Ivan iLLich - O Direito Ao Desemprego Criador
Ivan iLLich - O Direito Ao Desemprego Criador
Ivan iLLich - O Direito Ao Desemprego Criador
O DIR EIT O AO
DES EMP REG O
CRI ADO R
A DECADENCIA DA IDADE PROFISSIONAL
Editorial Alhambra
Título do o ri ginal inglês:
The Right To Useful Unemployment
and its professional enemies
Tradução de
Joaquim Campelo Marques
5 O ETHOS POS-PROFISSIONAL.................................................................. 63
APÊNDICE.................................................................................................. 65
INTRODUÇÃO
Torna -se evidente agora que o problema crítico que a maior parte das
nações enfrenta é exatamente o mesmo: ou bem as pessoas se converterão
em cifras de uma multidão condicionada que avança para uma dependência
cada vez maior — e enfrentarão, portanto, batalhas selv agen s para obter
um mín im o das drogas que alimentam os seus hábitos — ou bem
en contrar ão o valor que é a única coisa que pode salvar no pânico; ou
seja, manter -se sereno e buscar em torno outra saída que não seja o óbvio já
marcado como saída. Entretanto, muitas pessoas às quais se diz que os
bolivianos, os canadenses, os húngaros enfrentam todos a mesma opção
fundamental, não só se sentem atingidas como também se ofendem
profundamente. A idéia lhes parece não apenas louca, mas chocante. Não
alcançam detectar a analogia nesta nova degradação amarga que vai
permeando a fome do índio do Altiplano, a neurose do trabalhador de
Amsterdã e a cínica corrupção do burocrata de Var sóvia.
Faz alg uns anos, cada se mana morre uma ou outra forma de
expressão. As que permanecem se uniformizam cada vez mais. Entretanto,
mesmo aquele s que se preo cupam com a perda de variedades genéticas
ou com a multiplicação de isótopos radiativos, não se advertem do
esgotamento irreversível das habilidades artesanais, das histórias e dos
sentidos da forma. Esta substituição gradual de valores úteis, mas não
mercantilizáveis, por bens industriais e por serviços tem sido a meta
compartida por facções políticas e regimes que, de outro modo, se
oporiam uns aos outros violentamente.
Por, este caminho, pedaços cada vez mais longos de nossas vidas se
transformam de tal maneira que a vida passa a depender quase exclusivamente
do consumo de mercadorias. Isto é o que deveríamos chamar crescimento
da intensidade de mercado nas culturas modernas. Naturalmente, os
diferentes regimes aplicam recursos de maneira distinta: aqui decide a
«sa bed oria da mão ocult a» do mer cado, ali a do ideólogo e o
planificador. Mas a oposição política entre estes proponentes de métodos
alternativos para a aplicação dos recursos, disfarça somente o próprio
desprezo grosseiro que todas as facções e partidos nutrem pela liberdade
e a dignidade pessoal. A política sobre energia em diferentes países nos dá um
bom exemplo para estudarmos a profunda identidade que ex iste en tre os
dif er en tes promotores do sist em a industrial, chamem-se eles socialistas ou
liberais. Se excluímos lugares como a Nova Camb oja, sobre a qual me falta
informação, não existe elite no governo nem oposição organizada que
conceba um futuro desejável fundado em um instrumental social cujo
consu mo de en er gia per cápit a fosse in ferior em várias ordens de
magnitude aos níveis que prevale cem hoje na Europa. Todas, as
correntes políticas insistem num pretenso imperativa técnico que torna
in ev it ável que o modo de produção moder no seja intensivo também no
uso de energia. Até agora não existe nenhum partido que reconheça que
um modo de produção desta espécie castra inevitavelmente a capacidade
criadora dos indivíduos e grupos primá rios. Todos os partidos insistem na
manutenção de níveis de emprego elevados na força de produção e parecem
ser incapazes de reconhecer que os empre gos tendem a destruir o valor de
uso do tempo livre. Insistem em que as necessidades dos indivíduos se
definam, na forma mais objetiva e total, por especialistas diplomados
publicamente para tal competição, e parecem insensíveis à conseqüente
expropriação da própria vida.
