O GLOBO - Vida em Blocos

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O GLOBO

RIO

PGINA 18 - Edio: 8/05/2011 - Impresso: 7/05/2011 18: 46 h

18

O GLOBO

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

2 edio Domingo, 8 de maio de 2011

RIO

BLOCOS

Marcelo

VIDAS EM

Esses edifcios que os rodeiam nesse


momento no so mais que o comeo de um
programa que h de trazer definitivamente o
conforto de que precisa o operrio brasileiro."
MARECHAL HERMES DA FONSECA, no discurso de inaugurao da Vila Operria
Marechal Hermes, em 1913

SOBRADOS DA Vila Operria


de Marechal Hermes

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

Um teto de cem anos

em anos depois do incio das obras do primeiro conjunto habitacional do governo federal
no pas a Vila Operria Marechal Hermes ,
mais de um milho de pessoas vivem
nesse tipo de moradia na cidade do
Rio, o que representa 17% da populao (6.320.446 de habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE) e se
aproxima dos cerca de
1,1 milho que vivem
Fotos de Custodio Coimbra
em favelas. Levantamento do GLOBO mostra que 304 mil unidades
habitacionais populares
foram construdas na
capital ao longo deste
um sculo, o que no resolveu o problema da
moradia, como revela
esta srie de reportagens que comea a ser
publicada hoje. O dficit
de domiclios no Rio ultrapassa 221 mil unidades, enquanto polticas
atuais como o programa
Minha Casa, Minha Vida,
do governo federal, no
conseguem atender
demanda.
A partir dos anos
90, com a reurbanizao
de favelas em foco, os
conjuntos tiveram a importncia minimizada
pelos governos, pelas
universidades e pela mdia, impedindo polticas
mais amplas e enfraquecendo o debate sobre a
habitao social disse a arquiteta Luciana
Corra do Lago, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ.
O comeo da poltica
habitacional nacional
lanou uma quase semABANDONO: diante da praa alagada em Marechal Hermes, dois sobrados do incio do sculo em pssimo estado de conservao, transformados em cortios, ao lado de um preservado
pre errante aventura de
erguer moradias populares no Brasil. Em 1 o- de maio de
1911, o ento presidente Hermes da
Fonseca instalou a pedra fundamental da Vila Operria Marechal Hermes (numa homenagem a ele mesmo). Na poca um longnquo subrbio, o local deveria receber 738 casas
Foi nas vilas e cidades-modelo
e sobrados para 1.350 famlias, alm
construdas pela indstria na
de creches, quatro escolas, materniEuropa do sculo XIX, principaldade, hospital e outros servios.
mente na Alemanha e na Frana
Trs anos depois, porm, quando a
para onde Marechal Hermes
vila foi ocupada, a realidade dava forviajou em 1908 e 1910, respecma a apenas dois colgios e 170 cativamente , que o militar se
sas (20% do previsto), como relata o
inspirou para projetar sua Vila
historiador Alfredo Oliveira.
Proletria carioca como presi Hermes enfrentou resistncias,
dente da Repblica.
mas foi pioneiro. Previu toda a inMas, se por aqui os conjuntos
fraestrutura para a autossuficincia
que vieram depois de Marechal
do lugar, como uma estao de trem.
Ruth Hallais Motta, de 92
no resolveram a falta de moraNo fim de 1913, no entanto, as obras
anos, que nasceu no bairro UMA MORADORA passa pelos casares antigos que j serviram como locao para filmes
dia digna, outros pases conseficaram paradas, aps o senador Piguiram, com o mesmo tipo de
nheiro Machado promover a demisiniciativa, equacionar seu dficit
so do diretor da comisso da consSimone Marinho
dncia dos Funcionrios Pblicos da
habitacional. o caso da prtruo da vila, Palmyro Pulcherio. E,
Unio (IPFPU), que encontrou um cepria Alemanha visitada por Herdepois de entregue, a vila passou a
nrio desolador: 128 casas desocumes, da Inglaterra e da ustria.
ser boicotada pelos governos libepadas e muitas inacabadas. Nessa faNeles, a soluo quantitativa do
rais posteriores, at cair no completo
se foram construdas 300 casas, o Ciproblema veio acompanhada da
esquecimento conta Oliveira. A
ne Lux, hoje em runas, e o Hospital
qualidade construtiva.
primeira poltica habitacional do
Carlos Chagas.
Esses conjuntos eram propas j nasceu descontnua.
como se Getlio retomasse
jetados com servios coletivos,
a obra de Hermes diz Oliveira.
como lavanderias e escolas
S nos anos 40 e 50 surgiriam nodiz a arquiteta Flvia Brito, do
vos empreendimentos habitacionais
Instituto do Patrimnio Histrido governo no bairro, concomitantes
co e Artstico Nacional (Iphan).
aos nascentes projetos de moradia
Eles surgiram com o cresci Hoje, grande parte dos casares da
dos Institutos de Aposentadoria e
mento das cidades e a indusPenses (IAPs). Com a transformatrializao dos anos 20.
vila, na rea central do atual bairro
o do IPFPU em Instituto de PreviNessa poca, em paralelo ao
de Marechal Hermes, est em runas
RUTH MOTTA, que se lembra de quando Marechal era um bairro chique
dncia e Aposentadoria dos Servidodficit habitacional acumulado
ou descaracterizada, como smbolo
res do Estado (Ipase), Marechal gae reconstruo da Europa no
de uma cidade que d as costas para
primeiro ps-guerra, vivia-se a
a sua histria. Sobrados foram inva- bairro que ganhava formas em torno Hermes (Nair de Teff), professora de nha 589 casas, um ginsio, uma mauma das escolas daqui. Ela era linda, ternidade e o Teatro Armando Gonebulio do Modernismo na ardidos para dar lugar a comrcios im- dos sobrados e da estao.
Marechal era um lugar chique. 31 anos mais nova que o presidente! zaga, projeto de Afonso Eduardo Reiquitetura, que influenciaria os
provisados. Um deles abriga seis faprimeiros conjuntos. Flvia cita
mlias, como num cortio. Apesar No trem, quando as meninas daqui E no h dvidas sobre a qualidade dy, com jardins de Burle Marx.
Nessa fase foram erguidos trs noconstrues em Viena, na usdisso, algumas ruas ainda remetem chegavam a Madureira, de to bem dos casares. Ningum conseguia entria, com ptios centrais, conheao incio do sculo XX e foram loca- vestidas, eram logo reconhecidas: fiar um prego nas paredes diz ela, vos conjuntos no lugar: o Comercial,
cidos como Hfe vienenses, e
o para filmes como A suprema fe- L vm as moas de Marechal que morou 22 anos num casaro da de 1948; o Trs de Outubro, em 1949;
seis conjuntos de Berlim, capital
licidade, de Arnaldo Jabor, e Chuva conta dona Ruth. Era na estao antiga Rua Sete de Setembro, at se e o do Ipase, de 1954. Ao redor da Vila Operria, eles compem um belo
de trem que as meninas encontra- casar e continuar no bairro.
alem, tombados pela Unesco,
de vero, de Cac Diegues.
Da infncia de dona Ruth at o um retrato da habitao social da
para ilustrar esse pioneirismo.
O passado motivo de orgulho pa- vam os melhores partidos.
Dona Ruth fala de um tempo ro- bairro chegar s dimenses imagina- primeira metade do sculo XX.
O nazismo e a Segunda
ra antigos moradores, como Ruth
Guerra interromperam esse
Hallais Motta, de 92 anos, que nasceu mntico no bairro, que at hoje das pelo marechal Hermes, seriam
necessrios mais 40 anos. S em
processo, que, com a reconstrunum dos casares, em 1919. Filha de guarda ruas largas e planejadas.
O GLOBO NA INTERNET
Aos 12 anos, fui a primeira me- 1931 foram retomadas as obras, j na
o das cidades, seria retomaum escrivo de polcia, ela conta que
VDEO Historiador detalha como foi
criado o conjunto de Marechal Hermes
do, ainda sob inspirao do moa maioria das primeiras casas foi en- nina a andar de bicicleta em Mare- Era Vargas. Um ano depois de Getlio
oglobo.com.br/rio/info/conjuntos-habitaciodernismo diz Flvia.
tregue a funcionrios pblicos. E chal. Foi um escndalo. Outra que assumir a Presidncia, a posse da vinais
lembra, em detalhes, os costumes do deu muito o que falar foi a mulher de la foi passada ao Instituto de Previ-

ERGUIDA H UM SCULO, A VILA OPERRIA MARECHAL HERMES MARCOU


O INCIO DA POLTICA DE CONSTRUO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS

E os casares,
no h dvidas
de sua
qualidade.
Ningum
conseguia
enfiar um prego
nas paredes.

