dentro de
um nmero administrvel de categorias6.
Como a CID-10 uma publicao oficial
da OMS, os pases membros devem adot-la
para finalidade de apresentaes estatsticas das causas de morte (mortalidade) ou
das doenas que levam a internaes hospitalares ou atendimentos ambulatoriais
(morbidade). Hoje a classificao diagnstica padro internacional para propsitos

epidemiolgicos gerais e administrativos


da sade, incluindo anlise de situao
geral de sade de grupos populacionais e
o monitoramento da incidncia e prevalncia de doenas e outros problemas de
sade. Embora a CID seja adequada para
estas aplicaes, ela nem sempre permite a
incluso de detalhes suficientes para algumas especialidades, e s vezes pode ser necessria a informao acerca de diferentes
atributos das afeces classificadas6. A CID
registra uma condio anormal de sade e
suas causas, sem registrar o impacto destas
condies na vida da pessoa ou paciente, e
hoje uma exigncia legal para todos os benefcios e atestados relacionados ao paciente15.
A maioria das leis no Brasil, que concede
benefcios a pessoas com deficincia, tem
como exigncia a apresentao de laudo
mdico, algumas vezes acompanhado da
avaliao e assinatura de outros profissionais de equipes multiprofissionais, com o
preenchimento de campos especficos para
cdigos da CID ou a simples informao
destes cdigos em atestados mdicos em
receiturio comum assinado por mdico.
A CIF, como uma classificao que se
prope a retratar os aspectos de funcionalidade, incapacidade e sade das pessoas, o
que pode ser entendido como um objetivo
geral, adquire um carter multidisciplinar,
com possibilidade de aplicao em todas as
culturas e trazendo pela primeira vez a incorporao dos aspectos de contexto. Isto a
torna um instrumento bem mais complexo
que a CID, o que faz com que exija um maior
detalhamento. Entre seus objetivos especficos, est o de oferecer um modelo para
a compreenso dos estados de sade e de
condies relacionadas, bem como de seus
determinantes e efeitos, alm de estabelecer
uma linguagem comum para a descrio
completa da experincia de sade de um
indivduo, melhorando a comunicao entre as pessoas interessadas e os profissionais
da rea. Como instrumento estatstico, a CIF
pode servir para a apresentao e comparao de dados entre pases, disciplinas de
cuidados de sade, entre diferentes tipos de
servios e longitudinalmente no tempo8,11.

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Estes objetivos esto interrelacionados e


envolvem a necessidade de traduzir um
modelo terico em um sistema prtico e til
para aplicao em diferentes usos, especialmente como base para estatstica.
A CIF uma classificao de sade e
de domnios relacionados sade e estes
so agrupados de acordo com suas caractersticas comuns (tais como origem, tipo
ou similaridade) e ordenados de um modo
significativo8. Com uma estrutura que obedece a um modelo, sua informao est
organizada em trs componentes:
O Corpo, compreendendo duas clas
sificaes, uma para funes do corpo
e uma para estruturas do corpo. Os
cdigos usados para funes corporais
so precedidos da letra b (de body
functions) e as estruturas corporais pela
letra s (de structure);
Atividade e Participao, que o que
o corpo realiza. Representam aspectos
da funcionalidade a partir da perspectiva individual e social, includas em uma
lista nica que engloba todas as reas
vitais, das quais fazem parte desde a
aprendizagem bsica at interaes
interpessoais ou de trabalho8,9. Os cdigos para atividades e participao so
precedidos pela letra d (de domain).
O contexto, que a circunstncia em
que o corpo realiza suas atividades e
participao. Entre os fatores contextuais esto includos os fatores ambientais, que representam o ambiente
fsico, social e de atitudes nos quais as
pessoas vivem e conduzem suas vidas e
que tm um impacto sobre todos os trs
componentes. Estes so organizados em
uma lista partindo do ambiente mais
prximo do indivduo para o ambiente
mais geral e so representados pelos
cdigos que se iniciam com a letra e
(de environment).
As definies operacionais da CIF
descrevem os atributos essenciais de cada
componente e contm pontos de ancoramento para avaliao, de modo que estas
podem ser traduzidas em questionrios ou,
ao contrrio, os resultados obtidos com o

