Cerrado Ecologia, Biodiversidade e Conservação PDF

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MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE

CERRADO:
Organizadores
Aldicir Scariot
J os Carlos Sousa-Silva
J eanine Maria Felfili
CERRADO:
ECOLOGI A, BI ODI VERSI DADE E CONSERVAO
ECOLOGI A, BI ODI VERSI DADE E CONSERVAO
MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE
Organizadores
Aldicir Scariot
J os Carlos Sousa-Silva
J eanine Maria Felfili
Organizadores
Aldicir Scariot
J os Carlos Sousa-Silva
J eanine Maria Felfili
Repblica Federativa do Brasil
Presidente
LUIZ INCIO LULA DA SILVA
Vice-Presidente
J OS ALENCAR GOMES DA SILVA
Ministrio do Meio Ambiente
Ministra
MARINA SILVA
Secretaria Executiva
Secretrio
CLUDIO ROBERTO BERTOLDO LANGONE
Secretaria de Biodiversidade e Florestas
Secretrio
J OO PAULO RIBEIRO CAPOBIANCO
Programa Nacional de Conservao da Biodiversidade
Diretor
PAULO YOSHIO KAGEYAMA
Gerncia de Conservao da Biodiversidade
Gerente
BRAULIO FERREIRA DE SOUZA DIAS
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Captulo Sntese Captulo Sntese
Captulo Sntese Captulo Sntese Captulo Sntese
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Captulo Sntese Captulo Sntese
Captulo Sntese Captulo Sntese Captulo Sntese
Jeanine Maria Felfili
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Braslia - Braslia, DF
Jos Carlos Sousa-Silva
Embrapa Cerrados - Planaltina, DF
Departamento de Engenharia Florestal - UnB
Aldicir Scariot
Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia
Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) - Braslia, DF
Jeanine Maria Felfili
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Braslia - Braslia, DF
Jos Carlos Sousa-Silva
Embrapa Cerrados - Planaltina, DF
Departamento de Engenharia Florestal - UnB
Aldicir Scariot
Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia
Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) - Braslia, DF
Biodiversidade,
ecologia e
conservao do
Cerrado: avanos
no conhecimento.
Biodiversidade,
ecologia e
conservao do
Cerrado: avanos
no conhecimento.
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DIVERSIDADE SOB AMEAA
Dentro de um mesmo bioma (Allaby, 1992), os padres fitogeogrficos esto,
em geral, vinculados a determinantes fsicos como solo, relevo e topografia, que no
caso do Brasil Central foram sobrepostos em um zoneamento publicado por Cochrane
et al. (1985). Estes identificaram um total de 70 sistemas de terra em 25 Unidades
Fisiogrficas. Um sistema de terras uma rea, ou grupo de reas, no qual existe um
padro recorrente de clima, paisagem e solos, ou seja, no bioma Cerrado existe uma
diversidade de paisagens, tanto constituda por diferentes fisionomias de vegetao
vinculadas a fatores fsicos e fisiogrficos, como por um mesmo tipo de vegetao
com distintos padres de composio florstica tambm relacionadas s condies
do meio (Felfili & Silva Jnior, nesta publicao), sugerindo a necessidade de
estratgias de manejo e conservao que considerem os padres recorrentes de
paisagens disjuntas ao longo do extenso bioma, que se distribui por mais de 20
graus de latitude.
Esta diversidade de paisagens determina uma grande diversidade florstica,
que coloca a flora do bioma Cerrado como a mais rica entre as savanas do mundo,
com 6.429 espcies j catalogadas (Mendona et al. 1998). A biota, com grande
percentual de endemismo na flora, com valores estimados por Silva & Bates (2002),
da magnitude de 44% para plantas vasculares, 30% para anfbios, 20% para rpteis,
12% para mamferos e 1,4% para aves, resultante de uma longa e dinmica histria
evolutiva conforme sugerem Silva & Santos (nesta publicao).
As interfaces com outros biomas so particularmente importantes no Cerrado,
pois este se limita com todos os demais biomas de terras baixas da Amrica do Sul
conforme salientado por Silva & Santos (nesta publicao), ressaltando-se os ambientes
contrastantes como as interfaces entre Cerrado e Caatinga e aquelas entre Cerrado e
Florestas Tropicais midas.
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Felfili, Sousa-Silva & Scariot
O Cerrado contm as trs maiores bacias hidrogrficas sul-americanas. Do
ponto de vista hidrolgico, por compreender zonas de planalto, a regio possui
diversas nascentes de rios e, conseqentemente, importantes reas de recarga hdrica,
que contribuem para grande parte das bacias hidrogrficas brasileiras (Lima & Silva,
nesta publicao). Seis das oito grandes bacias hidrogrficas brasileiras tm nascentes
na regio: a bacia Amaznica (rios Xingu, Madeira e Trombetas), a bacia do Tocantins
(rios Araguaia e Tocantins), a bacia Atlntico Norte/Nordeste (rios Parnaba e
Itapecuru), a bacia do So Francisco (rios So Francisco, Par, Paraopeba, das Velhas,
Jequita, Paracatu, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande), a bacia Atlntico Leste
(Rios Pardo e Jequitinhonha) e a bacia dos Rios Paran/Paraguai (rios Paranaba,
Grande, Sucuri, Verde, Pardo, Cuiab, So Loureno, Taquari, Aquidauana). Com
relao importncia relativa do Cerrado no sistema hdrico, este abrange 78% da
rea da bacia do Araguaia-Tocantins, 47% do So Francisco e 48% do Paran/
Paraguai. A regio contribui com 71% da produo hdrica na bacia do Araguaia/
Tocantins, 94% no So Francisco e 71% no Paran/Paraguai (Lima & Silva nesta
publicao). O Cerrado, com 24% do territrio nacional, contribui com 14% da
produo hdrica superficial brasileira, mas, quando se exclui a bacia Amaznica da
anlise, verifica-se que o Cerrado passa a representar 40% da rea e 43% da produo
hdrica total do restante do pas. de primordial importncia, a contribuio hdrica
superficial do Cerrado para o Nordeste do Brasil, regio freqentemente assolada
por secas. No entanto, as reas de recarga dos aqferos esto sendo desmatadas,
convertidas em reas para pastagens e cultivos agrcolas, impermeabilizadas por
conglomerados urbanos e sendo utilizadas como fontes para sistemas de irrigao,
instalados sem o adequado planejamento.
Por estas razes, inclusive, o Cerrado foi identificado como um dos mais ricos
e ameaados ecossistemas mundiais, um hot spot da biodiversidade (Mittermeier
et al. 1999). Alho (nesta publicao) explica que o conceito de hot spot se apia
em duas bases, endemismo e ameaa: as espcies endmicas so mais restritas em
distribuio, mais especializadas e mais susceptveis extino em face das mudanas
ambientais provocadas pelo homem, em comparao com as espcies que tm
distribuio geogrfica ampla. O endemismo de plantas escolhido como o primeiro
critrio para definir um hot spot, pois estas do suporte a outras formas de vida.
O grau de ameaa a segunda base do conceito de hot spot e , fortemente,
definido pela extenso de ambiente natural perdido, isto , quando a rea perdeu
pelo menos 70% de sua cobertura original, onde se abrigavam espcies endmicas.
Nesse mesmo estudo, sugerido que dos 1.783.200 km2 originais do Cerrado, restam
intactos somente 356.630 km2, ou apenas 20% do bioma original, justificando a
caracterizao desse bioma como hot spot.
DETERMINANTES E PROCESSOS
Os principais fatores considerados responsveis pelos padres e processos
das comunidades de savanas so estacionalidade climtica, disponibilidade hdrica,
caractersticas edficas como profundidade, textura e disponibilidade de nutrientes
no solo, fogo e herbivoria. No Cerrado, o papel da herbivoria tem sido minimizado
pela ausncia de grandes populaes de herbvoros de grande porte, apesar da
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Avanos no conhecimento
intensa herbivoria por insetos. Henriques (nesta publicao) enfatiza tambm eventos
histricos, dentre os determinantes do Cerrado. Este autor sugere que parte das
diferenas observadas entre as fitofisionomias no Cerrado sensu lato pode ser explicada
pela profundidade e umidade do solo. Devido capacidade da matria orgnica em
reter nutrientes, os solos das fisionomias com maior cobertura vegetal (cerrado e
cerrado) tornam-se mais frteis do que aqueles com menor cobertura (Campo limpo
e Campo sujo) , ou seja, a dinmica da vegetao assegura a sua manuteno.
A antiga hiptese de que a vegetao do Cerrado uma formao vegetal
secundria resultante do corte e queima das florestas pelo homem ainda no foi
comprovada (Salgado Labouriau nesta publicao). Pois, o registro palinolgico
mostra que o Cerrado uma vegetao resiliente, que tem sido queimada
freqentemente por, pelo menos, 40.000 anos, enquanto os indgenas, responsveis
por queimadas, estabeleceram-se no Cerrado h cerca de 10.000 anos. Conforme a
autora, entre 28.000 e 20.000 AP, durante o ltimo mximo glacial, o Cerrado era
frio e mido com a presena de plen de espcies do gnero Byrsonima, Neea e das
Leguminosae Andira, Cassia, Stryphnodendron. Plen de espcies das famlias
Combretaceae, Gramineae, Melastomataceae, Myrtaceae e Palmae tambm coexistiram
na regio. Alm de espcies de Cerrado encontravam-se tambm plen de plantas
arbreas tpicas de formaes florestais dos gneros Rapanea, Hedyosmum, Ilex,
Celtis, Salacia, Symplocos, Podocarpus, de espcies de Cunoniaceae e Moraceae.
Depois de 5.000 AP, lagos, pntanos e veredas comeam a se formar nos cerrados do
Brasil Central e o clima passou para semi-mido com uma estao seca prolongada
de trs a cinco meses, conforme a localidade.
A estacionalidade do clima tem sido considerada como determinante das
fisionomias savnicas do bioma Cerrado, assim como exerce grande influncia sobre
as Florestas Estacionais Deciduais e Semideciduais. J o lenol fretico, prximo
superfcie do solo compensa os efeitos da estacionalidade para as Matas de Galeria
permitindo a ocorrncia de floresta tropical com vinculaes florsticas s demais
formaes tropicais midas brasileiras.
O clima do Cerrado apresenta duas estaes bem definidas, uma seca, que tem
incio no ms de maio, terminando no ms de setembro, e outra chuvosa, que vai de
outubro a abril, com precipitao mdia anual variando de 600 a 2.000 mm, com a
ocorrncia freqente de veranicos, perodos sem chuva, na estao chuvosa desta
regio (Assad, 1994). A diversidade fisionmica das formaes vegetais resulta em
uma explorao diferenciada da gua disponvel ao longo do perfil do solo e as
variaes em altura, tamanho de copas, densidade de gramneas. Outras caractersticas
proporcionam gradientes luminosos distintos tanto no transcurso da paisagem
e como ao longo da estrutura vertical da vegetao, resultando em diferenas
acentuadas no nvel de sombreamento a que uma planta pode estar exposta
no decorrer de seu desenvolvimento. Alm disso, a estao das chuvas
caracteriza-se por uma alta nebulosidade o que reduz consideravelmente a
intensidade luminosa e, provavelmente, afetando o balano de carbono das folhas,
mesmo em ambientes expostos, conforme citado por Franco (nesta
publicao). Conforme este autor, espera-se que plantas lenhosas do
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Felfili, Sousa-Silva & Scariot
Cerrado possuam uma variedade de estratgias de utilizao de gua e luz, com
efeitos marcantes da sazonalidade no balano de carbono de espcies com diferentes
fenologias. Plantas lenhosas do Cerrado apresentam taxas, relativamente, altas de
assimilao mxima de CO
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, entretanto, o investimento macio em estruturas
subterrneas representa um dreno importante dos produtos fotossintticos que poderia
ser investido em crescimento da parte area (Franco, nesta publicao).
Alteraes no metabolismo do carbono, na utilizao da irradiao e na alocao
de biomassa para os compartimentos da planta, certamente, ajustaram a capacidade
de assimilao com as demandas de carbono, mantendo o crescimento de Cybistax
antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha, estudadas por Prado et al. (nesta publicao),
sob taxas menores na condio de sombra. Os resultados demonstraram a capacidade
de aclimatao de longo prazo reduzida irradiao incidente em diferentes nveis
de organizao da planta, explicando, ao menos em parte, a ampla distribuio
destas duas espcies nas diversas fisionomias do Cerrado.
O efeito da luz na germinao, crescimento e desenvolvimento de espcies nas
formaes florestais, inclusive nas Matas de Galeria, j bastante entendido com a
possibilidade de separao das espcies em grupos funcionais relativos tolerncia
ao sombreamento (Felfili & Abreu 1999; Felfili et al. 2001). Nos ambientes savnicos
de Cerrado, que se caracterizam por um estrato herbceo contnuo, entrecortado por
um estrato arbreo de densidade varivel verifica-se tambm um gradiente lumnico
ao longo dos estgios de desenvolvimento das plantas. O nvel de sombreamento a
que uma planta lenhosa no Cerrado estar exposta vai variar em funo do seu
tamanho e da estrutura da vegetao, ou seja, na fase inicial de crescimento quando
germina sob a camada graminosa, uma planta estar sujeita a nveis de sombreamento
muito superiores queles que encontrar na sua fase adulta, depreendendo-se que,
mesmo em ambientes savnicos no Cerrado o sombreamento pode ser um fator
limitante no estabelecimento e desenvolvimento das plantas.
A maior sensibilidade ao fogo das espcies florestais sugere que esse fator tem
sido importante em limitar a distribuio atual de florestas (principalmente, Cerrado)
no bioma Cerrado. Hoffmann (nesta publicao) com base em experimentos em
viveiro com espcies congneres de Cerrado e Mata de Galeria constatou essa diferena
na sensibilidade ao fogo e sugeriu que esta tem um importante papel na dinmica do
ectono Cerrado-Mata. Apesar das florestas serem menos inflamveis do que Cerrado,
o fogo ocasionalmente penetra nelas, causando grandes danos devido baixa
tolerncia de espcies florestais ao fogo (Felfili 1997).
As diferenas em repartio de biomassa entre espcies florestais, que investem
mais em parte area e em espcies de Cerrado com comportamento contrrio,
corroboram os resultados encontrados por Paulilo & Felippe (1998), Moreira & Klink
(2000) e Felfili et al. (2001). A consistncia dessas caractersticas dentre as espcies
em cada ambiente indica evoluo convergente, que uma forte evidncia de que
essas caractersticas so adaptaes aos ambientes de Cerrado e de Mata, conforme
sugerido por Wanntorp et al. (1990). Em matas, onde a luz considerada um dos
principais fatores que limitam o crescimento de plntulas, espcies com porte alto e
um grande investimento em rea foliar teriam mais sucesso na competio por luz.
Em Cerrado, a luz abundante, mas gua e nutrientes, provavelmente, so mais
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Avanos no conhecimento
limitantes, o maior investimento em razes seria mais vantajoso, conforme sugerem
Gleeson & Tilman (1992).
As principais classes de solo que suportam o Cerrado sentido restrito na regio
central do Planalto Central brasileiro so Latossolos Vermelhos (46%) e Neossolos
Quartzarnicos (Haridasan, nesta publicao). So solos profundos e bem drenados,
e no apresentam restries ao crescimento radicular das rvores. Estas classes
representam respectivamente, cerca de 46 e 15% da superfcie total da regio (Reatto
& Martins, nesta publicao). Haridasan (nesta publicao), citando Burnham (1989)
e Nepstad et al. (2001), sugere que com o alto grau de intemperismo e profundidade
do solo, geralmente maior que 2m, as camadas inferiores no devem desempenhar
nenhum papel significativo na nutrio mineral das plantas nativas do Cerrado o
que leva improbabilidade do aproveitamento de formas de P e K consideradas
indisponveis (no extradas pelos extratores convencionais como de Mehlich e de
Bray). Haridasan considera que a manuteno deste ecossistema deve depender de
uma reciclagem fechada e eficiente de macronutrientes (P, K, Ca e Mg), ainda existindo
a possibilidade de entrada de quantidades pequenas atravs de precipitao, como
preconizado por Coutinho (1979).
Quando a profundidade do solo torna-se limitante, por causa de concrees
laterticas ou ferruginosas ou afloramento de rochas, a fisionomia comum de Campo
cerrado ou Cerrado rupestre (Ribeiro & Walter 1998). Nestes ambientes, a distribuio
de razes est concentrada nas camadas mais superficiais, diminuindo drasticamente
com a profundidade (Abdala et al. 1998, Delitti et al. 2001). Apesar da alta
biodiversidade de espcies arbreas em comunidades nativas do Cerrado sentido
restrito em solos distrficos, relativamente, poucas espcies constituem as maiores
populaes (Felfili et al., 2004) e segundo Haridasan (nesta publicao) contribuem
para a maior parte da biomassa e estoque de nutrientes. As concentraes de nutrientes
foliares variam bastante entre estas espcies. As espcies mais abundantes, entretanto,
parecem ser menos exigentes em nutrientes por apresentarem relativamente menores
concentraes foliares e maiores nmeros de indivduos.
O estabelecimento e desenvolvimento das plntulas esto relacionados ao
intervalo entre queimas, com queimadas freqentes favorecendo a reproduo
vegetativa, pois com pequenos intervalos entre queimadas, as plntulas no se
desenvolvem o suficiente para atingir o tamanho crtico de escape ao fogo, cujo
efeito, na poca seca seria mais negativo (Miranda, nesta publicao, com base em
Whelan, 1995). Vale ressaltar que os incndios naturais, apesar de ocorrerem h
milhares de anos no Brasil Central, eram provavelmente menos concentrados na
estao seca do que atualmente, pois alguns seriam causados por raios durante
tempestades que, em geral, ocorrem a partir do incio das chuvas, enquanto ainda
h muito material combustvel acumulado. Apesar de muitas espcies de plantas
dos ambientes savnicos do Cerrado apresentarem caractersticas morfolgicas que
conferem resistncia ao fogo, os incndios em intervalos muito curtos desfavorecem
a camada lenhosa (Felfili et al, 2000; Moreira, 2000) contribuindo para que vegetao
mais aberta suceda aos Cerrados mais densos.
Henriques (nesta publicao) sugere que cada tipo fisionmico do Cerrado
sensu lato pode ser considerado como um tipo de vegetao clmax. Na ocorrncia
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Felfili, Sousa-Silva & Scariot
do fogo, todos os tipos fisionmicos sofrem um processo de regresso para uma
fisionomia (estgio) mais aberta, com desenvolvimento do estrato inferior dominado
por gramneas e diminuio do componente lenhoso arbustivo. Considerando que a
regio do bioma Cerrado pode estar com freqncia de fogo acima do regime normal,
devido ao antrpica, provvel que as fisionomias abertas, em particular a de
Cerrado sensu stricto em reas sem impedimento edfico, estejam em diferentes
estgios sucessionais aps o fogo. Vale ressaltar que uma fisionomia s pode alcanar
sua plenitude em funo da capacidade de carga do ambiente, ou seja, mesmo
protegido de fogo, um campo mido em solo hidromrfico no se tornar um Cerrado
tpico, assim como, um Campo rupestre no se tornar uma Mata de Galeria. Por
outro lado, um Cerrado ralo sobre Latossolo profundo e bem drenado, protegido,
pode tornar-se um Cerrado denso, pois esta ltima, seria a formao clmax que
estava aberta pela recorrente ocorrncia de incndios.
PADRES DE DISTRIBUIO E IMPLICAES PARA CONSERVAO E
MANEJO
Na anlise comparativa de pequenos mamferos no Cerrado, Vieira e Palma
(nesta publicao) verificaram que as comunidades de pequenos mamferos do
Cerrado podem ser divididas em trs conjuntos, segundo sua composio:
comunidades em florestas, comunidades em reas abertas (secas ou midas) e
comunidades em savanas (cerrados com diferentes graus de cobertura arbrea). A
riqueza de espcies de pequenos mamferos no Cerrado atinge valores mximos em
Matas Ciliares e de Galeria, seguidas pelas Florestas Mesofticas. Estes autores
destacam as comparaes em escala regional realizadas com comunidades de rpteis
e anfbios (Colli et al., 2002) e pequenos mamferos (Marinho-Filho et al., 1994).
Rodrigues (nesta publicao), parte da premissa que, com raras excees, as espcies
da herpetofauna do Cerrado freqentam livremente ou toleram a Mata de Galeria,
possuindo assim pr-adaptaes mnimas para permanecerem em reas florestadas.
A fauna de floresta, ao contrrio, estritamente umbrfila e, praticamente, no
tolera ambientes abertos. O autor refere-se a trabalhos de Silva (1995a, 1995b),
Cartelle (2000) e Fonseca et al. (2000), que apresentaram hipteses para explicar a
distribuio atual e pretrita e a composio da fauna do Cerrado e os que buscaram
evidncias sobre a importncia das Matas de Galeria na disperso de aves amaznicas
e da Floresta Atlntica nos Cerrados (Silva, 1996; Willis, 1992).
No que toca vegetao, estudos comparativos de inventrios de comunidades
tm sido realizados para detectar padres fitogeogrficos, diferenciando a regio em
zonas fitogeogrficas caracterizadas por txons distintos (Ratter & Dargie, 1992;
Ratter et al., 1996; Ratter et al., 2003; Castro, 1994 e Castro et al., 1999) assim como
associar os padres de distribuio, com base em amostragens padronizadas, a
fatores ambientais (Felfili & Silva Jnior, 1993, 2001 e nesta publicao; Felfili et al.
1994, 1997, 2004).
A anlise dos padres fitogeogrficos e de diversidade de comunidades vegetais
do Cerrado sensu stricto apresentada por Felfili & Silva Jnior (nesta publicao)
indica que o Cerrado sensu stricto uma rica e diversa fitofisionomia, com elevada
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Avanos no conhecimento
diversidade alfa. O relacionamento positivo entre os padres de diversidade e as
caractersticas fsicas do ambiente, tambm verificado por Felfili & Silva Jnior (2001),
trazem a possibilidade de modelagem desses padres de acordo com zoneamentos
fisiogrficos e fisionmicos tais como o elaborado por Cochrane et al. (1985). Os
autores verificaram tambm que a diversidade beta baixa nas comunidades de
Cerrado sensu stricto quando as comparaes so baseadas em presena e ausncia
de espcies devido a um elevado nmero de espcies comuns entre diferentes locais.
Porm, esta se torna elevada nas comparaes baseadas na densidade de espcies
ou seja, a diversidade beta elevada devido a uma distribuio de indivduos por
espcies muito desigual nos locais ao longo do bioma, apesar de um grande nmero
de espcies ocorrerem em comum. A densidade de espcies , portanto, um importante
parmetro para tomada de decises quanto conservao e manejo do Cerrado. No
estabelecimento de unidades de conservao torna-se importante verificar tanto a
ocorrncia das espcies, como o tamanho de suas populaes. No delineamento de
estratgias para manejo e extrativismo sustentvel, tornam-se fundamentais avaliaes
quantitativas, com preciso suficiente para o planejamento da produo em nvel
regional.
Quanto representatividade das unidades de conservao em relao aos
padres de diversidade beta, aqui estudados, verificou-se que a configurao original
do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros insuficiente para proteger a
diversidade florstica daquela Chapada. Que todas as unidades de conservao da
Chapada Pratinha esto concentradas no Distrito Federal, deixando as terras baixas
da Chapada que incluem Paracatu-MG e Patrocnio-MG desprotegidas e que o Parque
Grande Serto Veredas bastante representativo do Espigo Mestre (Felfili & Silva
Jnior, nesta publicao).
Ribeiro et al. (nesta publicao), em termos de Cerrado sentido restrito, citam
que as anlises biogeogrficas realizadas por Castro (1994), Castro e Martins (1999),
Ratter & Dargie (1992), Ratter et al. (1996) e Ratter et al. (2003) com base em presena
e ausncia de espcies permitiram a identificao de padres de distribuio da flora
do bioma. Ratter et al. (1996) reconheceram os grupos Sul (So Paulo e sul de
Minas Gerais), Este-sudeste (principalmente, Minas Gerais), Central (Distrito Federal,
Gois e pores de Minas Gerais), Centro-oeste (a maior parte de Mato Grosso,
Gois e Mato Grosso do Sul), e Norte (principalmente Maranho, Tocantins e Par),
assim como um grupo de vegetao savnica disjunta na Amaznia. Neste estudo,
os autores mostraram no apenas que a diversidade tende a ser menor nos stios
com solos relativamente mais frteis, onde existe a dominncia de espcies indicadoras
como Callisthene fasciculata, Magonia pubescens, Terminalia argentea e Luehea
paniculata mas tambm a existncia de intensa heterogeneidade entre os stios
amostrados (diversidades beta e gama). O padro de diversidade das espcies lenhosas
principalmente constitudo de um grupo restrito de 300 espcies (cerca de 1/3 do
total) relativamente comuns e 2/3 de espcies bastante raras, muitas das quais
poderiam ser classificadas como acessrias (Ratter et al. 2003). Este padro de
oligarquia de um grupo de espcies comuns e muitas outras espcies raras, tambm
foi verificado para as Matas de Galeria (Silva Jnior et al. 2001). Os autores consideram
tambm que a intensa heterogeneidade florstica local e regional aqui destacada
deve ser considerada para o estabelecimento de Unidades de Conservao, onde se
34
Felfili, Sousa-Silva & Scariot
torna necessrio proteger muitas reas para representar adequadamente a
biodiversidade local e regional de plantas lenhosas. Os dados disponveis evidenciam
que, para ser efetiva, a conservao deve ser fundamentada na integrao entre as
fisionomias.
A similaridade florstica entre as fisionomias florestais e savnicas baixa,
Felfili & Silva Jnior (1992) comparando Matas de Galeria, Cerrado sensu stricto e
Cerrado da Fazenda gua Limpa, Distrito Federal, verificaram uma pequena
sobreposio de espcies lenhosas entre Cerrado sensu stricto e Matas de Galeria,
enquanto que o Cerrado foi composto de uma mistura de espcies do Cerrado e das
Matas de Galeria. Analisando-se a lista de espcies vasculares elaborada por Mendona
et al. (1998) confirma-se esse padro e verifica-se tambm que as florestas estacionais
em solos frteis apresentam uma flora diferenciada tanto do Cerrado como das Matas
de Galeria e que o Cerrado nos solos distrficos apresenta uma flora composta de
espcies de Cerrado sensu stricto e de Mata de Galeria, mas quando ocorre em solos
mesotrficos apresenta tambm, elementos de florestas estacionais deciduais e
semideciduais configurando-se como uma fisionomia de transio com uma estrutura
prpria, mas com uma flora mista, composta de espcies das formaes adjacentes.
O Carrasco uma fisionomia que ocorre principalmente na zona de transio Cerrado/
Caatinga (Felfili & Silva Jnior 2001) e tambm se configura como uma fisionomia
de transio.
Scariot e Sevilha (nesta publicao) consideram, baseados em aspectos
florsticos e fisionmicos, que entre as formaes brasileiras, as Florestas Estacionais
Deciduais esto mais associadas s Caatingas arbreas, com espcies tidas como
tpicas dessa formao, tais como Myracruodruon urundeuva Fr. All. (aroeira),
Schinopsis brasiliensis Engl. (brana), Cavanillesia arborea K Schum. (barriguda),
Amburana cearensis (Fr. All.) A. C. Smith (cerejeira) e Tabebuia impetiginosa (Mart.)
Standl. (ip roxo) entre outras, apesar dessas florestas poderem apresentar semelhana
tambm com outros tipos de vegetaes adjacentes, dada a interpenetrao de espcies
dessas outras formaes. Da mesma forma, florstica e estruturalmente, o componente
arbreo das Florestas Estacionais Deciduais de reas planas e de afloramentos calcrios
de uma mesma regio, como o caso da bacia do rio Paran, pode formar associaes
distintas (Scariot & Sevilha 2003; nesta publicao).
No obstante a singularidade das florestas estacionais deciduais, a riqueza em
espcies de importncia madeireira, a alta taxa de desmatamento e o impacto da
perturbao antrpica nos remanescentes, poucas unidades de conservao
contemplam essa fitofisionomia (Sevilha et al., 2004). Essencial na extensa regio
do vale do rio Paran, onde ainda existem reas dessa vegetao, a imediata
implantao de novas unidades de conservao que permitam a conservao e a
preservao de amostras significativas da biodiversidade, da rica variedade de
fitofisionomias e das nascentes dos cursos de gua e que assegurem, ainda, o fluxo
gnico entre populaes isoladas. Scariot & Sevilha (nesta publicao) sugerem, que
neste contexto, a implementao de corredores ecolgicos um objetivo maior a ser
perseguido. Os corredores ecolgicos so uma das formas de planejamento regional
que visam manter sistemas de reas protegidas em uma matriz de uso humano da
paisagem. Esses autores destacam que, em um corredor ecolgico, so desenhadas e
implementadas conexes entre reas protegidas, de forma que os biomas naturais
35
Avanos no conhecimento
no sejam ilhados como resultado da ao antrpica. Ao combater a fragmentao,
mantm-se os processos de migrao, disperso, colonizao e intercmbio gentico
que permitem a sobrevivncia da biota nativa na paisagem. Em termos de ecossistema,
tambm so mantidos os fluxos de matria e energia que sustentam a produtividade
natural (Cavalcanti, nesta publicao).
Silva & Sousa (nesta publicao) relatam que nas ltimas dcadas foram
desenvolvidos estudos biogeogrficos sobre as avifaunas dos cinco grandes biomas
brasileiros, permitindo assim estimar a importncia relativa da especiao versus
intercmbio bitico no processo de formao das avifaunas desses biomas e propor
um primeiro modelo. Com base no modelo, a produo de espcies parece ser o
principal fator que leva alta diversidade regional de espcies na Amaznia e Floresta
Atlntica enquanto que nas avifaunas da Caatinga, Cerrado e Pantanal, o intercmbio
bitico teve um papel mais importante na determinao da diversidade regional de
aves do que a produo de espcies. Em contraste com as avifaunas das trs reas
de formaes abertas, as avifaunas da Amaznia e da Floresta Atlntica so compostas
por uma grande porcentagem de espcies endmicas, muitas das quais so restritas
a somente uma poro da regio. O Pantanal no possui endemismos em aves e
muito da sua avifauna composta por elementos biogeogrficos dos biomas
adjacentes. A Caatinga e o Cerrado possuem muito mais espcies endmicas do que
o Pantanal, mas em ambos os biomas o grande nmero de espcies que tm os
centros de suas distribuies localizados em outros biomas muito significativo. Na
Caatinga, os elementos de outros biomas esto principalmente nas florestas midas
encontradas nas encostas de planaltos residuais (localmente denominados de brejos)
ou nas transies ecolgicas com relevo complexo (Chapada da Diamantina) para a
Floresta Atlntica e Cerrado. No Cerrado, os elementos dos outros biomas esto
principalmente nas Matas de Galeria, que cobrem menos de 10% da regio, e nas
Florestas Estacionais (Matas Secas), que esto restritas a manchas de solos derivados
de rochas bsicas, nas depresses localizadas entre planaltos. Os brejos e as Matas
de Galeria apresentam vnculos florsticos com a Floresta Atlntica (Felfili et al.
2001) e as Matas Secas ou Florestas Estacionais Deciduais apresentam elementos
florsticos comuns com a Caatinga arbrea (Andrade Lima, 1981, Felfili 2003) e com
as florestas semideciduais do Sudeste, para fins conservacionistas, hoje classificadas
como Floresta Atlntica, ou seja, a avifauna de outros biomas presentes nas formaes
abertas so dependentes das formaes florestais extra Cerrado ou extra Caatinga
que existem nos limites dos respectivos biomas.
Um planejamento biorregional de conservao deve ter como objetivo manter
os processos biogeogrficos responsveis pela diversidade regional de espcies. Esse
planejamento deveria tanto manter a produo de espcies e o intercmbio bitico
com os biomas adjacentes como evitar a extino em massa das espcies devido s
modificaes ambientais causadas pelas atividades humanas. No Pantanal e no
Cerrado, extensos corredores ribeirinhos so essenciais para garantir o fluxo
permanente de populaes e espcies dos biomas adjacentes para essas regies. No
caso do Cerrado, as florestas ribeirinhas possuem tambm muitas espcies endmicas.
Para a conservao das espcies endmicas das reas abertas do Cerrado, lugares
estratgicos devem ser selecionados com base nos padres de variao da abundncia
destas espcies ao longo da regio. Mais especificamente, um esforo especial de
36
Felfili, Sousa-Silva & Scariot
conservao deve ser direcionado para as trs reas de endemismo reconhecidas
para aves na regio: o vale do rio Araguaia, o vale do rio Paran e suas florestas
secas e a Chapada Diamantina com os seus campos rupestres (Silva & Bates,
2002).
Colli (nesta publicao) avalia que os principais eventos de vicarincia que
afetaram a herpetofauna sul-americana, em geral, e do Cerrado, em particular, foram
em primeiro lugar, a diferenciao climtica latitudinal e formao de provncias
florsticas ao final do Cretceo e incio do Tercirio, que criou uma dicotomia entre
espcies de paisagens abertas, sob climas temperados e secos, versus espcies de
paisagens florestais, sob climas tropicais e midos. Em segundo lugar, a herpetofauna
foi subdividida pela formao da Cordilheira dos Andes a partir do Oligoceno,
resultando na divergncia de elementos cis- versus trans-Andeanos. Depois, a grande
transgresso marinha do Mioceno promoveu uma maior diferenciao entre a
herpetofauna do Planalto Central Brasileiro em relao do sul do continente. Em
seguida, o soerguimento do Planalto Central Brasileiro estimulou a diversificao da
herpetofauna do Cerrado, entre elementos dos plats versus aqueles das depresses
interplanlticas. Finalmente, flutuaes climticas no Quaternrio promoveram mais
especiao, principalmente em encraves de vegetao nas regies de contato entre o
Cerrado e as Florestas Amaznica e Atlntica. A esses eventos de vicarincia, h que
se acrescentar o enriquecimento adicional da herpetofauna de paisagens abertas,
incluindo o Cerrado, pela chegada de imigrantes das Amricas Central e do Norte.
Essa seqncia de eventos presumivelmente deixou suas marcas, seja na composio
atual da herpetofauna dos biomas, seja nas filogenias dos clados sul-americanos, o
que pode ser verificado por meio de anlises biogeogrficas.
Baseado em dados da literatura, na anlise de colees zoolgicas e em
levantamentos, Pinheiro (nesta publicao) apresenta uma lista contendo 645 espcies
de borboletas efetivamente registradas no Distrito Federal, indicando uma expressiva
riqueza, mas, mesmo assim, aproximadamente um tero de todas as borboletas que
ocorrem no Brasil Central (cerca de 210 espcies), nunca foi registrado em qualquer
unidade de conservao do Distrito Federal. Este fato atribudo pelo autor, ausncia
nas Unidades de Conservao do DF em pelo menos duas das fisionomias de vegetao
de Cerrado que se constituem no habitat preferido de uma grande variedade de
espcies de borboletas: (1) as florestas semideciduais (tambm conhecidas como
florestas mesofticas), que no DF ocorrem principalmente em regies de solos calcrios,
como na regio de Sobradinho, na chapada da Contagem e na regio da Fercal, e (2)
as Matas de Galeria associadas a rios de mdio e grande porte, geralmente mais
densas e mais extensas do que aquelas encontradas ao longo dos pequenos crregos
e ribeires presentes nos parques e reservas. O autor considera que nas ltimas
dcadas, o Distrito Federal vem passando por um intenso processo de urbanizao e
pelo desenvolvimento de vrias atividades econmicas que levam inexoravelmente
destruio dos habitats naturais e, conseqentemente, perda em biodiversidade.
Com o avano da urbanizao, muitas das unidades de conservao vm sendo
transformadas em verdadeiras ilhas de vegetao, geograficamente isoladas de
outras unidades. Neste trabalho verifica-se que mesmo ambientes com pouca
representatividade em rea no bioma Cerrado esto revestidos de grande importncia
para estratgias de conservao da biodiversidade. As florestas estacionais que
37
Avanos no conhecimento
ocorrem em fragmentos naturais e antrpicos no Brasil Central, arranjadas como
trampolins naturais de biodiversidade (Felfili, 2003), aproximam as extensas formaes
estacionais da regio da Caatinga, do Pantanal e do Chaco. Proporcionando, assim,
habitats exclusivos para uma flora (Scariot & Sevilha, nesta publicao, Pott & Pott
2003, Nascimento et al. 2004) e fauna de borboletas (Pinheiro, nesta publicao) de
distribuio restrita a este tipo de formao e que, em geral, no esto contempladas
nas Unidades de Conservao existentes. No Distrito Federal, as Florestas Estacionais
ocorrem na regio da FERCAL, na APA de Cafuringa, fora das principais unidades de
conservao.
Os estudos sobre amplitude de dieta dos herbvoros, principalmente na regio
tropical, podem esclarecer algumas questes ecolgicas, entre elas as estimativas de
riqueza de espcies locais e regionais (Diniz & Morais, nesta publicao). Estas
autoras consideram que no Cerrado do Distrito federal, cerca de 47% das espcies de
lagartas (Lepidoptera) folvoras foram encontradas em apenas uma espcie de planta
(monfagas), enquanto 20% so oligfagas, ocorrendo em apenas uma famlia de
planta e 33% so polfagas, que se alimentam de vrias famlias de plantas. Isto
refora a idia de que as lagartas tm uma amplitude de dieta estreita nos trpicos e
por isso a necessidade de conservao da biodiversidade. Aguiar et al. (nesta
publicao) analisando a complexidade estrutural de bromlias e a diversidade de
artrpodes, em ambientes de campo rupestre e Mata de Galeria no Cerrado do Brasil
Central constaram diferenas significativas entre esses habitats, ressaltando, tambm,
a importncia da conservao do mosaico vegetacional do bioma Cerrado.
Fernandes & Gonalves-Alvim (nesta publicao), citando Lara & Fernandes
(1996), sugerem que a fauna de insetos galhadores no Cerrado uma das mais ricas
do mundo. Tidon et al. (nesta publicao) informam que foram identificados trs
gneros de Drosophilidae no bioma Cerrado. Drosophila, o maior desses trs gneros
na regio Neotropical, contempla 55 das 57 espcies listadas, enquanto
Scaptodrosophila e Zaprionus esto representados por apenas uma espcie cada.
Dentre as 57 espcies de drosofildeos reconhecidas, 48 so endmicas da regio
Neotropical e nove nela introduzidas. Vrias dessas espcies so sinantrpicas e
colonizaram a rea aps a chegada do homem, alterando a composio da fauna
drosofiliana da regio. Espcies da fauna nativa so encontradas em todas as
fitofisionomias do Bioma, demonstrando o alto grau de plasticidade adaptativa dessa
famlia. Um dado preocupante que das nove espcies introduzidas na regio
Neotropical e registradas no bioma Cerrado, sete foram capturadas pelas autoras na
Reserva Ecolgica do IBGE e no Parque Nacional de Braslia, Unidades de Conservao
do Distrito Federal. Isso sugere que, embora mantidas como reservas ambientais,
essas reas esto sofrendo colonizaes de espcies introduzidas, que podem alterar
a fauna nativa da regio.
Devido a sua capacidade incomum de digerir celulose, os trmitas so um
grupo funcional dominante no Cerrado, com grande impacto no fluxo de energia,
ciclagem de nutrientes e formao do solo. Uma fauna extremamente diversa depende
dos cupins para alimento ou abrigo. Por outro lado, a converso de cerrados em
agrossistemas, freqentemente, leva a desequilbrios que transformam algumas
espcies de trmitas em pragas agrcolas (Constantino, nesta publicao). Os cupins
do bioma Cerrado podem ser divididos em quatro grupos funcionais: xilfagos,
38
Felfili, Sousa-Silva & Scariot
humvoros, comedores de folhas da serapilheira (litter) e intermedirios (espcies
que no se enquadram claramente em nenhum dos outros grupos), sendo uma
caracterstica importante da fauna do Cerrado, a abundncia e diversidade de
comedores de folhas mortas. As principais diferenas da termitofauna de Cerrado
em relao de florestas so: a) menor proporo de xilfagos; b) maior proporo
de comedores de folhas da serapilheira. Dois padres comuns de distribuio
geogrfica podem ser estabelecidos com base em grupos mais bem conhecidos,
sugere o autor citando Cancello & Myles (2000). Algumas espcies, como Serritermes
serrifer, ocorrem em boa parte do Cerrado e em algumas savanas amaznicas, mas
tm um limite sul que corresponde aproximadamente divisa entre Minas Gerais e
So Paulo. Vrias outras, como Labiotermes brevilabius e Procornitermes araujoi,
ocorrem numa rea menor, de So Paulo a Gois. provvel tambm que existam
dois outros padres comuns. O primeiro corresponderia poro noroeste, incluindo
parte de Gois at Rondnia, onde ocorrem Spinitermes allognathus e Spinitermes
robustus. O segundo seria a parte nordeste, em Tocantins, Maranho, Piau e Bahia.
A fauna dessa ltima rea praticamente desconhecida, mas uma espcie nova,
Noirotitermes noiroti, foi descoberta recentemente num Cerrado do Piau.
A diversidade de espcies da ictiofauna no Cerrado bastante expressiva
contendo mais de 500 das quase 3.000 espcies de peixes na Amrica do Sul (Fonseca,
nesta publicao). Conforme a autora, os cursos dgua que nascem nesta regio do
Cerrado fluem naturalmente para as bacias contguas, constituindo muitas vezes
corredores ecolgicos para muitas espcies aquticas. Dependendo da capacidade
de adaptao das espcies, aliada s condies adequadas para o seu estabelecimento
em outras regies, os deflvios do Cerrado podem representar caminhos de disperso
de espcies aquticas. Dessa forma, o Cerrado brasileiro representa uma das reas
indispensveis para a preservao da diversidade biolgica aqutica e do seu
patrimnio gentico. Citando Conservation International (1999), a autora considera
que as reas de conexo entre as bacias, que compreendem as suas cabeceiras de
drenagem, so focos de endemismo para muitas espcies de gua doce, representando
uma das reas prioritrias para a conservao da biodiversidade aqutica.
PROPOSTAS PARA CONSERVAO
Alho (nesta publicao) ressalta que tem sido difcil persuadir os polticos,
diante da presso social, de que o combate pobreza, misria, e tambm o desejo
de desenvolvimento econmico e social, pressupem a necessidade de conservao
da natureza. A perda da biodiversidade, alcanada pela extino irremedivel de
espcies de flora e fauna s agrava os problemas da populao humana. A prtica
tem demonstrado que, no caso de destruio da natureza, a populao local pobre
a primeira que sofre a conseqncia da degradao da natureza. Este autor considera
que o conceito de biodiversidade se apia num trip: diversidade de espcies
(representando o nmero de formas de vida no nvel de espcies e suas populaes),
diversidade gentica (representando as diversas variedades sub-especficas ou
genticas das formas de vida) e diversidade ecossistmica (representando as diversas
paisagens naturais como Campo, Campo sujo, Campo mido, Cerrado no sentido
restrito, Campo cerrado, Cerrado, Mata Seca, Mata-Ciliar e de Galeria, Vereda e
39
Avanos no conhecimento
outras). E, que cada um desses elementos pode sofrer influncia de pelo menos trs
tipos de presso: fsica (degradao ou perda de habitats), qumica (ao de
contaminantes ambientais e poluio), e biolgica (introduo de espcies exgenas,
perturbao na cadeia trfica, eliminao de espcies-chave da comunidade ecolgica)
e outros fatores. Aponta que h diversas causas ou fatores identificados como ameaas
ao Cerrado: (a) de ordem institucional (dificuldade de aplicar a legislao ambiental
existente, deficincias na fiscalizao e carncia de conscientizao ambiental); (b)
fogo; (c) desmatamentos; (d) expanso agrcola e pecuria (sem ordenamento
ecolgico-econmico); (e) contaminantes ambientais (emprego desordenado de
pesticidas, herbicidas e outros txicos ambientais, provocando poluio das guas e
do solo); (f) eroso (assoreamento de corpos dgua, lixiviao e perda de solos
devido ao emprego de tcnicas no apropriadas de uso do solo); (g) uso predatrio
de espcies (sobre-explotao de espcies da flora e fauna); (h) implantao de
grandes obras de infra-estrutura (impactos causados pela abertura de rodovias,
hidrovias, hidreltricas e outras obras); (i) turismo desorganizado e predatrio e
outras causas. A degradao e perda de habitats naturais, oriundas de diversas
causas, so as maiores ameaas identificadas sendo necessria a adoo pelo governo
e sociedade das diretrizes elaboradas para o Cerrado pelo grupo de trabalho criado
pela Portaria do Ministrio do Meio Ambiente e Recursos Hdricos, nmero 298 de
11 de agosto de 1999.
Pivelo (nesta publicao) sugere que apenas a criao de unidades de
conservao no suficiente para a manuteno do patrimnio natural, mas tambm
necessrio que medidas de manejo sejam adotadas para estas reas, bem como para
toda a paisagem onde se inserem. Intervenes nos ecossistemas protegidos so
necessrias para direcionar seus processos e evitar ou remediar problemas que os
levem deteriorao. Dentre as constantes presses antrpicas sobre o Cerrado, a
autora destaca as queimadas, invases para sua ocupao com moradias e agricultura
de subsistncia, entrada de gado, retirada de lenha e de espcies medicinais, alm
da invaso biolgica por espcies exticas. Dentre os problemas enfrentados pelas
unidades de conservao do Cerrado, trs so destacados devido freqncia com
que ocorrem e magnitude dos danos decorrentes: incndios causados por queimadas
acidentais, invases biolgicas e fragmentao de habitats. Pivelo pondera que
ampla a gama de dados j obtidos para o Cerrado, teis para subsidiar seu manejo,
entretanto grande parte desse conhecimento biolgico e fisiogrfico est sob forma
descritiva e necessita ser organizado, analisado e trabalhado sob uma perspectiva
prtica, e ainda integrado a aspectos sociais e econmicos, para sua utilizao no
manejo ambiental. Mais do que isso, a informao precisa chegar aos agentes - os
tcnicos responsveis pelas unidades de conservao - e aos tomadores de decises,
que elaboram as diretrizes e normas a serem adotadas.
Cavalcanti (nesta publicao) alerta que a capacidade de sustentao extrativa
de ecossistemas nativos extremamente limitada e oferece poucas perspectivas de
ampliao como instrumento para promoo de conservao. Por outro lado, o uso
de paisagens naturais para fornecimento de servios, onde no h necessidade de
remoo de matria ou energia do sistema, permite um crescimento de escala
considervel, restando o desafio de promover um processo de valorao para justificar
sua manuteno. O autor informa que os esforos para conseguir valorar ecossistemas
40
Felfili, Sousa-Silva & Scariot
naturais a ttulo de servios foram acelerados a partir da dcada de 1980. As principais
classes so: (a) servios de ecossistema: manuteno da gua, manuteno de clima,
fixao de carbono, controle de eroso e conservao do solo; (b) servios biolgicos:
manuteno da biodiversidade, bioprospeco, controle de predadores, servios de
polinizadores, entre outros e; (c) servios sociais/culturais: manuteno de identidade
cultural de populaes locais, smbolo e local para rituais sociais e religiosos,
ecoturismo e turismo de aventura, lazer, manuteno da qualidade de vida. Entretanto,
Cavalcanti pondera, que na sociedade moderna, os servios pblicos, em geral,
assim como os recursos naturais tm sido sistematicamente no valorados, sub-
valorados, ou ento tm seus custos subsidiados. Dessa forma, o real valor dos
ecossistemas naturais invisvel para a maioria da populao e no conseguem
enfrentar em termos econmicos os outros usos potenciais da terra em que os retornos
so valorados de forma mais transparente. O ambiente terrestre um ambiente
biolgico, os principais elementos que mantm as condies de vida na terra so
conseqncias da transformao biolgica do planeta durante o ltimo bilho de
anos. O teor de oxignio na atmosfera, as condies climticas locais como
temperatura, precipitao, umidade, ventos e o teor de gua no solo so todos
mediados e em boa parte determinados pelas paisagens biolgicas. A sustentao
da vida humana, tambm, em ltima instncia depende da transformao biolgica
da energia solar em alimentos, mediada pela fotossntese. Desta forma paradoxal
que grande parte da populao humana d maior valor aos elementos tecnolgicos
de uma sociedade de consumo do que aos biolgicos na determinao de nossa
qualidade de vida e sustentabilidade. Uma estratgia de proteo ambiental agrega
valor significativo para a viabilidade da ocupao humana de uma regio. O custo
de no proteger reas-chave muito alto. No Cerrado, onde a precipitao se concentra
em seis meses do ano, a perenizao dos rios depende de armazenamento de gua
subterrnea, nos grandes sistemas de chapades da Serra Geral.
CONSIDERAES FINAIS
Da abordagem multidisciplinar contida neste captulo-sntese, depreende-se
que o Brasil Central contm um mosaico de fisionomias savnicas e florestais, onde
o Cerrado sensu stricto sobre Latossolos profundos e bem drenados domina,
entretanto, uma grande variedade de fisionomias intercala-se com esta. Ou seja, em
uma escala ampla, a vegetao do Cerrado constitui-se em grandes manchas ou
fragmentos naturais que se intercalam estando a conectividade vinculada
manuteno do mosaico de fisionomias associadas. H diferenciaes florsticas e
estruturais entre fisionomias, no entanto, h tambm diferenciaes florsticas em
uma mesma fisionomia ao longo do espao territorial. Em geral, estas diferenas
esto vinculadas a padres recorrentes de caractersticas fisiogrficas, gerando a
necessidade de estratgias de manejo e conservao que considerem os padres
recorrentes de paisagens disjuntas ao longo do extenso bioma, que se distribui por
mais de 20 graus de latitude.
As interfaces com outros biomas so particularmente importantes no Cerrado,
ressaltando-se os ambientes contrastantes como as interfaces entre Cerrado e Caatinga
e aquelas entre Cerrado e Florestas Tropicais midas.
41
Avanos no conhecimento
Esta diversidade de paisagens determina uma grande diversidade florstica,
que coloca a flora do bioma Cerrado como a mais rica dentre as savanas do mundo.
A estacionalidade do clima tem sido considerada como determinante das fisionomias
savnicas do bioma Cerrado, assim como exerce grande influncia sobre as florestas
estacionais deciduais e semideciduais. J o lenol fretico, prximo superfcie do
solo, compensa os efeitos da estacionalidade para as Matas de Galeria permitindo a
ocorrncia de floresta tropical com vinculaes florsticas s demais formaes
tropicais midas brasileiras, enquanto a fertilidade do solo propicia a existncia das
florestas estacionais. Profundidade do solo, umidade e a ciclagem de nutrientes
determinam as fisionomias de Cerrado sensu lato sobre solos distrficos.
A maior sensibilidade ao fogo das espcies florestais sugere que esse fator tem
sido importante em limitar a distribuio atual de florestas (principalmente, Cerrado)
no bioma Cerrado. Os incndios naturais, apesar de ocorrerem h milhares de anos
no Brasil Central, eram provavelmente menos concentrados na estao seca do que
atualmente, pois alguns seriam causados por raios durante tempestades que, em
geral ocorrem a partir do incio das chuvas, enquanto ainda h muito material
combustvel acumulado. Apesar de muitas espcies de plantas dos ambientes
savnicos do Cerrado apresentarem caractersticas morfolgicas que conferem
resistncia ao fogo, os incndios em intervalos muito curtos desfavorecem a camada
lenhosa contribuindo para que vegetao mais aberta suceda aos cerrados mais
densos. Considerando que a regio do bioma Cerrado pode estar com freqncia de
fogo acima do regime normal, devido ao antrpica, provvel que as fisionomias
abertas, em particular a de Cerrado sensu stricto em reas sem impedimento edfico,
estejam em diferentes estgios sucessionais aps o fogo.
A fauna do bioma contm, em geral, elementos dos biomas adjacentes
atribuindo-lhe um carter generalista, mas vrios grupos so restritos a ambientes
especficos. A avifauna composta por elementos biogeogrficos dos biomas
adjacentes. Um planejamento biorregional de conservao deve ter como objetivo
manter os processos biogeogrficos responsveis pela diversidade regional de espcies.
Mamferos do Cerrado, por exemplo, podem ser divididos em trs conjuntos, segundo
sua composio: comunidades em florestas, comunidades em reas abertas (secas
ou midas) e comunidades em savanas (cerrados com diferentes graus de cobertura
arbrea). J as espcies da herpetofauna do Cerrado freqentam livremente ou toleram
a Mata de Galeria, possuindo assim pr-adaptaes mnimas para permanecerem
em reas florestadas enquanto a herpetofauna de floresta, ao contrrio, estritamente
umbrfila e, praticamente, no tolera ambientes abertos.
Um planejamento biorregional para conservao da fauna e da flora deveria
tanto manter a produo de espcies e o intercmbio bitico com os biomas adjacentes
como evitar a extino em massa das espcies devido s modificaes ambientais
causadas pelas atividades humanas. No Pantanal e no Cerrado, extensos corredores
ribeirinhos so essenciais para garantir o fluxo permanente de populaes e espcies
dos biomas adjacentes para essas regies. A manuteno do mosaico de paisagens
nesses corredores ser fundamental para garantir a conservao da biodiversidade
do bioma Cerrado e a diversidade gentica no s deste bioma, mas como daqueles
limtrofes.
42
Felfili, Sousa-Silva & Scariot
As florestas estacionais em afloramento calcreos dispersos ao longo do bioma
Cerrado, em especial no Vale do Paran em Gois, abrigam elementos da flora e da
fauna comuns Caatinga, Chiquitania e ao Chaco, Incluindo-se araras azuis e
madeiras de lei como a aroeira e o ip que esto ameaadas pela explorao de
calcreo e pela extrao madeireira, merecendo especial cuidado no estabelecimento
de um sistema de unidades de conservao que preserve a configurao espacial dos
fragmentos na diagonal central do Brasil.
Do ponto de vista hidrolgico, por conter zonas de planalto, a regio possui
diversas nascentes de rios e, conseqentemente, importantes reas de recarga hdrica,
que contribuem para grande parte das bacias hidrogrficas brasileiras; sendo
necessrio um adequado planejamento para ocupao dessas reas com a aplicao
da legislao ambiental e o estabelecimento de um sistema de unidades de conservao
que proteja tanto a biodiversidade como os recursos hdricos.
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Ecologia, Biodiversidade e Conservao
Cerrado:
Organizadores
Aldicir Scariot
Jos Carlos Sousa-Silva
Jeanine M. Felfili
MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE
Ecologia, Biodiversidade e Conservao
Cerrado:
Braslia-DF
2005
Este livro foi editado e impresso com apoio da Diretoria de Conservao da
Biodiversidade Brasileira DCBio e do Projeto de Conservao e de Utilizao
Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira PROBIO.
VEDADA A COMERCIALIZAO
Reviso em lngua portuguesa e preparo de originais:
Maria Beatriz Maury de Carvalho
Acompanhamento editorial e reviso final:
Cilulia Maury PROBIO
Projeto grfico e diagramao:
Jos Miguel dos Santos
ISBN 85-87166-81-6
Ministrio do Meio Ambiente MMA
Centro de Informao e Documentao Luis Eduardo Magalhes CID Ambiental
Esplanada dos Ministrio Bloco B trreo
70068-9000 Braslia-DF
Tel.: 5561 - 4009-1235
Fax.: 5561 - 3224-5222
Email: [email protected]
CERRADO: Ecologia, Biodiversidade e Conservao/Aldicir Scariot,
Jos Carlos Sousa-Silva, Jeanine M. Felfili (Organizadores).
Braslia: Ministrio do Meio Ambiente, 2005
439 p:il
1. Cerrado. 2. Meio Ambiente. 3. Biodiversidade 4. Ecologia. 5.
Conservao I. Ttulo.
com muita satisfao que apresento o livro Cerrado: Ecologia, Biodiversidade
e Conservao, uma formidvel contribuio de 46 pesquisadores e revisores, todos
eles empenhados em desvendar as peculiaridades, belezas e a diversidade biolgica
dos cerrados brasileiros.
Desde o incio da minha gesto frente ao Ministrio do Meio Ambiente, tenho
procurado abrir caminhos para que o Cerrado ocupe o lugar que merece entre os
biomas brasileiros, e deixe de ser visto apenas como uma regio a ser ocupada pela
expanso agrcola e, simultaneamente, por uma ocupao urbana desordenada.
Assim, em 2004 o MMA lanou o Programa Nacional de Conservao e Uso
Sustentvel do Bioma Cerrado Programa Cerrado Sustentvel, cujo objetivo geral
promover condies para reverter o empobrecimento socioambiental deste bioma.
Esse Programa foi desenvolvido pelo Grupo de Trabalho do Bioma Cerrado
(GT Cerrado), institudo pela Portaria MMA n 361, de 12 de setembro de 2003. Tais
iniciativas fortaleceram e sedimentaram tambm o Ncleo dos Biomas Cerrado e
Pantanal (NCP), vinculado Secretaria de Biodiversidade e Florestais, criado em
1994, que tem como sua principal atribuio articular e propiciar a execuo de
iniciativas voltadas para a conservao e o uso sustentvel destes dois biomas to
profundamente entrelaados, junto aos projetos e programas em execuo no
Ministrio do Meio Ambiente, alm de ser um ponto para interlocuo com a sociedade
civil organizada.
Apoiar a publicao deste livro acrescentar mais uma ao s anteriores,
uma oportunidade de disponibilizar informaes preciosas nele contidas a todos
interessados, pesquisadores, estudantes, ao pblico em geral, o que muito me alegra.
Aproveito esta oportunidade para cumprimentar os autores e unir-me a eles
nas homenagens aos pioneiros professores George Eiten e James Alexander Ratter,
que tanto contriburam para o conhecimento de vegetao do Cerrado, ao professor
Leopoldo Magno Coutinho e professora Maria Lea Salgado Labouriau que, com
suas ousadas observaes sobre o impacto do fogo muito acrescentaram, entre outras
contribuies relevantes, para a percepo do papel deste elemento na dinmica
desse bioma.
Marina Silva
Ministra do Meio Ambiente
APRESENTAO
V
Pela sua contribuio incomparvel para a ecologia do Cerrado, os editores, os
autores e a equipe do Ministrio do Meio Ambiente prestam homenagens a:
George Eiten
Nasceu em Morristown, EUA e professor aposentado do Departamento de
Botnica da Universidade de Braslia UnB. George Eiten pesquisador em ecologia
vegetal, sendo bastante conhecido pelo seu artigo de 1972, The cerrado vegetation
of Brazil. Esse artigo conceitua termos ambientais e estruturais da vegetao do
Cerrado, suas comunidades, fatores influenciadores como o solo, fogo, clima, e
apresenta o primeiro modelo para explicar as diferenas fisionmicas observadas
entre as fitofisionomias do Cerrado. autor de outros trabalhos clssicos que, no
seu todo, esto hoje entre os mais citados na literatura do bioma.
James Alexander Ratter
Eclogo vegetal e pesquisador aposentado do Royal Botanic Garden Edinburgh,
da Esccia, trabalhou por mais de 35 anos com a vegetao do Cerrado. Em 1967,
ele foi um dos integrantes da expedio da Royal Botanical Society e Royal
Geographical Society na rea nordeste de Mato Grosso. Em 1971, ele e a equipe
reconheceram as diferenas ecolgicas entre cerrades e a floresta estacional, fazendo
as primeiras correlaes com fatores edficos determinantes e reconhecendo espcies
indicadoras. Seus estudos iniciaram as anlises quantitativas da vegetao do bioma.
Recentemente, o professor Ratter tem analisado padres fitogeogrficos das
comunidades vegetais junto ao projeto Conservao e Manejo da Biodiversidade do
Bioma Cerrado CMBBC/DFID (Reino Unido), visando definio de estratgias para
manejo e conservao da sua biodiversidade.
Leopoldo Magno Coutinho
Professor aposentado do Departamento de Ecologia da Universidade de So
Paulo-USP, onde ministrou vrios cursos de graduao e ps-graduao, assim como
orientou vrias teses de mestrado e doutorado. Ele foi o primeiro eclogo a usar a
abordagem ecossistmica no estudo do Cerrado, pesquisando a produtividade primria
e o ciclo de nutrientes. A partir de 1977, o professor Coutinho tambm dedicou
grande parte de seu tempo a estudos sobre o impacto do fogo na vegetao do
Cerrado. A grande variedade de trabalhos desenvolvidos pelo professor Coutinho
gerou discusso e estimulou vrias questes abordadas na ecologia do Cerrado.
HOMENAGEADOS
VII
Maria Lea Salgado Labouriau
conhecida por ter criado as bases para a pesquisa paleoecolgica no Brasil e,
particularmente, no Cerrado. atualmente professora no Instituto de Geocincias na
Universidade de Braslia-UnB. A partir de 1960 a professora Labouriau deu incio ao
mais novo catlogo de polens preparado para o Cerrado, proporcionando assim o
rpido desenvolvimento das pesquisas paleocolgicas nesse ambiente. As pesquisas
da professora Labouriau esto entre as primeiras a demonstrar que os perodos
secos ocorridos no Cerrado tiveram carter mais amplo, atingindo toda a Amrica
do Sul. Ela foi tambm uma das pioneiras no estudo do fogo ao longo da histria da
vegetao do Cerrado. Atualmente, tem trabalhado no refinamento dos estudos das
modificaes climticas e vegetacionais no Cerrado, particularmente do fogo.
VIII
Autores
Adriana Reatto [email protected]
Aldicir Scariot [email protected]
Alexandre R. T. Palma [email protected]
Anderson C. Sevilha
[email protected]
Augusto Csar Franco [email protected]
Brbara F. D. Leo - [email protected]
Carlos Csar Ronquim
Carlos E. Pinheiro - [email protected]
Carlos H. B. de Assis Prado - [email protected]
Claudia Padovesi Fonseca - [email protected]
Cleber J. R. Alho - [email protected]
Cristiane G. Batista [email protected]
der de Souza Martins [email protected]
Emerson M. Vieira - [email protected]
G. Wilson Fernandes [email protected]
Geraldo W. Fernandes - [email protected]
Guarino R. Colli - [email protected]
Helena C. Morais - [email protected]
Heloisa S. Miranda - [email protected]
Ivone Rezende Diniz [email protected]
James Alexander Ratter -
[email protected]
Jean Franois Timmers
[email protected]
Jeanine Maria Felfili - [email protected]
Jorge E. F. Werneck Lima [email protected]
Jos Carlos Sousa Silva [email protected]
Jos Felipe Ribeiro - [email protected]
Jos Maria Cardoso [email protected]
Ludmila M. S. Aguiar [email protected]
Luzitano B. Ferreira - [email protected]
Manoel Cludio da Silva Jnior [email protected]
Marcos Prsio Dantas Santos - [email protected]
Margarete Naomi Sato - [email protected]
Maria Lea Salgado-Labouriau - [email protected]
Mariana Cristina Caloni Pern
Miguel T. Urbano Rodrigues - [email protected]
Mundayatan Haridasan - [email protected]
Raimundo P. B. Henriques - [email protected]
Reginaldo Constantino - [email protected]
Reuber A. Brando [email protected]
Ricardo B. Machado
[email protected]
Roberto Cavalcante - [email protected]
Rosana Tidon [email protected]
Denise F. Leite [email protected]
Samuel Bridgewater - [email protected]
Silmary J. Gonalves-Alvim
[email protected]
Vnia R. Pivelo - [email protected]
William A. Hoffmann - [email protected]
Autores e Revisores
Reviso Tcnica
Adelmar Gomes Bandeira
Amabilio Jos Aires de Camargo
Alexandre Francisco da Silva
Aldicir Scariot
Ary Teixeira de Oliveira Filho
Augusto Csar Franco
Carlos E. G. Pinheiro
Carlos H. B. A. Prado
Claudia Padovesi Fonseca
Christopher W. Fagg
Divino Brando
Edson Junqueira
Edson Ryoiti Sujii
Eduardo Arcoverde de Mattos
Fabio Scarano
Glein Monteiro
Guarino R. Colli
Helena C. Morais
Hussan El Dine Zaher
Humberto Santos
Ivan Schiavini
Jeanine Maria Felfili
Joo Augusto A. Meira Neto
John D. Hay
Jos Carlos Sousa Silva
Jos Maria Cardoso da Silva
Jos Roberto R. Pinto
Jos Roberto Pujol-Luz
Jucelino A. Azevedo
Keith S. Brown Jr.
Leandro G. Oliveira
Leopoldo M. Coutinho
Ludmila M. S. Aguiar
Maria Lucia Meirelles
Miguel A. Marini
Miguel Trefaut Rodrigues
Mundayatan Haridassan
Nabil J. Eid
Nilton Fiedler
Paulo Csar Motta
Paulo Eugenio A. M. de Oliveira
Raimundo Paulo Barros Henriques
Reginaldo Constantino
Ricardo B. Machado
Rosana Tidon
Silvio T. Spera
Vnia R. Pivello
Vitor Osmar Becker
IX
O conhecimento das causas e conseqncias da destruio, fragmentao e
depauperamento dos habitats naturais fundamental para a compreenso e
conservao de amostras funcionais representativas dos ecossistemas naturais e dos
recursos biolgicos. Dentre os ecossistemas tropicais que sofrem com aceleradas
taxas de destruio destaca-se o Cerrado, esta vasta regio do Brasil. Embora seja o
segundo bioma brasileiro em extenso, cobrindo quase um quarto do territrio
nacional, sua biodiversidade ainda pouco conhecida, o que parece irnico, pois se
trata da mais rica e ameaada savana tropical do planeta.
O conhecimento sobre o Cerrado vem sendo acumulado, porm o que
conhecido e a capacidade em transformar o conhecimento em aes prticas tem
sido muito inferior velocidade em que este bioma est desaparecendo. Diferente
de outros biomas brasileiros, como a Amaznia e a Floresta Atlntica, nem mesmo
a proporo de habitats naturais do Cerrado conhecida. A paisagem natural do
Cerrado, manifestada em muitas fisionomias de vegetao que hospedam espcies
endmicas, conhecimentos tradicionais, culturas particulares e cenrios deslumbrantes
est rapidamente sendo transformada em monoculturas de soja e algodo e pastagens
para gado. A facilidade com que a vegetao pode ser removida, em comparao
quelas de outros biomas, clima e solos propcios agricultura e pecuria, juntamente
falta de ordenamento na ocupao da paisagem e uso dos recursos naturais poder
trazer conseqncias desastrosas. No somente a biodiversidade ser afetada em
sua composio, mas tambm os servios advindos de ecossistemas, como a ciclagem
de nutrientes, a recarga dos aqferos e o fluxo das guas, dentre muitos outros,
comprometendo a qualidade de vida das populaes e a sustentabilidade das
atividades econmicas e sociais da regio.
Este livro est organizado em quatro sees principais: Determinantes Abiticos,
Comunidades de Plantas, Comunidades de Animais, e Conservao. Na primeira
seo so apresentados textos sobre solos, hidrologia, palinologia e as queimadas
no Cerrado. Na segunda seo, os textos tratam da biodiversidade, composio e
estrutura da vegetao, comparaes ecolgicas entre espcies e ecofisiologia de
plantas. Na terceira e maior seo, textos tratando da biodiversidade, distribuio,
biogeografia, caracterizao da fauna do Cerrado e comparaes entre reas protegidas
e no protegidas so apresentados. Este volume finalizado com a quarta seo,
composta de textos com perspectivas e desafios para a conservao e manejo dos
recursos naturais do Cerrado.
Esta publicao uma amostra da capacidade dos pesquisadores, demonstrada
em suas pesquisas no Cerrado, baseada na perseverana e dedicao de muitos que
acreditam que possvel trilhar um caminho diferente daquele com base unicamente
na destruio dos ecossistemas naturais. A informao sobre os ecossistemas e
espcies do Cerrado ainda necessria, assim como aes que efetivamente garantam
INTRODUO
XI
14
amostras significativas e funcionais desse bioma s geraes futuras e um uso racional
dos recursos naturais existentes, com respeito s sociedades dessa regio. nosso
desejo e esperana que a informao aqui contida seja til para a promoo da
pesquisa e formas mais sustentveis de utilizao dos recursos do bioma Cerrado.
Aldicir Scariot
Jos Carlos Sousa-Silva
Jeanine M. Felfili
(Organizadores)
XII
15
Apresentao .........................................................................................
Homenageados .......................................................................................
Autores e Revisores ................................................................................
Introduo ..............................................................................................
Captulo sntese ......................................................................................
PARTE I Determinantes abiticos
Captulo 1. Classes de solo em relao aos controles da paisagem do
bioma Cerrado...................................................................
Captulo 2. Estimativa da produo hdrica superficial do Cerrado
brasileiro. ..........................................................................
Captulo 3. Influncia da histria, solo e fogo na distribuio e dinmica
das fitofisionomias no bioma Cerrado. ...............................
Captulo 4. Efeitos do fogo na vegetao lenhosa do Cerrado. ..............
Captulo 5. Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos cerrados. ..........
PARTE II Comunidades de plantas
Captulo 6. Biodiversidade, estrutura e conservao de florestas
estacionais deciduais no Cerrado. ......................................
Captulo 7. Diversidade alfa e beta no cerrado strictu sensu, DF, GO, MG
e BA. .................................................................................
Captulo 8. Ecologia comparativa de espcies lenhosas de cerrado e de
mata. .................................................................................
Captulo 9. Competio por nutrientes em espcies arbreas do cerrado.
Captulo 10. Biodiversidade de forma e funo: implicaes ecofisiolgicas
das estratgias de utilizao de gua e luz em plantas lenhosas
do Cerrado. .......................................................................
Captulo 11. Balano de carbono em duas espcies lenhosas de Cerrado
cultivadas sob irradiao solar plena e sombreadas. ..........
PARTE III Comunidades de animais
Captulo 12. A importncia relativa dos processos biogeogrficos na
formao da avifauna do Cerrado e de outros biomas
brasileiros. ........................................................................
Captulo 13. A biodiversidade dos cerrados: conhecimento atual e
perspectivas, com uma hiptese sobre o papel das matas
galerias na troca faunstica durante ciclos climticos. .........
Captulo 14. As origens e a diversificao da herpetofauna do Cerrado. .
Captulo 15. Pequenos mamferos de Cerrado: distribuio dos gneros e
estrutura das comunidades nos diferentes habitats. ............
Captulo 16. Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado. ..............
SUMRIO
V
VII
IX
XI
25
47
61
73
93
107
121
141
155
167
179
197
219
235
247
265
283
16
Captulo 17. Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito
Federal: implicaes para a conservao. ...........................
Captulo 18. Abundncia e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera)
no cerrado de Braslia (DF) ................................................
Captulo 19. Padres de diversidade e endemismo de trmitas no bioma
Cerrado. ............................................................................
Captulo 20. Drosofildeos (Diptera, Insecta) do Cerrado. .......................
Captulo 21. A complexidade estrutural de bromlias e a diversidade de
artrpodes, em ambientes de campo rupestre e mata de galeria
no Cerrado do Brasil Central. .............................................
PARTE IV Conservao
Captulo 22. Desafios para a conservao do cerrado face s atuais
tendncias de uso e ocupao. ...........................................
Captulo 23. Ocupao do bioma Cerrado e conservao da sua diversidade
vegetal. .............................................................................
Capitulo 24. Manejo de fragmentos de Cerrado visando a conservao da
biodiversidade. ..................................................................
Captulo 25. Caracterizao dos ecossistemas aquticos do Cerrado.
Captulo 26. Perspectivas e desafios para conservar a biodiversidade do
Cerrado no sculo 21 .........................................................
Lista de Figuras
PARTE I Determinantes abiticos
Captulo 1
Classes de solo em relao aos controles da paisagem do bioma Cerrado
Figura 1. Fatores de formao de solo e pedognese .............................
Figura 2. ndices pluviomtricos do bioma Cerrado...............................
Figura 3. Fluxograma de identificao dos controles da paisagem das
classes Neossolo Quartzarnico e Latossolos ..........................
Figura 4. Fluxograma de identificao dos controles da paisagem das
classes de solos com B textural e B incipiente.........................
Figura 5. Fluxograma de identificao dos controles da paisagem das
classes de solos sob ambiente de hidromorfismo ....................
Captulo 2
Estimativa da produo hdrica superficial do Cerrado Brasileiro
Figura 1. Representao dos limites do Cerrado em relao s grandes
bacias hidrogrficas do Brasil. ................................................
Figura 2. Distribuio espacial da precipitao mdia anual no Cerrado.
Figura 3. Estaes utilizadas no trabalho, numeradas de 1 a 34, e suas
respectivas reas de Cerrado, diferenciadas por cores, de acordo
com a bacia hidrogrfica em que esto inseridas. ...................
295
305
319
335
353
367
383
401
415
431
49
55
56
56
57
65
66
67
17
Captulo 3
Influncia da histria, solo e fogo na distribuio e dinmica das
fitofisionomias no bioma Cerrado.
Figura 1. Distribuio geogrfica do bioma do Cerrado no Brasil. As reas
disjuntas nos outros biomas adjacentes so indicadas. ...........
Figura 2. Diagrama de bloco da distribuio das fisionomias de cerrado
sensu lato em relao profundidade do solo na vertente de um
vale.
Figura 3. Distribuio dos valores de saturao de bases (%) e razo ki
nas reas com cerrado sensu lato e florestas estacionais no Brasil
central. ..................................................................................
Figura 4. Ocorrncia potencial das fisionomias de cerrado sensu lato em
funo da profundidade e do contedo de gua na superfcie do
solo no fim da estao seca. Cc capacidade de campo; Pm
ponto de murchamento; CL campo limpo; CS campo sujo;
Css cerrado sensu stricto; CD cerrado. ............................
Figura 5. Representao da hiptese de Lund (1835) do efeito do fogo na
evoluo da vegetao no bioma dos cerrados. O fogo transforma
o cerrado em cerrado, que pela continuidade do fogo
substitudo pelo campo, que pode ser mantido pelo fogo
peridico. ..............................................................................
Figura 6. Esquema dos efeitos do fogo nos processos que determinam a
fisionomia aberta na vegetao dos cerrados. As setas mais
grossas indicam os principais processos. ................................
Figura 7. Modelo conceitual de sucesso e regresso das fisionomias dos
cerrados, em funo da profundidade do solo e do fogo no Brasil
central. ..................................................................................
Captulo 5
Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos Cerrados
Figura 1. Cronologia das mudanas do clima durante os ltimos 36 mil
anos. esquerda, seqncia das mudanas nos altos Andes
tropicais. No centro, mudanas do clima em sete reas de cerrado.
direita, mudanas em duas reas de mata dentro da regio de
cerrados. Modificado de Salgado-Labouriau (1997). ...............
Parte II - Comunidades de plantas
Captulo 6
Biodiversidade, estrutura e conservao de florestas estacionais deciduais
no Cerrado.
Figura 1. Localizao geogrfica da bacia do rio Paran (GO e TO) e
distribuio das Florestas Estacionais Deciduais no Brasil (IBGE
1983) e suas respectivas classes de solos de ocorrncia
(EMBRAPA 1981) na escala de 1:5.000.000, segundo o novo
Sistema Brasileiro de Classificao de Solos (EMBRAPA 1999).
77
78
80
82
82
84
87
113
125
18
Figura 2. Classificao pelo mtodo de TWINSPAN de 11 fragmentos de
Floresta Estacional Decidual Submontana intactos (i) e explorados
(e) em reas de planaltos (p) e afloramentos calcrios (ac) no
municpio de So Domingos, Vale do Paran (GO), em reas
amostradas nas fazendas So Domingos (SD), Flor do Ermo (FE),
Traadal (FT), Olho dgua (OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do
Sul (CS), So Vicente (SV), Canad (FC) e So Jos (SJ). .......
Captulo 7
Diversidade alfa e beta no cerrado sentido restrito, Distrito Federal, Gois,
Minas Gerais e Bahia
Figura 1. Principais Unidades Fisiogrficas do Brasil Central estudadas .
Figura 2. Locais de estudo em destaque nos Sistemas de terra nas Unidades
Fisiogrficas estudadas. .........................................................
Figura 3. Diversidade beta expressa pelo posicionamento das 15 reas de
cerrado sensu stricto nos eixos de ordenao pelo mtodo
DECORANA. ..........................................................................
Captulo 8
Ecologia comparativa de espcies lenhosas de cerrado e de matas.
Figura 1. Comparao da resposta ao fogo de espcies de mata e de cerrado
Figura 2. Comparao da espessura da casca de dez pares de espcies de
cerrado e mata de galeria. ......................................................
Figura 3. A) Razo raiz/parte area de espcies de cerrado e de mata. B)
Alturas de plntulas de espcies de cerrado e de mata C) Razo
de rea foliar (rea foliar por unidade de peso total da planta) de
espcies de cerrado e de mata. ...............................................
Captulo 9
Competio por nutrientes em espcies arbreas do cerrado
Figura 1. Relao entre a biomassa e o nmero de rvores das 35 espcies
em um cerrado em Latossolo Vermelho no Distrito Federal (Silva,
1990). ....................................................................................
Figura 2. Compartilhamento da biomassa area entre as 35 espcies
arbreas em um cerrado em Latossolo Vermelho no distrito
Federal (Silva, 1990) ..............................................................
Figura 3. Densidade relativa das 35 espcies arbreas em um cerrado em
Latossolo Vermelho no Distrito Federal (Silva, 1990) ..............
Figura 4. Relao entre a concentrao foliar de nutrientes e o nmero de
rvores das 35 espcies em um cerrado em Latossolo Vermelho
no Distrito Federal (Silva, 1990). ............................................
Captulo 10
Biodiversidade de forma e funo: implicaes ecofisiolgicas das
estratgias de utilizao de gua e luz em plantas lenhosas do
Cerrado.
133
144
145
151
159
160
161
174
174
175
176
19
Figura 1. Variaes sazonais na porcentagem de folhas em ramos de 10
indivduos de Caryocar brasiliense (A) e Myrsine guianensis (B)
em uma rea de cerrado sensu stricto da Reserva Ecolgica do
IBGE, Braslia, DF. .................................................................
Figura 2. Variao da taxa de assimilao lquida de CO
2
em funo da
densidade de fluxo de ftons na faixa fotossinteticamente ativa
(DFF) em folhas de Blepharocalyx salicifolius (3 folhas) e
Sclerolobium paniculatum (2 folhas) em condies naturais em
um cerrado da Fazenda gua Limpa, Braslia, DF. ..................
Figura 3. Eficincia fotossinttica em resposta a variaes na densidade
de fluxo de ftons na faixa fotossinteticamente ativa (DFF) de
folhas de indivduos jovens de Qualea grandiflora em uma rea
de campo sujo e de cerrado na Fazenda gua Limpa, Braslia,
DF. ........................................................................................
Captulo 11
Balano de carbono em duas espcies lenhosas jovens de Cerrado
cultivadas sob irradiao solar plena e sombreadas
Figura 1. Curso dirio do fluxo de ftons fotossinteticamente ativos (FFFA)
nos locais onde as plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha foram cultivadas. .................................
Figura 2. Fotossntese lquida (A) expressa em rea (mol m
-2
s
-1
) em
funo do fluxo de ftons fotossinteticamente ativos (FFFA) em
fololos totalmente expandidos de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob sol. ......................................................
Figura 3. Fotossntese lquida (A) expressa em massa (mol kg
-1
s
-1
) em
funo do fluxo de ftons fotossinteticamente ativos (FFFA) em
fololos totalmente expandidos de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob sol .......................................................
Figura 4. Valores mdios (colunas) e desvio padro (linhas acima das
colunas) da rea foliar total, massa especfica foliar (MEF), razo
da rea foliar (RAF) e nmero de fololos das espcies lenhosas
jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha aos 240
e 360 dias aps a semeadura (DAS), cultivadas sob sombra e
sob pleno sol .........................................................................
Figura 5. Valores mdios e desvio padro da massa seca total, altura,
dimetro do caule e razo da massa seca raiz/parte area das
espcies lenhosas jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura (DAS),
cultivadas sob sombra e sob pleno sol. ..................................
Figura 6 Fotossntese lquida expressa em rea (mol m
-2
s
-1
) em funo
da concentrao de CO
2
atmosfrico em fololos totalmente
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob pleno sol e sob sombra. .......................
Figura 7. Fotossntese lquida expressa em massa (mol kg
-1
s
-1
) em funo
da concentrao de CO
2
atmosfrico em fololos totalmente
187
189
191
202
206
206
208
209
210
20
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura (DAS),
cultivadas sob sol e sob sombra. ............................................
Figura 8. Fotossntese lquida expressa em rea (mol m
-2
s
-1
) em funo
da concentrao interna de CO
2
(Ci) em fololos totalmente
expandidos de plantas jovens de Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha aos 240 e 360 dias aps a semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno sol e sob sombra. ..................................
PARTE III Comunidades de animais
Captulo 12
A importncia relativa dos processos biogeogrficos na formao da
avifauna do Cerrado e de outros biomas brasileiros
Figura 1. O bioma do Cerrado no contexto da Amrica do Sul. Note a
posio central do Cerrado no continente ...............................
Figura 2. Localidades de amostragem de aves no Cerrado: (a) todas as
localidades e (b) somente as localidades consideradas como
minimamente amostradas (modificado a partir de Silva 1995c).
Figura 3. Curvas de descobrimento de espcies de aves dependentes,
semidependentes e independentes de floresta no bioma do
Cerrado (curvas geradas a partir do apndice 1 de Silva, 1995b,
com informaes novas apresentadas neste captulo). ............
Figura 4. A contribuio relativa da produo de espcies (especiao intra-
regional) e intercmbio bitico (colonizao de uma regio por
espcies de biomas adjacentes) na diversidade regional de aves
em cinco grandes biomas brasileiros: Amaznia, Floresta
Atlntica, Cerrado, Caatinga e Pantanal. .................................
Captulo 13
A biodiversidade dos Cerrados: conhecimento atual e perspectivas, com
uma hiptese sobre o papel das matas galerias na troca faunstica durante
ciclos climticos.
Figura 1: Esquema hipottico para explicar o possvel papel assimtrico
desempenhado pelas matas de galeria no enriquecimento
faunstico de reas florestadas durante ciclos climticos. ........
Captulo 14
As origens e a diversificao da herpetofauna do Cerrado
Figura 1. Cladograma de reas, obtido atravs de Anlise de Parsimnia
de Endemismos de 213 espcies de lagartos em 32 localidades
neotropicais ...........................................................................
Captulo 15
Pequenos mamferos de Cerrado: distribuio dos gneros e estrutura
das comunidades nos diferentes habitats.
210
212
222
226
227
230
243
258
21
Figura 1. Mapa do Brasil central com a localizao das reas amostradas.
Figura 2. Nmero de gneros e espcies de pequenos mamferos capturados
em stios na regio do Cerrado. ..............................................
Figura 3. Abundncia relativa mdia dos gneros de pequenos mamferos
em funo da freqncia de ocorrncia. .................................
Figura 4. Relao entre cada tipo de habitat e a mdia dos ndices de
riqueza. .................................................................................
Figura 5. Resultados da Anlise de Correspondncia No-tendenciada
(DCA) para os stios amostrados. ...........................................
Captulo 16
Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado
Figura 1. Influncia da riqueza de espcies de Leguminosae, do contedo
de nutrientes (MO, P, K, Mg e Fe) e da capacidade total de troca
de catons (CTC) do solo sobre a riqueza de insetos galhadores
(ndices de correlao de Pearson
P
e Spearman
S
). ...................
Captulo 17
Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito Federal:
implicaes para a conservao
Figura 1. Dendrogramas baseados na similaridade da fauna de borboletas
em seis reas de conservao (PNB, EEAE, EEJB, IBGE, FAL e
RCO) e em trs reas no protegidas do Distrito Federal. .....
Captulo 18
Abundncia e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera) no cerrado
de Braslia (DF)
Figura 1. Porcentagem de espcies de Lepidoptera (n = 302) monfagas
(uma espcie de planta), oligfagas (um gnero ou uma famlia)
e polfagas (mais de uma famlia) no cerrado do Distrito Federal.
Figura 2. Porcentagem de espcies polfagas em diferentes famlias de
Lepidoptera, em cerrado sensu stricto do Distrito Federal. .......
Captulo 19
Padres de diversidade e endemismo de trmitas no bioma Cerrado
Figura 1. Distribuio do esforo de inventrio de cupins no Cerrado e
algumas savanas amaznicas. ................................................
Figura 2. Composio taxonmica da fauna de cupins de cinco reas de
cerrado. .................................................................................
Figura 3. Composio de grupos funcionais na fauna de cupins de cinco
reas de cerrado. ...................................................................
Figura 4. Dois padres comuns de distribuio geogrfica de espcies de
cupins no Cerrado. ................................................................
269
272
272
273
273
289
300
312
314
324
328
328
330
22
Captulo 21
A complexidade estrutural de bromlias e a diversidade de artrpodes,
em ambientes de campo rupestre e mata de galeria no Cerrado do Brasil
Central
Figura 1. Localizao da rea de estudo (Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros) no estado de Gois, Brasil. ....................................
Figura 2. Nmero cumulativo de espcies de artrpodos em funo do
nmero de bromlias examinadas na rea de campo rupestre do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). ..................
Figura 3. Nmero cumulativo de espcies de artrpodos em funo do
nmero de bromlias examinadas na rea de mata de galeria do
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). ..................
Figura 4. Anlise discriminante cannica realizada com as medidas
morfomtricas de quatro espcies de bromlias nas reas de
campo rupestre e mata de galeria do Parque Nacional da Chapada
dos Veadeiros (GO). ...............................................................
Figura 5. Relao entre a abundncia de indivduos (Log) e o dimetro do
copo das bromlias nas reas de amostragem do Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros (GO). ............................................
Captulo 23
Ocupao do bioma Cerrado e conservao da sua diversidade vegetal
Figura 1. Estimativa de ocupao do Cerrado em 1996 (Sano et al., 2001)
Figura 2. Evoluo da produo de gros em toneladas na rea do domnio
do bioma Cerrado. Fonte: Embrapa Cerrados - Palestra
Institucional ...........................................................................
PARTE IV Conservao
Captulo 25
Caracterizao dos ecossistemas aquticos do Cerrado
Figura 1. Esquema geral do gradiente longitudinal de zonas midas do
bioma Cerrado .......................................................................
Lista de Tabelas
PARTE I Determinantes Abiticos
Captulo 1
Classes de solo em relao aos controles da paisagem do bioma Cerrado
Tabela 1. Relaes entre cor do solo associado s classes de solo e os
controles geolgicos, geomorfolgicos, climtico, hdricos, e
fitofisionmicos da paisagem. .................................................
357
359
360
361
361
386
391
422
58
23
Captulo 2
Estimativa da produo hdrica superficial do Cerrado Brasileiro
Tabela 1. Anlise dos dados hidromtricos das estaes sob influncia do
bioma Cerrado. ......................................................................
Tabela 2. Estimativa da vazo gerada na regio de Cerrado sem cobertura
das estaes fluviomtricas utilizadas. ...................................
Tabela 3. Produo hdrica do Cerrado por bacia hidrogrfica. ..............
Captulo 5
Alguns aspectos sobre a Paleoecologia dos Cerrados
Tabela 1. Distribuio dos gneros das famlias mais freqentes de
Angiospermas na regio dos cerrados. Baseada na lista dada por
Mendona et al. (1998) ..........................................................
Parte II - Comunidades de plantas
Captulo 6
Biodiversidade, estrutura e conservao de florestas estacionais deciduais
no Cerrado.
Tabela 1. Distribuio do volume de precipitao e da temperatura mdia
por Estado de ocorrncia das Florestas Estacionais Deciduais no
Brasil. ....................................................................................
Tabela 2. Estrutura da comunidade de rvores de Floresta Estacional
Decidual Submontana de fragmentos intactos (i) e explorados
(e) em planaltos (p) e afloramentos calcrios (ac) no municpio
de So Domingos, Vale do Paran (GO), em reas amostradas
nas fazendas So Domingos (SD), Flor do Ermo (FE), Traadal
(FT), Olho dgua (OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do Sul (CS),
So Vicente (SV), Canad (FC) e So Jos (SJ). ......................
Tabela 3. Rol e posio das 10 espcies arbreas mais importantes em
valor de importncia (VI) amostradas em fragmentos de Floresta
Estacional Decidual Submontana, So Domingos, Vale do Paran,
GO, em reas amostradas nas fazendas So Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traadal (FT), Olho dgua (OA), Manguinha
(FM), Cruzeiro do Sul (CS), So Vicente (SV), Canad (FC) e
So Jos (SJ). ........................................................................
Captulo 7
Diversidade alfa e beta no cerrado sentido restrito, Distrito Federal, Gois,
Minas Gerais e Bahia
Tabela 1. Latitude, longitude, altitude (m) e precipitao mdia anual (mm)
nos locais de estudo no Brasil Central. ...................................
Tabela 2. Riqueza de espcies e diversidade alfa da flora lenhosa do cerrado
sensu stricto, incluindo plantas a partir de 5cm de dimetro a
0.30m do nvel do solo, em 15 locais de estudo, inclusos em trs
Unidades Fisiogrficas. ..........................................................
68
69
69
111
126
131
132
146
149
24
Tabela 3. Similaridade da flora lenhosa do cerrado sensu stricto, em plantas
a partir de 5cm de dimetro a 0,30m do nvel do solo, em 15
locais inclusos em trs Unidades Fisiogrficas Espigo Mestre
do So Francisco, Chapada dos Veadeiros e Chapada Pratinha
no Brasil Central. ...................................................................
Captulo 9
Competio por nutrientes em espcies arbreas do cerrado
Tabela 1. Disponibilidade de nutrientes em um Latossolo Vermelho
(Fazenda gua Limpa, DF) e um Neossolo Quartzarnico (Parque
Nacional Grande Serto Veredas, MG) sob vegetao nativa de
cerrado (sentido restrito). ......................................................
Tabela 2. Concentraes foliares de nutrientes em espcies arbreas de
um cerrado (sentido restrito) em Latossolo Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990). .............................................................
Captulo 11
Balano de carbono em duas espcies lenhosas jovens de Cerrado
cultivadas sob irradiao solar plena e sombreadas
Tabela 1. Caractersticas qumicas do solo utilizado para o crescimento
das espcies jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
chrysotricha. ..........................................................................
Tabela 2. Valores mximos erro padro da fotossntese expressa em
rea .......................................................................................
Tabela 3. Valores mximos erro padro da fotossntese lquida em funo
da concentrao de CO
2
expressa em rea ...............................
PARTE III Comunidades de animais
Captulo 12
A importncia relativa dos processos biogeogrficos na formao da
avifauna do Cerrado e de outros biomas brasileiros
Tabela 1. Novas espcies de aves registradas para o bioma Cerrado aps a
publicao de Silva (1995b). ..................................................
Captulo 14
As origens e a diversificao da herpetofauna do Cerrado
Tabela 1 - Matriz utilizada na anlise de parsimnia de endemismos
baseada na distribuio de 213 espcies de lagartos em 32
localidades neotropicais .........................................................
150
171
173
201
207
209
224
255
25
Captulo 15
Pequenos mamferos de Cerrado: distribuio dos gneros e estrutura
das comunidades nos diferentes habitats.
Tabela 1. Gneros de pequenos mamferos encontrados nos estudos
realizados em Cerrado. ..........................................................
Captulo 16
Biodiversidade de insetos galhadores no Cerrado
Tabela 1. Distribuio do nmero de espcies de insetos galhadores e de
espcies vegetais (total e com galhas) nas famlias de plantas
predominantes no cerrado, cerrado sensu stricto, campo sujo e
canga, no sudeste do Brasil. ...................................................
Tabela 2. Matriz de similaridade florstica (ndice de Sorensen) entre as
fisionomias de vegetao amostradas, no sudeste do Brasil. ...
Captulo 17
Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito Federal:
implicaes para a conservao
Tabela 1. As principais unidades de conservao do Distrito Federal. ....
Tabela 2. Nmero de espcies em vrios taxa de borboletas encontradas
nos parques, reservas e outras localidades no protegidas do
Distrito Federal. .....................................................................
Captulo 18
Abundncia e amplitude de dieta de lagartas (Lepidoptera) no cerrado
de Braslia (DF)
Tabela 1. Exemplos de espcies de Lepidoptera com local tipo na regio
dos Cerrados brasileiros (Heppner, 1984, 1995; Thny, 1997).
Tabela 2. Exemplos de espcies e gneros reconhecidamente novos na
fauna de lagartas folvoras considerada neste trabalho (V. O.
Becker, com. pes.) e suas plantas hospedeiras. .......................
Tabela 3. Famlias de Lepidoptera com o nmero total de espcies, espcies
representadas por apenas um adulto, espcies raras (2 a 10
adultos), espcies comuns (mais de 10 adultos) e o nmero de
espcies polfagas entre as raras e as comuns. ........................
Tabela 4. Exemplos de lagartas polfagas em plantas do cerrado de Braslia
e suas amplitudes de dieta. ....................................................
Tabela 5. Exemplos de lagartas comuns e monfagas e suas plantas
hospedeiras no cerrado da Fazenda gua Limpa, DF. .............
Captulo 19
Padres de diversidade e endemismo de trmitas no bioma Cerrado
Tabela 1. Trmitas registrados em vegetao de cerrado e fauna conhecida
de algumas regies ou localidades..........................................
271
287
288
297
299
310
310
311
314
314
325
26
Captulo 20
Drosofildeos (Diptera, Insecta) do Cerrado
Tabela 1. Relao das espcies de drosofildeos registradas no Bioma
Cerrado .................................................................................
Captulo 21
A complexidade estrutural de bromlias e a diversidade de artrpodes,
em ambientes de campo rupestre e mata de galeria no Cerrado do Brasil
Central
Tabela 1. Relao das morfoespcies de artrpodes com nmero de
indivduos encontrados nas bromlias de campo rupestre e mata
de galeria do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO).
PARTE IV Conservao
Captulo 23
Ocupao do bioma Cerrado e conservao da sua diversidade vegetal
Tabela 1. Espcies lenhosas presentes em mais de 50% dos 376
levantamentos comparados [Os valores em parnteses so das
porcentagens encontradas respectivamente em levantamentos
anteriores Ratter and Dargie (1992) e Ratter et al. (1996)] ....
Tabela 2. Transformaes na pesquisa, educao e nas polticas pblicas
propostas para mudar o entendimento sobre o valor ambiental
do bioma Cerrado ................................................................
Captulo 25
Caracterizao dos ecossistemas aquticos do Cerrado
Tabela 1. Riqueza estimada (ordem de grandeza) de espcies da biota
aqutica do Cerrado. ..............................................................
339
358
390
395
424
Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos
Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos
Parte I
Parte I
Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos
Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos Determinantes Abiticos
F
O
T
O
:

A
L
D
I
C
I
R

S
C
A
R
I
O
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F
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T
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A
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C
I
R

S
C
A
R
I
O
T
Captulo 1 Captulo 1
Captulo 1 Captulo 1 Captulo 1
Classes de solo
em relao aos
controles da paisagem
do bioma Cerrado
Classes de solo
em relao aos
controles da paisagem
do bioma Cerrado
Captulo 1 Captulo 1
Captulo 1 Captulo 1 Captulo 1
F
O
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:

E
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M
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Adriana Reatto
der de Souza Martins
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
Adriana Reatto
der de Souza Martins
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
48
Reatto & Martins
49
Solos e paisagem
INTRODUO
O conceito de paisagem pode ser
definido no espao como um territrio,
ou uma regio resultante de aes
estticas e dinmicas em uma escala de
observao. Essas aes so reflexos das
interaes entre diversos fatores
ambientais que podem ser subdivididos
em biticos, ao dos organismos e do
homem, e abiticos, ao do clima,
caractersticas das rochas, relevo, que se
interagem e se modificam ao longo do
tempo. A definio clssica de solo o
resultado de cinco variveis interdepen-
dentes, denominadas fatores de
Figura 1
Fatores de formao
do solo e
pedognese.
1
Controle de paisagem ser abordado no texto como um domnio fsico de fatores ambientais inter-relacionados
com as classes de solos: composio e estrutura dos materiais de origem, formas de relevo, comportamento
hdrico, clima e fitofisionomia.
formao do solo, que so: clima,
organismos, material de origem, relevo
e tempo. O material de origem e o relevo
so considerados fatores ambientais
passivos, que se modificam pela atuao
dos outros fatores. Os outros fatores
ambientais clima e organismos so
considerados ativos. O clima age sobre
as rochas, transformando-as em solos e
sedimentos (Figura 1).
Este captulo tem como objetivo
estudar as relaes entre as classes de
solos e os controles de paisagem
1
nos
seguintes domnios fsicos: geolgico,
geomorfolgico, hdrico, climtico e
fitofisionmico.
50
Reatto & Martins
Latossolos
So solos altamente intem-
perizados, resultantes da remoo de
slica e de bases trocveis do perfil (Buol
et al., 1981; Resende et al., 1995). Na
paisagem ocorre em relevo plano a
suave-ondulado, solo muito profundo,
poroso, de textura homognea ao longo
do perfil e de drenagens variando de
bem, forte a acentuadamente drenado.
No bioma Cerrado, estima-se uma
ocorrncia de aproximadamente 46% da
superfcie total da regio com base no
Mapa de Solos do Brasil na escala
1:5.000.000, (Reatto et al., 1998). Esta
classe representada por: Latossolo
Vermelho (LV), correspondendo ao
Latossolo Roxo e ao Latossolo Vermelho-
Escuro, na antiga classificao (Camargo
et al., 1987), com 22,1 % da rea do
bioma Cerrado; Latossolo Vermelho
Amarelo (LVA), denominados de
Latossolo Vermelho Amarelo e Latossolo
Amarelo, na antiga classificao
(Camargo et al., 1987), com 21,6% da
rea e Latossolo Amarelo (LA)
denominados de Latossolo Amarelo e
Latossolo Variao Una, na antiga
classificao (Camargo et al., 1987), com
2,0% da rea. A composio
mineralgica destes solos dominada
por silicatos como a caulinita e (ou) sob
a forma de xidos e oxihidrxidos de Fe
e Al como hematita, goethita, gibbsita e
outros. Os respectivos controles fsicos
da paisagem para essas classes de solos
podem ser visualizados na Tabela 1.
Neossolos Quartzarnicos
Geralmente so solos profundos
(com menos 2m), apresentando textura
arenosa ou franco-arenosa, constitudos
essencialmente de quartzo, com mximo
de 15% de argila, so muito porosos e
excessivamente drenados, normal-
mente em relevo plano ou suave-
ondulado. No bioma Cerrado, estima-se
uma ocorrncia de aproximada-
mente 15% da superfcie total da regio
(Reatto et al., 1998), denominados de
Areias Quartzosas, na antiga
classificao (Camargo et al., 1987).
Estes solos possuem baixa
capacidade de troca catinica em
conseqncia dos teores baixos em argila
e de matria orgnica, mineralo-
gicamente so dominados por quartzo,
portanto com baixa reserva de nutrientes
para as plantas. Os respectivos controles
fsicos da paisagem para essas classes
de solos podem ser visualizados na
Tabela 1.
Argissolos
Formam classes de solos bastante
heterognea, que tem em comum
aumento substancial no teor de argila
com a profundidade e (ou) evidncias
de movimentao de argila do horizonte
superficial para o horizonte subsu-
perficial, denominado de B textural. No
bioma Cerrado, estima-se uma
ocorrncia de aproximadamente de 15%
da superfcie total da regio (Reatto et
al., 1998), denominados de Argissolo
Vermelho (PV), com 6,9 % da rea e
Argissolo Vermelho Amarelo (PVA), com
8,2% e na antiga classificao (Camargo
et al., 1987), respectivamente Podzlico
Vermelho Escuro e Podzlico Vermelho
Amarelo. Ocupam, na paisagem, a
poro inferior das encostas, em geral
nas encostas cncavas, onde o relevo
apresenta-se ondulado (8 a 20% de
PRINCIPAIS CLASSES DE SOLOS DO BIOMA CERRADO
51
Solos e paisagem
declive) ou forte-ondulado (20 a 45% de
declive). Os respectivos controles fsicos
da paisagem para essas classes de solos
podem ser visualizados na Tabela 1.
Nitossolos Vermelhos
Classes de solos derivados de rochas
bsicas e ultrabsicas, ricas em minerais
ferromagnesianos, ou com influncia de
carbonatos no material de origem,
apresentam semelhana com os
Argissolos porm com gradiente textural
menos expressivo. Sua cor vermelha-
escura tende arroxeada. Possui
estrutura normalmente bem desenvol-
vida no horizonte B textural (Bt),
conferida por ser prismtica ou em
blocos subangulares. A cerosidade em
geral expressiva. No bioma Cerrado,
estima-se uma ocorrncia de
aproximadamente de 1,7% da superfcie
total da regio (Reatto et al., 1998),
denominados de Terra Roxa Estruturada,
na antiga classificao (Camargo et al.,
1987). Ocupam as pores mdia e
inferior de encostas onduladas at forte-
onduladas. A vegetao original, quando
remanescente, normalmente Mata Seca
Semidecdua. Os respectivos controles
fsicos da paisagem para essas classes
de solos podem ser visualizados na
Tabela 1.
Cambissolos
Geralmente apresentam minerais
primrios facilmente intemperizveis,
teores mais elevados de silte, indicando
baixo grau de intemperizao e com um
horizonte B incipiente. Podem ser desde
rasos a profundos, com profundidade
atingindo entre 0,2 a 1m. So
identificados no campo pela presena de
mica na massa do solo em alguns solos,
outros pela sensao de sedosidade na
textura, devido ao silte. No Cerrado
correspondem a aproximadamente 3,1%
(Reatto et al., 1998). Geralmente esto
associados a relevos mais movimentados
(ondulados e forte-ondulados), mas no
exclui os relevos planos a suave-
ondulados. Os respectivos controles
fsicos da paisagem para essas classes
de solos podem ser visualizados na
Tabela 1.
Chernossolos
Correspondem s antigas classes
Brunizm e Brunizm Avermelhado
(Camargo et al., 1987). So solos no-
hidromrficos, pouco profundos,
eutrficos, com um horizonte A
chernozmico
2
sob um horizonte B
textural ou B incipiente, com argila de
atividade alta. So solos com boa
disponibilidade de nutrientes. No bioma
Cerrado correspondem a menos de 0,1%
(Reatto et al., 1998). Os respectivos
controles fsicos da paisagem para essas
classes de solos podem ser visualizados
na Tabela 1.
Plintossolos
Estas classes correspondem s antiga
Laterita Hidromrfica (Admoli et al.,
1986) e (ou) Concrecionrios Laterticos
(Resende et al., 1988). So solos
minerais, hidromrficos, com sria
restrio percolao de gua,
encontrados em situaes de alagamento
temporrio e, portanto, escoamento lento
em pocas atuais ou pretritas as quais
no so mais evidenciados situaes de
hidromorfismo. Ocorrem em relevo
plano e suave-ondulado, em reas
2
Horizonte A Chernozmico - Horizonte mineral de cor escura e saturao em bases maior ou igual
a 65%, com predomnio de Ca e Mg. O carbono orgnico apresenta valores iguais a maiores que
0,6%. A estrutura apresenta agregao e grau de desenvolvimento moderado ou forte. A espessura
pode variar, sendo maior ou igual a: 10cm se o solo no tiver horizontes B e C; 18cm para solos com
espessura < 75cm; para solos com espessura maiores ou igual a 75cm.
52
Reatto & Martins
deprimidas e nos teros inferiores da
encosta os Plintossolos Hplicos, com
6% da rea ou nas bordas das chapadas
os Plintossolos Ptricos, correspondendo
a 3% da rea total do Cerrado (Reatto et
al., 1998). Os respectivos controles
fsicos da paisagem para essas classes
de solos podem ser visualizados na
Tabela 1.
Gleissolos
So solos hidromrficos, que
ocupam geralmente as depresses da
paisagem, sujeitas a inundaes.
Apresentam drenagem dos tipos: mal
drenado ou muito mal drenado,
ocorrendo, com freqncia, espessa
camada escura de matria orgnica mal
decomposta sobre uma camada
acinzentada (gleizada), resultante de
ambiente de oxirreduo. No Cerrado, a
rea estimada desses solos de 2,3%,
denominados de Gleissolo Melnico
(Gley Hmico) e Gleissolo Hplico (Gley
Pouco Hmico), na antiga classificao
(Camargo et al., 1987). Os respectivos
controles fsicos da paisagem para essas
classes de solos podem ser visualizados
na Tabela 1.
Neossolos Litlicos
So solos rasos, associados a muitos
afloramentos de rocha. No Cerrado
correspondem a aproximadamente 7,3%
(Reatto et al., 1998), denominados de
Solos Litlicos, na antiga classificao
(Camargo et al., 1987). So pouco
evoludos, com horizonte A assentado
diretamente sobre a rocha (R) ou sobre
o horizonte C pouco espesso.
Normalmente ocorrem em reas bastante
acidentadas, relevo ondulado at
montanhoso.
Neossolos Flvicos
So solos minerais, pouco evoludos,
formados por uma sucesso de camadas
estratificadas sem relao pedogentica
entre si e comumente acompanhada por
uma distribuio irregular de matria
orgnica variando de estrato para estrato.
Esta classe era denominada de Aluvial
segundo Camargo et al., 1987. Os
respectivos controles fsicos da paisagem
para essas classes de solos podem ser
visualizados na Tabela 1.
Organossolos Msico ou Hplico
Compreendem solos pouco
evoludos, constitudos por material
orgnico proveniente de acumulaes de
restos vegetais em grau varivel de
decomposio, acumulados em
ambiente mal drenado, de colorao
escura, (Embrapa, 1999). Esta classe era
denominada de Orgnico, segundo
Camargo et al., 1987. Os respectivos
controles fsicos da paisagem para essas
classes de solos podem ser visualizados
na Tabela 1.
CONTROLES DA PAISAGEM NO
BIOMA CERRADO
Controle geolgico
De acordo com Almeida et al., 1984,
o Brasil possui 10 provncias estruturais,
sendo que seis destas esto situadas no
bioma Cerrado. As provncias so as
seguintes: Tocantins, Paran, Parnaba,
Tapajs, So Francisco e Mantiqueira.
Tocantins ocupa a regio nuclear do
Cerrado, representando mais de 60%,
enquanto as outras esto situadas nas
transies com outros biomas.
As rochas que ocorrem na Provncia
Tocantins tm sua composio bastante
varivel. No setor leste desta provncia
dominam rochas metassedimentares de
composio peltica (compostas por
materiais onde dominam fraes argila
e silte), psamtica (compostas por frao
areia ou maior) e carbonticas. No setor
53
Solos e paisagem
central ocorrem grandes variaes de
tipos petrogrficos. Rochas metagneas
mfico-ultramficas (ex. Macio Mfico-
Ultramfico de Niquelndia, Complexo
Mfico-Ultramfico de Itauu-Anpolis)
e cidas (ex. granitos de Rubiataba)
ocorrem adjacentes s rochas metasse-
dimentares pelticas. No setor centro-
oeste dominam rochas granito-gnissicas
entrecortadas por matabasitos, de
composio bsica. No setor noroeste
dominam rochas metassedimentares de
composio psamtica e peltica. Essas
variaes de composio litolgica
condicionam os tipos de perfis de
intemperismo da regio, as carac-
tersticas de fertilidade natural dos solos
e condiciona as formas de relevo.
Controle geomorfolgico
As paisagens do domnio morfo-
climtico do Cerrado, definidas por
superfcies residuais de aplainamento
designadas como chapadas com
diferentes graus de dissecao, resultam
de uma prolongada interao de regime
climtico tropical semi-mido com
fatores lito-estruturais, edficos e biticos
(AbSaber, 1977).
Os resduos de aplainamento so
fortemente controlados pela lito-
estrutura. H uma tendncia geral dos
resduos de aplainamento serem mais
extensos, quando o acamamento das
rochas prximo da horizontal. De
forma inversa, a dissecao aumenta sua
influncia, quando o acamamento
apresenta caimento elevado (Martins,
2000).
Ocorrem dois principais tipos
morfolgicos de resduos de superfcies
de aplainamento. O tipo I ocorre sobre
rochas metamrficas (Ia) e sedimentares
(Ib), na poro nuclear do Cerrado e nas
bacias intracratnicas, respectivamente.
A caracterstica morfolgica que define
esse tipo de superfcie a sua posio
nas pores mais elevadas da paisagem.
O subtipo (Ia) apresenta perfis de
intemperismo espessos, da ordem de
dezenas a centenas de metros. Ocorre
nvel de couraa latertica em seu topo
ou na base do horizonte de solum, em
diversos graus de degradao fsica e
qumica. A dissecao deste subtipo
controlada pela organizao e compo-
sio das rochas. Quando a rocha no
mostra variaes laterais em sua
composio, as vertentes dissecadas dos
resduos tendem a ser cncavas e a
apresentar transio brusca entre as
pores planas de topo e as pores
ngremes de encosta. Por outro lado,
quando as variaes laterais na
composio das rochas so importantes,
as vertentes dos resduos tendem a
apresentar uma borda convexa, na forma
de uma transio suave entre as pores
planas de topo e as pores ngremes de
encosta. O recuo dos resduos de
aplainamento limitado geralmente pelo
nvel de couraa latertica.
O subtipo (Ib) o mais comum de
se desenvolver sobre rochas
sedimentares. Rampas longas, na forma
de cuestas, condicionadas pelo caimento
suave das camadas o mais tpico dessas
regies. A dissecao tende a ser linear,
acompanhando zonas de fraturas e (ou)
de falhas.
O tipo II ocorre sobre rochas
metamrficas, especialmente nas
pores perifricas e em algumas bacias
hidrogrficas na poro nuclear do
bioma Cerrado, principalmente as
tributrias do rio Tocantins, como o
caso do vo do Paran e na plancie do
Tocantinzinho. Os limites do bioma
Cerrado, sobre rochas metamrficas e
gneas apresentam esse tipo de
superfcie. Ocorre tambm nas pores
mais elevadas da Chapada dos
54
Reatto & Martins
Veadeiros. Geralmente, est associada a
relevos na forma de serras.
Essas extensas superfcies planas so
retocadas por crregos e rios, com baixo
grau de aprofundamento de drenagem.
A caracterstica que define o tipo II a
presena de relevos mais positivos que
a superfcie plana, na forma de inselbergs
e conjuntos de serras. Outra caracterstica
importante o pequeno desen-
volvimento do perfil de intemperismo,
com rochas frescas aflorantes ou em
pequena profundidade, na ordem de
alguns metros. A presena de couraas
laterticas tambm comum, mas pouco
desenvolvidas e geralmente associadas
a horizonte de linha de pedras (ing.,
stone line profiles).
As regies dissecadas, adja-
centes aos resduos de aplainamento
descritos, so controladas tambm pela
lito-estrutura.
As pores dissecadas, adjacentes s
superfcies do tipo I, geralmente
apresentam saprlitos e (ou) solos
espessos, aumentando a influncia
destes no desenvolvimento das
drenagens. As pores dissecadas
associadas ao tipo II, geralmente
apresentam saprlitos e solos rasos,
aumentando a influncia da rocha no
desenvolvimento das drenagens.
Controle hdrico
A maior densidade de drenagem em
relevo acidentado no bioma Cerrado est
associada maior abundncia das Matas
de Galeria, controlada por materiais com
baixa permeabilidade. A menor
densidade de drenagens est associada
a materiais com alta permeabilidade e
menor abundncia de Matas de Galeria
(Martins et al., 2001). Esses materiais
podem constituir rochas, saprlitos ou
solos. As rochas, saprlitos e solos
argilosos de estrutura macia tendem a
apresentar permeabilidade baixa. As
rochas e saprlitos arenosos, alm dos
solos com estrutura granular, tendem a
apresentar permeabilidade elevada.
As drenagens formadas sobre rochas
metamrficas geralmente so assi-
mtricas devido ao caimento das
camadas. As vertentes que apresentam
inclinao no mesmo sentido do
caimento das camadas tendem a ser mais
suaves e a apresentar solos mais
desenvolvidos que as vertentes que
apresentam inclinao oposta ao sentido
do caimento das camadas. Neste ltimo
caso, a transio entre a vertente e o
canal de drenagem tende a ser brusca,
em relevos movimentados.
Estas vertentes e as reas com maior
densidade de drenagens geralmente
apresentam menor aptido agrcola e so
tpicas de agricultura familiar ou de
subsistncia, o que leva o agricultor a
utilizar os recursos das Matas de Galeria
como forma de capitalizao.
Controle climtico
O bioma Cerrado apresenta
caractersticas climticas prprias, com
precipitaes variando entre 600 a
800mm no limite com a Caatinga e de
2.000 a 2.200mm na interface com a
Amaznia (Figura 2). Com esta
particularidade, existe uma grande
variabilidade de solos, bem como,
diferentes nveis de intemperizao.
Dois parmetros devem ser
considerados, uma vez que definem o
clima estacional do bioma: a precipitao
mdia anual de 1.200 a 1.800mm e a
durao do perodo seco, que oscila entre
cinco a seis meses, denominado de
veranico. Na regio amaznica o dficit
55
Solos e paisagem
hdrico inferior a trs meses e na
Caatinga entre sete a oito meses
(Admoli et al., 1986; Assad e
Evangelista, 1994).
Controle fitofisionmico
O bioma Cerrado apresenta
vegetao cujas fisionomias englobam
formaes florestais, savnicas e
campestres. Em sentido fisionmico,
floresta a rea com predominncia de
espcies arbreas, onde h formao de
dossel, contnuo ou descontnuo. As
formaes florestais so representadas
por Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata
Seca e Cerrado. Savana a rea com
rvores e arbustos espalhados sobre um
estrato graminoso onde no h formao
de dossel contnuo. As formaes
savnicas so representadas por Cerrado:
denso, tpico, ralo e rupestre; Vereda,
Parque de Cerrado e Palmeiral. O termo
campo designa reas com predomnio
de espcies herbceas e algumas
arbustivas, observando-se a inexistncia
de rvores na paisagem. As formaes
campestres so representadas por
Campo: sujo, limpo e rupestre (Ribeiro
et al., 1983 e Ribeiro & Walter, 1998).
CONSIDERAES FINAIS
A cor do solo uma carac-
terstica intrnseca de cada classe de solo,
a ela atribuda uma importncia muito
grande na identificao e distino dos
solos. Assim, por intermdio da cor,
pode-se compreender o comportamento
do ambiente que nos cerca, j que o solo
est associado aos controles da paisagem
nos seus aspectos geolgicos, geomor-
folgicos, climticos, hdricos e
fitofisionmicos (Resende et al., 1988;
Prado, 1991, 1995a, 1995b). Por meio
da caderneta de Munsell (1975) a
padronizao das cores tornou-se
universal e compreendida nos diversos
campos da cincia do solo,
principalmente na pedologia, onde por
intermdio do matiz, valor e croma dos
solos possvel diferenci-los em classes.
A Tabela 1 procura enfatizar como a cor
capaz de diagnosticar a relao das
classes de solos com os controles da
paisagem. A Figura 3 mostra uma chave
Figura 2
ndices
pluviomtricos do
bioma Cerrado.
Fonte
Laboratrio de
Biofsica Ambiental,
Embrapa Cerrados.
56
Reatto & Martins
de identificao para distinguir as
classes Neossolo quartzarnico de
Latossolos, por meio dos controles
da paisagem, especifica-mente o
geolgico. A Figura 4 indica como o
controle geomorfolgico associado ao
controle pedogentico distingue as classes
com B textural e B incipiente. J a Figura 5,
por intermdio dos controles geomor-
folgicos e hdricos variados, identifica as
classes de solos em ambiente de
hidromorfismo.
Figura 3
Fluxograma de
identificao dos
controles da paisagem
de Neossolo
Quartzarnico e
Latossolos .
Figura 4
Fluxograma de
identificao dos
controles das classes de
solos com B textural e B
incipiente.
57
Solos e paisagem
Figura 5
Fluxograma de
identificao dos
controles da paisagem
das classes de solo sob
hidromorfismo.
58
Reatto & Martins
Tabela 1. Relaes entre cor do solo associado s classes de solo e os
controles geolgicos, geomorfolgicos, climtico, hdricos, e
fitofisionmicos da paisagem.
58
Solos e Paisagem
59
Solos e paisagem
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Euzebio Medrado da Silva
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF.
Captulo 2 Captulo 2
Captulo 2 Captulo 2 Captulo 2
Estimativa da
produo hdrica
superficial do
Cerrado brasileiro
Captulo 2 Captulo 2
Captulo 2 Captulo 2 Captulo 2
Estimativa da
produo hdrica
superficial do
Cerrado brasileiro
Jorge Enoch Furquim Werneck Lima
Euzebio Medrado da Silva
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF.
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Reatto & Martins
Solos e paisagem
63
INTRODUO
O Cerrado constitui o segundo maior
bioma brasileiro, ocupando uma rea de
aproximadamente 204 milhes de
hectares (Admoli et al. 1986), o que
corresponde a cerca de 24% do territrio
nacional. Com o aumento da populao
e, conseqentemente, da demanda por
alimentos e outros bens de consumo, nos
ltimos 40 anos, o Cerrado vem sendo
ocupado e explorado de forma rpida e
intensiva, principalmente para o
desenvolvimento do setor agrcola.
Devido s aptides naturais e s
tecnologias desenvolvidas e amplamente
difundidas para o aproveitamento
agropecurio da regio, em pouco tempo
de explorao, o Cerrado j ocupa
posio de destaque no cenrio agrcola
brasileiro, sendo atualmente responsvel
por aproximadamente 25% da produo
de gros e 40 % do rebanho nacional
(Embrapa Cerrados, 2002).
Segundo Salati et al. (1999), a
possibilidade de manuteno da
sustentabilidade dos ecossistemas
produtivos dentro de uma escala de
tempo de dcadas ou sculos,
especialmente daqueles relacionados
com a produo agrcola, depender de
avanos tecnolgicos, de mudanas de
estruturas sociais e institucionais, bem
como da implementao de mecanismos
64
Lima & Silva
de proteo dos recursos naturais
centrados na conservao do solo, dos
recursos hdricos e da biodiversidade.
Embora o Brasil possua cerca de
13% da produo e 18% da dispo-
nibilidade hdrica superficial de todo o
planeta, a distribuio da gua nas
diversas regies do pas ocorre de forma
irregular no tempo e no espao. A regio
Amaznica, por exemplo, detm mais de
70% da gua doce superficial do pas e,
entretanto, habitada por apenas 5%
da populao brasileira. Sendo assim,
apenas 27% dos recursos hdricos
nacionais esto disponveis para 95% da
populao (Lima, 2000).
A m distribuio espacial e
temporal dos recursos hdricos, aliada
ao aumento desordenado dos processos
de urbanizao, industrializao e
expanso agrcola, faz com que
problemas de escassez de gua sejam
cada vez mais comuns no Brasil.
Exemplos de conflitos podem ser
observados na bacia do rio So
Francisco, onde as projees da
demanda por gua para a irrigao, para
a navegao, para o Projeto de
Transposio, para o abastecimento
humano e de animais e para a
manuteno dos aproveitamentos
hidreltricos, mostram-se preocupantes
em relao disponibilidade hdrica da
bacia. No Sudeste, evidenciam-se
conflitos nos rios Paraba do Sul,
Piracicaba e Capivari, citando apenas
alguns casos. No Sul, a grande demanda
hdrica para a irrigao de arrozais e a
degradao da qualidade da gua,
principalmente nas regies de uso
agropecurio intenso, so os casos que
se destacam (Lima et al., 1999).
Em se tratando da regio Cerrado,
segundo Rebouas et al. (1999), o
Distrito Federal j a terceira pior
unidade federativa brasileira em
disponibilidade hdrica superficial per
capita por ano, superando apenas os
Estados da Paraba e de Pernambuco.
Planejado, inicialmente, para chegar ao
ano 2000, com aproximadamente 500 mil
habitantes, neste mesmo ano j havia
alcanado a marca de dois milhes
(CODEPLAN & IBGE, 2000). Consi-
derando o potencial hdrico superficial
do Distrito Federal como igual a 2,8 km
3
/
ano (Rebouas et al., 1999), e, sendo a
sua populao de dois milhes de
habitantes, estima-se que a
disponibilidade hdrica anual per capita
da rea seja de aproximadamente 1.400
m
3
/hab.ano. Segundo a classificao
apresentada por Beekman (1999), este
valor configura um quadro de alerta
quanto possibilidade de ocorrncia de
conflitos, havendo a necessidade de um
manejo cuidadoso dos recursos hdricos
da regio, de forma a minimizar as
restries sociais, econmicas e
ambientais que a falta dgua pode
ocasionar.
Apenas para citar um dos problemas
j existentes no Distrito Federal,
Dolabella (1996), efetuou o confronto
entre a oferta e a demanda dos recursos
hdricos da bacia do rio Jardim e
constatou que estes estavam sendo
superexplorados, indicando haver
potencialidade para a ocorrncia de
conflitos e de degradao ambiental na
regio, em perodos crticos de seca.
Do ponto de vista hidrolgico, por
conter zonas de planalto, a regio de
Cerrado possui diversas nascentes de
rios e, conseqentemente, importantes
reas de recarga hdrica, que contribuem
para grande parte das bacias hidro-
grficas brasileiras. Isso ressalta a
importncia do uso racional dos recursos
naturais nestas reas que, normalmente,
possuem baixa capacidade de suporte
(fragilidade), estando mais sujeitas a
65
Produo hdrica
problemas de assoreamento, conta-
minao (poluio) ou superexplorao
dos recursos hdricos.
Apenas para reforar as informaes
supracitadas, as guas brasileiras drenam
para oito grandes bacias hidrogrficas,
e destas, seis tm nascentes na regio
do Cerrado. So elas: a bacia Amaznica
(rios Xingu, Madeira e Trombetas), a
bacia do Tocantins (rios Araguaia e
Tocantins), a bacia Atlntico Norte/
Nordeste (rios Parnaba e Itapecuru), a
bacia do So Francisco (rios So
Francisco, Par, Paraopeba, das Velhas,
Jequita, Paracatu, Urucuia, Carinhanha,
Corrente e Grande), a bacia Atlntico
Leste (rios Pardo e Jequitinhonha) e a
bacia dos rios Paran/Paraguai (rios
Paranaba, Grande, Sucuri, Verde,
Pardo, Cuiab, So Loureno, Taquari,
Aquidauana, entre outros), conforme
apresentado na Figura 1.
O clima do Cerrado pode ser
dividido em duas estaes bem
definidas, uma seca, que tem incio no
ms de maio, terminando no ms de
setembro, e outra chuvosa, que vai de
outubro a abril, com precipitao mdia
anual variando de 600 a 2.000 mm,
conforme apresentado na Figura 2
(Assad, 1994). importante ressaltar que
durante o perodo chuvoso desta regio
comum a ocorrncia de veranicos, ou
seja, perodos sem chuva (Assad, 1994).
Portanto, para possibilitar a produo
agropecuria nos perodos secos e(ou)
assegurar a manuteno da produ-
tividade quando ocorrem veranicos, o
uso da gua para a irrigao configura-
se como uma alternativa importante para
o desenvolvimento da regio (Assad,
1994).
A grande preocupao quanto ao uso
da gua para irrigao que, geralmente,
Figura 1
Representao dos
limites do Cerrado
em relao s
grandes bacias
hidrogrficas do
Brasil.
66
Lima & Silva
sua demanda aumenta nos perodos
mais secos do ano, quando as vazes
so reduzidas. Nessas ocasies, os
conflitos e os danos ambientais podem
ser ampliados, ocorrendo com maior
freqncia e intensidade.
Portanto, considerando a importn-
cia do Cerrado, no cenrio hidrolgico
nacional, e a necessidade de que os
recursos naturais da regio sejam
utilizados de forma racional, essencial
conhecer a produo e disponibilidade
hdrica das reas sob este bioma. O
objetivo deste captulo apresentar uma
avaliao preliminar da contribuio
hdrica superficial do Cerrado para as
grandes bacias hidrogrficas brasileiras,
visando subsidiar estudos mais
aprofundados, alm de aes e solues
para o desenvolvimento competitivo e
sustentvel dessa regio.
MATERIAL E MTODOS
Para a execuo deste trabalho,
foram utilizados os dados de vazo das
estaes fluviomtricas existentes no
banco de dados Hidro, sob gesto da
Agncia Nacional de guas ANA,
disponvel no site http://hidroweb.
ana.gov.br. Como esses dados esto
classificados como consistidos, eles
foram usados diretamente neste trabalho.
Com base na localizao das
estaes fluviomtricas existentes na
rea de Cerrado e na disponibilidade de
dados, foram selecionadas e analisadas
34 estaes, para realizao da
estimativa da produo hdrica
superficial mdia da rea em estudo.
Por se tratar de uma avaliao de
carter preliminar, no foi analisada a
simultaneidade dos dados de diferentes
estaes, portanto, a vazo mdia de
longo termo (Qmlt), apresentada na
Tabela 1, refere-se mdia aritmtica de
toda a srie existente no banco de dados
para cada estao, utilizando valores
dirios. Alm disso, foram adotadas
outras simplificaes que sero
devidamente explicitadas no decorrer do
trabalho.
Figura 2
Distribuio espacial
da precipitao mdia
anual no Cerrado
(Fonte: Assad, 1994).
67
Produo hdrica
Em muitos casos, apenas parte da
rea de drenagem de uma dada estao
estava inserida no bioma Cerrado, de
modo que foi necessrio utilizar
ferramentas de geoprocessamento
(ArcView) para distingu-las e determin-
las. Conhecida esta rea e a vazo mdia
da estao correspondente, estimou-se,
proporcionalmente, a produo hdrica
referente ao domnio do Cerrado.
A Figura 3 apresenta as estaes
utilizadas e suas respectivas reas de
Cerrado, bem como a bacia hidrogrfica
correspondente.
Observa-se na Figura 3, que os
postos fluviomtricos existentes no
foram suficientes para cobertura
completa da rea de Cerrado. Foi
necessria, ento, para estimar a vazo
total produzida neste bioma, a realizao
do estudo em duas etapas. Na primeira,
foram determinadas a produo hdrica
total e a vazo especfica mdia nas reas
de Cerrado cobertas por estaes
fluviomtricas, em cada bacia
hidrogrfica. Em seguida, utilizando a
vazo especfica mdia, obtida na
primeira etapa, estimou-se a vazo
gerada nas reas sem cobertura de
estaes fluviomtricas. Dessa forma, foi
possvel estimar a contribuio hdrica
total deste bioma, para cada bacia
hidrogrfica brasileira, a partir da soma
dos valores obtidos nas reas sob
Cerrado, com e sem cobertura de
estaes fluviomtricas.
As reas de Cerrado, integrantes das
grandes bacias hidrogrficas brasileiras,
foram determinadas a partir da Figura
1, utilizando ferramentas de geopro-
cessamento. Estes valores esto
apresentados na Tabela 2, sob o ttulo
A Cerrado.
Figura 3
Estaes utilizadas
no trabalho,
numeradas de 1 a
34, e suas
respectivas reas de
Cerrado,
diferenciadas por
cores, de acordo
com a bacia
hidrogrfica em que
esto inseridas.
68
Lima & Silva
RESULTADOS E DISCUSSO
A Tabela 1 apresenta as estaes
fluviomtricas utilizadas neste trabalho,
suas respectivas reas de drenagem e o
perodo de dados usados na deter-
minao da vazo mdia de longo termo
e da vazo especfica de cada posto.
O item A Cerrado corresponde frao
da rea de drenagem de uma dada
estao, sob Cerrado. O parmetro
Q Cerrado representa a produo
hdrica superficial estimada nas reas de
Cerrado, cobertas por estaes flu-
viomtricas.
Tabela 1. Anlise dos dados hidromtricos das estaes sob
influncia do bioma Cerrado.
69
Produo hdrica
Tomando-se por base a mdia da
produo hdrica especfica de cada
estao (Tabela 1), observa-se que, na
mesma bacia, em geral, estes valores so
pouco variveis. Entretanto, entre bacias,
esta variao bastante significativa,
indicando que este parmetro pode ser
utilizado para indicar regies com maior
potencial para ocorrncia de escassez de
gua, o que depende, tambm, da
demanda local por recursos hdricos. A
rea de Cerrado presente na bacia
Amaznica (bacia 1), por exemplo,
registrou uma vazo especfica mdia de
24,49 L/s.km, enquanto as bacias
Atlntico Norte/Nordeste (bacia 3) e
Atlntico Leste (bacia 5), apresentaram
valores bem menores, 3,68 e 5,22 L/
s.km, respectivamente.
A Tabela 2 contm a produo
hdrica do Cerrado nas reas desprovidas
de monitoramento fluviomtrico,
calculada segundo procedimento
descrito anteriormente.
Conforme indicado anteriormente,
as vazes geradas nas zonas no-
monitoradas foram obtidas, a partir das
vazes especficas mdias de cada bacia
e suas respectivas reas. Considerando
que o percentual de contribuio das
reas de Cerrado, com e sem
monitoramento, para cada bacia, varia,
o mesmo vai ocorrer com a vazo
especfica mdia. Neste estudo, foi
encontrado, para rea monitorada, o
valor de 12,39 L/s.km e, para a no-
monitorada, de 13,78 L/s.km.
A Tabela 3 apresenta o resumo dos
resultados obtidos nesta anlise,
demonstrando a produo hdrica
superficial do Cerrado e sua importncia
para seis das oito grandes bacias
hidrogrficas do pas.
Tabela 2. Estimativa da vazo gerada na regio de Cerrado sem cobertura das
estaes fluviomtricas utilizadas.
Tabela 3. Produo hdrica do Cerrado por bacia hidrogrfica.
*
Produo hdrica em territrio brasileiro.
**
SIH/ANEEL, 1999
70
Lima & Silva
Para melhor interpretao dos dados
apresentados na Tabela 3, h na primeira
linha, dados referentes bacia 1, ou seja,
bacia Amaznica, que abrange 3,9
milhes de km em territrio brasileiro,
46% da rea do Brasil. A produo
hdrica desta bacia , em mdia, de
209.000m/s (DNAEE, 1994), entretanto,
no territrio brasileiro, ela igual a
133.380m/s. O complemento de sua
vazo mdia provm dos pases que
esto a montante na bacia. A vazo
gerada na frao brasileira da bacia
Amaznica corresponde a 73% da
produo hdrica nacional.
O item A Cerrado indica a rea da
bacia sob o bioma Cerrado, enquanto o
Q Cerrado e o Q esp. representam,
respectivamente, a parte da vazo gerada
e a vazo especfica mdia obtidas nesta
rea.
Depreende-se da Tabela 3 que o
Cerrado, mesmo englobando 24% do
territrio nacional, contribui com apenas
14% da produo hdrica superficial
brasileira. Entretanto, excluindo-se a
bacia Amaznica da anlise, verifica-se
que o Cerrado passa a representar 40%
da rea e 43% da produo hdrica total
do restante do pas.
Conforme apresentado na Tabela 3,
a vazo especfica mdia das reas sob
o bioma Cerrado de 12,85 L/s.km.
Porm, dada a grande variabilidade deste
valor entre as diferentes bacias
hidrogrficas, fica evidente a impos-
sibilidade de uso de um nico coeficiente
desta natureza para toda a regio de
Cerrado. Em termos mdios, esses
valores apresentaram uma variao de
3,68 L/s.km na bacia Atlntico Norte/
Nordeste a 24,49 L/s.km na bacia
Amaznica.
Como a rea de Cerrado na bacia
Amaznica pouco representativa, se
excluda do clculo da vazo especfica
mdia deste bioma, obtm-se o valor de
11,52 L/s.km, reduo esta, considerada
pequena em relao disparidade entre
os dados desta bacia e das demais.
Se para a bacia Amaznica a
influncia territorial e hidrolgica do
Cerrado pouco representativa, com
apenas 5% da rea e 4% da sua
produo hdrica, por outro lado, para
as bacias Araguaia/Tocantins, So
Francisco e Paran/Paraguai, este bioma
mostrou-se responsvel por mais de 70%
da vazo gerada. Deve-se salientar que
a concentrao populacional e a
demanda por recursos hdricos so muito
maiores nestas bacias que na
Amaznica.
Na bacia Araguaia/Tocantins, o
Cerrado representa 78% da rea e 71%
da sua produo hdrica, mesmo sendo
parte desta bacia influenciada pela
floresta Amaznica. A contribuio
hidrolgica da rea de Cerrado
significativa, o que pode ser comprovado
pela sua vazo especfica de 14,22 L/
s.km.
Na bacia Atlntico Norte/Nordeste,
a contribuio da rea sob Cerrado
apresentou-se baixa, menor que a mdia
da bacia, pois engloba 27% da rea e
produz apenas 11% da vazo.
A bacia do So Francisco
totalmente dependente, hidrologica-
mente, do Cerrado que, com apenas 47%
da rea, gera 94% da gua que flui
superficialmente na bacia. Merece
destaque sua importncia para o
abastecimento hdrico da Regio
Nordeste, bem como para a produo
de alimentos sob irrigao e a gerao
de energia hidreltrica, fundamentais
para o desenvolvimento regional e
nacional.
Na bacia Atlntico Leste, a influncia
exercida pelo bioma Cerrado muito
71
Produo hdrica
pequena, tendo em vista sua pequena
representatividade em relao rea total
da bacia e a baixa vazo especfica
apresentada.
Conforme supracitado, a bacia
Paran/Paraguai outra que recebe
importante contribuio hidrolgica do
Cerrado que, compreendendo 48% de
sua rea total, gera 71% da vazo mdia
desta bacia.
importante destacar que, apesar
de toda a rea analisada pertencer a um
mesmo bioma, a disparidade entre as
vazes especficas obtidas nas diferentes
bacias hidrogrficas demonstra que o
parmetro cobertura vegetal, em
termos globais, no teve tanta influncia
na estimativa da produo hdrica. Sendo
assim, no recomendvel utilizar um
nico valor mdio de vazo especfica
para toda a rea de Cerrado.
Cabe ressaltar que, por serem dados
mdios, obtidos por meio de estimativas
e aproximaes, em escala regional, sem
considerar o fator sazonal em sua anlise
e, por isso, as informaes apresentadas
no devem ser utilizadas para fins de
gesto de recursos hdricos em escala
local. Entretanto, elas podem ser
importantes para a identificao de reas
prioritrias para estudos e aes, com
vistas a evitar ou remediar conflitos pelo
uso da gua. Um exemplo claro e que
ilustra a aplicao destas informaes
a importncia demonstrada da
contribuio hdrica superficial do
Cerrado para o Nordeste do Brasil e como
este bioma deve receber especial
ateno, em funo do que representa
para aquela regio.
CONSIDERAES FINAIS
Fica evidente neste trabalho a grande
importncia que a regio de Cerrado
possui em relao produo hdrica no
territrio brasileiro, contribuindo para
seis das oito grandes bacias hidrogrficas
do pas.
Apesar de esta regio ocupar 24%
do territrio nacional e representar
apenas 14% da sua produo hdrica
superficial, observa-se, que excluindo-
se a bacia Amaznica da anlise, regio
de grande produo hdrica e onde vive
pequena parcela da populao do pas,
um aumento substancial nestes valores,
que passam para 40% e 43%,
respectivamente, estando, portanto,
prximos mdia do restante do Brasil.
Merece destaque a participao do
Cerrado na gerao de vazo para a bacia
do rio So Francisco, fundamental para
o desenvolvimento da Regio Nordeste,
to carente em recursos hdricos.
Diante do exposto e sendo a rea de
Cerrado uma regio com cabeceiras de
bacias hidrogrficas, locais, geralmente,
com pequena capacidade de suporte,
fundamental a ampliao dos conhe-
cimentos referentes ao seu com-
portamento hidrolgico. Isso, porque,
alm dos prejuzos locais que o mau uso
destes recursos pode provocar, estes
efeitos podem ser propagados por
extenses maiores, uma vez que ocorrem
nas reas de montante das bacias
hidrogrficas.
72
Lima & Silva
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73
Solos e paisagem
Captulo 3 Captulo 3
Captulo 3 Captulo 3 Captulo 3
Influncia da histria,
solo e fogo na
distribuio e
dinmica das
fitofisionomias no
bioma do Cerrado
Captulo 3 Captulo 3
Captulo 3 Captulo 3 Captulo 3
Influncia da histria,
solo e fogo na
distribuio e
dinmica das
fitofisionomias no
bioma do Cerrado
F
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:

A
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E
Raimundo Paulo Barros Henriques
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF.
Raimundo Paulo Barros Henriques
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF.
74
Lima & Silva
Produo hdrica
75
INTRODUO
O bioma do Cerrado provavelmente
a maior savana do mundo, ocupando
aproximadamente 2.000.000 km
2
no
Brasil central, mais reas disjuntas nos
outros biomas adjacentes. Uma das
principais questes sobre o bioma do
Cerrado a determinao dos fatores
responsveis pela sua distribuio e a
dinmica das suas fitofisionomias.
Frost et al. (1986) indicou quatro
fatores, principais responsveis pelos
padres e processos das comunidades
de savanas: gua, nutrientes, fogo e
herbivoria. Para as savanas da regio
Neotropical, foram includos juntamente
com os trs primeiros fatores o clima e
eventos histricos (Sarmiento &
Monastrio, 1975). A herbivoria tem
pouca importncia nas savanas da regio
Neotropical, devido pequena biomassa
de ungulados.
Este captulo, prope que a
ocorrncia e a dinmica dos diferentes
tipos de fitofisionomias no bioma do
Cerrado resultam principalmente da
influncia de trs fatores: histria, solo
e fogo. Um modo de abordar esta
questo observar quais os padres e
processos que ocorrem nas
fitofisionomias que podem e no podem
ser explicados usando estes fatores.
A seguir as idias que sero
examinadas ao longo deste trabalho:
76
Henriques
(i) A ocorrncia de reas disjuntas
com vegetao de cerrado sensu
lato nos biomas adjacentes
pode ser atribuda a uma maior
distribuio geogrfica da sua
rea contnua no Brasil central,
no passado. Nesse caso, as
atuais reas disjuntas seriam
remanescentes desta distri-
buio original. Com a
mudana do clima para mais
mido, as reas com cerrados
ficaram isoladas em outros
biomas;
(ii) Parte das diferenas observadas
entre as fitofisionomias no
cerrado sensu lato pode ser
explicada pela profundidade e
umidade do solo. Normal-
mente, a densidade e a altura
da vegetao lenhosa aumen-
tam proporcionalmente a esses
fatores;
(iii) O terceiro fator importante o
fogo, que tem ampla ocorrncia
no bioma do Cerrado, provo-
cando uma srie de modifica-
es na estrutura da vegetao.
A influncia do fogo na dinmica
das fitofisionomias do Cerrado um
processo complexo ainda pouco
conhecido. Aps uma perturbao pelo
fogo pode ocorrer uma fase de imigrao
de espcies, com crescimento no nmero
de indivduos e de rea basal, sendo
seguida de uma fase de homeostase, com
equilbrio nas taxas de imigrao e
extino, recrutamento e mortalidade,
respectivamente (Hall et al., 1978).
Altas taxas de imigrao de espcies, de
recrutamento de indivduos e incremento
de biomassa sugerem que algumas reas
com fisionomia de cerrado sensu stricto
e provavelmente, campo sujo, so
comunidades fora do equilbrio, estando
atualmente em uma fase inicial de
crescimento sucessional (Henriques &
Hay, 2002). O tempo para uma
comunidade em fase inicial de
crescimento atingir a fase de equilbrio
(homeosttica) na ausncia do fogo vai
depender de outros fatores ecolgicos
como: disponibilidade de gua e
nutrientes no solo e distncia da fonte
de propgulos.
Foram propostos por Pivello &
Coutinho (1996) e Meirelles et al. (1997)
modelos que, sugerem a evoluo
sucessional das fisionomias abertas para
as fisionomias fechadas do cerrado sensu
lato, em funo de vrios fatores
ambientais. Nesses modelos, as
formaes abertas (campo limpo, campo
sujo, etc.) so consideradas formas
derivadas do cerrado e florestas
estacionais, pela ao do homem (ex.
fogo, pastoreio), para onde a vegetao
invariavelmente converge na ausncia de
perturbaes humanas.
Portanto, o conhecimento da
histria do solo e do fogo fundamental
para se conhecer a distribuio e a
dinmica das fitofisionomias no bioma
do Cerrado. Este captulo sintetiza o
conhecimento atual sobre a influncia
desses fatores, na sua distribuio e
prope um modelo para explicar a
dinmica das fisionomias do cerrado
sensu lato, em funo do fogo e dos
fatores edficos.
TERMINOLOGIA E DEFINIES
BSICAS
O bioma do Cerrado se distribui
como rea contnua no Brasil central e
como reas disjuntas em outros biomas
(Figura 1), como na floresta Amaz-
nica, Caatinga, floresta Atlntica,
Pantanal e floresta de Pinheiro do sul do
Brasil (Rizzini, 1979; Cole, 1986; Furley
77
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
& Ratter, 1988; Prance, 1996). O conceito
de bioma empregado aqui, refere-se ao
conjunto das unidades fisionmico
estrutural da vegetao que ocorrem na
regio do Cerrado, alm das reas
disjuntas em outros biomas. Este
conceito semelhante ao usado por
Oliveira-Filho & Ratter (2002), mas para
uma conceituao diferente, veja
Coutinho (2000). A vegetao
predominante do bioma do Cerrado
formada por um mosaico heterogneo
de fisionomias vegetais, com as
formaes campestres em uma
extremidade e as formaes florestais em
outra extremidade, formando um
gradiente de altura-densidade (Eiten,
1972; 1982).
Embora existam diferenas entre os
autores, usando a altura e a densidade
de plantas lenhosas, podemos ordenar
as fisionomias vegetais em quatro tipos
principais (conhecidas como cerrado
sensu lato): campo limpo; campo sujo;
cerrado sensu stricto, cerrado (Figura
2). Este gradiente forma um continuum
vegetacional, no havendo limites
definidos entre uma fisionomia e outra,
portanto, formas intermedirias podem
ocorrer entre elas. Apenas por
convenincia, foram reconhecidos alguns
tipos predominantes de fitofisionomias
e que sero usados ao longo desse
trabalho. Em funo das caractersticas
estruturais, foram reconhecidos quatro
tipos fisionmicos do cerrado sensu lato:
campo limpo a fisionomia com a mais
alta cobertura de gramnea; campo sujo
apresenta uma alta cobertura de
gramneas e uma baixa cobertura de
arbustos; o cerrado sensu stricto
apresenta uma menor cobertura de
gramneas, e uma maior cobertura
arbustivo-arbrea e o cerrado uma
formao florestal que apresenta
ausncia de cobertura de gramneas e a
maior cobertura arbrea. No gradiente
de cerrado sensu lato, o cerrado
apresenta algumas espcies de arbustos
Figura 1
Distribuio geogrfica
do bioma do Cerrado
no Brasil. As reas
disjuntas nos outros
biomas adjacentes so
indicadas.
78
Henriques
e rvores restritas a esta fisionomia,
como a rvore Emmotun nitens (Furley
& Ratter, 1988), sendo aqui usada como
indicadora da fisionomia de cerrado.
Essa classificao dos tipos fisionmicos
aplicvel, principalmente, para a regio
do Brasil central
O campo limpo, includo neste
gradiente, a fisionomia que ocorre
sobre solos Litosslicos, rasos (~30 cm
de profundidade) (Eiten, 1978, 1979,
1984) no se refere, portanto, ao campo
mido ao lado das matas de galeria
(Goldsmith, 1974). Estes campos
possuem uma flora distinta com baixa
afinidade florstica com a flora herbcea
do cerrado sensu lato (Arajo et al.,
2002).
A floresta estacional pode ocorrer em
diferentes partes do gradiente
fisionmico de vegetao de cerrado
sensu lato. Esta fisionomia apresenta
estreita afinidade florstica com o
cerrado (Rizzini 1963; 1979; Ratter et
al., 1971; 1973, 1977; 1978a; 1978b;
Heringer et al., 1977; Oliveira-Filho &
Ratter, 1995). A floresta estacional pode
ocorrer, no topo dos interflvios sobre
solos Latossolos frteis, derivados de
rochas alcalinas ou nas vertentes
inferiores aluviais sobre solos
Podzlicos, derivados de rocha calcria,
ao lado da mata de galeria (Ratter et al.,
1978a; 1978b; Eiten 1978; 1984).
Existem outras formaes vegetais
no bioma do Cerrado, com estruturas e
fisionomias similares s do gradiente
fisionmico do cerrado sensu lato, mas
diferenciam-se pela composio florstica
e determinantes edficos (ex. campos
rupestres, campos midos, mata de
galeria; Eiten, 1982) e que no sero
tratadas neste captulo.
A ORIGEM DA VEGETAO
DISJUNTA DO CERRADO SENSU
LATO
A ocorrncia de reas isoladas com
vegetao de cerrado sensu lato, em
outros biomas como, a floresta
Amaznica, Caatinga, floresta Atlntica
e floresta de Pinheiro no sul do Brasil
(Figura 1), levou vrios autores a
proporem, que no passado houve uma
distribuio mais ampla, da rea
Figura 2
Diagrama de bloco da
distribuio das
fisionomias de cerrado
sensu lato em relao
profundidade do solo
na vertente de um vale.
79
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
contnua do bioma do Cerrado no Brasil
central, (Hueck, 1957; AbSaber, 1963;
1971; Rizzini, 1979; Cole, 1986; Filho,
1993; Prance, 1996). Segundo esses
autores, a distribuio mais extensa do
bioma do Cerrado, seria decorrente de
um clima mais seco que teria favorecido
a distribuio da sua vegetao no
passado.
A hiptese de uma distribuio
pleistocnica para as reas disjuntas dos
cerrados baseada em dois tipos de
evidncias (Gottsberg & Morawetz, 1986;
Prance, 1996): (1) A similaridade
florstica entre as reas disjuntas dos
cerrados com a flora da sua rea contnua
de ocorrncia no Brasil central, e (2) o
baixo nvel de endemismo de espcies
nas reas disjuntas da Amaznia e da
floresta Atlntica. O teste desta hiptese
requer o registro de polens no
Quaternrio que indiquem a ocorrncia
da flora do cerrado sensu lato, nas reas
intermedirias entre a regio contnua do
bioma do Cerrado do Brasil central e as
reas disjuntas nos outros biomas.
Vrios estudos detectaram a ocorrncia
de polens de Curatella americana e de
outras espcies do cerrado sensu lato,
em reas atualmente com floresta de
Pinheiro e floresta Atlntica no sudeste
e sul do Brasil (Ledru et al., 1996; 1998;
Behling, 1998; Behling & Hooghimstra,
2001). Estes resultados indicam que a
vegetao do bioma do Cerrado do Brasil
central se expandiu alm do seu limite
atual leste, sudeste e sul. As reas
disjuntas de cerrado sensu lato
atualmente isoladas na floresta Atlntica
e floresta de Pinheiro, na regio Sul e
Sudeste, so remanescentes desta
distribuio mais extensa no passado
(Hueck, 1957; Behling, 1998). A
expanso das florestas midas, em
direo rea central do bioma do
Cerrado, pode ter ocorrido aproxima-
damente nos ltimos 1.000 anos A. P.
no sudeste e sul do Brasil (Behling &
Hooghiemstra, 2001), o que indica um
isolamento recente destas reas.
A hiptese da distribuio do bioma
do Cerrado, na rea da floresta
Amaznica durante os perodos mais
secos do final do Pleistoceno e Holoceno,
para explicar as ocorrncias das reas
disjuntas de cerrado sensu lato neste
bioma ainda controversa (Colinvaux,
1979; 1997; Colinvaux et al., 1996). As
evidncias baseadas na presena de
polens, indicadores da ocorrncia de
vegetao de cerrado sensu lato,
demonstram que para as reas
atualmente com florestas midas no
limite sudoeste e sul da Amaznia, esta
vegetao esteve presente em vrios
perodos no final do Pleistoceno (65.000
A.P., 49.000 A. P., 41.000 A. P., 23.000
A. P., 13.000 A. P.) (Behling &
Hooghiemstra, 2001; van de Hammem
& Hooghiemstra, 2000).
DETERMINANTES EDFICOS DAS
FISIONOMIAS DO CERRADO SENSU
LATO
O gradiente fisionmico de
vegetao no cerrado sensu lato
apresenta uma variao inversa do
componente lenhoso (densidade, altura)
e do componente herbceo, dominado
por gramneas (Goodland, 1971;
Goodland & Ferri, 1979). Esta variao
fisionmica - estrutural da vegetao foi
correlacionada com a fertilidade do solo
(Goodland & Pollard, 1973, Lopes & Cox,
1977), ocorrendo a maior densidade e
altura de plantas lenhosas onde o solo
apresentava maior fertilidade. No
entanto, vrios estudos encontraram
resultados que no corroboram a
existncia desta correlao (Gibbs et
al.,1983; Oliveira Filho et al., 1989;
Moreira, 2000; Ribeiro et al., 1982;
80
Henriques
Ruggiero et al., 2002). Diferenas de
escala e de metodologia podem explicar,
em parte, os resultados conflitantes
encontrados por esses autores.
Relativamente, espera-se maior
fertilidade onde a vegetao mais alta
e densa, como no cerrado e floresta
estacional, devido maior contribuio
da matria orgnica para o solo nestas
fisionomias. Devido maior capacidade
da matria orgnica reter nutrientes, os
solos das fisionomias com maior
cobertura vegetal (cerrado, cerrado)
tornam-se mais frteis do que aqueles
com menor cobertura (campo limpo,
campo sujo). Isto no indica que
originalmente as reas com formaes
de maior cobertura possussem solos
mais frteis.
Diferenas na fertilidade do solo
entre fisionomias foram registradas para
dois subtipos de cerrado (Furley &
Ratter, 1988), os distrficos, de baixa
fertilidade e os mesotrficos, de maior
fertilidade, principalmente na
concentrao de clcio. Estas
caractersticas nutricionais estavam
associadas tambm a diferenas
florsticas, com as espcies do primeiro
subtipo classificadas como calcfugas e
as do segundo como calcfilas. No
entanto, a grande similaridade florstica
dos cerrades mesotrficos com as
florestas estacionais (Ratter et al., 1978;
Oliveira Filho & Ratter, 1995), pode
indicar que ambos pertenam ao mesmo
tipo de unidade florstico-fisionmica.
A floresta estacional ocorre em solos
com maior fertilidade (Ratter et al.,
1978a), associada a afloramentos de
rochas bsicas. A distribuio deste tipo
de fisionomia independente do gradiente
vegetacional do cerrado sensu lato
consistente com a sua associao aos
substratos ricos em rochas bsicas. Isto
pode ser verificado na comparao das
diferenas de duas caractersticas
edficas de 47 amostras de solos, para a
regio core dos cerrados em Gois (Krejci
et al, 1982). Observa-se que, as florestas
estacionais ocorrem em solos com maior
concentrao de nutrientes do que as
fisionomias de cerrado sensu lato
(Figura 3). A saturao mdia de bases
em solos de floresta estacional foi maior
(55,6 8,7) do que em solos dos
cerrados (18,4 14,7). Outra diferena
observada foi na razo ki, o valor mdio
para os solos do cerrado sensu lato foi
menor (1,5 0,8) do que para os solos
da floresta estacional (2,1 0,9) (Figura
3). A razo ki (razo molecular do SiO
2
para Al
2
O
3
) mede o grau de
latossolizao e indica a maturidade do
solo. Quanto maior o grau de
latossolizao mais jovem o solo e
maior o valor de ki. Independentemente
da rocha matriz do solo, baixos valores
de ki esto associados com baixos
Figura 3
Distribuio dos valores
de saturao de bases
(%) e razo ki (razo
molecular de SiO
2
para
Al
2
O
3
, veja texto), nas
reas com cerrado sensu
lato e florestas
estacionais no Brasil
central. A caixa para
95% dos valores, indica
a mdia (linha contnua)
a mediana (linha
pontilhada) e o desvio
padro.
81
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
contedos de nutrientes. Com base no
levantamento de solos do Estado de So
Paulo, foi proposto por Eiten (1972), que
o cerrado sensu lato ocorria apenas em
solos que apresentassem um valor de ki
inferior a 1,8 e que, onde o solo
apresentasse baixo contedo de
nutrientes (ex. Latossolo Vermelho -
Amarelo textura arenosa e Regossolo),
apenas cerrado sensu lato era observado.
A Figura 3 mostra que para a regio
do Brasil central, embora, exista
sobreposio nos valores de ki entre o
cerrado sensu lato e a floresta estacional,
o valor mximo de ki foi de 1,9 para
95% dos valores, o qual foi inferior ao
valor para as florestas estacionais (2,8).
O valor mximo para o cerrado sensu
lato observado no Brasil central, foi
prximo ao valor de 1,8 registrado para
o cerrado sensu lato para o Estado de
So Paulo (Eiten 1972).
Todos estes resultados sugerem
fortemente que as fisionomias de cerrado
sensu lato diferentemente da floresta
estacional, esto associadas a solos de
grande maturidade, e altamente
intemperizados, como indicado pelos
baixos valores de ki, o que resultou em
solos com baixo contedo de nutrientes
e, na maioria dos casos, tambm com
alta saturao de alumnio. Como
sugerido por Eiten (1972), parece que o
contedo de nutrientes, expresso pela
soma de bases, e o valor de ki so os
melhores fatores edficos para separar
o cerrado sensu lato da floresta
estacional.
O primeiro modelo explicativo das
diferenas fisionmicas para a vegetao
primria do bioma do Cerrado foi
realizado por Eiten (1972). Neste
modelo, so indicados trs fatores para
explicar esta diferenciao: pro-
fundidade, drenagem e fertilidade do
solo. Pelo exposto anteriormente, fica
evidente que a fertilidade no explica as
diferenas entre as fisionomias do
cerrado sensu lato. As evidncias para a
influncia da profundidade do solo na
variao das fisionomias do cerrado
sensu lato so baseadas nos resultados
de Eiten, (1972, 1978, 1979, 1982, 1984,
1994) e Oliveira Filho et al. (1989).
Devido ao baixo contedo de nutrientes,
os aumentos da densidade e da altura
da vegetao da fisionomia de cerrado
so limitados pela profundidade do solo.
Apenas em uma profundidade maior, o
solo possuiu um estoque de nutriente
suficiente para o desenvolvimento de
uma maior biomassa da vegetao.
Paralelamente, resultados de Franco
(2002) e Kanegae et al. (2000) mostram
que o contedo de gua na superfcie
do solo (at 30cm) das fisionomias
abertas para as fechadas no final da seca
aumenta.
Baseado nos estudos acima e nas
observaes do autor no Distrito Federal,
uma distribuio hipottica dos tipos
fisionmicos de vegetao do cerrado
sensu lato apresentada, em funo da
profundidade e do contedo de gua do
solo, no fim da estao seca (Figura 4).
As fisionomias so colocadas na sua
posio relativa aos dois fatores
ambientais e representam o potencial
mximo de desenvolvimento da
vegetao para as referidas condies
ambientais. A figura mostra tambm que,
a fisionomia que apresenta o mnimo
impedimento edfico para o
desenvolvimento de espcies arbreas
o cerrado. Neste caso, alm disso, as
condies para o estabelecimento e
desenvolvimento de uma vegetao
arbrea (cerrado) nas fisionomias
abertas (ex. campo limpo e campo sujo),
podem ser limitadas pelo contedo de
gua na estao seca e pelo menor
estoque de nutrientes.
82
Henriques
IDIAS PIONEIRAS SOBRE O PAPEL
DO FOGO NO BIOMA DO
CERRADO
A primeira hiptese para a origem
das fisionomias abertas do cerrado sensu
lato (campo limpo, campo sujo e
cerrado sensu stricto) devido influncia
do fogo tem incio na primeira metade
do sculo 19, com o trabalho de P. W.
Lund Anotaes sobre a vegetao nos
planaltos do interior do Brasil,
especialmente fito-histricas (Lund,
1835). Lund era um botnico sistemata,
familiarizado com a flora e a fisionomia
de vrias reas geogrficas, parti-
cularmente So Paulo, Minas Gerais e
Gois, que conheceu em uma viagem de
dois anos de durao (1833 1835).
Como resultado das suas observaes,
Lund sugeriu que o cerrado
(Catanduva, como era chamado em So
Paulo e Minas Gerais no sculo 19) era a
vegetao florestal primria na regio do
bioma do Cerrado do planalto central e
que, pela ao do fogo foi transformado
em muitas reas, nas fisionomias abertas
de campos e de cerrado sensu stricto
(Figura 5). Realizando observaes
independentes em Minas Gerais e Gois,
Saint-Hilaire (1827; 1831) chegou s
mesmas concluses. Posteriormente,
outras observaes, realizadas em So
Paulo por Loefgren (1898; 1906; 1912),
foram consistentes com a hiptese de
Lund. Uma srie de evidncias
Figura 5
Representao da
hiptese de Lund
(1835) do efeito do
fogo na evoluo da
vegetao no bioma
dos cerrados. O fogo
transforma o cerrado
em cerrado, que pela
continuidade do fogo
substitudo pelo campo,
que pode ser mantido
pelo fogo peridico.
Figura 4
Ocorrncia potencial
das fisionomias de
cerrado sensu lato em
funo da
profundidade e do
contedo de gua na
superfcie do solo no
fim da estao seca.
Cc capacidade de
campo; Pm ponto de
murchamento; CL
campo limpo; CS
campo sujo; Css
cerrado sensu stricto;
CD cerrado.
83
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
observacionais, realizadas depois destes
estudos, sugerem que, em muitas reas,
o cerrado se originou pela ao do fogo
no cerrado (AbSaber & Junior, 1951;
Aubreville, 1959; Schnell, 1961; Eiten,
1972, Rizzini, 1963, 1979).
ECONOMIA DE GUA E O CARTER
SECUNDRIO DAS FISIONOMIAS
ABERTAS DO CERRADO SENSU LATO
A hiptese de Lund de que, pela ao
do fogo, o cerrado pode dar lugar s
fisionomias abertas do bioma do Cerrado
(campo limpo, campo sujo, cerrado
sensu lato) foi aceita parcialmente por
Warming (1892), que no achava
possvel que este processo tivesse
ocorrido em to grande extenso
geogrfica. A ocorrncia de fisionomias
abertas do cerrado sensu lato era
atribuda limitao por gua. Warming,
que considerava o cerrado uma vege-
tao adaptada deficincia de gua
(xeroftica) (sensu Schimper 1903),
supunha que as fisionomias abertas do
cerrado sensu lato, ocorriam devido ao
perodo seco e precipitao menor que
as das reas de florestas (ex. floresta
Atlntica). Esta hiptese foi refutada a
partir dos resultados obtidos em uma
srie de estudos por Felix Rawitscher e
colaboradores (Ferri, 1944; Rachid, 1947;
Rawitscher et al., 1943; Rawitscher,
1948; 1950, 1951). Os principais
resultados destes estudos mostraram: (1)
que as espcies mostravam de pequena
a nenhuma adaptao fisiolgica para a
seca; (2) que a maioria das plantas
lenhosas possua sistemas radiculares
profundos tendo acesso s camadas de
solo com gua; e (3) que o solo com
fisionomia de cerrado sensu stricto
apresentava gua disponvel para a
vegetao o ano todo. Baseado nestas
evidncias, Rawitscher et al. (1943,
1948), refutam a hiptese de Warming
(1892), de que a limitao por gua era
a causa da ausncia das florestas em
reas ocupadas com fisionomias abertas
do cerrado sensu lato, demonstrando
tambm, que o contedo de gua no solo
poderia manter formaes florestas.
Rawitscher (1948) prope que, em Emas,
So Paulo, o cerrado sensu stricto,
poderia ser uma vegetao secundria
resultante da ao do fogo em uma
fisionomia florestal primria.
Concluindo, considera que o solo no
cerrado sensu lato, tem condies de
manter formaes florestais, talvez do
tipo cerrado, e que as fisionomias
abertas poderiam ser formaes
secundrias resultantes da ao do fogo
(Rawitscher, 1950; 1951).
IMPACTO DO FOGO NA
VEGETAO DO CERRADO SENSU
LATO
O fogo um drstico agente de
perturbao na vegetao do bioma do
Cerrado com grande impacto na
dinmica das populaes das plantas. O
fogo causa a diminuio da altura da
vegetao (Hoffmann & Moreira, 2002)
e, uma mortalidade de plantas lenhosas
variando de 13 a 16%, dez vezes maior
em relao s reas protegidas, incluindo
rvores de 21cm de dimetro e 8,5m de
altura (Sato & Miranda, 1996). O fogo
tambm tem um grande efeito na
composio de espcies do cerrado,
eliminando espcies caractersticas desta
fisionomia e sensveis ao fogo como,
Emmotum nitens, Ocotea pomaderroides
e Alibertia edulis (Hoffmann & Moreira,
2002).
A mortalidade das plntulas pelo
fogo ainda maior (33% a 100%), o
84
Henriques
mesmo ocorrendo com as rebrotas de
crescimento vegetativo (7% a 47%)
(Hoffmann, 1996; 1999). Em reas com
at um ano depois de queimadas, o
estabelecimento das plantas tambm
drasticamente reduzido (Hoffmann,
1996). Esse efeito maior nas espcies
caractersticas de cerrado, como
Alibertia macrophyla, Pera glabrata e
Ocotea pomaderroides.
Com maior freqncia de
queimadas, as taxas anuais de cresci-
mento populacional, favorecem as
formas de crescimento menores
(arbustos) em detrimento das maiores
(rvores) (Hoffmann, 1999; Hoffmann &
Moreira, 2002). O fogo tambm aumenta
a importncia da reproduo vegetativa,
em relao da reproduo sexuada
(Hoffmann, 1998; 1999). Isto ocorre pela
estimulao, pelo fogo, da reproduo
vegetativa e do seu maior valor de
sobrevivncia em relao das plntulas.
Alm disso, algumas espcies de plantas
lenhosas reduzem drasticamente a
produo de sementes ao nvel
populacional nas reas recentemente
queimadas (Hoffmann, 1998). Isto se
reflete na reduo do banco de sementes
destas espcies nas reas queimadas, em
relao ao das reas protegidas
(Andrade, 2002). Nas reas queimadas
tambm ocorre um aumento da
abundncia das gramneas e do seu
banco de sementes (Miranda, 2002;
Andrade, 2002). A maior abundncia de
gramneas pode diminuir drasticamente
a sobrevivncia de plntulas de espcies
lenhosas (Heringer, 1971).
Baseado nos resultados obtidos
nesses estudos at o momento, a Figura
6 mostra um modelo geral descrevendo
os efeitos do fogo na dinmica da
vegetao do cerrado sensu lato. Este
modelo mostra as complexas relaes
entre os principais processos internos,
modificando a vegetao. Algumas
caractersticas deste modelo devem ser
ressaltadas. Os processos mostrados na
Figura 6 podem ocorrer em qualquer
vegetao submetida ao efeito do fogo,
mas alguns processos so mais
importantes na vegetao dos cerrados,
como exemplo, a reproduo vegetativa
e o rpido aumento da abundncia de
gramneas. A maior espessura das setas
representa a sua importncia relativa aos
outros processos e tambm a
importncia da dependncia entre os
processos. A magnitude do efeito dos
Figura 6
Esquema dos efeitos
do fogo nos
processos que
determinam a
fisionomia aberta na
vegetao dos
cerrados. As setas
mais grossas
indicam os principais
processos.
85
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
processos na vegetao est na
dependncia da freqncia com que
ocorre o fogo (Hoffmann, 1996; 1998;
1999). Alm disso, os fatores externos
no foram considerados neste modelo,
como o efeito da variao de
precipitao, a ocorrncia de veranicos,
herbivoria, geadas, ou fertilidade do
solo, os quais podem mudar a
importncia relativa dos diferentes
processos. Todos os processos
apresentados na Figura 6 enfatizam o
grande impacto causado pelo fogo na
modificao das fisionomias dos
cerrados, de fisionomia fechada para
aberta, principalmente no que se refere
modificao de fisionomias com maior
densidade/altura de lenhosas e baixa
abundncia de gramneas (ex. cerrado)
para uma fisionomia com baixa altura/
densidade de lenhosas e alta cobertura
de gramneas (ex. cerrado sensu stricto,
campo limpo, campo sujo).
Atravs de simulaes de modelos
populacionais, foi estimado que com
uma freqncia de queima maior que
quatro ou cinco anos, as populaes de
algumas espcies de rvores no podem
se manter no cerrado sensu lato
(Hoffmann, 1998; 1999). Nas condies
tpicas de queimadas nos cerrados, de
uma vez a cada dois anos (Eiten, 1972),
as fisionomias mais fechadas dos
cerrados (ex. cerrado), podem estar
sendo substitudas por fisionomias mais
abertas (ex. campo limpo, campo sujo,
cerrado sensu stricto), com drsticas
modificaes na composio de espcies.
Nestas fisionomias abertas, so
favorecidas as plantas no sensveis ao
fogo, que se reproduzem vegeta-
tivamente. As alteraes na composio
de espcies que acompanham esta
substituio podem estar diminuindo
drasticamente a diversidade das
comunidades vegetais do cerrado sensu
lato, como observado por Moreira
(2000).
O CARTER SUCESSIONAL DAS
FISIONOMIAS ABERTAS DOS
CERRADOS
Coutinho (1982, 1990) realizou uma
srie de observaes que mostraram que
as fisionomias abertas dos cerrados,
aumentavam de altura e densidade, com
a proteo contra o fogo. No cerrado
sensu lato, a proteo contra o fogo
resulta em um progressivo aumento da
vegetao lenhosa (Henriques & Hay,
2002; Hoffmann & Moreira, 2002).
Portanto, onde as fisionomias abertas do
cerrado (campo limpo, campo sujo,
cerrado sensu stricto) no so
determinadas por limitao edfica
(Figura 4), mas resultantes da ao do
fogo em fisionomias mais fechadas, a sua
proteo contra o fogo deve permitir a
evoluo sucessional em direo
fisionomia primria mais fechada.
Em um gradiente fisionmico
iniciando em campo sujo e indo at o
cerrado, no Brasil central, Moreira
(2000) mostrou que, depois de 18 anos
de proteo contra o fogo, as reas
protegidas apresentavam aumento
significativo no nmero de plantas
lenhosas e na riqueza de espcies, em
relao s reas no protegidas. Algumas
espcies arbreas do cerrado, como
Blepharocalix salicifolius e Sclerolobium
paniculatum, apresentaram maior
abundncia no cerrado protegido do
fogo do que no queimado enquanto
espcies caractersticas como Emmotum
nitens e Ocotea pomaderroides (Furley &
Ratter 1988), apenas foram encontradas
no cerrado protegido do fogo.
Estudando a dinmica das
populaes de plantas lenhosas de um
86
Henriques
cerrado protegido do fogo, Henriques &
Hay (2002) encontraram fortes
evidncias que suportam a hiptese de
que o cerrado sensu stricto pode ser uma
comunidade fora do equilbrio, tendo
uma natureza sucessional. Considerando
a extensa ocorrncia e a alta freqncia
das queimadas no bioma do Cerrado
possvel que esta hiptese possa ser
aplicada para uma grande rea, ocupada
atualmente com as fisionomias abertas
do cerrado sensu lato. Esta hiptese
corroborada pelos resultados de
Hoffmann (1999), que mostram que a
diminuio da freqncia de fogo, pode
permitir o crescimento lquido positivo
de populaes de rvores, aumentando
a densidade e cobertura de lenhosas.
Se a vegetao do cerrado sensu lato,
protegido do fogo, incrementa em
densidade e riqueza de espcies, quais
seriam as trajetrias sucessionais para
as fisionomias dos cerrados? Em uma
anlise de agrupamento de fisionomias
queimadas e protegidas do fogo, Moreira
(2000) encontrou maior similaridade
florstica entre as reas protegidas de
campo sujo e cerrado sensu stricto
queimado, e cerrado sensu stricto
protegido com cerrado queimado. Estes
resultados sugerem uma seqncia
sucessional do tipo campo sujo cerrado
cerrado.
Usando fotografias areas, Durigan
et al., (1987) analisaram o compor-
tamento das fisionomias do cerrado
sensu lato aps 22 anos de proteo
contra o fogo em Assis, So Paulo. Seus
resultados mostraram que a densidade
e a altura da vegetao das fisionomias
abertas evoluram para uma fisionomia
florestal mais densa, de porte mais alto
aps a proteo contra o fogo. A
presena na fisionomia mais madura de
Platypodium elegans e Machaerium
acutifolium, espcies caractersticas da
floresta estacional seca (Pennington et
al., 2000; Ratter et al., 1978a,1978b),
sugerem que esta fisionomia pode ter
sido a vegetao primria nesta rea. Do
mesmo modo um penltimo estgio que
foi identificado na rea, apresenta as
espcies: Bowdichia virgilioides e
Caryocar brasiliense, caractersticas do
cerrado (Heringer et al., 1977; Ratter,
1971, 1991). Esses resultados sugerem
que, as reas inicialmente com
fisionomias abertas no estgio de campo
sujo, foram substitudas por cerrado
sensu stricto, as reas com cerrado sensu
stricto por cerrado e as com cerrado
por floresta estacional, quando a rea
foi protegida do fogo.
CONSIDERAES FINAIS
Do que foi apresentado anterior-
mente, podemos observar que na
ausncia ou baixa freqncia do fogo,
os diferentes tipos de vegetao no
gradiente fisionmico podem ser
resultantes de condies edficas. E que
cada um dos diferentes tipos
fisionmicos o estgio mais maduro
que a vegetao pode alcanar em cada
posio no gradiente edfico. Nesse
sentido, em termos sucessionais, no
cerrado existem vrios estgios finais de
sucesso para a mesma condio
climtica. Esta idia consistente com o
conceito de clmax-gradiente de
Whittaker (1953), onde ocorre uma
continuidade espacial dos diferentes
tipos de comunidades clmax (gradiente
fisionmico), variando paralelamente
com o gradiente ambiental, e no
necessariamente diferentes comunidades
clmax discretas separadas, como no
conceito de policlmax. Eiten (1972)
tambm considerou o bioma Cerrado
dentro do conceito clmax-gradiente de
Whittaker.
87
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
Assim cada um dos tipos fisio-
nmicos considerado aqui como um
tipo de clmax. Na ocorrncia do fogo,
todos os tipos fisionmicos sofrem um
processo de regresso para uma
fisionomia (estgio) mais aberta, com
desenvolvimento do estrato inferior
dominado por gramneas e diminuio
do componente lenhoso arbustivo
arbreo (Figura 6). Com uma alta
freqncia de queima, espcies arbreas
sensveis ao fogo no conseguem manter
uma taxa positiva de crescimento
populacional, particularmente as
espcies arbreas do cerrado (Figura 6).
Figura 7
Modelo conceitual de
sucesso e regresso
das fisionomias dos
cerrados, em funo
da profundidade do
solo e do fogo no
Brasil central.
Com a proteo contra o fogo pode se
iniciar o processo de sucesso da
vegetao. Um modelo conceitual
resumindo as seqncias de estgios
sucessionais hipotticos apresentado
na Figura 7. Segundo este modelo, as
fisionomias abertas dos cerrados (campo
limpo, campo sujo e cerrado sensu
stricto), ocorrendo em solos, profundos
e estando protegidas do fogo, podem
apresentar o estabelecimento e
crescimento das populaes de arbustos
e rvores (Henriques & Hay, 2002;
Hoffmann & Moreira, 2002). Este
incremento na densidade acom-
88
Henriques
panhado de aumento da cobertura e
altura da vegetao. Se no houver
impedimento edfico (Figura 4), a
vegetao poder evoluir at uma
fisionomia arbrea como o cerrado.
Considerando que a regio do bioma
do Cerrado pode estar apresentando uma
freqncia de fogo acima do regime
normal, devido ao antrpica,
provvel que as fisionomias abertas, em
particular a de cerrado sensu stricto em
reas sem impedimento edfico, estejam
em diferentes estgios sucessionais aps
o fogo, em uma fisionomia com
vegetao mais desenvolvida.
Esta hiptese tem vrias implicaes
para estudos ecolgicos de vegetao,
principalmente em estudos fitosso-
ciolgicos comparativos entre reas com
cerrado sensu stricto. Considerando que
estas reas podem ter diferentes histrias
do fogo, e se acharem em diferentes
estgios sucessionais, os resultados de
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anlises de similaridade florstica entre
elas, podem apresentar nenhuma
congruncia espacial, por exemplo, com
reas prximas geograficamente
apresentando menor similaridade
florstica do que reas mais afastadas,
por se encontrarem em diferentes
estgios sucessionais aps o fogo.
Este captulo apresenta a existncia
de correspondncia entre atributos e
processos da vegetao em relao a trs
fatores fundamentais: histria, solo e
fogo. Esses trs fatores so considerados
os agentes que determinam a forma e a
ocorrncia das fitofisionomias do cerrado
sensu lato e floresta estacional. No
entanto, embora ajudem precisamente a
entender os resultados disponveis no
momento, servindo para estabelecer
futuras prioridades de pesquisa, so
necessrias mais informaes de modo
a aceitar ou rejeitar as hipteses aqui
apresentadas.
Composio florstica de vereda no
municpio de Uberlndia, MG. Rev. Bras.
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Histria, solo, fogo e fitofisionomias
Heloisa Sintora Miranda
Margarete Naomi Sato
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Captulo 4 Captulo 4
Captulo 4 Captulo 4 Captulo 4
Efeitos do
fogo na
vegetao
lenhosa do
Cerrado
F
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:

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Captulo 4 Captulo 4
Captulo 4 Captulo 4 Captulo 4
Efeitos do
fogo na
vegetao
lenhosa do
Cerrado
Heloisa Sintora Miranda
Margarete Naomi Sato
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
F
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94
Henriques
Histria, solo, fogo e fitofisionomias
95
INTRODUO
As formas fisionmicas mais
comuns do Cerrado caracterizam-se por
possuir um estrato rasteiro bastante
desenvolvido, constitudo princi-
palmente por gramneas, e um estrato
lenhoso no muito denso, onde as copas
das rvores no formam um dossel
contnuo (Ribeiro & Walter, 1998). A
vegetao apresenta fenologia
marcadamente sazonal, havendo grande
produo de biomassa durante a estao
chuvosa (outubro a maio). Na estao
seca, as gramneas, em sua maioria,
esto inativas e a maior parte de sua
biomassa area seca morre favorecendo
a ocorrncia de incndios (Klink &
Solbrig, 1996). O registro mais antigo de
fogo na regio do Cerrado data de 32000
A.P. (Ferraz-Vicentini, 1993),
provavelmente sendo de origem natural.
Registros mais recentes, 13700 A.P. e
8600 A.P., so apresentados por Oliveira
(1992) e Coutinho (1981), podendo ser
de origem natural ou antrpica (Salgado-
Labouriau & Ferraz-Vicentini, 1994).
Estudos recentes realizados por Ramos
Neto & Pivello (2000), no Parque
Nacional de Emas (GO), mostram que
incndios de Cerrado iniciados por raios
ocorrem de setembro a maio, no final
da estao seca e durante a estao
chuvosa. As queimadas destinadas ao
preparo da terra para o plantio de gros
ou ao manejo de pastagens naturais ou
plantadas so, geralmente, realizadas
durante a estao seca (Coutinho, 1990).
Embora, a vegetao lenhosa do Cerrado
apresente caractersticas adaptativas ao
fogo (Eiten, 1994; Coutinho, 1990), as
queimadas durante a poca seca podem
resultar em mudanas mais significativas
na estrutura e composio florstica da
vegetao do que as queimadas
provocadas na poca chuvosa.
Apresentamos neste captulo uma
reviso dos dados disponveis na
literatura sobre os efeitos do fogo na
vegetao lenhosa do Cerrado. Nesta
discusso, a expresso queimada est
restrita quelas prescritas e os termos
fogo ou incndio se referem s
queimadas no prescritas ou de origem
desconhecida.
Diferentes tipos de danos na
vegetao lenhosa tm sido relatados,
principalmente nos padres repro-
dutivos, no recrutamento e estabele-
cimento de novos indivduos e taxas de
mortalidade. Estes sero os efeitos do
fogo abordados neste captulo.
96
Miranda & Sato
FLORAO
Uma intensa florao aps a
passagem do fogo tem sido amplamente
relatada para a vegetao do estrato
rasteiro do Cerrado (Freitas, 1998;
Haddad & Vlio, 1993; Csar, 1980;
Coutinho, 1976). Todavia, poucos so os
estudos sobre a resposta imediata da
vegetao lenhosa. Miranda (1995) em
estudo da fenologia de um cerrado sensu
stricto, em Alter-do-Cho (PA), registrou
que imediatamente aps um incndio
no houve alterao significativa na
florao do estrato arbreo. Um ms
antes da ocorrncia do fogo havia oito
espcies em florao, e cinco espcies
um ms aps a queima. Para Byrsonima
crassifolia houve uma pequena reduo
do nmero de indivduos em florao
aps a queima e Himatanthus falax
floresceu mais intensamente, com cerca
de 26% dos indivduos apresentando
flores. Todavia, cerca de 60% dos
indivduos com flor apresentavam mais
de 5m de altura, sendo portanto, bem
maiores que a altura mdia das chamas
(Frost & Robertson, 1987) e altos, o
suficiente, para no permanecerem, por
um perodo muito longo, expostos
coluna de ar quente. Para queimada de
campo sujo, Freitas (1998) registrou a
florao de Erythroxylum suberosum,
Stryphnodendron adstringens, Byrsonima
coccolobifolia, Byrsonima verbascifolia e
Palicourea rigida entre 14 e 94 dias aps
queimadas experimentais.
Efeitos do fogo na produo de flores
no perodo seguinte ocorrncia de
incndios ou queimadas tm sido
relatados com maior freqncia. O fogo
parece no alterar a produo de flores
de Kielmeyera coriacea, Roupala
montana e Stryphnodendron adstringens.
Landim & Hay (1996) observaram que,
um ano aps a ocorrncia do fogo, no
h diferena significativa na produo
de botes florais e flores de K. coriacea
entre uma rea protegida de queima e
outra queimada no final da estao seca.
Felfili et al. (1999) em estudo de longa
durao sobre fenologia de S.
adstringens, no observaram diferena
significativa para a produo de flores,
um ano aps um incndio em rea de
cerrado sensu stricto. Ao comparar
resultados obtidos em uma rea de
cerrado sensu stricto protegida de queima
por mais de sete anos e reas queimadas
h um, dois e trs anos, Hoffmann
(1998) mostra que o perodo aps
queima no resultou em diferenas
significativas na produo de flores de
R. montana, embora tenha ocorrido uma
reduo na porcentagem de indivduos
com flores. Miyanishi & Kellman (1986)
observaram que o mximo da florao
de Miconia albicans ocorreu no terceiro
perodo reprodutivo aps a passagem do
fogo, enquanto Hoffmann (1998) e
Sanaiotti & Magnusson (1995)
observaram a produo mxima de flores
ao final de um perodo de dois anos aps
a queima. Piptocarpha rotundifolia
apresenta uma resposta positiva
ocorrncia de queimadas, sendo o
nmero de captulos produzidos no
primeiro ano aps a queimada,
significativamente maior do que em uma
rea sem queima (Hoffmann, 1998).
Embora sem registrar as espcies,
Miranda (1995) relata que um ano aps
um incndio em cerrado sensu stricto o
nmero de espcies em florao no
diferiu significativamente do registrado
antes da ocorrncia do fogo.
Os diferentes efeitos do fogo na
produo de flores podem estar
refletindo a fenofase da espcie no
momento da queima: danos parciais,
como morte de ramos resultando na
diminuio no porte do indivduo; ou a
ocorrncia de morte total da parte area,
com investimento preferencial na
97
Fogo e vegetao lenhosa
produo de rebrotas, ao invs de em
rgos reprodutivos (Medeiros, 2002;
Hoffmann, 1998).
PRODUO DE FRUTOS E DE
SEMENTES
Na vegetao do Cerrado, algumas
espcies apresentam frutos tolerantes s
altas temperaturas durante a passagem
da frente de fogo (Cirne, 2002; Landim
& Hay, 1996; Coutinho 1977), porm
muitas sofrem um efeito negativo (Felfili
et al., 1999; Miranda, 1995; Sanaiotti &
Magnusson, 1995). Landim & Hay (1996)
observaram que para indivduos de K.
coriacea, com altura entre um e trs
metros, o fogo danificou cerca de 60%
dos frutos, enquanto que em uma rea
protegida contra a queima apenas 8%
dos frutos apresentavam dano. Cirne
(2002) mostrou que os frutos de K.
coriacea so eficientes na proteo das
sementes durante queimadas. A
temperatura mxima externa dos frutos
pode atingir valores entre 390
o
C a 730
o
C,
dependendo da sua posio na copa,
enquanto que no interior do fruto a
temperatura mxima da ordem de 62
o
C,
sendo de cerca de 100s a permanncia
de temperatura superior a 60
o
C, no
afetando a viabilidade das sementes. O
autor tambm registrou um aumento
significativo na deiscncia de frutos aps
a passagem do fogo, confirmando que o
fogo promove a abertura de frutos de
algumas espcies do Cerrado, como j
reportado para Anemopaegma arvenses,
Gomphrena macrocephala, Jacaranda
decurrens e Nautonia nummularia,
espcies anemocricas do estrato
herbceo-subarbustivo (Coutinho,
1977).
Sanaiotti & Magnusson (1995)
apresentam resultados sobre o efeito de
diferentes regimes de queima (duas
queimadas anuais, dois anos sem
queima e mais duas queimadas anuais)
na produo de frutos em rvores e
arbustos em um cerrado na Amaznia.
Os diferentes regimes de queima
resultaram em diferentes efeitos na
produo de frutos para as espcies
arbreas e arbustivas. Considerando as
espcies arbreas presentes na rea,
Anacardium occidentale, Byrsonima
coccolobifolia, B. crassifolia, Myrcia sp.,
Pouteria ramiflora e Simarouba amara,
os autores concluram que o fogo no
alterou o nmero de espcies
frutificando, quando comparado ao
perodo sem queima. Sanaiotti &
Magnusson (1995) atribuem essa
resposta altura das copas, geralmente
acima 1,5m (evitando a ao direta das
chamas), e eficiente proteo oferecida
pela casca espessa destas espcies. No
foi observado um nico padro de
produo de frutos ps-fogo para as
espcies arbustivas. Algumas espcies
no tiveram a produo de frutos
alterada pela queimada, outras
apresentaram um atraso no perodo de
frutificao ou somente produziram
frutos no ano seguinte ocorrncia do
fogo, e algumas espcies, como
conseqncia da grande reduo da parte
vegetativa, necessitariam de trs ou mais
anos para retornar a situao pr-fogo.
Em um estudo sobre o sucesso
reprodutivo de Byrsonima crassa, aps
a ocorrncia de um incndio no final da
estao seca em rea de cerrado sensu
stricto, Silva et al. (1996) concluram que
o fogo estaria estimulando a produo
de botes e frutos. Hoffmann (1998)
observou que os frutos e sementes de
Miconia albicans, Myrsine guianensis,
Roupala montana, Periandra
mediterranea, Rourea induta e
Piptocarpha rotundifolia foram
danificados por uma queimada ocorrida
no final da estao seca. Todas as
98
Miranda & Sato
espcies, exceto P. rotundifolia,
apresentaram um declnio na produo
de sementes como resposta queimada.
Segundo o autor, o decrscimo no
nmero de sementes conseqncia da
reduo no tamanho dos indivduos e
do investimento em reproduo
vegetativa. Andrade (2002), em estudo
sobre a recuperao do banco de
sementes no solo de uma rea de cerrado
sensu stricto queimada em agosto, no
meio da estao seca, determinou que
10 meses aps a queima o nmero de
sementes viveis de M. albicans era de
40 sementes/m
2
, quatro vezes maior do
que o determinado no dia anterior
queimada. Felfili et al. (1999), em estudo
sobre fenologia de Stryphnodendron
adstringens, observaram que um
incndio ocorrido no final da estao
seca, afetou a produo de frutos. A
frutificao ocorreu no segundo ano aps
o incndio e o nmero de frutos
produzidos foi a metade daquele
registrado no perodo pr-fogo. Miranda
(1995) em estudo da fenologia de um
cerrado sensu stricto registrou que, um
ms aps a ocorrncia de um incndio,
houve uma reduo de 33% no nmero
de espcies com frutos, e que aps um
ano, apenas sete das 19 espcies
inventariadas apresentavam frutos.
Embora esses estudos avaliem efeitos do
fogo na produo de frutos e sementes
para vrias espcies lenhosas do
Cerrado, h ainda a necessidade de
estudos de longa durao para melhor
avaliao desses efeitos quando
associados s variaes temporais na
fenologia das espcies.
SOBREVIVNCIA DE PLNTULAS E
INDIVDUOS JOVENS
Embora na literatura sobre
estratgias reprodutivas da vegetao do
Cerrado seja dada nfase para a
reproduo vegetativa de um grande
nmero de espcies lenhosas (Rizzini,
1971; Ferri, 1961), Kanegae et al. (2000),
Braz et al. (2000), Nardoto et al. (1998),
Oliveira & Silva (1993) reportam que as
plntulas de espcies lenhosas do
Cerrado so capazes de sobreviver ao
estresse imposto pela longa estao seca.
Durante esse perodo, o fogo tambm
pode representar mais um fator a
dificultar o estabelecimento das plntulas
(Braz et al., 2000; Oliveira & Silva, 1993).
Hoffmann (1996) investigou o efeito
de diferentes regimes de queima no
estabelecimento de plntulas de
Brosimum gaudichaudii, Guapira noxia,
Kielmeyera coriacea, Miconia albicans,
Myrsine guianensis, Periandra
mediterranea, Roupala montana, Rourea
induta e Zeyheria montana. Para isso, o
sucesso no estabelecimento foi
comparado entre uma rea de cerrado
sensu stricto protegida de queima por
mais de sete anos, e reas queimadas h
um ano, dois anos, e na estao seca
anterior. Os resultados mostram que,
para todas as espcies, o estabelecimento
de plntulas foi menor na rea
recentemente queimada do que nos
outros tratamentos, mas que no houve
diferena significativa no estabeleci-
mento entre a rea protegida e aquelas
queimadas h um e dois anos.
Oliveira & Silva (1993) em estudos
sobre biologia reprodutiva de K. coriacea
mostraram que apenas 5% das plntulas
morreram como conseqncia do fogo
acidental que ocorreu na primeira
estao seca aps o estabelecimento. Os
autores atribuem a alta taxa de
sobrevivncia dessa espcie ao rpido
desenvolvimento do sistema radicular,
acumulando gua e reservas de amido,
nos primeiros estdios de desenvol-
vimento da plntula. Braz et al. (2000),
em estudo sobre estabelecimento e
99
Fogo e vegetao lenhosa
desenvolvimento de plntulas de
Dalbergia miscolobium, em uma rea de
cerrado sensu stricto, tambm
determinaram baixa taxa de mortalidade
(14%) aps um incndio, no final da
estao seca e seguinte ao estabe-
lecimento. As plntulas sobre-
viventes rebrotaram a partir da base,
ocorrendo crescimento acentuado da
parte area nos primeiros meses aps o
fogo, resultando em um incremento de
5,5cm na parte area ao final da estao
chuvosa.
Para Blepharocalyx salicifolius,
Matos (1994) determinou aps
queimadas prescritas, taxas de
mortalidade de cerca de 90% para
plntulas e 50% para os indivduos
jovens. As rebrotas a partir da base foram
da ordem de 10% e 4% para plntulas e
para juvenis, respectivamente. O
tamanho crtico para sobrevivncia de
juvenis foi estimado em 50cm de altura
e 0,6cm de dimetro basal. Para plntulas
de M. albicans, Miyanishi & Kellman
(1986) determinaram mortalidade de
40% aps queima, e estabeleceram a
altura crtica para tolerncia ao fogo
como sendo entre 4,3 e 7,5cm. Hoffmann
(1998) observou que queimadas bienais
resultavam em altas taxas de mortalidade
para plntulas e vergnteas de cinco
espcies lenhosas do Cerrado. Para
plntulas de M. albicans a mortalidade
foi de aproximadamente 100%, 86%
para M. guianensis, 64% para R.
montana, 50% para P. mediterranea e
de 33% para R. induta. Entretanto, para
vergnteas de M. guianensis, R. montana
e R. induta, com dimetro entre 1,7 e
2,4mm, foi observada alta taxa de
sobrevivncia. Esses estudos mostram
que o estabelecimento e desenvol-
vimento das plntulas esto relacionados
ao intervalo entre queimas, com
queimadas freqentes favorecendo a
reproduo vegetativa. Com curtos
intervalos entre queimadas, as plntulas
no se desenvolvem o suficiente para
atingir o tamanho crtico de escape ao
fogo, e as sucessivas rebrotas resultam
em exausto dos rgos de reserva
(Whelan, 1995).
TAXAS DE MORTALIDADE E
SOBREVIVNCIA DE REBROTAS
Embora muitas espcies do Cerrado
apresentem caractersticas morfolgicas
de resistncia ao fogo - como casca
espessa, proteo de gemas e rgos
subterrneos - e fisiolgicas como a
translocao de nutrientes para tecidos
subterrneos no incio da seca
(Coutinho, 1990), diferentes tipos de
danos na vegetao lenhosa tm sido
relatados. Esses danos so classificados
como leves, com chamuscamento e
queda das folhas, ou morte dos ramos
mais finos (Ramos, 1990); severos, que
incluem a morte da parte area com
rebrota basal e(ou) subterrnea
(topkill); ou permanentes, resultando
na morte do indivduo (Sato, 2003; 1996;
Rocha e Silva, 1999; Souza & Soares,
1983). O conjunto desses danos resulta
na alterao da composio de espcies
e na estrutura da vegetao (Sato, 2003;
Sato et al., 1998).
A rpida recuperao ps-fogo, via
rebrotas na parte epigia, a partir de
razes gemparas ou da parte basal do
tronco tem sido amplamente reportada
na literatura (Sato, 2003; 1996; Rocha e
Silva, 1999; Cardinot, 1998; Coutinho,
1990; Ramos, 1990; Souza & Soares,
1983). Para espcies lenhosas de campo
sujo, Rocha e Silva (1999) mostrou que,
aps trs queimadas bienais, cerca de
35 a 65% dos indivduos apresentaram
exclusivamente rebrotas na parte epigia
e que apenas 19% dos indivduos
apresentavam rebrotas basais ou
100
Miranda & Sato
subterrneas. Para o cerrado sensu
stricto, Sato (1996) observou que, aps
duas queimadas bienais, cerca de 66%
da vegetao lenhosa apresentou rebrota
na parte epigia e 20% rebrotas basais
ou subterrneas. Para cerrado, aps um
incndio em rea que estava protegida
contra o fogo por 50 anos, Souza &
Soares (1983) observaram um padro
inverso, 3% dos indivduos apresen-
taram rebrotas na parte epigia e 77%
exclusivamente rebrotas basais.
Queimadas recorrentes podem ter
um grande impacto na sobrevivncia de
rebrotas. Medeiros (2002) mostrou que
cerca de 60% das rebrotas que morrem
em conseqncia de queimadas
apresentam altura de at 60cm, que
corresponde zona de temperaturas
mximas determinadas para queimadas
de Cerrado (Sato, 1996; Miranda et al.,
1996; 1993). Medeiros (2002) mostrou
tambm que cerca de 70% dessas
rebrotas apresentam dimetro basal entre
0,5 e 1,5cm, indicando que as rebrotas
no apresentam uma proteo efetiva da
casca contra as altas temperaturas. Rocha
e Silva & Miranda (1996) e Guedes
(1993) determinaram uma espessura
mnima de 6 a 8mm para que a casca
oferea uma proteo efetiva ao cmbio
durante queimadas de Cerrado. Nos
ramos mais baixos, nas rebrotas ou nos
indivduos jovens que no apresentem
casca espessa, a temperatura no cmbio
pode ultrapassar 60
o
C por perodos
longos o suficiente para causar a morte
do tecido (Rocha e Silva & Miranda,
1996; Guedes, 1993).
O efeito de duas queimadas anuais
em indivduos de pequeno porte, isto ,
entre 20 e 100cm de altura e dimetro
basal maior que 1,5cm, foi investigado
por Armando (1994) para nove espcies
lenhosas em rea de cerrado sensu
stricto. As duas queimadas resultaram
em uma reduo de cerca de 4% no
nmero de indivduos. O autor mostrou
tambm que ocorreu uma reduo da
ordem de 10cm na altura dos indivduos,
indicando que queimadas freqentes
podem atrasar o crescimento dos
indivduos retardando a passagem para
o estdio reprodutivo. Ramos (1990)
observou que indivduos lenhosos com
altura at 128cm e com dimetro, a 30cm
do solo, menores de 3cm so seriamente
danificados durante queimadas. Sato
(1996), em estudo sobre mortalidade da
vegetao lenhosa em cerrado sensu
stricto, mostrou que aps uma queimada
os indivduos com altura entre 30 e
200cm, foram aqueles que apresentaram
maior taxa de mortalidade (40%) e que,
como conseqncia dos danos sofridos,
uma queimada realizada dois anos
depois, fez com que a mortalidade para
os indivduos com altura inferior a 2m
aumentasse para cerca de 70%.
Sato (2003) calculou taxas de
mortalidade para a vegetao lenhosa de
cerrado sensu stricto submetida a
queimadas prescritas nos meses de
junho, agosto e setembro. Aps cinco
queimadas bienais a mortalidade foi de
39% na rea queimada em junho, e
cerca de 45% nas reas queimadas em
agosto e setembro. Ao considerar
o total de caules destrudos
(topkill + mortos) estes valores
passam a ser da ordem de 44% para a
rea queimada em junho, 59% para a
queimada em agosto e 75% para a
queimada em setembro, indicando um
efeito diferenciado do fogo na vegetao
lenhosa em relao poca da queima,
isto porque vrias espcies lenhosas do
Cerrado renovam as folhas, florescem ou
frutificam durante a estao seca
(Oliveira & Gibbs, 2000).
Para campo sujo, Medeiros (2002)
mostrou que trs queimadas anuais
101
Fogo e vegetao lenhosa
realizadas no meio da estao seca, aps
25 anos de proteo contra o fogo,
resultaram na morte de 37% dos
indivduos lenhosos presentes na rea e
77% de caules destrudos. Rocha e Silva
(1999) em estudo sobre o efeito de
diferentes regimes de queima na
vegetao lenhosa de campo sujo
mostrou que, aps proteo contra fogo
por 18 anos, trs queimadas bienais em
meados da estao seca, reduziram em
20% o nmero de indivduos lenhosos
na rea de estudo e, em rea adjacente,
submetida a duas queimadas qua-
drienais, a mortalidade foi de 21%.
Entretanto, ao considerar o nmero de
caules destrudos o autor obteve valores
da ordem de 33% para a rea sob regime
bienal e de 54% para a rea sob regime
quadrienal. A diferena no nmero de
caules destrudos apresentados por
Medeiros (2002) e Rocha e Silva (1999)
pode ser consequncia do limite mnimo
adotado para o dimetro dos indivduos
inventariados. Medeiros (2002) incluiu
todos os indivduos com dimetro igual
ou superior a 2,0cm, enquanto que
Rocha e Silva (1999) adotou 5,0cm como
dimetro mnimo. Estes estudos mostram
que, embora a vegetao lenhosa
apresente adaptaes de proteo contra
o fogo, queimadas sucessivas com
intervalos de um a quatro anos, comuns
na regio do Cerrado (Coutinho, 1990;
1982), resultam em altas taxas de
mortalidade e de topkill com alteraes
significativas na estrutura da vegetao.
A alterao na estrutura e
composio da vegetao resultante de
queimadas sucessivas foi investigada por
Andrade (2002) em estudo do banco de
sementes do solo em uma rea de
cerrado sensu stricto submetida a quatro
queimadas bienais e em outra protegida
do fogo por 25 anos. A autora mostra
que o banco de sementes nas duas reas
significativamente diferente. O banco
de sementes viveis de mono-
cotiledneas da rea queimada
apresentou cerca de 103 sementes/m
2
enquanto que o da rea protegida apenas
23 sementes/m
2
. J o banco de sementes
de dicotiledneas foi maior na rea
protegida (23 sementes/m
2
) do que na
rea queimada (6 sementes/m
2
). O
favorecimento das gramneas tambm foi
observado por Sato (2003) ao mostrar
que aps 18 anos de proteo contra o
fogo, as gramneas representavam cerca
de 45% do total de biomassa do estrato
rasteiro, e que aps cinco queimadas
bienais passaram a representar cerca de
70%. Estes estudos indicam que a
alterao na estrutura da vegetao
lenhosa resultante de queimadas
sucessivas, via altas taxas de mortalidade
e topkill, resultam em sistemas com
fisionomias mais abertas, com o
favorecimento das gramneas em relao
s lenhosas. O que por sua vez, pode
tornar o sistema mais susceptvel a
queimadas durante a estao seca
dificultando a regenerao do sistema
para sua forma fisionmica pr-fogo.
CONSIDERAES FINAIS
Embora ainda no tenhamos
informao sobre a frequncia de eventos
de incndios naturais no Cerrado, vrios
estudos mostram que o fogo vem
ocorrendo h milhares de anos. Estudos
recentes mostram tambm que os
incndios causados por raios ocorrem
preferencialmente no perodo de
transio entre a estao seca e chuvosa
e, em maior frequncia, durante a
estao chuvosa. Porm, com a ocupao
do Cerrado para fins agropastoris o
regime natural de queima tem sofrido
alteraes, com as queimadas sendo
realizadas durante a estao seca e com
intervalo entre queima de um a quatro
anos. O conhecimento sobre os efeitos
102
Miranda & Sato
do fogo na vegetao lenhosa do
Cerrado, sintetizado nesta reviso,
sugere que estas alteraes no regime de
queima resultam em fisionomias mais
abertas como consequncia das altas
taxas de mortalidade, alteraes nas
taxas de recrutamento e favorecimento
da vegetao do estrato rasteiro. Embora
a literatura sobre o assunto seja
considervel, fica evidente o pequeno
nmero de espcies estudadas, quanto
resposta ao fogo, em relao alta
diversidade de espcies lenhosas deste
Bioma. Poucos so os estudos de longa
durao que analisam o efeito do fogo
em populaes e comunidades e raros
aqueles que investigam os efeitos do fogo
no funcionamento do sistema, quer seja
na taxa de absoro de carbono ou de
uso de gua (Breyer, 2001; Santos, 1999;
Silva, 1999; Miranda et al., 1997), bem
como estudos relacionados
recuperao do sistema. Portanto,
necessrio ampliar o nmero de espcies
estudadas, iniciar estudos sobre
recuperao de reas submetidas a
queimadas freqentes e tambm sobre
aqueles relacionados aos processos e
funcionamentos do sistema, para que o
fogo, como ferramenta de manejo, possa
ser utilizado com critrio e segurana
para a manuteno da diversidade da
vegetao lenhosa do Cerrado.
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Captulo 5 Captulo 5
Captulo 5 Captulo 5 Captulo 5
Alguns
aspectos sobre
a Paleoecologia
dos Cerrados
F
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O
:

M
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L
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O
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R
I
A
U
Captulo 5
108
Miranda & Sato
Fogo e vegetao lenhosa
109
INTRODUO
Nas dcadas de 1960 e 1970 muitos
eclogos acreditavam que os cerrados e
outros tipos de savana eram o resultado
do desmatamento e queima das florestas.
A vegetao natural das terras baixas
tropicais seria a floresta. Infelizmente,
estas idias ainda perduram em certos
meios.
Quando, no final dos anos de 1970,
ns apresentamos um projeto para
estudar os sedimentos do lago de
Valncia a 403m altitude, na Venezuela,
com o propsito de conhecer a histria
deste lago, e a vegetao e clima da regio
em torno no final do Quaternrio, o
projeto foi considerado sem sentido por
alguns eclogos e botnicos. Eles
acreditavam que toda a regio, onde se
situa o lago, era coberta por florestas
tropicais midas que foram cortadas e
destrudas pelos europeus a partir do
sculo 18 para formar pastagens de
criao de gado e para agricultura.
O estudo dos sedimentos do lago foi
realizado por um grupo de cientistas de
diferentes especialidades e mostrou que
a realidade era outra (Salgado-Labouriau,
1980; Bradbury et al., 1981). Ao contrrio
do que se supunha, por volta de 13.000
AP (anos antes do Presente) no havia
lago na regio, mas um pntano ou lagoa
intermitente onde hoje est o grande lago
com cerca de 40m de profundidade.
Nesse tempo a vegetao em torno do
pntano era do tipo semi-rido e sem
rvores. Essa situao continuou at
cerca que 10.000 anos atrs quando os
estudos geoqumicos e o registro de
microfsseis mostraram o incio da
formao de uma lagoa salobra com
diatomceas e ostracodes de gua
salgada e uma vegetao de plantas
halfitas nas margens. Nessa poca
comea a ser depositado o plen de
algumas rvores. O registro palinolgico
mostra, entre outros, a presena dos
gneros Spondias e Bursera, duas rvores
comuns na vegetao do espinar
(Schnee, 1973, entre outros), que
semelhante caatinga do Brasil, e
ocorrem nela tambm (Joly, 1979).
Por volta de 8.700 anos radiocar-
bnicos Antes do Presente (AP)
diatomceas, ostracodes e plantas
halfitas foram substitudas por txons
de gua doce. Isso indica que a
salinidade comeou a diminuir e a lagoa
110
Salgado-Labouriau
a aumentar (Bradbury et al., 1981). Um
lago de gua doce comeou a se formar
e a crescer e se manteve como tal, at o
presente, com pequenas oscilaes de
salinidade.
A partir da o vale de Valencia
passou a ser coberto por uma savana,
semelhante ao cerrado, e por matas
decduas. Nas encostas das montanhas
que circundam o lago surgiram faixas
altitudinais de floresta a partir de 1.000m
de altitude. O clima, que no final do
Pleistoceno era semi-rido, passou a
semi-mido, com uma estao seca
pronunciada durante a qual ocorre pouca
ou nenhuma precipitao de chuva.
Nesse tempo, indgenas pr-colombianos
ocuparam vrios stios em volta do lago
e a populao j era grande quando
chegaram os espanhis na regio, por
volta do sculo 18. A partir da houve
grande desmatamento devido
introduo de agricultura e gado
europeu.
Idias semelhantes em relao ao
lago de Valncia, de que as vegetaes
abertas como os campos e os cerrados
seriam resultados de distrbios
antropognicos (ver comentrios em
Salgado-Labouriau, 1980; Bradbury et
al., 1981), dominavam entre os bilogos
e eclogos do Brasil, da mesma forma
que na Venezuela, nas dcadas de 1960
e 1970. Segundo F.K. Rawittscher e
alguns outros pesquisadores, o cerrado
era uma formao vegetal secundria
resultante do fogo e do desmatamento
feito pelo homem para criao de reas
de agricultura e pecuria. Veja
comentrios a respeito em Beard (1953)
e L. Labouriau (1966, p. 27-29).
Nos anos de 1960 surgiu uma outra
hiptese para explicar a existncia dos
cerrados, defendida por Luiz G.
Labouriau. Ele argumentava que este tipo
de vegetao deveria ser muito antigo
porque havia muitos pares de espcies
vicariantes entre a mata seca e o cerrado
e, principalmente, porque existiam mais
de mil espcies de Angiospermas
exclusivas dos cerrados. Esta diversidade
no poderia ter surgido nos 400 anos de
colonizao europia, nem poderiam ter
se especiado tantos txons durante os
10 ou 12 mil anos de ocupao da rea
pelos indgenas. As duas hipteses foram
veementemente debatidas entre 1960 e
1973, como se pode constatar, por
exemplo, nas publicaes do Segundo
Simpsio sobre o Cerrado (Labouriau,
1966) e do Terceiro Simpsio sobre o
Cerrado (Ferri, 1971).
Estes dois pontos de vista
continuaram na literatura at o incio da
dcada de 1990: uma vegetao
secundria recente versus uma vegetao
natural muito antiga. Nessa poca
comearam a surgir as publicaes dos
primeiros resultados sobre a
paleovegetao da regio dos cerrados
que puseram um fim a este debate e
deram informaes relevantes sobre a
histria do ecossistema dos cerrados e
das matas da regio.
VEGETAO ATUAL DA REGIO
DOS CERRADOS
A regio dos cerrados constituda
por um mosaico de tipos de vegetao.
Nela ocorrem cerrados, campos, matas
secas decduas ou semidecduas, matas
de galeria, veredas (buritizais) e
formaes brejosas. O ecossistema dos
cerrados domina sobre todos os outros
tipos de vegetao e ocupa a maior parte
da rea (Warming, 1908; Labouriau,
1966; Pereira et al., 1990; Sano e
Almeida, 1998). Porm, o Cerrado no
um ecossistema simples, mas um
conjunto de savanas que vai desde uma
formao vegetal aberta com poucas
111
Paleoecologia
rvores e arbustos at uma formao
fechada onde as copas das rvores quase
se tocam (cerrado). Em todos eles as
gramneas dominam o estrato inferior.
As rvores so relativamente baixas,
geralmente tortuosas e com folhas
espessas. Em algumas reas elas esto
ausentes e o cerrado arbreo
substitudo por um cerrado arbustivo.
Em todos os tipos de cerrado as famlias
dominantes so as Gramineae,
Compositae e Leguminosae (Tabela. 1).
Esta ltima inclui cerca de 400 espcies
de rvores, arbustos e ervas de
Caesalpinoideae, Papilionoideae e
Mimosoideae exclusivas dos cerrados
(Mendona et al., 1998). Cerca de 90
famlias de dicotiledneas e. oito de
monocotiledneas ocorrem nos cerrados.
As Gimnospermas esto ausentes e as
Pteridfitas esto reduzidas a algumas
espcies.
Outros tipos de vegetao ocorrem
na regio dos cerrados. Existem algumas
reas de campo onde muitas ervas dos
cerrados crescem junto s espcies
tpicas dos campos, h reas de mata
seca, semidecdua ou decdua e os
capes de mata. Ao longo dos numerosos
cursos de gua que cortam a regio,
existem matas de galeria, brejos,
pntanos e veredas (buritizais).
Podocarpus o nico gnero de
Gimnospermas que ocorre na regio,
mas ele s cresce nas matas secas e de
galeria. As veredas (ou buritizais) so
terrenos permanentemente inundados,
geralmente cortados por um curso de
gua, e que so caracterizadas pela
palmeira Mauritia (buriti) que pode
ocorrer em grande nmero (Ferraz-
Vicentini & Salgado-Labouriau, 1998;
Barberi et al., 2000).
Tabela 1. Distribuio dos gneros das famlias mais freqentes de
Angiospermas na regio dos cerrados. Baseada na lista dada por
Mendona et al. (1998)
*
Inclui matas midas, secas, semidecduas e de galeria.
**
Inclui o cerrado propriamente dito, os campos, matas, florestas de galeria, pntanos, veredas e buritizais.
112
Salgado-Labouriau
A maior parte dos cerrados, do
cerrado e das matas secas do Brasil
Central est sendo destruda nestes
ltimos 40 anos medida que a
populao humana cresce. A vegetao
original foi substituda em muitas reas
por pastagens e, ultimamente, por
extensas plantaes de soja. Ainda
existem algumas reas com um cerrado
pouco perturbado, principalmente, em
parques nacionais e reservas.
As queimadas so comuns na
estao seca e as plantas dos cerrados
tm vrios tipos de adaptao
morfolgica e fisiolgica ao fogo e seca
prolongada. Fogo antropognico,
deliberado ou acidental, ocorre desde o
sculo 18. Entretanto, o estudo de
sedimentos em lagos, lagoas e veredas
mostram que o fogo natural existe pelo
menos desde 40.000 anos atrs (Salgado-
Labouriau e Ferraz-Vicentini, 1994;
Salgado-Labouriau et al., 1998).
ANLISES PALEOECOLGICAS
As anlises paleoecolgicas,
incluindo plen, esporos de fungos e
microalgas de sedimentos de cinco
localidades do Brasil Central j foram
publicadas: lagoa dos Olhos, MG (de
Oliveira, 1992), vereda perto de
Cromnia, GO (Ferraz-Vicentini e
Salgado-Labouriau, 1996; Salgado-
Labouriau et al., 1997), lagoa Santa, MG
(Parizzi et al., 1998), vereda das guas
Emendadas, DF (Barberi et al., 2000) e
lagoa Bonita, DF (Barberi, 2001).
Tambm foram estudados os ltimos
5.000 anos dos sedimentos da lagoa Feia,
GO (Ferraz-Vicentini, 1999) e as anlises
esto sendo completadas para os ltimos
10.000 anos. Alm destas, foram
estudadas outras localidades fora da rea
core dos cerrados. Os dados e concluses
destes trabalhos so revistos neste artigo.
No final da ltima glaciao
pleistocnica (Wrm-Wisconsin) a parte
superior das montanhas, acima de
3.250m de altitude, nos Andes tropicais
(Colmbia, Venezuela e Equador), estava
coberta por geleiras e gelo glacial
(Hastenrath, 1979; Schubert e
Clapperton, 1990; Clapperton, 1993) que
se estendiam a mais de mil metros abaixo
da linha atual das neves (4.700m de
altitude). Entre 36.000 e 28.000 anos
radiocarbnicos Antes do Presente (AP)
a parte alta dos Andes tropicais era muito
fria e mida (van der Hammen, 1974;
Hooghiemstra, 1984; Kuhry, 1988). Nas
localidades de cerrado, onde o registro
fssil atinge estas idades (Cromnia e
vereda de guas Emendadas) e no plat
de Carajs, no nordeste da Amaznia
(Absy et al., 1991; Soubis et al., 1991)
o clima era mido e relativamente frio
(Figura. 1). A temperatura no deve ter
descido tanto como nos Andes e
provavelmente era de alguns poucos
graus abaixo da atual. Entre 28.000 e
20.000 anos radiocarbnicos Antes do
Presente (AP), durante o ltimo mximo
glacial (LGM), os Andes eram muito frios
e secos, com temperaturas de 7
o
a 9
o
C
abaixo das mdias atuais. Entretanto, nos
cerrados, o clima ainda que fosse frio,
manteve a umidade da fase anterior e as
anlises mostram que o plen arbreo
abundante nessa poca, indicando que
havia mais rvores que no presente.
Durante essa fase mida e fria os
conjuntos de palinomorfos mostram
plen arbreo do cerrado (Byrsonima,
Neea, Andira, Cassia, Stryphnodendron
e outras Leguminosas, Melastomatceas,
Combretceas, Mirtceas e Palmeiras de
savana) e cerca de 40 a 60% de plen
de Gramneas. Junto com eles encontra-
se plen arbreo de matas (Rapanea,
Hedyosmum, Ilex, Celtis, Salacia,
Symplocos, Podocarpus, Moraceae,
Cunoniaceae e outros) que indicam a
113
Paleoecologia
presena de matas com muitos
elementos de clima mais frio, junto s
lagoas e pntanos, sugerindo matas de
galeria. A presena de partculas de
carvo vegetal h mais de 36.000 AP em
todas as localidades estudadas de
Cerrado indica a presena de queimadas.
Esses resultados mostram que o
ecossistema do Cerrado estava presente
no Brasil Central a mais de 36.000 anos
AP e continua at o presente. Como os
indgenas brasileiros comearam a
povoar a regio por volta de 10.000 AP
e os assentamentos aumentaram
somente depois de 5.000 AP (Prous,
1992; Schmizt et al., 1997; Barbosa e
Schmitz, 1998), este ecossistema no foi
originado pela queima de florestas
sendo, portanto, uma vegetao natural.
Entretanto, os conjuntos de palinomorfos
indicam que as comunidades de plantas
desta fase fria e mida tinham uma
composio diferente das atuais e uma
Figura 1
Cronologia das mudanas do clima durante os ltimos 36 mil anos. esquerda,
seqncia das mudanas nos altos Andes tropicais. No centro, mudanas do
clima em sete reas de cerrado. direita, mudanas em duas reas de mata
dentro da regio de cerrados. Modificado de Salgado-Labouriau (1997).
114
Salgado-Labouriau
freqncia alta de rvores de clima mais
frio como Podocarpus, Hedyosmum, Ilex,
Symplocos e Cunoniaceae. Porm, como
a identificao palinolgica geralmente
limitada ao nvel de gnero fica difcil,
atualmente, quantificar as diferenas
entre as comunidades florestais
modernas e as do Pleistoceno Tardio.
Durante o LGM (ltimo mximo
glacial) a palmeira Mauritia (buriti),
caracterstica das veredas, buritizais e
morichales da regio dos cerrados e
de outras savanas do norte da Amrica
do Sul est ausente do registro
palinolgico da regio dos cerrados
apoiando a idia de que o clima era mais
frio que o presente. O limite mais ao sul
no qual esta palmeira ocorre em
veredas e buritizais nas partes oeste e
norte do Brasil Central, at
aproximadamente a 18

S. O buriti no
ocorre nas regies de cerrados mais ao
sul, onde a estao seca (inverno) mais
fria. A ausncia de Mauritia no final do
Pleistoceno e no incio do Holoceno
colaborou para a concluso de que o
clima na regio dos cerrados era mais
frio que no presente.
As anlises palinolgicas de duas
localidades de mata no Brasil Central,
na regio de Salitre, MG, nas lagoas de
Serra Negra (de Oliveira, 1992) e de
Salitre (Ledru, 1993; Ledru et al., 1996)
detectaram a presena de plen de
Araucaria junto com o plen de rvores
de mata no final do Pleistoceno (Figura
1). No presente, esta gimnosperma forma
florestas fechadas do Paran ao Rio
Grande do Sul (Floresta de Araucria) e
tambm ocorre como um elemento
dentro da parte superior da Mata
Atlntica na Serra do Mar, de So Paulo
at o Esprito Santo. Sua presena em
terras baixas do Brasil Central no final
do Pleistoceno e incio do Holoceno,
como um elemento de mata, refora o
fato de que a temperatura dos cerrados
nessa poca estava 3

a 4

C mais baixa
que a atual.
Foi somente entre 22.000 e 18.000
AP, durante o final do Pleniglacial dos
Andes tropicais, que a umidade comeou
a diminuir do norte para o sul nos
cerrados. Na lagoa de Carajs (Absy et
al., 1991; Soubis et al., 1991) e na
vereda de guas Emendadas (Barberi et
al., 2000) a deposio orgnica cessou
entre ~21.000-7.000 AP e foi substituda
por uma fina camada de areia que sugere
um hiato de sedimentao e a dessecao
destes stios. Em outras localidades de
cerrado, como em Cromnia, a umidade
diminuiu, mas ainda havia alguma para
manter pequenos pntanos e campos
(Salgado-Labouriau et al. 1998).
Por volta de 14.000 AP comeou a
deglaciao nos Andes e no resto do
mundo. Portanto, mais gua comeou a
ser liberada para a atmosfera e os
continentes devido ao derretimento das
geleiras. O nvel do mar comeou a subir.
Entretanto, o cerrado e outros
ecossistemas de savana continuaram sob
um forte stress hdrico.
O mximo da fase seca ocorreu entre
14.000 e 10.500 AP (Salgado-Labouriau,
1997). O pntano no plat de guas
Emendadas e a lagoa na Serra dos
Carajs secaram e provavelmente o topo
destas montanhas desertificou. Nas
savanas mais ao norte, na regio do lago
de Valncia, Venezuela, a vegetao era
semi-rida e o lago estava seco (hoje com
40m de profundidade); o local de
perfurao era um pequeno pntano ou
lagoa intermitente (Peeters, 1984;
Bradbury et al., 1981) e esta fase seca
terminou cerca de 10.000 AP. Estudos
recentes nas savanas da Colmbia
(Behling e Hooghiemstra, 1999)
apresentam tambm essa fase seca, com
pouca precipitao de chuvas no
115
Paleoecologia
Pleistoceno tardio e trmino cerca de
10.690 AP.
O mesmo retardo na resposta do
clima das savanas para entrar na fase
seca foi encontrado para sair dela. Ela
terminou por volta de 10.000 AP em
Carajs, em Valncia e nos Llanos
colombianos. Entretanto, mais ao sul,
nos cerrados do Brasil Central ela
perdurou at cerca de 7.000 AP (guas
Emendadas, Cromnia, Lagoa Bonita,
Lagoa dos Olhos e em Lagoa Santa). A
fase relativamente menos seca comea
com chuvas torrenciais, deslizamentos
de terra e grandes depsitos aluviais em
vrias partes do Brasil Central (Salgado-
Labouriau, 1997; Parizzi et al., 1998).
Depois de 5.000 AP, lagos, pntanos
e veredas comeam a se formar nos
cerrados do Brasil Central e o clima passa
para semi-mido com uma estao seca
prolongada de trs a cinco meses,
segundo a localidade. Este tipo de clima
continuou at o presente.
CONSIDERAES FINAIS
As anlises palinolgicas em reas
de cerrados citadas aqui, bem como
algumas anlises geoqumicas
((Bradbury et al., 1981; Soubis et al.,
1991; Salgado-Labouriau et al. 1997),
mostraram que a regio das savanas da
Amrica do Sul e, mais especialmente,
dos cerrados do Brasil Central, tinha um
clima mais mido e um pouco mais frio
que o atual de cerca de >36.000 AP at
cerca de 21.000-22.000 AP. Houve uma
mudana climtica para um clima mais
seco que o presente, em uma fase seca
que durou de aproximadamente 20.000
at cerca de 10.000 AP no norte e at
aproximadamente 7.000 AP no Brasil
Central. O mximo da fase seca foi entre
14.000 e 10.000 AP.
Em todas as reas tropicais j
estudadas nas Amricas houve um
abaixamento de temperatura, durante o
LGM, da ordem de 4

a 5

C. Entretanto,
a longa fase seca dos cerrados e savanas
no ocorreu em outras reas tropicais da
Amrica do Sul (Bush et al., 2001, e
referncias citadas ali). Com toda a
certeza no houve essa fase seca no final
do Pleistoceno nos Andes tropicais
(pramos e superpramos (veja, por
exemplo, van der Hammem, 1974;
Salgado-Labouriau, 1997). Nem ocorreu
nas reas florestais da Amaznia
ocidental (Colinvaux et al., 1996, 2000).
O estudo palinolgico de dunas fsseis
das caatingas do mdio rio So Francisco
tambm mostra um clima mais mido
que o presente no incio do Holoceno
(de Oliveira et al., 1999). Porm, o clima
no lago do Pires (Behling, 1995) na faixa
altitudinal de mata da Serra do
Espinhao, MG, era mais seco que o
atual de 9.700 a 5.500 AP.
Estes resultados, ainda que
preliminares porque a Amrica do Sul
tropical tem uma rea muito grande e
falta muito ainda para ser feito, sugerem
que as mudanas de temperatura so de
carter global ao passo que as oscilaes
e mudanas de umidade e precipitao
so de carter regional.
A seqncia de uma fase mida e
fria durante o LGM, seguida de uma fase
seca e fria durante a deglaciao, e
seguida de uma longa fase seca e quente
no comeo do Holoceno, sugere que esta
sequncia foi repetida a cada ciclo glacial
do Quaternrio. Portanto, durante 1,6
milhes de anos (e mais de 16
glaciaes) o cerrado e as comunidades
vegetais adjuntas a ele (campos, matas,
etc.) mudaram em rea e composio em
um equilbrio dinmico com as
mudanas no clima.
Na reconstruo da vegetao no
Brasil tropical, alguns antroplogos e
116
Salgado-Labouriau
zologos colocam a distribuio das
reas de cerrado durante a fase seca no
topo das montanhas, chapadas e plats,
e colocam as reas de vegetao semi-
rida, do tipo da caatinga, nos vales e
terras baixas entre montanhas. As
anlises palinolgicas nas localidades
dentro do ecossistema cerrado, conforme
demonstrado aqui, mostraram que o
inverso. O topo dos plats e chapadas
eram muito secos, com uma vegetao
rala, e a deposio de matria orgnica
foi substituda por areia nos depsitos.
No incio do Holoceno, os cerrados e
savanas s existiam nas depresses e
vales onde era possvel manter um pouco
de umidade.
A antiga hiptese de que a vegetao
dos cerrados uma formao vegetal
secundria resultante do corte e queima
das florestas pelo homem est hoje
comprovadamente incorreta. O registro
palinolgico mostra que o cerrado uma
vegetao resiliente que tem sido
queimada freqentemente durante pelo
menos 40.000 anos. O homem aumentou
a freqncia das queimadas nestas
ltimas dcadas e est pondo em perigo
este ecossistema.
AGRADECIMENTOS
A autora deseja agradecer ao
Institute pour le Recherche et Development
(IRD), Frana e Universidade de
Braslia (UnB) pelo apoio s suas
pesquisas.
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119
Solos e paisagem
Parte II
Parte II
Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas
Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas
F
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T
O
:

J
A
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L
I
Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas
Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas Comunidade de Plantas
Captulo 6 Captulo 6
Captulo 6 Captulo 6 Captulo 6
Biodiversidade,
estrutura e
conservao de
florestas estacionais
deciduais no Cerrado.
Biodiversidade,
estrutura e
conservao de
florestas estacionais
deciduais no Cerrado.
Captulo 6 Captulo 6
Captulo 6 Captulo 6 Captulo 6
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R
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O
T
Aldicir Scariot
Embrapa Recursos Genticos e
Biotecnologia
Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD)
Braslia, DF
Anderson C. Sevilha
Embrapa Recursos Genticos e
Biotecnologia
Braslia, DF
Aldicir Scariot
Embrapa Recursos Genticos e
Biotecnologia
Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD)
Braslia, DF
Anderson C. Sevilha
Embrapa Recursos Genticos e
Biotecnologia
Braslia, DF
122
Reatto & Martins
Solos e paisagem
123
INTRODUO
Um dos pontos mais controversos
relacionado s florestas cuja ocorrncia
e distribuio esto condicionadas
estacionalidade climtica (pluviosidade
e(ou) temperatura) a definio da
terminologia adotada para a sua
classificao, sendo englobada sob a
denominao genrica de Florestas ou
Matas Secas as mais variadas
fitofisionomias.
Nessa designao esto agrupadas
tanto as Florestas Estacionais Deciduais,
quanto as Semideciduais, que no Brasil
so subdivididas por Veloso (IBGE
1992), em funo de sua localizao em
diferentes faixas altimtricas e
geogrficas, nas formaes Aluvial, das
Terras Baixas, Submontana e Montana.
Embora utilizada com a finalidade
exclusiva de propiciar o mapeamento
contnuo de grandes reas, tais
formaes parecem apresentar
correspondncia com as diferenciaes
encontradas na composio e na
estrutura dessas florestas ( Fernandes &
Bezerra 1990; Rizzini 1997; Fernandes
2000; Ferraz 2002), reflexos do
componente histrico e dos processos
ecolgicos diferenciados que
condicionam a dinmica de cada sistema.
A falta de conhecimento sobre a
vegetao das florestas secas nas regies
Neotropicais, apontada por Pennington
et al. (2000), resultado da pouca
ateno dada a esse tipo de formao
(Murphy & Lugo 1986; Janzen 1988).
Essa ausncia de informaes, comea
ser modificada para a regio dos
Cerrados, com o aparecimento de
trabalhos de composio, estrutura,
dinmica e processos ecolgicos das
Florestas Estacionais Deciduais (ver
Scariot & Sevilha 2000; Sampaio 2001;
Bueno et al. 2002, Vieira 2002). Porm,
a falta da caracterizao do tipo de
vegetao e de informaes climticas,
principalmente temperatura e
pluviosidade, muitas vezes inviabiliza
comparaes entre as diferentes
formaes classificadas genericamente
como florestas ou matas secas.
124
Scariot & Sevilha
CARACTERIZAO E DISTRIBUIO
DAS FLORESTAS ESTACIONAIS
DECIDUAIS
As Florestas Estacionais Deciduais
caracterizam-se pelo elevado grau de
deciduidade foliar do componente
arbreo e esto distribudas pelas mais
diversas regies tropicais do planeta, sob
a forma de um continuum florestal, ou
ainda, de fragmentos naturais isolados
por outros tipos de vegetao. Essas
florestas tm altura e rea basal menores
que as florestas midas e o crescimento
ocorre principalmente na estao
chuvosa, perodo em que a camada de
folhio, que se acumulou sobre o solo
no perodo seco, se decompe. No
hemisfrio norte, a maioria das espcies
anemocrica e muitas florescem na
transio entre as estaes seca e mida,
quando as plantas esto despidas de
folhas (Bullock 1995). Porm, no
hemisfrio sul, o florescimento ocorre
predominantemente no perodo de
transio da estao chuvosa para a seca
e a disperso dos propgulos, que
principalmente anemocrica, no final da
estao seca.
Como o que ocorre em relao
classificao das florestas secas, tambm
no existe consenso na literatura quanto
aos descritores e seus valores, que
deveriam ser utilizados para determinar
a classificao de um tipo de
fitofisionomia como decidual, ou no.
So consideradas deciduais aquelas
florestas onde os indivduos desprovidos
de folhas, durante a estao seca,
representam mais de 50%, para IBGE
(1992); mais de 60%, para Fernandes
(2000); e acima de 90%, para Eiten
(1983). Embora empricos tais valores
esto de acordo com aqueles
encontrados para a Floresta Estacional
Decidual Submontana da bacia do rio
Paran, Gois. Em oito amostras de
1,0ha, num gradiente de perturbao de
florestas intactas at intensamente
perturbadas por explorao madeireira,
98,6% dos indivduos perdem
totalmente as folhas na estao seca. A
nica espcie que as mantm Talisia
esculenta (St. Hil.) Radik. Em reas
intactas, o percentual de cobertura do
dossel varia de 90%, no perodo das
chuvas, a 35%, na estao seca (Vieira
2002), quando a cobertura do dossel
representada, principalmente, por galhos
e troncos.
Inicialmente, acreditava-se que a
distribuio de espcies e a
heterogeneidade espacial encontrada em
florestas secas eram limitadas
exclusivamente pela disponibilidade de
gua (Mooney et al. 1995).
Posteriormente, passou-se a considerar
tambm as variveis ambientais que
limitariam essa disponibilidade, tais
como topografia e caractersticas fsicas
dos solos (Medina 1995; Mooney et al.
1995; Martijena 1998). Revises sobre a
distribuio e estrutura desses sistemas
florestais nas Amricas Central e do Sul
(Murphy & Lugo 1995; Sampaio 1995),
frica (Menaut et al. 1995) e sia
(Rundel & Boonpragob 1995) indicam
que a nica caracterstica climtica
marcante comum a esse tipo de formao
a forte sazonalidade na distribuio de
chuvas. Essa sazonalidade, juntamente
com as diferenas no volume de
precipitao e a durao da estao
chuvosa, seriam responsveis pelas
diferenas entre florestas na altura de
dossel, biomassa total e produtividade
(Mooney et al. 1995), assim como na
intensidade da queda de folhas, cuja
variao interanual depender da
severidade da estao seca.
No Brasil, as Florestas Estacionais
Deciduais distribuem-se tanto pelas
formaes savnicas de Cerrado e
125
Floresta estacional decidual
Caatinga, das regies Centro-Oeste e
Nordeste, quanto pelas formaes
florestais sempre verdes da floresta
Amaznica, na regio Norte, e da
Atlntica, na regio Sul do pas (Figura
1), estando, portanto, associadas a
diferentes tipos fitofisionmicos e
regimes de estacionalidade em volume
de precipitao e temperatura (Tabela 1),
topografia e caractersticas fsicas e
qumicas dos solos.
Na regio dos Cerrados, essas
florestas esto distribudas em um eixo
nordeste-sudoeste (Figura 1), ligando as
Provncias da Caatinga ao Chaco (Prado
& Gibbs 1993; Oliveira Filho & Ratter
1995), sendo comuns nos estados da
Bahia, Minas Gerais, Gois, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul, onde os teores de
Clcio e Magnsio so elevados e os de
Alumnio, baixos. Exemplos so as
florestas sobre afloramentos calcrios
Figura 1
Localizao geogrfica
da bacia do rio Paran
(GO e TO) e
distribuio das
Florestas Estacionais
Deciduais no Brasil
(IBGE 1983) e suas
respectivas classes de
solos de ocorrncia
(EMBRAPA 1981) na
escala de
1:5.000.000, segundo
o novo Sistema
Brasileiro de
Classificao de Solos
(EMBRAPA 1999).
126
Scariot & Sevilha
(Ratter et al. 1973, 1988), em solos
profundos, geralmente Nitossolos
(Podzlicos Vermelho Escuro eutrficos
(IBGE 1995; Scariot & Sevilha 2000) e
Terra-Roxa Estrutural similar eutrfica
(Brasil 1982), em solos litlicos que
contenham traos ou influncia calcria,
sobre depsitos aluviais ricos em
nutrientes, tais como na regio do
pantanal mato-grossense (Ratter et al.
1988) e da bacia do rio Paran (GO), e
sobre solos originrios do derramamento
basltico do sul do Gois e Tringulo
Mineiro (Oliveira-Filho et al. 1998).
Dessa forma, um importante fator
determinante da ocorrncia das Florestas
Estacionais Deciduais do Brasil, seria o
solo relativamente mais frtil em
minerais (Ratter et al. 1973; Prado &
Gibbs 1993; Oliveira Filho & Ratter
1995), onde a capacidade competitiva
das populaes desses sistemas
florestais, parece ser maior. No entanto,
quando confrontados os mapas de
distribuio das Florestas Estacionais
Deciduais do Brasil (IBGE 1983) com o
de solos, confeccionados sobre o antigo
Sistema Brasileiro de Classificao de
Solos (EMBRAPA 1981), observa-se que
essa formao florestal distribui-se, por
pelo menos, 40 classes de solos
diferentes, o equivalente a 13 classes do
novo sistema (EMBRAPA 1999),
inclusive os distrficos, e no apenas
sobre aqueles relativamente mais frteis
(Figura 1). Embora a escala de
abordagem de ambos os mapeamentos
seja muito ampla (1:5.000.000), a falta
de estudos detalhados acerca da
distribuio e da caracterizao dos
fatores abiticos determinantes da
ocorrncia dessas formaes ficam
evidentes quando so apontadas, por
exemplo, as ocorrncias dessas florestas
sobre Neossolos Quartzarnicos (areias
quartzosas distrficas), que, para James
A. Ratter (comunicao pessoal), s
seriam possveis se os teores de clcio
fossem elevados, como aqueles
encontrados na regio do Jaba, MG
(Alexandre F. da Silva, comunicao
pessoal).
O CASO DA BACIA DO RIO
PARAN
Localizao e ambiente
fsico
Na bacia do rio Paran ocorre um
dos mais significativos encraves de
Florestas Estacionais Deciduais do Brasil.
Essa bacia, com 59.403 km
2
, uma
depresso entre os relevos do Planalto
Tabela 1. Distribuio do volume de precipitao e da temperatura mdia
por Estado de ocorrncia das Florestas Estacionais Deciduais no
Brasil.
Dados obtidos a partir da comparao dos mapas de vegetao (IBGE 1983) com os de precipitao (IBGE 1978a)
e temperatura (IBGE 1978b).
127
Floresta estacional decidual
do Divisor So Francisco-Tocantins e do
Planalto Central Goiano e se estende do
nordeste do Estado de Gois ao sudeste
do Estado do Tocantins, por 33
municpios. Ela est inserida na bacia
hidrogrfica do rio Tocantins e situa-se
no centro do territrio nacional, na
confluncia da diviso poltica regional
do Brasil, entre as regies Norte, Centro-
Oeste, Nordeste e Sudeste (Figura 1).
Nela esto contidas as reas de
importncia biolgica extremamente alta
Vale e Serra do Paran, Grande Serto
Gois-Bahia e Cavernas de So Domingos
e Florestas Semidecduas do Sudeste do
Tocantins e, a rea Sul do Tocantins
Regio Conceio/Manuel Alves, cujas
informaes biolgicas so insuficientes
(Brasil 2002).
A bacia do rio Paran est em uma
zona de transio, entre os domnios dos
climas midos da regio amaznica e os
domnios dos climas semi-ridos da
regio da Caatinga, sendo seu clima
classificado, segundo Kppen, em AW
(Clima Tropical, com duas estaes bem
definidas), com variaes para o CWa
(Clima Tropical de altitude) (IBGE 1995).
As variaes altitudinais entre os
planaltos acima de 1.000m e as
depresses abaixo de 500m presentes ao
longo da bacia, resultam em
diferenciaes climticas relacionadas s
mdias anuais de pluviosidade e
temperatura registradas na regio. Sobre
os relevos mais altos das serras e dos
planaltos residuais, o volume de chuva
superior a 1.500mm/ano, enquanto,
que nas zonas de depresso, no
ultrapassa 1.300mm/ano. A distribuio
das chuvas, ao longo do ano, caracteriza-
se por se concentrar num perodo de 5
meses entre as estaes da primavera e
do vero. A temperatura nas regies
serranas chega a ser, em mdia, 5
0
C
inferior s mdias de 21
0
C registradas
nas regies de depresses (IBGE 1995).
A bacia do rio Paran apresenta uma
composio com unidades
litoestratigrficas que refletem processos
diversos ao longo de diferentes ciclos,
como o Transamaznico, Uruauano e
Brasiliano. Predominam os terrenos que
correspondem ao Complexo Goiano e ao
Grupo Bambu-Paraopebas, intercalados
por uma vasta ocorrncia do Grupo Ara,
na parte central da regio (Fernandes et
al. 1982).
Dentre os grandes Domnios
Geomorfolgicos presentes na bacia do
rio Paran, so reconhecidas as
Depresses Pediplanadas, os Planaltos
em Estruturas Sedimentares
Concordantes e os Planaltos em
Estruturas Sedimentares Dobradas. As
zonas de depresses totalizam
3.470.621ha (63%) da regio, e
caracterizam-se por vos
interplanlticos, balizados por salincias
destacadas pela eroso e feies
resultantes de processos de dissoluo
(Mauro et al. 1982).
Correspondendo ao Domnio das
Depresses Pediplanadas, das Regies
Geomorfolgicas da bacia do rio Paran,
destaca-se a Depresso do Tocantins, que
se estende de norte a sul da bacia, entre
o Planalto Divisor So Francisco-
Tocantins a leste, e o Planalto Central
Goiano, a oeste. As altitudes nessa
depresso variam de 300 a 800m, sendo
que as altitudes maiores correspondem
ao contato com o Complexo Montanhoso
Veadeiros-Ara, prximo de Teresina de
Gois e Cavalcante, e as mais baixas ao
longo dos rios Paran e tributrios
(Mauro et al. 1982).
Nessa regio de tenso ecolgica
entre grandes biomas em contato
geogrfico (Cerrado, Caatinga e Floresta
Tropical mida), reflexo do contato de
128
Scariot & Sevilha
domnios climticos, ocorrem solos com
altas taxas de fertilidade onde so
encontradas as Florestas Estacionais
Deciduais. Dentre esses, destacam-se os
Nitossolos (Podzlicos Vermelho-
Escuros eutrficos (IBGE 1995) e a Terra-
Roxa Estruturada Similar eutrfica (Krejci
et al. 1982). Estes solos se localizam,
principalmente, em reas de precipitao
mdia anual entre 800 e 1.100 mm, sobre
relevo plano a suavemente ondulado,
com predominncia das reas aplainadas
(Krejci et al. 1982), onde a declividade
varia de 0-3% (IBGE 1995). Estes ainda
podem apresentar uma fase rochosa
composta pelos afloramentos calcrios
amplamente distribudos pela regio. So
destacadas as ocorrncias nos
municpios de Iaciara, So Domingos e
Campos Belos (Krejci et al. 1982).
Dentro das classes de solos
identificados pelo antigo sistema de
classificao de solos do Brasil, o
Podzlico Vermelho-Escuro eutrfico
difere da Terra-Roxa Estruturada pelo
material de origem. A primeira classe
est relacionada a litologias calcrias
com possveis influncias de material
coluvionar (IBGE 1995), enquanto que
a segunda, desenvolvida a partir de
rochas calcrias e ardsias do Grupo
Bambu, tem altos teores de clcio e
magnsio, caracterizando-o como um
dos solos mais frteis da regio (Krejci
et al. 1982).
A ocupao da paisagem
Geograficamente, a bacia do rio
Paran engloba a diviso administrativa
da microrregio do Vo do Paran, tida
como a ltima rea disponvel para
expanso da fronteira agrcola no Estado
de Gois, sendo j ocupada desde o
sculo 18, com a criao de gado em
apoio atividade aurfera. Posterior-
mente, a regio foi negligenciada para
atividades econmicas convencionais, o
que contribuiu para a relativa
preservao dos recursos naturais (Luz
1998) e manuteno de parte das ltimas
reservas florestais nativas de Gois (IBGE
1995). Atualmente so raras as reas
intactas, e quase sempre esto
localizadas em locais de difcil acesso,
geralmente sobre afloramentos de rochas
calcrias.
A ocupao intensa a partir dos anos
70, e principalmente nos anos 80,
resultado da imigrao do sul e sudeste
do Pas, culminou com intensa extrao
madeireira para suprir os mercados
paulista, goiano e paranaense (IBGE
1995) e para subsidiar a implantao de
pastagens. As condies naturais
favorveis e terras disponveis, sem uso
agropecurio e, portanto, de baixo valor
econmico, resultaram na remoo
quase que total da cobertura vegetal para
implementao de fazendas de gado de
corte. A extrao de madeiras foi
conduzida sem critrios tcnicos e de
maneira espontnea e emprica,
executada por empreiteiros ou pelo
prprio fazendeiro, procurando o
mximo rendimento econmico, sem
preocupao de reposio do estoque ou
a manuteno sustentada da atividade
(IBGE 1995).
A escassez de rvores de espcies
de interesse econmico com dimetros
comerciais reduziu as taxas de
explorao das dcadas de 1980 e 1990,
sendo que a maioria das serrarias,
paulatinamente, deixou de operar na
ltima dcada (IBGE, 1995). Parte
significativa da vegetao j foi
removida, porm ainda hoje ocorre a
extrao comercial de madeira, tanto das
formaes florestais, utilizadas para
serrarias e produo de carvo, quanto
das savnicas, utilizadas principalmente
129
Floresta estacional decidual
para carvo (IBGE, 1995). Em 1999, por
exemplo, foi registrada a retirada de
36.377 toneladas de madeira para
produo de carvo, 189.160 m
3
para
produo de lenha e 21.769 m
3
para
produo de tora (IBGE, 2000).
As espcies mais utilizadas so
Myracrodruon urundeuva Fr. All.
(aroeira), Schinopsis brasiliensis Engl.
(brana) e Tabebuia impetiginosa
(Mart.) Standl. (ip-roxo), para
confeco de cercas e currais, Cedrela
fissilis Vell. (cedro), Machaerium
scleroxylon Tull. (pau-ferro),
Enterolobium contortsiliquum (Vell.)
Morong (tamboril), Hymenaea courbaril
var. stilbocarpa (H.) Lee. & L. (jatob),
Aspidosperma spp. (perobas) e
Amburana cearensis (Fr. All.) A. C. Smith
(cerejeira), dentre outras, para atender
a construo civil e a indstria de mveis
da regio. Outras espcies so utilizadas
indiscriminadamente para a produo de
carvo vegetal.
Atualmente, cerca de 45% do total
das propriedades existentes na bacia do
rio Paran tm entre 10 e 100ha (IBGE
2000), estabelecidas, principalmente, nos
municpios de relevo mais acidentado,
enquanto que as grandes fazendas, com
tamanhos superiores a 500ha, esto nas
reas de terras planas e de elevada
fertilidade natural, especialmente no Vo
do Paran.
A pecuria a principal atividade
econmica e a maior fonte de impacto
negativo no meio ambiente, representada
por mais de 1.300.000 cabeas de gado.
Essa atividade responde por 69,4% da
economia de todos os estabelecimentos
agropecurios presentes na bacia do
Paran, enquanto que as reas de
produo mista (lavoura e pecuria),
respondem por 15,47% e as lavouras
temporrias por 11,59%. As demais
atividades econmicas desenvolvidas no
campo so representadas por lavouras
permanentes (1,64%), silvicultura e
explorao florestal (1,14%), produo
de carvo vegetal (0,52%), horticultura
e produtos de viveiro (0,21%), pesca e
aqicultura (0,01%) (IBGE, 2000).
Alm da pecuria, a construo de
hidreltricas, representa um forte
impacto, tanto para a fauna quanto para
a flora das reas de influncia direta e
indireta, por modificar definitivamente
a dinmica das bacias onde so
instaladas. A interrupo do fluxo natural
dos organismos, provocado pelas
barragens, pode ainda reduzir o tamanho
das populaes de animais e plantas e
provocar extines locais. Com isso, a
crescente ocupao de reas naturais na
regio do vale do Paran, desvinculada
do prvio conhecimento do potencial do
ambiente, resultou em uma paisagem
antropizada, onde esto imersos os
fragmentos de Florestas Estacionais
Deciduais e de Cerrado, principalmente.
Composio, diversidade e
estrutura das Florestas Esta-
cionais Deciduais Submon-
tanas
Na regio da bacia do rio Paran, a
vegetao constituda, basicamente,
por duas classes de formaes, as
florestais e as savnicas. Alm destas,
reas de tenso ecolgica esto
amplamente distribudas ao longo do
contato entre essas formaes,
principalmente entre as Florestas
Estacionais Deciduais e Semideciduais e
as formaes savnicas de Cerrado e
Caatinga. reas de formaes
secundrias em diferentes estdios de
regenerao esto tambm amplamente
distribudas por essa bacia, resultado do
abandono ou mau uso da terra.
130
Scariot & Sevilha
Nessa regio, encontram-se
dispersas as maiores disjunes das
formaes de Floresta Estacional
Decidual Submontana do pas (IBGE
1992). Originariamente, essas florestas
predominavam nas reas de afloramento
calcrio e nas reas planas de solos
eutrficos que cobrem grandes extenses
da bacia. As reas de afloramentos
calcrios esto mais preservadas devido
dificuldade na extrao de madeira,
enquanto que a ocupao desordenada
das reas planas resultou na
fragmentao e na reduo do tamanho
das populaes de espcies arbreas de
interesse madeireiro e outras associadas,
que somente so encontradas em alguns
fragmentos, pouco ou nada explorados,
que remanescem em meio s pastagens
(Scariot & Sevilha 2000).
Segundo Oliveira Filho & Ratter
(1995) a maioria das espcies das
florestas do Brasil Central parecem
ajustar-se a dois padres de distribuio:
(1) espcies de floresta com diferentes
nveis de caducifolia, que dependem
essencialmente da ocorrncia de
manchas de solos frteis dentro do
domnio do Cerrado e tendem a
distribuir-se, principalmente, dentro de
um arco nordeste-sudoeste, conectando
a Caatinga s fronteiras do Chaco.
Pennington et al. (2000), sugerem a
existncia de uma antiga formao
contnua das florestas secas do Brasil
Central, que hoje, fragmentada, teriam
formado corredores interligando estes
biomas; (2) grande parte das espcies
dependente da alta umidade no solo, que
se distribuem das Florestas Pluviais
Amaznica Atlntica, cruzando a
regio dos cerrados no arco noroeste-
sudeste pela rede dendrtica de florestas
associadas a sistemas riprios.
Em aspectos florsticos e fisio-
nmicos, as Florestas Estacionais
Deciduais esto mais associadas com as
Caatingas arbreas (Ratter et al. 1988;
Fernandes & Bezerra 1990), com espcies
tidas como tpicas dessa formao, tais
como M. urundeuva, S. brasiliensis,
Cavanillesia arborea K Schum., A.
cearensis, T. impetiginosa, dentre outras.
Contudo, essas florestas podem
apresentar semelhana tambm com
outros tipos vegetacionais adjacentes,
dada a interpenetrao de espcies
dessas outras formaes. Tal fato torna
as Florestas Estacionais Deciduais
particularmente singulares (Pedrali 1997;
Brina 1998), uma vez que estas
congregam uma associao de espcies
que nica para cada regio.
Da mesma forma, florstica e
estruturalmente, o componente arbreo
das Florestas Estacionais Deciduais de
reas planas e de afloramentos calcrios
de uma mesma regio, como o caso
da bacia do rio Paran, pode formar
associaes distintas. Nos levantamentos
florsticos realizados nessa regio com
base em amostragens fitossociolgicas
de 11 fragmentos (trs em afloramentos
calcrios e oito em reas planas, sendo
que destes, trs esto em reas intactas
e cinco em reas com diferentes nveis
de explorao) (Scariot & Sevilha 2000;
Silva & Scariot 2003, 2004a, b),
complementadas por caminhadas
aleatrias, foram encontradas 128
espcies arbreas, de 90 gneros e 41
famlias. A famlia mais representativa
foi Leguminosae (subfamlias
Mimosoideae - 11 gneros e 14 espcies,
Faboideae - 10 gneros e 18 espcies - e
Caesalpinoideae - 7 gneros e 8 espcies)
que contribuiu com 31% do total de
gneros e de espcies de rvores
amostradas. Em vrios estudos
realizados no Brasil, essa famlia tem se
destacado como a mais importante
dentre as diferentes fisionomias (Prance
1990; Lima & Guedes-Bruni 1994), sendo
ainda considerada como a mais
131
Floresta estacional decidual
importante nas florestas neotropicais
(Richards 1952; Gentry 1990).
Embora algumas reas sobre
afloramento calcrio possam ter em um
hectare um nmero maior de espcies
arbreas do que o encontrado em um
hectare sobre reas planas (Tabela 2),
no total, reas de afloramento calcrio
possuem menor riqueza de espcies que
reas planas. Das 128 espcies
amostradas, 51 (40%) foram comuns s
florestas de reas de planaltos e de
afloramentos calcrios, enquanto que 57
(44,5%) foram amostradas exclu-
sivamente nas reas planas e 20 (15,5%)
nas reas sobre afloramento calcrio.
Em reas de floresta intacta, a
densidade mdia de rvores estimadas
com dimetro acima de 5cm de 650
indivduos.ha
-1
nas reas planas e, de 770
indivduos.ha
-1
nas reas de afloramento
calcrio (Tabela 2). Embora as florestas
sobre afloramentos calcrios tenham
valores mdios de densidade superiores
aos das reas planas, os valores de rea
basal so mais prximos aos amostrados
nas reas mais perturbadas de floresta
sobre relevo plano, o que denota o menor
porte dos indivduos que compem as
associaes sobre esses afloramentos
calcrios.
Os valores de diversidade estimados
esto, em geral, prximos entre si, mas
abaixo daqueles estimados para outras
florestas tropicais. J os valores de
equitabilidade no indicam dominncia
de espcies nos fragmentos amostrados.
Das 102 espcies amostradas nos
inventrios, 31 perfazem as 10 espcies
mais importantes em valor de impor-
tncia (VI) para cada levantamento e
somam, pelo menos, 60% do total do VI
estimado para cada localidade (Tabela 3).
Tabela 2. Estrutura da comunidade de rvores de Floresta Estacional Decidual
Submontana de fragmentos intactos (i) e explorados (e) em
planaltos (p) e afloramentos calcrios (ac) no municpio de So
Domingos, Vale do Paran (GO), em reas amostradas nas fazendas
So Domingos (SD), Flor do Ermo (FE), Traadal (FT), Olho dgua
(OA), Manguinha (FM), Cruzeiro do Sul (CS), So Vicente (SV), Canad
(FC) e So Jos (SJ).
132
Scariot & Sevilha
Diferenciaes na composio e na
estrutura entre as formaes florestais
deciduais em reas planas e de
afloramentos calcrios so encontradas
quando as amostras originadas dos
estudos fitossociolgicos so
classificadas por TWINSPAN (Two-way
indicator species analysis, Hill 1979,
Figura 2). Esta anlise resultou em
basicamente dois grupos distintos que
separaram as amostras das reas planas
daquelas sobre afloramentos calcrios,
com elevado autovalor (0,469), o que
indica uma forte diviso (Gauch 1982).
Das 102 espcies amostradas nos
levantamentos fitossociolgicos, 29
foram apontadas como de ocorrncia
preferencial nos afloramentos calcrios,
dentre as quais se destacaram, pelos
elevados valores de densidade e
freqncia: Acacia glomerosa Benth.,
Cabralea canjerana (Vell.) Mart.,
Tabela 3. Rol e posio das 10 espcies arbreas mais importantes em valor
de importncia (VI) amostradas em fragmentos de Floresta
Estacional Decidual Submontana, So Domingos, Vale do Paran,
GO, em reas amostradas nas fazendas So Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traadal (FT), Olho dgua (OA), Manguinha (FM),
Cruzeiro do Sul (CS), So Vicente (SV), Canad (FC) e So Jos (SJ).
133
Floresta estacional decidual
Cecropia saxatilis Snethlage,
Commiphora leptophloeos (Mart.) Gillet,
Cordia glabrata (Mart.) DC., Ficus
insipida Willd., Ficus pertusa L. f.,
Jacaranda brasiliana (Lam.) Pers.,
Luehea divaricata Mart., Piranhea
securinega A. Radcliffe-Smith & J. A
.Ratter, Pseudobombax longiflorum
(Mart. & Zucc.) A. Robyns, Simarouba
versicolor St. Hil., Commiphora sp. (esta,
espcie nova para a cincia e em fase de
descrio), Jatropha sp. e Luetzelburgia
sp. Destas, C. canjerana, C. saxatilis, F.
insipida, F. pertusa, P. securinega,
Commiphora sp. e Jatropha sp. no so
encontradas nas florestas de planaltos.
Os demais grupos formados pelas
dicotomias esto presentes apenas entre
as amostras de reas planas e agrupam
os fragmentos geograficamente mais
prximos entre si. Porm, as divises
foram pouco sensveis, com autovalores
(0,147 e 0,176) baixos (Gauch 1982)
(Figura 2).
Dentre as espcies que se
destacaram pelos elevados valores de
cobertura com que foram amostradas,
Eugenia dysenterica DC., Machaerium
brasiliense Vog., Randia armata (Sw.)
DC., Senna speciosa (DC.) Irwin & Barn.,
Swartzia multijuga Vog., Sweetia
fruticosa Spreng., Talisia esculenta e
Combretum sp., esto entre as 30 que
ocorreram exclusivamente nas reas
planas, enquanto Cedrela fissilis Vell.,
Enterolobium contortisiliquum (Vell.)
Morong, Lonchocarpus montanus Tozzi,
Platypodium elegans Vog., Pouteria
gardnerii (Mart. e Miq.) Baehni. e
Spondias mombin L., embora
amostradas sobre afloramentos, so
apontadas como de ocorrncia
preferencial de reas de planaltos. J
Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan,
Aspidosperma pyrifolium Mart.,
Aspidosperma subincanum Mart.,
Astronium fraxinifolium Schott,
Bauhinia brevipes Vog., Cavanillesia
arborea, Chorisia pubiflora (A. St. Hil.)
Dawson., Combretum duarteanum
Camb., Dilodendron bipinnatum Radlk.,
Guazuma ulmifolia Lam., Machaerium
scleroxylon, Machaerium stipitatum
(DC.) Vog., Machaerium villosum Vog.,
Myracrodruon urundeuva, Pseudo-
bombax tomentosum (Mart. & Zucc.) A.
Robins, Sterculia striata A. St. Hil. &
Naud., Tabebuia impetiginosa e T. roseo-
alba (Ridley) Sand., esto entre as 40
espcies indiferentes que foram
amostradas em ambas as formaes.
Figura 2
Classificao pelo
mtodo de TWINSPAN
de 11 fragmentos de
Floresta Estacional
Decidual Submontana
intactos (i) e
explorados (e) em
reas de planaltos (p)
e afloramentos
calcrios (ac) no
municpio de So
Domingos, Vale do
Paran (GO), em
reas amostradas nas
fazendas So
Domingos (SD), Flor
do Ermo (FE), Traadal
(FT), Olho dgua
(OA), Manguinha
(FM), Cruzeiro do Sul
(CS), So Vicente (SV),
Canad (FC) e So
Jos (SJ). Nmeros
entre parnteses
indicam os
autovalores.
134
Scariot & Sevilha
Estas podem ser consideradas como as
mais importantes na estruturao das
comunidades de Florestas Deciduais da
regio da bacia do rio Paran.
Essa diferenciao implica na
adoo de manejo diferenciado das
formaes florestais de fragmentos sobre
planaltos e fragmentos sobre afloramento
calcrio. As populaes das espcies de
elevado valor econmico persistem em
reas de afloramento devido s
dificuldades impostas pela topografia
explorao madeireira. Porm, nas reas
planas, essas populaes esto
ameaadas de extino local devido ao
desmatamento e explorao seletiva,
que remove as rvores maiores, com
caractersticas de fuste mais adequadas
ao aproveitamento madeireiro, causando
danos ecolgicos e genticos s
populaes dessas espcies. A remoo
dos indivduos reprodutivos, alm de
potencialmente afetar a reproduo das
rvores remanescentes, modifica a
estrutura da comunidade e, assim, afeta
o estabelecimento, crescimento e
reproduo de outras espcies,
exploradas ou no. J a remoo de
determinados indivduos com
caractersticas mais adequadas
comercializao madeireira pode resultar
na seleo negativa desses gentipos na
natureza.
Desmatamento, fragmen-
tao e plantas invasoras
Embora grande parte da regio do
vale do rio Paran tenha sido desmatada
na dcada de 1980, ainda nos anos de
1990, proporo significativa da
vegetao continuou a ser removida. Em
uma rea de 180.877ha estudada, onde
predominavam as Florestas Estacionais
Deciduais, estimou-se que a perda de
vegetao nativa, que em 1991, cobria
15,4% da superfcie havia sido reduzida
a somente 5,4% em 1999 (Andahur
2002). A maior perda de vegetao
ocorreu nas reas mais planas e com
solos mais aptos ao aproveitamento
pecurio.
O desmatamento na regio resultou
na fragmentao do habitat , que
implicou na descontinuidade da
distribuio da vegetao original,
reduziu o habitat disponvel aos
organismos silvestres e acrescentou
bordas a uma paisagem at ento
contnua. Isto resulta em mudanas na
distribuio e abundncia dos
organismos, afetando a demografia e
gentica das populaes e, con-
seqentemente, a biodiversidade
(Wilcove 1986). A maioria (65%) dos
fragmentos remanescentes da rea acima
amostrada tem menos de 1 hectare, e
88% esto abaixo de 5,0ha, sendo raras
(menos de 1%) as reas acima de 100ha
(Andahur 2002).
A drstica modificao da paisagem
natural e o aumento da populao
humana ocorridos nas ltimas dcadas
criaram as condies para a introduo
de espcies exticas nas reas
remanescentes de Florestas Estacionais
Deciduais da bacia do rio Paran.
Algumas dessas espcies foram
deliberadamente introduzidas pelo
homem, com objetivo de incrementar a
produo agropecuria, destacando-se
principalmente as gramneas, como
Hyparrhenia rufa (Nees) Stapf., Panicum
maximum Jacq., Pennisetum purpureum
Schum., entre outras. J Acacia
farnesiana (L.) Willd., conhecida na
bacia do rio Paran como esponjinha,
tambm de origem africana, uma
rvore invasora das pastagens, onde
pode formar agrupamentos fechados.
Embora os legumes sejam ingeridos pelo
gado, que eventualmente dispersa as
sementes nas pastagens e nas florestas
remanescentes, as plantas raramente se
135
Floresta estacional decidual
estabelecem no interior das florestas,
sendo mais comum nas bordas desta
com a pastagem.
Conservao de um ecossis-
tema ameaado de extino
No obstante a singularidade das
Florestas Estacionais Deciduais, a
riqueza em espcies de importncia
madeireira, a alta taxa de desmatamento
e o impacto da perturbao antrpica nos
remanescentes, poucas unidades de
conservao contemplam essa
fitofisionomia. Na regio do Vale do rio
Paran, somente o Parque Estadual de
Terra Ronca, com cerca de 57 mil ha,
tem pores significativas de Floresta
Estacional Decidual Submontana, mas
apenas sobre afloramentos calcrios,
faltando as florestas sobre planaltos, a
mais ameaada de todas as
fitofisionomias do bioma Cerrado. Alm
disso, esse parque ainda no foi
implementado e a maior parte da
vegetao de sua rea constituda de
pastagens e formaes secundrias, que
necessitam de medidas de facilitao
para acelerar a sua recuperao.
Essencial nessa extensa regio do
vale do rio Paran a imediata
implantao de novas unidades de
conservao, que permitam a
conservao e a preservao de amostras
significativas da biodiversidade, da rica
variedade de fitofisionomias e das
nascentes dos cursos de gua e que
assegurem ainda, o fluxo gnico entre
populaes isoladas. Neste contexto a
implementao de corredores ecolgicos
um objetivo maior a ser perseguido.
Corredores ecolgicos podem
aumentar a conectividade entre
populaes isoladas pela fragmentao,
pois podem assegurar rotas para o fluxo
de genes, recolonizao de fragmentos,
aumento efetivo do tamanho de
populaes nativas e equilbrio no
nmero de espcies (Bentley & Catterral
1997). As principais razes para a
manuteno de corredores ecolgicos
so a possibilidade de aumentar as taxas
de imigrao (Harris e Scheck 1991);
assegurar rotas de movimento para
espcies de ampla distribuio geogrfica
(Harris 1984); diminuir a depresso
endogmica (Harris 1984); e reduzir a
estocasticidade demogrfica (Merriam
1991). Para isso necessria a
implementao de medidas que resulte
na (1) criao de unidades de
conservao, e (2) implantao de
mecanismos que assegurem a
persistncia e recuperao das
populaes de espcies nativas nas reas
remanescentes que esto sob presso
antrpica.
A criao de unidades de
conservao deve necessariamente
atender a critrios tcnicos, porm
oportunidades polticas e sociais no
devem ser desperdiadas. Nesse
contexto, grandes unidades de
conservao de uso restrito devem ser
criadas, assim como incentivada a
criao de unidades menores, ao alcance
das condies dos municpios. Especial
ateno deve ser dada criao de
reservas particulares do patrimnio
natural (RPPNs), o que demandar um
trabalho criterioso junto aos
proprietrios rurais da regio. As RPPNs
podem desempenhar um papel
fundamental no funcionamento de
corredores ecolgicos, exatamente pela
possibilidade de serem implementadas
de forma a distriburem-se espacialmente
por toda a bacia do rio Paran, o que
contribuiria para a preservao de uma
grande diversidade de fitofisionomias e
aumentaria a possibilidade de fluxo
gnico entre populaes.
A implantao de medidas de
manejo pode contribuir para que reas,
tanto em unidades de conservao como
136
Scariot & Sevilha
em propriedades privadas, possam ser
partcipes efetivos dos corredores
ecolgicos. A recomendao e
implementao de medidas de manejo
devem, necessariamente, serem
precedidas de pesquisas que constatem
a viabilidade ecolgica e econmica das
mesmas. Exemplo disso a utilizao
dos remanescentes florestais pelo gado,
que alm de pisotear e consumir
plntulas, preda as sementes de diversas
espcies de rvores (Vieira 2002),
podendo tambm dispersar sementes de
espcies exticas no interior das reas
remanescentes de floresta. A explorao
seletiva de madeira causa modificaes
na estrutura dos remanescentes, tais
como aumento da abertura do dossel,
criao de clareiras e oportunidades para
o aumento de emaranhados de cips,
que podem afetar diferencialmente a
regenerao de rvores (Vieira 2002) e,
eventualmente, modificar a estrutura e
composio da comunidade de plantas
(Webb 1997). A compreenso da direo
e intensidade dos efeitos do uso das reas
remanescentes e do manejo da matriz
na biodiversidade de fundamental
importncia para o manejo e
conservao da biodiversidade da regio.
CONSIDERAES FINAIS
No h duvidas de que Florestas
Estacionais Deciduais esto sendo
destrudas em velocidade e intensidade
alarmantes e que no esto sendo
adequadamente contempladas em
unidades de conservao, o que coloca
em perigo a persistncia dessa
fitofisionomia em um futuro prximo.
Ademais, a explorao de espcies de
alto valor comercial pode extinguir
populaes, selecionar negativamente
gentipos de algumas espcies e reduzir
o fluxo gnico, sendo os exemplos mais
marcantes Amburana cearensis e Cedrela
fissilis, que so listadas como ameaadas
de extino (IUCN 1997). crucial que
medidas que possam vir a contribuir
para reverter essa tendncia, sejam
implementadas, dentre as quais:
1. Implantao de unidades de
conservao de uso restrito e
tamanho adequado, inclusive a
multiplicao de RPPNs na
regio;
2. Implementao de medidas de
manejo que contribuam para
facilitar a recuperao das
caractersticas primrias das
reas exploradas;
3. Modificao no uso das reas
remanescentes de forma a
diminuir o impacto sobre a
biodiversidade; e
4. Coleta de germoplasma para
assegurar a conservao ex situ e
subsidiar programas de
reintroduo de populaes
extintas ou ameaadas.
O conhecimento cientfico sobre a
biodiversidade da regio, necessa-
riamente, inclui:
1. Inventrios quantitativos e
qualitativos da biodiversidade;
2. Desenvolvimento de tcnicas de
manejo de espcies de
importncia local (ameaadas,
economicamente importantes e
invasoras);
3. Desenvolvimento de tcnicas
para a reintroduo de gentipos
e populaes localmente extintas;
4. Desenvolvimento de tcnicas
para facilitao e recuperao de
reas degradadas; e
5. Valorizao das espcies da flora
e fauna dessas florestas.
Portanto, ao menos que a tendncia
de negligncia com que esse ecossistema
tem sido tratado seja revertida, pouco
restar dos remanescentes pleistocnicos
de floresta tropical estacional seca no
domnio do Cerrado.
137
Floresta estacional decidual
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Captulo 7 Captulo 7
Captulo 7 Captulo 7 Captulo 7
Diversidade alfa e
beta no cerrado
sensu strictu,
Distrito Federal,
Gois, Minas
Gerais e Bahia
Captulo 7 Captulo 7
Captulo 7 Captulo 7 Captulo 7
Diversidade alfa e
beta no cerrado
sensu strictu,
Distrito Federal,
Gois, Minas
Gerais e Bahia
F
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Jeanine Maria Felfili
Manoel Claudio da Silva Jnior
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Jeanine Maria Felfili
Manoel Claudio da Silva Jnior
Departamento de Engenharia Florestal
Universidade de Braslia
Braslia, DF
142
Scariot & Sevilha
Floresta estacional decidual
143
INTRODUO
O bioma Cerrado contm uma das
mais ricas floras dentre as savanas
mundiais com 6.429 espcies j
catalogadas (Mendona et al. 1998), este
abrange uma vasta extenso territorial
ocupando mais de 20 graus de latitude e
10 graus de longitude e, contm as trs
maiores bacias hidrogrficas sul-
americanas. No entanto, seus ambientes
naturais esto sendo rapidamente
convertidos em pastagens e cultivos
agrcolas. Por essas razes, inclusive,
este foi identificado como um dos mais
ricos e ameaados ecossistemas
mundiais (Mittermeyer et al. 1999).
A vegetao do Cerrado ocorre sobre
vrios tipos de solo, mas a maior parte
destes so bem drenados, profundos,
cidos, pobres em nutrientes e com alta
saturao de alumnio. O cerrado sentido
restrito ou sensu stricto (s.s.), que ocupa
aproximadamente 70% do bioma
Cerrado, tem paisagem composta por um
estrato herbceo dominado principal-
mente por gramneas e, um estrato de
rvores e arbustos variando em
cobertura de 10 a 60 % (Eiten 1972).
Segundo Reatto et al. (1998) nas
reas cobertas por cerrado s.s. encontra-
se o Latossolo Vermelho Amarelo
ocupando 21,6%, Latossolo Vermelho
Escuro (18,6%), Areia Quartzoza
(15,2%), Podzlico vermelho-Amarelo
(8,2%), Cambissolo (3,1%), Latossolo
Amarelo (1,5), Latossolo variao UNA
(0,5%). Estes solos podem ainda abrigar
outras formaes, alm do cerrado s.s.,
mas a grande variedade de solos onde
j foi constatada a ocorrncia desta
fisionomia sugere padres floristicos
diferenciados.
Dentro de um mesmo domnio
climtico ou bioma (Allaby, 1992) os
padres fitogeogrficos esto, em geral,
vinculados a determinantes fsicos como
solo, relevo e topografia, que no caso
do Brasil Central foram sobrepostos em
um zoneamento publicado por Cochrane
et al. (1985). Estes identificaram um total
de 70 sistemas de terra em 25 Unidades
Fisiogrficas. Um sistema de terras uma
rea, ou grupo de reas, no qual existe
um padro recorrente de clima, paisagem
144
Felfili & Silva Jnior
e solos. Na presente anlise, procurou-
se associar os padres encontrados por
Cochrane et al. (1985) que tem servido
de base para os projetos Biogeografia e
Biodiversidade do bioma Cerrado, em
relao aos padres de diversidade beta
encontrados.
As pesquisas sobre o modo como
est organizada e distribuda a
biodiversidade nas comunidades do
Cerrado so necessrias para avaliar os
impactos decorrentes de atividades
antrpicas, planejar a criao de
unidades de conservao e para a adoo
de tcnicas de manejo.
O objetivo deste trabalho foi analisar
os padres de diversidade alfa e beta
para o cerrado s.s. que a vegetao
predominante do bioma Cerrado em uma
extenso de 10 graus de latitude para
subsidiar estratgias de manejo e
conservao para a vegetao lenhosa.
MTODOS
reas de estudo
A vegetao lenhosa do cerrado
sensu stricto (s.s.) foi selecionada para
a comparao de 15 locais em trs
Unidades Fisiogrficas do Brasil Central
(Cochrane et al. 1985), veja Figura 1.
Estas foram: 1. Pratinha (Chapada
Pratinha), 2. Veadeiros (Chapada
dos Veadeiros ou Terras Altas do
Tocantins) e 3. So Francisco
(Espigo Mestre do So Francisco).
Estas trs Unidades Fisiogrficas
englobam seis sistemas de terra, dentre
os quais Pratinha contm dois, Veadeiros
Figura 1
Principais Unidades
Fisiogrficas do
Brasil Central
estudadas: 1,2.
Superfcie Pratinha;
3. Chapada do
Tocantins
(Veadeiros); 7.
Espigo Mestre do
So Francisco (Felfili
et al. 1994,
adaptado de
Cochrane et al.
1985).
145
Diversidade alfa e beta
contm trs e So Francisco contm
apenas um. (Figura 2).
As reas de estudo (Tabela 1) foram
selecionadas ao longo de um gradiente
de dez graus de latitude e quatro graus
de longitude iniciando-se da regio
core (Pratinha), para o norte
(Veadeiros) e para o nordeste (So
Francisco). Na Chapada Pratinha foram
amostradas seis reas (veja Felfili et al.
1994), cinco na Chapada dos Veadeiros
(veja Felfili et al. 1997) e quatro no
Espigo Mestre do So Francisco (veja
Felfili et al. 2001).
Dos 15 locais estudados, cinco esto
em unidades de conservao e o restante
em locais no protegidos por lei (Tabela
1). Dentre as unidades de conservao,
trs delas esto na Chapada Pratinha, no
Distrito Federal e distantes cerca de 50km
Figura 2
Locais de estudo em
destaque nos
Sistemas de terra
nas Unidades
Fisiogrficas
estudadas (1,2 =
Chapada Pratinha,
9, 17, 18 =
Chapada dos
Veadeiros e 14 =
Chapada do Espigo
Mestre do So
Francisco (Adaptado
de Felfili & Silva
Jnior 2001).
146
Felfili & Silva Jnior
umas das outras e localizadas no mesmo
sistema de terras, conforme o
zoneamento elaborado por Cochrane et
al. (1985). As UCs estudadas foram o
Parque Nacional de Braslia, com cerca
de 30.000ha, cuja principal
fitofisionomia o cerrado s.s. sobre
Latossolos bem drenados; a rea de
Proteo Ambiental (APA) Gama e
Cabea de Veado, que compreende a
Reserva Ecolgica do IBGE, a Estao
Ecolgica da Fazenda gua Limpa da
Universidade de Braslia e a Estao
Ecolgica do Jardim Botnico de Braslia,
as quais so contguas e totalizam cerca
de 10.000ha cobertas principalmente por
cerrado s.s. sobre Latossolos bem
drenados; a Estao Ecolgica de guas
Emendadas com. 10.000ha, coberta,
principalmente, por cerrado s.s. sobre
latossolos bem drenados, contendo
tambm largas extenses de veredas.
Esta estao protege o local onde as
bacias hidrogrficas do Tocantins e do
So Francisco se encontram e formam
um divisor de guas para as trs maiores
bacias hidrogrficas da Amrica do Sul,
ou seja, Araguaia-Tocantins (Amaznia),
So Francisco e do rio Paran.
O Parque Nacional de Chapada dos
Veadeiros em Gois, com 65.000ha
ocupa completamente um dos trs
sistemas de terra da Chapada dos
Veadeiros, ficando os demais despro-
tegidos. Os campos dominam a paisagem
com o cerrado s.s. ocorrendo em
manchas nos solos rasos, porm,
rochosos na sua maioria.
As unidades de conservao acima
descritas formam a zona nuclear da
Reserva da Biosfera do Cerrado e se
constituem em Patrimnio da
Humanidade reconhecido pela,
Organizao das Naes Unidas para a
Educao a Cincia e a Cultura
(UNESCO, 2002).
Outra unidade de conservao
includa no estudo foi o Parque Nacional
Grande Serto Veredas com 80.000ha
localizado no Espigo Mestre do So
Francisco, nos Estados da Bahia e de
Minas Gerais. Este ocorre em grande
Tabela 1. Latitude, longitude, altitude (m) e precipitao mdia anual (mm)
nos locais de estudo no Brasil Central.
147
Diversidade alfa e beta
parte sobre Areia Quartzoza e contm
as vrias fisionomias de Cerrado, alm
de carrasco e extensas veredas.
Os demais locais estudados, fora das
unidades de conservao, foram
denominados em funo do municpio
escolhido, como base para os trabalhos
de campo.
O clima de todos os locais estudados
se enquadra como Aw, por Kppen, na
Tabela 1 encontra-se a localizao e
outras caractersticas fsicas desses
locais.
As principais atividades econmicas
nos municpios estudados foram a
produo de gros, cuja cultura
mecanizada da soja est em expanso
no So Francisco, a pecuria extensiva,
especialmente em Silvnia (GO) e em
todos os locais da Chapada dos
Veadeiros e a produo de caf em
Paracatu (MG) e Patrocnio (MG).
Amostragem e coleta de da-
dos
Em cada local, a fisionomia cerrado
s.s. foi localizada nas cartas do IBGE e
do Exrcito Brasileiro. Posteriormente, foi
realizado um diagnstico em campo para
a seleo de reas com o menor nmero
de perturbaes possveis e que se
encontrassem em pontos extremos e
intermedirios dos sistemas de terra nas
Unidades Fisiogrficas estudadas. Ou
seja, cada local de estudo esteve
completamente inserido em um sistema
de terra de uma determinada Unidade
Fisiogrfica. O nmero de locais
amostrados por Unidade Fisiogrfica
variou em funo da extenso da
Unidade e do nmero de sistemas de
terra nela existente.
Nessas reas foram estabelecidas, de
modo o mais aleatrio possvel, parcelas
de 20 x 50m, totalizando dez parcelas
por local selecionado para amostragem.
Nas parcelas, todos os troncos lenhosos,
a partir de 5cm de dimetro e a 30cm do
nvel do solo, foram identificados e
mensurados com uma suta nesse ponto.
Na mensurao dos dimetros,
quando os troncos apresentaram formato
irregular, afastando-se da forma
cilndrica, foram tomadas duas medidas
e feita a mdia destas. As alturas foram
consideradas como a projeo vertical
do pice da copa ao solo. As coletas
botnicas, realizadas nas estaes seca
e chuvosa, foram depositada no Herbrio
da Reserva Ecolgica do IBGE onde as
comparaes foram realizadas.
Essa metodologia de amostragem e
coleta de dados foi padronizada de modo
a assegurar a comparabilidade dos dados
coletados em todos os locais amostrados.
A descrio detalhada da metodologia
deste estudo est detalhada em Felfili &
Silva Jnior 2001 e em Felfili et al. 2001.
Anlise dos dados
Uma das unidades bsicas em que
est organizada a biodiversidade so as
comunidades. Esta organizao
apresenta dois componentes: diversidade
alfa e diversidade beta. A diversidade
alfa refere-se ao nmero e a abundncia
de espcies dentro de uma comunidade,
enquanto que a diversidade beta, se
relaciona com as diferenas na
composio de espcies e suas
abundncias entre reas dentro de uma
comunidade (Magurran 1988).
Para avaliar a diversidade alfa nas
comunidades foram utilizados os ndices
de Shannon-Wienner (H) e o de
equabilidade de Pielou (Magurran 1988).
A magnitude da diversidade alfa est
relacionada com a riqueza ou nmero
148
Felfili & Silva Jnior
de espcies por unidade de rea e
equabilidade, ou seja, a distribuio do
nmero de indivduos por espcie
(Magurran 1988).
A diversidade beta foi avaliada pelos
ndices de similaridade de Srensen, que
compara presena e ausncia de espcies
nas reas e pelo ndice de Czekanowski
que considera, alm da presena e
ausncia, a distribuio do nmero de
indivduos por espcie nas comparaes.
Estes ndices variam em uma escala de
0 a 1, sendo que a similaridade
considerada elevada se os valores
superarem 0,5 (Margurran 1988, Kent &
Coker 1992).
A diversidade beta inversamente
proporcional similaridade, ou seja, se
a similaridade entre duas reas for
elevada, a diversidade beta baixa ou
vice-versa. A diversidade beta elevada
entre duas reas quando h poucas
espcies em comum e quando a
distribuio do nmero de indivduos
por espcies comuns for diferenciada
entre as reas.
Uma matriz tendo a abundncia,
expressa pela densidade por hectare
como varivel, foi utilizada para a
ordenao pelo mtodo DECORANA
(Detrended Correspondence Analysis,
Kent & Coker 1992). A distncia entre
os locais no eixo de ordenao foi
utilizada como um indicativo da
diversidade beta para comparao com
os resultados da aplicao dos ndices
de diversidade.
Para todas as comparaes foi
utilizada a densidade por hectare por
espcie em cada um dos 15 locais de
estudo.
A diversidade beta, ou diversidade
entre comunidades em diferentes locais,
foi analisada, assim como os compo-
nentes de riqueza e diversidade
resultantes da forma como esto
organizadas as comunidades de cerrado
s.s. ao longo de um gradiente de 10 graus
de latitude no bioma.
RESULTADOS E DISCUSSO
Riqueza de espcies
A riqueza expressa pelo nmero de
espcies, por rea de estudo, variou de
55 no Parque Nacional de Braslia, na
Chapada Pratinha, a 97 em Serra Negra,
na Chapada dos Veadeiros.
Na Chapada dos Veadeiros, a riqueza
de espcies foi, em geral, elevada, mas
o ndice de diversidade esteve em nveis
similares aos de outros locais menos
ricos devido distribuio de indivduos
por espcie, expressa pelo ndice de
equabilidade (Tabela 2). A distribuio
de indivduos por espcies foi, algumas
vezes, menos eqitativa nas reas mais
ricas como, por exemplo, na Serra Negra
(GO), Serra da Mesa (GO) e em Alto
Paraso de Gois (GO), onde o nmero
de espcies representadas por poucos
indivduos foi mais elevado.
No Espigo Mestre do So Francisco,
o nmero de espcies foi muito similar
nas quatro reas amostradas variando
de 66 em Correntina-BA a 68 em Formosa
do Rio Preto-BA sendo um indicativo de
que a similaridade fsica entre estas
reas, todas localizadas em um nico
sistema de terra, se reflete na riqueza
florstica. Mesmo reas separadas por
mais de 500km de distncia como
Correntina (BA) e Formosa do Rio Preto
(BA) apresentaram riqueza similar.
Na Chapada dos Veadeiros, o
nmero de espcies variou de 82 a 97
enquanto na Chapada Pratinha a
variao foi de 55 a 73 com a maioria
dos locais contendo cerca de 60 espcies
149
Diversidade alfa e beta
lenhosas. Na Chapada dos veadeiros, as
variaes entre locais foram tambm
mais acentuadas mesmo estando os
locais prximos geograficamente, com as
maiores distncias na faixa de 200km.
Nessa Chapada encontram-se trs
sistemas de Terra onde o cerrado pode
ser localizado sobre Cambissolos em
afloramentos rochosos nas encostas,
sobre Areia Quartzoza e sobre Latossolo
(IBGE 1982) enquanto na Chapada
Pratinha predominam os Latossolos e no
Espigo Mestre as Areias Quartzozas.
Isso evidencia que sob as condies
climticas do bioma, as variaes nos
padres de riqueza devem-se,
principalmente, s caractersticas de
solo, topografia, relevo e outras
caractersticas abiticas e biticas.
Considerando que a riqueza de
espcies herbceo-arbustivas em cerrado
s.s. variou de 54 a 121 para amostragens
tambm padronizadas (Felfili et al. 1998,
Filgueiras et al. 1998) e que neste estudo,
em amostragens realizadas com a mesma
base metodolgica (Felfili & Silva Jnior
2001, Felfili et al. 2001) a variao foi de
55 a 97 espcies. Pode se inferir,
portanto, que o cerrado s.s. do Brasil
Central contm, em geral, de 100 a 220
espcies por hectare. Com estes nveis
de riqueza em espcies vasculares o
cerrado s.s. destaca-se dentre as
formaes tropicais, especialmente
dentre as savanas.
Diversidade alfa
A diversidade alfa foi elevada, com
ndices de Shannon & Wienner variando
de 3,734, em Formosa do Rio Preto-BA
no Espigo Mestre do So Francisco, a
3,044 nats.ind-1 em Paracatu-MG na
Chapada Pratinha, e, na maioria dos
locais concentrando-se na faixa de 3,5
nats.ind-1 . Estes valores se aproximam
daqueles encontrados em matas de
galeria do Brasil central e nas florestas
da Amaznia (Felfili 1995, Silva Jnior
et al. 1998). Das localidades comparadas
apenas Silvnia e Paracatu, ambas na
Chapada Pratinha, apresentaram ndices
de diversidade de Shannon & Wienner
abaixo de 3,4 nats.ind-1.
Tabela 2. Riqueza de espcies e diversidade alfa da flora lenhosa do cerrado
sensu stricto, incluindo-se plantas a partir de 5cm de dimetro a
0.30m do nvel do solo, em 15 locais de estudo, inclusos em trs
Unidades Fisiogrficas (Cochrane et al. 1985), So Francisco,
Veadeiros e Pratinha no Brasil Central.
150
Felfili & Silva Jnior
No estrato herbceo estes ndices
variaram de 3,11 nats.ind-1 a 3,62
(Filgueiras et al. 1998) na Chapada
Pratinha apresentando uma variao de
diversidade comparvel com a do estrato
arbreo.
Diversidade beta
Na comparao florstica, pelo ndice
de similaridade de Srensen, entre todas
as reas estudadas da Chapada Pratinha
e tambm do So Francisco verificou-se
que a diversidade beta foi baixa, pois a
similaridade entre os locais foi elevada
(Tabela 3), com todos os valores acima
de 0,5. Na Pratinha, os ndices foram
elevados, mesmo nas comparaes entre
reas em diferentes sistemas de terra, tais
como Paracatu x Parque Nacional de
Braslia.
Em Veadeiros, a similaridade pelo
ndice de Srensen foi elevada entre reas
no mesmo sistema de terras, tais como
Serra Negra x Serra Mesa e tambm,
entre Alto Paraso e Vila Propcio. A
similaridade entre algumas reas em
diferentes sistemas de terra, nessa
mesma unidade fisiogrfica, foi baixa,
principalmente nas comparaes com
Alto Paraso. Portanto, pode-se afirmar
que nesta Chapada, a diversidade beta
foi baixa dentro de um mesmo sistema
de terra, porm, foi elevada na
comparao entre sistemas de terra, ou
seja, os padres de diversidade
apresentaram uma correspondncia com
as variaes do ambiente, as quais foram
consideradas na definio dos sistemas
de terra, especialmente, classes de solo
(ver Haridasan et al. 1997).
Os ndices de similaridade de
Czekanowski, que consideram a
composio florstica e a distribuio de
indivduos por espcie, foram
proporcionalmente mais baixos do que
os de Srensen nas comparaes,
sugerindo uma diferenciao estrutural
entre as reas. De um total de 105
FOR - Formosa; SDE - So Desidrio; COR - Correntina; PGS - PARNA Grande Serto; SNE - Serra Negra; SM - Serra da
Mesa; PVE - PARNA Veadeiros; ALP - Alto Paraso; VPR - Vila Propcio; AGA - APA Gama; PBR - PARNA Braslia; AEM
- guas Emendadas; SIL - Silvnia; PAR - Paracatu; PAT Patrocnio
ndice de Srensen (qualitativo, varia de 0 a 100) com aproximao de 1cm.
ndice de Czekanowski (quantitativo, varia de 0 a 100) com aproximao de 1cm.
Tabela 3. Similaridade da flora lenhosa do cerrado sensu stricto, em plantas
a partir de 5cm de dimetro a 0,30m do nvel do solo, em 15 locais
inclusos em trs Unidades Fisiogrficas (Cochrane et al. 1985),
Espigo Mestre do So Francisco, Chapada dos Veadeiros e
Chapada Pratinha no Brasil Central.
151
Diversidade alfa e beta
comparaes, 63 foram elevadas para o
ndice de Srensen, enquanto apenas
sete foram elevadas para o ndice de
Czekanowski. Portanto a diversidade
beta, ou seja, a diversidade entre locais
, em geral, baixa nas comparaes de
presena e ausncia de espcies. Porm,
torna-se elevada quando o componente
abundncia, expresso pelo nmero de
indivduos por espcie, inserido na
anlise, pois, a maior diferenciao entre
locais est no tamanho das populaes.
Portanto, as comunidades de cerrado
s.s. esto organizadas de modo que a
diversidade beta elevada, devido a uma
distribuio de indivduos por espcies
muito desigual nos locais ao longo do
bioma, apesar de um grande nmero de
espcies ocorrerem em comum.
H uma grande sobreposio na
ocorrncia de espcies em grande parte
dos locais, mas o tamanho das suas
populaes bastante diferenciado. As
espcies que ocorrem em comum so,
em geral, abundantes em uma rea e
raras em outras. Isso ressalta a
necessidade de criao de outras
unidades de conservao no bioma
Cerrado. Mesmo presentes em algumas
unidades de conservao, algumas
espcies ainda no esto protegidas por
ocorrerem em densidades muito baixas.
Ordenao
A ordenao por DECORANA
(Figura 3) indicou que o gradiente
florstico e estrutural seguiu a variao
ambiental englobada pelo zoneamento
elaborado por Cochrane et al. (1985)
especialmente em relao s unidades
fisiogrficas, que funcionaram como
unidades de paisagem ou unidades
ecolgicas com elevada correlao com
as variveis florstico e estruturais
analisadas. O primeiro eixo de ordenao
mostrou um gradiente, desde os cerrados
sobre Latossolos profundos na Pratinha
aos cerrados sobre areia quartzoza no
So Francisco, terminando nos
Cambissolos de Veadeiros (veja
Cochrane et al. 1985, Brasil 1982,
Haridasan et al. 1997 e Haridasan 2001,
para a descrio dos tipos de solo dessas
regies).
Figura 3
Diversidade beta
expressa pelo
posicionamento das
15 reas de cerrado
sensu stricto nos
eixos de ordenao
pelo mtodo
DECORANA, onde
APA GAMA = rea
de Proteo
Ambiental Gama e
Cabea de Veado;
Parna = Parque
Nacional.
152
Felfili & Silva Jnior
Padres fitogeogrficos
Locais em um mesmo sistema de
terras, mesmo distantes cerca de 500km,
tais como entre Correntina (BA) e
Formosa do Rio Preto (BA), foram mais
semelhantes entre si do que locais
distantes, em apenas 50km ou menos,
como Alto Paraso de Gois x Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO)
pelo ndice de Srensen. Ou seja,
gradientes fisiogrficos como solo e
relevo podem exercer maior influncia
nos padres de diversidade beta do que
as variaes latitudinais e longitudinais
dentro do bioma Cerrado. Haridasan et
al. (1997), em um estudo similar para
matas de galeria, verificaram que classes
de solo foram os fatores determinantes
das diferenciaes na Chapada dos
Veadeiros.
Apenas nove espcies foram comuns
a todos os locais, Acosmium
dasycarpum, Aspidosperma tomento-
sum, Bowdichia virgilioides, Byrsonima
coccolobaefolia, Erythroxylum
suberosum, Kielmeyera coriacea, Ouratea
hexasperma, Qualea grandiflora e
Tabebuia ochracea, estas podem ser
consideradas como tpicas do cerrado s.s.
na rea core. Ratter et al. 2000
encontraram 27 espcies de ampla
distribuio geogrfica em 316 locais
amostrados em levantamentos rpidos
no cerrado sensu lato, dentre as espcies
tpicas encontradas neste estudo, apenas
Aspidosperma tomentosum e Ouratea
hexasperma no esto presentes dentre
as listadas pelos referidos autores, pois
no apresentam distribuio to ampla.
O baixo nmero de espcies comuns
a todos os 15 locais, a despeito da
elevada similaridade florstica entre 60%
das comparaes entre locais confirma
sugestes de Ratter & Dargie (1992) e de
Felfili & Silva Jnior (1993) de que a
distribuio de espcies no cerrado s.s.
ocorre em mosaicos.
CONSIDERAES FINAIS
O cerrado s.s. uma rica e diversa
fitofisionomia que apresenta uma
elevada diversidade alfa.
A diversidade beta baixa nas
comunidades de cerrado sensu stricto
quando as comparaes so baseadas
em presena e ausncia de espcies
devido a um elevado nmero de espcies
comuns entre diferentes locais. Porm,
esta se torna elevada nas comparaes
baseadas na densidade de espcies. Ou
seja, conforme j destacado, a
diversidade beta elevada devido a uma
distribuio de indivduos por espcies
muito desigual nos locais ao longo do
bioma, apesar de um grande nmero de
espcies ocorrerem em comum.
A densidade de espcies , portanto,
um importante parmetro para tomada
de decises quanto conservao e
manejo do Cerrado. No estabelecimento
de unidades de conservao torna-se
importante verificar tanto a ocorrncia
das espcies como o tamanho de suas
populaes. No delineamento de
estratgias para manejo e extrativismo
sustentvel tornam-se fundamentais
avaliaes quantitativas com preciso
suficiente para o planejamento da
produo regional.
O relacionamento entre os padres
de diversidade e as caractersticas fsicas
do ambiente (Felfili & Silva Jnior 2001)
traz a possibilidade de modelagem
desses padres de acordo com
zoneamentos fisiogrficos e fision-
micos, tais como o elaborado por
Cochrane et al. 1985.
Quanto representatividade das
unidades de conservao em relao aos
padres de diversidade beta, aqui
estudados, verificou-se que a confi-
gurao original do Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros insuficiente
153
Diversidade alfa e beta
para proteger a diversidade florstica
daquela Chapada. Tambm se verificou
que todas as unidades de conservao
da Chapada Pratinha esto concentradas
no Distrito Federal, deixando as terras
baixas da Chapada, que incluem
Paracatu-MG e Patrocnio-MG,
desprotegidas e que o Parque Grande
Serto Veredas bastante representativo
do Espigo Mestre.
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155
Solos e paisagem
William A. Hoffmann
Department of Botany
North Carolina State University
Raleigh, NC 27695-7612, EUA
Captulo 8 Captulo 8
Captulo 8 Captulo 8 Captulo 8
Ecologia
comparativa de
espcies lenhosas
de cerrado e
de mata
Captulo 8 Captulo 8
Captulo 8 Captulo 8 Captulo 8
Ecologia
comparativa de
espcies lenhosas
de cerrado e
de mata
William A. Hoffmann
Department of Botany
North Carolina State University
Raleigh, NC 27695-7612, EUA
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A
156
Hoffmann
157
Ecologia comparativa de espcies lenhosas
INTRODUO
Entender os fatores que determinam
a localizao atual de ectonos um
desafio fundamental para gerar previses
das distribuies dos principais tipos de
vegetao sob climas ou regimes de
distrbios alterados. Nos trpicos, um
ectono de grande importncia a
transio entre savana e floresta. No
passado, essa transio sofreu grandes
modificaes, e fez com que as reas de
florestas se contrassem ou expandissem,
conforme as mudanas climticas
(Delegue et al., 2001; Desjardins et al.,
1996; Pessendra et al. 1998; van der
Hammen, 1992). Da mesma forma
espera-se que haja mudanas nas
distribuies desses biomas pelos climas
futuros (Bergengren et al., 2001; Neilson
et al., 1998).
As tentativas de modelar a dinmica
do ectono entre savanas e florestas
tropicais tem se baseado em premissas
extremamente simplistas e no-realistas
(Steffan 1996). Primeiro, de modo geral,
supe-se que o determinante principal
da transio savana-floresta a
disponibilidade de gua (Foley et al.,
1996; Neilson et al., 1995, Prentice et
al., 1992; Woodward et al.,1995). Essa
simplificao incompleta, pois a
distribuio de savanas tropicais no
somente determinada pela
disponibilidade de gua, mas tambm
pelo fogo, disponibilidade de nutrientes,
e em algumas regies, pela herbivoria
(Solbrig 1992).
Outra premissa no muito realista
de alguns modelos, que as espcies de
savana so decduas, enquanto as
espcies de mata so sempre-verdes. Isso
no reflete a realidade do cerrado e das
outras savanas midas, onde a maioria
das espcies savnicas mantm folhas
durante a estao seca. A maioria dos
modelos nem reconhece que existe uma
diferena entres espcies de savana e de
floresta, pois supem que a transio
entre esses biomas caracterizada
somente por uma descontinuidade na
densidade de rvores. Isso tambm
simplista, pois a flora do cerrado quase
completamente diferente das matas
(Felfili & Silva Junior, 1992).
Esses problemas, na tentativa de
modelar a dinmica da transio entre
savana e floresta, refletem a falta de
estudos comparativos entre esses dois
158
Hoffmann
grupos de espcies. (Longman & Jenk,
1992). Em contraste a isso, nas florestas
tropicais, muitos estudos se
concentraram em entender as diferenas
entre pioneiras e espcies de clmax,
fornecendo informaes valiosas para
entender a dinmica de florestas. Para
entender a dinmica do ectono savana-
floresta, precisa-se de mais estudos
comparativos entre as espcies desses
dois biomas.
O Cerrado oferece oportunidades
excelentes para desenvolver estudos
comparativos entre espcies de savana
e de floresta. O grande nmero de
gneros contendo tanto espcies de
Cerrado quanto espcies de mata permite
comparaes estatisticamente poderosas
sem problemas de filogenia comuns em
trabalhos comparativos.
Aqui so apresentadas alguma
comparaes entre as espcies de floresta
e as de cerrado, dando nfase
tolerncia ao fogo e padres de
crescimento e repartio de biomassa.
Deve-se ressaltar que existem diversas
formaes florestais dentro do Bioma
Cerrado, tais como cerrado (distrfico
e mesotrfico), mata de galeria
(inundvel e no inundvel), mata seca
(sempre-verde, semidecdua e decdua;
Ribeiro & Walter 1998). Essas formaes
florestais se encontram em condies
diversas de edafologia e hidrologia
(Ribeiro & Walter 1998), com
composies florsticas distintas
(Oliveira-Filho & Ratter 1995),
complicando qualquer tentativa de
comparar espcies florestais e savnicas.
RESPOSTA AO FOGO
Uma das principais diferenas entre
o ambientes de savana e o de floresta
a freqncia de fogo. O cerrado e outras
savanas sofrem altas freqncias de fogo,
enquanto florestas so menos
inflamveis, onde o fogo freqentemente
no penetra (Biddulph & Kellman, 1998;
Cochrane et al., 1999), embora distrbios
antrpicos ou condies extremas de
clima possam aumentar a chance de o
fogo adentrar em formaes florestais
(Cochrane et al., 1999).
A resposta ao fogo de espcies de
floresta e de cerrado reflete claramente
os regimes de fogo enfrentados nesses
ambientes. Espcies de cerrado tm uma
maior capacidade de sobreviver ao fogo
do que as espcies de floresta (Figura
1). No estgio de plntula, essa diferena
j evidente. De 12 espcies de cerrado
onde existem dados, 11 exibiram a
capacidade de sobreviver ao fogo na
primeira estao seca aps o
estabelecimento (Figura 1A). A nica
espcie sem capacidade de sobreviver,
Miconia albicans, parece ser sensvel
devido ao pequeno tamanho da semente
(Hoffmann, 2000), pois dentre as 12
espcies a sobrevivncia foi altamente
correlacionada com peso de semente
(Figura 1A; r = 0.77; P< 0.01). Em
contraste, nenhuma das trs espcies de
mata, ocorrendo neste caso em cerrado,
sobreviveu ao fogo (Figura 1A).
Essa diferena de resposta ao fogo
continua at a maturidade. A
comparao dos efeitos de fogo no
estrato arbreo em nove stios em floresta
amaznica (Uhl & Buschbacher, 1985;
Kauffman, 1991; Holdsworth & Uhl,
1997; Cochrane & Schulze, 1999; Peres,
1999) com os efeitos em 11 stios de
cerrado (Sato, 1996; Sato & Miranda,
1996; Silva et al., 1996; Silva, 1999)
revela a maior resistncia de espcies de
Cerrado ao fogo (Figura 1B). Na floresta
amaznica, a mdia de sobrevivncia foi
de 38% enquanto no Cerrado essa mdia
foi de 89%. No entanto, em mata seca
na Bolvia, a sobrevivncia foi de 79%
(Pinard et al. 1999).
159
Ecologia comparativa de espcies lenhosas
Vrios fatores podem contribuir para
essas diferenas de sensibilidade ao fogo.
Por exemplo, em comparao s espcies
de mata de galeria, espcies de cerrado
tendem a ter casca mais espessa (Figura
2), a qual fornece proteo contra
temperaturas altas (Vines, 1968; Silva &
Miranda, 1996). Espcies de cerrado
tambm investem mais em biomassa de
razes do que espcies de mata (Figura
3a; Hoffmann & Franco, 2003). J que
os teores de carboidrato em razes de 10
espcies de cerrado no diferiram de 10
espcies de mata de galeria (Hoffmann
et al 2003), a maior biomassa de razes
indica maior disponibilidade de
carboidratos para a rebrota de espcies
de savana.
Essa diferena na sensibilidade ao
fogo certamente tem um importante
papel na dinmica do ectono cerrado-
mata. Apesar das florestas serem menos
inflamveis do que cerrado, o fogo
ocasionalmente penetra nelas, causando
grandes danos devido baixa tolerncia
das espcies florestais ao fogo. Quando
ocorre repetidamente, existe o risco de
contrao da rea florestal, como foi
observado em savanas africanas
(Hopkins, 1992). Do mesmo modo,
quando o ectono sujeito ao fogo
freqente, o estabelecimento (Hoffmann,
1996) e sobrevivncia (Hoffmann, 2000)
de espcies florestais nas reas de
cerrado so pouco provveis, eliminando
a expanso florestal que observada em
Figura 1
Comparao da resposta
ao fogo de espcies de
mata e de cerrado. A)
Sobrevivncia de
plntulas sujeitas
queima no primeiro ano
de vida. Cada ponto
representa uma espcie.
Dados de sobrevivncia
so de Dalbergia
miscolobium (Dmi;
Franco et al. 1996),
Blepharocalyx salicifolius
(Bs; Matos 1994),
Dimorphandra mollis
(Dmo; Andrade et al.
2001), Brosimum
gaudichaudii (Bg),
Guapira noxia (Gn),
Kielmeyera coriacea (Kc),
Miconia albicans (Ma),
Myrsine guianensis (Mg),
Periandra mediterranea
(Pm), Roupala montana
(Rm), Rourea induta (Ri),
Zeyheria montana (Zm),
Alibertia macrophylla
(Am), Ocotea
pomaderroides (Op), e
Pera glabrata (Pg;
Hoffmann 2000), Dados
sobre pesos de sementes
foram obtidos de
Hoffmann (2000) e
Lorenzi (1998). B)
Sobrevivncia de adultos
queimados. Os dados
foram obtidos de estudos
feitos no nvel de
comunidade em cerrado
e mata amaznica (Uhl &
Buschbacher (1985),
Kauffman (1991), Sato
(1996), Sato & Miranda
(1996), Silva, Sato &
Miranda (1996),
Holdsworth & Uhl
(1997), Silva (1999),
Cochrane & Schulze
(1999), Peres (1999))
160
Hoffmann
alguns casos de proteo contra o fogo
(Ratter, 1992).
REPARTIO DE BIOMASSA
Alm da diferena na razo raiz/
parte area (Figura 3A), existem outras
diferenas ntidas entre esses dois grupos
de espcies, principalmente na repartio
de biomassa e morfologia. Hoffmann &
Franco (2003) compararam o
crescimento e repartio de biomassa de
nove pares de espcies vicariantes em
condies de viveiro. Cada par desse
inclua uma espcie de mata e outra de
cerrado. Em geral, as espcies de mata
foram mais altas que as de cerrado,
mesmo nos primeiros cinco meses de
vida, apesar de ter pesos secos
semelhantes. Enquanto essa tendncia
obvia para plantas adultas, pois
fisionomias florestais so mais altas do
que formaes de cerrado, essa diferena
em porte j se manifesta no inicio do
desenvolvimento de plntulas (Figura 3B).
Espcies de cerrado tambm tendem
a ter baixos valores de RAF (razo de
rea foliar), ou seja, a rea foliar dividida
pelo peso total da planta (Figura 3C),
indicando que as espcies de cerrado
investem menos na captura de luz. Esse
valor menor de RAF devido a menor
rea foliar por peso foliar (folhas mais
espessas) e menor peso foliar por peso
total da planta (Hoffmann & Franco,
2003).
Figura 2
Comparao da
espessura da casca de
dez pares de espcies
de cerrado e mata de
galeria. (Hoffmann et
al, 2003). Em todos os
gneros, a espcie de
cerrado teve casca mais
espessa (P< 0.01). As
espcies de cerrado so
A. tomentosum,
Byrsonima crassa, D.
macrocarpum, G. noxia,
H. stigonocarpa,
Miconia pohliana,
Myrsine guianensis, O.
hexasperma, S.
crassifolia e V.
thyrsoidea. As espcies
de mata so A.
subicanum, B. laxiflora,
D. morototoni, G.
areolata, H. courbaril,
Miconia chartacea,
Myrsine umbelata, O.
castaneafolia, S.
elliptica e V. tucanorum.
161
Ecologia comparativa de espcies lenhosas
Essas diferenas em repartio de
biomassa corroboram os resultados
encontrados por Felfili et al. (2001),
Moreira & Klink (2000) e Paulilo &
Felippe (1998). A consistncia dessas
caractersticas dentre as espcies em
cada ambiente indica evoluo
convergente, que uma forte evidncia
de que essas caractersticas so
adaptaes aos ambientes de cerrado e
de mata (Wanntorp et al., 1990). Em
mata, onde a luz considerada como
um dos principais fatores que limitam o
crescimento de plntulas, espcies com
porte alto e um grande investimento em
rea foliar teriam mais sucesso na
competio por luz. Em cerrado, a luz
abundante, mas gua e nutrientes
provavelmente so mais limitantes, ento
o maior investimento em razes
vantajoso (Gleeson & Tilman 1992).
Apesar desses dois grupos de
espcies exibirem claras diferenas na
repartio de biomassa, as espcies de
cerrado no tiveram menores taxas de
crescimento relativo (TCR) do que as
espcies de mata (Hoffmann & Franco,
2003). Porm, muito provvel que essa
diferena surja em fases mais avanadas
de desenvolvimento das plntulas.
Muitos estudos j demonstraram que a
Figura 3
A) Razo raiz/parte
area de espcies de
cerrado e de mata. B)
Alturas de plntulas de
espcies de cerrado e de
mata C) Razo de rea
foliar (rea foliar por
unidade de peso total
da planta) de espcies
de cerrado e de mata.
Os erros padres foram
baseados na variao
entre espcies. Dados
so de Hoffmann &
Franco (2003) e as
espcies so Alibertia
concolor. A.
macrophylla, Aspi-
dosperma macrocarpon,
A. subincanum,
Brosimum gaudichaudii,
B. rubescens,
Enterolobium
gummiferum, E.
contortisiliquum,
Guapira noxia, G.
graciliflora, Hymenaea
stignocarpa, H.
courbaril, Jacaranda
ulei, J. puberbula,
Ouratea hexasperma, O.
castaneaefolia, Salacia
crassifolia e S. elliptica.
162
Hoffmann
TCR fortemente correlacionada com a
razo de rea foliar (Huante, et al., 1995;
Kitajima, 1994; Lambers & Poorter, 1992;
Wright & Westoby, 2000). Em termos
relativos, a razo de rea foliar se reduziu
mais rapidamente nas espcies de
cerrado do que nas de mata, ao longo
do estudo. Do 50
o
dia at o 150
o
dia, a
razo de rea foliar das espcies de
cerrado diminuiu 33%, enquanto que a
das espcies florestais diminuiu somente
21% (Figura 3C). Se espcies de cerrado
continuarem a exibir maiores redues
na razo de rea foliar, ento as taxas
de crescimento dessas plantas podero
ser menores do que as de mata
(Hoffmann & Franco 2003).
CONSIDERAES FINAIS
Existe uma grande necessidade de
entender a dinmica do ectono entre
cerrado e matas, e para realizar isso ser
necessrio um maior conhecimento das
diferenas ecolgicas e fisiolgicas entre
as espcies desses dois ambientes. A
maior sensibilidade ao fogo das espcies
florestais sugere que esse fator tem sido
importante em limitar a distribuio
atual de florestas (principalmente
cerrado) no bioma Cerrado, como foi
sugerido por outros autores (Oliveira-
Filho & Ratter, 2002). A maior
capacidade de sobreviver ao fogo das
espcies savnicas pode ser explicada
pelo maior investimento em casca e em
razes.
O maior investimento em razes nas
espcies de cerrado, relativo s de mata,
tambm deve melhorar a capacidade de
aquisio de gua e nutrientes. Junto
com o fogo, esses fatores so
considerados importantes determinantes
da distribuio de savanas e florestas
(Frost et al. 1986). preciso estudar
melhor a resposta desses dois grupos de
espcies disponibilidade de gua e de
nutrientes, para entender mais
profundamente a dinmica das diversas
formas fisionmicas do bioma Cerrado.
O Cerrado oferece condies
excelentes para estudos comparativos
devido ao grande nmero de gneros
contendo espcies de savana e de mata.
Em nenhuma outra regio do mundo
encontra-se uma situao to favorvel
para realizar comparaes robustas da
ecologia, morfologia e fisiologia desses
dois grupos.
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Captulo 9 Captulo 9
Captulo 9 Captulo 9 Captulo 9
Competio por
nutrientes em
espcies arbreas
do cerrado
Captulo 9 Captulo 9
Captulo 9 Captulo 9 Captulo 9
Competio por
nutrientes em
espcies arbreas
do cerrado
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Mundayatan Haridasan
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia DF
Mundayatan Haridasan
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia DF
168
Hoffmann
Ecologia comparativa de espcies lenhosas
169
INTRODUO
Uma questo interessante a ser
levantada em qualquer estudo ecolgico
de comunidades de alta biodiversidade
se h competio entre populaes que
a compem quanto repartio de
recursos naturais, especialmente os mais
escassos. Nesse sentido, no se conhece
nenhuma anlise das estruturas
populacionais das espcies arbreas do
cerrado, num ambiente reconhe-
cidamente pobre em nutrientes
(Haridasan, 2000, 2001). Alm das
adaptaes nutricionais das espcies
individuais, a competitividade tambm
um fator importante a ser estudado
para melhor definir o funcionamento
deste ecossistema e para futuro
aproveitamento das espcies nativas. A
discusso a seguir est restrita aos
macronutrientes Ca, Mg, K e P no cerrado
(sentido restrito), definindo-o como uma
fitofisionomia com cobertura arbrea
entre 20 a 50%. A terminologia utilizada
para definir as variaes que existem na
fitofisionomia do cerrado varia bastante
entre pesquisadores. Goodland (1971),
por exemplo, sugeriu os limites mnimo
e mximo de 15 e 55% para cobertura
de copa para definir o cerrado. Ribeiro e
Walter (1998) definiram cerrado sentido
restrito em um sentido mais amplo para
incluir em um extremo, o cerrado denso
com cobertura arbrea de 50 a 70% e,
em outro, o cerrado rupestre e o cerrado
ralo, com cobertura arbrea entre 5 e
20%. Entre estes extremos, o cerrado
tpico definido como uma fisionomia
com 20 a 50% de cobertura arbrea. A
definio de cerrado ralo foi sugerida
para substituir o termo campo cerrado
utilizado por autores como Coutinho
(1978).
COMPOSIO FLORSTICA DO
CERRADO
A composio florstica das
comunidades arbreas do cerrado um
assunto exaustivamente discutido na
literatura brasileira (Castro et al., 1999).
Entretanto, uma das contribuies mais
importantes nos ltimos anos foi o
reconhecimento de padres regionais
(geogrficos) na composio florstica da
flora lenhosa por Ratter et al. (1996).
Alm de determinar a ocorrncia de
170
Haridasan
diferentes comunidades vegetais em
solos distrficos e mesotrficos, ainda
foi definida a existncia de diferentes
grupos de espcies em distintas regies
geogrficas. So poucas as espcies que
possuem ampla distribuio geogrfica
na regio do cerrado. Das 534 espcies
encontradas em 98 levantamentos,
apenas 28 ocorreram em mais de 50%
dos locais e trs espcies em mais de
70% dos locais. Adaptaes
ecofisiolgicas em resposta ao estresse
hdrico em funo da durao da poca
seca e da quantidade da precipitao, e
em resposta s variaes de temperatura,
especialmente da temperatura mnima
durante o inverno, devem contribuir para
estes padres geogrficos.
DENSIDADE ARBREA NO
CERRADO (SENTIDO RESTRITO)
As estimativas da densidade arbrea
em comunidades nativas do cerrado
(sentido restrito) variam conforme o
critrio utilizado para incluso de plantas
lenhosas nos levantamentos
fitossociolgicos e a extenso da rea de
amostragem. Felfili et al. (2000)
estudando durante nove anos as
alteraes na composio florstica de
um cerrado (sentido restrito) no Distrito
Federal encontraram entre 806 e 945
indivduos por hectare com dimetro
mnimo de 5cm a 30cm de solo. Outros
critrios utilizados por outros autores
incluem a circunferncia mnima do
tronco na altura do peito (1,3m) de 10cm
e a altura mnima de 1 ou 2m. Assim, a
estimativa da densidade de rvores pode
variar bastante entre levantamentos.
Um limite superior para o nmero
de espcies arbreas, por hectare, do
cerrado (sentido restrito) parece ser em
torno de 70. O nmero de espcies
encontrado varia dependendo do
tamanho de rea amostrada. Felfili et al.
(2000) encontraram 61 espcies em
parcelas permanentes de 1,9ha no incio
de seus estudos em 1985, e 57 espcies,
nove anos depois. Nas diferentes
amostragens, 90% das espcies foram
encontradas na primeira metade (0,9ha)
da rea amostrada. Apenas oito espcies
(13% do total) foram responsveis por
50% dos indivduos e 19 espcies (31%)
por 75%. Assim, como neste estudo, a
maioria dos levantamentos comprova
que menos da metade de todas as
espcies encontradas so responsveis
por mais de 75% do nmero de
indivduos e rea basal da comunidade.
Por exemplo, Lilienfein et al. (2001), em
levantamento recente de um cerrado em
Latossolo Vermelho em Uberlndia,
constatou que apenas sete espcies
representam 76% dos 602 indivduos por
hectare com mais de 2m de altura. Silva
(1990), em um cerrado na Fazenda gua
Limpa no Distrito Federal, encontrou 204
indivduos em 1.800m
2
, correspondendo
a 1.133 rvores por hectare, com
dimetro maior que 5cm, a 30cm de
altura, distribudas entre 35 espcies.
COMPETIO POR LUZ E GUA
Franco (2002) discute as diferenas
na capacidade fotossinttica e nas
adaptaes ecofisiolgicas e nos
mecanismos de tolerncia ao estresse
hdrico entre as espcies lenhosas do
cerrado. As evidncias indicam a
existncia de diferentes mecanismos
entre as espcies lenhosas que permitem
compartilhamento de recursos escassos
e contribuem para a alta biodiversidade
neste ecossistema. As possveis
diferenas no sistema radicular e
171
Competio por Nutrientes
conseqentes diferenas na utilizao de
gua na comunidade arbrea do cerrado
foram analisados por Jackson et al.
(1999).
COMPETIO POR NUTRIENTES
De modo geral, podemos assumir
que o ambiente edfico dentro de limites
de uma comunidade de cerrado (sentido
restrito) relativamente uniforme.
Quando os fatores edficos como
fertilidade, profundidade efetiva,
presena de concrees e proximidade
superfcie do lenol fretico variam, a
fitofisionomia muda (Eiten, 1972;
Haridasan, 1994). As principais classes
de solo que suportam o cerrado (sentido
restrito) na regio central do Planalto
Central brasileiro so Latossolos
Vermelhos e Neossolos Quartzarnicos.
Estes solos, de modo geral, quando
suportam cerrado (sentido restrito), so
profundos e bem drenados, e no
apresentam restries ao crescimento
radicular das rvores. Quando a
profundidade se torna limitante, por
causa de concrees laterticas ou
ferruginosas ou afloramento de rochas,
a fisionomia comum de campo cerrado
ou cerrado rupestre (Ribeiro & Walter,
1998).
As disponibilidades de nutrientes em
um Latossolo Vermelho e um Neossolo
Quartzarnico sob cerrado (sentido
restrito) esto apresentadas na Tabela 1.
Nestes ambientes a distribuio de razes
est concentrada nas camadas mais
superficiais, diminuindo drasticamente
com a profundidade (Abdala et al., 1998;
Delitti et al., 2001). Com o alto grau de
intemperismo e profundidade geralmente
maior do que 2m, as camadas inferiores
no devem desempenhar nenhum papel
significativo na nutrio mineral das
plantas nativas do cerrado (Burnham,
1989; Nepstad et al., 2001). improvvel
tambm o aproveitamento de formas de
Tabela 1. Disponibilidade de nutrientes em um Latossolo Vermelho (Fazenda
gua Limpa, DF) e um Neossolo Quartzarnico (Parque Nacional
Grande Serto Veredas, MG) sob vegetao nativa de cerrado
(sentido restrito).
172
Haridasan
P e K consideradas indisponveis (no
extradas pelos extratores convencionais
como de Mehlich e de Bray) apesar da
quantidade total destes nutrientes no
solo ser bem maior que a frao
disponvel (Nepstad et al., 2001).
Portanto, a manuteno deste
ecossistema, deve depender de uma
reciclagem fechada e eficiente de
macronutrientes, P, K, Ca e Mg, ainda
existindo a possibilidade de entrada de
quantidades pequenas atravs de
precipitao (Coutinho, 1979).
Uma das maneiras de comparar a
competitividade entre as espcies
analisar as concentraes de nutrientes
foliares para determinar as exigncias
nutricionais e o estado nutricional em
condies naturais. Esta metodologia
tem sido utilizada para comparar
adaptaes nutricionais das espcies
nativas em diferentes solos e para
determinar a influncia da fertilidade do
solo na composio florstica das
comunidades (Arajo & Haridasan,
1988; Haridasan, 1987, 1992; Medina &
Cuevas, 1989). Uma maior concentrao
de nutrientes nos tecidos vegetais poder
ser uma indicao de maior
disponibilidade de nutrientes no solo, de
maior exigncia das espcies em relao
aos nutrientes, ou de melhor
aproveitamento do ambiente edfico, por
uma espcie em comparao a outras
que apresentam menores concentraes.
Se isso ocorre em relao s espcies que
apresentam maior dominncia relativa
em uma comunidade em ambiente pobre
em nutrientes, seria uma comprovao
da melhor competitividade destas
espcies, por causa de um melhor
aproveitamento de nutrientes. Por outro
lado, menores concentraes de
nutrientes em espcies mais abundantes
sero evidncias de que baixos requisitos
nutricionais so uma vantagem
competitiva.
Na Tabela 2 esto apresentadas as
concentraes foliares de K, Ca, Mg e P
em 35 espcies arbreas em um cerrado
em Latossolo Vermelho distrfico no
Distrito Federal (Silva, 1990). Doze
das 35 espcies deste levantamento
(Tabela 2) so de ampla distribuio
geogrfica na regio dos cerrados,
conforme Ratter et al. (1996). Nenhuma
delas citada como espcie indicadora
de solo mesotrfico. A seguir algumas
caractersticas desta comunidade:
1. As concentraes foliares
encontradas esto na faixa de valores
comum em comunidades nativas em
solos distrficos (Haridasan, 1992).
Algumas destas espcies quando
ocorrem em solos mesotrficos
apresentam maiores concentraes de Ca
e de outros ctions. A faixa de variao
das concentraes de nutrientes entre as
espcies ainda grande, com a
proporo entre os valores mximo e
mnimo sendo 3,9 no caso de Mg e 10,4
no caso de Ca (Tabela 2). Para um
ambiente homogneo isto indica uma
diversidade alta na utilizao de
nutrientes entre as espcies que ocorrem
no local, um conceito compatvel com
modelos como de Tilman (1982) e Cody
(1986) para explicar o compartilhamento
de recursos em ambientes pobres.
2. De modo geral, as espcies com
maior nmero de indivduos tambm
apresentam a maior biomassa por
indivduo (Figura 1). Entre as espcies
mais abundantes, com mais de 50
indivduos por hectare, as excees
foram as espcies que no crescem em
altura como Ouratea hexasperma,
Piptocarpha rotundifolia e Palicourea
173
Competio por Nutrientes
Tabela 2. Concentraes foliares de nutrientes em espcies arbreas de um
cerrado (sentido restrito) em Latossolo Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990).
Competio por Nutrientes
173
*Espcies de ampla distribuio na regio dos cerrados conforme Ratter et al. (1996).
174
Haridasan
rigida. Assim, o tamanho da populao
no restringiu o tamanho do indivduo,
nem houve competio significativa
neste aspecto entre populaes de
diferentes espcies. Com poucos
indivduos da maioria das espcies
impossvel determinar os efeitos de
competio em toda a comunidade.
3. Apenas cinco espcies foram
responsveis por 78% da biomassa total
(Figura 2) e sete espcies por 56% dos
indivduos (Figura 3). De modo geral,
estas espcies que contriburam com o
maior nmero de indivduos e com a
maior parte da biomassa da comunidade
apresentaram as menores concentraes
de nutrientes nas folhas (Figura 4). Elas
podem ser consideradas menos exigentes
em nutrientes e capazes de
desenvolverem bem em solos distrficos.
Essa menor exigncia de nutrientes
parece ser uma vantagem competitiva em
espcies mais abundantes, tambm
devido a sua maior contribuio para a
biomassa total da comunidade. Por outro
lado, algumas espcies com as maiores
concentraes apresentaram menor
nmero de indivduos e menor biomassa
por rvore, indicando que, talvez, estas
Figura 1
Relao entre a
biomassa e o
nmero de
rvores das 35
espcies em um
cerrado em
Latossolo
Vermelho no
Distrito Federal
(Silva, 1990).
Figura 2
Compartilhamento
da biomassa
area entre as 35
espcies arbreas
em um cerrado
em Latossolo
Vermelho no
distrito Federal
(Silva, 1990)
175
Competio por Nutrientes
so mais exigentes em nutrientes e no
conseguem aumentar sua populao em
ambientes pobre em nutrientes.
4. Um aspecto que pode contribuir
para uma menor competitividade por
nutrientes entre as sete espcies com
maior nmero de indivduos o fato de
que elas pertencem a diferentes grupos
funcionais: Duas delas (Sclerolobium
paniculatum e Dalbergia violacea)
pertencem Leguminosae e diferem das
outras em relao ao uso de nitrognio;
duas outras (Qualea parviflora e
Palicourea rigida) so acumuladoras de
alumnio com um mecanismo diferente
para superar o problema de alta
disponibilidade deste elemento no solo.
No se dispe de informaes sobre
aspectos como distribuio de razes ou
associaes micorrzicas nestas espcies
para explorar melhor o assunto da
competitividade entre elas na utilizao
de nutrientes.
Discusses passadas, relativas a
pesquisa sobre o funcionamento de
ecossistemas do cerrado, tm enfatizado
a necessidade de investigar os efeitos da
maior disponibilidade de gua e de
nutrientes (deslocamento ao longo de
Figura 3
Densidade
relativa das 35
espcies arbreas
em um cerrado
em Latossolo
Vermelho no
Distrito Federal
(Silva, 1990)
eixos de disponibilidade de gua e de
nutrientes) e de perturbaes (Frost et
al., 1985; Baruch et al., 1996).
Entretanto, um melhor entendimento
sobre a competio por nutrientes,
especialmente entre as espcies que
contribuem com as maiores populaes
e biomassas, essencial para explicar a
coexistncia destas espcies nos
ambientes distrficos.
CONSIDERAES FINAIS
Apesar da alta biodiversidade de
espcies arbreas em comunidades
nativas do cerrado (sentido restrito) em
solos distrficos, relativamente poucas
espcies constituem as maiores
populaes e contribuem para a maior
parte da biomassa e estoque de
nutrientes. As concentraes de
nutrientes foliares variam bastante entre
estas espcies. Entretanto, aquelas mais
abundantes parecem ser menos exigentes
em nutrientes por apresentarem,
relativamente, menores concentraes
foliares e maiores nmeros de
indivduos. Nesta categoria, Qualea
parviflora e Caryocar brasiliense, duas
espcies com maior nmero de
176
Haridasan
indivduos e menor exigncia nutricional
encontradas por Silva (1990) so de
ampla distribuio geogrfica em toda a
regio dos cerrados (Ratter et al., 1996).
Futuros estudos devem se concentrar
nos diferentes mecanismos que as
espcies nativas, possivelmente,
possuem para sobreviver nos ambientes
distrficos, talvez evitando superposio
de nichos nutricionais. A eficincia no
uso de nutrientes e a capacidade para
produzir grandes quantidades de
biomassa em solos com menor
disponibilidade de nutrientes, talvez seja
um critrio importante na seleo de
espcies para a recuperao de reas
degradadas (Montagnini, 2001).
Figura 4
Relao entre a
concentrao foliar de
nutrientes e o nmero
de rvores das 35
espcies em um
cerrado em Latossolo
Vermelho no Distrito
Federal (Silva, 1990).
177
Competio por Nutrientes
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179
Solos e paisagem
Captulo 10 Captulo 10
Captulo 10 Captulo 10 Captulo 10
Biodiversidade de
forma e funo:
implicaes
ecofisiolgicas das
estratgias de
utilizao de gua e
luz em plantas
lenhosas do
Cerrado
F
O
T
O
:

C
M
B
B
C
Captulo 10 Captulo 10
Captulo 10 Captulo 10 Captulo 10
Biodiversidade de
forma e funo:
implicaes
ecofisiolgicas das
estratgias de
utilizao de gua e
luz em plantas
lenhosas do
Cerrado
F
O
T
O
:

C
M
B
B
C
Augusto C. Franco.
Departamento de Botnica
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Augusto C. Franco.
Departamento de Botnica
Universidade de Braslia
Braslia, DF
180
Haridasan
Competio por Nutrientes
181
INTRODUO
Na sua maior parte, o complexo
vegetacional do Cerrado est localizado
no Planalto Central do Brasil, no qual
em termos fitofisionmicos, predominam
as formaes savnicas, que se
caracterizam por um estrato arbreo de
densidade varivel e um estrato
arbustivo-herbceo dominado por
gramneas. O clima sazonal, com
invernos secos e veres chuvosos. A
maior parte das chuvas se concentra no
perodo de outubro a abril. Os solos so
geralmente profundos e bem drenados e
com uma baixa disponibilidade de
nutrientes (Goodland & Ferri 1979;
Haridasan 2001). Nitrognio, fsforo e
vrios ctions ocorrem em nveis muito
baixos e os nveis de alumnio do solo
so extremamente altos (Haridasan 1982;
Sarmiento 1984). Alm disso, so
freqentes as queimadas na estao seca,
causando impactos importantes na
estrutura e na composio florstica da
vegetao (Coutinho 1982).
Modelos que procuram explicar a
estrutura da vegetao em savanas
tropicais colocam a gua e os nutrientes
como recursos limitantes em um sistema
solo-gua de dois compartimentos (Two-
layered soil-water system ; Walter 1973;
Walker & Noy-Meir 1982). O fator gua
impe um limite acumulao de
biomassa area e conseqentemente
densidade de rvores, enquanto o fogo,
as interaes competitivas e a herbivoria
contribuem para manter o tamanho das
populaes abaixo deste limite (Walker
& Noy-Meir 1982; Goldstein & Sarmiento
1986). Gramneas com o seu sistema
radicular superficial e denso so
presumivelmente melhores competidores
por gua (e possivelmente nutrientes) no
perfil superior do solo, enquanto plantas
lenhosas com razes profundas teriam
acesso exclusivo s camadas
subsuperficiais, que permanecem
midas durante todo o ano. O
crescimento de plantas lenhosas estaria
efetivamente repartido entre as duas
estaes climticas, com o incremento
no dimetro do caule ocorrendo durante
o perodo chuvoso e a produo de
folhas e a florao ocorrendo durante a
estao seca (Sarmiento 1984; Sarmiento
et al. 1985). Gramneas perenes, por
182
Franco
outro lado, atravessariam uma fase de
dormncia durante a estao seca. Est
tambm implcito, nesse modelo de dois
compartimentos, que o recrutamento de
rvores dependente da sua capacidade
de suportar a competio com razes de
gramneas durante o seu desenvol-
vimento inicial e de apresentar um
rpido crescimento do sistema radicular
para alcanar as reservas de gua do
subsolo (Medina & Silva 1990).
Uma das grandes limitaes destes
modelos no considerarem os impactos
da diversidade funcional e estrutural da
vegetao lenhosa e suas implicaes na
utilizao espacial e temporal dos
recursos. A complexidade funcional e
estrutural do componente herbceo das
savanas tropicais foi abordada por
Sarmiento (1984), que analisou os
impactos das diferentes estratgias
fenolgicas na utilizao e repartio
temporal dos recursos do ambiente.
Apesar de reconhecer a complexidade
estrutural do componente lenhoso,
Sarmiento (1984) considerou a grande
maioria das espcies lenhosas como
pereniflias, com acesso s camadas
mais profundas do solo, que
permaneceriam midas ao longo do ano.
Sarmiento et al. (1985) analisaram
alguns aspectos relacionados
diversidade funcional do componente
arbreo, ao discutirem as possveis
estratgias de utilizao de gua e
nutrientes entre espcies lenhosas
decduas e pereniflias.
As anlises de Sarmiento (1984) e
Sarmiento et al. (1985) tiveram como
base, estudos realizados nas savanas da
Venezuela. No entanto, as savanas do
norte da Amrica do Sul so
caracterizadas por uma baixa
diversidade de espcies lenhosas,
enquanto as comunidades de cerrado so
extremamente complexas em termos
estruturais (Oliveira-Filho et al. 1989;
Henriques 1993), e ricas em espcies
lenhosas endmicas. Mais de 500
espcies de rvores e arbustos foram
encontradas na regio do cerrado (Ratter
et al. 1996) e parcelas individuais de
0,1ha podem conter mais de 70
diferentes espcies (Felfili & Silva Jr.
1993). A variedade na forma, no
tamanho e grau de esclerofilia do limbo
foliar das espcies lenhosas, assim como,
a grande diversidade de formas de vida
so caractersticas marcantes em
qualquer rea de cerrado (Eiten 1972).
Alm disso, a vegetao arbustivo-
arbrea se ressalta pela riqueza de tipos
fenolgicos (Franco 2002; Paula 2002;
Franco et al. 2005). Essa diversidade
fenolgica e morfolgica provavelmente
implica em diferentes padres de
distribuio do sistema radicular e em
diferentes estratgias de utilizao de
gua. Apesar das diferenas na extenso
do sistema radicular (Rawitscher 1948;
Rizzini & Heringer 1962; Jackson et al.
1999), o alto investimento em estruturas
subterrneas caracteriza as espcies
lenhosas do cerrado (Abdala et al. 1998;
Paulilo & Felippe 1998; Hoffmann &
Franco 2003). Isto tem um efeito
considervel no balano de carbono,
representando um dreno importante dos
produtos fotossintticos que poderia ser
investido em desenvolvimento da parte
area.
A vegetao do cerrado caracteriza-
se por uma grande heterogeneidade
estrutural, ao englobar formaes
predominantemente campestres, como o
campo sujo e formaes florestais, como
o cerrado, que diferem na composio
florstica e fitossociolgica (Goodland &
Pollard 1973; Goodland & Ferri 1979).
Essa diversidade fisionmica resulta em
uma explorao diferenciada da gua
disponvel ao longo do perfil do solo
(Franco 2002). Alm disso, proporciona
183
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
gradientes luminosos distintos ao longo
da paisagem e ao longo da estrutura
vertical da vegetao, resultando em
diferenas acentuadas no nvel de
sombreamento que uma planta pode
estar exposta ao longo do seu
desenvolvimento. Portanto, espera-se
que plantas lenhosas do cerrado
possuam uma variedade de estratgias
de utilizao de gua e luz, com efeitos
marcantes da sazonalidade no balano
de carbono de espcies de fenologias
contrastantes.
Este captulo aborda os efeitos da
sazonalidade das chuvas nas relaes
hdricas, fotossntese e produtividade de
espcies lenhosas do cerrado e na sua
capacidade de estabelecimento em
condies naturais. Aspectos relacio-
nados ao alto investimento de plantas
em estruturas subterrneas e suas
implicaes tambm so examinados.
Finalmente, postula-se que a tolerncia
e o potencial de aclimatao a diferentes
nveis de sombreamento tm um papel
importante na capacidade de espcies
lenhosas de colonizar as diferentes
formaes vegetais que caracterizam a
paisagem do cerrado.
INVESTIMENTO EM SISTEMA
RADICULAR: SUAS IMPLICAES
NO ACESSO A RESERVAS DE GUA
DO SUBSOLO E SUA FUNO
COMO ESTRUTURAS DE
ARMAZENAMENTO.
Para germinar as sementes
necessitam de gua. Em condies
naturais, espcies lenhosas do Cerrado
germinam com facilidade na poca
chuvosa, mas tm que enfrentar um
longo perodo seco (Labouriau et al.
1963). No Planalto Central, a estao
chuvosa geralmente se estende de
outubro a abril. O ms de maio um
ms de transio, em que a
disponibilidade de gua nas camadas
superficiais do solo apresenta grandes
variaes interanuais (Franco 2002).
Dessa maneira, espcies lenhosas teriam
um perodo de sete a oito meses para
germinar e se desenvolver at o incio
da estao seca, quando a disponibi-
lidade de gua nas camadas superficiais
do solo decresce rapidamente (Franco
2002). No entanto, dependendo da sua
durao, perodos secos durante a
estao chuvosa (veranicos) podem
reduzir significativamente a disponibi-
lidade de gua nas camadas superficiais
do solo (Franco 2002) e conseqen-
temente podem afetar a sobrevivncia e
o desenvolvimento inicial de plntulas
(Hoffmann 1996). Portanto, espera-se
que plantas do Cerrado invistam
inicialmente no crescimento rpido do
sistema radicular e no desenvolvimento
de rgos de reserva para garantir a
sobrevivncia na seca e s queimadas
freqentes que ocorrem durante esta
estao (Labouriau et al. 1963; Handro
1969; Hoffmann et al. 2004).
Em termos de biomassa, plantas do
Cerrado investem predominantemente
em sistema radicular nos estgios iniciais
de desenvolvimento, com uma razo
raiz/parte area entre 1 e 9 para plantas
entre 5 e 7 meses de vida (Paulilo &
Felippe 1998; Moreira & Klink 2000). Em
um estudo comparativo de pares
congenricos de espcies de cerrado e
mata de galeria, Hoffmann & Franco
(2003) encontraram valores da relao
raiz/parte area na faixa de 2,3 para as
espcies de cerrado com 5 meses de
idade, enquanto as espcies de mata de
galeria atingiram o valor de 1,3. Na
maioria das espcies de cerrado, os
valores da relao raiz/parte area
aumentaram ao longo dos primeiros 5 a
7 meses de idade (Moreira & Klink 2000;
Hoffmann & Franco 2003). No entanto,
184
Franco
o alto investimento em razes no
significa necessariamente que as razes
atinjam grandes profundidades. Em uma
compilao dos dados existentes na
literatura, Rizzini (1979) mostrou que a
maioria das espcies mantinha as razes
acima de 0,5m de profundidade aps um
ano de vida e no ultrapassavam cerca
de 1m de profundidade aps o segundo
ano de vida. Estudos mais recentes
confirmam a pouca profundidade
alcanada pelas razes de espcies
lenhosas do cerrado nos primeiros meses
de vida (Moreira & Klink 2000).
A forma de investimento no sistema
radicular poderia depender da fenologia
da espcie. Dessa maneira, espcies
decduas necessitariam de reservas de
carboidratos estocadas na raiz para
rebrotar e desenvolver a nova copa.
Plntulas e indivduos jovens de espcies
decduas tpicas do cerrado como
Kielmeyera coriacea e Dalbergia
miscolobium j possuem alta capacidade
para rebrotar e de sobreviver s
queimadas caractersticas da poca seca,
mesmo com a perda total da parte area
(Oliveira & Silva 1993; Franco et al.
1996a; Nardoto et al. 1998; Braz et al.
2000). Por outro lado, plntulas de
espcies pereniflias, como Sclerolobium
paniculatum e Vochysia elliptica,
dependeriam de um crescimento inicial
rpido das razes para ter acesso s
camadas mais profundas e midas do
solo durante a estao seca ou de
mecanismos fisiolgicos de resistncia
falta de gua. Alm disso, muitas
espcies que no perdem totalmente as
folhas apresentam uma reduo
considervel no nmero de folhas
durante a estao seca ou trocam as
folhas durante a poca seca (Franco
1998; Maia 1999; Franco et al. 2005).
Portanto, estas tambm vo necessitar
de reservas de nutrientes para repor
rapidamente a copa ou para rebrotar
aps as queimadas, que resultam em
perda total da folhagem. Estudos
relacionando o desenvolvimento inicial
do sistema radicular com a fenologia e a
capacidade de sobreviver a queimadas
se fazem necessrios.
Este alto investimento em razes se
mantm nos indivduos adultos. Ao nvel
de ecossistema, a razo raiz/parte area
varia entre 1 e 8, dependendo do tipo de
fitofisionomia de Cerrado (Castro &
Kauffman 1998; Abdala et al. 1998). As
razes podem atingir profundidades
superiores a 6-7m, onde a
disponibilidade de gua mais estvel
ao longo do ano (Rawitscher 1948;
Abdala et al. 1998; Jackson et al. 1999).
No entanto, estudos de distribuio de
razes de plantas do cerrado mostraram
que a explorao do perfil do solo
complexa e depende da espcie (Ferri
1944; Rawitscher 1948; Ferri & Coutinho
1958), resultando na extrao de gua
ao longo de todo o perfil do solo (Jackson
et al. 1999; Bucci 2001).
A presena de um sistema radicular
profundo em muitas espcies implica
que as razes superficiais fiquem envoltas
em um solo seco durante a estao seca,
enquanto as razes mais profundas
estariam em contato com um solo mido.
Portanto, existiria a possibilidade de
ocorrncia de ascenso hidrulico, ou
seja, uma parte da gua extrada das
camadas mais midas pelas razes seja
perdida para as camadas superficiais do
solo, se o potencial hdrico do solo for
mais negativo do que o potencial hdrico
das razes superficiais (Richards &
Caldwell 1987; Dawson 1993). Ascenso
hidrulico ocorre geralmente noite,
quando a diminuio da transpirao
suficiente para permitir que o potencial
hdrico das razes exceda o potencial
hdrico das camadas mais secas do solo.
Baseado nos padres dirios de fluxo de
185
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
seiva na raiz e no caule e manipulaes
experimentais, Scholz et al. (2002)
mostraram a ocorrncia de ascenso
hidrulico na poca seca para vrias
espcies do cerrado. Estes resultados
foram confirmados por Moreira et al.
(2003), que utilizaram soluo de gua
deuterada como marcador para
demonstrar transferncia da gua
resultante de ascenso hidrulico, das
razes laterais das plantas cuja raiz
principal recebeu esta soluo de gua
deuterada, para as camadas superficiais
do solo e para as plantas vizinhas. No
entanto, falta determinar a importncia
e o impacto dessa redistribuio da gua
do solo por ascenso hidrulico para o
balano hdrico da vegetao do cerrado.
Alm dos seus efeitos marcantes no
balano hdrico do solo e da vegetao,
este macio investimento em estruturas
subterrneas resulta num reservatrio de
nutrientes (Rizzini & Heringer 1962;
Paviani 1978; Arasaki & Felippe 1991;
Sassaki & Felippe 1998), que permite o
rebrotamento da vegetao em resposta
a distrbios como queimadas, corte ou
herbivoria. Desta maneira, pode ocorrer
um rpido aumento na biomassa do
componente lenhoso do Cerrado em
reas protegidas do fogo (Goodland &
Ferri 1979; Henriques 1993).

OS EFEITOS DO DEFICIT HDRICO
SAZONAL NO ESTABELECIMENTO E
DESENVOLVIMENTO DE PLNTULAS
Este alto investimento inicial em
biomassa radicular no implica que o
deficit hdrico sazonal no seja um fator
limitante para o estabelecimento e
desenvolvimento de plntulas. As razes
continuam expostas ao deficit hdrico
sazonal nos primeiros anos de vida, pois
no atingem as camadas de solo mais
midas. Portanto, a limitao na
disponibilidade de gua do solo deveria
afetar a sobrevivncia de plntulas e
indivduos jovens, cujos sistemas
radiculares ficariam mais expostos
escassez de gua nas camadas
superficiais do solo, caracterstico da
poca seca. No entanto, a seca sazonal
no parece ter um grande efeito na
sobrevivncia de plntulas de espcies
lenhosas do cerrado. Handro (1969)
relatou que mudas de Andira humilis,
com dois meses de idade, transplantadas
no cerrado durante a estao chuvosa,
eram capazes de sobreviver estao
seca subseqente. Resultados
semelhantes foram encontrados para K.
coriacea (Nardoto et al. 1998) e D.
miscolobium (Braz et al. 2000).
Oliveira & Silva (1993), em um
trabalho com duas espcies de
Kielmeyera no cerrado, mostraram que
essas espcies germinavam prontamente
no campo e as plntulas resultantes
apresentavam uma alta taxa de
sobrevivncia apesar da ao do fogo e
de uma seca intensa que ocorreu no
primeiro ano. Bowdichia virgilioides
Kunth uma leguminosa arbrea comum
nos cerrados do Planalto Central e em
outras savanas da Amrica do Sul, como
os llanos venezuelanos (Sarmiento
1984). Sementes escarificadas desta
espcie germinam rapidamente em
condies naturais e a maior parte de
sua mortalidade ocorre logo aps a
emergncia, durante a estao chuvosa
(Kanegae et al. 2000), mostrando assim
que a estao seca no um fator
importante de mortalidade. Plntulas de
D. miscolobium e K. coriacea tambm
possuem alta mortalidade durante a
estao chuvosa (Franco et al. 1996b).
Por outro lado, a estao seca afeta a
produtividade mesmo de espcies
pereniflias, como B. virgilioides e
Copaifera langsdorffii, pelo menos nos
primeiros anos de vida (Kanegae et al.
2000, Azevedo et al. 2001).
186
Franco
OS EFEITOS DO DEFICIT HDRICO
SAZONAL NAS RELAES
HDRICAS.
Em uma primeira abordagem,
poder-se-ia especular que plantas do
cerrado no estariam expostas s
variaes pluviomtricas, a partir do
momento que o sistema radicular tivesse
acesso s camadas mais profundas do
solo, que permanecem sempre midas.
No entanto, o simples acesso a reservas
de gua no subsolo no garante que uma
planta consiga extrair gua suficiente
para fazer frente demanda evaporativa
da atmosfera e seja capaz de manter um
balano hdrico favorvel sem regular a
taxa de transpirao.
Tradicionalmente considera-se que
espcies lenhosas do cerrado transpiram
livremente, mesmo durante a estao
seca. Em grande parte, isto se deve a
uma interpretao errnea dos resultados
obtidos por Rawitscher, Ferri e outros,
utilizando folhas destacadas nas dcadas
de 1940 a 1960. Em uma reviso destes
resultados, Rizzini (1976) j mostrava
que estes autores encontraram um
contnuo de respostas, desde espcies
que aparentemente no diminuam a
transpirao, a espcies que apresenta-
vam uma restrio considervel da
transpirao durante a estao seca.
Estudos mais recentes, utilizando
mtodos fsicos para determinar o grau
de abertura estomtica nas folhas,
demonstraram que a grande maioria das
espcies lenhosas restringe a abertura
estomtica durante a estao seca
(Johnson et al. 1983; Franco 1983; Perez
& Moraes 1991a,b; Franco 1998; Moraes
& Prado 1998; Franco & Lttge 2002).
Algumas espcies apresentam restrio
estomtica mesmo durante a estao
chuvosa, dependendo da demanda
evaporativa da atmosfera (Franco 1998;
Naves-Barbiero et al. 2000; Franco &
Lttge 2002). Perodos secos de curta
durao na estao chuvosa rapidamente
levam a uma reduo considervel na
abertura estomtica e na taxa de
assimilao de CO
2
(Mattos et al. 2002).
A regulao da abertura estomtica
se reflete no fluxo transpiratrio da
planta. A utilizao de medidores de
fluxo de seiva permite a medio
contnua do fluxo transpiratrio ao nvel
de indivduo. Meinzer et al. (1999),
Naves-Barbiero et al. (2000) relataram
que espcies lenhosas do cerrado
regulam o fluxo transpiratrio tanto na
estao seca como na estao chuvosa.
A restrio do fluxo transpiratrio nas
horas de maior demanda evaporativa e
que se acentua na estao seca, foi
tambm relatada ao nvel de
ecossistema, utilizando mtodos
micrometeorolgicos (Maitelli & Miranda
1991; Miranda et al., 1997). Desta
maneira muitas espcies lenhosas do
cerrado regulam a abertura estomtica,
que resulta em um controle acentuado
da taxa de transpirao ao nvel de
indivduo e de ecossistema.
Como a perda de gua pelas plantas
ocorre principalmente pelas folhas, a
necessidade de regulao do fluxo
transpiratrio poderia depender da
fenologia da planta. Baseado em estudos
realizados na Venezuela, Sarmiento al.
(1985) postularam que espcies decduas
de savanas tropicais teriam um sistema
radicular superficial, uma forte regulao
da abertura estomtica e s rebrotariam
aps o incio da estao chuvosa. Por
outro lado, espcies sempre-verdes
teriam razes profundas que forneceriam
um suprimento adequado de gua,
permitindo a manuteno de altas taxas
de transpirao mesmo durante a estao
seca. No entanto, o estudo de Jackson
et al. (1999) comparando a composio
isotpica do hidrognio da gua do solo
187
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
de diferentes profundidades com a da
seiva do xilema, mostrou que muitas
espcies decduas possuam um sistema
radicular profundo, enquanto espcies
sempre-verdes apresentavam um sistema
radicular mais superficial em um cerrado
do Brasil Central. Estes resultados esto
de acordo com os padres fenolgicos
de espcies decduas, em que o
rebrotamento ocorre no final da estao
seca, atingindo pleno desenvolvimento
da copa no incio da estao chuvosa
(Figura1; Franco et al. 2005). Em vrias
espcies sempre-verdes, como Myrsine
guianensis, a produo de novas folhas
s se inicia com o retorno das chuvas
(Figura 1). No entanto, existem espcies
sempre-verdes e decduas do cerrado
com sistema radicular superficial, que
rebrotam na seca (Franco et al. 2005).
Ajustes na razo entre a rea foliar e a
rea do xilema e a regulao da abertura
estomtica em resposta a variaes no
deficit de saturao de vapor do ar levam
a uma diminuio considervel das
flutuaes sazonais da transpirao em
plantas lenhosas do cerrado (Bucci et al.
2005). Alm disso, a capacidade de
armazenamento de gua tambm pode
minimizar as variaes na demanda
transpiratria e no balano hdrico, como
demonstrado em rvores de florestas
tropicais (Goldstein et al. 1998). Espcies
decduas e sempre-verdes respondem de
uma maneira similar a variaes no
dficit de saturao de vapor do ar (Bucci
Figura 1
Variaes sazonais na
porcentagem de folhas em
ramos de 10 indivduos de
Caryocar brasiliense (A) e
Myrsine guianensis (B) em
uma rea de cerrado
sensu stricto da Reserva
Ecolgica do IBGE,
Braslia, DF. Para C.
brasiliense, foram
selecionadas 20 folhas de
cada indivduo escolhidas
aleatoriamente em 10 de
outubro de 1997 e que
foram acompanhadas at
a queda. Os valores
porcentuais foram
expressos em relao a
esse nmero inicial de 200
folhas. Folhas produzidas
em 1998 so as novas
folhas que emergiram
neste mesmo ano, em 5-9
ramos dos 10 indivduos
selecionados. Neste caso,
os valores foram expressos
em relao ao nmero
mximo de folhas, que foi
obtido em 31 de outubro
e se manteve em 30 de
novembro de 1998. Em M.
guianensis, o total de
folhas corresponde
frao de folhas que
foram contadas em ramos
dos 10 indivduos
selecionados, em relao
ao nmero mximo de
folhas que foi observado
em 26 de janeiro de 1998.
A quantidade de folhas
novas foi expressa em
relao ao nmero total
de folhas determinado a
cada data de contagem de
folhas. Para cada um
destes indivduos de M.
guianensis foi
acompanhada a produo
de folhas de 7-15 ramos
por indivduo. A barra
negra delimita a estao
seca. Adaptado de Maia
(1999).
188
Franco
et al. 2005), mas no existem estudos
sobre a capacidade de armazenamento
de gua em espcies lenhosas do
cerrado, seus efeitos nos fluxos
transpiratrios e no balano hdrico da
planta e sua relao com a fenologia.
Franco (2002) apresenta uma anlise
detalhada da interao entre o solo,
planta e atmosfera na determinao do
balano hdrico de plantas do cerrado e
na sua capacidade de rebrotar durante a
estao seca.
OS EFEITOS DO DEFICIT HDRICO
SAZONAL NA FOTOSSNTESE E
PRODUTIVIDADE
Em ltima anlise, a produtividade
de uma planta depende principalmente
da rea verde disponvel para absoro
de luz e das taxas de fotossntese. O
carbono assimilado no processo
fotossinttico repartido entre os
processos de crescimento, manuteno,
reproduo e armazenamento. Plantas
lenhosas do cerrado apresentam taxas
relativamente altas de assimilao
mxima de CO
2
, entre 6 a 20 mol m
-2
s
-
1
(Prado & Moraes 1997; Moraes & Prado
1998; Franco & Lttge 2002). No entanto,
o investimento macio em estruturas
subterrneas representa um dreno
importante dos produtos fotossintticos
que poderia ser investido em crescimento
da parte area.
No cerrado, as variaes sazonais
na disponibilidade de gua do solo e
variaes diurnas e sazonais na demanda
evaporativa da atmosfera so
considerveis (Franco 1998; 2002;
Meinzer et al. 1999). As taxas de
assimilao de CO
2
(A
CO2
) sofrem uma
diminuio significativa para a maioria
das espcies durante a estao seca
(Franco 1998; Moraes & Prado 1998;
Maia 1999; Naves 2000). Esta diminuio
est correlacionada a uma reduo na
abertura estomtica que ocorre tanto
durante a estao seca, quanto ao longo
do dia em qualquer poca do ano, se a
demanda evaporativa da atmosfera for
muito alta (Franco 1998; Meinzer et al.
1999; Naves 2000). O fechamento parcial
dos estmatos e as altas taxas de
fotorrespirao implicam em uma
reduo marcante na taxa de assimilao
potencial de CO
2
ao longo do dia,
impondo uma forte limitao no balano
de carbono foliar de espcies lenhosas
do cerrado (Franco & Lttge 2002).
Estudos com mudas de espcies lenhosas
do cerrado mostraram que o ponto de
compensao fotossinttico (A
CO2
=0)
atingido quando o potencial hdrico foliar
est na faixa de 2,4 a 3,9 MPa (Prado
et al. 1994; Sassaki et al. 1997; Moraes
& Prado 1998). O potencial hdrico das
camadas superficiais do solo atinge
valores nessa faixa durante a estao
seca (Kanegae et al. 2000; Franco 2002).
A maioria das espcies apresenta uma
reduo acentuada da rea foliar
disponvel durante a estao seca mesmo
em espcies que mantm uma copa
verde ao longo do ano (Figura 1; Franco
1998; Naves 2000).
Apesar de manterem uma copa
verde, o balano de carbono de espcies
sempre-verdes sofre uma restrio
considervel durante a poca seca.
Franco (1998) estimou que para a espcie
sempre-verde R. montana, haveria uma
reduo de 66% na absoro de CO
2
pela
planta no final da estao seca, em
funo de redues na taxa de
assimilao de CO
2
e reduo na rea
foliar total da planta, devido queda de
folhas e perda parcial do limbo foliar
devido herbivoria. Reduo da rea
foliar causada por patgenos no foi
considerada e pode ter um efeito mais
significativo do que herbivoria para
muitas espcies do cerrado. Marquis et
189
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
al. (2001) encontraram que herbivoria
por insetos no final da estao seca
resultou em uma perda de rea foliar de
6,8%, enquanto os danos causados por
patgenos resultaram em uma perda de
17,3% para 25 espcies do cerrado.
Enquanto a maior parte do ataque por
herbvoros ocorre nos estgios iniciais
de desenvolvimento do limbo foliar, a
ao de patgenos se estende ao longo
de todo o perodo de durao de uma
folha (Marquis et al. 2001). Portanto,
folhas de durao mais longa tenderiam
a acumular mais danos devido ao
de patgenos. Franco et al. (2005)
apresenta uma anlise detalhada do
balano de carbono em espcies
decduas e sempre-verdes do cerrado. No
entanto, deve-se ressaltar que existe uma
diversidade de tipos fenolgicos entre as
espcies lenhosas do Cerrado, que deve
ser considerado nos modelos de previso
do balano de carbono em nvel de folha
ou de indivduo.

HETEROGENEIDADE DE HABITAT E
SOMBREAMENTO: EFEITOS NO
BALANO DE CARBONO
A taxa de assimilao de CO
2
depende da densidade de ftons na faixa
fotossinteticamente ativa (DFF) que so
absorvidos pela folha. Em condies
naturais, espcies do cerrado apresentam
uma grande variao na resposta
fotossinttica a variaes da DFF (Prado
& Moraes 1997; Franco & Lttge 2002).
Em uma rea de cerrado sensu stricto do
Brasil Central, Blepharocalyx salicifolius
apresenta caractersticas tpicas de
plantas de ambientes sombreados, ou
seja, a taxa de assimilao de CO
2
aumenta rapidamente sob baixas
intensidades luminosas e alcana
rapidamente a saturao, enquanto
Sclerolobium paniculatum s satura a
altas intensidades luminosas (Figura 2).
O cerrado, como outras savanas,
caracteriza-se por um estrato herbceo
Figura 2
Variao da taxa de
assimilao lquida de
CO
2
em funo da
densidade de fluxo de
ftons na faixa
fotossinteticamente
ativa (DFF) em folhas
de Blepharocalyx
salicifolius (3 folhas) e
Sclerolobium
paniculatum (2 folhas)
em condies naturais
em um cerrado da
Fazenda gua Limpa,
Braslia, DF. Franco
(1998) apresenta uma
descrio da rea de
estudo. Os dados
foram coletados com
um sistema porttil
para medir
fotossntese e
transpirao modelo
301-PS da CID Inc.,
Vancouver, USA. A DFF
foi atenuada com
auxlio de telas
sobrepostaas de
sombrite brancas ou
pretas, colocadas
sobre a cmara foliar
do aparelho. Dados
coletados nos dias 4 e
7 de junho de 1994,
entre 9-11h da
manh. O solo estava
mido, com o
potencial de gua do
solo maior do que -0,1
MPa a 30 e 60cm de
profundidade (Franco
1998).
190
Franco
contnuo, entrecortado por um estrato
arbreo de densidade varivel. Ao longo
da paisagem encontra-se desde
formaes campestres como o campo
limpo, em que rvores e arbustos so
praticamente inexistentes, at formaes
florestais, como o cerrado. Desta
maneira, o nvel de sombreamento a que
uma planta lenhosa no cerrado estar
exposta vai variar em funo do seu
tamanho e da estrutura da vegetao.
Devido ao dossel arbreo, os efeitos do
sombreamento podem ser crticos no
cerrado. Por exemplo, B. virgilioides
ocorre no campo sujo, em que
predomina o estrato herbceo e em
formaes florestais, como o cerrado.
Neste tipo de fitofisionomia, Kanegae et
al. (2000) mostraram que a DFF
incidente a 5cm acima do solo, resultaria
em um valor estimado de A
CO2
de
somente 40 a 70% da A
CO2
para a mesma
altura no campo sujo e entre 20 e 40%
da A
CO2
para uma superfcie sem
sombreamento. No campo sujo,
proporo que a planta cresce, o
sombreamento diminuiria rapidamente,
devido ao baixo porte do dossel
herbceo, que atingiu uma altura
mxima de 50cm. Resultados
semelhantes foram observados para K.
coriacea (Nardoto et al. 1998) e D.
miscolobium (Braz et al. 2000). Esses
resultados sugerem que o sombreamento
pode ser um dos principais fatores que
limitam o desenvolvimento inicial de
plantas lenhosas do cerrado.
medida que a planta cresce em
ambientes abertos, a disponibilidade de
luz aumenta e o efeito do sombreamento
diminui. No entanto, o sombreamento
continuaria sendo um fator restritivo
para a assimilao de CO
2
em ambientes
florestais como o cerrado, mesmo para
plantas adultas, se no atingirem o dossel
superior. Espcies helifitas seriam mais
afetadas. Alm disso, a estao das
chuvas caracteriza-se por uma alta
nebulosidade, reduzindo considera-
velmente a intensidade luminosa durante
o perodo luminoso e provavelmente
afetando o balano de carbono das
folhas, mesmo em ambientes expostos
(Franco 2002).

HETEROGENEIDADE DE HABITAT E
SOMBREAMENTO: POTENCIAL DE
ACLIMATAO E DISTRIBUIO DE
BIOMASSA.
Essa heterogeneidade nas condies
luminosas em funo da variabilidade
do componente arbreo implica que
espcies tpicas do cerrado deveriam
possuir capacidade de aclimatao a
condies contrastantes de sombrea-
mento. O aparato fotossinttico de
Cybistax antisyphilitica e Tabebuia
chrysotricha mostrou uma boa
capacidade de aclimatao a condies
contrastantes de sombreamento (Prado
et al. 2005). No entanto, essas duas
espcies so mais caractersticas de
ambientes florestais. Em termos de
anatomia foliar, Miconia ibaguensis e M.
stenostachya apresentaram uma alta
plasticidade, quando foram comparadas
folhas coletadas em um cerrado aberto
e no sub-bosque de uma mata ripria
(Marques et al. 2000). Os dados no
foram correlacionados s variaes na
sua capacidade de assimilao de CO
2
ou aos padres de crescimento nesses
dois ambientes. Folhas de indivduos
jovens de Qualea grandiflora no sub-
bosque de um cerrado e no campo sujo
mantiveram valores semelhantes de
eficincia fotossinttica sob baixas
intensidades luminosas (Figura 3). No
entanto, as folhas das plantas do
cerrado apresentaram menores valores
de eficincia fotossinttica quando
expostas a altas intensidades luminosas,
191
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
indicando uma maior suscetibilidade
fotoinibio.
O sombreamento afetou a
capacidade de acumulao de biomassa
e sua distribuio em mudas de
Copaifera langsdorffii submetidas a
diferentes nveis de sombreamento em
viveiro (Salgado et al. 2001). Mudas
expostas a 90% de sombreamento
tiveram um maior crescimento em altura
e um maior nmero de folhas, quando
comparadas a mudas em condio de
pleno sol. No entanto, apresentaram uma
diminuio acentuada na quantidade de
biomassa acumulada. A maior parte do
aumento de biomassa para as mudas
expostas ao pleno sol deveu-se
acumulao acentuada de biomassa em
sistema radicular. Resultados semelhan-
tes foram encontrados para outras
espcies do cerrado (Hoffmann & Franco
2003). Portanto o sombreamento pode
limitar a tolerncia dessas espcies a
estresses ambientais como o deficit
hdrico sazonal e perturbaes como o
fogo, devido a limitaes no armazena-
mento de carboidratos no sistema
radicular. Por outro lado, o investimento
em sistema radicular resulta em uma
menor capacidade de competio com
espcies florestais, que investem
principalmente nas estruturas areas e
no crescimento em altura (Hoffmann &
Franco 2003).
Esta diferena marcante nos nveis
de sombreamento pode implicar em uma
sucesso de espcies ou tipos funcionais
ao longo da paisagem, em que espcies
tolerantes ao sombreamento seriam
caractersticas de formaes florestais
como o cerrado e espcies helifitas
com mecanismos eficientes para tolerar
ou amenizar os efeitos potenciais de
fotoinibio vo predominar em
ambientes abertos. Devido ao alto grau
de variabilidade da cobertura arbrea na
paisagem, espcies com ampla
distribuio entre os diferentes tipos
fisionmicos de vegetao do cerrado
deveriam apresentar uma maior
capacidade de aclimatao a diferentes
nveis de sombreamento. Esta hiptese
nunca foi testada para o cerrado.
Figura 3
Eficincia fotossinttica
em resposta a
variaes na densidade
de fluxo de ftons na
faixa
fotossinteticamente
ativa (DFF) de folhas de
indivduos jovens de
Qualea grandiflora em
uma rea de campo
sujo e de cerrado na
Fazenda gua Limpa,
Braslia, DF. Kanegae et
al. (2000) apresentam
uma descrio da rea
e das variaes diurnas
e sazonais da DFF nas
duas fitofisionomias.
Os valores de eficincia
fotossinttica do
fotossistema II foram
obtidos a partir de
medidas de
fluorescncia da
clorofila a, com um
fluormetro porttil
PAM 2000 da Heinz
Walz GmbH, Effeltrich,
Alemanha. Cada folha
foi acondicionada na
cmara foliar do
aparelho e mantida no
escuro por quinze
minutos, cobrindo a
cmara com papel
laminado. Em seguida
a intensidade luminosa
foi aumentada em
intervalos de dois
minutos utilizando o
LED de luz vermelha ou
a lmpada de
halognio do
instrumento para obter
os diferentes valores de
DFF. Em cada
fitofisionomia, foram
medidas 4 plantas
(uma folha por planta).
192
Franco
CONSIDERAES FINAIS
Devido alta demanda evaporativa
da atmosfera e a seca sazonal, rvores e
arbustos do cerrado regulam fortemente
a abertura estomtica, mesmo na poca
chuvosa e com isso reduzem a sua
capacidade potencial de assimilao de
carbono. Alm disso, os altos valores de
irradiao solar e altas temperaturas
incrementam a fotorrespirao, que pode
levar a perdas considerveis de carbono
pelas folhas. Estas restries diurnas e
sazonais na capacidade de assimilao
de carbono e o alto investimento em
sistema radicular limitam o rpido
desenvolvimento da parte area.
Apesar do seu efeito na produti-
vidade, a seca sazonal no parece ser
um fator importante de mortalidade para
plantas em processo de estabelecimento.
Por outro lado, o sombreamento pelo
estrato arbreo pode ter um efeito
marcante na capacidade de assimilao
de carbono. Isto pode implicar em uma
sucesso de espcies ou tipos funcionais
ao longo da paisagem, em que espcies
tolerantes ao sombreamento seriam
caractersticas de formaes florestais
como o cerrado e espcies helifitas
com mecanismos eficientes para tolerar
ou amenizar os efeitos potenciais de
fotoinibio vo predominar em
ambientes abertos e teriam uma maior
capacidade de rebrotar e tolerar os altos
nveis de irradiao solar aps uma
queimada.
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197
Solos e paisagem
Balano de carbono
em duas espcies
lenhosas de Cerrado
cultivadas sob
irradiao solar
plena e sombreadas
Balano de carbono
em duas espcies
lenhosas de Cerrado
cultivadas sob
irradiao solar
plena e sombreadas
Captulo 11 Captulo 11
Captulo 11 Captulo 11 Captulo 11
Captulo 11 Captulo 11
Captulo 11 Captulo 11 Captulo 11
F
O
T
O
:

C
A
R
L
O
S

H
.

B
.

A
.

P
R
A
D
O
F
O
T
O
:

C
A
R
L
O
S

H
.

B
.

A
.

P
R
A
D
O
Carlos Henrique B. de Assis Prado
Carlos Cesar Ronquim
Mariana Cristina Caloni Peron
Departamento de Botnica
Universidade Federal de So Carlos
So Carlos, SP
Carlos Henrique B. de Assis Prado
Carlos Cesar Ronquim
Mariana Cristina Caloni Peron
Departamento de Botnica
Universidade Federal de So Carlos
So Carlos, SP
198
Franco
Uso de gua e luz em plantas lenhosa
199
INTRODUO
O perodo inicial de desenvol-
vimento crtico para a sobrevivncia e
estabelecimento de plantas jovens
autnomas (plantas jovens originrias de
sementes e sem a conexo com a planta
me). Por mais preparado que possa
estar o embrio, acompanhado de boa
reserva de carboidratos, protegido por
um tegumento e munido de informaes
j selecionadas por geraes passadas,
h ainda muito que superar at a idade
adulta. A intensidade de herbivoria, a
possibilidade de infeco e a disponi-
bilidade de recursos (gua, calor,
nutrientes, luz e CO
2
) variam em funo
do local em que a semente foi depositada
aps a disperso. Alguns metros podem
representar grandes diferenas no
ambiente natural. Mesmo se o programa
de produo e disperso for cumprido
com sucesso pela planta me, eventos
estocsticos como veranicos durante a
poca chuvosa podem representar um
srio risco para o estabelecimento das
plantas jovens que acabaram de
germinar no Cerrado (Kanegae et al.,
2000).
A disponibilidade de recurso que
varia de forma mais evidente entre as
diferentes fisionomias do Cerrado
aquela relacionada irradiao solar. Se
a germinao ocorrer no campo sujo o
estrato herbceo interceptar
(especialmente as gramneas) a maior
parte da irradiao solar antes das
espcies jovens menores que 50 cm
(Nardoto et al., 1998). Na fisionomia
florestal do Cerrado, o cerrado, o maior
nmero de rvores por rea provoca uma
atenuao da irradiao (aos 50 cm
acima do solo), a qual est ainda mais
intensa e permanente durante o curso
do dia (Kanegae et al., 2000). Esta menor
disponibilidade de irradiao no campo
sujo ou no cerrado ir condicionar
menores taxas de fotossntese lquida
(Prado & Moraes, 1997; Kanegae et al.,
2000) e menor acmulo de biomassa
total (Ronquim et al., 2003).
200
Prado, Ronquim & Peron
Portanto, as espcies lenhosas
jovens de Cerrado devem ser capazes de
responder disponibilidade de
irradiao durante o crescimento,
alterando o metabolismo do carbono na
folha em funo do sombreamento da
copa das rvores do cerrado ou abaixo
do estrato herbceo do campo sujo. Estas
mudanas no metabolismo foliar devem
ocorrer no sentido de tornar o balano
de carbono mais positivo, alterando, por
exemplo, a capacidade fotossinttica, a
taxa de respirao no escuro e o ponto
de compensao luz (Ronquim et al.,
2003). As folhas expostas diretamente
ao sol na maior parte do dia (folhas de
sol) apresentam maiores valores de
capacidade fotossinttica, respirao no
escuro, ponto de compensao luz,
massa especfica foliar (massa de folha/
rea de folha) e maior eficincia de
carboxilao (Larcher, 2000). Para estas
folhas possvel manter um balano de
carbono favorvel com estas
caractersticas funcionais e, quando
expostas a uma maior concentrao de
dixido de carbono na atmosfera, podem
responder mais intensamente que as
folhas de sombra em relao ao aumento
da capacidade fotossinttica (Herrick &
Thomas, 1999).
A capacidade fotossinttica de
espcies lenhosas de cerrado no
pequena (expressa em massa ou em rea
de folha) se comparada com outras
vegetaes tropicais ou temperadas
(Prado & Moraes, 1997; Paula, 2002). A
exposio das plantas do Cerrado s
maiores concentraes de CO
2
pode
elevar ainda mais a capacidade
fotossinttica das espcies lenhosas
alterando o balano de carbono.
Hoffmann et al., (2000) obtiveram
resultados maiores de acmulo de
biomassa em plantas jovens de
Kielmeyera coriacea crescendo sob
atmosfera enriquecida com CO
2
(700
ppm) aps 10, 20 e 25 semanas em
relao aos exemplares que cresceram
sob concentrao de 350ppm. No
entanto, as respostas da fotossntese em
plantas de cerrado sob altas con-
centraes de CO
2
ainda no so
conhecidas. Estas respostas necessitam
de mais ateno devido ao contnuo
incremento anual de CO
2
na atmosfera
provocado pela queima de biomassa e
de combustveis fsseis. Este incremento
na concentrao de CO
2
ps-revoluo
industrial no desprezvel para o
metabolismo do carbono, podendo
alterar as taxas fotossintticas, a
concentrao total de carboidratos
foliares no-estruturais, a partio e o
acmulo de biomassa (Krner, 2000) ou
mesmo as taxas de fotorrespirao
(Sharkey, 1988).
Neste trabalho foram estudadas as
respostas da fotossntese lquida s
variaes no fluxo de ftons
fotossinteticamente ativos e
concentrao de CO
2
em duas espcies
lenhosas do Cerrado, cultivadas sob
irradiao solar plena ou sombreadas por
estrato arbreo equivalente ao cerrado.
Procurou-se simular extremos de
disponibilidade de irradiao em
condies naturais de Cerrado: acima do
estrato herbceo no campo sujo (plena
irradiao) e abaixo das copas das
rvores do cerrado (sombreadas).
O objetivo principal foi o de avaliar o
impacto da disponibilidade de
irradiao no balano de carbono
durante a fase jovem das espcies
lenhosas estudadas. As respostas da
fotossntese tambm foram relacionadas
alocao de biomassa buscando revelar
aclimataes de longo prazo que
assegurassem a sobrevivncia de
indivduos jovens crescendo sob
condies contrastantes de irradiao no
Cerrado.
201
Balano de Carbono
MATERIAIS E MTODOS
Espcies estudadas, solo
utilizado, rega e clima do
local de crescimento
Foram estudados indivduos jovens
das espcies lenhosas Cybistax
antisyphilitica, (Mart.) Mart. (Bigno-
niaceae) e Tabebuia chrysotricha (Mart.
ex DC) Mart. (Bignoniaceae). A famlia
Bignoniaceae est entre as 10 mais
importantes na composio da vegetao
alta do Cerrado (Rizzini, 1997). No
Cerrado T. chrysotricha tambm uma
das espcies arbreas mais comuns em
mata galeria (Leite, 2001) enquanto C.
antisyphilitica apresenta-se distribuda
na mata, cerrado e cerrado (Mendona
et al., 1998). Exemplares das duas
espcies distribuem-se ainda por vrios
outros ecossistemas brasileiros, tais
como restinga (Rizzini, 1997) e em
remanescentes de Mata Atlntica
(Lombardi, 2000). Os indivduos das
duas espcies foram adquiridos em
viveiro (viveiro Camar Mudas
Florestais, Ibat, SP) com 30 dias aps a
semeadura (DAS) e transferidos
diretamente para recipientes plsticos
prprios para mudas com capacidade de
armazenamento de 10L de solo. O solo
utilizado (latossolo distrfico, Lorandi
1985) foi coletado na reserva de Cerrado
(21
o
58-22
o
00 S e 47
o
51-47
o
52 W) da
Universidade Federal de So Carlos
(UFSCar) em uma rea de 30 m
2
e na
profundidade de 20 cm. Antes de
ensacado este solo foi peneirado com
malha de 2mm
2
e seco ao ar livre. Na
Tabela 1 so mostradas as principais
caractersticas qumicas do solo
utilizado.
Durante todo o experimento o solo
foi irrigado duas vezes por semana no
tratamento a pleno sol e uma vez a cada
20 dias nas condies sob sombra, at
atingir a capacidade de campo. A rega
foi necessria tanto na poca seca como
durante os veranicos na poca chuvosa
para a manuteno da hidratao do
solo. O clima da regio sazonal com
inverno seco (geralmente entre junho e
setembro) seguido por vero mido e,
de acordo com a classificao de
Koeppen, situa-se entre Aw e Cwa,
apresentando mdias de temperatura de
18,1C durante o ms mais frio e 23,1C
no ms mais quente; com precipitao
mdia mensal de 24 mm durante o ms
mais seco e 286 mm durante o ms mais
mido (Tolentino, 1967).
Tabela 1. Caractersticas qumicas do solo utilizado para o crescimento das
espcies jovens Cybistax antisyphilitica e Tabebuia chrysotricha.
pH=valor determinado em soluo centimolar de CaCl
2
; P=fsforo
extrado por resina trocadora de ons; MO=matria orgnica total;
H+Al=acidez potencial; CTC=capacidade de troca catinica.
*
CTC = K
+
+ Ca
2+
+ Mg
2+
+ H
+
+ Al
3+
**
mmol
c
dm
-3
= milimol de cargas por dm
3
; 10 mmol
c
dm
-3
= 1 meq 100 mL
-1
202
Prado, Ronquim & Peron
Disponibilidade de irradia-
o, idade e nmero de
plantas jovens em cada
tratamento
Para simular a disponibilidade total
de irradiao acima do estrato herbceo
na fisionomia aberta do Cerrado (campo
sujo), plantas jovens das duas espcies
estudadas cresceram em rea sem
sombreamento no Jardim Experimental
do Departamento de Botnica da UFSCar.
Situao similar de atenuao da
irradiao a 50cm do solo na
fitofisionomia de cerrado como a
descrita por Kaneagae et al., (2000) foi
obtida cultivando as plantas jovens das
duas espcies sob a copa das rvores de
um fragmento florestal localizado ao lado
do Jardim Experimental. O Fluxo de
Ftons Fotossinteticamente Ativos
(FFFA; = 400 a 700 nm) a pleno sol e
na rea sombreada durante o curso do
dia foi determinado em quatro perodos:
em julho de 2001 e de 2002 (perodo
seco) quando ocorreu absciso parcial
das folhas das copas das rvores da rea
sombreada e em novembro de 2001 e de
2002 (perodo chuvoso) quando a rea
foliar do dossel j estava totalmente
recomposta (Figura 1). As medies do
FFFA foram feitas atravs do sensor de
FFFA de uma cmara foliar PLCN-4
(ADC, Hoddesdon, UK). Os dados de
assimilao de CO
2
, biomassa e
biometria foram coletados nos mesmos
indivduos jovens nas respectivas idades
aos 240 e 360 DAS nas duas espcies
estudadas. Em cada condio de
luminosidade cresceram 40 plantas
jovens de cada espcie, sendo utilizados
10 indivduos escolhidos ao acaso de
cada espcie estudada ao longo de cada
perodo de anlise (Poorter & Garnier,
1996).
Determinao da massa
seca e de parmetros
biomtricos
As plntulas foram desenvasadas
com o auxlio de um jato de gua
trabalhando em baixa intensidade,
lavadas e separadas em diferentes
compartimentos (folhas, caule e raiz).
A seguir, foram colocadas em estufa a
80 C por 48 horas e pesadas em balana
analtica digital METTLER modelo
AE260, com preciso de 10
-3
g, para a
determinao da biomassa total e
biomassa dos diferentes compartimentos
da planta.
Figura 1
Curso dirio do fluxo
de ftons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) nos
locais onde as plantas
jovens de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
foram cultivadas.
Mdia desvio
padro dos valores de
FFFA em 2001 e 2002
a pleno sol (smbolos
abertos,

e

) e em
rea sombreada
(smbolos cheios,

e
) na poca seca
(julho,

e

) e na
poca chuvosa
(novembro,

e ).
%
203
Balano de Carbono
Foram determinados os seguintes
parmetros biomtricos: nmero de
fololos por indivduo, rea foliar, altura,
dimetro do caule, razo de rea foliar
(RAF, superfcie foliar total/matria seca
total) e massa especfica foliar (MEF,
massa folha/rea de folha). A imagem
da rea foliar foi captada primeiramente
em um digitalizador antes das folhas
serem secas, e posteriormente calculada
pelo programa pro-image da firma norte-
americana Media Cybernetics, verso 4.0
para Windows. A altura total (cm) foi
determinada com rgua milimtrica
desde o colo da planta at a insero da
ltima folha. O dimetro do caule da
planta (mm) foi determinado com um
paqumetro graduado em dcimos de
milmetros, a 2cm de altura do solo.
Obteno da massa
especfica foliar e da
capacidade fotossinttica
expressa em massa
Os fololos selecionados para se
obter a massa especfica foliar (MEF, g
m
-2
) de cada espcie, em cada idade nos
dois tratamentos, apresentavam-se
expandidos, sem traos de senescncia
ou herbivoria. De cada fololo foram
retirados discos foliares de 5,0mm de
dimetro (1 disco por fololo) num total
de 50 discos em 10 indivduos de cada
tratamento. Os discos foram secos em
estufa a 80C durante 48 horas e pesados
na mesma balana digital utilizada para
obteno dos valores de biomassa seca.
O valor mdio da MEF foi obtido pela
diviso da massa seca de cada disco pela
rea do disco foliar (Prado & Moraes
1997).
A diviso da taxa fotossinttica
lquida expressa em rea pela MEF
(equao I) resulta na taxa fotossinttica
expressa em massa (Prado & Moraes
1997).
Os valores expressos em grama
foram transformados em quilograma
(mol CO
2
kg
-1
s
-1
) a fim de facilitar a
visualizao e o trabalho com os
resultados.
Respostas da fotossntese
lquida (A) ao fluxo de ftons
fotossinteticamente ativos
(FFFA) e concentrao de
CO
2
O aparelho utilizado para as
medies da fotossntese lquida foi um
analisador porttil de gs por
infravermelho (IRGA) da firma inglesa
Analytical Development Company (ADC,
Hoddesdon, UK) modelo LCA-4,
acoplado a um canho de luz (PLU-2,
ADC, Hoddesdon, UK) e uma cmara
foliar PLCN-4 (ADC). A variao da
intensidade de luz no canho PLU-2 foi
obtida de duas formas. Em intensidades
entre 1800800 mmol m
-2
s
-1
variou-se a
diferena de voltagem aplicada
utilizando-se um controlador de
voltagem entre a bateria e a fonte de luz.
Nas intensidades entre 80010 mol
m
-2
s
-1
utilizou-se tambm filtros de vidro
neutro (Comar Instruments, Cambridge,
UK) com variadas transmitncias
posicionados entre a fonte de luz e o
fololo da planta.
Os fololos selecionados para
obteno da curva da resposta da
fotossntese lquida (A), em funo do
fluxo de ftons fotossinteticamente ativos
(FFFA), normalmente eram os anteriores
aos mais jovens, totalmente expandidos,
sem sinais de herbivoria, infeco ou
senescncia e que apresentavam a maior
taxa de fotossntese lquida. A curva A-
FFFA foi obtida a partir de um nico
fololo selecionado atravs de medies
prvias em dois fololos pertencentes a
trs indivduos distintos. O fololo que
apresentou a maior taxa de fotossntese
204
Prado, Ronquim & Peron
lquida foi o escolhido. As curvas A-FFFA
para as duas espcies aos 240 e 360 DAS
e cultivadas sob distintas disponibili-
dades de irradiao foram obtidas em
condies de laboratrio entre os
horrios de sete e nove horas da manh
e com o fololo ligado ao corpo da planta.
A temperatura do fololo foi mantida
entre 2527C por meio do sistema
Peltier (ADC, Hoddesdon, UK) de
controle de temperatura, acoplado
abaixo da cmara PLCN-4 na altura de
insero da folha. A equao utilizada
para ajustar os pares de pontos na curva
A-FFFA foi a mesma utilizada por Prado
& Moraes (1997) em 20 espcies lenhosas
do Cerrado:
Onde:
A=fotossntese lquida;
A
max
=fotossntese lquida mxima;
e=base do logaritmo natural;
k=constante de proporcionalidade;
FFFA=fluxo de ftons fotossintetica-
mente ativos; PCL=ponto de
compensao luz.
Os valores do ponto de saturao
luz (PSL) e da respirao no escuro (Re)
tambm foram determinados por
intermdio da equao II. Para o clculo
do PSL projetou-se para a fotossntese
lquida (A) o valor de 90% de A
max
e para
o clculo de Re atribuiu-se o valor zero
para o FFFA (Prado & Moraes 1997).
Para obteno da curva da resposta
da fotossntese lquida (A) em funo
da concentrao momentnea de CO
2
utilizou-se de procedimentos idnticos
aos citados para as curvas A-FFFA. As
curvas A-CO
2
foram obtidas com o
auxlio de um diluidor de gases modelo
GD-602 (ADC), um rotmetro
(manufaturado pela OMEL, So Paulo,
Brasil) e um registro para controle de
presso e fluxo de sada de gs do
cilindro contendo CO
2
a 1600ppm. O
cilindro contendo CO
2
foi conectado ao
registro e ao rotmetro, e, por ltimo,
ao diluidor de gases, antes de chegar
folha, perfazendo um circuito semi-
aberto onde as concentraes de CO
2
foram controladas por meio do diluidor
de 200 em 200 ppm.
Os valores mximos de fotossntese
lquida em funo do CO
2
(A
maxCO2
) e do
ponto de compensao ao CO
2
() foram
determinados por intermdio dos
resultados obtidos nas curvas A-CO
2
utilizando a equao II, porm trocando
a varivel independente: de FFFA para
concentrao de CO
2
. Os valores de
eficincia de carboxilao aparente (,
equao III) foram obtidos por meio da
primeira derivada da equao II
utilizando os dados de concentrao
interna de CO
2
(Ci, valores calculados
pelo IRGA nas curvas A-CO
2
) em curvas
A-Ci.
Onde:
=eficincia de carboxilao
aparente; k=constante de propor-
cionalidade; e=base do logaritmo
natural; =ponto de compensao ao
CO
2
.
O valor constante de FFFA utilizado
para saturao de A nas curvas A-CO
2
foi determinado aps as curvas A-FFFA.
Os valores escolhidos foram de 1.800
mol m
-2
s
-1
para os indivduos que
cresceram sob irradiao plena e 1.100
mol m
-2
s
-1
para os indivduos que
cresceram sombreados. Estes valores
esto, em mdia, cerca de 400 mol
m
-2
s
-1
acima do valor de FFFA que satura
a fotossntese lquida dos indivduos em
cada tratamento. A taxa de FFFA acima
do valor de saturao necessria para
se atingir valores mximos de A quando
a folha trabalha sob altas concentraes
de dixido de carbono.
205
Balano de Carbono
Clculo do valor da fotorrespirao
simultnea taxa de A
max
Para o clculo da fotorrespirao (Fr,
mmol CO
2
m
-2
s
-1
) simultnea ao valor
correspondente de A
max
assumiu-se que
a fotorrespirao possui metade do valor
da taxa de oxigenao (
0,
mmol O
2
m
-2
s
-1