c) A pobreza modernizada
Passado certo umbral, a multiplicação de mercadorias induz à impotência, à
incapacidade de cultivar alimentos, de cantar ou de construir. O afã e o
prazer, condições humanas, chegam a converter -se em privilégio de
alguns ricos caprichosos. Em Acat zingo, como na maioria dos povoadozinhos
mexicanos de seu tamanho, existiam, quando Kennedy lan çou a Aliança
para o Progresso , quatro bandas de música que tocavam em troca de um
trago e serviam a uma população de 800 pesso as. Atualm ente, os discos
e as rádios ligadas a alto -falantes afogam todo o talento local. Só
ocasionalmente, num ato de nos talgia, se faz uma coleta para trazer um
conjunto formado com rapazes que abandonaram a Universidade, para
cantar velhas can ções em alg uma fes ta especial. No dia em que a
legislação venezuelana determinou para cad a cidadão um direito
«habitacio nal» concebido como mercadoria, três quartas partes das famílias
acharam que as casinhas levantadas com suas próprias mãos ficavam
rebaixadas ao nível de telheiros. Além disso, e isto era o mais importante,
existia já um prec onceito contra a autoconstrução. Não se podia iniciar
legalmente a construção de uma casa sem antes apresentar o plano desenhado
por um arquiteto diplomado. Os dejectos e sobras da cidade de Caracas,
úteis até então como excelentes materiais de construção, criavam agora o
problema qu e er a livrar-se de refugos sólidos. O homem que tentava levantar
a própria «morada» era olhado como um transviado que recusava cooperar
com os grupos de pressão local para a entrega de unidades habitacionais
fabricadas em série. Além do mais, promulgaram-se inumeráveis regulamentos
que acoimaram sua ingenuidade de ilegal e até de delituosa. Este exemplo
ilust ra o fato de que sã o os pobres os prim eiros a sofrer quando uma
nova mercadoria castra um dos tradicionais ofícios de subsistência. O
desemprego útil dos inativos se sacrifica à expansão do mercado de
trabalho. A construção da casa, como atividade escolhida por alguém,
converte -se no privilégio de alguns ricos, ociosos e extravagantes.
Além disso, e eis aqui a ironia, sem esse pedaço de papel, não podem
sequer trabalhar numa construção.
Est as min oria s vêe m já a ameaça que en cer ra para elas — e para toda
a vida cultural autóctone — os mega-instru ment os qu e expropr iam
sistematicament e as condições ambientais. Elas estão prontas para pôr
fim a uma Idade. Estão resolvidas a recuperar sua autonomia para fixar suas
próprias metas, decididas a proteger o domínio sobre o próprio corpo, a
mem ória e su as habilid ades , deter min adas a lu tar contra a expropriação
sistemática do ambiente vital perpetrada pelo sistema industrial em expansão.
Embora seja uma maioria que se encontra frustrada pelo transporte, poucos
são os que estão decididos a opor-se a uma invasão ulterior de mais redes
de estradas; se bem seja uma maioria que vê seus sonhos e sua capacidade
de sonhar destruídos pelo estrangulamento de se us rit mos vit ais , sã o
so men te uns poucos aqueles que estão dispostos a pagar o preço necessário
para rechaçar tal situação. Ainda que estejam em maioria o número de
mulheres que vêem seu equilíbrio hormonal destruído pela pílula
anticoncepcional e uma maioria de empregados, os espaços de silêncio
in terior contaminados pel a músi ca ambiental, sã o somente uns poucos os
que se organizam ativamente. Mas cada uma destas minorias representa
uma categoria de pobreza modernizada que potencialmente se pode
reconhecer como sendo a maioria. O industrialismo tardio justificou a
organização da sociedade como um conglomerado de múltiplas maiorias,
todas estigmatizadas pelas burocracias provedores de serviç os; não obstant e,
no in terio r de cada uma destas maiorias se desenvolvem e crescem
minorias ativas, que se combinam entre si numa nova forma de
dissidência.
