O Canto Do Guerreiro

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O CANTO DO GUERREIRO

(GONALVES DIAS)

Carline Barbon
dos Santos

ANTNIO GONALVES DIAS


Gonalves Dias (Antnio G. D.), poeta, professor, crtico de histria, etnlogo.
Nasceu em Caxias, MA, em 10 de agosto de 1823 e faleceu em naufrgio, no
baixio dos Atins, MA, em 3 de novembro de 1864.
A melhor parte da lrica dos Cantos inspira-se ora da natureza, ora da religio,
mas sobretudo de seu carter e temperamento. Sua poesia eminentemente
autobiogrfica.
Sua obra potica, lrica ou pica, enquadrou-se na temtica americana, isto , de
incorporao dos assuntos e paisagens brasileiros na literatura nacional, fazendo-a
voltar-se para a terra natal, marcando assim a nossa independncia em relao a
Portugal.
Ao lado da natureza local, recorreu aos temas em torno do indgena, o homem
americano primitivo, tomado como o prottipo de brasileiro, desenvolvendo, com
Jos de Alencar na fico, o movimento do Indianismo.

Antonio Candido um dos autores que destaca a figura singular de


Gonalves Dias no cenrio nacional a ponto de classific-lo como o
verdadeiro criador da literatura nacional. Assim, no clssico Formao da
Literatura Brasileira: momentos decisivos, escreve:
[...] a maioria dos poetas e mesmo jornalistas considerava Gonalves Dias,
desde meados do sculo, como o verdadeiro criador da literatura
nacional. Em 1849, lvares de Azevedo via nele a fonte de inspirao
para os novos e, por meio do livro renovador, Os Primeiros Cantos,
regenerador da rica poesia nacional de Baslio da Gama e Duro.
Coincide com este o ponto de vista de um crtico obscuro, N.J. Costa, a sua
grandeza de pioneiro, revelador do Brasil aos brasileiros, pois era o
poeta que mais primado nesse gnero, e que deve com justia ser chamado
o criador da poesia nacional (CANDIDO, 1981, p.81).

INDIANISMO ROMNTICO
Os indgenas, com suas lendas e mitos, seus dramas e conflitos, suas lutas e amores, sua fuso
com o branco, ofereceram-lhe um mundo rico de significao simblica. Embora no tenha
sido o primeiro a buscar na temtica indgena recursos para o abrasileiramento da
literatura, Gonalves Dias foi o que mais alto elevou o Indianismo.
A obra indianista est contida nas Poesias americanas dos Primeiros cantos, nos Segundos
cantos e ltimos cantos, sobretudo nos poemas Marab, Leito de folhas verdes, Canto
do piaga, Canto do tamoio, Canto do guerreiro e I-Juca-Pirama, este talvez o ponto
mais alto da poesia indianista.
uma das obras-primas da poesia brasileira, graas ao contedo emocional e lrico, fora
dramtica, ao argumento, linguagem, ao ritmo rico e variado, aos mltiplos sentimentos,
fuso do potico, do sublime, do narrativo, do dilogo, culminando na grandeza da
maldio do pai ao filho que chorou na presena da morte.
Pela obra lrica e indianista, Gonalves Dias um dos mais tpicos representantes do
Romantismo brasileiro e forma com Jos de Alencar na prosa a dupla que conferiu carter
nacional literatura brasileira.

INDIANISMO ROMANTICO POR WILTON JOS MARQUES (UFSCAR)

INDIANISMO ROMANTICO POR WILTON JOS MARQUES (UFSCAR)

INDIANISMO ROMANTICO POR WILTON JOS MARQUES (UFSCAR)

INDIANISMO ROMANTICO POR WILTON JOS MARQUES (UFSCAR)

RODOLFO AMOEDO - O LTIMO TAMOIO 1883 - MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES

