Consciência e Propósito No Behaviorismo Radical
Consciência e Propósito No Behaviorismo Radical
Consciência e Propósito No Behaviorismo Radical
Na introdução de seu livro About Behaviorism, Skinner enumera 20 objeções que são comumente
feitas ao behaviorismo e que, em sua opinião, são infundadas. Neste texto tratarei especialmente da
refutação que Skinner dá a três destas objeções, que são:
Inicialmente, é conveniente explicitar o que Skinner entende por behaviorismo. Ele designa, por
este termo, uma filosofia da Psicologia, que se ocupa do objeto e do método desta ciência.
"Algumas das questões que ela formula são: Tal ciência é realmente possível? Pode ela abordar
qualquer aspecto do comportamento humano? Que métodos ela pode usar? Suas leis são tão válidas
quanto as da Física ou Biologia? Poderá ela conduzir a uma tecnologia, e se tanto, qual será o seu papel
nos assuntos humanos?" (Skinner, 1974, p. 3).
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* Fonte original: Bento Prado Júnior (org.). Filosofia e Comportamento. Brasiliense, 1982.
O behaviorismo radical assenta-se sobre a negativa ontológica da existência de eventos imateriais,
sem dimensões físicas, que se passe em um mundo não-físico. Sua premissa básica é, portanto, a de que só
existem eventos materiais ocorrendo em um universo físico. Isto não leva Skinner a descartar enunciados
sobre os eventos mentais. Eles podem ser, em alguns casos, reinterpretados como descrições de eventos
físicos, ou de relações entre eventos físicos, enquanto em outros casos devem ser tomados como
metáforas. Grande parte da obra recente de Skinner é uma tentativa de interpretar os eventos
denominados mentais como fenômenos materiais envolvendo relações entre comportamento e ambiente
(Skinner, 1969; 1974; 1977).
No entanto, a afirmativa de que só existem eventos materiais não implica que todos os eventos
sejam publicamente observáveis, e aí Skinner afasta-se radicalmente do positivismo e do behaviorismo
metodológico. Skinner afirma que uma parte do universo (ou seja, do universo material) tem um estatuto
especial por estar encerrada dentro do corpo dos seres vivos. Esta característica, por um lado,
praticamente impede a observação pública destes eventos e por outro lado confere ao organismo um
contato especialmente íntimo com os estímulos que se originam no interior de seu próprio corpo. 1
Skinner reconhece, portanto, que estes eventos privados não podem ser excluídos do âmbito de
uma ciência do comportamento:
"O behaviorismo radical... não insiste na verdade por concordância e pode, portanto, levar em
conta eventos que têm lugar no mundo privado do interior do corpo. Ele não chama estes eventos
inobserváveis e nem os descartas como subjetivos..." (Skinner, 1974, p. 16).
Para que estes eventos possam ser descritos e levados em conta por uma ciência do
comportamento, Skinner admite inclusive a validade da introspecção, advertindo, porém, que o que é
observado introspectivamente é uma parte do universo material encerrada no corpo do indivíduo:
"O behaviorismo radical, contudo, adota uma linha diferente. Ele não nega a possibilidade de
auto-observação ou autoconhecimento e nem a sua possível utilidade, mas questiona a natureza do que é
sentido ou observado e, desse modo, conhecido. Ele restaura a introspecção, mas não o que filósofos e
psicólogos introspectivos acreditaram estar spectando..." (Skinner, 1974, p. 16).
"A posição pode ser estabelecida do seguinte modo: o que é sentido ou observado
introspectivamente não é um mundo não-físico da consciência, mente ou vida mental, mas sim o próprio
corpo do observador. Isto não implica... que a introspecção é uma forma de pesquisa fisiológica, nem
significa (e este é o centro do argumento) que o que é sentido ou observado intropectivamente são as
causas do comportamento..." (Skinner, 1974, p. 17).
Neste ponto, Skinner já estabelece uma proposição adicional a respeito da natureza das causas do
comportamento. Ele argumenta que:
"... um organismo comporta-se de determinado modo por causa de sua estrutura corrente, mas a
maior parte disto está fora do alcance da introspecção. No momento devemos contentar-nos... com as
histórias genética e ambiental da pessoa. O que é intropectivamente observado são certos produtos
colaterais dessas histórias" (Skinner, 1974, p. 17).
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1 Este contato “íntimo” é decorrente do desenvolvimento de sistemas nervosos que respondem especialmente aos
estímulos privados: são os sistemas interoceptivo e proprioceptivo, que respondem a modificações nas vísceras,
glândulas e vasos sanguíneos, e nos músculos, juntas e tendões. Mesmo que os estímulos privados de um indivíduo
pudessem ser detectados e estudados por outro indivíduo, através de um equipamento especial, o outro não
responderia a estes estímulos da forma especial proporcionada por estes sistemas nervosos: o estudioso poderia
detectar estímulos dolorosos, por exemplo, mas não poderia sentir a dor. Este tratamento dado por Skinner aos
eventos privados respeita a noção de “consciência pessoal” proposta por William James (Principles of Psychology,
Britannica Great Books, 1953, pp. 188-259).