Getlio retoma a
obra de Hermes

Os primeiros
conjuntos

O GLOBO

RIO

PRETO/BRANCO

PGINA 19 - Edio: 8/05/2011 - Impresso: 7/05/2011 18: 46 h

Domingo, 8 de maio de 2011 2 edio

RIO

O GLOBO
Fotos de Mrcia Foletto

Pelo menos 80% dos moradores


das favelas em volta do Cidade
Alta so filhos e parentes de
moradores dos conjuntos

19

VIDAS EM

BLOCOS

CIDA DA SILVA, moradora da Cidade de Deus

CIDA NEVES em seu apartamento: as filhas, aps se casarem, no conseguiram morar no conjunto

POPULAO DO CIDADE
ALTA EXPLODE E INVADE
TERRENOS VIZINHOS
Rafael Galdo e Rogrio Daflon

x -moradora da Favela
da Praia do Pinto, no Leblon, e h 43 anos no
conjunto Cidade Alta
(erguido em 1969, com 2.597
unidades), em Cordovil, Cida
Neves Moraes teve que se despedir de duas de suas filhas, que
deixaram o apartamento de dois
quartos rumo favela vizinha
de Vila Cambuci. Chana, de 31
anos, e Fabola, de 28, construram suas casas na comunidade
aps se casarem e no terem
condies de comprar ou alugar
um imvel no conjunto.
Com o crescimento das famlias, pelo menos 80% dos moradores das favelas em volta do
Cidade Alta so filhos e parentes
de moradores dos trs conjuntos do bairro. No caso das minhas filhas, o apartamento no
dava para tanta gente, e minha
famlia foi uma das que invadiram a Vila Cambuci conta Cida, que deixou a Praia do Pinto
aps um incndio que devastou
a comunidade em 1968.
Os trs conjuntos em Cordovil aos quais Cida se referiu sintetizam o fracasso da poltica
habitacional no Rio. Com 4.077
unidades habitacionais e, numa
estimativa modesta, pelo menos
14.600 habitantes, a maioria das
famlias chegou ali vinda de favelas removidas na Zona Sul. Os
conjuntos foram construdos
nas dcadas de 60 e 70, e, alm
de no garantirem a qualidade
de vida de seus moradores, deram origem a cinco favelas em
seu entorno: Vila Cambuci, Avil, Parque Proletrio, Divineia e
Pica-Pau. As comunidades so
frutos da exploso demogrfica
nos apartamentos dos conjuntos, sem que o poder pblico
fosse capaz de alocar as pessoas em moradias formais.

Um desafio s
leis da fsica
Viviane Pereira foi uma das
que fizeram o percurso do conjunto para a favela. H nove
anos, aps se casar e ter um filho, ela trocou o dois-quartos-esala da famlia no Cidade Alta,
onde na poca j residiam nove
pessoas, por uma casa na Divineia. E, mesmo com a sada dela,
a diviso de espao no apartamento desafia as leis da fsica.
Hoje so 11 pessoas no lugar. Cabe a Alcilene Pereira, irm de Viviane, tentar organizar tanta
gente: ela, o marido, quatro filhos, trs netos e dois genros,
que sustentam a casa com renda
em torno de mil reais por ms.
No meu quarto dormimos
eu e meu marido na cama, o
meu neto de 1 ano entre ns
dois, e a minha filha de 14 no
cho. Na sala, a minha filha,
meu genro e meu outro neto. E,
no outro quarto, meu filho no
cho, minha filha e o marido dela na cama e meu neto no carrinho de beb. A dificuldade
maior na hora de tomar banho de manh. uma baguna
conta ela, auxiliar de servios gerais desempregada.
No Cidade Alta, Alcilene e
seus vizinhos no vivem em

Favelas filhas
de conjuntos

condies to melhores que


seus parentes na favela. O conjunto repleto de puxadinhos,
que tomaram o lugar dos jardins
na frente dos prdios. Os corredores dos edifcios ou esto escuros ou iluminados graas a
centenas de gatos de energia
eltrica. Faltam servios bsicos, como uma melhor coleta de
lixo e reas de lazer. A presena
do trfico de drogas, embora
atualmente de forma menos ostensiva, sempre se faz notar. Tudo o que leva o prprio conjunto, muitas vezes, a se ver e ser
visto como uma favela.
A organizao nos prdios
tambm precria. Na maioria
dos blocos no se paga condomnio. Dos trs conjuntos de
Cordovil, a situao mais precria a do Porto Velho. Construdo pela Companhia Estadual de
Habitao (Cehab) em 1970, ele
soma mil unidades, em 45 blocos verdes-musgo, beira da
Avenida Brasil. De to degradado, ganhou o apelido de p sujo. De acordo com o sndico Andr Miranda, boa parte dos prdios teve a luz e a gua cortadas
por falta de pagamento.
uma cultura que foi trazida da favela (a maioria dos moradores veio da Praia do Pinto).
Dos 45 blocos, dez tm algum tipo de organizao e procuram
pagar as contas. Muitos moradores venderam seus apartamentos e foram morar nas favelas vizinhas para no pagarem
nada. Quase toda a comunidade
do Pica-Pau foi formada por exmoradores e filhos deles.
Numa situao um pouco melhor, com 480 unidades em 30
edifcios, est o conjunto Vista
Mar, entre o Cidade Alta e o Porto Velho. Com estrutura mantida
por 28 funcionrios, exibe uma
curiosa diferena de status em
relao aos demais, alimentada
pelos prprios moradores.
Ns somos o p limpo, o l
de baixo (Porto Velho) o p sujo e o l de cima o p mal lavado disse, sem se identificar,
um dos moradores do Vista Mar,
construdo pelo Banco Nacional
de Habitao (BNH).
O conjunto, explica o sndico
dos 30 blocos, Carlos Silva, seria
moradia preferencialmente para
PRDIO do conjunto Cidade Alta com a fachada descaracterizada por um puxadinho construdo onde deveria haver um jardim para os moradores
bancrios, mas
muitos se recusaram a morar l
quando viram os
outros dois conjuntos:
Ainda hoje,
muitos moradores do Vista Mar
no gostam de se
misturar.
Arquiteto destaca produo na cidade
Uma senhora
do Vista Mar re Para o arquiteto e professor Nabil Bonduki, da Faculforou o clima de
dade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
separao:
So Paulo (USP), o Rio a cidade brasileira que mais
Gosto de
representa a produo habitacional promovida pelo poeles l; e eu, c
der pblico no pas. Na sua opinio, em 1911, com o pridisse, sem dar
meiro conjunto habitacional construdo pelo governo
muita conversa.
ALCILENE PEREIRA com oito das 11 pessoas que moram no apartamento dela
federal em Marechal Hermes, o Brasil deu o pontap iniProva de que
cial no setor. Mas foi somente a partir da dcada de 30,
os preconceitos ligados moraque, segundo ele, a habitao passou a ser tratada codia vo alm da diviso entre famo uma questo social.
vela e asfalto.
De 1930 a 1964, o Rio concentrou mais de um tero
das unidades habitacionais do pas disse Nabil BonO GLOBO NA INTERNET
duki, que lanar ainda este ano o livro Pioneiros da
GALERIA Veja mais fotos do
Cidade Alta
habitao social no Brasil.
ALCILENE PEREIRA, que mora com outras dez pessoas
oglobo.com.br/rio/info/conjuntos-habinum dois-quartos no Cidade Alta

O Rio como protagonista


da habitao social

A dificuldade maior na hora de tomar


banho de manh. uma baguna.

