Regiane Glashan REFLEXÃO PSICOFARMACOLOGIA - IPPIA (Instituto de Psicanálise e Psicoterapia Da Criança e Adolescente)

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Dra. Regiane Glashan


Trabalho de Conclusão de Disciplina
Instituto de Psiquiatria e Psicanálise da Criança e Adolescência/ SP –
Brasil / IPPIA

Psicofarmacoterapia e Psicoterapia no Tratamento dos Transtornos


Mentais – Atitude Reflexiva

Muito tem se estudado e analisado no que concerne ‘a utilização de drogas no


tratamento de transtornos mentais assim como a prática de técnicas psicoterápicas. Tanto
isso é verdade que a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, debateu
com muito cuidado o “Cuidar Sim Excluir Não”. Neste contexto, a psicofarmacologia foi
considerada como uma importante ferramenta utilizada no cuidar de indivíduos com
desordens mentais (Eizirik, 2003).
Não utilizá-la ou fazê-la de maneira inapropriada constitui uma forma de exclusão
dos pacientes que tanto se beneficiariam desta terapêutica (López-Ibor, 2002)
A pesquisa básica na área de neurociências, vem se firmando como valiosa aliada
na construção do saber psiquiátrico (Moraes, 1996).
O fato de haver pesquisas nesta área não reduz a problemática dos dias atuais, mas
com certeza auxilia no alívio de muitos pacientes com alterações mentais. Com o
preconceito a cerca da doença mental muitos profissionais acabam desenvolvendo uma
visão distorcida e estigmatizante, transformando a utilização das drogas psicoativas em
estereotipo, uso irracional e com controle impróprio – nesta visão alguns centros de
referência tem buscado formas complementares de orientar e divulgar os conhecimentos
sobre um número cada vez maior de drogas mais prescritas em consultórios, ambulatórios e
hospitais (Noto, Nappo, Carlini, 2001).
Atualmente, há um reconhecimento maior de que é nos serviços de atenção primária
‘a saúde que a maioria das pessoas com transtornos mentais, em primeiro lugar, procuram
ajuda. Entretanto, o nível em que este sistema de saúde está pronto para esta realidade,
varia de país para país e de região para região dentro de um próprio país, estando
obviamente na dependência de quantidade e qualidade de recursos disponíveis ‘a saúde
mental, da forma como os médicos generalistas desenvolvem sua prática, da forma como a
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equipe de saúde identifica e acolhe o doente “mental” ou como este indivíduo é


