Cibertexto

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Resenha

Cibertexto:
Perspectivas sobre a Literatura Ergdica*

iante das possibilidades permitidas pelo uso crescente dos computadores,


o pesquisador noruegus Espen J. Aarseth prope no livro Cibertexto:
Perspectivas sobre a Literatura Ergdica uma nova forma de encarar

os desafios apresentados linguagem e criao literria. Publicado em 1997 pela


The Johns Hopkins University Press, o livro tem se firmado como uma das principais
perspectivas para o entendimento das novas prticas literrias praticadas com o auxlio
do computador, ganhando traduo para o portugus pelas mos de Maria Leonor Telles
e Jos A. Mouro, com reviso cientfica a cargo de Lus Filipe B. Teixeira, em edio
publicada pelo selo lisboeta Pedra de Roseta, em Maio de 2006.
Embora reconhea a importncia da semitica, do ps-estruturalismo, da teoria da
recepo e da ps-modernidade; Aarseth promove uma reviso crtica da abrangncia
desses estudos na anlise de fenmenos comuns chamada literatura de computador.
Segundo ele, por se prenderem a uma perspectiva tradicional de literatura desenvolvida
em cdex, esses estudos se revelam insuficientes para abraar a complexidade imposta
pelos novos gneros desenvolvidos com o auxlio do computador, deixando escapar
caractersticas importantes para a anlise dessas obras.
Assim, diante de novas propostas artsticas, o terico noruegus defende uma
nova teoria, com novos termos que possam preencher as necessidades de se ater s
problemticas impostas pelas obras. Aarseth ento opta pelo termo cibertexto:
O conceito de cibertexto centra-se na organizao mecnica do texto,
reconhecendo as implicaes do medium como parte integrante do
*. Espen Aarseth (2006), Cibertexto: Perspectivas sobre a Literatura Ergdica, traduo por Maria
Leonor Telles e Jos Augusto Mouro, reviso cientfica de Lus Filipe B. Teixeira, Lisboa: Pedra
de Roseta.

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intercmbio literrio. Contudo, tambm centra a sua ateno no


consumidor ou utilizador do texto como uma figura ainda mais integrada
do que os prprios tericos da recepo reivindicariam. O desempenho do
seu leitor realiza-se todo no seu crebro, enquanto que o do utilizador do
cibertexto tambm se exerce num sentido extranoemtico. (AARSETH,
2006, p. 19).

E pelo conceito de literatura ergdica:


Durante o processo cibertextual, o utilizador ter efectuado uma sequncia
semitica, e este movimento selectivo obra de uma construo fsica
que os diversos conceitos de leitura no contemplam. esse fenmeno
que eu chamo ergdico, utilizando um termo retirado da fsica que deriva
das palavras gregas ergon e hodos, que significam obra e via. Na
literatura ergdica, exigem-se diligncias fora do comum para permitir ao
leitor percorrer o texto. Para que a literatura ergdica faa sentido como
conceito, tem de haver tambm literatura no-ergdica, onde o esforo
para percorrer o texto trivial, sem que o leitor assuma responsabilidades
extranoemticas exceo de (por exemplo) movimentar a vista e virar
as pginas peridica ou arbitrariamente. (AARSETH, 2006, pp. 19-20)

Diferente de outros tericos que privilegiam a mdia como fator diferencial, as


citaes indicam que a distino passa pelo papel do leitor. Para evidenciar isso, Aarseth
compara o leitor tradicional como um torcedor de futebol, que por mais que grite, no
possui o mesmo poder de um jogador, mostra-se impotente para influenciar o resultado.
J no cibertexto, a exigncia de esforo e a energia por parte do leitor tamanho que
eleva a interpretao ao nvel de interveno. No entanto, o terico reconhece que, na
maioria dos casos, o resultado alcanado ilusrio, embora o aspecto de coaco e
manipulao (seja) real (AARSETH, 2006, p. 22).
Ainda que considere o suporte um importante fator a ser analisado, Aarseth no
considera o papel do computador determinante para o surgimento de obras ergdicas.
E isso ele expe empiricamente na comparao entre obras de diferentes naturezas
atravs do programa Analytica, traando grficos a partir de sete variveis: dinmica
(variao de significantes e significados da obra), determinabilidade (variao de
resultados), transcincia (respectivo ao papel do leitor na passagem do tempo da obra),
perspectiva (referente ao controle do leitor sobre o personagem), acesso (disponibilidade
dos textos), ligaes (se os links so condicionados, explcitos ou independentes) e
funes do utilizador (papel do leitor, que pode variar entre interpretativo, exploratrio,
configurativo ou textnico).