O GLOBO NA INTERNET

tacionais

OPINIO Arquiteto: Rio resume a trajetria da produo dos


conjuntos habitacionais no pas
oglobo.com.br/rio

AMANH: A grandiosidade dos conjuntos na Era Vargas


.

O GLOBO

RIO

PGINA 9 - Edio: 9/05/2011 - Impresso: 8/05/2011 21: 43 h

Segunda-feira, 9 de maio de 2011

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

O GLOBO

RIO

VIDAS EM

Marcelo

No h barulho, um rumor justo, para explicar


que a vida est presente. As crianas correm
vontade, no h hiptese de poderem
morrer debaixo dos automveis."

BLOCOS

ARQUITETO MARCELO ROBERTO, um dos Irmos Roberto, em 1948, sobre o IAPI da Penha

CASAS GEMINADAS
do IAPI de Realengo

Mrcia Foletto

PRDIOS DO IAPI da Penha, considerado um dos exemplos mais bem-sucedidos dos projetos de habitao popular dos anos 40: moradores se organizaram em condomnios para garantir a conservao

Moradias em
larga escala

Custodio Coimbra

CONJUNTOS NA ERA VARGAS SE MULTIPLICARAM


PARA DAR TETO A TRABALHADORES

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

implesmente
duas mil habitaes. Isto era
um negcio
muito chocante,
porque, na poca, o mximo que o governo construa era 200 casas. O espanto do arquiteto Carlos Frederico Ferreira
em depoimento pouco antes de sua
morte, em 1994 ilustra como o primeiro conjunto habitacional em larga
escala do pas, o IAPI de Realengo, de
1942, na Zona Oeste, projetado por
ele, rompia com os padres da poca. Com 2.344 unidades, era o incio
da maior poltica de moradia popular
brasileira at ento, implementada
no governo de Getlio Vargas a fim
de oferecer casa aos trabalhadores
por meio dos Institutos de Aposentadoria e Penso (IAPs). Empreitada,
porm, que saa atrasada na corrida
contra os problemas urbanos no Rio
naquele perodo, quando milhares
de pessoas j se aglomeravam em favelas. Desde ontem, uma srie de reportagens do GLOBO mostra que,
em cem anos, os conjuntos habitacionais no resolveram os problemas de moradia.
Do IAPI de Realengo at 1950, foram construdos outros 12 grandes
conjuntos dos IAPs no Rio, num total
de 12.238 unidades, beneficiando
61.190 pessoas. No mesmo ano, o Servio Nacional de Recenseamento
contava 169.305 habitantes (7,12% da
populao) nas 58 favelas pesquisadas. E pior: a poltica de Getlio, seguida por seu sucessor, Gaspar Dutra,
voltada aos trabalhadores formais de
baixa renda, no atendia populao
marginalizada dos morros.
Todas as polticas habitacionais
a partir da mantm o padro: comeam correndo atrs de um prejuzo j

configurado. Enquanto o pas no entender a origem de seu passivo habitacional e, sobretudo, sua evoluo
histrica, no resolver o dficit de
moradias. O Rio um exemplo emblemtico disso diz o professor
Adauto Cardoso, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ.
Os velhos IAPs guardam, no entanto, uma diferena crucial: a qualidade
arquitetnica. Em Realengo, foram
erguidos os primeiros blocos de
apartamentos num conjunto no Brasil. Um deles tem nas varandas projetadas por Carlos Frederico com a
influncia da Bauhaus, a escola de arquitetura e design de vanguarda alem. H ainda casas de diferentes tipos, umas geminadas, outras isoladas, com a preocupao quanto
ventilao e iluminao. Padro de
qualidade comum a quase todas as
26.504 unidades habitacionais construdas de 1937 a 1964 pelos IAPs e
suas diferentes categorias, como as
dos Comercirios (IAPC) e dos Bancrios (IAPB), como se v em levantamento do arquiteto Nabil Bonduki,
que entrevistou Carlos Frederico.

Promessas do
paternalismo
Filho de tipgrafo, o aposentado
Rubens Esteves, de 75 anos, tinha 8
quando o pai levou a famlia para o
IAPI de Realengo, em 1943. Ele lembra o impacto do conjunto na vida
dos novos moradores.
O IAPI nos dava todo o mobilirio. Aqui havia comrcio, posto
de sade, creche. A partir da dcada
de 60, o governo no deu mais nada.
Muita gente chiou. Infelizmente, hoje a creche foi invadida, e nosso comrcio deixa a desejar. Mas as casas

ONTEM: Os cem anos do primeiro conjunto habitacional;

continuam boas diz Rubens.


Outro morador, Jos Cavalcanti,
de 78 anos, ainda tem na mente os
ecos dos discursos paternalistas
de Getlio ao inaugurar os IAPs:
A promessa era resolver o problema da moradia no Rio, que muitos
conjuntos viriam pela frente. Este
aqui (o de Realengo) era uma cidade.
Para quem estava acostumado em
barracos, receber uma casa como
trabalhador foi uma ddiva.
Depois de Realengo, os IAPs povoariam reas inteiras de bairros como Iraj, Olaria e Padre Miguel. E tem
na Penha um dos exemplares mais
bem-sucedidos. O IAPI do bairro,
construdo em 1949, com 1.248 unidades em 44 blocos, ainda hoje
uma espcie de osis na regio, que
ao longo do ltimo meio sculo viu
sua importncia se esvaziar com a
expanso dos complexos de favelas
da Penha e do Alemo. No que o IAPI tivesse ficado totalmente inclume a essa decadncia. Mas os moradores garantem que, no conjunto,
com sistema virio prprio com 20
ruas, esse efeito foi menos sentido.
Aqui a violncia no chegou. No
incio, o estado fornecia quase tudo:
empregados, limpeza, pintura, tudo
por conta do IAPI. Com a transferncia da capital federal, em 1960, isso
mudou. Os moradores, em vo, foram a Braslia protestar. Os blocos se
organizaram, ento, em condomnios
conta Jonas Camacho sobre o
conjunto, construdo pelo corpo tcnico do IAPI, inspirado num projeto
inicial dos Irmos Roberto.
A paz do conjunto a professora
Selma Salles credita a essa organizao em condomnios. No passam de
cinco os malconservados. Puxadinhos, no h. E o Grmio Esportivo
(Greip) oferece aulas gratuitas.
Difcil achar apartamento para
alugar ou comprar diz Selma.

A CRUZADA vista de cima: dez blocos ao lado do Shopping Leblon

Mudana de perfil
Morador de favela migrou para conjunto
Irene Oliveira, de 79 anos, conta uma histria de muitas mudanas e aflies. At chegar Cruzada So Sebastio, conjunto idealizado por Dom Helder Cmara no Leblon em 1955 para receber
moradores da Praia do Pinto, Irene vivenciou a primeira experincia de realocao de moradores de favela do Rio. Em 1942, com 5
anos, ela deixou a antiga favela do Largo da Memria, no Leblon,
para viver parte de sua infncia no Parque Proletrio da Gvea,
um dos trs centros de moradia provisrios criados da dcada de
40, quando se tentava pr em prtica a poltica incipiente de erradicao de favelas. Era um momento concomitante com a poltica dos IAPs e, de certa forma, representava uma mudana de
perfil dos moradores de conjuntos habitacionais da poca. Irene
no tem boas lembranas do parque proletrio, que, em 1950, j
era considerado uma favela pelo Censo.
No parque proletrio, sequer havia banheiro. A primeira
vez que eu usei um vaso sanitrio foi na Cruzada So Sebastio.
Eu amo isso aqui diz dona Irene.
Antes mesmo da Cruzada, na Zona Sul j existia o Conjunto
Dona Castorina, no Horto, fruto da remoo de moradores de
favelas. Outros conjuntos da Zona Sul, como o Pio XII, em Botafogo, tambm serviram para o mesmo fim.

