Sao Jeronimo Virgindade Perpetua de Maria Patristica
Sao Jeronimo Virgindade Perpetua de Maria Patristica
Sao Jeronimo Virgindade Perpetua de Maria Patristica
SUMRIO
Parte I : Introduo
Captulo 1
Captulo 2
Captulo 3
Parte II: Jos era o suposto marido de Maria; no era marido de fato
Captulo 4
Captulo 5
Captulo 6
Captulo 7
Captulo 8
ste tratado surgiu por volta do ano 383 dC, quando Jernimo e Helvdio se
encontravam em Roma, no tempo do papa Dmaso. As nicas informaes
contemporneas que se conservam de Helvdio so estas, fornecidas por
Jernimo.
A questo que trouxe este tratado luz foi: teria a Me de Nosso Senhor
permanecido virgem aps o nascimento de seu Filho? Helvdio afirmava que os
Evangelhos mencionando os "irmos" e "irms" do Senhor provavam que Maria teria
tido outros filhos, baseando sua opinio nos escritos de Tertuliano e Vitorino.
A concluso deste ponto de vista que a virgindade se situa numa posio inferior ao
casamento. Jernimo defende o outro lado, mantendo trs proposies contra Helvdio:
Parte I : Introduo
CAPTULO 1
H algum tempo, recebi o pedido de alguns irmos para responder a um panfleto
escrito por um tal Helvdio. Demorei para faz-lo, no porque fosse tarefa difcil defender a
verdade e refutar um ignorante sem cultura, que dificilmente tomou contato com os
primeiros graus do saber, mas porque fiquei preocupado em oferecer uma resposta digna,
que desmoronasse os seus argumentos.
Havia ainda a preocupao de que um discpulo confuso (o nico sujeito do mundo
que se considera clrigo e leigo; nico tambm, como se diz, que pensa que a eloqncia
consiste na tagarelice, e que falar mal de algum torna o testemunho de boa f) poderia
passar a blasfemar ainda mais, caso lhe fosse dada outra oportunidade para discutir. Ele,
ento, como se estivesse sobre um pedestal, passaria a espalhar suas opinies em todos
os lugares.
Tambm temia que, quando casse na realidade, passasse a atacar seus adversrios
de forma ainda mais ofensiva.
Mas, mesmo que eu achasse justos todos esses motivos para guardar silncio, muito
mais justamente deixaram de me influenciar a partir do instante em que um escndalo foi
instaurado entre os irmos, que passaram a acreditar nesse falatrio. O machado do
Evangelho deve agora cortar pela raiz essa rvore estril, e tanto ela quanto suas
folhagens sem frutos devem ser atiradas no fogo, de tal maneira que Helvdio - que jamais
aprendeu a falar - possa aprender, finalmente, a controlar a sua lngua.
CAPTULO 2
Invoco o Esprito Santo para que Ele possa se expressar atravs da minha boca e,
assim, defenda a virgindade da bem-aventurada Maria. Invoco o Senhor Jesus para que
proteja o santssimo ventre no qual permaneceu por aproximadamente dez meses, sem
quaisquer suspeitas de colaborao de natureza sexual. Rogo tambm a Deus Pai para que
demonstre que a me de Seu Filho - que se tornou me antes de se casar - permaneceu
Virgem ainda aps o nascimento de seu Filho.
No desejamos entrar no campo da eloqncia, nem usar de armadilhas lgicas ou
dos subterfgios de Aristteles. Usaremos as reais palavras da Escritura; [Helvdio] ser
refutado pelas mesmas provas que empregou contra ns, para que possa ver que lhe foi
possvel ler conforme est escrito, e, ainda assim, foi incapaz de perceber a concluso de
uma f slida.
CAPTULO 4
Consideremos cada um desses pontos, pois seguindo o caminho dessa impiedade
mostraremos que ele [Helvdio] est se contradizendo. Admite que [Maria] estava
"prometida" e que o prximo passo seria se tornar esposa daquele homem a quem estava
prometida. Novamente, ele a chama de "esposa" e diz que a nica razo para estar
prometida seria pelo fato de casar-se um dia. E, temendo que no o compreendssemos
suficientemente bem, ainda diz: "a palavra usada 'prometida' e no 'confiada', isto , ela
ainda no se tornara esposa, nem mesmo havia sido unida pelo contrato de casamento".
Mas quando ele continua: "o Evangelista jamais usaria tais palavras se eles no
viessem a se juntar futuramente, j que no se usa a frase 'antes de jantar' se certa
pessoa no for jantar", sinceramente no sei se devo lamentar ou rir. Deveria acus-lo de
ignorncia ou de imprudncia? Como se isto, supondo que uma pessoa dissesse: "Antes de
jantar no porto, naveguei para a frica", significasse que tais palavras obrigatoriamente
demonstrassem que essa pessoa alguma vez j jantou no porto. Se eu preferisse dizer: "o
apstolo Paulo, antes de ir para a Espanha, foi preso em Roma", ou (como tambm acho
provvel) "Helvdio, antes de se arrepender, morreu"; acaso teria Paulo obrigatoriamente
estado na Espanha [aps a priso], ou Helvdio se arrependeria aps a morte, ainda que a
Escritura diga: "No Sheol quem vos dar graas?"
Note-se que a prpria Maria respondeu ao [anjo] Gabriel com as seguintes palavras:
"Como se suceder isso, se no conheo varo?", dizendo isto a respeito de Jos; e, mais:
"Filho, por que fizeste isto conosco? Teu pai e eu estvamos tua procura". No fazemos
uso aqui, como muitos fazem, do discurso dos judeus ou dos escarnecedores. Os
Evangelistas chamam Jos de "pai" e Maria confessa que ele era pai. No - como j disse
antes - que Jos fosse realmente o pai do Salvador, mas, preservando a reputao de
Maria, todos o viam como sendo o pai [de Jesus], pois ouvira a advertncia do anjo: "Jos,
filho de Davi, no temas em tomar para ti Maria como tua esposa, pois o que nela foi
gerado provm do Esprito Santo", pois pensava em repudi-la em segredo; tudo isto bem
demonstrando que o filho no era dele.
Ao dizermos tudo isto, mais com o objetivo de oferecer uma instruo imparcial do
que responder a um oponente, mostramos o porqu Jos era chamado de pai de Nosso
Senhor e o porqu Maria era chamada de esposa de Jos. Isto tambm responde ao
porqu de certas pessoas serem chamadas de "seus irmos".
CAPTULO 5
Entretanto, este ltimo ponto encontrar seu lugar apropriado mais adiante.
