Exercícios de Português

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Universidade de So Paulo

Instituto de Fsica
Instituto de Qumica
Instituto de Biocincias
Faculdade de Educao

TEMPO, CINCIA, HISTRIA E EDUCAO:


UM DILOGO ENTRE A CULTURA E O
PERFIL EPISTEMOLGICO
Paulo Henrique de Souza

Orientador: Prof. Dr. Joo Zanetic

Dissertao de mestrado apresentada ao Instituto


de Fsica, ao Instituto de Qumica, ao Instituto de
Biocincias e a Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo, para a obteno do
ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.
Banca examinadora
Prof. Dr. Joo Zanetic (IFUSP)
Prof. Dr Maria Jos Pereira Monteiro de Almeida (UNICAMP)
Prof. Dra. Maria Beatriz Fagundes (CEFET-SP)

So Paulo
2008

AGRADECIMENTOS
Acredito que no existem trabalhos ou pesquisas, em que o pesquisador, ou aluno,
no tenha, deixado de participar de alguns momentos com a famlia ou amigos. O tempo no
suficiente para tudo. Esse trabalho tem um pouco do carinho, da pacincia, da participao
e da torcida, direta ou indiretamente, de parentes e amigos. Assim, agradeo a algumas
pessoas que de alguma forma participaram dessa jornada.
A Deus pelo tempo da sade e da vida que me doa.
minha esposa pelo tempo de amor, carinho, dedicao, apoio, confiana e
companheirismo doados durante nossa vida.
Ao meu filho Svio pelo tempo da alegria, felicidade e pureza impressos na minha vida.
minha filha Laura pelo tempo da esperana de uma vida nova que se inicia.
Aos meus Pais, Eva e Ademar pelo tempo de suas vidas dedicadas a minha vida.
Aos meus avs pelo tempo dos sonhos em vida e pelo tempo da saudade na memria.
Ao Marcelino e Maria Luiza, sogro e sogra, pelo tempo da pacincia e ajuda incondicional.
minha cunhada Mrcia pelo tempo de solidariedade na ajuda com meus filhos.
s minhas tias pelo tempo silencioso de torcida.
Ao meu orientador Joo Zanetic, pelo tempo de oportunidade, orientao, aprendizagem,
pacincia, amizade, luta poltica e liberdade de pensamento.
Maria Regina pelo tempo da reorientao dos caminhos.
Maria Jos e Beatriz pelo tempo de sugesto para meu crescimento profissional.
amiga Gisele, pelo tempo de confiana e amizade em todos esses anos de IFUSP.
Aos meus alunos pelo tempo da participao nas atividades e nas aulas.
Aos amigos do programa pelo tempo de luta e estudo.

Dedico com amor :


minha esposa Mariangela e aos meus filhos Svio e Laura. O tempo desse
trabalho pertence a eles

RESUMO
Esse trabalho tem como propsito central compreender e analisar a relao entre
o perfil epistemolgico do conceito de tempo e o perfil cultural de diferentes grupos de
alunos. Para isso, lana-se um breve olhar sobre o conceito de tempo ao longo da
histria segundo duas perspectivas: a da mensurao e a do carter filosfico e
cientfico. Essa reconstruo conceitual permite estabelecer uma relao entre o
conceito de tempo e a cultura ao longo da histria. Alm disso, busca-se nas noes de
perfil e obstculo epistemolgico de Gaston Bachelard e na gnosiologia de Paulo Freire,
um dilogo que fornea os principais pilares de sustentao da relao entre o perfil
epistemolgico e a cultura.
Por outro lado, investiga-se o perfil epistemolgico do conceito de tempo dos
estudantes do ensino fundamental, mdio e superior de uma instituio de ensino da
grande So Paulo e a relao com os prprios perfis culturais desses alunos, utilizando
como ferramenta metodolgica de levantamento de dados o questionrio.
Por fim, faz-se uma interpretao desses dados luz das teorias de Paulo Freire
e Gaston Bachelard, buscando entrelaar a cultura e o perfil epistemolgico, definindo
parmetros que permitem esboar perfis culturais e epistemolgicos, coletivos e
individuais, nos moldes Bachelardianos.

ABSTRACT
This work is to understand and analyze the central relationship between the
epistemological profile of the concept of time and cultural profile of different groups of
students. For this reason, launches, a brief look at the concept of time throughout history
according to two perspectives: that of the measurement and the scientific and philosophical
character. This reconstruction allows us to establish a conceptual link between the concept
of time and culture through history. Also, search on the terms of profile and epistemological
obstacle of Gaston Bachelard and gnosiologia of Paulo Freire, a dialogue that provides the
main pillars to sustain the relationship between the epistemological profile and culture.
Moreover, research is the epistemological profile of the concept of time for students
of primary, middle and top of an educational institution of Sao Paulo and great relationship
with their own cultural profiles of these students, using as a methodological tool of survey
data the questionnaire.
Finally, it is an interpretation of these data the light of the theories of Paulo Freire
and Gaston Bachelard, seeking intertwine culture and epistemological profile, defining
parameters that allow profiles outlining cultural and epistemological, collective and
individual, in line Bachelardianos.

NDICE
INTRODUO.................................................................................................................08
1. DIFICULDADES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE FSICA
1.1 Uma experincia pessoal..........................................................................................13
1.2 Problemas: um pequeno olhar..................................................................................15
1.3 Algumas possibilidades............................................................................................20
2. CONCEITO DE TEMPO SOB MLTIPLOS OLHARES
2.1 Nos calendrios e relgios........................................................................................31
2.2 Na fsica e na filosofia ..........................................................................................59
2.3 Na sociedade industrial moderna e contempornea..................................................86
2.4 Nos conceitos concorrentes.......................................................................................94
2.5 Na divulgao cientfica, fico cientifica, literatura e msica.................................99
2.6 Na pesquisa de ensino de cincias............................................................................104
3. REFERENCIAIS GNOSIOLGICOS E EDUCACIONAIS
3.1 A epistemologia de Gaston Bachelard .....................................................................108
3.2 As noes de obstculo e perfil epistemolgico..................................................... 110
3.3 Perfil epistemolgico: uma preferncia....................................................................117
3.4 Perfil Epistemolgico e o conceito de tempo...........................................................119
3.5 Paulo Freire: uma vida dedicada educao que liberta..........................................122
3.6 A teoria do conhecimento de Paulo Freire ..............................................................129
3.7 Bachelard e Paulo Freire: algumas aproximaes .................................................. 140
4. EDUCAO, CINCIA, CULTURA E PERFIL EPISTEMOLGICO
4.1 Sociedade e a cultura ...............................................................................................149
4.2 Currculo e a cultura.................................................................................................154

4.3 Perfil epistemolgico e a cultura.................................... ........................................158


5. A PESQUISA DE CAMPO: CONCEITO DE TEMPO E A CULTURA
5.1 O universo pesquisado...........................................................................................165
5.2 A metodologia .......................................................................................................166
5.3 Apresentao dos resultados...................................................................................170
5.4 Anlise dos resultados............................................................................................183
CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................200
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...........................................................................203
ANEXOS 1 ........................................................................................................................208
ANEXOS 2 ........................................................................................................................210
ANEXOS 3 ........................................................................................................................212
ANEXOS 4 ........................................................................................................................213
ANEXOS 5 ........................................................................................................................213
ANEXOS 6 ........................................................................................................................215
ANEXOS 7 ........................................................................................................................216
ANEXOS 8 ........................................................................................................................222
ANEXOS 9 ........................................................................................................................228
ANEXOS 10 ......................................................................................................................233

INTRODUO

H um momento para tudo e um tempo para todo propsito debaixo do cu.


Tempo de nascer, e tempo de morrer;(...)
Tempo de destruir, e tempo de construir
Eclesiastes: 3, 1-3

Pensar o tempo pensar em uma srie de elementos: idia, conceito, sentimento,


sensao, percepo, fluxo, experincia, entre outros. pensar em algo que no
exclusividade de nenhuma rea especfica. pensar no mltiplo, no interdisciplinar.
pensar em uma categoria ontolgica. pensar na vida.
nesse contexto que esse trabalho procura trazer uma contribuio. Sendo fruto de uma
experincia educacional, busca abrir mais um caminho na tentativa de entender um pouco
melhor o conceito de tempo e seu ensino.
Para isso, organiza-se o trabalho em duas partes. A primeira consiste em uma pesquisa
terica que envolve os captulos 1, 2, 3 e 4. A segunda parte uma pesquisa de campo
apresentada no capitulo 5.
A pesquisa terica analisa:
i.

a atual situao do ensino de fsica, discutindo suas dificuldades e apresentando


algumas possibilidades;

ii.

algumas concepes educacionais, epistemolgicas, gnosiolgicas e culturais;

iii.

uma reconstruo histrica do conceito de tempo.

A pesquisa de campo se dedica a estudar:


i.

a concepo de tempo de alunos do ensino fundamental, mdio e superior de


uma instituio de ensino da rede particular de Guarulhos, na grande So Paulo;

ii.

a relao entre o perfil epistemolgico do conceito de tempo, perfil cultural e


conduta pessoal, dos alunos pesquisados;

iii.

o desenvolvimento de ferramentas metodolgicas para investigao do conceito


de tempo e levantamento de elementos culturais.

O capitulo 1 apresenta de forma sucinta as motivaes pessoais trazidas da experincia


docente e dos debates no curso de graduao, que levaram escolha do conceito de tempo
como tema de pesquisa. Alm disso, reflete-se sobre o ensino de fsica na atualidade
apontando algumas de suas falhas, que em muitos casos coincidem com os problemas da
educao de uma maneira geral e, em seguida, apresenta-se algumas possibilidades, em
meio a tanta dificuldade, de se trabalhar na direo de novas alternativas para o ensino de
fsica.

No captulo 2 faz-se uma breve reconstruo histrica do conceito de tempo sob algumas
ticas especficas. Primeiramente o conceito de tempo visto no seu aspecto quantitativo,
discutindo a evoluo de calendrios e relgios, e em seguida, sob o olhar da histria da
cincia e da filosofia. Em ambos os casos, parte-se da antiguidade, passando pela Idade
Mdia e chegando poca contempornea, buscando apresentar o caminho histrico da
evoluo desse conceito. Considerou-se vlido destacar a apresentao das concepes de
tempo dos povos orientais, rabes, pr-colombianos e de algumas tribos indgenas
brasileiras, indo-se alm da tradicional apresentao das concepes ocidentais. Finalmente
dada tambm uma ateno especial s concepes de tempo de Galileu, Newton e Einstein,
alm de outros cientistas e filsofos. Ainda nesse captulo, alarga-se a reflexo sobre o
conceito de tempo, destacando-se sua presena na sociedade industrial moderna e
contempornea, em algumas obras de divulgao cientfica, em filmes de fico cientfica,
na literatura e em letras de msica. O objetivo desse alargamento apresentar a face
mltipla

do conceito de tempo e sua influncia na construo dessas diferentes

manifestaes culturais. Na seqncia, discute-se a presena do conceito de tempo na


pesquisa em ensino de cincia.
No captulo 3 apresenta-se os referenciais tericos gnosiolgico, epistemolgico e
educacional, que expressam a viso de mundo do pesquisador, alm de serem os alicerces
da pesquisa de campo. Na epistemologia o referencial central a filosofia do NO de
Gaston Bachelard, mais especificamente as noes de perfil epistemolgico e obstculo
epistemolgico e sua relao com o conceito de tempo. Paralelamente base
epistemolgica, reflete-se sobre a concepo educacional e gnosiolgica de Paulo Freire,
que forma o outro pilar de sustentao da pesquisa. J no final do captulo, discute-se
algumas possveis aproximaes entre Gaston Bachelard e Paulo Freire.
No captulo 4 prioriza-se a relao entre cultura, educao e a noo de perfil
epistemolgico. So analisadas algumas possibilidades de definir a cultura e sua relao com
a sociedade. Na seqncia apresentada uma discusso cultural no mbito das polticas
educacionais, em que a definio curricular enfatizada como um instrumento na busca de
definio de identidades individuais. Tambm nesse captulo se apresenta a cincia como
cultura e o conceito de tempo como algo que lhe caracterstico, destacando a relao entre
perfil epistemolgico e a cultura.

10

A pesquisa de campo apresentada no captulo 5, quando se analisa o estudo realizado


e os resultados obtidos. A metodologia foi centrada em questionrios, entendidos aqui como
uma atividade que possibilita uma tomada rpida de dados, facilitando o trabalho do
pesquisador diante da burocracia imposta pela instituio pesquisada. Nesse captulo so
apresentados esboos do perfil epistemolgico do conceito de tempo e do perfil cultural nos
moldes Bachelardianos. importante frisar que nesse captulo ocorre um entrelaamento
entre a pesquisa terica e a pesquisa de campo, sendo os resultados desta ltima analisados
tendo a pesquisa terica como pano de fundo, alm do prprio conhecimento que o
pesquisador tem do grupo pesquisado, na sua prtica como educador.
Por fim, so tecidas algumas consideraes finais, retomando criticamente o caminho
percorrido, apontando dificuldades encontradas e possibilidade para a continuidade da
pesquisa, alm das referncias bibliogrficas e dos anexos sobre a pesquisa de campo.

11

1. DIFICULDADES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE FSICA

A tarefa do educador, ento, a de problematizar aos educandos o contedo que os


mediatiza, e no a de dissertar sobre ele, de d-lo, de estend-lo, de entreg-lo, como se
tratasse de algo j feito, elaborado, acabado, terminado
Paulo Freire

12

1.1 Uma experincia pessoal1


O meu interesse sobre o conceito de tempo e, mais especificamente, sobre seu ensino
teve incio logo nos meus primeiros dias de atividades como professor. Como muitos
professores em incio de carreira, fiquei submetido ao livro didtico escolhido e adotado pela
escola antes da minha contratao.
Como muitos livros didticos de fsica, o que eu usava tambm trazia logo nas primeiras
aulas, uma discusso sobre medidas de espao e tempo intitulada Introduo s Medidas
Fsicas. Nessas aulas, para uma sala de primeiro ano do ensino mdio, ao discutir as
unidades bsicas de medidas, entre elas, a grandeza tempo, no me preocupei com nenhuma
reflexo mais aprofundada. Na ocasio discuti o tempo como apenas mais uma medida,
assim como o espao. A forma de discusso utilizada foi uma reproduo da proposta do
livro. Naquele momento no dispunha de recursos para uma discusso mais consistente
sobre o tempo e ainda no tinha conscincia, se assim posso dizer, dessa necessidade.
Nessa aula um dos alunos questionou-me sobre como o tempo pode ser definido,
dizendo:... mas que tempo esse? o tempo do relgio? Como ele foi definido?. A
resposta foi direta sem nenhuma possibilidade de dvida, pelo menos naquele momento: ...
o tempo utilizado nos clculos o do relgio e sua definio e diviso foi convencionada,
em horas, os segundos e os minutos. Respondi de forma at convincente, para aquele
contexto, dizendo que sua definio foi convencionada. Naquele momento acredito que o
aluno ficou convencido quanto definio. Terminei a aula com os velhos problemas de
converso de unidades, que so pr-requisitos para posteriormente discutir o conceito de
velocidade, segundo a proposta do autor do livro.
Aps a aula, cheguei em casa e passei a refletir um pouco mais sobre a resposta dada.
Essa inquietao levou-me a pesquisar rapidamente em outros livros o conceito de tempo.
Nessa pequena pesquisa no encontrei muitas referncias sobre o assunto. Procurei em livros
do ensino mdio e nos livros que utilizei na faculdade e no encontrei abordagens muito
diferentes daquela utilizada em sala de aula. Com isso pude constatar uma limitao em
minha formao de professor, pois a varivel tempo, to presente nos principais conceitos da
fsica, tinha sido, de certa forma, ignorada na minha vida acadmica at ento.

Esta seo foi escrita em primeira pessoa por ser um depoimento pessoal sobre a escolha do tema da
dissertao.
13

Nessa poca, estava concluindo a graduao e cursava a disciplina Tpicos da Histria


da Fsica Clssica. Assim, procurei uma orientao com o professor Luis Carlos de
Menezes. Em uma conversa de alguns minutos, percebi o quanto deixei de refletir e estudar
sobre conceitos fundamentais da fsica. O professor ressaltou alguns aspectos sobre a
importncia do conceito de tempo. Dizia o professor Menezes2 na ocasio:
... provavelmente essas questes relativas importncia do tempo e de sua conceituao passaram
despercebidas, pois provavelmente a resoluo de exerccios e a entrega de listas, alm das provas,
eram mais importantes para os seus professores, ou porque os seus professores no acharam
relevantes essas discusses, ou ainda porque no sabiam respond-las (...) Todo o principio de
conservao de energia, tanto na mecnica clssica quanto na quntica, est fundamentado sobre a
idia da homogeneidade do tempo.

A partir da comecei a pesquisar ainda mais sobre o conceito de tempo. Durante a


participao na disciplina Tpicos de Histria da Fsica Clssica, tive a oportunidade de,
juntamente com um grupo de colegas, fazer uma pequena pesquisa sobre a importncia
desse conceito dentro do ensino de fsica e da necessidade de uma discusso histrica e
filosfica desse tema. Percebi nessa pequena pesquisa que essa necessidade ficava
plenamente justificada quando, consultando os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN's),
encontrei a seguinte reflexo sobre o conceito de tempo.
(...). Assim, a competncia para reconhecer o significado do conceito de tempo como parmetro
fsico, por exemplo, deve ser acompanhada da capacidade de articular esse conceito com os tempos
envolvidos nos processos biolgicos ou qumicos, e mesmo sua contraposio com os tempos
psicolgicos, alm da importncia do tempo no mundo da produo e dos servios. A competncia
para utilizar o instrumental da fsica no significa, portanto, restringir a ateno aos objetos de
estudo usuais da fsica: o tempo no somente um valor colocado no eixo horizontal ou um
parmetro fsico para o estudo dos movimentos. (PCNs- parte III, pg. 25 1998)

Assim, partindo de uma experincia pessoal de ensino e de uma investigao, ainda que
preliminar, busquei finalizar o meu curso de Licenciatura em Fsica desenvolvendo uma
monografia, sob a orientao da professora Maria Lcia Vital Abib, da Faculdade de
Educao da USP, em que procurei pesquisar a construo histrica do conceito de tempo e
algumas relaes interdisciplinares, visando a elaborao de um material que servisse de
subsdio para os professores de ensino mdio.

Comentrio feito em discusses de sala de aula.


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Portanto, partindo desse trabalho de monografia, que foi de carter terico, ao entrar na
ps-graduao, j estava pretendendo desenvolver uma pesquisa qualitativa sobre o ensino
atual do conceito de tempo, buscando investigar as concepes dos alunos, utilizando a
histria da cincia como possibilidade
Dentro desse contexto, conheci o professor Joo Zanetic, pessoalmente, pois j tinha
sido seu aluno na disciplina de Gravitao, atravs do contato da professora Maria Regina.
Logo nas primeiras conversas com o professor Zanetic fiquei muito motivado, pois ele me
indicou a leitura dos livros A Filosofia do No, de Gaston Bachelard, e Extenso ou
Comunicao?, de Paulo Freire, alm da tese de Doutorado de Andr Ferrer Martins (2004)
que pesquisou as concepes dos alunos sobre o conceito de tempo tendo Bachelard como
referncia. Na poca foi o nico trabalho dessa natureza que eu conheci. um trabalho
belssimo que abriu as portas para outras possibilidades de anlise, entre elas, como o
prprio Martins (2004) indica, a relao entre o perfil e a cultura.
Identifiquei-me bastante com a filosofia de Bachelard e a educao de Paulo Freire.
Alm disso, cada conversa que tenho com o professor Zanetic um aprendizado tanto
acadmico como de conscincia, de vida. Com esse contato, tambm fui conhecendo a ponte
entre fsica e literatura, rea em que o professor Zanetic tem concentrado sua pesquisa
atualmente, sendo mais uma possibilidade de ensino de fsica e mais especificamente aqui
do conceito de tempo.
Portanto, foi nesse contexto que fiz e fao uma experincia sobre o conceito de tempo e
busco dentro desse emaranhado interdisciplinar estabelecer uma ponte entre o perfil
epistemolgico e a cultura.

1.2 Problemas: um pequeno olhar para realidade


A atividade educacional tem se revelado, de uma forma geral, essencialmente
conservadora e dogmatizadora. Como exemplo, podem-se observar as crianas na fase da
pr-escola, que naturalmente possuem curiosidade e desejo de aprender e compreender o
mundo a sua volta, porm ao avanarem para os ensinos fundamentais, mdios e at na
graduao universitria parecem perder o gosto pelo aprendizado. Em geral, observa-se
nesse intervalo de formao da pr-escola at a graduao, uma falta de interesse pelo
aprendizado e, em contrapartida, um enquadramento dentro das regras do jogo da escola,
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ou seja, os alunos pensam prioritariamente nas notas e na aprovao final, enfatizando uma
postura submissa a regras burocrticas e desumanizantes, entendendo rapidamente que
preciso se adequar ao sistema imposto, ou ainda fazem a opo, induzida muitas vezes pelo
prprio sistema, de agredir a escola, funcionrios e professores como uma forma de reao,
talvez inconsciente, invaso cultural sentida, pois, entre outros problemas, os contedos e
as propostas de estudo, em geral, no ecoam dentro da sua realidade. Refletindo sobre uma
situao educacional acontecida no Chile, h cerca de 50 anos, tem-se o seguinte testemunho
de Paulo Freire (2002, pg. 42):
(...) Pois bem, ainda que reconheamos que nem todos os agrnomos chamados extensionistas
faam invaso cultural, no nos possvel ignorar a conotao ostensiva da invaso cultural que
h no termo extenso (...)

Einstein (1982, pg. 25/26), ao comentar sua experincia educacional, destaca uma
situao similar e descreve a sua frustrao perante esse ensino dogmtico:
(...) como estudantes, ramos obrigados a acumular essas noes em nossas mentes para os
exames. Esse tipo de coero tinha (para mim) um efeito frustrante. Depois de ter passado nos
exames finais, passei um ano inteiro durante o qual qualquer considerao sobre problemas
cientficos me era extremamente desagradvel. Porm, devo dizer que na Sua essa coero era
bem mais branda que em outros pases, onde a verdadeira criao cientfica completamente
sufocada. Na verdade, quase um milagre que os mtodos modernos de instruo no tenham
exterminado completamente a sagrada sede do saber, pois essa planta frgil da curiosidade
cientfica necessita, alm de estmulo, especialmente liberdade; sem ela, fenece e morre. um grave
erro supor que a satisfao de observar e pesquisar pode ser promovida por meio da coero e da
noo do dever.

Essa crtica feita por Einstein dirigida ao ensino superior, porm perfeitamente
cabvel estend-la aos outros nveis de ensino
Assim, ao pensar na educao cientfica das escolas brasileiras, tem-se quase um
consenso quanto necessidade de novas possibilidades de ensino. Sem dvida, uma grande
parte dos alunos no sero fsicos, bilogos ou qumicos, e o ensino mdio ser a nica
oportunidade de contato com a cincia. necessrio um ensino de cincia que possa
oferecer para todos, ou seja, para aqueles que seguiro na graduao a rea de cincia, como
tambm para aqueles que seguiro outras reas do conhecimento e, ainda, para aqueles que
terminaro sua educao escolar nesse nvel de ensino, a mesma oportunidade de contato

16

com a cincia, sendo apresentados as mais diferentes de se estabelecer um dilogo


inteligente com o conhecimento.
Atualmente o ensino de cincia, mais especificamente o ensino de fsica, tem
privilegiado o carter matemtico, que sem dvida tem grande importncia. Porm,
pensando em um contexto mais amplo, os alunos aprendem mal uma cinemtica
descontextualizada com a dinmica e, logo no primeiro bimestre do primeiro ano, passam a
detestar fsica e confundi-la com um formulismo. Esse formalismo em excesso prejudica o
ensino e a viso de cincia ainda em formao dos alunos, conforme aponta Zanetic (1989,
pg. 194), em um trabalho feito h mais de 20 anos:
Caricaturando um pouco toda essa situao, particularmente no que diz respeito escola pblica,
eu diria que esses e outros motivos acabam convergindo num s: os professores por falta de tempo,
disposio e motivao acabam optando pelos livros didticos que nasceram nas aulas de
cursinhos, pois, de um lado, j tm a destinao certa (preparar para o vestibular) e, de outro,
facilitam o preparo das aulas, j que um resumo apropriado da teoria em fsica e uma lista de
exerccios e problemas tpicos de exames que mantero os alunos ocupados por muito tempo. E
assim, a fsica escolar passa a ser a fsica vestibular.

Essa viso do ensino de fsica e do excesso de exerccios sem propsito era


compartilhada por Ernst Hamburger (apud Zanetic 1989, pg. 44):
(...) O ensino da fsica em todos os nveis sofre uma forte influncia por parte do sistema de ttulos
outorgados em cada nvel ... os estudos finalizam com um exame, de maneira que o exame chega a
ser o objetivo principal para os estudantes. Ao mesmo tempo, os livros didticos so projetados
tendo como alvo os exames (...) freqentemente a atividade principal do curso consiste em se
ensinar a resolver problemas. A tendncia fazer o ensino algo dogmtico, a discusso crtica das
teorias no oferece muito interesse, a questo se resume em aprender a dar a resposta
verdadeira a perguntas e problemas semelhantes aos que figuram nos exames. Estes mtodos so
muito eficientes se o objetivo do curso consiste na aprovao nos exames, porm muito difcil
encontrar alguma outra utilidade para estas atividades.

Assim, o formulismo exagerado, que nasce nas aulas de cursinho e invade os livros
didticos, ainda a principal ferramenta de ensino de fsica, hoje vendida em pacotes
educacionais para muitas escolas particulares de So Paulo. Essa operacionalizao
matemtica de conceitos e leis da fsica como um treinamento olmpico em busca do ouro
(aprovao no vestibular), principalmente nos colgio particulares. No ensino pblico as
aulas transitam desse formalismo escassez de professores. Esse formalismo pode at
cativar alguns alunos, sobretudo aqueles que tenham afinidade com essa abordagem,
17

porm, poder excluir, ou por que no dizer, negligenciar, para a maior parte dos alunos que
pela ltima vez estar em contato com essa cincia e no tem afinidade com esse tipo de
proposta, a possibilidade de uma discusso cientfica por meio de outras formas de
abordagens de ensino. Para Einstein e Infeld (1980, pg. 222):
o pensamento e as idias, e no as frmulas, so o princpio de toda teoria fsica. As idias devem
assumir posteriormente a forma matemtica de uma teoria quantitativa, para possibilitar uma
comparao com a experincia.

Como o imperativo o excesso de formalismo, tem-se a ausncia de atividades


experimentais, e quando existem seguem receitas prontas, em que aps a experimentao, na
maioria das vezes, o aluno no consegue evidenciar os conceitos presentes no experimento.
Esse tipo de experimento, tambm conhecido como experimentao fechada, pode ser
comparado com um receiturio, ou seja, como se o aluno tivesse de fazer um bolo seguindo
as orientaes de uma receita, porm ao comparar as duas atividades (fazer um bolo e
realizar um experimento de fsica nesses moldes), em muitos casos, verifica-se que os alunos
pouco sabem, quando realizam os experimentos, o que esto fazendo, porm se seguissem
uma receita de bolo pelo menos eles identificariam o objetivo de cada etapa. Obviamente,
essa comparao um pouco caricatural, porm, ainda assim, serve de exemplo da situao
precria da experimentao no ensino de fsica.
Outra ausncia sentida no ensino de fsica a da histria da cincia tanto, na viso de
alguns filsofos da cincia, a chamada de internalista, que trata da elaborao conceitual e
epistemolgica das teorias, quanto a conhecida como externalista, que estuda as influncias
sociais na concepo de uma teoria.
A literatura, a msica, o teatro e a fico cientfica, como formas de interao
interdisciplinar com a fsica, ainda continuam ausentes nas aulas de fsica, assim como os
livros ou programas de divulgao cientfica como sries do Fantstico ou reportagens da
Discovery Chanell, s para citar alguns. A fsica, assim como a cincia de forma geral, tem
se consagrado como uma rea do conhecimento inatingvel, sem nenhuma ressonncia na
vida diria das pessoas, ou seja, algo para poucos. Falta uma abordagem que revele a
importncia cultural da fsica como parte integrante de um conhecimento que deve ser
popularizado.
Quando se comenta sobre a cultura, de um modo geral, raramente a fsica comparece de imediato
na argumentao, ou outra representante das cincias naturais d o ar de sua graa. Cultura,

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quando pensada academicamente ou com finalidades educacionais, quase sempre evocao de


alguma obra literria, alguma grande sinfonia ou pintura famosa; cultura erudita, enfim. Tal
cultura traz mente um quadro de Picasso, uma sinfonia de Beethoven, um livro de Dostoyevsky,
enquanto que a cultura popular faz pensar em capoeira, num samba de Noel ou num tango de
Gardel. Dificilmente, porm, cultura se liga ao teorema de Godel ou s equaes de Maxwel.
(Zanetic 1989, pg. 146)

Ainda nessa linha, Zanetic (1989, pg. 203), enfatiza os problemas que interferem e
prejudicam a discusso de uma fsica presente como cultura, alm de privarem uma grande
parte dos alunos de interagirem com didticas diversificadas de ensino de fsica:
(...) Infelizmente tal procedimento raramente ocorre, devido a inmeros fatores dos quais
comentarei brevemente alguns. Em primeiro lugar, h a ausncia de disciplinas que abordem a
histria da fsica nos cursos de licenciatura que formam os professores do 2 grau. Em segundo
lugar, os livros didticos de fsica de maior sucesso no nosso mercado editorial so extremamente
deficientes quanto preocupao de situar a fsica num contexto cultural mais rico e dinmico. Em
geral, a apresentao da fsica nesses textos fica restrita a resumos tericos, que enfatizam a
memorizao de frmulas e definies para a soluo de exerccios e problemas, ocupando com
isso o maior espao desses livros. Em, terceiro lugar, muito prximo e ligado ao anterior, est o
espectro do vestibular, interferindo decisivamente no contedo dos programas das escolas. Isto
trgico se atentarmos para o fato de que a grande maioria dos alunos do 2 grau no ir freqentar
um curso superior, e um nmero menor ainda ter a Fsica como disciplina bsica. A ma de
Newton tem tudo a ver com a tentativa de acabar com o pecado original da m colocao da fsica
no contexto educacional. E da afirmao da fsica como cultura.

E como pano de fundo dessas ausncias, ainda tem-se a grande ausncia de leitores. Nos
prprios cursos de formao de professores, como nas Licenciaturas das Universidades
pblicas, USP, UNICAMP e UNESP, s para citar algumas, a escrita, a compreenso
mnima de pequenos textos e a leitura constante, so requisitos em que os alunos apresentam
grandes dificuldades. importante ressaltar que nessas instituies estudam alunos com boa
formao. Pode-se questionar ento: o que acontece nos cursos de formao de professores
que surgem como um produto novo no balco de vendas das mais diversas faculdades
particulares do Brasil?
Alm do problema de formao dos professores, fundamental destacar tambm outros
problemas que influenciam o ensino de fsica tornando-o cada vez mais formal e livresco,
como: os baixos salrios, longas jornadas com um nmero excessivo de aulas dadas pelo
professor, a escassez de aulas de fsica semanais no currculo do ensino mdio, o vestibular
ditando as regras e controlando o currculo e, porque no dizer, a prpria didtica imposta
19

pelos livros didticos, editoras e at pela prpria escola. Essa pobreza da abordagem
cientfica conduz a educao atual a um faz de conta, ou seja, professores explorados e sem
formao e nem recursos fazem de conta que ensinam, e, em contrapartida, alunos
desmotivados e desinteressados fazem de conta que aprendem. Uma situao que chega a ser
nociva, conforme reflete Paulo Freire (apud Zanetic 1989, pg. 52):
... idias que so simplesmente recebidas pela mente sem que sejam utilizadas ou testadas ou
mergulhadas em combinaes. A educao com idias inertes no s intil; , acima de tudo,
nociva.

Portanto, fez-se aqui uma crtica ao ensino de fsica atual, alm de se apontar alguns dos
seus principais problemas. A seguir pretende-se apresentar algumas sugestes e indicar
possibilidades para um ensino de fsica inserido na vida social e cultural de seus alunos.

1.3 Algumas possibilidades


Aps a apresentao de alguns problemas relacionados ao ensino de fsica, procura-se
aqui discutir algumas possibilidades de se alargar o alcance da cincia, mais
especificamente da fsica. importante ressaltar que no se far meno ao aprofundamento
matemtico do ensino de fsica, pois se pretende apresentar outras formas didticas, porm
esse formalismo didtico, como j foi ressaltado, a forma mais utilizada no ensino de
fsica, e tem um grande valor, mas no ser abordado nesse trabalho.
A primeira ausncia citada anteriormente no ensino de fsica foi o uso da imaginao. Na
citao do prprio Einstein3 fica evidente a importncia da imaginao na construo
conceitual da cincia. A subjetividade existe em quase todas as atividades humanas e na
cincia, mais especificamente na fsica, no diferente. Conceitos como campos, eltrons,
fora, genes, tempo, entre outros, antes de mais nada, so criaes da imaginao humana.
Jacob Bronowski (apud Pietrocola, 2004, pg. 128), entende a imaginao como:
capacidade humana de criar imagens no esprito e de utiliz-las para construir situaes
imaginrias.

Nada mais humano do que imaginar. A imaginao e a capacidade de prever situaes


devem estar entre os grandes fatores que possibilitaram o desenvolvimento da humanidade.
A capacidade imaginativa comea muito cedo j na infncia. O brincar, mesmo com

20

situaes fantasiosas, colabora no desenvolvimento de representaes mentais, no


desenvolvimento da criatividade e no aspecto racional de que a imaginao revestida.
Ainda nesse sentido, Bronowski (apud Pietrocola 2004, pg.128) afirma:
A imaginao sempre um processo experimental, quer faamos as experincias com conceitos
lgicos quer com matria fantasiosa da arte.

A imaginao e a intuio aparecem tambm nos trabalhos de Einstein. Suas


experincias mentais surgem ainda na juventude, em que, ao observar um raio de luz quando
andava de bicicleta, pensou como seria o mundo se viajssemos na velocidade da luz. Suas
teorias, j na fase adulta, sempre foram marcadas por experimentos mentais que o
possibilitaram fazer previses com sucesso de muitas de suas idias. Em suas Notas
Autobiogrficas, Einstein (1982, pg. 21) discute aquilo que ele chama de credo
epistemolgico:
As relaes entre os conceitos e as proposies so de natureza lgica e o processo do
pensamento lgico estritamente limitado efetivao da conexo entre os conceitos e as
proposies entre si, de acordo com as regras firmemente estabelecidas, que constituem a matria
da lgica. Os conceitos e proposies adquirem sentido ou contedo apenas atravs das suas
conexes com as experincias sensoriais. A conexo destas ltimas com os primeiros puramente
intuitiva, e no de natureza lgica em si mesma. O grau de certeza com o qual essa conexo ou
ligao intuitiva pode ser admitida a nica diferena entre a fantasia desprovida de contedo e a
verdade cientfica.

Nesse pequeno trecho, Einstein reflete sobre a conexo entre as experincias sensoriais
(fatos empricos) e os conceitos e proposies, sendo esse caminho realizado atravs da
intuio, estabelecendo a diferena entre fantasia e verdade cientfica. Einstein separa
muito claramente os papis desempenhados pela lgica e pela intuio, demonstrando assim
sua crtica ao pensamento positivista. Para Einstein, a liberdade de escolha do caminho
correto fundamental e uma das caractersticas do seu pensamento. Seria como resolver
uma charada, em que o pensamento livre, mas o caminho correto depende de lgica e
intuio, que esto presentes na imaginao cientfica. Essa idia est em ressonncia com a
citao anterior de Bronowski, em que a imaginao um campo de experincias mentais
em qualquer sentido, lgico ou fantasioso.

Na pgina 12 desse trabalho.


21

Assim, a imaginao cientfica trabalha no sentido de uma maior racionalidade, sendo


reorganizada historicamente atravs de rupturas4. necessrio estimular a imaginao
cientfica em sala de aula, tambm nas aulas de fsica, e para isso precisamos abordar os
conceitos com olhares diferentes do formalismo corriqueiro, e aqui a histria da cincia e a
epistemologia podem desempenhar seus papis.
Portanto, ao examinar-se a histria da cincia, encontram-se muitos fatos em que a
imaginao e a criatividade tm um papel importante. Como nas artes o artista expressa suas
idias e viso de mundo, nas teorias cientficas o cientista no age de forma muito diferente.
Na Grcia antiga ocorreram situaes em que muitos modelos de mundo foram tratados
como verdades absolutas e representaes da realidade. O sistema de mundo aristotlico era
formado com a Terra imvel no centro e os planetas conhecidos na poca mais a Lua e o Sol
em rbitas circulares ao seu redor. As imagens eram formadas pela observao, imaginao
e crenas de cada filsofo. Quando o modelo aristotlico mostrou-se insuficiente para
explicar adequadamente alguns fatos observveis, como o movimento retrgrado de Marte,
Hiparco prope os epiciclos no sentido de salvar as aparncias do sistema geocntrico. Outra
situao em que a imaginao do filsofo surge no sentido de resolver o problema, sem que
ele realmente pudesse observar o epiciclo.
A imaginao cientfica no uma forma de pensar existente somente da Grcia antiga.
Galileu tambm inventa experimentos mentais para provar que com a ausncia de ar duas
massas diferentes, em queda livre, cairiam com a mesma acelerao. A prpria idia da
rotao da Terra, j prevista por inmeros cientistas, comea a ser provada somente em
1851 com o fsico francs Foucault. Newton, com a lei da gravitao, tambm utiliza a
imaginao, quando trata da idia de uma ao distncia (atrao) entre os corpos, por
exemplo. J no incio do sculo XX tm-se muitos casos de definies de teorias, em que a
imaginao aparece ainda com mais clareza. Na definio do ncleo atmico por
Rutherford, que montou um experimento bombardeando com partculas alfa metais pesados
como o ouro, a imagem do tomo foi postulada a partir dos efeitos do experimento, sem que
o tomo fosse realmente observado.
Portanto, a histria da cincia uma ferramenta til na incluso do uso da imaginao
em aulas de fsica. No entanto o seu uso vai alm da questo da imaginao, ou seja, uma
4

Nesse sentido ocorre a evoluo dos perfis epistemolgicos propostos por Bachelard.
22

forma de pensar a prpria existncia humana e o papel da cincia nesse contexto. Assim, os
Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) indicam a necessidade de ampliao da discusso
de cincias:
A fsica percebida enquanto construo histrica, como atividade social humana, emerge da
cultura e leva compreenso de que modelos explicativos no so nicos nem finais, tendo se
sucedido ao longo dos tempos, como o modelo geocntrico, substitudo pelo heliocntrico, a teoria
do calrico pelo conceito de calor como energia, ou a sucesso dos vrios modelos explicativos
para a luz. O surgimento de teorias fsicas mantm uma relao complexa com o contexto social
em que ocorreram. 5

Sendo assim, a histria da cincia constitui uma possibilidade de discusso da fsica


relacionada com o seu contexto scio-cultural. Contudo, deve-se estar atento a arremedos de
histria da cincia que aparecem em muitos livros didticos. Zanetic (1989, pg. 107), alerta
sobre essa situao:
Nestes textos, quando esto presentes captulos, apndices ou notas histricas, temos quase
sempre arremedos de histria da cincia: so aquelas seqncias cronolgicas de datas de grandes
invenes, de descobertas sensacionais ou de nascimento e morte das principais personagens
envolvidas nesses acontecimentos, acompanhados de ilustraes que representam essas
personagens ou seus feitos.

E em concordncia com Zanetic, Peduzzi (2001, pg.156) aponta tambm essa


problemtica, enfatizando a perda de interesse do aluno diante do ensino puramente formal:
No h dvidas de que os livros de texto e a sala de aula para no falar na prpria estrutura
curricular, tem negligenciado o valor didtico da histria da cincia. O aspecto utilitrio dos
programas de ensino, voltados aplicao de leis e teorias, que enfatiza o produto do
conhecimento, acaba passando ao estudante a falsa impresso de que a cincia uma coisa morta e
definitiva. Acreditar que temos apenas concluses a tirar de princpios definitivamente adquiridos
uma idia absolutamente errada, que pe em perigo o valor educativo do ensino cientfico. Uma
conseqncia imediata deste ensino frio, esttico, dogmtico a perda de interesse por parte do
estudante (Langevin,1992).

Portanto, importante refletir com os alunos a evoluo dos conceitos fsicos e suas
rupturas, ao longo da histria, levando-os tambm a olhar a cincia de forma criativa e
humana, evidenciando seus limites e apresentando-a como um aspecto da cultura da
humanidade, assim como as artes e a religio.

(PCNs parte III, pg. 27, 1996)


23

importante destacar que existem controvrsias quanto ao uso da histria da cincia no


ensino de cincia. Sem dvidas, h de se ter um cuidado ao selecionar a face da histria que
se quer discutir. Isso depender muito da viso do professor e da viso de cincia que se
quer discutir, pois todo relato histrico uma interpretao. O historiador ingls E.H. Carr
(apud Zanetic, 1989, pg. 107) denomina a histria que impessoal como sendo de senso
comum e adverte que ela no estaria disponvel ... nos documentos, nas inscries, e
assim por diante, como os peixes na tbua do peixeiro. Ou seja, a histria no est livre da
interpretao pessoal do historiador. Carr (apud Zanetic, 1989, pg. 108) sintetiza a situao
nas seguintes palavras: A funo do historiador no e amar o passado ou emancipar-se do
passado, mas domin-lo e entend-lo como chave para a compreenso do presente.
Outra crtica recorrente ao uso de histria da cincia no ensino de fsica, a caricatura
histrica que se pode fazer em funo da idade dos educando ou do tempo disponvel.
Contudo M. R. Matthews (apud Peduzzi 2001, pg. 154) editor da revista Science &
Education na poca, afirma a importncia de:
(...) uma histria simplificada que lance uma luz sobre os contedos discutidos, que no seja uma
mera caricatura do processo histrico. A simplificao deve levar em considerao a faixa etria
dos alunos e todo currculo a ser desenvolvido. Histria e cincia podem tornar-se mais e mais
complexas medida que assim exija a situao educacional (1995, p.164-214).

Portanto, cabe ao professor saber escolher e adaptar adequadamente sua realidade os


textos histricos de forma a proporcionar para um maior nmero de estudantes um contato
com uma fsica que no aparece como coelho na cartola de um mgico. Hoje cada vez mais
comum encontrar alunos lendo livros de autoajuda e de fico, o que tem o seu valor para
outros contextos. muito difcil deparar-se com alunos lendo sobre histria da cincia.
Quem sabe, a prtica dos professores de cincias, mais especificamente aqui de fsica, no
contribua para que se possam encontrar jovens lendo histria da cincia, conforme pensava o
professor Mrio Schenberg (apud Zanetic, 1989, pg. 105), no seu livro Pensando a
Fsica:
A histria da cincia mais que um romance policial.
O estudo da histria da cincia muito importante, sobretudo para os jovens. Acho que os jovens
deveriam ler histria da cincia porque freqentemente o ensino universitrio extremamente
dogmtico no mostrando como ele nasceu. Por exemplo, um estudante pode facilmente imaginar
que o conceito de massa seja simples e intuitivo, o que no corresponde a verdade histrica.

24

Outra possibilidade de discutir e ensinar fsica atravs da msica, do teatro e da


literatura. Tem-se visto nos ltimos anos uma sucesso de peas teatrais de grande sucesso
no Brasil tendo como interprete o grupo Arte, Cincia no Palco. Peas como Einstein,
Copenhague, Dana do Universo, entre outras, tm proporcionado discusses cientficas a
partir da dramaturgia. Philip Ball (apud Zanetic, 2006, pg. 58), antigo editor de cincias
fsicas da revista Nature, destaca:
A cincia est se tornando cada vez mais presente no teatro, onde vista como uma fonte de idias
e metforas. Acredito que no devemos descuidar do potencial da cincia como uma fonte
abundante de imagens mentais para o teatro. A pesquisa cientfica pode prover novas linguagens
fsicas para a expresso teatral e novos modos de examinar e representar o mundo. (Ball,
2002,pag 169)

No Brasil, nos ltimos anos, Zanetic vem estudando essas reas do conhecimento
humano e propondo uma possvel ponte entre as artes e a fsica. Zanetic afirma que quando
se refere ligao de arte e fsica, mais especificamente aqui entre literatura e cincia, no
tem em mente somente os escritores de literatura universal que utilizam conceitos cientficos
em suas obras, como ele costuma dizer, escritores com veia cientfica. Mas tambm os
cientistas que escrevem textos eruditos, ou seja, os cientistas com veia literria.
(...) Assim, por exemplo, trechos dos Dilogos e dos Discursos, de Galileu, ou A mquina do
tempo de H. G. Wells, podem suscitar anlises tanto do contedo cientfico quanto do discurso
literrio pelos professores de fsica e portugus respectivamente. Vale destacar aqui o trabalho de
divulgao cientfica, praticado por grandes fsicos do sculo XX com veia literria, como Einstein,
Landau, Bohr, Feynman, entre outros. Muitos livros desses autores poderiam ser utilizados em
aulas do ensino mdio. (Zanetic,2006,

pg 5)

Como outros exemplos, pode-se observar a presena do pensamento aristotlicoptolomaico no poema pico A Divina Comdia, de Dante Alighieri. A mesma influncia
ocorre tambm em Os lusadas, de Cames, escrito em uma poca posterior de Dante. A
leitura do livro A viagem ao redor da lua, de Jlio Verne, outro exemplo fantstico de
ponte entre fsica e arte. Aps a leitura desse livro o professor pode explicar aos seus alunos
porque o projtil no chegaria lua e sugerir a leitura de um texto de George Gamow,
conforme aponta Zanetic (2006, pg. 15):
A situao complica-se, lgico, por causa da presena da atmosfera terrestre. Se algum
disparasse um projtil de artilharia com a necessria velocidade de escape a partir da superfcie
terrestre, como foi descrito em A viagem ao redor da Lua, uma fantasia do famoso escritor Jlio

25

Verne, a cpsula jamais teria chegado ao seu destino. Ao contrrio da descrio feita por Jlio
Verne, tal projtil ter-se-ia fundido logo de sada com o calor desenvolvido pelo atrito com o ar, e
os detritos teriam cado, pois teriam perdido toda energia inicial. aqui que aparecem as
vantagens de um foguete sobre um projtil de artilharia. Um foguete parte da sua plataforma de
lanamento vagarosamente e vai ganhando velocidade gradativamente enquanto vai subindo. Desse
modo, ele atravessa as camadas mais densas da atmosfera terrestre com velocidades para as quais
o calor gerado por atrito ainda no tem grande importncia, e somente atinge sua velocidade
mxima numa altitude em que o ar suficientemente rarefeito para no causar nenhuma resistncia
significativa ao vo (GAMOW, 1965, p. 83/84).

Assim, um professor de fsica com boa formao e perspicaz saberia conduzir uma
discusso utilizando o texto de fico cientfica e contrapondo com a explicao de Gamow
conforme o texto acima. Zanetic (1989, pg. 202) tambm sugere uma utilizao inteligente
da lenda da ma de Newton:
A ma, Newton, a fsica e o 2 grau.
Era uma vez um jovem ingls que, numa bela tarde de domingo, estava descansando
deitado sob uma macieira, batendo um descontrado papo com um colega da Universidade de
Cambridge. Seria um dia como outro qualquer, perdido na voragem dos tempos, caso um pequeno e
trivial acidente no tivesse ocorrido. Uma bela e brilhante ma vermelha, talvez tentando atingir
seu lugar natural, como diria um filsofo aristotlico de ento que estivesse assistindo cena,
desprendeu-se da rvore e chocou-se com a cabea do jovem fsico. Isaac Newton, este era seu
nome, comentou: Da mesma forma como esta ma atrada pela Terra para seu centro, o a
Lua em seu movimento ao redor do nosso planeta.
Desta forma, para espanto e desespero do pobre observador aristotlico, nascia a teoria da
gravitao universal, que daria honra e glria para seu proponente. E resgataria para a histria os
nomes de muitos pensadores que, desde a poca dos antigos gregos, acreditando no movimento da
Terra, lanaram as idias que culminariam com a grande sntese realizada por Newton. Seu livro
Princpios Matemticos da Filosofia Natural, publicado em Londres em 1687, o registro de tal
sntese. Um sculo e meio aps o heliocentrismo de Coprnico, meio sculo aps o eppur si muove
de Galileu condenado pela Inquisio, surgia uma obra que iria influenciar e determinar os
caminhos da fsica nos dois sculos seguintes.
Caso um professor de fsica do 2 grau iniciasse suas aulas de mecnica contando uma
fbula como esta a seus alunos, estaria reforando a lenda da ma de Newton de dvidosa
veracidade histrica. Ao mesmo tempo, ele poderia estar despertando em seus alunos uma
curiosidade com relao ao surgimento das idias e conceitos da fsica totalmente ausente das salas
de aula. Portanto, o saldo seria extremamente positivo. O contexto cultural em que a fsica foi
construda daria um embasamento mais rico para a compreenso da teoria, dos embates entre
idias oponentes, da construo social do conhecimento e da razo de ser de inmeras aplicaes

26

da teoria ao longo da histria. Juntamente com a utilizao da matemtica na soluo de


problemas e da realizao de experimentos simples, isto forneceria um quadro mais completo da
fsica enquanto uma cincia ainda em desenvolvimento.

Muitos outros escritores com veia cientifica e cientistas com veia literria poderiam ser
citados aqui, assim como alguns filmes de fico cientfica de 2001: uma odissia no
espao, a A mquina do tempo, passando por Guerra nas estrelas, Jornadas nas estrelas,
De volta para o futuro, Matrix, entre outros; alm de programas jornalsticos como O poeira
das Estrelas, exibido no Fantstico e conduzido pelo fsico Marcelo Gleiser. O fundamental,
independente da conceituao correta ou no, a postura do professor diante dessas
discusses.
A letra de msica tambm um recurso interessante para o ensino. Muitas so as
canes que direta ou indiretamente citam cincia e podem provocar dilogos interessantes
com os alunos. Como exemplo, Zanetic (2006, pg. 7), aponta a letra da msica Tempo e
Espao do Zologo e sambista Paulo Vanzolini e a interpretao do professor Menezes:
O samba "Tempo e Espao" de Paulo Vanzolini, por exemplo, eu j conhecia h muito tempo.
Sempre havia entendido este samba como sendo a descrio do que vive um cidado apaixonado,
confundindo tempo e espao, tropeando universos.
Ouvindo este samba, nessa manh, percebi que ele incorporava o conceito da relatividade geral de
Einstein. A seguir, fui surpreendido com conceitos de eletrodinmica quntica! Toquei de novo... de
novo(...) e fui encontrando outros elementos da Fsica. (MENEZES, 1988, p. 57/58)

Nessa mesma linha, recentemente, na novela global Alma Gmea, a sua msica de
abertura, Alm do olhar, composta por Paulo Henrique e Paulinho Soledade e interpretada
pelo cantor Ivo Pessoa, discutia a decomposio da luz branca nas sete cores do arco-ris,
revelando-se tambm uma boa alternativa para discusso de ptica, conforme trecho
destacado abaixo:
(...) como a luz do sol que toca um cristal
E em sete cores mostra assim
Que tudo natural
como o som do mar que vem nos alcanar(...)

E no se pode deixar de citar a msica Quanta, de Gilberto Gil (1997), em que o autor
discute conceitos de fsica quntica, alm da proximidade entre cincia e arte:
(...) Fragmento infinitsimo
27

Quase que apenas mental


Quantum granulado no mel
Quantum ondulado no sal
Mel de urnio, sal de rdio
Qualquer coisa quase ideal(...)
(...) Sei que a arte irm da cincia
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmo momento desfaz
Esse vago Deus por trs do mundo
Por detrs do detrs(...)

Portanto, essas possibilidades apontadas podem favorecer o contato dos alunos com
outras formas de discutir cincia, mais especificamente fsica, e atingir um nmero maior de
alunos que tenham afinidade com essas discusses. Pensando nos problemas apontados, a
histria da cincia, a msica, teatro, literatura, podem contribuir para minimizarmos a difcil
situao do ensino de fsica, alm de estabelecer um dilogo com um nmero maior de
alunos, buscando diminuir os efeitos provocados pela invaso cultural, em que o saber
apenas estendido e no dialogado. Alm disso, proporciona uma grande possibilidade de
realizao de projetos interdisciplinares, atingindo outros dois problemas graves: o
analfabetismo literrio e cientfico. Ezequiel Teodoro (apud Zanetic 2006, pg. 9), aponta a
importncia de todo professor como professor de leitura, alm da leitura como integrante da
formao humana:
Neste ponto cabem perfeitamente as trs teses desenvolvidas por Ezequiel Theodoro da Silva ao
tratar do tema cincia, leitura e escola:
1 tese: todo professor, independente da disciplina que ensina, professor de leitura;
2 tese: a imaginao criadora e a fantasia no so exclusividade das aulas de literatura;
3 tese: as seqncias integradas de textos e os desafios cognitivos so pr-requisitos bsicos
formao do leitor.6

SILVA, 1998, pg. 123/127

28

Nesse sentido, finaliza-se com duas citaes. A primeira de Maria Jos P. M. de


Almeida (apud Zanetic 2006, pg. 5) que, quando comenta o livro Evoluo da Fsica, de
Einstein e Infeld, sugere o seguinte:
(...) acredito que, mesmo que um leigo na rea leia o texto como um romance, essa leitura,
certamente, ser enriquecedora, aumentando seu gosto pela leitura mediadora de conhecimento e
pela fsica. Para tanto, fundamental que ao ler no busque encontrar apenas conceitos especficos
e definies.7

A segunda uma citao que comenta os livros do PSSC, em pesquisa recente,


apontada por Zanetic (2006, pg.17):
Os alunos que utilizam esses textos no entendero o que a cincia e como ela difere de outras
matrias. (...) Os editores argumentam que a queda no nvel dos textos de cincia deve-se
deteriorao do nvel geral de leitura dos alunos.8

Percebe-se , assim, a variada gama de possibilidades abertas pelas formas alternativas de


ensino de fsica que podem exemplificar/estimular a imaginao cientfica, ilustrar a
construo histrica da fsica, permitir um descortinar da natureza do conhecimento
cientfico, entre outras.

ALMEIDA, 1996, pg. 12

THE PHYSICS TEACHER, 39, 2001, pg. 304/309


29

2. O CONCEITO DE TEMPO SOB MLTIPLOS OLHARES

"O que ento o tempo? Se ningum me pergunta, eu sei; porm, se quero explic-lo a
quem me pergunta, ento no sei. No entanto, posso dizer com segurana que no existiria
um tempo passado, se nada passasse; e no existiria um tempo futuro, se nada devesse vir;
e no haveria o tempo presente se nada existisse(...)
Santo Agostinho

30

2.1 Nos calendrios e relgios 9


Primrdios, Egito e Babilnia
A capacidade de relembrar e reviver eventos passados j aparece nos hbitos do homem
pr-histrico que tinha uma grande preocupao em recuperar algum momento especfico j
vivido. O culto aos deuses, que ocorria em intervalos regulares de tempo, aponta a
necessidade do homem pr-histrico de organizar ciclicamente uma marcao de tempo.
Esse procedimento pode ser considerado como o incio da percepo de que no se vive num
contnuo presente como se acredita que vivam os outros animais.
Assim, a idia de passado e futuro, sua percepo de nascimento, vida e morte, alm da
previso de eventos futuros, possivelmente deve ter conduzido o homem a uma luta para
sua perpetuao, utilizando-se dos rituais como evento especfico, passando a distinguir
passado, presente e futuro. G.J. Whitrow (1993, pg.37) aponta:
Os indcios da realizao de um funeral ritual remontam pelo menos at o homem de Neandertal,
e possivelmente mais cedo. Um funeral neandertalense realizado cerca de 60000 anos atrs, numa
caverna do norte do Iraque, parede ter includo at flores. No tocante a nossa espcie, o indcio
mais antigo, que remonta possivelmente h 35000 anos a.C., revela que os mortos eram cercados
no s por armas, ferramentas e ornamentos, mas tambm por comida, algo que devia ser escasso
entre os vivos. Em alguns casos cobriam-se os corpos de ocre vermelho, talvez para simular sangue
na esperana de impedir a extino fsica. O cuidado tomado com a remoo dos mortos sugere
uma convico profunda de que, desde que tomadas as medidas apropriadas, a morte podia ser
encarada como estado transitrio.