AMANH: O fracasso das remoes

O GLOBO

RIO

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

PGINA 10 - Edio: 10/05/2011 - Impresso: 9/05/2011 21: 43 h

10

Tera-feira, 10 de maio de 2011

O GLOBO

RIO

BLOCOS

Marcelo

VIDAS EM

Atravs de brigas, jogos de futebol, bailes (...),


uma nova comunidade surgiu efusivamente. Os
grupos de cada favela integraram-se em uma
nova rede social forosamente estabelecida.
PAULO LINS, num trecho de seu livro "Cidade de Deus

CASA NA Vila Kennedy

Do ruim para o pior

FAVELAS FORAM REMOVIDAS PARA CONJUNTOS SEM QUALQUER INFRAESTRUTURA

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

quilibrando-se em caminhes paus


de arara, os moradores chegavam
por ruas de terra batida com milhares de casas, todas idnticas. Era janeiro de 1964. Comeava a ser ocupado um dos maiores conjuntos habitacionais do Rio: a Vila Kennedy, na Zona
Oeste, com 5.054 moradias. Os moradores vinham de favelas de reas centrais da cidade,
como o Morro do Pasmado, em Botafogo, a comunidade do Esqueleto, no Maracan, e as da
Praia de Ramos e de Maria Angu, na Zona da
Leopoldina. E, num lar imposto, a 40km do Centro, tiveram que readaptar suas vidas com comrcio e transporte precrios e sem trabalho
perto. Desde domingo, uma srie de reportagens do GLOBO mostra o fracasso das polticas
habitacionais no Rio nos ltimos cem anos.
Quarenta e sete anos depois,
imagens daquele tempo so reconstitudas por Ana Maria
Barbosa, uma das mais de 42
mil pessoas que, de 1960 a
1965, foram removidas de favelas na gesto do governador
Carlos Lacerda no ento Estado da Guanabara. Ele promovia, na poca, a mais radical poltica de remoo de comunidades no Rio e iniciava um debate
que se estende at hoje entre a
realocao de moradores de
comunidades e a urbanizao
de favelas.
Ns nos sentamos no
meio do nada: mato por todo
lado, mosquito. A casa era pequena, de 44 metros quadrados
e um quarto, para meus pais e
cinco irmos. Era comum ver
mveis na rua porque no cabiam nas casas. Quando chovia, alagava e perdamos tudo
relembra Ana Maria, cuja famlia foi removida de Ramos.

A Maria Angu, alis, antes da remoo, tinha


sido a comunidade com maior crescimento
proporcional no Rio: de 271 moradores em 1950
para 6.605 em 1960, multiplicando-se 24 vezes.
Aumento vertiginoso semelhante ao de outras
favelas, como a Rocinha, que na poca se transformava na segunda maior comunidade do Rio,
passando de 4.513 moradores para 14.793 no
mesmo perodo (no Censo de 2010, foram contados cerca de 70 mil habitantes). Ou o Pasmado, que cresceu 200%, e o Esqueleto, 50%.
O empresrio Jorge Melo foi um dos removidos do Esqueleto que deu lugar Uerj
para a Vila Kennedy. Ele lembra que, na poca,
os pais receberam a promessa de que os filhos
teriam vaga na universidade, o que no foi
cumprido. E diz que, se moradores dali tiveram
uma mobilidade social, foi por conta prpria.
Desde o incio o lugar foi deixado ao largo,
possibilitando o surgimento de favelas prxi-

mas ao conjunto, como Vila Metral e Alto Kennedy diz Melo, constatando uma favelizao
que tambm atingiu todos os construdos por
Lacerda. Conjuntos que vieram depois na
prpria Vila Kennedy, como o Quaf e o Malvinas, passaram pelo mesmo problema.
A Cidade de Deus, que ganhou fama mundial
pelo cinema, sofreu ao semelhante. As primeiras casas do conjunto foram construdas
ainda no governo Lacerda. Com a enchente de
1966, j no governo Negro de Lima, recebeu
desabrigados de favelas destrudas. Dali para
frente, com cerca de cinco mil casas construdas em diferentes governos, acabou sendo o
destino de 63 favelas extintas por inteiro ou
parcialmente, prioritariamente as da Zona Sul,
como Catacumba, Parque Proletrio da Gvea
e Praia do Pinto.
Numa dessas levas de moradores veio Manuel Severino de Jesus, de 59 anos, que morava

na Favela Macedo Sobrinho, no Humait. Como


estudava no Largo do Machado e trabalhava
em Ipanema, a nova rotina o levou a muitas vezes dormir na rua, sem nibus para voltar.
No era a Cidade de Deus. Era a cidade do
inferno. O poder pblico nos largou aqui. Se a
soluo a remoo, tudo bem. Mas que se remova oferecendo infraestrutura s pessoas.
No como fizeram aqui. Hoje, a minha Macedo
Sobrinho virou casa de bacana; e a Cidade de
Deus, um cncer para eles. Ningum imaginaria
que aqui valorizaria tanto. Hoje estamos perto
de tudo, de algumas das reas mais nobres do
Rio. O pessoal teme agora que nos tirem daqui.
o trauma da remoo.
O GLOBO NA INTERNET

VDEO Moradores contam os transtornos causados


pela remoo
oglobo.com.br/rio/info/conjuntos-habitacionais
Mrcia Foletto

Verba pra obra


veio dos EUA
Alm da Vila Kennedy, Lacerda construiu outros dois grandes conjuntos para removidos:
Vila Aliana, em Bangu (com
2.183 unidades), e Vila Esperana, em Vigrio Geral (464). JunUMA CRIANA brinca em praa da Cidade de Deus, que recebeu vtimas das enchentes de 1966: moradores hoje temem uma nova remoo, devido valorizao da regio
tos, os trs receberam 37 mil
moradores (dos 42 mil removiArquivo/ 12-10-1959
dos por Lacerda), vindos de 32 favelas erradiA FAVELA do
cadas parcial ou totalmente. De 1950 a 1960, a
Pasmado, em
cidade assistiu a um crescimento de 99% da populao de favelas, num salto de 169.305 habiBotafogo,
tantes (em 58 comunidades) para 337.412 (em
removida em
147 favelas), enquanto a populao da capital
aumentou 39% (2.245.208 em 1960).
1964, no
A imprensa tocava no tema favela o tempo
governo de
As remoes iniciadas por Carlos Lacerda,
todo. Na Zona Sul, havia presses da especuque realocou cerca de 12% da populao de falao imobiliria. Lacerda, ferrenho anticomuCarlos Lacerda,
velas, no terminaram com o fim de seu governista, obteve verbas dos Estados Unidos por
e substituda
no. Os governadores Negro de Lima (1966meio da Aliana pelo Progresso (entidade cria1971) e Chagas Freitas (1971-1974) por interda pelo presidente John Kennedy para financiar
por prdios e
mdio da Coordenao da Habitao de Interesprojetos sociais na Amrica Latina e conter o
por um parque
se Social da rea Metropolitana do Grande Rio
avano do socialismo). Com esses recursos, ele
(Chisam) eliminaram mais de 60 favelas e reproduziu conjuntos habitacionais distintos dos
moveram cerca de cem mil pessoas, o que no
anteriores: longe dos centros de trabalho e sem
freou a expanso dessas comunidades. De 1960
articular as necessidades dos moradores
a 1980, perodo com maior nmero de remoafirma a sociloga Maria Las Pereira, da Escola
es, a populao de favelas cresceu 115%, chede Arquitetura e Urbanismo da UFF.
gando a 722.424 em 1980 (dado do IBGE).
Antnio Cndido Ferreira viveu essa mudanUm exemplo a Rocinha, que teve algumas
a ao sair do Pasmado para a Vila Kennedy.
Mrcia Foletto
remoes e no parou de crescer. Nivaldo Go Passei a acordar de madrugada para ir ao
ANTNIO
mes conta que deixou a favela para o Conjunto
Centro. Muita gente perdeu o emprego. Mas
Cndido
de Oswaldo Cruz devido construo da Escola
no tivemos opo. Era a Vila Kennedy ou a
Americana, na Estrada da Gvea.
rua. Nem escolhemos nossas casas. FuncionFerreira em
Anos depois, onde eu morava estava torios do governo apontavam onde moraramos.
sua casa na
mado por casas. Antes, era como uma vila com
Para piorar, as chaves eram todas iguais e
ruas largas. Agora, so dezenas de vielas e barabriam as portas de qualquer casa conta.
Vila
racos disse Osvaldo. Alguns voltaram para
Hoje, a pequena residncia de seu Antnio viKennedy: As
a Rocinha, mas eu no, por causa da violncia.
rou um sobrado de dois andares. Uma das pouUm contraponto s remoes foi a reurbanicas casas originais da Vila Kennedy a de Rechaves eram
zao de uma favela em Brs de Pina, feita pelo
jane da Silva. Pintada de amarelo, a residncia
todas iguais
arquiteto Carlos Nelson Ferreira, no governo
chama a ateno em meio aos puxadinhos.
Negro de Lima, em dilogo com os moradores.
Nossa casa original porque no tivee abriam
Ele inspirou o Favela-Bairro, que intensificou a
mos nem temos dinheiro para fazer nada
qualquer
reurbanizao de favelas na dcada de 90.
disse Rejane, cujo marido veio removido da
Favela Maria Angu, em Ramos.
porta