encaminhado para um serviço especializado (Botega, Smaira, 2002).
A equipe de saúde nem sempre promove o acolhimento esperado aos desabilitados
mentais e aí incluímos os indivíduos com transtorno de ansiedade e humor, referindo estes
problemas como de grau menor, enfatizando o atendimento das graves neuroses e as
psicoses (Eizirik, 2003). Sabemos que a indicação adequada de um psicofármaco pode
alterar a expressão de doenças e permitir o retorno do individuo a vida de relação. Ao se
fazer uma intervenção terapêutica, tem-se a obrigação de levar em conta a cientificidade do
fármaco, a ética, a competência do médico que prescreve e o mais importante, a
repercussão que esta droga terá sobre o indivíduo, ou seja, sua autonomia, sua expressão no
contexto social e familiar e porquê não levarmos em consideração sua atuação no mercado
de trabalho (Corrigan, Watson, 2003).
Recentemente o conceito de bom atendimento por parte da Equipe de Saúde, leva
em conta os seguintes aspectos psiquiátricos: 1- os direitos humanos do paciente; 2- os
anseios do usuário e de seus familiares no que diz respeito ao tratamento medicamentoso e
terapêutico e 3- a participação do paciente e de seus familiares nos procedimentos
terapêuticos propostos e em consultas ou dinâmicas grupais que ofereçam suporte aos
familiares (Bertolote, 2001).
Se por um lado tentamos a inclusão de pacientes no sistema de saúde público ou
mesmo privado, por outro lado ainda temos distorções no que diz respeito ao tratamento de
doentes com transtorno mental de forma combinada, ou seja: psicofarmacológico e
psicoterapico.
Nas últimas décadas, tem-se visto uma marcada mudança de atitude dos terapeutas
em relação ao uso concomitante da medicação durante a psicoterapia, bem como durante o
tratamento psicanalítico (Goldhamer, 1983).
No final do século XIX, Sigmund Freud, inicialmente neuropatologista,
desenvolveu um modelo de tratamento psicológico que revolucionou o entendimento da
mente humana, ao qual deu o nome de psicanálise. Mesmo sem ter bases neurofisiológicas
para os transtornos mentais, Freud já fazia alusão ‘a integração biológica-psicológica.
Entretanto, contrariando as idéias de Freud, a pesquisa do somato (cérebro, corpo,
orgânico) se desenvolveu dentro da psiquiatria, dissociada da psicanálise (mente, psique).
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Alguns psiquiatras tentaram integrar as teorias mente-corpo, com destaque para Adolf
Meyer, pioneiro do modelo biopsicossocial, que defendia o estudo e seguimento do
paciente como um todo, mas sem muito sucesso (Meyer, 1917).
Na década de 50, surgiram os primeiros medicamentos psicotrópicos e nas décadas
seguintes, ao mesmo tempo em que as drogas entravam na prática ambulatorial, elas
polarizavam a psiquiatria, a biologia e a psicologia. Com o avanço da metodologia
diagnóstica e das pesquisas científicas, tanto a medicina como as áreas que dão suporte a
ela (enfermagem, psicologia, biomedicina e outras) passaram a investir em pesquisas e em
desenvolvimento de fármacos com menos efeitos colaterais, tornando acessível a
medicação bem como a comparação entre os diversos medicamentos existentes para tratar
uma mesma patologia (Lipowski, 1986).
Não obstante, outras formas de análises quantitativas foram necessárias para
corroborar os efeitos medicamentosos não só sobre os sintomas mas também sobre a
qualidade de vida dos doentes e seus familiares. Assim nasceram os índices de qualidade de
vida e seus dados paramétricos, suportados também pela indústria farmacêutica. Foi neste
momento que a psicanálise começou a perder sua credibilidade científica – comprobatória
ou mais precisamente não se podia mensurar quantitativamente uma resposta positiva ao
tratamento proposto (psicanalítico). A psicanálise não conseguia provar o quanto ela havia
curado, melhorado ou retardado um determinado sintoma, ficando a quem das terapias
cognitivas (Lipowski, 1986; Kandel, 1999).
Por muito tempo, psicanalistas mais ortodoxos entendiam as neuroses como
exclusivamente de origem psicológica, considerando que fármacos poderiam atrapalhar no
sentido de anular os sintomas paliativamente e desta maneira dificultando o processo de
cura. Na visão destes profissionais, a medicação agiria a favor do laboratório (favorecendo
a remissão dos sintomas) e da resistência. Neste mesmo contexto “idealizado”, os próprios
especialistas em farmacoterapia passaram a afirmar que o processo terapêutico era
desnecessário ou mesmo danoso, pois mantinha os pacientes dentro de sua situação de
conflito (Brockman, 1990).
Alguns pesquisadores preocupados com uma visão menos cartesiana do paciente e
portanto mais humanistas, propuseram o uso adjuvante de medidas psicoterápicas
associadas ao uso de medicações. Estas medicações deveriam ser indicadas com critério e
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perseverança. Posteriormente eles observaram que as medicações eram úteis no alívio dos
sintomas a curto-prazo, permitindo que o paciente se tornasse mais acessível à exploração
psicoterápica (Karasu, 1982, Hoffman, 1990).
Hoffman (1990) afirma que a utilização da medicação atuaria principalmente nos
sintomas e nas desordens afetivas, e teriam seu efeito potencializado na vigência de
psicoterapia, uma vez que ela teria uma influência íntima nas relações interpessoais e no
ajustamento social.
Nesta mesma linha de pensamento, Marcus (1990) salienta que a combinação
terapêutica (droga + terapia) em pacientes com transtorno de personalidade e depressão,
pois a terapia combinada favorece a melhora substancial dos sintomas evolutivos da
patologia e a psicoterapia propicia a restituição das funções egóicas, bem como, a regulação
e a modulação do afeto.
Donovan e Roose (1995) realizaram um estudo para avaliar “quantos pacientes
tomavam medicação durante o tratamento psicanalítico”. Para tanto enviaram um
questionário a todos os analistas Didatas (Columbia – EUA) e observaram que cerca de
60% dos terapeutas tinham pacientes em uso de droga psicotrópica nos últimos cinco anos,
o que correspondia a um total de 20% do total de pacientes tratados. Os autores notaram
ainda que seus colegas afirmaram que além de ocorrer uma melhora terapêutica nos doentes
tratados, eles apresentaram também um efeito positivo no processo analítico.
A literatura mostra que a utilização de técnica combinada (droga + terapia) não é
particular de um país ou centro de tratamento, Guirnón e cols. (1998) mostrou que
psiquiatras suíços também recomendam o tratamento combinado (92%) e os
psicoterapêutas de outras áreas também (96%) como os psicólogos, enfermeiros, assistentes
sociais, filósofos e outros com formação psicanalítica (Noronha e cols., 2004).
Um aspecto bastante importante a ser levado em conta na prescrição
medicamentosa, são os aspectos psicodinâmicos do paciente, ou seja, o que a prescrição de
uma droga pode representar para ele – para um paciente deprimido a indicação de um
fármaco pode resultar em sentimentos de auto-incapacitância, reforço de tendências
masoquistas, resignação, solidão e isolamento, tendo em vista que o medicamento poderia
substituir o relacionamento humano (médico-paciente ou paciente-terapêuta) (Noronha e
cols.2004).
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Em um paciente maníaco, a indicação farmacológica pode interromper a busca de