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uso de instrumentos de avaliao podem


ser codificados usando-se os termos da CIF.
Por exemplo, entre as funes do corpo, a
viso definida como a possibilidade de
uma pessoa ver objetos com nitidez a distncias variadas, alm do campo visual e da
qualidade da viso, enquanto a gravidade
da dificuldade de viso pode ser codificada
como de nvel leve, moderado, grave ou
completo8,11.
O uso de qualquer cdigo da CIF deve
ser acompanhado por pelo menos um
qualificador, que d a medida da gravidade
do problema em questo, como apontado
acima (leve, moderado, grave ou total). O
qualificador apresentado como mais um
dgito adicionado ao cdigo e completa a
informao fornecida. Sem os qualificadores, os cdigos no tm significado quando
usados para avaliar a situao de sade de
indivduos ou em estudos de casos8,11. Assim,
ao avaliar as condies das pessoas com
problemas, deficincias, doenas, quando
estas interferem (ou no) na execuo de
atividades, os qualificadores permitem
mensurar, tanto a interferncia negativa,
gerando uma limitao, como a positiva,
melhorando a execuo destas atividades.
Essa avaliao pode ainda considerar o que
possvel fazer em um ambiente padro, de
teste, e na vida real.
Os domnios de Atividade e Participao
so qualificados por dois qualificadores: desempenho e capacidade. O qualificador de
desempenho descreve o que um indivduo
faz no seu ambiente real. Este ambiente
real representa o contexto social e fsico
em que o indivduo vive no seu dia-a-dia.
Assim, o qualificador desempenho pode
tambm ser entendido como envolvimento
em uma situao de vida ou a experincia
vivida da pessoa no contexto real em que
vive. O qualificador de capacidade descreve
a capacidade de um indivduo para executar uma tarefa ou ao em um ambiente
uniforme e seria o nvel provvel mais
elevado que uma pessoa poderia alcanar
na execuo de uma determinada tarefa
ou ao em um dado momento. Este ambiente uniforme (ou neutro) representa os

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ambientes relevantes para a tarefa ou ao


especificada, e no deve ter barreiras ou
obstculos, de modo a permitir a avaliao
da total capacidade do indivduo8,11.
Os fatores ambientais, que so externos
ao indivduo, podem ter influncia positiva
ou negativa sobre a sua participao como
um membro da sociedade, no desempenho
de atividades ou mesmo sobre alguma funo ou estrutura corporal8,11.
Os fatores pessoais, que ainda no so
detalhados na CIF, so as caractersticas
individuais de cada pessoa que no so
parte de uma condio de sade ou estado
de sade, mas influem na maneira como o
indivduo lida com a doena e suas conseqncias. Incluem raa, gnero, idade, nvel
educacional, experincias, estilo de vida,
aptides, outras condies de sade, preparo fsico, hbitos, modos de enfrentamento,
condio ou nvel social, profisso e mesmo
a experincia passada e atual8,11.
A informao sobre a doena e as habilidades funcionais afetadas est includa
nas descries de estados de sade. A CIF
oferece um perfil ou resumo destas habilidades funcionais, que so definidas de
um modo padronizado para permitir de
alguma maneira observao e mensurao.
As descries de sade, partindo do modelo
da CIF, podem oferecer uma ferramenta
til para chegar a exerccios de avaliao
conceitualmente compreensveis e significantes. Usando o modelo da CIF, pode-se
estudar a mudana (adaptao, enfrentamento, ajustamento e acomodao) aps
um evento que produz uma determinada
condio de sade, uma vez que a CIF
permite a codificao e o uso de qualificadores para medidas de capacidade, fatores
ambientais e fatores pessoais8,11.
Em suma, a CID-10 e a CIF so consideradas classificaes complementares e
os usurios so estimulados a utiliz-las
em conjunto. A CID-10 fornece um diagnstico de doenas, distrbios ou outras
condies de sade e essas informaes
so complementadas pelas informaes
adicionais fornecidas pela CIF sobre funcionalidade. Em conjunto, as informaes

