A Marca Além Do Logo: Análise Da Obra Do Estúdio Hanna-Barbera Nos Anos 1950 e 1960
A Marca Além Do Logo: Análise Da Obra Do Estúdio Hanna-Barbera Nos Anos 1950 e 1960
A Marca Além Do Logo: Análise Da Obra Do Estúdio Hanna-Barbera Nos Anos 1950 e 1960
FLORIANPOLIS, SC
2010
FLORIANPOLIS, SC
2010
Trabalho de Concluso de Curso aprovado como requisito parcial para obteno do grau de
bacharel, no curso de graduao em Design Grfico da Universidade do Estado de Santa
Catarina.
Banca Examinadora:
Orientador:
_____________________________________________________________
Prof. Murilo Scz, Msc.
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro:
_____________________________________________________________
Prof. Claudio de So Plcido Brando, Msc.
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro:
_____________________________________________________________
Prof. Joo Calligaris Neto, Msc.
Universidade do Estado de Santa Catarina
"Yabba-dabba-doo!
Fred Flintstone
RESUMO
O presente trabalho prope-se a analisar a identidade da marca Hanna-Barbera entre 1957, seu
ano de fundao, e 1969. Para isso foi necessrio compreender a histria prvia dos estdios
de animao, bem como o contexto histrico no qual o estdio foi criado. Em um segundo
momento, para a melhor compreenso do conceito de marca, so abordadas teorias referentes
gesto da mesma. Por fim, analisamos os desenhos animados produzidos pelo estdio com o
intuito de extrair de sua obra a identidade que a Hanna-Barbera cria dela mesma.
Palavra-chave: design, marca, branding, animao, desenho animado, hanna-barbera.
ABSTRACT
This study proposes to examine the brand identity of Hanna-Barbera from 1957, its founding
year, and 1969. This requires understanding the history of animation studios, as well as the
historical context in which the studio was created. In a second step, to better understand the
concept of brand, we discuss theories related to its management. Finally, we analyze the
cartoons produced by the studio in order to extract from its work the identity that HannaBarbera creates about herself.
Keywords: design, branding, animation, cartoon, hanna-barbera.
SUMRIO
1 INTRODUO ......................................................................................................................8
1.1 OBJETIVOS....................................................................................................................14
1.1.1 Objetivos Especficos...................................................................................................14
1.2 METODOLOGIA ...........................................................................................................15
2 APAGUEM AS LUZES: O DESENHO ANIMADO NO CINEMA ................................17
2.1 OS PRIMEIROS ESBOOS ..........................................................................................19
2.2 A ILUSO DA VIDA: SURGIMENTO E ASCENSO DOS ESTDIOS DISNEY...25
2.3 O PEQUENO GRANDE ESTDIO: HARMAN-ISING PRODUCTIONS..................30
2.4 O COELHO DOS OVOS DE OURO: O SURGIMENTO DA WARNER BROS. ........33
2.5 O RUGIDO DO LEO: CRIAO, CRESCIMENTO E DECLNIO DA MGM .......36
2.6 REDEFININDO AS FORMAS: UPA E O CARTOON MODERNO ............................40
3 NA TELA DA TV..................................................................................................................46
3.1 A ESTTICA DA ANIMAO PARA TELEVISO ...................................................48
3.2 A MIGRAO DO CINEMA PARA A TV....................................................................52
3.3 HANNA-BARBERA CHEGA AO MERCADO ............................................................54
4 A MARCA HANNA-BARBERA.........................................................................................61
4.1 O QUE (NO) MARCA? ...........................................................................................63
4.1.1 Evoluo do Conceito de Marca ..................................................................................64
4.2 CRESCIMENTO DA MARCA HANNA-BARBERA ...................................................65
4.2.1 O Logo .........................................................................................................................67
4.3 ANLISE DAS MANIFESTAES DA MARCA HANNA-BARBERA ...................74
4.3.1 Os Desenhos Contam a Histria ..................................................................................80
4.3.1.1 Z Colmia ................................................................................................................80
4.3.1.2 Os Flintstones............................................................................................................82
4.3.1.3 Corrida Maluca..........................................................................................................83
4.3.1.4 Scooby-Doo, Cad Voc?..........................................................................................84
4.3.2 A Histria que os Desenhos Contam............................................................................85
5 CONCLUSO ......................................................................................................................90
5.1 CONSIDERAES FINAIS..........................................................................................90
5.2 SUGESTES PARA TRABALHOS FUTUROS...........................................................92
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................93
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA....................................................................................95
1 INTRODUO
Do ponto de vista de um espectador, a animao um fenmeno mgico. Desenhos
possuem a capacidade de nos fazer entrever um mundo fantstico de forma que parea ser
real. O envolvimento do pblico com os chamados desenhos animados sem dvida
instigante. A este propsito, podemos mencionar a nostalgia que desenhos animados como Os
Flintstones, Manda-Chuva, Os Jetsons e tantos outros nos fazem sentir. A sua importncia
desperta a curiosidade pelo que h por trs desse universo de animais falantes, carros
voadores, geringonas da idade da pedra e inacreditveis personagens. Como uma criana que
tenta desvendar os truques de um mgico (sem se dar conta que tal investigao que a
encanta), este trabalho lana um olhar sobre o mundo da animao, tentando desvendar-lhe
alguns de seus encantos mais recorrentes.
Este trabalho de pesquisa trata do impacto gerado pelo surgimento da televiso no
mercado de animao e consequentemente na sociedade da poca. Para tal esse estudo se
apoiar na obra de um dos principais estdios de animao surgidos durante a dcada de 50
aps o boom da televiso nos EUA. O estdio fundado por William Hanna e Joseph Barbera
iniciou seus trabalhos no ano de 1957 com o desenho animado The Ruffy and Reddy Show,
transmitido pela rede americana de televiso NBC.
Do ponto de vista do design grfico podemos destacar esse perodo da histria da
animao como um separador de guas, em termos estticos, formais e conceituais. A forte
influncia que os movimentos artsticos que precederam a Segunda Guerra Mundial
exerceram sobre o desenho animado desse perodo notvel. As linhas, cores e o ritmo dos
quadros de Kandinsky, as geometrizaes do corpo humano e quebras de perspectivas das
telas de Picasso, os rompimentos com as leis naturais das obras de Dal; todos so elementos
encontrados nas animaes produzidas durante o perodo ps-guerra.
10
personagem Betty Boop, dos irmos Fleischer, os desenhos produzidos por Tex Avery durante
sua permanncia na MGM, bem como as animaes da UPA - ambas nas dcadas de 1940 e
50 - alm de tantas outras.
Ainda assim esses mesmos desenhos animados inspiraram diversas geraes, tendo
sido exibidos e reprisados por completo dezenas - talvez centenas - de vezes na televiso
aberta ou em canais de TV cabo por toda a segunda metade do sculo XX. Os desenhos,
assim como outras formas de entretenimento, cumprem um papel importantssimo na
sociedade: encenando os valores de seu espectador adulto, contribui para a constituio dos
valores de seu espectador infantil. Prova disso a utilizao militar das animaes nos anos
1940, bem como as aes polticas dessa poca utilizando-se dessa mdia.
Logo aps o surgimento e popularizao da televiso nos EUA - e em consequncia
desse fato - um grande nmero de estdios de animao surgiu no pas. Alguns focados
exclusivamente no entretenimento, outros na publicidade e tantos outros em ambos. No
entanto, poucos foram os que sobreviveram e mantiveram um nome to forte quanto o estdio
Hanna-Barbera.
Outros estdios que transitaram pelo mercado desse mesmo perodo e que ainda tem
grande notoriedade e reconhecimento internacional podem ser citados: Disney, Warner Bros.,
MGM (atualmente fora do mercado de animao) e UPA. O ltimo, apesar de no atuar mais
no mercado em questo desde meados dos anos 1960 e ter sido quase esquecido pelo pblico
em geral, desempenhou um papel marcante na mudana dos rumos do desenho animado. Por
esta razo, pesquisadores da animao frequentemente fazem referncia importncia de seu
legado.
Cada um desses estdios deixou uma marca especfica. Seja atravs de um
personagem famoso, de um partido esttico, de uma forma de articular a narrativa ou de uma
tcnica produtiva especfica, eles contriburam significativamente para a definio da
linguagem dos desenhos animados e exatamente por isso sero discutidos ao longo desse
trabalho. Contudo, o estdio de William Hanna e Joseph Barbera ganha aqui maior ateno
por sua fundao bastante tardia e pela importncia pronunciada no mercado como um dos
mais importantes produtores da histria. As produes da dupla so transmitidas at hoje,
figurando entre os maiores clssicos do desenho animado.
11
12
complexidade dos cenrios depende do tamanho do suporte final, a escolha das cores deve
agradar ao espectador. No fim das contas so essas definies anteriores ao processo de
produo, somadas narrativa, que definem a linguagem do produto final. O processo de
animao em si, se comparado ao design, pode ser encarado como a aplicao do projeto
grfico ao suporte final.
Os atributos formais, estticos e narrativos desenvolvidos por William Hanna e Joseph
Barbera fez com que seus nomes fossem vinculados fortemente sua obra. Curiosamente, o
estdio Hanna-Barbera no possui uma assinatura visual forte e marcante, como nos casos de
Disney e Warner Bros. Mesmo assim, possui uma identificao muito forte junto ao pblico.
Um destes traos estticos que facilmente relacionado grife Hanna-Barbera o uso de
gravatas, colares, golas altas ou qualquer outro acessrio no pescoo por praticamente todos
os seus personagens, em funo do processo de animao utilizada pelo estdio, fato sobre o
qual falaremos no captulo 4.
Muito embora o estdio criado por Hanna e Barbera tenha produzido mais de 160
desenhos animados diferentes antes do final do sculo XX, o presente estudo ter como
enfoque os desenhos clssicos produzidos de 1957 a 1969. Esse o perodo em que
personagens tidos como clssicos foram criados e que as fundaes desta marca comearam a
ser desenhadas, o que de certa forma garantiu o encaminhamento que sua identidade tomou
no perodo subseqente. Ainda hoje o estdio HB um dos nomes mais conhecidos na
produo de desenhos animados.
Em 1991 o estdio foi comprado por uma compania de televiso, a Turner
Broadcasting System, com o objetivo de produzir desenhos animados para seu novo canal, o
Cartoon Network. Em meados da dcada de 1990 a Turner foi comprada pela Time Warner,
subsidiria da Warner Bros. Ao final da dcada, aps o estdio ter produzido alguns desenhos
bastantes conhecidos at hoje, como As Meninas Superpoderosas, Johnny Bravo e O
Laboratrio de Dexter, a Hanna Barbera Productions - e o direito sobre suas obras - foi
divida, se tornando em parte Cartoon Network Studio e tendo o restante anexado Warner
Bros. Animation. Em 2001 - por coincidncia o mesmo ano da morte de William Hanna - a
Warner extinguiu a Hanna Barbera Productions, mantendo a marca para fins comerciais.
13
Quando falamos em marca, a primeira coisa que costuma vir cabea so logotipos.
No entanto a marca de uma empresa ou instituio no se resume sua assinatura visual. Ela
pode ser entendida como um sistema complexo de sentido que liga a instituio a um
conceito, confirmando um certo compromisso assumido informalmente com o consumidor
atravs de experincias de comunicao prvias. Se analisarmos grandes marcas notaremos
que alm de uma assinatura visual elas possuem um conceito central, uma filosofia ou o que
podemos chamar de um acervo simblico, da qual aquela primeira manifestao.