Vamos agora abordar outros tpicos. A passagem que discutiremos agora : "E Jos
despertou de seu sono e fez conforme o anjo lhe ordenara, tomando-a como sua esposa; e
no a conheceu at que deu luz a um filho, e ele lhe colocou o nome de Jesus". Aqui,
antes de mais nada, absolutamente intil para o nosso oponente querer demonstrar, de
forma to elaborada, que essas palavras se referem cpula sexual, especialmente na
compreenso intelectual: qualquer um pode negar isso e toda pessoa de bom senso pode
imaginar a estupidez da refutao que Helvdio se esforou por sustentar. Ele quer nos
ensinar que o advrbio "at que" implica um tempo fixo e definitivo que, ao se completar,
ocorre o evento que at ento no se realizara; como neste caso: "e no a conheceu at
que deu luz um filho".
Segundo ele, claro que ela [Maria] foi conhecida depois, e que apenas aguardara o
tempo necessrio para o nascimento de seu filho. Para defender sua posio, [Helvdio]
amontoa textos e mais textos sem qualquer critrio, comportando-se como um gladiador
cego que fica movimentando sua espada a esmo, dizendo asneiras com sua lngua
barulhenta e terminando sem ferir ningum, a no ser a si prprio.
CAPTULO 6
Nossa resposta brevemente esta: as palavras "conhecer" e "at que", na linguagem
da Sagrada Escritura, possuem duplo significado. Do primeiro [quanto a "conhecer"], ele
mesmo [Helvdio] nos ofereceu uma dissertao para mostrar que pode se referir a relao
sexual, como tambm ningum duvida que pode ser usada para significar percepo
(entendimento, saber), como, por exemplo: "o menino Jesus permaneceu em Jerusalm e
seus pais no tinham conhecimento disso".
J que provamos que ele seguiu o uso da Escritura neste caso, com relao
expresso "at que" ser completamente refutado pela autoridade da mesma Escritura,
pois vrias vezes significa um certo tempo sem limitao, como quando Deus diz a certas
pessoas pela boca do profeta: "At vossa velhice Eu sou o mesmo"; acaso Ele deixar de
ser Deus aps essas pessoas envelhecerem? E, no Evangelho, o Salvador diz aos
Apstolos: "Estarei convosco at a consumao do mundo"; ser que quando chegar o fim
dos tempos o Senhor abandonar Seus discpulos e estes, quando estiverem sentados
sobre os doze tronos para julgar as doze tribos de Israel, estaro privados da companhia
de seu Senhor?
Tambm Paulo, ao escrever aos Corintios, declara: "[Cada um, porm, na sua ordem:]
Cristo, as primcias; depois os que so de Cristo, na sua vinda. Ento vir o fim quando ele
entregar o reino a Deus o Pai, quando houver destrudo todo domnio e toda autoridade e
todo poder. Pois necessrio que Ele reine at que haja posto todos os inimigos debaixo
de seus ps". Certos de que a passagem relata a natureza humana de Nosso Senhor, no
temos como negar que as palavras so Daquele que sofreu [morte] na cruz e que mais
tarde se sentou direita [de Deus]. O que Ele quer demonstrar ao dizer que " necessrio
que Ele reine at que haja posto todos os inimigos debaixo de seus ps"? O Senhor reinar
apenas at colocar todos os seus inimigos sob os seus ps e, depois disso, deixar de
reinar? bvio que seu reino estar comeando quando seus inimigos estiverem sob os
seus ps.
Tambm Davi, na Quarta Cano da Ascenso, fala assim: "Olhai: assim como os
olhos dos servos olha para a mo de seu mestre; assim como os olhos da moa olham
para a mo de sua senhora; assim tambm os nossos olhos olham para o Senhor, nosso
Deus, at que tenha misericrdia de ns". Ser ento que o profeta, olhando para Deus
com o intuito de obter misericrdia, ir desviar seu olhar para o cho assim que obtiver
misericrdia? [Certamente que no,] ainda que ele, em algum lugar, diga: "Meus olhos
quedam pela tua salvao e pela palavra da tua justia".
Eu poderia acrescentar inmeras passagens como estas que, atestam esse uso, e
cobriria com uma nuvem de provas a verbosidade do nosso contendente. Porm,
acrescentarei mais algumas passagens e deixarei que o leitor descubra outras
semelhantes por si mesmo.
CAPTULO 7
A Palavra de Deus diz em Gnesis: "Entregaram a Jac todos os deuses estranhos que
tinham em suas mos, e as argolas que penduravam em suas orelhas; e Jac os escondeu
debaixo do carvalho que est junto a Siqum , e continuam perdidos at o dia de hoje".
Igualmente lemos no final do Deuteronmio: "Assim, Moiss, servo do Senhor, morreu ali
na terra de Moab, conforme a palavra do Senhor. E foi sepultado no vale, na terra de
Moab, defronte de Beth-Peor; at o dia de hoje ningum sabe o lugar da sua sepultura".
Certamente devemos identificar a expresso "at o dia de hoje" com o tempo da
composio da histria, podendo vocs preferirem o ponto de vista que afirma que Moiss
foi o autor do Pentateuco ou que Esdras o reeditou. No fao qualquer objeo em ambos
os casos. A questo agora saber se as palavras "at o dia de hoje" se referem poca da
publicao ou composio desses livros e, caso o sejam, por que [Helvdio] no mostra agora que muitos e muitos anos se passaram desde aquele dia - que os dolos escondidos
sob o carvalho ou a sepultura de Moiss foram descobertos, j que ele sustenta, com
demasiada teimosia, que certa coisa no pode ocorrer dentro de um espao de tempo
delimitado pela expresso "at que" mas, para que venha a ocorrer, necessrio que
atinja aquele ponto delimitado por "at que"?
Ele faria bem se prestasse ateno ao idioma da Sagrada Escritura e compreendesse
como ns - j que se encontra mergulhado na lama; certas coisas parecem ambguas
quando no claramente declaradas, emboras outras coisas sejam deixadas assim para
exercitar o nosso intelecto. Ora, se ainda quando o evento permanecia fresco na memria
daqueles homens que viram e conviveram com Moiss j se desconhecia o local da
sepultura, quanto mais agora depois que tantos anos se passaram!
E da mesma forma devemos interpretar o que se conta a respeito de Jos. O
Evangelista apontou uma circunstncia que poderia causar escndalo, ou seja, que Maria
no foi conhecida por seu marido at dar luz, e ele (o Evangelista) agiu assim para que
tivssemos a certeza de que ela - de quem Jos se absteve enquanto havia lugar para
dvidas sobre a importncia da viso - no foi conhecida depois de seu parto.
