As Definições Teóricas de Direitos Humanos em J Habermas
As Definições Teóricas de Direitos Humanos em J Habermas
As Definições Teóricas de Direitos Humanos em J Habermas
I Introduo
Jrgen Habermas, h muito tempo, ocupa-se teoricamente com os
direitos humanos. No artigo Direito natural e revoluo2, de 1963, ele trata
das diferentes declaraes dos direitos humanos, na Amrica (Constituio
da Virgnia, primeiro Bill of Rights, em 12.6.1776) e na Frana (primeira
Declarao dos direitos do homem e do cidado, em 26.8.1789). Em
primeiro lugar, no lhe interessam muito os direitos humanos como tais,
mas o papel deles entre moral, direito e poltica. Desde a tradio do direito
natural de Locke e da tradio republicana de Rousseau, de modos diferentes,
Otto von Guericke Universitt Magdeburg Institut f. Philosophie, PF. 4120, D- 39016 Magdeburg.
E-mail: [email protected]
Ver HABERMAS, J. Naturrecht und Revolution. In: Theorie und Praxis. 4. ed. Frankfurt am Main.:
Suhrkamp, 1971, p. 93 ss.
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Lohmann, G.
Ver HABERMAS, J. Naturrecht und Revolution. In: Theorie und Praxis. 4. ed. Frankfurt am Main.:
Suhrkamp, 1971, p. 121.
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Ver, para isso: LOHMANN, G. Zur moralischen, juridischen und politischen Dimension der
Menschenrechte. In: SANDKHLER, H. J. (Ed.). Recht und Moral. Hamburg, 2010a, p. 135-150.
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Eu reescrevi aqui partes do texto: LOHMANN, G. Menschenrechte zwischen Moral und Recht.
In:.GOSEPATH, S.; LOHMANN. G. (Ed.). Philosophie der Menschenrechte. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1998a, p. 62-95.
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Lohmann, G.
HABERMAS, J. 1992, p.106; t. v. I, p. 110. As referncias das citaes da obra Faktizitt und Geltung
so seguidas da letra t, relativa traduo, e depois o volume e a pgina na verso em portugus
(Direito e democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flvio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, 2 vols).
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recproca das pessoas singulares, que definem seu papel como autores de sua
ordem jurdica,12 e contm (4.) os direitos de chances iguais participao
poltica. Implicitamente, esto os direitos de participao social (como
5 categoria de direitos fundamentais), os quais asseguram a garantia s
condies de vida para um aproveitamento em igualdade de chances13 dos
direitos inicialmente denominados fundamentais.
Decerto, as classes particulares de direitos fundamentais tm peso
diferenciado na reconstruo habermasiana: os direitos liberdade possibilitam o
processo de positivao do direito, sem regul-lo, segundo Habermas. Os direitos
de determinao recproca regulam o processo de positivao do direito e tm
peso decisivo como condies constitutivas. Os direitos sociais de participao,
ao contrrio, tm s um peso condicionado. Eles so direitos s relativamente
fundamentados14, as implicaes desses direitos desenvolvem-se e se tornam
relevantes, quando o estado de direito se transforma em estado social.
Uma obscuridade inicial surge pela definio de Habermas da
institucionalizao do direito. Em primeiro lugar, o contedo neutro da
universalidade de regras legais-formais supe uma intuio moral, a saber,
o respeito igual a todos. Habermas afirma que o medium do direito precisa
supor intuies morais j nos sujeitos de direito e, por isso, o direito [...]
levado a explorar fontes de legitimao das quais ele no pode dispor.15 Essa
ideia mantida em todo o livro, na medida em que o poder comunicativo
(H. Arendt), do qual, segundo Habermas, se alimentam a sociedade civil e a
opinio pblica, em sua funo de uma crtica externa moralmente legitimada
dos processos de formao institucionalizada da vontade poltica, valoriza
um contedo, ainda que sempre pressuposto apenas como moral. O jogo
recproco entre momentos internos implantados moralmente da formao
institucionalizada democrtica da vontade e as convices externas recprocas
supostamente morais aproveita-se, pois, do conceito de procedimento de uma
democracia deliberativa (ver abaixo).
Essas reflexes tornam explcito que Habermas, para poder inscrever
o contedo universal e igualitrio dos direitos humanos em sua concepo,
precisa conceder ao significado moral dos direitos humanos ainda um
HABERMAS, J., 1992, p.156; t. v. I p. 159.