No importa se estamos observando Nike ou McDonalds, Coca-Cola ou Apple. A
lgica da marca a mesma, e fundamenta-se na construo de um conjunto de associaes e
valores criados a partir da relao da prpria marca com o consumidor. Essa idia muito
mais forte e persistente do que uma simples assinatura. Como forma de ilustrar esse ponto,
podemos citar uma frase do diretor Christopher Nolan em seu filme Inception (2010):
Qual o parasita mais resistente? A bactria? O vrus? Uma idia. Resistente e
altamente contagiosa. Uma vez que uma idia se apodera do crebro, quase
impossvel erradic-la. Uma idia que totalmente formada e compreendida,
permanece.
No entanto, para que uma idia resista por longo tempo, como no caso das marcas
supracitadas, necessrio que tenhamos smbolos que nos faam lembr-la e que nos faam
acreditar que pertencemos quele mundo.
Vejamos o exemplo da Disney. Apesar de possuir uma assinatura - e nesse caso a
logotipia de sua marca efetivamente uma assinatura - muito forte, conhecida e praticamente
imutvel h pelo menos 25 anos, a Disney possui diversos smbolos que nos fazem
relacionarmo-nos diretamente com ela. Seu principal personagem e smbolo mais famoso
globalmente reconhecido atravs de uma simples silhueta composta por trs circunferncias
pretas (Figura 1), ou seja, uma associao entre cor e forma extremamente simples. O prprio
parque Walt Disney World nos transporta para esse mundo de fantasia e mexe com nosso
imaginrio, nos trazendo justamente a filosofia da Disney, que a de criar a iluso da vida.
14
Figura 1: Silhueta do personagem Mickey Mouse de Walt Disney, representado por trs circunferncias.
1.1 OBJETIVOS
O objetivo desse trabalho buscar, dentro da perspectiva do design grfico, a
identidade do estdio Hanna-Barbera atravs da anlise de sua obra, produzida nos anos de
1957 a 1969.
15
1.2 METODOLOGIA
O presente estudo est organizado em duas fases. Em um primeiro momento
realizado um levantamento bibliogrfico como parte de uma pesquisa exploratria. De acordo
com Cervo e Bervian (1996 apud SILVA, 2005, p. 49) a pesquisa bibliogrfica serve para
explicar um problema a partir de referncias tericas publicadas em documentos.
Essa primeira fase da pesquisa visa dar contornos mais claros ao histrico da animao
- mais especificamente do desenho animado - e situao dos estdios e artistas envolvidos
com esse mercado. Esse levantamento histrico ocorrer ao longo dos captulos 2 e 3 a partir,
principalmente, das linhas histricas traadas por Barbosa Jnior (2002) e Barrier (1999)
referente animao cinematogrfica, e Amidi (2006) e Lenburg (2009), referente animao
para a TV.
Em um segundo momento, no captulo 4, so abordadas questes relativas ao branding
e ao marketing, de acordo com a linha de raciocnio de Neumeier (2008), Chevalier e
Mazzalovo (2007) e Calder (2006), de modo a compreender a dinmica de desenvolvimento
das marcas, o que associa-se diretamente ao percurso de consolidao do estdio HannaBarbera. No mesmo captulo apresentado um levantamento histrico da marca, abordando
de forma geral suas produes e produtos, bem como os logos utilizados pelo estdio durante
sua existncia, partindo dos estudos de Hanna e Ito (1996), Sennett (1989) e Beck (2007) e
das informaes extradas do portal Closing Logos 1.
Ainda no mesmo captulo, apresentada uma anlise da marca e obra do estdio
Hanna-Barbera, a partir de tcnicas de gerao de sentido da semitica greimasiana. Para
tanto analisamos os planos da expresso e do contedo de algumas sries escolhidas dentro do
portflio dos primeiros anos do estdio, em busca de traos que sejam reiterados.
Partindo deste modelo semitico, espera-se demonstrar a manifestao da identidade
do estdio Hanna-Barbera em aspectos prprios da linguagem da animao, associando-os a
aspectos da linguagem do design grfico, o que diz respeito aos processos de construo das
marcas de maneira geral.
16
Fechando esse estudo temos o captulo 5, onde sero expressas as consideraes finais
do autor acerca desse trabalho.
17
18
desse trabalho ser utilizado o termo desenho animado em referencia a essa tcnica. Tal
escolha se deve tanto familiaridade do mesmo quanto por um fator de ordem etimolgica sua traduo quase que literal do termo original em ingls, animated cartoon.
A origem da palavra data do final do sculo XVI, durante o Renascimento, quando o
termo cartoon se referia um projeto em tamanho real preparatrio para uma obra de arte em
outro meio. Geralmente um desenho preliminar feito em papel, utilizado como referncia para
uma pintura, afresco ou tapearia. A palavra deriva do italiano cartone, que significa
simplesmente uma grande folha de papel.
O verbete cartoon no Dicionrio Oxford da Lngua Inglesa, traz como principal
significado do termo um desenho simples mostrando as feies de seus sujeitos de forma
humorsticamente exagerada, especialmente um [desenho] satrico em um jornal ou revista;
uma tirinha. O termo, como utilizado atualmente, foi cunhado pela revista britnica Punch,
durante o sculo XIX. De acordo com o site da revista:
Naquele tempo, a parte mais importante da revista era o desenho satrico de pgina
inteira, conhecido como The Big Cut e entitulado Mr Punchss pencilings[2 ]. Mas em
julho de 1843, The Big Cut foi substitudo por uma semana pela entrada da prpria
revista sobre a exibio do Parlamento. Em uma srie de desenhos que ela [a revista]
ironicamente intitulou cartoons, a Punch contrastou a suntuosidade dos planos do
Parlamento com a misria da populao faminta.[...] Como resultado disso, a palavra
cartoon ficou associada stira pictrica e eventualmente com desenhos de
humor. Nos anos que se seguiram famosa gravura de Leech, tanto cartoons
polticos como cmicos floresceram na Punch, desenvolvidos em geral por grupos
de artistas distintos. (HISTORY..., 2010, traduo do autor)
2
3
Filme com menos de 40 minutos, o que seria equivalente a dois rolos de pelcula. (fonte: http://www.oscars.org/
awards/academyawards/rules/83aa_rules.pdf, acesso em: 12 out. 2010)
19
durao). Porm, no comum ver o termo ser aplicado animaes que envolvam elementos
do mundo real, como na tcnica de stop-motion. A partir dessa definio, adotaremos a
expresso desenho animado - ou somente desenho - e por vezes o termo cartoon ao longo do
presente trabalho por parecerem as escolhas mais adequadas.
A seguir, o presente captulo investiga como os desenhos animados para o cinema e os
estdios que os produziam evoluram at o final os anos 1950, poca em se daria a
popularizao da televiso. Esse foi o evento principal que possibilitou o surgimento do
estdio Hanna-Barbera.
20
6 A histria
completa mostra como McCay ganhou uma aposta feita seus amigos na qual conseguiria
confeccionar 4 mil desenhos e faz-los se movimentar.
7
21
Plstico transparente fabricado em folhas, mais conhecido como acetato. O nome correto do material acetato
de celulide.
22
estdio de Bray comeou a produzir, atravs da Paramount, uma srie de desenhos animados
de instruo militar para as foras armadas americanas.
Talvez por sorte, ou talvez por influncia do destino, esse foi exatamente o mesmo
perodo em que Max Fleischer passou a trabalhar para Bray. Fleischer e seu irmo haviam
desenvolvido um novo mtodo de produo de desenhos animados que eles chamaram de
rotoscopia (Figura 3).
Figura 3: Patente do processo de rotoscopia por Max Fleischer em 1917. Fonte: <http://
cacb.files.wordpress.com/2009/05/listing-ebay.jpg> (Acesso em: 07 nov. 2010)
O mtodo consistia em filmar uma pessoa ou objeto e depois projetar a imagem por
trs da prancheta do animador, frame a frame10 . O objetivo dessa tcnica fazer com que o
animador no precise se preocupar com o movimento e com o tempo entre os desenhos, j
que os mesmos j se encontram pr-definidos nas imagens capturadas, alm de produzir
movimentos incrivelmente mais realistas. O processo de rotoscopia obviamente ajudou Bray
10
Pode ser traduzido como quadro. O termo identifica uma frao de segundo (geralmete 1/24), tempo pelo qual
um nico desenho exposto.
23
na produo dos filmes militares e mais tarde, com o fim da Guerra, filmes instrucionais para
a indstria em geral.
Mais tarde, em 1921, dois anos aps Bray ter trocado a Paramount pela Goldwyn11 , o
estdio comeou a perder importncia no mercado. Os irmos Fleischer resolveram, ento,
seguir por conta prpria e abriram seu prprio estdio ainda em Nova York. Devido srie
Out of the Inkwell - estrelada pelo palhao Koko e seu ajudante canino Fitz (Figura 4) - que os
irmos haviam trazido junto consigo, o estdio foi primeiramente chamado Out of the Inkwell
Films, Inc., mas logo passou a se chamar simplesmente Fleischer Studios.
Durante essa dcada os irmos produziram outras sries prprias, alm da srie Out of
the Inkwell (1918). Mais tarde os irmos viriam a produzir sries famosas como Betty Boop
(1930), Popeye (1933)12 e Superman (1941), alm do longa metragem Gullivers Travels
(1939), se tornando, nas palavras de Barbosa Jnior (2002, p. 121, traduo nossa) a grande
fora a contrapor-se ao domnio total de Disney na dcada de 1930.
11
12
Goldwyn Pictures Corporation, que mais tarde unida a dois estdios forma a MGM (Metro-Goldwyn-Mayer).
Todos os episdios clssicos de Popeye de 1933 a 1943 podem ser vistos em <http://www.youtube.com/user/
Longoaiphong#grid/user/FFAAB6453D54FB10> (Acesso em: 07 nov. 2010)
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Por ter sido abandonada por Bray, a Paramount possua uma brecha em sua magazine13
semanal. Para preencher essa lacuna, o estdio decidiu contratar animadores independentes.
Dentre esses se encontrava o pequeno estdio de Pat Sullivan, que de acordo com Barrier
(1999) contava apenas com dois animadores, poucos assistentes e um cameraman. Segundo
Barrier (1999, p. 29, traduo nossa) quando Sullivan assinou um contrato com a Paramount
em maro de 1920, um dos personagens especificados para [aparecerem em] seus desenhos
era um gato preto, Felix, que havia sido introduzido (como Master Tom) em um dos
desenhos da Paramount Magazine chamado Feline Folies 14.
De acordo com Barbosa Jnior (2002), Felix foi na verdade criao de Otto Messmer,
o principal animador do estdio de Sullivan. O autor afirma que no apenas o aspecto
plstico, mas o temperamento, as histrias, as tiradas de humor, o ambiente. Felix era o
resultado da viso de mundo desse artista num perodo efervescente da histria. (BARBOSA
JNIOR, 2002, p. 76). Em relao ao aspecto formal da concepo do personagem, ele
afirma que nada houve de aleatrio. De fato, se analisarmos seu texto, podemos perceber que
as escolhas feitas por Messmer se justificam em premissas muito semelhantes s levadas em
considerao ao elaborarmos um projeto grfico:
Foi uma abordagem racional de ordem esttica e funcional. Muito embora as
tentativas de soluo industrial para a introduo do som e da cor no cinema
estivessem avanando, tecnologicamente continuava restrito a poucas experincias.