CAPTULO 8
Em resumo: o que eu gostaria de saber por que Jos teria se privado [de Maria] at
o dia de ter ela dado luz? Helvdio certamente responderia: "Porque ele ouviu o que o
anjo disse: 'pois o que nela foi gerado provm do Esprito Santo'". Ns, ento,
responderamos a seguir que [Jos] certamente ouviu o que o [anjo] disse: "Jos, filho de
Davi, no temas em tomar para ti Maria como tua esposa". A razo pela qual ele estava
proibido de repudiar sua esposa era porque no achava que ela fosse adltera. Seria ento
verdade que o [anjo] ordenara que no tivesse relaes sexuais com sua esposa? No est
suficientemente claro que a advertncia feita foi para que no se separasse dela? E
poderia o homem justo pensar em se aproximar dela tendo ouvido que o Filho de Deus
estava em seu ventre? timo! Vamos ento acreditar que o mesmo homem que deu tanto
crdito a um sonho, no se atreveu a tocar em sua esposa, mesmo depois, quando ele
ouviu dos pastores que o anjo do Senhor desceu dos cus e lhes disse: "No temais! Eis
que vos anuncio uma grande alegria, que o ser tambm para todo o povo: nasceu-vos
hoje, na cidade de Davi, o Cristo Senhor"; e aps, quando a multido celeste se juntou ao
anjo e entoaram: "Glria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade"; e
ainda quando o justo Simeo abraou a criancinha e exclamou: "Podeis levar agora para ti
este teu Servo, Senhor, pois os meus olhos viram a tua salvao, conforme a tua palavra";
e tambm quando [Jos] viu a profetisa Ana, os Magos, a Estrela [de Belm], Herodes, os
anjos...
Eu diria ento: quer Helvdio nos fazer acreditar que Jos, muito bem inteirado de
tamanhas maravilhas, ousaria tocar o templo de Deus, a morada do Esprito Santo, a me
do seu Senhor? Maria mantinha todos esses eventos "guardados em seu corao". Vocs
no podem cair na vergonha de dizer que Jos desconhecia tudo isso, pois Lucas nos diz:
"Seu pai e sua me ficavam maravilhados das coisas que diziam a Seu respeito".
E vocs ainda afirmam, arrogantemente, que a leitura dos manuscritos gregos
corrupta, embora seja exatamente isso que todos os escritores gregos fizeram constar em
seus livros, e no apenas eles, mas tambm muitos escritores latinos interpretaram as
palavras da mesma forma... E nem precisaremos considerar as variaes existentes nas
cpias, pois todos os registros existentes, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, se
encontram assim desde que foram traduzidos para o Latim; portanto, devemos crer que a
gua da fonte brota mais pura que a [gua] do rio.
CAPTULO 10
CAPTULO 11
Darei agora uma resposta mais ampla a respeito das palavras "antes que
coabitassem" e "no a conheceu at que deu luz a um filho". Mas devo observar primeiro
que a minha resposta segue a ordem do argumento dele at o terceiro ponto, pois ele dir
que Maria teve outros filhos quando cita a passagem: "E Jos se dirigiu at a cidade de
Davi, para se inscrever com Maria, sua noiva, que estava grvida. Enquanto l estavam,
completaram-se os dias para o parto e ela deu luz ao seu filho primognito". Esfora-se,
assim, para provar que o termo "primognito" s pode ser aplicado a uma pessoa que teve
outros irmos e que, no caso, seriam filhos de seus pais.
CAPTULO 12
Nossa posio esta: todo filho nico primognito mas nem todo primognito
filho nico. Por primognito entendemos no apenas aquele que pode ser sucedido por
outros, mas aquele que no teve predecessor. Assim diz o Senhor a Abrao: "Todo aquele
que abrir o tero, de toda a carne, ser oferecido ao Senhor; tanto de homens como de
animais, ser teu. Contudo, os primognitos dos homens devero ser resgatados; tambm
os primognitos dos animais impuros resgatars".
A palavra de Deus define "primognito" como todo aquele que abriu o tero. Ora, se o
ttulo pertence apenas queles que tm irmos mais jovens, ento os sacerdotes no
poderiam reivindicar o primognito at que outros sucessores nascessem, pois, caso
contrrio, isto , se no houvesse outros partos, seria necessrio provar o estado de
primognito e no simplesmente o de filho nico.
"E aqueles que devem ser resgatados com um ms de idade, devem ser resgatados ,
de acordo com tua estimativa por cinco siclos [de moedas], alm do siclo do santurio.
Mas o primognito de um boi ou de uma ovelha ou de uma cabra, no devers resgatar;
eles so sagrados". A palavra de Deus me compele a dedicar a Deus o que quer que abra
o tero se for o primognito de animais puros; se de animais impuros, devo resgat-lo,
dando o valor devido ao sacerdote.
Poderia replicar: Por que me sujeitais ao curto espao de um ms? Por que falais do
primognito, quando no posso dizer que h irmos que iro nascer? Esperai at que
nasa o segundo filho.
No explico nada ao sacerdote, como se apenas o nascimento do segundo desse ao
primeiro que tive a condio de primognito. No deveria, ao p da letra, chamar-me e
convencer-me de louco, se em vez de declarar que primognito um ttulo devido quele
que rompe o tero, pretendesse restringir essa condio queles que aps tero irmos?
Ento, tomando o caso de Joo: estamos de acordo que ele foi filho nico; eu precisaria
saber se ele no foi tambm filho primognito, e se no foi absolutamente sujeito lei.
No h dvidas quanto a isso.
toda hora a Escritura assim fala do Salvador: "E quando chegou o dia de sua
purificao, de acordo com a lei de Moiss, eles o levaram a Jerusalm para apresent-lo
ao Senhor [como est prescrito na lei do Senhor, todo macho que abre o tero deve ser
consagrado ao Senhor] e para oferecer em sacrifcio de acordo com o que prescrito na lei
do Senhor, um par de rolinhas ou duas pombas novas". Se esta lei se refere somente aos
primognitos, e esses deveriam ser os primognitos com irmos sucessores, ningum
seria obrigado pela lei se no pudesse afirmar que houve sucessores. Mas visto que, como
aquele que no tem irmos mais novos, sujeito lei do primognito, deduzimos que
chamado primognito aquele que abre o tero da me e que no foi precedido por
ningum, e no aquele cujo nascimento foi seguido por outro de irmo mais novo.