Mas, para poder liqu id ar com uma Id ade, el a deve ter um nome que
pegue. Proponho que se dê o nome de Idade das Profissões inabilitantes
porque ela compromete a quantos a utilizam. Revela as funções anti-sociais
exercidas pelos fornecedores menos desafiados — pelos educadores, pelos
médicos, os assistentes sociais, os cientistas e outras belas pessoas.
Simultaneamente instaura um processo contra a complacência dos cidadãos
que se submeteram, como clientes, a esta servidão multifacetada. Falar
do po der das profissões inabilitantes envergonha as vítimas e as leva á
reconhecer a conspiração do eterno estu dante, do caso ginecológico ou do
consumidor, com seus respectivos administradores. Ao descrever o
decênio dos anos sessenta como o apogeu dos solucionadores de problemas,
evidencia -se de imediato não só o orgulho de nossas elites acadêmicas como
também a credulidade gulosa de suas vítimas.
Hoje em dia é mais fácil ter esta visão. Primeiro, porque desde o Poláris,
já não é possível distinguir en tre ex ér cit os de tempos de paz e de
guer r a, e, segundo, porque desde a guerra contra a pobreza, a paz está
em pé de guerra. Atualmente, as sociedades industriais estão constante e
totalmente mobilizadas; estão organizadas para constantes emergências
públicas; são bombardeadas com estratégias variadas em todos os setores;
os campos de batalha da saúde, da educação, do bem-estar e da igualdade
positiva estão semeados de vítimas e cobertos de ruínas; as liberdades dos
cidadãos se suspendem continuamente para lançar campanhas contra
males sempre redescobertos; cada ano descobrem-se novos habitantes
fronteiriços qu e devem ser protegidos ou recuperados de alguns novos
mal-estares, de alguma ignorância previamente desconhecida. As necessidades
básicas formuladas e imputadas por todas as agências profissio nais são
necessidades para a defesa contra males.
b) As profissões dominantes
Enfrentemos primeiro o fato de que as associa ções de especialistas que
atualmente dominam a fabricação, a adjudicação e a satisfação de
necessidades formam um novo tipo de cartel. E importante também saber
reconhecer as novas características essenciais do profissional no industrialismo
tardio. Se não se reconhecerem, ocorrerá inevitavelmente, no momento da
discussão, o novo biocrata se ocultará por trás da máscara benévola do
médico da família de antanho; o novo pedocrata, em seus esforços para
«modificar comportamentos», tomará a forma do inocente mestre de
Kindergarten, que faz umas experi ências interessantes, e a luta que
travemos contra o novo selecionado r de pessoal, armado de todo um
arsenal psicológico para a degradação, será levada a cabo ineludivelmente
com as antigas táticas desenvolvidas para defender-se contra o capataz da
fábrica. Se devêssemos batizar a estes novos profissionais, eles
mereceriam ser chamados de algum termo dife rente, que ainda não temos.
As novas profissões se encontram entrincheiradas muito mais profundamente
que uma burocracia bizantina. São mais internacio nais que uma igreja
universal, mais estáveis que um sindicato, dotadas de maiores capacidades
que qualquer xamã e exercem um domínio mais forte que o de qualquer máfia
sobre aqueles que desejam controlar.
c) As profissões tirânicas
O médico ambulante se converteu em doutor em medicina quando deixou o
comércio dos medicamentos aos farmacêuticos e reservou para si a
faculdade de receitar. Nesse momento, ganhou uma nova forma de
autoridade, juntando três papéis num só personagem. A autenticidade
sapiente para aconselhar, ins truir e dirigir; a autoridade moral que faz sua
aceitação não só útil mas obrigatória; e a autoridade carismática que permite
ao médico apelar a certo interesse supremo de seus clientes, que não só
está por cima de sua consciência, como, às vezes, até por cima da razão
de estado. Naturalmente, este tipo de doutor ainda existe, mas dentro do
sistema médico moderno é uma figura do passado. Atualmente é bastante
mais comum um novo tipo de cientista da saúde aplicada. Cada vez mais se
ocupa de casos e não de pessoas; ocupa-se dos desvios que detecta no
caso, mais do que da dor que aflige o indivíduo; protege o interesse da
sociedade mais do que o inter esse da pessoa. Os tipos de autoridade que se
acumularam na imagem do doutor dos velhos tempos, durante os anos de
liberalismo, e que colaboravam com o facultativo individu al no tratamento do
paciente, são desempenhados atualmente pela corporação profissional a serviço
do Estado. E a esta instituição que se atribui hoje uma missão social.