Por isso, o desenho de Felix tinha de considerar as condies tcnicas da mdia em
preto-e-branco, a agilidade necessria ao processo de confeco em srie dos fimes
e, ao mesmo tempo. no descuidar do apelo visual. Bem de acordo com as logo
conhecidas teorias psicolgicas da gestalt, naturalmente se optou por formas
arredondadas, reconhecidamente atraentes. Formas circulares seriam tambm mais
fceis e rpidas para desenhar, recobrir e pintar. Chapar o corpo de preto facilitava a
pintura, destacava e dava unidade ao personagem - aliada forma arredondada,
propiciava tambm melhor harmonia na animao. Essa opo foi particularmente
feliz, pois abrandava uma certa dureza nos movimentos do personagem, uma sada
radical em busca de gestos e aes que estabelecessem plena identificao e
empatia. No cenrio predominaria o branco, com desenhos com poucas linhas.
Criava-se um contraste com o personagem. Esse conjunto visual sinttico se mostrou
extremamente eficaz na comunicao de imagens em movimento, reforando a
ateno nas seqncias de gags inteligentemente bem-concebidas. (BARBOSA
JNIOR, 2002, p. 77).
Programa de cinema que combinava pequenos assuntos, tais como notcias, especulaes e entretenimento,
dentre essa ltima categoria, desenhos animados.
14
25
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Brothers Studio havia conseguido um contrato de distribuio para a srie denominada Alice
Comedies, uma mistura de desenho animado e live-action 15.
Nessa poca o estdio possua em sua equipe apenas os dois irmos, sendo Walt o
animador e diretor, e Roy o cinegrafista. Em fevereiro de 1924 o estdio expandiu seu quadro
pela primeira vez, contratando um novo animador. Em agosto do mesmo ano Ub Iwerks se
juntou ao time. Ub foi o principal animador do estdio Disney at o incio dos anos 30, tendo
definido praticamente todo o estilo dos personagens e das animaes desse perodo, incluindo
a aparncia do coelho Oswald, e mais tarde de Mickey Mouse.
No ano de 1925 Hugh Harman e Rudolph Ising, vindos da costa leste, foram
contratados, mas deixariam o estdio pouqussimos anos mais tarde, para abrir seu prprio
estdio.16 Dois anos mais tarde Disney passou a produzir uma nova srie animada, Oswald the
Lucky Rabbit, para ser distribuda pela Universal, que ficaria com os direitos da srie. Na
srie, o coelho Oswald usa suas propriedades de desenho animado para se dar bem em certas
situaes. No episdio Oh What a Knight (1928) (Figura 6) o personagem principal, tal qual o
gato Felix, se torce, estica, separa a cabea dos ombros e at mesmo cede sua espada prpria
sombra, que ento luta por ele. Isso tudo alm de nadar no ar e trocar beijos com uma
pretensa verso feminina do prprio gato de Pat Sullivan.
De acordo com Barrier (1999), durante a segunda metade da dcada, o estdio Disney
- agora Walt Disney Productions - no era um lugar muito bom para se trabalhar. A presses
impostas por Walt em relao ao tempo, sua forte cobrana em relao qualidade dos
trabalhos e salrios no to altos quanto o trabalho sugeria fizeram com que vrias pessoas de
sua equipe deixassem o estdio, e outros, como Rudy Ising fossem demitidos.
Nesse mesmo perodo, Charles Mintz - responsvel pela distribuio dos desenhos de
Disney junto Universal - decidiu encerrar o contrato com Disney e produzir ele mesmo os
desenhos de Oswald. Para tal, Mintz contratou Ising e Harman - o ltimo ainda trabalhando
para Disney - para dirigir a produo.
15
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Para mais informaes sobre a partida de Harman e Ising veja a seo 3.2.1.
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28
De acordo com Barrier (1999), Steamboat Willie teve sua premire18 realizada em 18
de novembro de 1928. Aps as duas semanas de exibio e a excelente resposta da mdia, o
curta foi distribudo por todo o pas.
Em 1929, o estdio de Walt Disney comeou a desenvolver novos episdios para os
desenhos animados de Mickey. Ao mesmo tempo uma nova srie, batizada de Silly
Symphonies, passou a ser produzida. A nova srie tinha um foco mais musical e teve como seu
primeiro filme The Skeleton Dance (1929). Ao final do vero do mesmo ano, o terceiro Silly
Symphonie entrou em produo.
Em 1930, Ub Iwerks e Carl Stalling - os principais colaboradores de Disney deixavam o estdio para trabalhar em seus prprios desenhos animados. Iwerks produziu
desenhos de seus personagens Flip the Frog e mais tarde a srie Willie Whopper, que foram
distribudos pela MGM, no entanto seus desenhos animados estavam parados no tempo em
relao Disney. Ele continuou produzindo animaes para a MGM at meados de 1936.
Aps isso fez alguns trabalhos para outros estdios e eventualmente retonou Disney em
1940.
Com a sada de Iwerks, os animadores do estdio perderam muito da referncia visual
trazida por ele. Nesse perodo a equipe total do estdio possua em torno de trinta pessoas.
Sem um artista forte para liderar a equipe, cada um dos animadores acabava produzindo em
seu prprio estilo, o que fez com que durante certo tempo as animaes produzidas por
Disney perdessem sua unidade. Mesmo assim Walt Disney continuou produzindo suas duas
sries.
Entre os primeiros Silly Symphonies estava Flowers and Trees (1932). Esse foi o
primeiro filme de todos os tempos a ser produzido atravs do processo de trs cores da
Technicolor19. De acordo com Barbosa Jnior (2002, p. 108) Disney assinou um contrato
com a Technicolor que lhe deu exclusividade por dois anos no uso do processo de trs cores.
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Primeira exibio.
Processo de "exposio sucessiva", em que cada quadro era capturado trs vezes atravs de um filtro
vermelho, um azul e um verde produzindo trs filmes preto-e-branco que eram transpostos nas trs matrizes
coloridas correspondentes. (fonte: http://www.filmreference.com/encyclopedia/Academy-Awards-Crime-Films/
Color-THREE-STRIP-TECHNICOLOR.html#ixzz12Cd02PLW)
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Esse fato claramente ajudou o estdio a conquistar a posio de maior estdio de animao da
dcada de 1930.
Ao longo da dcada Disney continuou produzindo sua srie Silly Symphonies, da qual
muitos desenhos famosos surgiram, entre eles: Three Little Pigs (1933) e The Wise Little Hen
(1934) - primeira apario do Pato Donald. Ao final de 1932 o estdio j havia mais do que
triplicado o nmero de empregados em relao 1930.
Foi em Three Little Pigs que o estdio Disney reencontrou o estilo perdido com a
partida de Ub Iwerks. A animao dos porquinhos desenhada por Fred Moore, um recmpromovido animador, se mostrou to realista que segundo Barrier (1999) os trs pareciam
realmente feitos de carne e osso. Walt Disney comeava a criar desenhos animados como ele
sempre imaginara, desenhos que trouxessem de fato a Iluso da Vida.
De acordo com Barbosa Jnior (2002, p. 105), Disney institu um programa de
treinamento para elevar ao mximo a habilidade de seu pessoal que segundo Barrier (1999)
no foi bem aceito entre os empregados, mas acabou sendo retomado em 1932 a partir da
formao de grupos de estudos de artes e anatomia entre osprprios empregados. De acordo
com as palavras de Walt Disney:
Nosso estdio havia se tornado mais como uma escola do que como um negcio[...].
Como resultado, nossas personagens estavam comeando a agir e se comportar
como pessoas reais. Por causa disso ns pudemos comear a pr sentimentos reais e
carisma em nossas caracterizaes. Afinal de contas, voc no pode esperar carisma
de palitos animados, e isso que Mickey Mouse era em seus primeiros desenhos.
(WALT DISNEY apud BARRIER, 1999, p. 86, traduo do autor)
20
De acordo com Barbosa Jnior (2002, p. 117), houveram outros longa-metragens, porm irrelevantes para a
evoluo da animao.
21
Termo oposto ao curta-metragem. Filme com 40 minutos ou mais, o que seria equivalente a dois rolos de
pelcula. (fonte: http://www.oscars.org/awards/academyawards/rules/83aa_rules.pdf, em 12 de outubro 2010)
30
O sucesso foi estrondoso. De acordo com Doyle (2008), o filme arrecadou em torno de
10 milhes de dlares ao longo do mundo. S a venda de brinquedos at essa data superou os
custos de produo do filme, que foram estimados em U$ 1.488.422.74 de acordo com Barrier
(1999). Esse passo definitivamente estabeleceu o estdio de Walt Disney como lder na
produo de desenhos animados para o cinema.
31
animao da MGM, que mais tarde levaria fundao de nosso objeto de estudo, o estdio de
William Hanna e Joseph Barbera.
Em 1928, assim que saram da Disney, Hugh Harman e Rudolph Ising assumiram a
produo dos desenhos do coelho Oswald. No entanto, um ano mais tarde a Universal detentora dos direitos de Oswald - decidiu abrir seu prprio estdio de animao, colocando
Walter Lantz no comando.
De acordo com Barrier (1999), Hugh Harman j vinha pensando em desenvolver
desenhos animados com som h algum tempo. Juntando o desejo de Harman com a
necessidade de conseguir algum que os contratasse para produzir uma srie, ele e Ising
decidiram fazer seu prprio desenho animado sonoro. O personagem principal seria Bosko
(Figura 8), um garoto negro, registrado por Harman em 1928, quando ainda trabalhava para
Disney.
32
Figura 9: Rudolph Ising conversa com o personagem Bosko em um episdio piloto. Fonte: <http://
www.youtube.com/watch?v=J_klMz7GVYw> (Acesso em: 17 out. 2010)
22 A srie
Silly Symphonies foi traduzida para o portugus como Sinfonias Ingnuas, enquanto Looney
Tunes se fosse traduzido seria algo como Harmonias Lunticas.
33
comuns, e a grande depresso tomava conta de todo o pas. Em busca de emprego Hanna
acabou batendo na porta de Harman e Ising. Nas palavras dele:
Havia pouco protocolo envolvido no negcio de encontrar um emprego. Eu
simplesmente entrei no estdio e perguntei por trabalho primeira pessoa que
encontrei. Fui levado a um homem chamado Ray Katz que era aparentemente uma
espcie de diretor de pessoal e ele me introduziu Hugh Harman e Rudolph Ising.
Alguns momentos depois eu havia aceitado uma oferta de trabalho deles para
trabalhar como servente para o estdio a dezoito dlares por semana. (HANNA;
ITO, 1996, p. 18, traduo do autor)
34
Por nunca ter sido um animador, mas sim um homem de negcios, Schlesinger no
possua capacidade para dirigir seus filmes, por isso contratou Tom Palmer para faz-lo. No
entanto, aps produzir algus desenhos rejeitados pela Warner por sua falta de criatividade e
muitas vezes coerncia, Palmer foi demitido. Schlesinger seguiu contratando diretor aps
diretor, sem real sucesso.