Portanto, a idia de vencer o tempo, ou seja, perpetuar o presente, aparece nas mais
antigas civilizaes. No fundo permanece uma idia da passagem do tempo como algo
natural. Esse tipo de atividade pode ter contribudo com o desenvolvimento da conscincia
humana, buscando organizar a vida do homem em uma seqncia de eventos e percepes,
tendo a memria como ferramenta desse desenvolvimento.
Assim, a observao dos ciclos naturais levou o homem a construir uma interpretao,
ainda que muito bsica, da vida. A morte era encarada como transio, assim como outros
eventos. E essas transies tinham um carter dramtico. G.J. Whitrow (1993, pg.37) indica
essa situao:

Esta seo teve o livro de G.J Whitrow como referncia central.


31

No perodo paleoltico os homens j sabiam que, em certas pocas do ano, animais e plantas so
menos prolficos que em outras, e, nessas ocasies, consideravam necessria a prtica de rituais
sazonais para garantir um suprimento adequado de ambos.

Com a passagem da vida humana de nmade para sedentria, o entendimento dos


fenmenos naturais e de seus intervalos de repeties tornou-se algo fundamental para o
homem. Sua posio diante da natureza era de interpretao mstica, ou seja, julgava o
universo como uma luta entre o bem e o mal, porm no era mero observador dos
fenmenos naturais, ou seja, cabia a sua participao desempenhando seu papel na
observao, previso e elaborao de rituais para que os momentos especficos, que
considerava importante, ocorressem. Vale a pena destacar que os rituais eram feitos com o
intuito de restabelecer a ordem nos perodos crticos, em que se encerrava um ciclo e
iniciava-se outro.
As ltimas pesquisas arqueolgicas desse perodo indicam a relao entre as inscries
encontradas nas mais diversas cavernas do paleoltico e a marcao do tempo ou elaborao
de calendrios. Stonehenge e sua construo, por exemplo, parecem configurar um
observatrio astronmico que, entre outras utilizaes, servia para confeco de calendrios.
Nas civilizaes mais antigas encontra-se uma correlao entre os eventos naturais e
sociais. No Egito, por exemplo, tudo dependia do rio Nilo que, tendo ciclo aproximadamente
regular, norteava toda a vida daquele povo. At a coroao do Fara estava associada ao rio,
que muitas vezes era adiada para coincidir com o incio desse ciclo. Suas fases recebiam os
nomes de: estao da inundao, correspondente no calendrio atual aos meses de julho a
novembro; a estao da semeadura, que no calendrio atual corresponde aos meses de
novembro a maro; e a estao da colheita, correspondente no calendrio atual aos meses de
maro a julho, pensando no hemisfrio sul.
As cerimnias de coroao dos faras estavam ligadas histria de Osris, uma
espcie de divindade que representava a fertilidade. Assim, G.J. Whitrow (1993, pg. 38)
aponta a concepo de tempo presente na civilizao egpcia por meio do mito de Osris:
O mito de Osris, que corporificava esse ciclo de nascimento, morte e renascimento, encerrava
uma promessa de imortalidade. Por ocasio da morte do fara, uma srie de ritos o capacitava a
tornar-se Osris, imune devastao do tempo. De incio esse caminho para a imortalidade era
essencialmente uma prerrogativa real, mas acabou-se por considerar que a imortalidade seria
conferida a todos que pudessem imitar esses ritos.

32

Assim, como nas civilizaes pr-histricas, os egpcios tambm procuravam perpetuar


o tempo pelos rituais. O trecho acima indica uma concepo de como os egpcios pensavam
o tempo. Apesar de terem a concepo cclica ligada aos ciclos da natureza, que os levou aos
calendrios, a sua noo temporal parecia um tanto quanto esttica, ou seja, apesar de
viverem um presente era possvel recorrer ao passado atravs dos rituais e beneficiar-se dos
seus efeitos.
A marcao linear do tempo, isto , uma seqncia de anos, no encontrada nos
egpcios, pois cada ano era iniciado em um reinado de um fara, sendo que o tempo de
reinado de um fara marcava o incio e o trmino de um perodo. Assim, quando se buscava
uma referncia no passado, identificava-a com o reinado. Essa ausncia de uma marcao
linear dificulta a pesquisa atual no que diz respeito a indicar o incio de um perodo.
Portanto, os poucos registros encontrados indicam apenas uma seqncia de dinastias10.
Quanto aos calendrios impressionante a observao e a preciso das definies
egpcias. Eles possuam mais de um calendrio, sendo chamado de egpcio, ou civil11, o
calendrio sotiacal12, alm de um calendrio lunar13. A sua contribuio para a marcao do
tempo importantssima. Conforme G.J. Whitrow (1993, pg.40):
Seja como for, sob um aspecto os egpcios deram uma importante contribuio cincia do tempo.
Foram os criadores do que Otto Neugebauer qualificou de nico calendrio inteligente que jamais
existiu na histria humana. Seu ano civil compunha-se de 12 meses cada com 30 dias, com cinco
adicionais no final de cada ano, perfazendo um total de 365 dias. Na viso de Neugebauer, teve
origem em bases puramente prticas, pela observao contnua e estabelecimento de mdias dos
intervalos de tempo entre sucessivas chegadas da cheia do Nilo o principal acontecimento da vida
egpcia a Helipolis.

Essa definio de calendrio, que o trecho acima chama de civil tambm conhecida
por ano egpcio. A definio desse calendrio, como o trecho acima tambm indica, deve
realmente estar ligada a mdias das cheias do rio Nilo, visto que, posteriormente, os egpcios
perceberam uma diferena com as observaes astronmicas, sobretudo da estrela Co Sotis,
ou Siris, como ficou conhecida. Essa estrela costuma aparecer como a mais brilhante no
10

Pensando nos dias atuais, seria equivalente a abolir a seqncia de anos e admitir os governos como
referncias temporais. Por exemplo: o perodo do governo de FHC marcaria um ciclo. O governo de Lula
marcaria outro e assim por diante sem preocupao com os anos.
11
Esse calendrio no acompanhava as estaes pela observao dos ciclos naturais, apenas era uma diviso de
trs perodos de 4 meses.
12
Esse calendrio era baseado na observao astronmica da estrela Sirius ou Co Sotis, por isso recebeu o
nome de sotiacal.
33

cu, antes da aurora, quando das cheias do rio Nilo. Porm isso no coincidia com a
definio do ano egpcio, ocorrendo uma defasagem de 1 dia a cada 4 anos civis. Assim, a
partir dessa observao astronmica, foi definido o calendrio sotiacal.
O ano egpcio era dividido em tempo da inundao, tempo da semeadura e tempo da
colheita, que nem sempre coincidiam com a mesma poca do ano devido defasagem
citada. Portanto, o calendrio sotiacal e o calendrio egpcio ou civil coincidiam apenas em
intervalos de 1460(=355x4)14 anos. Alm desses dois calendrios eles possuam tambm um
calendrio lunar baseado nas fases da lua. Descobriram que 309 meses lunares
correspondiam a 25 anos egpcios ou civis. A principal funo desse calendrio era a
definio das datas festivas.
Os egpcios tambm se empenharam em definir os momentos do dia. Para isso
utilizavam uma espcie de relgio solar (G.J. Whitrow, 1993, pg. 41):
Um fragmento de relgio de sol egpcio datado de cerca de 1500 a.C. encontra-se hoje num museu
de Berlim. Com a forma de uma rgua T, era disposto pela manh horizontalmente com o travesso
voltado para o leste, de modo a lanar uma sombra ao longo da haste, graduada com marcas
referentes a seis horas. medida que o sol se elevava no cu, a sombra se reduzia, at desaparecer,
ao meio dia na marca da sexta hora.

Apesar de funcional para a poca, o relgio de sol tinha um grande problema, no


funcionava durante a noite. Para solucionar esse problema, os egpcios utilizavam o relgio
de gua, tambm conhecido como clepsidra. O seu funcionamento era definido pela
graduao de um recipiente que, sendo dividido em partes iguais, tinha o seu escoamento
ajustado para a noite e o seu nvel indicava a hora, assim:
Foram desenvolvidos dois tipos principais, em que a gua flua para fora ou para dentro,
respectivamente, de um vaso graduado. Os relgios em que a gua flua para dentro eram
geralmente cilndricos e os outros tinham a forma de um cone invertido com um pequeno buraco na
base ou perto dela, sendo a hora indicada pelo nvel das guas. (G.J. Whitrow, 1993, pg. 42)

Os egpcios contriburam tambm na diviso do dia e da noite em 12 horas cada, sendo


que sua definio foi pensada tendo como referncia s 10 horas entre o nascer do sol e o
crepsculo, s quais eram acrescentadas duas horas, uma na manh e outra na tarde.
Portanto, essa civilizao teve um papel importante para a concepo inicial de tempo
pensando em sua marcao.
13

Esse calendrio servia para regular os dias festivos.


34

Assim como o Egito, que fica s margens do rio Nilo e tinha sua vida organizada em
funo dos fenmenos naturais da regio, a Babilnia, que ficava s margens dos rios Tigre
e Eufrates, tambm tinha sua vida organizada em funo da ocorrncia de fenmenos
naturais Porm, diferentemente do Nilo, que tinha um comportamento uniforme, esses rios
traziam muitas variaes climticas para a regio. Os moradores enfrentavam muitos
fenmenos naturais desde chuvas torrenciais, enchentes, at vendavais. Sendo assim, a
cultura babilnica estava mergulhada em uma constante disputa mstica, na viso da poca,
uma disputa entre o bem e o mal em que, ao contrrio dos Egpcios, no encontravam pocas
de tranqilidade e beleza. Suas vidas, inseridas nesses fenmenos, estavam sempre sendo
ameaadas. Como os Egpcios, os Babilnicos tambm possuam as suas grandes festas em
funo da observao da natureza. Nesse sentido, G.J. Whitrow (1993, pg. 45) aponta que:
Embora o festival do Ano-novo simbolizasse o incio de um novo ciclo solar, a renovao da
fertilidade e a vitria sobre o caos, sua celebrao no fornecia garantia alguma de que a ordem
social prosseguiria imperturbada.

Com esse sentido mstico, os babilnicos estudavam o cu no somente para a definio


de calendrios, mas tambm com o intuito de descobrir a influncia dos astros na vida e no
destino dos homens. Portanto, os registros mais antigos de astrologia so datados da poca
dos babilnicos.
O calendrio babilnico tinha seu ciclo ligado lua e ao ano solar. Boczko (1998, pg.
15) explica esse calendrio:
Na babilnia, regio do norte da frica, que mais tarde viria a se chamar Iraque, o ano era
definido como sendo de 12 meses lunares (cada ms com seu incio determinado pelo real
aparecimento da lua quarto crescente pela primeira vez no cu noturno), e um dcimo terceiro ms
adicional, quando necessrio, para manter o ano relacionado com as estaes. O incio do ano
babilnico coincidia com a primavera local.

Como o ano lunar era menor que o ano solar era necessria a introduo de um dcimo
terceiro ms para correo. Porm a periodicidade dessa introduo no era muito clara
podendo ser relacionada, provavelmente com poca das colheitas.
Examinando o ciclo lunar e solar, o grego Mton e sacerdotes babilnicos (no se sabe
se independentemente um do outro), descobriram que 19 anos solares so aproximadamente

14

G.J. Whitrow 1993, pg.41


35

iguais a 6940 dias, assim como 235 lunaes so 6940 dias. Esse ciclo chama-se metnico e
os babilnicos passaram a utiliz-lo tambm.
Os babilnicos tambm influenciaram a civilizao atual com os seguintes conceitos: a
inveno dos 12 signos zodiacais todos com 30 dias, baseados na diviso do cu como um
crculo, alm da diviso convencional do crculo em 360 partes iguais. Por outro lado, como
aponta G.J. Whitrow (1993, pg. 47), os babilnicos tambm influenciaram muitas crenas
judaicas e crists:
O ciclo lunissolar de 19 anos tornou-se a base dos calendrios judaico e cristo, uma vez que
resolvia o problema do estabelecimento das datas das luas novas para fins religiosos. Em
particular, a origem do problema do estabelecimento da data da pscoa remonta aos babilnicos.
Os rituais celebrados pelo rei-sacerdote, em especial no Festival do Ano-Novo, eram vistos como
repeties de aes divinas e pretendia-se que correspondessem exatamente, tanto no tempo como
em carter, aos rituais realizados nas alturas. Dessa idia primitiva brotou a crena de que era
importante celebrar a Pscoa na data correta, uma vez que era o momento decisivo do combate
entre Deus (ou Cristo) e o demnio, e Deus precisava do apoio de seus adoradores para derrotar o
inimigo.

G.J. Whitrow (1993, pg. 47), mostra ainda a relao das idias babilnicas com a
definio de semana:
Os babilnicos prestavam especial ateno aos perodos de sete dias associados s sucessivas
fases da lua, cada um dos quais terminava com um dia do maligno. Neles tabus especficos eram
impostos para aplacar e reconciliar os deuses.

Assim, a noo de semana, bem como as relaes religiosas com o domingo, que na
cultura crist, em oposio ao dia do maligno, o dia do senhor, remontam aos babilnicos.
Portanto, os babilnicos influenciaram os judeus, que por sua vez influenciaram os cristos,
que por sua vez influenciaram e influenciam muitos dos povos atuais.
A Babilnia como denominada at agora, foi uma regio dominada por vrios povos em
diferentes pocas. Por volta de 500 a.C essa regio pertenceu ao imprio Persa, iranianos
que derivam de um ramo da raa dos arianos. Seu objetivo, quanto ao estudo dos astros,
estava atrelado necessidade de se estabelecer horscopos, sob a influncia de doutrinas
ligadas imortalidade e a origem celeste da alma.
Quanto ao calendrio, os iranianos adotaram o calendrio egpcio civil com algumas
alteraes e o chamaram de calendrio avestano. Esse calendrio consistia em um ano com
12 meses todos com 30 dias, exceto o oitavo, que tinha 35 dias. importante ressaltar que
36

segundo Harter (Whitrow,1993), historiador de astronomia antiga da Universidade de


Frankfurt, no ano de 503 a C. os astrnomos iranianos j sabiam que o ano trpico,
relacionado com as estaes, no tem exatamente a mesma durao que o ano sideral,
tambm chamado de astronmico ou verdadeiro. Esse conhecimento foi considerado
fundamental para que Hiparco, astrnomo grego, determinasse em 150 a.C. a precesso dos
equincios, fenmeno que veio ter importante implicao na reforma do calendrio em 1582
d.C, conforme ser discutido adiante.

Grcia, Roma e Cristianismo


Os Gregos foram uma das civilizaes que mais nos influenciaram, exercendo um
domnio sobre o pensamento cientfico do mundo ocidental por muitos anos. Sua grande
contribuio quanto ao conceito de tempo mais intensa no aspecto filosfico que ser
destacado adiante.
Os calendrios Gregos, de forma geral, foram calendrios extremamente caticos. Um
deles, j discutido, foi o metnico. Lembrando que o calendrio metnico foi descoberto
pela relao entre 19 anos solares e 235 lunaes, que so 6940 dias. Depois disso Calpio
props um calendrio diferente, pois descobriu que na verdade a relao do calendrio
metnico possua um erro, ou seja, a contagem de dias no era exatamente 6940 dias e sim
6939,25 dias. Ento ele prope um outro calendrio conforme aponta Boczko (1998, pg.
16):
Props ele, ento, um ciclo de (4x19)=76 anos, com (4x235)=940 lunaes perfazendo (4x69401)=27759 dias, ou seja 1 dia a menos que 4 ciclos metnicos. Esse ciclo de 76 anos e 940 lunaes
passou a ser chamado de ciclo Calpico.

Apesar da existncia desse calendrio, no se tem notcia de sua utilizao na prtica. O


ciclo metnico foi o mais utilizado por esse povo. Um tempo depois, com as observaes da
lua, alguns meses passaram a alternar entre 29 e 30 dias.
Sobre marcao temporal em escala menor, G.J. Whitrow (1993, pg. 49) destaca uma
breve meno dos gregos em sua literatura:
Finalmente, neste panorama do papel do tempo na Grcia antiga, impe-se uma breve meno aos
instrumentos disponveis para medi-lo. Alm do gnmon, ou quadrante solar, e da clepsidra, ou
relgio de gua do qual, em cerca de 270 aC, Ctesbio de Alexandria inventou uma verso

37

aperfeioada, com fluxo mais constante - h remanescentes de instrumentao mais elaborada,


como a Torre dos ventos que ainda pode ser vista em Atenas, ao norte da Acrpole.

O imprio romano, por sua vez, destaca-se pela criao do calendrio Juliano e pela
confuso ocorrida com a marcao do tempo nessa poca. Boczko (1998, pg. 17) aponta
essa confuso:
O calendrio utilizado no Imprio Romano era o lunar, com a intercalao do 13 ms sob os
cuidados dos sacerdotes oficiais. Essas inseres nem sempre foram feitas de forma rigorosa, e sob
o governo de Jlio Csar, elas foram amide negligenciadas que em 46 a.C. a discrepncia entre o
calendrio adotado e o ano solar atingia 80 dias.

Assim, essa poca provocou uma grande desordem nos calendrios e foi necessrio
elaborar um acerto nessa marcao. Ento sob a orientao do astrnomo Sosgenes foi feito
um acerto no calendrio, em que o ano 46 a.C. passaria a ter 80 dias a mais. A partir do ano
45 a.C. passaria a intercalar 1 dia a cada 4 anos, nascendo assim a idia do ano bissexto. G.J.
Whitrow (1993, pg. 49), reflete de forma interessante esse acerto que culminou com o
calendrio Juliano:
"A conselho do astrnomo grego Sosgenes, Csar decretou que, para corrigir essa anomalia, o ano
46 a.C. seria prolongado a 445 dias. Este, embora tenha sido chamado "o ano da confuso",
destinava-se a dar fim numa confuso. Csar aboliu tambm o ano lunar e o ms intercalar e
baseou seu calendrio inteiramente no Sol. Fixou o verdadeiro ano em 365 dias e 1/4 e introduziu o
ano bissexto de 366 dias de quatro em quatro anos, o ano civil comum compondo-se de 365 dias.
Estabeleceu que janeiro, maro, maio, julho, setembro e novembro teriam todos 31 dias e os demais
30, exceto fevereiro, que normalmente teria 29 dias e, nos anos bissextos, 30. Lamentavelmente, em
7 a.C. esse bem-feito arranjo sofreu uma interferncia: em homenagem a Augusto (que o
considerava seu ms de sorte), deu-se seu nome ao ms Sextilis, atribuindo-lhe o mesmo nmero de
dias do ms precedente, que fora renomeado por Marco Antnio em honra a seu tio-av
assassinado. Assim, um dia foi tirado de fevereiro e transferido para agosto. Para evitar a
ocorrncia sucessiva de trs meses de 31 dias, setembro e novembro foram ambos reduzidos a 30
dias, e outubro e dezembro passaram a ter 31. Assim, em homenagem ao primeiro dos imperadores
romanos, um arranjo ordenado foi reduzido a uma mixrdia ilgica que muitas pessoas tm
dificuldade em memorizar, mas que, no curso de 2.000 anos, foi imposta com sucesso maior parte
do mundo.

Vale lembrar que esse dia adicional j era previsto no calendrio egpcio. Os romanos
deixaram de fazer esse acrscimo, o que provocou toda confuso. Alguns problemas
aconteceram devido dificuldade de interpretao das correes. Porm aps o ano 8 d.C. as

38

intercalaes foram rigorosas e o calendrio Juliano passou a ser usado em todo mundo
ocidental, tendo aproximadamente 365,25 dias.
Por outro lado definio do tempo passa obrigatoriamente pelo domnio cristo, visto
que at hoje a ordem temporal antes e depois de Cristo. A definio de era tem referncia
a um acontecimento histrico que o nascimento de Cristo. Porm, aps o nascimento e
morte de Cristo, ningum contava o tempo dessa maneira, pois no se sabia ou se podia
esperar, que essa data viria a ser relevante. Assim, antes da definio da era crist, o tempo
era marcado pelo calendrio Juliano e a data importante era a subida ao trono do imperador
Diocletiano, marcando o incio da era Diocletiana. Nessa poca o cristianismo comeou a se
tornar um movimento forte e um abade romano chamado Dionsio sugeriu que os anos
fossem contados a partir do nascimento de Cristo, conforme aponta Boczko (1998, pg. 19)
sobre a definio da era crist na era Diocletiana:
Segundo clculos cujo mtodo se perdeu, Dionsio fixou que o ano 248 da Era Diocletiana
correspondia ao ano 525 aps o nascimento de Cristo. E assim nasceu a prolptica Era Crist
(prolptica a Era cuja poca adotada aps a ocorrncia do evento que define a era).

Assim, a contagem do ano iniciava-se em 25 de dezembro do ano 1 da era Crist e o ano


imediatamente anterior ficou designado como ano 1 antes de Cristo, sendo assim no existia
o ano zero. Nem todos os lugares adotaram simultaneamente essa data. Mas, a partir de 153
d.C., foi adotado oficialmente o dia 1 de janeiro como a data de incio do ano, pois
coincidia com o incio do ano oficial romano.
Por outro lado, a Pscoa, que representa para os Cristos a data da Ressurreio de
Cristo, e para os Judeus a memria da sada do Egito, passou cada vez mais a ser um evento
importante, e o Conclio de Ncea, em 325 d.C., fixou a data da Pscoa como sendo o
primeiro domingo aps a primeira Lua cheia que ocorre aps ou

no equincio da

primavera boreal, adotado como 21 de maro (Boczko,1998, pg. 21). Ainda sobre a data
da Pscoa e, mais especificamente, sobre definio da lua cheia, Boczko (1998, pg. 21)
define:
A lua cheia era definida como sendo aquela que ocorre 13 dias aps a Lua Nova anterior; a data
da Lua nova era dada pela tabela elaborada segundo o ciclo metnico. Devido a essas 3
imposies, a data da pscoa calculada nem sempre coincide com a data que seria obtida se a
definio da Pscoa seguisse critrios astronmicos reais.

39

Essas imprecises se davam devido diferena entre o ano Juliano e o ano solar mdio,
o que poderia ocasionar um grave problema religioso, pois os Cristos poderiam comer
carne em um perodo de abstinncia, como na poca da quaresma, o que era proibido.
Nesse momento histrico a igreja tinha um grande domnio e, j na idade mdia, sob o
pontificado de Gregrio XIII, deu-se incio reforma no calendrio conhecida como
Gregoriana. Assim se seguiram algumas regras visando resolver esse problema: a retirada
de 10 dias na contagem do ms de outubro de 1582, sendo que o dia 4 uma quinta-feira
passou a ser dia 14 uma sexta-feira; alm disso os anos mltiplos de 100 deixariam de ser
bissextos, com exceo dos mltiplos de 400, sendo assim retirava-se 1 dia a cada 100 anos
e acrescentava 1 dia a cada 400 anos. Fixou-se uma regra para Pscoa como nos mostra
Boczko (1998, pg. 23):
A Pscoa ocorre no 1 domingo aps a Lua cheia Eclesistica (13 dias aps a lua nova
eclesistica, definida segundo o ciclo metnico) que ocorre aps ou no equincio da primavera
eclesistica (21 de maro); caso o dia assim definido esteja alm de 25 de abril, a Pscoa ocorre no
domingo anterior; caso a lua cheia eclesistica ocorra no dia 21 de maro e esse dia seja domingo,
a Pscoa ser no dia 25 de abril.

Portanto o calendrio Gregoriano com 365,2425 dias, aos poucos foi substituindo o
calendrio Juliano e sendo adotado na maioria dos pases ocidentais.

Europa medieval e mundo islmico


Por volta do sculo VI d.C. o imprio romano comeou a entrar em declnio. A crescente
ruralizao e o declnio das cidades planejadas foram os mais claros indcios da decadncia
do imprio romano. Este processo no ocorreu simultaneamente em todas as provncias.
Iniciou-se pelas provncias do norte e leste mais pobres que as do sul e oeste. Os ataques dos
brbaros figuram tambm entre as causas de queda do imprio romano, porm esses
momentos oscilavam entre derrotas e vitrias do exercito romano e em alguns momentos
reconquistando territrios.
No sculo seguinte (VII d.C.), surge um grande povo inspirado em uma religio, o
islamismo, que provocou o rompimento entre o ocidente e o oriente. Nesta poca o centro
intelectual da Europa estava confinado na Irlanda em um mosteiro fundado em Jarrow, em
682, por Benedito Biscop, rico nobre de Nortmbria que se fizera monge e, segundo alguns

40

historiadores, pode ser considerado o primeiro intelecto cientfico produzido pelos povos da
Germnia. Porm, pensando no conceito de tempo, um outro monge chamado Beda que
viveu parte de sua vida em Jarrow, tem maior relevncia.
Os escritos de Beda tm uma grande importncia na histria da cronologia, pois neles
encontram-se relatos do snodo de whitby, em 664. Nesta ocasio o Rei Oswy convocou
esse snodo para resolver o problema da data da Pscoa entre as igrejas romana e celta. A
tradio romana estabelece o dia da Pscoa como o primeiro domingo aps a primeira lua
cheia que se segue ao dia 21 de maro (ou coincide com ele). Se a lua cheia coincidir com o
domingo, o dia da Pscoa o domingo seguinte. A preocupao aqui era evitar a
coincidncia com o Pessach15 judaico. Por outro lado, a igreja celta seguia a tradio
romana, mas o seu afastamento a impedia de acompanhar as mudanas quando o 14 dia da
lua caa num domingo. Na maioria dos anos este fato no trouxe nenhum problema, porm
em uma oportunidade o rei Owsy, que seguia a prtica celta, no pode comemorar a Pscoa
em razo da ausncia da rainha que seguia a tradio romana e estava de jejum porque para
ela o domingo era de ramos.
Beda, alm desse relato, fez outros tratados como: De temporum ratione (sobre a
contagem do tempo), em que ele computou tabelas da Pscoa para o perodo de 532 a 1063
dC. Alm disso, introduziu na Inglaterra o sistema d.C. formulado por Dionsio, em que os
anos so contados a partir do nascimento de Cristo.
Aps esse perodo, os ataques dos vikings e a conquista normanda sobre a Inglaterra
levaram a Europa para um outro perodo histrico. Porm o interesse dos homens da idade
mdia pela astronomia e pelos fenmenos temporais era grande. Mas os astrnomos s
conseguiram superar Beda com o astrolbio, instrumento trazido do mundo islmico. G.J.
Whitrow (1993, pg. 93) comenta:
Uma ferramenta essencial para permitir aos astrnomos superar o estgio atingido por Beda foi o
astrolbio. Esse instrumento fora introduzido no ocidente no sculo XI, trazido do mundo do Isl,
que na poca gozava de um grau mais elevado de civilizao e de saber cientfico e tecnolgico que
o ocidente.

A era islmica teve incio em 16 de julho de 622, o primeiro dia da fuga de Maom para
Medina. A contribuio do mundo islmico importante principalmente como preservadora
da cultura helnica, por meio das inmeras tradues dos escritos dos filsofos gregos

41

realizada a partir do sculo VII. O conhecimento cientfico dos gregos combinados com
contribuies indianas e iranianas difundiu-se pelo mundo islmico chegando at a Europa.
A preocupao dos islmicos era contratar pessoas com slida formao matemtica para
determinar momentos astronomicamente definidos de preces e a direo de Meca. Segundo
G.J. Whitrow (1993, pg. 93), Bagd torna-se a grande sucessora de Alexandria:
Por volta do fim do sculo IX, muitos trabalhos cientficos e tecnolgicos helensticos haviam sido
traduzidos para o rabe, inclusive o grande livro astronmico de Ptolomeu, Syntaxia, hoje mais
conhecido por seu ttulo rabe, Almagesto. Em virtude de toda essa atividade, Bagd

foi a

verdadeira sucessora de Alexandria, a antiga capital intelectual do mundo helenstico.

Com relao aos instrumentos para mensurao do tempo, encontram-se grandes


vestgios de dois relgios de gua, idias provavelmente retiradas de escritos gregos, que
continham o trabalho de Arquimedes, juntamente com engenhosos acrscimos posteriores de
mecanismos feitos pelos artesos bizantinos e islmicos.
Mas o instrumento mais difundido para mensurao do tempo foi o astrolbio,
concebido para resolver problemas de trigonometria esfrica, introduzido na astronomia pelo
matemtico rabe Abul Wafa (940-968), permitindo abreviar os clculos astronmicos (J.
North, 1994, pg. 188). A partir das escalas gravadas no astrolbio, era possvel determinar a
posio das estrelas fixas em relao ao horizonte e a do sol, da lua e dos planetas em
relao s estrelas. Projetado para latitudes de locais especficos, seu uso mais importante
era a determinao da hora precisa do dia ou da noite a partir da observao da altura do Sol
ou de uma das estrelas mapeadas. Veja a figura abaixo:
Figura 1 Astrolbio rabe16

15
16

Pscoa Judaica.
Referncia: www.arquipelagos.pt/newlayout.php?active=.

42

Uma boa descrio do instrumento foi feita pelo poeta Chaucer na segunda metade do
sculo XIV, conforme G.J. Whitrow (1993, pg. 95):
Consistia de uma placa circular de metal (em geral de bronze) com uma borda graduada. Era
marcada com uma linha de referncia (ou dimetro) e articulada a seu centro, havia uma linha
giratria (ou ponteiro). Modelos portteis podiam ser pendurados num aro preso borda, de tal
modo que a linha de referncia ficava na horizontal. Dirigindo o ponteiro para uma estrela
especfica, podia-se ler a sua altitude a partir da escala da borda com preciso de cerca de um
grau. Para qualquer latitude dada, a estrela polar tem de fato uma altitude constante e as outras
parecem girar a sua volta em decorrncia da rotao da Terra. Na frente do astrolbio havia uma
fina placa (o tmpano), onde estava gravada a projeo esferogrfica das linhas de altitude e
azimute (distncia angular ao longo do horizonte), como se apresentariam a um observador numa
determinada latitude. Um mapa das estrelas com interstcios em projeo esferogrfica (conhecido
como rete) ficavam em frente ao tmpano e podia ser girado com a mo sobre as linhas de altitude e
azimute.

Por fim, o calendrio islmico um dos poucos lunares e o ano civil17 pouco mais de
dez dias mais curto que o ano trpico, tambm chamado de ano das estaes.

China e ndia
Os hindus, durante um extenso perodo chamado de vdico (XV aC at XI dC) fizeram
uma srie de observaes do cu. Nessas observaes a trajetria do sol foi descrita, assim
como a da lua, constituindo um registro importante que os levou elaborao de alguns
calendrios.
Por volta de 1000 aC o calendrio utilizado era composto de 360 dias dividido em 12
meses de 27 ou 28 dias. Ronan (2001, pg. 72, vol. II) indica que os hindus perceberam o
erro em seu calendrio e aos poucos fizeram a correo.
Os hinos vdicos do os dois valores (27 e 28), mas parece que o perodo foi sendo alterado com o
passar dos anos, pois em 100 a.C. um texto vdico "a respeito das luminrias" refere-se tambm ao
ms "terico" de 30 dias. Mesmo assim, isso daria um calendrio 5,25 dias mais curto que o ano
solar, e os hindus vedas tinham dois mtodos para lidar com ele: ou adicionar um ms extra a intervalos regulares ou somar cinco ou seis dias a um ou mais meses. Tentaram ambos, e por fim
adotaram a primeira alternativa.
17

O nome ano civil foi dado por ns.


43

Quanto aos instrumentos de medio de tempo e de posicionamento de corpos celestes,


os hindus utilizaram os mesmos instrumentos da antiguidade de outras culturas, como o
gnmon, relgios d`gua, alm de astrolbios gigantes. Por outro lado, outro aspecto da
medio de tempo, segundo Ronan (2001, pg. 74, vol. II), merece uma meno:
(...) foi sua preocupao com os ciclos de longa durao. Um deles era o mahayuga, um perodo
de 4 320 000 anos; quatro, vezes 1080000, o menor nmero de anos que contm um nmero
inteiro de dias civis, supondo-se que o ano tenha a durao de 365,25874 dias. (Isso se aproxima do
nmero moderno de 365,25964 dias para o ano medido do ponto da rbita terrestre mais prximo
do Sol e retornando ao mesmo ponto).

Ariabata I, j por volta de 500 dC, utilizou o valor de 1728.000 para definir a Idade de
Ouro, e 1296000 anos para a Idade da Prata. A Idade de Ferro seria composta por um ciclo
menos de 432000 anos e teria comeado em 17 ou 18 de fevereiro de 3102 aC , quando os
planetas estariam em conjuno no cu (Ronan, 2001).
Os chineses tinham duas motivaes para observao do cu. A primeira era a crena na
influncia desse na vida das pessoas. A segunda era a necessidade de confeco de
calendrios . vlido lembrar que a aceitao dos calendrios era parte das obrigaes com
o imperador e revelava a obedincia a ele.
A astronomia chinesa, bem como a cincia em geral, demorou em ser entendida e
percebida, embora em muitos casos, fosse mais avanada que a dos gregos, principalmente
pela dificuldade lingstica (Ronan, 2001). Contudo, sabe-se que esse povo fez um grande
mapeamento astronmico do cu, identificando as posies de diversas constelaes (28),
posies do sol e da lua em diferentes pocas18.
Em 1400 aC, aproximadamente, os chineses sabiam que a durao do ano solar era de
365,25 dias e que as lunaes possuam um perodo de 29,5 dias. Tinham um calendrio
solar, utilizado para definio das estaes da natureza, e outro lunar possivelmente utilizado
para organizao do ano civil. Sendo assim, doze lunaes correspondem a 354 dias
configurando uma diferena com o calendrio solar, levando a necessidade de um acrscimo
de um ms extra de 29 ou 30 dias para fazerem as correes de acordo com as observaes
da natureza. Porm no se sabe ao certo a periodicidade desse acrscimo. Alm desses
calendrios, os chineses desenvolveram um ciclo de 19 anos que, segundo Ronan (2001,
pg.36 vol. II):
18

A lua e o sol, seguem quase que a mesma posio aparente no cu


44

Ao que tudo indica, os chineses conheciam esse ciclo um sculo antes de Meto apresentar, seu
trabalho. Esse mtodo de 19 anos era superior ao primeiro e, de modo geral, o substituiu no sculo
III a.C. Tais clculos eram suplementados por um ciclo "meteorolgico" de 24 pontos "Incio da
Primavera", "gua da Chuva", "Insetos Excitados", "Equincio Primaveril", e assim por diante;
cada ponto significava um movimento do Sol prximo aos 14 graus de ascenso reta e pouco mais
de 15 graus ao longo da eclptica. Se um ms lunar deixava de conter um dos pontos meteorolgicos
o que podia acontecer de tempos em tempos isso significava que se devia inserir um ms extra.
Assim os chineses tinham um eficiente calendrio lunissolar.

A semana chinesa possua 10 dias e essa definio era feita tendo como referncia uma
contagem de dias baseada nos chamados 12 ramos terrestres e 10 caules celestes que
davam dois ciclos de 60 dias e era utilizada na dinastia Chang . Portanto, sem nenhuma
relao com o sol ou lua, apenas baseada em elementos msticos de previso da sorte. A
semana de 7 dias s apareceu por volta de 1000 dC, introduzida atravs do contato com os
persas e com mercadores da sia Central j na dinastia Sung.
O maior ciclo chins era baseado no movimento do planeta Jpiter, conforme aponta
Ronan (2001, pg. 38 vol.II):
Outros ciclos foram reconhecidos, como aconteceu com outras civilizaes, e quase todas elas
ficavam fascinadas com o perodo de 12 anos de Jpiter. O maior ciclo chins, a "Suprema Grande
Origem Derradeira", combinava todos os outros, e somava no menos que 23 639 040 anos; era o
perodo depois do qual todas as variaes das posies relativas de todos os objetos celestes se
repetiriam.

Quanto s medies menores de tempo, os chineses j utilizavam a clepsidra e um


modelo arcaico de relgio de gua com um globo flutuante. Outro tipo interessante de
relgio de gua, ilustrado na figura 2, era baseado no fluxo constante do lquido sobre ps
cncavas ligadas a uma roda que s baixavam quando cheias. Era um instrumento que
seccionava o tempo pela pesagem de sucessivas quantidades iguais de fluido. Esse relgio
d`gua era bem mais preciso que os relgios mecnicos europeus.

45

Figura 2- Relgio de gua Chins19

Alm desses, os chineses utilizaram tambm o relgio de fogo e incenso, conforme


descreve G. J. Whitrow (1993, pg. 108):
(...) parecem ter sido to amplamente usados na China quanto os quadrantes solares e as
clepsidras. Tanto bastes de incenso como velas graduadas eram generalizadamente usados para
medir o tempo durante a dinastia Sung (950-1279 d.C.), e mais tarde ambos foram introduzidos no
Japo (...) . Em alguns desses relgios, diferentes pores de incenso exalavam diferentes aromas,
pelos quais as pessoas de olfato apurado podiam identificar a hora aproximada.

Portanto, nesse tipo de relgio a chama queima em ritmo constante servindo para medir
a diviso do dia religioso e para outros fins. Essa forma de medir o tempo foi bastante
difundida na China e as pessoas de olfato mais sensvel identificavam a hora pelo cheiro,
algo muito diferente e prprio dessa cultura.
Zapotecas, maias e incas
Na regio meso-americana (Amrica Central) existiram diversas civilizaes de
impressionante nvel de desenvolvimento em muitas reas do conhecimento humano,
comparvel aos egpcios e babilnicos do mesmo perodo.
Quanto marcao do tempo, merece destaque a civilizao zapoteca, que sobreps os
olmecas no fim do sculo VIII aC e precederam os astecas que se utilizaram do seu
calendrio. Os zapotecas esculpiam suas crenas e conhecimentos nas lajes de arenito ao
largo do ptio principal. Os danzantes como foram chamados, revelam entre outras coisas,
segundo Ronan (2001, pg. 56, vol I):
(...) um calendrio cclico de 52 anos, com dias e meses expressos num sistema de numerais de trao e
ponto. Esse ciclo de 52 anos, ou "calendrio circular", foi adotado porque, aps um calendrio de
19

Referncia: G. J. Whitrow,1993, pg. 107.


46

365 dias repetir-se 52 vezes, um determinado dia ocorrer novamente na mesma posio no ano. Mais
uma vez, ento, encontramos o que parece ser um sistema de calendrio sofisticado, que deve ter sido
administrativamente admirvel, como o egpcio, e que mostra claramente o conhecimento de que o
perodo de 365 dias no era exato. Era o primeiro calendrio escrito da MesoAmrica, e foi adotado
pelos maias.

A civilizao maia teve uma ateno particular com a medio do tempo, pois era
constituda por um povo agrcola obrigado a lutar contra um clima tropical. Mas, toda a sua
preocupao com o tempo estava ligada questo mstica e religiosa. Tinham a necessidade
de saber qual deus estava no comando em determinado momento. Foi uma civilizao que
possua uma matemtica bastante complexa e exata.
O calendrio maia era composto por um ano sagrado com o ciclo de 260 dias
distribudos em um conjunto de 13 meses de 20 dias. Alm desse, os maias, possuam
tambm o ano solar de 365 dias que os arquelogos chamam de ano vago de 18 meses de 20
dias e cinco dias intercalares. Existia ainda um ciclo maior chamado calendrio Redondo
com 18980 dias, correspondendo ao perodo em que os ciclos de 260 e 365 dias coincidiam.
Vale a pena notar que o nmero 18980 mnimo mltiplo comum de 260 e 365. Outro fato
importante do calendrio maia foi uma era conhecida com longa conta, sendo uma
contagem dos dias a partir de um ponto convencional. Eles acreditavam que o mundo havia
sido destrudo e criado vrias vezes. Atualmente os pesquisadores acreditam que a longa
conta era usada para datar eventos histricos e no astronmicos.
Outro fato interessante sobre os maias que o tempo estava ligado ao planeta Vnus,
sobretudo quando ele aparecia como a primeira estrela da manh. Esse perodo de
visibilidade tinha uma importncia vital e era considerado um momento aterrorizante. Todos
os ciclos dos maias tinham seu reincio num dia em que Vnus fosse a estrela da manh.
Possuam tabelas sobre o planeta Vnus com uma notvel exatido s alcanada nos tempos
modernos.
Mas os dados acima, apesar de importantes, no revelam a obsesso dos maias pela
marcao do tempo. A arquitetura maia era alinhada e construda tendo eventos
astronmicos como referncia. A pirmide de Chichen-Itza, hoje conhecida como EL
Castilho, tem a fachada oeste apontada para o Sol poente nos dias de passagem pelo znite
(Maes, 2006).

47

Essa obsesso fica ainda mais caracterizada quando se estuda minuciosamente as


pirmides, conforme indica Maes (2006, pg. 29):
Nos equincios (datas em que a durao do dia igual da noite), luzes e sombras formam uma
serpente que se estica pelas escadas de Chichen-Itza. Cada um dos lados da pirmide tem 91
degraus, totalizando 364. Um degrau a mais d acesso ao templo, totalizando o nmero de dias em
um ano. As laterais tm nove plataformas divididas pelas escadas formando 18 plataformas, o
nmero de meses no calendrio haab. Em cima dessas plataformas, h 52 painis o nmero de
anos haab no "sculo" maia.

Para completar essa preciso maia importante destacar o calendrio anual. O


calendrio haad de 365 dias impreciso, pois hoje o calendrio Gregoriano, utilizado desde
1582, faz algumas correes ao longo dos anos devido ao ano ter 365,24250 dias contra os
365,24219 de um ano solar. As inscries nas runas de Palenque nos revelam, segundo
Maes (2006, pg. 27) :
(...) que eles sabiam que 1.507 anos solares reais correspondiam a 1.508 anos haab. A explicao: eles podiam observar todo ano os dias em que o Sol passava exatamente na vertical e
saber o quanto seu calendrio estava fora de sincronia com esses dias. Fazendo as contas, eles
deduziram que um ano tinha 365,242203 dias. Esse valor estava quase na mosca, e era bem melhor
do que o do calendrio dos europeus que os conquistaram. Alm disso, eles sabiam que 46 tzolkins
correspondiam exatamente a 405 ciclos lunares. Isso d 29,53086 dias para cada ciclo lunar, maior
preciso do que os 29,53337 de Ptolomeu, o astrnomo grego que teve autoridade absoluta sobre
os europeus por 13 sculos. A mesma preciso superior foi conseguida com relao aos perodos
sindicos de Vnus e Marte.

Quanto s divises temporais menores, os maias possuam uma estrutura para a semana
diferente da dos europeus, segundo G.J. Whitrow (1993, pg. 112):
(...) Enquanto na Antiguidade europia os dias da semana eram considerados submetidos
influncia dos principais corpos celestes dia de Saturno, dia do Sol, dia da Lua e assim por
diante para os maias cada dia era ele prprio um deus. Representavam as divises do tempo
como cargas transportadas por uma hierarquia de carregadores divinos que personificavam os
nmeros plos quais se distinguiam os diferentes perodos de tempo: dias, meses, anos etc(...) .

Essa forma de pensar a semana possua uma relao com o trabalho, ou seja o erguer-se
do cho com a carga pesada nas costas (...) a cena tpica do carregador indgena
reiniciando sua jornada, familiar a todos que visitaram as regies montanhosas da
Guatemala., segundo o historiador J.E. Thompson (apud G.J. Whitrow 1993, pg. 112).

48

Na Amrica do sul se destaca a civilizao inca que viveu, e ainda vive, nos Andes. O
imprio inca durou em torno de 1 sculo. Desenvolveram vrias tcnicas para sobreviver as
intempries do ambiente gelado do Andes, alm de desenvolver uma tecnologia nas reas
de fundio, mumificao e matemtica, sobretudo com o quipus, algo parecido com o
baco chins. Contudo, quanto a marcao do tempo desenvolveram apenas um calendrio
solar e um lunar, conforme aponta Ronan (2001, pg. 62, vol I)
No entanto, o ponto de vista mais corrente de que tinham tanto um calendrio lunar como um
baseado nas estaes. O que no est claro como os dois se relacionavam, mas, pelo menos em
uma rea inca, cada terceiro ano ligado s estaes era constitudo por um calendrio lunar de treze
meses, esquema que tornava o calendrio lunar quase paralelo ao das estaes. Este tinha doze
meses, cada um deles com trs semanas de dez dias, aos quais se adicionavam cinco dias para as mais
importantes cerimnias religiosas incas, chegando ao total de 365 dias. O ano comeava no solstcio
de vero, que caa em dezembro. Observaes para determin-lo eram feitas a partir de uma plataforma
elevada no meio da grande praa de Cuzco, com o auxlio de marcas pr-arrumadas.

Os incas, ao contrrio dos maias, tinham uma organizao das cidades que visava
orden-las em funo de sua astronomia, objetivando a agricultura. Portanto as suas ruas
eram ordenadas de acordo com os eventos astronmicos, e quem sobrevoa o deserto de
Nazca pode admirar as linhas com quilmetros de comprimento traadas no cho.
Assim extremamente interessante pensar que uma civilizao que no chegou a
inventar a roda e no possui registro de relgios de sol ou de gua, ou seja, no marcava o
tempo em pequena escala, como os maias, possa ter desenvolvido calendrios extremamente
precisos.
Grupos indgenas brasileiros
Pensando no dilogo entre o tempo e a cultura importante destacar civilizaes
diferentes da ocidental. J se descreveu aqui os maias, chineses e os hindus. Destacam-se
agora os nativos brasileiros.
Quando se examina a cosmologia desses grupos indgenas, intensifica-se a crena que
a concepo de tempo fruto da cultura e organizao social. Assim como outros povos
citados, os indgenas brasileiros perceberam que os fenmenos naturais so cclicos. Assim
sua atividade de pesca, caa e lavoura estavam sujeitas a flutuaes sazonais.
Os tupis-guaranis, que fazem parte do tronco lingstico que inclui o tupi, o guarani,
entre outras lnguas, so o grupo mais extenso, sendo encontrados em partes do Brasil,
49

Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolvia, Peru e Guiana Francesa. Para esse grupo o Sol o
principal regulador da vida. Os guaranis, por exemplo, nomeiam o sol de Kuaray na
linguagem cotidiana e Nhamandu na espiritual (Afonso, 2006). Eles determinam o meio-dia
solar, pontos cardeais e estaes do ano pelo gnmon, ou seja, pelo relgio solar, chamado
por eles de cuaracyraangaba. Lembrando que o relgio solar tambm foi utilizado no Egito,
Babilnia, China e Grcia. Segundo Afonso (2006, pg. 51):
O calendrio guarani est ligado trajetria aparente anual do Sol e dividido em tempo novo e
tempo velho (ara pyau e ara ym, respectivamente, em guarani). Ara pyau o perodo de primavera
e vero, sendo ara ym o perodo de outono e inverno.

Assim, o incio de cada estao obtido pela observao precisa do nascer e pr-dosol. O dia para eles medido por dois nasceres consecutivos do sol, sendo a primeira
unidade bsica. J a lua tambm tem a sua importncia por definir o ms, que medido
como o intervalo entre o aparecimento da mesma fase da lua no cu. A lua tambm
importante para a orientao geogrfica, pois a parte iluminada reflete os raios solares.
Quanto s horas, segundo Afonso (2003, pg. 51), as fases da lua:
(...) permitiam obter as horas da noite: o primeiro filete, depois da lua nova, aparece ao anoitecer,
do lado oeste, e desaparece minutos depois; a lua crescente (jaxy endy mbyte) aparece desde o
anoitecer at meia-noite; a lua cheia, do pr-do-sol ao nascer do sol e a lua minguante (jaxy
nhenpytu mbyte) fica visvel da meia-noite ao amanhecer.

O planeta Vnus tambm tem importncia na orientao geogrfica e na marcao de


tempo, pois os tupis-guaranis conhecem aproximadamente seu perodo de 263 dias. Tambm
como referncia importante, esse povo marca as horas pela observao do cruzeiro do sul
(Curuxu), durante a noite, alm de determinar os pontos cardeais.
As horas noturnas so determinadas pela rotao do cruzeiro, pois ele efetua uma volta
completa em 24 horas, sendo assim para ir da posio deitada para a posio em p o tempo
transcorrido de 6 horas. Observando tambm a sua forma eles determinam os pontos
cardeais, levando em considerao que quando a cruz est em p a parte maior do seu brao
aponta para o sul (Afonso, 2006).
Ainda como orientao temporal, os tupis-guaranis, como outras culturas indgenas
observam e se orientam pelo aglomerado de estrelas chamado de Pliades (Eixu em guarani).
Afonso (2006, pg. 54), explica essa utilizao:

50

Quando elas apareciam, afirmavam que as chuvas iam chegar, como chegavam, efetivamente,
poucos dias depois. Como a constelao aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no
fim para tornar a reaparecer em igual poca, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo
decorrido de um ano a outro. Da mesma maneira, atualmente para os tembs, que habitam o norte
do Brasil, o nascer helaco das Pliades anuncia a estao da chuva e o seu ocaso helaco aponta a
estao da seca. Para os guaranis do sul do pas, o nascer helaco das Pliades anuncia o inverno,
enquanto o ocaso helaco indica a proximidade do vero.

Os bororos, tribo que vive no cerrado tambm um povo indgena com poucos
representantes, porm so grandes preservadores da sua cultura. Sua marcao temporal no
traz grandes diferenas com os tupis-guaranis, pois utilizam o sol (Meri) como referncia
diria e a lua (Ari) como referncia noturna. O perodo de um ms, assim como a coleta de
brotos de palmeiras para o artesanato e plantio tambm so determinados pela lua. As
Pliades tambm orientam os ciclos sazonais
Um fato diferente com relao aos tupis-guaranis a organizao da aldeia em funo
da observao do sol. Outro fato interessante a mudana da localizao da casa de um
bororo ao longo da vida (Fabian, 2006, pg. 59) :
(...) um homem boror nascer na metade norte ou sul da aldeia, ir se mudar para a casa central
dos homens na puberdade(...) , e ento morar com a famlia de sua mulher na metade oposta, reproduzindo assim o movimento solar anual norte-sul/sul-norte.

Os caiaps, por sua vez, distribuem-se no Parque do Xingu, ao norte do estado de Mato
Grosso e ao Sul do Par. As aldeias antigas eram construdas tendo a trajetria aparente do
sol no cu como referncia, sendo definida como um padro de construo. Seu sistema de
orientao espacial e a definio dos pontos cardeais so feitos de maneira interessante e
singular, pois o xam deita-se no centro da aldeia, com seu umbigo apontado para o Znite,
a cabea para o nascente do sol e os ps para o poente. Segundo Campos (2006, pg. 66)
esse esquema funciona muito bem para a prtica de organizao social e se mostra mais
coerente do que o sistema ensinado nas nossas escolas, pois:
Nelas ensina-se a apontar a mo direita para o nascente. Isso, conseqentemente, nos coloca de
frente para o norte e aparentemente para a Estrela Polar. Sabemos que ela no pode ser vista do
Hemisfrio Sul, pois se encontra abaixo do horizonte para quem aqui observa o cu. Desse modo
somos ensinados a ficar de frente para algo que no vemos e acabamos dando as costas para o que
vemos: a constelao do Cruzeiro do Sul. Este sim o recurso de orientao noturna mais visvel
no Hemisfrio Sul. Nesse caso a regra definitivamente prtica seria ensinarmos a colocar a mo

51

esquerda em direo nascente. Desse modo, noite estaramos de frente para o Cruzeiro do Sul e
olhando na direo sul. Em vez NORTEar, a proposta aqui SULear.

O calendrio caiaps definido pela observao de estrela em relao ao movimento do


sol, sabendo que o seu sistema geocntrico e o sol movimenta-se em sentido anti-horrio.
A observao feita cerca de uma hora antes do sol nascer, tendo como marcadores
essenciais a via-lctea e parte das Pliades. Assim, dois momentos so importantes nessa
marcao, segundo Campos (2006, pg. 71):
(...) Um deles o incio do ano, quando as Pliades aparecem baixas, prximas ao horizonte do
lado do nascente antes do Sol nascer. O segundo a ocorrncia da "primeira chuvinha", como
observou Kwyra-k, que separa o plantio e semeadura em terra seca da mesma atividade em terra
molhada.(...)

Portanto, para os caiaps, de maio a outubro, com o rio ainda cheio, no final da festa da
mandioca e com o milho ainda com a palha seca, comea o tempo de seca. De novembro a
abril, com a invaso das formigas de asas e o surgimento das borboletas na margem do rio,
inicia-se o tempo de chuva.
Para finalizar, ressalta-se que a riqueza e o conhecimento dos povos nativos
brasileiros, desenvolveram uma cincia de marcao temporal com uma preciso invejvel e
comparvel aos povos da antiguidade mais citados: egpcios, babilnicos e gregos.
Relgios do mundo moderno e contemporneo
A palavra inglesa clock est relacionada com a palavra latina clocca e com a palavra
francesa cloche, que significam sinos. Esses tinham grande importncia na vida na idade
mdia e os mecanismos desenvolvidos para toc-lo, como a roda dentada e alavancas
oscilantes, podem ter contribudo para o desenvolvimento do relgio mecnico, pois:
(...). Uma possvel comprovao desta idia pode ser vista na nica representao pictrica que
restou de um relgio de gua ocidental do sculo XIII, que parece ter sido

usado em Paris, por

volta de 1250, na corte de Lus IX. Era essencialmente um instrumento para anunciar as horas, com
sinos. A nica roda visvel parece ter 24 dentes, o que pode significar que tinha uma rotao diria.
A fora motora era fornecida por um peso que descia lentamente, pendurado num fio enrolado em
volta do eixo ou rvore, constituindo o caso mais antigo que se conhece de acionamento por peso de
um relgio. (G.J. Whitrow 1993, pg. 120)

Assim a relao entre a palavra e o seu significado estava bem justificada, porm esses
no foram os primeiros relgios que apareceram. Os primeiros relgios que apareceram
52

foram os mecnicos. Daqueles de que se tem notcia os primeiros eram acionados por pesos,
instalados no monastrio de Dunstable. A igreja catlica teve um papel importante nesse
desenvolvimento da tecnologia dos relgios, devido severa observncia dos horrios de
oraes e o registro do tempo, alm de todo o controle sobre o ensino e o domnio
econmico, que eram importantes para contratar os artesos.
O aspecto mais revolucionrio desses relgios no eram os pesos e nem as engrenagens,
e sim o escapo de haste e folhas. Esse dispositivo consistia em uma barra horizontal com um
piv em seu centro e uma haste com duas flanges que engatavam em uma roda dentada. A
cada oscilao da folha, que era acionada por pesos, a roda era empurrada liberando um
dente. Nesse sistema o escape era responsvel em controlar as rotaes da roda dentada e
transmitir energia necessria para manter o movimento do oscilador. Ou seja, esse
dispositivo regulava a velocidade que operava o relgio, conforme a figura a seguir:

Figura 3 Escapo de Haste e folhas20

Com o aumento da procura por relgio a partir do sculo XV, outra inovao abriu caminho
para a construo de relgios portteis. Os pesos foram substitudos por mola em espiral, a
corda. Porm, tinha-se um problema, pois a tenso na mola aumentava quando ela era
comprimida. O dispositivo que superou esse problema foi o fuso. Com a forma de um cone,
ele ficava ligado por um fio ao cilindro onde estava a mola. Ao dar-se corda ao relgio o fio

53

era puxado do cilindro para o fuso que, com o seu dimetro menor da espiral, compensa o
fato de a mola ficar esticada, conforme a ilustrao a seguir:
Figura 4 Fuso20

Andrewes (2002, pg. 90), discute a importncia desse dispositivo:


A importncia do fuso no deve ser subestimada. Ele tornou possvel o desenvolvimento dos
relgios portteis e sua evoluo posterior, os relgios de bolso. Muitos relgios de alta qualidade
com a mola, como os cronmetros martimos, continuaram a usar esse dispositivo mais ou menos
at a poca da segunda guerra mundial.

Assim, somente com o desenvolvimento cientfico, j no sculo XVI, em que se


necessitava de maior preciso na marcao do tempo, principalmente na definio dos
mapas celestes, que apareceram as tecnologias dos pndulos que aumentaram a preciso
dos relgios.
O pndulo foi a grande resposta para aumentar a preciso da marcao do tempo.
Muitos fsicos fizeram experincias com pndulos, entre eles Galileu Galilei e Christian
Huygens . importante ressaltar que as bases conceituais do pndulo nascem na mecnica
de Galileu, que aps muita reflexo chegou concluso que o perodo de vibrao depende
do comprimento do pndulo. Galileu pensou em utilizar esse conceito na construo de um
relgio, porm a morte o impediu. Segundo G.J. Whitrow (1993, pg. 143) uma figura do
relgio de pndulo de Galileu, feita por um bigrafo, teria chegado at Christian Huygens.

20

Referncia: Scientific American, 2002, pg. 92.