Moiss escreve no xodo: "E acontecer ao passar da meia-noite que o Senhor ferir
todos os primognitos das terras do Egito, desde o primognito do Fara que reina em seu
trono at os primognitos dos cativos que estiverem nas prises; e todos os primognitos
do acampamento". Diga-me: eram os que pereceram pelas mos do Exterminador
somente seus primognitos, ou algum mais, ou seja, os filhos nicos? Se somente
aqueles que tinham irmos eram chamados primognitos, somente os filhos nicos
escaparam da morte. E se, de fato, os filhos nicos foram trucidados, isso se ope
sentena pronunciada, porque nascidos para morrer eram somente os primognitos. Voc
dever ou livrar os filhos nicos da pena, e nesse caso, se tornar ridculo; ou, se concorda
que eles foram mortos, ganhamos a questo, embora no tenhamos de lhe agradecer isso,
porque os filhos nicos eram tambm primognitos.
CAPTULO 13
A ltima proposio de Helvdio era esta, e era o que ele queria demonstrar quando
tratou dos primognitos, afirmando que so citados nos Evangelhos os irmos de Jesus.
Por exemplo: "Ora, sua me e seus irmos permaneciam procurando falar com Ele". E em
outro lugar: "Depois disso Ele foi para Cafarnaum, com sua me e seus irmos". E de novo:
"Seus irmos ento lhe disseram: 'Parte daqui e vai para a Judia, porque teus discpulos
podem tambm testemunhar as obras que fazes. Porque ningum faz nada em segredo,
mas procura ser conhecido abertamente. Se realizas tais coisas, manifesta-te ao mundo".
E Joo acrescenta: "Porque mesmo seus irmos no acreditavam nele".
Tambm Marcos e Mateus: "E indo sua prpria terra, ensinava em suas sinagogas,
tanto que [sua gente] ficava atnita e dizia: 'De onde tirou este homem tal sabedoria e
miraculosas obras? No o filho do carpinteiro. No sua me chamada Maria e seus
irmos Tiago, Jos, Simo e Judas? E suas irms no moram conosco?'". Lucas, tambm,
nos Atos dos Apstolos relata: "Todos aqueles com um s propsito continuaram firmes na
orao, com as mulheres e Maria, a me de Jesus, e com seus irmos".
Paulo, o Apstolo, tambm uma vez esteve com eles, e testemunha sua preciso
histrica: "E cresci pela revelao, mas no vi os outros apstolos, a no ser Pedro e Tiago,
o irmo do Senhor". E de novo, em outro lugar: "No temos o direito de comer e beber?
No temos o direito de trabalhar com as vivas, assim como o resto dos Apstolos, os
irmos do Senhor e Pedro?"
E, por medo, ningum aceitou o testemunho dos judeus, pois foi de sua boca que
ouvimos o nome de Seus irmos, mas mantivemos que seus conterrneos ficaram
decepcionados com esse mesmo erro a respeito dos irmos pelo qual [os judeus]
passaram a acreditar sobre o pai, Helvdio profere uma dura observao de advertncia e
grita: "Os mesmos nomes esto repetidos pelos Evangelistas em outro lugar e as mesmas
pessoas so ali irmos do Senhor e filhos de Maria".
Mateus diz: "E muitas mulheres estavam ali (sem dvida ao p da cruz do Senhor),
observando de alguma distncia, e elas tinham seguido Jesus desde a Galilia, ajudando-o,
entre as quais estava Maria Madalena, Maria a me de Tiago menor e de Jos, e Salom";
e no mesmo lugar, logo depois: "E muitas outras mulheres que subiram com Ele a
Jerusalm".
Lucas tambm diz: "Ali estavam Maria Madalena e Joana, e Maria, a me de Tiago, e
as outras mulheres com elas".
CAPTULO 14
Minha razo para repetir sempre a mesma coisa para adverti-lo para no fazer uma
falsa afirmao, divulgando que eu deixei de lado tais passagens, como propcias a voc, e
que essa interpretao foi desfigurada e desfeita no pela evidncia da Escritura, mas por
argumentos evasivos.
"Observe:" - diz ele - "Tiago e Jos so filhos de Maria, e so as mesmas pessoas que
so chamadas irmos pelos judeus. Note que Maria a me de Tiago o menor e de Jos. E
Tiago chamado o menor para distingui-lo de Tiago o maior que era filho de Zebedeu,
como Marcos afirma em outro lugar; E Maria Madalena e Maria a me de Jos estavam
onde ele (=Jesus) fora colocado. E quando passou o Sbado, elas compraram essncias
para irem ungi-lo". E, como era de se esperar, ele diz: "Quo pobre e mpia viso temos de
Maria, se afirmamos que quando outras mulheres estavam ocupadas com o sepultamento
de Jesus, ela, Sua me, estava ausente; ou se inventamos alguma outra Maria; e tudo o
mais porque o Evangelho de So Joo testemunha que ela estava ali presente, quando o
Senhor, do alto da cruz a recomendou como Sua me, agora uma viva, aos cuidados de
Joo. Ou deveramos supor que o Evangelista caiu em tamanho erro e nos induziu a
tamanho erro, chamando Maria a me daqueles que eram conhecidos dos judeus como
irmos de Jesus?"
CAPTULO 15
Que cegueira, que raivosa loucura o leva sua prpria destruio! Voc (Helvdio) diz
que a me do Senhor estava presente ao p da cruz; diz que ela foi confiada ao discpulo
Joo por causa de sua viuvez e condio de soledade, como se no ponto de vista de sua
prpria afirmao, ela no tivesse quatro filhos e numerosas irms, com o conforto dos
quais ela poderia se apoiar? Voc tambm lhe d o nome de viva, que no se encontra na
Escritura. E embora cite, a cada momento, o Evangelho, somente as palavras de Joo lhe
desagradam. Voc diz, de passagem, que ela estava presente ao p da cruz porque parece
que voc no a omitiu de propsito, e contudo [no diz] nenhuma palavra sobre as
mulheres que estavam com ela. Poderia perdo-lo se fosse ignorante, mas vejo que voc
tem uma razo para suas omisses.
Deixe-me destacar ento o que Joo disse: "Mas estavam de p junto cruz de Jesus
sua me, a irm de sua me, Maria, a esposa de Clofas, e Maria Madalena".