Foi apenas em 1935 que Frederic Bean Avery apareceu s portas de Schlesinger
pedindo emprego e identificando a si mesmo como diretor. De acordo com Barrier, o texano
de 27 anos foi contratado exatamente na poca em que o estdio como um todo estava
atolado em fazer desenhos medocres que no carregavam nenhuma semente de nada
melhor (BARRIER, 1999, p. 328, traduo nossa). Avery no entanto foi um dos maiores
diretores que o desenho animado j viu. Tex, como ficou conhecido na indstria de cartoons
por causa de seu forte sotaque, possua um humor exagerado, que ele trouxe para seus
desenhos. O crescimento do estdio de Schlesinger e o sucesso de Tex Avery, fez com que o
mesmo ganhasse um unidade prpria em um prdio separado e com seus prprios animadores.
O grupo fez com que o personagem Porky Pig (Gaguinho) se tornasse um sucesso
como personagem principal da srie Looney Tunes (Figura 10), o que no acontecia desde
Bosko23. Tex trouxe para as telas tambm diversos dos personagens conhecidos at hoje como
Looney Tunes, dentre eles Daffy Duck (Patolino), em Porky's Duck Hunt (1937), e Elmer
Fudd (Hortelino Troca-Letra), em Egghead Rides Again (1937), inicialmente conhecido
apenas como Egghead 24.
23
24
35
Figura 10: Alguns dos personagens do elenco de Looney Tunes. Fonte: <http://cooldesktopbackgroundsx.com/
wp-content/uploads/2010/08/looney-tunes.jpg> (Acesso em: 9 nov. 2010)
Figura 11: Pernalonga em sua apario em A Wild Hare (1940), esquerda, e sua posterior evoluo, direita.
Fonte: <http://johnkstuff.blogspot.com/uploaded_images/WildHare_ModelSheet-775227.jpg> e
<http://cacb.files.wordpress.com/2010/09/bugsmod-37857.jpg> (Acesso em: 08 nov. 2010)
25
36
Avery trabalhou para Schlesinger at agosto de 1941, quando foi chamado para
trabalhar para a MGM. Apesar disso, tanto seus personagens quanto seu estilo de humor
foram mantidos nos desenhos que o estdio continuou a produzir. Em 1944 a Warner comprou
o estdio de Schlesinger - que j estava instalado dentro dos estdios da Warner em
Hollywood -, transformando-o em Warner Bros. Cartoon.
Pernalonga eventualmente se tornou o principal personagem da Warner, exercendo seu
papel como mascote tanto do departamento de animao como da Warner Bros. como um
todo. Ele foi provavelmente o primeiro personagem da histria a de fato concorrer em fama
com Mickey Mouse, inclusive tendo seu nome eternizado na calada da fama em Hollywood.
37
membros da equipe, deixaram a MGM logo no comeo devido decepo com o que estava
sendo produzido.
Para preencher essa lacuna e tentar retomar o que havia de bom nos desenhos do
antigo estdio, Quimby convidou Hugh Harman e Rudolph Ising a se juntarem equipe, cada
um com sua prpria unidade. Logo Hanna se viu sentado frente frente com Barbera,
trabalhando com Ising. Desse ponto em diante os dois nunca deixaram de trabalhar juntos.
Enquanto William Hanna que nunca tivera formao artstica, nem mesmo havia
animado qualquer coisa na vida, havia subido ao posto de diretor por ser o nico no estdio
Harman-Ising a entender o suficiente de msica para compreender como sincronizar as
animaes com udio, Joseph Barbera era seu completo oposto, seu complemento.
Assim que se formou conseguiu um emprego em uma companhia de seguro de Nova
York. Logo ele arrumou emprego em meio indstria de animao no estdio dos irmos
Fleischer pintando e finalizando celulides 26. Em 1930, apenas uma semana aps conseguir o
trabalho Joe resolveu sair e logo conseguiu emprego nos estdios Van Beuren, de Nova York.
Aproximadamente seis anos mais tarde o estdio fechou e Barbera, mais uma vez
desempregado, conseguiu trabalho como animador no estdio Terrytoons, o estdio de Paul
Terry. Durante um ano ele trabalhou para Terry at que, em 1937, foi chamado para fazer
parte da MGM. (HANNA; ITO, 1996)
Hanna e Barbera passaram a trabalhar sob a direo de Ising. No entanto ambos
tinham bastante - para no dizer completa - liberdade de criao, j que o diretor estava
envolvido m mais de um projeto ao mesmo tempo. O primeiro trabalho realizado pelos dois
em parceria foi Puss Gets the Boots (1940), estrelado pelo gato Jasper e pelo rato Jinx (Figura
12). Mais tarde os mesmo personagens se tornariam Tom e Jerry, dois dos personagens mais
marcantes dos desenhos animados.
26
No existe traduo para o termo cel utilizado originalmente para designar uma folha de acetato de celulide
contendo o desenho relativo a um frame. O termo a contrao da palavra celuloid.
38
Figura 12: Estudos para Jasper e Jinx, futuros Tom e Jerry, para Puss Gets the Boots (1940), por Joseph Barbera.
Fonte: <http://photos1.blogger.com/x/blogger/4525/2278/1600/329840/tjms42T2.jpg> (Acesso em: 16
out. 2010)
Por trabalharem para a unidade de Rudolph, foi ele quem recebeu os crditos em tela
pela direo do curta. No entanto, o sucesso do desenho, juntamente com a primeira indicao
ao Academy Award27 do departamento de animao da MGM, fez com que os dois ganhassem
sua prpria unidade de produo. Pouco depois, em 1941, tanto Harman quanto Ising
deixaram a MGM. No mesmo perodo Tex Avery, o prodgio diretor dos estdios Schlesinger,
foi contratato para fazer parte do time da MGM, ganhando tambm sua prpria unidade.
As unidades de Tex Avery e de William Hanna e Joseph Barbera passaram a ser as
principais unidades de trabalho. De acordo com Barrier (1999) as duas unidades operavam
praticamente como estdios diferentes, cada um com seus prprios escritores, animadores,
personagens e estilos.
Durante os anos em que esteve na MGM, Tex Avery nunca se preocupou em produzir
personagens marcantes, seu foco estava nas histrias, nas piadas e principalmente no timing28
27
Conhecido no Brasil como Oscar, um prmio entregue anualmente aos maiores destaques do cinema naquele
ano, em diversas categorias. O prmio foi concebido em 1927 e a primeira cerimnia realizada em 1929, mas foi
s em 1932 que a academia passou a premiar desenhos animados.
28
No existe traduo literal para o portugus. No entanto de acordo com o dicionrio Oxford da Lngua Inglesa
(http://oxforddictionaries.com) o termo se refere escolha, julgamento ou controle de quando algo deve ser feito.
39
certo para provocar risadas. Ainda assim alguns de seus personagens ficaram famososo como
o cachorro Droopy e a garota de Red Hot Riding Hood (1943).
Figura 13: esquerda a garota de Tex Avery e direita o cachorro Droopy. Fonte: <http://
www.leconcombre.com/droopy/img/tex-girl-wallpaper.jpg> e <http://www.emergiblog.com/wpcontent/uploads/2007/08/droopydog3.jpg> (Acesso em: 16 out. 2010)
Durante os anos 1950 Tex chegou a arriscar alguns cartoons com um estilo visual mais
moderno, lembrando de certa forma os trabalhos realizados pela UPA. Entre esses ttulos
esto Symphony in Slang (1951) e Deputy Droopy (1955), empregando nesse ltimo o
animador Ed Benedict como designer de personagens e layout, contratado em 1952 para a
prpria unidade de Avery e que mais tarde ser um dos principais designers de personagens
dos primeiros anos do estdio Hanna-Barbera.
Figura 14: Modelos do personagem Droopy feitos por Ed Benedict. Fonte: <http://photos1.blogger.com/blogger/
6884/1394/1600/prod282.jpg> (Acesso em: 16 out. 2010) e AMIDI, 2006, p. 60.
40
41
de todo o setor administrativo igualmente, Walt decidiu cortar os salrio daqueles que ele
achava estarem sendo muito bem pagos.
Essa nova deciso arbitrria em relao aos salrios juntamente com a negativa de
Disney em discutir a situao com a associao dos empregados levou a uma greve de
aproximadamente 300 dos funcionrios em 28 de maio de 1941. Aps esse incidente centenas
de funcionrios foram demitidos ou deixaram o estdio, muitos dos quais nunca mais
voltaram a trabalhar com animao novamente. Muitos acabaram seguindo carreira em
estdios diferentes ou por conta prpria.
Em 1942, homens de todos os estdios de animao de Hollywood aderiram ao
servio militar. A maioria daqueles soldados no foram colocados em unidades de combate,
ao invs disso passaram a trabalhar em filmes animados voltados ao treinamento militar
(Barrier, 1999, p. 501). Existiam basicamente duas maneiras de trabalhar para os militares: a
primeira delas era de fato se tornar um militar a servio de uma das unidades institudas para
o desenvolvimento de animaes, a segunda forma era ter seu estdio designado pelos
militares para produzir as animaes.
Zach Schwarts, David Hilberman e Stephen Bosustow, artistas graduados, sados da
Disney aps a greve de 1941, estavam agora trabalhando para diferentes estdios, fazendo
trabalhos para os militares. Sentindo a necessidade de fazer algo mais artstico por eles
mesmos, eles alugaram juntos um pequeno ateli onde podiam se encontrar e pintar sempre
que tivessem vontade. partir de um pequeno trabalho surgido em 1943, os trs resolveram
se unir de fato e criaram a Industrial Films, com o intuito de fazer desenhos animados em seu
prprio estilo. O primeiro trabalho importante produzido pelos trs foi Hell-Bent for Election
(1944) (Figura 14), filme apoiando a re-eleio do presidente Franklin Delano Roosevelt.
O fato de fazer filmes polticos fez com que os trs comeassem a repensar o nome do
estdio. Hilberman apud Barrier (1999, p. 511) diz que ns comeamos a visualizar ns
mesmos como um estdio que trabalharia com filmes polticos, para a unio29 . O nome
Industrial Film comeou a ser um peso, e ns comeamos a pensar em termos de Union
Films, e de Union Films veio United. A UPA - United Productions of America - continuou
29
Referindo-se ao governo.
42
tendo as agncias do governo como seu principal cliente at 1947, quando os atos do governo
em relao ao ps-Guerra comearam a diminuir.
Figura 14: Algumas cenas de Hell-Bent for Election (1944). Fonte: <http://www.youtube.com/watch?
v=xhykCuN_BpY> (Acesso em: 17 out. 2010)
43
primeira vez em 1951 em um curta com o prprio nome do personagem baseado em uma
histria do Dr. Seuss 30.
Figura 15: O personagem Mr. Magoo em duas cenas de sua srie. Fonte: <http://www.collider.com/uploads/
imageGallery/Mr_Magoo_DVD/mr._magoo__1_.jpg> e <http://www.collider.com/uploads/
imageGallery/Mr_Magoo_DVD/mr._magoo__2_.jpg> (Acesso em: 17 out. 2010)
Figura 16: Estudos para os personagens de Gerald McBoing Boing (1951). Fonte: <http://
www.animationarchive.org/pics/upamod01-big.jpg> (Acesso em: 17 out. 2010)
30
Theodore Seuss Geisel (1904-1991). Escritor de histrias infantis que foi o criador do personagem Grinch.