sobre o diagnstico e sobre a funcionalidade


fornecem uma imagem mais ampla e mais
significativa para descrever a sade das pessoas ou de populaes, que pode ser utilizada, entre outros, para propsitos de tomada
de deciso8,11. Enquanto a CID-10 fornece
os cdigos para mortalidade e morbidade,
a CIF fornece os cdigos para descrever a
variao completa de estados funcionais
que capturam a experincia completa de
sade16. O modelo mais amplo de funcionalidade, incapacidade e sade oferecido pela
CID-10 e pela CIF, quando aplicado para a
construo de instrumentos para levantamentos de sade e incapacidade, poderia
reforar o campo da pesquisa em sade e
incapacidade, na infncia17 , mas tambm
nas outras etapas do ciclo de vida.
Definies de deficincia ou
incapacidade da CIF
O desenvolvimento de uma terminologia
formal relacionada funcionalidade e incapacidade constitui um desafio, especialmente
devido ambigidade conceitual dentro deste
campo. A CIF uma grande fonte de termos
relevantes, conceitos e relaes necessrias
para o desenvolvimento de terminologias
formais, e assim oferece um importante ponto
de partida neste desafio18.
Durante dcadas foram disponibilizadas
ferramentas teis para coletar dados sobre
causas de morte e modos de estimar a mortalidade da populao. Embora as disciplinas da reabilitao tenham produzido inmeros instrumentos de avaliao e medidas
de qualidade de vida, faltava uma completa
classificao que pudesse assegurar coleta
de dados confiveis e comparabilidade internacional. Esta foi a primeira motivao
que levou ao desenvolvimento da CIF, que
agora serve como modelo da OMS para
sade e incapacidade, como base conceitual
para a definio, medidas e formulaes de
poltica para todos os aspectos da deficincia ou incapacidade19,20.
Ao construir as definies das categorias
da CIF, foram consideradas caractersticas
ideais das definies operacionais. So

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consideradas caractersticas ideais das


definies elas terem um significado e consistncia do ponto de vista lgico, identificando unicamente o conceito mencionado
pela categoria; e serem exclusivas e precisas,
apresentando as caractersticas ou qualidades essenciais do conceito e obedecendo s
regras de taxonomia. Os termos utilizados
devem ser neutros, sem conotaes negativas. Cada definio contm, como tambm
se observa na CID, notas de incluso com
sinnimos e exemplos, bem como notas de
excluso para alertar sobre possveis confuses com termos relacionados11.
A seguir so alistadas as definies dos
componentes da CIF.
Funes Corporais: so as funes fisiolgicas ou psicolgicas dos sistemas do
corpo.
Estruturas Corporais: so as partes
anatmicas do corpo tais como rgos,
membros e outros componentes.
Deficincias: so problemas na funo
ou estrutura corporal, tais como um
desvio ou perda significativos.
Funcionalidade: refere-se a todas as funes do corpo e desempenho de tarefas
ou aes como um termo genrico.
Incapacidade: serve como um termo
genrico para deficincias, limitaes
de atividades e restries participao,
com os qualificadores de capacidade
ou desempenho. A CIF tambm alista

fatores ambientais que interagem com


todos estes construtos8.
Na CIF, o termo deficincia corresponde,
como descrito acima, a alteraes apenas no
nvel do corpo, enquanto o termo incapacidade seria bem mais abrangente, indicando
os aspectos negativos da interao entre
um indivduo (com uma determinada condio de sade) e seus fatores contextuais
(fatores ambientais ou pessoais)11, ou seja,
algo que envolva uma relao dinmica. Um
indivduo pode apresentar uma deficincia
(no nvel do corpo) e no necessariamente
viver qualquer tipo de incapacidade. De
modo oposto, uma pessoa pode viver a incapacidade sem ter nenhuma deficincia,
apenas em razo de estigma ou preconceito
(barreira de atitude).
A CIF faz um deslocamento paradigmtico do eixo da doena para o eixo da sade,
trazendo uma viso diferente da sade, que
permite entender a condio ou estado
de sade dentro de contextos especficos.
Como classificao de sade, a CIF introduz
um novo modo de compreender a situao
de sade de indivduos ou populaes, mais
dinmico e mais complexo, compatvel com
o quadro multidimensional que envolve a
experincia completa de sade.
O modelo dinmico da CIF mostrado
abaixo, na Figura 1, incluindo os fatores
contextuais.