Remoes no
contiveram favelas

DOMINGO: Os cem anos do primeiro conjunto;

ONTEM: A multiplicao das moradias para trabalhadores;

AMANH: O maior conjunto do Rio.

O GLOBO

RIO

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

PGINA 12 - Edio: 11/05/2011 - Impresso: 10/05/2011 21: 13 h

Quarta-feira, 11 de maio de 2011

12

O GLOBO

RIO

VIDAS EM

Fazenda Botafogo, Pedregulho, Enquarto Leo


E a famosa Rua I fica l no conjunto de Padre Miguel
Daqueles morros voltei pra falar das favelas..."

BLOCOS

TRECHO DA MSICA "As favelas que no exaltei", de Bezerra da Silva

Fotos de Mrcia Foletto

O BAR que
funciona num
puxadinho:
comrcio
informal

SONINHA
Batista, exporta-bandeira
da Mocidade:
moradora

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

A cidade das puxadas

ete mil e 200 apartamentos, em 180 blocos distribudos por uma rea de
cerca de 450 mil metros
quadrados (54 vezes o
gramado do Maracan).
O maior conjunto habitacional do
Rio, o Dom Jaime Cmara, construdo em 1969, atravessa dois bairros
Bangu e Padre Miguel tem cerca de 26 mil moradores, populao
superior de 37 dos 92
municpios do Estado
do Rio, e uma quantidade de problemas igualmente superlativa. Em
seus 42 anos, a fase de
crescimento do conjunto no cessa. Nele, pelo
menos 1.800 puxadinhos rompem com a homogeneidade dessa cidade de prdios gmeos. Gatos de energia,
prestaes acumuladas,
praas malconservadas,
ausncia de escolas de
ensino mdio e apartamentos invadidos pelo
trfico tambm compem o quadro.
Das centenas de puxadinhos chamados
de puxadas pelos
moradores , mais da
metade ocupada por
pequenos comrcios,
contabiliza o presidente da associao de
moradores do conjunto, Alex Ignacio, uma
espcie de sndico. Neles funcionam padarias, lanchonetes, lojas
de roupas, oficinas, lan
houses e toda sorte de
estabelecimentos que
suprem as necessidades do lugar, cujo projeto no previu lojas.
A cabeleireira Lucinete Bezerra da Silva, de
53 anos, dona um pequeno salo de beleza,
conta que as reas onde
hoje est o comrcio
eram espaos de lazer
dos blocos. Aos poucos,
foram substitudos por
garagens e, depois, alugados ou vendidos a coINFORMALIDADE: construes irregulares, a maioria com comrcio, ocupam espaos onde deveriam estar as reas de lazer dos prdios, que tambm sofrem com o trfico
merciantes.
A compra das puxadas apalavrada. ilegal. Mas, se dimplncia. H prdios com dvidas bandidos tomam imveis de viciados menos, no h mais disputa.
Minha me ficava me esperando na
a prefeitura cobrasse imposto, seria de at R$ 300 mil em conta dgua. em dvida. Ou simplesmente se apoA violncia no impediu que, do entrada da comunidade, com um
bom, valorizaria o lugar acredita. Uma bola de neve antiga, desde a deram de residncias vazias, que se- encontro de tanta gente de lugares lampio, pois o caminho era escuro.
Os puxadinhos, no entanto, no se chegada dos primeiros moradores. riam vendidas.
diferentes, surgisse uma comunidade Muita gente veio da Vila Vintm para
restringem ao trreo. Esto em quase Eles compraram o apartamento fios apartamentos, inclusive baluartes
O trfico funciona quase como unida e de identidade prpria.
todos os andares. Alguns prdios (to- nanciado pelo Banco Nacional de Ha- uma imobiliria. Invade e vende apar Se voc falar um ai, vem todo da Mocidade conta Soninha.
dos de cinco pavimentos) ganharam bitao (BNH) ou foram reassenta- tamentos conta a moradora.
mundo socorrer diz a moradora
perto dali, num conjunto vizinho
um sexto ou at stimo piso. H ver- dos de favelas pela Coordenao de
O trfico se concentra em duas Selma Rodrigues, de 44, ilustrando o ao Jaime Cmara, um dos dois do
dadeiros prdios anexos. Em algu- Habitao de Interesse Social (Chi- ruas, a L e a I, esta ltima uma das clima de solidariedade.
Instituto de Aposentadorias e Penmas reas, ruas se transformaram sam) e tiveram que assumir uma mais extensas e prximas da Vila
ses dos Industririos (IAPI) em Paem vielas, devido ocupao dos es- prestao pela casa prpria.
Vintm. chamada de Rua da Morte
dre Miguel, que fica um dos centros
paos pblicos. At igrejas evanglida cultura da Zona Oeste: o Ponto
Em 1977, quando a Companhia Es- por vizinhos. Mas a violncia se escas se estabeleceram nos puxadi- tadual de Habitao (Cehab) iniciou palha por todo o conjunto. Outra
Chique. Uma rua que rene a resisnhos, hoje um dos maiores motivos o despejo dos inadimplentes, 46,9% moradora diz que j assistiu da janetncia de movimentos como os do
de brigas no Jaime Cmara.
samba, do hip-hop, do funk e do
das famlias do local no tinham se- la a dois assassinatos. Nas duas ve Sempre contornamos brigas de quer contrato com a companhia e zes, o mesmo tipo de ao: tiros Bero da cultura na Zona Oeste, charme na cidade.
um vizinho acusando o outro de in- 17% deviam de 43 a 48 prestaes.
queima-roupa, em frente portaria um dos celeiros da escola de samba
Aqui o corao de Padre Mivadir o seu espao diz Ignacio.
do bloco das vtimas.
Mocidade Independente de Padre guel, onde todos se manifestam
Resolver essas questes no
A criminalidade remonta ocu- Miguel, o Jaime Cmara onde mo- diz Bernadete da Silva, uma das orsimples. Clculo da associao de
pao do conjunto. Em 1969, junto ra uma das mais renomadas porta- ganizadoras da Festa de So Jorge
moradores expe que apenas 20%
com moradores removidos, vieram bandeiras da agremiao, Soninha do Ponto Chique, que ms passado
dos apartamentos (cerca de 1.500)
gangues de favelas rivais.
Batista, ex-moradora da Vila Vin- reuniu mais de 30 mil pessoas.
esto em dia com suas documenta Havia uma disputa de poder. E, tm, que defendeu o pavilho verde
es. O restante est alugado, em in- Hoje, outro drama a invaso de como estavam todos misturados, foi e branco de 1978 a 1985.
O GLOBO NA INTERNET
ventrios na Justia ou invadido, o apartamentos por traficantes, a uma poca de convivncia muito di Qual favelado no sonha sair da
GALERIA Veja mais fotos do
conjunto e suas puxadas
que dificulta a organizao dos blo- maioria da Vila Vintm. Sem se iden- fcil conta o morador Jorge Alber- favela? Como todo filho de pobre, eu
www.oglobo.com.br/rio
cos em condomnios e facilita a ina- tificar, uma moradora conta que os to de Sousa, de 57 anos. Hoje, pelo trabalhava de dia e estudava noite.