44
Quando o animador da Disney e MGM Preston Blair escreveu seu clssico manual
de animao, simplesmente entitulado Animation, ele [...] convenientemente quebra
a construo dos personagens em bolas, ovais, ovos e formas de pra. As
caractersticas e detalhes do rosto esto ancorados em formas circulares via linhas
centrais que indicam o posicionamento. Essa abordagem de linhas centrais para
basear o design dos personagens penetrou na indstria de animao nos anos 1930 e
1940. (AMIDI, 2006, p. 9, traduo do autor)
A UPA foi a primeira a desafiar essa abordagem adotada por Disney e todos os demais
estdios de animao da poca. Personagens e cenrios possuem uma flexibilidade sem igual,
que em sua simplicidade conseguem passar a mensagem de forma efetiva. Ao pegarmos como
exemplo Gerald McBoing Boing (1951) podemos perceber que toda a atmosfera do desenho
se molda de forma a capturar a emoo da cena. Tanto background31 quanto persongens
mudam suas formas e cores afim de expressar a mensagem desejada (Figura 17), ainda assim
sem se descaracterizar ou provocar estranheza na audincia. O background nem se quer existe
de fato, como nos desenhos Disney, cada elemento um objeto completamente integrado
cena como um todo32.
Figura 17: A cor de Gerald McBoing Boing e os planos de fundo mudam de acordo com o humor da cena. Fonte:
<http://version1.itsnicethat.com/images/529.jpg> (Acesso em: 17 out. 2010)
31
Imagem de fundo.
32 A seo
45
Apesar da UPA no possuir um estilo nico, todos seus trabalhos carregavam um estilo
prprio e completamente diferente do que vinha sendo produzido. Isso fez com que o estdio
ditasse a nova tendncia nas produes hollywoodianas. De acordo com Michael Barrier:
[...]UPA foi, no incio dos anos 1950, exatamente o que o estdio de Disney havia
sido nos anos 1930: o ponto de referncia, o estdio com o qual qualquer outro
estdio automaticamente comparava seus cartoons, mesmo que tal estdio no
estivesse tentando emular os filmes da UPA. (BARRIER, 1999, p. 537, traduo do
autor)
Essa influncia se tornou ainda mais visvel ligeiramente mais tarde com o advento da
televiso. O enfraquecimento do mercado de desenhos animados para o cinema durante os
anos 1950, fez com que a UPA eventualmente tambm migrasse para a nova mdia. Em 1950
a UPA abriu uma filial em Nova York para prouzir exclusivamente comerciais para a TV.
Infelizmente, por questes financeiras a filiai foi fechada em 1959. Por questes contratuais
com a Columbia a UPA passou a produzir cada vez menos desenhos novos, at ficar presa
produo da srie Mr. Magoo apenas.
46
3 NA TELA DA TV
Aps o fim da Segunda Guerra Mundial um incontvel nmero de americanos se
casou e se moveu para as reas metropolitanas, fim de conseguir trabalhos. Esse
acontecimento, somado ao fim da Grande Depresso vivida pelos EUA desde a crise de 1929,
provocou um exploso demogrfica nunca antes vista. O nmero de crianas nascidas nesse
perodo superou qualquer outro perodo da histria americana. Entre 1946 e 1964, 79 milhes
de crianas nasceram nos EUA.33 Esse evento ficou conhecido como Baby Boom.
O surgimento da televiso nesse mesmo perodo foi uma revoluo no modo de vida
americano. A prpria estrutura da sala de estar agora tinha que se adaptar presena de um
novo mvel - que logo se tornou o principal. O tempo livre dos membros da famlia, que at
ento era gasto com suas prprias formas de lazer, passou a ser gasto em conjunto, em frente
televiso. Famlia e amigos se reuniam frente da pequena tela preto-e-branco e assistiam
quilo que o pequeno aparelho tinha para dizer e mostrar.
Principalmente para as famlias suburbanas, a televiso de tornou a principal forma de
entretenimento, j que era mais barato e fcil possuir uma televiso em casa do que se
deslocar ao centro da cidade para assistir filmes, noticirios ou programas de humor no
cinema, o que era comum at ento. Michael Barrier lembra que durante sua infncia, no fim
dos anos 1940 e incio do 1950 era comum ir toda semana matin de sbado para assistir
um ou dois desenhos animados (BARRIER, 1999, p. ix).
O alcance da televiso tomou propores gigantescas durante os primeiros 10 anos
com a proliferao dos canais de televiso nos EUA. Enquanto em 1946 apenas seis estaes
de TV existiam em todo o pas 34, atingindo menos de 0,1% da populao, em 1955, 64% das
casas americanas possuam um aparelho de TV e 458 emissoras se espalhavam pelo territrio
33
Fonte: http://geography.about.com/od/populationgeography/a/babyboom.htm
34
Trs em Nova York e uma para cada em Schenectady, Chicago e Filadlfia. (EDGERTON, 2007, p. 102)
47
do pas. Dados precisos a esse respeito aparecem na tabela a seguir, retirada do livro The
Columbia History of American Television (2007), de Gary R. Edgerton.
Tabela 1: Nmero de aparelhos de televiso por habitante nos EUA entre 1946 e 1955.
N de TVs nos EUA
N de Estaes de TV
1946
20.000
0,02
6 em 4 cidades
1947
44.000
0,04
18 em 11 cidades
1948
350.000
0,66
30 em 29 cidades
1949
1 milho
2,0
69 em 57 cidades
1950
3.9 milhes
8,1
104 em 65 cidades
1951
10.3 milhes
21,5
107 em 65 cidades
1952
15.3 milhes
32,0
108 em 65 cidades
1953
20.4 milhes
42,5
1954
28.5 milhes
59,4
1955
30.5 milhes
64,0
48
49
mesmo tempo em que mantinham seu apelo grfico e comunicavam sua mensagem principal,
a venda do produto em questo.
Como resultado, personagens eram cada vez mais projetados com grossas linhas
externas para legibilidade e frequentemente com cabeas e atributos faciais
desproporcionalmente grandes para acentuar suas expresses, possibilitando que
telespectadores se relacionassem emocionalmente com eles. (AMIDI, 2006, p. 12,
traduo nossa).
Existem algumas caractersticas que grande parte dos desenhos animados desse
perodo carregavam e que podem ser categorizadas para melhor exemplificar o estilo visual
do perodo. O primeiro ponto comum diz respeito ao design dos personagens, que deixou de
ser baseado em esferas e linhas centrais, como no caso de desenhos no estilo Disney.
Segundo Amidi (2006), nesse perodo designers abraaram o fato de que seus
personagens eram nada mais que um conjunto de linhas e formas desenhados e vistos em duas
dimenses e por isso deveriam ser tratados como tal. A simetria espacial praticamente
abandonada, sendo os personagens dificilmente vistos em posies completamente frontais ou
laterais. Formas completamente orgnicas se misturam perfeitamente bem a elementos
geomtricos e bastante angulares. Essas diferenas na concepo so mais claramente
percebidas se compararmos a construo de personagens desse perodo, como do desenho
Tom Terrific (1957) (Figura 18) do estdio Terrytoons, com o de produes anteriores, como
Tom e Jerry (Figura 19) da MGM, por exemplo.
Figura 18: O personagem Tom Terrific e seu co, produzidos pelo estdio Terrytoons. Fonte: <http://
www.michaelspornanimation.com/splog/wp-content/c/Tom%20Terrific.jpg> (Acesso em: 3 nov.
2010)
50
Figura 19: Modelo de contruo Disney aplicado na construo dos personagens Tom e Jerry. Fonte: BLAIR,
1947, p. 4.
Um segundo ponto diz respeito animao em si. Grande parte das animaes desse
perodo utiliza-se da tcnica conhecida como animao limitada (ou animao planejada).
Utilizada inicialmente pelo diretor Ward Kimball, dentro da prpria Disney, esse tipo de
tcnica consiste em manter a maior parte do personagem esttico, enquanto apenas o
necessrio animado. Apesar de Amidi (2006) afirmar que Kimball se utilizou desse tipo de
animao como um recurso estilstico, essa tcnica foi adaptada pela a indstria como forma
de reduzir custos, mantendo as partes estticas em camadas separadas das animadas, o que
barateava a produo dos filmes por eliminar as etapas de redesenho. Infelizmente no
possvel apresentar exemplos para comparao atravs da presente mdia.
Como ltima das caractersticas mais recorrentes podemos citar o layout e pintura dos
backgrounds. Diferente das animaes produzidas at esse perodo, cenrios e backgrounds
no eram mais to detalhados, com cores e iluminao realista. Pelo contrrio, para os artistas
desse perodo, segundo Amidi (2006, p. 11), no era mais um erro mostrar sua tcnica. As
grossas pinceladas e os erros de preenchimento passaram a ser cada vez mais visveis e as
perspectivas cada vez menos precisas.
51
Figura 20: Um dos cenrios do filme Branca de Neve e os Sete Anes (1937). Fonte: <http://
2.bp.blogspot.com/_QdHn8FT7SdY/SL-M8C44L2I/AAAAAAAADpc/tLAnx4Ux_Mw/s400/
snowwhite001sm.jpg> (Acesso em: 05 nov. 2010)
Figura 21: Cenrios do curta Destination Earth (1956) produzido pela John Sutherland Productions. Fonte:
<http://www.youtube.com/watch?v=1_6DjkrsPOw> (Acesso em: 05 nov. 2010)
52
Com o passar dos anos, a grade televisiva foi sendo preenchida e a programao foi se
tornando cada vez mais orientada aos pblicos de cada horrio.
Logo alguns canais passaram a direcionar parte da programao para o pblico
infantil. A primeira tentativa de produo de desenho animado exclusivo para televiso foi em
1950 com a srie Crusader Rabbit (Figura 22), transmitida por algumas subsidirias da rede
NBC. A srie foi transmitida em 195 episdios de 5 minutos, em preto-e-branco, durante
aproximadamente um ano. A Television Arts Productions, criada exclusivamente com o
intuito de produzir a srie, desapareceu assim que a mesma parou de ser produzida.
Figura 22: Crusader Rabbit (1950), o primeiro desenho animado produzido exclusivamente para a TV. Fonte:
<http://4.bp.blogspot.com/_fgS9cGBJpxk/S361PVVWn7I/AAAAAAAAVzc/-5WqbqaOr5E/
s400/01.jpg> (Acesso em: 03 nov. 2010)
53
Aps Crusader Rabbit e at 1957, nenhum outro material dessa natureza foi produzido
para a televiso devido aos altos custos atrelados criao de um desenho animado. Nenhuma
rede de TV estava disposta a sustentar um estdio inteiro e poucos eram os estdios de
animao para o cinema que tinham interesse em migrar para a nova mdia naquele momento.
De acordo com Hanna e Ito (1996), cada curta de 7 minutos da srie Tom e Jerry que a MGM
produzia tinha um custo de U$ 35.000,00. Em 1950, pouco mais de 8% da populao possua
aparelhos de TV, o que fazia com que o comercial de televiso no fosse to popular entre os
anunciantes e mantinha o valor para anunciar muito baixo, no cobrindo os custos de
produo de um curta animado.