No h nenhuma dvida que existiam dois apstolos chamados pelos nomes de
Tiago: Tiago, o filho de Zebedeu, e Tiago, o filho de Alfeu. Por acaso voc tem em vista que
o comparativamente desconhecido Tiago o menor, que chamado nas Escrituras filho de
Maria, no contudo de Maria a me do Nosso Senhor, era apstolo ou no ? Se era um
apstolo, devia ser o filho de Alfeu e um crente em Jesus, "porque nem seus irmos
acreditavam n'Ele". Se no era um apstolo mas um terceiro Tiago (que possa ser, no
sei), como poderia ser tido como o irmo do Senhor, e como, sendo um terceiro, poderia
ser chamado "menor" para ser destinguido do "maior" , porquanto maior e menor so
usados para mostrar relao existente no entre trs, mas entre dois? Observe, ainda
mais, que o irmo do Senhor um apstolo, uma vez que Paulo diz: "Ento depois de trs
dias eu fui a Jerusalm para visitar Pedro e fiquei com ele quinze dias. Mas no vi nenhum
outro dos apstolos, a no ser Tiago, irmo do Senhor". E na mesma Epstola: "E quando
eles perceberam a graa que me foi concedida, Tiago, Pedro e Joo que eram considerados
os pilares" etc.
E voc no poder supor que esse Tiago fosse o filho de Zebedeu, bastando para isso
ler os Atos dos Apstolos, onde voc encontrar que esse ltimo j tinha sido trucidado
por Herodes. A nica concluso que a Maria que descrita como a me de Tiago o
menor era a esposa de Alfeu e irm de Maria, a me do Senhor, aquela que chamada por
Joo Evangelista "Maria de Clofas", seja por filiao, seja por parentesco, seja por outra
razo.
Mas se voc julga que so duas pessoas porque em outro lugar lemos: "Maria a me
de Tiago menor" e aqui: "Maria de Clofas", voc ter a aprender ainda que era costume
na Escritura dar diferentes nomes ao mesmo indivduo. Raguel, sogro de Moiss,
chamado tambm de Jetro. Gedeo, sem nenhuma outra razo aparente para a troca, de
repente se torna Jerubbaal. Ozias, rei de Jud, tem, como nome alternativo, Azarias. O
Monte Tabor chamado Itabyrium. Igualmente, o Hermon chamado pelos fencios Sanior,
e pelos amorreus Sanir. O mesmo pedao do pas conhecido por trs nomes: Negebb,
Teman e Darom, em Ezequiel. Pedro tambm chamado Simo e Cefas. Judas, o zelote,
em outro Evangelho chamado Tadeu. H numerosos outros exemplos que o leitor pode
por si mesmo colecionar, em toda a Escritura.
CAPTULO 16
Agora aqui temos a explicao do que eu me esforcei por mostrar, como foi que os
filhos de Maria, a irm da me de Nosso Senhor, que anteriormente eram tidos por no
crentes, e que depois passaram a acreditar, podem ser chamados irmos do Senhor.
Possivelmente, o caso foi que um dos irmos acreditou imediatamente enquanto os outros
no acreditaram seno muito depois, e que uma Maria era a me de Tiago e Jos,
chamada "Maria de Clofas", que a mesma dita esposa de Alfeu, e a outra, a me Tiago
o menor. De qualquer modo, se ela (esta ltima) fosse a me do Senhor, So Joo teria lhe
concedido seu sublime ttulo, como em todos os demais lugares, e no teria passado uma
impresso errnea, chamando-a me de outros filhos. Mas neste ponto no desejo argir a
favor ou contra a suposio de que Maria, a esposa de Clofas, e Maria, a me de Tiago e
Jos, eram mulheres diferentes, uma vez que est claramente entendido que Maria, a me
de Tiago e Jos no era a mesma pessoa que a me do Senhor.
Como, ento - pergunta Helvdio - explica voc que eram chamados irmos do Senhor
aqueles que no eram seus irmos?
Mostrarei como.
Na Sagrada Escritura h quatro espcies de irmos: pela natureza, pela raa, pelo
parentesco e pelo amor.
Exemplos de irmos pela natureza foram Esa e Jac, os doze patriarcas, Andr e
Pedro, Tiago e Joo.
Irmos de raa, eram todos os judeus que assim se chamavam um ao outro, como no
Deuteronmio: "Se teu irmo, um homem hebreu, ou uma mulher hebria, te for vendida,
ele servir por seis anos; ento, no stimo ano, deixars que ele se v livre". E antes, no
mesmo livro: "Devers de qualquer maneira faz-lo teu rei aquele que o Senhor teu Deus
escolher: um dentre teus irmos dever ser feito teu rei; no pors um estrangeiro acima
de ti, que no teu irmo". E de novo: "No devers ver o boi ou a ovelha de teu irmo se
extraviar e ficares omisso; devers com segurana lev-los de novo para teu irmo. E se
teu irmo no morar perto de ti, ou se no o conheces, ento deves traz-los para tua
casa, e ficaro contigo at que teu irmo venha procur-los, e tu deves devolv-los a ele
de volta". E o Apstolo Paulo diz: "Desejaria eu mesmo ser reprovado por Cristo pela
salvao de meus irmos, meus prximos pela carne, que so os israelitas".
E ainda mais: so chamados irmos por parentesco aqueles que so de uma famlia,
que ptrio, que corresponde palavra latina "paternidade", porque de uma nica raiz
procede uma numerosa prognie. No Gnese, lemos: "E Abrao disse a Lot: 'Que no haja
luta, eu te peo, entre mim e ti, e entre meus pastores e os teus, porque somos irmos'". E
de novo: "Assim Lot escolheu para si toda a plancie do Jordo, e se direcionou para leste.
E eles se separaram, um irmo do outro". Certamente Lot no era irmo de Abrao, mas o
filho do irmo Aram de Abrao. Porque Terah gerou Abrao, Nahor e Aro. E Aro gerou
Lot. De novo, lemos: "E Abrao tinha setenta e cinco anos quando partiu de Haram. E
Abrao levou Sarai sua esposa, e Lot, filho de seu irmo".
Mas se voc (Helvdio) ainda duvida que um sobrinho possa ser chamado filho,
permita-me dar-lhe um outro exemplo: "E quando Abrao ouviu que seu irmo fora feito
escravo, tomou seus experimentados homens, nascidos em sua casa, trezentos e dezoito".
E depois de descrever o ataque e o massacre noturno ele acrescenta: "E trouxe de volta
todos os bens, assim como seu irmo Lot". Que isso seja suficiente como prova de minha
afirmao. Mas por medo, voc pode levantar alguma objeo cavilosa, e se contorcer em
seu aperto como uma cobra; assim devo imobiliz-lo rapidamente com as garantias de
provas para faz-lo parar de sibilar e murmurar, porque sei que voc gostaria de dizer que
est baseado no tanto na verdade da Escritura mas em complicados argumentos.