VICTOR MEIRELLES- MOEMA

O CANTO DO GUERREIRO

APONTAMENTOS

Para que o ndio seja elevado condio de mito nacional, necessrio submet-lo a uma
espcie de deformao idealizante, eliminando dessa imagem tudo que possa contrariar o
estatuto de heri e os valores morais e cristos da civilizao ocidental. Para esse retrato
idealizado, so tomados os atributos do cavaleiro medieval e da tica corts (nobreza, coragem,
lealdade...) a fim de fazer o ndio, como antepassado do brasileiro, equiparar-se
qualitativamente ao conquistador.
Com isso, explica Antonio Candido (1918), o indianismo surge no apenas como passado mtico e
lendrio, mas tambm como passado histrico, maneira da Idade Mdia, de modo que lenda e
histria se fundem num esforo de suscitar um mundo potico digno. O temrio indianista serve,
assim, como compensao inexistncia de um passado medieval ligado ao pas e to
valorizado pelos romnticos europeus.

Na poesia de Gonalves Dias, uma das representaes mais acabadas dessa associao entre o
ndio e o cavaleiro medieval est em I-Juca Pirama, seguido pelos heris indgenas de poemas
como Canto do Guerreiro e Canto do ndio.

imagem idealizada e cavaleiresca do ndio, contrape-se a viso destrutiva da ao do


colonizador portugus.
H na poesia indianista de Gonalves Dias uma concepo trgica da colonizao, que,
segundo o crtico Alfredo Bosi (1936), j aparece no livro Primeiros Cantos, em que
desponta a conscincia das atrocidades reservadas s tribos tupis com a conquista
europeia.

Essa viso trgica da conquista parece se justificar pelo antilusitanismo que marca o esprito
de revoltas regionais como a Balaiada, pois Gonalves Dias vivencia na provncia natal as
tenses desde a independncia nacional at essas rebelies do nativismo exaltado latinoamericano contra a persistncia da dominao portuguesa mesmo depois de 1822.

O Canto do Guerreiro pertence a uma dimenso potica que trata com otimismo os feitos do
ndio, mas convm dizer que por trs do aparente otimismo que Gonalves atribuiu a este
poema haja vista que o nico dentre a sua obra indianista que no trata explicitamente a
destruio a que os ndios se submeteram por causa da chegada dos europeus h um
pessimismo no prprio cntico.
O Canto do Guerreiro canta os feitos e a bravura de um combatente indgena; de todas as
honras e gostos da vida, nenhuma era maior para os ndios do que matar e tomar nomes nas
cabeas de seus inimigos.
O poeta estabelece um dilogo entre o chefe indgena e sua tribo, onde apenas um interlocutor
dirige o seu canto e suas indagaes; ao mesmo tempo, o ato em que o chefe indgena convida
seus guerreiros para ouvir seu cantar tambm a maneira como o poeta convida o seu leitor
para ouvir o cntico do bravo guerreiro.

Em "O Canto do Guerreiro", o primeiro poema indianista de Primeiros Cantos, a


narrao conduzida pelo ndio, cujos versos afirmam uma concepo de valor da
condio indgena que ir distinguir o trao determinante da personalidade desses
povos e se constituir em marca de toda a representao do ndio na poesia de
Gonalves Dias: a dignidade da condio de homem livre, que s se desfaz com a
destruio e a morte:

Aqui na floresta
De ventos batidos,
Faanhas de bravos
No geram escravos
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
O poeta abre um cenrio de uma selva intocada pelos colonizadores, as primeiras
palavras so direcionadas por um interlocutor que no o guerreiro, como se fossem
uma informao ao leitor quanto ao local e o que se h-de cantar: na selva intocada
pelos colonizadores faanhas de bravos no geravam escravos, que valorizavam a vida
sem guerra e lidar.

O Guerreiro tambm celebra a sua valentia acima de todos os homens:

Valente na guerra

Quem h como eu sou?


Quem vibra o tacape

Com mais valentia?


Quem golpe daria
Fatais, como eu dou?

Nos poemas picos de Gonalves, percebe-se a grande presena dos costumes de guerreiros
embrutecidos; na sociedade indgena a sobrevivncia de um guerreiro era alimentada pela
honra e fazia parte do ritual da vida.