Em 1949, a Suprema Corte americana criou uma lei que proibia a prtica - bastante
comum na poca - de vender filmes de longa metragem atrelados aquisio de curtas. Isso
deu liberdade aos donos de cinema de escolher se comprariam os curtas ou apenas o filme
principal. Algumas sries de sucesso, como o caso de Tom e Jerry continuaram a ser exibidas
mesmo separadamente. No entanto, diversas produes que dependiam de parte do lucro dos
filmes para garantir seu sustento acabaram desaparecendo.
Esse fato, unido ao interesse cada vez menor da populao em ir ao cinema - em
funo da televiso -, fez com que muitos estdios simplesmente abandonassem a produo
de animao para a grande tela. O ltimo a deixar esse mercado foi Walter Lantz - criador do
personagem Pica-Pau - em 1972. De acordo com Lantz (apud Lenburg 2009, p.7, traduo do
autor) ns no paramos de fazer cartoons porque a popularidade deles morreu, mas por que
no podamos pagar para produz-los. Durante essa dcada, at mesmo Disney teve que se
render nova mdia, produzindo especiais de fim de ano para a ABC a fim de ajudar a arcar
com os custos da construo da Disneylndia.
Em 1953 a CBS estreou o primeiro programa da televiso completamente para o
pblico infantil. Barker Bills Cartoon Show (Figura 23) era apresentado durante a semana,
com programas de 15 minutos mostrando os desenhos que o estdio Terrytoons havia
produzido para o cinema. Seguindo o exemplo muitos canais criaram seus prprios shows
infantis. Lenburg (2009, p.8, traduo do autor) lembra que em janeiro de 1955 mais de 400
estaes de televiso estavam transmitindo desenhos animados. Fossem apresentados por
54
Figura 23: Cena de abertura do programa Barker Bills Cartoon Show. Fonte: <http://tviv.org/w/images/1/10/
Barkerbill.jpg> (Acesso em: 03 nov. 2010)
Durante esses anos a maior parte dos canais estabeleceu uma faixa de horrios fixa
para o pblico infantil, geralmente aos sbados de manh, que mantida at hoje por alguns
canais36. Por esse motivo desenhos clssicos como os da Hanna-Barbera ou Warner Bros.
(mesmo que esses no tenham sido produzidos originalmente para a TV) so at hoje
conhecidos como Saturday Morning Cartoons, nos EUA.
36
Esse formato tambm utilizado hoje por grande parte dos canais abertos no Brasil.
55
a trabalhar no conceito de seu primeiro projeto. Por deciso de ambos, o estdio seria o
primeiro da histria americana a se dedicar exclusivamente produo para a televiso. De
acordo com
O que Hanna e Barbera estavam criando era praticamente uma linha de produo de
desenhos animados. Aps diversas negociaes a dupla conseguiu que a NBC comprasse 5
episdios do desenho a um custo de menos de U$ 3.000 por episdio, valor mais de 10 vezes
menor do que a dupla tinha para produzir cada desenho na MGM. Em contrapartida os
37
38
Cada p (30,5 cm) de filme possui 16 frames. Como projetores movem os filmes 24 frames por segundo, so
necessrio 1,5 ps de filme para criar cada segundo de animao. Fonte: <http://
entertainment.howstuffworks.com/movie-projector2.htm> (Acesso em: 03 nov. 2010)
39
56
Figura 24: Celulide original de um dos episdios de The Ruff and Reddy Show (1957). Fonte: <http://
farm4.static.flickr.com/3245/3001317563_7caeefe09b.jpg> (Acesso em: 21 set. 2010)
O sucesso foi grande o suficiente para que menos de um ano depois o estdio
conseguisse que a Kelloggs - fabricante de cereais matinais - patrocinasse seu prximo show,
The Huckleberry Hound Show (Figura 26), estrelado pelo co azul chamado Huckleberry - ou
apenas Huck -, que ficou conhecido no Brasil como Dom Pixote. O programa de meia hora
era composto por 3 desenhos de aproximadamente 7 minutos cada: o prprio desenho de Dom
Pixote, Pixie and Dixie and Mr. Jinx40 e Yogi Bear - que no Brasil ganhou o nome de Z
Colmia (Figura 27). O ltimo ganhou seu prprio programa em 1960, acompanhado por
Yakky Doodle e Snagglepuss41, sendo substitudo pelo desenho Hockey Wolf42 no programa de
Dom Pixote.
40
41
42
No Brasil esse desenho ficou conhecido como Joca & Dingue-Lingue, sendo Joca o nome do lobo
originalmente chamado Hokey e Dingue-Lingue seu pequeno parceiro.
57
Figura 26: Os trs desenhos de The Huckleberry Hound Show em 1960. Da esquerda para a direita: Don Pixote,
Joca & Dingue-Lingue e Plic, Ploc & Chuvisco. Fonte: <http://www.youtube.com/watch?
v=bfqOXB1mKYo>, <http://www.youtube.com/watch?v=3JjBK5AoCKU> e <http://
www.youtube.com/watch?v=HOBmDqLxP1g> (Acesso em: 9 nov. 2010)
Figura 27: A turma do Z Colmia. Fonte: <http://www.infantv.com.br/zecolmeia.jpg> (Acesso em: 9 nov. 2010)
O programa foi notvel pelo grande nmero de primeiros lugares que ele colecionou.
Sennett (1989, p. 55, traduo do autor) cita que Dom Pixote se tornou a primeira srie de
desenho animado a receber um Emmy Award por realizaes de destaque na programao
infantil. Beck (2007, p. 39) no s afirma que justo dizer que ele foi a primeira grande
celebridade da pequena tela, como defende essa idia trazendo dados que dizem que
aproximadamente 16 milhes de espectadores assistiam ao programa toda semana, sendo
estimado que 65% desses eram adultos.
Dom Pixote foi tambm o primeiro personagem do estdio a ser licenciado. Quando o
programa foi lanado j era possvel encontrar revistas em quadrinhos coms os personagens
do programa em bancas (Figura 28). E logo diversos produtos surgiram, de tigelas de cereais a
quebra-cabeas, e muitos outros brinquedos.
58
Figura 28: Edies de Dom Pixote e seus amigos lanadas em 1960 e 1961. Fonte: <http://
powsley.blogspot.com/2010/03/vintage-huckleberry-hound-comic-book.html> (Acesso em: 9 nov.
2010)
Em 1960 o estdio criou uma de suas sries mais famosas at hoje, Os Flintstones
(Figura 29), que completou 50 anos no dia 30 de setembro de 2010. A srie, que estreou no
canal ABC, sendo a primeira da histria produzida para o horrio nobre, apresenta uma
famlia da idade das cavernas vivendo os problemas cotidianos de uma famlia americana
mdia. O programa era direcionado aos adultos. Ele foi tambm o primeiro desenho animado
para a TV a contar sua histria no formato de uma sitcom43 de meia hora, e foi a mais longa
srie animada para o horrio nobre da TV at Os Simpsons super-la
recentemente. (BECK, 2007, p. 69, traduo do autor).
43
O termo sitcom uma abreviao em ingls da expresso "comdia de situao" (situation comedy). Esse
termo utilizado para definir sries de comdia, geralmente com meia hora de durao, baseadas em situaes
do cotidiano dos personagens. Fonte: http://lazer.hsw.uol.com.br/sitcom.htm
59
45
The Quick Draw McGraw Show no original, no qual tambm apareciam os desenhos Auggie Doggie and
Doggie Daddy (Bilbo Pai e Bbi Filho) e Snooper and Blabber (Olho-Vivo e Faro Fino).
46
Como no original.
47
Lippy the Lion & Hardy Har Har e Touch Turtle no original, respectivamente.
60
Figura 30: Grande parte dos personagens do estdio Hanna-Barbera na em seus primeiros anos eram animais.
Fonte: <http://powsley.blogspot.com/2010/04/hanna-barbera-tv-stars-18x24-color_05.html> (Acesso
em: 9 nov. 2010)
61
4 A MARCA HANNA-BARBERA
O presente captulo se destina a desvendar a marca Hanna-Barbera e a construo de
sua identidade enquanto empresa. Para tal, nos apoiaremos em alguns momentos em
exemplos de outras marcas, principalmente na Disney, por ser uma marca muito bem
estabelecida no mercado e na mente das pessoas, alm de ter sido em dado momento sua
concorrente direta. Conceitos de branding e de gesto e anlise de marcas nos ajudaro a
fundamentar as escolhas tomadas ao longo desse percurso de anlise.
At o momento, pudemos ver como os desenhos animados evoluram ao longo da
primeira metade do sculo XX, aprimorando sua tcnica, aperfeioando sua narrativa e
diversificando seu estilo. A indstria da animao comeou a prosperar e se alastrar por novas
mdias. Do cinema a animao se transportou para a televiso, trouxe seus personagens para
as histrias em quadrinhos e os transformou nos mais diversos brinquedos e produtos. Com
Walt Disney a animao invadiu o mundo real, trazendo consigo toda sua fantasia.
Com a criao da Disneylndia em 1955, Walt Disney trouxe vida todos os
personagens que havia criado e que residiam no imaginrio dos cidados americanos.
Segundo a biografia de Walt Disney 48 em trs dcadas mais de 250 milhes de pessoas,
incluindo presidentes, reis e rainhas, e nobres de todo o mundo haviam visitado o parque.
Disney se tornou uma lenda viva, uma figura paternal e uma referncia mundial em termos de
entretenimento.
No momento em que a Disneylndia nasceu, a Walt Disney Productions deixou se ser
um estdio de animao para se tornar uma companhia, The Walt Disney Company. O nome
de seu fundador deixou de identificar a pessoa Walt Disney para identificar toda uma
corporao. Ao mesmo tempo em que se apoderou de seu nome, a companhia emprestou
48
62
tambm sua identidade, sua personalidade e seu jeito familiar e carismtico. Walt Disney se
tornou patrimnio de seu prprio legado.
A marca Walt Disney transcendeu seu status de produtora de desenhos animados para
se tornar a maior empresa de entretenimento do mundo, produzindo de sries de televiso a
jogos de vdeo game, passando por filmes, histrias em quadrinhos, resorts e parques de
diverso. A assinatura de Walt Disney e seu mascote, Mickey Mouse, se tornaram duas das
representaes grficas mais reconhecidas, se no do mundo, com certeza da Amrica, sendo
fortemente associadas marca disney. Ambos so diversas vezes utilizados em conjunto para
compor o logo de algumas das submarcas do grupo Disney (Figura 31). Mickey talvez o
primeiro logo mutante da histria, antes mesmo desse termo ser cunhado.
Figura 31: Dois exemplos em que Mickey utilizado em conjunto com a assinatura de Walt Disney para compor
o logo de duas de suas submarcas. Fonte: <http://www.brandsoftheworld.com/logo/disney-channel-2>
e <http://www.brandsoftheworld.com/logo/walt-disney-records> (Acesso em: 10 nov. 2010)
63
64
65
49
Brinquedos e Revistas em quadrinhos de Mickey Mouse foram pela primeira vez licenciados em 1930. Fonte:
(THE WALT..., 2010)
66
Figura 32: Alguns dos produtos que carregavam os rostos dos personagens da Hanna-Barbera: figurinhas de
chiclete, lancheiras, projetores de slides e cartes colecionveis. Fonte: BECK, 2007, p. 63; <http://
powsley.blogspot.com/2008/12/hanna-barbera-pin-me-ups-kelloggs-1962.html> e <http://
www.rubylane.com/ni/iteml/123265-826> (Acesso em: 15 nov. 2010)
O grande carisma destes personagens foi fator decisivo para o sucesso comercial desta
variada gama de licenciamentos. Z Colmia - um dos primeiros personagens a ser licenciado
- cativou o pblico de tal forma que em 1960 ganhou seu prprio show. Segundo Beck (2007)
produtos estampando o urso chegaram a render mais de 40 milhes de dlares por ano.