) realizada pela RuBP carboxilase-
oxigenase, sendo
0
calculada de acordo
com Sharkey (1988):
Onde:
A=fotossntese lquida; Re=respi-
rao no escuro, calculada a partir das
curvas A-FFFA, e =
0
/
c
(taxa de
oxigenao pela de carboxilao,
c
), o
valor de condicionado pela
temperatura, presso atmosfrica e pela
concentrao do CO
2
no stio de
carboxilao, Sharkey (1988):
Onde:
P=presso atmosfrica (bar),
T=temperatura (
o
C), e C=concentrao
de CO
2
no stio de carboxilao (mbar),
cerca de 0,6 vezes a concentrao de CO
2
da atmosfera nas condies de trabalho
favorveis capacidade fotossinttica
(Sharkey, 1988).
ANLISE DOS DADOS
Os valores de massa seca total,
altura, dimetro, razo raiz/parte area,
rea foliar total, massa especfica foliar
(MEF), razo da rea foliar (RAF) e
nmero de fololos em cada tratamento
nos dois perodos de amostragem foram
primeiramente testados para a
verificao de uma distribuio normal,
por meio do programa GraphPad InSTAT,
verso 3.0 (GraphPad software, San
Diego, USA). Aps a confirmao da
distribuio normal destes conjuntos de
dados os valores mdios nos distintos
tratamentos foram comparados atravs
de um teste t ao nvel de 5% de
probabilidade. Os valores e o erro padro
de A
max
, PCL, e A
maxCO2
foram
determinados por intermdio dos ajustes
no-lineares das curvas A-FFFA e A-CO
2
,
utilizando o programa Microcal Origin
verso 3.0 (Microcal Software,
Northampton, USA).
RESULTADOS E DISCUSSO
As Figuras 2 e 3 mostram as curvas
de fotossntese lquida expressa em rea
(Figura 2) e em massa (Figura 3) em
funo do FFFA para as plantas jovens
das duas espcies lenhosas estudadas
aos 240 e 360 DAS. Na Tabela 2 so
mostrados os valores de capacidade
fotossinttica expressa em rea (A
maxa
) e
em massa (A
maxm
), o ponto de
compensao (PCL) e de saturao luz
(PSL), a respirao no escuro (Re) e a
fotorrespirao (Fr) obtidos a partir das
curvas A-FFFA. Os valores de A
maxa
, Fr,
PCL e Re so em mdia, respectivamente,
1,8, 1,9, 3,0, e 2,4 vezes maiores nos
indivduos cultivados sob pleno sol nas
duas espcies lenhosas estudadas
(Tabela 2). Os valores de A
maxm
so
praticamente iguais nas duas idades, nos
indivduos de Cybistax antisyphilitica e
maiores (1,3 vezes, em mdia) para os
indivduos de Tabebuia chrysotricha
cultivados sob sombra em relao aos
indivduos sob irradiao plena (Tabela
2). No entanto, os valores mdios de
A
maxm
so similares considerando as duas
espcies nos dois perodos de
amostragem (Tabela 2).
206
Prado, Ronquim & Peron
Ficou evidente que ambas as
espcies apresentam capacidade de
aclimatao do metabolismo de carbono
da folha quando cultivadas sob sombra.
Diminuindo as taxas de Re estas duas
espcies podem compensar, ao menos
em parte, os menores valores de A
maxa
que apresentaram desenvolvendo-se sob
o dossel das rvores de um Cerrado. A
manuteno de um balano positivo de
carbono sob intenso sombreamento
condicionada principalmente por
reduzidas taxas de respirao (Medina,
1998). Com a diminuio dos valores do
PCL os indivduos cultivados sob sombra
puderam tambm aproveitar a irradiao
atenuada neste ambiente mesmo no
incio e no final do dia (Figura 1).
Para as duas espcies as taxas de
fotorrespirao variaram de 26,4 a 28,8%
do valor de A
maxa
sob pleno sol, e de 24,7
a 26,3% de A
maxa
na condio sombreada
(Tabela 2). Marenco et al. (2001)
obtiveram valores da fotorrespirao
variando de 27,6 a 36,8% de A
maxa
para
Figura 2
Fotossntese lquida (A)
expressa em rea
(mol m
-2
s
-1
) em
funo do fluxo de
ftons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) em
fololos totalmente
expandidos de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (smbolos abertos) e
sombreadas (smbolos
cheios).
Figura 3
Fotossntese lquida (A)
expressa em massa
(mol kg
-1
s
-1
) em
funo do fluxo de
ftons
fotossinteticamente
ativos (FFFA) em fololos
totalmente expandidos
de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (smbolos abertos) e
sombreadas (smbolos
cheios).
207
Balano de Carbono
duas espcies tropicais lenhosas
Swietenia macrophylla e Dipteryx odorata
crescendo sob condies de campo
aberto e sob sombra. Alm da acentuada
diminuio da respirao no escuro, a
pequena variao dos valores de
fotorrespirao em relao aos valores
de A
maxa
(entre 24,7-28,8 %) demonstrou
tambm a capacidade de adaptao do
balano de carbono das duas espcies
estudadas nas diferentes condies de
irradiao disponvel. Os valores de
fotorrespirao obtidos (de 1,8 a 2,7
mol m
-2
s
-1
, sob sombreamento e de 3,4
a 5,3 mol m
-2
s
-1
, sob irradiao plena,
Tabela 2) so menores, em relao aos
valores obtidos por Franco & Lttge
(2002), em quatro outras espcies
lenhosas do cerrado crescendo em
condies naturais na poca chuvosa (de
3,06 a 11,37 mol m
-2
s
-1
sob 1.000 mol
ftons m
-2
s
-1
e de 2,87 a 15,16 mol
m
-2
s
-1
sob 2000 mol ftons m
-2
s
-1
).
A menor diferena entre os valores
de fotossntese lquida expressa em
massa ocorreu devido a uma diminuio
mais acentuada dos valores de massa
especfica foliar (MEF, figura 4) do que
dos valores de A
maxa
nos indivduos
sombreados. Este evento resultou em
valores prximos ou mesmo maiores de
A
maxm
nos exemplares cultivados sob
atenuao da irradiao (e.g. valores
maiores de A
maxm
nos indivduos de C.
antisyphilitica aos 360 dias e de T.
chrysotricha aos 240 e 360 dias quando
sombreados, Tabela 2).
Esta alterao demonstra a
capacidade de aclimatao das duas
Tabela 2. Valores mximos erro padro da fotossntese expressa em rea (A
maxa
,
mol m
-2
s
-1
) e em massa (A
maxm
, mol kg
-1
s
-1
) e do ponto de compensao
luz (PCL, mol m
-2
s
-1
). Tambm so mostrados os valores mximos de
luz saturante da fotossntese (LSF, mol m
-2
s
-1
), respirao no escuro (Re,
mol m
-2
s
-1
), fotorrespirao (Fr, mol m
-2
s
-1
), a proporo Fr/A
maxm
(%) e
a razo dos valores mdios entre os tratamentos (Sol/Sombra) em duas
espcies lenhosas do Cerrado com idades de 240 e 360 dias aps a
semeadura (DAS). Os valores foram obtidos por meio das curvas da
fotossntese lquida em funo do fluxo de ftons fotossinteticamente ativos
(FFFA).
208
Prado, Ronquim & Peron
espcies lenhosas estudadas, cons-
truindo folhas estruturalmente mais
simples (menor valor de MEF) e exigindo
menos carbono onde a captao deste
elemento na forma de CO
2
no possvel
de ser mantida nas taxas processadas
pelas folhas expostas diretamente
irradiao solar. A irradiao a 50 cm do
solo na rea sombreada nunca alcanaria
os valores necessrios para a saturao
da fotossntese lquida das folhas de sol
nas duas espcies lenhosas estudadas
(valor mdio de LSF igual a 1.300 mol
m
-2
s
-1
, Tabela 2). Mesmo na poca seca
(quando as copas das rvores perdem
suas folhas) o valor mximo do FFFA
sob sombra poderia atingir apenas cerca
da metade dos valores necessrios para
a saturao da fotossntese lquida (700
mmol m
-2
s
-1
) e, mesmo assim, somente
em dias claros e entre os horrios de dez
e treze horas (Figura 1). Nesta condio
de sombreamento intenso, as alteraes
fisiolgicas (diminuio dos valores de
PCL, LSF, Re, Tabela 2) e estruturais
(diminuio dos valores de MEF, Figura
4) na folha so necessrias para
aumentar a eficincia de utilizao de
carbono (carbono assimilado/carbono
investido em estruturas de assimilao)
onde a aquisio deste elemento
fortemente limitada.
Simultaneamente s alteraes
fisiolgicas e estruturais na folha
ocorreram tambm modificaes na
alocao de matria seca nos
compartimentos da planta aumentando
a rea de captao (rea foliar) de
energia luminosa em relao massa
seca total da planta nos indivduos das
duas espcies que cresceram sombreadas
(incremento dos valores da RAF aos 240
e 360 DAS, Figura 4). Portanto,
modificaes em vrios nveis de
organizao do corpo do vegetal
aconteceram ao mesmo tempo nos dois
tratamentos. Esta capacidade de
aclimatao certamente atribui s duas
espcies lenhosas a possibilidade de
estabelecimento em ambientes com uma
ampla faixa de intensidade de
sombreamento. importante destacar
que nenhum dos indivduos sombreados
morreu mesmo aos 570 DAS, ou mesmo
mostraram sinais de definhamento
(morte prematura de folhas ou ausncia
de produo de novas folhas durante a
poca chuvosa) por um balano negativo
de carbono.
No entanto, a diminuio dos
valores do PCL, LSF e Re nas folhas e o
aumento dos valores de RAF nos
indivduos sombreados no foram
suficientes para economizar carbono a
ponto de superar a rea foliar ou o
nmero de fololos dos indivduos
cultivados sob irradiao plena (Figura
4). Os indivduos das duas espcies
cultivados a pleno sol apresentaram
maiores valores de biomassa total, altura
(exceo aos 360 dias em C.
antysiphilitica), dimetro do caule e
tambm maiores valores da razo da
massa seca raiz/parte area (Figura 5).
Figura 4
Valores mdios
(colunas) e desvio
padro (linhas acima
das colunas) da rea
foliar total, massa
especfica foliar (MEF),
razo da rea foliar
(RAF) e nmero de
fololos das espcies
lenhosas Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sombra (colunas
escuras) e sob pleno sol
(colunas claras). Os
valores mdios
seguidos pela mesma
letra na mesma idade
(DAS), entre as
condies de irradiao
(colunas claras e
escuras) em cada
parmetro, no diferem
entre si a 5% de
probabilidade. n=10.
209
Balano de Carbono
Assim, ficou evidente o efeito
significativo e positivo da irradiao
solar plena, dando condies de
acrescentar mais matria orgnica e,
provavelmente, aumentando a
capacidade de defesa (Chapin, 1990) e
desenvolvimento da plntula, os dois
processos mais importantes antes da fase
adulta. Resultados semelhantes foram
obtidos por Ronquim et al. (2003) os
Figura 5
Valores mdios
(colunas) e desvio
padro (linhas acima
das colunas) da massa
seca total, altura,
dimetro do caule e
razo da massa seca
raiz/parte area das
espcies lenhosas
Cybistax antisyphilitica
e Tabebuia
chrysotricha aos 240 e
360 dias aps a
semeadura (DAS),
cultivadas sob sombra
(colunas escuras) e
sob pleno sol (colunas
claras). Os valores
mdios seguidos pela
mesma letra na
mesma idade (DAS),
entre as condies de
irradiao (colunas
claras e escuras) em
cada parmetro no
diferem entre si a 5%
de probabilidade.
n =10.
Tabela 3. Valores mximos erro padro da fotossntese lquida em funo
da concentrao de CO
2
expressa em rea (A
maxaCO2
, mol CO
2
m
-2
s
-
1
) e em massa (A
maxmCO2,
mol CO
2
kg
-1
s
-1
). Tambm so mostrados
os valores da eficincia de carboxilao aparente ( , mol CO
2
m
-2
s
-1
) e a razo da mdia entre os tratamentos (Sol/Sombra) em duas
espcies lenhosas do Cerrado com idades de 240 e 360 dias aps a
semeadura (DAS). Os valores foram obtidos atravs das curvas da
fotossntese lquida em funo da concentrao externa (para
A
maxaCO2
e A
maxmCO2
) e interna (para ) de CO
2
.
quais obtiveram maiores valores de
biomassa seca na raiz, no caule e em
toda a planta em indivduos de duas
espcies de Cerrado (Copaifera
langsdorffii e Eriotheca gracilipes) com
360 DAS crescendo sob irradiao solar
plena, e valores significativamente
menores naqueles indivduos que
cresceram sob 80 e 30% de
transmitncia.
As curvas A-CO
2
evidenciaram que
os indivduos das duas espcies
cultivados sob irradiao solar plena se
mostraram mais capazes de seqestrar
CO
2
atmosfrico por rea de folha,
apresentando valores de capacidade
fotossinttica expressa em rea, em
mdia, duas vezes maior que os
indivduos sombreados nas duas idades
de medio (Figura 6). No entanto,
quando os resultados de capacidade
fotossinttica sob condies saturantes
de CO
2
so expressos em massa de folha
a diferena entre tratamentos nula ou
menor (Figura 7, Tabela 3).
Esta aproximao de valores,
quando a capacidade fotossinttica
expressa em massa, ocorreu de forma
210
Prado, Ronquim & Peron
similar nas curvas A-FFFA (Figuras 2 e
3) e pelo mesmo motivo: os valores de
MEF (Figura 4) diminuem mais que os
valores de capacidade fotossinttica sob
sombra.
No entanto, deve ser notado que
houve um aumento do valor de Amax
expressa em rea ou em massa quando
as folhas foram expostas momenta-
neamente s altas concentraes de CO
2
(Figuras 6 e 7). Em qualquer situao
(idade, massa, rea, espcie ou
tratamento) os valores de Amax
apresentados na Tabela 2 so de 1,7 a
2,3 vezes menores que os correspon-
dentes na Tabela 3.
O aumento da capacidade
fotossinttica sob elevada concentrao
de CO
2
ocorre porque a proporo CO
2
/
O
2
atual na atmosfera (1,69 x 10
-3
) no
favorvel fotossntese. O O
2
inibe a
carboxilao e incrementa a
fotorrespirao simultaneamente
(Bowes, 1993). O aumento da
capacidade fotossinttica em espcies de
Cerrado, expostas momentaneamente a
altas concentraes de CO
2
(acima de 700
ppm), tambm foi obtido em plantas
jovens de Aloysia virgata crescendo a
Figura 6
Fotossntese lquida
(A) expressa em
rea (mol m
-2
s
-1
)
em funo da
concentrao de
CO
2
atmosfrico em
fololos totalmente
expandidos de
plantas jovens de
Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia
chrysotricha aos 240
e 360 dias aps a
semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno
sol (smbolos
abertos) e sob
sombra (smbolos
cheios).
Figura 7
Fotossntese lquida
(A) expressa em massa
(mol kg
-1
s
-1
) em
funo da
concentrao de CO
2
atmosfrico em
fololos totalmente
expandidos de plantas
jovens de Cybistax
antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha
aos 240 e 360 dias
aps a semeadura
(DAS), cultivadas sob
sol (smbolos abertos)
e sob sombra
(smbolos cheios).
211
Balano de Carbono
pleno sol (Amax = 45 mol m
-2
s
-1
, duas
vezes maior que em condies
atmosfricas normais de CO
2
); em folhas
de sol de indivduos adultos de Miconia
albicans e Bauhinia rufa em condies
naturais na poca chuvosa (39 e 46 mol
m
-2
s
-1
, trs vezes maior que sob
concentraes normais de CO
2
) e em
indivduos jovens de Copaifera
langsdorffii (34 mol m
-2
s
-1
, quatro vezes
maior), dados de Prado et al. (no
publicados).
Portanto, provvel que o aumento
da concentrao de CO
2
na atmosfera
deve, de imediato, incrementar a
capacidade fotossinttica de espcies
lenhosas jovens e adultas de Cerrado
crescendo sob o sol ou sombreadas. No
entanto, em mdio e longo prazo este
efeito pode diminuir ou mesmo ser
anulado (Bowes, 1991). Uma maior
aquisio potencial de carbono, devido
maior disponibilidade de CO
2,
poder
ter conseqncias sobre a folha alterando
as concentraes de carboidratos
solveis (Krner 2000), o tempo de vida
(Cavender-Bares et al., 2000), a
concentrao de nitrognio (Bowes,
1993), e a capacidade fotossinttica
(Henrrick & Thomas, 1999). Poder
haver, tambm, conseqncias sobre a
planta aumentando a produo de
biomassa (Ceulemans et al., 1999), a
capacidade de rebrota (Hoffmann et al.,
2000) e a razo de rea foliar (Cavender-
Bares et al., 2000). Ainda no existem
trabalhos com espcies de Cerrado
submetidas por perodos mdios ou
longos (1-4 meses ou anos,
respectivamente) para que se possam
estimar mudanas ou mesmo adaptaes
metablicas e de alocao de biomassa
s altas concentraes de CO
2
.
A mdia entre os valores de
eficincia de carboxilao aparente ()
nos dois perodos de amostragem a pleno
sol para Cybistax antisyphilitica e
Tabebuia chrysotricha foram de 0,07 e
0,13 mol m
-2
s
-1
, respectivamente (Tabela
3). Tezara et al., (1998) obtiveram
valores semelhantes, 0,07 e 0,12 mol
m
-2
s
-1
, respectivamente para Jatropha
gossypifolia e Ipomoea carnea, ambos
arbustos C
3
crescendo sob condies de
campo a pleno sol e disponibilidade
hdrica favorvel. Os valores de foram
maiores nos indivduos cultivados sob
irradiao solar plena (Tabela 3). Estes
maiores valores de esto relacionados
com a concentrao e ativao da enzima
RuBP carboxilase-oxigenese (a Rubisco)
no estroma do cloroplasto (Bowes,
1993). Maior concentrao e atividade
da Rubisco aumentam potencialmente as
taxas de carboxilao, seqestrando
mais rapidamente o CO
2
a cada
incremento da disponibilidade deste gs
antes da saturao da fotossntese.
Assim, evidente o maior ngulo entre
a fase linear inicial da curvas A-Ci e o
eixo da varivel independente nos
indivduos cultivados sob irradiao
solar plena (Figura 8). Este resultado era
esperado, pois folhas de sol apresentam
maior capacidade de trabalho
fotoqumico (maior atividade dos
fotossistemas e maior velocidade de
transporte eletrnico) e bioqumico
(maior atividade da ATP-sintase por
clorofila e maior atividade da Rusbisco)
no processo fotossinttico (Larcher
2000). Hoflacher & Bauer (1982)
obtiveram o dobro da atividade da
Rubisco em folhas de sol de Hedera helix
(uma liana sempre verde) quando
comparado com folhas de sombra.
A concentrao da Rubisco pode
aumentar de maneira significativa e
positiva em funo do contedo de
nitrognio nas folhas (em g de N m
-2
,
Osborne et al., 1998). Com um sistema
radicular mais desenvolvido e
apresentando maiores valores de MEF
212
Prado, Ronquim & Peron
(Figura 5), os indivduos que cresceram
sob radiao solar plena podem ter maior
capacidade de absoro de nutrientes e
maior contedo de nitrognio por rea
de folha. Uma determinao do contedo
de nitrognio foliar foi realizada aos 240
e 360 DAS nas duas espcies nos dois
tratamentos. Foram obtidos maiores
valores do contedo de nitrognio por
rea de folha nos indivduos que
cresceram sob irradincia plena (2,8 e
2,2 g N m
-2
em C. antysiphilitica e T.
chrysotricha, respectivamente, n=4) em
relao aos que cresceram sombreados
(2,0 e 1,6 g N m
-2
em C. antysiphilitica e
T. chrysotricha, respectivamente, n=4).
CONSIDERAES FINAIS
Foi evidente a ao positiva e
significativa da irradiao solar plena
sobre os indivduos cultivados em rea
aberta nas duas espcies lenhosas
estudadas. Com maior disponibilidade
de energia luminosa houve maiores
valores de biomassa total e da razo raiz/
parte area. Nesta situao, as plantas
cultivadas sob irradiao plena
certamente obtiveram maior reserva de
carboidratos. Esta reserva poder ser
utilizada em uma situao desfavorvel
(por exemplo, durante a estao de seca
no Cerrado) diminuindo os custos
envolvidos na aquisio de carbono
(Chapin et al. 1990). Os carboidratos
estocados so reservas que podem ser
mobilizadas para os dois processos vitais
durante a fase jovem (o crescimento e a
defesa) aumentando as chances de
sobrevivncia.
Os indivduos das duas espcies,
quando cultivados sob sombra,
apresentaram capacidade de ajuste
fisiolgico (diminuio dos valores de
Re, Fr, PCL, LSF) e estrutural (diminuio
dos valores de MEF e aumento da RAF)
capazes de mitigar os efeitos dos
menores valores de capacidade
fotossinttica no balano de carbono sob
sombreamento intenso. Estas
aclimataes de longo prazo explicam
parcialmente a ocorrncia de C.
antisyphilitica em fitofisionomias de
Cerrado (cerrado stricto sensu e
cerrado) com diferentes regimes de
irradiao e em mata (Mendona et al.,
1998). Por outro lado, o estabelecimento
de T. chrysotricha em mata-galeria (Leite,
2001), onde deve responder a diferentes
disponibilidades de energia luminosa
antes de alcanar o dossel, pode tambm
ser em parte explicada pelos ajustes Figura 8
Fotossntese lquida
(A) expressa em rea
(mol m
-2
s
-1
) em
funo da
concentrao interna
de CO
2
(Ci) em
fololos totalmente
expandidos de
plantas jovens de
Cybistax antisyphilitica
e Tabebuia
chrysotricha aos 240
e 360 dias aps a
semeadura (DAS),
cultivadas sob pleno
sol (smbolos abertos)
e sob sombra
(smbolos cheios).
213
Balano de Carbono
fisiolgicos e estruturais na folha
evidenciados neste trabalho. As duas
espcies ainda so encontradas em
restinga e em remanescentes de Mata
Atlntica (Rizzini, 1997).
Tanto os indivduos cultivados sob
as copas quanto sob irradiao solar
plena responderam ao aumento da
concentrao momentnea de CO
2
com
alteraes significativas na assimilao
(capacidade fotossinttica) e na
desassimilao (respirao e fotorres-
pirao). A alterao na estrutura da
folha (MEF) compensou o maior
aumento da capacidade fotossinttica
expressa em rea, aproximando os
resultados de capacidade fotossinttica
entre os tratamentos quando a
fotossntese foi expressa em massa. No
entanto, a prpria assimilao de
carbono pode ser alterada aps um
tempo mais longo de exposio a altas
concentraes de CO
2
, retornando a
valores de capacidade fotossinttica
anteriores. Este evento parece ser
mediado pelo declnio da atividade da
Rubisco (Bowes, 1991), mas s pode ser
testado em experimentos com tempo de
exposio das folhas a altas
concentraes de CO
2
durante alguns
meses (Cavender-Bares et al., 2000) ou
aps alguns anos (Herrick & Thomas,
1999).
Portanto, ainda necessria uma
srie de experimentaes com plantas
jovens e adultas de Cerrado, expostas
por perodos mais longos a altas
concentraes de CO
2
. Neste tipo de
experimento poderiam ser avaliadas as
respostas ps-exposio, as quais podem
ser muito diferentes das respostas
imediatas. Um projeto de grande porte
utilizando cmaras de topo aberto e o
sistema FACE (Free Air CO
2
Enrichment) seria imprescindvel para
testar vrias respostas ao nvel foliar e
individual em espcies de Cerrado
crescendo sob condies controladas ou
sob condies naturais, mas expostas a
altas concentraes de CO
2
(por exemplo,
cerca de 700 ppm).
AGRADECIMENTOS
Este trabalho teve o apoio do CNPq
(PRONEX e bolsa PIBIC), da FAPESP
(bolsa Doutoramento), e do Fundo
Nacional do Meio Ambiente (FNMA).
Agradecemos a colaborao da MSc.
Izabel P. Corra na ajuda durante a
obteno dos dados de biomassa e rea
foliar. Este trabalho dedicado a Adam
Homonnay (in memoriam).
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Comunidades de animais Comunidades de animais
Comunidades de animais Comunidades de animais Comunidades de animais
Parte III
Parte III
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Captulo 12 Captulo 12
Captulo 12 Captulo 12 Captulo 12
A importncia relativa
dos processos
biogeogrficos na
formao da avifauna
do Cerrado e de outros
biomas brasileiros
Captulo 12 Captulo 12
Captulo 12 Captulo 12 Captulo 12
A importncia relativa
dos processos
biogeogrficos na
formao da avifauna
do Cerrado e de outros
biomas brasileiros
Jos Maria Cardoso da Silva
Conservao Internacional
Belm, PA
Marcos Prsio Dantas Santos
Universidade Federal do Piau
Teresina, PI
Jos Maria Cardoso da Silva
Conservao Internacional
Belm, PA
Marcos Prsio Dantas Santos
Universidade Federal do Piau
Teresina, PI
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220
Reatto & Martins
Solos e paisagem
221
INTRODUO
O Cerrado sempre foi identificado
como um dos mais distintos biomas sul-
americanos. Centenas de espcies de
animais e plantas so endmicas deste
bioma (Mller, 1973; Rizzini, 1979;
Cracaft, 1985; Haffer, 1985; Myers et al.,
2000), sendo, portanto, testemunhas de
uma longa e dinmica histria evolutiva.
Tal histria teve como palco os antigos,
mas nem por isso estveis, planaltos do
Brasil Central (AbSaber, 1983; Brasil &
Alvarenga, 1989; Silva, 1997). Apesar de
suas caractersticas fascinantes, a
distribuio e a evoluo da biota do
Cerrado continuam ainda muito pouco
investigadas, com um esforo cientfico
inferior ao que foi alocado para se
compreender a evoluo das ricas
florestas sul-americanas (Silva, 1995a).
Este captulo tem como objetivo
fazer um breve resumo sobre o que se
conhece sobre a composio,
diversidade e evoluo da avifauna do
Cerrado. Ele organizado em trs sees.
A primeira descreve resumidamente as
principais caractersticas ambientais do
bioma do Cerrado que, de alguma forma,
interferem na distribuio das espcies
de aves na regio. A segunda seo
apresenta uma sntese sobre o que se
conhece e o que precisa ser conhecido a
respeito da composio e a diversidade
da avifauna do Cerrado em uma escala
regional. A ltima seo compara a
avifauna do Cerrado com as avifaunas
dos biomas adjacentes e, como
conseqncia, apresenta uma hiptese
sobre a importncia relativa dos
processos biogeogrficos na formao da
avifauna destas regies. Desse modo,
esta seo, tambm, discute as
implicaes desta hiptese para o
estabelecimento de propostas para a
conservao da avifauna em cada um
dos grandes biomas brasileiros.
O CERRADO: CONTEXTO
GEOGRFICO
O Cerrado a maior regio de savana
tropical na Amrica do Sul, com cerca
de 1,8 milho de km
2
. O Cerrado inclui
grande parte do Brasil Central e partes
do nordeste do Paraguai e leste da Bolvia
(Figura 1). O bioma ocupa uma posio
central na Amrica do Sul e, por isso,
limita-se com todos os maiores biomas
de terras baixas do continente. Ao norte,
o Cerrado possui limites com a
Amaznia, a nordeste com a Caatinga,
a leste e sudeste com a Floresta Atlntica
e a sudoeste com o Chaco e o Pantanal.
Nenhum outro bioma sul-americano
possui esta diversidade de contatos
biogeogrficos com biomas to distintos.
A maior parte do Cerrado est sobre
planaltos sedimentares ou cristalinos,
que formam grandes blocos homogneos
separados entre si por uma rede de
depresses perifricas ou interplanlticas
(Brasil & Alvarenga, 1989). Esta variao
geomorfolgica ajuda a explicar, pelo
menos em parte, a distribuio dos
grandes tipos de vegetao na regio
(Cole, 1986). O topo dos planaltos (500
a 1.700m) geralmente plano e revestido
principalmente pela vegetao do
cerrado (ver revises em Eiten, 1972,
1990; Furley & Ratter, 1988; Ribeiro &
Walter, 1998), com florestas ribeirinhas
formando corredores lineares ao longo
dos cursos dgua. Em contraste, as
depresses perifricas (100-500m),
apesar de serem planas e pontuadas com
relevos residuais, so muito mais
heterogneas, pois so revestidas por
diferentes tipos de vegetao, tais como
cerrados, florestas mesofticas e extensas
florestas ribeirinhas. De acordo com
mapa publicado pelo IBGE (1998),
estima-se que a vegetao do cerrado
(incluindo campos rupestres e florestas
ribeirinhas associadas) ocupe 72% do
bioma Cerrado. O restante do bioma
coberto por mosaicos (reas de tenso
ecolgica, segundo Brasil, 1998)
compostos por cerrado e florestas
mesofticas (24%) ou somente por
florestas mesofticas (4%).
As florestas ribeirinhas esto
presentes em quase todo o bioma, tanto
sobre os planaltos como sobre as
depresses. Oliveira-Filho & Ratter
(2002) estimaram em 10% a rea
recoberta por matas galeria no bioma
Cerrado. As florestas ribeirinhas esto
associadas complexa rede de drenagem
regional, que inclui parte das bacias de
alguns dos principais rios sul-
americanos, tais como o So Francisco,
Figura 1
O bioma do
Cerrado no
contexto da
Amrica do Sul.
Note a posio
central do Cerrado
no continente
o Tocantins, o Araguaia e o Paraguai
(Innocencio, 1989). A partir destes
planaltos, estes rios correm para
diferentes direes, propiciando a
oportunidade de contato entre as suas
florestas ribeirinhas e as florestas
ribeirinhas existentes nos biomas
adjacentes.
Encraves de cerrado so encontrados
isolados em outros biomas brasileiros,
como a Amaznia, Floresta Atlntica e
Caatinga (Eiten, 1972). Estes encraves
so verdadeiros laboratrios naturais
para o estudo da diferenciao ecolgica
e evolutiva de populaes que esto
passando pelo processo de isolamento
geogrfico, pois suas biotas so
testemunhas de uma poca, na qual a
vegetao do cerrado possua uma
distribuio muito mais extensa do que
a atual (Cole, 1986). Infelizmente, muitos
destes encraves foram parcialmente ou
totalmente alterados pela expanso das
atividades humanas nestas regies.
DIVERSIDADE E COMPOSIO DA
AVIFAUNA DO CERRADO
O que se conhece?
Silva (1995b) apresentou uma
sntese sobre a diversidade da avifauna
do Cerrado. Foram registradas 837
espcies de aves para a regio,
distribudas em 64 famlias. Destas, 759
(90,7%) se reproduzem dentro do
bioma, 26 (3,1%) so migrantes do
hemisfrio norte, 12 (1,5%) so
migrantes do sul da Amrica do Sul, 8
(0,9%) so possivelmente migrantes
altitudinais das montanhas do sudeste
brasileiro e 32 (3,8%) possuem o status
desconhecido. Desde que esta lista foi
publicada, 19 espcies foram registradas
pela primeira vez para o bioma (Tabela
1). Todas estas espcies, com exceo
da narceja-de-bico-torto (Rostratula
semicollaris), possivelmente se
reproduzem na regio (Tabela 1). Assim,
a avifauna do Cerrado passa a ter 856
espcies, das quais 777 (90,7%) se
reproduzem na regio.
Silva (1995b) listou 29 espcies de
aves endmicas ao bioma Cerrado.
Desde ento, uma nova espcie
endmica foi descrita, Suiriri islerorum
(Zimmer et al., 2001), aumentando este
nmero para 30. Esta alterao
combinada com os novos registros de
espcies para o Cerrado, mantm em
3,8% a porcentagem de espcies
residentes endmicas ao bioma. Silva
(1995b) no definiu claramente os
critrios utilizados para considerar uma
espcie como endmica ao bioma, o que
gerou crticas classificao de uma ou
outra espcie. Assim, necessria uma
descrio dos dois critrios utilizados.
O primeiro critrio adotado foi o grau
de sobreposio entre a distribuio
geogrfica conhecida da espcie e a
regio nuclear do domnio morfo-
climtico do Cerrado, tal como
delimitado por AbSaber (1977). O limite
mnimo de sobreposio para a espcie
ser considerada como endmica foi
definido em 95%.
Este critrio poderia ser utilizado
isoladamente e j seria satisfatrio, mas
vrias espcies de aves que possuem
grande parte de suas distribuies dentro
do bioma do Cerrado, possuem tambm
populaes isoladas em manchas de
savana que esto isoladas no ncleo de
outros biomas brasileiros ou nas
complexas zonas de transio entre o
Cerrado e os biomas adjacentes. Por
causa disso, um segundo critrio teve
que ser adotado para classificar uma
espcie como endmica ou no: a
distncia da populao isolada em
relao borda mais prxima da regio
nuclear do domnio morfoclimtico do
Cerrado. A partir das medidas de largura
224
Silva & Santos
das zonas de transio entre o Cerrado
e os outros biomas adjacentes, definiu-
se como critrio a distncia mxima de
430km, pois esta a largura mxima da
zona de transio entre o domnio do
Cerrado e os domnios da Amaznia e
Floresta Atlntica (Silva, 1996). Os dois
critrios foram utilizados de forma
combinada. Assim, espcies como o
cigarra-do-campo (Neothraupis fasciata),
que possui uma populao isolada nas
savanas do Amap, a mais de 700km de
distncia da borda mais prxima do
bioma do Cerrado, no foi considerada
como endmica ao bioma. Em contraste,
o papa-moscas-de-costas-cinzenta
(Polystictus superciliaris), que
encontrada somente nos campos
rupestres do Espinhao e em ilhas de
vegetao aberta na Mantiqueira, foi
considerada como endmica, pois a
maior parte de sua distribuio est no
bioma do Cerrado e a distncia das
populaes isoladas, em relao borda
do bioma, inferior a 430km. Este estudo
sugere que se use o termo quase-
endmico para as espcies que
preenchem somente o primeiro dos
critrios descritos aqui.
Silva (1995b) classificou a avifauna
do Cerrado em trs categorias ecolgicas
de acordo com a dependncia das
espcies em relao s florestas da
regio. Espcies dependentes so aquelas
que se alimentam e se reproduzem
principalmente em florestas, incluindo
a o cerrado, as florestas secas e as
florestas ribeirinhas. Espcies
independentes de floresta so aquelas
espcies que se alimentam e se
reproduzem principalmente no cerrado
e em outros tipos de vegetao aberta.
Por fim, espcies semidependentes so
Tabela 1. Novas espcies de aves registradas para o bioma
Cerrado aps a publicao de Silva (1995b).
225
Biogeografia e avifauna
espcies que podem se alimentar ou se
reproduzir tanto em florestas como em
reas abertas na regio. Esta classificao
grosseira, porque no leva em conta a
grande variao estrutural que existe
tanto entre as florestas como entre os
diferentes tipos de cerrado e outras reas
abertas (Ribeiro & Walter, 1998).
Entretanto, ela suficiente para mostrar
que a grande maioria (393; 51,8%) das
espcies de aves residentes no bioma do
Cerrado so dependentes de floresta,
enquanto 208 so independentes e 158
so semidependentes. Com a incluso
das novas espcies de aves registradas
neste bioma, o nmero de espcies por
categoria passa a ser o seguinte:
dependentes (399), semidependentes
(161) e independentes (218). Estes
resultados significam que as florestas do
bioma do Cerrado, mesmo cobrindo
menos de 10% da regio, abrigam total
ou parcialmente cerca de 72,0% da
diversidade total de espcies na regio.
Assim, pode-se descrever a avifauna do
Cerrado como predominantemente
florestal, vivendo em um bioma coberto
principalmente por savanas.
O que precisa ser
conhecido?
Silva (1995c) avaliou o estado do
inventrio da avifauna do Cerrado e
descobriu que grande parte do bioma
nunca teve sua avifauna estudada
minimamente. Como minimamente
estudada, Silva (1995c) considerou
todas aquelas localidades onde pelo
menos 80 espcimes foram coletados ou
pelo menos uma lista com 100 espcies
foi produzida. Estes nmeros foram
utilizados porque correspondiam aos
resultados mnimos que poderiam ser
obtidos entre 3 e 4 dias de trabalho de
campo intensivo na regio do cerrado.
Mesmo adicionando-se todos os esforos
de pesquisa feitos nos ltimos seis anos,
nota-se que a situao pouco se
modificou. Apesar das localidades de
amostragem de aves cobrirem grande
parte do bioma (Figura 2a), o esforo
feito na maioria destas localidades foi
abaixo do mnimo exigido para que a
localidade pudesse ser considerada como
minimamente amostrada. O mapa,
somente com as localidades
consideradas como minimamente
amostradas (Figura 2b), permite a
identificao das reas mais importantes
para serem inventariadas na regio:
Maranho, Piau, Bahia, Tocantins, leste
do Mato Grosso do Sul, central Mato
Grosso do Sul e sudoeste de Minas
Gerais.
Dentro destas reas prioritrias,
todos os ambientes devem ser
amostrados para que a avifauna local
possa ser conhecida adequadamente.
Entretanto, possvel analisar as curvas
histricas de descobrimento de espcies
de aves dependentes, semidependentes
e independentes de floresta em uma
escala regional (Figura 3), a fim de
identificar em quais macrohabitats h
maior probabilidade de encontrar novas
espcies de aves para o Cerrado. As
curvas de descobrimento das espcies
semidependentes e independentes
subiram rapidamente nos primeiros anos
de explorao ornitolgica do bioma do
Cerrado, para depois apresentarem um
crescimento muito pequeno ao longo dos
anos. Em contraste, a curva de
descobrimento de espcies de aves
dependentes de floresta continua a
crescer e no mostra qualquer sinal de
estabilizao. Com base nesta anlise
simples possvel predizer que: (a) se
novas espcies de aves forem registradas
no bioma do Cerrado, elas sero
encontradas principalmente nas florestas
da regio; (b) novas espcies de florestas
continuam a serem registradas, devido
226
Silva & Santos
avifauna deste tipo de ambiente
apresentar maior turnover de espcies do
que a avifauna das reas abertas; (c) a
avifauna semidependente e indepen-
dente de floresta no bioma do Cerrado
pode ser considerada, pelo menos em
uma escala regional, como bem
conhecida. A anlise de Cavalcanti
(1999) apia a predio b, pois, ao
comparar listas de aves de vrias
localidades dentro do bioma Cerrado, foi
encontrado que a maior parte das
diferenas em espcies est associada
aos elementos florestais e aquticos e
no aos elementos de cerrado.
Apesar das limitaes do conheci-
mento cientfico, as aves constituem-se
no grupo zoolgico mais bem conhecido
de todo o bioma do Cerrado. Como os
habitats, onde a maioria das espcies
ocorre so conhecidos, possvel,
portanto, modelar a distribuio de
muitas espcies, por meio da integrao
entre os registros (de colees, de campo
e da literatura) e mapas detalhados de
vegetao ou paisagens. Este tipo
simples de modelagem pode ser feito,
facilmente, com programas de sistemas
de informao geogrfica disponveis
atualmente. Entretanto, necessrio
Figura 2
Localidades de
amostragem de aves
no Cerrado: (a) todas
as localidades e (b)
somente as
localidades
consideradas como
minimamente
amostradas
(modificado a partir de
Silva 1995c).
227
Biogeografia e avifauna
tambm que os mapas de distribuio
potencial gerados pela modelagem sejam
revistos por especialistas que conheam
bem tanto as espcies e suas
necessidades ecolgicas como as
paisagens da regio. Esta etapa
fundamental, pois ela ajuda na definio
mais precisa dos possveis limites das
distribuies das espcies assim como
na eliminao de possveis erros
causados por registros antigos, baseados
em taxonomia ultrapassada. Como
qualquer mapa de distribuio uma
hiptese, o sucesso desta metodologia
para a determinao de distribuies
potenciais das espcies pode ser avaliado
de forma criteriosa por intermdio de
trabalhos de campo bem planejados.
Mapas com a distribuio potencial de
espcies que foram gerados a partir de
uma metodologia explcita e com
pressupostos bem fundamentados so
muito teis em estudos biogeogrficos e
no planejamento para conservao, entre
outras aplicaes. No se recomendam,
pelo menos em escala regional, anlises
baseadas em mapas grosseiros
publicados em obras como, por exemplo,
Ridgely & Tudor (1989, 1994), pois a
estes faltou consistncia metodolgica na
determinao da distribuio potencial
das espcies.
A IMPORTNCIA RELATIVA DOS
PROCESSOS BIOGEOGRFICOS NA
FORMAO DA AVIFAUNA DOS
BIOMAS BRASILEIROS
Processos biogeogrficos e a
formao das biotas
Uma das questes mais interessantes
da moderna biogeografia estimar a
importncia relativa de seus diferentes
processos, na determinao da
diversidade de espcies, em uma
determinada regio biogeogrfica.
Ricklefs (1989) apresenta um modelo
simples que mostra as conexes entre
diversidade regional e diversidade local.
De acordo com esse modelo, a
diversidade regional de espcies um
produto da interao de trs grandes
processos: produo de espcies,
intercmbio bitico e extino em massa.
Os dois primeiros processos causam um
aumento da diversidade regional,
enquanto o terceiro causa sua reduo.
Figura 3
Curvas de
descobrimento de
espcies de aves
dependentes,
semidependentes e
independentes de
floresta no bioma do
Cerrado (curvas geradas
a partir do apndice 1
de Silva, 1995b, com
informaes novas
apresentadas neste
captulo).
228
Silva & Santos
Produo de espcies uma
conseqncia da especiao, entretanto
nem toda especiao em uma regio
aumenta a diversidade regional. Assim,
preciso distinguir entre especiao
intra-regional, que consiste na diviso
de uma linhagem em duas ou mais
linhagens descendentes no interior de
uma determinada regio, e especiao
inter-regional que consiste na diviso de
uma linhagem em duas ou mais
linhagens descendentes, cujos limites de
distribuies coincidem com os limites
das grandes regies naturais. Somente a
especiao intra-regional aumenta a
riqueza de espcies de uma rea, mas
ambos os tipos de especiao, desde que
no sejam seguidos por eventos de
disperso, aumentam o nmero de
espcies endmicas de uma determinada
regio.
O intercmbio bitico consiste no
fluxo natural de espcies entre regies
adjacentes. A diversidade de espcies de
uma regio aumenta quando ela
colonizada por espcies de regies
adjacentes pelo processo de disperso
(Ricklefs, 1989). Enquanto a disperso
por saltos (jump dispersal) pode ser
importante na formao de biotas em
ilhas ocenicas, a difuso e a disperso
secular parecem ser as formas mais
provveis de disperso quando se estuda
a formao de biotas regionais dentro
de grandes continentes (Cracraft, 1994;
Brown & Lomolino, 1998).
A extino em massa pode ser
causada por vrios fatores, biticos ou
abiticos (Raup, 1984). Entretanto, h
cada vez mais razes para se acreditar
que extines em massa foram causadas
por algum tipo de mudana ambiental
drstica, apesar da natureza exata dessas
perturbaes e seus efeitos sobre os
organismos serem difceis de serem
deduzidos claramente (Brown &
Lomolino, 1998).
Mtodos de estimativa
A importncia relativa da produo
de espcies, do intercmbio bitico e da
extino em massa na determinao da
diversidade regional das biotas das
grandes regies intracontinentais precisa
ser ainda melhor calculada. Estimar a
importncia da extino em massa
requer material fssil abundante e bem
conservado (e.g., Olson & James, 1982).
Os mtodos da ecologia histrica podem
ser utilizados para estimar a contribuio
da produo de espcies e do
intercmbio bitico na formao de
biotas modernas (Brooks & McLennan,
1993). H casos, entretanto, onde o
estudo das distribuies geogrficas das
espcies em uma regio utilizando uma
abordagem macroecolgica pode
tambm ser til. Por exemplo, Silva
(1996), ao estudar a distribuio das
espcies de aves florestais no Cerrado,
descobriu que a maioria dessas espcies
tinha seus centros de distribuio na
Amaznia ou na Floresta Atlntica e que
elas estavam lentamente expandindo
suas distribuies no interior do Cerrado
seguindo a expanso das florestas
ribeirinhas. Nessa rea de investigao,
dada a complexidade dos fatores que
interferem na determinao da
distribuio de uma espcie (Brown &
Lomolino, 1998), uma abordagem
metodolgica pluralista, certamente, a
mais recomendvel como ponto de
partida.
Uma forma simples de se iniciar o
trabalho estudar as distribuies
geogrficas individuais das espcies que
foram registradas em uma determinada
regio e agrup-las em trs categorias:
(a) espcies amplamente distribudas;
(b) espcies endmicas ou quase-
endmicas; e (c) espcies que possuem
grande parte de suas distribuies em
uma segunda regio, mas que ocorrem,
229
Biogeografia e avifauna
na regio sob anlise, como isolados
geogrficos ou associadas a tipos
especiais de vegetao que possuem
distribuio restrita, tal como matas
galerias. Espcies amplamente
distribudas em diferentes regies
ajudam pouco a elucidar a formao da
biota de uma regio, assim elas podem
ser excludas da anlise. As espcies
endmicas e semi-endmicas com uma
ou mais espcies-irms dentro da mesma
regio indicam a importncia relativa do
processo de produo de espcies. Por
fim, as espcies da categoria c indicam
a importncia relativa do processo de
intercmbio bitico com uma ou mais
regies adjacentes.
OS BIOMAS BRASILEIROS E SUAS
AVIFAUNAS
O Brasil um laboratrio fenomenal
para estudos sobre sistemtica, evoluo
e biogeografia de aves neotropicais. A
avifauna brasileira composta por
aproximadamente 1.700 espcies de aves
(Sick, 1997). Este nmero representa,
entretanto, apenas uma subestimativa.
Estudos recentes tm demonstrado que
muitas espcies politpicas so na
verdade compostas por conjuntos de
populaes bastante distintos, cada qual
com suas caractersticas nicas de
plumagem, voz e comportamento
(Willis, 1988; Prum, 1994). Estes
conjuntos de populaes devem ser,
portanto, reconhecidos como espcies
distintas, tanto sob o conceito biolgico
como sob o conceito filogentico de
espcie. A identificao e o mapeamento
desses conjuntos distintos de populaes
um dos maiores desafios da moderna
ornitologia brasileira.
A maioria das espcies de aves
brasileiras est distribuda em cinco
grandes regies naturais: Amaznia,
Floresta Atlntica, Caatinga, Cerrado e
Pantanal. A Amaznia e a Floresta
Atlntica so regies naturais que esto
(ou estavam, no caso da Floresta
Atlntica!) recobertas, especialmente,
por extensas florestas tropicais. Essas
duas regies so separadas entre si por
um corredor de formaes abertas
formada pela Caatinga, Cerrado e
Pantanal. A no ser pelo carter aberto
de suas vegetaes, essas trs regies
tm pouco em comum. A Caatinga est
localizada, principalmente, em uma
extensa depresso, recoberta por uma
vegetao xrica que cresce sobre solos
rasos e est sujeita a longos perodos de
seca (Eiten, 1982), enquanto o Pantanal
uma depresso revestida, sobretudo,
por uma savana sazonalmente inundvel
pelos ciclos de cheias da extensa rede
de drenagem que domina a regio (Eiten,
1982).
A hiptese
Estudos biogeogrficos sobre as
avifaunas dos cinco grandes biomas
brasileiros foram desenvolvidos nas
ltimas dcadas. A Amaznia foi
estudada por Haffer ( 1978; 1985), o
Cerrado por Silva (1995a, 1995b, 1996),
a Floresta Atlntica por Willis (1992), o
Pantanal por Brown (1986) e a Caatinga
por Silva et al. (em preparao). A partir
desses estudos e de novas anlises
possvel estimar a importncia relativa
da especiao versus intercmbio bitico
no processo de formao das avifaunas
desses biomas e propor um primeiro
modelo grfico (Figura 4).
Com base no modelo, a produo
de espcies parece ser o principal fator
que leva a alta diversidade regional de
espcies na Amaznia e Floresta
Atlntica. Em contraste com as avifaunas
das trs reas de formaes abertas, as
230
Silva & Santos
avifaunas da Amaznia e da Floresta
Atlntica so compostas por uma grande
porcentagem de espcies endmicas,
muitas das quais so restritas a somente
uma poro da regio. Alm disso, a
presena de inmeros grupos
monofilticos de aves compostos por
duas ou mais espcies que se substituem
geograficamente (superespcies de
acordo com Haffer, 1986) dentro destas
regies serve para ilustrar muito bem a
importncia da especiao intra-regional
no aumento da diversidade regional de
aves dessas regies.
Para as avifaunas da Caatinga,
Cerrado e Pantanal, o intercmbio bitico
teve um papel mais importante na
determinao da diversidade regional de
aves do que a produo de espcies. O
Pantanal no possui endemismos em
aves e muito da sua avifauna composta
por elementos biogeogrficos dos biomas
adjacentes. A Caatinga e o Cerrado
possuem muito mais espcies endmicas
do que o Pantanal, no entanto, em ambos
os biomas bastante significativo o
grande nmero de espcies que tm os
centros de suas distribuies localizados
em outros biomas. Na Caatinga, os
elementos de outros biomas esto
principalmente nas florestas midas
encontradas nas encostas de planaltos
residuais (localmente denominadas de
brejos) ou nas transies ecolgicas
com relevo complexo (Chapada da
Diamantina) para a Floresta Atlntica e
Cerrado. No Cerrado, os elementos dos
outros biomas esto sobretudo nas
florestas de galeria, que cobrem menos
de 10% da regio, e nas florestas secas,
que esto restritas a manchas de solos
derivados de rochas bsicas nas
depresses localizadas entre planaltos.
O papel da extino em massa na
determinao da diversidade regional de
aves nas cinco regies investigadas ainda
no pode ser avaliado concre-
tamente com base nos dados atualmente
disponveis. Paleontlogos tm docu-
mentado a extino em massa de grandes
Figura 4
A contribuio relativa
da produo de
espcies (especiao
intra-regional) e
intercmbio bitico
(colonizao de uma
regio por espcies
de biomas adjacentes)
na diversidade re-
gional de aves em
cinco grandes biomas
brasileiros: Amaznia,
Floresta Atlntica,
Cerrado, Caatinga e
Pantanal.
231
Biogeografia e avifauna
mamferos que habitavam formaes
abertas sul-americanas durante o ltimo
perodo glacial (Cartelle, 2000), mas no
h evidncias de que este padro seja
vlido para outros grupos de organismos.
O estado ainda embrionrio da
paleontologia de aves no Brasil impede
qualquer conjectura a esse respeito.
IMPLICAES PARA A
CONSERVAO DA
BIODIVERSIDADE
Alm do interesse puramente
acadmico, a compreenso dos
processos que promovem a diversidade
da avifauna de uma regio muito
importante para a elaborao de sistemas
eficientes de reservas que tenham como
objetivo conservar a biodiversidade de
uma regio. Na verdade, qualquer
planejamento biorregional de conser-
vao deve ter como objetivo manter os
processos biogeogrficos responsveis
pela diversidade regional de espcies. Ou
seja, tal planejamento deveria tanto
manter a produo de espcies e o
intercmbio bitico com os biomas
adjacentes como evitar a extino em
massa das espcies, devido s
modificaes ambientais causadas pelas
atividades humanas.
Com base no modelo apresen-
tado acima possvel sugerir algumas
estratgias de desenho de sistemas de
conservao para as cinco macro-regies
brasileiras. Na Amaznia e Floresta
Atlntica, uma ateno especial deveria
ser dada conservao daquelas reas
com grandes concentraes de espcies
endmicas, pois essas regies podem
estar funcionando, ainda hoje, como
fontes de espcies para as reas
adjacentes mais dinmicas ecologica e
historicamente. No Pantanal e no
Cerrado, extensos corredores ribeirinhos
so essenciais para garantir o fluxo
permanente de populaes e espcies
dos biomas adjacentes para essas
regies. No caso do Cerrado, as florestas
ribeirinhas possuem tambm muitas
espcies endmicas. No Cerrado, mais
especificamente, um esforo especial de
conservao deve ser direcionado para
as trs reas de endemismo reconhecidas
para aves na regio: o vale do rio
Araguaia, o vale do rio Paran e suas
florestas secas e a Chapada da
Diamantina com os seus campos
rupestres (Silva & Bates, 2002). Para a
conservao das espcies endmicas das
reas abertas do Cerrado, lugares
estratgicos devem ser selecionados com
base nos padres de variao da
abundncia destas espcies ao longo da
regio. Na Caatinga, especial ateno
deve ser direcionada para a conservao
das florestas nas encostas de planaltos
residuais e das caatingas arbreas
adjacentes, pois so estas que mantm
uma grande parte da diversidade de aves
na regio.
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Captulo 13 Captulo 13
Captulo 13 Captulo 13 Captulo 13
A biodiversidade dos
Cerrados:
conhecimento atual e
perspectivas, com uma
hiptese sobre o papel
das matas galerias na
troca faunstica
durante ciclos
climticos.
Captulo 13 Captulo 13
Captulo 13 Captulo 13 Captulo 13
A biodiversidade dos
Cerrados:
conhecimento atual e
perspectivas, com uma
hiptese sobre o papel
das matas galerias na
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durante ciclos
climticos.
Miguel Trefaut Rodrigues
Departamento de Zoologia
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F
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236
Silva & Santos
Biogeografia e avifauna
237
INTRODUO
O domnio morfoclimtico dos
cerrados brasileiros abrange uma rea de
2.000.000 km
2
; o segundo em ordem
de grandeza espacial do pas (AbSaber,
1981). Desta rea, apenas cerca de 20%
permanecem intocados e um total de
aproximadamente 1,5 % esto prote-
gidos em reas de conservao
(Mittermeier et al., 1999). Este captulo
apresenta reflexes sobre algumas
questes que a este autor parecem
importantes para melhor compreender
a histria e a diversidade da fauna dos
Cerrados. Assim, inicia-se comentando
alguns dos problemas operacionais que
levam definio do nmero de espcies
e dos endemismos do bioma, apre-
sentando a seguir, e em linhas gerais, a
situao atual do conhecimento sobre a
biodiversidade dos Cerrados e as razes
para incentivar esses estudos. Procu-
rando contribuir para tal, este estudo
apresenta uma hiptese sobre um dos
possveis papis histricos das matas de
galeria na diferenciao da fauna
neotropical. O texto se encerra com
consideraes de carter estratgico que
pedem ao urgente no que respeita aos
destinos da pesquisa futura e adequada
preservao da diversidade biolgica da
rea. Embora faa algumas conside-
raes de carter mais geral, este
trabalho baseia-se principalmente na
herpetofauna, grupo ao qual o autor tem
se dedicado e lhe mais familiar.
RIQUEZA DE ESPCIES E
ENDEMISMOS
Vrios trabalhos apresentados no
decorrer deste encontro mostraram
nmeros aproximados de espcies para
alguns grupos da biota dos Cerrados;
geralmente, os valores absolutos
fornecidos estiveram acompanhados da
porcentagem de espcies endmicas. H
nos Cerrados cerca de 10.000 espcies
de plantas lenhosas (4.400 ou 44%
endmicas); 837 espcies de Aves (29
ou 3,4% endmicas); 161 de mamferos
(19 ou 11% endmicas); 120 de rpteis
(24 ou 20% endmicas) e 150 espcies
de anfbios (45 delas ou 30%
endmicas). Ou seja, considerando
apenas as plantas e os vertebrados
terrestres, a taxa de endemismo dos
Cerrados estaria entre os 3% e os 50%.
Os dados acima, extrados de Mittermeier
et al. (1999), concordam parcialmente
238
Rodrigues
com nmeros mais detalhados para
alguns grupos que vm sendo
apresentados, mas h diferenas
importantes com outros e, obviamente,
entre grupos (Marinho-Filho; Colli,
2003). Em alguns casos as diferenas so
considerveis. Comparaes quanti-
tativas como estas, buscando explicaes
para a diversidade entre faunas, tm sido
freqentes e servem de exemplo para
mostrar que preciso, inicialmente,
compreender as razes destas
discrepncias. Deixando, por ora, de lado
as fontes de variao devidas aos
processos diretamente responsveis pela
origem da diversidade, trs fatores so
relevantes para explic-las: (1) o nvel
taxonmico de conhecimento; (2) a
unidade bsica de trabalho; e, (3) a
qualidade da amostragem.
As taxas de endemismo do Cerrado
variam de grupo para grupo e entre
grupos, pois dependem muito do nvel
do conhecimento taxonmico. A
variao devida a este fator, est
diretamente relacionada ao nmero de
pesquisadores envolvidos no estudo e
ao nvel de refinamento taxonmico
atingido pela sistemtica do grupo em
questo, mas no se restringe apenas a
estas fontes. Parte dela deve-se tambm
tradio taxonmica em voga no grupo.
Muitas vezes a predominncia de escolas
sistemticas de classificao distintas em
grupos diferentes (por exemplo, entre
Aves e Squamata), resulta em nmeros
finais de espcies que, por no estarem
baseados nos mesmos critrios, torna
difcil a comparao direta entre
indicadores de diversidade. Outra
varivel importante que afeta as taxas
de endemismo est na unidade escolhida
para estudo, ou seja, nos diferentes
conceitos de Cerrado empregados. Para
alguns, as matas-galeria no fazem parte
do Cerrado, para outros, sim. Alguns
consideram a fauna dos campos
rupestres como pertencentes aos
Cerrados; outros incluem, entre a fauna
dos Cerrados, espcies tipicamente
amaznicas, ou de outros biomas, que
penetram marginalmente nos Cerrados.
No possvel proceder a comparaes
adequadas sem definies precisas. Um
terceiro fator complicador ao analisar as
taxas de endemismo a qualidade da
cobertura geogrfica da rea estudada.
No h dois grupos que tenham sido
igualmente amostrados. Todos estes
fatores afetam profundamente os
nmeros e devemos estar cientes de sua
importncia quando realizamos
comparaes entre faunas de biomas
distintos ou entre a diversidade ou a taxa
de endemismo de grupos diferentes
dentro do mesmo bioma. O nmero, por
si s, no diz nada se no for calcado
em base qualitativa slida que permita
comparaes confiveis.
Ainda que idealmente todos estes
problemas estejam equacionados de
forma adequada, as taxas de endemismo
para o Cerrado sero bastante distintas
entre grupos (por exemplo, entre os
grupos de vertebrados), pois cada um
tem suas prprias peculiaridades
histricas e ecolgicas. O que se deve
ressaltar que a presena de espcies
endmicas mostra que, ao contrrio do
que se assumiu por algum tempo
(Vanzolini, 1974, 1976), o Cerrado
possui fauna prpria, distinta daquela
presente nas Caatingas e no Chaco
(Rodrigues, 1988; Colli, 2003). Ela resulta
de uma histria bastante complexa,
associada ao soerguimento dos Planaltos
Brasileiro e das Guianas no final do
Cretceo e durante o Tercirio, e
instalao na rea de uma vegetao
original e sua modificao desde ento
(Colli, 2003). Uma das tarefas
importantes a realizar tentar resgatar
esta histria a partir do estudo da fauna
e flora dos Cerrados atuais para que se
239
Matas de Galeria e trocas faunsticas
possa melhor conhecer as causas que lhe
deram origem e, assim, obter orientao
adequada para conserv-la de modo
mais eficaz.
A SITUAO ATUAL DO
CONHECIMENTO
Embora as pesquisas sobre a fauna
e flora dos Cerrados tenham avanado
muito, necessrio admitir que a
diversidade biolgica do bioma ainda
muito pouco conhecida. Imensas reas
no foram sequer inventariadas, numa
poca em que ainda existem srios
problemas taxonmicos em grupos de
espcies que, se melhor conhecidos,
poderiam auxiliar a compreender melhor
os principais padres de distribuio de
sua fauna e flora.
Apesar do imenso esforo dedicado
pela comunidade cientfica a
levantamentos, ao longo da ltima
dcada, os cerrados ainda permanecem
muito mal inventariados. Deixando de
lado os peculiares e complexos campos
rupestres que apresentam uma biota
caracterstica (Heyer, 1999), no se sabe
dizer ainda quais so as principais reas
de endemismo dos Cerrados brasileiros.
Este conhecimento fundamental para
tentar compreender sua histria e assim
estabelecer uma lista de reas prioritrias
para a conservao. Ao contrrio do que
ocorre para os demais domnios
morfoclimticos brasileiros, tambm no
se dispe de modelos de aplicabilidade
geral que permitam explicar a especiao
e a diversidade nos Cerrados.
O nvel do estado atual de
conhecimento atingido sobre os
Cerrados, insuficiente e grave por si s,
torna-se mais crtico quando contraposto
comparativamente ao que se dispe para
a Amaznia e para a Mata Atlntica. Nos
dois casos, apesar do conhecimento
insuficiente que tambm h sobre
aqueles biomas, sabe-se, pelo menos,
dizer algo a respeito das reas de
endemismo mais importantes daqueles
domnios. Ainda que se desconhea
profundamente a diversidade da
Amaznia, j se dispe de vrios
modelos para explicar a especiao e,
conseqentemente, parte da diversidade
de sua fauna e flora (Haffer, 2001). Tais
hipteses tm dado margem a amplos
debates, gerado controvrsias, e assim
estimulado exponencialmente a
elaborao de projetos procurando test-
las. Estes, aprimorando a qualidade e a
cobertura geogrfica dos levantamentos,
tm acarretado avanos substanciais no
nosso conhecimento sobre a rea. O
modelo clssico dos refgios, por
exemplo, um dos que se dispe para
explicar a diversidade da fauna
amaznica (Haffer, 1969; Vanzolini &
Williams, 1970 ); h muitos outros, como
o modelo dos rios atuando como
barreiras (Wallace, 1852) e o dos
gradientes (Endler, 1982); (veja Vieira
et al., 2001). importante lembrar que
em face da realidade das flutuaes
climticas que afetaram a distribuio
espacial das florestas amaznicas ao
longo do tempo, dispe-se tambm dos
requisitos mnimos, em termos de
cenrios geogrficos e fisionmicos, para
testar a aplicabilidade dos vrios dos
modelos de diferenciao propostos.
Assim, ainda permanecem na Amaznia
grandes reas naturais de matas
contnuas, seja na plancie seja em terras
altas, manchas de florestas isoladas fora
dela (por exemplo, os brejos nas
Caatingas) e enclaves de vrios tipos de
paisagens abertas no prprio domnio
amaznico. Estas reas so aquelas que
nos permitem resgatar a informao
necessria para testar os principais
modelos invocados para explicar a
240
Rodrigues
diversidade biolgica do mais rico
ecossistema brasileiro. O quadro geral
similar para a Mata Atlntica, apesar de
a devastao ter reduzido sua rea
intocada a apenas cerca de 7%. Dispe-
se de modelos de especiao para
explicar a diversidade de espcies da rea
(o dos refgios e o da diferenciao em
ilhas da plataforma continental, por
exemplo) e ainda se dispe dos cenrios
com suas paisagens naturais que
permitem test-los: reas contnuas de
mata em regies de baixos e altos
relevos; os brejos nordestinos e as ilhas
florestadas na plataforma continental.
Nos dois casos, a disponibilidade de
modelos que procuram explicar a
diversidade destes biomas tem
constantemente estimulado a pesquisa
e ajudado a delinear reas prioritrias
para estudo e conservao. No caso de
reas abertas, a situao similar para
a fauna das Caatingas: falta conhecer
muito, mas j se sabe onde esto
algumas das reas de endemismo e se
dispe de hipteses para compreender
parte de sua diversidade, o que tem
permitido polticas cientficas e de
conservao mais adequadas (Rodrigues,
2002).
Este estudo chama a ateno para o
fato de que, sob este contexto, a situao
dos cerrados gravssima. Muitas das
reas naturais que permitiriam resgatar
informao da maior relevncia para
traar com certa preciso alguns dos
padres de distribuio ou das reas de
endemismo do Cerrado, j foram
completamente destrudas. Assim,
provavelmente como conseqncia de
amostragens insuficientes e de estudos
desacompanhados de filogenias
confiveis, no apenas no se pode dizer
onde esto as reas de endemismo do
domnio, como no se dispe de modelos
de diferenciao adequados para explicar
ao menos parte da histria de sua
complexa fauna e flora. Apesar de tudo,
deve-se dizer que, h algumas hipteses
biogeogrficas para a fauna de alguns
grupos que vivem nos Cerrados
brasileiros. Por exemplo, os trabalhos de
Cartelle (2000) e Fonseca et al. (2000)
apresentam hipteses para explicar a
distribuio atual e pretrita e a
composio da mastofauna das reas
abertas do continente. De modo similar,
h hipteses biogeogrficas para explicar
os padres gerais de distribuio da
avifauna dos Cerrados (Silva, 1995a,
1995b) e evidncias sobre a importncia
das florestas de galeria na disperso de
aves amaznicas e da Floresta Atlntica
nos Cerrados (Silva,1996, Willis, 1992).
Faltam, contudo, estudos mais
detalhados, baseados em inventrios
representativos para outros grupos, que
possibilitem uma viso comparativa e
uma definio mais precisa das reas de
endemismo dos Cerrados.
Embora o modelo dos refgios
assuma que a fase de expanso das
florestas e das reas abertas foram
complementares ao longo do Tercirio e
Quaternrio, a aplicao do modelo aos
Cerrados nunca foi efetivamente testada.
Ainda que se assuma sua comple-
mentaridade para explicar a diferen-
ciao de algumas espcies, a imensa
maioria dos cenrios geogrficos que
permitiriam testar a hiptese foi
destruda. Grandes extenses de reas
contnuas de Cerrados j foram quase
que totalmente eliminadas; as poucas
ainda intocadas, situadas nos chapades
do Piau, Bahia e Maranho, esto sob
intensa presso antrpica. De modo
similar, os enclaves de Cerrados
relictuais no domnio das Caatingas ou
da Mata Atlntica esto praticamente
destrudos. Restam quase que apenas as
manchas isoladas, atualmente, ainda
encerradas em reas de difcil acesso na
Floresta Amaznica. Deve haver
241
Matas de Galeria e trocas faunsticas
empenho para preserv-las urgen-
temente, assim como procurar
maximizar a preservao das regies da
rea nuclear que ainda permanecem com
cobertura original.
Sabe-se que h endemismos nos
Cerrados, que as matas de galeria do
domnio - no caso da herpetofauna, em
particular, e no de muitas espcies de
outros grupos - no constituem barreira
para a fauna adaptada aos ambientes
abertos dos Cerrados. A mata de galeria,
to caracterstica do domnio, no
apresenta fauna prpria expressiva,
sendo utilizada pela maioria das espcies
encontradas nos Cerrados abertos, talvez
com mais freqncia no perodo seco
(Marinho & Gastal, 2000; Silva &
Viellard, 2000). Quais foram as barreiras
e os mecanismos que levaram
complexificao progressiva da fauna
dos Cerrados? Quais foram os quadros
de paisagens que dominaram o espao
dos Cerrados altura dos perodos
midos? Que tipos de vegetao aberta
estavam instalados no alto dos
chapades e nos vales ao longo dos
perodos glaciais? Como ocorreu a
transio para o cenrio atual? Apesar
de haver muitos avanos no domnio do
conhecimento palinolgico e na
reconstruo de paleoambientes
(Laboriau, Ledru, 2003), ainda no se
sabe muito sobre a composio, a
permanncia e a extenso geogrfica das
paleopaisagens que ocuparam a rea dos
Cerrados ao longo do Quaternrio.
Perceber e tentar compreender as
pequenas diferenas na organizao
estrutural e bitica da paisagem, que
coletivamente denominada de Cerrado,
fundamental para entender o passado
(AbSaber, 2000).
O desconhecimento sobre os
processos ecolgico-evolutivos que
levaram origem e diferenciao da
fauna dos Cerrados de tal ordem que
no podemos nos dar ao luxo de
considerar uma ou outra rea como no-
merecedora de investigao prioritria.
Absolutamente tudo deve ser
considerado prioritrio. No estado atual
do conhecimento, no se pode dizer se
um chapado ou um vale isolados e
esquecidos no meio da paisagem,
idnticos a muitos outros, foram ou no
cenrios de processos histrico-
evolutivos que levaram divergncia de
parte da fauna que abrigam. Somente um
trabalho intenso no campo pode eliminar
essas dvidas. A descoberta surpre-
endente de reas de endemismo nas
Caatingas, que possuem herpetofauna
muito melhor conhecida que a dos
Cerrados, apia esta linha de
pensamento (Rodrigues, 1991, 1996,
2002).
no contexto do cenrio geogrfico
ainda oferecido pelos enclaves de
Cerrados isolados da Amaznia que se
pode testar a aplicabilidade do modelo
dos refgios aos Cerrados. nestas reas
isoladas, com reas de ordem de
grandeza muito diversa, que a fauna dos
Cerrados vem passando por diferen-
ciao. No estudo destes experimentos
naturais, est a chave para a
compreenso de alguns dos mecanismos
que permitem explicar a diversidade
atual e a origem da fauna do bioma.
ali tambm que se deve buscar as
explicaes para o papel das florestas
de galeria na evoluo da fauna dos
Cerrados.
ESPECIAO DURANTE CICLOS
CLIMTICOS E A IMPORTNCIA
DAS MATAS DE GALERIA.
Atualmente, admitem-se dois
mecanismos aloptricos de especiao
para explicar a origem de novas espcies
242
Rodrigues
durante fases alternantes dos ciclos
climticos: o modelo clssico dos
refgios (Haffer, 1969, Vieira et al. 2001;
Vanzolini, 1981; Vanzolini & Williams,
1970) e o do refgio evanescente
(Vanzolini & Williams, 1981). Sob o
modelo dos refgios, a expanso das
formaes abertas na fase seca do ciclo
provocaria o isolamento e a diferenciao
de espcies de floresta; de modo similar,
durante as fases midas, corresponderia
expanso das matas que isolaria
populaes de reas abertas provocando
sua diferenciao especfica. Sob o
modelo do refgio evanescente,
originalmente proposto para reas
florestadas, espcies umbrfilas de mata,
isoladas em refgios que desapareceriam
durante perodos secos, poderiam se
tornar espcies vicariantes de ambientes
abertos e vice-versa: espcies vivendo
em ambientes abertos isolados por
florestas, poderiam, desaparecendo as
reas abertas, tornarem-se espcies
vicariantes de reas florestadas. Para
espcies de requisitos ecolgicos rgidos,
nos dois casos, os modelos so
teoricamente simtricos e comple-
mentares. Estes dois mecanismos tm
sido, ao menos em teoria, utilizados para
tentar explicar parte da origem da
diversidade neotropical. Nenhum deles,
contudo, considera o papel das matas
de galeria.
Apresenta-se aqui, a ttulo de
hiptese de trabalho, um modelo
sugerindo que as florestas de galeria
podem contribuir substancialmente ao
aumento da diversidade de espcies.
Mais uma vez, este estudo atm-se
herpetofauna. A Figura 1 mostra as
principais seqncias de eventos do
modelo apresentado. Postula-se aqui que
as matas de galeria, ao longo do tempo
e durante ciclos climticos alternados,
desempenharam um papel assimtrico
no que respeita a sua contribuio
diferenciao e ao enriquecimento da
fauna dos Cerrados e das reas
florestadas. Elas forneceram, diferen-
cialmente, muito mais espcies s
florestas do que aos Cerrados. A hiptese
parte da premissa de que, com raras
excees, as espcies do Cerrado
freqentam livremente ou toleram a mata
de galeria, possuindo assim pr-
adaptaes mnimas para permanecer
em reas florestadas. A fauna de floresta,
ao contrrio, estritamente umbrfila e,
praticamente, no tolera ambientes
abertos.
Nas fases midas dos ciclos
climticos, quando manchas de Cerrados
(ou paisagens abertas similares) com
matas de galeria perdem espao para as
florestas, as matas de galeria poderiam
desempenhar o papel de provedoras de
espcies para as reas florestadas. Nesta
situao, espcies de Cerrado envolvidas
por ambientes florestados em expanso,
poderiam invadir a floresta atravs das
matas de galeria e ali se manter. Sob esta
hiptese, caso a expanso e a
coalescncia das florestas, durante uma
fase mida, levassem ao total
desaparecimento do Cerrado rema-
nescente nas reas prximas, as espcies
do Cerrado original estariam capturadas
pela mata, permanecendo ali isoladas.
Nesta fase populaes isoladas dos
estoques parentais poderiam se
diferenciar. Vale lembrar que este
mecanismo muito similar ao do refgio
evanescente, diferindo dele porque
assimtrico e se aplica a praticamente
toda a fauna que transita entre dois tipos
de ambientes contrastantes. Sua
assimetria deve-se no apenas ao fato
da fauna de floresta no tolerar os
ambientes abertos. Mas tambm porque,
ainda que se admitisse a comple-
mentaridade do processo em fase seca,
o desaparecimento da ilha-de-mata,
tornaria a estreita rea de floresta-galeria
243
Matas de Galeria e trocas faunsticas
disponvel, incapaz de manter as
populaes ali presentes, sujeitando-as
deriva gentica e extino. Esta
parece ser uma das possveis explicaes
para a presena disjunta de animais
tipicamente de Cerrado em matas hoje
incorporadas ao corpo principal de
floresta da Amaznia. H exemplos.
Entre os lagartos, os gimnoftalmdeos
Colobosaura modesta e as formas do
complexo Cercosaura servem para
exemplificar isolamentos mais recentes.
Em alguns locais da Amaznia, algumas
das populaes destas espcies se
encontram em ambientes florestais
tpicos, possivelmente, porque
habitavam matas-galeria que j foram
incorporadas ao corpo principal de
floresta, exatamente como prev a
hiptese de trabalho apresentada. Em
tese, a assimetria deste mecanismo
tambm ajudaria a explicar a maior
Figura 1
Esquema hipottico
para explicar o
possvel papel
assimtrico
desempenhado pelas
matas de galeria no
enriquecimento
faunstico de reas
florestadas durante
ciclos climticos.
244
Rodrigues
diversidade local e espacial da
Amaznia, quando comparada aos
Cerrados. Filogenias adequadas que
possibilitassem verificar o nmero e a
posio relativa dos clados associados a
vicarincias ecolgicas em linhagens
monofilticas, permitiriam testar a
hiptese. Casos como o dos gecondeos
do gnero Coleodactylus, dos scincdeos
do gnero Mabuya, tedeos do gnero
Kentropyx, policrotdeos do gnero
Anolis, e de muitos outros, com espcies
tanto na mata como nos Cerrados,
poderiam tambm ser alvo de
investigao para testar o modelo.
CONSIDERAES FINAIS
H muito por fazer no que respeita
ao estudo da biodiversidade e
conservao dos Cerrados e deve-se agir
rapidamente, pois a situao do bioma
crtica. Mal inventariado e altamente
ameaado o Cerrado ainda tem poucas
unidades de conservao regula-
mentadas. A falta de conhecimento
bsico impede a delimitao mais precisa
das reas potenciais de conservao e
no tem permitido frear a ocupao das
paisagens naturais que ainda restam. O
ecossistema deve ser alvo prioritrio de
polticas pblicas voltadas conservao
e educao ambiental. No se trata de
parar o desenvolvimento, mas de
repens-lo criticamente.
A enorme expresso espacial dos
Cerrados e sua histria de ocupao
econmica produziram uma diversidade
cultural de tal ordem que as aes de
conservao precisam ser muito bem
planejadas. O processo educativo que
permite perceber a importncia de
preservar o Cerrado com sustenta-
bilidade no o mesmo para um ndio
dos Parecis, do Araguaia, ou para a
infinidade de grupos com educao
cultural muito diversa que hoje ali vivem:
gachos, paranaenses, mato-grossenses,
paulistas, nordestinos, mineiros e muitos
outros, entre eles, imigrantes de diversas
procedncias. A diversidade de culturas
exige estratgias elaboradas que
envolvem investimentos em tempo,
energia e recursos financeiros que so
diferentes para cada um destes grupos
culturais. No atravs de uma receita
simples, muitas vezes eficiente nos
pases de primeiro mundo, onde h
muito existe certa homogeneidade
cultural, que obteremos o retorno
necessrio para estancar a eroso das
paisagens naturais do Cerrado. As aes
aqui devem envolver um planejamento
especfico, integrado, uma viso mais
estratgica do que temos hoje para
preservar nossa diversidade biolgica.
Sabemos que a sensibilizao da
sociedade ser lenta e, em face da
urgncia que se impe, ela deve ser
procurada com todos os meios que
estiverem ao alcance. Isto exige a
participao de jornalistas, escolas,
zoolgicos, e a produo de abundante
material educativo. Exige que se mudem
conceitos antigos, estagnados, sobre o
papel social de algumas instituies. Os
zoolgicos, por exemplo, tm um
enorme potencial de sensibilizao
cultural da sociedade que pouco
aproveitado. preciso valorizar nossa
fauna e mostrar sua importncia: dos
pequenos roedores e marsupiais ona,
dos invertebrados s pererecas. Este
estudo cita, como exemplo, a
importncia conferida mundialmente
fauna australiana, fato que s acontece,
pois eles souberam valoriz-la.
As tarefas acima s podero ser
cumpridas a tempo se a comunidade
cientfica sair do seu imobilismo. Os
cientistas devem sair de suas salas e
tambm assumir a responsabilidade, que
245
Matas de Galeria e trocas faunsticas
tm, de ajudar a sensibilizar a sociedade,
aumentando sua insero social. A
mdia, os zoolgicos, ou os jardins
botnicos, por exemplo, s podero
mostrar adequadamente a importncia
do patrimnio biolgico do pas se forem
informados por eles, aqueles que geram
o conhecimento. Embora seja a
comunidade cientfica, por intermdio do
seu esforo, quem d a conhecer ao
mundo as plantas e os animais
desconhecidos, a transposio para a
sociedade destas descobertas, por meio
da sua divulgao, em parte, tambm
lhe cabe. preciso tomar conscincia
disso.
Neste complexo processo de
conscientizao que conduz
preservao das reas remanescentes de
Cerrado, visando salvar a informao
ainda disponvel, tambm altamente
desejvel que a relao entre a agncia
ambiental e a comunidade cientfica
evolua. O Brasil lder mundial em
diversidade biolgica, os Cerrados o
segundo maior domnio morfoclimtico
brasileiro e, como foi visto, est
desaparecendo sem que se possa
recuperar informaes valiosas sobre sua
histria e diversidade. preciso uma
estrutura mais gil, por parte dos rgos
ambientais, que facilite o trabalho
daqueles que se ocupam da descrio
da diversidade biolgica. tambm
necessrio que a comunidade cientfica
compreenda a importncia de repassar
ao IBAMA as informaes de que dispe,
para que este possa traar polticas cada
vez mais eficientes de fiscalizao,
manejo e utilizao das paisagens
naturais. necessrio sentar mesa para
conversar, de modo a maximizar a
utilizao das melhores capacidades do
meio cientfico.
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247
Solos e paisagem
Captulo 14 Captulo 14
Captulo 14 Captulo 14 Captulo 14
As origens e a
diversificao da
herpetofauna do
Cerrado
As origens e a
diversificao da
herpetofauna do
Cerrado
Captulo 14 Captulo 14
Captulo 14 Captulo 14 Captulo 14
Guarino R. Colli
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Guarino R. Colli
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
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248
Rodrigues
Matas de Galeria e trocas faunsticas
249
INTRODUO
Por uma srie de razes, no foi feita
at o presente qualquer reconstruo
sobre as origens da herpetofauna do
Cerrado. Uma vez que praticamente
inexistem localidades fossilferas de
vertebrados no Brasil central (Bez &
Gasparini, 1979; Estes & Bez, 1985), os
estudos sobre a evoluo da
herpetofauna das paisagens abertas sul-
americanas so baseados quase que
inteiramente nos registros fsseis da
poro mais meridional do continente
(e.g., Webb, 1978; Cei, 1979). Alm
disso, com poucas excees, no existem
anlises filogenticas envolvendo os
txons relevantes. Interpretaes
confiveis sobre os fatores histricos que
moldaram as distribuies dos
organismos s podem ser obtidas pela
considerao de suas relaes
filogenticas (e.g., Ball, 1975; Wiley,
1981). Ainda, uma nfase excessiva tem
sido dada a eventos histricos recentes,
como flutuaes climticas do
Quaternrio e suas conseqncias
(Vanzolini, 1970, 1974, 1976; Heyer,
1978; Duellman, 1979), em detrimento
de eventos do Tercirio, quando ocorreu
grande parte da diversificao da
herpetofauna sul-americana (Heyer &
Maxson, 1982; Estes & Bez, 1985;
Bauer, 1993; Duellman, 1993).
Considerando essas limitaes, o cenrio
delineado abaixo extremamente
preliminar e ter atingido seus objetivos
se apenas estimular pesquisas futuras
sobre o assunto.
Os fsseis mais antigos de famlias
viventes de anfbios e rpteis da Amrica
do Sul datam do Cretceo Superior,
aproximadamente 75 milhes de anos
atrs (Bez & Gasparini, 1979). Eles
incluem Leptodactylidae, Iguania (sensu
Frost & Etheridge, 1989), Teiidae, Boidae
e Podocnemididae (Estes & Bez, 1985;
Albino, 1996). exceo de Teiidae,
todos esses txons so presumivelmente
originrios de Gonduana (Bauer, 1993;
Duellman, 1993). Os teideos
250
Colli
aparentemente surgiram na Amrica do
Norte, dispersaram-se durante o Cretceo
para a Amrica do Sul, onde sofreram
uma radiao no Tercirio, e se
extinguiram abruptamente na Amrica
do Norte na transio Cretceo-Tercirio
(Presch, 1974; Estes & Bez, 1985; Gao
& Fox, 1996). Um provvel Teiidae foi
assinalado no Cretceo Inferior do Chile
por Gayet et al. (1992) e Albino (1996),
ambos citando trabalho em preparao
de J. Valencia, que nunca foi publicado.
Se confirmado, esse registro implicaria
na evoluo de Teiidae no Cretceo
Inferior da Amrica do Sul (Gonduana),
com sua posterior disperso para a
Amrica do Norte no Cretceo Superior
(Gayet, 1992). Recentes achados de
fsseis de Teiidae no Cretceo Inferior
(Aptiano-Albiano) da Amrica do Norte,
entretanto, corroboram a origem
setentrional do grupo (Nydam, 2002;
Nydam e Cifelli, 2002ab).
No se conhecem fsseis de algumas
das famlias que habitam o Cerrado.
Dentre elas, Centrolenidae, Dendro-
batidae, Pseudidae, Gymnophthalmidae,
Hoplocercidae, Polychrotidae, Tropi-
duridae e Anomalepididae so end-
micas ou mais diversificadas na Amrica
do Sul (Duellman & Trueb, 1986; Guyer
& Savage, 1986; Frost & Etheridge, 1989;
Pough et al., 1998) e, presumivelmente,
so originrias desse continente. Outras,
como Microhylidae, Amphisbaenidae,
Scincidae, Leptotyphlopidae e Typh-
lopidae, esto ausentes do registro fssil
sul-americano, mas aparentemente se
originaram em Gonduana (Vanzolini &
Heyer, 1985). Membros da famlia
Anguidae tambm no possuem fsseis
na Amrica do Sul e provavelmente
dispersaram-se da Amrica do Norte,
onde seu registro fssil vem desde o
Cretceo (Bez & Gasparini, 1979; Gao
& Fox, 1996), diversificando-se
posteriormente na linhagem Diplo-
glossinae na Amrica do Sul (Savage &
Lips, 1993). Dessa forma, a evidncia
disponvel indica que a maior parte das
famlias viventes da herpetofauna do
Cerrado originria de Gonduana e j
havia divergido ao encerramento da Era
Mesozica.
Pelo Cretceo Superior (Campa-
niano-Maastrichtiano), cerca de 37
milhes de anos haviam decorrido desde
que a frica e a Amrica do Sul haviam
se separado e a Amrica do Norte ainda
estava conectada Amrica do Sul
(Parrish, 1993a; Pitman et al., 1993). O
clima na Amrica do Sul exibia elevada
precipitao na regio equatorial (na
extremidade norte do continente) e
variava de moderadamente mido a
rido no resto do continente, incluindo
o Escudo Central Brasileiro (Parrish,
1993b). Trs provncias da microflora so
reconhecidas na Amrica do Sul durante
o Maastrichtiano: a Provncia Microfloral
das Palmeiras (Palm Microfloral
Province) do norte da Amrica do Sul,
onde diversas famlias viventes de
angiospermas aparecem pela primeira
vez, e as Provncias Microflorais Mista e
de Notofagiditas (Mixed and
Nothofagidites Microfloral Provinces)
do sul da Amrica do Sul, de natureza
mais xrica e temperada (Romero, 1993).
Assim, a dicotomia fundamental entre
regies midas e quentes versus xricas
e frias j havia se estabelecido na
Amrica do Sul no Cretceo Superior e,
presumivelmente, se espelhava na
herpetofauna. As divergncias mais
profundas nas linhagens da herpetofauna
devem datar dessa poca e, possi-
velmente, esto associadas a preferncias
ecolgicas por habitats florestais versus
savnicos. Por exemplo, embora de
forma no claramente associada a essa
dicotomia, membros j extintos das
subfamlias viventes de Teiidae, Teiinae
e Tupinambinae, so reconhecidos desde
251
Origem e diversificao da Herpetofauna
o Cretceo Superior (Presch, 1974; Gao
& Fox, 1996).
O Tercirio foi principalmente um
perodo de isolamento da Amrica do
Sul, que resultou na diversificao de
uma biota endmica. Durante todo o
incio do Tercirio o clima foi se tornando
cada vez mais mido, atingindo um
mximo durante o Eoceno, mas depois
se tornou mais rido e frio, especial-
mente no sul do continente, aps o
soerguimento dos Andes (Haffer, 1974;
Webb, 1978; Parrish, 1993b). Alm disso,
houve uma crescente diferenciao
latitudinal do clima, em contraste com o
clima mais homogneo do Cretceo
Superior (Pascual & Jaureguizar, 1990).
Uma ampla diferenciao de famlias de
plantas ocorreu na Amrica do Sul
durante o Tercirio. Na regio equatorial,
a Provncia Microfloral das Palmeiras
reconhecvel at o Paleoceno, aps o qual
famlias modernas se tornaram mais
abundantes formando a Provncia
Microfloral Neotropical, que originou as
atuais florestas midas e formaes mais
msicas da Amrica do Sul (Romero,
1993). Na poro meridional, a flora da
Provncia Microfloral Mista se
desenvolveu em uma combinao de
elementos temperados e tropicais,
incluindo diversas espcies adaptadas a
ambientes secos. A Provncia Microfloral
Mista presumivelmente originou as
atuais savanas da Amrica do Sul,
incluindo o Cerrado (Romero, 1993). Se
a presena de um estrato graminoso
um requerimento para a definio de
savanas, como o Cerrado, ento esse tipo
de vegetao pode ter existido desde o
Eoceno, quando os primeiros registros
de Poaceae aparecem (Romero, 1993).
Savanas muito similares s atuais j
ocorriam no Mioceno da Amrica do Sul
setentrional (Van der Hammen, 1983).
Diversas famlias atuais da
herpetofauna do Cerrado aparecem pela
primeira vez no registro fssil no
Paleoceno da Amrica do Sul, sugerindo
uma origem em Gonduana. Elas incluem
Caeciliidae, Bufonidae, Hylidae,
Gekkonidae e Chelidae (Bez &
Gasparini, 1979; Estes & Bez, 1985).
Aligatordeos e anilideos fsseis esto
presentes no Paleoceno da Amrica do
Sul, mas aparentemente possuam ampla
distribuio nas Amricas durante o
Cretceo (Estes & Bez, 1985). O
Tercirio deve ter sido um perodo de
grande diversificao da herpetofauna do
Cerrado. Paisagens abertas e climas
secos dominaram a Amrica do Sul,
especialmente depois do Oligoceno, e
aparentemente prevaleceram at o
Pleistoceno (DelArco & Bezerra, 1989;
Pascual & Jaureguizar, 1990). Assim, a
herpetofauna de paisagens abertas gozou
de um perodo longo e favorvel para
sua diversificao. Alm disso, o
estabelecimento de um pronunciado
gradiente latitudinal de temperatura
tambm deve ter contribudo para a
compartimentao da herpetofauna,
como descrito para a mastofauna
(Pascual & Jaureguizar, 1990). Por
exemplo, possvel que a divergncia
das subfamlias de Tropiduridae em um
grupo meridional, Liolaeminae, e dois
grupos setentrionais, Tropidurinae e
Leiocephalinae (Frost & Etheridge, 1989;
mas vide Hedges, 1996), tenha sido
dirigida pelo aprofundamento do
gradiente climtico do incio do Tercirio.
Durante o Mioceno houve uma
grande transgresso marinha na Amrica
do Sul, que separou o Escudo Central
Brasileiro da poro meridional do
continente (Rsnen et al., 1995; Webb,
1995). Essa transgresso provavelmente
teve uma profunda influncia na
evoluo da biota das paisagens abertas
sul-americanas, pela fragmentao da
distribuio de txons amplamente
distribudos (Pascual & Jaureguizar,
252
Colli
1990). Alguns grupos do Cerrado com
parentes prximos no sul do continente
podem ter divergido durante esse evento,
como Tupinambis merianae e T. duseni,
do centro-norte da Amrica do Sul,
versus T. rufescens, do sul da Amrica
do Sul, uma vez que os fsseis mais
antigos de Tupinambis datam do
Mioceno (Estes, 1961).
A chegada de imigrantes de
paisagens abertas das Amricas Central
e do Norte enriqueceu ainda mais a
herpetofauna sul-americana durante o
Tercirio. A primeira onda de imigrantes
apareceu durante o Mioceno, com a
chegada dos testudindeos e colubrdeos,
provavelmente por disperso atravs do
mar (Estes & Bez, 1985). Quando a
conexo entre a Amrica do Norte e a
Amrica do Sul foi restabelecida no
Plioceno, diversos membros da
herpetofauna atual do Cerrado
colonizaram a Amrica do Sul, incluindo
Ranidae, Emydidae, Kinosternidae,
Iguanidae, Elapidae e Viperidae
(Vanzolini & Heyer, 1985). Presu-
mivelmente, a mesma rota foi utilizada
por lagartos do gnero Norops (os Anolis
beta de Williams, 1976), um grupo que
evoluiu na Amrica Central depois que
a distribuio de um ancestral com
ampla ocorrncia nas Amricas Central
e do Sul foi fragmentada, ao final da Era
Mesozica (Guyer & Savage, 1986).
Finalmente, no final do Tercirio, o
soerguimento epeirognico do Planalto
Central Brasileiro promoveu uma
compartimentao adicional da
paisagem, com a formao de amplas
depresses entre plats, como as do
Guapor, Pantanal, Araguaia e Tocantins
(Brasil & Alvarenga, 1989; DelArco &
Bezerra, 1989). Antes desse evento, deve
ter existido um franco intercmbio entre
as biotas de paisagens abertas, desde o
sul at o nordeste da Amrica do Sul. O
soerguimento do Planalto Central
Brasileiro provavelmente deu o mpeto
final para a diferenciao da biota do
Cerrado, eminentemente em relao aos
biomas abertos adjacentes, a Caatinga e
o Chaco (Silva, 1995). Diversos padres
de distribuio da herpetofauna parecem
ter sido determinados por esse evento.
Lagartos gecondeos do gnero
Lygodactylus esto representados na
Amrica do Sul por duas espcies, L.
klugei da Caatinga e L. wetzeli do Chaco
(Vanzolini, 1968ab, 1974; Bons &
Pasteur, 1977; Smith et al., 1977), mas
no existem registros do gnero no
Cerrado. possvel que a distribuio
de um ancestral comum tenha sido
fragmentada pelo soerguimento
do Planalto Central Brasileiro, seguida
pela extino no Cerrado e pela
diferenciao na Caatinga e no
Chaco. O gimnoftalmdeo Vanzosaura
rubricauda mostra uma distribuio
geogrfica semelhante (Rodrigues, 1991;
Vanzolini & Carvalho, 1991). Ainda, a
divergncia de Kentropyx paulensis e K.
vanzoi, endmicos do Cerrado, de sua
presumida espcie-irm, K. viridistriga,
do Pantanal e do Chaco, pode tambm
ter sido influenciada pelo soerguimento
do Planalto Central Brasileiro, mesmo
tendo Gallagher (1979, 1992) proposto
causas mais recentes.
Em resumo, o Tercirio foi
provavelmente o perodo no qual o
carter da herpetofauna do Cerrado se
definiu, primariamente como
conseqncia da formao de um forte
gradiente latitudinal de temperatura na
Amrica do Sul, da modernizao da
Provncia Microfloral Mista, de eventos
de vicarincia promovidos por uma
grande transgresso marinha e pelo
soerguimento do Planalto Central
Brasileiro e, finalmente, pela chegada de
imigrantes das Amricas Central e do
Norte. Essa viso corroborada por
253
Origem e diversificao da Herpetofauna
Heyer and Maxson (1982) que, baseados
em dados imunolgicos, indicaram que
boa parte da diversificao do grupo
fuscus do gnero Leptodactylus, tpico de
paisagens abertas, ocorreu no Tercirio,
com alguns eventos de especiao tendo
ocorrido to cedo quanto o Eoceno.
A caracterstica mais significativa do
Quaternrio na Amrica do Sul so ciclos
alternados de aridez e umidade,
associados com perodos glaciais e
interglaciais das zonas temperadas,
respectivamente (vide revises em
Prance, 1982; Whitmore & Prance, 1987).
Esses ciclos climticos causaram
retraes e expanses de florestas e
vegetaes abertas (Van der Hammen,
1974; Absy & Van der Hammen, 1976;
Van der Hammen & Absy, 1994),
presumivelmente promovendo espe-
ciao aloptrica em enclaves de floresta,
durante perodos secos, e em enclaves
de savanas, durante perodos midos.
Essa Hiptese dos Refgios Pleis-
tocnicos se tornou to popular, que
diversos autores a utilizaram, de forma
pouco crtica, para explicar seus dados
(diversos exemplos em Duellman, 1979).
Inquestionavelmente, ciclos climticos
do Quaternrio promoveram alguma
especiao na herpetofauna do Cerrado.
Por exemplo, o isolamento em enclaves
atuais de vegetao aberta aparen-
temente resultou na diferenciao de
espcies de Tropidurus em Rondnia e
na Serra do Cachimbo (Vanzolini, 1986;
Rodrigues, 1987; Vitt, 1993), ambas as
regies situadas na borda meridional da
Floresta Amaznica. Ainda, diversos
endmicos do Cerrado na Serra do
Espinhao, como Eurolophosaurus
nanuzae (Rodrigues, 1981), Hyla
cipoensis (Haddad et al., 1988) e H.
saxicola (Pombal & Caramaschi, 1995),
podem tambm ter se originado pelo
isolamento durante mximos de
umidade, quando essas reas
presumivelmente foram isoladas por
florestas (Harley, 1988). Entretanto, o
impacto dos ciclos climticos do
Quaternrio na diversificao da biota
sul-americana tem sido superestimado
(Lynch, 1988; Colli, 1996).
UMA ANLISE BIOGEOGRFICA
O cenrio delineado implica que os
principais eventos de vicarincia que
afetaram a herpetofauna sul-americana,
em geral, e do Cerrado, em particular,
so os seguintes. Em primeiro lugar, a
diferenciao climtica latitudinal e a
formao de provncias florsticas ao
final do Cretceo e incio do Tercirio
criaram uma dicotomia entre espcies de
paisagens abertas, sob climas
temperados e secos, versus espcies de
paisagens florestais, sob climas tropicais
e midos. Em segundo lugar, a
herpetofauna foi subdividida pela
formao da Cordilheira dos Andes a
partir do Oligoceno, resultando na
divergncia de elementos cis versus trans-
Andeanos. Depois, a grande transgresso
marinha do Mioceno promoveu uma
maior diferenciao entre a herpetofauna
do Planalto Central Brasileiro em relao
do sul do continente. Em seguida, o
soerguimento do Planalto Central
Brasileiro estimulou a diversificao da
herpetofauna do Cerrado, entre
elementos dos plats versus das
depresses interplanlticas. Finalmente,
flutuaes climticas no Quaternrio
promoveram mais especiao, princi-
palmente em enclaves de vegetao nas
regies de contato entre o Cerrado e as
Florestas Amaznica e Atlntica. A esses
eventos de vicarincia, h que se
acrescentar o enriquecimento adicional
da herpetofauna de paisagens abertas,
incluindo o Cerrado, pela chegada de
imigrantes das Amricas Central e do
Norte. Essa seqncia de eventos
254
Colli
presumivelmente deixou suas marcas,
seja na composio atual da
herpetofauna dos biomas, seja nas
filogenenias dos clados sul-americanos,
o que pode ser verificado atravs de
anlises biogeogrficas.
Os estudos anteriores que
investigaram de forma quantitativa as
relaes entre reas da Regio
Neotropical, baseados na herpetofauna,
focalizaram principalmente a floresta
pluvial (e.g., Duellman, 1990; Donnelly,
1994; Guyer, 1994; vila-Pires, 1995;
Ron, 2000; Azevedo-Ramos & Galatti,
2002). Silva and Sites (1995) analisaram
as relaes entre localidades neotropicais
baseados na composio de suas
herpetofaunas, utilizando o coeficiente
de similaridade de Jaccard e UPGMA.
Eles incluram duas localidades do
Cerrado e uma da Caatinga, concluindo
que as herpetofaunas desses dois biomas
so mais similares entre si do que com
qualquer outro bioma florestal da Regio
Neotropical. Com poucas excees, a
maioria desses estudos se baseou em
mtodos de distncias para obter
dendrogramas indicativos de relaes
entre reas. Diversas dificuldades,
entretanto, existem com essa classe de
mtodos, incluindo a subjetividade na
seleo das medidas de distncia (ou
similaridade) e do algoritmo de agru-
pamento, o significado de distncia, a
falta de aditividade, a perda de
informao durante a converso de
dados brutos para distncias e a no-
considerao da histria dos txons
(Ridley, 1986; Rosen, 1988; Brooks &
McLennan, 1991; Humphries & Parenti,
1999).
Para contornar algumas dessas
dificuldades, foi reunido um conjunto de
dados de ocorrncias de 213 espcies de
lagartos provenientes de 32 localidades
neotropicais, incluindo 19 localidades de
biomas abertos Caatinga, Cerrado,
Chaco, Llanos, e Patagnia (Tabela 1), e
analisada a matriz resultante com o
mtodo de Anlise de Parsimnia de
Endemismos APE (Rosen, 1988, 1992;
Morrone et al., 1994). Esse mtodo
considera reas como txons e
ocorrncias de espcies (presenas-
ausncias) como caracteres, submetendo
os dados a uma anlise de parsimnia.
Assim, a ocorrncia de um mesmo txon
em diferentes reas considerada como
evidncia de uma histria compartilhada
entre as mesmas, tendo a distribuio
resultado da ausncia de especiao
quando as reas se separaram. Nessa
anlise, eventos de disperso ou extino
so considerados como homoplasias.
vila-Pires (1995) e Ron (2000) utili-
zaram a APE em anlises biogeogrficas
da herpetofauna neotropical, mas se
concentraram em reas florestais.
Uma vez que houve preocupao,
especialmente, com as relaes histricas
entre localidades de vegetao aberta e
para no ter que postular um ancestral
hipottico destitudo de txons
(enraizamento de Lundberg), utilizei
foram utilizadas trs localidades da
Amrica Central (Barro Colorado,
Chinaj, e La Selva) como grupos
externos, para enraizar os cladogramas
de reas resultantes (Watrous & Wheeler,
1981). A matriz foi analisada com o
programa PAUP v. 4.0b10 (Swofford,
1999) com as seguintes configuraes:
critrio de otimizao da parsimnia
mxima, todos os caracteres no-
ordenados e com pesos iguais, ausncias
codificadas como zeros, busca
heurstica, cladogramas iniciais obtidos
por adio passo-a-passo, seqncia de
adio simples, um cladograma retido a
cada passo e algoritmo TBR (tree-
bisection-reconnection) de troca de
ramos. Para determinar o suporte de
clados individuais utilizei uma anlise
de decaimento tradicional ou suporte de
Origem e diversificao da Herpetofauna
255
Tabela 1. Matriz utilizada na anlise de parsimnia de endemismos baseada
na distribuio de 213 espcies de lagartos em 32 localidades
neotropicais
Origem e diversificao da Herpetafauna
255
256
Colli
Nota: O indica ausncias, enquanto que 1 indica presena. As espcies so as seguintes: 1. Alopoglossus angulatus,
2. A. atriventris, 3. A. buckleyi, 4. A. carinicaudatus, 5. Ameiva ameiva, 6. A. festiva, 7. A. leptophrys,
8. A. quadrilineata, 9. Anolis auratus, 10. A. biporcatus, 11. A. bombiceps, 12. A. capito, 13. A. carpenteri,
14. A. chrysolepis, 15. A. frenatus, 16. A. fuscoauratus, 17. A. humilis, 18. A. lemurinus, 19. A. limifrons,
20. A. lionotus, 21. A. meridionalis, 22. A. ortonii, 23. A. pentaprion, 24. A. philopunctatus, 25. A.
poecilopus, 26. A. punctatus, 27. A. sericeus, 28. A. gr. fuscoauratus, 29. A. trachyderma, 30. A. transversalis,
31. A. tropidogaster, 32. A. vittigerus, 33. Arthrosaura kockii, 34. A. reticulata, 35. Bachia bresslaui, 36.
B. cophias, 37. B. panoplia, 38. Bachia sp., 39. B. trisanale, 40. Basiliscus basiliscus, 41. B. plumifrons,
42. B. vittatus, 43. Briba brasiliana, 44. Caliptommatus leiolepis, 45. C. nicterus, 46. C. sinebrachiatus,
47. Celestus rozellae, 48. C. hylaius, 49. Cercosaura ocellata, 50. Cnemidophorus cryptus, 51. C. gramivagus,
52. C. lemniscatus, 53. C. longicaudus, 54. C. ocellifer, 55. Cnemidophorus sp., 56. Coleodactylus
amazonicus, 57. C. brachystoma, 58. C. meridionalis, 59. Colobosaura mentalis, 60. C. modesta, 61.
Corytophanes cristatus, 62. Crocodilurus lacertinus, 63. Ctenoblepharys donosobarrosi, 64. Diploglossus
bilobatus, 65. D. fasciatus, 66. D. lessonae, 67. D. monotropis, 68. Diplolaemus bibronii, 69. D. darwinii,
70. D. leopardinus, 71. Dracaena guianensis, 72. D. paraguayensis, 73. Enyalioides cofanorum, 74. E.
laticeps, 75. Enyalius bilineatus, 76. E. iheringii, 77. E. leechii, 78. Eumeces schwartzei, 79. E. sumichrasti,
80. Gonatodes albogularis, 81. G. concinnatus, 82. G. eladioi, 83. G. hasemani, 84. G. humeralis, 85.
Gymnodactylus geckoides, 86. G. speciosus, 87. Hemidactylus agrius, 88. H. frenatus, 89. H. mabouia, 90.
H. palaichthus, 91. Homonota borelli, 92. H. darwinii, 93. H. fasciata, 94. H. horrida, 95. Hoplocercus
spinosus, 96. Iguana iguana, 97. Iphisa elegans, 98. Kentropyx altamazonica, 99. K. calcarata, 100. K.
paulensis, 101. K. pelviceps, 102. K. striata, 103. K. viridistriga, 104. Laemanctus longipes, 105. Leiosaurus
bellii, 106. Lepidoblepharis festae, 107. L. heyerorum, 108. L. sanctaemartae, 109. L. xanthostigma, 110.
Lepidophyma flavimaculatum, 111. Leposoma guianense, 112. L. parietale, 113. L. pericarinatum, 114. L.
southi, 115. Liolaemus archeforus, 116. L. austromendocinus, 117. L. bibronii, 118. L. boulengeri, 119. L.
buergeri, 120. L. ceii, 121. L. chacoensis, 122. L. chiliensis, 123. L. darwinii, 124. L. elongatus, 125. L.
fitzingeri, 126. L. gracilis, 127. L. kingii, 128. L. kriegi, 129. L. lineomaculatus, 130. L. magellanicus,
131. L. rothi, 132. L. ruizleali, 133. L. tenuis, 134. L. wiegmannii, 135. Lygodactylus klugei, 136. L.
wetzeli, 137. Mabuya bistriata, 138. M. dorsivittata, 139. M. frenata, 140. M. guaporicola, 141. M. heathi,
142. M. nigropunctata, 143. M. unimarginata, 144. Micrablepharus atticolus, 145. M. maximiliani, 146.
Neusticurus bicarinatus, 147. N. ecpleopus, 148. Notobachia ablephara, 149. Ophiodes intermedius, 150.
O. striatus, 151. Pantodactylus schreibersii, 152. Phyllodactylus ventralis, 153. Phyllopezus pollicaris, 154.
Tabela 1. Matriz utilizada na anlise de parsimnia de endemismos
baseada na distribuio de 213 espcies de lagartos em 32
localidades neotropicais (continuao)
Colli
256
257
Origem e diversificao da Herpetofauna
Bremer, que determina o nmero de
passos adicionais necessrios para que
um determinado clado desaparea do
consenso estrito de cladogramas
subtimos (Bremer, 1994). Considerou-
se, de forma arbitrria, clados com ndice
de decaimento igual ou superior a cinco
como robustos.
A APE produziu nove cladogramas
mais parsimoniosos de igual
comprimento (comprimento = 312,
ndice de consistncia = 0,68, ndice de
reteno = 0,77). O cladograma de
consenso estrito mostra que todas as
localidades formam clados coincidentes
com os biomas das quais so
provenientes, sugerindo que a
compartimentao da herpetofauna em
biomas natural e que a classificao
dos biomas adequada (Figura 1).
Entretanto, o suporte para os biomas
Caatinga, Cerrado e Chaco, revelado pelo
ndice de decaimento, foi apenas
moderado. A dicotomia basal no grupo
interno representa localidades de biomas
florestais versus localidades de biomas
abertos, com exceo da Serra do Japi,
uma localidade da Floresta Atlntica, que
mostrou mais parentesco com
localidades do Cerrado, Chaco e
Patagnia (Figura 1). Esse resultado est
de acordo com a previso feita
anteriormente, de que a primeira
divergncia biogeogrfica na
herpetofauna sul-americana produziu
dois conjuntos de espcies, um de
paisagens abertas e outro de paisagens
florestais. A estreita relao entre a Serra
do Japi com localidades de biomas
abertos possivelmente resultou da
presena de enclaves de vegetao aberta
na regio, da grande proximidade dessa
localidade ao Cerrado e,
presumivelmente, de conexes histricas
entre essa localidade e o Cerrado durante
flutuaes climticas do Quaternrio
(AbSaber, 1992; Leito-Filho, 1992).
Entretanto, o grau de suporte para esse
posicionamento foi extremamente baixo
(Figura 1).
As localidades amaznicas
formaram um grupo monofiltico com
Phymaturus palluma, 155. P. patagonicus, 156. Polychrus acutirostris, 157. P. gutturosus, 158. P.
marmoratus, 159. Prionodactylus argulus, 160. P. eigenmanni, 161. P. manicatus, 162. P. oshaughnessyi,
163. Prionodactylus sp., 164. Pristidactylus fasciatus, 165. Procellosaurinus erythrocercus, 166. P.
tetradactylus, 167. Proctotretus pectinatus, 168. Pseudogonatodes guianensis, 169. Pseudogonatodes sp.,
170. Psilophthalmus paeminosus, 171. Ptychoglossus brevifrontalis, 172. Sphaerodactylus homolepis,
173. S. lineolatus, 174. S. millipunctatus, 175. Sphenomorphus cherriei, 176. Stenocercus aculeatus, 177.
S. caducus, 178. S. doellojuradoi, 179. S. roseiventris, 180. Stenocercus sp., 181. Teius teyou, 182.
Thecadactylus rapicaudus, 183. Tretioscintus agilis, 184. Tropidurus amathites, 185. T. azureum, 186. T.
cocorobensis, 187. T. divaricatus, 188. T. erythrocephalus, 189. T. etheridgei, 190. T. flaviceps, 191. T.
guarany, 192. T. hispidus, 193. T. itambere, 194. T. montanus, 195. T. oreadicus, 196. T. pinima, 197. T.
plica, 198. T. psammonastes, 199. T. semitaeniatus, 200. Tropidurus sp., 201. T. spinulosus, 202. T.
torquatus, 203. T. umbra, 204. Tupinambis duseni, 205. T. merianae, 206. T. quadrilineatus, 207. T.
rufescens, 208. T. teguixin, 209. Uranoscodon superciliosus, 210. Urostrophus gallardoi, 211. U. vautieri,
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Nota - continuao
258
Colli
alto grau de suporte e se dividiram em
dois grupos, um da Amaznia Ocidental
e outro da Amaznia Oriental, ambos
com moderado grau de suporte (Figura
1). Essa diviso biogeogrfica na
Amaznia j havia sido identificada em
estudos anteriores com diversos
organismos, incluindo anfbios (Ron,
2000), lagartos (vila-Pires, 1995; Ron,
2000), aves (Haffer, 1987) e primatas
(Silva & Oren, 1996). Por outro lado, as
localidades de biomas abertos (mais a
Serra do Japi) formaram um grupo
monofiltico com baixo nvel de suporte
(Figura 1). Os resultados indicam que a
herpetofauna da Caatinga compartilha
uma histria mais recente com a dos
Llanos do que com a do Cerrado, Chaco
e Patagnia. Ainda, o cladograma de
consenso estrito indica que a
herpetofauna do Cerrado compartilha
uma histria mais recente com a do
Chaco que com a de outros biomas
abertos sul-americanos. Entretanto, o
grau de suporte para esses grupos de
localidades de biomas abertos foi baixo,
exceo da Patagnia e dos Llanos
(Figura 1).
CONSIDERAES FINAIS
Os principais eventos que marcaram
a diferenciao da herpetofauna do
Figura 1
Cladograma de reas,
obtido atravs de
Anlise de Parsimnia
de Endemismos de
213 espcies de
lagartos em 32
localidades
neotropicais.
Cladograma o
consenso estrito de 9
cladogramas mais
parsimoniosos.
Nmeros indicam
ndice de decaimento
ou suporte de Bremer.
259
Origem e diversificao da Herpetofauna
Cerrado consistem do estabelecimento
de um gradiente climtico associado
formao de trs provncias florsticas
ao incio do Tercirio, a grande
transgresso marinha do Mioceno, o
soerguimento do Planalto Central e a
chegada de imigrantes das Amricas
Central e do Norte ao final do Tercirio
e flutuaes climticas do Quaternrio.
Parte dos padres de distribuio da
herpetofauna sul-americana,
interpretados luz de uma Anlise de
Parsimnia de Endemismos, corroboram
a importncia de alguns desses eventos.
Muita nfase tem sido dada a eventos
do Quaternrio sobre a diferenciao da
herpetofauna sul-americana, enquanto
que aparentemente o Tercirio teve muito
maior importncia. Estudos sobre a
paleontologia da herpetofauna sul-
americana, assim como sobre as relaes
filogenticas de grupos endmicos, so
fundamentais para uma melhor
compreenso de sua gnese.
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265
Solos e paisagem
Captulo 15 Captulo 15
Captulo 15 Captulo 15 Captulo 15
Pequenos
mamferos de
Cerrado:
distribuio dos
gneros e estrutura
das comunidades
nos diferentes
habitats.
F
O
T
O
:

A
N
D
R
E
A
S

S
O
E
L
T
E
R
Pequenos
mamferos de
Cerrado:
distribuio dos
gneros e estrutura
das comunidades
nos diferentes
habitats.
Captulo 15 Captulo 15
Captulo 15 Captulo 15 Captulo 15
F
O
T
O
:

A
N
D
R
E
A
S

S
O
E
L
T
E
R
Emerson M. Vieira
Laboratrio de Ecologia de Mamferos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNISINOS
So Leopoldo, RS
Alexandre R. T. Palma
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Emerson M. Vieira
Laboratrio de Ecologia de Mamferos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNISINOS
So Leopoldo, RS
Alexandre R. T. Palma
Universidade de Braslia
Braslia, DF
266
Colli
Origem e diversificao da Herpetofauna
267
INTRODUO
O Cerrado originalmente cobria
cerca de 2.000.000 km
2
do Brasil central
(Ribeiro & Walter, 1998), estendendo-se
de 6S a 26S (IBGE, 1993). Esse bioma
formado por um conjunto de tipos de
habitats distintos, que variam em grau
de cobertura arbrea desde reas
completamente abertas, cobertas por
vegetao graminide (e. g. campo
limpo), passando por formaes
savnicas (e.g. cerrado sensu stricto) at
reas com habitats florestais (e. g.
floresta de galeria) (Eiten, 1993). As
transies entre esses subtipos podem
ser tanto graduais como abruptas (Eiten,
1993; Ribeiro & Walter, 1998). A
diversidade de espcies vegetais do
Cerrado reconhecidamente alta.
Considerando-se apenas as formaes
savnicas, h mais de 2.500 espcies de
plantas vasculares reconhecidas
(Coutinho, 1990). Essas espcies esto
sujeitas a uma forte variao sazonal na
precipitao pluviomtrica, com ciclos
anuais de seca e chuva bem definidos.
reas com grande extenso
territorial, aliadas alta heterogeneidade
ambiental, alta diversidade vegetal e
precipitao pluviomtrica relativamente
alta, so caractersticas que favorecem o
desenvolvimento de uma ampla gama
de adaptaes por parte da fauna e,
conseqentemente, alta riqueza das
comunidades animais (Dueser & Brown,
1980; August, 1983). Por apresentar
essas caractersticas, o Cerrado uma
regio com potencial para uma alta
diversidade faunstica. De fato, para
vrios grupos animais o Cerrado
considerado uma regio de fauna rica e
diversificada (e. g. aves [Silva, 1995],
anfbios e rpteis [Colli et al., 2002]).
Para mamferos, ocorrem no mnimo 159
espcies nesse bioma, sendo dessas 41
roedores e 14 marsupiais (Fonseca et al.,
1996). As espcies dessas duas ordens
so os componentes principais do grupo
dos pequenos mamferos no-voadores.
Muitas das espcies so fieis a
determinadas caractersticas de habitat
e podem ser fortemente influenciadas por
alteraes ambientais, como queimadas,
fragmentao, substituio da vegetao
nativa por monoculturas, entre outras
perturbaes (e.g Borchert & Hansen,
1983; Malcolm, 1997; Vieira, 1999)
As origens biogeogrficas dos
pequenos mamferos de Cerrado, assim
268
Vieira & Palma
como de outros componentes da fauna
desse bioma podem variar. Como o Brasil
central drenado em sua maior parte
por trs bacias hidrogrficas distintas:
Amaznica, Platina e do So Francisco,
sendo circundado por diversos tipos de
vegetao: Chaco ao sul, Caatinga ao
nordeste, Floresta Amaznica ao norte-
noroeste e Mata Atlntica ao leste-
sudeste, essa configurao permite
mltiplas origens para os componentes
das comunidades do Cerrado, como j
foi sugerido para aves (Silva, 1995; 1996)
e plantas (Prado & Gibbs, 1993; Oliveira-
Filho & Ratter 1995; 2000).
Os fatores ecolgicos e geogrficos
citados produzem variabilidade na
estrutura das comunidades, tanto entre
habitats, como entre regies. Estudos
comparando comunidades em escala
regional no Cerrado foram feitos com
endemismos e afinidades biogeogrficas
em aves (Silva 1995; 1996; 1997),
composio de comunidades de plantas
(Oliveira-Filho & Ratter, 1995; 2000;
Ratter et al., 1996), composio e
diversidade de comunidades de rpteis
e anfbios (Colli et al., 2002). Especial-
mente para pequenos mamferos, com
exceo do estudo de Marinho-Filho et
al. (1994), que apresenta uma anlise
preliminar de variao na composio
de comunidades de roedores e
marsupiais situadas em seis diferentes
reas de Cerrado, no existem estudos
mais abrangentes sobre variao na
composio de espcies e associao
destes aos diferentes habitats de Cerrado.
Alguns estudos j demonstraram
claramente que h forte preferncia de
algumas espcies de pequenos
mamferos a determinados habitats (e.g.
Alho et al., 1986; Mares et al., 1986;
Redford & Fonseca, 1986). Todos os
trabalhos existentes, no entanto, foram
feitos analisando somente comunidades
de uma mesma rea ou regio. O
presente estudo, apresenta uma anlise
geral da ocorrncia e distribuio de
pequenos mamferos (roedores e
marsupiais) nos distintos tipos de habitat
existentes no Cerrado. Especificamente,
foi analisada a riqueza associada a cada
habitat e padres gerais de distribuio
dos gneros e associao desses s
distintas fisionomias de Cerrado.
METODOLOGIA
Para este estudo foram utilizados
alguns dados da literatura, outros no
publicados dos prprios autores e outros
tambm no publicados, mas
disponibilizados por outros pesquisa-
dores. Foram includas nas anlises,
comunidades de pequenos mamferos no
domnio do Cerrado, incluindo tambm
matas de galeria, matas mesofticas e
habitats perturbados. Foram consi-
derados apenas grupos regularmente
capturados com armadilhas conven-
cionais (Didelphidae, Echimyidae e
Muridae), excluindo outros pequenos
mamferos raramente capturados (e. g.
Cavidae e Lagomorpha). Foram
considerados apenas levantamentos com
no mnimo 10 indivduos capturados e
com um esforo de captura mnimo de
500 armadilhas-noite, o que o mnimo
recomendado por Jones et al. (1996) para
inventariar um habitat. Seguindo estes
critrios, 82 stios (comunidades) em 17
reas foram includos na base de dados
(Figura 1, Apndice I). Como stio
considerou-se uma grade ou linha de
armadilhas e como rea micro-bacias,
unidades de conservao ou municpios.
Stios foram classificados pelo tipo
de habitat do local. Considerou-se como
habitats distintos, tipos de vegetao
com caractersticas edficas e fisio-
nmicas bem distintas, seguindo as
269
Pequenos mamferos
classificaes propostas por Eiten (1993)
e Ribeiro & Walter (1998), com
modificaes. As reas foram
classificadas de acordo com a formao
florstica regional apresentada por duas
classificaes: a do IBGE (1993), que
um sistema de classificao altamente
dependente da fisionomia e das
condies climticas, e a classificao
apresentada por Ratter et al. (1996),
baseada exclusivamente em critrios
florsticos. Os habitats considerados
foram (ordenados em ordem crescente
de cobertura vegetal): campo mido e
vereda, campo limpo, campo sujo,
campo cerrado, cerrado sensu stricto,
cerrado, mata mesoftica, mata de
galeria e mata ciliar.
Adotou-se o arranjo de espcies em
gneros de Wilson & Reeder (1993). Este
arranjo difere dos nomes de espcies
originalmente adotados em alguns
estudos utilizados como base de dados.
Para todas as comparaes de
composio de fauna foram usados
gneros como unidades taxonmicas de
organizao. Isto foi feito para evitar
problemas e dvidas sobre delimitao
e distribuio de espcies, que ainda
existem no conhecimento atual dos
pequenos mamferos sul-americanos
(veja Kasahara & Yonenaga-Yassuda
1984, Vivo 1996, Patton et al. 1997). Uma
vez analisadas as espcies com uma
ampla gama de adaptaes locomotoras
e alimentares (Fonseca et al., 1996),
assumiu-se que espcies de um mesmo
gnero tm requerimentos ecolgicos
similares e representam variaes de um
mesmo tipo funcional. Esta abordagem
a mesma seguida por Kaufman (1995)
que sugeriu que padres de distribuio
de macrotaxa refletem restries do tipo
ecolgico na distribuio geogrfica e,
portanto na diversidade. Este autor se
refere a tipos funcionais como
bauplans.
Estimamos a -diversidade de cada
habitat como a riqueza mdia de gneros
nos stios de determinado habitat. Essa
riqueza de gneros por stio foi obtida
por rarefao (n = 10 indivduos limite
mnimo para incluso na base de dados),
usando o software BioDiversity Pro
(McAleece et al., 1997). Esses valores
mdios de riqueza de gneros para cada
habitat foram relacionados com o grau
de cobertura arbrea dos habitats por
intermdio de uma regresso linear. Para
essa regresso ordenou-se os habitats
Figura 1
Mapa do Brasil
central com a
localizao das reas
amostradas.
Detalhes sobre as
reas na Tabela 1.
270
Vieira & Palma
quanto cobertura arbrea, atribuindo
o valor 1 para as reas mais abertas
(campo limpo, campo mido e campo
sujo), valor 2 para as reas com alguma
cobertura arbrea (campo cerrado), e
assim sucessivamente.
Visando avaliar o quanto stios de
um mesmo habitat eram similares em
termos de composio de espcies
estimou-se a -diversidade de cada
habitat. Essa diversidade beta
essencialmente uma medida do quo
diferentes (ou similares) so um
conjunto de comunidades em termos de
composio de espcies (Magurran,
1988). Para essas estimativas foi
utilizado o ndice de Whittaker - b
w
: b
w
= S/a - 1; onde S = riqueza de gneros
total no conjunto de comunidades (total
de stios) e a = riqueza mdia de gneros
por comunidade (stio). Esse ndice
considerado simples e um dos mais
adequados para estimativas de
similaridade entre stios (Magurran,
1988).
Realizou-se tambm uma
comparao da dissimilaridade entre
pares de stios e da distncia geogrfica
entre eles. Para estimar a dissimilaridade
utilizou-se o ndice de Czekanowski - D
= 2 min(x
A
, x
B
) / (x
A
+ x
B
); sendo
que x
A
= proporo de cada gnero na
comunidade A e x
B
= proporo de cada
gnero na comunidade B. Esse ndice
fornece uma boa estimativa do quo
dissimilares so duas comunidades em
relao abundncia relativa de cada
uma das espcies (ou gneros, nesse
caso), que as compem (Pielou, 1984).
Esses valores calculados foram
correlacionados com a distncia
geogrfica entre as reas por meio do
teste de Mantel (Manly, 1986).
Considerou-se apenas as distncias entre
stios de reas diferentes. Distncias entre
stios na mesma rea foram consideradas
zero.
Foram utilizados os dados de
abundncia relativa de gneros em cada
stio para executar uma DCA (Detrended
Correspondence Analysis, ou Anlise de
Correspondncia No-tendenciada),
usando o programa PC-ORD 4.0. Por
intermdio dessa anlise podemos ver
como os stios se agrupam em funo
da composio da fauna e avaliar a
importncia relativa de cada gnero para
as comunidades (Ter Braak, 1995).
Pudemos tambm, com essa anlise,
visualizar a relao dos gneros com os
tipos de habitat de Cerrado.
RESULTADOS
Registramos no total a ocorrncia de
28 gneros de pequenos mamferos em
Cerrado (Tabela 1). Os gneros
geralmente foram representados por
apenas uma espcie nas comunidades
de Cerrado estudadas (razo espcies/
gneros = 1,06 0,10; valor mximo
= 1,33). Isto resulta numa forte
correlao entre riqueza de espcies e
riqueza de gneros (r = 0.969; p <
0.001; n = 82), de forma que pouca
informao sobre a diversidade perdida
(R
2
= 0,938) quando as comunidades
so analisadas em nvel de gnero. H
dependncia entre riqueza de gneros e
esforo de captura (r = 0.307; P = 0.005;
N = 81), e entre riqueza de gneros e
nmero de indivduos capturados (r =
0.321; P = 0.004; N = 78), mas ambos
os fatores explicam pequena proporo
da variabilidade da riqueza de gneros
(R
2
= 0,094 e R
2
= 0,103,
respectivamente). Nas comunidades
estudadas, os nmeros modais de
espcies e gneros por comunidade
foram 5 e 4,5 respectivamente (Figura
2). As diferenas entre comunidades
(ndice de Czekanowski) no mostraram
correlao significativa com distncia
geogrfica (teste de Mantel, r
m
= -0,672;
p = 0,406).
271
Pequenos mamferos
Tabela 1. Gneros de pequenos mamferos encontrados nos
estudos realizados em Cerrado. Grupos taxonmicos
segundo Wilson e Reeder (1993), modo de
locomoo segundo Fonseca et al. (1996).
Foi detectada uma correlao
significativa entre a abundncia local dos
gneros que ocorrem em Cerrado e a o
nmero de stios onde esses ocorreram
(r = 0,63, P < 0,05; Figura 3). A maioria
desses gneros de roedores murdeos.
Vrios dos gneros mais freqentes ou
abundantes (Akodon, Calomys,
Oecomys, Oligoryzomys e Oryzomys)
foram representados por espcies
simptricas em vrias reas amostradas.
Equimideos (Proechimys e Thrichomys)
tenderam a ser restritos a poucos locais,
onde foram particularmente abundantes.
Marsupiais tenderam a ser raros, com
exceo dos gneros Didelphis e
Gracilinanus.
272
Vieira & Palma
Houve tambm uma relao
significativa entre a ordenao dos
habitats, por grau de cobertura arbrea,
e a riqueza dos mesmos, estimada por
rarefao (r = 0,85, g.l. = 80, P <
0.001; Figura 4). As reas mais abertas
apresentaram uma menor riqueza mdia
de espcies e as florestas de galeria
apresentaram a maior riqueza mdia de
espcies. As reas de campo mido, que
Figura 3
Abundncia relativa
mdia dos gneros de
pequenos mamferos
em funo da
freqncia de
ocorrncia (proporo
do nmero total de
stios de Cerrado
estudados; N = 82).
Os gneros mais
abundantes esto
indicados por cdigos.
Os cdigos dos
gneros esto
explicados na Tabela 1.
Os cdigos em negrito
indicam os gneros de
marsupiais, cdigos
sublinhados indicam os
gneros de roedores
equimideos e todos os
outros indicam
roedores murdeos.
Figura 2
Nmero de gneros
e espcies de
pequenos mamferos
capturados em stios
na regio do
Cerrado.
273
Pequenos mamferos
Figura 5
Resultados da Anlise
de Correspondncia
No-tendenciada
(DCA) para os stios
amostrados. Cdigos
dos gneros como na
Figura 3. A posio
dos cdigos dos
gneros indica sua
localizao real ao
longo dos eixos,
exceto nos casos
onde as setas
indicam a localizao
exata.
Figura 4
Relao entre cada
tipo de habitat e a
mdia dos ndices de
riqueza (rarefao
eixo da esquerda) e a
diversidade beta para
cada habitat (ndice de
Whittaker - eixo da
direita). As barras de
erro indicam o desvio
padro das mdias. Os
habitats foram
ordenados de acordo
com o grau de
cobertura vegetal.
CUMI = campo mido
e vereda, CLCS =
campo limpo e campo
sujo, CCER = campo
cerrado, CESS =
cerrado sensu stricto,
CDO = cerrado,
MMES = mata
mesoftica e MGAL =
mata de galeria e mata
ciliar. As reas midas
esto apresentadas
separadas das outras
formaes abertas por
apresentarem
condies ambientais
caractersticas e fauna
diferenciada. No
entanto esses dois
habitats (CUMI e CLCS)
foram analisados em
conjunto para o clculo
da regresso (ver
texto).
possuem algumas espcies tpicas deste
tipo de formao (e. g. Oxymycterus
roberti) so mais ricas do que as outras
formaes campestres (campo limpo e
campo sujo). Quanto -diversidade
(variao entre stios), no houve um
padro aparente em relao
complexidade de vegetao. Os habitats
com maiores valores foram o cerrado s.s.
e a mata de galeria (Figura 4).
Os resultados da DCA indicaram dois
eixos principais com maior relevncia
biolgica (autovalores de 0,895 e 0,757).
Essa anlise mostrou padres claros de
associaes de gneros a determinados
tipos e habitat (Figura 5). Bolomys,
Thalpomys e Calomys so importantes
em reas de cerrado (s. l.). Tambm
associadas s formaes savnicas de
Cerrado esto alguns gneros mais raros,
como Eurizygomatomys, Wiedomys e
Thylamys. O gnero Oxymycterus, por
sua vez est associado s reas midas.
Essas reas esto posicionadas no centro
do grfico, junto com as reas
campestres secas. A grande maioria dos
marsupiais est relacionada s formaes
florestais. Nessas formaes parece no
haver diferenas entre os gneros que
ocorrem em matas mesofticas e em
matas de galeria.
Alm dos marsupiais, os habitats
florestais possuem uma srie de gneros
de Muridae estritamente associados aos
mesmos (Figura 5). A posio central dos
gneros Oryzomys e Oligoryzomys pode
ser explicada por esses serem gneros
poli-especficos, com espcies associadas
274
Vieira & Palma
a habitats mais abertos e espcies
ocupando habitats florestais. Entre os
Echimyidae, dos quatro gneros
capturados nos estudos analisados, trs
grupos mostram preferncias distintas de
habitat. O grfico da DCA indica que
Clyomys est mais prximo de reas mais
abertas, Thrichomys e Eurizygomatomys
de habitats de cerrado s. l., e Proechimys
a habitats florestais (Fig 5).
DISCUSSO
O presente estudo apresenta uma
comparao de dados provenientes de
diferentes fontes. Os dados desses
estudos originais tinham diferenas
intrnsecas, causadas principalmente por
diferenas na amostragem das
comunidades (tipo de isca, nmero, tipo
e tamanho das armadilhas, estratos de
vegetao amostrados). Embora essas
diferenas possam causar uma variao
nos resultados que obtivemos, no
possvel obter amostras representativas
de comunidades em ambientes to
distintos (e. g. campos e florestas)
usando uma metodologia nica. Tais
diferenas metodolgicas limitam o uso
de mtodos estatsticos e so inevitveis
em estudos que comparam dados
obtidos de diversos estudos.
Segundo Sarmiento (1983) gneros
so uma ferramenta de anlise mais
adequada para proporcionar uma
perspectiva evolutiva mais ampla de
mudanas e relaes faunsticas. Em um
estudo, como esse apresentado aqui, que
aborda estrutura de comunidades de
pequenos mamferos em uma escala
geogrfica to ampla, no possvel
ainda usar espcies como unidades
taxonmicas. Grelle (2002) fez uma
anlise geral de riqueza de mamferos
neotropicais em diferentes nveis
taxonmicos e concluiu que riqueza de
gneros um bom indicador da riqueza
de espcies.
Em abordagens utilizando gneros
como unidades taxonmicas, perdem-se
detalhes da estrutura das comunidades,
particularmente no caso de pares de
espcies congenricas simptricas como,
por exemplo, os gneros Akodon,
Oryzomys, Oligoryzomys, Oecomys,
Calomys e Thalpomys, sendo que os trs
primeiros possuem espcies simptricas
especializadas em habitats diferentes.
Quando todas as espcies de um mesmo
gnero ocupam habitats similares, como
os trs ltimos citados, ou quando os
gneros so mono-especficos, como a
maioria dos equimdeos, os padres
obtidos so mais facilmente
interpretveis.
Palma & Vieira (1997) e Vieira (1999)
apresentam uma anlise de comunidades
de pequenos mamferos de 40 locais em
Mata Atlntica e encontraram um
nmero modal de 11 espcies e nove
gneros. As comunidades de Cerrado
apresentaram uma riqueza de espcies
(moda = 5) e gneros (moda 4,5) bem
menor do que a encontrada na Mata
Atlntica. Esses padres eram esperados,
pois o Cerrado engloba habitats mais
distintos com alta variao de
complexidade e heterogeneidade. August
(1983) detectou uma relao significativa
entre complexidade e heterogeneidade
ambiental e riqueza de pequenos
mamferos neotropicais. Os dados
compilados nesse estudo indicam
claramente essa mesma relao para
habitats de Cerrado. As matas de galeria
e ciliares foram os habitats com maior
-diversidade, enquanto as reas abertas
tiveram uma menor riqueza mdia de
gneros. Quanto -diversidade, no
houve um padro to claro, pois reas
de mata de galeria e cerrado s. s.
apresentaram uma maior diversidade
275
Pequenos mamferos
entre stios. Essa maior variao quanto
composio das comunidades pode
reforar a necessidade de preservao de
vrias reas com essas formaes para
garantir a preservao de toda a
biodiversidade de pequenos mamferos
associada aos cerrados s.s. e matas de
galeria.
A ocorrncia de roedores da
subfamlia Murinae (Rattus spp.) foi
limitada a poucos stios (5%) e em baixa
abundncia, exceto em uma mata de
galeria (stio B35) prxima a casas e
runas. As capturas de Mus musculus em
ambientes naturais do Cerrado tambm
so extremamente raras, ocorrendo em
uma rea recm-queimada (A. R. T.
Palma, obs. pess.). Isto demonstra que
no Cerrado estes animais tm sido
capazes de invadir habitats naturais
apenas quando ocorre forte perturbao
antrpica, como observado em outros
locais (Fox, 1982; Soul et al., 1991; E.
M. Vieira, obs. pess.).
Com relao distribuio dos
gneros nos habitats de Cerrado, o
padro de espcies arborcolas
concentradas em florestas trivial,
enquanto que a concentrao de espcies
de didelfdeos em matas reflete um
padro que ocorre com a famlia em nvel
continental, uma vez que a maioria dos
gneros de didelfdeos
predominantemente florestal ou
euritpico (Emmons & Feer, 1990). As
excees so os gneros Lestodelphis e
Thylamys (Nowak, 1991; Vieira & Palma,
1996), que ocorrem predominantemente
fora de florestas. No Cerrado Thylamys
e tambm Monodelphis ocorrem em
reas mais abertas.
Quanto aos roedores, pode-se
identificar uma dicotomia quanto
distribuio da maioria dos gneros entre
habitats florestais e habitats savnicos.
Somente dois gneros, Oryzomys e
Oligoryzomys, situados na regio central
do grfico da DCA, parecem ocorrer mais
freqentemente nesses dois habitats
distintos.
O tipo de habitat parece ser o
principal fator determinante da estrutura
das comunidades de pequenos
mamferos do Cerrado, onde essas
comunidades podem ser divididas em
trs grupos: um primeiro formado por
espcies savnicas (campos cerrados a
cerrados densos), um segundo grupo,
bastante distinto do primeiro, formado
por espcies tipicamente florestais,
incluindo gneros arborcolas (e. g.
Rhipidomys, Micoureus), gneros de
habitats semi-aquticos (e.g. Nectomys)
e alguns outros gneros que, mesmo
sendo essencialmente cursoriais, so
exclusivos de florestas (e.g. Proechimys).
Pela anlise dos resultados da DCA,
pode-se identificar ainda um terceiro
grupo, intermedirio, que ocorre em
reas abertas, secas e midas. Essas
reas geralmente esto situadas entre os
ambientes savnicos e os florestais.
Embora haja gneros caractersticos
dessas reas (e. g. Oxymycterus), nelas
ocorrem tambm gneros de habitats -
generalistas (e.g. Oligoryzomys, Bolomys)
e gneros mais comuns em outros
habitats, que eventualmente ocorrem em
ambientes vizinhos mais abertos, como
Gracilinanus e Nectomys. Com isso os
habitats abertos se situaram em uma
posio central no grfico da DCA.
A correlao positiva entre
abundncia local e distribuio
geogrfica encontrada neste estudo
ocorre em vrios grupos (ex.: Hanski,
1982). Os gneros de pequenos
mamferos do Cerrado formam um
continuum de algumas espcies
abundantes e de distribuio ampla
(Oryzomys, Bolomys, Oligoryzomys e
Didelphis) a vrias espcies raras
presentes em poucos stios. Os gneros
276
Vieira & Palma
que foram relativamente abundantes,
porm com ocorrncia relativamente
restrita, foram aqueles geralmente
especialistas de habitat, como
Oxymycterus (campo mido), Akodon e
Proechimys (ambientes florestais).
Proporcionalmente ao total de gneros
encontrados, houve relativamente
poucos gneros abundantes em vrias
reas e muitos restritos a poucos stios.
Esse padro, aliado alta -diversidade
entre habitats e mesmo entre stios,
refora a necessidade da existncia de
vrias reas de proteo, em diferentes
regies do Cerrado, para conservao da
diversidade geral desse bioma.
O presente levantamento dos
trabalhos publicados em Cerrado indicou
que a mata de galeria e o cerrado (s. s.)
foram os habitats melhor amostrados em
termos de comunidades de pequenos
mamferos. Outros habitats, porm,
carecem de amostragens representativas,
particularmente a vereda, no associada
com mata, a mata ciliar, a mata
mesoftica e o cerrado. Essa necessidade
especialmente crtica para a mata ciliar,
por sua alta -diversidade e para a mata
mesoftica, por sua diversidade
fisionmica (Ribeiro & Walter 1998), cuja
influncia sobre as comunidades de
pequenos mamferos ainda des-
conhecida.
CONSIDERAES FINAIS
As comunidades de pequenos
mamferos do Cerrado podem ser
divididas em trs conjuntos segundo sua
composio: comunidades em florestas,
comunidades em reas abertas (secas ou
midas) e comunidades em habitats
msicos savnicos (cerrados com
diferentes graus de cobertura arbrea).
A riqueza de espcies de pequenos
mamferos no Cerrado atinge valores
mximos em matas ciliares e de galeria,
seguidas pelas matas mesofticas. As
comunidades de alguns habitats do
Cerrado, como as veredas, matas ciliares,
matas mesofticas e cerrades, foram at
hoje muito pouco amostradas. Esses
habitats, especialmente os dois ltimos,
j so naturalmente menos freqentes e
associados a solos mais valorizados para
a agricultura. Dessa forma, levanta-
mentos nas reas remanescentes desses
tipos de vegetao deveriam ser
considerados prioritrios, para um maior
conhecimento da diversidade de
pequenos mamferos associada ao
Cerrado.
A grande maioria dos levantamentos
feitos at hoje foi realizada na regio sul
e central da distribuio do bioma do
Cerrado. Algumas regies do Cerrado
representam grandes lacunas quanto ao
conhecimento da simples ocorrncia de
espcies de pequenos mamferos. Essas
regies, que devem ser consideradas
prioritrias para o levantamento da sua
mastofauna associada, incluem toda a
metade norte do Cerrado, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e manchas de
Cerrado na Amaznia.
Embora ainda haja lacunas a serem
preenchidas no conhecimento, a
associao das espcies de roedores e
marsupiais aos diversos habitats de
Cerrado hoje razoavelmente bem
conhecida. No entanto, padres de
associao de espcies e caractersticas
mais finas do habitat (microhabitat)
ainda so escassos, especialmente para
as espcies de ambientes florestais. Alm
disso, faltam ainda, para o Cerrado,
estudos que analisem padres de
composio de comunidade e potenciais
fatores que possam influenciar a
estrutura das mesmas, na linha dos
estudos j realizados para comunidades
de roedores australianos (Fox, 1989),
277
Pequenos mamferos
norte-americanos (Fox & Brown, 1993)
e chilenos (Kelt, 1996).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos organizadores,
Aldicir Scariot, Jeanine M. Felfili e Jos
Carlos Sousa-Silva por viabilizar a
publicao deste livro e possibilitar a
nossa participao no mesmo. Parte dos
dados que utilizamos foram coletados
por ARTP, enquanto ele era bolsista de
doutorado do CNPq no curso de Ps-
Graduao em Ecologia da Universidade
de Braslia. Agradecemos aos colegas que
permitiram a incluso de dados no
publicados nas anlises deste trabalho
(veja apndice I): M. Prada, F. M. Diniz,
D. C. Briani e R. G. Gonalves. Verses
iniciais desse captulo foram revisadas e
receberam sugestes de Ludmilla Aguiar
e um revisor annimo, os quais em muito
melhoraram a verso final.
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281
Pequenos mamferos
Apndice I Caractersticas dos locais e habitats amostrados. Os locais so indicados
por letras (reas) e nmeros (stios dentro das reas).
281
Pequenos mamferos
282
Vieira & Palma
Vieira & Palma
Apndice I (cont.)
282
283
Solos e paisagem
G. Wilson Fernandes
Silmary J. Gonalves-Alvim
Ecologia Evolutiva de Herbvoros Tropicais/DBG,
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, MG
Captulo 16 Captulo 16
Captulo 16 Captulo 16 Captulo 16
Biodiversidade
de insetos
galhadores no
Cerrado
Biodiversidade
de insetos
galhadores no
Cerrado
Captulo 16 Captulo 16
Captulo 16 Captulo 16 Captulo 16
G. Wilson Fernandes
Silmary J. Gonalves-Alvim
Ecologia Evolutiva de Herbvoros Tropicais/DBG,
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, MG
F
O
T
O
:

G
E
R
A
L
D
O

W
.

F
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:

G
E
R
A
L
D
O

W
.

F
E
R
N
A
N
D
E
S
284
Fernandes & Gonalves-Alvim
285
Insetos galhadores
INTRODUO
Estudos sobre padres de
distribuio e diversidade de insetos
herbvoros tm indicado que insetos
galhadores no se enquadram na
hiptese do gradiente latitudinal, que
prev maior riqueza de espcies com a
diminuio da latitude (Price et al.,
1998). Ao contrrio da maioria dos
grupos estudados, os insetos galhadores
apresentam maior riqueza em latitudes
intermedirias, em habitats quentes e
com vegetao esclerfila do tipo
mediterrneo. Este tipo de vegetao
inclui o chaparral (Estados Unidos),
fynbos(frica do Sul) e a maioria das
fitofisionomias do Bioma Cerrado
(Brasil). Estes ambientes so
caracterizados por alta incidncia de
radiao solar, disponibilidade irregular
de gua, baixo teor de nutrientes no solo
e esto sujeitos a queimadas constantes
durante a estao seca (Eiten, 1972; Ferri,
1977; Goodland & Ferri, 1979; Silva et
al., 1986; Secco & Lobo, 1988; Silva &
Rosa, 1990; Silva et al., 1996).
Segundo Fernandes & Price (1991,
1992), insetos galhadores provavelmente
tiveram taxas maiores de especiao e
radiao em ambientes ridos e pobres
em nutrientes, j que galhas esto
comumente associadas a plantas
esclerfilas. Estas apresentam folhas com
alto contedo de compostos fenlicos e
baixos teores de nutrientes (Sobrado &
Medina, 1980; Fernandes & Price, 1991).
Devido s restries nutricionais,
qumicas e filogenticas, plantas
esclerfilas dificultam a sua utilizao
por herbvoros de vida livre (Coley, 1983,
1987; Coley & Aide, 1991; Ribeiro et al.,
1998). Todavia, a esclerofilia no
funciona como barreira para a
colonizao de insetos galhadores. Por
serem previsveis no espao e no tempo,
a utilizao de plantas esclerfilas
aumenta a probabilidade de colonizao
e sobrevivncia da prole (Fernandes et
al., 1994). Alm disso, os nutrientes
podem ser manipulados para se
concentrarem no tecido do qual a larva
se alimenta, representando ainda um
espao livre de inimigos naturais, como
predadores e patgenos (Fernandes &
Price, 1988, 1991).
O conhecimento da riqueza de
insetos galhadores e flora associada, em
ecossistemas tropicais, importante para
o entendimento e determinao de
286
Fernandes & Gonalves-Alvim
padres globais de distribuio deste
grupo de herbvoros. Entretanto, poucos
estudos tm sido realizados nas regies
tropicais enfocando este aspecto. No
Brasil, estes estudos foram iniciados por
Tavares (1915, 1917a e b, 1922) e
importantes contribuies foram dadas
posteriormente por Fernandes et al.
(1988, 1995, 1996, 1997), Maia &
Monteiro (1999), Maia (2001) e Maia &
Fernandes 2004. Assim, neste captulo
sero abordados os mecanismos
envolvidos na determinao da
biodiversidade dos insetos galhadores na
vegetao do Cerrado, contribuindo para
a obteno de dados ecolgicos que
auxiliem estudos biogeogrficos e de
conservao deste Bioma.
PADRES DE RIQUEZA DE INSETOS
GALHADORES E PLANTAS
HOSPEDEIRAS
Os levantamentos de riqueza de
insetos galhadores realizados em quatro
localidades no sudeste do Brasil esto
apresentados no Quadro 1. Nesses
levantamentos foram realizadas coletas
ao longo de transectos com 10 metros
de largura e comprimento definido de
acordo com o nmero dos diferentes
tipos arquitetnicos observados,
totalizando 1.000 ervas, 100 arbustos e
45 rvores em cada transecto (Fernandes
& Price, 1988) ou atravs de trs
caminhadas aleatrias de uma hora em
cada ponto de amostragem (Price et al.,
1986). Esses mtodos de amostragem de
galhadores so amplamente conhecidos
e tm sido utilizados em inmeros
trabalhos, permitindo comparaes entre
comunidades de galhadores em
diferentes partes do mundo (veja Price
et al., 1998).
A distribuio de insetos galhadores
entre os grupos de insetos e de plantas
hospedeiras corrobora o padro
observado em outros estudos (Mani,
1964; Gagn, 1989; Fernandes, 1987;
Fernandes et al., 1994; Lara & Fernandes,
1996; Wright & Samway, 1998), que
apontam os Cecidomyiidae como o
grupo mais bem representado em todas
as regies biogeogrficas. Alm disso,
Leguminosae, Asteraceae, Myrtaceae e
Malpighiaceae so indicadas como as
mais ricas famlias em fauna de insetos
galhadores na Amrica do Sul
(Fernandes, 1987, 1992; Fernandes et al.,
1988).
Aproximadamente 125 espcies
(morfotipos) de insetos galhadores em
31 famlias de plantas e 84 espcies
vegetais foram encontradas em quatro
fisionomias do Cerrado, em Minas Gerais
(Gonalves-Alvim & Fernandes, 2001a e
b). Leguminosae, Myrtaceae, Malpi-
ghiaceae e Asteraceae, Erythro-
xylaceae, Bignoniaceae e Malvaceae
englobaram cerca de 65% das espcies
de plantas hospedeiras e apresentaram
70% das espcies de galhadores
amostrados (Tabela 1). A maior riqueza
de insetos galhadores foi observada no
cerrado sensu stricto (com um total de
50 espcies), seguido de canga (33
espcies), campo sujo (29 espcies) e
cerrado (23 espcies).
Comparada a de outros ecossistemas
investigados, a fauna de insetos
galhadores no Cerrado uma das mais
ricas do mundo (veja Lara & Fernandes,
1996). Wright & Samway (1998)
observaram menos de 25 espcies de
galhadores nos fynbos, na frica do
Sul. Blanche (2000) coletou cerca de 30
espcies de galhadores ao longo de um
gradiente de precipitao nas savanas
australianas, enquanto Fernandes et al.
(2002) encontraram 29 espcies de
insetos galhadores, em cinco reas do
Chaco central na Argentina. Mesmo no
287
Insetos galhadores
Tabela 1. Distribuio do nmero de espcies de insetos galhadores e de
espcies vegetais (total e com galhas) nas famlias de plantas
predominantes no cerrado, cerrado sensu stricto, campo sujo e
canga, no sudeste do Brasil.
Insetos galhadores
287
288
Fernandes & Gonalves-Alvim
Brasil, em reas de habitats midos,
como Pantanal e Floresta Amaznica, o
nmero de espcies de insetos
galhadores foi menor, 133 e 52 espcies,
respectivamente (Julio et al., 2002;
Yukawa, 2001), quando comparado, por
exemplo, s 236 espcies encontradas no
Vale do Jequitinhonha (Quadro 1).
Gonalves-Alvim & Fernandes
(2001a) observaram ainda que sete
espcies de insetos galhadores foram
comuns ao cerrado sensu stricto e campo
sujo, enquanto apenas duas espcies
foram compartilhadas pelo cerrado sensu
stricto e cerrado. Apesar de uma maior
semelhana entre as reas de campo
sujo, cerrado sensu stricto e cerrado,
que no apresentaram nenhuma espcie
de galhador em comum com as das reas
de canga, observou-se pouca
similaridade entre todas as reas
amostradas. Isto evidencia que uma
baixa similaridade florstica entre
fisionomias (Tabela 2), acompanhada da
alta diversidade de insetos galhadores,
pode ser comum no Cerrado.
MECANISMOS QUE FAVORECEM O
AUMENTO DA RIQUEZA DE
INSETOS GALHADORES NO
CERRADO
Estudos realizados no deserto do
Arizona e nos campos rupestres da Serra
do Cip, em diferentes altitudes,
demonstraram que h menores taxas de
mortalidade de galhadores causadas por
inimigos naturais em habitats xricos,
ou seja, estressados higrotrmica e
nutricionalmente (Fernandes & Price,
1991, 1992, RibeiroMendes et al., 2002).
Nestes ambientes, temperaturas elevadas
favoreceriam o aumento do teor de
compostos fenlicos, aumentando a
resistncia da planta invaso de
patgenos e diminuindo a mortalidade
de galhadores causada por estes
organismos. A presso seletiva exercida
sobre a capacidade de resposta das
plantas ao ataque de galhadores, como
mecanismos de hipersensitividade, seria
tambm menor em habitats xricos que
em msicos (Fernandes et al., 1994).
Alm disso, a preferncia da fmea do
inseto galhador e o aumento da
performance larval em plantas
hospedeiras em habitats estressados
Quadro 1. Levantamentos de insetos galhadores e plantas hospedeiras em
reas de Cerrado, em Minas Gerais.
Tabela 2. Matriz de similaridade
florstica (ndice de
Sorensen) entre as
fisionomias de vegetao
amostradas (Cg = canga,
Cs = campo sujo, Ce =
cerrado sensu stricto, Cr =
cerrado), no sudeste do
Brasil.
289
Insetos galhadores
foram tambm observados por
Fernandes & Price (1988), reforando o
padro de maior sucesso de galhadores
em habitats xricos.
Entre os fatores que influenciam a
riqueza de insetos galhadores, em
diferentes fisionomias do Cerrado, esto
a riqueza de espcies de Leguminosae e
a baixa fertilidade do solo (Gonalves-
Alvim & Fernandes, 2001a; Figura 1).
Diferentemente da Austrlia, onde a
riqueza de galhadores em Myrtaceae
que determina o padro de distribuio
de espcies de insetos galhadores
(Blanche, 1994), Leguminosae, uma
famlia numerosa e de distribuio ampla
no Brasil (Barroso, 1991), foi a que mais
se destacou nos levantamentos
realizados no Cerrado (Quadro 1). Alm
disso, a riqueza de espcies de
Leguminosae explicou 43% da variao
no nmero de espcies de insetos
galhadores em quatro fisionomias do
Cerrado em Minas Gerais [Log(y +1) =
1,45 + 0,388x; r = 0,43; F
1,11
= 7,40; p
< 0,05] (Gonalves-Alvim & Fernandes,
2001a). Este resultado pode estar
relacionado a alguns atributos presentes
neste grupo, tornando as leguminosas
adequadas colonizao por insetos
galhadores. Por exemplo, a maioria das
espcies amostradas de rvores e
arbustos, com maior complexidade
estrutural e diversidade de nichos, o que
possibilitaria a manuteno de maior
riqueza de galhadores. Em geral,
espcies de Leguminosae no acumulam
alumnio e apresentam associaes com
bactrias nitrificantes (Haridasan, 1982),
implicando em diferentes estratgias
fisiolgicas, que tambm poderiam
favorecer a nutrio de insetos
galhadores no Cerrado.
Dentre as variveis investigadas no
solo, Gonalves-Alvim & Fernandes
(2001a) observaram que a riqueza de
galhadores correlacionou-se negativa-
mente com o contedo de magnsio,
potssio, fsforo, matria orgnica e a
capacidade total de troca de ctions
Figura 1
Influncia da
riqueza de
espcies de
Leguminosae, do
contedo de
nutrientes (MO, P,
K, Mg e Fe) e da
capacidade total
de troca de catons
(CTC) do solo
sobre a riqueza de
insetos galhadores
(ndices de
correlao de
Pearson
P
e
Spearman
S
).
290
Fernandes & Gonalves-Alvim
(CTC) (Fig. 1). Entretanto, houve um
aumento da riqueza de galhadores com
o aumento no contedo de ferro, que em
nveis elevados prejudicial ao
desenvolvimento da vegetao (Ferri,
1985). O contedo destes nutrientes e a
CTC explicaram 72% da variao
observada na riqueza de galhadores nas
fisionomias estudadas (y = 1,22 -
0,043Mg - 0,162K + 0,00326Fe

-
0,0199CTC; r = 0,72; F
4,11
= 4,47; p <
0,05), corroborando a hiptese de
Fernandes & Price (1991) de que plantas
mediam o efeito do estresse abitico (i.e.,
deficincia de gua e de nutrientes
essenciais no solo) na riqueza de insetos
galhadores.
Em ambientes estressados nutricio-
nalmente, as plantas desenvolveriam
mecanismos de tolerncia menor
disponibilidade de nutrientes e, como
conseqncia, apresentariam esclerofilia
(devido principalmente estocagem, em
excesso, de carboidratos e lipdios e
baixa produo de protenas; Goodland,
1971), folhas e caules grossos e alta
concentrao de compostos de defesa
nos tecidos (e.g., glicosdeos ciano-
gnicos, alcalides, compostos fenlicos
e terpernides) (Fernandes & Price, 1988,
1991).
Alm disso, a deficincia de
elementos, como magnsio e potssio
(importantes no processo de fotossntese,
ativao de vrias enzimas e controle
osmtico celular), pode bloquear a
sntese de protenas, provocando a
acumulao de aminocidos nos tecidos,
alm de reduzir a formao de fibras, o
que resulta em um alimento de melhor
qualidade para o galhador (veja White,
1969, 1976,1984). Esta deficincia leva
ainda a formao de compostos fenlicos
que atuariam como inibidores de fungos
e outros patgenos (Rhoades, 1979).
Maior presso seletiva sofrida por
galhadores seria exercida pelo ataque de
parasitides (como os microhime-
npteros), pois grande parte das galhas
de Cecidomyiidae atacada por este
grupo de insetos (Maia, 2001). Portanto,
este conjunto de caractersticas (cenrio
ambiental) seria responsvel pelo
sucesso evolutivo de insetos galhadores
nas plantas esclerfilas do Cerrado, com
a ao de predadores e patgenos sobre
os insetos galhadores sendo menos
efetiva em ambientes mais estressados
(Fernandes & Price, 1988, 1991, 1992;
Fernandes et al., 1994; Price et al., 1998;
Ribeiro et al., 1998).
CONSIDERAES FINAIS
A baixa similaridade tanto de
espcies vegetais hospedeiras quanto de
insetos galhadores, entre as diferentes
fisionomias no Cerrado, evidencia que
a presena de espcies raras deve ser
comum no Cerrado. Segundo Myers et
al. (2000), os cerrados brasileiros
constituem uma das 25 regies do
mundo com maior biodiversidade e,
portanto, prioritrias para conservao
(hotspots). Entretanto, os grupos
taxonmicos de invertebrados, como
insetos galhadores, ainda continuam
pouco estudados e no foram citados
naquele estudo.
A documentao e elucidao dos
padres de biodiversidade so essenciais
para a conservao de espcies de
insetos e dos organismos que se
alimentam destes. O fato de insetos
galhadores estarem intimamente
associados s suas plantas hospedeiras
e possurem hbito sssil os torna ainda
mais suscetveis extino, caso a
cobertura vegetal de uma determinada
rea seja modificada por ao antrpica
(e.g., minerao, fogo, expanso das
fronteiras agrcolas).
291
Insetos galhadores
Alm disso, o manejo inadequado
da vegetao pode aumentar a
abundncia de uma espcie ou famlia
de planta, o que tambm pode ter
implicaes negativas na riqueza de
galhadores. Portanto, estudos biogeo-
grficos e de biodiversidade so cada vez
mais necessrios, principalmente nas
regies fora da rea central de
distribuio do Cerrado (e.g., Norte e
Nordeste). Estudos desta natureza
permitiriam um melhor entendimento
dos mecanismos ecolgicos e processos
evolutivos atuantes, antes que este
Bioma seja totalmente descaracterizado.
AGRADECIMENTOS
M. M. Esprito-Santo e aos
revisores pelas sugestes ao manuscrito.
Este trabalho foi apoiado pela Sociedade
Brasileira de Cultura Japonesa atravs do
Fundo Bunka de Pesquisa/Banco
Sumitomo, WWF, Fundep, Fapemig e
CNPq.
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Captulo 17 Captulo 17
Captulo 17 Captulo 17 Captulo 17
Estudos
comparativos sobre
a fauna de
borboletas do
Distrito Federal:
implicaes para a
conservao
Captulo 17 Captulo 17
Captulo 17 Captulo 17 Captulo 17
Estudos
comparativos sobre
a fauna de
borboletas do
Distrito Federal:
implicaes para a
conservao
Carlos E. G. Pinheiro
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Carlos E. G. Pinheiro
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
F
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Pinheiro
297
Fauna de lepidoptera e conservao
INTRODUO
Comparado aos demais estados
brasileiros que tm a vegetao de
cerrado como formao vegetal
predominante, o Distrito Federal parece
privilegiado em relao ao nmero de
unidades de conservao efetivamente
implantadas dentro de seus limites
legais. Estas unidades incluem: um
Parque Nacional, trs Estaes
Ecolgicas, quatro Reservas Ecolgicas
(Tabela 1) e vrios pequenos parques,
reas de proteo de mananciais ou de
relevante interesse ecolgico. Entretanto,
no se sabe com preciso se estas
unidades so suficientes para a
conservao de toda a fauna existente
nos cerrados do Brasil central,
especialmente no caso de animais de
pequeno porte, como os insetos.
Dentre os insetos, as borboletas
(Lepidoptera: Papilionoidea e Hespe-
rioidea) constituem um grupo
especialmente interessante para estudos
de biodiversidade e conservao. As
larvas alimentam-se de tecidos vegetais
e muitas espcies alimentam-se apenas
de uma (monfagas) ou poucas
(oligfagas) plantas hospedeiras. Assim,
a presena de uma determinada espcie
de borboleta em certo local, pode
tambm implicar na presena de uma
ou de determinadas plantas naquela
Tabela 1. As principais unidades de conservao do Distrito Federal.
298
Pinheiro
mesma regio (Carter, 1982; Brown,
1991, 1996). Alm disso, a maioria das
espcies ocorre apenas em alguns
habitats e microhabitats, sob
determinadas condies de luz,
temperatura e umidade. Portanto, a
presena (ou no) de certas espcies
tambm pode fornecer indicaes sobre
o estado de conservao do habitat. Por
estas razes, tm-se verificado
recentemente um uso crescente de
borboletas em programas de
monitoramento de biodiversidade em
pases da Europa (Carter, 1982; Dennis,
1992) e na Amrica do Norte (Scott,
1986), ou como indicadores para a
conservao de reas no Brasil (Brown,
1996; Brown & Freitas, 2000).
O Distrito Federal apresenta uma rica
fauna de borboletas. Com base em dados
da literatura, na anlise de colees
zoolgicas e em levantamentos
realizados por este autor e colaboradores
nos ltimos quinze anos, foi possvel
compilar uma lista contendo 645
espcies efetivamente registradas nesta
unidade da federao. altamente
provvel, entretanto, que novas espcies
venham a ser acrescentadas a esta lista
medida que outras regies ainda pouco
exploradas venham a ser amostradas.
Com base na distribuio geogrfica de
vrias espcies em estados vizinhos e
em dados ainda no disponveis na
literatura estima-se que o nmero total
de espcies do DF seja, de fato, superior
a 750 (Brown & Freitas, 2000).
Para se ter uma idia da represen-
tatividade desta fauna, pode-se verificar,
por exemplo, que este nmero maior
que toda a fauna de borboletas da
Amrica do Norte (incluindo a regio
neotropical do sul do Mxico, Scott,
1986), sete vezes maior do que a fauna
de borboletas da Europa ou 13 vezes
maior que a fauna de borboletas do
Reino Unido (Carter, 1982). Infelizmente,
entretanto, foi constatado nos
levantamentos de fauna realizados, que
um nmero prximo a 1/3 de todas as
borboletas que ocorrem no Brasil Central
(cerca de 210 espcies) nunca foi
registrado em qualquer unidade de
conservao do Distrito Federal. A
explicao para este fenmeno , como
este estudo pretende demonstrar, o fato
de que nas unidades de conservao
existentes no se encontram repre-
sentadas pelo menos duas das
fisionomias de vegetao de Cerrado que
se constituem no habitat preferido de
uma grande variedade de espcies de
borboletas: (1) as florestas semidecduas
(tambm conhecidas como florestas
mesofticas), que ocorrem no DF,
principalmente, em regies de solos
calcrios, como na regio de Sobradinho,
na Chapada da Contagem e na regio da
Fercal, e (2) as matas de galeria
associadas a rios de mdio e grande
porte, geralmente mais densas e mais
extensas do que aquelas encontradas ao
longo dos pequenos crregos e ribeires
presentes nos parques e reservas.
Neste captulo so apresentados
alguns dados envolvendo a riqueza e a
similaridade de espcies de borboletas
encontradas nas principais unidades de
conservao e em trs regies situadas
em reas no protegidas do DF, que
contm estas fisionomias de vegetao
de cerrado no encontradas nas unidades
j implantadas. Os resultados sugerem
que, caso se quisesse realmente
conservar esta extraordinria diversidade
de espcies de borboletas, dever-se-ia
no apenas ampliar o nmero de
unidades de conservao nessa regio,
mas tambm adotar uma srie de
medidas para a proteo efetiva da fauna
nas unidades existentes.
299
Fauna de lepidoptera e conservao
MATERIAL E MTODOS
Dados includos nas anlises de
similaridade, apresentadas a seguir,
foram obtidos dos levantamentos de
fauna realizados por Brown & Mielke
(1967a,b) nas florestas de Sobradinho e
matas de galeria do rio Sobradinho, na
Chapada da Contagem, Fercal e rio
Maranho; por Ferreira (1982) na EEJB
e IBGE; por Pinheiro & Ortiz (1992) na
EEJB; por Pinheiro et al. (1992) no PNB;
por Pinheiro & Emery (dados no
publicados) na EEAE, no rio Maranho
e na RCO; e por Diniz & Morais (1995,
1997) na FAL, IBGE e PNB, alm de
dados obtidos nas colees zoolgicas
da UnB e do IBGE.
A similaridade de espcies foi
estimada por intermdio do Coeficiente
de Jaccard. Uma anlise de cluster
(UPGMA) envolvendo seis dos principais
parques e reservas do Distrito Federal
(PNB, EEAE, EEJB, IBGE, FAL e RCO) e
trs reas no protegidas (SWR = rio
Sobradinho e florestas de Sobradinho;
CCF = com dados agrupados da
Chapada da Contagem e regio da Fercal;
e RMa = rio Maranho) foi tambm
realizada por intermdio da utilizao
do pacote estatstico para anlise
multivariada MVSP verso 3.1, para
vrios taxa distintos de borboletas
(Pieridae, Papilionidae e alguns
Nymphalidae), cuja sistemtica se
encontra relativamente bem resolvida.
RESULTADOS E DISCUSSO
O total de espcies encontrado em
cada rea de estudo para os diferentes
taxa investigados est mostrado na
Tabela 2. Com exceo dos Papilionidae
(r= 0,94; p<0.05) no foram encontra-
das correlaes significativas entre a
riqueza de espcies e a rea das unidades
de conservao para qualquer outro
txon investigado (r= 0,34 para os
Pieridae; r= -0,39 para os Ithomiinae e
r= -0,58 para os demais taxa
Tabela 2. Nmero de espcies em vrios taxa de borboletas encontradas
nos parques, reservas e outras localidades no protegidas do
Distrito Federal (Nym= Nymphalinae, Lim= Limenitidinae, Cyr =
Cyrestidinae, Bib = Biblidini e Col = Coloburinae).
300
Pinheiro
agrupados). No caso dos Ithomiinae e
dos taxa agrupados foram encontradas
correlaes negativas, que poderiam ser
explicadas, pelo fato de muitas espcies
destes grupos ocorrerem apenas em
reas de florestas mais densas, midas
e escuras, condies no encontradas em
algumas reas maiores, como a Estao
Ecolgica de guas Emendadas. Estes
resultados sugerem que a diversidade de
espcies no depende apenas da rea,
mas dos tipos de vegetao encontrados
nas diferentes regies ou unidades de
conservao.
Os dendrogramas produzidos pelas
anlises de cluster (baseados na matriz
de similaridade de espcies) entre as
unidades de conservao e outras regies
do DF so apresentados na Figura 1. Trs
padres bastante caractersticos parecem
ocorrer nos quatro dendro-gramas
apresentados (Figuras A, B, C e D).
Em primeiro lugar, observa-se a
grande similaridade de espcies (em
geral > 0.8) encontrada entre os locais
EEJB, IBGE e FAL, um resultado j
esperado em vista da proximidade que
estas reas mantm entre si e que
compem, em seu conjunto, a chamada
APA Gama-Cabea de Veado.
Em segundo lugar, nota-se
claramente que as localidades da APA
Gama-Cabea de Veado geralmente se
agrupam com os demais parques e
reservas do DF (PNB, EEAE e RCO), com
os quais tambm mantm uma alta
similaridade de espcies (geralmente
entre 0.6 e 0.8). Esta alta similaridade
de espcies encontrada entre os parques
e reservas do DF poderia ser explicada
pela grande semelhana de altitudes (em
geral variando de 1.000 a 1.150m),
topografias (todas situadas em regies
relativamente planas ou com declives
Figura 1
Dendrogramas
baseados na
similaridade da fauna
de borboletas em seis
reas de conservao
(PNB, EEAE, EEJB,
IBGE, FAL e RCO) e
em trs reas no
protegidas do
Distrito Federal (RMa
= rio Maranho, SWR
= rio Sobradinho e
florestas de
Sobradinho, e CCF =
Chapada da
Contagem e Fercal).
Anlises so
apresentadas
separadamente para
(A) Pieridae, (B)
Papilionidae, (C)
Ithomiinae e (D) um
aglomerado de outros
Nymphalidae.
301
Fauna de lepidoptera e conservao
suaves) e tipos fisionmicos de
vegetao predominantes, em geral
contendo grandes extenses de cerrado
sensu strictu, algumas manchas de
campos abertos e de cerrades, e matas
de galeria associadas a pequenos cursos
dgua.
Em terceiro lugar, podemos perceber
nos dendrogramas apresentados que os
menores ndices de similaridade de
espcies encontrados no estudo (entre
0.4 e 0.6) ocorrem exatamente entre as
unidades de conservao e as reas no
protegidas (RMa, SWR e CCF) que
contm os tipos fisionmicos de
vegetao no representados nos
parques e reservas. Estes locais,
geralmente mais acidentados e mais
heterogneos do que as demais regies
do DF, constituem-se no habitat preferido
de um grande nmero de espcies de
borboletas, como os Papilionidae:
Parides burchellanus, Heraclides
hectorides e vrios Protesilaus spp
(RMa); Pieridae: Phoebis trite (RMa),
Phoebis neocypris (RMa, CCF), Eurema
arbela (RMa, CCF) e Hesperocharis
anguitea (CCF); Ithomiinae: Hypoleria
emyra (RMa), Aeria olena (SWR) e Oleria
aquata (RMa); Limenitidini: Adelpha
aethalia (CCF), A. delphicola (RMa) e
A. cocala (SWR); Biblidini: Callicore
hydaspes (CCF), Callicore pygas
splendens (RMa, CCF), Dynamine
limbata (SWR), Eunica macris (RMa),
Phyciodes velica sejona (RMa, CCF) e
Ectima liria lirissa (CCF).
Alm disso, duas das espcies mais
raras e ameaadas de extino de todo o
bioma do Cerrado ocorrem no rio
Maranho: Parides burchellanus
(Papilionidae), observada apenas nesse
local e numa outra localidade no estado
de Minas Gerais, chegando a constar na
lista de espcies ameaadas da IUCN Red
Data Book (Collins & Morris, 1985) e
Agrias claudia godmani (Charaxinae), a
espcie mais procurada por
colecionadores. Este rio, um dos
principais formadores do rio Tocantins,
tambm parece funcionar como um
corredor de fauna para vrias espcies
amaznicas que conseguem atingir o
Brasil central (como a espetacular
Morpho rhetenor, Morphinae) e que
representam aproximadamente 8% de
todas as espcies que ocorrem no DF
(Brown & Mielke, 1967a). Estes dados
demonstram claramente a necessidade
de criao de uma unidade de
conservao na regio desse rio.
Outros habitats que requerem
ateno especial para a sua conservao
so os remanescentes naturais de
florestas semidecduas da regio de
Sobradinho, considerada por Brown &
Mielke (1967a) como a rea mais rica
em espcies de todo o DF, e da regio da
Fercal. Alm das espcies j citadas,
vrias outras borboletas do DF s foram
registradas nestes locais especficos, hoje
fortemente ameaados pela chegada de
vrios condomnios habitacionais e pela
indstria de extrao do calcrio.
CONSIDERAES FINAIS
Este trabalho procurou enfatizar a
necessidade de criao de novas
unidades de conservao na regio do
Distrito Federal, de modo a incluir outros
tipos fisionmicos de vegetao de
Cerrado no representados nos parques
e reservas j implantados, como as
florestas semidecduas e matas de galeria
associadas a rios de grande porte, que
contm no apenas uma grande
diversidade de borboletas, mas vrias
espcies que parecem ocorrer
exclusivamente nestas formaes
vegetais. Entretanto, esta apenas uma
das vrias frentes de batalha para a
conservao da fauna dos cerrados.
302
Pinheiro
Nas ltimas dcadas o Distrito
Federal vem passando por um intenso
processo de urbanizao e pelo
desenvolvimento de vrias atividades
econmicas que levam inexoravelmente
destruio dos habitats naturais e,
conseqentemente, perda em
biodiversidade. Com o avano da
urbanizao, muitas das unidades de
conservao que a se encontram vm
sendo transformadas em verdadeiras
ilhas de vegetao, geograficamente
isoladas de outras unidades. Os efeitos
advindos do isolamento sobre as
populaes locais, como a interrupo
do fluxo gnico e o aumento da taxa de
endocruzamento so obviamente
negativos (exemplos em Soul, 1986).
necessrio, portanto, conceber novas
estratgias de conservao que
propiciem certa conectividade entre
estas reas, ou corre-se o risco de sofrer
uma grande perda em biodiversidade, at
mesmo em espcies supostamente
protegidas.
Alm desses problemas, os parques
e reservas esto ainda sujeitos a vrias
outras perturbaes como incndios,
caa, invases por animais domsticos,
presena de plantas invasoras, depsitos
de lixo e diferentes agentes poluidores
que afetam no apenas as borboletas
como toda a fauna e flora presentes. Um
exemplo extremo da ao destes fatores
pode ser observado na Reserva Ecolgica
do Gama, cuja flora e fauna originais j
se encontram to descaracterizadas que
se optou por no incluir neste estudo os
dados levantados por Brown & Mielke
(1967a,b) sobre a fauna de borboletas
daquele local.
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Captulo 18 Captulo 18
Captulo 18 Captulo 18 Captulo 18
Abundncia e
amplitude de dieta
de lagartas
(Lepidoptera)
no cerrado de
Braslia (DF)
Captulo 18 Captulo 18
Captulo 18 Captulo 18 Captulo 18
Abundncia e
amplitude de dieta
de lagartas
(Lepidoptera)
no cerrado de
Braslia (DF)
Ivone R. Diniz
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Helena C. Morais
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Ivone R. Diniz
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Helena C. Morais
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
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306
Pinheiro
Fauna de lepidoptera e conservao
307
INTRODUO
As plantas terrestres e seus insetos
fitfagos constituem mais da metade de
todas as espcies terrestres conhecidas
(Coley & Barone, 1996; Bernays, 1998;
Farrell et al., 1992). A importncia
ecolgica dos insetos herbvoros est
relacionada principalmente reduo da
aptido das plantas e, na cadeia trfica,
transformao de um alimento pobre
em protenas, rico em fibras e de baixa
digestibilidade, em outro formado por
pequenos pacotes concentrados de
protenas. Os insetos herbvoros
constituem uma das principais fontes de
alimento para lagartos, pssaros e
pequenos mamferos, bem como para
outros invertebrados predadores e
parasitas. Evolutivamente, a interao
planta-herbvoro provavelmente
responsvel pela maior parte da
diversidade terrestre (Farrell et al., 1992)
e os lepidpteros constituem a maior
radiao entre os insetos fitfagos
(Scoble, 1992), com a quase totalidade
das lagartas vivendo a expensas de
plantas. Mesmo assim, est apenas
comeando-se a entender como a
diversidade das assemblias de inseto-
planta determinada, seja em ambiente
temperado ou tropical.
Informaes sobre a dieta das
lagartas so fundamentais para a
compreenso dos mecanismos de
coevoluo ou de evoluo paralela
envolvidos nesta radiao (Powell 1980;
JERMY 1984; Powell et al. 1999; Menken
1996.) Por outro lado, a dieta das lagartas
pode ser influenciada por fatores
prximos como a presso de predao e
parasitismo (Bernays, 1998) e espcies
generalistas podem ter dieta restrita em
um local ou serem especialistas em
partes de plantas (Ballmer & Pratt, 1989;
Pratt & Pierce, 2001).
Os estudos sobre amplitude de dieta
dos herbvoros, principalmente na regio
tropical, podem esclarecer algumas
questes ecolgicas, entre elas as
estimativas de riqueza de espcies locais
e regionais. Desde o incio dos anos 1980
at os dias de hoje, estimativas globais
308
Diniz & Moraes
de riqueza de espcies tm sido baseadas
no grau de especificidade de dieta de
vrios grupos de insetos herbvoros
(Erwin, 1982; May, 1990; Odegaard et
al., 2000; Novotny et al., 2002). Apesar
da discusso sobre a amplitude de dietas
de insetos herbvoros estar presente em
vrios trabalhos de diferentes
pesquisadores, ainda bastante difcil a
comparao entre ecossistemas. Em
muitos desses trabalhos as coletas
basearam-se em um grupo taxonmico
especfico ou em conjuntos de herbvoros
que atacam determinadas espcies ou
famlias de plantas. Estas metodologias
so efetivas, mas a extrapolao dos
resultados para determinados locais deve
ser vista com cuidado, principalmente
nos ambientes de alta riqueza da flora,
como o caso do Cerrado. Algumas
espcies de plantas so atacadas
preponderantemente por herbvoros
generalistas enquanto outras apresentam
uma predominncia de herbvoros
especialistas (Barone, 1998).
Em geral, as informaes sobre dieta
de lagartas so restritas a poucas
espcies ou gneros de Lepidoptera,
envolvendo grupos taxonmicos bem
conhecidos. Isso se deve aos problemas
inerentes a qualquer grupo com grande
riqueza de espcies, que incluem
taxonomia no resolvida, grande nmero
de espcies no descritas e desconhe-
cimento da grande maioria dos estgios
imaturos. Uma exceo o trabalho
extenso de Janzen (1988, 1993) que
estimou que cerca de 50% das espcies
de lagartas da floresta seca no Parque
Nacional de Santa Rosa (Costa Rica)
esto restritas a uma nica espcie de
planta (monfagas) e as que se
alimentam de vrias famlias de plantas
(polfagas) so bastante raras. Nas outras
lagartas, a amplitude de dieta se restringe
a espcies dentro de uma mesma famlia
de planta (oligfagas). A idia de que as
lagartas apresentam uma amplitude de
dieta bastante estreita nos trpicos foi
evidenciada para algumas espcies de
borboletas de Ithomiinae e Heliconius
(Nymphalidae) que se alimentam
basicamente de uma a trs espcies
dentro de uma famlia de planta (Benson,
1978; Brown, 1987). Marquis (1991)
mostrou que 71% dos geometrdeos que
atacam as espcies de Piper (Piperaceae)
na floresta mida de La Selva (Costa
Rica) esto restritas a uma ou duas
espcies de plantas desse gnero. Alguns
estudos comparativos entre regies
temperadas e tropicais tambm sugerem
que os insetos herbvoros devem
apresentar uma dieta mais restrita nos
trpicos, (Marquis & Bracker 1994)
enquanto outros sugerem exatamente o
contrrio (Beaver, 1979; Wood &
Olmstead 1984; Novotny et al., 2002).
Barone (1998) argumenta que nas
florestas tropicais, grupos como as
mariposas que apresentam boas
habilidades dispersoras tendem a
apresentar dietas mais restritas. Mas o
que acontece no Cerrado? Lagartas so
dominadas por espcies com maior ou
menor especificidade de dieta? Qual a
relao entre a amplitude de dieta e as
espcies de lagartas comuns e raras nas
plantas? Para responder essas questes
as autoras iniciaram um programa de
levantamento de lagartas em plantas do
cerrado no incio dos anos 1990 e que
continua at o momento. Nesse captulo
apresentamos um resumo dos resultados
gerais obtidos sobre a composio dessa
fauna e o grau de especificidade da dieta
de lagartas de lepidpteros associadas a
plantas hospedeiras do cerrado no
Distrito Federal.
METODOLOGIA
Os dados que apresentamos nesse
captulo foram obtidos a partir da coleta
309
Dieta de Lagartas
de lagartas folvoras externas, durante
dez anos, em plantas hospedeiras no
cerrado sentido restrito da Fazenda gua
Limpa (FAL) da Universidade de Braslia,
no Distrito Federal. Maiores detalhes
sobre a vegetao da FAL e sobre a forma
e intensidade de coleta esto disponveis
em Ratter (1986), Diniz & Morais (1997)
e Diniz et al. (1999). Uma lista de
espcies e suas plantas hospedeiras
apresentada em Diniz et al. (2001). Todas
as lagartas foram coletadas e criadas em
laboratrio para a obteno de adultos,
utilizando como alimento as folhas das
plantas em que foram encontradas. Neste
captulo no foram includas informaes
sobre dieta disponveis na literatura ou
dados referentes s coletas qualitativas
realizadas pelas autoras ao longo dos
anos.
Foram realizadas coletas quantita-
tivas, em 63 espcies de plantas, com a
vistoria semanal de 15 indivduos de
cada espcie, durante pelo menos um
ano, perfazendo uma amostra de cerca
de 700 indivduos por planta hospedeira.
Aqui so apresentadas apenas as
informaes sobre os adultos obtidos nas
criaes em laboratrio. As plantas
hospedeiras foram constitudas
basicamente por dicotiledneas, com a
incluso de algumas espcies de
palmeiras (Arecaceae) e de Vellozia
(Velloziaceae), e foram identificadas com
a colaborao de Tarciso Filgueiras
(IBGE) e de professores e tcnicos do
Herbrio da Universidade de Braslia.
A maioria das identificaes dos
lepidpteros foi feita por Vitor O. Becker
(Braslia, DF) e Keith S. Brown Jr.
(Campinas, SP), com a colaborao de
Olaf H. H. Mielke (Curitiba, PR) e Klaus
Zattler (Alemanha). Todos os espcimes
obtidos esto depositados na Coleo
Entomolgica do Departamento de
Zoologia da Universidade de Braslia.
RESULTADOS E DISCUSSO
Caractersticas da fauna de
lagartas
Apesar da alta concentrao de
informaes sobre Lepidoptera no
cerrado do Distrito Federal, a taxonomia,
a biologia e o conhecimento sobre as
plantas hospedeiras ainda so muito
precrios. Das espcies de lagartas
coletadas e criadas no laboratrio,
somente 43% esto identificadas com
nome especfico at o momento. A
maioria delas foi descrita nos sculos 18
e 19 (63%) e na primeira metade do
sculo 20 (31%). Grande parte possui
como local tipo outros biomas das
Amricas do Sul e Central, indicando
uma ampla distribuio geogrfica e a
possibilidade de uma grande variao na
dieta entre locais. Esse quadro similar
ao mostrado por Janzen (1988) para o
Parque Nacional de Santa Rosa, na Costa
Rica.
Quinze espcies foram descritas
aps 1950 e nove delas possuem como
local tipo reas na regio dos Cerrados
brasileiros (Tabela 1). Nesta fauna esto
representadas seis espcies reconheci-
damente novas e dois gneros novos (V.
O. Becker, com. pes.) (Tabela 2). Alguns
grupos, como Gelechioidea, so pouco
conhecidos e apresentam srios
problemas taxonmicos. Em Elachis-
tidae, 49 espcies esto denominadas
pelo gnero e sete pela subfamlia. Em
Gelechiidae, 24 esto em gnero e 30 em
famlia, enquanto o gnero Inga
(Oecophoridae) possui nove espcies
sem o binmio. Outros grupos ainda
exigem um grande esforo de
identificao como em Geometridae em
que oito espcies esto denominadas
pelo gnero e 11 pela famlia. Estes
resultados reforam a necessidade de um
grande investimento em trabalhos de
taxonomia. O nome de uma espcie e o
310
Diniz & Moraes
respectivo material depositado em
coleo representam a linguagem bsica
de comunicao entre pesquisadores da
rea biolgica. Apesar da possibilidade
de utilizao de vrios tipos de anlises
com o uso de morfoespcies, no
possvel, por exemplo, a troca de
informaes sobre a dieta de insetos
herbvoros, ou sobre a distribuio
geogrfica das espcies, sem o binmio
correto.
Foi obtido um total de 486 espcies
de lagartas folvoras de 38 famlias de
Lepidoptera em 63 espcies de 30
famlias de plantas. As famlias de
mariposas com maior nmero de
espcies foram Elachistidae, Gelechiidae
e Pyralidae, esses microlepidpteros
representam 39% das espcies, enquanto
as borboletas esto melhores
representadas pelos Hesperiidae e
Riodinidae. Entretanto, 12 famlias esto
representadas por apenas uma ou duas
espcies (Tabela 3).
As 486 espcies obtidas a partir da
criao de lagartas em laboratrio
representam menos de 5% do nmero
de espcies de lepidpteros estimado
para a regio do cerrado brasileiro a
partir da coleta de adultos com o uso de
armadilhas luminosas (V. O. Becker,
com. pes.; Diniz & Morais, 1997).
No laboratrio houve emergncia de
4.238 adultos de 38 famlias de
Lepidoptera. O nmero de adultos por
famlia variou de trs (Acrolepiidae,
Aididae e Gracillariidae) a 934 (38%) em
Tabela 1. Exemplos de espcies de Lepidoptera com local tipo na regio dos
Cerrados brasileiros (Heppner, 1984, 1995; Thny, 1997)
Tabela 2. Exemplos de espcies e gneros reconhecidamente novos na fauna
de lagartas folvoras considerada neste trabalho (V. O. Becker, com.
pes.) e suas plantas hospedeiras.
311
Dieta de Lagartas
Tabela 3. Famlias de Lepidoptera com o nmero total de espcies, espcies
representadas por apenas um adulto, espcies raras (2 a 10
adultos), espcies comuns (mais de 10 adultos) e o nmero de
espcies polfagas entre as raras e as comuns.
311
Dietas de Lagartas
312
Diniz & Moraes
Elachistidae e, no geral, cada espcie est
representada em mdia por sete
indivduos, contudo essa mdia pode
atingir 21 adultos como, por exemplo,
nas espcies de Oecophoridae. Por outro
lado, para 184 espcies de lagartas de
28 famlias foi obtido apenas um adulto
nas criaes de laboratrio (Tabela 3).
Algumas famlias com um nmero alto
de espcies como Noctuidae e
Notodontidae (Tabela 3) esto
representadas, relativamente, por poucos
indivduos (55 e 42 respectivamente) e,
apenas 10 famlias esto representadas
por mais de 100 indivduos. Nesse tipo
de banco de dados, o nmero de adultos
obtidos pode estar relacionado
abundncia ou raridade inerentes ao
grupo ou pode estar sendo afetado por
problemas metodolgicos. Alguns
grupos so difceis de criar em
laboratrio, como o caso de Pycnotema
sp. (Zygaenidae), cujas lagartas so
gregrias, com grupos de mais de 50
indivduos, especialistas em Davilla
elliptica (Dilleniaceae) (Righetti, 1992),
e apesar da abundncia no campo, essa
espcie est representada por apenas
dois adultos na coleo. O sucesso de
criao tambm afetado pela presena
de parasitides em lagartas coletadas no
campo. Por exemplo, Eunica bechina
(Nymphalidae) e Isognathus caricae
(Sphingidae) foram fortemente
parasitadas por dpteros em diferentes
anos (1992 e 1997) e Stenoma cathosiota
(Elachistidae) por himenpteros em
1997. Apesar desses problemas a
indicao de baixa abundncia de
indivduos confirmada por dados de
morfoespcies (Price et al., 1995) e por
estudos populacionais de lagartas
(Morais et al., 1996; Bendicho-Lpez,
2000).
DIETA DAS LAGARTAS
Os estudos sobre dieta de lagartas
no cerrado esbarram em problemas que
envolvem desde o nmero de espcies
de plantas da amostra, falta de
conhecimento da biologia dos imaturos
at identificao das espcies dos
lepidpteros. Aqui os resultados sobre
dieta se baseiam naquelas espcies que
foram representadas por pelo menos dois
adultos (n=302).
Cerca de 47% das espcies de
lagartas folvoras foram encontradas em
apenas uma espcie de planta
(monfagas), enquanto 20% so
oligfagas ocorrendo em apenas uma
famlia de planta e 33% so polfagas
(Figura 1). A alta proporo de espcies
monfagas no cerrado (47%)
Figura 1
Porcentagem de
espcies de Lepi-
doptera (n = 302)
monfagas (uma
espcie de planta),
oligfagas (um
gnero ou uma
famlia) e polfagas
(mais de uma
famlia) no cerrado
do Distrito Federal.
313
Dieta de Lagartas
semelhante encontrada por Janzen
(1988) para lagartas da floresta seca de
Costa Rica (50%). No estudo de Janzen
a proporo de espcies oligfagas
maior do que a de polfagas enquanto
no cerrado as polfagas ocorrem em
maior proporo. A baixa oligofagia
encontrada deve-se, parcialmente, ao
conjunto de plantas amostradas e,
principalmente, s prprias caracte-
rsticas da flora local de cerrado. Por
exemplo, em relao a gneros foram
amostradas duas espcies de Eremanthus
(Asteraceae), trs espcies de Byrsonima
(Malpighiaceae), de Miconia (Melasto-
mataceae) e de Qualea (Vochysiaceae),
e quatro espcies de Erythroxylum
(Erythroxylaceae), enquanto para
Ouratea (Ochnaceae) apenas uma
espcie ocorre em abundncia na rea
de estudos e, ainda, famlias como
Caryocaraceae, Proteaceae e Styracaceae
esto representadas por uma nica
espcie na rea.
Cerca de um tero das espcies (100
spp.) polfaga e essa proporo
bastante varivel entre as diferentes
famlias de Lepidoptera. Considerando
as famlias representadas por mais de
10 espcies, encontramos uma proporo
de espcies polfagas que varia de 75%
em Saturniidae a 16% em Pyralidae
(Tabela 3; Figura 2).
O nmero de adultos emergidos no
laboratrio foi utilizado como indicativo
da abundncia e, nesse caso, obtivemos
210 espcies raras (de dois a 10
indivduos) e 92 comuns (mais de 10
indivduos). Entre as espcies raras
29,5% so polfagas e entre as mais
comuns 41,3% (Tabela 3). Esse resultado
mostra que h uma alta proporo de
monfagas e oligfagas (>50%) tanto
entre as espcies raras como entre
aquelas comuns.
Das sete espcies com mais de 100
indivduos quatro so polfagas -
Compsolechia sp. (Gelechiidae), Fregela
semiluna (Arctiidae), Inga phaeocrossa
(Oecophoridae), Pococera sp. (Pyralidae)
- uma oligfaga ocorrendo em um
gnero de planta hospedeira - Cerconota
achatina (Elachistidae) - e duas so
monfagas - Argyrotaenia sp.
(Tortricidae) e um Epipaschiinae
(Pyralidae).
Um arctiideo, Fregela semiluna,
apresentou a maior amplitude de dieta
utilizando 33 espcies de plantas na FAL
(Diniz et al., 2000a) e outros exemplos
de lagartas generalistas so apresentados
na Tabela 4. Algumas delas chamam a
ateno do observador como Megalopyge
albicollis por ser uma lagarta grande com
longos pelos urticantes e Hylesia
schuessleri que so gregrias, com
grupos de mais de 150 indivduos, e uma
biologia similar descrita para H. lineata
na Costa Rica (Janzen, 1984). Vrias
espcies apresentam especificidade de
dieta e so relativamente comuns em
suas plantas hospedeiras (Tabela 5).
Algumas espcies consomem apenas um
gnero de planta como o caso de
Cerconota achatina e Gonioterma
indecora em espcies de Byrsonima
(Andrade et al., 1995; Diniz et al.,
2000b), Stenoma muscula em espcies
de Qualea, Cyclomia mopsaria e Eloria
subapicalis em espcies de Erythro-
xylum.
Conforme j mencionado, a fauna
de lagartas nas plantas do cerrado
caracterizada pela baixa freqncia de
indivduos (Price et al., 1995; Marquis
et al., 2002). Essa caracterstica pode
levar a uma superestimativa dos
especialistas e, provavelmente, isso est
ocorrendo com os resultados apresen-
tados aqui. No entanto, aps dez anos
314
Diniz & Moraes
Tabela 4. Exemplos de lagartas polfagas em plantas do cerrado de Braslia
e suas amplitudes de dieta.
Tabela 5. Exemplos de lagartas comuns e monfagas e suas plantas
hospedeiras no cerrado da Fazenda gua Limpa, DF.
Figura 2
Porcentagem de
espcies polfagas
em diferentes
famlias de Lepi-
doptera, em
cerrado sensu
stricto do Distrito
Federal
315
Dieta de Lagartas
de experincia das autoras com
levantamentos e criao de lagartas, esse
parece ser um quadro bastante real para
o cerrado.
Nossos resultados mostram que o
cerrado apresenta uma proporo de
espcies de lagartas polfagas (33%), que
representa mais que o dobro da
encontrada por Barone (1998) para
herbvoros mastigadores (15%) nas
florestas midas do Panam e bem maior
do que a proporo encontrada por
Janzen (1988) nas florestas secas da
Costa Rica e, ainda, no corroboram o
argumento defendido por Novotny et al.
(2002), no trabalho com herbvoros na
floresta de Nova Guin, da ocorrncia
de uma alta oligofagia nos ambientes
tropicais. Mostram ainda, como
esperado, que essa uma fauna pouco
conhecida com vrias espcies descritas
em um passado recente e, muitas outras,
incluindo, tambm, gneros ainda no
descritos, exigindo um considervel
esforo de trabalho taxonmico.
CONSIDERAES FINAIS
As maiores dificuldades nas anlises
do grau de especificidade de dieta nos
diferentes grupos de mariposas so
devidas escassez de informaes sobre
suas plantas hospedeiras. Por exemplo,
para as mais de 30 mil espcies de
Geometridae listadas para o mundo
menos de 5% tm referncia sobre
plantas hospedeiras (Scoble, 1999). Entre
os Gelechioidea somente uma pequena
frao das lagartas conhecida e a
polifagia nesse grupo deve ser mais
comum do que os dados fragmentados
indicam (Powell et al., 1999). Mesmo
para borboletas, bem melhor estudadas
que as mariposas, o desconhecimento
de estgios imaturos e de suas plantas
hospedeiras muito grande (DeVries,
1997). A obteno de informaes sobre
plantas hospedeiras de mariposas no
Distrito Federal foi iniciada pelo Dr. Vitor
O. Becker e os resultados apresentados
aqui representam o primeiro e nico
grande esforo de obteno de
informaes sobre amplitude de dieta
desses insetos no cerrado brasileiro.
Um outro ponto importante nas
informaes sobre amplitude de dieta de
insetos herbvoros a extenso da rea
geogrfica e a variao de habitats em
que as informaes so obtidas.
Claramente uma espcie pode ser
polfaga quando considerada toda a sua
distribuio geogrfica e ter dieta restrita
localmente. Os resultados apresentados
aqui foram obtidos somente em reas de
cerrado tpico no Distrito Federal e
informaes sobre outras fitofisionomias
e outros locais so necessrias para os
estudos dos padres e processos da
evoluo da dieta desses grupos de
lepidpteros no Cerrado.
Lagartas que se alimentam
internamente em tecidos vegetais (p.ex.,
minadores e brocadores) e as que
utilizam abrigos formados por folhas ou
outros materiais tendem a ter dieta mais
restrita que as lagartas expostas (Gaston
et al., 1992). Dados iniciais indicam uma
predominncia de lagartas que utilizam
abrigos no cerrado, provavelmente
relacionado maior dessecao durante
a estao seca, do que na mata de galeria
onde h predominncia de lagartas livres
(Becker, 1991; Andrade et al., 1994). Isso
resulta tanto em composies de espcies
distintas como em diferentes propores
de especialistas nestas comunidades. A
relao da amplitude de dieta com vrias
caractersticas das plantas e das lagartas,
assim como, a expanso geogrfica das
reas de estudo favorecer o progresso
dessa linha de pesquisa e, poder ainda
fornecer pistas sobre hospedeiros
alternativos de pragas de culturas nos
ambientes naturais, melhorando o
entendimento sobre a dinmica e o
controle dessas populaes nos
agroecossistemas.
AGRADECIMENTOS
Aos estudantes que participaram
do Projeto Herbvoros e herbivoria no
cerrado coletando e criando lagartas.
FINATEC, ao CNPq (Proc. 520351/97-
5), UnB e ao PIBIC/CNPq/UnB que ao
longo dos ltimos anos vem financiando
esse estudo por meio de auxlio-pesquisa
e bolsas de estudo. Aos revisores
annimos cujos comentrios colabora-
ram para uma maior clareza do texto.
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319
Solos e paisagem
Captulo 19 Captulo 19
Captulo 19 Captulo 19 Captulo 19
Padres de
diversidade e
endemismo de
trmitas no
bioma Cerrado
Captulo 19 Captulo 19
Captulo 19 Captulo 19 Captulo 19
Padres de
diversidade e
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Reginaldo Constantino
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Reginaldo Constantino
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
320
Diniz & Moraes
Dieta de Lagartas
321
INTRODUO
Os cupins so insetos sociais da
ordem Isoptera, que contm cerca de
2.800 espcies conhecidas no mundo.
Mais conhecidos por sua importncia
econmica como pragas de madeira e de
outros materiais celulsicos, os cupins
so detritvoros e formam um dos grupos
dominantes na fauna de solo de
ecossistemas tropicais, exercendo um
papel importante nos processos de
ciclagem de nutrientes e formao de solo
(Eggleton et al., 1996). Devido sua
capacidade incomum de digerir celulose,
eles direcionam para si uma proporo
considervel do fluxo de energia,
atingindo biomassa elevada e ao mesmo
tempo servindo de alimento para um
grande nmero de organismos (Wood &
Sands, 1978). Ao abrir tneis e construir
seus ninhos, os cupins arejam e
melhoram a estrutura do solo, alm de
movimentar verticalmente grande
quantidade de partculas. Os termiteiros
servem de abrigo a uma fauna diversa,
incluindo artrpodes, vertebrados e
outros grupos. Os ninhos velhos e
abandonados servem de substrato para
o desenvolvimento de vrias de plantas.
Devido a esse poder de modificar a
estrutura do habitat, os cupins podem
ser includos entre os engenheiros do
ecossistema (Lawton, 1997),
organismos que afetam a disponibilidade
de recursos para outras espcies atravs
de mudanas fsicas em materiais
biticos ou abiticos. Isso significa que
a eliminao de algumas espcies de
cupins de um ecossistema em particular
causaria a perda de inmeras espcies
de outros organismos que dependem
destes insetos para sobreviver e se
reproduzir.
A maioria das espcies de cupins
vive nas regies tropicais e subtropicais,
com algumas poucas se estendendo at
latitudes mais elevadas, raramente alm
de 40
o
norte ou sul. Mais espcies de
cupins podem ser encontradas num
322
Constantino
nico hectare de floresta ou savana
tropicais do que em toda a Europa. Como
a maioria dos entomlogos vive na
Amrica do Norte e na Europa, o estudo
dos cupins tem sido tendencioso por se
concentrar nas poucas espcies comuns
nessas regies. A maioria das
generalizaes sobre a biologia de cupins
se baseia em estudos detalhados de
algumas poucas espcies norte-
americanas e europias pertencentes s
famlias Kalotermitidae, Rhinotermitidae
e Termopsidae. No entanto, a fauna
tropical dominada pela famlia
Termitidae, que foi muito menos
estudada.
A diversidade de cupins da regio
Neotropical, com 505 espcies,
ultrapassada apenas pelas regies
Etipica e Oriental (Constantino, 1998).
Entretanto, enquanto os cupins dessas
duas regies foram mais bem estudados,
a fauna de vastas reas da Neotrpica
permanece pouco conhecida. A fauna de
cupins da Colmbia, por exemplo,
praticamente desconhecida. O Brasil o
nico pas da Amrica Latina com
tradio no estudo dos cupins, e sua
fauna a mais bem conhecida da regio,
com cerca de 280 espcies registradas.
At o final do sculo 19, o
conhecimento sobre os cupins neotro-
picais se limitava a informaes
fragmentadas coletadas por naturalistas
europeus. As pesquisas termitolgicas
neotropicais se aceleraram durante a
primeira metade do sculo 20 como
resultado do trabalho desenvolvido por
entomlogos europeus e norte-
americanos. O brasileiro R.L. Araujo
realizou importantes estudos sobre a
termitofauna brasileira, de 1950 at sua
morte prematura, em 1978; sua obra
mais importante foi o Catlogo dos
Isoptera do Novo Mundo (Araujo, 1977).
Nas ltimas duas dcadas do sculo 20,
o nmero de termitlogos nativos da
regio aumentou bastante, principal-
mente no Brasil, e o conhecimento sobre
esse importante grupo de insetos tem
avanado mais rapidamente. Um dos
maiores obstculos para o desenvol-
vimento da termitologia neotropical tem
sido a falta de informaes taxonmicas.
Poucos grupos foram adequadamente
revisados e existem poucos especialistas,
dificultando o trabalho de identificao.
Isso tem resultado em muitos trabalhos
com identificaes incorretas ou
incompletas, o que impede a acumulao
ordenada de informaes e a comparao
de resultados de trabalhos diferentes.
CUPINS DO CERRADO
Os cupins formam um componente
dominante e conspcuo da fauna do
Cerrado, atingindo densidades impres-
sionantes em algumas reas. Alguns
deles, como Cornitermes cumulans,
podem ser considerados espcies-chave
(keystone species) devido a sua grande
abundncia e impacto sobre o ambiente
(Redford, 1984). Essa fauna comeou a
ser conhecida no incio do sculo 20,
quando o entomlogo italiano Filipo
Silvestri estudou os cupins em algumas
partes de Mato Grosso (Silvestri, 1903)
e descreveu algumas das espcies mais
comuns dessa regio, como Armitermes
euamignathus, Constrictotermes
cyphergaster, Embiratermes festivellus e
Velocitermes heteropterus. Nas dcadas
de 1950 a 1970, Renato L. Araujo realizou
levantamentos principalmente nos
cerrados de Minas Gerais e So Paulo
(Araujo, 1958a; Araujo, 1958b) e
organizou a importante coleo de
Isoptera do Museu de Zoologia da USP,
que serviu de base para muitos trabalhos
taxonmicos realizados por ele e outros
autores. O trabalho realizado por
Mathews (1977) na Serra do Roncador
foi o primeiro a incluir informaes
323
Diversidade e endemismo de trmitas
ecolgicas e taxonmicas mais
detalhadas da fauna do Cerrado. A obra
de Mathews tem sido usada como
referncia para a termitofauna do
Cerrado, embora limite-se a uma
pequena rea de Mato Grosso na
transio para a Amaznia, e inclua
muitas espcies de distribuio
amaznica (que tm sido erroneamente
includas na fauna do Cerrado). Coles
(1980) e Coles de Negret & Redford
(1982) acrescentaram novos dados sobre
a biologia e ecologia dos cupins do
Cerrado, infelizmente sem um
tratamento taxonmico adequado. Coles
(1980) registrou 60 espcies para o
Distrito Federal, mas sua lista contm
muitas identificaes incorretas.
Domingos et al. (1986) encontraram 47
espcies de cupins num levantamento
exaustivo de uma rea de 5.000m de
cerrado em Sete Lagoas, MG.
Constantino & Schlemmermeyer (2000)
estudaram a fauna de cupins da regio
do Manso, MT, onde foram registradas
76 espcies, 64 das quais em cerrado
propriamente. Alm disso, existem
vrios estudos mais especficos sobre a
biologia de algumas espcies (Brando,
1991; Domingos, 1985; Domingos &
Gontijo, 1996; Godinho et al., 1989) e
estudos de faunas locais e
comunidades (Brando & Souza, 1998;
Gontijo & Domingos, 1991; Lacher et al.,
1986).
INVENTRIOS DISPONVEIS
Os cupins do Cerrado so ainda
muito mal inventariados e as
informaes existentes concentram-se
em algumas poucas localidades. O grau
de conhecimento da taxonomia dos
cupins do Cerrado pode ser ilustrado
com o exemplo do rpido inventrio
realizado h alguns anos em Serra da
Mesa, Gois, onde este autor registrou
46 espcies. Entre essas, seis eram novas,
12 no puderam ser identificadas e
quatro eram registros novos para o
Cerrado. Dentre as espcies identi-
ficadas, vrias eram previamente
conhecidas apenas da respectiva
localidade-tipo. A fauna das matas da
regio do Cerrado pouco conhecida,
mas sabe-se que contm elementos da
Mata Atlntica e da Amaznia e
aparentemente poucos endmicos.
O mapa da Figura 1 mostra a
distribuio do esforo amostral com
base em dados publicados e das colees
da Universidade de Braslia e do Museu
Paraense Emlio Goeldi (MPEG). As reas
melhor amostradas so: Serra do
Roncador (Mathews, 1977), Distrito
Federal (Coles, 1980, Constantino, dados
no publicados), Cuiab (Silvestri,
1903), Manso, MT (Constantino &
Schlemmermeyer, 2000), Sete Lagoas,
MG (Domingos et al., 1986). Inventrios
disponveis em colees incluem Serra
da Mesa, GO, e Paracatu, MG (coleo
UnB, Constantino, dados no
publicados). Existem tambm dados
esparsos de vrias localidades de Minas
Gerais (Araujo, 1958b) e de So Paulo
(Araujo, 1958a). Em relao a Savanas
Amaznicas, vrias delas com fauna
semelhante do Cerrado, existem
inventrios de Humait, AM, e Amap
(coleo MPEG, Constantino, dados no
publicados), de Vilhena e Pimenta-
Bueno, RO (coleo UnB, Constantino,
dados no publicados), e dados esparsos
de outras localidades.
A Figura 1 mostra claramente que
existem vastas reas com fauna
desconhecida ou pouco conhecida.
Mesmo na rea melhor amostrada, o
Distrito Federal, a amostragem se
concentra em poucos pontos e novos
registros tm sido feitos com freqncia.
A lista original de Coles (1980) continha
60 espcies, incluindo tambm as de
324
Constantino
mata. Nos ltimos quatro anos foram
acrescentadas cerca de 20 espcies,
incluindo as de mata e da rea urbana.
tambm surpreendente que a fauna dos
cerrados do Estado de So Paulo seja
pouco amostrada. Os dados publicados
limitam-se a registros isolados em
algumas poucas localidades. Os cerrados
de Tocantins, Maranho, Piau e Bahia
so praticamente desconhecidos, assim
como os do Mato Grosso do Sul
(incluindo o Pantanal) e Paran.
COMPOSIO E CARACTERSTICAS
DA FAUNA DE CUPINS DO
CERRADO
As espcies registradas na regio do
Cerrado, em vegetaes abertas, isto ,
excluindo as matas, esto listadas na
Tabela 1. So pelo menos 139 espcies,
mas como os Anoplotermes spp. esto
agrupados, a lista real deve conter pelo
menos 150 espcies. Algumas delas,
marcadas com asterisco na lista, so
mais tpicas de matas e ocorrem
ocasionalmente em cerrados mais
densos.
Devido a limitaes taxonmicas,
impossvel apresentar uma lista acurada.
A taxonomia das espcies neotropicais
da subfamlia Apicotermitinae catica
e as listas de espcies publicadas contm
apenas morfoespcies tentativas. Os
Apicotermitinae so cupins sem
soldados, abundantes na fauna de solo.
Devido aos inventrios limitados e aos
problemas taxonmicos tambm difcil
ter certeza de quais espcies so
realmente endmicas do Cerrado e sua
associao com os vrios tipos de
habitats. De modo geral, poucas espcies
vivem bem tanto em floresta como em
reas abertas. Ou seja, existe uma fauna
tpica de savanas e outra tpica de matas.
Figura 1
Distribuio do
esforo de
inventrio de cupins
no Cerrado e
algumas savanas
amaznicas. A rea
dos crculos
proporcional ao
esforo amostral em
cada rea (nmero
de amostras).
Baseado em
inventrios
publicados e nos
catlogos das
colees da UnB e
do Museu Paraense
Emlio Goeldi.
Pontos com menos
de 50 amostras
foram omitidos e
pontos prximos
foram agrupados.
325
Diversidade e endemismo de trmitas
Tabela 1. Trmitas registrados em vegetao de cerrado e fauna conhecida de algumas regies
ou localidades. Fontes: Serra do Roncador: Mathews (1977); Manso: Constantino &
Schlemmermeyer (2000); Braslia: Coles (1980) e dados inditos do autor; Sete Lagoas:
Domingos et al. (1986); So Paulo: Araujo (1958) e dados inditos do autor; Vilhena e
Paracatu: dados inditos do autor.
325
Diversidade e endemismo de trmitas
326
Constantino
326
Constantino
Tabela 1 (continuao)
327
Diversidade e endemismo de trmitas
A Figura 2 apresenta a composio
taxonmica das faunas de cinco locais
bem amostrados de cerrado. Fica
evidente a grande dominncia da
subfamlia Nasutitermitinae, que
corresponde a mais da metade das
espcies. Da lista toda, eles
correspondem a cerca de 60%. Esse
grupo dominante tambm em termos
de abundncia e quase todos os
termiteiros epgeos e arborcolas em
cerrado so construdos por
Nasutitermitinae. Essa dominncia
tpica da fauna Neotropical, mas um
pouco mais acentuada no Cerrado. Por
outro lado, a famlia Kalotermitidae
pouco representada, com apenas
algumas poucas espcies registradas
* Espcies que ocorrem predominantemente em florestas e apenas ocasionalmente em cerrados.
(1) Espcies em negrito so aparentemente endmicas do Cerrado e algumas Savanas Amaznicas.
(2) O gnero Aparatermes foi descrito aps a publicao das listas de Roncador e Sete Lagoas; anteriormente essas espcies eram includas em
Anoplotermes.
(3) O nmero de espcies corresponde ao total registrado na localidade e pode incluir espcies indeterminadas no listadas nesta tabela. Esse
nmero maior do que o total de espcies marcadas com X.
(4) O nmero de amostras indicado aproximado e serve como medida do esforo amostral.
Tabela 1 (continuao)
328
Constantino
ocasionalmente. Devido aos hbitos
extremamente crpticos dos Kaloter-
mitinae, que vivem em pequenas
colnias em madeira dura, certo que
sua presena subestimada. Por outro
lado, eles no devem ser abundantes de
fato no Cerrado, j que a quantidade de
madeira disponvel muito menor que
em florestas. A famlia Rhinotermitidae,
apesar de representada por poucas
espcies, contm algumas de ampla
distribuio e extremamente abundantes,
especialmente os Heterotermes spp.
Os cupins do Cerrado podem ser
divididos em quatro grupos funcionais:
xilfagos, humvoros, comedores de
folhas da serapilheira (litter) e
intermedirios (espcies que no se
enquadram claramente em nenhum dos
outros grupos). No existe consenso
sobre essa classificao e sobre quais
espcies devem ser includas em cada
grupo. A Figura 3 mostra a proporo
dessas guildas alimentares nas faunas de
cinco locais. Fica claro que o grupo mais
diversificado o dos humvoros. A
proporo de espcies de humvoros
provavelmente est subestimada devido
a limitaes taxonmicas, j que os
Apicotermitinae so quase todos desse
grupo. Uma reviso mais cuidadosa
certamente aumentaria a proporo de
humvoros ao revelar a diversidade real
Figura 2
Composio
taxonmica da
fauna de cupins de
cinco reas de
cerrado. Fontes:
ver Tabela 1.
Figura 3
Composio de
grupos funcionais
na fauna de cupins
de cinco reas de
cerrado. Fontes:
ver Tabela 1.
329
Diversidade e endemismo de trmitas
de Apicotermitinae, como no estudo da
fauna de Paracatu. Outra caracterstica
importante da fauna do Cerrado a
abundncia e diversidade de comedores
de folhas. Alguns desses forrageiam em
grande nmero na superfcie durante a
noite, comendo ou recolhendo pedaos
de folhas mortas. Todos os Syntermes,
Velocitermes, Rhynchotermes e
Ruptitermes esto includos nesse grupo.
As principais diferenas da termitofauna
de cerrado em relao de florestas so:
a) menor proporo de xilfagos; b)
maior proporo de comedores de folhas
da serapilheira.
No existe nenhuma estimativa da
biomassa de cupins no Cerrado. As
dificuldades prticas so muito grandes,
j que muitos deles vivem dentro de
madeira dura ou em tneis difusos no
solo. O fato de viverem em colnias mais
ou menos discretas implica numa
distribuio altamente agregada no
ambiente, o que resulta em grande
varincia em qualquer tipo de
amostragem. Alm disso, a distribuio
dos ninhos de vrias espcies tambm
claramente agregada, com altas
densidades em algumas reas e baixa
densidade ou ausncia em outras. Ou
seja, para cada espcie existe uma
variao muito grande na abundncia
local, o que dificulta ainda mais qualquer
estimativa de biomassa mdia nos
cerrados. No se sabe se isso se aplica
tambm s espcies subterrneas. De
qualquer modo, evidente que os cupins
esto entre os animais mais abundantes
no Cerrado e, provavelmente, alcanam
biomassa maior que todos os
vertebrados somados. As estimativas de
densidade de termiteiros em cerrado
sensu stricto esto entre 564.ha
-1
(Coles,
1980) e 972.ha
-1
(Domingos et al., 1986)
e o de colnias entre 1.296.ha
-1
(Coles,
1980) e 1.804.ha
-1
(Domingos et al.,
1986). Esses nmeros so certamente
subestimativas considerando-se a
dificuldade em encontrar as colnias da
maioria das espcies. Com base nessas
estimativas e supondo um pequeno peso
mdio (hipottico) de 10g por colnia, a
biomassa total estaria em torno de
15kg.ha
-1
. A biomassa real deve, portanto
ser maior que isso. Como referncia para
comparao, as estimativas para florestas
da Amaznia esto em torno de 20kg.
ha
-1
(Martius, 1994).
Em termos de hbitos de
nidificao, apenas cerca de 20% das
espcies da Tabela 1 constroem ninho
epgeo ou arborcola. O restante ocorre
no solo, em madeira ou em ninhos de
outras espcies. extremamente comum
a ocupao do mesmo termiteiro por
vrias espcies. Geralmente uma espcie
constri e outras, os chamados
inquilinos, invadem gradativamente
partes diferentes do ninho, modificando
sua estrutura. As galerias so mantidas
separadas e no existe interao direta
entre diferentes espcies. Alguns casos
de inquilinismo so bem especficos,
como os Inquilinitermes, que vivem
exclusivamente em ninhos de
Constrictotermes. Os Inquilinitermes so
humvoros e se alimentam do material
fecal de Constrictotermes, acumulado na
base do ninho. Constrictotermes
cyphergaster o nico cupim arborcola
comum no Cerrado. Seus ninhos so bem
tpicos e atingem alta densidade em
algumas reas. Os ninhos epgeos mais
conspcuos so os de Cornitermes, que
podem tambm atingir altas densidades,
principalmente em reas de vegetao
mais aberta.
PADRES DE DISTRIBUIO
GEOGRFICA, ENDEMISMO E
DIVERSIDADE
Devido s limitaes dos dados
disponveis, possvel apenas
reconhecer, tentativamente, padres
muito gerais. A definio melhor dos
330
Constantino
padres de distribuio geogrfica,
endemismo e diversidade depende de
amostragem de reas pouco conhecidas
e, principalmente, de estudos
taxonmicos. A diversidade local em
reas de cerrado est em torno de 40-60
espcies. Coles (1980) registrou 37
espcies em um quadrado de cerrado
sensu stricto de 50 x 50m em Braslia,
enquanto Domingos et al. (1986)
encontraram 47 espcies num quadrado
similar em Sete Lagoas, MG. A
comparao dos dados dos estudos
disponveis dificultada pela ausncia
de padronizao de protocolos de
amostragem. Aparentemente os cerrados
de So Paulo apresentam diversidade
mais baixa, o que esperado devido
latitude e ao conseqente clima mais frio,
especialmente a ocorrncia de geadas,
que aparentemente restringe a
distribuio de alguns gneros e
espcies.
A determinao de padres de
distribuio geogrfica e endemismos
esbarra tanto no problema de
amostragem como da falta de estudos
taxonmicos. Muitas espcies so ainda
conhecidas apenas da localidade-tipo ou
de algumas poucas localidades. Os
padres so mais claros para espcies
que constroem ninhos conspcuos e com
taxonomia revisada, como os
Cornitermes, e totalmente obscuros em
espcies altamente crpticas e com
taxonomia menos estudada, como os
Apicotermitinae e os Kalotermitidae. Das
espcies listadas na Tabela 1, cerca de
50% so endmicas do Cerrado, uma
proporo bastante alta. A proporo de
endemismo em aves no Cerrado, por
exemplo, muito mais baixa, em torno
de 3%. A Figura 4 mostra dois padres
comuns de distribuio geogrfica,
estabelecidos com base em grupos
melhor conhecidos. Algumas espcies,
Figura 4
Dois padres
comuns de
distribuio
geogrfica de
espcies de cupins
no Cerrado. Padro
A: Serritermes
serrifer, Cornitermes
silvestrii,
Cyranotermes
timuassu. Padro B:
Labiotermes
brevilabius,
Procornitermes
araujoi, Syntermes
wheeleri, S.
praecellens,
Cornitermes villosus,
Dihoplotermes
inusitatus. A
distribuio
aproximada,
podendo ser maior
ou menor para
algumas dessas
espcies.
331
Diversidade e endemismo de trmitas
como Serritermes serrifer, ocorrem em
boa parte do Cerrado e em algumas
savanas amaznicas (Figura 4, rea A),
mas tm um limite sul que corresponde
aproximadamente divisa entre Minas
Gerais e So Paulo. Vrias outras, como
Labiotermes brevilabius e Procornitermes
araujoi, ocorrem numa rea menor
(Figura 4, rea B), de So Paulo a Gois.
provvel tambm que existam dois
outros padres comuns. O primeiro
corresponderia poro noroeste,
incluindo parte de Gois at Rondnia,
onde ocorrem Spinitermes allognathus e
Spinitermes robustus. O segundo seria a
parte nordeste, em Tocantins, Maranho,
Piau e Bahia. A fauna dessa ltima rea
praticamente desconhecida, mas uma
espcie nova, Noirotitermes noiroti, foi
descoberta recentemente num cerrado do
Piau (Cancello & Myles, 2000).
As relaes da termitofauna do
Cerrado com a de outros biomas da
Amrica do Sul so ainda bastante
obscuras. O maior problema a falta de
informaes sobre os outros biomas de
vegetao aberta, como a Caatinga, o
Chaco e os Llanos da Venezuela.
Acredita-se que durante o Pleistoceno
todas essas reas estiveram interligadas.
Algumas espcies de cupins esto
distribudas por vrias dessas reas,
como Syntermes grandis. provvel a
ocorrncia de formas vicariantes entre
essas reas, mas ainda no existe
nenhum caso conhecido, possivelmente
devido falta de estudos taxonmicos.
A fauna da Caatinga foi amostrada por
Cancello (1996), que encontrou uma
grande proporo de espcies no
descritas. Os resultados detalhados do
estudo desse material ainda no foram
publicados e no possvel comparar
essa fauna com a do Cerrado. Um estudo
superficial de Martius et al. (1999) indica
que a fauna da Caatinga distinta da do
Cerrado, com baixa densidade de ninhos
e composio taxonmica diferente. A
fauna dos Llanos foi estudada muito
superficialmente e sabe-se apenas que
alguns gneros comuns no Cerrado,
como Armitermes, Velocitermes e
Nasutitermes, tambm so abundantes
l, mas as espcies no foram
identificadas (San Jose et al., 1989). No
existe nenhum inventrio da fauna do
Chaco, apenas registros isolados de
espcies. No entanto, os registros
existentes correspondem a vrias
espcies comuns no Cerrado, o que
sugere que existe alguma semelhana
entre essas faunas.
As faunas dos vrios tipos de mata
da regio do Cerrado so muito mal
conhecidas. Os poucos dados do Distrito
Federal e do Manso indicam que a fauna
das matas de galeria composta de
elementos da Amaznia e da Mata
Atlntica. At o momento, a nica
espcie aparentemente endmica de
matas dessa regio Angularitermes
tiguassu, conhecida apenas de uma mata
de Goinia. Como existem poucos
inventrios, possvel que exista uma
fauna endmica e desconhecida em
algumas matas na regio do Cerrado.
CONSIDERAES FINAIS
Devido sua capacidade
incomum de digerir celulose, os trmitas
so um grupo funcional dominante no
Cerrado, com grande impacto no fluxo
de energia, ciclagem de nutrientes e
formao do solo. Uma fauna
extremamente diversa depende dos
cupins para alimento ou abrigo. Por
outro lado, a converso de cerrados em
agrossistemas freqentemente leva a
desequilbrios que transformam algumas
espcies de trmitas em pragas agrcolas.
Vrios estudos mostraram que os cupins
so fortemente afetados pelas alteraes
332
Constantino
antrpicas (DeSouza & Brown, 1994;
Eggleton et al., 1996). O estudo de faunas
locais e sua dinmica importante para
o desenvolvimento de estratgias de
manejo que garantam os servios
positivos executados pelos cupins,
especialmente no solo, e ao mesmo
tempo evitem problemas com o
surgimento de pragas.
A determinao mais detalhada de
padres de distribuio geogrfica e
endemismo essencial para os esforos
de conservao da biota do Cerrado, e
deve ser baseada numa amostragem
balanceada de diversos grupos
funcionais e taxonmicos. Os cupins
esto entre os insetos mais bem
estudados do Cerrado. No porque a
termitofauna do Cerrado seja bem
conhecida, mas devido ausncia de
informaes sobre a maior parte da
entomofauna. Os padres observados na
megafauna, especialmente aves e
mamferos, que apresentam baixo
endemismo, claramente no se aplicam
a outros elementos da biota do Cerrado.
Os cupins constituem um grupo
adequado para estudos voltados
conservao devido aos seguintes
fatores: 1) riqueza de espcies tratvel,
entre 150 a 200 espcies no bioma
Cerrado; 2) taxonomia em situao
muito melhor que a da maioria dos
outros grupos de insetos; 3) alta
proporo de endmicos; 4) boa
fidelidade de habitat; 5) grande
abundncia e papel importante no
ecossistema; 6) facilidade de
amostragem atravs de protocolos
padronizados, independente de
sazonalidade, j que as colnias tm
longa durao (a maioria dos outros
insetos apresenta forte sazonalidade); 7)
so fortemente afetados pelas alteraes
antrpicas. Por outro lado, isso no
significa que os padres apresentados
pelos cupins possam ser extrapolados
para todos os invertebrados. Mas eles
representam um grupo funcional
importante devido socialidade, com
colnias de longa durao presentes no
ambiente em altas densidades, e ao seu
papel na cadeia detritvora.
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F
O
T
O
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A
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Rosana Tidon
Denise F. Leite
Luzitano B. Ferreira
Brbara F. D. Leo
Departamento de Gentica e Morfologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF.
Rosana Tidon
Denise F. Leite
Luzitano B. Ferreira
Brbara F. D. Leo
Departamento de Gentica e Morfologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF.
Captulo 20 Captulo 20
Captulo 20 Captulo 20 Captulo 20
Captulo 20 Captulo 20
Captulo 20 Captulo 20 Captulo 20
336
Constantino
Diversidade e endemismo de trmitas
337
INTRODUO
Os insetos so excelentes orga-
nismos para investigar questes
ecolgicas, tais como a proposio de
modelos que visem o desenvolvimento
sustentvel do planeta, em face das
acentuadas modificaes ambientais
causadas pelo homem (Lawton, 2001).
Drosofildeos, em particular, so
extremamente apropriados para explorar
tais questes, uma vez que so pequenos
e numerosos em termos de indivduos e
de espcies, amplamente distribudos,
sensveis a modificaes ambientais,
facilmente coletados, possuem ciclo de
vida curto e so facilmente manipulados
nos laboratrios. Devido a essas
caractersticas, esses insetos tm sido
intensivamente utilizados em pesquisas,
produzindo uma vasta literatura em
vrias reas da Biologia. Nenhum outro
modelo biolgico tem sido estudado com
tanta freqncia e em nveis to diversos
quanto as moscas do gnero Drosophila:
em 1900 j havia 358 citaes desse
gnero em trabalhos cientficos (Powell,
1997).
A famlia Drosophilidae possui
representantes em praticamente todas as
regies biogeogrficas, em diversos tipos
de ecossistemas. Algumas espcies so
endmicas de determinadas reas e
outras so cosmopolitas, sendo que
muitas desta ltima categoria
dispersaram-se pelo mundo devido sua
capacidade de associao ao homem.
So conhecidas mais de 2.800 espcies
de Drosophilidae, quase 60% delas
pertencentes ao gnero Drosophila.
Wheeler (1986) se refere a 1.595 espcies
desse gnero no Catalog of the World
Drosophilidae, e desde ento dezenas
de espcies novas foram registradas na
literatura, inclusive, no Brasil (Val &
Marques, 1996; Vilela & Bchli, 2000;
Tidon-Sklorz & Sene, 2001). Certamente,
a fauna das regies temperadas muito
melhor conhecida do que a das regies
tropicais, onde provavelmente existem
centenas de espcies ainda por descrever
(Wheeler, op. cit.).
Em geral, as moscas dessa famlia
so pequenas (cerca de 3mm) e apre-
sentam colorao amarela, marrom ou
preta, algumas vezes com padres
coloridos na parte dorsal do trax. As
asas geralmente so claras e o abdome
338
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
freqentemente possui faixas ou
manchas que podem estar presentes em
alguns ou em todos os tergitos (Wheeler,
1981). A maioria dos drosofildeos
alimenta-se de microorganismos,
principalmente leveduras, presentes em
fungos ou vegetais em decomposio.
Algumas espcies so restritas
ecologicamente, utilizando como stio de
reproduo somente uma espcie
hospedeira; outras so mais versteis,
podendo utilizar uma variada gama de
recursos em diferentes fungos e(ou)
plantas.
Embora os primeiros dados sobre
espcies brasileiras de Drosophila
tenham sido publicados por Duda em
1925, levantamentos mais sistemticos
foram realizados apenas a partir da
dcada de 1940 (Pavan & Cunha, 1947;
Dobzhansky & Pavan, 1943, 1950; Pavan,
1950, 1959; Mouro et al., 1965).
Posteriormente, com base nas infor-
maes dos trabalhos precedentes e de
um extensivo programa de coletas, Sene
et al. (1980) e Vilela et al. (1983)
discutiram a fauna drosofiliana dos
domnios morfoclimticos brasileiros,
visando conhecer a distribuio
geogrfica das espcies mais comuns. A
fauna de drosofildeos do Brasil Central,
entretanto, foi pouco amostrada nesses
trabalhos.
Nesse contexto, o objetivo do
presente trabalho foi o de listar as
espcies de drosofildeos atualmente
conhecidas no Cerrado, discutindo sua
ocorrncia na regio em termos
ecolgicos e biogeogrficos.
METODOLOGIA
A presente compilao foi elaborada
com base em dois tipos de fontes. A
primeira refere-se aos registros de
ocorrncia de drosofildeos publicados
na literatura, no perodo compreendido
entre 1950 e 2001. Nesse levantamento,
foram incorporadas apenas as
localidades includas no bioma Cerrado
sensu AbSaber (1977). reas com
vegetao de cerrado sensu stricto
situadas alm dos domnios desse bioma
no foram consideradas. Adicio-
nalmente, foram considerados dados de
coletas realizadas por ns, em diversas
localidades do Brasil Central, no perodo
compreendido entre 1997 e 2002. Nesta
categoria, incluem-se visitas mensais ao
Parque Nacional de Braslia (PNB: 15
o
40' S; 47
o
54W) e Reserva Ecolgica
do IBGE (RECOR: 15
o
56' S; 47
o
53' W)
durante um perodo de dois anos, em
ambientes urbanos da cidade de Braslia
durante um ano, alm de outras coletas
esparsas mencionadas oportunamente.
A captura de drosofildeos geral-
mente envolve o uso de iscas de frutas
fermentadas (em armadilhas ou
depositadas diretamente sobre o solo),
cujos microorganismos atraem essas
moscas. Os insetos atrados, coletados
com rede entomolgica, em geral so
levados vivos para o laboratrio, onde
so identificados sob lupa binocular
(Dobzhansky & Pavan, 1943; Pavan &
Cunha, 1947; Freire-Maia & Pavan, 1949;
Frota-Pessoa, 1954). Em alguns casos a
determinao das espcies feita
mediante a anlise da genitlia
masculina, cuja morfologia diagnstica
(Val, 1982; Vilela & Bachli, 1990; Vilela,
1992). Assim, importante ressaltar que
as espcies de Drosophilidae mencio-
nadas neste trabalho restringem-se
quelas atradas por iscas de frutas
fermentadas, no incluindo, portanto
espcies associadas a fungos, flores e
eventuais outros substratos.
ESPCIES DE DROSOFILDEOS
REGISTRADAS NO BIOMA CERRADO
A Tabela 1 lista as espcies cuja
ocorrncia j foi registrada no Cerrado.
339
Drosofildeos
Tabela 1. Relao das espcies de drosofildeos registradas no Bioma Cerrado
339
Drosofildeos
340
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
Aps o nome da espcie seguem as
referncias que a registram no bioma e
os tipos de ambientes onde foi feita a
captura (informao nem sempre
disponvel).
Foram identificados trs gneros de
Drosophilidae no bioma Cerrado.
Drosophila, o maior na Regio Neotro-
pical, contempla 75 das 77 espcies
listadas. Scaptodrosophila e Zaprionus
esto representados por apenas uma
espcie cada um.
Dentre as 77 espcies de
drosofildeos reconhecidas, 67 so
endmicas da Regio Neotropical e 10
nela introduzidas (D. ananassae, D.
busckii, D. hydei, D. immigrans, D.
kikkawai, D. malerkotliana, D.
melanogaster, D. simulans, Scapto-
drosophila latifasciaeformis e Zaprionus
indianus). Vrias dessas espcies so
sinantrpicas e colonizaram a rea aps
a chegada do homem, alterando a
composio da fauna drosofiliana da
regio. Espcies da fauna nativa so
encontradas em todas as fitofisionomias
do bioma, demonstrando o alto grau de
plasticidade adaptativa dessa famlia.
A seguir, so apresentadas algumas
informaes a respeito de cada uma das
espcies encontradas no Cerrado. Os
gneros e subgneros esto ordenados
segundo sua importncia relativa na
Regio Neotropical. As categorias
Tabela 1. Relao das espcies de drosofildeos registradas no Bioma Cerrado
*: novos registros para o Cerrado
Registros - 1. Burla & Pavan, 1953; 2. Dobzhansky & Pavan, 1950; 3. Ehrman & Powell, 1982; 4. Magalhes, 1962;
5. Pavan, 1950; 6. Pavan, 1959; 7. Pavan & Breuer, 1954; 8. Sene et al., 1980; 9. Tidon-Sklorz & Sene, 1995a; 10.
Tidon-Sklorz & Sene, 2001; 11. Tidon-Sklorz et al., 1994; 12. Val & Sene, 1980; 13. Val, et al., 1981; 14.Vilela et al.,
1983; 15. Vilela & Mori, 1999; 16. Coletas na RECOR; 17. coletas no PN; 18. Coletas em ambientes urbanos de
Brasilia-DF 19. Coletas na Fazenda gua Limpa, DF; 20 Coletas em Pirenpolis-GO. - ca = cerrado, ce = cerrado
sensu stricto, mg = mata de galeria, po = pomar, ar = afloramento rochoso, au = ambientes urbanos.
(continuao)
341
Drosofildeos
grupo e subgrupo, embora no
reconhecidas formalmente pela
taxonomia, tm sido amplamente
utilizadas para reunir espcies de
drosofildeos presumivelmente aparen-
tadas (Patterson & Stone, 1952; Vilela,
1983). Tais agrupamentos, definidos com
base na morfologia do adulto, das formas
imaturas, e dos cromossomos, so
elaborados com o intuito de refletir
grupos monofilticos de espcies.
Informaes detalhadas sobre a
classificao dos drosofildeos, bem
como referncias relativas s descries
das espcies, podem ser consultadas on
line no banco de dados TaxoDros (Bchli,
1999).
Gnero Drosophila
Subgnero Drosophila
Grupo annulimana
Este grupo compreende 15 espcies
neotropicais, encontradas principalmen-
te em florestas midas (Tosi & Pereira,
1993). Cinco delas esto registradas no
Cerrado.
D. aragua (Vilela & Pereira) e D.
arauna (Pavan & Nacrur) j eram
conhecidas de reas florestadas do
Estado de So Paulo (Vilela & Pereira,
1982; Tidon-Sklorz & Sene, 1992; Tosi &
Pereira, 1993) e, no caso de D. aragua,
tambm da Argentina. Este o primeiro
registro dessas espcies no Cerrado, onde
foram capturadas em matas de galeria e
cerrados sensu stricto (neste ltimo
apenas D. aragua).
D. ararama (Pavan & Cunha) ocorre
em ambientes onde normalmente no se
coletam espcies deste grupo, tais como
cerrados e restingas (Mouro, 1966; Sene
et al., 1980). No Brasil Central, essa
espcie foi registrada em cerrados e
matas de galeria.
D. annulimana (Duda) e D. aff.
arapuan (Cunha & Pavan) foram
coletadas apenas na Serra do Cip (Vilela
& Mori, 1999), localizada no extremo
leste do bioma Cerrado.
Grupo aureata
D. aureata (Wheeler), a nica
espcie deste grupo, j havia sido
registrada do Mxico ao Panam. Sua
ocorrncia na Serra do Cip (Vilela &
Mori, 1999) ampliou sua distribuio
para a Amrica do Sul continental.
Grupo bromeliae
O nico espcime de D. bromelioides
(Pavan & Cunha) registrado no Cerrado
foi coletado na Serra do Cip (Vilela &
Mori, 1999). Todas as espcies deste
pequeno grupo neotropical criam-se e
alimentam-se em flores, no sendo,
portanto, comuns em iscas de frutas
fermentadas.
Grupo calloptera
As oito espcies deste grupo (Val et
al., 1981) possuem manchas escuras nas
asas, compondo desenhos peculiares. No
Cerrado foram capturadas duas espcies,
ambas em matas de galeria: D. schildi
(Malloch), que ocorre desde o sudeste
do Brasil at a Amrica Central (Burla &
Pavan, 1953), e D. atrata (Burla &
Pavan), espcie amplamente distribuda
em florestas da Amrica do Sul (Val et
al., op. cit.). Este primeiro registro de
D. atrata no domnio do Cerrado.
Grupo canalinea
D. canalinea (Patterson & Mainland)
foi registrada em diversas localidades
brasileiras na dcada de 1950
(Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan,
1959), inclusive nos cerrados de Gois.
Expedies mais recentes no fazem
referncia a este grupo, que inclui outras
10 espcies.
342
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
Grupo cardini
Segundo Heed e Russell (1971) o
grupo inclui 16 espcies ecologicamente
versteis, amplamente distribudas nas
Amricas. Quatro delas foram
encontradas no Cerrado.
D. cardini (Sturtevant) e D.
cardinoides (Dobzhansky & Pavan) so
morfologicamente muito semelhantes, e
suspeita-se que vrios dos inventrios
realizados no Brasil possam ter
confundido essas duas espcies (Vilela
et al., 2002). De qualquer maneira,
ambas j haviam sido registradas no
Cerrado (Sene et al., 1980), onde
ocorrem em diversos tipos de ambientes.
D. polymorpha (Dobzhansky &
Pavan) ocorre da Guatemala at o Brasil,
onde vem sendo coletada desde os
primeiros levantamentos (Dobzhansky &
Pavan, 1943, 1950), em diversos tipos
de ambientes: florestas, cerrados,
restingas, e at mesmo em associao
com o homem. Trata-se de uma espcie
relativamente abundante nos diferentes
domnios morfoclimticos, exceto nas
caatingas (Sene et al., 1980).
D. neocardini (Streisinger) tambm
uma espcie amplamente distribuda
no Brasil, mas geralmente rara nas
coletas (Sene et al., 1980), este seu
primeiro registro no Cerrado onde foi
capturada em matas de galeria e cerrado
sensu stricto.
Grupo coffeata
Este grupo inclui quatro espcies
neotropicais (Vilela & Bchli, 1990), e
apenas D. fuscolineata (Duda) foi
coletada no Cerrado at o momento
(tanto em matas de galeria como em
cerrado sensu stricto). Essa espcie, que
possui ampla distribuio geogrfica, do
Mxico at o Brasil, foi descrita tambm
como D. castanea e D. fumosa (Vilela &
Bchli, op cit.).
Grupo dreyfusi
As nove espcies que compem este
grupo so, aparentemente, restritas a
florestas. Embora D. camargoi
(Dobzhansky & Pavan) tenha sido
registrada no Cerrado na dcada de 1950
(Pavan, 1950; Pavan & Breuer, 1954), no
tem sido coletada no Brasil Central. D.
dreyfusi (Dobzhansky and Pavan), por
outro lado, foi recentemente encontrada
na Serra do Cip (Vilela & Mori, 1999).
Grupo guarani
Este grupo formado por 13 espcies
neotropicais (Tidon-Sklorz et al., 1994),
cinco delas registradas no Cerrado. D.
maculifrons (Duda) amplamente
distribuda no Brasil em vrios
ambientes, com a exceo das caatingas
(Sene et al., 1980), e vem sendo
registrada no Cerrado desde a dcada de
1950. Em contraste, D. griseolineata
(Duda) e D. guaraja (King) foram
coletadas apenas na Serra do Cip.
D. ornatifrons (Duda) ocorre na Mata
Atlntica (Sene et al., 1980) e em
diversos ambientes do bioma Cerrado.
D. guaru (Dobzhansky & Pavan),
coletada no Estado de So Paulo nos
levantamentos pioneiros (Dobzhansky &
Pavan, 1943), no vinha sendo registrada
em coletas mais recentes; entretanto, em
1999 ela foi encontrada em mata de
galeria no Parque Nacional de Braslia,
seu primeiro registro no Cerrado.
Grupo immigrans
D. immigrans (Sturtevant) uma
espcie introduzida e cosmopolita, a
nica deste grupo que ocorre na Regio
Neotropical (Val et al., 1981). Ela j havia
sido coletada em associao com o
homem e em reas de cerrados e
florestas, entretanto nunca foi registrada
em caatingas e dunas (Sene et al., 1980).
343
Drosofildeos
Esta espcie tem sido capturada
regularmente em diversos ambientes do
Cerrado.
Grupo pallidipennis
D. pallidipennis (Dobzhansky &
Pavan) distribui-se em diversos tipos de
ambientes, com exceo das caatingas
(Sene et al., 1980). Tem sido capturada
esporadicamente em cerrado sensu
stricto.
Grupo repleta
Este o maior grupo de drosfilas
neotropicais abrangendo, atualmente,
mais de 100 espcies. Inclui seis
subgrupos (Rafael & Arcos, 1989), cinco
deles presentes no Cerrado.
Subgrupo fasciola
formado por 20 espcies
predominantemente associadas a matas,
embora algumas delas tenham cactceas
como local de criao. Trs delas foram
registradas no Cerrado. D. coroica
(Wasserman) foi encontrada nos
cerrados de Campo Grande (MS),
Bolvia, Argentina, e em matas
mesofticas do Estado de So Paulo
(Vilela et al., 1983; Tidon-Sklorz & Sene,
1992). D. rosinae ocorre na regio
oriental da Amrica do Sul, incluindo a
Serra do Cip, e D. onca (Dobzhansky &
Pavan) distribui-se desde o Cerrado at
o sul do Brasil (Vilela et al., op. cit.).
Subgrupo hydei
O subgrupo hydei formado por seis
espcies nominais que se distribuem na
parte norte da Amrica do Sul, Amrica
Central, e sudeste da Amrica do Norte.
D. hydei (Sturtevant) a nica espcie
cosmopolita do subgrupo. Foi registrada
por Vilela et al. (1983) em vegetao
aberta na Amrica do Sul, incluindo o
Cerrado, especialmente em reas
alteradas pelo homem e continua sendo
registrada com regularidade em diversos
tipos de ambientes desse bioma, em
baixas freqncias.
Subgrupo mercatorum
Das quatro espcies includas no
subgrupo mercatorum, duas ocorrem no
Cerrado. D. mercatorum (Patterson &
Wheeler) abundante em ambientes
naturais, principalmente os de vegetao
aberta (Sene et al., 1981; Vilela et al.,
1983), e foi encontrada tambm em
quintais e quitandas (Oliveira & Sene,
1993). D. paranaensis (Barros) uma
espcie crptica de D. mercatorum que,
embora mais rara, tambm
amplamente distribuda, ocorrendo em
ambientes naturais do Mxico
Argentina. No Brasil, j foi encontrada
em vegetao de cerrado, dunas, e matas
secundrias (Vilela et al., 1983; Sene &
Santos, 1988). As duas espcies foram
registradas tanto em ambientes naturais
como urbanos.
Subgrupo mulleri
Com mais de 35 espcies descritas,
este o maior subgrupo do grupo repleta,
e praticamente todas as suas espcies
usam cactceas como local de criao.
Em decorrncia desta especificidade de
nicho, estas espcies ocupam reas onde
ocorrem cactceas em todo continente
americano, predominantemente em
regies semidesrticas ou desrticas.
D. buzzatii (Patterson & Wheeler),
provavelmente originada no Chaco
argentino, foi levada pelo homem,
juntamente com um dos seus
hospedeiros, Opuntia ficus-indica, para
vrias partes do mundo. No Brasil ela
abundante nos estados do sul, ocorrendo
junto com O. monachanta. Embora
demonstre preferncia por cactos do
gnero Opuntia, suas larvas tambm j
foram observadas criando-se em cactos
do gnero Cereus (Pereira et al., 1983).
344
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
Essa espcie, que j havia sido registrada
no Cerrado (Vilela et al., 1983), foi
capturada por ns em afloramentos
rochosos prximos cidade de
Pirenpolis-GO.
D. nigricruria (Patterson &
Mainland) possui ampla distribuio
geogrfica, j havia sido registrada no
Estado de Gois (Vilela et. al., 1983), e
tem sido capturada em cerrados sensu
stricto e matas de galeria.
D. meridionalis (Wasserman) ocorre
em diversos locais com vegetao seca
na Amrica do Sul, incluindo os limites
orientais do bioma Cerrado, onde h
reas com esse tipo de vegetao (Tidon-
Sklorz et al., 1994). D. Borborema, uma
espcie endmica da Caatinga, tambm
ocorre nos limites orientais do bioma
Cerrado (Vilela et al., 1983, Tidon-Sklorz
& Sene, 1995a).
D. serido (Vilela & Sene) era
considerada uma espcie politpica
amplamente distribuda na Amrica do
Sul (Sene et al., 1988). Atualmente, as
relaes filogenticas que compem esse
conjunto de espcies j esto mais bem
esclarecidas (Tidon-Sklorz & Sene,
1995b), de maneira que podemos
identificar as duas espcies que ocorrem
no bioma Cerrado: D. seriema (Tidon-
Sklorz & Sene), restrita aos campos de
altitude da Cadeia do Espinhao (Tidon-
Sklorz & Sene, 1995c), e D. gouveai
(Tidon-Sklorz & Sene), distribuda nas
reas mais secas da regio central do pas
(Tidon-Sklorz & Sene, 2001).
Subgrupo repleta
D. repleta (Wollaston), uma das sete
espcies desse subgrupo, generalista e
encontrada em praticamente todos os
ambientes urbanos (quitandas, ban-
heiros, lixes, etc.), sendo dificilmente
coletada em ambientes naturais. Dada a
sua ampla distribuio e dificuldade
de identificao inerente a todas as
espcies do grupo, Vilela (1983)
encontrou cerca de 10 sinonmias desta
espcie. D. zotti (Vilela) e D.
pseudorepleta (Vilela and Bchli) tem
ocorrncia registrada nas pores
sudeste e sul da Amrica do Sul; no
Cerrado, so conhecidas apenas da Serra
do Cip.
Grupo tripunctata
Segundo Vilela (1992), este grupo
de espcies o segundo maior de
drosfilas na Regio Neotropical, de
onde endmico; a nica espcie do
grupo que ocorre fora dessa rea D.
tripunctata (Loew), registrada na Regio
Neartica. O grupo tripunctata foi
proposto formalmente por Sturtevant, em
1942, e desde ento diversas espcies
novas foram nele includas (Frota-
Pessoa, 1954; Heed & Wheeler, 1957;
Pipkin & Heed, 1964).
A identificao das espcies deste
grupo geralmente difcil, devido
grande variao intra-especfica e, em
alguns casos, semelhana entre
diferentes espcies. Como ocorre com
outros grupos de Drosophila, a
morfologia da genitlia masculina tem
sido usada como um carter confivel
para discriminar as espcies. Ilustraes
sobre a genitlia dessas espcies, assim
como maiores informaes sobre sua
sistemtica, podem ser obtidas em Vilela
(1992) e referncias inclusas.
Segundo Sene et al. (1980), os
espcimes deste grupo so muito
abundantes em florestas, podem ser
encontrados em baixas freqncias em
cerrados, dunas, e esto ausentes das
caatingas. Pavan (1959) sugere que as
moscas do grupo tripunctata so mais
freqentes nas proximidades de rios e
lagos durante os meses frios do ano.
345
Drosofildeos
Atualmente, 13 espcies deste grupo
so conhecidas no Cerrado, sendo que
trs delas esto sendo registradas nesse
bioma pela primeira vez. D.
bandeirantorum (Dobzhansky & Pavan),
D. medioimpressa (Frota-Pessoa), D.
mediopunctata (Dobzhansky & Pavan),
D. mediostriata (Duda) e D.
paraguayensis (Duda), j haviam sido
registradas no Bioma, e continuam sendo
capturadas principalmente em matas de
galeria. Por outro lado, D. albirostris
(Sturtevant), D. mediopicta (Frota
Pessoa), D. mesostigma (Frota Pessoa),
D. trapeza (Heed & Wheeler) e D.
unipunctata (Patterson & Mainland)
foram coletadas apenas na Serra do Cip.
Por fim, este o primeiro registro no
Cerrado de D. bifilum (Frota-Pessoa), D.
neoguaramunu (Frydenberg) e D.
paramediostriata (Townsend &
Wheeler).
Grupo virilis.
D. virilis (Sturtevant) uma espcie
amplamente distribuda, a nica do
grupo que ocorre na regio Neotropical.
No Cerrado, foi encontrada apenas na
Serra do Cip.
No agrupadas
D. impudica (Duda) (syn = D.
para), espcie com ampla distribuio
geogrfica, e D. caponei (Pavan &
Cunha), espcie aparentemente
associada a florestas, foram encontradas
na periferia do bioma Cerrado.
Subgnero Sophophora
Grupo melanogaster
Com mais de 160 espcies descritas
e, provavelmente, originrio do sudeste
asitico, este grupo apresenta espcies
que foram introduzidas em vrias regies
do mundo e que se tornaram
cosmopolitas ou subcosmopolitas
(Lemeunier et al. 1986; Toda, 1991).
Quatro delas tm registro do Cerrado.
D. kikkawai (Burla) j era conhecida
no Brasil desde a dcada de 1950 (Freire-
Maia, 1953), porm, de acordo com
Freire-Maia (1964), nessa ocasio essa
espcie era ocasionalmente confundida
com D. montium (Meijere). Segundo
Wheeler (1981), D. montium ocorre
somente em Java, e D. kikkawai uma
espcie subtropical. Embora esta ltima
tenha registro nos cerrados prximos
Braslia (Sene et al., 1980), ela no tem
sido encontrada desde 1996.
D. malerkotliana (Parshad & Paika)
foi encontrada na Amrica do Sul pela
primeira vez em 1976 (Val & Sene, 1980).
Acredita-se que tenha sido introduzida
tambm na frica, onde se tornou muito
abundante (Chassagnard et al., 1989).
H registros de D. malerkotliana em
diversos biomas incluindo o Cerrado
(Sene et al., 1980), onde ocorre em
diversos tipos de ambientes.
D. melanogaster (Meigen) uma
espcie sinantrpica e sua presena pode
ser considerada um indicador de
atividades humanas nas proximidades.
Essa espcie j havia sido registrada no
Cerrado (Sene et. al., 1980), e continua
sendo capturada em freqncias muito
baixas.
D. simulans (Sturtevant) tem sido a
espcie deste grupo mais abundante em
vrias localidades, e muito mencionada
nos inventrios de drosofildeos (por
exemplo: Dobzhansky & Pavan, 1950;
Pavan, 1959; Sene et al., 1980; Val &
Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz & Sene,
1992). Das espcies introduzidas na
regio Neotropical, a que melhor se
adaptou s diferentes regies
fitogeogrficas, principalmente em reas
abertas (Perondini et al., 1979). muito
abundante no Cerrado, em diversos tipos
346
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
de ambientes (uma notvel exceo a
mata de galeria do Parque Nacional de
Braslia, onde houve predominncia das
espcies do subgrupo willistoni). Em
contraste, D. ananassae (Doleschall),
uma espcie muito rara na regio
Neotropical, foi registrada apenas na
Serra do Cip e em baixas freqncias.
Grupo saltans
Este grupo formado por cerca de
20 espcies (Val et al., 1981), todas
conhecidas da Regio Neotropical.
Segundo alguns autores (Pavan, 1959;
Sene et al., 1981), estas moscas
apresentam acentuada variao sazonal
e so muito sensveis s tcnicas de
coleta.
D. austrosaltans (Spassky) foi
considerada por Mouro (1966) como
uma espcie rara. No Cerrado, foi
registrada por Sene et al. (1980) em
Caracol (MS), e tem sido capturada na
Reserva Ecolgica do IBGE.
Embora D. neocordata (Magalhes)
tenha sido registrada no Cerrado por
Sene et al. (1980), no foi identificada
em nossas coletas. D. neoelliptica (Pavan
& Magalhes) j foi reconhecida em
Gois (Pavan, 1950; Magalhes, 1962),
mas aparentemente mais comum na
Floresta Atlntica (Sene et al., 1980).
Tambm no foi capturada por ns nas
imediaes de Braslia.
D. prosaltans (Duda) e D. sturtevanti
(Duda) so espcies amplamente
distribudas nas Amricas Central e do
Sul. Ocorrem em diferentes domnios
morfoclimticos, embora tenham maior
afinidade pelos cerrados (Sene et al.,
1980). As duas tm sido coletadas nesse
bioma, inclusive por ns, em diferentes
ambientes. No caso de D. sturtevanti,
possvel que nossas amostras incluam
ainda outras espcies crpticas
mencionada, o que dever ser
esclarecido em estudos posteriores.
Grupo willistoni
Este grupo, praticamente neotrpico,
inclui 23 espcies nominais, e a maioria
delas pode ser classificada em dois
subgrupos (Val et al., 1981).
O subgrupo willistoni muito
homogneo e inclui seis espcies
crpticas de difcil identificao,
amplamente distribudas na Amrica do
Sul em diversos tipos de ambientes,
principalmente nos florestados. Embora
D. willistoni (Sturtevant), D. paulistorum
(Dobzhansky & Pavan) e D. tropicalis
(Burla & Cunha) j tenham sido
coletadas no Cerrado (Ehrman & Powell,
1982), amostras coletadas por ns
(Parque Nacional de Braslia) e
identificadas pela D
ra
Marlcia Martins
(Museu Goeldi) acusaram somente D.
willistoni. Essa espcie esteve ausente
nos ambientes urbanos, apresentou
baixas freqncias nos cerrados sensu
stricto e altas freqncias nas matas
somente na estao mida.
Metade das 12 espcies do subgrupo
bocainensis foi registrada no Cerrado. D.
capricorni (Dobzhansky & Pavan) e D.
fumipennis (Duda), registradas nesse
bioma na dcada de 1950, no foram
reconhecidas em coletas mais recentes.
D. bocainensis (Pavan & Cunha),
distribuda em diversos pontos da
Amrica do Sul, tem sido coletada em
cerrados sensu stricto e matas de galeria.
Por fim, D. bocainoides (Carson) e D.
parabocainensis (Carson) foram
encontradas apenas na Serrado Cip.
D. nebulosa (Sturtevant) a nica
espcie deste grupo que mais
abundante em formaes abertas, tais
como o cerrado e a caatinga, do que em
florestas. Distribuda amplamente na
Regio Neotropical, tem sido capturada
com freqncia desde a dcada de 1950
347
Drosofildeos
(Dobzhansky & Pavan, 1950; Pavan,
1959; Mouro, 1966; Sene et al., 1980;
Val & Kaneshiro, 1988; Tidon-Sklorz &
Sene, 1992). Ocorre em ambientes
naturais e urbanos, sendo mais
abundante nos cerrados sensu stricto.
Subgnero Dorsilopha
O subgnero Dorsilopha tem origem
na Regio Oriental, e constitudo por
trs espcies, das quais apenas uma, D.
busckii (Coquillett), se tornou
cosmopolita (Toda, 1986). Essa espcie
introduzida no Brasil freqentemente
associada a ambientes modificados pelo
homem, mas pode ser tambm
encontrada em ambientes naturais,
principalmente formaes vegetais
abertas. Registrada no Cerrado desde
1950, D. busckii tem sido encontrada em
diversos tipos de ambientes naturais e
urbanos, mas principalmente em
cerrados sensu stricto.
Gnero Zaprionus
O gnero Zaprionus inclui mais de
50 espcies descritas, distribudas pelo
mundo todo, mas muito abundantes na
frica (Tsacas et al., 1981; Chassagnard
& Tsacas, 1993). Z. indianus (Gupta)
uma espcie generalista que se adapta
facilmente a diversos tipos de ambientes
(Parkash & Yadav, 1993), registrada no
Brasil pela primeira vez por Vilela, em
1999. Desde ento tem se disseminado
rapidamente, de maneira que j se
encontra distribuda por todo o territrio
nacional. Como uma espcie que ataca
plantaes de figo tem sido monitorada
por diversos pesquisadores (Stein et al.,
1999). Z. indianus tem sido muito
abundante na regio de Braslia,
principalmente em cerrados sensu stricto
e durante estao chuvosa (Tidon et al.,
2003).
Gnero Scaptodrosophila
Este gnero possui mais de 170
espcies distribudas em diversas
Regies Biogeogrficas. Duas delas
ocorrem no Brasil, sendo que S.
latifasciaeformis (Duda) a nica
presente em diversos tipos de ambientes
(Sene et al., 1980). Introduzida e
cosmopolita, freqentemente est
associada ao homem (Val & Kaneshiro,
1988). No Cerrado, essa espcie foi mais
comum em cerrados sensu stricto do que
em matas de galeria.
CONSIDERAES FINAIS
As 77 espcies de drosofildeos
registradas no Cerrado certamente
representam uma subestimativa da
diversidade desses insetos no bioma,
onde inventrios regulares passaram a
ser efetuados somente a partir de 1997,
e concentram-se nas imediaes do
Distrito Federal. No Estado de So Paulo,
que ocupa uma rea cerca de oito vezes
menor que o Cerrado, j foram
registradas 97 espcies desses insetos
(Tidon-Sklorz & Sene, 1999).
Considerando que em todas as grandes
universidades paulistas h laboratrios
que estudam drosfilas, essa
discrepncia pode ser facilmente
explicada pela diferena nos esforos de
coleta realizados em ambas as regies.
No perodo decorrido entre 1997 e 2002
foram registradas nas imediaes de
Braslia oito novas ocorrncias de
espcies de Drosophilidae, alm de
diversas outras pertencentes famlia,
mas cuja determinao em nvel de
espcie ainda no foi possvel.
Expedies que investigarem outras
regies do bioma certamente vo
aumentar a lista das espcies conhecidas
no Cerrado.
importante ressaltar que, nas
coletas de drosofildeos, geralmente se
utilizam iscas de frutas fermentadas,
muitas vezes no interior de armadilhas.
Isto faz com que cada coleta seja
altamente influenciada pelo tipo e
localizao de iscas e armadilhas, alm
348
Tidon, Leite, Ferreira & Leo
da eventual competio entre elas e os
substratos naturais presentes na rea de
coleta (Pavan, 1959; Sene et al., 1981;
Carson & Heed, 1983). Mais raramente,
so coletados tambm substratos
naturais de criao das moscas, tais
como fungos, flores ou frutos em
decomposio (Valente & Araujo, 1991),
os quais so mantidos no laboratrio at
a emergncia dos adultos. Esse ltimo
procedimento permite a captura de
espcies que no so atradas pelas iscas
normalmente utilizadas, e, portanto,
deveria ser adotado regularmente nos
inventrios desses insetos.
Apesar das limitaes acima,
drosofildeos so considerados
excelentes modelos para estudos
ecolgicos (Powell, 1997), uma vez que,
assim como diversos outros artrpodos,
apresentam a maioria das caractersticas
listadas por Hilty & Merelender (2000)
para monitorar mudanas ambientais:
so sensveis a variaes no ambiente,
numerosos em termos de indivduos e
de espcies, possuem ciclo de vida curto,
e so facilmente coletados e
manipulados. A intensidade com que
esses insetos tm sido utilizados em
pesquisas uma vantagem adicional: s
nos ltimos dez anos foram publicados
mais de 15.000 artigos sobre essas
moscas (Web of Science, 2004). Essas
caractersticas, somadas ao relativamente
baixo custo das pesquisas com
drosofildeos, sugerem o uso desses
insetos como eventuais indicadores de
perturbaes ambientais (Parsons, 1991,
1995, Mata & Tidon, 2003).
A Tabela 1 mostra que das 10
espcies introduzidas na Regio
Neotropical e registradas no bioma, sete
foram capturadas por ns na Reserva
Ecolgica do IBGE e no Parque Nacional
de Braslia. Isso sugere que, embora
mantidas como reservas ambientais,
essas reas esto sofrendo colonizaes
de espcies que podem alterar a fauna
nativa da regio. Essas invases,
possivelmente, ocorrem devido ao
aumento desenfreado de urbanizao
nas reas adjacentes quelas que esto
sendo preservadas. O exemplo mais
recente a invaso da espcie
oportunista Zaprionus indianus,
introduzida na Regio Neotropical,
provavelmente em 1999, ano em que
comprometeu cerca de 50% da safra de
figo do Estado de So Paulo (Stein et al.,
1999). Desde ento tem se tornado uma
das espcies de Drosophilidae mais
abundantes em vrios pontos do
territrio brasileiro, inclusive no Cerrado.
At o momento, nosso programa regular
de coletas mensais j capturou cerca de
20.000 indivduos pertencentes a essa
espcie no IBGE (entre 1999 e 2002),
14.000 no Parque Nacional de Braslia
(entre 1999 e 2001) e 10.000 em
ambientes urbanos (entre 2000 e 2001).
importante ressaltar que os primeiros
registros dessa espcie no Brasil (Vilela,
1999) e no Cerrado (Galinkin & Tidon-
Sklorz, 2000) so contemporneos e
muito recentes.
Os dados aqui apresentados
sustentam a necessidade de se preservar
a heterogeneidade espacial do Cerrado.
A Tabela 1 mostra o(s) ambiente(s) de
ocorrncia de 73 espcies, das quais 20
foram registradas somente em matas de
galeria, sete apenas em cerrados sensu
stricto, e trs exclusivamente em
afloramentos rochosos. As demais
espcies, embora registradas em mais de
um ambiente, em geral foram mais
abundantes em um deles (dados no
apresentados).
Em sntese, este trabalho mostra que
a fauna de drosofildeos do Cerrado
ainda relativamente pouco conhecida
e que, devido ao potencial desses insetos
para a bioindicao, seu estudo pode
eventualmente contribuir para o
estabelecimento de polticas que visem
conservao desse bioma.
349
Drosofildeos
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353
Solos e paisagem
Captulo 21 Captulo 21
Captulo 21 Captulo 21 Captulo 21
A complexidade
estrutural de
bromlias e a
diversidade de
artrpodes, em
ambientes de campo
rupestre e mata de
galeria no Cerrado
do Brasil Central
A complexidade
estrutural de
bromlias e a
diversidade de
artrpodes, em
ambientes de campo
rupestre e mata de
galeria no Cerrado
do Brasil Central
Captulo 21 Captulo 21
Captulo 21 Captulo 21 Captulo 21
F
O
T
O
:

R
O
S
A
N
A

T
I
D
O
N
F
O
T
O
:

R
O
S
A
N
A

T
I
D
O
N
Ludmilla M. de S. Aguiar
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF.
Ricardo B. Machado
Conservao Internacional do Brasil-CI
Braslia, DF
Reuber A. Brando
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renovveis - IBAMA
Braslia, DF
Cristiane G. Batista
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Jean Franois Timmers
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Ludmilla M. de S. Aguiar
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF.
Ricardo B. Machado
Conservao Internacional do Brasil-CI
Braslia, DF
Reuber A. Brando
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renovveis - IBAMA
Braslia, DF
Cristiane G. Batista
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Jean Franois Timmers
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
354
Aguiar, Machado, Brando, Batista & Timmers
355
Bromlias e antrpedes
INTRODUO
A famlia Bromeliaceae, endmica
regio Neotropical, caracterizada por
plantas terrestres, saxcolas ou epfitas,
de pequeno porte, que possuem folhas
simples dispostas em forma de roseta, e
em sua base central, formam um copo,
onde ocorre acmulo de gua e detritos
orgnicos (Leme, 1984). A gua da chuva
acumulada na planta pode ser
considerada um ambiente limnolgico
isolado, um microhabitat para muitas
micro e macroespcies de animais e
plantas (Picado, 1913), que vivem ali em
simbiose. Essa comunidade associada
supre as bromlias com nutrientes em
troca de habitat (Por, 1992). Bromlias,
portanto, so estruturas biolgicas
complexas (Beutelspacher, 1971) e no
apenas fitotelmatas (Richardson, 1999).
Fitotelmatas so plantas no-aquticas
que armazenam gua em suas folhas
modificadas ou outras estruturas
morfolgicas, como flores e frutos
abertos, ou mesmo uma depresso, que
provoque acmulo de gua. Monteiro et
al. (2001) questionam a caracterizao
de bromlias apenas como fitotelmatas,
pois elas so verdadeiras ilhas
biolgicas, nas quais a riqueza de fauna
est associada ao tamanho das plantas.
Vrios estudos tm sido realizados
com bromlias, focando a sade das
populaes humanas, pois os copos de
gua formados na planta so habitats
perfeitos para a ovoposio e o
desenvolvimento de larvas (Barrera &
Medialdea, 1996), principalmente dos
gneros de mosquitos Aedes (Marques
et al.,