54

Assim, foi Christian Huygens quem projetou o primeiro relgio de pndulo. Ele
percebeu que o pndulo quando atravessa um arco circular completa as oscilaes menores
mais depressa que as maiores. Esse problema fazia os relgios atrasarem. Para resolver esse
problema Huygens projetou uma suspenso que permite a ponta do pndulo se movimentar
formando um arco ciclide, no circular. Assim, a oscilao passa a se completar sempre no
mesmo perodo de tempo, de forma independente da amplitude, conforme a figura a seguir:
Figura 5- O pndulo20

Andrewes (2002, pg. 91) aponta outra grande inovao feita por Huygens,:
Huygens fez em 1675 outra grande importante descoberta, o balancim, em espiral. Tal como a
gravidade controla a oscilao de um lado para outro do pndulo nos relgios de armrio, a mola

55

balancim regula a oscilao em rotao nos relgios portteis. O balancim em espiral um disco
extremamente bem regulado que gira inteiramente numa direo e depois na outra.

A seguir apresenta-se uma ilustrao do balancim:

Figura 6- Balancim21

Huygens teve um papel importante nesse desenvolvimento, porm nessa mesma poca
ele tomou conhecimento de outra inveno importante que aumentou ainda mais a preciso.
Trata-se do escape de ncora que permite ao pndulo balanar num arco to pequeno que o
percurso do ciclide era desnecessrio.
Figura 7- ncora22

21
22

Referncia: Scientific American, 2002, pg. 93.


Referncia: Scientific American, 2002, pg. 94
56

O desenvolvimento no pra ai, pois com a inveno da mola reguladora os relgios de


estojo ou de algibeira ganharam grande preciso. Quanto autoria da inveno, existiu uma
grande discusso sobre a primazia do invento entre Hooke e Huygens. Esse construiu
efetivamente a mola, porm foi acusado por Hooke de trfico de informao. Sem dvida,
com a lei sobre as molas elaborada por Hooke, ele teria toda a condio para construir essa
mola. Polmicas parte, ambos contriburam significativamente para esse avano.
Assim, com o aumento da preciso dos relgios mecnicos e a conseqente marcao
uniforme do tempo proporcionada por eles, encontra-se uma grande influncia deles na vida
social e filosfica que se seguiu na poca. Esse aspecto ser abordado adiante. Quanto
preciso, esses relgios s foram superados pelos modernos relgios de quartzo, csio etc...
Dando um salto na histria, encontra-se uma grande inovao no sculo XX. Assim
como o pndulo foi revolucionrio, para poca moderna, o quartzo o foi para poca
contempornea. Desenvolvido inicialmente para ser usado nos transmissores de rdio, o
cristal de quartzo vibra num ritmo extremamente regular, quando estimulado por uma
corrente eltrica. Os primeiros relgios de quartzo tinham preciso de milsimo de segundo.
Figura 8 - Quartzo23

Apesar de ainda serem usados, os relgios de quartzo possuem uma preciso muito
menor que as oscilaes naturais vindas de uma fonte de csio. A preciso desses relgios
era to grande, ou seja, da ordem de nanosegundos, que houve necessidade de se repensar a
definio do segundo a partir dessa inovao. Assim a definio atual do segundo baseada
na freqncia de ressonncia do tomo de csio. Essa definio foi adotada em 1967.
Tecnicamente falando ela corresponde durao de 9192631770 ciclos da radiao

23

Referncia: Scientific American, 2002, pg. 97


57

correspondente transio entre dois nveis hiperfinos do estado fundamental do tomo de


csio 133.
Figura 9 Csio23
O processo ocorre numa cmara de vcuo, na qual seis lasers reduzem
os movimentos de tomos de csio gasoso, formando uma pequena nuvem
(1). Mudanas nas frequncias de operao dos lasers superior e inferior
lanam para cima a nuvem de tomos, atravs de uma cavidade com
escudos magnticos (2). A gravidade puxa a nuvem para baixo, atravs da
cavidade e, quando isso acontece, os eltrons dos tomos so
bombardeados por um gerador de microondas [3], cujas emisses esto
ajustadas para a frequncia pr-determinada de um oscilador de cristal
piezeltrico. As microondas agem como petelecos (flips) sobre os spins
dos eltrons, mudando seus estados de energia de mecnica quntica.
Depois que a nuvem cai mais um pouco, um feixe de laser faz com que o
csio se torne fluorescente. Um detetor mostra se os eltrons tiveram seus
spins alterados pelas microondas [4]. O sinal de sada do detector
usado para fazer a correo necessria para ajustar o emissor de
microondas a uma frequncia ressonante precisa, que pode servir como
base para o funcionamento do relgio. (Andrewes, 2002 pg. 96)

vlido ressaltar que hoje os sinais de hora no mundo inteiro so coordenados pelo
BIH (Bureau International de lHeure), que define um relgio mdio baseado em
aproximadamente 80 relgios atmicos instalados em 24 pases. Esse nmero de relgios
permite uma sincronizao imediata com preciso de um milionsimo de segundo. Essa
metodologia de medida recebe o nome de Tempo Coordenado Universal (UTC), que
substituiu o GMT. Embora seja controlado em Paris, a referncia geogrfica continua sendo
o observatrio de Greenwich. Esse observatrio continua contribuindo para a preciso da
marcao do tempo, atravs de observaes realizadas por satlites e por sistemas de
deteco a laser que constatam um nmero de segundos no inteiros, conforme G.J.
Whitrow (1993, pg. 189):
Desde 1 de janeiro de 1972 sinais de tempo irradiaram segundos atmicos, mas, assim como no
h um nmero inteiro de dias num ano, no h tambm um nmero inteiro de segundos num dia
solar. Isto levou adoo de correes, positivas ou negativas, de exatamente um segundo. So os

58

chamados "segundos bissextos" e, quando necessrios, esto no ltimo dia de um ms do


calendrio, de preferncia em 31 de dezembro ou 30 de junho.

Para o futuro espera-se ainda maior preciso. Relgios espaciais criados para os vos da
Estao Espacial Internacional de 2005 medem o tempo com erro inferior de 10-16s. Em
novos testes com relgios que extraem o tempo de tomos de clcio e ons de mercrio, ao
invs de csio, espera-se preciso de 10-18s .
Com essa preciso espera-se colocar a teoria da relatividade novamente prova.
Segundo Einstein, a velocidade de qualquer relgio diminui na medida com que a gravidade
aumenta, ou quando os relgios esto em movimentos com grande velocidade em relao a
um observador que no se mova junto com ele. Portanto esperar para ver se ainda assim
ele est certo.

2.2 Na fsica e na filosofia


Os Gregos
Para os gregos o tempo no era um deus. Somente nas pocas helensticas o tempo foi
adorado sob o nome de Aion, um tempo eterno sagrado, muito diferente do tempo comum
chamado de chronos.
Diferentes pensadores tinham diferentes concepes sobre o tempo. Por exemplo, podese citar Hesodo que, segundo G.J. Whitrow (1993, pg. 53) tinha a seguinte concepo:
Seu poema baseava-se implicitamente no conceito de tempo, embora a palavra tempo de fato
nunca aparea nele; seu principal propsito era dar conselhos com relao regulao das
atividades do ano, havendo dias especficos de bom ou mau agouro, prprios ou imprprios para
diferentes atividades. Em suma, o tempo era visto por Hesodo como aspectos da ordenao moral
do universo.

Portanto, para Hesodo o tempo estava relacionado aos acontecimentos cclicos, que
regulavam as atividades humanas, aos sentimentos, tendo tambm um aspecto mstico,
principalmente quanto liberdade para a realizao das atividades dirias, definindo os
melhores e os piores dias para sua realizao.
Herclito, por sua vez, prope a mudana permanente como uma lei fundamental que
governava todas as coisas: No se pode tomar banho duas vezes no mesmo rio (G.J.
Whitrow 1993, pg. 53). Para ele o mundo era formado pelo conflito de opostos como:
59

quente e frio seco e molhado, entre outros. Ele acreditava num princpio que governava
todas as relaes, representado pelo equilbrio desses opostos, tendo o tempo como juiz e
controlador desse equilbrio.
Anaximandro tambm compartilhava da idia do tempo como juiz. Em um dos seus
escritos que chegou at o mundo ocidental, ele faz referncia justia feita pelo tempo. O
estadista ateniense Slon tambm fazia referncias ao tempo como juiz. Suas defesas,
segundo historiadores, eram apresentadas diante de um tribunal do tempo.
Os pitagricos possuem uma concepo de tempo que se aproxima muito das
concepes orientais, mais especificamente dos persas e especula-se que tiveram uma
grande influncia dessas idias. As concepes dualistas parecem ter influenciado os
pitagricos principalmente pelo carter mstico. Alm disso, o tratamento que o grupo de
seguidores de Pitgoras dava aos nmeros, tendo-os como a chave para a explicao do
universo, possua uma ligao com os conceitos espaciais e temporais.
Parmnides prope que a noo de presente e futuro so criaes de um mundo aparente
e que na verdade vivemos em um mundo imutvel e atemporal, ou seja, o tempo na
verdade um contnuo.
A partir disto, afirmava que, uma vez que somente o presente , disto decorre que o passado e
futuro so igualmente carentes de significado o nico tempo um tempo presente contnuo, e o
que existe no criado e tambm imperecvel. (G.J. Whitrow 1993, pg. 55)

Plato (sc. IV aC), um dos grandes filsofos gregos, e influente at hoje em muitas
reas do conhecimento humano, tambm discute o conceito de tempo. Ele fez as suas
consideraes principalmente na obra cosmolgica O Timeu. Nessa obra, ele prope que o
espao existe como uma estrutura estabelecida, em que o universo moldado por formas
geomtricas eternas e em estado de repouso, ou seja, um universo ideal. Porm, esse mundo
eterno e maravilhoso est sujeito a mudanas, o que denominamos de real. O tempo esse
sujeito de mudana que separa o real do ideal. Portanto, percebe-se que para Plato, o tempo
produzido pelo universo, conforme aponta G.J. Whitrow (1993, pg. 57):
Essa imagem movente se manifesta nos movimentos dos corpos celestes. A estreita associao que
estabeleceu entre o tempo e o universo conduziu Plato a considerar o tempo como efetivamente
produzido pelas revolues da esfera celeste. Um legado permanente de sua teoria do tempo a
idia de que este e o universo so inseparveis. Em outras palavras, o tempo no existe por direito
prprio, sendo uma caracterstica do universo.

60

Portanto, para Plato, o tempo esse elemento de mudana que separa o real do ideal e
produzido pelo arquiteto junto com o universo, que Plato descreve com estas palavras:
Ento ele lembrou-se de fazer uma imagem mvel da eternidade e, ao mesmo tempo em que
organizava o cu, fez da eternidade que resta da unidade esta imagem eterna que progride segundo
o nmero, e a que ns chamamos o tempo. (Plato, sem data, pg. 266)

Aristteles, discpulo de Plato, rejeitava as concepes de tempo como um produto do


universo, identificado como qualquer forma de movimento ou mudana. Para Aristteles, o
movimento pode ser uniforme ou no e sua definio dada pelo tempo, que, por sua vez,
no poderia ser definido por ele mesmo. pela conscincia do antes e do depois que se
infere a existncia do tempo. Nas palavras de Aristteles (apud Piettre, 1997, pg. 20) :
"Com efeito, quando nosso pensamento no sofreu mudana nenhuma ou quando a mudana nos
escapa, no nos parece que o tempo tenha passado. Somos como aqueles que, segundo a lenda de
Sardes, acordam aps ter dormido ao lado dos heris. Eles ligam, com efeito, o instante precedente
ao instante seguinte, tornando-os um nico momento, apagando a intervalo que os separou, pois
deste no tiveram conscincia".

Ainda quanto ao tempo, Aristteles, como dito anteriormente, relacionava-o com o


movimento, no sentido de uma mudana, ou seja: No apenas medimos o movimento pelo
tempo, mas tambm o tempo pelo movimento, porque eles se definem um ao outro. (Physica,
iv, 220 b). Dentro dessa perspectiva, ele associa o tempo ao nmero que define o
movimento, conforme suas prprias palavras (apud Piettre, 1997, pg. 212)
" pelo nmero que julgamos o mais ou o menos (uma quantidade); pelo tempo que julgamos a
maior ou menor quantidade de movimento". (Fsica, IV, 10, 218b)

Apesar de no concordar com Plato, quanto idia do tempo como produto do


universo, Aristteles era influenciado pela viso cosmolgica do tempo concebida por
Plato. Mesmo rejeitando a identificao do tempo com o movimento circular dos cus, via
neste o exemplo perfeito do movimento uniforme, logo ele fornecia a medida perfeita do
tempo.
Portanto, para Aristteles o tempo definido pela nossa percepo mental de uma
seqncia de eventos, ou seja, na mudana que temos a conscincia do tempo.
Fundamentalmente uma concepo de tempo como instante.

61

Os Persas e os rabes
O pensamento relativo ao tempo no Imprio Persa, por volta de 500 a 300 a.C., estava
baseado na religio. Na poca o zoroastrismo envolvia uma interpretao teleolgica do
tempo. No incio do tempo dois espritos foram criados por Ahura-Mazd, o esprito bom e o
esprito mau, que envolviam o homem em uma luta csmica entre o bem e o mau. Nesse
contexto, a concepo de tempo era que o prprio tempo seria o criador. Para ilustrar tal
afirmao, destaca-se abaixo um trecho de um pensamento persa citado por G.J. Whitrow
(1993, pg. 49):
Exceto o tempo, todas as outras coisas so criadas. O tempo o criador; e o tempo no tem
limites, nem cume ou base. Ele sempre foi e ser para todo o sempre. Nenhuma pessoa sensata dir
de onde veio o tempo(...)
Como o pensamento iraniano foi perpassado por uma tendncia ao dualismo, no surpreende que
dois aspectos do tempo fossem reconhecidos: o tempo indivisvel que a eterno agora, e o tempo
que divisvel em partes sucessivas.

O primeiro tempo conhecido como eterno e indivisvel representava o aspecto criativo


do tempo chamado de Zurvan arakana, um criador do universo. O segundo tempo era o
tempo finito que trazia a morte e era chamado de Zurvan daregho-chvadhata. Essa idia de
um tempo divisvel e um tempo eterno mostra, j naquele povo, apesar de sua concepo
religiosa, a idia aproximada de um tempo que hoje se chama de cclico, ou finito, porm
que recomea, mas no nas mesmas condies. uma idia ligada a um reinado, um perodo
de durao. A outra idia de um tempo eterno, que guardando as devidas propores,
contextos e conceitos, lembra o tempo absoluto de Newton que ser discutido adiante, alm
de lembrar tambm a idia de um tempo linear que no se consegue controlar e que tende
sempre para um sentido definido.
Pode-se identificar o interesse do mundo islmico pela cincia a partir do fechamento da
academia Neoplatnica de Atenas em 529. Com esse despertar, em Bagd, como dito
anteriormente, nasce um grande instituto cientifico que atua nas mais diversas reas da
cincia.
Assim, pensando no aspecto filosfico do conceito de tempo, o pensador mais
importante dessa poca foi Moiss Maimnides. Na sua obra, O guia para os perplexos, do
sculo XII, encontra-se a seguinte afirmao:

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"O tempo composto de tomos de tempo, isto , de muitas partes, que, em razo de sua curta
durao, no podem ser divididas (...) Uma hora , por exemplo, dividida em 60 minutos, o segundo
em 60 partes e assim por diante; ao cabo de dez ou mais sucessivas divises por 60, obtm-se
elementos de tempo que no so passveis de diviso, e so de fato indivisveis." Essa concepo
atomstica do tempo estava associada a um conceito radicalmente contingente e acausal do mundo,
segundo o qual sua existncia num instante no implicava sua existncia em nenhum instante
subsequente. (G.J. Whitrow, 1993, pg.96)

Decorre que dessa concepo atomstica do tempo encontrada nos rabes, muito foi
inferido sobre a possibilidade de uma influncia grega, sobretudo da teoria atomstica de
Epicuro e os paradoxos de Zeno. Contudo ainda no se encontrou nenhum vestgio de
teoria grega que combinasse com esse atomismo material e temporal dos rabes. McDonald
(G.J. Whitrow, 1993), historiador e pesquisador da cincia islmica, tem atribudo essa viso
atomstica influncia hindu.

O oriente
A concepo dos hindus sobre o tempo tem uma origem mstica. O termo kala para eles
denota tempo. Originalmente era empregado para denotar a idia de um momento certo,
porm a idia de tempo foi tornando-se um princpio do universo, e a prpria palavra Kala
foi associada a Kali, que significa A negra, uma das formas da esposa do deus Shiva. O
tempo era visto como algo tenebroso associado ao deus da destruio por ser duro e
impiedoso.
Por outro lado, a concepo mais antiga, sugeria que o tudo um mero instante e em
seguida substitudo por uma cpia exata de si mesmo, como pequenos momentos de um
filme. Essa teoria recebeu o nome de teoria da momentaneidade, sendo formulada pelos
sautrnkitas, uma seita budista. O conceito de instante possua intrinsecamente uma idia de
realidade absoluta que escapa ao domnio intelectual, sendo um conceito atomstico do
tempo.
J no sculo XI muitos debates filosficos sobre o tempo eram travados pelos hindus.
Uma linha de pensamento defendia a idia de que o tempo perceptvel pelas suas
qualidades ligadas ao movimento. Os contrrios a essa idia defendiam a inexistncia do
tempo, ou seja, o tempo um conceito inferido, pois no possui qualidades de objetos
sensveis. G.J. Whitrow (1993, pg. 105) destaca esses debates:
63

(...) a escola Bhatta-mimamsaka afirmava que o tempo perceptvel, enquanto seus opositores
Nyaya-Vaiseka sustentavam que apenas um conceito inferido porque carece de qualidades
sensveis como cor, forma etc. A primeira escola contra-argumentava que qualidades sensveis no
so os nicos critrios de perceptibilidade e que o tempo sempre percebido como uma qualidade
de objetos sensveis. Em outras palavras, os eventos so percebidos como rpidos, lentos etc.,
propriedades que envolvem uma referncia direta ao tempo. Seus oponentes replicavam que o
tempo per se no podia ser percebido e que somente por meio da inferncia podemos conhec-lo
como realidade ontolgica. Outras discusses filosficas sutis diziam respeito ao contraste entre a
realidade objetiva do instante e a natureza ideal da durao, porque esta um construto mental,
enquanto a primeira experimentada (o contrrio do que pensamos hoje no ocidente).

Em concordncia com a concepo de tempo como construo mental, Capra (2006,


pg. 127) apresenta uma descrio encontrada em um texto budista:
Foi ensinado pelo Buda, monges, que (...) o passado, o futuro, o espao fsico (...) e os indivduos
no passam de nomes, formas de pensamento, palavras de uso comum, realidades meramente
superficiais.

Por outro lado, os chineses sustentam tambm que o tempo, como construo do
pensamento, proporciona uma sensao de diviso, contudo possvel, em diferentes nveis
de conscincia experimental, um momento eterno, conforme indica Capra (2006, pg. 139):
Esqueamos o lapso de tempo; esqueamos o conflito de opinies. Apelemos para o infinito e
tomemos nossas posies nele.
Chuang Ts
A tranqilidade absoluta o momento presente. Embora ela esteja neste momento, no existe limite
para este momento, e nisto reside o deleite eterno.
Hui-neng
Neste mundo espiritual no existem divises do tempo, como o passado, o presente e o futuro; pois
tais divises contraram-se num nico momento do presente, onde a vida palpita em seu verdadeiro
sentido. [. ..] Passado e futuro so trazidos at esse momento presente de iluminao e esse momento presente no algo que permanece parado com tudo aquilo que contm, pois, incessantemente,
ele se move.
D. T. Suzuki

A permanncia do tempo uma outra forma de conceber o momento como eterno. Nas
palavras do mestre oriental Zen Dogen (apud Capra, 2006 pg. 144):
A maioria das pessoas acredita que o tempo passa; na verdade, o tempo permanece onde est.
Essa idia de passagem pode ser chamada tempo; trata-se, no obstante, de uma idia incorreta,
uma vez que na medida em que o encaremos somente como passagem, no podemos perceber que
ele permanece onde est.
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Outra forma de conceber o tempo, segundo o historiador Needham (apud G.J.Whitrow,


1993 pag 109), vinda da escola mosta chinesa, tendia ao atomismo temporal embora no ao
material, ou seja, tendia a conceber os diferentes intervalos de tempo como unidades
discretas e separadas, sendo que o tempo era compartimentado.
O universo era visto como um amplo organismo submetido a um padro cclico de alternncia,
com predominncia ora de um, ora de outro componente, sendo a idia de sucesso subordinada
de interdependncia. Assim como espao se decompunha em regies, o tempo se dividia em eras,
estaes e pocas.

Contrastando com o ocidente, uma outra concepo filosfica da natureza do tempo,


vinda do oriente, era dada pela noo de poder remontar um efeito a partir da sua causa e
eliminar a idia de durao, pois a causa e efeito coexistem. Segundo o Swami Vivekananda
(apud Capra 2006, pg. 145):
O tempo, o espao e a causalidade assemelham-se ao vidro atravs do qual se v o Absoluto. (...)
No Absoluto, inexistem o espao, o tempo e a causalidade

Portanto, essa concepo contrasta com o pensamento ocidental, em que a marcha dos
fenmenos tem uma nica direo temporal definida, ou seja, da causa para efeito. Um
exemplo dessa concepo que sempre se v o ovo quebrando, porm no se observa um
ovo quebrado sendo reconstitudo, espontaneamente.
Como destaca

Needhan (apud G.J. Whitrow, 1993), uma filosofia de tempo em

compartimentos como a dos chineses, dificilmente possibilitaria o aparecimento de idias


como a de Galileu que levaram a uniformizao do tempo dentro de um tratamento
matemtico. Porm, segundo o mesmo historiador, a dependncia funcional na relao de
tempo e movimento esteve perto de ser desenvolvida de forma completa, algo que, no
ocidente s aconteceu no renascimento.

Maias, Tupis-guaranis e Caiaps.


Para apresentar o tempo dos Maias, tupis-guaranis e Caiaps, do ponto de vista
filosfico, deve-se pensar nos mitos e nos costumes. De forma geral, os mitos com relao
ao tempo referem-se a uma conexo entre passado e presente. Dentro da mstica do tempo, a
cronologia no responde aos anseios culturais. A concepo Maia de mundo era geocntrica
e mstica, sendo que o universo era plano e quadrado e o Sol girava em torno da Terra.

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Segundo os mitos da criao Maia, o cosmos era dividido em trs planos: o submundo, o cu
e a terra. A idia do submundo pode ter origem na observao das profundas piscinas
naturais e cavernas que existiam nas florestas. Era um local marcado pela morte e
putrefao, dominada por um deus que velava por um local de tortura, porm no no sentido
cristo, e sim, provavelmente, pelas observaes dessas cavernas. O cu era o plano em que
reinava o deus sol, que ensinava a eles muitas coisas. A noite, o cu noturno, mostrava a
ao dos deuses. A terra, provavelmente, era a casa da vida e observao do cosmos
(Maes, 2006).
Portanto, tendo essa concepo de cosmos como pano de fundo, a concepo de tempo
filosfica dos Maias est ligada magia e sua religio politesta. Consideravam cada dia e
cada noite como um deus, segundo G.J. Whitrow (1993, pg.113)
Dias, meses, anos, e assim por diante, eram todos membros de equipes de revezamento, avanando
ao longo da eternidade. A carga de cada deus passou a significar o pressgio especfico ligado
diviso de tempo em questo. Num ano a carga podia ser de estiagem, em outro uma boa colheita, e
assim por diante. Calculando que deuses estariam caminhando juntos um dado dia, os sacerdotes
podiam determinar as influncias combinadas de todos eles e assim prever o destino da
humanidade. A hierarquia de ciclos para cada diviso de tempo levou os Maias a dedicarem maior
ateno ao passado que ao futuro.

Com isso, os Maias no se preocupavam com o futuro e sim com o passado, j que
acreditavam na ciclicidade, ou seja, o futuro era uma repetio do passado, sendo que
passado, presente e futuro, tendiam a uma coisa s, algo eterno.
No caso dos guaranis, as referncias para a concepo de tempo aparecem, por
exemplo, inicialmente, na prpria lngua, como ilustra Borges (2006, pg. 43):
Na lngua guarani, a referncia ao tempo pode ser indicada pelo uso de afixos temporais (r,
futuro; kue ou ere, passado, em expresses como ranguar, poca em que ir acontecer, ranguare,
poca em que j aconteceu), ou ainda, por frmulas lingusticas genricas comoym (antigo), ypy
(primitivo), tenonde (primeiro, original), pyau (novo), nhande rami ara (tempo dos nossos avs, ou
dos ancestrais), Nhande Ru ara (tempo do Nosso Pai, ou tempo divino).

Dentro do fluxo temporal, esses marcadores servem para localizar a narrativa e como
referncia para narrador e ouvinte. As concepes de ordem mitolgica sobre o tempo,
tambm aparecem nos modelos cosmolgicos. importante ressaltar que tanto os modelos
acadmicos como os indgenas, dividem-se em um grupo baseado na concepo temporal
finita e outro baseado em uma concepo temporal infinita (Borges, 2006). As cosmologias
66

de tempo finito so assim definidas por sugerirem a existncia de um tempo zero. J as


cosmologias de tempo infinito so aliceradas em uma concepo de um fluxo temporal
contnuo.
Os guaranis possuem algumas narrativas da criao formadas na concepo finita de
tempo, como indica Borges (2006, pg. 43):
"Nosso Pai, ltimo-ltimo primeiro criou seu prprio corpo, a partir das trevas primeiras, no curso
de seu contnuo desdobramento. Antes de haver criado, em sua contnua expanso, sua futura
morada terrena, ele existia em meio aos ventos primitivos; e ainda que o Sol no tivesse sido
criado, ele vivia iluminado pelo reflexo de seu prprio corao. E, assim, quando termina a poca
primitiva, surge, ento, o tempo-espao novo e se produz o recomeo da vida." (Mito dos guaranis,
adaptado do canto I do Ayvu Rapyta, reunido e publicado por Leon Cadogan.)

O modelo de universo dos caiaps representa um universo formado a partir da


concepo de tempo infinito. Quando examin-se o Mekuton, um tipo de cocar, podem ser
lidos muitos aspectos da cosmologia caiap. Esse ornamento representa o passado e o
presente desse povo em termos de tempo e espao, alm de indicar a terra como sendo plana.
O universo aqui composto de vrias pyka, ou seja, de vrias camadas circulares, que
segundo Borges (2006, pg. 67):
De acordo com a mitologia do povo de Gorotire, o pyka onde eles vivem foi descoberto por um
caador Caiap que veio da camada imediatamente superior. Ele o descobriu ao entrar por um
buraco de tatu, para ca-lo. De repente, os dois - caador e tatu - caram num vazio, mas soprou
um vento muito forte que os trouxe de volta ao buraco. De l ele avistou embaixo um mundo muito
bonito e com grande quantidade de palmeiras de buriti (Maurtiaflexuosa L.), sinalizadoras de
muita fartura de gua. Com isso, os antepassados resolveram descer para esse outro pyka atravs
do buraco usando um cordo de algodo. Nem todos tiveram coragem para descer, e as fogueiras
dos que ficaram acima so at hoje visveis por esses do mundo de baixo como as estrelas no cu.

Esses so apenas alguns exemplos de mitologia dos indgenas brasileiros. No entanto


importante destacar que, segundo Borges (2006, pg. 45), desconsiderando a formalizao
matemtica e dos modelos, pode-se dizer que:
(...) a cosmologia guarani e a teoria do Big Bang, de um lado, e a cosmologia caiap e a teoria das
cordas, de outro, compartilham os mesmos modos de conceber a ontologia do tempo .

Assim, valido refletir as idias de Lvi-strauss quando afirma que os povos iletrados
raciocinam de forma intelectual e desinteressada, de forma similar ao processo cognitivo
das populaes modernas e letradas.
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Galileu Galilei
At a poca de Galileu (1564-1642), a cincia era dominada pelas idias de Aristteles e
de seus inmeros seguidores e comentadores medievais. Obviamente, muitos contriburam
com as idias iniciais de Aristteles, e muitos outros elaboraram crticas s suas concepes,
porm a viso de mundo aristotlico-ptolomaica era slida e dominava esse perodo.
Durante o perodo medieval, como j foi destacado anteriormente, com relao ao conceito
de tempo, muitos crticos viso de mundo aristotlica apresentaram suas propostas tanto
em relao astronomia quanto a questes relativas a concepes que originariam a
mecnica. Apenas para exemplificar, til destacar a figura de Buridan (1300-1358) que
chegou a conceber: a rotao da Terra, um conceito de impetus que dependia da massa e da
velocidade de um corpo, o impetus adicionado gravidade natural para explicar a queda
acelerada de um grave e a dvida se a velocidade de queda era proporcional distncia
percorrida ou ao tempo decorrido. Portanto, percebe-se que Coprnico, Galileu, Kepler,
entre outros, tinham onde ler idias alternativas a Aristteles.
Galileu tambm vai dar sua profunda colaborao para uma alterao da concepo
geocntrica de mundo, defendida pelos aristotlicos, em favor da concepo heliocntrica, j
iniciada por Coprnico (1473-1543), que possua uma origem em Aristarco de Samos
(sc.III a.C.), um grego pouco posterior a poca de Aristteles.
Quando Galileu estabelece a lei de queda dos corpos a mudana da velocidade est
ligada ao tempo decorrido e no ao espao percorrido. Contudo, Galileu nem sempre pensou
assim: seu olhar para a queda dos corpos atribua caractersticas temporais ao espao,
conforme aponta Martins (1998, pg. 126), analisando o trecho abaixo de uma carta de
Galileu a Paolo Sarpi.
Refletindo nos problemas do movimento, para os quais, a fim de demonstrar os acidentes por mim
observados, me faltava um princpio absolutamente indubitvel que pudesse estabelecer como
axioma, cheguei a uma proposio que parece suficientemente natural e evidente; estando ela
suposta, demonstro depois o resto, nomeadamente que os espaos percorridos pelo movimento
natural esto na proporo dupla do tempo e que, por conseguinte, os espaos percorridos em
tempos iguais so como nmeros mpares ab unitate e as outras coisas. E o princpio este: que o
mvel natural vai aumentando de velocidade na prpria proporo em que se afasta do ponto de
partida.

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Conforme Martins (1998), atravs da anlise de Koyr, Galileu estava atribuindo ao


espao caractersticas que eram prprias do tempo. As idias neoplatnicas influenciavam
Galileu que utilizava a geometria em excesso. Sua dificuldade em romper com o espao
estava ligada filosofia do tempo como um aspecto secundrio, como aponta Martins(1998),
o tempo era um mero coadjuvante.
Posteriormente, Galileu expe sua viso de um tempo contnuo com infinitos instantes,
conforme aponta Martins (1998 pg. 126/127), citando a obra de Galileu:
Salviati isso o que aconteceria, Sr Simplcio, se o mvel se detivesse durante algum tempo em
cada grau de velocidade; acontece, porm que ele simplesmente passa sem demorar mais que um
instante. E, visto que em todo intervalo de tempo, por menor que seja, existem infinitos instantes,
estes so suficientes para corresponder aos infinitos graus de velocidade que diminui. Que esse
grave ascendente no permanea durante algum intervalo de tempo num mesmo grau de
velocidade, fica evidente o seguinte modo: se, fixado um intervalo de tempo determinado, no
primeiro instante desse tempo e tambm no ltimo, se encontrasse que o mvel tem o mesmo grau
de velocidade, poderia, a partir desse segundo grau de velocidade, ser igualmente elevado por um
espao semelhante, da mesma maneira que o primeiro foi levado ao segundo e, pela mesma razo,
passaria do segundo ao terceiro, para continuar finalmente seu movimento uniforme ao infinito.

A idia de uma grandeza contnua que composta de uma infinidade de elementos muito
pequenos, fica evidenciada na lei de queda dos graves, um dos maiores triunfos de Galileu.
Em Duas novas cincias , Galileu (1985, pg 137) apresenta a lei de queda do graves:
Se um mvel, partindo do repouso, cai com um movimento uniformemente acelerado, os espaos
por ele percorridos em qualquer tempo esto entre si na razo dupla dos tempos, a saber, como os
quadrados desses mesmos tempos.
Representemos o tempo que tem incio no instante A por meio da linha reta AB, na qual
tomamos dois intervalos quaisquer de tempo AD e AE. Seja HI a linha segundo a qual o mvel,
partindo do repouso em H, cair com um movimento uniformemente acelerado; seja HL o espao
percorrido durante o primeiro intervalo de tempo AD e HM o espao percorrido durante o intervalo
de tempo AE.

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Afirmo que o espao MH est para o espao HL numa proporo dupla daquela que o tempo EA
tem para o tempo AD; e podemos tambm afirmar que os espaos HM e HL tm a mesma proporo
que os quadrados de EA e de AD. Tracemos a linha AC que forma um ngulo qualquer com a linha
AB; e a partir dos pontos D e E tracemos as linhas paralelas DO e EP: se DO representa o grau
mximo de velocidade adquirido no instante D do intervalo de tempo AD, PE representar, por
definio, a velocidade mxima obtida no instante E do intervalo de tempo AE. Mas, conforme foi
demonstrado acima a propsito dos espaos percorridos, esses espaos so os mesmos, se um
mvel, partindo do repouso, se move com um movimento uniformemente acelerado e se, durante um
intervalo de tempo igual, ele se move com um movimento uniforme, cuja velocidade a metade da
velocidade mxima adquirida durante o movimento acelerado. Segue-se que as distncias MH e LH
so idnticas s que seriam percorridas nos intervalos de tempos AE e DA por movimentos
uniformes,cujas velocidades seriam iguais metade daquelas representadas por DO e EP. Se tiver,
portanto, sido provado que as distncias MH e LH esto na dupla proporo dos tempos EA e DA,
a proposio ter sido provada. Na quarta proposio do livro primeiro foi demonstrado que os
espaos percorridos por dois corpos com movimento uniforme esto entre si numa proporo que
igual ao produto da proporo das velocidades com a proporo dos tempos. Neste caso, porm, a
proporo das velocidades a mesma que a proporo dos tempos (uma vez que a proporo entre
AE e AD a mesma que a proporo entre a metade de EP e a metade de DO, ou entre PE e OD) .
Consequentemente, a proporo entre os espaos percorridos a mesma que o quadrado da proporo
entre os tempos; o que queramos demonstrar.

Assim, para Galileu o movimento um fenmeno essencialmente temporal, conforme


destaca Koyr (1986, pg. 194/195):
nessa intuio, na ateno constante e mantida ao carcter real do fenmeno que reside a razo
que permite a Galileu evitar o erro die Descartes; e o seu prprio erro. O movimento , antes de
tudo mais, um fenmeno temporal. Passa-se no tempo. , pois, em funo do tempo que Galileu
procurar definir a essncia do movimento acelerado, e j no em funo do espao percorrido:o
espao apenas uma resultante, um acidente, um sintoma de uma realidade essencialmente temporal.
No se pode, isso verdade, imaginar o tempo. E qualquer representao grfica envolver sempre
o risco de cair na geometrizao em excesso. Mas o esforo do intelecto, do pensamento, concebendo
e compreendendo o carcter contnuo do tempo, poder sem perigo simboliz-lo pelo espao. O
movimento uniformemente acelerado ser, pois, o que o for em relao ao tempo.

Por fim, vlido destacar a experincia de Galileu com o plano inclinado, e sua
preocupao em medir o tempo por meio de sua clepsidra.
No que diz respeito medida do tempo, empregvamos um grande recipiente cheio de gua,
suspenso no alto, o qual, por um pequeno orifcio feito no fundo, deixava cair um fino fio de gua,
que era recolhido num pequeno copo durante todo o tempo em que a bola descia pela canaleta ou
por suas partes. As quantidades de gua assim recolhidas eram a cada vez pesadas com uma

70

balana muito precisa, sendo as diferenas e propores entre os pesos correspondentes s


diferenas e propores entre os tempos; e isto com tal preciso que, como afirmei, estas
operaes, muitas vezes repetidas, nunca diferiam de maneira significativa. (Martins 1998, pg.
129)

Galileu mostra a necessidade de se medir o tempo com preciso, e seus estudos com os
pndulos refletem ainda mais essa necessidade, porm o tempo passou a ser medido com
maior preciso dcadas depois, a partir dos trabalhos de Christian Huygens que, conforme
discutido anteriormente, construiu os primeiros relgios mecnicos e determinou o valor da
acelerao da gravidade.
Assim, Galileu abre caminho para o tempo absoluto de Newton e, Christian Huygens,
por sua vez, influencia a concepo newtoniana do universo como um grande relgio.

Isaac Newton
Para discutir a concepo de tempo de Newton importante, ou porque no dizer
fundamental, apresentar minimamente as idias de Isaac Barrow (1630-1677), antecessor de
Isaac Newton (1642-1727) em Cambridge.
Tendo ficado impressionado com o mtodo cinemtico na geometria que fora
desenvolvido por Torricelli (1608-1647), discpulo de Galileu, e pensando sobre esse
mtodo, Barrow percebeu que era necessrio estudar a relao entre o tempo e o movimento.
Assim, as afirmaes de Barrow sobre o tempo ecoaram sobre a concepo newtoniana.
O tempo no implica movimento, na medida em que absoluto e no que diz respeito sua
natureza intrnseca; como tampouco implica em repouso; quer as coisas se movam ou estejam
paradas, quer durmamos ou estejamos despertos, o tempo segue a natureza uniforme de seu curso.
(apud G. J. Whitrow 1993, pg. 146)

Outra afirmao de Barrow sobre o tempo indica a idia de uma reta geomtrica
orientada:
O tempo tem apenas comprimento, similar em todas as suas partes e pode ser visto como
constitudo por uma simples adio de instantes sucessivos ou um fluxo contnuo de um instante.
(apud, G. J. Whitrow (1993, pg. 147):

As idias de Barrow influenciaram decisivamente a concepo newtoniana, em especial


a proposta de que o tempo segue seu curso uniforme independentemente dos objetos,
estejam eles em movimento ou em repouso.
71

Isaac Newton, reconhecido como grande fsico e matemtico e um dos fundadores da


concepo mecanicista de mundo, em que tudo funcionava como um grande relgio, abriu o
caminho para uma concepo de tempo matemtica e, conseqentemente, mensurvel.
Enquanto as maiorias das culturas antigas via o cosmo como um organismo vivo e caprichoso,
sujeito a ciclos e ritmos sutis, Newton nos deu o determinismo rgido, um mundo de partculas e
foras inertes encerradas no abrao de princpios semelhantes a leis infinitamente precisas.
(Davies, 2000 pg. 37)

Nessa proposta determinista era fundamental pensar em um conceito de tempo


independente dos observadores, ou seja um conceito de tempo que pudesse ser utilizado na
determinao das caractersticas e causa do movimento. Davies (2000 pg. 37) aponta essa
definio:
O tempo newtoniano , em sua prpria essncia, matemtico. De fato, partindo da idia de um
fluxo de tempo universal, Newton desenvolveu sua "teoria dos fluxos" um ramo da matemtica
mais conhecido como clculo infinitesimal. Nossa preocupao com a medio precisa do tempo
remonta ao conceito newtoniano de um fluxo do tempo contnuo e matematicamente preciso

Com essa definio matemtica, o tempo torna-se fator preponderante na definio e


descrio do mundo fsico. Newton fez do tempo o que os gemetras gregos fizeram do
espao: idealizou-o em uma dimenso exatamente mensurvel. (Davies, 2000 pg. 37)
Com isso, j no se pensava em um tempo como seres eternos e construes mentais, ou
seja, o tempo era mensurvel e absoluto. Assim, logo no incio da sua obra, O Principia,
Newton (1990, pg. 7), define:
O tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, por si mesmo e da sua prpria natureza, flui
uniformemente sem relao com qualquer coisa externa e tambm chamado de durao.

Alguns filsofos discordavam de Newton e propunham outras definies para o tempo.


Um dos mais conhecidos foi Leibniz, para quem o tempo no poderia existir por ele mesmo,
mas somente com a existncia de uma seqncia de eventos. Em trechos de suas
correspondncias com Samuel Clarke (apud Martins 2007, pg. 89), discpulo de Newton,
ele explicita sua viso:
(...). Como demonstrei que o tempo sem as coisas no passa de uma simples possibilidade
ideal(...). fazer do tempo uma coisa absoluta, independente de Deus, ao passo que o tempo deve
coexistir com as criaturas, e no se concebe seno pela ordem e quantidade de suas mudanas
(Leibniz, 1983, p. 205, quinta carta).

72

Assim, eventos so simultneos porque ocorrem juntos. Quando os eventos no so


simultneos, esto definidos por uma seqncia e no por deixarem de ocupar o mesmo
momento temporal. Leibniz chamava essa idia de princpio da razo suficiente. Segundo
esse princpio, nada ocorre sem uma razo para isso. Portanto, na viso de Leibniz, o tempo
uma ordem de sucesso de fenmenos sem os quais ele no existiria.
Outro exemplo de concepo temporal da poca dominada pela viso newtoniana a de
Kant, filsofo alemo que foi bastante influenciado por Newton e tambm por Leibniz. No
entanto, sua viso de tempo era um pouco diferente. Em seu livro Crtica da razo pura
(apud Martins 2007, pg. 92):
O tempo nada mais que a forma da nossa intuio interna. Se a condio particular da nossa
sensibilidade lhe for suprimida, desaparece tambm o conceito do tempo, que no adere aos
prprios objetos, mas apenas ao sujeito que os intui (Kant, 1980, p. 45).

Essa concepo est relacionada a uma criao subjetiva e interna nossa intuio e
imaginao, sendo algo que utilizado para descrio do mundo. Seguindo a trilha da
imaginao, apesar de ser anterior a Kant, Espinosa apresenta uma viso do tempo em que a
distino entre passado e futuro existe apenas na imaginao e no na razo. Segundo Pietre
(1997, pg. 56):
No poderamos compreender este "eterno", se no o pensssemos a partir da negao do
passado ou do futuro em proveito do nico presente - de conformidade a uma tradio que, como
vimos, remonta Antiguidade.

Por fim, apesar da existncia de outras concepes em sua poca, o tempo de Newton
perdurou por dois sculos, at a chegada das crticas que nasceram ao final do sculo XIX e
culminaram na relatividade de Einstein. Contudo importante destacar que a viso absoluta
do tempo nos influencia e a mais conhecida pelo senso comum, apesar da frase, tambm
conhecida, dita por Einstein: O tempo relativo. Esse conceito passa despercebido sendo
que a nossa reflexo sobre o tempo continua extremamente newtoniana.

Albert Einstein
Antes de falar de Einstein, importante fazer uma meno a Ernst Mach que, como
outros j citados, foi crtico das idias de espao e tempo absolutos. Suas idias seguem a
perspectiva proposta pelo bispo George Berkeley que, em sua obra De motu de 1721,

73

afirma que somente a experincia sensorial capaz de justificar os sentidos, sendo que
espao e tempo no so observveis na experincia sensorial. Segundo o prprio Mach
(apud Martins 2007, pg. 90):
A questo de que um movimento seja uniforme em si no tem nenhum sentido. Muito menos
podemos falar de um 'tempo absoluto" (independente de toda variao). Este tempo absoluto no
pode ser medido por nenhum movimento, no tem pois nenhum valor prtico nem cientfico;
ningum est autorizado a dizer que sabe algo dele; no seno um ocioso conceito 'metafsico'
(Mach, 1949, p. 190, traduo nossa).

Portanto, seguindo uma linha de pensamento prxima a de Leibniz e Kant, Mach


considera o tempo absoluto newtoniano um conceito metafsico. E apesar de no ter
elaborado uma teoria relacional quantitativa alternativa de Newton. Mach apontado
como uma grande influncia para os trabalhos de Einstein j no sculo XX.
Alm de citar a possvel influncia das idias de Mach no trabalho de Einstein,
fundamental contextualizar a situao da fsica no final do sculo XIX. Havia um grande
entusiasmo, pois se acreditava ter conseguido chegar a uma teoria completa que explicasse
quase todos os fenmenos. As leis de Newton e da gravitao, a teoria de Maxwell, as leis
da termodinmica e alguns princpios mais seriam o suficiente para explicar tudo.
Cada teoria era bem sucedida isoladamente, ou seja, no seu campo de aplicao. As leis
de Newton eram a expresso fundamental da fsica, ou seja, sua relevncia chegava a ser
dogmtica, pois explicavam com extrema coerncia os fenmenos ligados ao movimento
dos corpos na terra e nos cus, unificando o terrestre e o celeste como desejava Galileu. As
equaes de Maxwell explicavam muito bem a relao entre campos eltricos e magnticos,
as ondas de rdio, a relao com a luz na forma de onda eletromagntica, alm de servirem
de base para o desenvolvimento dos motores eltricos, dnamos, etc. As leis da
termodinmica, por sua vez, davam conta de explicar as mquinas trmicas, os
refrigeradores, alm do comportamento dos gases e das reaes qumicas. Mas existiam dois
problemas ainda no solucionados: o primeiro dizia respeito fuso da teoria da radiao
eletromagntica com a termodinmica. Na poca, pensava-se que o espao era preenchido
pelo ter luminfero, uma substncia invisvel em que as ondas eletromagnticas se
propagavam, ou melhor, eram imaginadas como distores dessa substncia. O problema
exato estava na capacidade ilimitada dessa substncia em consumir o calor dos corpos na
forma de vibraes eletromagnticas de freqncia extremamente alta. Assim, seria como se

74

os corpos fossem incapazes de manter um equilbrio trmico com o meio-ambiente, o que


contraria a experincia e at o senso comum.
O segundo enigma tambm tinha a ver com o eletromagnetismo, nesse caso a descrio de cargas
eltricas em movimento. Havia uma sutil mas profunda incompatibilidade matemtica entre a teoria
eletromagntica de Maxwell e as leis do movimento de Newton. (Davies, 2000, pg. 15)

As duas inconsistncias citadas diziam respeito forma como essas teorias


incorporavam o conceito de tempo. O primeiro problema, entre o eletromagnetismo e a
termodinmica surgiu da tentativa de entender a seta do tempo, ou seja, o fato de a maioria
dos processos fsicos terem uma direo privilegiada, em especial pode-se exemplificar a
direo do fluxo de calor, sendo sempre do corpo de maior temperatura para o corpo de
menor temperatura, possuindo uma relao com a idia da conservao de energia. O
segundo problema est relacionado Mecnica de Newton e ao Eletromagnetismo de
Maxwell, sobretudo na descrio de cargas em movimento. A grande diferena estava na
forma como ambas incorporam o conceito de movimento, ou seja, estavam ligados ao
conceito de tempo.
Esses supostamente pequenos problemas trabalhados nos dcadas finais do sculo XIX,
essas pequenas nuvens que pairavam sobre a fsica na virada do sculo XX, deram origem a
duas novas reas da fsica: a fsica quntica, que ser discutida sobre o enfoque do conceito
de tempo mais adiante, e a relatividade de Einstein que ser discutida a seguir.
No final do sculo XIX acreditava-se que a terra movia-se no ter luminfero, como j
dito anteriormente, que era considerado um referencial absoluto. Portanto, utilizando raios
de luz seria possvel medir a velocidade da Terra com relao a esse referencial absoluto. Ou
seja, se um raio de luz e a Terra esto no mesmo sentido eles possuem uma velocidade
relativa diferente de quando esto em sentidos opostos, um em relao ao outro. No mesmo
sentido as velocidades se somam e em sentidos opostos se subtraem, como ensinava a fsica
newtoniana. Com essa idia, Michelson e Morley resolveram medir a velocidade da Terra,
em relao ao ter luminfero, utilizando um aparato experimental que dividia a luz em dois
raios perpendiculares que aps refletirem em espelhos retornavam ao mesmo ponto. Assim,
verificando as velocidades relativas entre os dois raios se constataria uma diferena,
podendo assim determinar a velocidade da Terra em relao ao ter. Porm, no foi o que
ocorreu, pois eles constataram que os raios, independente das distncias dos espelhos at o

75

detector, chegavam ao mesmo tempo no ponto inicial, ou seja, a velocidade da luz era
sempre a mesma, independente da velocidade do referencial.
Nesse contexto, no ano de 1905, sintetizando o trabalho de uma srie de fsicos daquele
perodo, e tendo as transformaes de Lorentz, indicada a seguir, como referncia,

em oposio as transformaes atribudas a Galileu, indicadas a seguir,

x = x` + Vt

Velocidade constante de Lem relao a L

y = y
z = z
t = t

Einstein, em um artigo histrico, postula a chamada teoria da relatividade especial que trazia
como princpio bsico a validade das leis da fsica para qualquer observador, de modo que,
qualquer observador mediria a mesma velocidade da luz. Uma conseqncia disso o
conceito de simultaneidade, que est diretamente relacionado a noo de tempo. Para ilustrar
esse conceito, cabe aqui uma citao do prprio Einstein (apud G. J Whitrow 2005,
pg.113):
Se quisermos descrever o movimento de um ponto material, damos os valores de suas coordenadas
como funes do tempo. Mas precisamos ter em mente que uma descrio desse tipo s tem significado
fsico se formos bem claros quanto ao que entendemos por "tempo". Devemos levar em conta que
todos os julgamentos em que o tempo considerado so sempre julgamentos de eventos simultneos.

76

Se, por exemplo, eu disser "que aquele trem chega aqui s sete horas", quero dizer mais ou menos o
seguinte: "o ponteiro pequeno do meu relgio marcando sete horas e a chegada do trem so eventos
simultneos". Pode parecer possvel superar todas as dificuldades referentes definio de tempo
substituindo a "posio do ponteiro pequeno do meu relgio" pelo "tempo". E, na verdade, essa definio
satisfatria se estivermos interessados em definir um tempo exclusivamente para o lugar onde o
relgio est localizado; mas no satisfatria quando temos de relacionar o tempo a uma srie de
eventos que ocorrem em lugares diferentes, ou o que vem a dar no mesmo de avaliar os tempos de
eventos ocorrendo longe do relgio.

Percebe-se, pela citao acima, que o conceito de simultaneidade de um evento distante


com outro prximo depende de variveis como a posio do evento e a forma de
comunicao entre o evento e o observador, impossibilitando uma medida absoluta do
tempo para observadores em lugares diferentes. Assim, definindo novos invariantes como a
velocidade da luz, Einstein muda a natureza do tempo, isto , o tempo absoluto de Newton
cede lugar ao tempo relativo.
Pensando na imaginao e nos experimentos mentais, a nova viso de Einstein abre
possibilidades imaginrias at ento impossveis num universo com o tempo absoluto de
Newton. Nas palavras do prprio Einstein (apud G. J Whitrow 2005, pg.113) :
Se colocssemos um organismo vivo em uma caixa,... seria possvel providenciar para que o
organismo, depois de um vo arbitrariamente longo, fosse reconduzido ao seu ponto original em
uma condio quase inalterada, enquanto os organismos correspondentes, que haviam
permanecido nas posies originais, teriam h muito tempo dado lugar a novas geraes. No
organismo em movimento o tempo de durao da jornada foi um mero instante, desde que o
movimento tenha ocorrido com velocidade aproximada da luz.

Desse modo, Einstein contraria a viso newtoniana de mundo, em que as leis da


mecnica

so as mesmas independente do referencial. A soluo dada por Einstein

modificou conceitos universais como espao e tempo. Ou melhor, o tempo, dependendo do


referencial, relativo. Uma conseqncia importante dessa dependncia que um relgio,
deslocando-se com velocidade prxima a da luz funcionar mais lentamente que outro em
repouso em relao ao observador. E quanto mais o relgio se aproximar da velocidade da
luz mais devagar passar o tempo no relgio. Esse efeito recebeu o nome de dilatao do
tempo. Segundo Einstein (1999, pg. 36-37)
Consideremos agora um relgio que marque segundos e que se encontra em repouso no ponto
inicial (x' - 0) de K. Consideremos t' = O e t' = l duas batidas consecutivas deste relgio. Para estas
duas batidas, a primeira e a quarta das equaes de Lorentz fornecem :

77

t=0 e

t=

1
v2
1 2
c

Observado a partir de K, o relgio est em movimento com a velocidade v, em relao a este corpo
de
sim

referncia,

1
v2
1 2
c

entre

duas

de

suas

batidas

transcorre

no

um

segundo,

mas

segundos ,

portanto um intervalo de tempo um pouco maior. Como consequncia do seu movimento, o relgio
anda um pouco mais lento do que no estado de repouso. Tambm aqui a velocidade c desempenha o
papel de uma velocidade-limite inatingvel.

O primeiro experimento para comprovar esse fenmeno foi realizado em 1941, 36 anos
aps Einstein t-lo previsto. Segundo Paul Davies (2000, pg. 71), essa experincia foi
realizada em dois locais prximos de Denver, no Colorado, por Bruno Rossi e David Hall,
da Universidade de Chicago, que:
(...) queriam estabelecer que mons mais rpidos vivem mais tempo (como observado por ns no
sistema de referencia da Terra)(...) Eles conseguiram mostrar que partculas lentas a que
curiosamente se referiam como mestrons se desintegravam cerca de trs vezes mais
rapidamente do que as rpidas.

Apesar dos resultados experimentais, muitos no acreditavam que essa poderia ser uma
prova da dilatao do tempo. Assim, na Universidade de Washington, em outubro de 1971,
J.C. Hafele, Louis e Richard Keanting, utilizando quatro relgios atmicos, feitos de csio,
fizeram uma nova experincia. Embarcaram os relgios em avies civis e voaram com eles
ao redor do mundo, primeiro para leste e depois para oeste. Como os avies viajam a
velocidades menores de que um milionsimo da velocidade da luz, a deformao do tempo
foi pequena. Para leste foi de 59 nanosegundos (bilionsimo de segundo) em relao a um
conjunto de relgios iguais mantidos na Terra. J os que voaram para oeste adiantaram em
mdia 273 nanosegundos. A razo dessa diferena se deve rotao a Terra, j prevista no
artigo de Einstein. Uma vez removido esse efeito a dilatao produzida confirma a previso
de Einstein.
A experincia fornece credibilidade ao paradoxo dos gmeos. Esse paradoxo consiste na
experincia imaginria de dois gmeos. Um ser chamado de A e o outro de B. Se A
78

embarcar numa viagem espacial com velocidade prxima da luz, enquanto o outro
permanece na Terra, o tempo para A passar mais devagar do que para B. Sendo assim,
quando A retornar para a Terra B estar mais velho do que A.
A teoria proposta por Einstein, que abalou o sacrrio newtoniano, recebeu o nome de
teoria da relatividade especial, pois trata de sistemas de referncia em movimento uniforme
e portanto no acelerados. Dez anos depois Einstein desenvolveu a chamada teoria da
relatividade geral que relaciona a acelerao da gravidade com uma geometria do espacotempo curvo incorporando sistemas de referncia acelerados. Com isso Einstein desenvolveu
uma nova teoria da gravitao. Sua idia seria que o tempo passava a ser uma dimenso e a
massa e energia deformariam o espao-tempo tornando-o curvo. O primeiro a propor essa
idia foi Hermann Minkowski, que na ETH foi um dos professores de Einstein.
Em 1908, Minkowski proferiu uma conferncia em Colnia sobre a notvel nova teoria da
relatividade de seu ex-aluno, comeando com a afirmao dramtica: "Doravante, o espao por si e
o tempo por si esto fadados a se desvanecerem em meras sombras, e somente uma espcie de unio
dos dois preservar uma realidade independente. (Davies, 2000, pg. 93)

A idia da unio do espao e do tempo foi de Minkowski, porm a contribuio de


Einstein foi unir fisicamente o espao e o tempo em um contnuo. Ainda sobre isso,
Hermann Weyl (apud Davies 2000, pg. 94), um colaborador ntimo de Einstein, expressou
a nova viso de "espaotempo" da seguinte forma:
O cenrio onde atua a realidade ... um mundo quadridimensional em que espao e tempo esto
indissoluvelmente interligados. Por maior que seja o abismo que separa a natureza intuitiva do
espao da do tempo em nossa experincia, nada dessa diferena qualitativa entra no mundo
objetivo que a fsica se empenha em cristalizar a partir da experincia direta. E um continuum
quadridimensional que no "tempo" nem "espao.

Cabe aqui a referencia de representao espacial do tempo apresentada pelo escritor


Anthony Aveni (apud Davies 2000, pg. 93) em seu livro Empires of time:
(...) nossos ancestrais paleolticos estavam denotando intervalos de tempo por entalhes
seqenciais em ossos ao menos 20 mil anos atrs, e isso no passa de uma representao espacial
do tempo. Mesmo a terminologia "a quarta dimenso" foi usada para descrever o tempo anos antes
de a teoria da relatividade irromper em cena.

A confirmao mais convincente da teoria da relatividade geral ocorreu na observao,


em 1919, de um eclipse solar, feita na frica e no Brasil, mais especificamente na cidade de

79

Sobral. Observou-se uma pequena curvatura no raio de luz proveniente de uma estrela ao
passar perto do sol.
Para finalizar, importante ressaltar que a teoria da relatividade geral possibilitou um
avano na cosmologia. As observaes feitas por Hubble mostravam que o universo era
formado por Galxias que estavam se afastando (desvio para vermelho) ou se aproximando
(desvio para o azul). Essa concepo revolucionou a idia de um modelo para o universo,
pois se as galxias esto se afastando, significa que um dia estiveram juntas e houve um
incio. Assim, de forma bsica, a idia de uma origem para o universo refora a importncia
do tempo no mundo cientfico, j que se pode perguntar qual a sua extenso, ou como era o
tempo antes do incio.