MAIOR CONJUNTO HABITACIONAL DO RIO TEM 26 MIL


MORADORES E ANEXOS IRREGULARES DE AT 7 ANDARES

O corao de
Padre Miguel

A imobiliria
do trfico

DOMINGO PASSADO: Os cem anos do primeiro conjunto

SEGUNDA: Moradias para trabalhadores

ONTEM: As remoes de favelas

AMANH: O perodo do BNH

O GLOBO

RIO

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

PGINA 14 - Edio: 12/05/2011 - Impresso: 11/05/2011 21: 45 h

14

Quinta-feira, 12 de maio de 2011

O GLOBO

Marcelo

RIO

VIDAS EM

BLOCOS

A refavela
Revela o salto
Que o preto pobre tenta dar

Quando se arranca
Do seu barraco
Prum bloco do BNH".
GILBERTO GIL, num trecho da msica "Refavela"

O CONJUNTO FAZENDA BOTAFOGO

Mrcia Foletto

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

a Fazenda Botafogo,
apartamentos semelhantes a caixotes. Na
Vila do Joo, uma quadra inteira com apenas
um alicerce para todas
as casas. Em Antares, duplex de 26
metros quadrados. E, no Cesaro, tetos de amianto, que transformavam
os cmodos num forno no vero.
Nos classificados, provavelmente esses imveis no atrairiam muitos
compradores. Mas eram moradias
assim que o Banco Nacional de Habitao (BNH) oferecia populao
de baixa renda nos conjuntos habitacionais erguidos no Rio durante o regime militar. Criado em 1964 e extinto
em 1986, o BNH, por meio do Sistema
Financeiro Habitacional, captava recursos do Fundo de Garantia. Nunca
se construram tantas unidades na cidade como no perodo 64-86: foram
mais de 75 mil pelo BNH e parte
em parceria com a Companhia Estadual de Habitao (Cehab). Mas
eram moradias em condies subumanas, pelas quais os moradores se
endividariam por anos, revela mais
uma reportagem da srie Vidas em
blocos, iniciada domingo passado,
sobre os cem anos dos conjuntos habitacionais do Rio.
Em 1981, quando Jacira Mouro
trocou o aluguel na Baixada Fluminense por um imvel no Conjunto
Otaclio Cmara, o Cesaro, em Santa Cruz, realizou o sonho da casa
prpria mesmo que o novo lar (de
um quarto, sala, cozinha e banheiro)
no fosse o que imaginava para um
casal e quatro filhos. Em pouco tempo, no entanto, ela viu o sonho virar
um problema, ao ter que separar, da
pequena renda familiar, o dinheiro
para as prestaes da Cehab/BNH.
Era pouco. No fim, menos de
R$ 30 mensais. Mesmo assim,
atrasvamos porque no dava para pagar. Tnhamos que parcelar
as dvidas e pagar tudo de novo.
Eu precisava lavar roupa
para fora e ajudar meu
marido conta. O
nico quarto que construmos foi com dinheiro
poupado para a festa de
15 anos da nossa filha.
Muturios como Jacira
enfrentaram ainda o fantasma da hiperinflao.
Mais um motivo para o aumento da inadimplncia.
Muitos no meu conjunto no conseguiram
pagar. Alguns perderam o
imvel. E mesmo ns, que
pagamos, no temos a
certido definitiva diz
Aparecida Rodrigues, moradora do Conjunto Esperana, na Mar.

O CONJUNTO Fazenda Botafogo, de 1978, com 86 prdios e 3.440 apartamentos: os moradores reclamam de aperto nos imveis de 35 a 44 metros quadrados

Sob a ditadura do BNH


MORADORES ENFRENTAM CONDIES PRECRIAS EM
CONJUNTOS E DIFICULDADES PARA PAGAR PRESTAES
Fotos de Custdio Coimbra

O COMPLEXO
da Mar (ao
lado) e Maria
Eny (abaixo)
em frente
sua casa, uma
das poucas da
Vila do Joo
com as
caractersticas
originais

O CONJUNTO do Cafund, em Jacarepagu: boa ventilao e jardins

Onde mora o bom exemplo

Paredes no
tinham reboco
Para piorar, a m qualidade dos imveis onerou
a vida de quem se mudou
para os conjuntos na poca. Loureno Cezar da Silva conta que, para tornar
seus lares menos desconfortveis, a grande maioria dos moradores da Vila
do Joo, na Mar, modificou as casas. Em 1982, quando
chegou ao conjunto, aos 12 anos,
ele at acreditava que ali era o paraso, pois pela primeira vez viveria numa casa de alvenaria, depois
de sair de uma palafita na Baixa do
Sapateiro (tambm na Mar). Logo, porm, percebeu que a realidade era outra:
As casas eram pssimas. O telhado de amianto retinha muito calor. As paredes no tinham reboco,
e a pintura era feita diretamente
sobre o tijolo diz Loureno, que
apontou a residncia de Maria Eny
de Oliveira como uma das poucas
com planta original no conjunto.
Na Fazenda Botafogo, de 1978,
com seus 86 prdios e 3.440 apartamentos (de 35 a 44 metros quadrados), aperto a palavra dos mora-

Custdio Coimbra

Conjunto em Jacarepagu elogiado

O projeto do Conjunto Habitacional do Cafund de autoria


dos arquitetos Srgio Magalhes, Ana Luiza Petrik, Clvis Barros
e Silvia Pozzana , em Jacarepagu, um contraponto produo do BNH, embora tenha sido financiado e realizado pelo
Instituto de Orientao s Cooperativas Habitacionais-RJ (Inocoop), rgo do prprio Banco Nacional de Habitao.
Diferentemente dos projetos do BNH para a populao de baixa renda, em que a planta em forma de H exigia, por vezes, que
se modificasse a topografia dos terrenos, no Conjunto Habitacional do Cafund os 14 prdios tm alturas diferentes, justamente para se adequar rea. Dentro dos apartamentos, h boa
circulao de ar e iluminao. Nas escadas, a ventilao assegurada por elementos vazados.
A construo do Cafund terminou em 1982. Apesar de malcuidados, os jardins do alguma beleza aos dez hectares do terreno. Os moradores do conjunto, que tem 1.500 apartamentos,
contam com elevadores, algo indito em projetos habitacionais
na poca e ainda hoje raro. E os corredores dos prdios so amplos e largos. Equipamentos comunitrios como escola e rea
de lazer tambm esto l, mas a conservao precria.
As tubulaes do Cafund so aparentes, facilitando a manuteno acrescenta Srgio Magalhes.
Do projeto original, os cobogs (tijolos vazados) e as janelas
de madeira dentro dos apartamentos foram substitudos por esquadrias de alumnio, numa reforma tocada pela Caixa Econmica Federal e criticada por arquitetos. J os moradores fazem
elogios ao conjunto.
Isto aqui um sonho diz Maria Maximiliano.

