Fases de Porchat e o Naopirronismo

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As fases de Porchat e o Neopirronismo

O Neopirronismo de Porchat pode ser compreendido levando em considerao a


influncia do mtodo estruturalista de interpretao e do ceticismo de Sexto Emprico.
Na primeira fase, apesar de utilizar termos do ceticismo pirrnico, ele ainda no
pretender fazer uma reinterpretao do mesmo, uma vez que v o ceticismo como uma
forma negativa de filosofia; se deter na constatao do conflito existente entre as
teorias filosficas e da promoo filosfica da viso comum de mundo. s na segunda
fase que ele reconhece a influncia que o ceticismo lhe trouxe e tratar de reinterpretlo, trazendo o fenmeno como critrio de ao na vida comum. Vale ressaltar a
importncia das crticas de Bento Prado Jnior, em seu texto, Por que rir da
Filosofia?, assim como de demais crticas e dilogos com seus alunos, para que
Porchat repense seu prprio pensamento e passe a defender o Neopirronismo.
A primeira fase de Porchat inicialmente marcada pela identificao do conflito das
filosofias e a defesa da promoo filosfica do senso comum a viso comum de
mundo -, possvel devido epoch, a suspenso do juzo diante da diaphona, que
propiciou a deciso pragmtica existencial de afastamento e percepo do mundo e da
viso comum. O texto O conflito das Filosofias que primeiro faz a identificao da
diaphona filosfica, o desacordo a respeito das verdades filosficas, a ausncia de um
critrio de verdade e de uma soluo efetiva para o conflito das filosofias, porque o que
parece que a soluo para o conflito possvel apenas pelo recurso ao dogmatismo
filosfico, sendo elas uma das filosofias do conflito ou a criao de uma nova filosofia
que tambm estar condenada a ser contestada pelas outras e, assim, tambm far parte
do conflito. Diante disso, o impasse a escolha de uma soluo que no seja dogmtica.
Durante sua investigao e busca de uma soluo para a diaphona, de uma verdade que
no faa parte do conflito, Porchat a encontrar na promoo filosfica do senso
comum, como defendido em seus textos Prefcio uma Filosofia e a Filosofia como
Viso Comum do Mundo. Nesses textos, Porchat far uma recusa filosofia dogmtica
do racionalismo que preconiza o lgos, o discurso que feito sobre o mundo, passando
a defender o posicionamento de que o Mundo anterior todo discurso que feito
sobre ele, que o logos apenas uma opinio do filsofo preso condio humana, e por
isso, contingente, e no um discurso divino, como querem os defensores do dogmatismo
filosfico. Entretanto, a Viso Comum de Mundo mostra-se como uma consequncia da
diaphona e posteriormente suspenso do juzo ou epoch, porque foi devido ao conflito

entre as teorias filosficas que ele pode exercer sua deciso pragmtica do silncio, de
afastar-se da filosofia e passar a escutar o Mundo. A viso comum como que se lhe
imps espontaneamente; em suas palavras: (...) sem nenhuma adeso ou deciso de
minha parte. Que no exprime adeso a teoria ou preferncia por doutrina (...). Seria
como um mobilirio padro da experincia humana no Mundo (p. 112). Porchat
reconhece que o lugar comum o nico lugar em que, diante da suspenso do juzo,
podemos, de certa forma, continuar a viver e agir. Seria como uma anterioridade
metafsica que estivesse presente na espcie humana e que fizesse parte de toda e
qualquer realidade do Mundo Humano, de forma atemporal. Ele no diz exatamente
quais so essas experincias comuns, mas, enquanto experincias comuns espcie
humana, entende-se como aquelas que pertencem nossa natureza e que, assim,
independente do discurso, da razo e da teoria.
Dentre as crticas que Bento Prado faz promoo filosfica do senso comum, est a
generalizao e reduo, feitas por Porchat, de que as filosofias dogmticas so todas
idealistas, como no exemplo dado pelo prprio Porchat no Prefcio, em que admira a
sabedoria da jovem trcia ao zombar de Tales, por ele se preocupar mais pelas coisas
celestes ao invs de se ater ao que lhe ocorria, trazendo a anedota de Tales - sendo ele
considerado o pai da Filosofia -, como a constatao da alienao em que a filosofia se
encontra, por ter, desde o incio, renegado e esquecido o Mundo. Bento Prado tambm
percebe uma influncia, em Porchat, de certo mentalismo por ele aceitar certos atos de
conscincia, como diz Bento Prado (p. 62):
(...) Amparado no alegado realismo do senso comum, o filsofo antiidealista
afirma a existncia de rios e de montanhas, assim como de mesas, cadeiras,
etc. Realismo que nada tem de materialista ou de comportamentista, j que
aceita, igualmente, a existncia de atos da conscincia ver, ouvir, lembrar,
imaginar, etc. E que implica, tambm, numa crena a respeito do modo de
articulao entre objetos materiais e atos de conscincia.