Enquanto os personagens do estdio apareciam em seus prprios programas
transmitidos por diferentes emissoras, as revistas em quadrinhos realizavam o papel de reunir
todos em um nico universo nos quais os personagens interagiam uns com os outros. O nome
Hanna-Barbera aparecia para selar essas relaes, atestando a amizade existente entre seus
personagens e construindo uma ideia de unidade em torno da marca. Desse modo, alm de se
fortalecer comercialmente, o estdio conseguiu ganhar a ateno do pblico infantil e a
confiana dos pais.
67
4.2.1 O Logo
O primeiro logo utilizado nas aberturas de Ruff and Reddy Show trazia dois
quadrilteros (um vermelho e outro azul) justapostos e desalinhados, que continham
respectivamente as letras H e B em branco. Esse logo foi logo atualizado para figurar nos
desenhos posteriores, porm foi utilizado apenas at 1959 (Figura 33).
Figura 33: esquerda o primeiro logo do estdio e direita o logo utilizado at 1959. Fonte: <http://
www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> (Acesso em: 15 nov. 2010)
68
Figura 34: Algumas das assinaturas visuais utilizadas pelo estdio desde 1959. Fonte: <http://
www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> (Acesso em: 15 nov. 2010)
Figura 35: Logo do estdio Hanna-Barbera utilizado em seus desenhos a partir de 1966. Fonte: <http://
www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> (Acesso em: 15 nov. 2010)
51 A verso
69
Figura 36: Logo do estdio Hanna-Barbera utilizado no encerramento dos desenhos entre 1974 e 1979. Fonte:
<http://www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> (Acesso em: 15 nov. 2010)
A partir de 1979, o smbolo presente no logo do estdio passou a ser o mesmo da Taft
International Pictures, subsidiria da Taft Entertainment Company, que comprou o estdio
Hanna-Barbera em 1967. The Swirling Star, como esse logo foi apelidado, foi redesenhado
em 1986 e utilizado oficialmente at 1992. Curiosamente esse foi o primeiro logo do estdio a
utilizar a fonte cursiva com o escrito Hanna-Barbera, que se tornou caracterstica dos
desenhos do estdio nos anos 1990.
Figura 37: O logo conhecido como The Swirling Star do estdio Hanna-Barbera utilizado entre 1979 e 1992. Em
ordem: a verso original, a verso com fonte cursiva e por ltimo a verso atualizada em 1986. Fonte:
<http://www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> (Acesso em: 15 nov. 2010)
70
Figura 38: Diversas verses da marca Hanna-Barbera utilizada durtante os anos 1990. Fontes: <http://
www.closinglogos.com/page/Hanna-Barbera+Cartoons,+Inc.> e <http://www.flickr.com/photos/
84568447@N00/tags/hannabarbera/> (Acesso em: 18 nov. 2010)
71
Figura 39: Cartes de William Hanna e Joseph Barbera utilizados durante a presidncia de Fred Seibert. Fonte:
<http://www.flickr.com/photos/84568447@N00/tags/hannabarbera/> (Acesso em: 18 nov. 2010)
72
Assim como a Disney, Hanna-Barbera demorou para se comportar de fato como uma
marca. Principalmente durante suas primeiras dcadas de existncia, o nome se limitou a
identificar o estdio pelo qual os desenhos eram produzidos, cabendo aos prprios desenhos
estabelecer a interface de comunicao com o mercado. Nesse contexto o nome do esdio
figurava de forma bastante discreta, como que unindo os personagens em uma nica famlia.
J no final da dcada de 1960 e incio da dcada de 1970 o estdio perdeu seu foco,
passando a produzir massivamente desenhos de super-heris, dos quais muitos nem se quer
eram propriedade intelectual do estdio, tais como O Quarteto Fantstico, Super Amigos e
The Galaxy Trio. Durante todos os anos 1970 o estdio seguiu criando desenhos de superheris e reaproveitando a frmula de desenhos de sucesso, tais como Scooby-Doo, com
inmeros grupos de adolescentes detetives, em geral membros de alguma banda de msica.
Alm disso, os personagens do estdio foram reaproveitados e clonados at a exausto
em desenhos de competio que em muito lembravam o original Wacky Races (1968), com
desenhos como Scooby`s Laff-A-Lympics (1977), que misturava diversos personagens do
estdio, dividindo-os em grupos que se confrontavam em diversos tipos de competies, e
Yogi's Space Race (1978), que misturava personagens clssicos e novos em uma espcie de
Corrida Maluca no espao.53
Durante esse perodo o estdio chegou a produzir personagens bastante originais,
como Hong Kong Fu e o Capito Caverna. Porm, esses foram poucos em relao ao grande
nmero de sries produzido nesse mesmo perodo. O prximo e ltimo sucesso do estdio
antes dos anos 1990, foi Smurfs de 1981, sada dos quadrinhos do belga Peyo. A srie foi ao ar
at 1990, gerando uma srie de produtos, brinquedos e jogos de videogame.
O estdio Hanna-Barbera s recuperou sua visibilidade no incio da dcada de 1990,
justamente com a redefinio da identidade visual promovida por Fred Seibert (como citado
anteriormente54 ). Seibert assumiu a presidncia do estdio aps sua compra pela Turner
Broadcasting em 1992, e recuperou como marca o capital simblico dos personagens j
ilustres. Trazendo os personagens clssicos para o ncleo da marca, ele proporcionou uma
53
No Brasil o nome desses desenhos respectivamente Corrida Maluca, Ho-Ho-Lmpicos e A Corrida Espacial
do Z Colmia.
54
73
espcie de reaquecimento dos vnculos do pblico com o estdio, o que foi extremamente
eficaz associado fundao do canal de TV Cartoon Network. Estes dois fatores deram certo
flego s produes, at que em 2001, ano da morte de William Hanna, o estdio foi
dissolvido pela Warner - agora detentora da Turner. A Hanna-Barbera foi ento transformanda
em Cartoon Network Studios. Sua biblioteca de personagens clssicos foi absorvida pela
Warner Bros. Animation, que hoje ainda os comercializa sob a marca Hanna-Barbera.
Figura 41: Associao do logo do Cartoon Network com os personagens de Hanna-Barbera e MGM (Droopy)
para uso publicitrio no ano de lanamento do canal. Fonte: <http://www.flickr.com/photos/
kerrytoonz/3198126243/> (Acesso em: 18 nov. 2010)
A partir das aes de Seibert podemos perceber que, assim como Mickey, os
personagens do universo Hanna-Barbera so, de certa forma, a prpria representao da
marca. Se levarmos em considerao o crescimento do estdio durante a dcada de 1960 e
somarmos a esse fator a ausncia de uma estratgia de gerenciamento dessa marca nesse
mesmo perodo, podemos concluir que a identificao do pblico com as obras e produtos do
estdio Hanna-Barbera ocorre, de fato, atravs dos prprios desenhos. Os personagens, agora
vistos como marca, passaram inclusive a ter manuais de aplicao, tal qual um logo, para usos
promocionais e de comunicao (Figura 42).
74
Figura 42: Duas pginas do manual de identidade do Cartoon Network em 1998, definindo as cores padro para
aplicao dos personagens: Dick Vigarista e Mutley ( esquerda) e Leo da Montanha ( direita).
Fonte: <http://www.flickr.com/photos/kerrytoonz/tags/styleguide/> (Acesso em: 18 nov. 2010)
75
Figura 43: Space Ghost (1966), Herculides (1967), Homem-Pssaro (1967) e O Poderoso Mightor (1967),
respectivamente. Fontes: <http://chud.com/nextraimages/Dec17SG.jpg>, <http://
cryptofyesteryear.blogspot.com/2009/07/space-ghost-original-1966-1968.html>, <http://
www.squidoo.com/harvey-birdman> e <http://desenhosantigos80.blogspot.com/2009/03/
mightor.html> (Acessado em: 18 nov. 2010)
76
Ghost de Costa a Costa (1994), Cartoon Planet (1995) e O Show do Brak (2000) os demais
heris mantiveram-se um tanto afastados do universo principal da marca.
A primeira e mais bem sucedida srie de ao produzida pela Hanna-Barbera foi Jonny
Quest (1964). A srie foi a primeira tentativa do estdio em tentar diversificar o seu estilo,
contando as aventuras de Jonny, sua famlia e amigos em um mundo realista. Os conflitos e
ameaas provinham do universo das cincias e do contato com culturas diferentes, algo
bastante representativo do clima da poca era algo completamente diferente de tudo que a
Hanna-Barbera havia produzido. O sucesso de Jonny Quest rendeu duas novas sries - As
Novas Aventuras de Jonny Quest (1986) e As Incrveis Aventuras de Jonny Quest (1996) - e o
anseio da Hanna-Barbera em investir em novas sries de ao, que se manifestou na criao
de desenhos de super-heris.
Figura 44: Grupo original do desenho Jonny Quest (1964). Fonte: <http://www.flickr.com/photos/
84568447@N00/2062841574> (Acessado em: 18 nov. 2010)
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Figura 45: Formao original do desenho Scooby-Doo, Cad Voc?: Fred, Velma, Scooby, Salsicha e Daphne.
Fonte: <http://www.comicfortress.com/mm5/popups/CC1196%20Mystery%20Gang%20Model
%20Sheet.jpg> (Acesso em: 18 nov. 2010)
79
55
80
4.3.1.1 Z Colmia
Z Colmia um urso que vive no parque Jellystone, que ele considera seu domnio.
Como todo sujeito definido narrativamente por seu objeto de valor, ou seja, por aquilo que
persegue, o urso est sempre arquitetando maneiras de roubar a comida dos outros. Sempre
acompanhado de seu companheiro Catatau, os dois esto sempre fugindo do guarda Smith,
que constantemente tenta impedir que Z Colmia roube sua comida ou as cestas de piquenique dos visitantes do parque, nem sempre com sucesso.
Essa mesma relao de amizada e lealdade que existe entre Catatau e seu pretenso
mentor constante nos desenhos do estdio, se repetindo em outras sries como Pepe Legal,
Lippy e Hardy e Manda-Chuva. Z Colmia, que se acha o urso mais inteligente do parque,
como seu prprio jargo diz I`m smarter than the average bear!56 , est sempre se metendo
em confuses, enquanto seu fiel parceiro constantemente o alerta para o perigo dizendo: The
Ranger is not going to like this, Yogi.57 Mesmo sabendo que no final as coisas no daro
certo, Catatau mantm sua fidelidade e segue Z Colmia para onde ele for. Esse mesmo
comportamento constantemente reproduzido por diversos outros personagens coadjuvantes
como Babalu, Batatinha, Hardy Har Har, Dingue-Lingue e Dum-Dum.
O guarda Smith o responsvel por manter a ordem no parque, sendo neste contexto o
representante do sistema, aquela instituio que Z Colmia est sempre tentando
transgredir. Ao mesmo tempo o urso bondoso com seus amigos e demais animais do parque,
sempre os ajudando quando necessitam. Essa personalidade ambgua, que mistura
transgresso e bondade compartilhada por boa parte dos personagens do estdio, excetuando
56
57
81
os que se caracterizam como heris, aqueles de moral incorruptvel, tal qual a Tartaruga
Touch, ou por serem viles, como Dick Vigarista e Mutley.