Fonte: OMS, CIF, 200311 / Source: WHO, ICF, 2003


Figura 1 Interaes entre os componentes da CIF
Figure 1 Interactions between ICF components
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Uma importante caracterstica da abordagem que foi adotada na CIF a universalizao do entendimento de deficincia ou
incapacidade, pois reconhece a populao
inteira como sendo passvel de apresentar
uma doena crnica, deficincia ou incapacidade, como uma condio humana
compartilhada21.
O esquema da CIF no fornece limites
para definir quem deficiente e quem no ;
em vez disso, ela reconhece aspectos e graus
de deficincia ou incapacidade ao longo de
toda a populao. Muitos usos estatsticos
de dados de deficincia ou incapacidade no
requerem o estabelecimento de limites, no
existindo necessidade, nestas abordagens,
de uma definio de quem se conta como
deficiente e quem no. Assim, a comparao
internacional de estatsticas de deficincia
no requer necessariamente pontos de limite
para serem resolvidos21. A CID-10 e a CIF so
classificaes amplas, que podem descrever
qualquer estado de sade ou de funcionalidade, sem definir limites. Na realidade, a
CID-10 faz parte do modelo da CIF, estando
colocada no primeiro mdulo da Figura 1,
que representa o seu modelo dinmico, no
lugar reservado s condies ou estados de
sade, que incluem os distrbios ou doenas.
este modelo que se mostra como o mais
aproximado da descrio da experincia de
incapacidade vivida pelos indivduos em
qualquer condio de sade, e portanto til
para apreender as variveis envolvidas nesta
situao dinmica de interao do indivduo
com um determinado contexto.
Seus componentes descrevendo as experincias relacionadas sade substituem
os termos deficincia, incapacidade
e desvantagem, usados anteriormente,
permitindo estender seus significados para
incluir tambm, e principalmente, as experincias positivas. Os novos termos so definidos e detalhados dentro da classificao.
importante lembrar que estes so usados
com significados especficos e podem diferir
do seu uso corriqueiro8. Assim, possvel
observar o uso intercambivel das palavras
deficincia e incapacidade, tanto na lngua
portuguesa, como na inglesa e em outras.

Na descrio de desfechos de sade no


fatais, a CIF pode funcionar como uma Pedra de Rosetta, assim como aponta stun
(2002), ou seja, como uma matriz de traduo para permitir a interlocuo entre vrios
instrumentos usados para descrever ou avaliar diferentes estados de sade. Segundo
esta idia, quase todos estes instrumentos
poderiam ser mapeados dentro da CIF, que
representaria um modelo comum11.
Tanto no setor da sade como em outros
setores que necessitam avaliar o estado
funcional das pessoas, como o caso da
previdncia social, do emprego, da educao e dos transportes, entre outros, a CIF
pode desempenhar um papel importante5.
Segundo Frank Mulcahy (2005), secretrio da Disabled Peoples International
(DPI), por muitos anos, esta organizao
e muitas de outras organizaes nogovernamentais (ONGs) internacionais no
adotaram uma definio de deficincia ou
incapacidade. Isto se deveu a muitas circunstncias, incluindo as seguintes, mas
no restritas a estas: muitas definies diferentes usadas na legislao em diferentes
pases; a maioria das definies em uso
eram definies mdicas; havia problemas
com tradues de diferentes definies;
aceitao em alguns pases de termos rejeitados em outros; a CIDID/ICIDH22.
A CIDID/ICIDH, como um dos motivos,
defendidos por Mulcahy, para no adotar
uma definio de deficincia ou incapacidade, possivelmente se deve ao modelo
mdico no qual se baseava. Neste, a falta
de mudana ao longo do tempo e o fluxo
unidirecional da deficincia para incapacidade e para desvantagem foi alvo de muitas crticas11. A adoo de representaes
grficas alternativas resultou no modelo
dinmico multidirecional e interativo da
CIF11, apresentado na Figura 1.
Para Mulcahy, pode-se ter qualquer nmero de definies usadas para diferentes
legislaes, e isto cabe, particularmente,
para definies de deficincia ou incapacidade usadas para Pagamentos de Benefcios
em comparao com as definies Educacionais, de Treinamento e Emprego22.