d) As profissões estabelecidas
A transformação de uma profissão liberal em dominante é equivalente ao
estabelecimento legal de uma igreja de estado. Os médicos transformados em
biocratas, os professores em gnoseocratas, os agentes funerários em
tanatocratas é algo que está muito mais próximo das «clerezias» subsidiadas
pelo Estado d o que as associacões comerciais. O profissional, como mestre da
linha de moda da ortodoxia, atua como teólogo. Como empresário moral,
atua no papel do sacerdote: com sua atuação, cria a necessidade para su a
med iação. Como cruzado benef actor, atua no papel de missionário à
caça de ovelhas transviadas. Como inquisidor, põe fora da lei o não -
ortodoxo: impõe suas soluções ao recalcitrante que recusa reconhecer-se como
problema. Esta investidura multifacetada, combinada com a tarefa de aliviar os
inconvenientes específicos da condição humana, faz que cada profissão seja
análoga a um culto estabelecido. A aceitação pública das profissões
tirânicas é essencialmente um fato político. Toda afirmação nova de
legitimidade profissional significa que as tarefas políticas de legislar, a revisão
judicial de casos e o poder executivo perdem algo de sua independência e de
suas caracteristicas próprias. Os assuntos públicos passam das mãos de
leigos escolhidos por seus semelhantes às de uma elite que se outorga seus
próprios créditos.
Quando nasci, antes que Stalin, Hitler ou Roose velt fossem conhecidos,
só os ricos, hipocondríacos e membros dos sindicatos poderosos falavam de
necessidades de cuidados médicos quando lhes subia a temperatura. Era uma
necess idade questionável, porque os doutores não podiam fazer muito mais
do que a avó tinha feito. Na medicina, a primeira mutação das
necessidades chegou com a sulfa e os antibióti cos. Quando o controle
das infecções chegou a ser uma rotina simples e efetiva, cada vez mais
remédios passaram para a list a das receitas. A anotação da papeleta
médica do enfermo passou a ser um mono pólio do médico. A pessoa qu e
se sentia mal tinha que ir a uma clínica para ser etiquetada com o nome
de uma enfermidade e poder assim ser declarada legitimamente membro da
minoria dos chamados doen tes; ou seja: pessoas dispensadas do trabalho,
necessitando de ajuda, colocadas sob ordens médicas e obrig adas a se r
curadas, a fim de volt arem a se r novamente úteis. Em outras palavras:
quando a técnica farmacológica — teste e medicamentos — chegou a ser tão
barata e predizível que a gente poderia ter prescindido do médico, o
sacerdócio médico chamou em seu auxílio o braço secular.
Em cada uma das sete reg iões def in id as pela ONU, treina-se um novo
clero de educadores para que predique o estilo apropriado de austeridade
esboçado pelos novos desenhadores de necessidades. Os conscientizadores
vagam pelas comunidades locais incitando as pessoas a encontrarem as
metas de produ ção descentralizadas que lhes foram reservadas. Or denhar
a cabra familiar foi uma liberdade, até que planejamentos mais estritos
converteram isso num dever, para contribuir para o crescimento do PNB.