A principal crtica de Bento Prado Filosofia do senso comum de Porchat justamente


a de que ela ortodoxa, no sentido de que prope uma verdade incontestvel a vida
comum -, por meio de uma falsa modstia, que declara abdicar da filosofia dogmtica
para encontrar a verdade na vida comum todos os homens e, enquanto verdade, que
diz ser injustificvel filosoficamente, passa tambm a fazer parte do conflito depois de
racionalizada, segundo Bento Prado (p. 71):
Eis, portanto, que o senso comum no apenas antecipa a razo, como j
desenha o corpo inteiro de uma doutrina. Na difcil passagem da natureza
cultura, do virtual ao atual, a interpretao esquece seu prprio trabalho e

acredita encontrar, j dado, um sistema completo de teses e enunciados: tratase de um senso comum verdadeiramente ortodoxo. (...) Se a filosofia
inventa a ingenuidade do senso comum, ela pode tambm inventar sua
sabedoria, ou sua espontnea afinidade com a verdade.

Assim, diante das crticas de Bento Prado, Porchat reconhece a fragilidade de seu
posicionamento anterior e que, de fato, j vinha fazendo uma reinterpretao do
ceticismo pirrnico. Nesta nova fase, ele reconhecer a importncia que a jornada ctica
tem na defesa de seu posicionamento da viso comum, que agora corroborada pela
ideia de fenmeno, entendida enquanto um critrio de ao da vida cotidiana, ausente de
dogmatismos, que se atm apenas quilo que nos aparece; como tambm trar o
naturalismo da interpretao pirrnica. Em suas palavras: Em verdade, tudo se passa
no pirronismo como se a suspenso do juzo e o naturalismo fossem o verso e o
reverso de uma mesma moeda. O pirronismo um naturalismo (p.136). Assim, no
Neopirronismo, a viso comum, entendida como um imobilirio padro da espcie
humana,

possvel,

porque

ela

faz

parte

desse

naturalismo

percebido

concomitantemente epoch e o fenmeno o critrio de ao consequente da viso


comum e do naturalismo. Ainda em suas palavras: O tema da vida comum , em
verdade, central na filosofia pirrnica e, se ele no se considera, a prpria noo de
fenmeno se obscurece (ibiden).
importante ter em mente que, desde o incio, o que motivou a busca de Porchat foi
justamente uma deciso para o conflito das filosofias que no fosse dogmtica, uma
filosofia que no se inserisse no conflito, mas que continue a responder os problemas
filosficos, uma verdade que no pudesse ser atingida pela epoch e um lugar que fosse
neutro. Percebe-se que a diferena entre a primeira e a segunda fase que na posterior,
ele recorre ao fenmeno como um meio de corroborar seu posicionamento defendido na
anterior, a viso comum e, de que ela, de certa forma, j estava presente no pirronismo
de Sexto Emprico; interpretao essa que pode ser melhor compreendida por meio da
sequncia do tempo lgico do estruturalismo.

REFERNCIA

PRADO Jr, Bento; PERREIRA, Oswaldo P.; FERRAZ Jr, Trcio S. A Filosofia e a
Viso Comum do Mundo. So Paulo: Editora Brasiliense, 1981.

PERREIRA, Oswaldo Porchat. Rumo ao Ceticismo. So Paulo: Editora UNESP, 2007.

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