gratificação, retirar o poder criativo e grandioso e colocar em risco o sentimento de euforia
e bem-estar que o defende da depressão. No cliente psicótico a atitude médica de prescrever
um medicamento pode causar medo persecutório que será envenenado, manipulado ou até
mesmo seduzido para a obtenção de um suposto ajuste social e familiar e que o “doutor”
estaria fazendo isso para não ter mais que ouvi-lo. Portanto, a prescrição pode representar
tanto uma ferida narcísica para um paciente, quanto um alívio da ansiedade e um reforço da
esperança para outro (Noronha e cols. 2004).
Kandel (1999) relaciona algumas crenças contra a introdução de medicamentos
durante o processo psicoterápico e entre eles citam-se: o medicamento tem efeito
superficial, não atuando no núcleo íntimo da doença; que a droga poderia estimular a
dependência por parte do doente e prolongar a morbidade; o alívio dos sintomas poderiam
reduzir a motivação para um acompanhamento analítico; a droga poderia aliviar um
sintoma e desencadear outros indesejáveis (colaterais) e a introdução de “um terceiro
objeto” no set de atendimento, mais precisamente o medicamento.
O que a literatura vem mostrando é que tão importante quanto uma cuidadosa
avaliação clínica para a indicação e escolha de uma modalidade terapêutica adequada é que
os terapeutas envolvidos no processo saúde-doença (terapeuta – psiquiatra) não esqueçam
de avaliar as filosofias do próprio paciente. Neste contexto é mister lembrar que sempre que
for introduzida uma medicação ou modalidade terapêutica ao cliente, o mesmo seja
elucidado para que ele tenha tempo para expor suas considerações, dúvidas e preocupações,
pois desta maneira estaríamos reduzindo sentimentos transferênciais negativos expressos
na forma de “esse medicamento me mata”, “ele me intoxica”, ou ainda “ele me adoece
mais” (Guirnón, 1998; Kandel, 1999; Noronha e cols., 2004).
Blush e Gould (1993) mostraram que quando o terapeuta não médico propõe a
utilização de medicamentos durante o tratamento dos transtornos mentais a relação que
antes era dual passa a ser “triangular”(paciente-terapêuta-psiquiatra) que de um lado pode
ser enriquecedora e frutífera e que de outro lado pode tornar-se negativa a partir do
momento que o paciente sente que seu terapeuta não está dando conta dele ou que seu
tratamento analítico terá um curso demorado e suas possibilidades de melhora são lentas e
por isso a medicação entra como um “terceiro” para dar conta da situação conflitiva.
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Hamilton e cols. (1994) sugeriram que se o médico entende que a utilização da


medicação é necessária e que o paciente irá se beneficiar com o tratamento farmacológico,
o profissional não deve se angustiar por isso e para tanto precisa levar em consideração sua
criteriosa anamnese, seu diagnóstico clínico e sua habilidade técno-científica para indicar
uma droga psicoterápica. Os autores reforçam o pensamento de que o conhecimento da
fisiologia, farmacologia e neurociência são fundamentais para a indicação e escolha da
droga e que a medicação deve ser discutida com o paciente, apontando a dose
recomendável, possíveis efeitos colaterais e a possibilidade de descontinuidade do
tratamento em determinado tempo de condução terapêutica. Estes pesquisadores acreditam
que desta maneira o paciente reduz a ansiedade, expressa livremente seus medos e seus
anseios.
Embora saibamos que muitas vezes os pacientes são seletivos, isto é, acabam
procurando um terapeuta que compartilhe de suas crenças ou linha de “pensamento-
tratamento” (se não for ele medico-analista), sua indicação para um psiquiatra é como se
fosse uma palavra de ordem ou uma parceria de confiança. Lembrarmos que o que importa
é que em nossa atuação o reconhecimento da complexibilidade e da multifatoriedade dos
transtornos mentais nos leva a manter um diálogo respeitoso com o cliente respeitando a
especificidade de cada um ( Noronha e cols., 2004).
Gostaria de finalizar esta reflexão com uma declaração de Kay Jamison (1996)
citado em Noronha (2004) que pode expressar os sentimentos de quem trata e de quem é
tratado, seguindo a abordagem dual (farmacológica e psicoterapêutica): “Eu não me
imagino levando uma vida normal sem tomar lítio e ter os benefícios da psicoterapia”.
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Instituto de Psiquiatria e
Psicoterapia
da Infância e da Adolescência

Regiane Q. Glashan

Psicofarmacoterapia e Psicoterapia no Tratamento dos Transtornos


Mentais – pensamento reflexivo

Trabalho apresentado a Disciplina de Psicopatologia


do Curso de Psiquiatria e Psicanálise da Infância e
Adolescente – do Instituto de Psiquiatria e
Psicoterapia da Infância e Adolescente
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2008

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