Jac, o filho de Isaac e Rebeca, quando por medo da perfdia de seu irmo tinha ido
para a Mesopotmia, retirou-se para perto [de Labo], rolou a pedra da tampa do poo e
bebeu da fonte de Labo, irmo de sua me. "E Jac beijou Raquel, ergueu sua voz e
chorou. E Jac disse a Raquel que ele era irmo de seu pai, que era filho de Rebeca". Aqui
est um exemplo da regra j referida, pela qual um sobrinho chamado de irmo. E mais:
"Labo disse a Jac: 'Porque tu s meu irmo, poderias doravante trabalhar para mim sem
pagamento? Diga-me qual o teu propsito'". E assim, quando ao fim de 12 anos, sem
conhecimento de seu tio e acompanhado por suas esposas e filhos estava retornando para
sua terra, quando Labo os alcanou na montanha de Gilead e no conseguiu encontrar os
dolos que Raquel escondera em sua bagagem, Jac fez uma pergunta a Labo: "Qual
minha transgresso? Qual meu pecado, para que tu me venhas to irado e me persigas?
Procuraste tudo em minhas bagagens! O que encontraste em todos meus utenslios? Digas
aqui, irmos perante irmos, para que eles julguem a ns dois".
Diga-me [Helvdio] quem so esses irmos de Jac e Labo que esto aqui presentes?
Esa, irmo de Jac, certamente no estava l, e Labo, o filho de Bethuel, no tinha
irmos, embora tivesse uma irm, Rebeca.
CAPTULO 17
Inumerveis exemplos da mesma espcie podem ser vistos nos Livros Sagrados.
Mas, para abreviar, volto ltima das quatro espcies de irmos, aqueles, esclareo,
que so irmos por afeio, e estes novamente so de duas espcies: aqueles por um
relacionamento espiritual e aqueles por um relacionamento geral. Digo espiritual porque
todos ns cristos somos chamados irmos, como no verso: "Veja como bom e agradvel
para os irmos viverem juntos na unidade". E em outro Salmo, o Salvador diz: "Eu
enumerarei teu nome entre meus irmos". E , em outro lugar: "V a meus irmos e dizelhes..."
Eu disse - por relacionamento geral - porque ns somos todos filhos de um mesmo
Pai, h como um penhor de irmandade entre ns todos. "Dizei queles que vos odiarem:" diz o profeta - "vs sois nossos irmos". E o Apstolo escrevendo aos Corntios: "Se algum
homem que chamado irmo for um fornicador, ou avarento, ou idlatra, ou caluniador,
ou beberro, ou autor de extorses, com algum assim, no se deve comer".
Agora eu pergunto que classe voc considera que devem pertencer os irmos do
Senhor, no Evangelho. Eles so irmos por natureza, voc responde. Mas a Escritura no
diz isso. No os chama nem filhos de Maria, nem de Jos. Poderamos dizer que eles eram
irmos pela raa? No entanto, seria absurdo supor que uns poucos judeus fossem
chamados irmos quando todos os judeus daquele tempo poderiam, a esse ttulo,
reivindicar o nome. Eram eles irmos pela virtude de intimidade estreita e de unio de
corao e pensamento? Se eram assim, quais eram exatamente seus irmos mais do que
os apstolos que receberam sua instruo privada e eram chamados por Ele Sua me e
Seus irmos? Novamente, se todos os homens, como visto, eram seus irmos, seria
loucura dar uma mensagem especial: "Vede, seus irmos o procuram" porque todos os
homens semelhantemente mereceriam esse nome.
A nica alternativa adotar a explicao anterior e considerar que so chamados
irmos em virtude do vnculo de parentesco, no de amor e simpatia, nem por
prerrogativa de raa, nem pela natureza. Exatamente como Lot foi chamado irmo de
Abrao, e Jac, de Labo, exatamente como as filhas de Zelophehad receberam um lote
entre seus irmos, exatamente como o prprio Abrao tinha a esposa Sarai por sua irm,
porque ele diz: "Ela de fato minha irm, por lado de pai, no pelo lado da me" o que
quer dizer, ela era filha de seu irmo e no de sua irm. De outro modo, o que diremos de
Abrao, um homem justo, falando que a esposa era filha de seu prprio pai?
A Escritura, relatando a histria dos homens nos tempos primitivos, no ultraja
nossos ouvidos falando da amplitude em termos expressos, mas prefere deix-la ser
inferida pelo leitor. Deus mais tarde aplicou a sano de lei proibio, estabelecendo:
"Quem toma sua irm, filha de seu pai, ou de sua me, e mostra sua nudez, comete
abominao, dever ser morto. Aquele que descobre a nudez de sua irm, dever pagar
seu pecado".
CAPTULO 18
H coisa que, em sua extrema ignorncia, voc nunca leu e, portanto, voc
negligenciou toda a imensidade da Escritura e usou sua maldade para ultrajar a Virgem,
como o homem da histria que sendo desconhecido de todo mundo e achando que
poderia tramar um mau ato pelo qual ganhasse renome, incendiou o templo de Diana; e
quando ningum revelou o ato sacrlego, diz-se que ele prprio apareceu e se proclamou
como aquele que nele pusera fogo. Os administradores de feso ficaram curiosos em
saber o que o levara a agir de tal modo, quando ento ele respondeu que se no tinha
fama por boas obras, todos poderiam lhe dar crdito por uma m. A histria grega relata o
incidente.
Mas voc fez pior. Voc ps fogo no templo do corpo do Senhor, voc aviltou o
santurio do Esprito Santo, do qual se props a fazer gerar um grupo de quatro irmos e
uma poro de irms. Numa palavra, juntando-se ao coro dos judeus, voc diz: "No este
o filho do carpinteiro No sua me chamada Maria? E seus irmos Tiago, Jos, Simo e
Judas? E suas irms no moram todas conosco?". A palavra "todas" no seria usada se no
houvesse um grande nmero delas. Rogo-te: diga-me quem, antes de voc surgir, tinha
conhecimento desta blasfmia? Quem imaginou essa teoria digna de dois centavos? Voc
obteve seu propsito e se tornou notrio por um crime. Pois eu mesmo que sou seu
oponente, embora vivamos na mesma cidade, eu no o conheo como o autor disso, no
sei se voc branco ou negro.