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A DPI foi representada no processo de


reviso da CIDID/ICIDH para se chegar ao
documento final, a CIF, que adota tambm o
modelo social de deficincia ou incapacidade, em comparao com o modelo mdico
previamente usado. Mulcahy22 afirma que a
DPI se viu requisitada a declarar, em vrias
ocasies, qual definio de deficincia ou
incapacidade gostaria de ver utilizada e que
a definio apresentada pelo modelo da
CIF poderia ser utilizada para os seus propsitos, ou seja. o resultado da interao
entre uma pessoa com uma deficincia e as
barreiras ambientais e de atitudes que possa
enfrentar. Assim, Mulcahy prope que
esta poderia ser utilizada para o momento
como definio preferida esperando que se
possa ter uma definio melhorada quando
o Conselho Mundial da DPI permitir um
debate sobre esta questo22.
Esta opo pela definio da CIF, com os
argumentos apresentados, possivelmente
se deve ao importante apoio e participao
das ONG de pessoas com deficincia na
mudana do modelo da CIDID/ICIDH at
o modelo atual da CIF, descrito como um
modelo bio-psico-social, mais adequado
para o entendimento das situaes de incapacidade vividas em diferentes contextos.
Para Chaterji e col. (1999), definies
de deficincia ou incapacidade no deveriam ser determinadas pelo modo como
os dados sero usados. Elas deveriam ser
determinadas por um modelo conceitual
claro e coerente que se prestasse a testagem
emprica. As definies poderiam ser baseadas em pontos de ancoramento e limites,
no meramente aqueles que se referem a
dificuldades e assistncia, mas aqueles que
capturam o impacto na vida do indivduo e
incorporam medidas individuais e sociais.
Referindo-se ao processo de reviso que
veio a resultar na CIF, o processo de medida
para avaliar a situao de incapacidade
multidimensional: envolve funes e estruturas corporais, bem como as atividades
de uma pessoa e o contexto ambiental ou
social da pessoa cuja funcionalidade est
sendo avaliada. No existe consenso sobre
que componentes deveriam ser emprega-

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dos no desenvolvimento de medidas para


situaes de incapacidade. A maioria dos
instrumentos mede uma mistura de experincias que incluem sintomatologia, apoio
social, carga sobre a famlia, satisfao,
bem-estar subjetivo e qualidade de vida.
O modelo da CIF dever servir como base
para futuras definies de referncia para o
fenmeno da incapacidade e deve constituir
o padro para medidas que possam melhor
informar a poltica pblica, a alocao de
recursos, o gerenciamento de cuidados de
sade e muitos outros aspectos de uma
necessria resposta social situao de
incapacidade1.
Quando a definio de deficincia precisa ser aplicada para a infncia, a questo
adquire uma complexidade prpria. A experincia de uma condio de sade crnica e
a incapacidade para crianas e jovens no
a mesma dos adultos, em especial devido
natureza varivel do desenvolvimento. Este
torna particularmente difcil medir ou mesmo diagnosticar a incapacidade em crianas muito pequenas. Neste ciclo da vida,
tradicionalmente, a incapacidade tem sido
igualada morbidade, e esta ambigidade
de definies faz com que os dois conceitos,
de condio de sade crnica e de deficincia ou incapacidade sejam, com freqncia,
medidos e identificados de modo incorreto.
Levantamentos incluindo instrumentos
baseados na CID-10 e na CIF, que possam
medir de modo distinto condies de sade
crnicas, os domnios de incapacidade e
fatores ambientais que tm impacto sobre
a incapacidade, poderiam facilitar o entendimento da incapacidade e sade nas
crianas, no contexto do modelo de sade
internacional oferecido pela OMS 17.
O uso combinado da CID-10 e da CIF
oferece o compromisso de uma linguagem
comum para documentar a natureza e
distribuio da incapacidade em crianas
em sistemas de servios de interveno
precoce ou outros servios mais gerais para
crianas23.
Na CIF sugerida uma lista mnima
para sistemas ou pesquisas de informaes
de sade ideais e mnimos, que podem ser

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pontos de partida para a explorao de categorias da CIF para definies de deficincia


ou incapacidade.

