Ulisses
Ulisses
Ulisses
Poema Ulisses
O mito o nada que tudo.
O mesmo sol que abre os cus
um mito brilhante e mudo
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este que aqui aportou,
Foi por no ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por no ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar nas realidade,
E a fecund-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Trata-se de um poema da primeira parte o Braso da Mensagemcolectnea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934,
data da sua publicao. Dentro desta integra-se nos Castelos. Esta obra
contm
poesia
de
ndole
pico-lrica
participando
assim
das
esquema
rimtico
ababa
/cdcdc/efefe,
sendo
ainda
grandeza que tem e poder ainda ter. Ulisses foi o primeiro impulso
para um povo que edificaria um imprio cuja cabea seria Lisboa. O
emprego constante dos oxmoros ou paradoxos foi por no ser ...
existindo e sem existir ... nos bastou e por no ter vindo .. foi vindo
e nos criou aparentemente contraditrias, na caracterizao de Ulisses,
exprimem o carcter contraditrio do mito. O uso do pretrito perfeito
nesta estrofe justifica-se pelo recuo a uma narrao do nosso passado.
As perifrsticas que aparecem nesta estrofe ser existindo e ter vindo e
foi vindo caracterizam o processo gradual da criao de mitos e da sua
aco.
Na terceira e ltima parte evidencia-se o estatuto criador do mito:
ele que fecunda a realidade, so as suas possibilidades criadoras que
do sentido ao real. Assim, o que verdadeiramente importa no a
existncia real de Ulisses mas aquilo que ele representa: o futuro
glorioso de Portugal s poder concretizar-se atravs da vivncia do mito
e da energia criadora que ele liberta. Desta forma, este poema poder
ajudar a explicar os poemas seguintes da Mensagem onde os heris
fundadores, apesar da sua existncia histrica feita de xitos e
fracassos, aparecem mitificados. Os dois ltimos versos podero
significar que sem mito no h vida, 2a vida (a realidade), que se
situa em baixo note-se a expresso adverbial, s tem sentido quando
para dentro dela escorre (movimento de cima para baixo) a lenda;
a passagem do nada ao tudo. As formas verbais escorre e decorre
contm o valor semntico de durao, traduzem assim a aco
duradoira e persistente do mito. O regresso ao presente do indicativo
coaduna-se com a concluso: a lenda essencial aos feitos dos grandes
povos. Alis esta concluso introduzida pela conjuno conclusiva
assim.