A simplicidade dos traos no desenho dos personagens, proporcionados pelo designer
Ed Benedict, no impede em momento algum que Z Colmia e Catatau possuam
personalidades singulares. Pelo contrrio, o design colabora para a formao desse carter.
Apesar de viverem na natureza os personagens no so de forma alguma selvagens. Essa
caracterstica principalmente marcada pelo uso de acessrios de vesturio tal qual gravatas e
chapus, e compartilhada por toda essa fauna de personagens falantes.
Tais adereos esto presentes no design desses personagens primariamente por
questes tcnicas referentes animao limitada. Separam diferentes layers do desenho,
permitindo ao animador movimentar partes independentes dos corpos, sem ter que redesenhlos por inteiro. No entanto, do ponto de vista semntico, agregam personalidade dos
personagens traos como a vaidade e a masculinidade, alm de reforar o carter
antropomrfico. O grande porte de Z Colmia, unido a seu vesturio, d ao urso um ar de
homem responsvel pelos negcios, em contraponto estatura reduzida de Catatau, que
somada sua gravata borboleta lhe da um ar infantil e inocente. At mesmo Cindy, o caso
amoroso do urso, tem sua feminilidade reafirmada pelo uso da saia, sombrinha, flor no cabelo
e leno no pescoo. Essas caractersticas se extendem por toda a gama de personagens criados
pelo estdio nesse mesmo perodo.
Z Colmia frequentemente visita ou visitado pelos personagens dos demais
desenhos. Dom Pixote, Pepe Legal e Leo da Montanha so seus amigos mais notveis. A
constante ligao entre todos esses personagens criou uma espcie de famlia, que alm de
compor o ncleo da marca Hanna-Barbera, possibilitou a criao de diversos outros desenhos
envolvendo esses personagens, como mencionado anteriormente. Alm disso, estas
participaes reforam a ideia de um mesmo mundo ocupado por diferentes personagens, o
que d um contorno mais vivo a essa estranha lgica proposta pela Hanna-Barbera, em que
animais e homens conversam, interagem e reproduzem os conflitos da sociedade moderna.
82
4.3.1.2 Os Flintstones
Saltando dois anos frente e milhares de anos ao passado, o estdio Hanna-Barbera
produziu Os Flintstones. Essa srie ambientada na idade das cavernas, em que os humanos
supostamente viveram em harmonia com os dinossauros, conta a histria de uma famlia
vivendo no subrbio da cidade de Bedrock, levando o tpico estilo de vida americano dos anos
1960. Essa mesma temtica tambm abordada na srie Os Jetsons, com a diferena de essa
ser ambientada em um futuro fictcio, no ano de 2062 - exatamente um sculo aps o
lanamento da srie.
Fred, o chefe da famlia e responsvel por trazer o dinheiro para o lar casado com
Wilma, uma dona de casa dedicada porm rigorosa. Seus vizinhos so Barney e Betty Rubble.
Enquanto Betty a melhor amiga de Wilma, Barney , como o prprio Fred gosta de ressaltar
de tempos em tempos, My close friend, bosom buddy and lifelong pal.58 Alm de narrar o
cotidiano entre famlia e vizinhos, abordando problemas no relacionamento e no trabalho, a
srie retrata a amizade de Fred e Barney enquanto ambos tentam escapar de suas esposas para
jogar boliche ou ir reunio do Clube dos Bfalos Dgua.
De tempos em tempos Fred faz planos para melhorar de vida ou ganhar dinheiro fcil.
Nesses momentos a dupla se porta como uma clssica dupla de amigos dos desenhos HannaBarbera, tal qual Z Colmia e Catatau ou Manda-Chuva e Batatinha. Quando tais planos do
certo, Fred costuma soltar seu famoso Yabba-dabba-doo!, porm quando algo sai errado a
dupla costuma brigar, cabendo s esposas uni-los novamente. Posteriormente a srie evolui,
com a insero de filhos, deixando a temtica central ainda mais familiar.
O design criado tambm por Ed Benedict proporciona aos personagens da srie um
dilogo visual com os demais desenhos criados pelo estdio at ento. Todava o aspecto mais
relevante do design dessa srie referente ambientao. As casas e mveis completamente
feitos de pedra do a certeza de quando a narrativa se passa, enquanto os utenslios
domsticos criados partir de animais parodiam o estilo de vida americano.
58
Meu camarada, amigo do peito e parceiro para toda a vida. (traduo nossa)
83
59
84
Um dos maiores eventos musicais (seno o maior) de todos os tempos, realizado em 1969 na cidade de White
Lake, NY. Fonte: <http://www.woodstockstory.com/> (Acessado em: 18 nov. 2010)
61
Isso de fato ocorre, j que a Warner Bros. Animation publica atualmente uma nova verso do desenho. Fonte:
<http://www.cartoonnetwork.com/tv_shows/scoobydoomysteryinc/index.html> (Acesso em: 18 nov. 2010)
85
86
forma pela qual essa mensagem transmitida, a partir de sua plasticidade. Contudo esses dois
planos apenas fazem sentido quando analisados em conjunto.
O percurso gerativo prev trs nveis de profundidade em um texto: o nvel
fundamental, o nvel narrativo e por fim o discursivo. O primeiro e mais profundo o nvel
fundamental enquanto o mais superficial o discursivo. Ao analisarmos os nveis
fundamental e narrativo, percebemos uma relao isotpica dos episdios de uma mesma
srie. Isto quer dizer que as narrativas se repetem, e geralmente os personagens acabam como
comearam, pois no h uma seqencialidade entre episdios. A turma de Manda-chuva
sempre inicia no beco, Fred e Barney sempre tem que trabalhar, e assim por diante. Em outras
palavras, os percursos narrativos e a moral da histria so sempre mantidos. J no nvel
discursivo, percebemos variaes entre os episdios, que ora falam dos rubis de um maraj,
ora de um concurso de beleza ou de uma viagem para o Havai.
Dom Pixote e Pepe Legal falam em seu nvel fundamental da justia em oposio
vilania. J Manda-Chuva reiteradamente ope a marginalidade (algo positivo para seu grupo
de amigos) a uma vida correta. Nos Flintstones, fundamentalmente vemos retratado o
cotidiano suburbano, com as contradies entre os vcios e as virtudes dos trabalhadores em
seus pequenos conflitos familiares. No nvel narrativo tambm percebemos essa distino
entre os desenhos. A construo da mesma, em linhas gerais, ocorre de maneira diferente.
Se analisarmos o desenho Dom Pixote podemos perceber que a nica premissa
existente em cada episdio a presena do personagem principal. O personagem funciona
basicamente como um ator, sendo colocado em lugares, tempos e situaes diferentes a cada
episdio, interagindo com personagens diferentes e utilizando-se do recurso da narrao para
contextualizar o telespectador.
Em Scooby-Doo, o telespectador sabe antes mesmo do episdio ter incio que o
mesmo grupo de adolescentes vai chegar a um local mal-assombrado em seu furgo e
desvendar algum mistrio, para num prximo episdio partir em busca de uma nova aventura.
Apesar do desenho pressupor que os personagens de Scooby-Doo vivam vidas contnuas,
diferentemente de Dom Pixote, cada episdio no provoca qualquer mudana no curso geral
do desenho.
87
Os Flintstones, por sua vez, possuem episdios sem uma continuidade direta. Porm a
srie evolui de acordo com determinados acontecimentos. Ao longo da srie temos episdios
determinantes, como a entrada de Dino para a famlia e a mudana de emprego de Barney,
durante a primeira temporada, ou o nascimento de Pedrita na terceira e a adoo de Bam-bam
na quarta, bem como o envelhecimento dos personagens durante os vrios anos em que a srie
foi transmitida. Todos esses so eventos que afetam o rumo da srie e de seus personagens.
O que podemos concluir a partir disso que a identidade de cada um desses desenhos
e a construo que os mesmos fazem da identidade do estdio Hanna-Barbera no se encontra
na maneira como as histrias so narradas, mas em como os temas so abordados e como os
personagens e suas relaes so construdas. Ou seja, o caminho para a identidade da marca
Hanna-Barbera passa predominantemente por seus personagens, seus comportamentos e seus
valores.
Apesar dos temas abordados pelos desenhos serem diversos, eles so constantemente
reiterados. E apesar de nem todos os temas estarem presentes em todos os desenhos, podemos
identificar uma constncia no desenvolvimento de certas temticas.
O primeiro e mais recorrente tema do qual podemos falar o companheirismo. Ele
est presente em muitos desenhos animados, principalmente os direcionados ao pblico
infantil. Da relao de Jambo e Ruivo, Scooby-Doo e Salsicha, praticamente todos os
desenhos do estdio exaltam a amizade enquanto virtude. O companheirismo entre os
personagens costuma ser retratado na forma de duplas: Pepe Legal e Babalu, Z Colmia e
Catatau, Fred Flintstone e Barney Rubble, Lippy e Hardy, Touch e Dum-dum, at mesmo na
dupla de viles Dick Vigarista e Mutley o companheirismo est presente.
comum vermos nesse tipo de relao o contraste entre esses companheiros. O
primeiro e geralmente o mais alto costuma ser o personagem principal e a metade ativa da
dupla. Insatisfeito com sua prpria situao, esse personagem um transgressor, tentando se
aproveitar da bondade ou inocncia dos outros. A nsia em alcanar seu objeto de valor - seja
esse comida, riqueza, ascenso social, uma cesta de piquenique ou o prmio de uma corrida faz com que passe por cima da amizade, o que acaba implicando nos descaminhos de sua
jornada e na privao de seu objetivo. Nesse perfil podemos enquadrar: Z Colmia, MandaChuva, Fred Flintstone, Lippy o Leo e Dick Vigarista.
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A soma desses fatores nos leva a crer que em um plano geral a marca Hanna-Barbera
satiriza o modo de vida americano e o sistema vigente de forma sutil, ao tratar as figuras de
autoridade, como guarda Belo e Smith, com certa insolncia ou ao mostrar que da Idade da
Pedra ao futuro mais distante os problemas do dia-a-dia continuam sendo exatamente os
mesmos. Valores familiares de convvio, amizade, colaborao e ajuda ao prximo so sempre
superiores a qualquer outro julgamento de valor, sendo sempre tratados com valorao, seja
ao mostrar a relao de amizade entre Fred e Barney, ao exaltar o resultado positivo do
trabalho em conjunto de Scooby-Doo e sua turma, ou at mesmo ao negar a vitria a Dick
Vigarista em funo de suas atitudes reprovveis. Por fim, percebemos nesses desenhos que a
inteligncia sempre prevalece sobre a fora bruta.
Como se podia imaginar, os valores, temas e histrias colocados nos desenhos
animados parecem indicar que a preocupao da marca muito mais divertir que educar.
Existem nas narrativas momentos para a realizao de pequenos impulsos, pequenas fantasias,
pequenos desejos, sejam eles de transgresso ou de enriquecimento. No entanto, ainda h
espao para o ensinamento de bons valores, principalmente quanto amizade, o convvio em
famlia e a ajuda ao prximo.
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5 CONCLUSO
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