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Um tal pensamento expressa tambm O. Hffe em: Eine Konversion der Kritischen Theorie?
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Habermas no quer chegar, porque ele pensa, com Kant, que o contedo
semntico dos direitos fundamentais contm uma pretenso global.20 O
mal-estar <Unbehagen>, que Habermas mesmo sente, contudo, ele s pode
corrigi-lo ao introduzir uma idealizao obscura em seu status. Conforme sua
linguagem frequente, esse problema uma questo moral, para a qual, assim
salienta ele com uma ambiguidade caracterstica, [...] a humanidade ou (!)
uma suposta repblica de cidados forma o sistema de referncia.21 Habermas
pode admitir o universalismo dos direitos humanos somente de modo
conceitual, quando ele: 1) ou quer suprimir a diferena entre direitos humanos
e direitos civis, entre todos em sentido moral e em sentido legal-poltico,
e refere-se ao ideal de uma repblica mundial, a qual, ele mesmo enfatiza,
[...] uma esperana nascida do desespero22;23 2) ou limita o sentido
universalista dos direitos humanos aos direitos clssicos de liberdade, ou
seja, aos direitos negativos. S ento fica evidente que os direitos fundamentais
[...] se estendem a todas as pessoas, na medida em que se detm no campo
de validade da ordem do direito: nesta medida todos gozam da proteo
da constituio.24 J os direitos polticos de colaborao e precisamente os
direitos sociais de participao representam os direitos positivos, em cujo
usufruto nem todos os homens percebem que so direitos constitucionais, em
uma comunidade.
Todavia, Habermas no pode, como, por exemplo, Hannah
Arendt25, sustentar que h um direito humano incondicional cidadania
<Staatsangehrigkeit>, que possibilita ento portar todos os outros direitos.
Um tal direito humano incondicional seria um direito pr-estatal, moralmente
interpretado, e justamente essa possibilidade excluda em termos conceituais.26
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ARENDT, H. Es gibt nur ein einziges Menschenrecht. In: STERNBERGER, D. (Ed.). Die
Wandlung, Jg. IV, Heidelberg 1949; reimpresso em: HFFE, O. et al. (Ed.). Praktische Philosophie/
Ethik. Reader zum Funk-Kolleg, Band 2. Frankfurt am Main 1981, p.152 ss.
Eu interpreto a aluso de H. Arendt de direito a [ter] direitos assim: com o primeiro direito,
somente a dignidade humana aps 1948 pode ser pensada, que cronometra uma fora legal
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Muito embora Habermas queira corrigir essa situao, preciso, para isso, fazer
duas reflexes, as quais ultimamente tornam vlida uma interpretao moral
dos direitos humanos. Por um lado, ele constata que a [...] Arquitetnica da
constituio (da Repblica Federal da Alemanha, G.L.) definida pela ideia
de direitos humanos, e por isso consta em nossa constituio, por exemplo,
que [...] estrangeiros tm o mesmo status de deveres e direitos que os cidados
nativos.27 A constituio da Repblica Federal Alem, no entanto, opera
exatamente com uma interpretao moral-jusnaturalista dos direitos humanos,28
que no compatvel com a concepo habermasiana. A outra reflexo aceita a
tese histrico-filosfica acima exposta; nisso Habermas com bons fundamentos,
penso eu mostra que o aperfeioamento poltico de uma [...] cidadania
democrtica, que no se fecha num sentido particularista, pode preparar o
caminho para um status de cidado do mundo, tanto que ultimamente formam
um continuum a [...] cidadania em nvel nacional e a cidadania em nvel
mundial29. Contudo, nesse contnuo, ficam obscuras a interpretao moral
e a jurdica dos direitos. Apenas com o apoio de uma perspectiva moral dos
direitos humanos, Habermas pode pretender que a todos os homens os direitos
fundamentais sejam conferidos, de sorte a corrigir o particularismo de uma
considerao puramente jurdica dos direitos humanos.
Porm, com isso, os direitos humanos seriam novamente retomados
na perspectiva de sua fundamentao moral, e o direito coloca s a forma na
qual a poltica efetiva o contedo moral. Da Habermas tentar definir de outro
modo o novo jogo conjunto entre direito e moral.
IV A cooriginariedade entre soberania popular e direitos humanos
Desde o comeo, Habermas defendeu a opinio de que aos direitos
humanos no compete precedncia diante da democracia; em Faticidade e
validade (1992), emerge da a tese da cooriginariedade. Como frisei, ele
parte da tese de que direito e moral tm caractersticas formais diferenciadas.