Esta confusão revela -se com espec ial clarez a quando observamos os
técnicos da saúde. A saúde abarca dois aspectos: liberdades e direitos. Designa
o setor da economia no qual cada pessoa exerce controle sobre seus estados
biológicos, e sobre as condições de seu meio ambiente imediato. Definida
simplesmen te, a saúd e é idêntica ao grau de liberdade vivida. Portanto,
aqueles que têm que ver com o bem público deveriam esforçar-se por garantir
a distribuição eqüitativa da saúde e da liberdade, que dependem, por sua vez,
das condições ambientais que só os esforços políticos organizados podem
alcançar. Além de um certo nível de intensidade, a atenção profissional à
saúde, mesmo quando se acha distribuída eqüitativamente, sufocará a saúde-
como-liberdade. Neste sentido fundamental, o cuidado da saúde é um assunto
de liberdade bem p rotegida. Como é evidente, uma no ção de saúde deste
tipo implica uma posição de princípios sobr e liberdades inalienáveis. Para
entender isto, deve-se distinguir claramente entre liberdade civil e direitos
civis. A liberdade de que o governo dispõe paca atuar sem restrições tem um
campo mais amplo que o dos direitos civis que esse mesmo estado possa
decretar para garantir que as pessoas tenham igual possibilidade de obter
certos bens e serviços.
a) O traficante
A primeira dessas estratégias autodefensivas do profissionalismo está
representada pelo Clube de Roma. Com o fim de reforçar o sistema
industrial, a Fiat, a Volksw agen e a Ford pagam ec onomistas, ecólogos e
técnicos em controle social para identificar os produtos que as indústrias já
não deveriam produ zir. Também os doutores do Clube de Cos recomen dam
agora que se abandone a cirurgia, a radiação e a quimioterapia no tratamento
da maioria dos cânceres, visto que estes tratamentos tã o-só prolongam, se
é que não intensificam, o sofrimento sem prolongar a vida da pessoa
tratada. Os advogados e os dentistas prometem cont rolar, como nunca
antes, a competi ção, a decência e as tabelas de seus colegas profissionais.
c) A profissionalização do cliente
A terceira estratégia para conseguir a sobrevivência das profissões
dominantes converteu-se na moda radical deste ano. Assim como os profetas
dos anos sessenta babavam sobre o desenvolvimento, na ante-sala das
portas da abundância, os atuais fabricantes de mitos fazem barulho sobre a
auto-ajuda de clientes profissionalizados.
Vi uma proposta pseudo -radical que indica que esta licença se obtenha
sob os auspícios feministas e não médicos.
Conheci Duve em 1972, como editor da coleção RoRoRo Aktuell. Esta série
é lançada a um ritmo de dois li vros por mês; é uma ed iç ão barata que
se ven de em liv raria s e ban cas de jornais com uma tiragem que oscila
entre 10 000 e 15 000 exemplares. E uma coleção composta por ensaios,
documentos, reportagens e estudos políticos de orientação esquerdista que
atualmente constitui uma enciclopédia de 180 volumes nos quais se reflete a
vida pública alemã desta década. Naquele tempo, RoRoRo Aktuell publicou
meu ensaio Energia e Eqüidade 9, originalmente escrito em francês para
Le Monde, e Duve me ajudou a adaptá -lo à mentalidade alemã. Neste
ensaio, to mando exemplos do setor de transportes, desenvolvi uma tese
baseada em algumas observações feitas por André Gorz. 10
Foi pois a partir desta discussão que Duve e eu nos tornamos amigos.
Posteriormente, em 1974, e sob a direção de Duve, fundamos uma nova
revista, cujo conselho editorial integramos, entre outros: André Go rz, Joachim
Isr ael, Joachim Steffer 12. Nó s a chamamos Tecnologia e Política 13
,
aparece trimestral mente e neste momento se está preparando o 12º volume.
A revista em si está balizada por dois marcos, um empírico e o outro ético.
Para evitar confusões, suponho que seria impor tante distinguir três
grandes passos pelos quais as atividades assalariadas adquiriram aquele
significado com o qual hoje se define o desempregado dentro de uma
categoria social. Primeiramente, alguns dos grandes human istas dos fin s do
Ren ascim en to, como Giordano Bruno e Campanella, afirmaram claramente
a superioridade da vida ativa em oposição ao contem plar passivo. O passo
segu inte 32 ocorreu, segundo Hanna Arendt, quando «o trabalho se
transformou, da atividade mais humilde à atividade mais apreciada, no
momento em que Locke afirmou que o trabalho é a fonte de toda riqueza».