Omito as faltas de dico que abundam em todos os livros que escreveu. No digo
nada sobre sua introduo absurda. Bons cus! Eu no procuro eloqncia, embora voc
mesmo no a tenha; voc contou para isso com a ajuda de seu irmo, Cratrio. Eu no
procuro graa e estilo, mas busco pureza de alma, porque entre cristos o maior dos
solecismos e dos vcios de estilo fundamentar algo na palavra ou ao. Chego concluso
de meu argumento. Concordarei com voc em que eu no ganhei nada; e voc se
encontrar num dilema.
claro que os irmos de Nosso Senhor usaram o nome da mesma maneira como Jos
era chamado seu pai: "Eu e teu pai te procurvamos preocupados"; foi Sua me que disse
isso, no os judeus. O Evangelista relata que Seu pai e Sua me ficaram admirados com as
coisas que se falavam a Seu respeito, e h uma passagem semelhante, que j citamos, na
qual Jos e Maria so chamados Seus pais. Sabendo que voc tem sido louco o bastante
para se persuadir que os manuscritos gregos esto corrompidos, agora voc talvez alegue
a diversidade de interpretaes.
Ento procuro o Evangelho de Joo e ali est claramente escrito: "Filipe encontrou
Natanael, e lhe disse, ns encontramos aquele de quem Moiss na lei, e os profetas
escreveram, Jesus de Nazar, o filho de Jos". Voc encontrar certamente isso em seu
manuscrito. Agora me diga: como Jesus filho de Jos quando est claro que Ele fora
gerado pelo Esprito Santo? Era Jos seu verdadeiro pai? Obtuso como voc , no se
aventurar a dizer isso. Era seu suposto pai? Se era, que a mesma regra que voc aplica a
Jos, seja aplicada queles que eram chamados irmos, assim como voc chama Jos de
pai.
homem sbio. Mas eu penso que melhor refutar brevemente cada ponto do que
prolongar meu livro por uma extenso indevida.
CAPTULO 20
Agora dirijo meu ataque contra a passagem na qual, desejando mostrar seu talento
voc faz uma comparao entre virgindade e casamento. Eu no poderia deixar de rir, e
penso no provrbio: viu voc alguma vez uma dana cautelosa?
Voc pergunta: "So as virgens melhores do que Abrao, Isaac e Jac, que foram
casados? No so as crianas diariamente moldadas pelas mos de Deus no tero de suas
mes? E se assim , somos constrangidos a nos ruborizarmos pelo pensamento de Maria
tendo um marido depois do parto? Se julgam que h alguma desgraa nisto, no deviam
coerentemente acreditar que Deus nasceu da Virgem por parto normal. Porque de acordo
com esses, h mais desonra numa virgem dando luz a Deus pelos rgos geradores, do
que numa virgem que se juntou a seu prprio esposo depois que deu luz".
Acrescente, se quiser, Helvdio, as outras humilhaes da natureza, o tero de nove
meses se tornando cada vez maior, a doena, o parto, o sangue, os cueiros. Imagine voc
mesmo o menino envolto na placenta. Imagine a dura manjedoura, o choro do menino, a
circunciso no oitavo dia, o tempo de purificao, de modo que possa ficar comprovado
que tudo era impuro. No enrubescemos, voc no nos impe silncio. Maior humilhao
Ele sofreu por mim, a maior que o atingiu. E quando voc tiver dado todos os detalhes,
no estar apto a apontar nada mais vergonhoso do que a cruz que confessamos, na qual
acreditamos e pela qual triunfamos sobre todos nossos inimigos.
CAPTULO 21
Mas como no negamos o que est escrito, assim tambm rejeitamos o que no est
escrito. Acreditamos que Deus nasceu de uma Virgem, porque lemos assim. No
acreditamos que Maria teve unio marital depois que deu luz porque no lemos isso.
Nem afirmamos tal para condenar o casamento, porque a virgindade o fruto do
casamento; mas porque quando estamos tratando de santos no devemos julgar
apressadamente. Pois se adotssemos a possibilidade como padro de julgamento,
poderamos sustentar que Jos teve vrias esposas porque Abrao teve, e tambm Jac, e
que aqueles que eram irmos do Senhor nasceram daquelas esposas, uma criao
imaginria que alguns sustentam com uma temeridade que nasce da audcia e da
piedade.
Voc diz que Maria no continuou virgem. Eu brado ainda mais que Jos, ele mesmo,
aceitou que Maria era virgem, de modo que de um casamento virgem nasceu um filho
virgem. Porque se, como um homem santo, ele no se apresentou com a acusao de
fornicao, e est escrito que ele no teve outra esposa, mas foi o guardio de Maria,
aquela que foi tida por sua esposa mas no ele por seu marido; a concluso que aquele
que foi julgado digno de ser chamado pai do Senhor, permaneceu casto.
CAPTULO 22
E agora que vou fazer uma comparao entre virgindade e casamento, rogo a meus
leitores para no suporem que louvando a virgindade, tenho em menor grau o casamento,
e discrimino os santos do Antigo Testamento com relao queles do Novo, isto , aqueles
que tinham esposas daqueles que se mantiveram livres dos laos de mulheres; antes,
penso que de acordo com a diferena de tempo e circunstncias, uma regra foi aplicada
aos primeiros, uma outra a ns, sobre quem sobrevir o fim do mundo.
Tanto que continua vigorando a lei : "Sede frteis e multiplicai-vos e povoai a terra";
e: "Amaldioada a mulher estril que no gerou semente em Israel"; elas todas que
casaram e foram dadas em matrimnio, deixaram pai e me, e se tornaram uma s carne.
Mas de repente com a fora do trovo se fizeram ouvir essas palavras: "O tempo est
se acabando, em que doravante aqueles que tm esposas sejam como se no tivessem";
aderindo ao Senhor, ns somos feitos um esprito com Ele. E por qu?
Porque "aquele que solteiro est preocupado com as coisas do Senhor, de modo
que poder agradar ao Senhor; mas aquele que casado est preocupado com as coisas
do mundo, do modo como agradar a sua esposa. E aqui est a diferena tambm entre a
esposa e a virgem. Aquela que solteira est preocupada com as coisas do Senhor,
porque ser santa tanto no corpo como no esprito; mas aquela que casada, est
preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradar a seu marido".
Por que voc sofisma? Por que resiste? O vaso de eleio disse isso. Disse-nos que h
uma diferena entre a esposa e a virgem. Observe qual deva ser a felicidade daquele
estado no qual mesmo a distino de sexo desaparece. A virgem no mais chamada
mulher. "Aquela que solteira est preocupada com as coisas do Senhor, de modo que
santa no corpo e no esprito".