O direito positivo desliga-se da moral e complementa funcionalmente a moral
garantida, a qual coloca em uma prxis republicana os direitos humanos. Cf.: LOHMANN, G. Die
rechtsverbrgende Kraft der Menschenwrde. Zum menschenrechtlichen Wrdeverstndnis nach
1945. Zeitschrift fr Menschenrechte, Jg.4., Nr. 1, p. 46- 63, 2010b.
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Esta crtica a Habermas e tambm uma sugesto, como exatamente o terceiro princpio, precisa
ser compreendida para a fundamentao dos direitos humanos e da democracia, em: GOSEPATH, S.,
1998, p. 218 ss. Rainer Forst recorre tambm a um terceiro princpio, a saber, um direito discursivoterico moral justificao: Die Rechtfertigung der Menschenrechte und das grundlegende Recht
auf Rechtfertigung. Eine reflexive Argumentation. In: ERNST, G. SELLMAIR, S. (Ed.). Universelle
Menschenrechte und partikulare Moral. Stuttgart: Kohlhammer, 2010, p. 63-96.
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difcil e complexa;53 de sorte que a fora dos direitos humanos universais para
a constituio da cidadania mundial muito menos clara. De fato, o Art. 28
da Declarao Universal dos Direitos Humanos indica que [...] cada um tem
direito a uma ordem social e internacional, na qual os direitos e as liberdades
anunciados nesta declarao possam ser completamente efetivados, todavia,
essa exigncia expressa unicamente o que significa a fora garantidora legal da
dignidade humana. Uma questo aberta e veementemente discutida, porm, diz
respeito ao modo como deve ocorrer, num nvel transnacional, a realizao do
contedo normativo da dignidade humana.
Nessa discusso, Habermas tem-se dedicado a trabalhos considerveis.
Ele aproveitou a discusso levada a cabo desde Kant, pela qual diferentes
modelos (de estado mundial, federao de estados, sistema federal de nvel
mais amplo, [...] constitucionalizao dos direitos dos povos, Repblica
da humanidade) foram colocados,54 e desenvolveu sua sugesto de uma
constitucionalizao dos direitos dos povos. Sobre isso, no posso entrar aqui
em detalhes. Ao esprito republicano da dignidade humana esto relacionados
os modelos nos quais os homens no so apenas portadores passivos de direitos
humanos, mas os prprios autores do regime internacional dos direitos
humanos. Eles formam o nvel diferenciado da esfera pblica poltica, na qual
so discutidos e disputados o contedo e a concepo dos direitos humanos.
Nesse processo de deliberao e institucionalizao poltica, valem novamente
os argumentos e motivos, que devem ser distinguidos conforme as vrias
dimenses (morais, legais, poltico-histricas) da dignidade humana e dos
direitos humanos. Em acrscimo, se visto metodologicamente, com as sempre
supostas razes morais e a partir da suposio da dignidade igual dos homens,
pode ser justificada e reclamada toda a universalidade dos direitos humanos;
na realidade, como de modo convicto Habermas mostra, estes so processos
deliberativos nos quais argumentos histricos, avaliativos, legais e polticos,
praxis e institucionalizaes podem concretizar, s passo a passo, com reveses
e deslocamentos, a ideia de direitos humanos universais.
No se deve acusar Habermas de permanecer confiante em seu
princpio. Suas vrias tentativas para mostrar, a partir da perspectiva do direito,
o universalismo igualitrio dos direitos humanos como imanente s esferas do
direito e da poltica refletem as ntimas convices de esboos puramente morais
superadas pelo realismo e a complexidade. S poderiamos acus-lo por deixar
53
Para o tema de direitos humanos sociais, ver: LOHMANN, 2000, p. 362 ss.
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Uma viso geral, em: HABERMAS, 2004; ver tambm BOHMAN, 2010.
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ABSTRACT: In the understanding of Habermas, right in the phrase human rights is a legal
concept, where human rights are legal rights, i.e., legal norms declared in acts of foundations of the
State or announced conventions of international law and/or State constitutions. By conceiving of
rights in this way and by treating human rights in a threefold approach (placing them between morals,
law and politics), he presents different theoretical definitions of human rights. This paper presents
a systematic exposition of these definitions, and focuses on the different problems that motivated
Habermas to change and expand his conceptions of human rights.
KEYWORDS: Jrgen Habermas. Human rights. Law. Morals. Politics.
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