dores para descrever como se sentem em casa. Sensao reforada


pelo p-direito baixo dos apartamentos, de 2,2 metros.
No Pedro I, em Realengo, a falta
de espao tambm impressiona.
Ali, h trs tipos de apartamento,
que vo de 32 a 49 metros quadrados. Para o arquiteto Mauro Santos, do Laboratrio de Habitao
da UFRJ, o lugar um exemplo do
que o BNH fez nos conjuntos.
Pretendia-se, com o BNH, desenvolver a construo civil, gerando novos empregos. O contedo da
moradia, contudo, se perdeu. Tratouse a casa apenas como dormitrio.
O arquiteto Adauto Cardoso, do
Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional (Ippur), destaca
que a experincia do BNH deixou um

legado de equvocos. E lista alguns: a


ocupao de reas perifricas sem
prvio planejamento; a construo
de conjuntos com muitas unidades;
a ausncia de equipamentos coletivos como praas e escolas.
A soluo do BNH logo se
transformou num problema. Os conjuntos se degradaram, as poucas
reas comuns foram sendo ocupadas e nem mesmo a prometida casa
prpria foi alcanada, j que boa
parte dos moradores ou no conseguiu quitar suas dvidas ou no obteve o ttulo de propriedade.
O GLOBO NA INTERNET

VDEO Gegrafo mostra as mudanas


na Vila do Joo ao longo dos anos
oglobo.com.br/rio/info/conjuntos-habitacionais

DOMINGO PASSADO: Os cem anos do primeiro conjunto


SEGUNDA-FEIRA: Na Era Vargas, moradias para os trabalhadores
TERA: As remoes de favelas
ONTEM: O maior conjunto do Rio tem 26 mil pessoas
AMANH: Conjuntos sob o domnio do trfico e da milcia

O GLOBO

RIO

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

PGINA 14 - Edio: 13/05/2011 - Impresso: 12/05/2011 21: 56 h

14

Sexta-feira, 13 de maio de 2011

O GLOBO

RIO

BLOCOS

Marcelo

VIDAS EM

Moradores do conjunto residencial


Amarelinho adotaram um bem-humorado
cdigo: Nova York significa a Favela de Acari;
Bolsa de Valores o movimento; e
corretores so os traficantes.

O CONJUNTO HABITACIONAL
Amarelinho, em Iraj

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

TRECHO DO livro "As cores de Acari", de Marcos Alvito

Territrios proibidos

ocs no esto
com medo? A
pergunta de
uma adolescente aos reprteres do GLOBO
que faziam mais uma reportagem
da srie Vidas em blocos, sobre
os cem anos dos conjuntos habitacionais do Rio, mostra a realidade
dos moradores do Amarelinho, na
entrada do complexo de favelas de
Marcia Foletto
Acari. Na cidade
das Unidades de
Polcia Pacificadora (UPPs), o lugar
ainda est sob o
jugo do trfico armado. Em grande
parte dos conjuntos do Rio, quando
no existe o domnio de traficantes,
so milicianos que
impem o terror.
No Amarelinho,
o trfico onipresente.
Vocs no podem andar sozinhos aqui , perigoso alertou um
morador.
A presena de
criminosos prejudica servios bsicos.
H meses a comunidade no tem carteiro. E, das sete vagas para mdico
num dos postos do
conjunto, s trs
esto preenchidas.
Os traficantes
embalam drogas
numa praa do conjunto, a Joo FabiaO CONJUNTO AMARELINHO: a presena ostensiva de traficantes armados, que embalam drogas numa praa da comunidade, prejudica servios bsicos como o dos Correios
no, e andam armados pelas ruas. Eles
Custdio Coimbra
tambm tomam apartamentos irregularmente e cobram uma taxa de R$
20 de cada comerciante conta
uma moradora.
Nas entradas de Acari prximas ao
Amarelinho, visveis para quem passa pela Avenida Brasil, h barricadas
para dificultar a ao policial. Obstculos tambm ocupam as ruas do
Conjunto gua Branca, o Fumac, em
Realengo, embora ele fique em frente
UPP do Batam, do outro lado da
Avenida Brasil. O Fumac, alis, est
na lista de reas prioritrias para receber as prximas UPPs. O poder paralelo tambm se estende a conjuntos como Vila Kennedy, Vila Aliana,
Taquaral, Antares, Nova Cidade, Fazenda Botafogo, Vila do Joo, Novo
Moradora do Conjunto
Pinheiro, Senador Camar e os do
Getlio Vargas, em Deodoro
Moradora do Amarelinho
PAC em Manguinhos.

MORADORES DE GRANDE PARTE DOS CONJUNTOS


AINDA ESTO SOB O DOMNIO DO TRFICO OU DA MILCIA

Os traficantes
embalam drogas
numa praa do
conjunto e
andam armados
pelas ruas. Eles
tambm cobram
R$ 20 de cada
comerciante.

Em conjuntos, ao
diferente da polcia
No Getlio Vargas, em Deodoro, se
no h barricadas, um valo entre os
19 blocos prximos Avenida Brasil
e os sete junto comunidade do Muquio serve como trincheira. Moradores aconselham no entrar.
Isso aqui um barril de plvora. Vivemos em meio a disputas
entre diferentes faces do trfico
disse uma moradora.
Titular da Delegacia de Represso
s Aes Criminosas Organizadas
(Draco), o delegado Alexandre Capote conhece bem o conjunto de Deodoro. De 2005 a 2008, ele trabalhou
na 30 a- DP (Marechal Hermes), onde
investigou uma srie de crimes no
Getlio Vargas. De suas incurses no
lugar, a sensao de ser observado o
marcou. Em qualquer ao em conjunto habitacional, alis, Capote afirma serem necessrias estratgias especficas, diferentes das usadas, por
exemplo, em favelas. Um fator fundamental, diz ele, so as vrias entradas
e sadas dos conjuntos, que exigem
cuidados ao se montar um cerco:
Muitas vezes, criminosos
usam apartamentos de inocentes
para guardar armas e drogas.
Durante a Operao Blecaute, em
abril, a Draco encontrou apartamen-

Isso aqui
um barril
de plvora.
Vivemos em
meio a disputas
entre diferentes
faces do
trfico de drogas.

EM REALENGO, troncos ocupam uma rua do Conjunto gua Branca: barricada contra a polcia
Marcia Foletto

UPP traz a paz de volta

CONDOMNIO em Cosmos: a polcia investiga se milicianos agem na rea


tos do Conjunto do Ipase, na Praa
Seca, ocupados pela cpula da milcia da regio. At o fornecimento de
gua era controlado pelo grupo. Em
2008, no Conjunto da Palmeirinha,
em Anchieta, moradores foram expulsos de casa por milicianos, que
ocupavam e vendiam os imveis. Segundo Capote, que investiga o caso, a
prtica pode estar acontecendo nos
condomnios Livorno, Trento e Treviso, do programa Minha Casa Minha

DOMINGO PASSADO: Os cem anos do primeiro conjunto


QUARTA: O maior dos conjuntos do Rio

Vida, em Cosmos. Nos trs, de acordo com denncias annimas, h imveis ocupados por paramilitares chefiados pelo ex-PM Ricardo Teixeira da
Cruz, o Batman, que est preso.
Reprteres do GLOBO estiveram
em 14 de abril nesses condomnios,
recm-entregues. Neles, smbolos da
milcia estavam pintados nos muros,
embora houvesse assistentes sociais
da prefeitura h trs meses no local.
Ao retornar, um dia depois, a equipe

Enquanto nessas comunidades


o medo continua a ditar as regras, na Cidade de Deus, primeiro conjunto a receber uma UPP,
Wilma Lopes conta sem receio a
trajetria da comunidade:
Eu me lembro bem dos traficantes Z Pequeno e Ben (retratados no filme Cidade de
Deus). Na dcada de 90, aconteceram os piores confrontos. Hoje, falta muita coisa, mas a vida
est mais tranquila.