Esta afirmativa precisa ser um pouco comentada e completada: ela assegura que o
comportamento tem sua causa na estrutura biológica do organismo (de passagem negando que o
behaviorista radical considere o organismo como "vazio"). A estrutura biológica do organismo, em um
dado momento, é efeito de duas histórias: a história genética, resultante da evolução da espécie até o
momento da concepção do indivíduo, e, em seguida, a história ambiental, envolvendo as relações entre o
indivíduo e seu meio, desde o momento da concepção.
"Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas
conseqüências de sua ação" (Skinner, 1957, p. 15).
A afirmativa de que os eventos privados são apenas produtos colaterais da história ambiental tem
uma abrangência muito precisa: Skinner quer afirmar apenas que um dado comportamento não é
causado por um sentimento, pensamento ou qualquer evento privado imediatamente antecedente, mas
por toda uma história de relações entre o indivíduo e seu ambiente. Sentimentos, pensamentos, etc. são
também formas de comportamento produzidas por esta mesma história.
Evidentemente, não pode haver dois indivíduos com a mesma história, de modo que indivíduos
diferentes comportar-se-ão de modo diferente, mesmo que sejam expostos a situações idênticas. Skinner
tem sido um dos mais ferrenhos adversários dos métodos estatísticos no estudo do comportamento,
argumentando que a utilização de dados médios de grupos obscurece justamente estas diferenças
individuais que o pesquisador não pode ignorar, sob pena de chegar a generalizações que não se aplicam
ao comportamento de indivíduos concretos:
"O sistema complexo que denominamos um organismo tem uma história elaborada e
grandemente desconhecida, que lhe confere uma certa individualidade. Nunca dois organismos entram
em um experimento precisamente nas mesmas condições e nem são afetadas da mesma maneira pelas
contingências em um espaço experimental. (É característico da maioria das contingências que elas não
são controladas precisamente e, em qualquer caso, são efetivas somente em combinação com o
comportamento que o organismo traz para o experimento). As técnicas estatísticas não podem eliminar
este tipo de individualidade, elas só podem obscurecê-la" (Skinner, 1969, pp. 111-112).
A rejeição dos métodos estatísticos decorre da ênfase sobre a história individual como
determinante do comportamento. O objetivo do programa experimental skinneriano é a busca de leis
gerais dando conta da relação entre ambiente e comportamento. Embora as leis buscadas devam ter um
caráter de generalidade, aplicando-se usualmente a, pelo menos, todos os indivíduos da espécie, os
processos descritos por elas combinam-se de maneira peculiar em cada indivíduo; é mais interessante,
portanto, o estudo extensivo de poucos indivíduos, já que isto permite revelar como as relações entre
comportamento e ambiente se processam para indivíduos concretos.
O tratamento dado ao comportamento operante visa capturar essa relação entre a resposta e sua
conseqüência, sem comprometer-se com uma fórmula teleológica. As noções fundamentais na fórmula de
Skinner são as de operante e reforço.
O termo operante designa uma classe de respostas. A característica comum a estas respostas é que
elas possuem a propriedade à qual o reforço é contingente. Um operante é, portanto, uma categoria cujas
instâncias concretas são respostas do organismo, ou seja, ocorrências discretas de comportamento. Estas
respostas não são definidas por sua forma, mas por sua relação com a conseqüência. A conseqüência
pode ser contingente a propriedades molares como, por exemplo, dirigir um carro de São Paulo até o Rio
de Janeiro, ou a propriedades mais moleculares como, por exemplo, engatar uma primeira.
Tem sido observado que a definição de operante e de reforço é circular (Schick, 1971). Skinner
argumenta que não há circularidade, notando que a observação empírica mostra que algumas
conseqüências têm o efeito de aumentar a freqüência subseqüente de respostas de um operante, enquanto
outras não têm.
Os estímulos antecedentes à emissão de uma resposta também são importantes: quando uma
resposta é reforçada em uma determinada situação, sua probabilidade aumenta diante de novas
ocorrências daquela situação; deste modo, os estímulos antecedentes não eliciam ou forçam a ocorrência
do comportamento operante, mas estabelecem a ocasião na qual uma resposta, se emitida, será
reforçada.