Conservao de energia, cosmologia e a seta do tempo


Uma das proposies mais importantes da cincia, a conservao de energia, envolve
fundamentalmente uma relao ou porque no dizer, uma expresso da homogeneidade do
tempo. O tempo possui uma simetria que pode ser definida como homogeneidade, porm
possui tambm uma assimetria que o fato de no voltar atrs. Um descompasso no fluir do
tempo provocaria uma mudana drstica em uma srie de fenmenos. Como enfatiza
Menezes (2005), tm-se complicaes desde perturbaes na rbita da lua at um corao
arrebentado de um corredor. Portanto pode-se dizer que:
Qualquer alterao no fluir do tempo, faria com que o trabalho realizado, seja pela gravidade,
pela queima do petrleo ou pela plvora, no pudesse ter seu valor padronizado. A conservao de
energia no se verificaria e o prprio conceito de energia como capacidade de realizar trabalho
perderia o sentido. (Menezes, 2005, pg. 58)

O princpio da conservao de energia, mais especificamente da energia mecnica, nos


leva a refletir sobre a irreversibilidade do tempo, ou seja, se a energia mecnica fosse
conservada existiria possibilidades de reverso temporal, porm no isso que acontece pois
outras formas de energia participam do processo privilegiando um sentido temporal nico,
conforme discute Menezes (2005, pg. 55):
A maior parte dos mecanismos com que medimos o passar do tempo so baseados em fenmenos
cclicos em que, natural ou artificialmente, se promove a manuteno de um movimento com
freqncia estvel; a prpria rotao da Terra, a oscilao de um pndulo, a vibrao de um cristal
de quartzo. Sabemos, no entanto, que o tempo no volta atrs e, por isso, podemos ter certeza de
80

que a conservao da energia mecnica nunca rigorosa, nem quando aparenta ser. De fato,
aquela massa oscilando, presa a uma tira elstica real, se no for continuamente estimulada, vai
gradativamente diminuindo a amplitude de seu movimento at finalmente parar, tendo sua energia
mecnica dissipada pelo atrito ou pelo aquecimento do elstico, assim como o objeto lanado na
vertical passa parte de sua energia cintica s molculas do ar, com as quais colide.

O qumico Ilya Prigogine, em sua obra O nascimento do tempo, enfatiza a importncia


desse conceito como estruturador da cincia moderna e indicador de um sentido nico para
as transformaes:
Estou convencido de que o tempo objecto da cincia. Deve ser colocado no seu lugar na
estrutura da cincia moderna e este lugar, na minha opinio, fundamental, o primeiro. Portanto,
necessrio pensar no universo como numa evoluo irreversvel; a reversibilidade e a
simplicidade clssica tornam-se, ento, casos particulares. (Prigogine, 1988, pg. 23)

Esses processos citados ocorrem em escala macroscpica, e os processos em escala


microscpica tendem tambm a ocorrer num sentido definido. Por exemplo, quando se
coloca uma panela com gua para ferver no fogo, nunca ocorre de o calor presente na gua
aumentar ainda mais a chama e a gua se congelar. Assim, processos chamados irreversveis
so explicados pela segunda lei da termodinmica, que aponta para uma das discusses mais
intrigantes da fsica sobre o tempo: a idia de seta do tempo.
Em meados do sculo XIX, os fsicos perceberam que a definio da segunda lei da
termodinmica indica uma degenerao do universo, ou seja, a tendncia geral aumentar o
grau de desordem do universo, conceito que recebeu o nome de entropia. Assim, a segunda
lei da termodinmica estava associada natureza unidirecional do tempo. Originalmente foi
concebida por Rudolf Claussius e Willian Thompson com a hiptese de que o calor no
transmitido por si mesmo de um corpo mais frio para um corpo mais quente. Essa lei nos
mostra a direo em que os processos termodinmicos ocorrem expressando o fato da
energia tornar-se um dia indisponvel para o trabalho mecnico. Acreditava-se que devido a
essa lei o universo como um todo estava tendendo para um estado de morte trmica. Um dos
exemplos mais visveis desse processo o sol. Ele queima lentamente todo o seu
combustvel nuclear lanando calor e luz para o espao aumentando a sua entropia. No final
quando o combustvel acabar ele parar de brilhar. Esse processo de degenerao ocorre
gradualmente e pode ser aplicado a outras estrelas.
Outro exemplo interessante dessa idia da seta do tempo a radioatividade. Descoberto
por Becquerel e explicado por Rutherford e Soddy, o ndice de decaimento de um elemento
81

radioativo proporcional ao nmero de tomos do elemento. Em conseqncia disso a


radioatividade no s indica a seta do tempo como pode ser usada para medir o tempo. A
radioatividade nos ajuda a medir a idade da Terra, assim como pode ser til em definies
de idade de peas ou materiais antigos. Um exemplo disso o famoso teste do carbono 14.
Todavia, segundo Prigogine (1988), a produo de entropia contm dois elementos
dialticos, sendo um elemento criador de desordem, mas tambm um elemento criador de
ordem, que esto sempre relacionados, pois a desordem possui uma ordem interna,
localizada.
Ao examinarem-se os modelos de universo atravs da histria da astronomia encontra-se
um modelo evolutivo baseado na singularidade, sendo marcado por um incio localizado e
hoje em plena expanso. Com a radiao de fundo detectada em 1965, esse modelo ganhou
unanimidade e hoje conhecido como Big-Bang. Prigogine faz sua crtica a esse modelo:
(...) As equaes de Einstein, que esto na base do modelo, prevem uma expanso adiabtica com
conservao da entropia, e estas equaes no incluem qualquer fenmeno irreversvel.(...)
(Prigogine, 1988, pg. 54)

Antes desse modelo ganhar unanimidade, Hoyle e outros desenvolveram uma teoria de
um universo estacionrio, em que a criao de matria permanente. Essa teoria descartava
a singularidade inicial, porm no inclua as evolues observveis do universo.
Portanto, a idia da desordem progressiva encontrava vrios problemas e contradies.
Na biologia, por exemplo, a mensagem central de Darwin dizia que a evoluo biolgica
introduz uma seta do tempo contrria da termodinmica, ou seja, a evoluo est em um
processo ascendente. Prigogine, a partir dessa e de outras constataes (muitas ligadas
biologia), prope um outro modelo para o universo, em que a morte trmica estaria atrs,
nos primeiros segundos do universo. Nesse incio, ao contrrio do modelo padro, ocorreu
uma grande produo de entropia. Segundo Prigogine (1988, pg. 52), seu modelo tem como
base os ftons e os brions:
O que nos encoraja quanto idia de uma formao do universo associada a uma exploso entrpica
que hoje sabemos que o universo tem uma estrutura dupla; formado por dois tipos de constituintes:
os fotes e as outras partculas, os baries.
Urna coisa curiosa, descoberta desde 1965, que o universo , antes de mais, formado por fotes, j que
existem 109 fotes por um bario. Portanto, o universo , em primeiro lugar, um universo de fotes em
que navegam baries.

82

A entropia total do universo nesse modelo deriva dos ftons e os brions so associados
aos estados de no-equlbrio. Sendo assim Prigogine (1988, pg. 53) estabelece a seguinte
associao:
No incio da minha comunicao, lembrei que a criao de entropia acompanhada por uma criao
simultnea de ordem e desordem. Aqui vemos que a desordem pode associar-se aos fotes,
enquanto os portadores de ordem so os baries.

A Terra comeou do caos e est evoluindo para formas mais ordenadas. A idia de
seleo natural indica um caminho rumo perfeio. Prigogine reconhece a existncia de
processos auto-organizadores na natureza e sustenta que o progresso rumo maior
complexidade organizacional uma tendncia universal semelhante a uma lei, portanto
vlido apresentar a relao estabelecida por Prigogine (1988, pg. 74), da segunda lei com o
aumento da complexidade:
"Devemos reexaminar o sentido do segundo princpio: em vez de um princpio negativo, de
destruio, vemos emergir outra concepo do tempo. A fsica clssica produzira apenas duas
noes de tempo: o-tempo-iluso- de Einstein e o-tempo-degradao- da entropia. Mas estes dois
tempos no se aplicam situao hodierna. Nos seus primeiros instantes, o universo, ainda
pequenssimo e quentssimo, era um universo de equilbrio. Mas actualmente transformou-se num
universo de no-equilbrio. A prpria existncia da matria e no de antimatria prova de uma
ruptura de simetria. A mecnica, que trata de pontos materiais, ocupa-se efectivamente de uma das
manifestaes da irreversibilidade. Num universo de equilbrio no existiriam nem pontos materiais
nem objectos. A evoluo do universo no se deu na direco da degradao mas_na do aumento
de complexidade, com estruturas que aparecem progressivamente todos os nveis, desde as estrelas
e as galxias aos sistemas biolgicos.

Cabe aqui contrapor a idia de complexidade com a proposta de Ludwig Boltzmann


(Davies 2000, pg. 46) para a idia do aumento da entropia:
A concluso de Boltzmann de que a entropia s pode aumentar como resultado das oscilaes
moleculares mostrou-se, portanto, errnea. Rapidamente, ela foi substituda por uma alegao
estatstica menos precisa: de que a entropia do gs mui provavelmente aumentar. Decrscimos na
entropia so possveis, como resultado da flutuaes estatsticas. Entretanto, as probabilidades de
uma flutuao diminuidora da entropia caem vertiginosamente com o tamanho da flutuao
implicando que grandes decrscimos na entropia so extremamente improvveis mas ainda
tecnicamente possveis.

O debate continua em aberto, pois se trata de um tema atual e difcil de obter resposta
definitiva. Como aponta Davies (2000, pg. 44):

83

A auto-organizao espontnea no precisa conflitar com a segunda lei da termodinmica; tais


processos sempre geram entropia como um subproduto, de modo que h um preo a pagar para
extrair ordem do caos. No que tange ao destino final do universo, saber qual dessas tendncias
opostas o avano da complexidade ou o aumento da entropia vencer no final depende
crucialmente do modelo cosmolgico adotado.

Prigogine (1988, pg. 75) apresenta tambm uma viso de futuro em aberto, contudo
atribui ao conceito de tempo um papel fundamental:
No podemos prever o futuro da vida ou da nossa sociedade ou do universo. A leitura do segundo
princpio que este futuro permanece aberto, ligado como est a processos sempre novos de
transformao e de aumento da complexidade. Os recentes desenvolvimentos da termodinmica propemnos, por conseguinte, um universo em que o tempo no nem iluso nem dissipao, mas no qual o
tempo criao.

Por fim, o tempo aparece como grande conceito estruturador, definidor, como um tecido,
em que as teorias so bordadas. Prigogine deixa em aberto uma grande questo a explorar,
pois, em contraposio a Plato, para quem o universo produzia o tempo, para ele o tempo
o grande criador do universo, existindo independente da nossa conscincia.

O mundo Quntico
Como j foi expresso anteriormente, dois pequenos problemas, ou seja, duas pequenas
nuvens ainda restavam na fsica do final do sculo XIX, para serem resolvidas. Uma delas
deu origem relatividade, j discutida anteriormente, e a outra deu origem mecnica
quntica, que ser abordada brevemente a seguir.
A origem da mecnica quntica, segundo Davies (2000), est na fuso entre a teoria da
radiao eletromagntica de Maxwell com a termodinmica de Boltzmann. Ambas teorias
eram muito bem sucedidas em suas reas especficas de aplicao, ou seja, o comportamento
da radiao eletromagntica e o funcionamento dos motores eltricos e dnamos, bem como
a natureza da luz, eram explicados satisfatoriamente pelas equaes de Maxwell. As leis da
termodinmica, por sua vez, explicavam muito bem o funcionamento das mquinas trmicas
e refrigeradores, alm do comportamento dos gases e suas propriedades. Porm, da juno
das duas teorias surgia um paradoxo, pois, segundo Maxwell, o ter luminfero, substncia
invisvel atravs da qual os campos eltricos e magnticos vibravam, parecia absorver de
forma ilimitada o calor. Assim, freqncias altas eram absorvidas pelo ter de forma a
84

impossibilitar que um corpo permanecesse em equilbrio trmico com o meio, o que


contrariava a experimentao e o prprio senso comum. A mecnica quntica nasceu na
tentativa de resolver esse problema.
A medida do tempo no mundo quntico limitada pelo principio da incerteza de
Heisenberg, que afirma no ser possvel determinar a energia de uma partcula em um
instante definido.
A incerteza da energia pode ser trocada pela incerteza no tempo, mas voc jamais eliminar
ambas as indeterminaes simultaneamente: a natureza no nos permitir saber tudo sobre uma
partcula de uma vez. ( Davies, 2000, pg. 218)

Essa limitao estava ligada diretamente forma de medio das variveis, ou seja, o
instrumento de medida interfere no resultado, tornando-o probabilstico. Como exemplo
tem-se os relgios atmicos, que mesmo sendo os mais precisos, tambm sofrem a mesma
impreciso temporal, alm de interferir na medida, como ilustra Davies (2000, pg. 223):
No somos apenas ns que ficamos bloqueados. O princpio da incerteza de Heisenberg impede
qualquer sistema de aparatos - ou mesmo qualquer observador de determinar o momento e a
durao do decaimento. Trata-se de uma limitao fundamental do conhecimento inerente s leis
da natureza, e no de uma mera deficincia humana. Por mais que voc sofistique seu aparato,
jamais conseguir espiar o decaimento do tomo. Einstein passou um tempo tentando imaginar
truques para contornar essa limitao, mas acabou entregando os pontos.

Outra idia quanto ao tempo na mecnica quntica a de tempo imaginrio. Segundo


Hawking (2001), a teoria quntica molda o tempo e o espao, sendo que a idia de tempo
imaginrio, que mais parece coisa de fico cientifica, um conceito matemtico bem
definido nos nmeros imaginrios. Esse tempo seria perpendicular ao tempo real. Nas
palavras de Hawking (2001, pg. 60) :
A teoria da relatividade geral clssica de Einstein (ou seja, no-quntica) combinou o tempo real
e as trs dimenses do espao em um espao-tempo quadridimensional. Mas a direo do tempo
real foi diferenciada das trs direes espaciais,- a linha do mundo ou histria de um observador
sempre aumentava na direo do tempo real (ou seja, o tempo sempre progredia do passado para o
futuro), mas podia aumentar ou diminuir em qualquer das trs direes espaciais. Em outras
palavras, seria possvel reverter a direo no espao, mas no no tempo(..)
Por outro lado, o tempo imaginrio, por ser perpendicular ao tempo real, comporta-se como uma
quarta direo espacial. Ele pode, portanto, ter uma srie muito mais rica de possibilidades do que
o trilho de trem do tempo real comum, que s pode ter um incio e um fim ou rodar em crculos.
nesse sentido imaginrio que o tempo possui uma forma.

85

Portanto, percebe-se que existe uma limitao NATURAL, na tentativa de


determinao do tempo na fsica quntica, pelo menos at o quanto se conhece. Algo to
estranho que o prprio Einstein no aceitava, mas como diz o texto acima, acabou
entregando os pontos.
Assim, a noo de tempo na fsica quntica bastante nebulosa. Alguns dizem que ele
surge de uma forma bastante peculiar junto com o Big-Bang. Contudo, os estudos e
pesquisas continuam, pois a natureza dinmica, mas nossa compreenso momentnea.
Quem sabe um dia a cincia d razo ao velho Einstein quando disse: Deus no joga
dados.

2.3 Na sociedade industrial moderna e contempornea


Pensando na influncia do tempo na vida da sociedade industrial moderna, pode-se
atribuir um efeito mais preciso desse conceito, quando se remete organizao do
transporte. No sculo XVIII a velocidade habitual das viagens por terra na Inglaterra tinha a
mesma durao das realizadas no sculo I a.C. Para exemplificar (Whitrow, 1993), uma
viagem entre Roma e Rhodamus que distam 1168 Km aproximadamente uma da outra
durava oito dias. A dificuldade estava na velocidade de locomoo e nas condies das
estradas. Pensando em solucionar o problema, os ingleses introduziram estradas cobertas de
macadame alcatroado e um sistema de pedgio. Porm a contribuio que realmente
diminuiu o tempo de viagens foi a mala posta. Esse sistema, fundado pro John Palmer,
consistia em uma rede de transporte pblico utilizando diligncias e baseado em uma
cronometragem rigorosa. O rigor era to grande que existem relatos de morte de cavalos por
cansao. Esse sistema trouxe um problema que afetaria os viajantes nos 100 anos seguintes,
conforme aponta Whitrow (1993, pg. 179):
Todas as cidades seguiam a hora local, ou do Sol, mas nas do oeste da Inglaterra ela podia ter
um atraso de at 20 minutos em relao de Londres, e no leste adiantar-se a esta em at sete
minutos.

Percebe-se a necessidade de se estabelecer uma hora padro e um fuso-horrio, porm


essa soluo s aparece aproximadamente 100 anos depois. A soluo adotada na poca foi
colocar um relgio nas diligncias que podia ser adiantado ou atrasado conforme a
necessidade. A buzina tambm lembrava os viajantes hora da partida e a necessidade de

86

pontualidade. vlido enfatizar que a presena da mala-posta24 deve ter incentivado a


migrao para as cidades. (Whitrow, 1993)
Com a inveno da locomotiva e da mquina a vapor, a vida das pessoas passou a ser
controlada pelo tempo com maior intensidade. A energia e a mquina a vapor foram as
grandes responsveis pela revoluo industrial, pois os operrios das fbricas,
diferentemente dos artesos e teceles, que trabalhavam quando queriam, passaram a
trabalhar enquanto a mquina funcionasse. Assim, o tempo passou a ser venerado e o
homem escravizado. O cio vai sendo negado e transformado em negcio (neg-cio).
Whitrow (1993, pg. 180) lembra que o escritor puritano Richard Baxter, em seu Chistian
Directory de 1664, havia escrito:
Remir o Tempo zelar para no o pormos fora em vo de nenhuma maneira, mas usar cada
minuto dele como algo de muitssimo precioso(...). Considere tambm o quanto o tempo
irrecupervel uma vez passado(...)

As ferrovias, por sua vez, surgiram como uma bomba na vida das pessoas. Inicialmente,
o funcionamento ocorria de forma despreocupada com o tempo, mas rapidamente os
controles comearam a serem exercidos, uma vez que os trens eram mais rpidos que os
cavalos. Como cada cidade mantinha o seu horrio local o controle atravs dos relgios
tornava-se difcil. Na Inglaterra, uma hora ferroviria uniforme foi adotada em meados do
sculo XIX, baseada na hora de Tempo mdio de Greenwich (Whitrow, 1993). Nessa poca
a inglaterra constri o Big Ben, que era um termo usado para designar um objeto que fosse o
mais pesado do gnero. A sua batida deveria ter preciso de segundos.
Essa preocupao com o tempo refletiu-se na organizao do calendrio e do tempo de
lazer, segundo Whitrow (1993, pg. 183):
A revoluo industrial levou, contudo, abolio geral de feriados baseados em festas religiosas
porque era antieconmico manter ociosas as fbricas. Em lugar dos antigos dias santos, quatro
"feriados bancrios" compulsrios acabaram por ser legalmente institudos, e gradualmente fixou-se
o costume de dar aos trabalhadores frias anuais de uma semana ou mais no vero. A recreao fsica,
tal como o futebol, passou a ser organizada em base semanal, ocorrendo em geral nas tardes de
sbado.

Com a proliferao dos relgios de bolso e seus aperfeioamentos, a vida privada de


cada indivduo passou a ser governada mais intensamente pelo relgio e no pela
24

Diligncia que transportava as malas do correio e por vezes passageiros.


87

necessidade, ou seja, comia-se quando era indicada a hora e no quando se tinha fome,
dormia-se no quando se estava com sono e sim quando chegava a hora. Segundo o nepals
Jang Bahadur (apud Whitrow, 1993, pg. 185):
"Vestir-se, comer, ter encontros, dormir, levantar tudo determinado pelo relgio (...) para onde
quer que se olhe, se v um relgio."

Observa-se, portanto, que o relgio passa a ser o trao marcante da cultura moderna e,
como disse Lewis Mumford: "O relgio, no a mquina a vapor, a mquina-chave da
moderna idade industrial." (apud Whitrow, 1993, pg. 184)
Hoje, mais do que nunca, nossas vidas so controladas pelos relgios. Essas mudanas
de hbito, que se iniciaram com a revoluo industrial esto presentes em nosso cotidiano.
Quando se pensa nas cidades possvel perceber o universo temporal que a civilizao se
encontra. Segundo Baillard (apud Santos, 2002) as grandes cidades, como So Paulo, podem
ser chamadas de cronpolis, pois movimentam milhes de pessoas todos os dias,
administram o fornecimento de gua, luz, telefone, organizam o trnsito, etc..,ou seja,
dependem primordialmente da administrao do tempo. importante ressaltar que a
organizao temporal das cidades possui um carter social. Basta pensar naqueles que
trabalham e vivem nelas. Conforme indica Santos (2002), nas cidades coexistem dois
tempos: o lento e o rpido. O tempo lento seria o da economia pobre que necessita de
transporte pblico, enraizada nos bairros e periferias e acaba por sofrer com os grandes
congestionamentos e deficincias nas ruas e avenidas. Podem-se ressaltar aqui algumas
questes relativas ao julgamento subjetivo da durao de um evento. Quando se percorre
certas distncias em um trnsito congestionado, lento, tem-se a sensao de que a durao da
viagem grande e que a distncia entre o ponto inicial e o final maior do que realmente ela
. Seria equivalente experincia de observar a gua fervendo em uma panela. Prestando
ateno parece que o tempo maior. Ades (2002, pg. 27) explica esse fenmeno:
A estimativa de durao depende, contudo, da perspectiva em que se coloca a pessoa, se atenta ao
tempo, durante sua passagem, se simplesmente vivenciando e julgando depois. Os psiclogos
costumam distinguir uma situao de julgamento prospectivo, em que a pessoa tem conscincia de
que ter de fornecer um juzo sobre a durao de uma certa experincia, e uma situao de
julgamento retrospectivo em que emite sua opinio a posteriori, sem ter sido avisada de que o
tempo ser uma dimenso relevante.

Utilizando-se do experimento da gua fervendo, Ades (2002, pg. 27) verifica essa
diferena:
88

O intervalo subjetivo era geralmente maior quando os sujeitos tinham conhecimento prvio da
tarefa (prestando, portanto, maior ateno ao tempo) do que na condio retrospectiva. Os 270
segundos do intervalo tornavam-se, em mdia, 289 segundos, no primeiro caso, 230 segundos no
segundo, num dos experimentos. Mais interessante foi o resultado relativo ao "contedo" do
intervalo: em condio prospectiva a estimativa era maior quando no ocorria nada durante o
intervalo; em condio retrospectiva, ao contrrio, menor.

Portanto, a parte econmica pobre das cidades, faz essa experincia diria de pacincia
nos deslocamentos.
A cidade tambm possui o outro tempo chamado de rpido. Aqui se enquadram os
participantes da alta economia, ou seja, os ricos. As grandes avenidas e rodovias que ligam
os aeroportos ao centro, os heliportos, e mesmo o caminhar das pessoas, fornecem uma outra
perspectiva de tempo e criam condies para que essas pessoas se desloquem com maior
rapidez.
Como outra caracterstica que expressa a presena do tempo nas cidades, tem-se a
materialidade (Santos, 2002). O passado, presente e futuro apresentam-se entrelaados
sobretudo na paisagem, nas construes. O espao traz a noo de tempo.
A distino entre passado, presente e futuro, essa idia de tridimensionalidade temporal,
individual e coletiva, tornou-se um dos elementos qualificadores da vida moderna, presente
na paisagem, na geografia e tambm nas relaes sociais da vida moderna. Portanto, o
homem moderno vive o presente, amparado pela experincia do passado para projetar o
futuro.
Contudo, segundo Oliva (2002), muitos autores afirmam que essa tridimensionalidade
do tempo j no est to viva. A sociedade atual chamada por eles de sociedade de risco
provoca uma perda no poder determinante do passado, sendo seu lugar tomado pelo futuro.
Assim organiza-se o presente como uma referncia hipottica, ou seja fictcia,
inexistente. Essa urgncia leva a uma antecipao do futuro, portanto vive-se o presente
estabelecendo-se aes preventivas em funo do futuro, j no to futuro assim. Logo,
Oliva (2002, pg. 31) afirma:
Paralelamente, a destruio do passado surge como um dos fenmenos mais terrveis do sculo
XX perdem-se os mecanismos sociais capazes de vincular a experincia pessoal da atual gerao
das geraes passadas. Ao mesmo tempo, os jovens contemporneos parecem habitar uma espcie
de presente contnuo, expresso na vivncia repetida do agora, a busca desenfreada do momento
89

atual. Alis, essa uma caracterstica da vida contempornea: a busca intensificada do prazer, a
necessidade de viver para o momento, "viver para si, no para os que viro a seguir, ou para a
posteridade.

Esse presente alongado vivenciado pela sociedade moderna traz algumas preocupaes,
pois a mudana em curso refere-se a sculos de adaptao e vnculos, sobretudo com as
nossas razes. Essa re-significao da vida individual e coletiva est alicerada pela resignificao do tempo, sendo que:
Essa constatao sugere estar em curso uma assustadora re-significao do tempo, caracterizada
pela crescente desvalorizao cultural do passado, a progressiva perda de perspectiva e de
esperana em relao ao futuro, e a acentuao exasperada da vivncia do presente, preenchido
exaustivamente. (Oliva, 2002, pg. 31)

Essa perspectiva preocupante, pois a quebra de vnculos com o passado instala uma
crise de identidade e conduz a humanidade a relaes sociais marcadas pela barbrie.
urgente o restabelecimento desses vnculos.
Outro aspecto importante quanto ao tempo na vida social moderna, diz respeito ao tempo
livre e s ocupaes individuais desse tempo. No passado, a dignidade da pessoa, a
caracterizao dessa como um cidado estava na sua relao de trabalho, no seu empenho,
na busca digna de uma situao estvel que lhe permitisse a liberdade de exercer uma
escolha. Essa era uma oportunidade aberta a todos.
A situao atual outra, ou seja, cresce o nmero de pessoas sem trabalho, que embora
tenham um tempo livre sentem-se pressionadas por ele, vivendo uma condio de negao
da sua individualidade. Mesmo para aqueles que tm o seu trabalho, a relao com o tempo
livre reflete a imposio cultural da sociedade atual, conforme afirma Oliva (2002, pg. 32):
Por outro lado, a utilizao do tempo livre com atividades prazerosas e significativas vinculadas
ao trabalho, ao estudo, arte ou ao artesanato no mais capaz de preencher as expectativas das
pessoas. Aparentemente, a dimenso do consumo ocupa todos os domnios, inclusive o tempo livre
Ainda no mesmo registro, possvel constatar que o foco preferencial no agora impe uma vida
social em que, quanto mais amigos se tm, menos tempo possvel dedicar a cada um, os
relacionamentos so efmeros, mesmo sendo intensos, os laos sociais so, continuamente,
produzidos, reproduzidos e consumidos, e muito difcil compartilhar narrativas e experincias

Ainda pensando na sociedade moderna, porm agora com o foco na tecnologia, pode-se
perceber grandes mudanas nas pessoas e na prpria cultura. A forma de se comunicar, com
90

o desenvolvimento tecnolgico, influencia a concepo de tempo da sociedade atual.


Historicamente, a acelerao das comunicaes, j no sculo XIX, trouxe uma revoluo. A
telegrafia e a instalao de um cabo transatlntico revolucionou a comunicao entre os
governos. J nessa poca comeou a ser possvel enviar uma mensagem pedindo uma
resposta imediata.
Com o aparecimento do conceito do computador moderno (Charles Babbage 1792
1871) e um sculo mais tarde, com a ajuda do transistor, Turing e Von Neumann
introduziram uma mquina que revolucionou a histria e, assim como o relgio, influenciou
a vida moderna e influencia a vida contempornea. O tempo de trabalho dos computadores,
as velocidades de resoluo de tarefas, passaram a impulsionar mudanas comportamentais.
O advento da internet e a revoluo nas telecomunicaes transformaram o planeta em uma
pequena aldeia. possvel pegar um telefone celular, ou acessar a internet e se comunicar
com pessoas no Japo. As crianas e adolescentes, nascidos nessa sociedade digital e virtual,
fatalmente conceberam as relaes humanas e sociais, alm da prpria concepo de tempo,
de forma diferente. Existem pesquisas sobre cognio e concentrao que buscam relacionar
as influencias dessa parafernlia tecnolgica no comportamento acelerado dos jovens do
mundo atual.
A medicina um outro exemplo da influncia tecnolgica na concepo de tempo.
Durante a maior parte dos sculos XIX e XX o diagnstico coincidia com a manifestao da
doena. A luta contra a doena tinha incio com os sintomas e interveno do mdico. Hoje,
j possvel diagnosticar as probabilidades, ampliando a distncia entre o diagnstico e a
possvel doena, conforme indica Vaz (2003, pg. 69):
Nos ltimos 50 anos, a medicina vem ampliando cada vez mais a distncia temporal entre o diagnstico
e a experincia subjetiva da doena. Com essa ampliao, podemos ser identificados como doentes,
sem que tenhamos experimentado limitao das normas vitais; isto , podemos estar doentes mesmo
com os rgos em silncio. O prprio diagnstico tambm muda. De um lado, o hbito de vida individual
ganha destaque na causalidade de inmeras doenas(...).

importante ressaltar dois aspectos: o primeiro, que a engenharia gentica no


determinista, ou seja, ela apenas indica desarranjos genticos. O hbito passa a ser um fator
de igual importncia. Em segundo lugar, importante ressaltar que essa prtica ainda no
est disponvel para grande parte da populao.

91

Essas mudanas tecnolgicas trazem tambm problemas. Vaz (2003, pg. 76) questiona
a diferena entre a modernidade e a atualidade:
Ao tentar estabelecer uma diferena entre a Modernidade e a atualidade em relao rapidez
com que as mudanas acontecem, duas dificuldades devem ser enfrentadas. A primeira diz respeito
prpria existncia da diferena: se a Modernidade foi descrita e experimentada como acelerao
das mudanas pensemos aqui na conhecida frase do Manifesto Comunista, "tudo que slido
desmancha no ar" , como podemos nos distinguir dela segundo o critrio da "velocidade"? A
segunda afeta o sentido da diferena: mesmo havendo uma acelerao, ser ela relevante, isto ,
haveria uma transformao em nossas questes ticas e polticas acerca do novo?

A primeira dificuldade pode ser explicada com a rapidez da queda de preos (Vaz,
2003). Ao passo que um tecido de algodo levou 70 anos para ter seu preo reduzido pela
metade, um circuito integrado, introduzido no final da dcada de 50, levou apenas 5 anos.
claro que a sociedade atual est fundada em novas formas de produo, fontes de energia e
informao. Alm disso, esse paradigma tecnolgico afeta as mais diversas reas do
conhecimento acelerando tambm o aparecimento de novos objetos tcnicos. Mas essa
acelerao que parece tender ao infinito, traz profundas marcas na humanidade, conforme
indica Vaz (2003, pg. 77):
O elogio da fragmentao e da velocidade torna-se problemtico neste nosso mundo engendrado
pelas tecnologias de informao, certamente porque elas afetam diretamente nossas vidas.
Enquanto a descoberta da eletricidade, por exemplo, s pde alterar o padro de sociabilidade com a
iluminao das cidades, as novas tecnologias de informao imediatamente transformam o modo como
nascemos, aprendemos, sonhamos, lutamos e morremos. Basta lembrar prticas e objetos como
fecundao in vitro, educao a distncia, videogames, sexo virtual, msseis com "preciso cirrgica" e a
crise da previdncia social gerada pelo envelhecimento da populao. Se considerarmos ainda, de um
lado, a dificuldade de articular num mesmo discurso e numa mesma poltica a transformao
tecnolgica e a libertao, e, de outro, a dificuldade de reduzir o sentimento de exterioridade das
mudanas, fica claro que arriscado hoje conectar sem qualificaes o convite ao novo, a afirmao
do acaso e do efmero e a velocidade das mudanas engendradas pelas novas tecnologias.

Portanto, talvez seja urgente repensar essa velocidade, ou melhor, esse tempo. At
quando ira se experimentar mudanas sem a mnima reflexo? Mais importante que inovar
pensar na vida humana, ter tempo para a vida humana, religando laos importantes com a
nossa origem, pois:
No se trata de querer o novo, mas da responsabilidade de manter as condies de sua
reapario. De certo modo, preciso instalar um tempo para a ponderao e tambm aceitar, ou at

92

estimular, a experimentao de si com as novas tecnologias. Essa simultaneidade implica a


desacelerao do ritmo das inovaes. No porque nos desumanizam, mas porque nossa
transformao e a da Terra no podem estar sujeitas apenas ao ritmo dos desejos criados pela
publicidade. Nossa responsabilidade requer a aliana entre a cincia e a democracia, e no apenas
aquela entre a cincia e o capital. (Vaz 2003, pg. 91)

Assim, para finalizar essa reflexo concorda-se com a crtica proposta por Nietzsche,
quando ele afirma que a pressa de cada dia diminui a cultura. Segundo Bruni (2002, pg.33)
Nietzsche expressa a sua preferncia por leitores calmos e amigos da lentido:
"O leitor de quem espero algo (...) deve ser calmo e ler sem pressa. (...) O livro est destinado aos
homens que ainda no caram na pressa vertiginosa de nossa poca rodopiante e que no sentem
um prazer idlatra em ser esmagados por suas rodas. Portanto para poucos homens! Mas esses
homens ainda no se habituaram a calcular o valor de cada coisa pelo tempo economizado ou pelo
tempo perdido, eles 'ainda tm tempo'; a eles ainda est permitido, sem que venham a sentir
remorsos, escolher e procurar as boas horas do dia e seus momentos fecundos e fortes para meditar
sobre o futuro de nossa cultura (Bildung), eles mesmos podem se permitir ter passado um dia de
maneira digna e til na meditatio generis futuri (...).

Entre outras coisas Nietzsche pensa uma vida que o trao civilizador sempre prometeu: a
felicidade. A agitao, a intranqilidade afeta a sade e o aprendizado do ser humano. A
barbrie e a selvageria parecem ser o grande paradoxo do mundo moderno e rpido em que
se vive. Segundo Bruni (2002, pg. 35):
As pessoas j se envergonham do descanso; a reflexo demorada quase produz remorso. Pensam
com o relgio na mo enquanto almoam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa vivem
como algum que a todo instante poderia 'perder algo'. 'Melhor fazer qualquer coisa do que nada'
este princpio tambm uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior. Assim como
todas as formas sucumbem visivelmente pressa dos que trabalham, o prprio sentido da forma, o
ouvido e o olho para a melodia dos movimentos tambm sucumbem.(...)

Por fim, ressalta-se que nessa sociedade marcada pelo controle do relgio e influncia
direta da tecnologia sobre o governo do capital, necessrio ter um tempo para pensar no ser
humano, grande protagonista da vida, pois se experimenta no centro da mudana social
imposta pela nova concepo temporal, uma mudana no indivduo que no olha para o
passado, no enxerga o futuro, apenas est atendendo os desafios dirios. Em um trabalho
como este que focaliza as dimenses epistemolgica, histrica, cultural e educacional, tendo
no tempo seu tema de pesquisa, estas reflexes no podem estar ausentes da sala de aula.
Esse um dos desafios a enfrentar.
93

2.4 Nos conceitos concorrentes


Ao se examinar algumas idias filosficas, percebe-se que existem duas linhas de
pensamento concorrentes quanto ao tempo : uma centrada no instante e outra na durao.
Quando remonta-se a idia de tempo como instante encontra-se como representante,
pensando na filosofia tradicional, a figura de Aristteles. Como para ele o tempo no existe
fora do esprito, no existe fora da alma, algo que no existe na realidade, logo pode ser
considerado um mero instante, ou seja, um limite entre o fim do anterior e o comeo do
posterior. Os paradoxos de Zeno, em que uma flecha em movimento passa por instantes
que compem o tempo como realidades discretas, estando mvel e imvel ao mesmo tempo,
assim como a corrida da tartaruga com Aquiles, so montados dentro dessa concepo.
Portanto, como afirma Aristteles (apud Piettre, 1997), pode-se dividir o tempo em tantos
instantes e uma linha em tantos pontos que se quiser, porm o instante, assim como a linha
tem existncia matemtica e no real.
Em concordncia com Aristteles, Ren Descartes, j na poca renascentista, aponta
para a idia de um mundo que recriado a todo instante. Segundo ele a conservao e a
criao diferem apenas em funo do modo de pensar e no na realidade.
Em objeo a Aristteles, o neoplatnico Plotino, do sculo III dC, critica a idia de
tempo como nmero. Para ele essa afirmao demonstra uma confuso entre numerado e
numerante, pois como pode a definio conter o definido? Como resposta, Piettre (1997,
pg. 26) apresenta a concepo de Plotino :
O tempo mede o movimento, na condio de que ele j a medida de uma durao na qual
acontece um movimento. Certamente ns nos reportamos revoluo do sol para medir o tempo
dos outros movimentos, mas "a revoluo do sol nos faz conhecer o tempo, pois nele que ela
acontece". Todo movimento se desenvolve no tempo. Plotino diz, sobre o tempo, que "no necessrio que se o mea para que exista; tudo tem a sua durao, mesmo que essa durao no seja
medida".

Santo Agostinho, grande leitor de Plotino, e grande articulador das idias da igreja
catlica, tambm argumenta em defesa do tempo enquanto durao, demonstrando que o
tempo no tem existncia fora do esprito. Cabe aqui, o seu conhecido questionamento sobre
o tempo.

94

"O que ento o tempo? Se ningum me pergunta, eu sei; porm, se quero explic-lo a quem me
pergunta, ento no sei. No entanto, posso dizer com segurana que no existiria um tempo
passado, se nada passasse; e no existiria um tempo futuro, se nada devesse vir; e no haveria o
tempo presente se nada existisse. De que modo existem esses dois tempos - passado e futuro, uma
vez que o passado no mais existe e o futuro ainda no existe? E quanto ao presente, se
permanecesse sempre presente e no se tornasse passado, no seria mais tempo, mas eternidade.
Portanto, se o presente, para ser tempo, deve tornar-se passado, como poderemos dizer que existe,
uma vez que a sua razo de ser a mesma pela qual deixar de existir? Da no podermos falar
verdadeiramente da existncia do tempo, seno enquanto tende a no existir. (Confisses, Livro
XI, pg. 322)

Assim, Santo Agostinho remonta a uma tradio advinda de Plato e Parmnides, em


que a experincia do tempo revela precisamente que o modo de ser do tempo de no ser. O
futuro no ainda, e o passado no mais, sendo que o instante acabou de ser. Portanto o
tempo um distentio animi , ou seja, uma distenso da alma. Quanto medida do tempo,
Santo Agostinho aponta essa idia como uma durao vivida pela conscincia.
Henri Bergson, em concordncia com Plotino e Santo Agostinho, tambm concebe o
tempo como um contnuo, como uma durao. reas (2003, pg. 139) apresenta essa idia:
Considere-se aqui somente um desses digamos princpios que Bergson enuncia como a
experincia integral da metafsica. Essa experincia integral da ordem do tempo e da durao, ela
se confunde com a experincia da temporalidade.

Bergson argumenta em favor dessa concepo de tempo como durao apresentando


exemplos da cincia (apud Pietrre, 1997, pg. 47):
"Sei que a sucesso existe, um fato. Quando um processo fsico se consuma sob meus olhos) no
depende de minha percepo nem de minha inclinao aceler-lo ou retard-lo. O que importa ao
fsico o nmero de unidades de durao do processo: no h que se preocupar com as unidades
em si (...) (quer dizer, a grandeza da durao contnua que se escoou por minha conscincia). Por
que devo esperar que o acar dissolva, (no meu caf)? Se a durao do fenmeno relativa para o
fsico, enquanto ela se reduz a um certo nmero de unidades de tempo e que estas unidades so
quantas se queira, esta durao um absoluto para minha conscincia, visto que coincide com um
certo grau de impacincia".

Em concordncia com o exemplo selecionado da obra de Bergson, reas(2003, pg.


138) argumenta no mesmo sentido:
Como essa construo, essa inveno conceitual se coaduna com a posio dos problemas? Tome-se
por exemplo um corpo que cai. O que est ocorrendo com ele enquanto cai no a cada instante
que cai ou a cada posio que ultrapassa s indicado pelo continuum da queda, pela alterao
95

permanente dos estados que nele se sucedem, pelo que efetivamente nele se passa. A queda, o devir de
um corpo em movimento, uma linha contnua, uma travessia no tempo. Mas a inteligncia rebate o
movimento no espao, nas posies que o corpo ultrapassa, e mede os instantes percorridos no tempo. A
inteligncia sempre faz isso. Ela no um instrumento adequado para a metafsica que Bergson
reclama, sobretudo porque a tendncia principal da inteligncia espacializar o movimento.

Portanto, segundo Bergson, o tempo matemtico no o tempo, ou seja, o tempo


enquanto durao, enquanto experincia vivida no mensurvel. Quando se faz uma
medida, segundo Bergson, mede-se o espao. A cincia que privilegia a descontinuidade da
medida e a imutabilidade da representao geomtrica, ocultou o tempo criador que est no
mago da vida. Para ele, a questo do tempo negligenciada pela cincia, de tal forma que
ele chegou a afirmar em sua obra Dure et simultaneit ( apud Pietre, 1997) que a durao
escapava tanto relatividade como a fsica newtoniana.
Gaston Bachelard, referencial epistemolgico desse trabalho, tambm elaborou algumas
reflexes sobre fenmenos temporais, em duas obras intituladas a Dialtica da
durao(1994)25 e a Intuio do instante(2007)26. Na Intuio do instante, Bachelard discute
as idias de Gaston Roupnel e Bergson. Segundo Bachelard (2007, pg. 29):
Para Bergson, a verdadeira realidade do tempo sua durao; o instante apenas uma
abstrao, desprovida de realidade. Ele imposto do exterior pela inteligncia, que s compreende
o devir demarcando estados imveis. Representaramos, ento, bastante bem o tempo bergsoniano
por uma reta preta sobre a qual tivssemos colocado, para simbolizar o instante como um nada,
como um vazio fictcio, um ponto branco.
Para Roupnel, a verdadeira realidade do tempo o instante; a durao apenas uma construo,
desprovida de realidade absoluta. Ela feita do exterior, pela memria, potncia de imaginao
por excelncia, que quer sonhar e reviver, mas no compreender. Representaramos, ento,
bastante bem o tempo roupneliano por uma reta branca, inteiramente em potncia, em possibilidade,
na qual de repente, como um acidente imprevisvel, viesse inscrever-se um ponto preto, smbolo de
uma realidade opaca.

Em oposio a Bergson, e em concordncia com Roupnel, Bachelard argumenta que a


durao contnua uma construo do esprito, ou seja apenas uma sensao como outra
qualquer e que no indestrutvel. importante perceber que a disposio linear dos
instantes um artifcio da imaginao, tanto para Roupnel quanto para Bergson, que por sua

25
26

Original Francs de 1950.


Original Francs de 1932.
96

vez tambm, v a durao como uma forma indireta de medir o tempo que se desenrola no
espao. Assim, segundo Bachelard (2007, pg. 42):
A tese de Roupnel realiza, portanto, a aritmetizao mais completa e mais franca do tempo. A
durao no passa de um nmero cuja unidade o instante.

A argumentao de Bachelard na defesa da idia do instante implica em atribuir uma


continuidade apenas ao nada. Para ele no faz sentido pensar na eternidade antes da criao,
pois o nada no se mede.
A concepo de tempo como instante defendida por Bachelard est baseada tambm nas
observaes mais gerais e no detalhamento pausado da situao. Ao pensar, por exemplo em
uma imagem de televiso, em uma observao geral, acredita-se que continua. Contudo,
analisando pausadamente, percebe-se que esse aparente contnuo formado por pequenos
pontos (pixels) que pela velocidade de sobreposio nos do a falsa noo de continuidade.
No aspecto psicolgico, nossa memria guarda pequenos atos, pequenos momentos, que
foram decisivos para o futuro da existncia, sendo reduzidos a pequenos instantes.
Bachelard tambm aponta as concepes de tempo na fsica como exemplo de aparente
continuidade. Segundo ele (1994) o tempo na fsica pode at parecer absoluto, pois o fsico
est em um plano experimental particular. Contudo, com a relatividade apareceu o
pluralismo temporal, pois na relatividade a durao relativa e como a perspectiva o
movimento a intuio impele uma viso de durao. Porm na fsica quntica no assim,
conforme aponta Bachelard (1994, pg. 85/86):
Aqui, o fsico se situa num plano novo, e o que determina sua intuio no o movimento, mas sim
a mudana. Todas as dificuldades que encontramos para assimilar as doutrinas qunticas provm
do fato de que explicamos uma mudana de qualidade com as intuies da mudana de lugar. Se
quisermos refletir sobre a pura mudana, veremos que a continuidade aqui uma simples hiptese, e
uma hiptese muito ruim, pois no experimentamos nunca uma mudana contnua. de presumir, ento, que
o desenvolvimento da fsica quntica necessitar da concepo de duraes descontnuas, que no tero as
propriedades de encadeamento ilustradas por nossas intuies a respeito de trajetrias contnuas. O devir
qualitativo muito naturalmente um devir quntico. Deve atravessar uma dialtica, ir do mesmo ao mesmo
passando pelo outro.

Quanto idia de seta do tempo, Bachelard argumenta que o instante apenas uma
sensao e no sugere qualquer direo, sendo que a conscincia a conscincia do instante
e a previso do futuro baseia-se em hbitos. Assim, conforme aponta Martins (2004,
pg.75), Bachelard busca compreender a continuidade do descontnuo:
97

basicamente pela idia de ritmo que Bachelard busca compreender a continuidade do


descontnuo. O hbito, cuja expresso a permanncia do ser, um "ritmo sustentado", mas que
sempre mantm sua idia de novidade. O hbito implica em repetio, e constitui-se em progresso na
medida em que essa repetio leva novidade, ao desconhecido. O tempo tem um valor essencial de
renovao, ele s "dura" inventando.

Ainda no sentido da descontinuidade Bachelard critica o que chama de filosofia do


pleno de Bergson. Cabem aqui as palavras de Martins (2004, pg. 75):
Contrape-se novamente, de incio, tese de Bergson da continuidade, chamando sua filosofia de
"filosofia do pleno". Ao contrrio, Bachelard defende que haja lacunas na durao, e que o repouso
deve ser considerado um dos elementos do devir, inscrito no mago do ser. O que ele pretende
fundar uma dialtica do ser na durao. A idia de um tempo nico e contnuo seria imperfeita, pois os
fenmenos temporais no "duram" todos do mesmo modo, havendo um ritmo apropriado para o estudo
de cada fenmeno temporal. A noo de ritmo ento mais adequada a uma filosofia dialtica da
durao, levando o autor a propor uma "ritmanlise" baseada na descontinuidade.

Pode-se exemplificar a idia da ritmanlise com o problema de nvel corpuscular. Se o


corpsculo parar de vibrar deixa de existir. Nesse sentido a energia vibratria a prpria
existncia, ou seja, e energia de existncia. Bachelard (1994, pg. 119) fornece outro
exemplo fsico da concepo de tempo como ritmo:
Que a matria se transforma em radiao ondulatria e que a radiao ondulatria se transforma
reciprocamente em matria, eis a um dos princpios mais importantes da fsica contempornea. Essa
transformao to facilmente reversvel deve naturalmente levar ideia de que, em alguns aspectos, matria
e radiao so semelhantes. Isso significa que a matria deve ter, como as radiaes, caractersticas
ondulatrias e rtmicas. A matria no est exposta no espao, indiferente ao tempo; no subsiste nele
de forma constante, inerte, numa durao uniforme(...)

Assim, conclui-se essa reflexo fazendo uma referncia prpria vida, que segundo
Roupnel (apud Bachelard, 2007, pg. 25) um descontnuo de atos:
Nossos atos de ateno so episdios sensoriais extrados daquela continuidade denominada
durao. Mas a trama contnua, ali onde nosso esprito borda desenhos descontnuos de atos, no
passa da construo laboriosa e artificial de nosso esprito. Nada nos autoriza a afirmar a
durao.Tudo em ns lhe contradiz o sentido e lhe arruina a lgica (...)

Portanto, a atomizao do tempo conduz a uma durao deduzida ao invs de postulada,


levando concluso de que a filosofia bergsoniana centrada na ao e a roupneliana no
ato.

98

2.5 Na divulgao cientfica, fico cientfica, literatura e msica


Pensando nessa pesquisa que busca investigar o conceito de tempo sob um olhar
epistemolgico, mais precisamente sob o perfil epistemolgico27 e as possveis influncias
culturais na sua construo, importante descrever, ainda que sucintamente, a temtica de
alguns livros de divulgao cientfica, revistas, letras de msicas, poemas e filmes de fico
cientifica que tratam desse assunto e foram apresentados ao pblico leigo nos ltimos anos.
Destacam-se primeiramente alguns livros que serviram de referncia para a elaborao
terica desse trabalho. No aspecto histrico o livro O tempo na histria de G.J. Whitrow,
fornece uma instigante viagem atravs do tempo no sentido de entender as suas diferentes
concepes nas mais diferentes culturas e pocas, alm de discutir a evoluo tecnolgica de
sua mensurao. Esse mesmo autor apresenta outra obra de divulgao cientfica intitulada
O que tempo?, em que aprofunda a discusso sobre a mensurao temporal, ritmos
biolgicos, bem como uma reflexo sobre a viso clssica da natureza desse conceito.
Tendo as vrias teorias da fsica como referncia, encontra-se a obra O enigma do
tempo, de Paul Davies, que de forma fascinante nos conduz a pensar sobre o conceito de
tempo na fsica como o principal responsvel pelas revolues ocorridas na fsica, entre elas,
ele destaca a relatividade especial e geral de Einstein, alm de buscar argumentos na
filosofia e antropologia para discutir outras caracterizaes desse conceito. Ainda nessa
linha de investigao e divulgao importante destacar O nascimento do tempo de Ilya
Prigogine. Com competncia, o autor, que foi ganhador de um prmio Nobel de qumica de
1977, busca refletir questes referentes ao tempo, privilegiando a irreversibilidade, as
relaes entre as leis como as de Kepler e a flecha do tempo, alm da questo sobre a
existncia de um tempo que precede o universo.
Olhando para livros que so coletneas de artigos, destaca-se o trabalho rduo realizado
pelo Grupo de Estudos Avanados da USP que durante os anos de 1989 at 1992, reuniu
diversos intelectuais oriundos das mais diferentes reas para discutir o conceito de tempo
sob os mais diferentes olhares. Desse trabalho, surge recentemente publicado pela Editora
Unesp, o livro Decifrando o tempo presente, organizado por Jos Carlos Bruni, Luz MennaBarreto e Nelson Marques. Aqui o tempo apresentado conceitualmente nas mais diferentes
reas, ou seja, da fsica biologia, passando pela histria, astronomia, filosofia e psicologia.
27

Trata-se de um conceito indicado por Gaston bachelard que ser discutido no captulo 3.
99

Ainda nesse segmento de coletneas, Tempo dos tempos tambm surge com outra grande
discusso em torno desse conceito. O crtico de arte Marcio Doctors, organiza uma srie de
artigos, em que o tempo investigado sob o olhar da tecnologia, histria, filosofia,
sociologia e arte, mais especificamente da fotografia.
J numa linha mais romanceada aparece o livro de Alan Lightman Sonhos de Einstein,
em que o autor mistura a fico com a realidade viajando por mundo em que o tempo possui
diferentes concepes: da cclica linear, do absoluto ao relativo. Nessa linha, encontra-se
tambm o livro O tempo e o espao do tio Albert, em que o autor Russell Stannard apresenta
vrias histrias entre o personagem tio Albert e sua sobrinha, buscando discutir conceitos de
relatividade relacionados ao tempo e espao.
Nas revistas de divulgao destaca-se uma publicao da Cincia e Cultura (volume 4 n
2 de 2002), em edio temtica que discute o conceito de tempo nas suas mais diferentes
vises. Os organizadores so os mesmo do livro Decifrando o tempo citado anteriormente. A
abordagem teve como referncia as cidades, histria, percepo pessoal, sonhos, fsica, alm
de suas representaes sociais.
Seguindo essa mesma orientao, a revista de divulgao cientfica Scientific American
Brasil, j dedicou dois exemplares discusso sobre o tempo. O primeiro deles publicado
em outubro de 2002 com o ttulo As mltiplas faces do tempo, abordava esse conceito
tambm de forma abrangente, ou seja, discutiram o tempo sob o olhar da psicologia, fsica,
filosofia, cosmologia, metrologia, biologia, neurocincias, antropologia e tecnologia. No
final do ano de 2007 a revista lanou outro nmero especial sobre o conceito de tempo
intitulado Paradoxos do tempo. As matrias do ano de 2002 foram revisadas e
reapresentadas sob a mesma tica mltipla.
Para finalizar essa descrio sobre obras de divulgao cientfica que possuem como
tema o conceito tempo, importante destacar um livro que estabelece uma conexo entre a
fico cientifica na sua forma literria e cinematogrfica que A mquina do tempo. Livro
de H.G. Wells, apresenta uma fantstica histria presente no imaginrio do ser humano: a
viagem no tempo. A construo de uma mquina capaz de levar seu criador atravs de
milhares de anos de transformaes sobre a Terra, experimentando novas civilizaes em
momentos histricos diferentes. Alm disso, o autor

reflete atravs da fico alguns

aspectos da relao trabalhista, social e tecnolgica da Inglaterra da poca.

100

Esse livro torna-se tambm uma obra cinematogrfica, fazendo parte de um grande
grupo de filmes que discutem ou incorporam na sua histria o conceito de tempo. Portanto,
destacam-se a seguir alguns filmes nessa linha.
De volta para o futuro I, II e III, marca uma poca no cinema popularizando ainda mais
as idias da teoria da relatividade. Nesse filme o personagem principal conhece um cientista
que constri uma mquina do tempo na forma de um carro, que permite viajar para o
passado e encontrar os pais ou avs (paradoxo do vov) ou para o futuro encontrar ele
mesmo ou seus filhos. Cheio de alternativas e aventura uma histria que possibilita vrias
discusses sobre o conceito de tempo.
Outro filme muito interessante Contato, que uma adaptao do livro de Carl Sagan.
Nesse filme encontra-se uma discusso filosfica sobre religio e cincia, alm claro do
possvel contato com uma civilizao aliengena. Entre outras coisas, o filme apresenta uma
possvel viagem no tempo atravs de uma mquina que utiliza um Buraco de minhoca, ou
seja, uma fenda temporal, segundo a cosmologia. Interessante a proposta final do filme,
que deixa em aberto a questo da viagem no tempo, ou seja, se realmente houve a viagem
ou foi fruto da imaginao.. Essa obra tambm abre uma grande possibilidade de discusso
sobre o conceito de tempo tanto na fsica como na cosmologia.
O filme Naufrago tambm incorpora uma discusso do conceito de tempo. O
personagem principal, um engenheiro de sistemas de uma empresa de correspondncia
uma pessoa obcecada pelo relgio e pela velocidade dos acontecimentos nas cidades. Em
uma viagem de trabalho o seu avio cai no mar e, como nico sobrevivente, ele chega a uma
ilha deserta. Nesse lugar ele experimenta o tempo sob outra ptica, pois sozinho e tendo de
lutar pela sobrevivncia, os dias e noites parecem eternos. A perspectiva da subjetividade e
da modernidade nas questes do tempo, so algumas das possibilidades de discusso abertas
por esse filme.
Por fim, o filme Efeito Borboleta inspirado na teoria do caos, tambm possibilita
discusses sobre o conceito de tempo, tendo um olhar da psicologia e da cincia. Aqui, um
jovem tem um estranho poder de, ao ler seu dirio, ser conduzido de volta para aquele
momento histrico, com a possibilidade de refazer suas escolhas, porm as implicaes
futuras no podem ser controladas.

101

Voltando o olhar para a literatura destacam-se os poetas Carlos Drumonnd de Andrade e


Ferreira Gullar. Apresenta-se logo a seguir um trecho do poema O tempo passa? No passa,
de Carlos Drumonnd:
O tempo passa? No passa
no abismo do corao(...).
So mitos de calendrio
tanto o ontem como o agora,(...)