Na Cruzada So Sebastio, no
Leblon, no h UPP, mas PMs vo
ao conjunto semanalmente.
Isso melhorou a Cruzada.
H dois anos, havia at fila de
viciados disse um morador.
Subchefe operacional da Polcia Civil, Fernando Veloso diz
que na Cruzada houve muita colaborao dos moradores:
Ali, h quem se incomode
no s com a arrogncia dos traficantes, mas com o trfico em si.

encontrou todos os smbolos cobertos com tinta. O nico vestgio era


uma marca mal apagada num dos
condomnios, onde os moradores se
negaram a dar entrevista.
O relatrio da CPI das Milcias da
Assembleia Legislativa do Rio (Alerj),
concluda em novembro de 2008, registrou a presena de paramilitares
em pelo menos 14 conjuntos, como o
Quitungo, em Brs de Pina, o Dom
Pedro I, em Realengo, e o Joo XXIII,

em Santa Cruz. Nesses locais, as quadrilhas controlavam o comrcio de


bujes de gs e a venda clandestina
de sinal de TV a cabo, alm de cobrar
taxa de segurana.
O GLOBO NA INTERNET

VDEO Delegado da Draco explica as


estratgias para aes policiais em
conjuntos
oglobo.com.com.br/rio/info/conjuntos-habitacionais

SEGUNDA: Na Era Vargas, moradias para os trabalhadores


TERA: As remoes de favelas
ONTEM: O perodo das construes precrias do BNH
AMANH: As joias arquitetnicas

O GLOBO

RIO

PGINA 14 - Edio: 14/05/2011 - Impresso: 13/05/2011 22: h

Sbado, 14 de maio de 2011

AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

14

O GLOBO

RIO

VIDAS EM

BLOCOS

O PEDREGULHO,
em Benfica

Marcelo

"O Pedregulho simblico o seu prprio


nome atesta a vitria do amor e do engenho
num meio hostil, e a sua existncia mesma
uma interpelao e um desafio.
LCIO COSTA, sobre o Pedregulho, no livro "Affonso Eduardo Reidy, de Nabil Bonduki
Mrcia Folleto

NO MINHOCO da Gvea, os corredores servem como espao de convivncia para os moradores: a proximidade do comrcio e de servios pblicos foi uma das preocupaes dos criadores do projeto

Rafael Galdo e Rogrio Daflon

Amor concreto

izem que paixo d e


passa, e o amor algo
que se constri e se
mantm como uma casa bem-feita. Ao revisitar a fase de maior qualidade na habitao social no Rio, um
discreto casal, que nunca assumiu o
romance publicamente, tem de ser
citado: o arquiteto Affonso Eduardo
Reidy e a urbanista Carmem Portinho, do Departamento
vanderia: tudo isso era considerado
de Habitao Popular
Mrcia Folleto
no um privilgio, mas um direito.
(DHP), rgo da prefeiAS LINHAS
Motivos que fizeram a me da artura do ento Distrito
curvas do
quiteta Angela Fontes escolher o
Federal, que atuou de
Marqus de So Vicente, conhecido
1948 at 1964. Reidy lePedregulho, em
como Minhoco da Gvea, para movou a fama de ter projeBenfica, criao
rar, em 1965, depois de passar pelo
tado duas joias da arquitetura: o conjunto Marde Affonso Reidy, Pedregulho e pelo Conjunto Getlio
Vargas, em Deodoro.
qus de So Vicente, na
com o painel de
Quando ela chegou aqui, no teGvea, e o Pedregulho,
ve dvidas: tinha duas escolas e o
em Benfica, prestes a
Portinari na
Miguel Couto perto. Chamo o prdio
ser tombado pelo Instifachada da
de Minhoca Mares. Com a vantagem
tuto Estadual do Patripara os outros condomnios de aqui
mnio Cultural. Mas,
escola pblica
voc no se sentir s diz Angela.
por trs de seus traos,
construda para
A convivncia com os vizinhos
estava a mo de Cartem um motivo claro: os corredores
men, primeira urbanista
receber as
servem como varandas no Minhodo pas, chefe do DHP e
crianas do
co, que tem 308 apartamentos no
de Reidy, que tambm
prdio principal 20 foram demoprojetou o MAM e o Parconjunto
lidos na construo do Tnel Acsque do Flamengo.
tico, em 1971.
Eles viviam juntos,
Corredores longos comos os do
mas no tocavam no asMinhoco so os do Getlio Vargas,
sunto nem em famlia.
em Deodoro, de 1954. Concebido peComo ela era chefe, os
lo arquiteto Flvio Marinho Rego, indois no queriam dar
dicado por Reidy, o conmargem a comentrios
Custodio Coimbra
junto tem grandes blo conta a cineasta Ana
Mrcia Foletto
cos sinuosos, o maior
Maria Magalhes, sobrideles com 450 metros
nha de Carmem, que
de extenso, e 24 blocos
lanar no segundo selaminares (retos).
mestre o filme Reidy, a
Se nos conjuntos da
construo da utopia.
dcada de 50 so as curQuase no fim da Sevas que chamam a atengunda Guerra, Carmen
o, no Nova Mar, da
viajou para a Inglaterra.
dcada de 90, perto da
E acompanhou de perto
Linha Amarela, os cubos
as solues para a habise destacam. O arquitetao na reconstruo
to Demetre Anastassadas cidades. E o que se
kis se baseou no jogo
v nos conjuntos de ReiLego e fez sequncia de
dy traz a percepo de
encaixes nas casas, que
Carmen nessa viagem e
AS FORMAS cbicas do Nova Mar, que dificultam os puxadinhos
O CONJUNTO Getlio Vargas, de 1954: como uma onda em Deodoro
dificultam puxadinhos.
dos princpios do arquiO resultado impressioteto franco-suo Le Corbusier: o desenho ondulante dos pr- ventilados do Pedregulho, alis, com 328 apartamentos, 272 no ra de histria de arquitetura da na, embora a falta de conservao
edifcio de curva. O Pedregulho tem PUC, a produo do DHP no Rio das residncias tire qualquer esprito
dios sobre pilotis acompanhando a que outro romance embalou.
Conheci Cludio aqui, aos 13 imveis de quitinete a quatro quar- no deve ser analisada tanto em infantil do lugar.
topografia, a ventilao cruzada dos
apartamentos (basta abrir a porta e anos. Casei aos 24. J moramos nu- tos, sem falar do paisagismo de Burle termos numricos no chegam
as janelas para o vento cruzar a ca- ma quitinete do primeiro andar. Ago- Marx e dos painis de azulejos de a mil unidades em 16 anos:
O GLOBO NA INTERNET
O diferencial est na luta pelo
sa), pavimentos de uso comum, pro- ra, estamos num dois quartos no Pe- Portinari e Ansio Medeiros na escola
GALERIA Veja mais fotos
oglobo.com.br/rio/info/conjuntos-habitacioideal moderno de habitar. Habitao,
e na quadra esportiva do conjunto.
dregulho conta Mnica Costa.
ximidade dos servios pblicos.
nais
Para Ana Luiza Nobre, professo- escola, posto de sade, mercado, laEsse outro aspecto do conjunto
Foi nos corredores iluminados e

NA DCADA DE 50, CASAL DE ARQUITETO E URBANISTA


CRIOU AS MAIS BELAS OBRAS DA HABITAO SOCIAL DO RIO

DOMINGO PASSADO: Os cem anos do primeiro conjunto habitacional SEGUNDA-FEIRA: Na Era Vargas, teto para os trabalhadores TERA: As remoes
QUARTA: O maior conjunto do Rio QUINTA: A dura fase do BNH ONTEM: Territrios sob o domnio do trfico e a milcia AMANH: Cem mil unidades at 2016

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