Não se deve esquecer que mesmo para Adam Smith a terra e o capital também
contaram como fonte de valor. Somente com Ricardo o trabalho
institucionalizado se converteu na fonte determinante de todo valor. Daí
chegamos a Marx, o qual define o homem como animal laborans.
Schele r 33 desc rev eu por su a vez como a passa gem do trabalho de
«sofrimento» para «direito» do homem ao trabalho reflete uma
transformação sem precedentes na visão social do que o ho mem é. Daí
em diant e, falt ará ao homem a poss ib ilid ade de rea lizar su a
humanidade se não tem a possibilidade de produzir bens ou serviços.
Agora o homem está feito para o emprego. Aque le que não tem emprego
carece da condição básica para ser fonte de valor. Pela primeira vez na
história, o trabalho é digno e confere dignidade. O desemprego converteu-se
num mal, no Ocidente é causa de um desajuste da sociedade e é uma forma
de exploração ao se rviç o da es tabilidade dos preç os, nos países
socialistas é uma falta moral ou psicológica do indivíduo. A transformação de
uma forma de «sofrimento» com a qual o homem tem que se envolver em
ativida de de suprema e fundamental dignidade, numa atividade
assalariada, é fonte de uma contínua ambigüidade quando se discute o
desemprego. A história das lutas ideológicas e esforços literários no sentido de
realizar esta transformação de valores constitui um campo de estudos
importante. 34
Para romper este isolamento dos países que não são nem pobres nem ricos
de uma importante discussão mundial, para dar finalmente dignidade de
disciplina coerente ao estudo de um novo paradigma no uso do progresso
técnico, tem-se de fazer o esforço de familiarizar-se com um novo tipo de
literatura ausente de nossas bibliotecas. É uma literatura muito recente —
nem eu mesm o me havia dado conta da ordem de magnitude e de
seriedade crít ica que já existe neste campo emergente. Minha atitude
mudou somente quando há algumas semanas Valentina Borremans me
entregou o manuscrito de um livro que está preparando: um guia
destinado a bibliotecários, uma lista de bibliografias, revistas, e manuais para
o estudo de técnicas modernas criadas para aumentar a capacid ade pesso al
na criação de valores de uso . Abrange mais de 800 títulos em quase sua
totalidade ausentes de qualquer biblioteca mexicana47. Recomendo-lhes o
estudo deste novo campo se não por convicção pelo menos por
oportunismo — porque para lá caminha o futuro.
NOTAS
21. Para quem não lê russo deve consultar CHAYANOV, Ale xandr
Vasiljevich (1888-1930) The Theory of Peasant Economy. Edited by
Daniel THORNER, B. KERBLAY and REF SMITH. Homehood: IL.,
1966. Para localizar A. V. Chayanov dentro de toda uma tradição,
ver: Theodor SHANIN. «The Nature and Logic of the Peasant Economy».
The Journal of Peasant Studies, Vol. I, números 1 e 2. pp. 63-80 e pp. 186-
206. E também: HARRISON, Mark. «Chayanov and the Economics of the
Russian Peasantry». Journal of Peasant Studies, Vol. 2, nº 4, julho 1975. pp.
389-417.
23. PENTY, Arthur. Old World for New: A Study of the Post -Industrial
State. London: G. Allen and Unwin, 1917. Sem dúvida in fluenciado por
Hilair BELLOC e G. K. CHESTER -TON, pode-se buscar neste autor, quase
esquecido, uma fonte de George ORWELL em sua critica do sistema
industrial.
36. MARIEN, Michael. «The New Path of Progress and the Devolution of
Services: Viewing the Present and Future Without Industrial Era
Bias.» Prepared for the International Conference on the Service
Sector of the Economy. San Juan, Puert o Rico, June 25-July 1st.,
1978. Graduate School of Business. Univ. of Puerto Rico.
Rio de Janeiro — RJ
1979