2001), Anopheles (Chadee, 1999)
e Culex (Hogue, 1975). Estudos
ecolgicos abordam a relao de
espcies, populaes e comunidades
associadas a essas plantas. A
importncia das bromlias como
microhabitats para artrpodes e anfbios
bem documentada para as florestas
midas tropicais, onde so utilizadas por
vrias espcies como locais de
nidificao, fonte de alimentao e
refgio contra predadores (Monteiro et
al., 2001; Teixeira et al., 2002).
O Cerrado (sensu lato) formado por
um mosaico vegetacional onde existem
desde formaes do tipo arbreo denso
at gramneo-lenhoso, criando assim
356
Aguiar, Machado, Brando, Batista & Timmers
situaes e contextos ecolgicos
extremamente diferenciados (Eiten,
1972). Para o bioma Cerrado, essa
relao fauna-bromlias ainda no bem
documentada. Em ecossistemas alagados
ou arenosos, a presena de bromlias
pode compensar a falta de lugares
apropriados para a pedofauna e
criptofauna, oferecendo condies
subtimas comparveis s suas
exigncias ecolgicas. A peculiaridade
das bromlias em guardar umidade na
base das folhas e, dependendo das
espcies e do tamanho, formar um
reservatrio de gua no centro da roseta,
condiciona este papel. Seria esperado,
ento, que o tamanho e a complexidade
estrutural da planta determinem o seu
potencial de oferecer uma diversidade
de recursos, alimentos e microhabitat,
podendo assim hospedar uma
quantidade e variedade maior de
organismos. Fatores do prprio
ecossistema, como disponibilidade de
habitat, estrutura da comunidade, grau
de predao e de competio intra e
interespecfica por recursos e habitat,
determinam tambm o tipo e a
intensidade de ocupao das bromlias
por artrpodes e outros animais
(Monteiro et al., 2001).
Nesse contexto, os objetivos deste
trabalho so: 1) determinar a relao
entre riqueza e abundncia de espcies
de artrpodes e a arquitetura de
bromlias; 2) comparar dois ambientes:
campo rupestre de altitude e mata de
galeria, localizados no Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros, no Cerrado
do Brasil Central.
MATERIAIS E MTODOS
O Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros est localizado no Planalto
Central brasileiro entre as coordenadas
13
o
50e 14
o
12 S e 47
o
25 e 47
o
53 W
(Figura 1). A altimetria da regio varia
entre 400 e 1.676m. O clima
predominante tropical-quente-sub-
mido (Kppen), caracterizado por duas
estaes bem definidas, com um vero
chuvoso entre os meses de outubro e
abril, e um inverno seco entre maio e
setembro. A pluviosidade mdia anual
situa-se entre 1.500 e 1.750 mm, sendo
que 50% da precipitao anual ocorre
de novembro a janeiro. As temperaturas
mdias anuais oscilam entre 24 e 26
o
C
(MMA, 1995). A vegetao do parque
constituda por um mosaico de
formaes, com campos rupestres
localizados nas serras e afloramentos
rochosos; reas de cerrado, nas encostas
de menor declividade; veredas, campos
midos e matas ciliares nos fundos dos
vales. As reas de amostragem foram
estabelecidas em duas dessas formaes:
1) campo rupestre, com estrato arbreo
mdio de 2-3m e uma cobertura arbrea
de 1-10% (Ribeiro & Walter, 1998).
Ocorre em altitude acima de 900m, com
ventos constantes e grande amplitude
trmica diria, em solo profundo e
rapidamente drenado. So caractersticas
deste ambiente, as espcies das famlias
Cactaceae, Araceae, Bromeliaceae e
Orchidaceae (WWF 1995, Felfili et al. ,
1995); 2) mata de galeria alagada, que
ocorre ao longo das linhas de drenagem,
ou seja, beira de rios e crregos. uma
mata sempre verde, com altura mdia
do estrato arbreo entre 20-30m e
cobertura arbrea de 80-100% (Ribeiro
& Walter, 1998).
Durante o ms de dezembro de 1996
(perodo de chuva), durante quatro dias,
foram estabelecidos em cada um dos
ambientes trabalhados um quadrado de
30x30m onde todas as bromlias
presentes foram investigadas. Para cada
bromlia detectada nos quadrados,
foram anotadas as seguintes medidas:
357
Bromlias e antrpedes
altura em relao ao solo, dimetro
mximo, dimetro do copo da bromlia
(centro da roseta) e nmero de folhas.
Alm disso, foi medida a distncia entre
uma bromlia e outra e sua vizinha mais
prxima. Foram coletados exemplares
das bromlias presentes nos quadrados
para identificao. O material coletado
foi comparado com exsicatas do herbrio
do Departamento de Botnica da
Universidade de Braslia (UnB). Os
artrpodes presentes nas bromlias
(copo e axilas) foram coletados com
pinas e armazenados em lcool 70%
para posterior identificao. As espcies
foram identificadas em nvel de ordem
ou famlia, sendo separadas em
morfoespcies. As identificaes e a
nomenclatura esto de acordo com
Borror & Delong (1988).
Para as anlises de preferncia de
ocorrncia em uma ou outra rea foi
utilizado o teste Chi-quadrado (
2
). A
relao entre diversidade de artrpodes
e morfologia das bromlias foi analisada
por regresso mltipla, sendo que os
dados foram transformados para uma
escala logartmica (base 10) para um
melhor ajuste, conforme Zar (1984). O
efeito do ambiente (campo ou mata)
sobre a morfologia das bromlias foi
testado por anlise de varincia
(Manova) com o teste de Tukey HSD para
Figura 1
Localizao da rea
de estudo (Parque
Nacional da
Chapada dos
Veadeiros) no
estado
de Gois, Brasil.
358
Aguiar, Machado, Brando, Batista & Timmers
amostras desiguais. Foi feita uma anlise
discriminante cannica para verificar se
as espcies de bromlias podiam ser
discriminadas em funo de sua
morfologia. A riqueza de espcies,
encontrada nas reas de mata e campo,
foi comparada usando-se o ndice de
similaridade de Sorensen (Magurran,
1988). Como estavam se comparando
bromlias de diferentes reas, verificou-
se, tambm, se o padro de distribuio
espacial dos indivduos de bromlias era
o mesmo. Para tanto foi utilizado o ndice
de distribuio espacial (C) dado por
Observao: relacionados apenas os indivduos adultos das morfoespcies encontradas nas bromlias
Tabela 1. Relao das morfoespcies de artrpodes com nmero de
indivduos encontrados nas bromlias de campo rupestre e mata
de galeria do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO).
359
Bromlias e antrpedes
Ludwig & Reynolds (1988). O nvel de
significncia considerado para as
anlises foi de p 0,05.
RESULTADOS
Foram identificadas 38 espcies de
artrpodes em 81 bromlias avaliadas.
A maior parte da riqueza corresponde
classe Insecta (32 espcies), seguida da
classe Arachnida (cinco espcies) e
Miryapoda, com apenas uma espcie. A
ordem com maior nmero de espcies
foi a Orthoptera com 11 espcies, seguida
de Coleoptera (nove espcies) e
Himenoptera (oito espcies). A rea de
campo rupestre, onde foram investigadas
51 bromlias, apresentou uma riqueza
de 26 espcies enquanto que a rea de
mata de galeria, que teve 30 bromlias
investigadas, apresentou 24 espcies
(Figuras 2 e 3, Tabela 1). Na rea de
campo rupestre a presena de artrpodes
foi detectada em 49% das bromlias e
na mata esse ndice foi de 80%. A
sobreposio de espcies entre as duas
reas foi de 48%, segundo o ndice de
similaridade de Sorensen.
A rea de mata apresentou um maior
nmero de artrpodes (119) em relao
rea de campo rupestre (67
indivduos). Apenas um grupo de
espcies, da famlia Formicidae, ocorreu
preferencialmente na rea de mata (
2
= 7,28; p<0,05). As formigas
predominaram tanto na rea de mata,
quanto na rea de campo, totalizando
58% e 29,8% dos indivduos coletados,
respectivamente.
Foram encontradas cinco espcies de
bromlias, identificadas ao nvel de
gnero. No quadrado da rea de campo
rupestre estavam presentes Dychia sp. e
Bromelia sp., e na rea de mata de galeria
Bilbergia sp., Aechmea sp. e Vriesea sp.
Como Bilbergia sp. apresentou poucos
indivduos, ela no foi considerada nas
anlises. A despeito das caractersticas
taxonmicas, as bromlias estudadas
foram classificadas em funo de suas
arquiteturas (nmero de folhas, altura
da bromlia, dimetro do copo).
Os resultados da anlise de
varincia, para testar o efeito da rea
(campo ou mata) sobre as bromlias,
indicam que as de mata so diferentes
Figura 2
Nmero cumulativo
de espcies de
artrpodes em
funo do nmero de
bromlias
examinadas na rea
de campo rupestre
do Parque Nacional
da Chapada dos
Veadeiros (GO).
360
Aguiar, Machado, Brando, Batista & Timmers
das da rea de campo (F
4,74
= 0,291;
p<0,05) devido ao dimetro do copo e
ao nmero de folhas. A anlise
discriminante (Figura 4 e Quadro 1)
corroborou esse resultado, com a
separao das bromlias, sendo duas por
cada rea, em funo das variveis
morfomtricas escolhidas.
No foi encontrada uma correlao
significativa entre a arquitetura
(morfologia) das bromlias e a riqueza
de espcies de artrpodes da rea de
campo rupestre (R
2
= 0,296; F
4,20
=
2,109; p<0,05), da mata de galeria (R
2
= 0,267; F
4,19
= 1,732; p<0,05) ou de
ambas (R
2
= 0,169; F
4,44
= 2,247;
p<0,05).
A anlise de regresso entre a
abundncia de indivduos e as variveis
morfomtricas, em escala logartmica,
mostra que h um maior nmero de
indivduos em bromlias que possuem
maiores dimetros de copo (R
2
= 0,100;
F
1,47
= 4,476; p<0,05) (Figura 5). Para
abundncia de indivduos e as outras
variveis morfomtricas, altura, dimetro
e nmero de folhas, e entre o nmero de
espcies e o conjunto de variveis
morfomtricas das bromlias no h
diferenas significativas (R
2
= 0,131; F
4,44
= 1,666; p>0,05).
As anlises de regresso entre a
abundncia de Formicidae e o dimetro
da bromlia e do copo mostram uma
relao significativa (R
2
= 0,692; F
1,16
= 36,096; p>0,05; R
2
= 0,332; F
1,16
=
7,973; p>0,05, respectivamente),
evidenciando que h mais formigas em
bromlias de maior porte.
Foi determinado que o arranjo
espacial das bromlias na rea de
amostragem de campo rupestre do tipo
agrupado enquanto na mata de galeria
esse padro tendeu para homogneo. As
bromlias na rea de campo esto, em
mdia, localizadas a 49,9cm umas das
outras (N=51, DP=30,8) e na rea de
mata esto a 53,2cm (N=30; DP=66,6).
DISCUSSO E CONSIDERAES
FINAIS
O processo de disperso apresenta
algumas diferenas entre animais e
vegetais. Nesses ltimos, h uma
Figura 3
Nmero
cumulativo de
espcies de
artrpodos em
funo do nmero
de bromlias
examinadas na
rea de mata de
galeria do Parque
Nacional da
Chapada dos
Veadeiros (GO).
361
Bromlias e antrpedes
movimentao passiva, que depende de
fatores alheios ao controle da planta,
como a existncia de animais
dispersores, correntes de ar, gua etc.
Nos animais, o acaso tem uma menor
influncia. A maioria dos animais, exceto
os ssseis, capaz de se locomover em
busca de outros ambientes, explorando
as possibilidades de colonizao de
novas reas. Vrios fatores esto
envolvidos nesse processo, mas os
principais so a capacidade especfica de
locomoo, a amplitude de ambientes
que satisfazem as necessidades de
estabelecimento e as relaes de
competio e predao intra e
interespecficas.
Para que o processo de colonizao
seja bem sucedido, necessrio que o
ambiente explorado oferea condies
propcias ao estabelecimento das
espcies. As bromlias representam, para
alguns animais, locais onde possvel a
obteno de alimentos, nidificao ou
mesmo proteo temporria contra
predadores.
Mestre et al. (2001) coletaram 1.639
macroinvertebrados em 36 bromlias
durante estudo de um ano na mata
Figura 4
Anlise
discriminante
cannica realizada
com as medidas
morfomtricas de
quatro espcies de
bromlias nas reas
de campo rupestre
e mata de galeria
do Parque Nacional
da Chapada dos
Veadeiros (GO).
Figura 5
Relao entre a
abundncia de
indivduos (Log) e o
dimetro do copo
das bromlias nas
reas de
amostragem do
Parque Nacional da
Chapada dos
Veadeiros (GO).
Observao: R
2
=
0,100; F
1,47
=
4,476; p < 0,05.
362
Aguiar, Machado, Brando, Batista & Timmers
Atlntica. Grande parte desses
macroinvertebrados consistia em formas
imaturas e foram mais abundantes os
Coleoptera Scirtidae, Diptera e Hymeno-
ptera. Nesse estudo, encontramos grande
nmero de Orthoptera, Coleoptera e
Hymenoptera, sendo Orthoptera o mais
abundante, seguido por Coleoptera.
Orthoptera nunca havia sido
mencionado, em outros estudos, como
fauna dominante em bromlias. O
segundo txon mais abundante,
Coleoptera, j tem sua ocorrncia em
bromlias bem conhecida. Um dos
motivos dessa ocorrncia a dieta desse
grupo que consiste em algas e fungos
aquticos, encontrados na gua retida
nos copos das bromlias (Mestre et al.,
2001).
Diptera so os artrpodes mais
estudados em associao com bromlias,
focando principalmente ecologia de
populao (Frank, 1990) e comunidade
(Salamandra, 1977; Privat, 1979; Ochoa,
1993). Mestre et al. (2001) encontraram
a prevalncia desse txon nas bromlias
terrestres, embora no existam dados
que detectem essa preferncia entre
bromlias epfitas e terrestres.
Entre os Hymenoptera, como
observado por Privat (1979), a
predominncia da famlia Formicidae.
No entanto, Oliveira et al. (1994)
discordam dessa afirmao e no
consideram formigas como
caractersticas da fauna de bromlias.
Eles deduziram que a alta freqncia
desses animais em bromlias,
geralmente, devida ao comportamento
alimentar de formigas de colnias
vizinhas. Em nosso estudo na mata de
galeria h significante presena de
formigas em bromlias, alm de uma
preferncia pela rea de mata de galeria.
Mestre et al. (2001) observaram que a
freqncia desse txon pode variar ao
longo do ano e a presena de pupa sugere
que as formigas no esto utilizando as
bromlias apenas devido ao
comportamento alimentar. Nesse estudo,
encontramos que a presena de formigas
est positivamente associada
arquitetura das bromlias. Uma
explicao para a presena das formigas
na mata de galeria pode estar relacionada
s condies do solo. Como esse
ambiente constantemente inundado, e
o nvel de gua aumenta durante o
perodo de chuvas, h uma restrio para
o estabelecimento de colnias sob o solo.
Provavelmente o mesmo pode ocorrer
com trmitas que nidificam no solo. A
opo mais vivel a ocupao das
bromlias.
Algumas hipteses poderiam
explicar a maior utilizao das bromlias
por artrpodes na rea de mata de
galeria: o espaamento das bromlias, a
arquitetura ou a existncia de locais
alternativos na rea do cerrado para o
abrigo dos artrpodes. Uma vez que o
padro de distribuio das bromlias na
rea de campo foi agrupado e a distncia
mdia entre as bromlias foi pequena, a
distribuio espacial das bromlias no
explicaria a falta de artrpodes. Caso tal
varivel fosse importante, seria de se
esperar que na mata, onde o padro de
distribuio no agrupado e as mesmas
localizam-se suspensas em rvores (no
foi verificada a presena de bromlias
terrestres na rea estudada), a presena
de artrpodes fosse menor. Outra
hiptese, a da arquitetura das bromlias,
poderia explicar a variao na
colonizao. As maiores bromlias deste
estudo (Bilbergia sp. e Aechmea sp.)
foram encontradas na rea de mata e
essas se distinguem das do campo
rupestre (Bromelia sp. e Dychia sp.). As
bromlias do campo rupestre apresentam
uma arquitetura mais semelhante entre
si, possuem menor porte do que as de
363
Bromlias e antrpedes
mata e quase no concentram gua entre
suas folhas. A existncia de locais
alternativos como locas entre pedras,
para o abrigo dos artrpodes seria a
hiptese mais razovel para explicar a
ausncia desse tipo de fauna nas
bromlias do campo rupestre.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Prof. Alexandre B.
Arajo, pelo incentivo ao desenvol-
vimento desse estudo. Tambm
administrao do Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros que deu
permisso para o trabalho na rea.
Obrigada tambm a Naldes P. da Silva
que ajudou nas coletas, e a J. A. de
Carvalho e Dr. J. Ratter pela assistncia.
Agradecemos ao CNPq e CAPES pelo
apoio financeiro durante nosso curso de
doutorado. E finalmente agradecemos
aos dois revisores desse trabalho que
forneceram valiosas contribuies.
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P P
P P
P
arte IV arte IV
arte IV arte IV
arte IV
Conservao Conservao
Conservao Conservao Conservao
Conservao Conservao
Conservao Conservao Conservao
Cleber J. R. Alho
Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Regio do Pantanal
Campo Grande, MS.
Captulo 22 Captulo 22
Captulo 22 Captulo 22 Captulo 22
Desafios para a
conservao do
Cerrado, em face
das atuais
tendncias de uso
e ocupao
Captulo 22 Captulo 22
Captulo 22 Captulo 22 Captulo 22
Desafios para a
conservao do
Cerrado, em face
das atuais
tendncias de uso
e ocupao
Cleber J. R. Alho
Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Regio do Pantanal
Campo Grande, MS.
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Desafios para a conservao
INTRODUO
Este trabalho sobre conservao do
Cerrado motiva mais uma oportunidade
de se concentrar foco nos valores da
sociedade brasileira e nas direes que
devem ser tomadas diante da
necessidade de progresso e das ameaas
biodiversidade. O ciclo de vida na
natureza, agora, no apenas muda por
causa dos eventos naturais, como
estaes de seca e chuva, ou, numa
escala mais ampla, pela fora da seleo
natural, mas, muda drasticamente pela
ao do homem, eliminando e reduzindo
habitats naturais e suas espcies
associadas.
A ausncia de conhecimento
cientfico e de tecnologia para uso e
ocupao do Cerrado, hoje, est
significantemente compensada pelo
avano e contribuio da pesquisa e da
experimentao. Entretanto, essencial
uma conscientizao e uma firme atitude
a ser tomada pela implementao de
polticas pblicas, para a conservao e
o uso sustentvel deste bioma. O
conhecimento cientfico sobre o Cerrado,
acumulado nos ltimos anos, tem
oferecido contribuio valiosa para a
Biologia da Conservao, cincia que
consiste, em resumo, nas bases
biolgicas da conservao da natureza
que prevem as conseqncias da ao
do homem sobre os ecossistemas
naturais e as espcies do bioma.
AMEAAS: A QUESTO MAIS
AMPLA DA EXTINO DE ESPCIES
Na dcada passada, a questo da
conservao do Cerrado foi discutida a
partir de argumentos conflitantes, com
posies de pessoas que defendiam o
preservacionismo (meio ambiente
intocvel), chegando a extremos, com
acusaes de iniciativas antidesen-
volvimentistas. Hoje, a diversidade de
vises sobre a conservao da natureza
reflete a diversidade de inspiraes e
convices em defesa do Cerrado: para
uso sustentvel de recursos, inclusive,
gentico e de biotecnologia; para
recreao e turismo; para manter os elos
culturais e espirituais de sociedades
tradicionais; pelos servios ecossis-
tmicos de gua limpa, ar puro e controle
de epidemias; pelo valor intrnseco e
esttico da natureza e suas espcies; por
questes morais e ticas, e por vrias
outras razes.
370
Alho
Essa diversidade de vises e
convices, tambm, se consolida entre
cientistas, como ocorreu em agosto de
2001, na reunio internacional em Hilo,
Hava, organizada pela Society for
Conservation Biology, onde manifes-
taes desesperadas, diante da perda da
biodiversidade, contrastaram com
opinies mais conservadoras (Gibbs,
2001). Entre muitos cientistas h um
quase desespero, diante do nvel
alarmante de espcies que esto
desaparecendo (Levin, 2001; Lomborg,
2001; Regan et al., 2001). Contudo, tem
sido difcil determinar com preciso essa
taxa de extino em ambientes de alta
diversidade de espcies, como o Cerrado.
O temor manifesto de alguns
conservacionistas que esse holocausto
bitico, segundo alguns, esteja
eliminando do patrimnio natural,
espcies cujo cdigo gentico nunca
chegaremos a conhecer.
Tem-se considerado, por exemplo, o
peso real das espcies de vertebrados e
plantas superiores, to enfatizadas na
preocupao de conservao, mas que
so minorias no portfolio da diversidade
de vida na natureza. Como cerca de 90%
das espcies na natureza (principalmente
organismos inferiores na escala biolgica
como nematdeos, insetos, crustceos,
vrus, bactrias, fungos, algas e outras
formas de vida) foram sequer
inventariadas, fica difcil estimar o exato
nvel de extino e a conseqente perda
da biodiversidade. O prprio enfo-
que da preocupao em mamferos (com
4.650 espcies conhecidas no mundo,
195 no Cerrado, contrastando com mais
de 1 milho de espcies de insetos) e,
do mesmo modo, em aves e peixes, tem
levado os conservacionistas a
determinarem os chamados hotspots
para conservao, o que centraliza a
preocupao num componente pequeno
do enorme portfolio de espcies na
natureza.
Os hotspots identificados de
biodiversidade apresentam grande
variedade de espcies e excepcional
perda de habitats . Desse modo, o
conceito de hotspot se apia em duas
bases: endemismo e ameaa (CI, 2000).
As espcies endmicas so mais restritas
em distribuio, mais especializadas e
mais susceptveis extino, em face das
mudanas ambientais provocadas pelo
homem, em comparao com as espcies
que tm distribuio geogrfica ampla.
O endemismo de plantas escolhido
como primeiro critrio para definir um
hotspot, porque plantas do suporte
a outras formas de vida. O grau de
ameaa a segunda base do conceito de
hotspot e , fortemente, definido pelo
grau de perda de habitat , isto , quando
a rea perdeu pelo menos 70% de sua
cobertura original onde se abrigavam
espcies endmicas. Segundo o estudo
citado da Conservao Internacional, dos
1.783.200 km
2
originais do Cerrado,
restam intactos 356.630 km
2
, ou 20% do
bioma original, justificando a
caracterizao desses habitats como
hotspots.
A questo central da conservao
recai sobre o tema poltico e social, onde
o cientista tem participao pouco
expressiva na elaborao das polticas
pblicas. Tem sido difcil persuadir os
polticos, diante da presso social, que
o combate pobreza, misria, e
tambm o desejo de desenvolvimento
econmico e social, pressupem a
necessidade de conservao da natureza.
A perda da biodiversidade, alcanada
pela extino irremedivel de espcies
de flora e fauna s agrava os problemas
da populao humana. A prtica tem
demonstrado que, no caso de destruio
da natureza, como desmatamento, sobre-
371
Desafios para a conservao
pesca, sobre-caa etc., destruindo s
vezes irreversivelmente os habitats
naturais, a populao local pobre a
primeira que sofre as conseqncias da
degradao da natureza.
Por que a Conveno da Biodiver-
sidade, assinada por 178 pases durante
a conferncia mundial Rio 92, ainda no
foi plenamente implementada? Apesar de
hoje haver bom conhecimento do
potencial dos recursos da biodiversidade,
com aplicaes na biotecnologia, nos
alimentos, nos medicamentos e em
outros fins, o principal empecilho
levantado o nvel de pobreza das
populaes humanas nos pases ricos em
biodiversidade.
Alm disso, tm-se enfatizado os
servios ecossistmicos, prestados
pela biodiversidade, tais como qualidade
da gua, do ar, estoques pesqueiros,
proteo contra pragas e outros aspectos
pragmticos, para persuadir os
tomadores de deciso, reservando o
enfoque moral da extino de espcies e
o tema esttico e tico da conservao
da natureza ao mbito dos
conservacionistas.
O grande problema da persuaso
sobre a importncia da conservao da
biodiversidade est relacionado sempre
ao aspecto socioeconmico da questo,
isto , ao argumento utilitrio. O Governo
e os produtores rurais defendem que o
avano da soja no Cerrado tem
contribudo substancialmente para a
riqueza da regio, aumentando as
exportaes e gerando divisas para o
pas. Economistas apontam para o fato
de a produo rural ter registrado
expanso mais estvel e superior mdia
da economia. A safra de gros de 2003/
2004 teve nmeros expressivos: 47,4
milhes de hectares de rea plantada e
colheita de 119,3 milhes de toneladas,
com a soja acusando significativo ganho
de produtividade, principalmente em
Mato Grosso. Para a safra 2004/2005,
est prevista a colheita de cerca de 130,9
milhes de toneladas de gros, segundo
o Ministrio da Agricultura, Pecuria e
Abastecimento (MAPA). Os custos da
produo da soja no Cerrado, com as
experimentaes e a tecnologia que a
Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuria (EMBRAPA) e o setor
privado conduziram, so cerca de a
metade do custo da produo nos
Estados Unidos. No ano de 2003, as
vendas externas de produtos
agropecurios renderam ao Brasil US$
36 bilhes, com superavit de US$ 25,8
bilhes (MAPA, 2004).
Embora esses dados variem de ano
para ano, em funo da produo de
outros pases e do comrcio inter-
nacional, o fato inconteste que a
agricultura e a pecuria tm tido
expresso no Cerrado. Enquanto se
celebra esse sucesso econmico, a custo
da converso da vegetao natural em
campos produtivos, por outro lado, a
conservao dos diferentes ecossistemas
naturais (campos, Cerrado, Cerrado,
mata de galeria etc.) no tem
acompanhado esse progresso.
A cultura da soja, com a utilizao
de sementes geneticamente modificadas,
tem-se expandido no Brasil, com maior
expresso entre pequenos e mdios
produtores do estado do Rio Grande do
Sul. A legislao vigente, preocupada
com as conseqncias dessa prtica, faz
recair sobre os produtores a respon-
sabilidade de possveis danos ao meio
ambiente e a terceiros, devendo eles
responderem, solidariamente, pela
indenizao ou reparao integral do
dano, independentemente da existncia
de culpa (MAPA, 2004).
Outros argumentos econmicos e
utilitrios, resistentes necessidade da
372
Alho
conservao, afunilam para um ponto
ainda mais radical: por que proteger
centenas e milhares de espcies, se
somente cerca de 30 espcies de vegetais
cultivados suprem cerca de 90% das
calorias da dieta do homem e somente
cerca de 14 espcies de animais
contribuem com 90% da dieta de
protena animal?
AMEAAS: REDUO, PERDA,
MODIFICAO OU DEGRADAO
DE HABITATS
H consenso em concluir que tem
havido um processo de extirpao
significante da biodiversidade do
Cerrado pela ao do homem. Esse
impacto adverso devido magnitude
da escala da ocupao do bioma pelo
homem. bom lembrar que o conceito
de biodiversidade se apia num trip:
diversidade de espcies (representando
o nmero de formas de vida no nvel de
espcies e suas populaes), diversidade
gentica (representando as diversas
variedades subespecficas ou genticas
das formas de vida) e diversidade
ecossistmica (representando as diversas
paisagens naturais como campo, campo
sujo, campo mido, cerrado no sentido
restrito, campo-cerrado, cerrado, mata-
seca, mata-ciliar e de galeria, vereda
etc.). Cada um desses elementos pode
sofrer influncia de pelo menos trs tipos
de presso: fsica (degradao ou perda
de habitats), qumica (ao de
contaminantes ambientais e poluio),
e biolgica (introduo de espcies
exgenas, perturbao na cadeia trfica,
eliminao de espcies-chave da
comunidade ecolgica) e outros fatores.
H diversas causas ou fatores
identificados como ameaas ao Cerrado:
fogo (sem controle, ateado durante a
poca de seca para limpar o pasto);
desmatamentos para diversos objetivos;
expanso da fronteira agrcola e pecuria
(sem ordenamento ecolgico-econ-
mico); contaminantes ambientais
(emprego desordenado de pesticidas,
herbicidas e outros txicos ambientais,
provocando a bio-magnificao na
cadeia trfica, alm da poluio das
guas e do solo); eroso, assoreamento
de corpos dgua, lixiviao e perda de
solos devido ao emprego de tcnicas no
apropriadas de uso do solo; uso
predatrio de espcies (sobre-explotao
de espcies da flora e fauna);
implantao de grandes obras de infra-
estrutura (impactos causados pela
abertura de rodovias, hidrovias,
construo de hidreltricas e outras
grandes obras); turismo desorganizado
e predatrio e outras causas.
Dois fatores tm sido identificados
como empecilhos para a implementao
da legislao ambiental: a fragilidade
institucional, com a conseqente
deficincia na fiscalizao, e a falta de
conscientizao sobre a necessidade da
proteo do meio ambiente. Dois casos
podem ser ressaltados para ilustrar essas
deficincias: a dificuldade de imple-
mentar integralmente a chamada Lei de
Crimes Ambientais ou Lei da Natureza
(Lei n.o 9.605/98) e o cumprimento da
Lei de Recursos Hdricos (Lei n.o 9.433/
97) para, por exemplo, proteo das
nascentes e matas ciliares.
A anlise e interpretao dessas
ameaas merecem um estudo mais
refinado para caracterizar melhor o grau
e a escala da perda e modificao, do
impacto sobre as espcies locais,
inclusive com a introduo de espcies
exgenas e disperso de doenas. Essa
anlise, por exemplo, poderia focar sobre
as espcies oficialmente listadas como
ameaadas de extino, de acordo com
a Lista Nacional de Espcies da Fauna
Brasileira Ameaadas de Extino,
373
Desafios para a conservao
elaborada pelo MMA (Ministrio do Meio
Ambiente) e parceiros, publicada em 27
de maio de 2003. Igualmente, a Portaria
37-N, de 3 de abril de 1992, do IBAMA
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renovveis),
relaciona 107 espcies da flora brasileira
ameaadas de extino (IBAMA, 2004).
O foco a partir de algumas espcies
ameaadas comea a ser feito, com a
elaborao de aproximadamente dez
planos de manejo para espcies animais
listadas, como a jaguatirica Leopardus
pardalis e o lobo-guar Chrysocyon
brachyurus e de plantas, como a cerejeira
Amburana cearensis e o cedro Cedrela
fissilis. Contudo, necessrio o enfoque
a partir da viso de grau de ameaa para
tentar categorizar a perda e destruio
de habitats do Cerrado.
A questo histrica das ameaas e
de suas tendncias atuais esto
documentadas na literatura (Alho e
Martins, 1995). Por outro lado, enquanto
a ocupao do Cerrado se intensifica, as
medidas de implantao de reas
protegidas e mesmo a efetiva
participao de projetos conserva-
cionistas tm sido tnues, de vez que as
reas efetivamente protegidas esto bem
aqum do planejado. Lista de Unidades
de Conservao no Cerrado, de acordo
com a Diretoria de Ecossistemas do
IBAMA, atualizada em 15/6/2004
(www.ibama.gov.br) mostra que h
1.867.430ha de rea protegida na
categoria de Parques Nacionais
(PARNAs); 3.461ha de Reservas
Biolgicas (REBIOs); 502.517ha de
Estaes Ecolgicas (ESECs); 128.521ha
de Refgios de Vida Silvestre ();
1.516.219ha como reas de Proteo
Ambiental (APAs); 2.329ha como reas
de Relevante Interesse Ecolgico
(ARIEs.); 20.172ha como Reservas
Extrativistas (RESEXs) e 16.331ha como
Florestas Nacionais (FLONAs),
perfazendo um total de 4.056.980ha de
reas protegidas pelo Sistema Nacional
de Unidades de Conservao (SNUC), a
cargo do IBAMA (excetuando-se aqui as
Reservas Particulares do Patrimnio
Natural RPPNs). Esse total representa
2,06% da rea do bioma, o que est
muito longe do alvo indicado pelo
Congresso Internacional de reas
Protegidas ocorrido em Caracas,
Venezuela, e adotado pelo Governo
Brasileiro como um alvo a ser atingido.
Deve-se ressaltar ainda a carncia de
implementao efetiva dessas unidades
de conservao, em particular das APAs,
cujo objetivo conservacionista tem sido,
na prtica, bastante contestado.
O 5 Congresso Internacional sobre
Parques (Fifth World Parks Congress)
que ocorreu em Durban, frica do Sul,
em setembro de 2003, e o Congresso
Brasileiro de Unidades de Conservao,
ocorrido este ano de 2004, em Curitiba-
PR, mostraram que pouco se alcanou
quanto ao objetivo de proteger a
diversidade de espcies que ocorre no
bioma (Rodrigues et al., 2004)., Embora
tenha havido expanso das reas
protegidas, no sentido de atingir o alvo
de 10% da rea do bioma, estabelecido
pelo congresso internacional anterior,
ocorrido em Caracas, Venezuela. Quando
os autores cruzam a distribuies de
espcies do bioma com a distribuio
das unidades de conservao existentes,
aplicando anlise de vazios (gap
analysis), concluem que as atuais reas
protegidas no abrigam todas as espcies
do bioma. Cerca de 20% das espcies
ameaadas so identificadas como
espcies de falhas, isto , no so
protegidas pelas unidades de
conservao existentes.
A meta anunciada do Governo tem
sido proteger pelo menos 10% da rea
374
Alho
do bioma, o que evidentemente, na
prtica, est longe de ser atingido no caso
do Cerrado. Alm disso, os chamados
projetos integrados de conservao e
desenvolvimento tm tido dificuldades
de aferir seus resultados efetivos
(Salafsky e Margolius, 1999). De tal
modo, que h dvidas se a interveno
conservacionista, por intermdio dos
chamados projetos com enfoque
socioeconmicos, est de fato
funcionando. Uma dificuldade na
implementao e monitoramento de
projetos a falta de definio clara de
indicadores ambientais, embora, por
exemplo, o Banco Mundial tenha
proposto diretrizes para esse fim
(Segnestam, 1999).
AMEAAS: ESTUDO DE CASO
SOBRE A BACIA DE MANSO, MATO
GROSSO.
A bacia hidrogrfica do rio
Manso (com 10.880 km
2
, onde hoje h
uma represa hidreltrica) caracteriza-se
por um mosaico de fitofisionomias de
Cerrado, com diversos tipos de habitats
e fauna silvestre bem representada (Alho
et. al., 2000; Alho et al., 2003). A
expanso da agricultura e pecuria
reduziu as reas naturais em 30%, entre
1985 e 1997, e a vegetao remanescente
perdeu outros 3% com a implantao da
usina hidreltrica, conforme documenta
estudo baseado em imagens de satlites
e verificao no campo (Schneider e
Alho, no prelo; Schneider et al., no
prelo). Dentre os indicadores de
paisagem do local, o percentual da
vegetao natural remanescente foi o
indicador que sofreu ao mais
desfavorvel, devido ao seu decrescente
percentual, durante os 12 anos
analisados e em virtude da alta
vulnerabilidade diante da presso das
ameaas (converso de habitats naturais
para agricultura e pecuria).
Os estudos consideraram
tambm a questo da perda de habitats,
no perodo entre 1985 e 1997, sobre a
fauna regional, tomando mamferos
silvestres como indicadores. No enfoque
do estudo, a perda de habitats pondera
o percentual de habitat potencial de cada
espcie de mamfero silvestre estudada
durante os 12 anos considerados. Foram
selecionadas 100 espcies de mamferos
silvestres ocorrendo no local,
representadas por nove ordens e 25
famlias, dentre as quais h 13 espcies
consideradas sob algum grau de ameaa
de extino em nvel nacional (lista do
IBAMA) ou internacional (lista vermelha
da UICN e anexos da CITES). Os
resultados apontaram para cinco grupos
de animais. O primeiro grupo, com 14
espcies de mamferos, sofreu reduo
de habitat superior a 40%, e era
representado por espcies que utilizavam
prioritariamente ambientes florestados e
arborizados (matas de galeria e cerrado
sentido restrito). O segundo grupo de
mamferos perdeu entre 30 e 40% do
habitat , representado por espcies que
habitam ambientes florestados,
arborizados e campos. O terceiro grupo
sofreu reduo de 8 a 12% do habitat
potencial. O quarto grupo de mamferos,
capazes de explorar habitats alterados,
sofreu reduo de habitat potencial em
4%. E, finalmente, o quinto grupo de
mamferos, representado por seis
espcies, se beneficiou das alteraes,
pois so espcies que exploram
ambientes abertos e modificados.
Dentre as 17 espcies identificadas
com maior grau de risco, na rea de
estudo, esto o tatu-canastra Priodontes
maximus e primatas como Ateles chamek
e Aotus azarai, para citar somente trs
exemplos. Em sntese, a perda de
375
Desafios para a conservao
habitats potenciais afetou drasticamente
24% das espcies de mamferos
silvestres que ocorrem no local, sendo
que 17% das espcies estudadas esto
em situao de risco.
DIVERSIDADE DE ESPCIES E
MOSAICO DE HABITATS:
EVIDNCIAS COM VERTEBRADOS
Com o advento da Biologia da
Conservao, os pesquisadores em
Ecologia passaram a enfatizar o papel
da diversidade e abundncia de espcies
da fauna silvestre em seus habitats
naturais como a expresso de interaes
ecolgicas, particularmente competio
por recursos alimentares, reprodutivos,
de uso de espao e outros. Os processos
ecolgicos que anualmente - ou em
perodos espordicos maiores
influenciam nos ciclos de vida da fauna
silvestre, como os perodos sazonais de
seca e chuva do Cerrado, atuam nas
escalas temporal e espacial, estabele-
cendo diferenas locais ou regionais,
quando comparadas, em larga escala
biogeogrfica com os biomas vizinhos
(Alho et al., 2002; Alho et al., 2003).
Em Ecologia, h consenso de que a
diversidade de espcies fruto de uma
variedade de processos ecolgicos e
evolutivos, com causas histricas e
geogrficas. Contudo, o nmero de
espcies coexistindo numa escala
espacial ampla, como no Cerrado, varia
significantemente em abundncia local,
em funo de recursos sazonais
regionais.
A oferta sazonal desses recursos leva
a dois fenmenos: (1) associaes e
agregaes de espcies que interagem
entre si, resultando no compartilhamento
de unidades ecolgicas, que formam as
chamadas guildas, com a caracterstica
de que h forte interao entre essas
espcies dentro de cada guilda, mas com
interaes fracas entre guildas diferentes;
e (2) sincronizao na escala de tempo
de agregao de espcies (abundncia)
com a oferta de recursos sazonais,
notadamente, alimento e nichos
reprodutivos.
H indcios de que a cadeia trfica,
nesse caso, faculta maior abundncia de
espcies da fauna, e no caso de
vertebrados, principalmente aves,
anfbios e alguns rpteis e mamferos,
onde os elos alimentares sazonais atuam
mais no nvel da abundncia local, sendo
mais ou menos independentes da
diversidade (Alho et al., 2003).
Desse modo, a distribuio de
espcies, numa escala ampla, varia
desde os limites mximos de onde a
espcie ocorre (distribuio geogrfica)
a uma rea de maior ocorrncia da
espcie (distribuio regional). J o
termo abundncia usado para designar
o tamanho (ou densidade) da populao
local. Na prtica, o termo local se
refere sempre rea amostral de um
determinado estudo.
bem conhecido que as espcies
capazes de explorar um leque amplo de
recursos se tornam, no decorrer de sua
evoluo, de distribuio geogrfica
ampla e localmente abundante. Algumas
espcies de vertebrados do Cerrado
parecem seguir essa tendncia: tm
distribuio geogrfica ampla, ocorrendo
em todo o bioma e em outros biomas
brasileiros, mas ocorrem em altas
densidades em certos perodos sazonais
da regio. Por exemplo, parece no haver
diferenas interespecficas de verte-
brados entre o Cerrado e o Pantanal (no
parece haver diferena no grau de
especiao ecolgica), mas algumas
populaes que ocorrem no Pantanal
usam recursos que so mais abundantes
376
Alho
ou mais produtivos (Alho et al., 2002 e
Alho et al., 2003).
H evidncias documentadas por
trabalhos cientficos que mostram que a
variao da estrutura da fauna do
Cerrado (composio de espcies e
diversidade de aves e pequenos
mamferos) ocorre em escala regional ou
biogeogrfica, por exemplo, quando
esses estudos comparam diferentes
bacias hidrogrficas (Silva, 1996; Palma,
2002; Alho, no prelo). Essas diferenas
em composio de espcies podem estar
relacionadas penetrao faunstica que
historicamente se deu pela malha
hidrogrfica de outros biomas, como a
Amaznia, no caso da bacia do rio
Manso. Essa penetrao faunstica pode,
ainda, ser explicada pela expanso de
florestas ocorrida no passado sobre a
regio do Cerrado (Ledru et al. 1998).
H, tambm, diferenas na
composio das comunidades
ecolgicas, tanto de animais como de
plantas, quando os estudos comparam
diferenas intra-habitat, isto , no
mesmo tipo de habitat, e inter-habitats,
ou seja, entre habitats diferentes (Alho,
1981; Alho et al. 1986; Silva, 1996;
Oliveira-Filho e Ratter, 1995 e Palma,
2002).
Segundo levantamento da
Conservao Internacional (2000) h no
Cerrado os seguintes nmeros de
vertebrados: anfbios - 150 espcies,
sendo 45 endmicas; rpteis - 120
espcies, sendo 24 endmicas; aves - 837
espcies, sendo 29 endmicas;
mamferos - 161 espcies, sendo 19
endmicas; perfazendo um total de 1.268
espcies de vertebrados terrestres (sendo
117 endmicas). Esse total do Cerrado,
comparado com a Mata Atlntica, outro
bioma ameaado (que tem 1.361 espcies
de vertebrados terrestres com 567
endmicas), indica um nmero bem
menor de espcies endmicas para o
Cerrado. J as plantas vasculares do
Cerrado contam com cerca de 10 mil
espcies, sendo 4.400 endmicas,
comparadas com 20 mil espcies da Mata
Atlntica, sendo 8 mil endmicas (Eiten,
1993).
Outros estudos (MMA, 1999; Alho
et al., 2002) citam para o Brasil 195
espcies de mamferos para o Cerrado
(sendo 95 espcies voantes morcegos,
e 96 que dependem de habitats
florestados ou arborizados, contra
somente 14 espcies que vivem em reas
exclusivamente abertas ou em habitats
aquticos). Esses nmeros, no Pantanal
(que um bioma com grande influncia
de Cerrado, mas com caractersticas de
uma plancie inundvel com drstico
regime anual de enchente e vazante),
mostram 132 espcies de mamferos para
a plancie inundvel (sendo 62 voantes,
55 dependentes de habitats florestados
e arborizados e 15 de habitats abertos e
aquticos). Estudos mais especficos
indicam 144 espcies de morcegos, das
quais 80 so citadas para o Cerrado.
Levantamentos feitos localmente, por
exemplo, no municpio de Serranpolis,
sudoeste de Gois (18 25' S e 52 00'
W), em 758 coletas de morcego foram
identificadas 25 espcies, com
predominncia de morcegos insetvoros,
seguidos de frugvoros (Zortea, 2001).
Os ndices de diversidade aplicados nos
dados desse estudo mostram que o local
de alta diversidade de espcies e alta
abundncia para Glossophaga soricina.
Quando se compara a distribuio
de anfbios, rpteis, aves e mamferos
do Cerrado com a do Pantanal, e de
outros biomas vizinhos, as seguintes
concluses so ressaltadas (Alho et al.,
2002):
1. H 85 espcies de rpteis
ocorrentes na plancie inundvel
377
Desafios para a conservao
do Pantanal (sem serem
exclusivas da regio) e outras 94
somente registradas, at o
momento, em reas do entorno,
num total de 179 espcies de
rpteis para a bacia do Alto
Paraguai, isto , regio de
Cerrado. Quanto aos anfbios
(anurofauna), so conhecidas
pelo menos 45 espcies na
plancie e 80 no entorno
(Cerrado). Apresentando menor
heterogeneidade de habitats e
maior disponibilidade de corpos
dgua permanentes (menor
nmero de habitats com
condies ecolgicas contras-
tantes), a plancie inundvel
abriga espcies de anfbios em
geral abundantes e de ampla
distribuio. J as reas de
entorno da bacia do alto Paraguai,
especialmente as altas cabeceiras
em rea de Cerrado, so
virtualmente desconhecidas do
ponto de vista de sua anurofauna.
Os poucos inventrios existentes
indicam haver, a, maior nmero
de espcies num dado stio e
maior turnover de espcies
entre stios;
2. Na plancie, formas exclusivas de
biomas abertos representam cerca
de 54% da fauna total de rpteis,
enquanto que, no planalto, essa
contribuio equivale a apenas
42%. J o nmero de formas
amaznicas, por exemplo,
duas vezes maior na fauna de
rpteis de localidade no planalto
(Cerrado) do que entre os rpteis
registrados para o Pantanal;
3. A importncia relativa de formas
com hbitos aquticos ou semi-
aquticos e de formas com
hbitos fossoriais distingue a
herpetofauna da poro norte do
Pantanal e da localidade no
planalto. Enquanto na primeira a
representatividade de anfbios e
de rpteis com hbitos aquticos
ou semi-aquticos superior de
formas fossoriais, no planalto
ocorre o inverso, sendo as formas
de hbitos fossoriais relativa-
mente mais numerosas do que na
plancie;
4. H 837 espcies de aves
ocorrendo no Cerrado (das quais
759 ou cerca de 90%, se
reproduzem no bioma, Silva,
1995) contra 444 espcies
distribudas no Pantanal. Cerca de
80% das aves do Cerrado
dependem de habitats florestados
ou arborizados. A grande abun-
dncia documentada da avifauna
do Pantanal composta por aves
paludcolas que se agregam em
torno de recursos sazonais
alimentares ou reprodutivos,
formando, em muitos casos,
guildas de espcies.
5. O comportamento reprodutivo de
algumas espcies mostra sincro-
nismo entre o regime de enchente
e vazante, com reflexos no
sucesso reprodutivo.
6. H deslocamento sazonal das
aves paludcolas entre a plancie
e o planalto, ou mesmo entre
diferentes sub-regies da plancie,
embora esses dados ainda sejam
incipientes para muitas espcies
e contenham evidncias para
outras, como o caso do tuiui.
7. Tanto no Pantanal quanto no
Cerrado, a grande diversidade de
espcies resulta da presena de
ambientes florestados nesses dois
biomas, tais como matas ciliares,
378
Alho
matas de galeria, cerrado e
demais formaes arborizadas.
8. A ampla distribuio de mam-
feros no bioma Cerrado encontra
na plancie pantaneira ambientes
propcios de oferta de nichos
alimentares e reprodutivos,
dentre outros, que favorecem a
abundncia, principalmente em
reas abertas, prximas a reas
arbreas, como o caso da
capivara Hydrochaeris hydro-
cheris e do cervo Blastocerus
dichotomus;
9. As anlises que mostram as
espcies de mamferos mais
dependentes de ambientes
florestados podem sugerir
espcies indicadoras ou espcies-
chave para esse tipo de ambiente,
como o caso do bugio Alouatta
caraya para as matas ciliares ao
longo dos rios do Pantanal. Por
outro lado, as espcies indica-
doras de ambientes abertos,
como a capivara e o cervo, tm
grande apelo para o ecoturismo
da regio.
AO PARA POLTICA PBLICA:
DOCUMENTOS RELEVANTES
Iniciativas do Ministrio do Meio
Ambiente visando estabelecer diretrizes
para a conservao e o uso sustentvel
do Cerrado/Pantanal resultaram na
promoo das Aes Prioritrias para a
Conservao da Biodiversidade do
Cerrado e Pantanal, (MMA, 1999)
representando a contribuio oriunda
das atividades promovidas em 1997/
1998, com a participao de vrias
instituies. Em prosseguimento, o
Ministrio criou, pela Portaria n 298 de
11 de agosto de 1999, um Grupo de
Trabalho, estabelecido em cumprimento
ao Termo de Compromisso assinado pelo
Ministro, por seus Secretrios e outras
autoridades, para propor subsdios para
essas diretrizes e aes.
Esse Grupo de Trabalho, formado
por representantes dos Estados, das
instituies acadmicas e de pesquisa
cientfica, das ONGs, em conjunto com
a equipe do Ministrio, numa feio
multidisciplinar e interinstitucional,
trabalhou de fevereiro a novembro de
2000, com reunies mensais em Braslia,
sob os auspcios do Ministrio do Meio
Ambiente, produzindo o documento
Diretrizes para uma poltica integrada
de conservao e uso sustentvel para o
Cerrado/Pantanal, (MMA, 2000a).
As diretrizes identificadas pelo
Grupo de Trabalho (tomando por base
tambm os tpicos ressaltados nos
documentos Subsdios elaborao da
Agenda 21 Brasileira) convergem para
aes dos governos federal, estaduais e
municipais, da pesquisa cientfica, do
setor privado, mormente da rea rural,
das ONGs, dos povos locais, enfatizando
suas tradies e culturas, enfim, da
sociedade (MMA, 2000b). Estas
diretrizes do, ainda, destaque ao
compromisso do Governo, no que tange
estabelecer reas protegidas represen-
tativas dos ambientes focais do bioma,
bem como da implementao no campo
da legislao recente, como a de recursos
hdricos. As dimenses ambientais,
econmicas e sociais do documento
orientam as diretrizes e metas para a
conservao do Cerrado/Pantanal, ao
mesmo tempo em que se inserem no
compromisso de repensar e agir com
novas aes para o uso do ambiente, em
direo do desenvolvimento, para as
vrias atividades humanas, incluindo o
meio urbano e metropolitano e sua
dependncia do campo.
379
Desafios para a conservao
O impacto dramtico das ameaas
biodiversidade e outros recursos
naturais, como a gua, est bem
documentado na literatura (ANA, 2004).
Este documento inspira o desejo de
expanso, de progresso, de demanda de
recursos da natureza, sem se sobrepor
ao fato de que h meios identificados
que podem conciliar o desenvolvimento,
de maneira sustentvel, com o
compromisso de proteger parcelas
representativas da biodiversidade. O
desafio no desmobilizar o conflito,
mas indicar o caminho conciliado em
busca de necessidades competitivas, por
meio da interveno, da gesto, do
manejo, com a aceitao de que tudo
isso para benefcio de todos.
O documento mantm a preocu-
pao em conciliar o desenvolvimento
econmico e social com os compro-
missos de conservao e uso sustentvel
de recursos. Enfoca, ainda, o processo
de conscientizao e educao ambien-
tal, os temas de biossegurana, o
processo participativo e de integrao do
Cerrado/Pantanal com os outros biomas
brasileiros e o contexto dos acordos,
tratados e convenes internacionais
assumidos pelo Pas.
H, portanto, informaes consisten-
tes para um plano de ao que se espera
possa ser implementado. O IBAMA tem,
ainda, identificado novas reas
potenciais para serem protegidas por
unidades de conservao. A converso
ou modificao da cobertura natural do
complexo Cerrado do pas, para diversos
usos, tem sido drstica, conforme
ressaltado em trabalhos apresentados
neste Simpsio. Por outro lado, a
literatura cientfica especializada tem
demonstrado a importncia do bioma em
diversidade de espcies e riqueza
gentica e ecossistmica, no mosaico de
ambientes que contm essa cobertura
natural.
CONSIDERAES FINAIS
O Grupo de Trabalho multidis-
ciplinar interinstitucional, que atuou sob
o patrocnio do Ministrio do Meio
Ambiente, props diretrizes prioritrias
de polticas pblicas para conservao
e uso sustentvel do Cerrado, as quais
devem ser resgatadas para imple-
mentao.
Embora se tenha avanado na
questo conceitual da conservao do
Cerrado, h ainda um longo caminho a
percorrer para a implementao
concreta, e de fato, de medidas efetivas,
em todos os enfoques. Dois exemplos
ilustram essa distncia entre o ideal e a
realidade de ocupao e uso: primeiro,
a dificuldade de se aplicar o que
determina o cdigo florestal brasileiro,
particularmente, a proteo de matas
ciliares e de galerias, nos campos onde
avanam o cultivo de gros; segundo,
embora o percentual de reas protegidas
no Cerrado ainda esteja bem aqum do
nvel de compromisso do Governo
(idealmente 10% do bioma), muitas
unidades de conservao, oficialmente
declaradas como tal, no esto
apropriadamente implementadas, sendo
o que se denomina de parques de
papel. O grau de vulnerabilidade dos
parques de papel depende do grau de
implementao que a rea, oficialmente
protegida, de uso indireto, tem
experimentado (WWF, 1999).
380
Alho
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Captulo 23 Captulo 23
Captulo 23 Captulo 23 Captulo 23
Ocupao do
bioma Cerrado e
conservao da
sua diversidade
vegetal
Ocupao do
bioma Cerrado e
conservao da
sua diversidade
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Captulo 23 Captulo 23
Captulo 23 Captulo 23 Captulo 23
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Jos Felipe Ribeiro
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
Samuel Bridgewater
James Alexander Ratter
Royal Botanic Gardens
Edimburgo
Esccia
Jos Carlos Sousa-Silva
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Planaltina, DF
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Planaltina, DF
Samuel Bridgewater
James Alexander Ratter
Royal Botanic Gardens
Edimburgo
Esccia
Jos Carlos Sousa-Silva
Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
384
Alho
385
Ocupao e conservao
INTRODUO
A conservao da biodiversidade do
bioma Cerrado precisa ser inversamente
proporcional a sua ocupao? Desen-
volvimento implica apenas em ocupar
novas e grandes reas com agricultura
mecanizada e grandes cidades?
Qualidade de vida pode ser medida
apenas com incremento de renda?
Apesar de fisionomicamente homo-
gnea, a paisagem savnica do Cerrado
apresenta a mesma diversidade florstica
em todo o bioma? Qual a riqueza de
espcies e o papel das matas ribeirinhas
na manuteno dos ambientes vizinhos?
Este texto aborda algumas das respostas
a estas perguntas, apresentando
resultados existentes sobre a intensa
heterogeneidade local e regional da flora
das matas ribeirinhas e do Cerrado
sentido amplo, mostra, tambm, as
tendncias do ritmo da ocupao
humana na regio e sugere alternativas
para o ordenamento dessa ocupao por
intermdio da definio de novas
polticas pblicas. Os objetivos
especficos deste trabalho so: a
apresentao de um rpido histrico da
ocupao do Cerrado, a partir da
segunda metade do sculo 20, a
caracterizao dos aspectos da riqueza
de espcies em fitofisionomias desse
bioma e, finalmente, a discusso do
papel da agricultura de gros, soja em
especial, e da pecuria como elementos
de alteraes na diversidade natural, no
uso do solo e nos meios de vida das
populaes humanas. Assumindo a
continuao do ritmo dessa ocupao,
essas informaes so teis no
redirecionamento de polticas pblicas
para o Cerrado.
HISTRICO
Preocupados com a explorao de
ouro e pedras preciosas, no incio do
sculo 18, os pioneiros da ocupao do
Cerrado criaram as condies iniciais
para o estabelecimento de diversas
cidades no Centro-Oeste. Com a depleo
desses recursos, a ateno foi transferida
para a pecuria extensiva, que ocupou a
ateno desta regio, at praticamente o
386
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
final da dcada de 1950. Com a
construo de Braslia, o desenvol-
vimento de infra-estruturas virias
(ferrovias e rodovias) e as polticas
agrcolas desenvolvimentistas baseadas
nos princpios da revoluo verde, como
o Programa de Desenvolvimento do
Cerrado (POLOCENTRO) e o Programa
Cooperativo Nipo-Brasileiro para o
Desenvolvimento do Cerrado (PRODE-
CER), houve condies para a expanso
de uma agricultura extremamente
comercial (Alho & Martins 1995). Dentre
os principais cultivos havia milho, arroz,
feijo e mais recentemente caf,
mandioca e, principalmente, a soja.
O domnio do bioma Cerrado ocupa
204 milhes de hectares dos quais pelo
menos 127 milhes (62% do total)
acontecem em solos com boas
perspectivas de mecanizao agrcola.
Sano et al. (2001), utilizando um sistema
geogrfico de informao, estimaram que
a rea ocupada do bioma Cerrado em
1996 era de cerca de 120 milhes de
hectares (59%), com aproximadamente
48 milhes (23%) com pastagem
cultivada, 27 milhes (13%) com
pastagem nativa, 10 milhes com
culturas anuais (5%), 38 milhes (18%)
com outros usos (ex.: culturas perenes,
florestais e urbanizao), restando
aproximadamente 85 milhes de
hectares (41%) como reas relativamente
intocadas (Figura 1). Entretanto,
previses baseadas em imagens de
satlite mostram 67,1% como rea
ocupada para o Cerrado (MMA-SBF. 2002).
A populao total do Centro-Oeste,
em 1950, era de 1.736.965 habitantes.
Ao final da dcada, em 1960, a
populao da regio era de 2.942.992
habitantes. A partir dessa data o
crescimento demogrfico vinculou-se,
principalmente, capacidade de atrao
migratria da fronteira agrcola regional.
No ano 2000, o contingente
populacional, praticamente, atingiu os 28
milhes de pessoas (49,8% so do sexo
masculino e 50,2% feminino) dos quais
21,64% esto na rea rural e 78,36% na
urbana. Algumas reas apresentam at
37% de populao rural, como o caso
do Vo do Paran, no nordeste de Gois.
A desacelerao do crescimento
demogrfico, com exceo do norte do
Mato Grosso, pode estar acontecendo
pelo relativo esgotamento da capacidade
de atrao migratria da fronteira
agrcola. Este fato corrobora a idia que
a ocupao do solo no Cerrado, foi
principalmente provocada pelo fluxo
migratrio da dcada de 1950 at 1990 e
possui relao direta com as atividades
agropecurias nele desenvolvidas
(Ribeiro & Barros 2002).
RIQUEZA DE ESPCIES
A idade geolgica da formao do
bioma e as mudanas dinmicas do
Figura 1
Estimativa de
ocupao do
Cerrado em 1996
(Sano et al., 2001).
387
Ocupao e conservao
quaternrio, assim como fatores
espaciais locais e regionais da atualidade,
levaram enorme biodiversidade do
bioma Cerrado (Ratter & Ribeiro 1996).
Dias (1992) estimou valores superiores
a 160.000 para a riqueza de espcies da
biota do bioma Cerrado onde insetos,
fungos e angiospermas so responsveis
por 87% dessa diversidade. Dessa
estimativa, as angiospermas somariam
cerca de 10.000 espcies.
Valores publicados, entretanto,
mostram o imenso desconhecido que
ainda resta, para quantificar adequa-
damente estas espcies. Os nmeros
disponveis apresentam cerca de 6.500
espcies para plantas vasculares
(Mendona et al., 1998). J a fauna do
Cerrado apresenta baixo grau de
endemismo (Vanzolini, 1963; Sick, 1965;
Redford & Fonseca, 1986; Marinho-Filho
& Reis, 1989) apud Marinho-Filho &
Guimares (2001), compreendendo 212
para mamferos (Marinho Filho &
Guimares, 2001), 180 para rpteis
(Brando & Araujo 2001), 837 para aves
(Silva 1995, Bagno & Marinho-Filho,
2001). importante ressaltar que o
Cerrado responsvel por mais de 50%
das espcies de aves encontradas no
Brasil, sendo que 90,7% se reproduzem
nesse bioma (Silva 1995) e apenas 32
so endmicas do Cerrado (Silva, 1997;
MMA SBF. 2002).
Enquanto o nmero de espcies
endmicas da fauna relativamente
pequeno, o mesmo no acontece para
flora. Myers et al. (2000) estimaram que
44% da flora do bioma endmica. O
nmero de plantas vasculares apontado
por Mendona et al., (1998) no bioma
Cerrado chega a 6.429, onde 33% delas,
apesar de tambm ocorrerem em outros
biomas, no Cerrado so encontradas
apenas nos ambientes ribeirinhos. A
biodiversidade do bioma foi mais bem
estudada no Cerrado sentido amplo
(Cerrado Denso, Tpico, Ralo e Campo
Sujo) e nas Matas de Galeria.
As Matas de Galeria e Matas Ciliares,
com mais de 30% das espcies de
plantas vasculares do bioma (Felfili et
al., 2001), tm extrema importncia na
riqueza total do bioma, pois muitos so
os elementos itinerantes da fauna das
outras fitofisionomias do bioma Cerrado
que dependem dessa flora para
alimentao, reproduo e nidificao.
Com relao aos mamferos, essas matas
abrigam 80% das espcies comuns no
Cerrado, 50% dos endemismos e 24%
das espcies ameaadas de extino da
regio (Marinho Filho & Guimares,
2001), para lagartos, das 47 espcies
encontradas 25,5% so endmicas
(Brando & Arajo 2001) e para os
anfbios das 113 espcies, 28,3% tambm
so endmicas (Brando & Arajo 2001).
Outro fator importante: essas matas so
diretamente responsveis pela
quantidade e qualidade da gua que
corre nos cursos dgua do Brasil Central.
Ademais, o Cerrado considerado o
bero da guas, pois abriga nascentes
de importantes bacias hidrogrficas da
Amrica do Sul. Em termos de rea o
Cerrado abrange 78% da bacia do
Araguaia-Tocantins, 47% do So
Francisco e 48% do Paran/Paraguai
(Lima & Silva 2002). Estes mesmos
autores realam ainda que, em termos
de contribuio para a quantidade de
gua das bacias, os nmeros so ainda
mais relevantes, pois o Cerrado
responsvel por 71% na bacia do
Araguaia/Tocantins, 94% no So
Francisco e 71% no Paran/Paraguai.
Assim sendo, qualquer ocupao no
Cerrado vai refletir em outros locais.
O estabelecimento e a distribuio
espacial das espcies nas florestas
ribeirinhas, em termos locais, parecem
388
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
ser mais relacionados s condies
hdricas que com a fertilidade natural
(Walter & Ribeiro 1997). A distribuio
espacial localizada das espcies nas
matas (zonao) pode depender da
resposta das sementes e plntulas ao
encharcamento do solo, como discutido
em Ferreira & Ribeiro (2001).
Correlacionar topografia, material de
origem, caractersticas do solo e altura
do lenol fretico com a distribuio local
das espcies tm sido objeto de estudos
de variaes da vegetao entre Matas
de Galeria e dentro delas. Schiavini
(1992) e Walter (1995) sugeriram esta
estratificao do ambiente sob Matas de
Galeria. Walter (1995) descreve que o
ambiente no-inundvel se o lenol
fretico baixo ou inundvel se o
lenol mais alto, independentemente
se este acontece na borda externa, no
meio da mata ou prxima ao crrego.
Felfili et al. (2001) incluem na flora das
matas ribeirinhas 2.031 espcies, em 686
gneros e 134 famlias, distribudas em
424 espcies herbceas, 69 epfitas, 156
subarbustos, 237 trepadeiras, 403
arbustos e 854 rvores. Esses autores
ressaltam que, enquanto para as
formaes florestais Mata de Galeria/
Mata Ciliar a proporo do estrato
arbustivo-herbceo para o arbreo de
1:1,1 na formao savnica Cerrado
sentido amplo, a proporo de 4:1.
A forma natural de ocupao do
espao pelas espcies e sua associao
com as caractersticas ecolgicas
encontradas nos ambientes florestais
podem ajudar a definir grupos de
espcies caractersticas. Schiavini et al.
(2001) descreveram para uma
toposequncia especfica para a regio
de Uberlndia, como exclusivas das
Matas de Galeria, (Calophyllum
brasiliense, Talauma ovata, Protium
heptaphyllum e Inga vera ssp. affinis)
como freqentes, porm no exclusivas
(Copaifera langsdorffii, Faramea cyanea,
Tapirira guianensis e Dendropanax
cuneatum), e como eventuais (Acacia
glomerosa, Anadenanthera colubrina var.
cebil, Roupala brasiliensis, Alibertia
sessilis e Coussarea hydrangeifolia).
Entretanto, como enfatizaram esses
autores, esta distribuio no pode nem
deve ser generalizada para todas as
Matas do Bioma. Concordamos com esse
ponto j que a espcie Protium
heptaphyllum tambm pode ser
encontrada nos Cerrades e Matas Secas
em reas do Brasil Central.
Adicionalmente, Walter (1995)
mostrou que diferenas florsticas entre
pores da mesma mata podem ser
maiores que diferenas entre matas
diferentes. A anlise de Silva et al. (2001)
em 21 levantamentos realizados em
matas diferentes no Distrito Federal
mostrou que a similaridade florstica de
Srensen em alguns casos foi to baixa
como 0,3, enquanto a similaridade
mdia de 0.4 indicou a baixa semelhana
florstica entre os levantamentos. Esse
autor listou apenas para o Distrito
Federal 378 espcies, 44.1% do total de
854 sugerido por Felfili et al. (2001) para
as matas do bioma.
A progressiva explorao desor-
denada e predatria desse ambiente e a
ausncia ou mesmo ineficcia de
polticas pblicas ambientais para sua
gesto na regio do Cerrado podem
conduzir insustentabilidade ecolgica
e social. Como a legislao ambiental
protege esses ambientes, sua preservao
resultaria em reduo dos espaos
produtivos, implicando em impacto
direto nos rendimentos de produtores
familiares de comunidades que vivem
nas regies ribeirinhas. Por outro lado,
vale lembrar que a depredao das
mesmas levar reduo da oferta
389
Ocupao e conservao
hdrica essencial para a sustentabilidade
da produo agrcola, e que os resultados
encontrados mostram que a conservao
destas matas ribeirinhas vai manter
importantes corredores ecolgicos para
o deslocamento da fauna e da flora,
possibilitando servios ambientais
essenciais para a prpria ocupao
sustentvel do bioma.
Quanto vegetao savnica, dados
disponveis sobre a flora lenhosa do
Cerrado, sentido amplo, indicam que, na
rea nuclear contnua, o nmero de
espcies em uma rea (diversidade alfa)
pode variar de 20 a 193 espcies lenhosas
arbreas, enquanto reas disjuntas do
bioma, concentradas nas savanas
amaznicas, podem apresentar valores
bem menores (Ratter et al., 2002, 2003).
claro que parte dessa variao na rea
nuclear pode ser oriunda da forma de
amostragem, mas existem evidncias de
que a grande maioria dessa variao seja
real e deva ser estudada com maiores
detalhes, como o caso de reas
encontradas em solos mesotrficos. Estes
solos apresentam nveis de clcio e
magnsio, na camada superior, maiores
que a mdia e esto associados com a
presena de menor nmero de espcies.
Espcies caractersticas desses ambientes
so Terminalia argentea, Callisthene
fasciculata, Magonia pubescens,
Astronium fraxinifolium entre outras
(Ratter et al., 1977; Furley & Ratter 1988).
As anlises biogeogrficas realizadas
por Castro (1994), Castro e Martins
(1999), Ratter & Dargie (1992) e Ratter
et al. (1996) e Ratter et al. (2003)
permitiram a identificao de padres de
distribuio da flora do bioma. Por
exemplo, Ratter et al. (1996)
reconheceram os grupos Sul (So Paulo
e sul de Minas Gerais), Este-sudeste
(principalmente Minas Gerais), Central
(Distrito Federal, Gois e pores de
Minas Gerais), Centro-oeste (maior parte
de Mato Grosso, Gois e Mato Grosso
do Sul), e Norte (principalmente
Maranho, Tocantins e Par), assim
como um grupo de vegetao savnica
disjunta na Amaznia. Neste estudo os
autores mostraram no apenas que
diversidade tende a ser menor nos stios
com solos relativamente mais frteis,
onde existe a dominncia de espcies
indicadoras como Callisthene fasciculata,
Magonia pubescens, Terminalia argentea
e Luehea paniculata, mas tambm a
existncia de intensa heterogeneidade
entre os stios amostrados (diversidades
beta e gama).
A anlise da vegetao lenhosa da
fisionomia Cerrado sentido amplo
compreende hoje levantamentos em 376
stios (Ratter et al., 2003) com um total
de 953 espcies de rvores e grandes
arbustos, onde apenas 38 estiveram
presentes em 50% ou mais deles (Tabela
1). Este estudo evidencia ainda que 309
espcies (35,3%) ocorreram em apenas
um local, enquanto somente 300 espcies
ocorreram em mais de oito locais
( 2,5%). O padro de diversidade das
espcies lenhosas principalmente
constitudo desse um grupo restrito de
300 espcies (cerca de 1/3 do total)
relativamente comuns e 2/3 de espcies
bastante raras, muitas das quais
poderiam ser includas como acessrias
(Ratter et al., 2003). Este padro de
oligarquia de um grupo de espcies
comuns e muitas outras espcies raras,
tambm foi reportado para as Matas de
Galeria (Silva Jnior et al., 2001) e para
matas amaznicas de terra firme no
Equador e Peru (Pitman et al., 2001).
390
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
Alguns pesquisadores (e.g. Rizzini,
1963, 1979) postularam que na rea
central do bioma Cerrado haveria mais
espcies que na periferia, e consideraram
que a riqueza seria principalmente
composta por espcies acessrias
oriundas dos biomas vizinhos.
Entretanto, Ratter et al., (2003) relataram
dois pontos relevantes:
1 - Apesar de muitas localidades da
regio central serem de fato ricas
em espcies, localidades na
periferia da rea nuclear do
Cerrado, nas proximidades dos
Rios Araguaia, Tocantins e Xingu,
ou ainda, no estado de So Paulo,
mostraram riqueza to grande ou
at superior que a poro central.
2 - A riqueza da flora perifrica
composta de espcies tipicamente
savnicas, ou seja, no formada
por espcies oriundas de biomas
vizinhos. Isto demonstra no
apenas a significante heteroge-
neidade da flora, mas as
particularidades de cada local.
Alguns estudos demonstraram a
importncia do Cerrado como um dos
centros de biodiversidade mais
importantes do planeta (Myers et al.,
2000). Sem dvida, a heterogeneidade
do ambiente, j demonstrada em termos
de precipitao pluviomtrica (Assad &
Evangelista, 1994), solo (Reatto et al.
1998), gua (Lima & Silva 2002) e
vegetao (Ratter et al. 1996; 2002;
2003), fundamental na manuteno
dessa biodiversidade.
Uso agrcola: produo atual e
perspectivas futuras
A produo agrcola no Centro-
Oeste, at a dcada de 1950, era pouco
expressiva, a indstria no existia e
Tabela 1. Espcies lenhosas presentes em mais de 50% dos 376
levantamentos comparados [Os valores em parnteses so das
porcentagens encontradas respectivamente em levantamentos
anteriores Ratter and Dargie (1992) e Ratter et al. (1996)].
391
Ocupao e conservao
apenas a pecuria bovina apresentava
relevncia na regio. Este panorama, no
entanto, sofreu alteraes provenientes
da abertura da fronteira agrcola nacional
e do conseqente fluxo migratrio em
direo ao oeste brasileiro. Na dcada
de 1960, a quantidade de soja produzida
no Brasil era de apenas 400 mil
toneladas/ano. Em 1997 a produo
nacional superou 25 milhes de
toneladas e segundo estimativas da
Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) para a safra 2001/02, este
montante pode chegar a 41 milhes de
toneladas. Dos 27 estados brasileiros, 15
esto produzindo soja. A Regio Sul era
a maior produtora do pas at meados
da dcada de 1990. Na safra 2000/01, o
Sul respondeu com 42,26% da safra
nacional, enquanto o Centro-Oeste j
produziu 44,35%. Estimativas para a
safra de 2001/02 apontam que a
produo no Centro-Oeste tende a crescer
chegando a 19 milhes de toneladas, o
que significaria 46,9% de toda a
produo de soja do pas. A participao
da Regio Nordeste cresceu bastante
entre 1997 e 2001, quando apresentou
percentuais de 3% e 6,87%, respec-
tivamente, com nfase para o estado da
Bahia que responde por cerca de 70%
da produo local. Mas qual essa rea
de soja plantada e qual o impacto
ambiental?
A rea plantada, em 2001, foi de pelo
menos de 6.970 milhes de hectares,
assumindo que a produo da soja hoje
para o Cerrado seja de cerca de 20
milhes de toneladas e a produtividade
mdia de 2.926 kg/ha (www.cnp
soja.embrapa.br./radarsoja/conab0203).
Assim, dos 10 milhes de hectares
plantados com gros (Sano et al., 2001),
quase 65% da rea total de gros esteve
destinada a esta espcie. A partir desses
nmeros, verifica-se que em 1986 a soja
era responsvel pela ocupao direta de
mais de 3% da rea bioma Cerrado.
Alm disso, observa-se que a rea
plantada na regio tem crescido
intensamente. Com isso, o Cerrado
respondia por 41,83% de toda a
produo de soja brasileira. Se por um
lado a maior ocupao acontece com
pastagem cultivada (38%) (Sano et al.,
2001), por outro, a abertura de novas
reas nos ltimos anos est praticamente
em funo da soja e milho (Figura 2).
O incremento de produo de um
determinado plantio agrcola, em termos
simples, vai depender de trs fatores: (i)
abertura de novas reas, (ii) aumento da
produtividade ou (iii) utilizao de reas
anteriormente plantadas com outras
culturas. A soja na regio duplicou de
1985 a 1995 e praticamente triplicou nos
ltimos 15 anos (Figura 1). O incremento
Figura 2
Evoluo da
produo de gros
em milhes de
toneladas na rea
do domnio do
bioma Cerrado.
Fonte: Embrapa
Cerrados
Palestra
Institucional
392
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
na produo at agora foi decorrente dos
dois primeiros fatores, abertura de novas
reas e aumento da produtividade. Da
dcada de 1970, a produtividade
aumentou de 1.300 para algo em torno
de 2.800 kg/ha em 2001. Esta
produtividade pode aumentar ainda
mais, pois bons produtores, com tcnicas
apropriadas, podero alcanar padres
mais altos.
A conservao do bioma Cerrado vai
depender da criao de novas unidades
de conservao e tambm da diminuio
da presso de ocupao agrcola. O
aproveitamento de reas com baixa
ocupao ou abandonadas por outras
culturas seria muito importante. Assim,
dos 49 milhes de hectares ocupados por
pastagens, estima-se que 30 milhes
estejam degradados, sendo solos,
teoricamente, potenciais para a
reincorporao ao sistema produtivo de
gros, plantios com espcies perenes e
sistemas agroflorestais. Esta rea
degradada trs vezes maior do que o
espao ora ocupado por todos os plantios
de gros. Entretanto, esta incorporao
depende de vrios fatores como a
disponibilidade de tcnicas de
recuperao do solo e do uso da gua
(pesquisa), estudos das necessidades
especficas para a prxima cultura
(pesquisa), a conscientizao e o
treinamento dos produtores (educao)
e a implementao de procedimentos
polticos e sociais que apiem o uso
destas reas (poltica).
POLTICAS PBLICAS
O estabelecimento apropriado e
eficiente de polticas pblicas para
conservao vai depender da dispo-
nibilidade de informaes coerentes e
atualizadas, da integrao e anlise das
informaes disponveis e a anlise dos
interessados em todos os nveis.
DISPONIBILIDADE DE
INFORMAES
As unidades de conservao de
proteo integral correspondiam a 1,5%,
at 1998, do bioma Cerrado. Se a este
nmero fossem somadas as unidades de
uso sustentvel, o Cerrado protegido no
passaria de 3% de sua extenso inicial
(Aguiar et al. 2003). A intensa
heterogeneidade florstica local e regional
aqui destacada tem conseqncias
importantssimas em planos de manejo
para o estabelecimento de unidades de
conservao. Assim, os dados florsticos
mostram que necessrio proteger
muitas reas relativamente menores no
sentido de representar adequadamente
a biodiversidade local e regional.
Todo esse conhecimento muito til
no momento de decidir localizao e
tamanho das unidades de conservao,
j que a ocupao humana nas ultimas
trs dcadas, seja por agricultura,
pastagem, produo de carvo,
urbanizao, entre outras, reduziu a
vegetao natural para algo ao redor de
30%. Muito embora no Cerrado, a
riqueza de espcies e endemismo sejam
altos (Mittermeier et al., 1999; Davis et
al., 1994 1997; Groombridge, 1992;
Heywood, 1995 apud Myers et al. 2000
e Brooks et al. 2002), a proteo
ambiental pequena e a taxa de
ocupao sensivelmente alta.Estimativas
de antropizao (incluindo urbanizao,
agricultura e reas pouco perturbadas
utilizadas como pastagem nativa) foram
de 40% em 1995 (Alho & Martins 1995);
59% em 1996 (Sano et al., 2002); de
67,1% em 1998 e de cerca de 70% em
1999 (Cerrado e Pantanal, 2002). Em
alguns estados como So Paulo e Paran,
por exemplo, somente pequenos
vestgios dessa vegetao natural
permanecem.
393
Ocupao e conservao
INTEGRAO E ANLISE DESSAS
INFORMAES
O desafio, portanto, est em agrupar
e associar toda a informao disponvel
do ambiente fsico e biolgico e dos
usurios, sejam eles comunidades
tradicionais ou novos assentamentos,
para estruturar sugestes para polticas
pblicas pertinentes e convincentes,
procurando atingir o desenvolvimento
sustentvel com uma agricultura mais
amigvel com o ambiente e com nfase
na conservao dos 20% de reserva
legal.
Alm disso, os dados disponveis
evidenciam que, para ser efetiva, a
conservao deve acontecer
considerando a integrao entre as
fisionomias. Conservar apenas a
vegetao ribeirinha, sem que sejam
levadas em conta a sua dinmica natural
e as relaes com as fisionomias
adjacentes seria ineficiente. Dessa
maneira, a interface com o campo mido
e o Cerrado sentido amplo muito
importante, principalmente no que diz
respeito s espcies pioneiras da
vegetao, transitrias como os animais
ou mesmo com o lenol fretico no solo.
Por outro lado, manter uma reserva
apenas com vegetao savnica
apresentaria srios problemas pela
ausncia de ligao com os ambientes
ribeirinhos, to importantes para a
manuteno da fauna. Bagno & Marinho-
Filho (2001) observaram que apenas
20% das aves do Distrito Federal so
independentes das florestas, ou seja, a
grande maioria ocorre tanto nos
ambientes abertos quanto nos florestais.
Muito embora englobem apenas 5% da
rea total do bioma Cerrado, 50% dos
endemismos e 24% das espcies
ameaadas de mamferos so encon-
tradas nessas matas (Marinho-Filho &
Gastal 2000), com srias evidncias de
que sirvam como corredores msicos
entre a Floresta Amaznica e a Mata
Atlntica, permitindo assim a manu-
teno da fauna caracterstica de
formaes florestais sem adaptaes
especficas a ambientes tipicamente
xricos (Redford & Fonseca, 1996).
INTERESSADOS
A principio, o objetivo nico e
principal almeja o capital monopolista e
a economia exportadora especializada
em produtos alimentcios e matria-
prima, onde a soja aparece como
elemento-chave. Atitudes, em futuro bem
prximo, devem considerar dois pontos:
a quem esse desenvolvimento interessa
(beneficirios) e qual a sua necessidade
de implantao em curto prazo, sem a
devida anlise das conseqncias dessas
atitudes.
A regio Centro-Oeste, em termos de
beneficirios, responde pela menor
participao da agricultura familiar no
pas, exatamente devido a esse alto
ndice de concentrao fundiria
(Expanso... 2000) de 500ha por
propriedade, estabelecido como padro
pela monocultura empresarial
(PRODECER II na regio de Balsas, por
exemplo). Com isso, percebe-se que h
um impacto econmico positivo para o
novo proprietrio da terra, enquanto por
outro lado, as populaes tradicionais
so pressionadas para um intenso
processo de xodo rural devido perda
de competitividade dos seus meios de
produo e das formas tradicionais de
manejo de recursos naturais.
Os impactos da ocupao agrcola
tecnificada, especialmente soja,
evidenciam uma rea de ocupao de 3%
do Cerrado em valores absolutos (Sano
et al., 2001), porm fundamental
discutir e considerar as conseqncias
394
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
indiretas ao estmulo de atividades
complementares, e tidas como de
desenvolvimento regional, como
implementos e insumos agrcolas,
comercializao, transporte e moradia
(Expanso... 2000).
Essas atividades econmicas, sem
dvida, vo implicar na demanda de
infra-estrutura que acaba influenciando
no surgimento de outras culturas anuais
(milho, feijo, arroz) ou perenes
(banana, abacaxi). O Centro-Oeste tem
implementado o estabelecimento de
agroindstrias para o processamento de
gros de soja que no foram admitidos
em outras regies do pas pelo impacto
ambiental dos subprodutos e dejetos.
Recomenda-se que a deciso da
localizao das reservas legais, leve em
considerao toda essa integrao. A
determinao do local da reserva,
geralmente, tomada pelo proprietrio
ou muitas vezes pelo seu encarregado,
o que torna a escolha muitas vezes
inapropriada, pois tomada com base
em um conhecimento insuficiente dos
recursos naturais disponveis. A ausncia
deste conhecimento deve ser suprida
com intensos programas de educao
ambiental.
Polticas de conscientizao,
educao e apoio para a ocupao
ambientalmente sustentvel seriam
imprescindveis. Liberao de recursos
para plantios agrcolas deveria estar
associada a tcnicas de plantio e a
preservao do solo, da gua, da
vegetao e da fauna. Este procedimento
deveria ser acompanhado de educao
ambiental, que estaria acontecendo com
toda a comunidade, das crianas at os
mais idosos. A sugesto seria a aplicao
da educao ambiental no sentido amplo
de Paulo Freire, ou seja, utilizando o
ambiente em que a comunidade vive
para educ-la; somente assim a
comunidade poderia valorizar corre-
tamente o ambiente onde vive. Isso se
torna mais crtico ao se constatar que o
nmero de produtores vindos de outras
regies do Brasil, no Cerrado, muito
alto. Foi verificado no Distrito Federal e
em seu entorno, por exemplo, que 82,5%
da populao amostrada nasceu fora
dessa rea, e que a grande maioria no
possua razes culturais vinculadas ao
ambiente Cerrado, pois seriam oriundas,
principalmente, das regies Sul, Sudeste
e Nordeste.
evidente que se os aspectos de
valorao ambiental tivessem sido
amplamente aplicados e divulgados
junto ao sistema privado de colonizao
e expanso da produo agropecuria
organizada por grandes empresas do
setor ou proprietrios capitalizados, os
resultados positivos sobre produo
sustentada e conservao j poderiam
ter sido colocados em prtica. Entretanto,
o procedimento at agora observado
parece conseqncia da pequena
articulao, tanto no aspecto setorial
quanto no espacial. Muito pouco tem
sido divulgado nas cooperativas do setor
de produo de gros sobre produo
sustentada e conservao. Alm disso,
essa divulgao ainda varia de regio
para regio. Esse desconhecimento pode
levar a atitudes precipitadas e
inconseqentes.
PROPOSIES
Este estudo prope transformaes
que devem partir dos seguintes
precedentes:
1) Desenvolvimento tem que ser
desdobrado em pleno
envolvimento, entendendo que o
prefixo des, nesse caso, no
deve ser compreendido como
395
Ocupao e conservao
negativa de envolvimento, tal
como em des-ligar (no ligar) e
des-conversar (no conversar);
2) Pleno envolvimento seria, ento,
assumir que conservao e
ocupao sustentada so como
faces de uma mesma moeda. Para
que essa moeda tenha mais valor,
as duas faces devem estar juntas,
lembrando que o ser humano
parte da natureza.
3) Devem acontecer em pelo menos
trs nveis (Tabela 2): Pesquisa,
Poltica e Educao e dependendo
da situao, em curto, mdio e
longo prazos. A matriz a seguir
apresenta os principais aspectos
desses nveis e prazos.
CONSIDERAES FINAIS
O bioma Cerrado regional e
localmente heterogneo, particular-
mente, no que diz respeito s espcies
vegetais raras e endmicas. Dessa
maneira, essencial a implementao de
um sistema de unidades de conservao,
que seja capaz de representar devida-
mente as subprovncias florsticas j
identificadas em vrios estudos e
Tabela 2. Transformaes na pesquisa, educao e nas polticas pblicas
propostas para mudar o entendimento sobre o valor ambiental do
bioma Cerrado
396
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
revisadas em Ratter et al., (2003). Alm
disso, todas as formaes florestais,
savnicas ou campestres, ali presentes
devem tambm ser consideradas e
includas nesse sistema, alm das
fitofisionomias e suas variaes
ambientais, como classes de solo e clima.
Fica bastante clara a necessidade de
criao de unidades de conservao em
chapadas de latossolo, devido intensa
seleo dessas reas para a ocupao
agrcola nas ultimas trs dcadas.
A importncia da implementao de
leis e procedimentos ambientalmente
amigveis premente. Decises devem
acontecer em seqncia e em diversos
nveis como polticas, pesquisas,
produtores e consumidores. Ento, como
tomadores de deciso so includos
aqui polticos, pesquisadores, produ-
tores, caseiros e at mesmo cada um de
ns, como consumidores de produtos
provenientes do Cerrado. Esse grupo
deve entender que o ambiente faz parte
do sistema de produo agrcola. o
ambiente que vai agir como filtro de
poluio de elementos essenciais para a
nossa sobrevivncia, como o ar e a gua,
alm de funcionar como sensor da
qualidade ambiental, indicando quando
o sistema est desequilibrado, pois sua
capacidade de suporte foi ultrapassada.
Somente com esses procedimentos
teramos possibilidades de garantir a
conservao do bioma Cerrado e
possibilitar a sustentabilidade da
produo agrcola com longa durao.
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Captulo 24 Captulo 24
Captulo 24 Captulo 24 Captulo 24
Manejo de
fragmentos de
Cerrado: princpios
para a conservao
da biodiversidade
Vnia R. Pivello
Departamento de Ecologia
Universidade de So Paulo
So Paulo, SP
Manejo de
fragmentos de
Cerrado: princpios
para a conservao
da biodiversidade
Vnia R. Pivello
Departamento de Ecologia
Universidade de So Paulo
So Paulo, SP
Captulo 24 Captulo 24
Captulo 24 Captulo 24 Captulo 24
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402
Ribeiro, Bridgewater, Ratter & Sousa-Silva
403
Manejo de fragmentos
POR QUE MANEJAR OS
ECOSSISTEMAS NATIVOS EM
UNIDADES DE CONSERVAO?
O processo de desenvolvimento que
se instalou nas regies Sudeste e Centro-
oeste do Brasil a partir do sculo 20,
acompanhado de grande crescimento
populacional, levou rpida procura por
terras agricultveis, locais para instalao
de indstrias e cidades, bem como
utilizao direta dos recursos da
natureza. Em decorrncia, os ecos-
sistemas nativos sofreram e ainda vm
sofrendo intensa fragmentao,
substituio e descaracterizao, sendo
que aqueles que hoje restam geralmente
constituem fragmentos pequenos e
isolados nas paisagens modificadas pelo
homem, ou, mesmo quando mais
extensos, tambm alterados em sua
composio, estrutura e processos. Alm
das perdas diretas de indivduos e
espcies, esses fragmentos sofrem
inmeras presses externas, vindas de
seu entorno alterado.
Diversas estratgias voltadas
proteo da biodiversidade existem,
sendo elas de ordem poltica, econmica,
educativa e ambiental, e devendo estar
todas interligadas. Na vertente am-
biental, a conservao in situ, por meio
do estabelecimento de unidades de
conservao, mostra-se como uma das
melhores alternativas para a manuteno
da biodiversidade nativa, uma vez que
se mantm no apenas as espcies, mas
tambm seus habitats, as relaes entre
elas e os processos ecolgicos.
Entretanto, a grande maioria das
reas hoje destinadas conservao
nada mais so do que pequenas ilhas
em meio ocupao urbano-rural,
sofrendo todo o tipo de presso do
entorno. Uma vez que resistncia,
resilincia e capacidade de auto-
sustentao dos ecossistemas so
propriedades que ocorrem dentro de
limites, mesmo a biodiversidade
protegida nas unidades de conser-
vao est sujeita a srios problemas e
a grandes perdas, advindas da
fragmentao e isolamento dos habitats
e das presses do entorno. Assim, o
processo de fragmentao de habitats
apontado como o principal responsvel
pelas atuais perdas de biodiversidade,
sejam elas em nvel gentico, especfico
ou ecossistmico (WWF, 1989). Essas
questes vm sendo muito bem
exploradas nas duas ltimas dcadas,
especialmente no contexto da ecologia
404
Pivello
de paisagens (Naveh & Liebermann,
1994; Forman, 1995; Meffe & Carroll,
1997; Primack et al., 2001; Turner et al.,
2001), com o intuito de fornecer
embasamento a alternativas para a
conservao biolgica.
Conclui-se, ento, que apenas a
criao de unidades de conservao no
suficiente para a manuteno do
patrimnio natural; tambm necessrio
que medidas de manejo sejam adotadas
para estas reas, bem como para toda a
paisagem onde se inserem. Intervenes
nos ecossistemas protegidos so
necessrias para direcionar seus
processos e evitar ou remediar
problemas que os levem deteriorao.
Os planos de manejo so uma
primeira abordagem para o estabe-
lecimento de diretrizes e aes para a
proteo dos recursos naturais,
entretanto, deve-se destacar outras
estratgias, como polticas e aes
institucionais de planejamento
incluindo a elaborao e o cumprimento
de zoneamentos regionais , polticas de
incentivos e acordos, bem como aes
de restaurao e reabilitao de reas
degradadas.
A BIODIVERSIDADE E A PROTEO
DO CERRADO
Um dos biomas que mais tem estado
sujeito ocupao e descaracterizao
o Cerrado
1
. Os fatores de induo do
desenvolvimento, aliados a uma poltica
governamental de incentivo agrcola no
Cerrado estabelecida na dcada de
1970 e desprovida de uma proposta
paralela de proteo ambiental,
resultaram num processo acelerado de
sua destruio e substituio. Ainda
hoje, o Cerrado visto como celeiro do
mundo ou rea de expanso da
fronteira agrcola, com estmulo oficial
sua substituio. Em conseqncia,
apenas 2,09% deste bioma protegido
nas diversas categorias de unidade de
conservao (situao em 18/02/2002,
IBAMA, 2002).
Dentre as constantes presses
antrpicas sobre o Cerrado, destacam-
se: queimadas, invases para sua
ocupao com moradias e agricultura de
subsistncia, entrada de gado, retirada
de lenha e de espcies medicinais, alm
da invaso biolgica por espcies
exticas.
Todavia, o Cerrado detentor de
imensa riqueza fisionmica - congre-
gando mais de 20 formas vegetacionais
florestais, savnicas e campestres
(Ribeiro & Walter, 1998) - e florstica,
tendo sido registradas mais de 6.000
espcies vasculares para esse domnio
morfoclimtico (Mendona et al., 1998).
Seguindo uma paisagem diversificada e
com grande variabilidade de habitats, a
fauna do Cerrado apresenta-se tambm
exuberante, com cerca de 1.270
vertebrados terrestres. O grupo das aves
o mais rico, estando representado por
mais de 800 espcies; seguido pelos
mamferos, anfbios e rpteis (Myers et
al., 2000).
Desde h vrias dcadas, j se
reconhece o alto grau de peculiaridade
e endemismo da flora do Cerrado
(Rizzini, 1971; 1997; Goodland & Ferri,
1979), entretanto, contrariando idias
mais antigas, o maior conhecimento de
sua fauna tambm vem mostrando
padro semelhante, com grande nmero
de espcies endmicas s fisionomias do
bioma. Silva & Bates (2002), congre-
gando dados de diversos trabalhos,
mostram graus de endemismo da
1
Cerrado, iniciado com letra maiscula, refere-se, no presente texto, ao bioma ou ao domnio morfoclimtico;
quando iniciado com letra minscula, refere-se a ambientes de cerrado.
405
Manejo de fragmentos
magnitude de 44% para plantas
vasculares, 30% para anfbios, 20% para
rpteis, 12% para mamferos e 1,4% para
aves.
Essa imensa riqueza biolgica, com
alto grau de endemismo, merece, sem
dvida, maior ateno e dedicao sua
proteo, por meio de estratgias
conservacionistas diversas e manejo
adequado.
O MANEJO DE FRAGMENTOS DO
CERRADO
A grande maioria das unidades de
conservao brasileiras no recebe aes
de manejo sobre sua biota. Isso decorre
de polticas ambientais ultrapassadas,
excessivamente conservadoras, que no
admitiam interveno alguma nos
ambientes protegidos. Essa defesa da
no-ao decorre, em parte, por se
acreditar que ainda falta o conhecimento
necessrio para o estabelecimento das
aes de manejo e, em parte, em virtude
da legislao brasileira ter sido,
historicamente, muito restritiva em
relao s unidades de conservao.
No primeiro caso, a insegurana
poderia ser justificada em parte, pois h,
realmente, grandes lacunas de
conhecimento em relao dinmica de
nossos ecossistemas. Essas lacunas
ocorrem em diversos nveis: na coleta
dos dados, na anlise e sntese das
informaes, na disseminao do
conhecimento e em sua recepo
(Pivello, 1992). Por outro lado, ampla
a gama de dados j obtidos para o
Cerrado, teis para subsidiar seu manejo;
entretanto, grande parte desse
conhecimento biolgico e fisiogrfico
est sob forma descritiva e necessita ser
organizado, analisado e trabalhado sob
uma perspectiva prtica, e ainda
integrado a aspectos sociais e
econmicos, para sua utilizao no
manejo ambiental. Mais do que isso, a
informao precisa chegar aos agentes -
os tcnicos responsveis pelas unidades
de conservao - e aos decisores, que
elaboram as diretrizes e normas a serem
adotadas. Em suma, o conhecimento
prtico deve ser gerado e a comunicao
entre as partes envolvidas no sistema de
proteo ao meio ambiente necessita ser
grandemente melhorada (Pivello, 1992).
Quanto legislao ambiental
brasileira, grandes progressos tm
ocorrido a partir dos anos de 1980,
voltados proteo dos remanescentes
nativos, entretanto, as determinaes na
legislao tm sido sempre voltadas
restrio de usos e aes, e raramente
ao manejo ativo. Mesmo havendo, na
legislao, a permisso para aes de
manejo ecolgico em unidades de
conservao (por exemplo: Decreto
Federal n. 84.017, de 21/9/1979;
Resoluo CONAMA n. 11, de 14/12/
1988; Decreto Federal n. 97.635, de 10/
5/1989), estas s podem ser aplicadas
quando estabelecidas em seus planos de
manejo. Ainda, o Sistema Nacional de
Unidades de Conservao (SNUC),
institudo em julho de 2000 (Lei Federal
n. 9.985), embora tenha corrigido
vrias incompatibilidades anteriormente
existentes, no suficientemente claro e
detalhado quanto aos objetivos das
unidades de conservao e quanto s
intervenes permitidas, o que reflete
tambm em deficincias nos planos de
manejo.
Para a grande maioria das unidades
de conservao que protegem o Cerrado,
os planos de manejo, quando existem,
so antigos e no-direcionados ao
manejo ecolgico das comunidades, mas
sim a aspectos administrativos. O meio
biofsico tratado de forma
extremamente descritiva e aes prticas
diretamente voltadas ao manejo da flora
e da fauna praticamente inexistem.
406
Pivello
Desta forma, pode-se perceber que
o principal passo para o manejo ativo
em unidades de conservao do Cerrado
est na re-elaborao dos planos de
manejo. Nestes, deve haver, primei-
ramente, uma delimitao muito clara
dos objetivos para a rea, seguida de um
bom diagnstico da situao atual e do
delineamento de cenrios futuros e
desejados. Nesta ltima etapa, as
principais perguntas a serem respon-
didas so: O que fazer? Quando (etapas)?
Como? Com que recursos (materiais e
humanos)?
PRINCIPAIS PROBLEMAS
ECOLGICOS DO CERRADO
Dentre os problemas enfrentados
pelas unidades de conservao do
Cerrado, considera-se que trs merecem
especial destaque, devido frequncia
com que ocorrem e magnitude dos
danos decorrentes: incndios causados
por queimadas acidentais, invases
biolgicas e fragmentao de habitats.
Queimadas acidentais
Embora as queimadas sejam um
componente natural dos cerrados, as
atividades humanas alteraram profun-
damente o regime de fogo, aumentando
muito sua freqncia e, possivelmente,
alterando a poca de sua incidncia
(Coutinho, 1990; Pivello, 1992; Ramos-
Neto & Pivello, 2000). Hoje, a grande
maioria das queimadas acidentais
iniciam-se prximas aos limites das
unidades de conservao, associadas a
fazendas vizinhas, estradas, caadores
ou pescadores. Entretanto, queimadas
naturais, causadas por raios, podem
ocorrer e mostraram-se bastante
freqentes no Parque Nacional das Emas
(GO) (Ramos-Neto & Pivello, 2000).
Queimadas acidentais podem se
transformar em grandes incndios, de
rpida propagao. Quando h grande
acmulo de material combustvel, a
intensidade do fogo pode ser alta,
prejudicando a biota - causando a morte
de animais de locomoo mais lenta,
especialmente os tamandus, e de
elementos lenhosos da vegetao (Sato
& Miranda, 1996) - e ameaando
comunidades humanas prximas.
Entretanto, muitos benefcios tambm
provm das queimadas biota do
Cerrado, por meio da ciclagem dos
nutrientes acumulados na serapilheira,
do estmulo florao, frutificao,
brotamento e germinao de vrias
plantas, e conseqente aumento da oferta
de alimento aos animais, dentre outros
(Coutinho, 1990).
Invases biolgicas
Praticamente todas as unidades de
conservao que visam proteo do
Cerrado encontram-se hoje invadidas por
espcies exticas, que l encontraram
ambiente propcio e ausncia de inimigos
naturais. Dentre estas, as mais
abundantes so as gramneas africanas
Melinis minutiflora (capim-gordura),
Hyparrhenia rufa (capim-jaragu),
Panicum maximum (capim-colonio) e
Brachiaria spp. (braquirias), introdu-
zidas como forrageiras, alm da
pteridfita Pterydium aquilinum. No
estado de So Paulo, Pinus elliottii
tambm se tornou espcie invasora em
algumas unidades de conservao
prximas a silviculturas.
Pesquisas relacionando invasoras
em cerrados e seus efeitos so ainda
muito poucas, entretanto, em reservas
de cerrado em So Paulo, j foram
verificados provveis efeitos
competitivos entre Melinis minutiflora e
Brachiaria decumbens e as herbceas
nativas, com perigo de excluso destas
ltimas (Pivello et al., 1999-a; 1999-b).
Estas gramneas exticas mostraram-se
407
Manejo de fragmentos
dominantes tanto na poro vegetativa
como no banco de sementes do solo
(Freitas, 1999; Pivello et al., 1999-a;
1999-b). Alm disso, as gramneas
exticas produzem grande quantidade de
biomassa, altamente inflamvel,
aumentando o risco de incndios durante
a estao seca.
Fragmentao de habitats
O Cerrado encontra-se hoje num alto
grau de fragmentao e os fragmentos
remanescentes apresentam-se como
ilhas, circundados por pastos ou
grandes monoculturas, principalmente
de gros (sobretudo soja), cana-de-
acar ou rvores exticas fornecedoras
de madeira e celulose.
Essa situao de fragmentao tem
levado a grandes perdas de biodi-
versidade, locais e regionais, seja
diretamente pela substituio de espcies
nativas por outras de interesse
econmico (pastagens e culturas), seja
pelo pequeno tamanho dos fragmentos
remanescentes que se tornam
incapazes de suportar populaes
viveis ou ainda, pelo seu isolamento,
encontrando-se cercados por uma matriz
hostil e, portanto, incapazes de manter
fluxos de matria e energia com outros
fragmentos semelhantes. A insularizao
expe os fragmentos naturais aos efeitos
de borda, invaso de espcies exticas
e a alteraes em sua estrutura e
funcionamento, devido a mudanas em
caractersticas de luminosidade e
temperatura, entre outras.
Alm de pequenas e isoladas, as
reas protegidas no Cerrado so muito
poucas em relao extenso territorial
que esse bioma originalmente ocupava.
O Cerrado permaneceu secundrio nas
preocupaes ambientais, mais voltadas
aos ecossistemas florestais; apenas
recentemente, maior ateno tem sido
dada sua proteo. Ainda, as poucas
reas protegidas de cerrado que existem
so mal distribudas e, por todas as
razes citadas poucas, pequenas,
isoladas e mal distribudas ineficientes
em sua funo de proteo ao bioma.
No h zonas-tampo, tampouco h o
cumprimento da legislao ambiental, no
sentido de se manter as reas de
preservao permanente (APPs) - em
zonas riprias e nascentes, topos de
morros, altas declividades. Poucos so
os proprietrios que mantm as reservas
legais exigidas por lei. Em suma, os tipos
e formas de uso das terras no entorno
das unidades de conservao raramente
respeitam a legislao e denotam
ausncia de planejamento regional.
ALTERNATIVAS DE MANEJO
Este item considerar algumas
alternativas para lidar com os trs
principais problemas apontados para os
fragmentos de cerrado sob forma de
unidades de conservao.
H diferentes nveis de abordagem
para o manejo dos ecossistemas,
dependendo do tipo de problema
existente e dos objetivos desejados, tais
como: manejo de populaes e
comunidades, manejo de habitats, ou
manejo da paisagem. Por exemplo, um
problema de invaso biolgica pode ser
tratado junto espcie invasora (manejo
da populao), ou comunidade
invadida; ou o enfoque pode ser voltado
recuperao do habitat afetado, ou
ainda, podem ser aplicadas medidas que
alterem os usos das terras ou as relaes
espaciais entre os elementos da
paisagem. Dentro destas abordagens, h
ainda estratgias preventivas e
remediadoras (Wittenberg & Cock,
2001).
408
Pivello
Iniciando, ento, pelo problema das
invases biolgicas e, mais especif-
icamente, considerando as invases por
gramneas africanas nos cerrados,
percebe-se que quase no h estudos
sobre o controle dessas espcies, uma
vez que so de interesse econmico e a
grande maioria dos estudos tem o
objetivo oposto, ou seja, so voltados
ao aumento de sua produtividade. ,
portanto, premente a necessidade de
experimentao, in loco e em laboratrio,
para se testar tcnicas de combate
mecnico, qumico e de arranjo espacial
dos elementos na paisagem, a fim de
controlar a invaso dessas gramneas
exticas.
Dentre as tcnicas mecnicas, o
arranquio, o corte e o sombreamento
podem ser opes, embora adequadas
para situaes diferentes. O arranquio
manual ou mecanizado tem a grande
desvantagem de revolver o solo, o que,
para vrias dessas espcies, pode
estimular ainda mais sua disseminao,
uma vez que se observa seu estabe-
lecimento em reas preferencialmente
perturbadas (Coutinho, 1982-a; 1982-b;
Freitas, 1999). Entretanto, pode ser
aplicado em focos pequenos e isolados,
tomando-se o cuidado de exercer
perturbaes mnimas.
A opo pelo corte raso tem por
princpio a retirada de nutrientes por
meio da biomassa epgea e o
conseqente enfraquecimento da planta.
A melhor poca e frequncia de aplicao
devem ser testadas. Imagina-se que o
sombreamento tambm promova
enfraquecimento e morte das gramneas
invasoras, especialmente por elas terem
metabolismo C
4
(Klink & Joly, 1989;
Mozeto et al ., 1996). O grau de
sombreamento, porm, deve ser testado
e balanceado para que no afete
severamente as espcies nativas.
O fogo pode ser outra alternativa
para o controle de gramneas exticas.
No caso de Melinis minutiflora, h
controvrsia quanto sua resistncia ao
fogo (Asner & Beatty, 1996; Costa &
Brando, 1988; DAntonio & Vitousek,
1992), entretanto, observou-se ao longo
de vrios anos que, nos cerrados,
queimadas peridicas a cada 2-3 anos,
principalmente se conduzidas durante
sua florao, podem reduzir seu vigor e
favorecer as herbceas nativas (Pivello,
1992). Essa estratgia de manejo da
comunidade visa, portanto, aumentar a
capacidade competitiva das nativas em
relao a essa invasora.
Contrariamente, tem sido observado
que o fogo parece estimular o
crescimento da Brachiaria decumbens
(agora, concordando com Aronovich &
Rocha, 1985; DAntonio & Vitousek,
1992 & Filgueiras, 1990). Esta espcie
tem se mostrado extremamente agressiva
em fragmentos de cerrado do estado de
So Paulo, com vantagem competitiva
sobre as nativas e at mesmo sobre
Melinis minutiflora (Pivello et al., 1999-
a; 1999-b), formando grandes manchas
monoespecficas onde se estabelece. Em
casos assim, e cientes de todos os riscos
ambientais possveis numa unidade de
conservao, acredita-se que o controle
qumico, por meio de herbicidas de baixo
efeito residual, seja uma das
pouqussimas opes para o controle
dessa invasora (Pivello, 1992; Durigan
et al., 1998). Certamente, todas as
precaues devem ser tomadas para se
evitar poluio do solo e corpos dgua
ou envenenamento de animais. Tcnicas
mistas, com a combinao de fogo e
herbicida, ou fogo e corte, bem como o
sobrepastejo nas manchas monoes-
pecficas de Brachiaria, especialmente
quando estas se situam nas bordas da
unidade de conservao e permitem
maior controle dos animais, tambm
merecem ser testadas.
409
Manejo de fragmentos
Dentre as tcnicas preventivas, uma
das estratgias pode ser a manipulao
dos elementos da paisagem com a
finalidade de dificultar o fluxo de
disporos das espcies potencialmente
invasoras. O uso de cortinas verdes -
barreiras para minimizar a ao do
vento, estabelecidas pelo plantio de
espcies preferencialmente lenhosas -
comum em agrossilvicultura,
especialmente para a conservao do
solo e diminuio da eroso (Bilbro &
Fryrear, 1997; Peri & Bloomberg, 2002).
Todavia, considerando-se que as
gramneas se dispersam eficientemente
pelo vento, a instalao de cortinas
verdes ao redor de unidades de
conservao pode ser uma opo para
diminuir a chegada das sementes
anemocricas das invasoras (With,
2002). Esta tcnica, entretanto, necessita
ser testada quanto sua eficcia. O
planejamento de uso das terras no
entorno das unidades de conservao,
com o estabelecimento de zonas-tampo
preferencialmente ocupadas por espcies
arbreas perenes, e no por espcies
forrageiras, tambm poderia minimizar
a chegada de propgulos de gramneas
invasoras nos ecossistemas nativos.
Existem prs e contras em relao a
todas as tcnicas acima citadas. As
opinies divergem quanto sua eficcia,
ainda mais porque as invasoras podem
responder diferentemente aos
tratamentos. Entretanto, quase nada
ainda foi testado. Sem experimentos que
elucidem a questo, as invases vo
progredindo rapidamente nos cerrados.
O problema das queimadas
acidentais nos cerrados outro assunto
polmico. Muitos defendem a excluso
do fogo nas reservas, pelo aparente dano
que causam. Entretanto, se esquecem
que essa biota evoluiu com o fogo e que
depende, em diversos aspectos, de
queimadas peridicas para sua
manuteno (Coutinho, 1980; 1990;
Pivello, 1992). Os diversos registros de
fragmentos de carvo vegetal fssil
encontrados em regies de cerrado
(Coutinho, 1981; Salgado-Labouriau &
Ferraz-Vincentini, 1994; Pessenda et al.,
1998) reforam a idia de que o fogo fez
parte da evoluo dessa vegetao.
No estado de So Paulo,
principalmente, tem sido observada a
descaracterizao da flora em unidades
de conservao de cerrado que vm
sendo mantidas h mais de duas dcadas
sem fogo (neste caso, merece destaque
a Reserva Biolgica de Mogi-Guau,
Fazenda Campininha), onde espcies
tpicas do estrato herbceo vo se
tornando raras, ou inexistentes, e as
exticas passam a dominar. Ainda, o
total impedimento de queimadas difcil
e custoso, pois exige vigilncia
permanente na poca de estiagem,
principalmente na poro nuclear do
bioma - onde o clima mais seco.
Inevitavelmente, a rea acaba por
queimar e, quando o fogo vem, aps
vrios anos de material combustvel
acumulado, torna-se de grande
intensidade e, a sim, danoso.
A maneira mais prtica e menos
dispendiosa para diminuir a incidncia
de queimadas acidentais em unidades
de conservao de cerrado por meio
do consumo peridico do material
combustvel acumulado, promovendo-se
queimadas prescritas e controladas, de
baixa intensidade e em mosaico. Neste
caso, seriam queimadas vrias pequenas
pores das unidades de conservao a
cada ano, alternadamente, mantendo-se
sempre reas recm-queimadas,
queimadas h mais tempo e nunca
queimadas (fisionomias riprias e
florestais), onde estas ltimas
forneceriam abrigo para os animais
410
Pivello
durante a passagem do fogo e para o
banco de sementes de espcies menos
tolerantes ao fogo. As reas recm-
queimadas, desprovidas de material
combustvel, atuariam como aceiros,
impedindo o alastramento do fogo, no
caso de queimadas acidentais, para
grandes extenses. A intensidade do fogo
pode ser controlada pela quantidade e
grau de dessecao do material
combustvel, alm de parmetros
climticos locais (Pivello, 1992; Pivello
& Norton, 1996; Ramos-Neto & Pivello,
2000).
Alm de diminuir o risco de
incndios, as queimadas prescritas
atuam no sentido de manter a
diversidade bitica do Cerrado
favorecendo as espcies adaptadas e
dependentes do fogo e reciclando
nutrientes, controlando certas espcies
invasoras, aumentando a quantidade de
forragem e frutos aos animais do estrato
herbceo. Esse instrumento de manejo
vem sendo usado h pelo menos duas
dcadas em diversos parques nacionais
que conservam savanas, tanto na
Austrlia como na frica do Sul
(Edwards, 1984; Parsons et al., 1986;
Schullery, 1989; Australian National
Parks and Wildlife Service, 1991; Conroy
et al., 1997; Russel-Smith, 1997), com
xito na manuteno da diversidade
florstica e faunstica.
Ressalta-se, entretanto, que o fogo
deve ser utilizado apropriadamente e
com segurana, para no trazer
consequncias desastrosas. As
queimadas prescritas devem seguir
especificaes detalhadas quanto ao
regime de fogo mais adequado, o
tamanho da rea a ser queimada, as
reas a serem protegidas, as condies
climticas ideais, os aceiros a serem
instalados. Maiores detalhes quanto a
estes aspectos encontram-se em Pivello
(1992) e Pivello & Norton (1996).
O terceiro grande problema
apontado para os cerrados diz respeito
fragmentao de seus habitats. Grande
parte dos efeitos da fragmentao
decorre da falta de planejamento das
atividades produtivas humanas e do no-
cumprimento legislao ambiental.
Em recente anlise do uso das terras
na regio de Santa Rita do Passa Quatro
(SP), onde se localiza o Parque Estadual
de Vassununga, foi observada uma
tendncia ao total aproveitamento do
espao fsico das propriedades com
culturas, sem a manuteno das reas
de proteo ambiental e reservas legais,
determinadas em lei. Esse padro ocorre
na maior parte da regio do Cerrado,
levando ao isolamento da biota e
degradao do meio fsico, com eroso
acentuada e prejuzos aos corpos d gua
(Korman, 2003). Verificou-se tambm
que, apenas com o cumprimento da
legislao ambiental, a situao de
conectividade entre as unidades de
conservao j aumentaria muito. A
regio do Cerrado rica em rios de
diversas ordens, e a manuteno dos
corredores riprios poderia estabelecer
a interligao entre diversos fragmentos.
Outros remanescentes da vegetao
nativa poderiam ser preservados, mesmo
que pequenos, podendo funcionar como
stepping stones - ou trampolins
biolgicos - para diversas espcies
(Korman, 2003).
O planejamento de uso das terras no
entorno das unidades de conservao,
com o estabelecimento de zonas tampo
e de culturas agrcolas que permitissem
maior permeabilidade da matriz biota
nativa constituem outra medida
necessria, mas de implementao em
mdio e longo prazos. Ainda, o
estabelecimento de prticas agrcolas
adequadas capacidade de suporte das
terras e a aplicao racional de
411
Manejo de fragmentos
agroqumicos minimizaria a perda de
habitats por eroso, o assoreamento e a
contaminao de corpos dgua, e a
morte de animais por envenenamento
como frequente em unidades de
conservao vizinhas de grandes
fazendas de soja e cana-de-acar,
situaes tpicas dos estados de Gois e
So Paulo, respectivamente.
Entretanto, todas essas medidas,
para serem implementadas e tornarem-
se efetivas, necessitam passar por um
sistema rgido de fiscalizao ambiental,
educao e conscientizao da
populao, especialmente dos residentes
nos arredores de unidades de
conservao. O estabelecimento de
incentivos fiscais e crditos agrcolas so
tambm eficientes instrumentos de
estmulo proteo ambiental.
Por fim, o constante monitoramento
das aes de manejo necessrio para a
verificao do alcance das metas,
determinando a continuidade das aes
estabelecidas, complementao com
novas aes/tcnicas, ou mudanas de
rumo.
CONSIDERAES FINAIS
Uma vez que o maior objetivo das
unidades de conservao a manuteno
da mxima diversidade de seres vivos e
de ambientes naturais, fica claro que
intervenes de manejo tornam-se
necessrias quando esses objetivos no
esto sendo atingidos.
H necessidade de se rever diretrizes
ambientais e legislao para adequ-las
ao manejo de reas protegidas, tornando-
as capazes de atender realidade de
nossas unidades de conservao. Os
planos de manejo necessitam de urgente
reviso e atualizao, ou elaborao, no
caso das unidades de conservao que
nem mesmo os possuem. Devem ser
claramente definidos os objetivos das
unidades de conservao e as aes
prticas para a soluo de problemas
ecolgicos e no apenas administrativos.
Em todos esses nveis legislao,
planos de manejo, diretrizes maior
integrao entre decisores e tcnicos
necessria para que definam as
prioridades e tcnicas de manejo,
contemplando as necessidades e
limitaes. A difuso do conhecimento
gerado em universidades e instituies
de pesquisa aos decisores e tcnicos
tambm fundamental para melhorar a
qualidade dos planos de manejo.
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Caracterizao dos
ecossistemas
aquticos do
Cerrado
Claudia Padovesi Fonseca
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia - DF
Captulo 25 Captulo 25
Captulo 25 Captulo 25 Captulo 25
Caracterizao dos
ecossistemas
aquticos do
Cerrado
Claudia Padovesi Fonseca
Departamento de Ecologia
Universidade de Braslia
Braslia - DF
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Pivello
417
Ecossistemas aquticos
INTRODUO
A regio nuclear do Cerrado no
Brasil, considerada mais caracterstica e
contnua, ocupando dois milhes de
km2, est situada no Planalto Central
Brasileiro (Brasil, 1998). O relevo
apresenta extensas superfcies planas a
suaves onduladas, as chapadas, situadas
em cotas elevadas de altitude (acima de
1000m). A predominncia de terras altas
nesta regio fornece condies para que
as suas guas superficiais sejam
drenadas por trs principais bacias
hidrogrficas do pas: Tocantins/
Araguaia, So Francisco e Paran
(Ferrante et al., 2001). Com isso, esta
regio representa o principal divisor das
guas no pas. Nascentes e uma infinita
rede de ecossistemas lticos de pequeno
porte, como riachos e crregos, fluem
em profuso. Lagoas naturais e zonas
midas so formadas pelo afloramento
das guas subterrneas. Com isso, a
regio nuclear do bioma Cerrado
considerada o bero das guas
brasileiras.
A obteno de guas de boa
qualidade para diversos usos pela
humanidade considerada uma das
questes mais contundentes na
atualidade. gua um recurso de alto
valor, com potenciais usos como:
gerao de energia eltrica,
abastecimento domstico e industrial,
navegao, irrigao, recreao,
piscicultura e pesca, entre outros.
Constitui, dessa forma, uma das maiores
riquezas do planeta.
A posse das fontes naturais e
nascentes elemento-chave para a
obteno de gua e na gesto de recursos
hdricos regionais. O Brasil detm uma
parcela expressiva dos deflvios dos rios
do mundo, ou seja, 12,7% de deflvio
esto em suas redes hidrogrficas (Brasil,
1998). O bioma Cerrado oferece
mananciais ainda preservados e muito
valorizados. Grande parte das nascentes
est localizada em reas de proteo
ambiental e de difcil acesso, o que de
alguma forma impede o avano da
ocupao e uso dos recursos ambientais
pela populao nestas reas, embora
uma parcela significativa seja ocupada
irregularmente.
Se por um lado o ncleo do Cerrado
brasileiro especial por representar a
regio de nascentes e divisor de guas,
418
Fonseca
por outro lado, h de ter habilidades na
gesto de seus recursos hdricos pelas
dificuldades inerentes em acumular e
utilizar esta profuso de guas
superficiais e subterrneas. O volume de
gua nos continentes finito e os
mananciais esto irregularmente
distribudos. Atualmente, sua disponi-
bilidade diminui gradativamente devido
degradao ambiental, ao crescimento
populacional desordenado e expanso
de fronteiras agrcolas (Klink, et al.,
1995).
O lenol fretico, que a parte das
guas subterrneas localizada mais perto
da superfcie, bem raso, e chega a
aflorar em alguns pontos, formando as
nascentes. A primeira impresso que
nesta regio a gua abundante. Na
realidade, a gua de boa qualidade,
mas escassa. Os assentamentos
humanos em reas de recarga que
abastecem os lenis freticos tornaram-
se um dos principais problemas no uso
da gua nesta regio dos cerrados. Os
aqferos tendem a ser de pequeno porte,
e os assentamentos humanos rurais e
urbanos atendidos com guas subter-
rneas reduzem expressivamente a sua
recarga. Com isso, muitos olhos dgua
e at lagoas naturais esto secando
(Campos & Freitas-Silva, 1998).
O Cerrado representa um dos
maiores biomas pertencente ao domnio
morfoclimtico do Brasil e da Amrica
do Sul, com uma biodiversidade compa-
rada amaznica (Oliveira & Marquis,
2002). Alm da alta biodiversidade, o
Cerrado considerado um bioma com
elevado grau de endemismo (Myers et
al., 2000). As atividades humanas, como
agropecuria e minerao, propiciaram
um avano econmico no centro-oeste
do Brasil, com quase 35% de sua rea
substituda por pastagens e
monocultivos (Klink et al., 1995). Com
estas atividades realizadas de forma
inadequada, foram produzidos diversos
impactos sobre o meio ambiente. A
contaminao das guas subterrneas e
superficiais, assoreamento dos cursos
dgua e perda de matas riprias
constituem os principais impactos sobre
a biota aqutica no Cerrado.
consenso que, apesar dos esforos
de estudos sobre a fauna e flora do
Cerrado, com a estimativa de 160 mil
espcies, ainda pouco se conhece sobre
a biodiversidade deste bioma. Esta
situao notvel para diversidade de
grupos aquticos, como invertebrados,
algas, macrfitas aquticas e peixes
(Conservation International, 1999).
O presente captulo apresenta uma
caracterizao geral dos ecossistemas
aquticos naturais do Cerrado e sua
importncia sobre a comunidade
aqutica. A biota aqutica apresentada
com limitaes devido ao seu pouco
conhecimento dentro deste bioma.
CARACTERIZAO DOS
ECOSSISTEMAS AQUTICOS
O Cerrado apresenta uma variedade
de ecossistemas aquticos naturais. Alm
de corpos dgua lticos (guas cor-
rentes) e lnticos (guas paradas), tm-
se a presena de outros sistemas
aquticos especficos para esta regio,
que esto associados s reas inun-
dveis, inseridas nas categorias das
zonas midas. Segundo a Conveno de
Ramsar (1971), considerada zona
mida toda extenso de pntanos,
charcos e turfas, ou superfcies cobertas
de gua, de regime artificial ou natural,
permanentes ou temporrias, doce,
salobra ou salgada.
A presena e ampla extenso de
zonas midas no Cerrado brasileiro
419
Ecossistemas aquticos
uma peculiaridade notvel, trazendo
uma amplificao entre os meios
ambientes terrestre e aqutico, e uma
rea de investigao cientfica ainda
muito pouco explorada.
ECOSSISTEMAS AQUTICOS
LTICOS
Os ecossistemas aquticos lticos
compem os cursos dgua superficiais
dos continentes. Um grande nmero de
riachos e de ribeires participa dos
sistemas de drenagem no Cerrado. uma
rede hidrogrfica de pequenos cursos
dgua que nascem nas encostas das
chapadas, e na poro inicial e mais alta,
so originalmente protegidos por uma
densa mata de galeria (Ribeiro et al.,
2001). Em condies naturais so muito
pobres em nutrientes, levemente cidos
e com baixa condutividade eltrica (at
10S/cm). Por serem rasos, de pequeno
porte e sombreados, a temperatura da
gua no varia muito ao longo do ano
(17 a 20
o
C). Em certos casos, rios
considerados mais quentes, a
temperatura da gua pode chegar a
25
o
C na poca chuvosa (Rocha, 1990).
As caractersticas hidrolgicas,
qumicas e biolgicas de um crrego
refletem o clima, a geologia e a cobertura
vegetal de sua bacia de drenagem
(Hynes, 1970; Giller & Malmqvist, 1999).
Os cursos dgua desta regio so de
planalto e perenes, com as principais
bacias hidrogrficas identificadas por um
padro de drenagem radial (Ferrante et
al., 2001). Pelas caractersticas de rios
de planalto, comum apresentarem
corredeiras ou mesmo grandes quedas
dgua, formando cachoeiras.
Os ecossistemas lticos de pequeno
porte so caracterizados por um
movimento dgua ao longo de seu eixo
longitudinal, com materiais dissolvidos
e partculas em suspenso. Estes
materiais, tanto dissolvidos como em
suspenso, so em grande parte
provenientes da bacia de drenagem, com
uma ampla superfcie de interao com
o ambiente terrestre. Esta tendncia
decorre do fato destes riachos serem
mais extensos que largos, alm de serem
bem rasos (Wetzel & Likens, 2000).
A vegetao ribeirinha formada por
matas formando corredores fechados, as
matas de galeria (Ribeiro e Walter, 1998).
Estas matas so localizadas em fundos
de vales ou nas cabeceiras dos riachos,
e acompanham os cursos dgua de
pequeno porte. Em riachos de mdio e
grande porte do Cerrado, a vegetao
ripria sofre modificaes, com faixas
mais estreitas e sem a formao de
galerias, descrita como mata ciliar
(Ribeiro e Walter, op. cit.).
A proporo de chuvas que entra nos
riachos depende de vrios fatores
regionais, como o tipo de solo e
desenvolvimento da vegetao marginal,
relevo, entre outros. O clima
predominante na regio do Cerrado
tropical de savana, segundo
classificao de Kppen. Apresenta uma
estao chuvosa e mais quente, entre
outubro e abril, e uma estao seca e
mais fria, entre maio e setembro. A
regio pode ficar sem chuvas por at trs
meses, diminuindo expressivamente a
vazo e velocidade de corrente dos
riachos, em especial nos trechos mais
planos e sinuosos (Abreu, 2001).
Aps um perodo seco prolongado
no Cerrado, as primeiras chuvas
geralmente so incorporadas pela
vegetao e solos da bacia, no atingindo
diretamente os cursos dgua. As chuvas
subseqentes tendem a entrar nos
riachos, aumentando a vazo e a
correnteza, notadamente em trechos
situados perto das cabeceiras. Durante
420
Fonseca
a poca chuvosa, os cursos dgua ficam
mais largos e um pouco mais profundos.
As chuvas neste perodo so freqentes
e quase dirias, mas com intensidade e
volume variveis, produzindo picos de
vazo.
Na regio do Cerrado, os solos
hidromrficos so importantes ao longo
dos crregos e nascentes dos principais
rios (Ferrante et al., 2001). Estes solos
so associados ao afloramento do lenol
fretico, com relevos geralmente de
planos a suave ondulados. A vegetao
de mata de galeria tpica deste tipo de
solo, e pode tambm ocorrer em campos
de murundus e nascentes. Apesar de a
mata ciliar acompanhar um curso
dgua, no est relacionada com lenol
fretico superficial (Ribeiro & Walter,
1998).
A presena da vegetao ripria em
cursos dgua no Cerrado exerce papel
fundamental na preservao da
biodiversidade da biota aqutica. A
cobertura densa desta vegetao impede
a incidncia direta de raios solares, o que
tende a reduzir a produtividade primria
realizada pelos vegetais aquticos. A
escassez de luz associada corrente
fluvial e pobreza de nutrientes limitam
o desenvolvimento de organismos
aquticos, e, por conseguinte influen-
ciam toda a rede alimentar. Por outro
lado, a presena de vegetao ripria
evita o aquecimento excessivo da gua,
fornece energia alctone com a entrada
de folhas, frutos e sementes no curso
dgua, alm de evitar a eroso das
margens e fornecer condies ambientais
para reproduo de muitas espcies. Os
materiais alctones, como restos vegetais
ou mesmo insetos, so fontes adicionais
de alimento ao sistema ltico, conferindo
elos na amplificao da rede alimentar
(Margalef, 1983). Dessa forma, espcies
presentes no Cerrado exercem papel
relevante no estudo da biodiversidade,
pois muitas ocorrem sob condies
ambientais diferenciadas e endmicas
regio.
Atualmente, em extensas reas, a
vegetao ripria no Cerrado se encontra
bastante alterada ou at inexistente, e
muitas vezes substituda por gramneas
(Ribeiro et al., 2001). Eroso das margens
e assoreamento dos cursos dgua, alm
de poluio e contaminao de suas
guas so as principais conseqncias
dos usos das bacias de drenagem pela
populao humana. Atividades como
minerao, com a retirada de cascalho
do leito dos rios, lanamentos de esgotos
domsticos e agrotxicos usados na
agricultura representam os principais
agentes de degradao da qualidade de
gua e perda de biodiversidade aqutica
do Cerrado. Organismos bentnicos so
excelentes como bioindicadores de
qualidade ambiental. Riachos do Cerrado
situados em reas urbanizadas podem
apresentar alto nvel de poluio, e a
comunidade bentnica reflete as
condies ambientais do local
(Fernandes, 2002).
ECOSSISTEMAS AQUTICOS
LNTICOS
Lagos so corpos dgua continen-
tais com delimitaes de extenso e
profundidade geralmente bem definidas
(Margalef, 1983; Esteves, 1998). Cada
lago ou cada grupo de lagos apresenta
caractersticas fsicas e qumicas
prprias. Estas caractersticas so
reflexos das condies da bacia
hidrogrfica em que o lago est inserido,
como tipo de solo, relevo, geologia, entre
outros. Os lagos surgem e desaparecem
ao longo do tempo geolgico, e
constituem elementos transitrios na
paisagem. A curta durabilidade dos lagos
421
Ecossistemas aquticos
est associada a vrios fenmenos, como
a entrada de sedimentos da bacia de
drenagem e de afluentes e o acmulo de
materiais no sedimento.
Um grande nmero de lagos
existente na Terra considerado raso e
pequeno, inclusive os lagos brasileiros,
e neste caso, muitos deles so lagoas
(Esteves, op. cit.). No caso de lagoa, esta
um corpo dgua raso em que a
radiao solar pode atingir o fundo e toda
a coluna dgua iluminada,
propiciando o crescimento de macrfitas
aquticas.
O Cerrado brasileiro apresenta uma
grande variedade de lagoas naturais
formadas pelo afloramento de guas
subterrneas. Grande parte delas ainda
no foi objeto de estudo cientfico. A
colonizao de macrfitas aquticas
representa uma heterogeneidade
ambiental e exerce influncia sobre o
metabolismo destas lagoas (Esteves,
1998), conferindo uma amplificao dos
grupos ecolgicos e da biodiversidade
local. As lagoas tendem a ficar mais rasas
no perodo seco, e na estao chuvosa
h flutuao no nvel de gua das lagoas
dependendo do regime de chuvas.
Durante o perodo chuvoso, a gua fica
mais turva, devido entrada de
sedimentos oriundos dos solos ao redor,
ou de veios dgua de nascentes.
As lagoas podem ficar mais isoladas
ou inseridas em reas alagadas, em um
conjunto de brejos, campos midos e
crregos. No Estado de Tocantins h
regies preservadas, como a do Jalapo
e do Vale do rio Paran, como exemplos
de paisagem de reas alagadas com
lagoas, onde a gua subterrnea flui
abundantemente. A lagoa Mestre
dArmas (lagoa Bonita), localizada na
Estao Ecolgica de guas Emendadas,
Distrito Federal, um exemplo de lagoas
mais isoladas, sem a formao de
alagados.
Mesmo estando em reas mais
preservadas, algumas lagoas naturais j
se encontram alteradas devido
expanso agrcola e assentamentos
humanos. Como so formadas pelo
afloramento do lenol fretico, o uso
indevido da gua pela populao diminui
a recarga dos aqferos e afeta a
qualidade da gua, inviabilizando o seu
uso para diversos fins (Campos & Freitas-
Silva, 1998).
Como exemplo, com o uso da gua
subterrnea de forma indiscriminada por
meio de construo de poos, lagoas
localizadas em reas urbanas podem
ficar completamente secas, como foi o
caso da lagoa do Jaburu, em rea urbana
de Braslia, Distrito Federal.
Assoreamento e contaminao tambm
representam impactos ambientais sobre
lagoas e olhos dgua localizados em
regies agrcolas e assentamentos
humanos.
Uma parcela significativa destas
lagoas est situada em reas de proteo
ambiental. Nesta regio de planalto,
podem estar em locais elevados e
divisores de guas, funcionando como
corredores ecolgicos, com a interligao
da flora e da fauna de bacias contguas.
Estas reas do bioma Cerrado podem
abrigar espcies ameaadas de extino
e endmicas, revelando um enorme
patrimnio gentico (Oliveira & Marquis,
2002).
ZONAS MIDAS
O desenvolvimento de zonas midas
tpicas do Cerrado promove uma
paisagem bastante peculiar regio.
Nestas reas, o lenol fretico tende a
ser raso, e muitas vezes aflora
superfcie, e os solos permanecem
grande parte do tempo saturados de
422
Fonseca
gua. O desenvolvimento da vegetao
condicionado por vrios outros fatores,
como tipo de solo e sua fertilidade, o
nvel de saturao de gua no solo
durante a estao seca, alm da
profundidade e flutuaes de volume das
guas subterrneas. Em reas bem
drenadas e mais altas, a cobertura vegetal
composta de gramneas, arbustos e
pequenas rvores. Em reas mais baixas
e com solos saturados de gua, a
vegetao fica predominantemente
graminosa. Ao longo dos cursos dgua
se desenvolvem as matas de galeria. Esta
seqncia de vegetao de Cerrado,
campo alagado e mata de galeria compe
uma paisagem caracterstica da regio
central do Brasil (Eiten, 1982) (Figura
1). Em terras mais altas que permanecem
midas, a cobertura vegetal composta
por plantas tpicas da regio, os buritis
(Mauritia flexuosa). Descries mais
detalhadas sobre as fitofisionomias de
zonas midas no Cerrado brasileiro
podem ser encontradas em Eiten (1982),
Furley & Ratter (1988) e Ratter et al.
(1997).
VEREDAS
As veredas so fitofisionomias muito
comuns no Planalto Central Brasileiro
que ocorrem em solo permanentemente
saturados de gua. Apresenta uma densa
camada de vegetao rasteira composta
de espcies herbceas paludcolas, que
vivem em charcos, como gramneas,
ciperceas e pteridfitas. No outro estrato
das veredas ocorre uma faixa de buritis
(Mauritia flexuosa), palmeiras proe-
minentes, alcanando, muitas vezes,
mais de 20 metros de altura. As veredas
so muito importantes em termos
ecolgicos, pois funcionam como local
de pouso, nidificao e alimentao para
a avifauna e como rea de refgio, abrigo
e reproduo, alm de fonte de alimentos
para a fauna terrestre e aqutica.
CAMPOS MIDOS
Os campos midos constituem um
tipo de brejo com ampla distribuio no
Cerrado do Brasil Central. Estes campos
se desenvolvem sobre solo inclinado nas
encostas dos vales ao longo de margens
das matas de galeria. O lenol fretico
permanece na superfcie do solo durante
parte do ano, especialmente na estao
chuvosa, e na seca o solo fica encharcado
nas camadas subsuperficiais. A
vegetao composta por gramneas, de
estrato herbceo, com solo altamente
orgnico (no-turfoso) e esponjoso. As
guas superficiais e mais profundas do
solo tendem a ser levemente cidas (pH
ao redor de 5), pobres em ons
(condutividade eltrica abaixo de 10
mS/cm), temperaturas mais baixas (at
22
o
C) e bem oxigenada (acima de 60%)
(Reid, 1993a).
Figura 1
Esquema geral do
gradiente
longitudinal de
zonas midas do
bioma Cerrado
(sem escala
definida).
423
Ecossistemas aquticos
Os campos midos se situam entre
matas de galeria e campo cerrado ou
veredas. Suas bordas com o cerrado na
encosta acima e com a mata de galeria
na encosta abaixo geralmente so muito
ntidas. A composio de espcies de
plantas graminosas e juncos em reas
de campo mido bem diversificada, e
apresenta um zoneamento espacial bem
demarcado (Goldsmith, 1974). Em reas
menos encharcadas podem ser
encontradas plantas de brejo,
pertencentes aos gneros Drosera,
Sphagnum e Utricularia. Em reas
saturadas de gua, na superfcie se
desenvolvem complexas redes de
filamentos de algas.
CAMPO DE MURUNDUS
O interior dos campos midos pode
apresentar reas com solos mais
elevados e expostos, os chamados
murundus. Os murundus so ilhas de
campo limpo ou de campo cerrado,
arredondadas e um pouco mais altas,
com cerca de 1 a 10 metros de dimetro
e alguns decmetros de altura. So
formados por eroso diferencial do
terreno e muitas vezes ocupados por
cupins.
Segundo Furley (1986), h duas
situaes para formao de murundus.
Em reas situadas em terrenos mais
baixos dos vales, a formao de
murundus afetada pelo afloramento do
lenol fretico, localizado muito perto da
superfcie do solo. Neste caso, os solos
ao redor de murundus geralmente so
orgnicos e permanentemente
encharcados. A outra situao ocorre em
reas mais planas, e os murundus so
menos perceptveis, e a sua formao
influenciada pelo ciclo sazonal de chuvas
e escoamento superficial da gua, tendo
pouco contato com a gua subterrnea.
Os murundus presentes em reas de
campos midos formam um arranjo
espacial descontnuo ao longo de um
eixo longitudinal at as bordas, e de
alguma forma influencia na distribuio
e abundncia dos organismos aquticos.
BIOTA AQUTICA
O alto grau de endemismo da biota
do Cerrado j reconhecido, com uma
excepcional riqueza biolgica (Oliveira
& Marquis, 2002). Diante disso,
considerado um dos hotspots mundiais,
ou seja, um dos biomas mais ricos e
ameaados do planeta (Myers et al. ,
2000). As reas mais importantes para
preservao biolgica concentram-se ao
longo do eixo central do Cerrado
brasileiro (Conservation International,
1999).
O Brasil central, por ser uma regio
de nascentes e divisor de guas das
principais bacias hidrogrficas do pas,
exerce um papel de grande valor na
diversidade biolgica. O forte
endemismo no bioma Cerrado refora a
importncia para a conservao da
diversidade biolgica, e em especial da
biota aqutica. As reas de conexo entre
as bacias, que compreendem as suas
cabeceiras de drenagem, so focos de
endemismo para muitas espcies de gua
doce, representando uma das reas
prioritrias para a conservao da
biodiversidade aqutica (Conservation
International, 1999).
Os cursos dgua que nascem nesta
regio do Cerrado fluem naturalmente
para as bacias contguas, constituindo
muitas vezes corredores ecolgicos para
muitas espcies aquticas. Dependendo
da capacidade de adaptao das
espcies, aliada s condies adequadas
para o seu estabelecimento em outras
regies, os deflvios do Cerrado podem
424
Fonseca
representar caminhos de disperso de
espcies aquticas. Dessa forma, o
Cerrado brasileiro representa uma das
reas indispensveis para a preservao
da diversidade biolgica aqutica e do
seu patrimnio gentico. Alm disso,
esta necessidade se torna iminente, pois
menos de 0,5% do Cerrado est
contemplado por unidades de
conservao genuinamente aquticas
(Conservation International, 1999).
No entanto, pouco se conhece a
respeito da riqueza de espcies aquticas
e sua distribuio dentro do bioma
Cerrado. Os dados obtidos at o
momento so esparsos e centrados em
poucos grupos de organismos. A riqueza
da biota aqutica do Cerrado brasileiro
estimada na ordem de 9.580 espcies
(Dias, 1996; Martins-Silva et al., 2001;
Padovesi-Fonseca et al., 2001). Os dados
em relao riqueza de espcies
aquticas do Cerrado so apresentados
na Tabela 1. Apesar de vrios grupos
de organismos apresentarem uma
elevada riqueza de espcies, esta
estimada, considerando a potencialidade
e abrangncia do bioma Cerrado em
abrigar uma elevada biodiversidade, em
especial da biota aqutica. Alm disso,
riqueza de espcies de vrios outros
grupos, como macrfitas aquticas,
perifton e meiofauna, no foi sequer
estimada.
A diversidade de espcies da
ictiofauna no Cerrado bastante
expressiva. Estimativas apontam a
ocorrncia de quase 3.000 espcies de
peixes na Amrica do Sul, sendo que
mais de 500 espcies podem ser
encontradas no Cerrado. Este nmero
pode ser bem maior, pois h estimativas
que entre 30 e 40% das espcies de
peixes de gua doce no Brasil continuam
desconhecidas, alm de registros no
publicados. Informaes sobre a
Tabela 1. Riqueza estimada (ordem de grandeza) de espcies da biota
aqutica do Cerrado.
Fonte: Dias, 1996
(1)
; Padovesi-Fonseca et al., 2001
(2)
; Martins-Silva et al., 2001
(3)
.
425
Ecossistemas aquticos
ictiofauna das bacias hidrogrficas do
Brasil central destacam uma composio
de espcies nativas, incluindo as espcies
migradoras (Ribeiro, 1998).
Considerando o potencial para o
endemismo no Cerrado, e ameaas de
extino de ictiofaunas em vrias regies
do Cerrado, imprescindvel a ampliao
do pouco conhecimento desta fauna, em
especial nas cabeceiras.
O conhecimento sobre os
invertebrados aquticos no Cerrado
ainda incipiente e muito incompleto.
Entre os microinvertebrados, os Protozoa
so o grupo menos conhecido (Brasil,
1998). Apesar de sua importncia no
funcionamento dos ecossistemas
aquticos, especialmente como elos
adicionais na rede alimentar, h
necessidade de tcnicas especiais e
muitas vezes onerosas para amostragem
e identificao dos organismos, o que
de alguma forma limita o seu estudo.
Entre os grupos de Protozoa, os
flagelados representam o de menor
conhecimento, pois a sua diversidade
sequer pode ser estimada. Entre os
sarcodinos, as tecamebas so as mais
conhecidas com uma riqueza estimada
na ordem de 400 espcies para o Cerrado
brasileiro (Tabela 1). No entanto, em
estudos realizados no Brasil at o
momento, foram identificados cerca de
20 gneros e 150 espcies de tecamebas
(Brasil, 1998). Os ciliados so os
protozorios mais expressivos em termos
de riqueza de espcies, alm de serem
teis como indicadores na avaliao da
qualidade da gua. Das 8.000 espcies
descritas no mundo, o Cerrado brasileiro
apresenta uma riqueza estimada na
ordem de 1.500 espcies (Tabela 1), com
147 gneros registrados no Brasil.
Considerando os microinvertebrados
planctnicos, alm dos protozorios,
devem ser evidenciados representantes
do Filo Rotifera, e dos microcrustceos
Cladocera e Copepoda. Grande parte das
espcies de rotferos apresenta uma
distribuio ubqua, presente em quase
todos os tipos de habitats de gua doce.
Das 457 espcies brasileiras conhecidas,
pelo menos 30% esto em guas doce
do Cerrado, com 4% das espcies
provavelmente endmicas. Os
Copepoda, junto com os Cladocera, so
os dois grupos mais representativos de
microcrustceos nas guas doces. A
estimativa da riqueza de espcies para
os microcrustceos no Cerrado at o
momento bastante grosseira, podendo
atingir at 100 espcies (Tabela 1). O grau
de endemismo das espcies destes
grupos elevado, e associado ao pouco
estudo realizado no Cerrado, abre uma
perspectiva de aumento da
biodiversidade no pas.
Nos substratos e sedimentos de
riachos e lagoas do Cerrado h uma
fauna bentnica, onde se encontram os
macroinvertebrados ou zoobentos. Estes
animais so sedentrios e com ciclo de
vida longo, e com isso, no so capazes
de evitar, rapidamente, mudanas
prejudiciais e exibem variados graus de
tolerncia poluio (Metcalfe, 1989).
Como so muito sensveis aos distrbios
que ocorrem no meio ambiente, eles tm
sido amplamente utilizados como
bioindicadores de qualidade de gua
(Navas-Pereira & Henrique, 1996).
Representam tambm um papel
importante na decomposio de matria
orgnica e ciclagem de nutrientes
(Esteves, 1998), e como fonte de
alimento para nveis trficos superiores,
como peixes (Devi, 1990).
A comunidade macrobntica
composta por vrios grupos, como
cnidrios, aneldeos, moluscos e insetos
aquticos, entre outros (Martins-Silva et
al., 2001). A grande maioria dos estudos
aborda os insetos aquticos. Estudos
realizados em vrios riachos do Brasil
central revelaram uma fauna bastante
variada, embora com resultados
426
Fonseca
abordando diferentes nveis taxon-
micos, com poucos taxa identificados at
espcie (Medeiros, 1997, Bispo et al.,
2001, Martins-Silva et al., 2001,
Fernandes, 2002). Dessa forma, a
composio faunstica da comunidade
bentnica no Cerrado apresenta ainda
uma configurao generalizada, com
perspectivas para ampliar a biodiver-
sidade, inclusive com o potencial de
ocorrncia de espcies novas para a
regio.
A flora aqutica do Cerrado,
considerando macrfitas aquticas,
fitoplncton e perifiton, tem sido pouco
avaliada em ambientes aquticos
naturais. Leite (1990) encontrou uma
microflora riqussima composta por algas
desmidiceas em estudo realizado na
Lagoa Bonita. Em cursos dgua da bacia
do lago do Descoberto, Caramasch et al.
(1997) realizaram estudo preliminar de
comunidades planctnicas. Por sua vez,
ao longo de um tributrio da mesma
bacia, Abreu (2001) revelou uma
comunidade fitoplantnica com elevado
nmero de taxa (acima de 160), apesar
da baixa freqncia de ocorrncia e
densidade numrica dos organismos.
Elevada riqueza de organismos de
comunidade periftica associada a
macrfitas aquticas em ambiente ltico
foi observada por Mendona-Galvo
(2002), no crrego Roncador, situado na
Reserva Ecolgica do IBGE, Distrito
Federal, com a deteco de 171 taxa.
Estes poucos trabalhos revelam a elevada
biodiversidade dos ecossistemas
aquticos naturais do bioma Cerrado, e
com isso, a necessidade de intensificar
os estudos nesta regio.
A presena de ecossistemas alagados
em reas de cerrado amplia o leque de
estudos do inventrio de espcies
aquticas no pas. A comunidade
aqutica que se desenvolve nas reas
alagadas do Brasil Central pouco
estudada. Ainda assim, os trabalhos
desenvolvidos nesta regio detectaram
uma diversidade biolgica bastante
expressiva e com espcies endmicas.
Invertebrados bentnicos so numerosos
e os peixes so de pequeno porte. Dentre
eles, o pir-braslia (Cynolebias boitonei)
endmico nas veredas do Distrito
Federal e est ameaado de extino
(Rocha, 1990). Esta espcie apresenta
uma beleza fsica exuberante, sendo
usado como peixe ornamental. Anlise
taxonmica de algas em reas
preservadas foi realizada por Senna &
Ferreira (1986, 1987), com a observao
de uma elevada variedade fitoplanc-
tnica. Em reas alagadas e riachos da
regio do Vale do Paran (TO), Adamo
& Padovesi-Fonseca (2003) observaram
uma fauna associada bastante variada e
composta por taxa novos e ainda no
descritos. Em estudos da meiofauna de
campos midos, Reid (1982, 1984, 1987,
1993b) encontrou uma comunidade
dominada por nematides, rotferos e
coppodos harpacticides, alm de
protozorios, turbelrios, coppodos
ciclopides, cladceros, ostrcodes,
oligoquetos, hidrocarinos e vrias
famlias de larvas de insetos. Pelo menos
10 espcies de Copepoda foram
classificadas pela primeira vez, e
identificadas como espcies novas e
endmicas regio.
CONSIDERAES FINAIS
Apesar de o Cerrado ser considerado
um dos biomas mais biodiverso e
ameaado do mundo, pouca ateno tem
sido dirigida para a conservao dos
ecossistemas aquticos naturais e da
biota aqutica.
O grau de endemismo no Cerrado
elevado, e aliado ao desconhecimento
cientfico de uma parcela significativa
427
Ecossistemas aquticos
dos ecossistemas aquticos naturais e de
sua biota, revelam lacunas importantes
para a avaliao da biodiversidade e
conservao deste bioma.
As reas definidas para a
conservao ambiental raramente
contemplam os ambientes aquticos e
sua biota. Este aparente desinteresse de
incluso de ambientes aquticos pode
estar associado aceitao geral que ao
proteger os ambientes terrestres
automaticamente os aquticos so
protegidos, como foi discutido por Junk
(1983) e Tundisi & Barbosa (1995).
Considerando a potencialidade e
abrangncia do bioma Cerrado em
abrigar uma elevada biodiversidade, a
flora e a fauna aquticas devem ser
consideradas e avaliadas com o intuito
de fornecer subsdios necessrios e
essenciais para a definio de fer-
ramentas que favoream a conservao
ambiental da regio.
Um dos aspectos particularmente
importantes em relao conservao
de ambientes aquticos a ausncia de
dados sobre sistemas prstinos do
Cerrado. Alm de compor uma fonte
essencial para a biodiversidade, pode-
se constituir uma referncia para
programas de recuperao de sistemas
perturbados por atividades humanas.
Diante deste contexto, torna-se
evidente a necessidade de intensificar
esforos nos estudos destes ecossistemas
peculiares regio, bem como da
biodiversidade e distribuio de suas
espcies aquticas. Tais propsitos vm
ao encontro de garantir embasamento
terico para a preservao e uso
sustentvel de fontes de gua para
geraes futuras.
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Captulo 26 Captulo 26
Captulo 26 Captulo 26 Captulo 26
Perspectivas e
desafios para
conservao do
Cerrado no sculo 21
Roberto B. Cavalcanti
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Conservation International
Washington DC ,EUA
Captulo 26 Captulo 26
Captulo 26 Captulo 26 Captulo 26
Perspectivas e
desafios para
conservao do
Cerrado no sculo 21
Roberto B. Cavalcanti
Departamento de Zoologia
Universidade de Braslia
Braslia, DF
Conservation International
Washington DC ,EUA
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Fonseca
433
Perspectivas e desafios para a conservao
INTRODUO
A conservao da biodiversidade
hoje bem estabelecida no rol de
preocupaes das sociedades modernas.
Uma srie de conferncias globais de
grande porte, a partir de Estocolmo, em
1972 e culminando no Rio de Janeiro,
em 1992, gerou o envolvimento dos
governos e a adoo de leis e acordos
reconhecendo a importncia do
patrimnio biolgico e a necessidade de
conserv-lo para as geraes futuras.
A partir de meados da dcada de
1980, com o relatrio da Comisso
Brntland para a ONU, desenhou-se um
cenrio para promoo do
desenvolvimento econmico e social
incorporando valores de conservao
dos recursos naturais, no chamado
desenvolvimento sustentvel. Durante
os anos 1990 e particularmente aps a
Conferncia do Rio de Janeiro, este
modelo foi seriamente explorado por
governos de vrios pases, pelo setor
privado, e por organizaes no-
governamentais de todos os naipes.
Entretanto, o duplo desafio de realizar
uma transio para outro modelo de
desenvolvimento, enquanto o mundo
experimentava acelerado crescimento
demogrfico e econmico na dcada de
1990, trouxe pouco progresso, como
indicado pela acentuada deteriorao nos
ambientes biologicamente mais ricos,
seja medido na cobertura de florestas
tropicais ou nos recifes de corais do
planeta.
Atualmente vivemos um processo
contnuo de perda de recursos
biolgicos, que embora reconhecido e
freqentemente lamentado, ainda no
pode ser revertido devido a conflitos com
outras prioridades das sociedades
modernas. O objetivo deste captulo
fazer uma breve reviso de alguns destes
conflitos e identificar formas potenciais
de promover a coexistncia entre as
populaes humanas e a biodiversidade
do planeta.
BIODIVERSIDADE E EXTRATIVISMO
A produtividade dos ecossistemas
naturais insuficiente para os seus
recursos manterem de forma sustentvel
as populaes humanas nas densidades
modernas. Embora este seja um fato
reconhecido h milnios, e razo bvia
434
Cavalcanti
de nossa dependncia da agricultura e
da criao de animais domsticos, em
muitas partes do mundo, a explorao
industrial dos ecossistemas naturais vem
dizimando a flora e a fauna nativa, seja
na frica e sia, ou na Amrica do Sul
com a indstria madeireira. Trata-se de
um sistema perverso, pois em muitos
casos estas regies sustentavam
populaes humanas extrativistas de
baixas densidades.
Com a abertura de estradas e o
acesso a cidades, a populao consu-
midora potencial enormemente
elevada, e a extrao rapidamente supera
a capacidade de regenerao biolgica
natural. Trata-se aqui de uma transio
complexa, mudando o uso dos
ecossistemas naturais para fontes de
servios (gua, manuteno do clima,
reservas de biodiversidade, estabilizao
da paisagem), e o fomento a ecossis-
temas manejados para suprirem as
necessidades das populaes humanas.
Embora muitos preconizem a
continuidade de atividades extrativas
como justificativa para manuteno de
paisagens nativas, na maioria dos casos
a conservao destas uma conseqn-
cia apenas temporria. Como a
produtividade biolgica insuficiente
para atender presso extrativa,
rapidamente entra-se em um processo de
consumo dos estoques e degradao no
longo prazo. Um bom exemplo o efeito
da coleta de castanhas sobre o
recrutamento de novas plantas na
Amaznia, estudado por Peres et al.
(2003). Nas reas de extrao de longo
prazo, no h plantas jovens de menor
dimetro o que indica que a populao
no est se regenerando localmente.
Outros efeitos tambm conhecidos so
resultantes da remoo fsica do produto
da floresta. Caso no houvesse coleta,
as castanhas alm de serem a fonte das
novas geraes de rvores, tambm
sustentariam populaes de consumi-
dores como as araras, roedores, insetos
e toda uma fauna prpria.
No se quer dizer aqui que o
extrativismo incompatvel com a
manuteno de elementos da biota
natural, mas alertar que a capacidade de
sustentao extrativa de ecossistemas
nativos extremamente limitada e
oferece poucas perspectivas de
ampliao como instrumento para
promoo de conservao. Por outro
lado, o uso de paisagens naturais para
fornecimento de servios, onde no h
necessidade de remoo de matria ou
energia do sistema, permite um
crescimento de escala considervel,
restando o desafio de promover um
processo de valorao para justificar sua
manuteno.
Os esforos para conseguir valorar
ecossistemas naturais a ttulo de servios
foram acelerados a partir da dcada de
1980. As principais classes so:
Servios de ecossistema: manu-
teno da gua, manuteno de
clima, fixao de carbono, controle
de eroso e conservao do solo.
Servios biolgicos: manuteno
da biodiversidade, bioprospeco,
controle de predadores, servios de
polinizadores, entre outros.
Servios sociais/culturais: manu-
teno de identidade cultural de
populaes locais, smbolo e local
para rituais sociais e religiosos,
ecoturismo e turismo de aventura,
lazer, manuteno da qualidade de
vida.
Entretanto, como bem conhecido,
na sociedade moderna os servios
pblicos, em geral, assim como
os recursos naturais tm sido
435
Perspectivas e desafios para a conservao
sistematicamente no valorados,
subvalorados, ou ento tm seus custos
subsidiados. Dessa forma o real valor
dos ecossistemas naturais invisvel
para a maioria da populao. Pior, no
conseguem enfrentar em termos
econmicos os outros usos potenciais da
terra em que os retornos so valorados
de forma mais transparente.
IMPORTNCIA DA CONSERVAO
O ambiente terrestre um ambiente
biolgico. Os principais elementos que
mantm as condies de vida na Terra
so conseqncias da transformao
biolgica do planeta durante o ltimo
bilho de anos. O teor de oxignio na
atmosfera, as condies climticas locais
como temperatura, precipitao,
umidade, ventos, e o teor de gua no
solo, so todos mediados e, em boa
parte, determinados pelas paisagens
biolgicas. A sustentao da vida
humana tambm, em ltima instncia,
depende da transformao biolgica da
energia solar em alimentos, mediada pela
fotossntese. Dessa forma paradoxal
que grande parte da populao humana
d maior valor aos elementos
tecnolgicos, de uma sociedade de
consumo, do que aos biolgicos na
determinao de nossa qualidade de vida
e sustentabilidade.
Este conceito est comeando a
mudar por algumas razes. A eficincia
dos processos industriais permite
fornecer insumos a grande parte da
sociedade humana, a custos moderados,
incluindo a bens e servios tecnolgicos.
A descoberta da estrutura do DNA na
dcada de 1950 viabilizou a engenharia
gentica, promovendo a aplicao dos
processos tecnolgicos da sociedade
industrial aos sistemas biolgicos com
conseqncias sobre a produtividade
alimentar e a sade. Por outro lado, a
presena fsica de 6,5 bilhes de pessoas
sobre o planeta, com crescimento
previsto de at 25 bilhes antes de se
estabilizar, demonstra claramente que os
fatores limitantes passam a ser cada vez
mais os sistemas de sustento ecolgico
do planeta, incluindo suprimentos de
alimentos e o meio ambiente.
OCUPAO DAS GRANDES REAS
NATURAIS
O processo de ocupao das reas
naturais do planeta continua a passos
largos. Na Amaznia, os dados de
desmatamento para 2003 mostram a
segunda maior cifra da histria
23.000km
2
. Mesmo que haja um esforo
adicional para conter tais processos, o
crescimento da populao humana e a
necessidade de fornecimento de
alimentos continuaro a exercer presso.
Atualmente 83% das reas agrcolas do
planeta so abastecidas por gua da
chuva, sendo responsveis por 2/3 do
suprimento alimentar global (Gleick
1993 apud Rockstrm et al. 1999). A
produo agrcola mediada por luz e
gua, para realizar fotossntese. Estima-
se que um crescimento da populao
humana para 8,5 bilhes, em 2025,
exigiria um aumento de 46% no
consumo de gua para agricultura ou
seja, em torno de 3.100km
3
(Rockstrm
et al. 1999).
Dessa forma, no surpreendente
que, mundialmente, haja um processo
de expanso agrcola nas reas de
floresta tropical, onde existem gua e sol
em abundncia. Similarmente, h
acelerado crescimento em regies semi-
ridas dotadas de aqferos subterrneos
disponveis para serem explorados.
Outros fatores limitantes, inclusive
qualidade do solo e mesmo a fisiologia
436
Cavalcanti
das plantas, podem ser modificados por
meios tecnolgicos. Os avanos da
engenharia gentica, clonagem, e o
crescimento da infra-estrutura de
transportes permitem que regies
remotas do mundo produzam alimentos
de paladar global a custos competitivos.
Em resumo, a proteo de reas
naturais hoje apresenta custos de
oportunidade significativos, se
comparada situao na dcada
passada, em funo desses avanos da
infra-estrutura de transportes, bem como
do desenvolvimento tecnolgico e da
demanda de alimentos.
Ao mesmo tempo, uma estratgia de
proteo ambiental agrega valor
significativo para a viabilidade da
ocupao humana de uma regio. O
custo de no proteger reas-chave
muito alto. Ainda no caso da Amaznia,
estima-se que o desmatamento poder
reduzir em at 20% a precipitao anual.
Nos cerrados, onde a precipitao se
concentra em seis meses do ano, a
perenizao dos rios depende de
armazenamento de gua subterrnea,
nos grandes sistemas de chapades da
Serra Geral.
OPORTUNIDADES DE
CONSERVAO
A ocupao acelerada do Brasil
central e da Amaznia um processo
de difcil reverso, motivado por uma
demanda global de recursos naturais e
de alimentos, aliado a tecnologias
altamente eficientes de produo e
expectativas de desenvolvimento social
das populaes locais. As perspectivas
de conservao da regio dependem da
capacidade de se alavancar parte do
investimento e do retorno econmico
gerado em atividades de proteo da
biodiversidade, bem como na adoo de
modelos de ocupao que viabilizem a
sobrevivncia da biota nativa na
paisagem regional.
Os corredores de biodiversidade so
uma das formas de planejamento
regional que visam manter sistemas de
reas protegidas em uma matriz de uso
humano da paisagem. No Brasil, os
denominados corredores ecolgicos
foram propostos no mbito do Programa
Piloto para a Proteo de Florestas
Tropicais (PP-G7) para Amaznia e mata
Atlntica (Ayres et al. 1997), e mais tarde
incorporados pelo governo Federal,
Estaduais, organizaes conservacio-
nistas e agncias de desenvolvimento
para os demais biomas. Em um corredor
de biodiversidade, so desenhadas e
implementadas conexes entre reas
protegidas, de forma que os biomas
naturais no sejam ilhados como
resultado da ao antrpica. Ao
combater a fragmentao, mantm-se os
processos de migrao, disperso,
colonizao e intercmbio gentico que
permitem a sobrevivncia da biota nativa
na paisagem. Em termos de ecossistema,
tambm so mantidos os fluxos de
matria e energia que sustentam a
produtividade natural.
CORREDOR CERRADO-PANTANAL
Um exemplo interessante o
Corredor Cerrado-Pantanal, planejado
por ocasio do Workshop reas
Prioritrias para Conservao da
Biodiversidade dos Biomas Cerrado e
Pantanal (MMA, Funatura, Conservao
Internacional (CI), Universidade de
Braslia, Fundao Biodiversitas), em
1998, o qual teve sua implantao
iniciada a partir de 1999, sob um
consrcio multinstitucional incluindo a
ONG Conservao Internacional (CI).
Este corredor cobre a rea desde as
437
Perspectivas e desafios para a conservao
nascentes do rio Taquari na regio do
Parque Nacional das Emas, abrangendo
sua bacia e o rio Negro no Pantanal do
Mato Grosso do Sul.
Ao longo dos ltimos cinco anos,
foram criadas pelos governos novas reas
pblicas de conservao (Parques
Estaduais do Rio Negro e das Nascentes
do Taquari, no MS), reservas particulares
(RPPN Fazenda Rio Negro); financiados
estudos de populaes de fauna para
mapear movimentos e disperso e
realizados programas de conscientizao
e educao ambiental, com o objetivo
de consolidar a proteo da
biodiversidade na paisagem regional.
Um dos aspectos mais inovadores o
planejamento de reas de reserva legal
de propriedades particulares. Em
colaborao com as agncias de governo
e fazendeiros, as ONGs Orades e CI
Brasil usam imagens de satlite para
classificar a paisagem, sobrepondo os
polgonos das propriedades, e gerando
cenrios alternativos para cumprimento
da exigncia legal de proteo de 20%
das superfcies de cada propriedade.
Estas anlises permitem planejar
estratgias de proteo que, compatveis
com as exigncias de uso econmico das
fazendas, multiplicam o potencial de
conservao regional, por meio da
interligao das reservas legais entre si
e com as reas pblicas de proteo da
biodiversidade.
REAS PROTEGIDAS E PROTEO
DAS ESPCIES
Qual deve ser o alvo da conservao
da biodiversidade? Em geral, considera-
se que devem ser protegidas as suas
diversas manifestaes: a diversidade
gentica, a diversidade de organismos,
e a diversidade de sistemas biolgicos.
Destas, o alvo mais concreto a
diversidade de organismos. Os genes se
expressam e se reproduzem por meio de
organismos, e as comunidades e
ecossistemas so descritos em termos de
sua composio de espcies e fluxos de
matria e energia. Ao escolher espcies
como alvo de proteo, possvel
caracterizar as medidas que daro como
conseqncia tambm a proteo dos
genes e dos ecossistemas.
As reas protegidas tm se mostrado
como um dos mecanismos mais efetivos
e com melhor relao custo/benefcio
para manter a diversidade de espcies
(Brunner et al. 2000). Alm disso,
oferecem a oportunidade de agregar as
funes de servios ambientais descritos
anteriormente, contribuindo com fonte
adicional de recurso para viabilizar a
conservao da biodiversidade.
MUDANAS DE LONGO PRAZO
No se pode deixar de fazer
referncia a fatores de longo prazo que
podem ameaar a sobrevivncia dos
cerrados. As mudanas climticas
globais, com o aquecimento da superfcie
do planeta, podem afetar o clima da
regio tanto no aspecto de temperatura
quanto de precipitao, e por
conseguinte ter efeitos dramticos sobre
a distribuio das comunidades
biolgicas. Infelizmente, ainda h grande
incerteza tanto sobre os cenrios
climticos como em predizer os futuros
envelopes bioclimticos da vegetao
do cerrado, tornando difcil prognosticar
a capacidade de resistncia da biota
local. Estudos feitos para outras regies,
por exemplo, no sul da frica,
mostraram extines globais signifi-
cativas de espcies como resultado de
mudanas climticas.
De maneira semelhante, a reduo
da rea de ambiente nativo do Cerrado
aumenta o risco de extines, ao reduzir
438
Cavalcanti
as populaes de espcies a uma frao
do seu tamanho anterior e tornando-as
mais suscetveis ao desaparecimento em
funo de eventos catastrficos.
Novamente, este aumento de risco
difcil de estimar quantitativamente.
Destaca-se que muitas espcies no so
homogeneamente distribudas pela
regio, concentrando-se ao contrrio em
habitat restritos como os campos
rupestres, ou em pequenas partes do
bioma, por exemplo, nas matas do rio
Paran, vale do rio Araguaia, ou na
regio do Distrito Federal.
A introduo de espcies exticas e
doenas outro impacto potencialmente
irreversvel. Gramneas africanas,
trazidas como pastagem para o gado,
persistem mesmo aps reas de pasto
serem abandonadas, impedindo a
regenerao dos cerrados. Espcies
arbreas introduzidas como Pinus e
Acacia tambm persistem em cerrado.
Uma vez estabelecidas, espcies
introduzidas podem excluir perma-
nentemente espcies nativas, levando-as
extino. Suspeita-se que o declnio de
espcies como o cachorro-do-mato-
vinagre pode estar vinculado presena
de doenas trazidas por animais
domsticos.
TRANSIES PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Um dos principais proponentes do
desenvolvimento sustentvel, Gustave
Speth, ex-administrador do PNUD e co-
fundador do World Resources Institute,
props um conjunto de oito transies
necessrias para que a sociedade global
tenha um futuro sustentvel no uso dos
recursos naturais do planeta (Speth,
2004). So elas:
Transio demogrfica, para uma
populao global estvel ou
menor.
Transio social, para eliminao
da pobreza em massa e desi-
gualdade.
Transio tecnolgica, com a
promoo de tecnologias limpas e
de baixo impacto ambiental.
Transio econmica, para que os
preos de bens e servios reflitam
os reais custos ambientais.
Transio para o consumo
sustentvel.
Transio em conhecimento e
aprendizagem, provendo a base
cientfica para tomada de decises
e a difuso deste conhecimento.
Transies institucionais, que
promovam a mudana na gesto
internacional de recursos do
ambiente e promovam iniciativas
locais de base na gesto ambiental.
Transio em cultura e conscien-
tizao, para incorporar nos
valores individuais a conservao
do meio ambiente.
Muitas destas transies esto em
curso no momento. Entretanto, os
processos de declnio da biodiversidade
continuam acelerados (Wilson et al.
2004). Espera-se que o desenvolvimento
sustentvel chegue a tempo de salvar as
espcies que dividem o planeta conosco.
CONSIDERAES FINAIS
Vivemos hoje um momento de
deciso, pois o processo de
desaparecimento do Cerrado muito
bem documentado, e existem mtodos
bem estabelecidos para realizar a
conservao do bioma. Precisamos
implementar com a rapidez necessria e
o apoio da sociedade a proteo efetiva
do Cerrado para que o patrimnio
natural possa continuar a beneficiar a
humanidade e manter a vida na terra
para as geraes futuras.
439
Perspectivas e desafios para a conservao
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