O ttulo do poema e logo sua primeira pergunta e afirmao resgata idias de um tempo
subjetivo, que no imaginrio e nos sentimentos eterno. J mais ao final a afirmao sobre
os calendrios revela um tempo que uma criao humana, um mito, algo eterno, que no
fundo uma grande inveno humana.
Em outro poema de Drummond, intitulado Cortar o tempo, percebe-se outra reflexo
instigante:
Quem teve a idia de cortar
o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivduo genial.
Industrializou a esperana,
fazendo-a funcionar
no limite da exausto.
Doze meses do para qualquer
ser humano se cansar
e entregar os pontos.
A entra o milagre da renovao e
tudo comea outra vez,
com outro nmero e outra vontade
de acreditar que daqui
pra diante vai ser diferente..

102

Aqui Drummond critica o trabalho e a industrializao da vida, alm do controle que o


relgio exerce sobre a sociedade atual. Apresenta a idia de um tempo dividido em pedaos,
com um recomeo como artifcio que nos enganam e sustentam o sistema. Novamente
encontram-se vestgios de um tempo eterno que dilacerado pelos homens apenas no
imaginrio e apresentado como cclico.
Por fim, o poema As pras, de Ferreira Gullar, tambm apresenta uma reflexo
interessante:
(...)
o relgio, sobre elas,
mede a sua morte?
Paremos a pndula. Deteramos, assim,
a morte das frutas?
(...)
O relgio no mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza fora dos corpos(...)

O poema oferece uma reflexo sobre o que os relgios medem, como uma referncia de
medio de algo que impossvel de controlar com a morte, por exemplo. O tempo nesse
sentido linear e caminha sem paradas ou atrasos.
Para finalizar esse captulo, apresenta-se o tempo na msica. Fazendo um recorte,
destacam-se trechos das msicas Tempo Rei de Gilberto Gil, Tempo e o Artista de Chico
Buarque e a Orao do Tempo de Caetano Veloso:
No me iludo, tudo

(...) Modelando o artista ao

Compositor de destinos

permanecer do jeito que tem

seu feitio

Tambor de todos os rtmos

sido

O tempo, com seu lpis

Tempo tempo tempo tempo

Transcorrendo, transformando

impreciso

(...) Por seres to inventivo

Tempo e espao navegando

Pe-lhe rugas ao redor da

E pareceres contnuo

todos os sentidos(...)

boca

Tempo tempo tempo tempo

Tempo rei, , tempo rei, ,

Como contrapesos de um

s um dos deuses mais

tempo rei

sorriso(...)

lindos(...)

Transformai as velhas formas

(Chico Buarque)

(Caetano Veloso)

do viver(...)
(Gilberto Gil)

103

As trs msicas, belssimas diga-se de passagem, apresentam um tempo como algo


implacvel, ou seja, como o senhor da histria dos mundos, como o senhor da vida, que
coloca as rugas no rosto ( flecha do tempo). O tempo um grande mar, em que os todos os
sentidos navegam. O tempo apresentado aqui absoluto, implacvel e imutvel.
Assim, procurou-se apresentar um pequeno recorte da abrangncia do conceito de tempo
e sua caracterstica interdisciplinar e intercultural, alm de ser um elemento chave na ligao
entre as diferentes reas do conhecimento humano, manifestado das mais variadas formas.

2.6 Na pesquisa em ensino de cincias


Apresenta-se uma reflexo sobre o conceito de tempo na pesquisa em ensino de cincias,
restringindo-se aos trabalhos dos ltimos anos e que possuem relevncia para essa pesquisa.
Inicia-se essa apresentao com o trabalho de doutorado de Fernando Csar Ferreira
intitulado Dilogos sobre o tempo Arte, Cincia e Educao, defendido no ano de 2004.
Esse trabalho procura discutir alguns aspectos da noo de tempo apresentada nas sries do
ensino mdio na disciplina de Fsica, partindo do pressuposto de que a noo de tempo e
seus possveis sentidos so tomados como conhecida e, portanto, redutora j que o tema
complexo o suficiente. Basta, como j citado no incio desse trabalho, pensar que quase
todas as reas do conhecimento humano tenham dado sua contribuio para o entendimento
desse conceito. O autor prope uma aproximao entre cincia e arte que possa contribuir
para o fortalecimento de ambas e, em conseqncia, uma maior apreenso pelo aluno do
tempo e seus sentidos. Para isso, assuntos como o tempo linear, o tempo cclico, a entropia e
a flecha do tempo so tratados por personagens, como Marco Polo e Nikola Tesla, que
empreendem uma viagem por tempos e locais distintos na busca por uma compreenso
ampliada do tempo, suas manifestaes e relaes com o homem. A Fsica o ncleo dessa
viagem e um elo fundamental entre aspectos tecnolgicos, sociais e artsticos do homem. De
forma um tanto quanto original, a tese formada por relatos escritos no dirio de um dos
personagens. Dirio esse que, posteriormente, ser encontrado por um professor de Fsica de
uma escola de ensino mdio. Tendo esse dirio, o professor reflete sobre sua prtica na
discusso do tempo e em que medida ele poderia propor uma discusso nova aos seus
alunos.

104

Outros trabalhos importantes so os de Andr Ferrer Pinto Martins. O primeiro trabalho


encontrado tem o ttulo O ensino do conceito de tempo: contribuies Histricas e
epistemolgicas realizado no nvel de mestrado sob a orientao do Prof. Joo Zanetic.
Nesse trabalho, terminado no ano de 1998, o autor procurou reconstruir historicamente o
conceito de tempo e elaborar um material que serviria como subsdio para os professores de
fsica, a fim de aprofundarem a pobre viso sobre o conceito de tempo proposta pelos
materiais tradicionais. Como referencial epistemolgico o autor utiliza Thomas Kuhn e
Gaston Bachelard.
Como fruto desse trabalho, Martins e Zanetic publicam no ano de 2002 no Caderno
Catarinense de Ensino de Fsica, hoje chamado de Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica,
um artigo intitulado O tempo na mecnica: de coadjuvante a protagonista. Esse artigo
procura interpretar, luz dos referenciais epistemolgicos de Thomas S. Kuhn e Gaston
Bachelard, as diferentes concepes do conceito de tempo na transio do paradigma
aristotlico-ptolomaico para a nova mecnica ps-copernicana.
No doutorado Martins elaborou sua tese tambm sobre o conceito de tempo, com o
ttulo: Concepes de estudantes acerca do conceito de tempo : uma anlise luz da
epistemologia de Gaston Bachelard, concluda no ano de 2004. Essa tese constitui uma das
principais referencias para trabalho aqui apresentado. Destaca-se que recentemente essa tese
foi transformada em Livro com o nome Tempo Fsico: a construo de uma conceito
O tema central dessa tese compreender aspectos da construo do conceito de tempo
por estudantes do ensino fundamental e mdio, a partir do referencial epistemolgico de
Gaston Bachelard. O estudo principal constou da realizao de um total de 17 (dezessete)
entrevistas semi-estruturadas. A anlise do material permitiu delinear as caractersticas mais
marcantes do processo de conceitualizao do tempo, alm de avaliar a pertinncia do
referencial terico na interpretao desse processo. As noes tericas de obstculo
epistemolgico e de perfil epistemolgico mostraram-se frteis quando confrontadas com os
dados da pesquisa emprica. Portanto, verificou-se ser possvel atribuir aos alunos um perfil
epistemolgico para o conceito de tempo, pois eles manifestam conceitos presentes nas
diversas escolas epistemolgicas bachelardianas. Outro objetivo foi de desenvolver um
instrumento de coleta de dados para sua pesquisa, pois a escassez de trabalhos nessa rea
grande.
105

Alm disso, Martins (2004) sugere cinco pontos de continuidade da pesquisa.


Destacados a seguir:
a) ampliar o conjunto de dados pela seleo de indivduos de outras faixas etrias,
b) elaborar outros instrumentos capazes de acessar as representaes dos alunos,
c) aprofundar, em cursos de formao de professores, a discusso a respeito de
perfil epistemolgico em funo de atividades metacognitivas,
d) A relao entre o perfil e a cultura, que abre novas possibilidades de
interpretao das concepes dos alunos e da prpria idia de perfil,
e) A insero de uma discusso problematizada sobre o conceito de tempo na
construo de conceitos com a acelerao e velocidade.
Portanto, partindo de uma das indicaes de continuidade propostas por Martins (2007),
o trabalho aqui em questo busca contribuir para a pesquisa da relao entre o perfil
epistemolgico de Bachelard e a cultura, alm de ampliar o conjunto de dados dos
indivduos de outras faixas etrias, contribuindo com instrumentos de acesso s concepes
dos alunos sobre o conceito de tempo e sua eventual dependncia cultural.
Outros artigos sobre o assunto foram elaborados por Martins, porm a sua pesquisa de
mestrado e doutorado so referncias suficientes para o entendimento do seu trabalho sobre
o conceito de tempo e constituem, como j foi dito, referncias importantes para o trabalho
aqui apresentado.

106

3. REFERENCIAIS GNOSIOLGICOS E EDUCACIONAIS

(...) Para ns, a educao como prtica de liberdade , sobretudo e antes de tudo, uma
situao verdadeiramente gnosiolgica. Aquela em que o ato cognoscente no termina no
objeto cognoscvel, visto que se comunica a outros sujeitos igualmente cognoscentes.
Paulo Freire

107

3.1 A epistemologia de Gaston Bachelard


Pensar em Gaston Bachelard pensar em um dos maiores filsofos franceses do nosso
tempo. Esquecido, tem sua obra redescoberta h pouco e sua filosofia amplamente estudada.
Suas idias de perfil epistemolgico e obstculo epistemolgico aparecem em muitos
trabalhos atuais da rea de ensino de cincia.
Para entender sua filosofia, marcada pela continuidade e pela ruptura de idias,
interessante olhar para sua vida, mesmo que de uma forma sinttica, pois se pode observar
na sua prtica de vida princpios que ressoam na sua filosofia.
Tendo nascido em 27 de junho de 1884, passou toda a sua infncia no campo, em regies
rsticas de Bar-sur-Aube, sua cidade natal. No final do curso secundrio, ingressou na
empresa de correios e telgrafos, trabalhando na administrao. Estudava matemtica, j na
graduao, com a pretenso de cursar engenharia, porm, com a guerra de 1914, esse
projeto foi deixado de lado. Em 1919 com o trmino do curso de graduao em matemtica
comeou a lecionar no ensino mdio. Tornou-se professor tambm de cincias e de vrias
outras disciplinas, o que era comum em sua poca, lecionando na sua cidade natal durante
16 anos. Aos 35 anos, enveredou-se para a rea de filosofia, tornando-se professor tambm
dessa disciplina, e em 1928, tem sua primeira publicao, que foi sua tese de doutorado,
intitulada: Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Nesse trabalho, Bachelard apresenta
os primeiros traos de sua epistemologia, conforme aponta Japiass (1976, pg. 21):
Na primeira tese j se esboam os elementos centrais de sua epistemologia, entre os quais o
conceito de conhecimento aproximado, quer dizer, a idia de que o objeto cientfico deve ser
abordado atravs do uso sucessivo de vrios mtodos, uma vez que cada mtodo est destinado a
tornar-se obsoleto, e em seguida, nocivo.

A partir de 1930, Bachelard convidado para lecionar na Faculdade de Letras de Dijon,


onde permanece at 1940, ano em que se transfere para a Sorbone de Paris.
Em funo de sua profunda dedicao leitura crtica de textos literrios e poticos,
Bachelard aliou a sua investigao epistemolgica pesquisa de continuidade e ruptura na
literatura e na poesia. Assim, Bachelard estuda duas vertentes diferentes: a cientfica e a
potica. Entre as publicaes, destacam-se A formao do esprito cientfico, A filosofia do
no, O novo esprito cientfico, A dialtica da durao, A intuio do instante, na vertente
108

cientfica. J na vertente potica, destacam-se A potica do devaneio, A potica do espao, O


direito de sonhar, entre outras. A vertente cientfica ficou conhecida como pensamento do
homem diurno, e a vertente potica, por sua vez, como o pensamento do homem noturno.
Essas duas vertentes no devem ser confundidas, porm, segundo Japiass (1976, pg. 22),
possvel perceber um elo de ligao entre elas, que vem em direo ao tema desse trabalho,
pois estabelece concepes sobre a idia de tempo enquanto instante e durao:
(...) Muito embora no devam ser confundidas, podemos descobrir nelas uma unidade de inspirao,
a partir da idia de que o tempo s tem uma realidade: a do instante. O conhecimento , por
essncia, uma obra temporal. O conhecimento cientfico sempre a reforma de uma iluso, repete
Bachelard, para dizer que ele um contnuo processo de retificao. Bachelard retoma a idia que
Bergson fazia do instante. Este concebia o ser como devir, como durao. A durao era a nica
realidade verdadeira. A durao humana continuidade. Temos dela uma experincia ntima e
direta. Assim, somos a cada instante a condensao da histria que vivemos. No h esquecimento
absoluto. No h ruptura em nossa vida. O presente repleto do passado e prenhe do futuro.
Todas as lembranas so conservadas.

Ainda nessa linha Japiass (1976, pg. 22) aprofunda esse elo de ligao, porm nos
alerta para no confundi-los:
(...) Ns somos nossa deciso. Nossos valores se inscrevem no trmino de uma ao atravs da qual
fazemos os instantes que vivemos, quer dizer, nosso tempo. Devemos nos definir pela tendncia que
tivemos de nos ultrapassar e de transformar. Para tanto, dois caminhos se apresentam : de um lado, a
cincia e a tcnica vencem a solido28 criando um prolongamento de ns mesmos e uma sociedade;
de outro, a poesia e a imaginao libertam-nos da servido da histria e das referncias

da

memria, para nos fazer descobrir homens e coisas. O homem ao mesmo tempo Razo e
Imaginao. No h ecletismo, mas dualismo asctico. Por isso a obra de Bachelard se revela como
uma dupla pedagogia: da Razo e da Imaginao. No devemos confundi-las: h o homem diurno da
cincia e o homem noturno da poesia.

Na vertente cientfica, que a referncia principal desse trabalho, a cincia se constri


atravs de rupturas com o senso comum, no obedecendo a um continusmo e sofrendo
constantes retificaes de conceitos. Bachelard aprimora vrias categorias epistemolgicas:
a prpria idia de ruptura, o obstculo, a dialtica e os atos epistemolgicos. Todas essas
categorias epistemolgicas so empregadas e utilizadas por muitos tericos atuantes em
nossos dias. Convm salientar que muitos crticos aplicam a Bachelard interpretaes
reducionistas, pois o consideram idealista, por abordar a cincia atravs de mtodos fsico28

Segundo Bachelard, o instante j a solido.


109

matemticos, e materialista, por adentrar o laboratrio qumico. Ao pensar no idealismo


rotulado pelos crticos deve-se considerar o idealismo de Bachelard discursivo, construdo,
pensado, conhecendo os seus obstculos. S possvel compreender a realidade quando
organizada racionalmente, sendo que a razo caminha em direo da realidade e no parte
dela. Por outro lado, para aqueles que o classificam como materialista, devem considerar o
seu materialismo como racional, ou seja, instrudo, pensado e no ingnuo e dcil diante da
observao. Ainda quanto ao aspecto epistemolgico, Bachelard considerado racionalista,
ttulo rejeitado por ele mesmo, uma vez que dizia ainda procurar ser assim. Bachelard (1978,
pg. 05) discute essa questo na sua obra A Filosofia do No:
Este racionalismo aplicado, este racionalismo que remonta os ensinamentos fornecidos pela
realidade para traduzir em programa de realizao, goza alis, segundo pensamos, de um
privilgio recente. Para esse racionalismo prospetor, muito diferente por isso do racionalismo
tradicional, a aplicao no uma mutilao; a ao cientfica guiada pelo racionalismo
matemtico no uma transigncia aos princpios. A realizao de um programa racional de
experincia determina uma realidade experimental sem irracionalidade (...) . Para o racionalismo
cientfico, a aplicao no uma derrota, um compromisso. Ele quer aplicar-se. Se se aplica mal,
modifica-se. No nega por isso os seus princpios, dialetiza-os. Finalmente, a filosofia da cincia
fsica talvez a nica filosofia que se aplica determinando uma superao dos seus princpios. Em
suma, ela a nica filosofia aberta. Qualquer outra filosofia coloca os seus princpios como
intocveis, as suas verdades primeiras como totais e acabadas. Qualquer outra filosofia se glorifica
pelo seu carter fechado.

Assim, esse pequeno olhar sobre a vida de Bachelard e alguns poucos aspectos de sua
epistemologia

29

sero teis no entendimento de sua obra. Sua vida to modificada, to

recomeada reflete de certa forma a sua filosofia. Entre o sonho e o devaneio, o idealismo e
o racionalismo, Bachelard mostra um pensamento radicalmente contrrio continuidade
permanente e ao imobilismo. Talvez a nica continuidade e imobilismo presente na vida de
Bachelard seja seu movimento na constante busca do novo.

3.2 As noes de obstculo e perfil epistemolgico


Obstculo e perfil epistemolgico so duas idias propostas por Bachelard no sentido de
entender filosoficamente a construo da cincia ao longo da histria. Em busca desse
entendimento, Bachelard tem como ponto de partida uma proposta de perodos histricos,
29

Outros aspectos de sua epistemologia sero abordados nos prximos sub-captulos.


110

em que cada perodo possui uma caracterstica especfica, que ser um obstculo para o
avano epistemolgico da cincia. A chegada ao perodo histrico seguinte, s ocorre
atravs de rupturas com esses obstculos epistemolgicos.
O primeiro caracterizado pelo estado pr-cientfico, que corresponde da Antigidade
Clssica at o Renascimento e de novas buscas do sculo XVI at o sculo XVIII.
O segundo caracterizado pelo estado cientfico que vai do sculo XVIII, passando pelo
sculo XIX at o inicio do sculo XX.
O terceiro caracterizado pelo novo esprito cientfico que se inicia a partir dos trabalhos
de Einstein, em 1905, sobre a relatividade, em que h uma grande alterao nos conceitos
primordiais, iniciando assim a cincia contempornea. Esse terceiro perodo foi to
diferenciado, conforme indica o prprio Bachelard (1996, pg. 09) no livro A formao do
esprito cientfico:
(...) A partir dessa data, a razo multiplica suas objees, dissocia e religa as noes
fundamentais, prope as abstraes mais audaciosas. Idias das quais uma nica bastaria para
tornar clebre um sculo, aparecem em apenas vinte e cinco anos, sinal de espantosa maturidade
espiritual.

Esse perodo histrico se caracterizou na principal provocao para a curiosidade


epistemolgica de Bacherlad, tanto que a idia da construo do esprito cientfico
definida por ele (1978, pg. 06), como sendo a destruio do esprito no cientfico,
provocando modificaes nos prprios princpios do conhecimento.
O esprito cientfico s se pode construir destruindo o esprito no cientfico. Muitas vezes o
cientista entrega-se a uma pedagogia fracionada enquanto o esprito cientfico deveria ter em vista
uma reforma subjetiva total. Todo o progresso real no pensamento cientfico necessita de uma
converso. Os progressos do pensamento cientfico contemporneo determinam transformaes nos
prprios princpios do conhecimento.

Pensando no esprito cientfico, Bachelard destaca ainda trs estados, em que esse
esprito passaria, necessariamente, em sua formao individual.
O primeiro o estado concreto, em que o esprito se relaciona com as primeiras imagens
do fenmeno, apoiando-se na literatura que exalta a natureza e a diversidade.
O segundo estado o concreto abstrato, em que o esprito acrescenta experincia
fsica esquemas geomtricos, apoiando-se numa filosofia da simplicidade.
111

O terceiro estado o abstrato, em que o esprito adota a informao retirada da intuio,


desligada da experincia.
Esses estgios do esprito cientfico, a princpio, parecem ser os precursores das idias
de caracterizao do perfil epistemolgico que ser abordado adiante.
Portanto, partindo da definio proposta por Bachelard (1996, pg.17), os problemas do
conhecimento cientfico podem ser colocados em termos de obstculos epistemolgicos, ou
seja:
(...) no mago do prprio ato de conhecer que aparecem, por uma espcie de imperativos
funcionais, lentides e conflitos. ai que mostraremos causas de estagnao e at de regresso,
detectaremos causas de inrcia s quais daremos o nome de obstculos epistemolgicos.

Essa noo de obstculo epistemolgico pode ser estudada tambm no mago do


desenvolvimento cientfico. Quando se pensa na figura do epistemlogo e do historiador da
cincia, sobretudo na diferena dos seus papis ao olhar o desenvolvimento cientfico,
observa-se como a interpretao possibilita olhar um fato como obstculo, ou seja, segundo
Bachelard (1996, pg. 22), um historiador da cincia toma as idias como se fossem fatos, j
o epistemlogo toma os fatos como se fossem idias, colocando-as em um sistema de
pensamento. Assim sendo, um fato mal interpretado por um historiador apenas um fato,
para um epistemlogo um obstculo. Bachelard aponta essa diferena enfatizando-a:
(...) Muitas vezes, a preocupao com a objetividade, que leva o historiador da cincia a arrolar
todos os textos, no chega at o ponto de medir as variaes psicolgicas na interpretao de um
texto. Numa mesma poca, sob uma mesma palavra, coexistem conceitos diferentes! O que engana
que a mesma palavra tanto designa quanto explica. A designao a mesma; a explicao
diferente.

Assim sendo, o epistemlogo deve analisar psicologicamente os conceitos, estabelecendo


uma relao de origem entre os conceitos, ou seja, como um deu origem ao outro, alm da
forma com que esses conceitos esto relacionados. Quando o pensamento aparecer como
uma dificuldade vencida significa que o obstculo foi superado. A idia de obstculo
epistemolgico, alm de ser aplicada histria da cincia, tambm pode ser aplicada
educao, como obstculo pedaggico, que ser discutido mais adiante.
Por outro lado, mas mantendo a mesma filosofia, a noo de perfil epistemolgico
proposta por Bachelard aparece claramente na obra A filosofia do no. importante ressaltar
que esse negativismo aparente indica um no dito ao conceito anterior pelo novo conceito,
112

porm esse no nunca definitivo e leva a um acmulo conceitual em diferentes nveis de


manifestao. Nas palavras do prprio Bachelard (1978, pg. 7): (...) Antes de mais nada
preciso tomar conscincia do fato de que a experincia nova diz no experincia antiga;
se isso no acontecer, no se trata, evidentemente, de uma experincia nova. Quanto ao
aparente negativismo que a palavra no sugere, Bachelard (1978, pg. 9), aponta para o seu
sentido: A filosofia do no surgir pois no como uma atitude de recusa, mas como atitude
de conciliao.
Nessa filosofia, Bachelard analisa a histria da cincia no sentido do progresso
cientfico, em que a evoluo epistemolgica caminha para a coerncia racional. Bachelard
(1978, pg. 12) aponta para esse progresso indiscutvel:
(...) Vamos, pois, tomar para eixo do nosso estudo filosfico o sentido desse progresso, e se, sobre
a abscissa da sua evoluo, colocarmos regularmente os sistemas filosficos numa ordem idntica
para todos os conceitos, ordem essa que vai do animismo ao ultra-racionalismo passando pelo
realismo, pelo positivismo e pelo racionalismo simples, teremos o direito de falar de um progresso
filosfico dos conceitos cientficos.

Assim, analisando o conceito de massa, por exemplo, Bachelard caracteriza cada uma
das chamadas cinco escolas filosficas: realismo ingnuo ou animismo, empirismo claro e
positivista, racionalismo clssico da mecnica racional, racionalismo completo (relatividade)
e racionalismo discursivo.
Na primeira escola, o Realismo Ingnuo, encontra-se a idia mais elementar de massa,
relacionada percepo primeira dos sentidos. Essa conceituao inicial, ligada ao fato
bsico do maior ser o mais pesado, pode ser a primeira contradio tambm chamada de
obstculo. Esse conceito-obstculo aparece de forma muito contraditria dependendo da
referncia. Ao pegar-se um corpo na mo a idia do mais pesado ser o maior pode sofrer a
primeira contradio. Para o psicanalista, por exemplo, a massa e a carga podem fornecer
idias analticas, quando aplicadas afetividade. Essa analogia refere-se ao conceito
animista de massa (quanto maior mais pesado). Porm, diante de uma situao de extrema
depresso pode-se atribuir a causa a uma carga reduzida de afetividade, o que contraria o
conceito animista de massa. Essa forma primitiva de conceituar massa facilmente definida,
o que acena para uma grande impreciso, como diria Bachelard (1978, pg. 14): tudo que
fcil de ensinar inexato. Portanto, bastam poucas palavras para definir o que carga

113

afetiva, o que pode dificultar a problematizao desse conceito, alm de demonstrar sua
limitao.
A segunda escola filosfica o Empirismo, em que o conceito de massa est relacionado
a um instrumento, ou seja, a balana. importante ressaltar que o instrumento de medida
precede a teoria. Cria-se ento a conduta da balana, ou seja, um caso particular de uma
utilizao simples de uma mquina complicada. Esse pensamento emprico, slido e
positivo, ressalta a idia do Pesar pensar. Pensar pesar. (Bachelard, 1978, pg. 15)
A terceira escola filosfica o Racionalismo Clssico da Mecnica Racional, que nasce
com Newton. Nesse perodo, a massa aparece como uma noo definida em um corpo de
noes, ou seja, com Newton, a massa o quociente entre a fora e a acelerao, algo muito
diferente dos conceitos anteriores ligados experincia direta ou algum elemento primitivo.
Assim, o conceito obtido atravs de leis racionais da aritmtica. No sentido do
racionalismo, Bachelard argumenta que esse conceito de massa, obtido na mecnica
newtoniana, leva a um distanciamento do realismo, pois se pode deduzir qualquer uma das
grandezas: fora, massa ou acelerao, tendo as outras duas. Portanto, depois de Newton a
massa estudada no devir dos fenmenos, como um coeficiente, algo muito diferente do
estudo do seu ser, que foi a forma estudada antes de Newton.
O racionalismo newtoniano dominou a fsica, a matemtica e at a cincia como um
todo, at o incio do sculo XX. Os elementos fundamentais para Newton e seus discpulos
foram: o tempo absoluto, a massa absoluta e o espao absoluto. Conceitos totalmente
fechados dentro desse racionalismo. Porm, com Einstein e a relatividade as noes
fechadas so abaladas e surge uma grande abertura, que dentro da filosofia de Bachelard
recebe o nome de Racionalismo completo (relatividade). Nessa escola, a massa, que fora
definida anteriormente como absoluta, passa a depender da velocidade e a possuir uma
semelhana com a energia. Portanto, a noo simples d lugar a uma noo mais complexa.
Simplifica-se a noo complexa quando se despreza alguma sutileza.
Por fim, na mecnica quntica que se encontra a escola filosfica chamada de
racionalismo discursivo. Rompendo com o pensamento racionalista, no final dos clculos da
mecnica quntica, surge at a idia equivocada de massa negativa, desvinculada da
realidade e realizada matematicamente. um fruto do pensamento dialtico, que vai ser
melhor compreendido com o advento dos trabalhos de Dirac.
114

Tendo em mente as escolas filosficas, Bachelard prope a idia de perfil


epistemolgico das diversas conceitualizaes. Essa idia de perfil mental mede a ao
cognitiva e psicolgica das diversas escolas filosficas dando-lhes uma distribuio. Assim,
Bachelard destaca cinco escolas filosficas e analisa a sua noo do conceito de massa,
traando seu prprio perfil epistemolgico. Ao analisar a noo de massa, Bachelard utiliza
a idia de continuidade e ruptura. Portanto, encontra-se em Bachelard (1978, pg. 25) um
perfil epistemolgico pessoal do conceito de massa:
Quando ns prprios nos interrogamos, damo-nos conta de que as cinco filosofias que
consideramos (realismo ingnuo empirismo claro e positivista racionalismo newtoniano ou
kantiano racionalismo completo racionalismo dialtico) orientam em direes diversas
utilizaes pessoais da noo de massa. Tentaremos ento pr grosseiramente em evidncia a sua
importncia relativa colocando em abscissas as filosofias sucessivas e em ordenadas um valor que
se pudesse ser exato mediria a freqncia de utilizao efetiva da noo, a importncia
relativa das nossas convices. Com uma certa reserva relativamente a esta medida muito
grosseira, obtemos ento para o nosso perfil epistemolgico pessoal da noo de massa um
esquema do tipo seguinte (fig. 1). (Bachelard, 1978, pg. 25)

Percebe-se que a coluna mais alta a do racionalismo clssico que deve ser atribuda
formao matemtica e a uma longa prtica de ensino de fsica bsica. Outra coluna de
destaca a do empirismo, que possui uma explicao devido a longos anos de prtica na
utilizao de balana nos correios e no laboratrio de qumica.
Ainda como intuito de aprofundar a idia de perfil, encontra-se na mesma obra o seu
perfil epistemolgico do conceito de energia:

115

No perfil epistemolgico do conceito de energia, Bachelard apresenta uma orientao ao


racionalismo clssico e moderno, algo condizente com sua prtica e formao. Por outro
lado, h uma grande influncia dos sentidos no seu perfil de energia, fato que provoca uma
grande coluna na escola do realismo ingnuo
Ao analisar os dois perfis buscando relacion-los entre si, Bacherlad tenta entender a
influncia de sua cultura pessoal na formatao do seu perfil. Essa influncia cultural ser
abordada no captulo 4 que tratar sobre a cultura, porm, importante ressaltar que
Bachelard (1978, pg. 25) aponta essa relao: Insistimos no fato de um perfil
epistemolgico dever sempre referir-se a um conceito designado, de ele ser vlido para um
esprito particular que se examina num estdio particular da sua cultura.
Nesse sentido, Bachelard (1978, pg. 82) justifica o valor da sua filosofia do no como
um saber numa base alargada:
(...) A filosofia do no no uma negao. No procede de um esprito de contradio que
contradiz sem provas, que levanta sutilezas vagas. Ela no foge sistematicamente a regras. Ela no
aceita a contradio interna. No nega seja o que for, seja quando for, seja como for. a
articulaes bem definidas que ela imprime o movimento indutivo que a caracteriza e que determina
uma reorganizao do saber numa base alargada.

Por fim, com essa proposta de perfil epistemolgico, Bachelard relaciona as duas
noes: a de obstculo epistemolgico e a de perfil epistemolgico, sendo que um perfil
epistemolgico retm as marcas dos obstculos que se superou. Portanto, o olhar da filosofia
116

para cincia sofre uma reorientao como as propostas de Bachelard, sendo que segundo
suas palavras, a razo deve obedecer cincia mais evoluda, a cincia em evoluo.

3.3 Perfil epistemolgico: uma preferncia


A mudana conceitual uma rea de pesquisa em ensino de cincias ainda bastante
debatida. A crena de que uma explicao possa ser totalmente alterada devido a uma
interveno em sala de aula, tem sofrido vrias crticas ao longo dos ltimos anos. Para
exemplificar, o trabalho realizado por Galili & Bar (apud Mortimer 1996, pg. 6/7):
(...) mostra que os mesmos estudantes que tiveram um bom desempenho em problemas sobre fora
e movimento, aos quais estavam familiarizados, revertem a um raciocnio pr-newtoniano de
'movimento requer fora' em questes no familiares ou que envolvem um contexto cotidiano. Os
autores concluem que "essa 'regresso a vises ingnuas pelos mesmos sujeitos uma evidncia a
mais de que o processo de substituio de crenas ingnuas por novos conhecimentos adquiridos
nas aulas de Fsica complicado e muitas vezes inconsistente"

Como uma possibilidade de explicao para esse desempenho dos estudantes, apesar de
muito anterior historicamente, tem-se a proposta de Bachelard, discutida no item anterior e
que basicamente indica a convivncia de novas concepes epistemolgicas com antigas,
que recebe o apoio de muitos pesquisadores. O prprio Mortimer (1996, pg. 2), acima
mencionado, aponta essa concordncia:
Neste artigo discutiremos criticamente alguns aspectos do construtivismo e das estratgias de
ensino para mudana conceitual, buscando construir um modelo alternativo para compreender as
concepes dos estudantes dentro de um esquema geral que permite relacion-las e ao mesmo
tempo diferenci-las dos conceitos cientficos apreendidos na escola: a noo de perfil conceitual
(Mortimer, 1995). Essa noo permite entender a evoluo das idias dos estudantes em sala de
aula no como uma substituio de idias alternativas por idias cientficas, mas como a evoluo
de um perfil de concepes, em que as novas idias adquiridas no processo de ensino-aprendizagem
passam a conviver com as idias anteriores, sendo que cada uma delas pode ser empregada no
contexto conveniente. Atravs dessa noo possvel situar as idias dos estudantes num contexto
mais amplo que admite sua convivncia com o saber escolar e com o saber cientfico.

Contudo, apesar de sua concordncia com a convivncia de diferentes explicaes para


o mesmo conceito, ele substitui o termo perfil epistemolgico de Bachelard por perfil
conceitual com a seguinte justificativa:

117

Eu usarei a noo de perfil conceitual no lugar de perfil epistemolgico com o propsito de


introduzir algumas caractersticas ao perfil que no esto presentes na viso filosfica de
Bachelard, j que minha inteno construir um modelo para descrever a evoluo das idias,
tanto no espao social da sala de aula como nos indivduos, como conseqncia do processo de
ensino. (Mortimer, 2006, pg. 78)

Ele apresenta sua argumentao de defesa do termo perfil conceitual, tendo por base
dois argumentos. O primeiro diz respeito distino entre caractersticas ontolgicas e
epistemolgicas. Segundo Mortimer (2006, pg. 78), apesar de trabalharmos com o mesmo
conceito, cada zona do perfil no somente epistemologicamente diferente, mas tambm
ontologicamente, pois as caractersticas do conceito em cada parte do perfil diferente. O
segundo argumento que os nveis pr-cientficos no so determinados por escolas
filosficas, mas pelos compromissos epistemolgicos e ontolgicos dos indivduos, sendo
esses influenciados pela cultura, definidos como um sistema supra-individual com um
pensamento que pode ser atribudo a qualquer indivduo dentro daquela cultura.
Embora Mortimer em suas investigaes tenha trazido novas contribuies que
permitem ampliar o alcance de aplicao das concepes de Bachelard, no h concordncia
com os seus argumentos. Entende-se que o primeiro argumento no se aplica, pois
Bachelard, apesar de no utilizar explicitamente o termo ontolgico leva em considerao
esse aspecto quando apresenta o seu perfil epistemolgico do conceito de massa com
natureza diferente em cada uma das escolas filosficas de pensamento, destacadas em A
filosofia do No. Portanto, concorda-se com a anlise de Martins (2007) quando afirma que:
Parece-nos que Bachelard poderia muito bem ter batizado o perfil de perfil ontoepistemolgico, sem qualquer modificao da sua proposta original. Talvez o uso apenas de
epistemolgico, deva-se nfase que nosso autor procura dar a idia de progresso nesse terreno.
(Martins, 2007, pg. 61)

Quanto parte do segundo argumento de Mortimer, em que o indivduo seria


influenciado pela cultura, tambm j se encontra contemplado na proposta de Bachelard
(1978, pg. 25):
Insistimos no fato de um perfil epistemolgico dever sempre referir-se a um conceito designado, de
ele apenas ser vlido para um esprito particular que se examina num estdio particular da sua
cultura. esta dupla particularizao que torna um perfil epistemolgico interessante para uma
psicologia do esprito cientfico.

118

Ainda sobre o segundo argumento, em que os nveis pr-cientficos no seriam


determinados apenas pelas escolas filosficas de pensamento, mas tambm pelos
compromissos ontolgicos e epistemolgicos, acredita-se aqui que tambm esse item esteja
dentro da proposta bachelardiana, pois:
Poderamos relacionar as duas noes de obstculo epistemolgico e de perfil epistemolgico
porque um perfil epistemolgico guarda a marca dos obstculos que uma cultura teve que superar.
Os primeiros obstculos, aqueles que encontramos nos primeiros estdios da cultura, do lugar a
ntidos esforos pedaggicos. (Bachelard, 1978, pg. 30)

Portanto, em concordncia com a anlise realizada por Martins, os compromissos


ontolgicos e epistemolgicos esto vinculados s escolas filosficas. Logo:
Essas escolas so, inclusive, de certa maneira uma "generalizao" desses compromissos. Dada
a multiplicidade de obstculos epistemolgicos com os quais os indivduos deparam-se ao longo do
processo de conceitualizao, poderamos at pensar em "subdividir" certas regies do perfil,
admitir uma espcie de "estrutura fina" para as zonas mais elementares. Talvez isso nem seja
necessrio, mas, mesmo assim, no estaria em desacordo com a viso de Bachelard, que se refere
em A Filosofia do No - primeira regio do perfil tanto com a denominao de animismo como de
realismo ingnuo. Entendemos que, para ele, essa regio multifacetada justamente devido ao
polimorfismo dos obstculos No necessrio, assim, desvincular os nveis "pr-cientficos" de um
realismo ou empirismo ingnuos, ou seja, de escolas filosficas de pensamento mais gerais que,
tanto na histria das idias quanto na pesquisa sobre concepes alternativas, encontram-se
subjacentes s concepes manifestas pelos sujeitos.(Martins, 2007, pg. 61)

Portanto, no necessrio e nem se justifica a adoo de uma outra terminologia para o


perfil epistemolgico proposto por Bachelard. Acredita-se com base nos argumentos citados
que a proposta de Bachelard mais completa e explicita os compromissos ontolgicos e
epistemolgicos que esto na base dos conceitos.

3.4 Perfil epistemolgico e o conceito de tempo


Pode-se ilustrar a idia da continuidade no descontnuo em meio a obstculos,
apresentando o conceito de tempo dentro do perfil epistemolgico de Bachelard,
caracterizado por cinco escolas filosficas.
Relacionando o conceito de tempo com a noo de perfil epistemolgico, ainda
preliminarmente, destaca-se como Realista Ingnua noo psicolgica do tempo ligada
atividade realizada, concebido interiormente por observao de distncia percorrida ou
119

esforo realizado. Quantas vezes no se acredita que a distncia entre dois lugares grande
devido ao tempo em que se permanece no trnsito, porm ao se fazer a experincia de
percorrer novamente essa distncia em um horrio de trnsito menos intenso tem-se a
sensao de que se percorreu uma distncia menor. Essa idia est relacionada sensao
que, obviamente, no pode excluir o indivduo que, por sua vez, tambm caracteriza essa
escola. Do ponto de vista histrico, essa noo corresponderia aos primrdios da
humanidade, onde as referncias eram visuais e individuais.
A noo Empirista do conceito de tempo est relacionada sua medida, ou seja, est
ligada marcao por meio de calendrios e relgios. O conceito de tempo aqui coletivo,
homogneo e nico. Todo ser humano tem uma dependncia grande do relgio e do
calendrio que regulam o ritmo da vida, constituindo, por assim dizer, uma conduta do
relgio, como a conduta da balana que Bachelard utiliza para exemplificar uma
caracterstica emprica do conceito de massa. Historicamente, essa fase corresponderia s
reminiscncias das primeiras civilizaes que procuraram marcar o tempo com os primeiros
calendrios e relgios solares. Essa forma de marcar o tempo prossegue at a
contemporaneidade com o advento dos relgios mais modernos. Ou seja, essa escola
tambm caracterizada pela repetio, fato que inclui uma conduta de medida, de uma
maneira mais geral, relacionada a um tempo cclico.
O Racionalismo Clssico utiliza idia de um tempo independente, absoluto, concebido
de forma geomtrica e encontrado sobretudo nas propostas newtonianas. um parmetro
matemtico que existe independente de qualquer coisa, aparecendo nos grficos
matemticos e nas frmulas fsicas. No pensamento racionalista possvel separar o tempo
de sua medida. Em muitas culturas encontra-se a idia de um tempo absoluto, eterno, porm
a matematizao surge nas propostas galileanas e newtonianas. Depara-se com essa
concepo mais especificamente no ensino bsico, com toda a discusso newtoniana. Na
graduao essa discusso reaparece para aqueles que estudarem em reas relacionadas
fsica, tecnologia ou cincia em geral.
No Racionalismo Completo o conceito de tempo modificado por influncia da
relatividade. Assim como a massa depende da velocidade, nessa escola, o tempo tambm.
As leituras dos relgios dependem da velocidade relativa entre os referenciais. Alm disso o
tempo constitui uma nova entidade fsica com o espao, formando o espao-tempo
quadridimensional. Essa nova estrutura espaco-temporal associada relatividade geral
120

afetada pela presena de uma massa que faz o transcorrer do tempo depender do campo
gravitacional. O contato com a idia de um tempo relativo de certa forma comum. Basta
pensar que com o advento da modernidade tem-se um tempo maior disponvel, pois as
telecomunicaes e transportes encurtam distncias, possibilitando um nmero maior de
atividades em um dia. Encontram-se muitas idias de um tempo relativo em muitas culturas,
porm na relatividade ressalta-se tambm a dependncia matemtica e geomtrica. No
ensino essa concepo mais discutida nas reas especficas de cincias exatas, como fsica
e tecnologia.
Por fim, a incerteza temporal da mecnica quntica presente no princpio da incerteza,
em que no possvel precisar a energia da partcula em um instante definido, e as idias de
tempo imaginrio, onde se prope novo modelo matemtico que permitiria pensar na forma
do tempo como uma dimenso espacial. Diferente da relatividade geral, em que o tempo e o
espao formam uma nica dimenso, porm o tempo continua com um sentido nico, o
tempo imaginrio seria perpendicular ao tempo real. Essas noes corresponderiam ao
Racionalismo

Discursivo.

Alm

desses

conceitos

qunticos,

as

concepes

de

descontinuidade do tempo, ou seja, as idias conceituais de instantes, tambm se enquadram


nessa escola.
Pode-se resumir a relao do conceito de tempo com as escolas filosficas de Bachelard
com a tabela abaixo:
Tabela 1: Perfil epistemolgico do conceito de tempo
CONCEITO

ESCOLA

Noo psicolgica -percepo

Realista ingnua

Medida - calendrios e relgios

Empirismo

Racionalismo
clssico
Racionalismo
Relativo- depende da velocidade
completo
Incerteza temporal / tempo
Racionalismo
imaginrio/instantes
discursivo
Forma matemtica -

Absoluto

PERIODO
Primrdios da
humanidade
Primeiras
civilizaes
Propostas
Newtonianas
Relatividade
Mecnica
Quntica

ESTADOS
Pr- cientfico
Cientfico.
Novo esprito
Cientifico

Assim, a racionalidade evolui na histria sofrendo rupturas e reorganizando-se em uma


nova direo. Chega-se ao papel que essa anlise de perfis epistemolgicos pode
desempenhar nas atividades de ensino. As atividades que despertam a curiosidade
121

epistemolgica e a imaginao dos nossos alunos podem ajudar na estruturao de um perfil


epistemolgico mais sofisticado. Portanto, acredita-se que apresentando aos alunos
atividades meramente matemticas no se contribui para o avano epistemolgico de uma
grande parte dos alunos. Cabem aqui mais algumas palavras de Martins (2007, pg. 250)
extradas de seu estudo sobre as concepes de estudantes sobre o conceito de tempo com
base na epistemologia de Bachelard:
(...) acreditamos que o nosso estudo fornea, especificamente com relao construo do
conceito de tempo, subsdios para que o professor interprete tambm a sala de aula em termos dos
compromissos epistemolgicos dos seus alunos, identifique a presena de obstculos de natureza
epistemolgica, e tenha mais elementos para enfrent-los, explorando as vises dos estudantes para
auxili-los na construo de outras.

Portanto, importante refletir sobre a evoluo histrica e cultural de um conceito e sua


relao com o perfil epistemolgico, pois se acredita que o entendimento dos obstculos de
natureza epistemolgica auxilia na proposio de metodologias que possibilitem a ruptura
com os obstculos epistemolgicos e, conseqentemente, a evoluo no perfil
epistemolgico.

3.5 Paulo Freire: uma vida dedicada educao que liberta


Depara-se com uma ntima ligao, ao se analisar a vida e a obra de Paulo Freire, das
suas concepes com sua prtica. Muito mais que pensar sobre teorias, Paulo Reglus Neves
Freire pensava a vida, a existncia. Nasceu na cidade de Recife em 1921, filho de um oficial
da polcia militar de Pernambuco, Joaquim Themstocles Freire, e de Edeltrudes Neves
Freire (Dona Tudinha), que se ocupava dos fazeres domsticos.
Paulo Freire descreve em alguns dos seus livros o afeto da vida em famlia vivida com
seus pais e seus trs irmos: Armando, Stella e Temstocles. Sempre admirou e valorizou a
forma de cuidar da famlia que seus pais dispunham. Com pacincia e tolerncia lanaram os
fundamentos da prxis da teoria de Freire. Comeou sua leitura das palavras ensinado pelos
pais, escrevendo frases de sua experincia de vida com gravetos cados da mangueira que
possua no quintal de casa. Como ele mesmo gostava de dizer, aprendia sombra da
mangueira.30

30

Essa expresso tornou-se nome de um de seus livros.


122

Ao mudar com a famlia, aos 10 anos de idade, para Jaboato, devido a dificuldades
financeiras, Freire comeou a sentir na pele a fora trgica do sofrimento e da angstia, com
a perda do pai e a humilhao da me, viva precocemente, diante da pobreza e da luta para
sustentar os filhos. Por outro lado, foi l que ele aprendeu a viver e a valorizar as coisas
simples da vida, como assobiar para aliviar o cansao, sentar em uma roda de amigos para
um dilogo, alm de ter conhecido e se apaixonado pela lngua portuguesa. Paulo Freire
indica a importncia da sua vida em Jaboato no seu livro Pedagogia da Esperana (apud
Arajo Freire 1996, pg. 30):
Assim Jaboato foi um espao-tempo de aprendizagem, de dificuldades e de alegrias vividas
intensamente, que lhe ensinaram a harmonizar o equilbrio entre o ter e o no-ter, o ser e o noser, o poder e no-poder. Assim forjou-se Freire na disciplina da esperana.

Em Jaboato concluiu o ensino primrio e partiu para a capital buscando o ensino


secundrio. Teve muita dificuldade para conseguir um colgio e cursou o primeiro ano do
nvel mdio no Colgio Francs Chateaubriand. Esse colgio no era de primeira linha, mas
foi importante nesse momento por t-lo aceitado como aluno. Porm, no segundo ano do
nvel mdio, ingressou no colgio Oswaldo Cruz

31

do Recife. Nesse colgio cursou o

restante do nvel secundrio e o pr-juridico de 1937 at 1942. Sobre a importncia do


Colgio Oswaldo Cruz e a escolarizao recebida na sua formao humanista e cientfica,
declarou, ainda no exlio, em 1978, em entrevista que concedeu a Claudius Ceccon e Darcy
de Oliveira para O pasquin (n. 162) (apud Arajo Freire 2005, pg. 17):
Eu me lembro, por exemplo, que j na adolescncia, quando me foi possvel entrar no ginsio,
com 15 anos de idade, quando os meus camaradas de gerao cujas famlias tinham condies
estavam comeando a faculdade, eu estava comeando o meu primeiro ano de ginsio, escrevendo
rato com dois erres (...) Me lembro muito bem da peregrinao que fez minha me pelas escolas
procura de um colgio particular que me recebesse gratuitamente .
Finalmente ela encontrou o Colgio Oswaldo Cruz; por causa dos seus responsveis que eu estou
dando essa entrevista hoje. O diretor era Aluzio Arajo, por quem tenho profunda admirao. (...)
Ele recebeu. Ele s queria que eu fosse estudioso. E era o que eu era

Em 1941, j demonstrando uma grande capacidade de aprender, trabalhava como


auxiliar de disciplina no prprio Colgio Oswaldo Cruz. Ingressou, aos 22 anos, no ano de
1943, na Faculdade de Direito do Recife, tendo estudado at 1947. importante ressaltar
que durante esse perodo ele j havia sido promovido a Professor de Lngua Portuguesa, no
31

importante ressaltar que esse colgio era de propriedade de Aluzio Pessoa de Arajo, pai de Ana Maria
Arajo Freire, que viria a ser sua segunda esposa de Paulo Freire.
123

mesmo Colgio Oswaldo Cruz, tendo permanecido at 1947. Colou grau e chegou at a
montar um escritrio de advocacia com dois amigos, mas desistiu na primeira causa e
resolveu ser educador32.
A partir de 1947 abandonou a docncia escolar aceitando ir trabalhar no setor de
educao e cultura do Servio Social da Industria (Sesi). Nessa experincia Freire teve o
contato com a alfabetizao de adultos (trabalhadores) e, paulatinamente, sentiu a
necessidade de uma adequao educacional a essa realidade.
No nvel superior sua primeira experincia foi na Escola de Servio Social, porm foi na
Escola de Belas Artes, da Universidade do Recife, hoje conhecida por Universidade Federal
de Pernambuco, que Freire foi nomeado professor interino de Histria e Filosofia da
Educao, em 1952, e aprofundou sua leitura de mundo em direo a uma educao para a
liberdade como costumava dizer.
Em 1959, com o intuito de receber o ttulo de Doutor, inscreve-se no concurso para
catedrtico com a tese intitulada Educao e atualidade, que se tornaria, anos mais tarde,
sua obra intitulada Educao coma prtica da liberdade, algo muito diferente do que se
conhecia at ento sobre educao. Talvez essa diferena possa ter lhe custado a perda do
primeiro lugar no concurso, mas mesmo assim foi aprovado. Com a aprovao no concurso
e obteno do ttulo de Doutor foi nomeado para exercer o cargo de professor de ensino
superior da mesma cadeira da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras da Universidade do
Recife. Em 14 de agosto de 1961, o reitor dessa Universidade, conforme lei vigente na
poca, concede a Paulo Freire o ttulo de Docente-livre da cadeira de histria e filosofia da
educao.
Com a criao do Servio de Extenso Cultural (SEC) pela Universidade do Recife,
Freire vislumbra e pe em prtica seu sonho de trazer para a universidade, espao exclusivo
de aquisio do saber, as necessidades e sonhos da populao. Foi no SEC que ele
sistematizou o que chamam de Mtodo de Alfabetizao Paulo Freire, tendo sua prtica
inicial no Movimento de Cultura Popular (MCP), no centro de Olegarinha em Recife. Esse
movimento popular tomou dimenses nacionais no Governo de Juscelino Kubitschek,
colocando definitivamente Paulo Freire na histria da educao Brasileira. Diante do
sucesso desse movimento, o ento Ministro da Educao Paulo de Tarso leva Paulo Freire
32

Na poca no existia curso especfico para educador.


124

para Braslia para realizao de uma Campanha Nacional de Educao que recebeu o nome
de Programa Nacional de Alfabetizao (PNA).
Porm, com o golpe militar de 1964 e a declarada caa as bruxas nada sobrou do SEC
ou do MCP. O PNA foi extinto e Paulo Freire preso por mais de uma vez. Com o intuito de
preservar sua vida, pede exlio Embaixada da Bolvia e parte para mais de 15 anos fora do
Brasil.
Ainda no Brasil convidado pelo Ministro da Educao da Bolvia para prestar
assessoria no campo da Educao ao seu pas. Mas, novamente, a cegueira e soberba dos
opressores cruzam o seu caminho e diante de um golpe militar na Bolvia segue para a
segunda etapa do seu exlio: o Chile. Sobre sua chegada ao Chile, em novembro de 1964,
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Esperana (2007, pg. 35), comenta sua
expectativa e seu estado de esprito:
Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Paixo, saudade, tristeza, esperana, desejo, sonhos rasgados,
mas no desfeitos, ofensas, saberes acumulados, nas tramas inmeras vividas, disponibilidade
vida, temores, receios, dvidas, vontade de viver e de amar. Esperana sobretudo.

Trs dias aps sua chegada em Santiago, Freire acerta com o diretor do Instituto de
Desenvolvimento Agropecurio (Indap) seu trabalho como assistente de direo do setor de
promoo humana. Alm do trabalho no Indap, Freire trabalhou tambm para o ministrio
da educao em planos extraordinrios de alfabetizao de adultos. Atuou nas reas urbanas
e rurais junto ao programa de reforma agrria, recebendo um convite para atuar no Instituto
de Capacitao e Industrializao em Reforma Agrria (Icira), atividade que desenvolveu j
como consultor especial da Unesco, e o possibilitou associar de forma plena a educao de
adultos com o processo de reforma agrria. Foi nessa realidade que nasce a obra intitulada
Extenso ou Comunicao?, em que Freire compara a relao entre o agrnomo e o
campons com a do professor e aluno, analisando a atitude de comunicar ou estender o
conhecimento. Nessa obra, encontra-se um interessante comentrio j no prefcio, da 12
edio, escrito pelo diretor do Indap Jacques Chonchol (2002, pg. 12):
Paulo Freire comea o seu trabalho com uma anlise do termo extenso, partindo de pontos de
vista diferentes: sentido lingstico da palavra, crtica a partir da teoria filosfica do conhecimento
e estudo de suas relaes com o conceito de invaso cultural. Posteriormente discute a reforma
agrria e a mudana, opondo os conceitos de extenso e de comunicao como idias
profundamente antagnicas. Mostra como a ao educadora do agrnomo, como a do professor em
125

geral deve ser a de comunicao, se quiser chegar ao homem, no ao ser abstrato, mas ao ser
concreto inserido em uma realidade histrica.

Assim, preocupado com a formao integral do homem, com seus valores, sua cultura,
Freire permanece no Chile durante cinco anos at 1969.
Aps vrios convites para lecionar, Freire parte para a terceira parte de seu exlio na
Universidade de Harvard, na qualidade de professor visitante, passando a assessorar o
Center for the Study of Development and Social Change e a lecionar sobre suas prprias
reflexes sobre a prtica educativa.
Com o trmino do seu contrato, apesar dos convites de vrias Universidades
Americanas, Paulo decide, como cristo e adepto da teologia da libertao que era, aceitar o
convite para integrar o Conselho Mundial das Igrejas (CMI), que lhe daria a oportunidade de
conviver com os povos oprimidos, experincia que nenhuma universidade ofereceria.
Muda-se para Genebra na Sua onde permanece at 1980.
No servio do conselho Mundial das Igrejas, como consultor do setor de educao,
Paulo Freire torna-se um andarilho, passando pela sia, Oceania, Amrica (menos
Brasil33), frica, sobretudo nos pases que tinham conquistado a independncia
recentemente. Em Genebra, fundou o Instituto de ao cultural (Idac) com sua esposa Elza e
um grupo de brasileiros. Paulo Freire e o Idac prestaram assessoria na rea de educao a
Guin-Bissau, So Tom e Prncipe, Cabo Verde e Angola. At 1977, alm do trabalho com
os africanos, Freire dividia sua atividade com a Universidade de Genebra, levando os alunos
a refletirem sobre suas idias e prticas educativas. Nesse perodo pediu demisso da
universidade para dedicar-se ao trabalho com os africanos.
Em 1979 as presses contra o regime ditatorial brasileiro aumentam e Paulo Freire
consegue junto Embaixada Brasileira na Sua o seu primeiro passaporte. J em agosto
desse mesmo ano, visita o Rio de Janeiro, Recife e So Paulo, onde assina um contrato para
lecionar na PUC-SP no curso de Ps- Graduao, formalizando o convite feito em Genebra
por Dom Evaristo Arns, que era Gro-Chanceler dessa Universidade na poca.
Em junho de 1980 retorna definitivamente para o Brasil. Trabalhando no programa de
Ps-Graduao da PUC-SP, inova as aulas, oferecendo um procedimento diferente da
tradicional aula, em que o professor coloca-se simplesmente em uma posio de transferir o
33

Paulo Freire estava proibido de entrar no Brasil.