O Guerreiro continua cantando seus feitos de guerra, ningum melhor que ele guiava a flecha
emplumada na direo correta; havia capturado mais inimigos que todos; e indaga quem com
mais energia cantava os seus feitos. Depois de cantar seus feitos de guerra, o Guerreiro canta
a sua destreza na caa:
A ona raivosa

Meus passos conhece,


O imigo estremece,
E a ave medrosa

Se esconde no cu.

Eis uma face pessimista do poema: os ventos no gemem; as matas no tremem no sentido indicado e as aves
no possuem pranto lastimoso.
O poeta poderia ter simplificado o canto melanclico da ave solitria, porque o cntico dela triste. A
afirmao triste carpido, o termo triste por si s inspira a melancolia do canto da ave, mas o poeta refora a
tristeza, o triste carpido, como o triste barulho de uma ave, o triste pranto lastimoso.
L vo pelas matas;
No fazem rudo:
O vento gemendo
E as malas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,

So eles - guerreiros,
Que fao avanar.
Guerreiro canta o seu exrcito e a sua fora. Seu exrcito era composto de mil guerreiros que deixavam os
campos juncados de mortos, no entanto nenhuma alma dentre os seus se perdia:
Mil homens viveram,
Mil homens so l.

E ento se de novo
Eu toco o Bor;

Qual fonte que salta


Da rocha empinada,
Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
Que a raiva apagada

De todo no ,
Tal eles se escoam
Aos sons do Bor.
_ Guerreiros, dizei-me,
_ To forte quem ?

O Guerreiro compara seu exrcito com uma fonte que salta da rocha balburdiando,
vibrando por um entusiasmo de descontentamento. Porque por mais que haviam vencido a
batalha, no perecendo uma s alma entre eles, e deixando assim o campo juncado de
mortos, saem descontentes, porque a ira no est apagada.
O Canto do Guerreiro o poeta quis celebrar a glria dos feitos de uma tribo e o poema
acaba por encerrar-se com uma vitria insatisfeita e melanclica.
O que deveria ser um canto de celebrao vitoriosa torna-se um canto queixoso, que
parte do otimismo de um exrcito nativo que s sabe vencer, cujo cantor o mais forte
entre seus soldados para o pessimismo, porque a vitria no completa, a vingana
no foi capaz de aniquilar a clera.

O ndio se deixa enganar, mas no escravizar, resiste. Sua resposta tentativa de


escravizao a luta, ainda que esta lhe custe destruio e a morte. A luta condio
maior, fator de dignidade e justificativa da existncia da nao indgena.
Portanto, a vida uma epopeia constante, na qual s h lugar para os fortes, nica condio
de sobrevivncia das naes indgenas.
O uso da forma pica, adaptada s novas condies, revela a grande preocupao de
Gonalves Dias: no deixar que se percam no esquecimento as grandes tradies dos nossos
ndios, as razes nativas da ptria.
O objetivo central da epopeia perpetuar na memria das geraes futuras a imagem do
passado heroico nacional, no qual esto os ancestrais, os pais, os fundadores, os primeiros, os
melhores. E, isto s possvel, por meio da atualizao daquelas imagens elevadas na
memria do presente, e como tais imagens se construram na vida-combate, na luta, impe-se
enaltec-la, pois o combate s exalta os bravos, expandindo sua imagem e perpetuando-a na
memria das geraes futuras.
Eis a estratgia do poeta: perpetuar na lembrana da nao, na voz do porvir, aqueles feitos
que, elevados, tm qualidade pica, porque corresponde a continuidade do cdigo de valores
dos ancestrais e fundadores de uma nao.

REFERNCIAS:
GRIZOSTE, Weberson Fernandes. O Reflexo anti-pico de Virglio no indianismo de
GonalvesDias<http://www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/ColoquioLetras/patriciaaparecida.
pdf> Acesso: 14 de nov. 2014
FARIA, Patricia Aparecida Gonalves. AMERICANIDADE EM O CANTO DO NDIO DE GONALVES DIAS
<http://www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/ColoquioLetras/patriciaaparecida.pdf> Acesso:
17 de nov. 2014
MARQUES, Wilton Jos, O ndio e o destino atroz. Disponvel em:
<www.ufscar.br/~neo/Estudos/O_indio_e_o_destino_atroz.pdf> Acesso: 15 de nov. 2014

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