A virgem definida como aquela que santa no corpo e no esprito, porque no
bom ter uma carne virgem se a mulher se pe casada no esprito. "Mas aquela que
casada est preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradar a seu marido".
Julga voc que no h diferena entre uma que gasta seu tempo em orao e jejuns
daquela que se sente impelida, ao aproximar-se seu marido, a arranjar sua aparncia,
andar com passos afetados, e demonstrar atos de carinho?
O objetivo da virgem aparecer menos faceira; ela quer se guardar de modo a
esconder suas atraes naturais. A mulher casada tem seu pincel preparado ante seu
espelho, e em desacordo com seu Criador, esfora-se para adquirir algo mais do que sua
beleza natural. Ento lhe chegam as conversas de seus filhos, o barulho da casa, as
crianas buscando sua palavra e pedindo seus beijos, a lista das despesas, o cuidado para
acertar as despesas. De um lado voc a v na companhia dos cozidos, cercada de gritos e
preparando o alimento; voc ali ouve o barulho de uma multido de fiandeiras. Enquanto
isso, chega uma mensagem que o marido e seus amigos esto chegando. A esposa, como
uma andorinha, voa por toda a casa. Ela deve cuidar de todas as coisas. Est o sof
arrumado? Est o piso varrido? Esto as flores nas jarras? E o jantar est pronto?
Diga-me, rogo-lhe, onde entre tudo isso h lugar para pensar em Deus? So essas
casas tranqilas? Onde h as batidas do tambor, o barulho e a algazarra do rgo e do
alade, o tinir dos cmbalos, pode se encontrar alguma preocupao com o temor de
Deus? O parasita repreendido e se sente orgulhoso da honra. Entram depois as vtimas
meio despreparadas para as paixes, uma referncia para todo olhar lbrico. A infeliz
esposa ou deve achar prazer neles e perecer, ou ficar desgostosa e provocar seu marido.
Disso surge a discrdia, a semente conspiratria do divrcio.
Ou suponha que voc encontre uma casa onde essas coisas so desconhecidas, o que
acontece em pequena proporo! Contudo, mesmo ali, o desempenho do dono da casa, a
educao das crianas, as necessidades do marido, a correo dos servos, no falham em
afastar a mente do pensamento de Deus. "Deixou de ficar com Sara como se fica com as
mulheres" - assim diz a Escritura, e mais tarde Abrao recebeu a ordem: "Presta ateno
em tudo o que Sara te disser". [Porque] ela no est tomada de ansiedades e dor de parto
e, tendo passado pela mudana de vida [sexual], deixou de exercer as funes de uma
mulher, estando liberta do esquecimento de Deus; no tem desejo por seu marido, mas,
pelo contrrio, seu marido se torna sujeita a ela, e a voz do Senhor lhe ordena: "Presta
ateno em tudo o que Sara te disser". Ento, comeam a ter tempo para rezar. Porque
CAPTULO 23
No nego que se encontram mulheres santas entre as vivas e aquelas que tm
marido; mas se tornam santas logo que deixam de ser esposas, ou se no estrito dever do
matrimnio imitam a castidade virginal. O Apstolo, como se Cristo falasse por sua boca,
brevemente deu testemunha disso quando disse: "Aquela que solteira est preocupada
com as coisas do Senhor, como poder agradar ao Senhor; mas aquela que casada est
preocupada com as coisas do mundo, como poder agradar a seu marido".
Ele nos deixa ao livre exerccio de nossa razo a esse respeito. No determina
obrigao a ningum nem induz algum em cilada; somente persuade quilo que prprio
quando deseja que todos os homens sejam como ele mesmo. No emitiu, verdade, um
mandamento do Senhor a favor da virgindade, porque essa graa sobrepuja o poder do
homem desassistido, e seria usar um ar de imodstia forar os homens a se porem a voar
em face de sua natureza, e dizer em outras palavras: "Quero que voc seja como so os
anjos do cu". essa anglica pureza que assegura virgindade a mais alta recompensa,
e o Apstolo poderia parecer desprezar um sistema de vida que no culposo.
No obstante, no contexto a seguir diz: "Mas presto meu julgamento como algum
que obteve misericrdia do Senhor para ficar fiel. Penso, portanto, que isso bom em
razo da atual aflio, ou seja, que bom para um homem ser como ele ". O que quer
dizer com "a atual aflio"?
"Haver aflio para aqueles que tiverem crianas e para aquelas que amamentarem
naqueles dias!" A razo por que a madeira cresce que poder ser cortada. O campo
semeado porque poder ser segado. O mundo est j repleto, e a populao est
demasiado grande para a terra. A cada dia somos dizimados pela guerra, levados pelas
doenas, tragados pelos naufrgios, embora continuemos a levar algum a juzo por causa
dos muros de nossa propriedade.
somente uma adio regra geral que feita por aqueles que seguem o Cordeiro, e
que no desvestiram seus ornamentos, que continuam em seu estado de virgindade.
Preste ateno ao significado de desvestir. Eu no me aventuro a explic-lo, por medo de
que Helvdio possa se tornar abusivo.
Concordo com voc, quando diz que algumas virgens no so seno mulheres de
taverna; digo ainda mais, que mesmo o pecado do adultrio pode ser encontrado entre
elas, e voc ficar sem dvida mais surpreso de ouvir que alguns do clero so taberneiros
e alguns monges no so castos. Quem no entende logo que uma mulher de taverna no
persistir virgem, nem adltero um monge, nem taberneiro um clrigo? Exigiremos
virgindade se a virgindade corrompida um pecado?
De minha parte, me omitindo das outras pessoas, e tratando dos castos, afirmo que
aquela que trabalha como vendeira, embora sem provas, poder ser virgem no corpo,
porm no mais ser casta em esprito.
Parte V: Concluso
CAPTULO 24
Eu me tornei retrico e agi um pouco como orador de plataforma. A isso me levou
voc, Helvdio; porque, da forma lcida como brilha o Evangelho atualmente, voc quer
que se d uma glria igual virgindade e ao estado matrimonial. E porque penso que,
sentindo a verdade muito forte, voc vir aviltar minha vida e abusar de meu carter (este
o modo das mulheres fracas cochicharem nos cantos quando so repreendidas por seus
senhores), vou me antecipando a voc:
- Asseguro que darei ateno s suas injrias como a uma elevada distino, uma vez
que os mesmos lbios que me atacam aviltaram Maria, e eu - um servo do Senhor - sou
favorecido com a mesma brava eloqncia de Sua me.