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Assim, ele constata que o fato da obra ter sido publicada em papel no a impede
de ser ergdica. Com base nesse levantamento de dados, ele reafirma a importncia do
leitor para que se estabelea a diferenciao: podemos definir um texto ergdico como
aquele em que est presente, alm da funo interpretativa obrigatria, pelo menos uma
das quatro funes do utilizador. (AARSETH, 2006, p. 86). Ou seja, para um texto ser
ergdico, o leitor precisa no s interpret-lo, como tambm explor-lo, configur-lo e
mesmo produzi-lo. Dada a importncia dessa funo, o terico noruegus acha por bem
usar o termo utilizador para se referir ao leitor de cibertexto.
No entanto, esse processo ergdico de participao do leitor no implica
necessariamente o enfraquecimento da figura do autor. O grau de influncia do leitor
varia de acordo com o tipo de obra. Nos jogos de aventura, que comearam a se popularizar
l nos anos 1970 e inicialmente sua interface era apenas textual, a participao do leitor
(por mais exploratria que seja) limitada, fica restrita ao roteiro desenvolvido pelo
autor, tendo que cumprir uma sequncia de objetivos pr-estabelecidos. No caso de
jogos do tipo Multi-User Dungeon (MUDs), onde cada jogador cria o seu personagem e
at novos cenrios, a autoria compartilhada, coletiva, fruto da interao entre pessoas
reais em tempo real.
J em sua anlise sobre os geradores de textos, Aarseth aponta para simbiose
entre homens e mquinas, tratando o produto desses programas pelo termo literatura
ciborgue, definido como textos literrios produzidos pela combinao de atividades
humanas e mecnicas. (AARSETH, 2006, p. 159). Nesse ponto, o terico elenca trs
modos de colaborao entre o homem e a mquina: o pr-processamento (quando a
mquina programadas pelo homem), o co-processamento (quando o homem produz
junto com a mquina) e o ps-processamento (quando o homem atua sobre a produo
da mquina, selecionando e editando resultados).
Mais do que problematizar na funo do leitor, Aarseth sugere outras revises
de termos imprecisos, mas comumente incorporados aos estudos de obras eletrnicas
(como no-linearidade, interatividade, virtual e hipertexto), revelando o vis ideolgico
que existe por trs deles e a prtica acrtica na transferncia de termos industriais para
o meio acadmico. Ao atacar essa terminologia, ele pe sob suspeita a condio de

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Joyce, Aarseth aponta para a estrutura aporia-epifania (aporia como a dvida e epifania
como o momento de revelao dessa aporia, dando sentido ao todo) que rege a dinmica

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narrativa das obras ergdicas. Em sua anlise sobre a obra Afternoon, a story de Michael

do discurso do hipertexto no necessariamente se constitui uma narrativa. Pode at


se transformar em narrativa, mas no so condies fundamentais. Enquanto uma
narrativa se constri nos nveis de descrio e narrativa, a ergdica exige a participao
do leitor (AARSETH, 2006, p. 115).
Quando analisa os jogos de aventura, Aarseth ataca outra vez a associao feita com
a narrativa. Para isso ele cita as ideias de Iser sobre o papel dos vazios significativos das
histrias tradicionais na inteno de evidenciar que o mesmo no ocorre com os jogos,
onde os leitores (ou melhor, utilizadores) forado a se concentrar apenas no enredo
para alcanar o objetivo. Ao invs de complementar o sentido de uma obra, os vazios
dos jogos de aventura atuam como filtros para limitar as aes do leitor, levando-o a
soluo dos desafios.
Numa narrativa, o discurso consiste no plano dos acontecimentos, onde
se d a narrao dos acontecimentos, e tambm o que chamo o plano de
progresso, que o desenrolar dos acontecimentos tais como so recebidos
por um leitor implcito. Aqui, estes dois planos so idnticos porque a
progresso do leitor segue a linha dos acontecimentos. Num texto ergdico
exploratrio como o hipertexto, o plano de progresso est divorciado
do plano dos acontecimentos, visto que o leitor tem de explorar activa
e consequentemente para que o plano dos acontecimentos faa sentido.
Nos jogos de aventura, a relao entre acontecimentos e progresso
definida por um terceiro plano do discurso: um plano de negociao, em
que o intrigrio defronta a intriga para atingir um desenrolar desejvel
dos acontecimentos (AARSETH, 2006, pp. 147-148).

Com esses dois exemplos, Aarseth mostra que os parmetros da narrativa no so


suficientes para abraar as especificidades dos cibertextos. Assim, aps analisar esses
diferentes exemplos de obras praticadas no universo digital, Aarseth indica que existem
trs categorias de literatura ergdica: romance (que abarca as hiperfices), anamrfica
(obras que apresentam desafios a serem solucionados) e metamrfica (onde os textos
so regidos por mutaes e pelo imprevisvel).
Thiago Corra Ramos

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