Comentrios finais
A CIF foi desenvolvida ao longo de duas
dcadas que compem o pano de fundo de
importantes mudanas de concepes e no
modelo da classificao, com a aprovao
e publicao de documentos de extrema
relevncia para o movimento de direitos das
pessoas com deficincia no mundo.
A utilizao da CIF pode contribuir de
forma positiva para o estabelecimento de
polticas pblicas voltadas para as pessoas
com deficincia ou incapacidade. O novo
modelo trazido pela CIF, ao ser utilizado,
pode fornecer informaes que ajudem a
estabelecer polticas de sade, a promover
a igualdade de oportunidades para todos e
a apoiar a luta contra a discriminao das
pessoas com deficincia ou incapacidade.
A CIF foi includa, mesmo antes da sua
edio, como padro para caracterizao
da deficincia na proposta do Estatuto da
Pessoa com Deficincia, apresentada em
consulta pblica ao Senado Federal, embora
esta meno tenha desaparecido e reaparecido em minutas subseqentes. Este pode
ser o reflexo da grande expectativa com a
qual aguardada, no Brasil, a utilizao
da CIF em portugus, em especial pelas
organizaes de pessoas com deficincias e
instituies relacionadas. Outro exemplo de
uso em nosso meio, mesmo reconhecendo
a complexidade prpria da classificao,
a aplicao da CIF em um instrumento de
avaliao para a concesso do Benefcio de
Prestao Continuada (BPC). O Ministrio
do Desenvolvimento Social e Combate
Fome criou um Grupo de Trabalho Interministerial, para propor novos parmetros
e procedimentos de avaliao das pessoas
com deficincia para acesso ao BPC, que
optou por elaborar novos instrumentos
de avaliao com base no modelo da CIF,
tendo j realizado estudo piloto com grupos de mdicos peritos do INSS, com boa
aceitao.

A CIF, ao ser usada de uma forma mais


ampla ou mais consistente, permitir que
se adote uma nova terminologia, que se padronizem conceitos e que se reflita sobre o
tema, podendo contribuir para tornar mais
claro o uso das palavras, para conseguir um
entendimento e uma comunicao mais
uniforme entre as pessoas interessadas
nesta rea, buscando alcanar as vantagens de sua terminologia padronizada. No
Brasil, algumas leis j contm elementos
de definio da CIDID/ICIDH, mas ainda
pouco se avanou para a incorporao da
CIF. Algumas discusses ainda so pautadas nas definies da CIDID/ICIDH, com
o uso do seu modelo linear negativo e da
idia de handicap ou desvantagem. Isto
possivelmente se deve ao fato de o modelo
experimental da CIDID/ICIDH ter vigorado
por muitos anos antes de ser revisado resultando na CIF, sendo o modelo desta ainda
pouco conhecido e entendido. Isto aponta
para a necessidade de que seja apresentado
aos profissionais da rea, grupos de pessoas
com deficincia, ativistas de direitos, enfim
a quantos grupos mais possam se tornar
interlocutores e agentes multiplicadores
com especial senso crtico, para elaborar polticas mais justas e mais claras para pessoas
com deficincia ou incapacidade.
Para o futuro, espera-se o desenvolvimento de algoritmos que determinem direitos para benefcios e penses, utilizando
um melhor entendimento das definies
de deficincia ou incapacidade da CIF para
as questes de elegibilidade. Definies e
limites desenhados a partir da classificao
devem conter elementos de deficincia (no
nvel do corpo) associados com incapacidade (aspecto negativo de interao entre
a condio de sade e fatores contextuais),
com qualificadores de gravidade.
importante que o poder pblico e os
formuladores de polticas participem da
discusso para a obteno de definies
e avaliaes mais claras e mais justas da
deficincia ou incapacidade.
A CIF de propriedade de todos os seus
usurios. A sociedade interessada, em especial as pessoas com deficincia, as organiza-

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es sociais e os formuladores de polticas,


devem se apropriar do conhecimento sobre
os usos potenciais da CID-10 e da CIF. O uso
destas classificaes como instrumentos
pode contribuir para que as reais condies

de vida das pessoas com deficincia venham


a fazer parte das estatsticas, permitindo
guiar aes e decises, delinear polticas,
definir intervenes e destinar oramentos,
entre outras.

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