126

seu conhecimento. Freire levava outros professores para a sala de aula, formando crculos de
debates sobre a prtica educativa dos estudantes, sobre os temas de seus trabalhos,
discutindo e aprofundando dvidas e possibilidades, ou seja, Freire aplicava a sua teoria
praticando um verdadeiro dilogo com os estudantes.
Aps presses de professores e estudantes, em setembro de 1980, foi nomeado professor
da Unicamp no Departamento de Cincias Sociais Aplicadas Educao, onde permaneceu
at maro de 1991, ano que foi readmitido na Universidade Federal de Pernambuco. Sendo
assim, mantendo-se tico, pede exonerao da Unicamp, pois a constituio no permite
acmulo de cargos pblicos.
Em So Paulo, j no ano de 1987, ministrou um curso regular na USP, intitulado ArteEducao e Ao Cultural, como professor convidado no curso de Ps- Graduao da
Escola de Comunicao e Artes. No ano de 1991, foi novamente convidado para proferir
palestras e discutir projetos especficos.
Por outro lado, a vida partidria de Paulo Freire tem incio quando em 1979, ao visitar o
Brasil, conhece o projeto do Partido dos Trabalhadores (PT) e entusiasmou-se ao ver a
organizao popular, uma de suas idias fundamentais, tomar corpo como um partido
poltico nascido das lutas e movimentos sociais em meio ditadura. Na campanha
presidencial de 1989 chegou a ser cogitado a compor a chapa com Lula na Frente Brasil
Popular na qualidade de candidato vice-presidente, porm o acerto foi que seria o ministro
da educao. Com a derrota de Lula e a vitria de Luiza Erundina para prefeitura de So
Paulo, Freire foi empossado como Secretrio da educao. Desse dia em diante trabalhou
com o intuito de mudar a qualidade da educao pblica de So Paulo. Criou o Mova
(movimento de alfabetizao de jovens e adultos) a partir de sua compreenso de educao
popular de alfabetizao, alm de ouvir vrias sugestes de diversos nveis. Nesse processo
o Mova inaugurou um tipo de educao envolvendo os alfabetizandos, a comunidade e o
estado. Em pouco tempo tornou-se modelo de educao para o pas e realizou o primeiro
congresso de alfabetizandos. Alm disso as escolas nos mais diferentes nveis utilizavam as
idias de tema gerador e crculo de cultura, alm de proporcionar a interao entre os
professores da rede, das universidades pblicas, alunos e a comunidade no processo de
ensino-aprendizagem. Segundo Zanetic (2007, pg. 49), que participou desse projeto, sua
composio se dava em trs momentos pedaggicos:
127

1. Estudo da Realidade: discusso crtica de uma situao da realidade, visando a sua


compreenso, a partir da viso que o aluno tem sobre ela.
2. Organizao do Conhecimento: estudo do conhecimento universal das diferentes reas do
conhecimento buscando contedos especficos e cotejando as vises distintas; nesse momento fica
explicitado o conflito entre essas vises de mundo na construo do conhecimento cientfico; o
momento da ruptura com um obstculo epistemolgico.
3. Aplicao do Conhecimento: neste momento, o contedo apreendido utilizado para
reinterpretar a situao apresentada no primeiro momento; esse conhecimento tambm
extrapolado para outras situaes; nesse momento busca-se a sntese dos momentos anteriores.

Com exemplo de alguns temas geradores escolhidos, destacam-se: falta de lazer,


violncia na convivncia, lixo, escola e a televiso, falta de organizao social,
relacionamento humano, saneamento bsico, ser humano como uma ameaa ao planeta,
precariedade no trabalho, entre outros. Esses so apenas alguns exemplos surgido nas
escolas do Ncleo de Ao Educativa 6 (NAE 6).
Porm nem tudo eram flores, pois as discusses para definio do tema gerador
chegavam a ser dramticas, pois era difcil a aceitao pelos professores e alunos que seus
bairros tinham problemas (Zanetic, 2007).
Ainda hoje, vrias cidades no Brasil possuem projetos nesse sentido. O educador
Antnio Gouva da Silva, que tambm participou do projeto na prefeitura de So Paulo, na
poca de Freire, tem assessorado diversos grupos no Brasil, como: Angra dos Reis(RJ),
Belm do Par(PA), Caxias do Sul(RS), Chapec (SC), Vitria da Conquista (BA),
Dourados(MS), entre outros34. importante destacar que em reportagem da Folha de So
Paulo35, uma pesquisa realizada por UNICEF e INEP, 33 escolas modelo se destacaram.
Segundo a notcia, os principais ingredientes responsveis pelo destaque da boa qualidade dessas
escolas incluam: professores que incentivam atividades a serem realizadas em sala de aula e que
tm formao continuada; estudantes interessados e esforados nas tarefas escolares; propostas
pedaggicas ligadas realidade dos alunos; participao de universidades pblicas na elaborao
das propostas pedaggicas e o envolvimento dos pais e da comunidade no processo de
aprendizado ( Zanetic 2007,

34

pg. 42)

Mais detalhes dessas experincias podem ser encontradas em: Silva, A.F.G. da, A construo do currculo
na perspectiva popular crtica: das falas significativas s prticas contextualizadas, Tese de Doutorado,
PUC/So Paulo, 2004
35
CONSTANTINO, Luciana. Ensino pblico tem 33 escolas modelo. Folha de So Paulo, 20/12/2006, pg.
C4.
128

Aps 29 meses frente da educao de So Paulo, Freire anuncia que estava partindo
para trabalhar em outra esquina da luta poltica-pedaggica. Assim, Paulo Freire deixava a
secretaria da educao sendo sucedido por Mario Srgio Cortella que concluiu o mandato.
Paulo Freire morreu na UTI do Hospital Albert Einstein, na cidade de So Paulo, em 2 de
maio de 1997, de enfarte agudo do miocrdio. Morreu acreditando, como dizia, que o PT,
nico partido que se filiou, tinha a possibilidade de traduzir os sonhos, as utopias pelas quais
lutou toda a vida e sofreu durante 16 anos de exlio. Os seus sonhos, suas utopias por um
Brasil mais bonito, justo e democrtico, o levaram a enfatizar que o PT, para isso, deveria
reinventar o poder.
Para Freire foram outorgados 39 ttulos de Doutor Honoris causa , por instituies do
Brasil, Amrica e Europa, sendo 34 em vida e 5 in memoriam . Alm desses ttulos existem
inmeras escolas estaduais e municipais, logradouros pblicos, ruas, centros acadmicos,
bibliotecas, centros de pesquisas etc, que levam seu nome. Duas Homenagens importantes
foram perdidas: a do Prncipe de Astrias e o Nobel da Paz de 1993, principalmente por falta
de interesse do governo brasileiro em promover o fato. Assim, apesar de todo
reconhecimento internacional da sua obra e do seu trabalho, Paulo Freire ainda continua um
desconhecido para a educao brasileira, principalmente nos cursos de formao de
professores dos mais diferentes segmentos.

3.6 A teoria do conhecimento de Paulo Freire


Ao pensar em uma concepo de educao ou um mtodo de ensino

36

, ou ainda em

uma teoria do conhecimento, pode-se utilizar como referncia as concepes de Paulo


Freire. o que se faz nesse trabalho. Sua obra tornou-se uma grande referncia dentro da
chamada pedagogia progressista, citada por Libneo em seu livro Democratizao da escola
pblica (1986), e tem sido comentada e utilizada em diversas partes do mundo devido a seu
refinamento terico e a sua dimenso prtica. Entre outras possibilidades, a obra freireana
fruto da sua prpria vida, das dificuldades da infncia e da necessidade de se utilizar da
realidade prxima como recurso didtico, conforme Arajo Freire (1996, pg. 28)

36

Paulo Freire nunca se refere s suas concepes de educao como um mtodo. Essa denominao foi dada
por seus estudiosos.
129

Comeou a leitura da palavra, orientado pela me, escrevendo palavras com gravetos das
mangueiras, sombra delas, no cho do quintal da casa onde nasceu na Estrada do Encanamento,
724, no bairro da casa Amarela, como tanto gosta de lembrar e dizer.

As teorias de Paulo Freire cruzaram as fronteiras da Amrica Latina e suas reflexes


aprofundaram sempre o seu tema principal: Educao como prtica de liberdade37. Suas
abordagens atingiram os mais variados campos do conhecimento, ou seja, das cincias
humanas s exatas e biolgicas. Seus pensamentos vo muito alm dos contedos escolares,
so uma profunda alterao na forma de posicionar-se diante das relaes humanas. Toda
obra de Paulo Freire permeada pela idia de conhecer o mundo para transform-lo,
apresentando-se como um projeto poltico-pedaggico para libertao. Alm disso,
educao, na viso freireana, um ato dialgico e ao mesmo tempo afetivo e imaginativo.
Segundo sua teoria do conhecimento, o ato de conhecer e de pensar esto diretamente
ligados relao com o outro. O conhecimento necessita de comunicao, alm de ser um
ato histrico, epistemolgico e gnosiolgico, um ato dialgico. importante destacar os
significados das palavras epistemolgico e gnosiolgico. Segundo Lalande (apud Simes
1994, pg. 10) a epistemologia definida como:
o estudo crtico dos princpios, das hipteses e dos resultados das diversas cincias, destinado a
determinar a sua origem lgica (no psicolgica), o seu valor e sua importncia objetiva. J o
termo gnosiolgico (...) aplicar-se-ia bem pela sua etimologia anlise reflexiva do ato ou
faculdade de conhecer (...) investigao acerca das origens, a natureza, valor e os limites da
faculdade de conhecer.

Tendo essas duas definies pode-se pensar, em concordncia com Simes (1994), que
o trabalho de Paulo Freire segue uma direo gnosiolgica, como ele mesmo gostava de
enfatizar, alm de ter a epistemologia como caminho. Em entrevista ao jornal Pasquim38
(apud Simes 1994, pg. 35), Paulo Freire afirma:
Ai que est um dos equvocos dos que, por ideologia, analisam o que fiz procurando um mtodo
pedaggico, quando o que deveriam fazer analisar procurando um mtodo de conhecimento e, ao
caracterizar o mtodo de conhecimento, dizer mas esse mtodo de conhecimento a prpria
pedagogia(...) Entendes? O caminho era o caminho epistemolgico.

37

Atentando-se para o fato de que seu livro com esse ttulo foi finalizado no exlio em Santiago, na primavera
de 1965 e que o seu livro mais conhecido, Pedagogia do Oprimido teve sua primeira publicao em Nova
York, em 1970, talvez seja lcito dizer que suas idias melhor elaboradas penetraram as fronteiras brasileiras,
geogrficas, polticas, culturais e educacionais.
38
Entrevista com Paulo Freire. Pasquim, maio/1978 n462, pg. 11.
130

Ainda sobre os aspectos gerais da obra de Paulo Freire, destaca-se uma concepo de
educao que parte das necessidades das pessoas e do prprio planeta, e no de categorias
abstratas, sendo pensada de forma participativa e democrtica com todos os envolvidos,
revelando ainda mais esse carter gnosiolgico citado.
Tendo essas concepes como alicerces do pensamento de Freire, cabe um
questionamento: quais seriam suas fontes inspiradoras? Segundo Gadotti (2005, pg. 12),
um dos seus principais bigrafos, alm de ter sido seu amigo pessoal, Freire tinha duas
fontes importantes: o cristianismo e o marxismo. Nos seus primeiros escritos encontram-se
citaes de filsofos humanistas cristos como Gabriel Marcel e Jacques Maritain, autores
muito discutidos nos anos 50. O pensamento humanista de Freire indica a utopia, que o
sonho da mudana, como um realismo para o educador. Embora seja difcil pontuar
temporalmente, aps a influncia crist segue-se a marxista e em sua concepo de educao
ele combina elementos das duas vertentes. Assim, nessa linha, Gadotti (2005, pg. 13)
afirma:
(...) A educao uma prtica antropolgica por natureza, portanto tico-poltica. Por essa razo,
pode tornar-se uma prtica libertadora. O tema da libertao ao mesmo tempo cristo e marxista.
O mtodo utilizado que diferente; a estratgia diferente. O fim o mesmo. Encontramos Hegel
como referncia desde o incio. A relao opressor-oprimido lembra a relao senhor-escravo de
Hegel. Depois vieram Marx, Gramsci, Habermas. Seu pensamento humanista e dialtico.

A originalidade de Freire, segundo Gadotti (2005, pg. 13), est na idia da


subjetividade como condio da revoluo:
A afirmao da utopia como prxis docente e discente lembra o paradigma humanista, cristo e
socialista. O que h de original em Freire, com relao ao marxismo ortodoxo que ele afirma a
subjetividade como condio da revoluo da transformao social. Da o papel da educao como
conscientizao. Ele afirma o papel do sujeito na histria e a histria como possibilidade. A histria
a possibilidade. No atravs de um movimento como mecanismo de luta de classes, pura e
simplesmente, mas pela ao consciente de sujeitos histricos organizados. Paulo Freire sustentava
que o socialismo uma utopia que precisa ser renovada pela educao(...).

Pensando ainda em linhas gerais, a concepo de educao de Paulo Freire destaca o


professor como tambm um aprendiz, o que comum nas linhas de pensamento
construtivistas, porm Paulo Freire indica essa condio de professor-aprendiz de forma
interessante e singular. Nas palavras do prprio Paulo Freire (2002, pg. 25):

131

Por isto mesmo, a expresso extenso educativa s tem sentido se se toma a educao como
prtica de domesticao. Educar e educar-se, na prtica da liberdade, no estender algo desde a
sede do saber, at a sede da ignorncia para salvar, com este saber, os que habitam nesta.
Ao contrrio, educar e educar-se, na prtica da liberdade, tarefa daqueles que sabem que pouco
sabem por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais em dilogo com
aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem para que estes, transformando seu pensar que
nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.

Assim, a educao como prtica de liberdade problematiza a relao ensinoaprendizagem, em que o professor hora educador e hora educando, e a educao est
baseada na comunicao, no dilogo e no na extenso de um conhecimento como algo
indiscutvel, inquestionvel.
O ato educativo assim se torna um ato de conhecimento, no qual educador e educando como
sujeitos cognoscentes so mediatizados pelo objeto cognoscvel que buscam conhecer. A relao
ensino-aprendizagem assim uma tripla via de mo dupla. (Simes, 1994, pg. 102)

Dentro dessa perspectiva dialtica e no metafsica. conforme ser discutido mais


adiante, a obra de Paulo Freire vasta e pode ser analisada em cinco momentos distintos,
segundo Libneo em seu livro Democratizao da escola pblica (apud Freitas 2005, pg.
51). Na classificao sugerida nessa obra temos duas tendncias pedaggicas: a pedagogia
liberal e a pedagogia progressista. Na pedagogia liberal a educao concebida como a
oportunidade de desenvolver as aptides individuais dos educandos, preparando-os para a
vida em sociedade, porm as desigualdades de condies sociais no so consideradas. Essa
proposta uma forma de manifestao da sociedade de classes baseada em uma doutrina
liberal.
Por outro lado, a pedagogia chamada de progressista por Libneo refere-se linha
pedaggica que analisa criticamente as tendncias sociais e orientam as finalidades da
educao em funo dessa realidade social. Nessa pedagogia a concepo de Paulo Freire
conhecida como progressista libertadora, alm de ser uma alternativa liberal. Apesar de
serem concebidas dentro da educao popular, muitos professores e pesquisadores vm
aplicando essas idias em outros nveis de ensino, incluindo a rea de cincias. Portanto, a
obra de Paulo Freire, como j citado anteriormente, pode ser analisada em cinco momentos
distintos.
O primeiro momento corresponde sua produo terica de referncia at 1969, fase
correspondente s primeiras experincias de alfabetizao, elaborao da sua teoria e a
132

redao das seguintes obras: Educao como prtica de liberdade (1967); Ao cultural
para a liberdade e outros escritos (1968) e Pedagogia do oprimido (1970). Escrito j no
exlio, a Pedagogia do oprimido, seu principal livro e teve sua primeira publicao em
ingls em 1970. No Brasil somente foi publicado em 1975. Nesses cinco anos que separaram
essas duas verses, ocorreram publicaes em alemo, espanhol, francs e italiano. Essa
demora da publicao no Brasil revela, entre outras coisas, o clima de represso vivido no
Brasil na poca.
O segundo momento ocorre entre 1969 at 1980, poca em que Freire viajou para
diversos pases lecionando e discutindo suas posies pedaggicas, alm de desenvolver um
trabalho educativo na frica. Nesse perodo a sua obra Pedagogia do oprimido traduzida
para vrias lnguas, alm disso ocorre a publicao das obras: Extenso ou Comunicao?
(1971) e Cartas a Guin-Bissau: um registro de uma experincia em processo (1978).
O terceiro momento marcado pelo retorno definitivo para o Brasil, j na dcada de 80.
Segundo o prprio Paulo Freire foi um momento de reaprender o Brasil. Isso ocorreu
principalmente na atividade docente e nos dilogos transformados em livros, entre eles
destaca-se: Por uma pedagogia da pergunta (1985), com Antonio Faundez, Medo e
ousadia: o cotidiano do professor (1986), com Ira Shor, e Alfabetizao: leitura da palavra,
leitura do mundo (1990), com Donaldo Macedo. Alm disso, pode-se evidenciar o seu
trabalho como membro fundador do Partido dos Trabalhadores e sua indicao para a
secretaria da educao de So Paulo.
O quarto momento marca a prtica de Paulo Freire como secretrio da educao de So
Paulo e a grande mudana que realiza na educao dessa cidade. O projeto de formao de
professores merece destaque e a obra de referncia Educao na cidade (1991). Nela
encontram-se os princpios do programa de formao de professores: a formao do
educador deve ser instrumentaliz-lo para que crie e recrie a sua prtica atravs da
reflexo sobre o seu cotidiano (2005, Freitas pg. 52). Ainda nesse momento ocorre a
publicao da obra Pedagogia da Autonomia (1996), que populariza as reflexes sobre os
saberes da Prtica educativa.
O quinto e ltimo momento, correspondem ao movimento que busca manter viva a
memria e as idias de Paulo Freire. um perodo de atualizao de concepes, sobretudo
com o trabalho de Ana Maria de Arajo Freire, viva e responsvel pelas notas e
133

publicaes das suas ltimas obras, entre elas destacam-se: Pedagogia da indignao
(2000); Pedagogia da Libertao (2001) e Pedagogia dos sonhos possveis (2001), entre
outros.
Portanto a obra de Paulo Freire encontra-se em constante atualizao e adequao
realidade, contudo a natureza da educao que Paulo aprende durante sua caminhada,
continua mantida, conforme as suas palavras registradas no posfcio da obra de Ernani
Maria Fiori (1991, apud Freitas 2005, pg. 53):
Num certo momento da minha trajetria, da minha experincia, eu no pensei em poltica; num
outro momento, eu pensei em poltica e educao; e s num terceiro momento, no qual eu me
encontro h uns dez anos, que eu digo que a educao tem natureza poltica.

Aps essa discusso dos aspectos gerais da concepo de educao de Paulo Freire,
importante apresentar concepes mais precisas relacionadas ao que chamam de mtodo
Paulo Freire ou mtodo de alfabetizao. importante ressaltar que:
se o sujeito ler direitinho os textos que tenho escrito, sobretudo os recentes, sobre o problema da
alfabetizao, ele descobre que o que estou fazendo teoria do conhecimento. (Pasquim, 1978,
apud Simes 1994, pg. 36)39

Na obra Pedagogia do Oprimido (2005, pg. 34), encontra-se parte das concepes
pedaggicas de Paulo Freire que constituem a espinha dorsal do chamado mtodo de
alfabetizao:
A nossa preocupao, neste trabalho, apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece
constituir o que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele
e no para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperao de sua humanidade.
Pedagogia que faa da opresso e de suas causas objeto da reflexo dos oprimidos, de que
resultar o seu engajamento necessrio na luta por sua libertao, em que esta pedagogia e far e
refar.

Assim, dentro dessa pedagogia que realizada com os oprimidos, Paulo Freire critica a
pedagogia tradicional que ele chama de educao bancria. Nessa concepo o educando
pensado como um depsito, como uma conta bancria, em que se deposita o conhecimento,
ou seja, o educando e seu conhecimento no so considerados no processo de ensinoaprendizagem. Segundo Paulo Freire (2005, pg. 67):

39

Entrevista com Paulo Freire. Pasquim, maio/1978, n462, pg. 11


134

Na viso bancria da educao, o saber uma doao dos que se julgam sbios aos que
julgam nada saber. Doao que se funda numa das manifestaes instrumentais da ideologia da
opresso a absolutizao da ignorncia, que constitui o que chamamos de alienao da
ignorncia, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.

Ao caminhar na direo contrria a essa concepo de educao, propondo a educao


libertadora, a educao problematizadora, Paulo Freire pressupe a superao da contradio
educador-educando:
Na concepo bancria que estamos criticando, para a qual a educao o ato de depositar,
de transferir, de transmitir valores e conhecimento, no se verifica nem pode verificar-se esta
superao. Pelo contrrio, refletindo a sociedade opressora, sendo dimenso da cultura do
silncio, a educao bancria mantm e estimula a contradio. (Freire 2005, pg. 67)

Portanto, esse tipo de educao simplesmente reproduz os valores tradicionais da elite


dominante e se limita a transmitir um ensino tecnicista, por isso mesmo perpetua a
dominao e mantm a opresso.
A narrao, de que o educador o sujeito, conduz os educandos memorizao mecnica do
contedo narrado. Mais ainda, a narrao os transforma em vasilhas, em recipientes a serem
enchidos pelo educador. Quanto mais v enchendo os recipientes com seus depsitos, tanto
melhor educador ser. Quanto mais se deixem docilmente encher, tanto melhores educandos
sero. (Freire 2005, pg. 66)

A relao entre educador e educandos e o papel que cada um ocupa nessa relao
fundamental para evidenciar um suposto papel ativo para o educador e uma passividade
acomodatcia para os educandos. Freire (2005, pg. 68) reitera essa posio de educador e
educando de forma destacada em sua obra ao afirmar que na educao bancria:
a) o educador o que educa ; os educandos, os que so educados;
b) o educador o que sabe; os educandos, os que no sabem;
a) o educador o que pensa; os educandos, os pensados;
b) o educador o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente;
c)

o educador o que disciplina; os educandos, os disciplinados;

d) o educador o que opta e prescreve sua opo; os educandos os que seguem a prescrio;
e)

o educador que atua; os educandos, os que tm a iluso de que atuam, na atuao do


educador;

f)

o educador escolhe o contedo programtico; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se


acomodam a ele;

135

g) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que ope
antagonicamente liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se s determinaes
daquele;
h) o educador, finalmente, o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Assim, dentro desse paradigma da concepo bancria, os contedos so pr-definidos,


independentemente dos educandos, o professor como sujeito absoluto no processo e
mantenedor do status quo, ou seja, opressores continuam a oprimir, mantendo-se no poder,
e os oprimidos permanecem com a falsa idia de que esto transformando a sua situao
para algo melhor.
preciso atentar tambm que nessa concepo de educao predomina uma perspectiva
metafsica do conhecimento. Ressalta-se que se entende metafsica no sentido da metafsica
tradicional especfica, que dogmaticamente pretende atingir a natureza profunda do ser
(por exemplo, a chamada cincia primeira de Aristteles e dos escolsticos)(Geymonat,
apud Simes 1994, pg. 45).
Essa forma de conhecimento quando aplicada pedagogia resulta em uma concepo
acrtica e dogmtica que permeia a cultura escolar (Simes, 1994). Segundo a concepo
metafsica seria possvel apreender a essncias das coisas como uma captura de algo que
exterior. Na concepo aristotlica de mundo a metafsica enquanto cincia primeira busca o
eterno, o imutvel, separado das coisas existentes. Essa metafsica prev um universo
esttico e est muito presente nas prticas pedaggicas da nossa sociedade.
Esse modo metafsico de pensar, embora culturalmente tenha predominado na Antiguidade e na
Idade Mdia, continua presente na atualidade, no s em algumas escolas filosficas isoladas, mas
tambm como parte integrante de nosso prprio pensar cotidiano(...) O esquema de pensar
metafsico est, de fato, intimamente ligado estrutura de nossa conscincia racional(...).
(Severino apud Simes pg. 54).

Essa presena sorrateira e esse esquema de pensar quase que algo religioso,
tradicional. Paulo Freire sintetiza de forma brilhante essa idia metafsica que permeia nosso
ambiente de ensino quando, em entrevista Revista Ensaios (apud Simes pg. 47), reflete
sobre a expresso a religio o pio do povo :
Essa afirmao no pode ser entendida metafisicamente. O que quero dizer com isso? Quero dizer
que no possvel usar o verbo ser, a, como se o predicativo do verbo ser, que o pio, se
constitusse na natureza do substantivo, da natureza imutvel. Isso seria metafsica imobilizadora,

136

seria uma descrio metafisicamente imobilizadora do objeto ou do sujeito. A afirmao correta


seria a religio est sendo o pio do povo.

Assim, Paulo Freire argumenta no sentido de uma afirmao que na sua essncia
demanda uma dimenso histrica, viva, com um contexto, indicando movimento,
dinamismo.
Como uma alternativa a esse paradigma da educao bancria, Paulo Freire prope,
ento, uma educao problematizadora e libertadora. Uma educao desse tipo no pode se
fundamentar em sujeitos vazios que se pode encher com contedos, mas em sujeitos
conscientes e crticos da sua existncia. Nessa concepo, a mediao no realizada
atravs de comunicados, mas preza a comunicao, conforme aponta Paulo Freire (2005,
pg. 77/78):
Ao contrrio da bancria, a educao problematizadora, respondendo essncia do ser da
conscincia, que sua intencionalidade, nega os comunicados e existncia a comunicao.
(...) a educao libertadora, problematizadora, j no pode ser o ato de depositar, ou de narrar,
ou de transferir, ou de transmitir conhecimento e valores aos educandos, meros pacientes,
maneira da educao bancria, mas um ato cognoscente. Como situao gnosiolgica, em que o
objeto cognoscvel, em lugar de ser o trmino do ato cognoscente, de um sujeito, mediatizador de
sujeitos cognescentes, educador de um lado, educandos, de outro, a educao problematizadora
coloca, desde logo, a existncia da superao da contradio educador-educando. Sem esta, no
possvel a relao dialgica, indispensvel cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes em torno
do mesmo objeto cognoscvel.

Nessa concepo as figuras do professor e do aluno tm um papel diferente, pois: J


agora ningum educa ningum, como tampouco ningum educa a si mesmo: os homens se
educam em comunho, mediatizados pelo mundo (Freire, 2005, pg. 79). Nesta prtica
educadora os papis de educador-conhecimento-educando, possuem via tripla, ou seja,
tornam-se educando-conhecimento-educador.
Como proposta que nasce da prxis do prprio Paulo Freire, a educao libertadora tem
como um dos seus recursos os temas geradores. Esses temas so palavras geradas no
universo do educando que tem participao ativa na sua escolha. O universo de escolha
inaugura uma forma dialgica do sujeito dentro da educao libertadora, buscando atingir a
conscincia dos educandos integrados no processo, conforme indica Paulo Freire (2005, pg.
112):

137

Neste sentido que a investigao do tema gerador, que se encontra contido no universo
temtico mnimo ( os temas geradores em interao), se realizada por meio de uma metodologia
conscientizadora, alm de nos possibilitar sua apreenso, insere ou comea a inserir os homens
numa forma crtica de pensarem seu mundo.

Toda essa metodologia conscientizadora para definio dos temas geradores, est
inserida dentro dos crculos de investigao temtica, tambm conhecido como crculo de
cultura que, em contraposio sala de aula tradicional, so formados de no mximo 20
pessoas, em que todos so fundamentais no processo e trazem suas contribuies. Essas
contribuies so apresentadas e discutidas nos crculos de cultura, tendo como recurso
didtico a reflexo e o dilogo praticado pelos participantes dos crculos, conforme aponta
Freire (2005, pg. 137):
Outro recurso didtico, dentro da viso problematizadora da educao e no bancria, seria a
leitura e a discusso de artigos de revistas, de jornais, de captulos de livros, comeando-se por
trechos. Como nas entrevistas gravadas, aqui tambm, antes de iniciar a leitura de artigos ou do
captulo do livro, se falaria do autor. Em seguida, se realizaria debate em torno do contedo da
leitura.

O mtodo" resume-se em uma seqncia aproximadamente assim:


1. Levantamento do universo vocabular, conhecendo um pouco a realidade
2. Reunies dos crculos de cultura, buscando discutir aspectos relacionados
realidade, comunidade, conheciment o
3. Seleo das palavras geradoras e o processo de problematizao
4. Trabalho com as palavras geradoras e sistematizao do processo.
Citando o final do prefcio do livro Cartas a Cristina: reflexes sobre minha vida e
minha prxis, escrito por Adriano Nogueira, amigo de Paulo Freire, tem-se a profundidade e
dimenso da obra freireana:
A leitura freireana da realidade geogrfica, poltica, esttica, ortopdica,
psicossociolgica, filolgica, e afetiva( ele usa o termo otimista). ESTAMOS DIANTE DE UM
MODO DE LEITURA QUE ARTICULA elementos de realidade que certa tradio ocidental teima
em

separar,

dicotomizando.

Nesta

leitura

ARTICULA-SE

subjetividade/objetividade,

corporalidade/abstrao, poesia/cincia. Esta leitura se posiciona tal como, outrora, poderia se


posicionar teoricamente um grego possudo de Mnemosyne e que, cantado pelas Musas,
desenvolvia o aprendizado atravs de movimentos poyticos do esprito. como a fala
interdisciplinar da

Musas,

literalmente

realizando com

memria

um

modo

de

apreender(partejando) a realidade.
138

Essa alternativa proposta por Paulo Freire possui um carter dialtico, em


contraposio educao bancaria enquadrada como metafsica, ou seja, um conceito
dinmico de pensar. Segundo Simes (1994, pg. 73):
A realidade para a Dialtica totalidade em movimento. Este um dos pressupostos presentes no
pensar dialtico sobre o mundo: o pressuposto de que tudo movimento, tudo se transforma, nada
esttico. A viso de universo que nos abre a Dialtica nesse momento portanto a de um Universo
dinmico.

Nessa perspectiva, o conhecimento visto como construo operada pelo indivduo,


sendo que as representaes da realidade so realizadas a partir da percepo e da intuio,
levando sempre em considerao o indivduo inserido dentro de uma cultura e de um
momento histrico. Simes (1994, pg. 68) afirma que:
abandona-se aqui a idia metafsica de transposio de elementos j prontos da realidade (as
essncias) para o intelecto. Se construo, representao, o conhecimento implica num ato de
criao, inveno daqueles que sero modelos representativos da realidade. Essa a condio
fundamental do ser humano, que a de ser criativo, produtor do conhecimento e das
transformaes sobre o meio social em que vive, ou seja de ser agente da cultura.

Essa construo dinmica da realidade encontra muitas possibilidades e vrias formas


diferentes de represent-la e interpret-la. Portanto o conhecimento do mundo na dialtica se
d pela representao das relaes existentes e no pelas essncias como prope a
metafsica.
Paulo Freire, quando se refere sua pedagogia como uma teoria do conhecimento,
afirma o carter dialtico, conforme entrevista Revista Ensaios (apud Simes,1994, pg.
91):
A educao no existe sem uma epistemologia, seria uma imensa ingenuidade pensar o contrrio.
A epistemologia corta tudo. Por isso mesmo que para mim, por exemplo, quando eu afirmo que a
educao tambm um ato de conhecimento, quando afirmo que a educao uma certa teoria do
conhecimento, posta em prtica, est a j a advertncia para a natureza epistemolgica da
educao. Agora qual essa epistemologia? Para mim a dialtica, concreta, mas est tambm
condicionada por uma perspectiva poltica, histrica.

Portanto, com essa caracterstica dialtica que a teoria do conhecimento de cunho


gnosiolgico proposta por Paulo Freire surge como alternativa. Essa caracterstica dialtica
tambm est presente na relao entre o saber popular e o saber acadmico e o educador no
passivo nesse processo.
139

preciso porm, deixar claro que, em coerncia com a posio dialtica em que me ponho, em
que percebo as relaes mundo-conscincia-prtica-teoria-leitura-do-mundo-leitura-da-palavracontexto-texto, a leitura do mundo no pode ser a leitura dos acadmicos imposta s classes
populares. Nem tampouco pode tal leitura reduzir-se a um exerccio complacente dos educadores
ou educadoras em que, como prova de respeito cultura popular, silenciem em face do "saber de
experincia feito" e a ele se adaptem.(Freire, 2007, pg. 106/107).

Portanto, a interveno do educador deve ser no sentido de alargar as possibilidades e


multiplicar os saberes dos mais diferentes nveis que passam a conviver conjuntamente.
Para finalizar essa reflexo nesse movimento proposto pela dialtica que a
pedagogia de Paulo Freire (apud Simes 1994, pg. 102) indica recriaes das
representaes nascidas do dilogo entre educador, educando e o conhecimento, quando
se:
(...) reconhece o que conhece, na busca que o educando faz. (...). O educador, por sua experincia
intelectual, por sua sistematizao maior do que o educando coloca diante do educando, mediando
os dois, um certo objeto de conhecimento que ele, previamente, conhece. Mas no momento em que o
educando, desafiado nessa situao de conhecimento, comea a desvelar o objeto, o educador que
desvelou antes, redesvela o objeto no desvelamento que o educando faz.

Assim, apresentou-se aqui minimamente a teoria do conhecimento proposta por Paulo


Freire, em que se pretende a problematizao do conhecimento no dilogo com a realidade e
com os indivduos dessa realidade, buscando entend-la e transform-la, tendo por base a
gnosiologia e a caracterstica dialtica do conhecimento

3.7 Gaston Bachelard e Paulo Freire: algumas aproximaes


Busca-se nesse sub-captulo, que finaliza a reflexo sobre os referenciais educacionais e
gnosiolgicos desse trabalho, algumas aproximaes entre Bachelard e Paulo Freire.
Inicialmente pode-se olhar para as duas trajetrias de vida, apesar da diferena de
momento histrico vivido e de lugar, ou seja, as diferenas no tempo e no espao so
significativas, porm, mesmo assim, possvel identificar certas semelhanas. Como j foi
dito anteriormente, Bachelard passou sua infncia em regies rsticas, tendo ingressado na
vida profissional trabalhando no correio. Estudou matemtica, pensou em engenharia, mas
acabou se tornando professor de matemtica e cincias. J aos 35 anos, enveredou para a
rea de filosofia, em que passou a lecionar. Paulo Freire, por sua vez, tambm passou a
infncia em cidade interiorana, Jaboato, e com dificuldades concluiu o ensino mdio.
140

Ingressou na faculdade de direito e paralelamente trabalhava como auxiliar de ensino na


disciplina de Lngua Portuguesa. Ao trmino do curso de direito, chegou a abrir um
escritrio, mas desistiu na primeira causa e passou a lecionar, dedicando-se educao.
Durante todas as pocas de exlio, viagens, como j foi dito, atuou em reas de
administrao, sempre na educao, alm de manter a sua prxis como educador popular.
Ao olhar as duas trajetrias, obviamente, a primeira semelhana o fato de ambos serem
educadores e ambos pensarem e refletirem sobre educao e filosofia, apesar de serem de
reas diferentes. Ambos trazem rupturas em suas vidas profissionais, ou seja, Bachelard sai
da empresa de correios para a sala de aula e da matemtica e cincias para a filosofia. J
Paulo Freire, sai da sala de aula para uma passagem relmpago no escritrio e retorna para
a sala de aula, passando por coordenaes de projetos educacionais e pela vida poltica.
Apesar da vida profissional de Paulo Freire sofrer algumas rupturas, muitas no dependeram
de sua vontade, foram imposies ditatoriais de um regime poltico.
Ainda olhando para a vida dos dois, porm buscando relacion-las com suas teorias,
percebe-se uma relao entre algumas concepes e a experincia vivida em alguma fase de
suas vidas. No caso de Bachelard, na aplicao do conceito de perfil epistemolgico na
construo do seu conceito de massa, ele prprio argumenta que seu conceito influenciado
pela conduta da balana devido ao trabalho na Empresa de Correios40. Paulo Freire, de
forma similar, concebe uma prtica educativa que, entre outras possibilidades, faa a leitura
do mundo, ou seja, esteja alicerada na realidade do educando, algo que deve ter sofrido
influncia da prtica dos seus pais ao ensin-lo sombra da mangueira que tinha em seu
quintal com os gravetos sobre o cho.
Quanto s teorias de cada um deles, tambm possvel encontrar semelhanas. No
aspecto geral, pode-se dizer que existe uma semelhana nas alternativas propostas. A
proposta de Paulo Freire, segundo Simes (1994 pg. 36) :
(...) uma prtica pedaggica da no-transmisso, da no-educao bancria, da no-neutralidade
dos discursos cientficos ou no, a negao da reificao, a negao da alienao, a no
terminalidade da histria, etc; a pedagogia dialgica.

De forma semelhante, a proposta de Bachelard, tambm segundo Simes (1994, pg. 36)
:

40

A relao entre conduta pessoal e perfil epistemolgico ser discutida no captulo sobre cultura.
141

a "filosofia do no", exemplificada pelos exemplos que ele prprio analisou como a "geometria
no-euclideana", a "fsica no-newtoniana", a negao do senso comum, a negao dos obstculos
epistemolgicos cientficos, a sua frase de que "o pior inimigo da cincia a prpria cincia", etc.

Alm disso, h a idia de ruptura, que na proposta de Freire gnosiolgica, pois pensa
a educao de forma diferente, ou seja na abordagem, currculo, postura do professor;
enquanto Bachelard prope a ruptura epistemolgica a partir da superao dos obstculos
epistemolgicos.
Outro aspecto interessante a prpria noo de perfil epistemolgico, que para
Bachelard fundamental e guarda os obstculos epistemolgicos relativos a uma cultura
particular. Todavia, o aprendizado ocorre no sentido da evoluo dos estgios, como aponta
Bachelard (1978, pg. 30):
(...) Os primeiros obstculos, aqueles que encontramos nos primeiros estdios da cultura, do lugar
a ntidos esforos pedaggicos.

De forma similar, Paulo Freire aponta tambm nessa direo, em que a relao
educador-conhecimento-educando, no sentido de ida e volta, dentro da sua teoria de
conhecimento, deve possibilitar uma evoluo crtica, em que ambos, educador e educando,
evoluem. Contudo o educador deve conhecer culturalmente o universo do educando,
respeitando-o e intervindo de forma a permitir-lhe o acesso a saberes diferentes:
neste sentido que volto a insistir na necessidade imperiosa que tem o educador ou educadora
progressista de se familiarizar com a sintaxe, com a semntica dos grupos populares, de
entender como fazem eles sua leitura do mundo, de perceber suas "manhas" indispensveis
cultura de resistncia que se vai constituindo e sem a qual no podem defender-se da violncia a
que esto submetidos. ( Freire 2007 pg., 106/107)

Pensando na forma de propor as discusses, encontra-se em Bachelard uma indicao


de que crucial saber perguntar, ou seja, importante saber formular os problemas, pois o
conhecimento uma resposta a essas perguntas, conforme ele destaca (1996, pg. 18):
(...) O esprito cientfico probe que tenhamos uma opinio sobre questes que no
compreendemos, sobre questes que no sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar,
preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na vida cientfica os problemas no se
formulam de modo espontneo. justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro
esprito cientfico. Para o esprito cientfico, todo conhecimento resposta a uma pergunta. Se no
h pergunta, no pode haver conhecimento cientfico. Nada evidente. Nada gratuito. Tudo
construdo.
142

Assim, Bachelard enfatiza a importncia da pergunta que provoca a busca da resposta,


ou seja, a construo do conhecimento. Paulo Freire, por sua vez, tambm indica algo
parecido que nomeia de educao problematizadora, em que o educador problematiza
situaes para que ambos, educador e educando busque resolver o desafio, que tambm se
torna conhecimento sendo que:
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se
sentiro desafiados. To mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio.
Desafiados, compreendem o desafio na prpria ao de capt-lo. Mas, precisamente porque captam
o desafio como um problema em conexes com outros, num plano de totalidade e no como algo
petrificado, a compreenso resultante tende a tornar-se crescentemente crtica, por isto, cada vez
mais desalienada.
Atravs dela, que provoca novas compreenses de novos desafios, que vo surgindo no processo de
resposta, se vo reconhecendo, mais e mais, como compromisso. Assim que se d o
reconhecimento que engaja. (Freire 2006, pg. 80)

Ainda na linha do saber formular questes, inquietar a razo, Bachelard (1996, pg. 304)
afirma:
preciso inquietar a razo e desfazer os hbitos do conhecimento objetivo. Deve ser, alis, a
prtica pedaggica constante.

Paulo Freire (2002, pg. 54) tambm na mesma linha, enfatiza a importncia do desafio
na constituio do saber:
Na verdade, nenhum pensador, como nenhum cientista elaborou seu pensamento ou sistematizou
seu saber cientfico sem ter sido problematizado, desafiado. Embora isso no signifique que todo
homem desafiado se torne filsofo ou cientista, significa, sim que o desafio fundamental
constituio do saber.
Ainda quando um cientista, ao fazer uma investigao em busca de algo, encontra o que no
buscava (isto sempre ocorre), seu descobrimento partiu da problematizao.

No aspecto da problematizao frente ao conhecimento, pensando na postura seja do


educando ou do educador, ambos tambm concordam com a importncia da curiosidade
diante do mnimo conhecimento. Sobre isso, Bachelard (1996, pg.12) reflete:
(...) Sem esse interesse, a pacincia seria sofrimento. Com esse interesse, a pacincia vida
espiritual. Estabelecer a psicologia da pacincia cientfica significa acrescentar lei dos trs
estados do esprito cientfico uma espcie de lei dos trs estados de alma, caracterizados por
interesses:

143

Alma pueril ou mundana, animada pela curiosidade ingnua, cheia de assombro diante do mnimo
fenmeno instrumentado, brincando com a fsica para se distrair e conseguir um pretexto para uma
atitude sria, acolhendo as ocasies do colecionador, passiva at na felicidade de pensar.

Paulo Freire (2006, pg. 29) tambm aponta nesse sentido, argumentando sobre a
importncia da curiosidade:
Pensar certo, em termos crticos, uma exigncia que os momentos do ciclo gnosiolgico vo
pondo curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade
para o que venho chamando "curiosidade epistemolgica". A curiosidade ingnua, de que resulta
indiscutivelmente um certo saber, no importa que metodicamente desrigoroso, a que
caracteriza o senso comum. O saber de pura experincia feito. Pensar certo, do ponto de vista do
professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessria superao
quanto o respeito e o estmulo capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da
educadora com a conscincia crtica do educando cuja "promoo" da ingenuidade no se faz
automaticamente.

Ainda sobre a curiosidade, na mesma obra, Paulo Freire (2006, pg. 86) destaca:
O exerccio da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente "perseguidora"
do seu objeto. Quanto mais a curiosidade espontnea se intensifica, mas, sobretudo, se "rigoriza",
tanto mais epistemolgica ela vai se tornando.

Encontra-se outra semelhana entre os dois no que diz respeito ao conhecimento


discutido pela escola. Bachelard (1996, pg. 20) critica a falta de abertura da escola na
discusso dos conceitos, alm da sua extenso curricular e exames pontuais que no fundo
no significam aprendizado:
otimismo tolo pensar que saber serve, automaticamente, para saber, que a cultura torna-se tanto
mais fcil quanto mais extensa for, que a inteligncia enfim, sancionada por xitos precoces ou por
simples concursos universitrios, se capitaliza qual riqueza material. Admitindo at que uma
cabea bem feita escape ao narcisismo intelectual to freqente na cultura literria e na adeso
apaixonada aos juzos do gosto, pode-se com certeza dizer que uma cabea bem feita infelizmente
uma cabea fechada. um produto de escola.

Paulo Freire (2002, pg. 27) estabelece a sua opinio sobre a escola, quando critica a
educao bancria, em que os alunos so tratados como depsito de contedos e quanto mais
cheios melhor:
Por isso mesmo que, no processo de aprendizagem, s aprende verdadeiramente aquele que se
apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo,
reinvent-lo; aquele capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situaes existenciais concretas.
144

Pelo contrrio, aquele que enchido por outro de contedos cuja inteligncia no percebe; de
contedos que contradizem a forma prpria de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, no
aprende.

Outro aspecto que marca a similaridade do pensamento bachelardiano com o freireano


a noo de obstculo pedaggico para Bachelard, e a conscincia do inacabamento discutida
por Freire. Comeando por Bachelard (1996, pg. 23), tem-se:
Na educao, a noo de obstculo pedaggico tambm desconhecida. Acho surpreendente que
professores de cincia, mais do que outros se possvel fosse, no compreendam que algum no
compreenda.(...) Os professores de cincias imaginam que o esprito comea como uma aula, que
sempre possvel reconstruir uma cultura falha pela repetio da lio, que se pode fazer entender
uma demonstrao repetindo-a ponto a ponto. No levam em conta que o adolescente entra na aula
de fsica com conhecimentos empricos j construdos: no se trata, portanto, de adquirir uma
cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, derrubar os obstculos j
sedimentados pela vida cotidiana.

Alm de discutir a noo de obstculo pedaggico, Bachelard critica a mecanizao e


repetio como forma de aprendizado. Paulo Freire, de forma similar, faz as mesmas
crticas.
Aqui chegamos ao ponto de que talvez devssemos ter partido. O do inacabamento do ser humano.
Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconcluso prprio da experincia vital. Onde h vida
h inacabamento. Mas s entre mulheres e homens o inacabamento tornou-se consciente.
(Bachelard2006, pg. 50)
Os professores que no fazem este esforo, porque simplesmente memorizam suas lies,
necessariamente rejeitam a educao como uma situao gnosiolgica, e assim no podem querer o
dilogo comunicativo. (...)(Bachelard 2002, pg. 80)
As relaes entre o educador verbalista, dissertador de um conhecimento memorizado e no
buscando ou trabalhando duramente, e seus educandos, constitui uma espcie de assistencialismo
educativo. Assistencialismo em que as palavras ocas so como as ddivas, caractersticas das
formas assistencialistas no domnio do social. (Bacherlard 2002, pg. 80)

Quanto figura do professor Bachelard e Freire tambm esto de acordo. Assim a


relao professor aluno deve envolver sempre um relacionamento de cunho gnosiolgico, ou
seja, aqueles que ensinam esto aprendendo com aqueles que, quando esto aprendendo,
tambm ensinam. Portanto, vlido destacar:
Em outros termos, para que a cincia objetiva seja plenamente educadora, preciso que seu
ensino seja socialmente ativo. um alto desprezo pela instruo o ato de instaurar, sem recproca,

145

a inflexvel relao professor-aluno. A nosso ver, o princpio pedaggico fundamental da atitude


objetiva : quem ensinado deve ensinar. (Bachelard, 1996, pg. 300)
Defendendo a educao como situao eminentemente gnosiolgica, dialgica por conscincia,
em que educador - educando e educando - educador se solidarizam, problematizados, em torno do
objeto cognoscvel, resulta bvio que o ponto de partida do dilogo est na busca do contedo
programtico. (Paulo Freire 2002, pg. 86)

Por fim, no que diz respeito instaurao de um novo conhecimento, tambm se


encontra algumas semelhanas. Ambos falam da superao de um conhecimento existente,
conforme abaixo:
O ato de conhecer se d contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal
estabelecidos, superando o que, no prprio esprito, obstculo espiritualizao. (Bachelard
1996, pg. 17)
(...) superar o conhecimento preponderantemente sensvel por um conhecimento que, partindo do
sensvel, alcana a razo da realidade. (Paulo Freire, 2002, pg. 33)

Aps essa pequena anlise e comparao de Bachelard e Paulo Freire, referenciais desse
trabalho, reitera-se a escolha de cada uma deles. Bachelard, no aspecto epistemolgico
mostra-se relevante, conforme aponta Martins (2004, pg.202):
Nesse sentido, foi fundamental o referencial bachelardiano: verificamos que possvel atribuirmos
aos alunos um perfil epistemolgico para o conceito de tempo, na medida em que eles manifestam
elementos de diversas zonas de hierarquia bachelardiana.

Paulo Freire ser importante como referncia gnosiolgica pois, conforme Delizoicov
(apud Simes 1994, pg. 92):
A teoria do conhecimento que permeia a concepo freireana , ao invs de epistemolgica,
gnosiolgica; portanto mais ampla, abrangente, e por isso mesmo menos especfica enquanto
anlise do conhecimento cientfico, visto no ser apenas este o seu objeto da concepo
problematizadora da educao.

Portanto, Paulo Freire ser importante para anlise da relao epistemolgica,


gnosiolgica e cultural presente na noo de perfil bachelardiano, incorporando as
componentes culturais dos educandos que foram investigados na breve pesquisa emprica
que ser relatada mais adiante.
Alm disso, tem-se conscincia de que Paulo Freire contribui para o planejamento
prvio de atividades problematizadoras, em que se busca o dilogo com os educandos, a
partir de textos e reportagens, filmes etc...., como j foi dito, utilizando os crculos de
146

cultura, alm de estimular a contribuio dos educandos no processo. Essas atividades, como
refletido anteriormente, visam discutir a natureza da cincia, alm de identificar concepes
dos alunos sobre vrios conceitos, entre eles o conceito de tempo.

147

4. EDUCAO, CINCIA, CULTURA E PERFIL EPISTEMOLGICO

(...) Cultura palavra de origem latina e em seu significado original est ligado s
atividades agrcolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer cultivar(...) Cultura uma
construo histrica, seja como concepo, seja como dimenso do processo social.
Jos Luiz do Santos

148

4.1 Sociedade e cultura


Pensar em cultura, sociedade e educao pensar em relaes humanas, histrias e
costumes. A palavra cultura pode ser definida como um ato de cultivar, no sentido de
cuidar, zelar. Mas cuidar de qu? Talvez a resposta esteja relacionada produo do
conhecimento humano, que surge na histria como uma manifestao das mais diferentes
formas de se interpretar e reconhecer a natureza. Os aspectos artsticos, cientficos ou
religiosos so formas diferentes de se relacionar com o cosmos e cada uma delas de modo
bastante particular contribui para a construo do conhecimento humano como expresso de
sua cultura. Contudo, ao se falar de cultura, deve-se conceitu-la para que de alguma forma
possa se estabelecer um recorte possvel. Destaca-se, inicialmente, a definio de cultura
proposta por Nelson Werneck Sodr (apud Zanetic 1989, pg. 147):
Cultura Conjunto dos valores materiais e espirituais criados pela humanidade, no curso de sua
histria. A cultura um fenmeno social que representa o nvel alcanado pela sociedade em
determinada etapa histrica: progresso, tcnica, experincia de produo e de trabalho, instruo,
educao, cincia, literatura, arte e instituies que lhes correspondem.

Pode-se assim dizer que cultura tudo que o ser humano produz, experimenta,
contempla, sendo que:
compreende-se, sob o termo de cultura, o conjunto de formas da vida espiritual da sociedade, que
nascem e se desenvolvem base do modo de produo dos bens materiais historicamente
determinado. (Sodr apud Zanetic 1989, pg. 147).

Portanto o nvel de desenvolvimento de uma determinada sociedade, nas artes, literatura,


cincias, filosofia, alm das prprias relaes de valorizao social e humana, podem indicar
o grau de desenvolvimento cultural de um povo ou de uma determinada sociedade.
Nesse sentido, Santos (2001, pg. 327) tambm prope um conceito de cultura,
destacando a presena do indivduo, que se aproxima bastante do proposto por Werneck
Sodr:
A cultura, esfera no inata mas indissocivel da individualidade, um capital social que confere
caractersticas prprias sociedade humana. Diz respeito a normas, valores, crenas, expectativas
e aces convencionais de um grupo. "um patrimnio informacional constitudo por saberes,
percia, regras e normas prprias de uma sociedade" (Morin, s/d. b: 228). Este patrimnio de
"natureza fenomnica" produz-se e reproduz-se de gerao em gerao

149

Portanto, cultura, no algo pronto e acabado que o ser humano recebe quando nasce.
gerada e compreendida nas suas relaes com o momento histrico em que se vive. Assim,
quando se pensa em costumes surge um questionamento quanto s diferenas culturais ao
longo do tempo. Quando se pensa nos antepassados que no tinham o desenvolvimento
tecnolgico dos dias de hoje, pode-se afirmar com pouca margem de erro que a atrao deles
na sociedade era diferente. Assim Jhally41 (apud Santos 1999, pg. 113) prope uma diviso
das pocas tendo como referncia a cultura. O primeiro estgio corresponderia cultura prindustrial:
No estdio I, o significado entre as pessoas e as coisas , fundamentalmente, mediatizado por
culturas tnicas. O significado dos objectos depende da sua integrao em formas culturais
centradas na famlia, na religio e na comunidade.

Esses vnculos com a famlia, a religio e a comunidade constituem o que se pode


chamar de fatores determinantes, ou seja, relaes em que os costumes, as leis mais bsicas
e a tica esto sendo formadas. importante ressaltar que outros fatores condicionantes,
como o patrimnio gentico, o meio ambiente e as mnimas tcnicas em desenvolvimento
tambm devem ser considerados (Comparato, 2006). O segundo estgio corresponderia
poca da sociedade industrial:
No estdio II, a tendncia para um certo vazio cultural. O novo modo de produo, com as suas
linhas de montagem, classes sociais e novos tipos de lazer, entra em coliso com as tradicionais
culturas tnicas, intimamente ligadas ao trabalho de tipo artesanal, ao senso comum, a hbitos
rurais, a formas de entretenimento colectivas, a mitos, a formas de ser e de estar marcadas por
velhos rituais e moldadas por universos religiosos mais ou menos fechados. De facto, "a sociedade
industrial uma sociedade de transio, incapaz, quer de aproveitar o passado quer de construir as
suas prprias estruturas de significado. A, nesse stio em que os velhos e os novos modos de viver
entram em coliso, gera-se um vazio cultural - ou nas palavras de Stuart Ewen, uma 'crise social da
industrializao. (Jhally, 1995: 259 apud Santos 1999, pg. 113)

Em funo da nova situao social e do desenvolvimento tecnolgico, instaura-se nesse


perodo uma crise de valores, entre a tradio vinda do estgio I e a chegada dos novos
meios de produo e a substituio e indiferena dos novos frente aos antigos valores.
Assim, surgiria um terceiro perodo que corresponderia sociedade de consumo:

41

JHALLY, S. Os cdigos de Publicidade. (A.Moreira, trad.) Lisboa: ASA,1995


150

No estdio III, o mercado, o consumo, a comunicao e a cultura de massa a eles associada


tendem a assumir as funes da cultura tradicional. O utilitarismo "inspido" da sociedade
industrial fez regressar o "feiticismo" dos objectos. Os poderes sociais do "valor de troca" so
transferidos para o "valor de uso"; valor corresponde ao significado em contexto, extrado de um
objecto fsico pelo consumidor. O valor de uso "naturaliza" o processo social e dele resulta uma
relao social "feiticizada". De facto, na esfera do valor de uso que surge o "feitio" da sociedade
de consumo e tambm aqui que, como veremos seguidamente, se insere o poder actual da
publicidade e que surge a comunicao como valor ps-traumtico. (Jhally, 1995 apud Santos,
1999, pg. 113)

Esse perodo corresponde aos nossos dias em que ter mais importante que ser ou saber.
A crise se agrava e a educao passa a desempenhar e exercer um papel de controle e
instaurao de identidades para compor o cenrio em questo. Mais adiante retoma-se essa
discusso com outros referenciais.
Pode-se sugerir um paralelo desses estgios com os perodos histricos propostos por
Bachelard, conforme o quadro a seguir:
Tabela 2: Estgios culturais e estados cientficos
ESTGIOS CULTURAIS ESTADOS CIENTFICOS
Sociedade pr-industrial

Pr-cientfico

Sociedade industrial

Cientifico

Sociedade de consumo

Novo esprito Cientfico

importante perceber que as aproximaes entre os estgios culturais e os estados


cientficos, ocorrem dentro de um contexto maior e correspondem a uma relao didtica e
no exatamente histrica do ponto de vista temporal, ou seja, existe uma relao entre a
poca da sociedade de consumo e a poca histrica do novo esprito cientfico proposta por
Bachelard, que temporalmente se inicia com o advento da fsica contempornea. Contudo
pode-se interpretar tambm que os trabalhos de Einstein e da fsica quntica abriram as
portas para o avano tecnolgico indito em que se encontra a sociedade atual e,
conseqentemente, o aparecimento da sociedade de consumo. Portanto, um grupo que
possuir um perfil cultural centrado na cultura de massa, por exemplo, no necessariamente
apresentar o racionalismo completo e discursivo mais intenso no seu perfil epistemolgico.
Volta-se a enfatizar que no se trata de um reducionismo dos diversos fatores presentes nos
151

mecanismos que desencadeiam determinados comportamentos. Trata-se apenas de uma


aproximao geral, didtica e de interesse no trabalho aqui realizado. no sentido de
estabelecer uma relao preliminar entre os estgios culturais e os estados cientficos, para
analisar os perfis epistemolgicos, que essa aproximao geral deve ser entendida.
Esses diferentes estgios da cultura ao longo da histria proporcionaram, segundo
Santos (1999), a estruturao de duas culturas conhecidas como humanstica e cientifica que
ainda hoje buscam entender suas dicotomias e aproximaes. Por outro lado:
A cultura humanstica uma cultura que tem a ver com conhecimentos sobre "o homem, a
natureza, o mundo e a sociedade" e que se polariza volta de problemas fundamentais que do
sentido vida. Inscreve-se numa linha de pensamento e numa atitude tica e social que consagra o
homem como um valor irredutvel na sua singularidade. (Santos 1999 pg. 114)

Nos dias atuais encontra-se essa cultura permeando as discusses sobre trabalho e a
dignidade da pessoa humana, as reflexes sobre a postura e conscincia humana em nosso
planeta frente a questes ambientais e relaes familiares e de trabalho dilaceradas pela
sociedade capitalista, alm das preocupaes com a vida humana relacionadas com a
violncia das cidades grandes, entre outros
A cultura cientfica, que se desenvolveu particularmente a partir do sculo XIX, est na origem de
um formidvel aumento de informao. Caracteriza-se por um conhecimento fortemente
estruturado, que tem como exigncia as necessidades da prova, de uma especializao cada vez
maior e de uma diferenciao de comunidades especficas no seio da sociedade. (Santos 1999,
pg. 114)

A cultura cientfica em um dado momento histrico foi pensada como algo distante da
vida humana, porm paulatinamente percebe-se a sua influncia na vida social. Assim, o
debate entre a cultura cientfica e a humanstica torna-se mais claro. Nos dias atuais os
debates cientfico-humanistas passam por questes ambientais e de concepo da vida
mediante as pesquisas genticas. importante notar a dificuldade de separar cultura
humanstica da cientfica, fato que no difcil de entender, pois as duas reas so
completamente relacionadas e influenciam-se.
J como fruto da vida contempornea tem-se:
A cultura de massa. Cultura que se desenvolveu nos e pelos "mass media" segundo uma dinmica
prpria da sociedade moderna (...), a partir de um mercado aberto pelas tcnicas de difuso
massiva em que os produtos culturais foram propostos como mercadoria segundo a lei da oferta e
da procura" (Morin, s/d. c.: 295). A designao "cultura de massa" deve-se aos meios da sua
152

divulgao - tcnicas de difuso massivas - "mass media", como a imprensa, o cinema, a rdio e a
televiso e ao nmero dos seus consumidores "espcie de 'massa' onde os indivduos como tal se
encontram incorporados. (Santos 1999 pg. 115)

A cultura de massa tida como a grande novidade cultural do sculo XX (Santos 1999).
fruto da grande avalanche tecnolgica e ideolgica de um planeta aparentemente sem
fronteiras, ou seja, globalizado.
Essas trs diferentes formas de se manifestar o valor atribudo vida, so frutos dos
estgios culturais, como dito anteriormente, e convivem dentro da sociedade plural em que
se vive. Em diversas situaes so motivos de discusses e at mesmo de violncia. Podese resumir as idias e relaes discutidas na tabela a seguir:
Tabela 3: Cultura: caracterizao histrica
ESTDIOS SOCIEDADE

RELAES

CULTURA

ESTADOS

Pr-industrial

Famlias, Religio,

Humanstica Pr-cientfico

II

Industrial

Modos de produo

Cientfica

Cientifico

III

Consumo

Mercado

Massa

Novo esprito cientfico

Como exposto ao final do captulo anterior, para finalizar essa reflexo sobre sociedade e
cultura, busca-se no pensamento de Paulo Freire algumas idias que focalizem mais
explicitamente os aspectos pedaggicos. O entendimento desse educador sobre a cultura
importante para o direcionamento do trabalho pedaggico dentro da sociedade. Freire
(2006), em sua obra Educao como prtica e liberdade, discute o papel ativo do homem
sobre os dois mundos: o da natureza e o da cultura. Segundo ele a cultura um
acrescentamento que o homem faz ao mundo que ele no fez (Freire 2006, pg. 117). Ela
resultado do esprito criador e re-criador, imaginativo e contemplativo do ser humano.
Assim, o analfabeto percebe que tanto ele quanto o letrado possuem, embora em matizes
diferentes, o mesmo esprito, sendo que:
Descobriria que tanto cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmos do povo, como
cultura tambm a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um grande mstico, ou de
um pensador.
Que cultura a poesia dos poetas letrados de seu pas, como tambm a poesia de seu cancioneiro
popular. Que cultura toda criao humana. (Freire 2006, pg. 117)

Portanto sob essa ptica, que envolve conceitos gnosiolgicos e antropolgicos, que o
educador deve entender a cultura dentro da sociedade, ou seja:
153

Entender o sentido de suas festas no corpo da cultura de resistncia, sentir sua religiosidade de
forma respeitosa, numa perspectiva dialtica e no apenas como se fosse expresso pura de sua
alienao. Respeit-la como direito seu, no importa que pessoalmente a recuse de modo geral, ou
que no aceite a forma como ela experienciada pelo grupo popular.(Freire, 2007, pg. 107)

Assim, a relao do educador com o educando deve privilegiar a ao dialgica e no a


invaso cultural. A cultura existe no dilogo contraditrio entre uma situao permanente e
as mudanas que chegam, contudo o diferente deve ser considerado enriquecedor e no
inferior. No existem culturas melhores ou piores e sim diferentes que devem ser
compreendidas dentro do seu contexto social.

4.2 Currculo e cultura


O sistema capitalista, com o intuito de alimentar e manter a sociedade de consumo e a
fora de trabalho, utiliza-se de mecanismos de reproduo de sua ideologia que se
manifestam implcita ou explicitamente, nas polticas educacionais. Assim, segundo
Althusser (apud Zanetic, 1989), o Estado possui um aparato ideolgico que projeta
identidades e procura manter o status quo. Em seu trabalho Althusser (apud, Zanetic 1989,
pg. 32) indica a escola como grande mecanismo de propagao ideolgica, pois:
"A escola recebe as crianas de todas as classes sociais, desde o jardim de infncia, e ento por
vrios anos os anos em que a criana mais vulneravel", comprimida entre o aparato de Estado
familiar e o aparato de Estado escolar lhes inculca "saberes prticos" tomados da ideologia
dominante (o idioma materno, a aritmtica, a histria, as cincias, a literatura) ou simplesmente a
ideologia dominante em estado puro (a moral, a instruo cvica, a filosofia).

Assim, o Estado se utiliza da educao para formar pessoas com determinadas


identidades que de uma forma geral tendem a uma mundializao da cultura. Passa pela
escola a forma com que o Estado exerce um controle social, mais especificamente pela
seleo de temas e classificao de assuntos (Bernstein, apud Zanetic, 1989). Essa via de
mo dupla, pois a mundializao da cultura e a globalizao econmica so os parmetros
que estabelecem os referenciais curriculares. Portanto, partindo de uma esfera mundial, as
polticas educacionais passam por um processo de recontextualizao. Bernstein (apud
Lopes 2002) analisa a ao do Estado como um recontextualizador da pedagogia oficial.
Essa pedagogia oficial produz um discurso constitudo de regras sociais de transmisso e
aquisio de contextos. Esse campo recontextualizador possui uma ligao com os interesses
154

internacionais, com a esfera econmica e com o controle simblico ligado esfera cultural.
Alm do campo oficial, existem tambm os recontextualizadores no-oficiais presentes na
teoria educacional e na pesquisa de educao em geral. Bernstein afirma (apud Lopes 2002,
pg. 99) que:
(..) todo discurso pedaggico uma arena de conflitos e, potencialmente de mudanas(...)

Porm, quanto maior o controle do Estado sobre os currculos, sistemas de avaliao e


inspeo, menor ser a possibilidade de intervenes dos outros mecanismos de
recontextualizao.
Bernstein publicou um trabalho em 1971, que volta a ser citado nos dias de hoje, em que
interpreta a identidade pedaggica como conseqncia da especializao. Quanto mais forte
a fronteira entre os contedos, mais forte a formao de identidade. Essa identidade
formada na sua especializao e no contato com o cdigo especfico. Contudo identificada
tambm por aquilo que as torna diferente.
importante ressaltar a preocupao de Bernstein com a prtica educacional muito
comum na Inglaterra da dcada de 70, chamada de educao em profundidade. Nesse
sistema uma criana de 10 ou 11 anos aprofundaria seu estudo na sua rea de escolha, se
que j d para escolher com essa idade (Zanetic 1989). Essa perspectiva, abre a possibilidade
de pensar em uma educao sem fronteiras muito bem definidas42. Nesse contexto, Bernstein
utiliza o conceito de solidariedade orgnica, que seria uma caracterstica de uma sociedade
de indivduos que interagem socialmente pelas diferenas. Em contrapartida, a solidariedade
mecnica diz respeito a indivduos que integram apenas com grupos de mesma
caracterstica43. Essa estruturao das relaes sociais, levaram-no a distinguir dois cdigos
de linguagem: o cdigo elaborado e o cdigo restrito:
(...) O cdigo elaborado a linguagem da comunicao formal na sociedade; um cdigo que
apresenta as seguintes caractersticas principais: predominncia de frases longas e gramtica
complexa, rica em significados abstratos, isto , uma linguagem livre do contexto, de tal modo que
Bernstein a denominou "universalista"; esta seria a linguagem associada solidariedade orgnica.
Por outro lado, o cdigo restrito seria a linguagem de "grupo de pessoas participantes", a
linguagem da comunicao informal, caracterizada por frases bem curtas e gramaticalmente
simples, e, uma linguagem ligada ao contexto, de tal forma que recebeu o nome de
42

Trata-se de uma abordagem integrada que segue uma perspectiva prxima com os temas geradores de
Freire.
155

"particularista". Esta seria a linguagem preferencialmente associada solidariedade mecnica


(Zanetic 1989, pg. 54)

Nenhuma linguagem melhor do que a outra. Contudo o cdigo elaborado a


linguagem do professor, dos alunos de classe mdia. Assim, um aluno que tenha origem na
classe pobre, na classe operria tem uma desvantagem com relao aos outros oriundos de
outras classes e que esto j adaptados a esse cdigo elaborado. Considera-se claro as
possveis superaes, porm uma desvantagem que no deveria existir.
Bernstein (apud, Lopes 2002), indica quatro posturas assumidas pelo campo oficial
recontextualizador: a postura conservadora antiga, a postura neoconservadora, a postura
neoliberal e a postura profissional.
A postura conservadora antiga busca no passado contedos para uma estabilizao entre
a tradio e as mudanas contemporneas. A projeo de identidades pedaggicas
retrospectiva. Os centros das discusses esto no processo de formao e no nos resultados.
A postura neoconservadora busca nos temas do passado contedos e atitude relevantes
para uma cultura de mercado e bem estar social reduzida. A inteno projetar identidades
pedaggicas prospectivas que, segundo Bernstein, so construdas para enfrentar a mudana
cultural, econmica e tecnolgica contempornea.
A postura neoliberal acena para formao de identidades pedaggicas des-centradas e
com base no mercado. As instituies possuem autonomia, contudo produzem como produto
final desse processo a identidade dos seus alunos valorizando muito mais a formao
profissional do que o prprio conhecimento. Diversas identidades so formadas e as que
melhor se adaptarem ao mercado competitivo sobrevivem.
A postura profissional, por sua vez, tem o objetivo de formar identidades pedaggicas
des-centradas teraputicas. Tambm um centro de ateno no presente com gesto autnoma
e no autoritria. As identidades projetadas so integradas e estveis, com prticas
cooperativas integrveis (Lopes, 2002, pg. 106). So chamadas de pedagogias invisveis,
pois no permitem uma visualizao das regras que possuem um fraco enquadramento.
Aplicando essas conceituaes s polticas curriculares brasileiras, Lopes (2002) afirma
que elas se enquadram na chamada postura neoliberal. Essa modalidade de conhecimento
43

Esses conceitos de solidariedade mecnica e orgnica so extrados do livro The Division of labour in
Society, de Emile Dunkhein, publicado no final do sculo XIX.
156

visa formar identidades pedaggicas des-centralizadas com base no mercado. As instituies


tm autonomia, porm so controladas pelos sistemas de avaliao. Fica evidente o
enquadramento do Brasil nessa modalidade quando justifica a reforma curricular atravs de
dois fatores principais: as mudanas decorrentes da chamada revoluo do conhecimento e a
expanso da rede pblica com padres de qualidade exigidos por uma sociedade em
mudana (Lopes, 2002).
Portanto, com relao reforma curricular do Brasil:
A flexibilidade curricular garante autonomia para as escolas expressarem suas diferenas e
construrem suas identidades prprias e formarem os jovens tambm em identidades autnomas.
Porm, essa autonomia tanto das escolas quanto dos jovens alunos, controlada por mecanismos
de avaliao das competncias formadas, as quais se configuram como mecanismos de projeo de
identidades de escolas e alunos. Assim, o processo formativo visa a substituir uma diversidade
identitria inicial por identidades fixas, associadas s competncias previstas. (Lopes 2002, pg.
113)

Para finalizar essa reflexo que tratou, entre outras coisas, dos contedos curriculares
propostos pela educao oficial, cita-se a obra do educador Snyders, em que os conceitos de
cultura primeira e cultura elaborada so discutidos. A experincia direta com a vida origina a
cultura primeira. J a elaborada:
(...) se dirige a todos e isto tanto para as artes, as letras, as idias polticas quanto para as
Cincias: Mozart vale para todos, at, e, sobretudo, para os operrios especializados, que no o
provaram (ainda) como a matemtica vale para todos, inclusive para multido daqueles que no a
compreendem. A afirmao que nossa sociedade lugar de luta de classe vale para todos, inclusive
para aqueles que no querem, e que no podem reconhec-la. Sustento que as maiores obras se
impem, mantm-se vivas no s alm das situaes polticas e todas que pediram seu nascimento,
mas tambm alm das barreiras de classe: a classe do autor, a classe do seu pblico, do pblico ao
qual, a princpio, elas eram destinadas. (Snyders apud, Zanetic 1989, pg. 49)

Portanto esse educador entende a cultura elaborada como um complemento, em que o


processo de continuidade e ruptura vai re-elaborando o conhecimento, sem que nenhum
tenha supremacia sobre o outro. uma perspectiva muito parecida com as idias de
continuidade e ruptura de Bachelard, assim como existe uma proximidade com Paulo Freire
na forma de elaborar e organizar os temas geradores que nascem da vivncia dos
educandos (cultura primeira) e voltam decodificados para eles mediatizados pelo "saber
crtico/humanista/histrico" do educador (cultura elaborada). (Zanetic, 1989, pg. 50).
157

Tambm possvel notar uma forte semelhana com o cdigo restrito e o cdigo elaborado
de Bernstein.
Assim, finaliza-se com uma idia, tambm comum a todos esse pensadores, que
consiste em uma valorizao dos mais diferentes universos culturais, um dilogo entre eles,
no sentido da comunicao de Freire, pensando em uma educao emancipadora, livre e que
vise acima de tudo a valorizao do ser humano.

4.3 Perfil epistemolgico e cultura


Finalizando esse captulo que trata da cultura preciso destacar a sua relao com o
conceito de perfil epistemolgico, um dos objetivos desse trabalho e da pesquisa de campo
que ser apresentada no capitulo 5. Quando Bachelard analisa o seu perfil epistemolgico do
conceito de massa, descobre a influncia de passagens de sua vida e de sua prtica na
configurao desse conceito em cada escola filosfica. Cabem aqui as palavras do prprio
Bachelard (1978, pg. 25):
Insistimos no fato de um perfil epistemolgico dever sempre referir-se a um conceito designado, de
ele apenas ser vlido para um esprito particular que se examina num estdio particular da sua
cultura. esta dupla particularizao que torna um perfil epistemolgico interessante para uma
psicologia do esprito cientfico.
Para melhor nos fazermos compreender, comentemos o nosso perfil epistemolgico, fazendo uma
curta confisso acerca da nossa cultura relativamente ao conceito que nos atrai a ateno.
No nosso esquema reconhece-se a importncia atribuda noo racionalista de massa, noo esta
formada numa educao matemtica clssica e desenvolvida numa longa prtica do ensino da
Fsica elementar. De fato, na maioria dos casos, a noo de massa apresenta-se-nos na orientao
do racionalismo clssico. Enquanto noo, a noo de massa para ns sobretudo uma noo
racional (Grifos aqui acrescentados)

Aqui, encontra-se uma primeira indicao de Bachelard sobre a relao do seu perfil
epistemolgico de massa a um determinado momento particular de sua cultura. Bachelard
enfatiza a influncia da sua formao na construo conceitual do perfil. Portanto ele
justifica a noo racionalista devido sua formao na rea de cincias exatas. Quanto
presena do empirismo, no seu perfil epistemolgico desse conceito, Bachelard (1978, pg.
26) afirma:
Consideremos em seguida, do lado pobre da cultura, a noo de massa sob a sua forma emprica.
No que nos diz respeito, somos levados a dar-lhe uma importncia bastante grande. Com efeito, a
158

conduta da balana foi por ns muito praticada no passado. Foi-o na poca em que trabalhvamos
em Qumica e tambm na poca mais recuada em que pensvamos, com um cuidado administrativo,
as cartas numa estao dos correios. Os escrpulos das finanas reclamam a conduta da balana
de preciso. Admira-se sempre o senso financeiro comum dizendo que o moedeiro pesa as suas
moedas em vez de as contar. Notemos de passagem que a conduta da balana de preciso, que tem
pela noo de massa um respeito absoluto, nem sempre uma conduta muito clara: muitos alunos
ficam surpreendidos e perturbados com a lentido da medio precisa. No devemos, pois, atribuir
a toda a gente uma noo emprica da massa que seja uma noo automaticamente clara.

Como descreve Bachelard, o fato de seu conceito de massa apresentar um peso


significativo do empirismo est relacionado sua prtica de trabalho na empresa de correios.
Portanto, mais uma vez de forma explicita Bachelard indica a relao de seu perfil
epistemolgico do conceito de massa com a conduta pessoal e com a cultura.
Ao analisar o seu perfil epistemolgico do conceito de energia, Bachelard (1978, pg.
27) tambm conclui que a parte emprica pouco importante devido sua prtica inexistente
com o dinammetro:
A parte obscura, o infra-vermelho do espectro filosfico da noo de energia, muito diferente da
parte correspondente do espectro da noo de massa. Em primeiro lugar, a parte emprica pouco
importante. A conduta do dinammetro no existe por assim dizer entre ns. Quando
compreendemos verdadeiramente o dinammetro, compreendemo-lo na orientao racionalista.
Raras foram para ns as utilizaes positivas da noo de energia. A regio da filosofia emprica
deve, pois, ser designada, no nosso perfil epistemolgico, como sendo relativamente pouco
importante.

Por outro lado, ao comparar (Bachelard 1978, pg. 27) os perfis de massa e energia,
busca analisar a homogeneidade cultural cientfica:
No que se refere s suas partes racionalistas, os dois perfis so semelhantes, tanto na formao
newtoniana como na formao relativista. Com efeito, no que a ns se refere, quando nos
orientamos para uma informao racionalista estamos to seguros da nossa noo de energia como
da nossa noo de massa. Por outras palavras, em relao aos nossos conhecimentos cientficos, a
nossa cultura homognea no que diz respeito aos dois conceitos de massa e de energia. No
estamos aqui perante um caso geral; inquritos psicolgicos precisos, levados a cabo ao nvel das
noes particulares, provariam a existncia de curiosas desarmonias mesmo entre os espritos mais
bem formados. No certo que todas as noes logicamente claras sejam, do ponto de vista
psicolgico, igualmente claras. O estudo sistemtico dos perfis epistemolgicos evidenciaria muitas
oscilaes.

159

Contudo, no final do texto acima, Bachelard deixa claro que possvel ocorrerem
oscilaes na coerncia conceitual e que somente um estudo sistemtico dos perfis poder
mostrar isso. importante enfatizar que um estudo dessa natureza pode contribuir para que
o professor entenda melhor as dificuldades dos alunos e as interprete do ponto de vista
epistemolgico. E certamente esse mesmo professor poder entender melhor suas prprias
dificuldades ao procurar traduzir para seus alunos conceitos de fsica moderna, como seria
apresentar o conceito de tempo relativstico. Maria Jos P.M. de Almeida (2004, pg. 69),
tambm baseada no conceito de perfil epistemolgico de Bachelard, afirma que :
Dadas essas colocaes do autor, parece-me plausvel admitir a dominncia do racionalismo
clssico no perfil daqueles que com ele conviveram de maneira to direta como alunos
universitrios num curso de fsica, caso dos professores

de fsica do ensino mdio. E esse

racionalismo no parece poder ser facilmente desvencilhado da ideologia determinista, a ele to


diretamente ligada.

Bachelard (1978, pg. 28) alm de enfatizar a influncia cultural sobre o perfil
epistemolgico, destaca a convivncia dos conceitos e o retorno a conceitos mais primitivos
e situaes extremas
(...) No devemos, pois, admirar-nos que uma utilizao imediata to impura projete sombra
sobre o empirismo claro e deforme o nosso perfil epistemolgico. Basta manejar um instrumento
mal afiado para que se constate esta deformao psicolgica. Basta uma raiz a interromper o
ritmo da enxada para que se apague a alegria do jardineiro, para que o trabalhador, esquecendo
a clara racionalidade de sua tarefa, anime o instrumento de uma energia vingadora. Seria
interessante circunscrever bem este conceito de energia triunfante; ver-se-ia que ele d a determinados pensamentos uma segurana, uma certeza, um sabor, que enganam acerca da sua
verdade. (...).

Assim, ao analisar um perfil epistemolgico deve-se considerar as possveis


deformaes devido convivncia no mesmo indivduo de diversas explicaes para o
mesmo conceito.
Ao final de seu captulo sobre perfil epistemolgico Bachelard (1978, pg. 30) retoma os
principais conceitos:
A nossa concluso , pois, clara: uma filosofia das cincias, mesmo se se limita ao exame de uma
cincia particular, necessariamente uma cincia dispersa. Tem no entanto uma coeso, a da sua
dialtica, a do seu progresso. Todo o progresso de uma filosofia das cincias se faz no sentido de
um racionalismo crescente, eliminando, a propsito de todas as noes, o realismo inicial. Na nossa
obra sobre A Formao do Esprito Cientfico estudamos os diferentes problemas levantados por
160

esta eliminao. Nesse livro tivemos ocasio de definir a noo de obstculo epistemolgico.
Poderamos relacionar as duas noes de obstculo epistemolgico e de perfil epistemolgico
porque um perfil epistemolgico guarda a marca dos obstculos que uma cultura teve que superar.
Os primeiros obstculos, aqueles que encontramos nos primeiros estdios da cultura, do lugar a
ntidos esforos pedaggicos. Neste livro vamos trabalhar no outro plo, tentando mostrar a
racionalizao na sua forma mais sutil, quando ela tenta completar-se e dialetizar-se com as formas
atuais do novo esprito cientfico. Nesta regio, o material nocional no naturalmente muito rico;
as noes em via de dialetizao so delicadas, por vezes incertas. Correspondem aos germes mais
frgeis: no entanto nelas, por elas que progride o esprito humano.

Portanto, o perfil epistemolgico guarda as marcas dos obstculos que uma cultura teve
de superar. Assim fundamental acessar a cultura pessoal para entender o perfil
epistemolgico de forma a proporcionar propostas de ensino que visem a evoluo desse
perfil.
importante citar um trabalho, em que se procurou identificar o perfil epistemolgico
da representao social sobre o conceito de tempo de licenciandos da Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Como referncia utilizaram a noo de perfil epistemolgico de
Bachelard, com nfase no conceito de tempo estudado por Martins (2007), alm da teoria de
Moscovici sobre representaes sociais. Para explicar minimamente essa teoria, segundo os
autores (Junior, Tenrio & Bastos, 2007 pg. . 03):
(...) A preocupao deixou de ser simplesmente com o conhecimento individual, passando a ser
enfocado como o indivduo dentro do grupo e o prprio grupo chegam ao conhecimento. O conceito
das representaes sociais pode ser entendido como uma sntese dessas preocupaes, na medida
em que auxilia no entendimento de como se forma o conhecimento (MOSCOVICI, 2004).

Como metodologia utilizaram a Teoria do Ncleo Central de Abric que, segundo


(Junior, Tenrio & Bastos, 2007 pg. . 04), prope:
a organizao de uma representao apresenta uma caracterstica particular: no apenas os
elementos da representao so hierarquizadas, mas alm disso toda representao organizada
em torno de um ncleo central, constitudo de um ou de alguns elementos que do representao o
seu significado. (ABRIC, apud S, 2002, p.62).

Assim, os autores utilizaram uma ferramenta de investigao chamada de Teste de


Evocao Hierarquizada (TEH). Essa ferramenta considera dois parmetros de anlise: a
freqncia dos termos e a importncia atribuda. Portanto, o teste foi aplicado em duas
etapas que consistiam em uma associao livre com a palavra tempo e em seguida uma
161

classificao por nvel de importncia segundo uma numerao fornecida pelos


pesquisadores.
A amostra foi constituda por um grupo de 51 indivduos, nas seguintes licenciaturas: 7
de Matemtica; 8 de Cincias Biolgicas; 8 de Fsica; 7 de Qumica; 14 de Histria; 7 de
Cincias Sociais. Esses alunos estavam cursando o oitavo (8) perodo. O motivo dessa
escolha foi o fato de os alunos j terem cursado a maioria das disciplinas especficas de seus
cursos, tratando de tpicos avanados nas suas reas quando, provavelmente, tiveram
contato com disciplinas que tratavam de conceitos relacionados ao tempo. No caso mais
especfico dos alunos de Fsica j deviam ter estudado o tempo dentro das seguintes
perspectivas: clssica, relativstica e quntica.
Os resultados obtidos e analisados, segundo a perspectiva apresentada anteriormente,
indicaram a presena de conceitos na escola filosfica Realismo Ingnuo, que foi inferido
pela freqncia das palavras vida, passado e futuro. Outra escola considerada foi o
Empirismo indicado pela presena das palavras hora e relgio.
Dessa forma, esse trabalho vem reforar a hiptese aqui proposta, em que se investigou
os perfis epistemolgicos de alunos de diversas reas, idades e condies sociais, buscando
condicionantes dos seus conceitos. Essa idia advm da abertura indicada por Martins (2007,
pg.251) que aponta uma necessidade de explorarmos a relao entre o perfil e a cultura:
(...) Vinculado a isso, temos uma [quarta] questo a explorar: a relao entre o perfil e a cultura .
Esse ponto, para o qual deliberadamente demos pouca ateno ao longo deste estudo, abre novas
possibilidades de investigao e de interpretao, tanto das concepes dos estudantes quanto da
prpria idia de perfil.

Portanto, importante finalizar dizendo que a introduo social de novas tecnologias


que possibilitam acesso instantneo a uma grande diversidade de informaes pode
juntamente com outros fatores influenciar a concepo de tempo atual. Assim, enfatiza-se
novamente a nossa crena nessa relao que se busca nesse trabalho. Uma relao entre o
perfil epistemolgico e o perfil cultural. E o que seria esse perfil cultural?
Para defini-lo leva-se em considerao trs aspectos. O primeiro foi discutido no
incio desse sub-captulo, em que Bachelard indica a presena de influncias culturais na
construo do seu perfil epistemolgico. A chamada conduta da balana oriunda de sua
experincia no laboratrio de qumica e no trabalho nos correios elemento fundamental
162

para caracterizao do seu perfil. O segundo elemento, discutido no captulo anterior, a


classificao das culturas como cientfica, humanstica e de massa proposta por Maria
Eduarda. O terceiro elemento, utilizado como fonte terica de construo, a proposta de
Paulo Freire do conhecimento como ato gnosiolgico, ou seja, a comunicao se estabelece
sobrepondo-se extenso que pressupe uma invaso cultural. Nesse sentido, entender as
caractersticas culturais dos alunos um pressuposto importante na construo conceitual.
Assim, com o intuito de facilitar o procedimento de anlise da relao entre perfil
epistemolgico e cultura, foi esboada a construo de um perfil cultural, nos moldes do
perfil epistemolgico de Bachelard, que coloca as colunas cultura cientfica, humanstica e
de massa no eixo das abscissas e atribui-lhes determinado peso em funo dos dados
levantados na pesquisa de campo.

163

5. A PESQUISA DE CAMPO: O CONCEITO DE TEMPO E A CULTURA

(...) Ele tambm uma instituio cujo carter varia conforme o estgio de
desenvolvimento atingido pelas sociedades. O indivduo, ao crescer, aprende a interpretar
os sinais temporais usados em sua sociedade e a orientar sua conduta em funo deles. A
imagem mnmica e a representao do tempo num dado indivduo dependem, pois, do nvel
de desenvolvimento das instituies sociais que representam o tempo e difundem seu
conhecimento, assim como das experincias que o indivduo tem delas desde a mais tenra
idade.
Norbert Elias

164

5.1 O universo pesquisado


Toda pesquisa de campo possui uma delimitao, em que o pesquisador faz
determinadas escolhas quanto ao universo a ser pesquisado. Nessa pesquisa, em que se
busca observar relaes entre o conceito de tempo e a cultura na perspectiva do perfil
epistemolgico de Bacherlard, os aspectos relevantes so de natureza geogrfica, humana,
cultural, econmica, faixa etria e nvel de escolaridade, alm das concepes dos alunos
sobre o conceito de tempo. Portanto, descrevem-se a seguir as principais caractersticas do
universo pesquisado.
A pesquisa foi realizada no Centro Universitrio Metropolitano de So Paulo, tambm
conhecido por Faculdade Integrada de Guarulhos, localizado na cidade de Guarulhos, na
grande So Paulo. Essa Instituio atua no ensino bsico (infantil, fundamental e mdio),
com o nome de Colgio Integrado de Guarulhos (CIG) e possui em torno de 500 alunos. J
no ensino superior, atuando com o nome de UNIFIG, possui cursos em todas as reas
(exatas, humanas e biolgicas) que totalizam algo prximo de 3000 alunos.
As sries do ensino bsico que esto envolvidas na pesquisa so: 9 ano do ensino
fundamental (antiga 8.a srie), 1, 2, 3 anos do ensino mdio. De forma geral, esses alunos
possuem a seguinte caractersticas:
i.

idade variando de 13 a 18 anos, conforme indicao para a srie;

ii.

dedicam-se somente escola e a cursos extras no atuando no


mercado de trabalho;

iii.

moram com os pais ou com os avs;

iv.

pertencem na sua maioria chamada classe mdia

No ensino superior, os cursos pesquisados foram: o 3 semestre do curso de Pedagogia e


Bacharelado em Cincias Biolgicas, alm do 3 ano em Licenciatura em Cincias
Biolgicas. Esses alunos tm as seguintes caractersticas:
i.

saram recentemente do ensino mdio pblico;

ii.

ficaram de 5 a 10 anos longe das salas de aula;

iii.

atuam como professores em escolas particulares mesmo sem a


formao especfica (curso de pedagogia);

iv.

so formados em curso tcnico em magistrio(curso de pedagogia);


165

v.

atuam como agentes de desenvolvimento infantil na prefeitura da


cidade (curso de pedagogia) ;

vi.

atuam em reas administrativas;

vii.

pertencem a classes economicamente mais humildes;

viii.

faixa etria de 19 at 50 anos.

importante destacar que a escolha desses grupos para a pesquisa difere do universo
pesquisado por Martins (2007), que foi composto por duas fases. A fase inicial foi realizada
em um curso supletivo noturno de uma escola privada onde o prprio Martins lecionava. A
partir das discusses propostas em sala ele realizou um total de 4 entrevistas. Na fase
denominada por ele como estudo principal, foram realizados
(..) trs conjuntos de entrevistas, divididos em duas etapas: numa primeira etapa, entrevistamos 6
alunos do ltimo ano de ensino fundamental de uma escola municipal. A segunda etapa envolveu 5
alunos do segundo ano do ensino mdio de uma escola pblica estadual, e 6 alunos da sexta srie
do ensino fundamental de outra escola estadual(11 entrevistados). Somando-se as duas etapas ,
totalizaram-se 17 entrevistas . (Martins, 2007, pg. 151)

Portanto, ensino fundamental, mdio e superior de uma entidade privada, o universo


onde ocorreu essa pesquisa. A escolha se deve aos seguintes motivos: o pesquisador
professor desses alunos, o que facilita a aplicao das atividades, bem como o seu
acompanhamento, alm deles apresentarem uma faixa etria e caracterizaes muito
diferentes, o que bastante apropriado para a pesquisa aqui proposta.

5.2 A metodologia
O trabalho de pesquisa de campo foi dividido em duas etapas, sendo que a primeira
consistiu em uma adequao da ferramenta de pesquisa escolhida, que foi o questionrio, e
ser apresentada a seguir. A segunda fase teve o objetivo de levantar os dados e analis-los
de forma predominantemente qualitativa, buscando as relaes entre a cultura e o perfil
epistemolgico do conceito de tempo, e ser discutida no sub-captulo seguinte.
Nessa fase busca-se, a partir da definio dos tipos de questionrios, um levantamento
das concepes dos alunos sobre o tempo, sua cultura e prticas pessoais. um momento de
adequao da ferramenta de pesquisa, ou seja, deseja-se avaliar a validade do questionrio e

166

definir possveis ajustes a serem feitos. importante ressaltar a escolha pelo questionrio,
pois uma ferramenta que fornece um nmero maior de dados em um tempo menor.
A dificuldade foi grande, pois no se tinha idia de como elaborar esses questionrios,
sobretudo quanto ao aspecto cultural. Quanto ao conceito de tempo, utilizou-se inicialmente
o questionrio proposto por Martins (2007) composto por 34 afirmaes sobre a natureza e
mensurao do tempo, alm de pequenas situaes para anlise. Esse questionrio foi
elaborado na forma de mltipla escolha com afirmaes de concordncia ou discordncia em
quatro nveis, conforme anexo 1. A dificuldade em pensar nos instrumentos para coleta de
dados grande, conforme aponta Martins (2007, pg. 247):
Como dissemos, a dificuldade de abordagem do tema e a ausncia de outros estudos na mesma
linha fizeram com que a prpria elaborao do instrumento de coleta de dados passasse a ser um
dos objetivos do trabalho. Embora o estudo preliminar (exploratrio) tenha sido bastante
satisfatrio, tivemos problemas quanto definio, elaborao e aplicao do instrumento
escolhido para o desenvolvimento do estudo principal.

Alm desse questionrio inserimos outro em que os alunos tinham de escolher 6 entre
12 afirmaes sobre o tempo e orden-las do nvel de maior concordncia para o de menor
concordncia, conforme o anexo 2. Essas afirmaes eram de filsofos, cientistas e
divulgadores da cincia. Os seus nomes foram omitidos para no influenciar na escolha.
No aspecto cultural foi elaborado um questionrio tambm na forma de mltipla
escolha com 30 perguntas que buscaram informaes sobre a origem familiar, prticas
pessoais, leitura e participao em eventos culturais como teatro, cinema, alm das demais
preferncias culturais.
Aps a aplicao desses questionrios (anexos 1 e 2) iniciou-se a anlise que logo nos
primeiros momentos mostrou-se inadequada para o objetivo de, preliminarmente, fornecer
os primeiros dados que indicassem a viabilidade ou no da proposta de relacionar perfil
epistemolgico com a cultura. A inviabilidade consistia na formatao do questionrio, pois
sendo na forma de mltipla escolha, no caso do anexo 1, com respostas previamente prontas,
e na forma de ordenao seqencial das escolhas utilizando apenas uma letra como
referncia, no caso do anexo 2, impossibilitavam um entendimento mais profundo das
concepes dos alunos sobre o conceito de tempo. Assim, em concordncia com Martins
(2007, pg. 251), esses instrumentos, que se mostraram inviveis nesse momento para coleta
de dados, podero contribuir para construo de perfis coletivos:
167

(...) acreditamos na importncia de resgatarmos a tentativa de elaborao de outros instrumentos


capazes de acessar as representaes dos alunos. Referimo-nos aqui basicamente quele
"questionrio" (ver Apndice 2)44 que, embora insatisfatrio nesse estgio, pode ser aprimorado e
vir a contribuir no sentido de uma melhor caracterizao de coletivos de alunos. Isso ajudaria,
talvez, a dar mais significado idia de "tipos" de perfis..

Portanto, fez-se a opo de no analisar esse material nesse trabalho, apesar de ter-se
esboado perfis coletivos, sendo que os questionrios aqui utilizados foram teis para a
definio de novas ferramentas de coleta de dados que pudessem fornecer uma relao,
ainda que inicial, entre perfil epistemolgico e o cultural de forma mais clara. Assim,
prepararam-se cinco atividades, sendo quatro delas de carter dissertativo e uma na forma de
teste de mltipla escolha, para esse levantamento de dados. Essas atividades tiveram como
referncia parte do instrumento de coleta de dados utilizado por Martins (2007) que, alm de
estudar o conceito de tempo luz da epistemologia de Bachelard, deixa claro que seu
objetivo ao longo de sua pesquisa foi tambm desenvolver instrumentos de coleta de dados
que servissem como orientao para outros trabalhos:
Os problemas da coleta de dados levantados aqui so, a nosso ver, reflexo de dificuldades
inerentes a um processo dessa natureza. Eles no diminuem a importncia e utilidade de nosso
instrumento, cuja construo foi um objetivo efetivamente alcanado. Ao contrrio, servem para
reorientar e informar trabalhos futuros. Martins (2007, pg. 248)

A atividade 1 (anexo 3), consistia basicamente em solicitar aos alunos que, aps
colocarem nome, idade e curso em uma folha em branco, escrevessem quatro palavras que
automaticamente eles associavam palavra TEMPO. Logo aps foi solicitado uma
justificativa por escrito das palavras escolhidas. Essa atividade foi semelhante aplicada por
Martins (2007), porm ele a fez durante as entrevistas e, nesse trabalho, a aplicao foi
diretamente nos grupos e de forma dissertativa sem interao com o pesquisador.
Em seguida aplicou-se a atividade 2, conforme o anexo 4, que teve sua origem na
atividade do anexo 2, elaborada nessa pesquisa e deixada de lado devido ao seu formato,
porm com modificaes. Nessa atividade foi apresentado aos alunos um quadro com oito
afirmaes sobre o TEMPO, que foram escritas por filsofos, cientistas e divulgadores da
cincia, e os alunos poderiam escolher livremente as afirmaes que mais se aproximassem
das suas concepes sobre o conceito de tempo. Aps a escolha era solicitada uma
justificativa por escrito. As definies do conceito de tempo, de certa forma, eram
44

Esse questionrio corresponde nesse trabalho ao anexo 1.


168

contraditrias e tinham o objetivo de investigar possveis contradies epistemolgicas,


alm de caracteriz-los com relao ao perfil epistemolgico de Bachelard.
Na atividade 3 a proposta foi um questionrio, conforme anexo 5, que buscava
problematizar uma pouco mais o conceito de tempo. Todas as perguntas pediam uma
justificativa. Esse questionrio foi baseado no elaborado por Martins (2007), porm algumas
questes foram excludas e outras acrescentadas. Abaixo so apresentadas as questes
acrescentadas, mantendo sua numerao original:
3.

Na aula do professor Pentelino o tempo parece no passar, porm na aula


do professor Legalino o tempo passa muito depressa, isso significa que o
tempo varia de pessoa para pessoa? Justifique sua resposta

6 Suponha que um certo indivduo partiu do Brasil em viagem para Espanha,


saindo s 14h do dia 01/07. Como a viagem durou 9h ele desembarca na
Espanha s 23h do dia 01/07, na sua marcao. Porm ao observar os relgios
locais percebe que marcam 4h da manh do dia 02/07. Isso significa que
nosso indivduo viajou no tempo? Justifique
7 Como voc definiria o tempo?
8 Sobre a frase: Olhar para o cu olhar para o passado. Comente-a
concordando ou discordando
9 Como voc representaria o tempo por meio de um desenho? Justifique.
As questes de Martins (2007, pg. 150/151) que no foram utilizadas, mantendo a
numerao original, foram as seguintes:
8) O tempo da equao: v=s/t o tempo do relgio? O tempo do relgio o tempo da Fsica?
[interpretao do tempo t das equaes]
"Extras":
10) O tempo sempre existiu? Pode deixar de existir?

Essas questes no foram utilizadas devido prpria anlise do autor quanto sua
eficcia e tambm pelo desejo de acrescentar outras reflexes a trabalhos dessa natureza,
contribuindo para uma ampliao de instrumento de coleta de dados.
Cabe ressaltar, no entanto, a insero pouco frutfera de algumas questes, como a 9 e 10
(consideradas "extras") e a de nmero 8 ("descolada" das demais e praticamente no trabalhada).
Do ponto de vista intrnseco, talvez tenha faltado adequar melhor essas questes estrutura do
roteiro, ou descart-las de uma vez, j que o estudo exploratrio havia apontado nessa direo.
(Martins, 2007, pg. 248)
169

A atividade 4, conforme anexo 6, que tambm foi um questionrio, objetivava


investigar a organizao da rotina dos alunos, na infncia e nos dias atuais, alm de
informaes sobre atuao profissional e gostos pessoais. Nos casos dos alunos do ensino
fundamental e mdio a ltima pergunta foi sobre pretenses profissionais, pois sabe-se que
ainda no atuam no mercado de trabalho, porm os alunos dos cursos de graduao foram
questionados sobre sua atuao profissional. Esse questionrio tambm um acrscimo
desse trabalho e busca coletar dados do aspecto cultural que no trabalho de Martins (2007)
foram pouco aproveitados.
Por fim, a atividade 5 foi o questionrio na forma de mltipla escolha (anexo 7),
utilizado na fase de estudo da viabilidade da anlise, com o acrscimo de 4 perguntas,
totalizando 34 perguntas. Resumem-se as ferramentas de pesquisa na tabela a seguir:
TABELA 4: FERRAMENTAS DE PESQUISA
ATIVIDADES
1
2
3
4
5

TEMTICA
Palavras com relao ao tempo - Justificadas
Escolha de definies de tempo - Justificadas
Questionrio sobre o tempo (dissertativo)
Questionrio sobre a vida (dissertativo)
Questionrio sobre cultura geral (mltipla escolha)

importante ressaltar que essas atividades foram aplicados em todas as turmas


citadas anteriormente e o pesquisador, na condio de aplicador da atividade, procurou
manter-se o mais isento possvel, e no fez nenhum comentrio adicional e nem forneceu
explicaes sobre qualquer idia aos alunos.

5.3 Apresentao dos resultados


Apresenta-se a seguir os resultados dos questionrios aplicados. importante
ressaltar que esses resultados sofreram uma anlise preliminar no sentido apenas de separar
categorias e formulao de tabelas com o intuito de dinamizar a apresentao. Sendo assim,
a anlise propriamente dita, ser apresentada no item seguinte. Alm disso, os dados das
atividades 1 e 2 esto na forma de tabelas, como dito anteriormente, e por grupo estudado
seguindo a seguinte ordem: 9EF, 3EM e 3Ped. Os dados referentes s atividades 3, 4 e 5
de cada turma, sero apresentados juntos no final desse tpico. Faz-se essa opo pela
caracterstica desse questionrio, que, diferentemente dos dois primeiros, so mais abertos e
170

dissertativos, ou seja, possibilitam aos alunos argumentarem e explicarem suas posies.


Ressalva-se aqui que a atividade 5, apesar de ser na forma de mltipla escolha, nos auxiliar
na formatao do perfil cultural.
A aplicao das atividades foi realizada em todas as turmas citadas no incio desse
captulo, porm destacam-se os questionrios da 9a. srie do ensino fundamental, 3a. srie
do ensino mdio e 3o. semestre do curso de Pedagogia. Essas turmas foram escolhidas para
serem apresentadas por alguns motivos, como:
i.

representarem os dois extremos das faixas etrias, ou seja a 9a srie (as


menores idades) e o 3o. semestre de Pedagogia (as maiores);

ii.

serem compostas por alunos que j tiveram a maior parte do ensino de fsica
tradicional (3a. srie) e outros que esto apenas iniciando (9a. srie), e ainda
outros que j passaram por esse processo h algum tempo (3o. semestre de
Pedagogia);

iii.

terem origens e experincias de vida diferentes.

As caractersticas dos participantes esto definidas na tabela abaixo:


TABELA 5: DISTRIBUIO DAS IDADES
CURSO
Idade
Feminino
Masculino
Total parcial.
TOTAL GERAL

9 Fund. 3 Mdio *
2 Pedagogia **
13 14 16 17 18 18-25 25-36 32-40 40-50
11
5
6
3
3 10 3 2 /
/
3
3 5 1
/
/
/
/
3 13 6 7 1
11
5
6
3
16
14
25

* importante destacar que nesse dia faltaram 10 alunos do 3 ensino mdio, pois se
tratava de um retorno das frias.
** Nota-se que o grupo totalmente homogneo por um aspecto, ou seja, todas so
mulheres. Por outro lado totalmente heterogneo, ou seja, tem-se uma grande variao na
faixa etria.

171

9a. srie do ensino fundamental


Atividade 1
A tabela a seguir destaca as palavras relacionadas com a palavra tempo, oriundas do
primeiro questionrio e j as apresenta divididas em quatro categorias identificadas:
Natureza (N), Mensurao (M), Percepo (P) e Sentido (S).
TABELA 6 PALAVRAS RELACIONADAS AO TEMPO
NATUREZA
PALAVRA
QTDE
clima
8
sol
8
chuva
5
frio
4
temperatura
2
calor
2
nublado
1
nuvens
1
vento
1
TOTAL
32
SENTIDO
PALAVRA QTDE
Passado
5
vida
4
futuro
3
Presente
2
agora
1
depois
1
morte
1
idade
1

TOTAL

18

MENSURAO
PALAVRA QTDE
relgio
12
horas
4
dia
2
ampulheta
1
horrio
1
cronologia
1
tecnologia
1
terra
1
TOTAL

23

PERCEPO
PALAVRA
QTDE
durao
3
aprendizado
1
Amizade
1
ginstica
1
movimento
1
limite
1
momentos
1
sentimentos
1
passageiro
1
comrcio
1
dinheiro
1
rapidez
1
esperar
1
TOTAL
15

A maior ocorrncia da palavra relgio, que define a categoria mensurao(M), ou


seja, a medida do tempo, sendo que as outras palavras dessa categoria expressam essa
idia pelo seu significado e justificativas dadas pelos alunos.
A palavra clima aparece no segundo lugar em ocorrncias e identifica outra
categoria que chamada de natureza(N), sendo que as palavras relacionadas nessa categoria

172

possuem uma relao com a natureza ou previso do tempo. importante ressaltar que a
palavra temperatura aparece justificada com dias quentes ou frios.
A princpio as categorias percepo e sentido formavam uma nica categoria. Porm
aps exaustiva leitura e releitura das justificativas optou-se por separ-las em duas
categorias. A categoria Sentido(S) tem a palavra passado como a de maior ocorrncia sendo
seguida pela palavra vida. As justificativas apresentadas pelos alunos mostram um olhar
para o tempo conceituando-o como algo que caminha independente de qualquer coisa, tendo
um sentido definido e privilegiado. Por outro lado, a categoria Percepo(P) que tem na
palavra durao a sua maior ocorrncia, indica uma relao psicolgica, filosfica e
subjetiva com o conceito de tempo. Como exemplo, aparecem palavras como ginstica,
amizade, dinheiro, que nas justificativas revelam um carter pessoal dessa relao. Assim,
pode-se resumir as ocorrncias na tabela de categorias abaixo:

TABELA 7- CATEGORIAS 1
CATEGORIA
Natureza
Mensurao
Sentido
Percepo

FREQ.
32
23
18
15

(%)
37
26
20
17

Atividade 2
Em seguida sero apresentados os dados referentes ao segundo questionrio. As frases
completas encontram-se no anexo 5. Aqui ser apresentada a idia principal, frases
organizadas nas categorias definidas para essa atividade, e porcentagem de escolha.

173

TABELA 8 AFIRMAES SOBRE O TEMPO


AFIRMAES
1) Aristteles tempo e movimento ...
4) Einstein tempo relativo...
Tempo relativo
2) Alan Lightman - tempo como circulo fechado ...
3) Alan Lightman tempo e relgio...
Mensurao
5) Newton - O tempo absoluto...
Matemtico
6) Alan Lightman ... o tempo como um curso de gua...
Sentido
7) Alan Lightman tempo passa
8) Alan Lightman tempo qualidade...
Percepo

QTDE
1
1
2
2
10
12
5
5
3
3
11
3
14

Pode-se apresentar os dados na forma de categorias que representam um resumo das


respostas, conforme a tabela a seguir:

TABELA 9 CATEGORIAS 2
CATEGORIA QTDE (%)
Tempo relativo
2
6
Mensurao
12
33
Matemtico
5
14
Sentido
3
8
Percepo
14
39
a
3 . srie do ensino mdio
Atividade 1
Apresenta-se a seguir os resultados da atividade 1 distribudos nas quatro categorias

174

TABELA 10 PALAVRAS RELACIONADAS AO TEMPO


MENSURAO
PALAVRA
QTDE

SENTIDO
PALAVRA
QTDE

relgio

futuro

espao

universo

horas

aprendizado

perodo

passado

constncia

vida

anos

destino

pontual

objetivo

minutos

presente

horrio

TOTAL

13

durao

dia

PALAVRA

QTDE

noite

felicidade

pressa

conquista

meses

relativo

atraso

dinheiro

almoo

futebol

compromisso

diverso

calendrio

TOTAL

energia

responsabilidade

PALAVRA

QTDE

TOTAL

33

possibilidade
TOTAL

1
1

PERCEPO

NATUREZA

importante ressaltar que a palavra possibilidade foi enquadrada nessa categoria em


funo da justificativa do aluno que a indicou como a possibilidade de sair de casa tendo o
clima como parmetro. Pode-se resumir as escolhas de palavras na tabela a seguir:

175

TABELA 11- CATEGORIAS 1


CATEGORIA FREQ (%)
1
2
natureza
33
59
mensurao
13
24
sentido
8
15
percepo
Questionrio 2
As tabelas a seguir se referem ao segundo questionrio que visava escolher uma ou
mais afirmaes sobre o tempo, que os alunos julgassem estarem de acordo com suas
concepes
TABELA 12 AFIRMAES SOBRE O TEMPO
AFIRMAES
1) Aristteles tempo e movimento ...
4) Einstein tempo relativo...
Tempo relativo
2) Alan Lightman - tempo como circulo fechado ...
3) Alan Lightman tempo e relgio...
Mensurao
5) Newton - O tempo absoluto...
Matemtico
6) Alan Lightman ... o tempo como um curso de gua...
Sentido
7) Alan Lightman tempo passa
8) Alan Lightman tempo qualidade...
Percepo

QTDE
5
0
5
3
4
7
2
2
1
1
5
4
9

Portanto, pensando apenas nas categorias, resume-se os dados na tabela a seguir

TABELA 13 CATEGORIAS 2
CATEGORIA QTDE (%)
Tempo relativo
5
21
Mensurao
7
29
Matemtico
2
8
Sentido
1
4
Percepo
9
38

176

3a. semestre do curso de Pedagogia


TABELA 14 PALAVRAS RELACIONADAS AO TEMPO
PERCEPO

NATUREZA
PALAVRA
clima
previso
dia
temperatura
fenmeno
chuva
natureza

QTDE
3
2
2
1
1
1
1

TOTAL

11

SENTIDO
vida
futuro
presente
idade
passado
curso
infncia
antiguidade
maturidade
experincia
longevidade
juventude
estao
passagem
planejamento
aprendizado
recordao
poca
objetivo
morte
conquista
evoluo
TOTAL

8
5
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1

PALAVRA
durao
sonhos
correria
espao
espera
realizaes
momentos
encontro
dinheiro
remir
escolha
imaginao
saudade
pensamento
velocidade
relativo
desejos
parada
sentimento
atividade
produo
conhecimento
relao
ordem
pacincia
sabedoria
pouco
curto
trabalho
pressa
passagem
TOTAL

QTDE
2
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
37

MENSURAO
relgio
meses
anos
preciso
programao
perodo
TOTAL

12
3
2
2
1
1
21

177

Resume-se as quantidades por categoria conforma a tabela a seguir:


TABELA 15- CATEGORIAS 1
CATEGORIA FREQ (%)
11
10
natureza
21
20
mensurao
37
35
sentido
37
35
percepo
Atividade 2
A seguir apresentam-se os resultados referentes ao segundo questionrio.
TABELA 16 AFIRMAES SOBRE O TEMPO
AFIRMAES
1) Aristteles tempo e movimento ...
4) Einstein tempo relativo...
Tempo relativo
2) Alan Lightman - tempo como circulo fechado ...
3) Alan Lightman tempo e relgio...
Mensurao
5) Newton - O tempo absoluto...
Matemtico
6) Alan Lightman ... o tempo como um curso de gua...
Sentido
7) Alan Lightman tempo passa
8) Alan Lightman tempo qualidade...
Percepo

QTDE
4
2
6
1
12
13
6
6
1
1
7
9
16

Resumindo por categoria tem-se:


TABELA 17 CATEGORIAS 2
CATEGORIAS FREQ
6
Tempo relativo
13
Mensurao
6
Matemtico
1
Sentido
16
Percepo

(%)
14
31
14
2
39

178

Atividade 3 (9EF, 3EM e 3PED)


Passa-se agora a apresentar os dados referentes ao terceiro questionrio. As respostas dos
alunos sero apresentadas pelas concepes, pois na resposta de um aluno encontra-se mais
de uma concepo.
Na primeira questo foi perguntado aos alunos sobre a forma de perceberem que o
tempo est passando. O 9EF teve suas respostas focadas na observao do dia e da noite, as
alteraes climticas, o avano tecnolgico, o relgio e o envelhecimento dos seres vivos.
Tambm encontra-se essas respostas no 3EM, porm outras concepes so apresentadas,
como: alcanar objetivos, ultrapassar obstculos, fotos, movimento dos planetas. O 3PED,
por sua vez, apresenta todas as concepes citadas pelos dois grupos anteriores e acrescenta
a essa lista a observao dos filhos, no sentido de crescimento e constituio de vida, e o
reencontro com os amigos.
A segunda questo sobre a independncia do tempo quanto aos seres humanos, tem-se
uma quase unanimidade dos grupos, pois todos concordam com essa separao, ressaltando
que a evoluo da humanidade somente seria possvel com os seres humanos, que criaram
regras ou formas de quantificao do tempo
Na terceira questo sobre a aula do professor legal e do professor chato, tambm todos
explicam utilizando a interao da pessoa com a atividade para indicarem a sensao de
passagem do tempo como algo rpido ou devagar. A palavra percepo aparece na grande
maioria das respostas. importante ressaltar algumas respostas do 3EM que identificavam
a felicidade com a rapidez do tempo.
A questo 4 perguntava sobre o funcionamento dos relgios e as respostas foram pilhas e
baterias como responsveis pelo funcionamento, alm de explicaes sobre um ajuste de
mecanismo quanto ao movimento da Terra. Ainda nessa questo, perguntava-se sobre a
melhor forma de marcar o tempo, e a resposta mais citada foi o relgio digital. Alm dele
tambm foram citados os relgios mecnicos e a ampulheta. Porm, importante ressaltar
que a questo trazia esses exemplos de instrumentos de medida entre parntesis. Podendo
induzir a resposta

179

A questo 5 tambm teve uma grande parcela de respostas sobre o fuso-horrio como
responsvel, indicando que a viagem para outro continente no indica uma viagem no
tempo,
Na questo 6 encontra-se uma diferena nas respostas, pois o 3EM apresenta uma
concordncia com a frase e argumenta em funo da distncia e velocidade. J o 9EF e o
3PED no reconhecem que olhar para o cu olhar para o passado e discordam da
afirmao.
As duas ltimas questes (7 e 8) eram sobre definio do tempo na forma dissertativa e
desenhada. No 9EF na forma dissertativa surgem idias de continuidade, durao e
principalmente clima e marcao das horas, que so reforadas pelos desenhos de relgio e
natureza. J no 3EM o tempo definido na forma dissertativa como sendo algo ora
precioso, ora como um castigo, alm das idias de instante, durao e sentido (do passado
para o futuro), contudo a idia que sobressaiu foi a associao do tempo com a vida. Na
forma de desenho encontra-se o ciclo da vida de plantas, relgio, linhas do tempo com e sem
orientao, alm de ciclos fechados e desenhos de rbitas dos planetas. O 3PED apresenta,
na forma dissertativa, todas as concepes dos dois grupos anteriores acrescidas da
concepo de tempo como aprendizagem e de tempo como personificao, ou seja, atribuem
ao tempo qualidades humanas, sendo um algum que passa sem pedir licena, que indica o
caminho a ser seguido, que cura feridas, que o grande dono da vida. Quanto forma de
desenhos as respostas se equivalem s do 3EM, com exceo das rbitas dos planetas.

Atividades 4 e 5
Essas duas atividades tinham o objetivo de investigar os hbitos e a cultura dos alunos,
sendo, como dito anteriormente, a atividade 4 foi na forma de um questionrio dissertativo e
o de cultura geral foi na forma de mltipla escolha.
Na atividade 4, j na sua primeira questo, que tratava da rotina na infncia, quando se
verifica a resposta dos alunos do 9EF, percebe-se uma grande homogeneidade, pois a
grande maioria desses alunos entrou na escolinha entre o segundo e terceiro ano de vida,
tendo sempre muitas atividades que variavam do ballet ao futebol. Apesar disso, eles no
interpretam a atitude dos pais de os colocarem em diversas atividades como rigidez. O
3EM, por sua vez, relata um ou outro caso de escolinha, porm na maioria das respostas a
180

rotina na infncia tem uma identificao com o brincar e com tempos livres. importante
ressaltar que esse brincar em casa e no o brincar das atividades das escolas infantis.
Tambm de forma geral no identificam rigidez na atitude dos pais.
O 3PED apresenta uma rotina na infncia ainda mais familiar, ou seja, com relatos de
brincadeiras com amigos e no mximo a participao na escola sem atividades
extracurriculares. Alm disso, outras experincias diferentes dos grupos anteriores so
narradas, desde trabalho na roa at vendas de produtos nas ruas.
Na rotina atual, j na segunda questo, a tendncia do 9EF a mesma, ou seja, escola e
muitas outras atividades extracurriculares, principalmente relacionadas ao esporte,
aprendizagem de uma outra lngua e dana. O 3EM tambm apresenta esse perfil de muitas
atividades extracurriculares, porm acrescenta-se a participao em cursinhos prvestibulares, alm de trabalhos remunerados. Quanto as alunas do 3PED a rotina est
centrada no trabalho durante o dia e na faculdade durante a noite, sendo que os horrios so
muito rgidos.
Com relao atividade que mais gostam de fazer, no 9EF e no 3EM, encontra-se o
domnio dos esportes como vlei, futebol e natao, alm do computador, msica e de
dormir. O 3PED no cita nenhum esporte ou atividade no computador. Apresenta-se como
a atividade mais prazerosa o encontro familiar, as aulas na faculdade e as atividades
profissionais.
Quanto s pretenses futuras no 9EF tem-se uma grande tendncia para a rea de
humanas, da msica e do esporte, ou seja, indicam a rea de turismo, jornalismo, marketing
e moda, principalmente as meninas; e jogador de futebol ou cantor, no caso dos meninos.
No 3EM as pretenses variam entre psicologia, administrao, medicina, gastronomia e
computao. O 3PED apresenta pretenses relacionadas educao, o que natural.
Contudo merece destaque s profisses atuais das alunas, desde faxineira, cozinheira,
passando por auxiliar de escritrio, at as agentes de desenvolvimento infantil e professoras
de ensino infantil.
Quanto cultura geral, no 9EF tem-se a maioria se denominando catlicos e com
famlia de origem europia, que no preservam nenhum hbito especfico, renda familiar
entre 10 a 20 salrios mnimos. Todos possuem computador, telefone celular e acesso
internet, sendo que os sites mais citados foram o orkut e google, alm do acesso ao msn. No
181

3EM a realidade muito parecida, porm alguns alunos denominam-se agnsticos,


catlicos no praticantes e ainda aqueles que no seguem nenhuma religio, mas dizem
acreditar em Deus. A renda famliar est entre 10 e 30 salrios mnimos e todos possuem
acesso a internet, celular, rede fechada de televiso e citam o orkut e msn como os sites mais
acessados. O 3PED tem uma realidade bem diferente dos demais, sendo que a renda
familiar est entre 1 e 10 salrios mnimos, nem todos possuem celular e acesso a internet ou
rede fechada de televiso. So divididos em uma parte catlica e outra evanglica, alm
deles admitirem ter origens africana e indgena.
Quanto aos jornais, revistas e livros, a grande maioria dos alunos no os l. Porm
aqueles que lem, no 9EF citam o jornal O Estado de So Paulo, a revista Capricho e os
livros Anjos e Demnios, Cdigo da Vinci e Harry Porter. No caso do 3EM, os que lem
citam as revistas Playboy, Quatro rodas e Scientific American; os livros O diabo veste
prata, e O cortio, alm dos citados pelo 9EF. J no caso do 3PED o jornal citado a
Folha de So Paulo, as revistas Veja e Nova Escola e os livros Quem ama Educa e Filhos
Brilhantes e alunos Fascinantes.
As exposies de arte, museus e o teatro so uma raridade para todos os grupos, pois as
visitas ocorrem quando obrigados pela escola ou faculdade, sendo que as ltimas exposies
citadas por eles foram Picasso na Oca , Dinos na Oca e os Deuses chineses. As peas
teatrais citadas pelo 3EM foram: Vida Secas, Dom Casmurro e Memrias de um Sargento
de Milcias. O 3PED citou a pea Trair e coar e s comear, porm uma parte dessas
alunas nunca foi ao teatro.
Quanto ao cinema existe uma simpatia maior, pois uma grande parte deles vai ao cinema
quinzenalmente e gosta de filmes de aventura ou comdia. Os ltimos filmes que o 9EF e o
3EM assistiram foram Piratas do Caribe e Harry Porter, alm de Efeito Borboleta 2,
especificamente para o 3EM. O 3PED assistiu Era de Gelo, Procurando Nemo e
Madagascar.
No aspecto musical tem-se uma grande diversificao, sendo que as msicas de
cantores, cantoras e grupos internacionais predominam no 9EF e 3EM. Os gneros mais
citados so rock e tecno. J no 3PED a simpatia maior por MPB, samba e pagode.
Por fim, quanto televiso o 9EF e o 3EM assistem com freqncia e os programas
mais citados foram BBB, malhao, novela, jogos de futebol e alguns seriados
182

internacionais exibidos pelas emissoras fechadas. J o 3PED cita mais Fantstico e


Domingo espetacular.

5.4 Anlise dos resultados


Perfil epistemolgico e cultural - coletivo
Ao se analisar as respostas do 9EF apresentadas na atividade 1, no se encontra
nenhuma surpresa com a relao entre a palavra tempo e relgio, em destaque na categoria
definida como Mensurao, pois a rotina diria dos alunos e de grande parte da populao
mundial organizada por esse instrumento de medida. Quando se apresentou uma breve
histria das concepes de tempo, no captulo 2, discutiu-se o desenvolvimento desse
aparelho e sua contribuio para a forma de vida moderna e contempornea.
Outra palavra em destaque clima que compareceu na categoria Natureza. Aqui a
associao de tempo com o clima e suas alteraes. Pode-se atribuir essa concepo as
inmeras associaes da palavra tempo com previso meteorolgica presente na maioria dos
jornais, noticirios e nas conversas dirias com o nome de previso do tempo. vlido
destacar que historicamente as civilizaes associavam, como tambm foi discutido no
captulo 2, a organizao dos diferentes momentos da vida em funo das condies
climticas, o que originou os primeiros calendrios.
A categoria Percepo tem a palavra durao em destaque. Quando se avalia as
justificativas das palavras dessa categoria percebe-se, primeira vista, uma concepo
tambm muito comum ligada s estimativas de passagem do tempo em funo de eventos
ocorridos. Tambm possvel relacionar essa percepo com uma caracterstica subjetiva,
provavelmente presente nos seres humanos desde as primeiras civilizaes, em que a
durao de um evento mensurada pela relao com o meio.
Outro grupo de palavras que se identificou foi classificado na categoria Sentido, tendo a
palavra passado com a maior incidncia. Esse grupo de palavras pode ser relacionado com a
identificao que os seres humanos tm com a passagem do tempo revelada nas mudanas
em seu prprio corpo e nos acontecimentos ao longo da sua prpria vida, principalmente o
envelhecimento e a morte. Os primeiros seres humanos identificaram esse processo natural,
em que sempre se envelhece e nunca se pode retorna para o passado. Esse deslumbramento
183

foi to intenso que os funerais e enterros nas civilizaes mais antigas possuam um ritual
que objetivava a continuidade da vida em outro plano.
Essas categorias identificadas na atividade 1 so reforadas nas escolhas feitas na
atividade 2, ou seja, a identificao do tempo com os instrumentos de medida, bem como
com o clima, observaes subjetivas e um sentido privilegiado para o andamento do tempo.
Contudo, nessa atividade duas afirmaes diziam respeito ao tempo relativo (afirmaes 1 e
4) e so escolhidas por alguns alunos. Porm as justificativas de escolha mostram uma
interpretao das afirmaes que levam em conta a percepo pessoal do tempo e no
fatores matemticos relacionados relatividade de Einstein. Nesse mesmo sentido as
escolhas pela definio de tempo de Newton so justificadas pela independncia do tempo
com qualquer outra coisa e no pelo seu carter matemtico.
A atividade 3 apresenta novamente a relao entre a definio de tempo com o relgio,
clima, envelhecimento, etc... Porm possvel identificar algumas contribuies novas. A
questo 2, sobre a dependncia do tempo com a humanidade, mostra uma grande concepo
do grupo que nega essa relao. Contudo na questo do professor legal e chato, o argumento
da resposta pautado na interao do indivduo com a atividade. Fica claro que existe uma
concepo de um tempo marcado racionalmente pelos homens e uma concepo de tempo
que depende da relao psicolgica que se estabelece. Tem-se ento um paradoxo, pois o
tempo que existia sem os seres humanos na questo 2 diferente do tempo da questo 3,
porm todos so conceitos de TEMPO.
Ainda na atividade 3, destaca-se que a quase totalidade dos alunos discorda da frase:
Olhar para o cu olhar para o passado, contida na pergunta 6. Aqui se tem mais um
elemento para afirmar o desconhecimento do grupo quanto a princpios de astronomia e
relatividade.
Antes de analisar os questionrios sobre cultura e relacion-los com as respostas
anteriores, importante ressaltar e justificar duas afirmaes anteriores. A primeira sobre o
fato de que a escolha da afirmao de Newton no ter relao com a matemtica. A segunda
sobre o desconhecimento do grupo a respeito de astronomia e relatividade. Essas afirmaes
foram baseadas, alm das justificativas escritas, na experincia do pesquisador com esse
grupo especfico, pois ele foi professor de matemtica dessa srie por um ano e coordenador
de sala para trabalhos interdisciplinares. Nesse caso, o fato do pesquisador ser tambm
184

professor colabora no sentido de conhecer detalhes que escapariam a um pesquisador


externo.
Procurando construir o perfil cultural desse grupo, a partir das atividades 4 e 5, pode-se
estabelecer algumas relaes com as concepes de tempo apresentadas anteriormente.
Entende-se que relacionar o conceito de tempo com o relgio algo muito comum nos dias
de hoje, contudo esse grupo tem caractersticas especficas que reforam ainda mais essa
ligao. O fato de terem estado desde muito cedo na escolinha com muitas atividades
extracurriculares, algo que se repete na rotina atual, influencia ainda mais a concepo de
tempo relacionada mensurao. Alm disso, a rapidez com que se relacionam e acessam
informaes, pois todos possuem internet e celular, nascidos em um mundo digital que
cada vez menor em funo da tecnologia.
Ainda quanto categoria Percepo afirma-se, a partir das justificativas das atividades e
do conhecimento do grupo, uma preocupao com o tempo de lazer, de atividades
prazerosas, tempo com os amigos, de abertura para outros horizontes, de chegada
adolescncia, ou seja, preocupaes prprias da idade.
A categoria Sentido tem, nas justificativas apresentadas, uma relao com a atual
situao de vida do grupo, pois era um grupo de srie final discutindo formatura, baile,
viagem, situaes que marcam um final de um ciclo. Estavam definitivamente deixando a
infncia.
Portanto, essas caractersticas, somadas a todos os dados apresentados nas atividades
sobre cultura, permitem afirmar que o grupo possui predominantemente uma cultura de
massa.
Com base nesses dados e ponderaes, apresenta-se a seguir um esboo de perfil
epistemolgico do conceito de tempo e um do perfil cultural do 9 EF, ambos nos moldes do
grfico de Bachelard (1978). Deve-se destacar que esses esboos no so de forma alguma
uma representao quantitativa exata das diferentes escolas filosficas ou das diferentes
culturas definidas. Por isso o uso do substantivo esboo no seu significado dado em qualquer
dicionrio, ou seja, um delineamento em linhas gerais.

185

Perfil Epistemolgico Geral - 9EF

Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo

Perfil Cultural Geral - 9EF

Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa

importante ressaltar que as afirmaes sobre tempo na relatividade e tempo absoluto,


matemtico tiveram pouca simpatia. Sabe-se que os alunos do 9EF ainda estavam sendo
apresentados s matrias de fsica e qumica, o que justifica os pequenos nveis apresentados
na colunas de racionalismo clssico e completo no grfico que indica o perfil
epistemolgico, assim como o pequeno nvel para cultura cientfica no grfico de perfil
cultural
Pode-se ponderar tambm que a cultura de massa, que aparece em destaque no perfil
cultural, um fator que influencia o empirismo no perfil epistemolgico e que a cultura
humanstica, que aparece em segundo lugar, tem relao com o nvel de realismo ingnuo.
186

Por outro lado, a cultura cientfica, por sua vez, ainda que com pouca presena, como
justificado anteriormente, relaciona-se com os nveis de racionalismo clssico e completo.
Nas respostas do 3EM, ao quando olhar de forma geral, emanado das observaes
relativas s atividades, encontra-se um quadro a princpio muito parecido com o 9EF.
Porm importante ressaltar a quase ausncia de concepes de tempo relativas previso
meteorolgica, que deram lugar a algumas explicaes fsicas, relacionando o tempo com a
velocidade e o espao, alm da energia. Essas explicaes so reforadas nas respostas
questo 7 da atividade 3, em que essas palavras surgem. Nas representaes solicitadas na
questo 8, ainda da atividade 3, encontram-se desenhos de rbitas planetrias. Apesar de no
serem em grande nmero, essas explicaes no apareciam no 9EF. Ainda na questo 6 da
atividade 3 , uma grande parte dos alunos concorda com a frase que afirma: olhar para cu
olhar para o passado e justifica citando a velocidade da luz e a relatividade. Como o
pesquisador se relaciona esse grupo h mais tempo, por volta de 3 anos, essas interpretaes
so, em parte, frutos da sua relao com os alunos. Alm disso, podem ter sofrido tambm
uma influncia mais direta, pois o pesquisador lecionava as leis de Kepler quando da
proposta da atividade.
Outro aspecto que diferenciou o 3EM foi o crescimento da concepo de tempo
presente na categoria Percepo e na categoria Sentido ao longo dos questionrios. Nas
atividades 2 e 3 essas categorias surgem em grande quantidade nas explicaes dadas por
eles. importante considerar alguns aspectos especficos do momento vivido por esse
grupo, pois estavam no final do ensino mdio e s portas de mudarem suas vidas buscando o
ensino superior e um posicionamento no mundo do trabalho. Foram inmeras as palestras
com especialistas em profisses, cursos de graduao e profissionalizantes, alm da
influncia diria dos professores abordando o assunto futuro, vida, alm, muito
provavelmente, da cobrana ou acompanhamento familiar.
Assim, razovel supor para construo do perfil epistemolgico do 3 EM, uma
diminuio da coluna empirismo e o aumento do racionalismo clssico e completo, quando
comparados com o 9EF. importante frisar que se trata de um grupo conhecido e que
esteve em contato com grande parte do conhecimento cientfico previsto para o ensino
mdio.

187

No aspecto cultural esse grupo possua uma diferena com relao ao 9EF, pois
relatava momentos de brincadeira na sua infncia, geralmente em casa, alm de no terem
entrado to cedo na escolinha. Porm a rotina mais recente era bastante movimentada e
possua acesso a todos os equipamentos tecnolgicos de telecomunicaes. Entende-se,
portanto, que nesse grupo ainda predominava a cultura de massa, contudo as culturas
humanstica e cientfica cresceram um pouco, em comparao ao 9EF
A seguir apresentam-se esboos dos perfis epistemolgico e cultural do 3 EM, com
base nesses fatos e conjecturas.

Perfil Epistemolgico Geral - 3EM

Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo

Perfil Cultural Geral - 3EM

Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa

Quando se passa a olhar as respostas do 3PED, observa-se um panorama distinto dos


anteriores. A palavra mais citada na atividade 1 tambm relgio, como no 9EF e 3EM,
revelando uma conduta do relgio, pois esse instrumento como discutido no captulo sobre a
188

histria do conceito tempo, foi fundamental na revoluo das cidades e hoje desempenham
uma verdadeira ditadura na organizao da vida contempornea, assemelhando-se conduta
da balana citada por Bachelard, porm aqui atribuda aos grupos. Quando somamos as
palavras por categorias, as que sobressaem so Sentido e Percepo. A freqncia no a
caracteristica mais importante nessa fase da pesquisa, pois alm desse fator as justificativas
tambm apontam nessa direo. As atividades 2 e 3 reforam ainda mais essa concepo de
tempo focada no sentido e na percepo.
Delineando as caractersticas, trata-se de um grupo economicamente diferente dos
dois anteriores, de outra faixa etria e em geral so os responsveis por suas famlias, ou
seja, mes ou irms mais velhas com responsabilidades sobre outras pessoas. Alm disso,
um grupo com pouco acesso internet e ao telefone celular. A grande maioria se locomove
com transporte pblico.
Ao examinarem-se as justificativas nos questionrios encontra-se um carter
nostlgico, sofrido, com grande reflexo interior diante do mundo, alm da presena de
religiosidade. Apesar de viverem em uma sociedade tecnolgica, muitas ainda trazem
consigo a experincia de infncia pobre e com uma ligao forte com a natureza,
provavelmente por serem oriundas da zona rural. Trazem tambm a reflexo da me de
famlia preocupada com o futuro e que, a cada dia, enfrenta as dificuldades de trabalhar e
estudar. A ligao com os fenmenos climticos, na maioria dos casos, de contemplao,
segundo muitas justificativas. As concepes sobre um tempo linear com sentido definido,
tambm se justificam pela idade, religiosidade, experincia de vida e perspectiva de um
futuro cada vez mais presente. Surgem algumas relaes de tempo com rbitas de planetas e
velocidade, que so, muito provavelmente, fruto da interao do grupo com o pesquisador
que tambm professor dessa turma lecionando Cincias Naturais. Assim, pelo conjunto de
fatores discutidos, coloca-se esse grupo com uma caracterstica predominante de cultura
humanstica e realismo ingnuo.
Portanto, traa-se um esboo dos perfis epistemolgico e cultural a partir da reflexo
anterior.

189

Perfil Epistemolgico Geral - 3Ped

Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo Clssico
Racionalismo Completo

Perfil Cultural Geral - 3Ped

Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa

vlido ponderar que a coluna de cultura cientfica desse grupo pequena, pois em
funo de dados anteriores obtidos no prprio curso, e pela convivncia do pesquisador com
o grupo, sabe-se que a grande maioria no recebeu no ensino mdio a mnima formao
cientfica prevista. So oriundas de escolas pblicas de periferia e de cursos noturnos que, na
realidade da cidade de Guarulhos, sofrem com a falta de professores especializados e com a
mnima infraestrutura. Trata-se apenas de uma constatao localizada, pois acredita-se na
possibilidade de encontrar em outros lugares, grupos com caractersticas e realidades
semelhantes, mas uma cultura cientfica mais apurada.
Entende-se que importante pesquisar o perfil epistemolgico para que o professor
possa interpretar epistemologicamente as concepes dos seus alunos. Segundo as palavras

190

de Martins (2007, pg. 250) extradas de seu estudo relacionado com as concepes de
estudantes sobre o conceito de tempo com base na epistemologia de Bachelard:
(...) acreditamos que o nosso estudo fornea, especificamente com relao construo do
conceito de tempo, subsdios para que o professor interprete tambm a sala de aula em termos dos
compromissos epistemolgicos dos seus alunos, identifique a presena de obstculos de natureza
epistemolgica, e tenha mais elementos para enfrent-los, explorando as vises dos estudantes para
auxili-los na construo de outras.

Tambm se tem em Paulo Freire uma referncia para compreender o perfil cultural.
Apesar de utilizar-se nos perfis a proposta de estgios culturais da Maria Eduarda,
pesquisadora portuguesa, em Freire que se busca a importncia da definio do perfil
cultural para auxiliar na interpretao do perfil epistemolgico. Portanto, segundo Freire na
sua obra Extenso ou comunicao o homem no pode ser compreendido fora das suas
relaes, pois um ser de prxis, ou seja de ao e reflexo. Logo fundamental para
interpretao do perfil epistemolgico o entendimento das relaes que aquele grupo
estabelece com a sua realidade. Se o professor no tem essa clareza, possivelmente no
estabelecer uma relao dialgica com os alunos e sim uma didtica extensionista, em que
segundo Freire (2002, pg. 26) ocorre o primeiro equvoco gnosiolgico:
O primeiro equvoco gnosiolgico da extenso est em que, se h algo dinmico na prtica
sugerida por tal conceito, este algo se reduz pura ao de estender (o estender em si mesmo) em
que, porm, o contedo estendido se torna esttico. Dessa forma, o sujeito que estende , enquanto ator
ativo, em face de espectadores em quem deposita o contedo que estende.

Esse equvoco da extenso cometido pelos professores quando apenas se


preocupam com os contedos, e ainda assim, de certa forma, quando apenas buscam
concepes dos alunos frente a um problema proposto no levando em conta o universo
cultural dos alunos. Freire (2002, pg. 31) exemplifica essa situao na relao entre o
agrnomo e o campons, em que esse ltimo v o seu universo cultural ser invadido e
desprezado pela nova ordem imposta pelo agrnomo.
Sobrepor a ele outra forma de pensar, que implica noutra linguagem, noutra estrutura e noutra
maneira de atuar lhe desperta uma reao natural. Uma reao de defesa ante o "invasor" que
ameaa romper seu equilbrio interno.

Esse sobrepor cultural recebe o nome de invaso cultural, em que o invasor enxerga
o invadido como um mero objetivo de sua ao Freire (2002). Essa invaso cultural, fruto de
191

uma relao antidialgica, tem sido praticada em muitas das escolas como conseqncia de
um despreparo dos professores, atrelado a condies precrias de trabalhos, currculos
equivocados e falta de planejamento. Essa ao de invadir, muitas vezes, desencadeia uma
reao apresentada na forma de indisciplina, indiferena e de desinteresse por parte do
invadido. O entendimento do perfil epistemolgico em funo do perfil cultural, propicia
uma ao dialgica e no de invaso cultural:
E ser dialgico, para o humanismo verdadeiro, no dizer-se descomprometidamente
dialgico; vivenciar o dilogo. Ser dialgico no invadir, no manipular, no sloganizar.
Ser dialgico empenhar-se na transformao constante da realidade. (Freire 2002, pg. 43)

A viso dialgica independe do tema que se estabelece como elo de comunicao.


Aquilo que mediatiza os interlocutores pode ser desde tcnicas agrcolas, passando pelas
artes, ou um contedo cientfico, pois o fundamental a co-participao no ato de aprender,
construindo significados para ambos os sujeitos interlocutores, configurando assim uma
comunicao que se constri criticamente. Portanto,
A educao comunicao, dilogo, na medida em que no a transferncia de saber, mas um
encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significao dos significados. (Freire 2002, pg.
69)

Contudo, entende-se que para esse dilogo existir de forma satisfatria, o professor
tambm no pode sofrer uma invaso cultural em sua vida profissional. Alguns sistemas de
ensino (cursinho) e editoras impem, tendo a estrutura capitalista da sociedade como
sustentao, uma forma nica determinada de relao entre o professor e o aluno, ignorando
os mais diferentes perfis culturais que se tem nesse pas. Portanto:
Para se pensar no professor autnomo diante da construo/criao do prprio trabalho,
preciso superar tendncias que o colocam apenas como transmissor de contedos e aplicador de
tcnicas de ensino. A utopia e o conhecimento de possibilidades e limites devem estar presentes no
seu dia-a-dia, para que, alm de artfice, ele planeje e avalie suas aulas, sabendo que os
desempenhos seus e dos estudantes no ocorrem isoladamente, mas se inserem numa dinmica
social de grande abrangncia. Com autonomia, ir selecionar e preparar contedos, aceitando e
pedindo colaborao, servindo-se de recursos anteriormente produzidos, podendo ou no ter
colaborado nessa produo, mas ser sua a deciso de como e quando utiliz-los.(Almeida e
Silva, pg. 97, 1994)

Por outro lado, refletindo especificamente sobre os esboos dos perfis culturais,
pode-se observar uma certa homogeneidade nas concepes desses grupos, que vivem na
192

sociedade contempornea tambm conhecida como sociedade de massa. Nessa sociedade as


instituies dominantes criam as necessidades para o povo e desenvolvem mecanismos de
controle para a forma de produzir, consumir e at de sonhar. Segundo Santos (2007, pg.
68):
(...) Tais instrumentos seriam principalmente o rdio, a televiso, a imprensa e o cinema. Essa
cultura homogeneizadora, niveladora, teria o ncleo de sua existncia num setor especfico de
atividade, a indstria cultural (...).

Essa indstria cultural, que tem nos meios de comunicao de massa o seu grande
trunfo, uma das grandes e vitais caractersticas deste sculo, pois marca profundamente a
civilizao contempornea, penetrando em todas as esferas sociais e momentos das vidas das
pessoas.
(...) Eles tambm difundem maneiras de se comportar, propem estilos de vida, modos de
organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de
sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. (Santos, 2007, pg 69)

Por outro lado, apesar dessa homogeneizao instituda pelas classes dominantes, a
cultura contempornea no se resume a isso, pois as diferenas ainda existem. Sendo assim,
deve-se buscar estudar o processo de homogeneizao da cultura no como a cultura em si,
pois, corre-se o risco de estudar apenas as mensagens que esses meios de comunicao
expressam, que no so a cultura propriamente dita (Santos, 2007).
Portanto, a aparente homogeneidade cultural esconde uma grande diversidade
mesmo dentro da mesma cultura no sentido de nao. Assim:
(...) A sociedade nacional tem classes e grupos sociais, tem regies de caractersticas bem
diferentes; a populao difere ainda internamente segundo, por exemplo, suas faixas de idade, ou
segundo seu grau de escolarizao. Alm disso, a populao nacional foi constituda com
contingentes originrios de vrias partes do mundo. Tudo isso se reflete no plano cultural. (Santos
2007, pg. 18)

Por fim, importante ressaltar que se tem conscincia de que os perfis traados so
apenas um esboo e coletivos, alm de possivelmente no retratarem o universo cultural de
cada aluno. Sabe-se que segundo Bachelard (1978, pg. 28):
Deste modo pensamos que s depois de se ter recolhido o lbum dos perfis epistemolgicos de
todas as noes de base que se pode estudar verdadeiramente a eficcia relativa das diversas
filosofias. Tais lbuns, necessariamente individuais, serviriam de testes para a psicologia do
esprito cientfico(...)
193

Portanto, Bachelard prope perfis individuais, porm esboar perfis coletivos pode
ser um passo intermedirio e uma ferramenta para o professor enfrentar a situao catica do
ensino de fsica, possibilitando uma ao de comunicao e no de extenso que gera a
invaso cultural.
Casos Individuais
Passa-se agora a apresentar e analisar algumas respostas de alunos individualmente. A
escolha foi realizada aps inmeras leituras e tendo com foco a relao entre a cultura e a
concepo de tempo presente nas respostas. Inicia-se pela 9a. srie do ensino fundamental e
para manter o sigilo dos nomes utiliza-se siglas na indicao. As respostas da aluna A de 14
anos de idade esto no anexo 7.
Ao examinar as respostas possvel perceber indcios de diferentes concepes de
tempo que convivem conceitualmente nessa aluna. Na primeira resposta aparece a relao
entre tempo e previso meteorolgica, assim como encontra-se uma concepo de tempo
relacionada mensurao quando utiliza a palavra horrio, alm de tambm ser possvel
constatar uma concepo de tempo linear, ou seja, uma tempo que flui em um sentido
privilegiado. J na justificativa do questionrio 2 identifica-se um conceito de tempo como
algo que flui sem relao com qualquer outra coisa, mas percebido de forma diferente.
Esse tempo que flui o tempo que marcado pelos humanos e diferente do tempo
percebido, segundo a interpretao da justificativa.
As respostas da questo 3 evidenciam ainda mais o conceito de tempo como absoluto, o
conceito de tempo como um fluir sem retorno, alm da subjetividade de julgamento da
passagem do tempo. Portanto, possvel identificar traos de algumas escolas filosficas de
Bachelard. entre elas o realismo ingnuo, por conta da subjetividade; o empirismo que
aparece nas concepes de marcao atravs dos instrumentos como o relgio; racionalismo
clssico de certa forma relacionado concepo absoluta do tempo e o racionalismo
completo quanto define o tempo com um sentido definido. Portanto pode-se esboar o perfil
da aluna A:

194

Perfil Epistemolgico da Aluna A

Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo

Com relao ao perfil coletivo, percebe-se um peso maior dos indcios que conduzem
classificao do racionalismo completo, clssico e do realismo ingnuo. Essa alterao foi
detectada tendo as respostas como referncia, porm deve-se ressaltar que se tem tambm a
conscincia de uma possvel influncia do pesquisador, que como professor conhece bem a
aluna A, na definio do perfil individual. importante reforar a idia de indcios, pois so
interpretaes das respostas que ao ver do pesquisador podem ser classificadas nas zonas
hierrquicas bachelardianas ou podem evoluir nessa direo.
Por outro lado, ainda ao olhar para as respostas, na primeira percebe-se uma relao do
conceito de tempo com a durao de atividade, o que tambm se repete na segunda resposta.
Acredita-se que a relao de tempo com prazo ou com a durao de atividade, muito
provavelmente, advm da rotina da infncia carregada de atividades, pois a aluna entra na
escolinha com menos de 2 anos e at nos dias atuais possui uma rotina intensa, conforme ela
prpria explica:
Atualmente, estudo de manh, fao curso de ingls duas vezes por semana durante a tarde, e aula
de ballet trs vezes por semana. Durante o tempo que fico em casa, costumo fazer os trabalhos da
escola, as lies e outras tarefas e dificilmente paro para descansar, porque mesmo que eu faa
outras coisas para me distrair, como assistir televiso, eu fico me lembrando de todas as coisas
mais importantes que eu devo fazer, e acabo no aproveitando

Portanto possvel deduzir o quanto essa adolescente de apenas 14 anos comandada


pela loucura social e econmica em que se vive. Como professor e pesquisador possvel
relatar situaes de sala de aula em que a aluna demonstrou sua relao de dependncia com
as inmeras atividades assumidas. Certa vez ela chegou 10 minutos atrasada para uma prova
195

e j entrou na sala em prantos culpando-se pela irresponsabilidade, mesmo sendo um dia de


muita chuva e trnsito difcil.
Na resposta da atividade 2 as escolhas so contraditrias e a vontade dela era interferir
no andamento do tempo que reconhece como absoluto. Essa vontade de esticar o tempo
tambm sofre influncia do nmero de afazeres pois, mesmo nos momentos destinados ao
descanso, seu pensamento esta na realizao da atividade.
Assim possvel estabelecer uma relao entre todo sua disciplina na vida e na
realizao de suas tarefas com a sua concepo de tempo. Como diria Bachelard, tudo
levando a uma impregnao cultural. Portanto pode-se desenhar o seu perfil cultural, em
funo do que foi acima relatado, tomando-se o perfil coletivo como referncia e apenas
diminuindo a distancia entre cultura de massa e cultura humanstica.

Perfil Cultural da Aluna A

Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa

Passando para a 3a. srie do ensino mdio destaca-se a aluna B de 16 anos e suas
respostas que esto no anexo 8.
No questionrio 1 chama a ateno o fato de no aparecerem palavras relacionadas com
a marcao do tempo e previso meteorolgica. As palavras assim como as justificativas
mostram uma concepo de tempo relacionada com as diferentes fases da vida, com os
sonhos, os objetivos a serem realizados.
Essas concepes so reforadas pelas respostas do questionrio 2, em que as frases
escolhidas: 1, 6, 7 e 8 no retomam conceitos de mensurao de tempo. As justificativas
196

seguem essa mesma coerncia, ou seja, cita a relao de tempo com a vida, com os
objetivos, com as conquistas.
No questionrio 3 a concepo subjetiva e de sentido de tempo fica ainda mais evidente
pelas respostas, que mostram um tempo influenciando todas as coisas vivas e no vivas. At
o seu desenho ressalta a correlao de tempo e vida.
Portanto possvel tambm aqui perceber traos das escolas filosficas, sendo que os
indcios na direo do realismo ingnuo e do racionalismo completo tm maior peso.
Assim, traa-se o esboo do perfil epistemolgico individual dessa aluna, que um pouco
diferente do perfil coletivo da sua sala, pois comparecem com maior destaque o realismo
ingnuo e o racionalismo completo
Perfil Epistemolgico da Aluna B

Realismo Ingnuo
Empirismo
Racionalismo clssico
Racionalismo completo

Ao olhar a sua rotina percebe-se que esteve longe de ser controlada e organizada
rigidamente, principalmente pelos relatos de momentos de tranqilidade. Pode-se atribuir a
ausncia da palavra relgio e qualquer outra referncia marcao de tempo a sua
organizao de vida iniciada pela conduta dos seus pais. Nota-se a ausncia de referencia a
escolinha, que um ponto a investigar. Portanto, apresenta-se o esboo do perfil cultural da
Aluna B que sofreu uma pequena alterao igualando as colunas de cultura de massa e
humanstica, quando comparada com o perfil do seu coletivo.

197

Perfil Cultural da Aluna B

Cultura Humanistica
Cultura Cientfica
Cultura de Massa

No curso de Pedagogia, destaca-se a aluna C que tem suas respostas no anexo 10. Suas
palavras foram: hora, ms, ano, estao. Na sua justificativa ela j estabelece uma relao do
tempo com o seu nascimento:
Quando veio a palavra tempo eu j relacionei com o ano em que eu nasci(...) o ms estava com
previso de muito calor pois a estao(...)

No questionrio 2, em que escolheu o item 5, encontra-se:


Para mim tempo contempla vrios significados, pois atravs do tempo que mudamos(...) apaga
as marcas do passado. O relacionamento do tempo com a natureza exatamente o que corresponde
a vida na Terra.

J no questionrio 3 destaca-se a resposta da questo 1, em que a aluna tem a percepo


do tempo focada no seu envelhecimento e no crescimento dos filhos. Ainda no questionrio
3 destaca-se o desenho representativo do cu como ilustrao do tempo e no ltimo
questionrio que tratava da rotina, quanto a sua infncia, encontra-se o seguinte comentrio:
(...) dos 8 aos 16 anos trabalhei no roado com meu pai, plantando milho, feijo, algodo etc,
depois de plantar espervamos nascer e crescer p/ poder colher o nosso po de cada dia(...)

Com isso pode-se pensar que a sua relao com o conceito de tempo passa
primeiramente pelo nascimento e pelo valor do desenvolvimento da vida, alm da relao
com a natureza. Possivelmente isso se deve aos anos da prtica do roado, em que a
influncia do ciclo de vida no plantio extremamente grande. Pode-se inferir
preliminarmente que essa prtica est para a aluna C assim como a conduta da balana est
para Bachelard. Nesse caso no se traa seu perfil individual, pois se entende que ele se
mantm muito semelhante ao perfil coletivo esboado anteriormente
198

Assim, encerra-se essa anlise entendendo que existe um longo caminho a percorrer.
Cabem as palavras de Bachelard (1978, pg. 28):
(...) Sugeriramos, pois, de bom grado uma anlise filosfica espectral que determinaria com
preciso a forma como as diversas filosofias reagem ao nvel de um conhecimento objetivo
particular. Esta anlise filosfica espectral necessitaria, para se desenvolver, de psiclogos que
fossem filsofos e tambm de filsofos que aceitassem ocupar-se de um conhecimento objetivo
particular. Esta dupla exigncia no impossvel de realizar se nos comprometermos
verdadeiramente na narrao dos sucessivos conhecimentos de um fenmeno particular bem
definido. O fenmeno bem definido classifica quase automaticamente as fenomenologias. Uma
dialtica espiritual que se anima ao nvel de um fenmeno perde imediatamente o seu carter
arbitrrio.

Portanto, tem-se conscincia que o lbum de perfis individuais necessita de


aprofundamento no levantamento de dados e na anlise para uma melhor definio. Contudo
os dados dessa pesquisa indicam a existncia de uma impregnao entre a cultura e o perfil
epistemolgico, alm da sua interdependncia, apontando para a necessidade de entend-los,
interpret-los para facilitar o estabelecimento de aes dialgicas no processo educativo.

199

CONSIDERAES FINAIS

H um momento para tudo e um tempo para todo propsito debaixo do cu.


Tempo de nascer, e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo para colher.
Eclesiaste 3, 1-2

200

Ao finalizar esse trabalho importante fazer uma retomada critica do caminho trilhado
visando destacar o que foi aprendido com o estudo terico, o que foi realizado com a
pesquisa de campo e o que necessrio continuar estudando e pesquisando.
O conceito de tempo na histria e suas diferentes concepes, estudadas com dois
olhares distintos, ou seja, os calendrios e relgios e o conceito de tempo na fsica e na
filosofia, mostrou-se promissor no sentido de entender o conceito e muito mais profundo do
que imaginado no incio do trabalho. A idia de relacionar a mensurao do tempo com as
transformaes da natureza, com os movimentos dos astros, com as diferentes constelaes
para confeccionar os calendrios, assim como a posio do sol, da lua e variaes no fluxo
de gua para confeccionar os relgios, so caractersticas comuns aos primrdios da maioria
das culturas que se examinou. Parece que esse caminho realmente foi o mais promissor no
sentido de se estabelecer um dilogo inteligente com a natureza e foi razoavelmente
independente da posio geogrfica e dos costumes de cada povo. As diferenas que se
estabeleceram nos calendrios e relgios foram, ao longo do tempo, se conectando de forma
a estabelecer, na poca contempornea, o reinado do controle do tempo, ou seja, com a
criao das cidades, a industrializao, a necessidade de se comunicar cada vez mais em
menos tempo, fez desse instrumento de medida, outrora coadjuvante, um protagonista e
algoz da modernidade.
Na cincia e na filosofia foi possvel identificar possibilidades de continuidade da
pesquisa terica, analisando as diferentes culturas sob o olhar do perfil epistemolgico de
Bacherlard sobre o conceito de tempo, ou sob o conceito de instante ou durao.
As teorias de Gaston Bachelard e Paulo Freire mostraram-se satisfatrias e adequadas
para os objetivos desse trabalho. Alm disso, o dilogo entre elas foi frutfero, ou seja, as
proximidades das concepes epistemolgicas de Bachelard e gnosiolgicas de Paulo Freire
revelaram-se fecundas e promissoras, sendo um indicativo de que um mergulho ainda maior
nas obras desses filsofos e educadores pode proporcionar reflexes ainda mais slidas
sobre educao e conhecimento.
Tratando da pesquisa de campo, a sugesto que objetivava estabelecer uma relao entre
o perfil epistemolgico do conceito de tempo e o perfil cultural, como indicada no trabalho
realizado por Ferrer (2007), foi contemplada nesse trabalho. Os esboos dos perfis coletivos
e individuais apresentados constituem um grande passo na direo de estabelecer uma
201

relao entre os perfis epistemolgico e cultural, alm da influncia de um sobre o outro. Por
outro lado, apesar de serem apenas esboos, podem se constituir numa ferramenta auxiliar
no ensino de fsica.
No aspecto cultural, deu-se pouca ateno a anlises de natureza antropolgica,
pensando efetivamente na postura assumida por cada grupo e indivduo diante da influncia
dos costumes, do aparato tecnolgico, da violncia, da religio, da imprensa falada e escrita,
do dinheiro, da fome, entre outros problemas e caractersticas da vida contempornea
A construo de uma ferramenta que pudesse acessar as concepes dos alunos sobre o
conceito de tempo e sua cultura tambm foi contemplada nesse trabalho. Porm, podem-se
aperfeioar esses questionrios, buscando adequ-los ainda mais s caractersticas das
escolas bachelardianas e aos nveis culturais, clarificando melhor a relao entre o conceito
de tempo e a cultura.
Contudo, pensando em traar efetivamente os perfis epistemolgicos e culturais,
acredita-se que a introduo de entrevistas semi estruturadas, com indivduos de cada grupo
(fundamental, mdio e superior), a forma mais efetiva de se obter dados mais slidos. Esse
mais um indicativo de continuidade dessa pesquisa.
Assim, acredita-se na contribuio desse trabalho como uma ferramenta que possa
alargar as possibilidades de interpretao das concepes dos alunos tendo como pano de
fundo sua cultura e sua histria de vida como seres pensantes e ativos, alm de servir de
subsdio para trabalhos futuros de pesquisa em ensino de fsica que objetivam continuar o
tema como foi indicado.

202

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206

ANEXOS

207

ANEXO 1
Questionrio sobre conceito de tempo ( Parte 1)
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
AVALIE AS AFIRMAES ABAIXO, SEGUNDO O SEGUINTE CRITRIO:
1 - Discordo totalmente
2 - Discordo parcialmente
3 - Concordo parcialmente
4 - Concordo totalmente
1.

O tempo s vezes passa mais rpido, s vezes passa mais devagar


(p.ex.: quando estou ansioso, quando estou esperando algum, quando
estou chateado, etc)

1 2

2.

O tempo passa diferentemente para cada indivduo (agora, nesta sala)

1 2

3.

Existe um tempo nico para todos os indivduos (agora, nesta sala)

1 2

4.

Parece que o tempo passa mais rpido ou mais devagar s vezes, mas
isso no real, uma sensao

1 2

5.

Percebemos que o tempo passa porque as coisas mudam

1 2

6.

O tempo no volta atrs

1 2

7.

possvel separar ''tempo" de "medida de tempo"

1 2

8.

O tempo existe porque existem relgios

1 2

9.

Para se construir um relgio, eu necessito de um fenmeno que se


1 2

1 2

1 2

1 2

1 2

1 2

repete regularmente (peridico)


10. Entre a ampulheta (relgio de areia) e um relgio digital, a primeira
melhor para se marcar o tempo, porque um mecanismo natural
11. Em termos de "exatido", a ampulheta (relgio de areia) e o relgio
digital so igualmente precisos (equivalentes)
12. Entre um relgio de corda e um relgio digital, h equivalncia quanto
preciso (exatido)
13. O relgio digital to preciso quanto o relgio solar ou a ampulheta
(relgio de areia). A vantagem dele a de ser mais moderno e mais
fcil de carregar

14. Se todos os relgios do mundo quebrassem, no haveria mais tempo

208

15.

1 2

mais tempo
16. Se no houvesse seres humanos, no haveria tempo

1 2

17. Se no houvesse seres vivos, no haveria tempo

1 2

18. O tempo uma criao da nossa conscincia

1 2

19. Se nada se movesse, no haveria mais tempo

1 2

20. O tempo passa independente de qualquer coisa

1 2

21. do movimento das coisas que abstramos a noo de tempo

1 2

22. Mesmo na ausncia de matria no universo o tempo existiria

1 2

23. Se no marcssemos o tempo, ele no existiria

1 2

24.

1 2

1 2

tempo
26. O tempo existe independentemente dos objetos e do movimento

1 2

27.

1 2

1 2

fim)
29. O tempo finito (teve um incio e ter fim)

1 2

30. O tempo assemelha-se "reta dos nmeros reais"

1 2

31. O tempo pode ser infinitamente sub-dividido

1 2

32. O "instante" seria a menor parte do tempo

1 2

33. O tempo algo real, que existe no universo, ainda que seja "imaterial"

1 2

34. O tempo algo imaginrio

1 2

Se todos os relgios do mundo quebrassem e o sol deixasse de brilhar, ento no haveria

Existe um tempo que passa de forma absoluta, e os relgios medem esse tempo de
forma aproximada

25.

28.

Existe um tempo que passa de forma absoluta, e os relgios marcam fielmente esse

O tempo infinito para frente e para trs (no teve incio e no ter fim)

O tempo infinito somente para frente, e finito para trs (teve comeo, mas no ter

209

ANEXO 2
Questionrio sobre conceito de tempo ( Parte 2)
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
Todas as 12 afirmaes abaixo, sobre o conceito de tempo, so de um cientista, filsofo ou poeta Analise as
afirmaes e, ao final escolha as 6 delas, estabelecendo uma ordem de concordncia, daquela que voc mais
concorda para a que menos concorda, conforme o exemplo abaixo
EXEMPLO
As afirmaes so identificadas por letras. Assim no final do texto voc encontrar

um gabarito de

preenchimento:
Concordncia nvel 1: Afirmao G
Concordncia nvel 2: Afirmao A
Concordncia nvel 3: Afirmao B
Concordncia nvel 4: Afirmao I
Concordncia nvel 5: Afirmao K
Concordncia nvel 6: Afirmao H
Concordncia nvel 1- maior concordncia
Concordncia nvel 6 menor concordncia
Afirmao A
Ento ele lembrou-se de fazer uma imagem mvel da eternidade e, ao mesmo tempo que organizava o
cu, fez da eternidade que resta na unidade esta imagem eterna que progride segundo o nmero, e a que ns
chamamos o tempo. Com efeito, as noites, os meses, os anos no existiam antes do nascimento do cu, e foi
construindo o cu que ele se lembrou de cri-los (...)
Afirmao B
No apenas medimos o movimento pelo tempo, mas o tempo pelo movimento, porque se definem um ao
outro. O tempo marca o movimento, visto que seu nmero, e o movimento marca o tempo.
Afirmao C
Se pudermos conceber um espao de tempo que no seja suscetvel de ser dividido em mais partes, por
mais pequeninas que sejam, s a esse podemos chamar de tempo presente. Mas este voa to rapidamente do
futuro para o passado, que no tem nenhuma durao. Se a tivesse dividir-se ia e passado e futuro. Logo o
tempo presente no tem nenhum espao.
Afirmao D
O tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, por si mesmo e da sua prpria natureza, flui uniformemente
sem relao com qualquer coisa externa e tambm chamado de durao.
Afirmao E

210

.... Este tempo absoluto no pode ser medido por nenhum movimento, no tem pois nenhum valor
prtico nem cientfico; ningum est autorizado a dizer que sabe algo sobre ele; no seno um ocioso
conceito metafsico .
Afirmao F
Se colocssemos um organismo vivo em uma caixa,... seria possvel providenciar para que o organismo,
depois de um vo arbitrariamente longo, fosse reconduzido ao seu ponto original em uma condio quase
inalterada, enquanto os organismos correspondentes, que haviam permanecido nas posies originais, teriam
h muito tempo dado lugar a novas geraes. No organismo em movimento o tempo de durao da jornada foi
um mero instante, desde que o movimento tenha ocorrido com velocidade aproximada da Luz.
Afirmao G
Se ningum mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fez a pergunta, j no sei. Porm,
atrevo-me a declarar, sem receio de contestao, que, se nada sobreviesse, no haveria tempo futuro, e se agora
nada houvesse, no existiria o tempo presente.
Afirmao H
Essa imagem movente se manifesta nos movimentos dos corpos celestes. A estreita associao que
estabeleceu entre o tempo e o universo conduziu Plato a considerar o tempo como efetivamente produzido
pelas revolues da esfera celeste.
Afirmao I
... o tempo seja um crculo fechado em si mesmo. O mundo se repete, de forma precisa, infinitamente.
Afirmao J
... o tempo como um curso de gua ocasionalmente desviado p algum detrito, p uma brisa que passa.
Afirmao K
O tempo visvel em todos lugares . Torres de relgio, relgio de pulso, sinos de igreja dividem os anos em
meses, meses em dias, dias em horas, horas em segundo ...
Afirmao L
o tempo passa lentamente para as pessoas em movimento. Assim todos se movem em alta velocidade, para
ganhar tempo.
LISTE AQUI A SUA SEQNCIA FINAL ESCOLHIDA
Concordncia nvel 1: ___________________
Concordncia nvel 2: ___________________
Concordncia nvel 3: ___________________
Concordncia nvel 4: ___________________
Concordncia nvel 5: ___________________
Concordncia nvel 6: ___________________
211

ANEXO 3
QUESTIONRIO 1 - Palavras
Nome:_______________________________________________Idade:____________Sexo:
1. Escreva abaixo no mnimo 4 palavras que ao ler a palavra TEMPO voc automaticamente
associa.

2. Justifique a sua associao

212

ANEXO 4
QUESTIONRIO 2
Nome: _________________________________ Idade:_____

Sexo:______ Srie:____

Leia atentamente as frases abaixo e marque com um X a(s) que mais se aproximam da sua
idia de tempo
1) No apenas medimos o movimento pelo
tempo, mas o tempo pelo movimento, porque
se definem um ao outro. O tempo marca o
movimento, visto que seu nmero, e o
movimento marca o tempo.
2) ... o tempo seja um crculo fechado em si
mesmo. O mundo se repete, de forma precisa,
infinitamente.
3) O tempo visvel em todos lugares .
Torres de relgio, relgio de pulso, sinos de
igreja dividem os anos em meses, meses em
dias, dias em horas, horas em segundo ...
4) Se colocssemos um organismo vivo em
uma caixa,... seria possvel providenciar para
que o organismo, depois de um vo
arbitrariamente longo, fosse reconduzido ao
seu ponto original em uma condio quase
inalterada,
enquanto
os
organismos
correspondentes, que haviam permanecido nas
posies originais, teriam h muito tempo
dado lugar a novas geraes. No organismo em
movimento o tempo de durao da jornada foi
um mero instante, desde que o movimento
tenha ocorrido com velocidade aproximada da
Luz.

5) O tempo absoluto, verdadeiro e


matemtico, por si mesmo e da sua prpria
natureza, flui uniformemente sem relao
com qualquer coisa externa e tambm
chamado de durao.
6) ... o tempo como um curso de gua
ocasionalmente desviado por algum detrito,
p uma brisa que passa.
7) o tempo passa lentamente para as
pessoas em movimento. Assim todos se
movem em alta velocidade, para ganhar
tempo.
8) Suponhamos que o tempo no seja uma
quantidade mas uma qualidade, como
luminescncia da noite sobre as rvores no
preciso momento em que a lua nascente toca
o topo das copas. O tempo existe, mas no
pode ser medido.

Justifique a(s) sua escolha ( voc pode utilizar o verso)

213

ANEXO 5
QUESTIONRIO 3
Nome: _________________________________ Idade:_____

Sexo:______ Srie:____

Responda as questes abaixo:


1. Como possvel perceber que o tempo est passando? Justifique
2. O tempo existe independente dos seres humanos? Justifique
3. Na aula do professor chato o tempo parece no passar, porm na aula do professor,
Legal o tempo passa rpido, isso significa que o tempo varia de pessoa para pessoa?
Justifique sua resposta
4. Como os relgios funcionam? Qual a melhor forma de marcar o tempo (Ampulheta,
relgio mecnico, digital...etc)
5. Suponha que um certo indivduo partiu do Brasil em viagem para Espanha, saindo s
14h do dia 01/07. Como a viagem durou 9h ele desembarca na Espanha as 23h do dia
01/07, na sua marcao. Porm ao observar os relgios locais percebe que marcam 4h da
manh do dia 02/07. Isso significa que nosso indivduo viajou no tempo, ou seja foi para
o futuro? Justifique.
6. Comente a frase: Olhar para o cu olhar para o passado.
7. Como voc definiria o tempo?
8. Como voc representaria o tempo por meio de um desenho? Justifique

214

ANEXO 6
QUESTIONRIO 4
Nome: _________________________________ Idade:_____ Sexo:______ Srie:____
Responda as questes abaixo:

1. Na sua infncia, como seus pais organizavam o seu dia-a-dia? Eram rgidos com os
horrios e colocavam voc em muitas atividades diariamente? Explique

2. Atualmente, como est organizada sua rotina diria? Voc participa de muitas atividades
durante o dia, ou tem momentos de maior tranqilidade. Explique

3. Das atividades que voc realiza, destaque a que voc mais gosta de fazer e aquela em
que voc tem mais habilidade. Justifique sua escolha

4. O tempo realmente passa mais rpido quando voc executa essa atividade que mais
gosta? Explique

5. Se voc est empregado atualmente, qual a sua atividade profissional e quanto tempo
atua nessa profisso? Descreva sucintamente sua rotina diria destacando a organizao
do seu tempo. Seus horrios so rgidos? Discuta

6.

Qual ou quais as suas pretenses profissionais? Qual rea ou profisso voc acredita ter
maior possibilidade desenvolver as sua habilidades?

215

ANEXO 7
QUESTIONRIO 5
Nome: _______________________________________________________
Idade:____________Sexo:______
1.

Qual a sua descendncia:

a.

Europa

b.

frica

c.

sia

d.

Indgena (nativo)

e.

Oriente mdio

2.

Sua Famlia preserva algum costume do pas de origem:

A. Sim
B. No
3.

Se sua resposta foi sim pergunta anterior , cite o pas e o costume preservado por sua famlia

4.

Qual a sua situao de vida:

a.

Casado(a) e moro com esposo(a) e filhos

b.

Solteiro(a) e moro com meus pais

c.

Solteiro(a) e moro com meus avs

d.

Solteiro(a) e moro sozinho

e.

Outras especificar:____________________________________________

5.

Qual a sua religio

a.

Cristo catlico

b.

Cristo evanglico

c.

Muulmano

d.

judaica

e.

Outras especificar:______________________________

6.

Qual o seu grau de escolaridade:

a.

Fundamental
216

b.

Mdio

c.

Superior incompleto

d.

Superior completo

e.

Fundamental ou mdio incompleto. Cite qual dos dois:______________________

7.

Se voc possui superior completo ou incompleto, qual o curso:_________________

8.

Voc possui algum curso tcnico? Se sim qual?______________________________

9.

Voc fala, l ou escreve um ou mais idiomas? Cite:___________________________

Obs: Perguntas 10 e 11 para so para quem est ou esteve empregado


10. Qual a sua rea de atuao profissional (Atual ou ltimo emprego)
a.

Comrcio

b.

Industria

c.

Servios

d.

Outras especificar: ________________________

11. Descreva brevemente a sua funo na rea de atuao profissional


(Atual ou ltimo)
12. Qual a sua renda familiar
a.

De 1 a 5 salrios mnimos

b.

De 5 a 10 salrios mnimos

c.

De 10 a 20 salrios mnimos

d.

De 20 a 30 salrios mnimos

e.

Mais de 30 salrios mnimos

13. Com que freqncia voc assiste televiso:


a.

Duas vezes ao dia

b.

Uma vez ao dia

c.

Dias alternados

d.

Uma vez por semana

e.

Outras a especificar:__________________________________

14. Qual a programao de sua preferncia


a.

novelas
217

b.

filmes

c.

jornais

d.

documentrios

e.

outros a especificar:_____________________________________

14. Qual o programa que voc mais gosta:___________________________


15. Com que freqncia voc ouve rdio:
a.

Duas vezes ao dia

b.

Uma vez ao dia

c.

Dias alternados

d.

Uma vez por semana

e.

Outras a especificar:__________________________________

16. Qual a programao de sua preferncia


a.

Msicas

b.

entrevistas

c.

noticirios

d.

humorsticos

e.

outros a especificar:_____________________________________

15. Qual o tipo de msica voc mais gosta:


a.

Clssica

b.

Sertanejo

c.

Popular

d.

Rock

e.

Outras especificar____________________________________

16. Com que freqncia voc vai ao teatro


a.

Uma vez por semana

b.

Uma vez por ms

c.

Uma vez por bimestre

d.

Uma vez por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

17. Qual o tipo de pea teatral de sua preferncia


a.

Drama

b.

Comdia

c.

Suspense
218

d.

Fico Cientfica

e.

Outras especificar:________________________

18. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi ao teatro e qual o nome da pea.
19. Com que freqncia voc vai ao cinema
a.

Uma vez por semana

b.

Uma vez por ms

c.

Uma vez por bimestre

d.

Uma vez por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

20. Qual o tipo de filme de sua preferncia


a.

Drama

b.

Comdia

c.

Suspense

d.

Fico Cientfica

e.

Outras especificar:________________________

21. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi ao cinema e qual o nome do filme.
22. Com que freqncia voc vai a exposies de arte
a.

Uma vez por semana

b.

Uma vez por ms

c.

Uma vez por bimestre

d.

Uma vez por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

23. Cite, aproximadamente, a ltima vez que foi uma exposio de arte e o nome da exposio.
24. Com que freqncia voc l livros
a.

Um por semana

b.

Um por ms

c.

Um por bimestre

d.

Um por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

25. Qual o tipo de livro de sua preferncia


a.

Fico cientfica
219

b.

Divulgao cientfica

c.

Romance

d.

investigao

e.

Outras especificar:________________________

26. Cite o nome do ltimo livro que leu ou est lendo.


27. Com que freqncia voc l Revistas
a.

Um por semana

b.

Um por ms

c.

Um por bimestre

d.

Um por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

28. Qual o tipo de Revista de sua preferncia


a.

Fico cientfica

b.

Divulgao cientfica

c.

Notcias

d.

Novelas

e.

Outras especificar:________________________

29. Cite o nome da revista de sua preferncia.


30. Com que freqncia voc l jornais
a.

Um por semana

b.

Um por ms

c.

Um por bimestre

d.

Um por ano

e.

Outras especificar:____________________________________________

31. Qual o nome do jornal de sua preferncia : _________________________________


32. Com que freqncia voc acessa a internet
a.

Diariamente

b.

Dias alternados

c.

Um vez por semana

d.

Um vez por ms

e.

Outras especificar:____________________________________________
220

33. Qual os sites de sua preferncia


a.

Salas de bate papo

b.

Relacionamentos

c.

notcias

d.

Divulgao cientfica

e.

Outras especificar:________________________

34. Cite o site que voc mais acessa, com exceo do seu e-mail.

221

ANEXO 8 ALUNA A

222

223

224

225

226

227

ANEXO 9 ALUNA B

228

229

230

231

232

ANEXO 10 ALUNA C

233

234

235

236

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