As relações entre comportamento e ambiente são de tal modo que respostas de uma classe
qualquer são seguidas por reforço somente se ocorrerem em determinadas situações ambientais: passar a
marcha do carro só será reforçado se a embreagem estiver pressionada e a velocidade do carro for
apropriada; comer uma fruta só será reforçado se ela estiver madura, e assim por diante. O
comportamento dos organismos é sensível a estas relações, desenvolvendo um controle por estímulos.
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2 Skinner admite ocasionalmente que a distinção entre comportamentos operantes e respondentes é paralela à distinção
entre comportamentos voluntários e involuntários.
3 De acordo com Skinner (1974) a susceptibilidade à ação de determinados reforços decorre do patrimônio genético da
espécie, enquanto outros eventos tornam-se reforços em decorrência da história cultural e individual.
O mesmo não ocorrerá se a palavra "vermelha" for dita em presença de um objeto não-vermelho. O
reforço (palavra ou sinal de aprovação) segue-se à resposta (dizer a palavra "vermelho") somente
quando esta ocorre em uma situação especial (presença de objeto vermelho). Gradualmente a
probabilidade desta resposta ocorrer aumentará em situações similares e tenderá a diminuir em
presença de situações diferentes. Desta forma, no início a criança poderá dizer "vermelho" quando lhe
for perguntada a cor de um objeto amarelo, mas à medida que a criança vai sendo freqüentemente
exposta a situações em que é solicitada a nomear cores e é aprovada ou corrigida em casos de acertos ou
erros, a probabilidade da ocorrência da resposta "vermelho" tende a aumentar na presença de objetos
vermelhos, reduzindo-se virtualmente a zero em presença de objetos não-vermelhos.
Portanto, de acordo com Skinner, uma formulação adequada das relações entre comportamento e
ambiente deve levar em conta três aspectos: 1) a situação ambiental na qual uma resposta ocorre, 2) a
própria resposta e 3) as conseqüências da resposta. De acordo com Skinner, as inter-relações entre estes
três termos definem as contingências de reforço.
Esta noção, até aqui algo obscura, poderá ser clarificada com um exemplo; bastante elucidativo é
o tratamento dado por Skinner ao comportamento agressivo:
"... nenhum comportamento é agressivo por causa de sua topografia. Uma pessoa que, em dado
momento, está agressiva é uma que, entre outras características, 1) apresenta uma possibilidade elevada
de comportar-se verbalmente ou não-verbalmente de modo tal que alguém seja atingido (juntamente
com uma probabilidade diminuída de agir, de modo que ele seja positivamente reforçado) e 2) é
reforçada por tais conseqüências" (Skinner, 1969).
Este exemplo descreve uma classe de respostas ou um operante, que podemos rotular como
comportamento agressivo. Este operante é definido como a classe de respostas que possui a propriedade
comum de causar dano (físico ou não-físico) a outrem. Quando um indivíduo está agressivo, o dano
causado a outrem é um evento reforçador para ele (proposição 2); nesta condição podemos dizer que
existe uma contingência de reforço relacionando o dano causado a outrem (conseqüência) a uma ampla
gama de resposta que, em determinadas situações, produzem dano. Estas respostas vão desde ataques
físicos a respostas verbais ou expressões faciais; é claro que cada indivíduo particular apresentará um
padrão idiossincrático de comportamento agressivo que decorrerá de modo como as contingências
operaram em relação a ele.
Isto ocorre, em primeiro lugar, porque as contingências de reforço envolvem sempre uma inter-
relação entre comportamento e ambiente. Seu efeito depende, portanto, do comportamento que o
indivíduo traz num dado momento para a situação. À medida que o comportamento muda, por efeito da
contingência, esta pode mudar por sua vez, já que o novo comportamento gerado por ela altera as
relações com o ambiente que prevalecia antes. As relações de contingência não existem no vazio,
independentes do comportamento. À medida que o comportamento muda pelo próprio efeito das relações
de contingência, mudam também estas porque o novo comportamento interage com o meio de modo
diferente. Deste modo, a relação entre comportamento e ambiente envolve uma interação dinâmica, onde
o comportamento muda constantemente o ambiente e se diferencia progressivamente. Gianotti (1974)
comparou esta noção de diferenciação à extração, pelo escultor, de uma forma definida a partir da massa
indiferenciada; ele notou também que a noção de operante, da forma como é empregada por Skinner,
encerra uma contradição, pois aponta por um lado para este processo de contínua diferenciação do
comportamento enquanto, por outro lado, a força de um operante se caracteriza por sua probabilidade,
que pressupõe uma classe definida e relativamente estática.
Esta contradição não é resolvida plenamente na obra de Skinner, que insiste na noção de classe e
probabilidade de resposta, especialmente em seus trabalhos experimentais, enquanto aponta para o
caráter dinâmico do operante em boa parte de sua obra teórica. Algumas implicações decorrentes dessa
contradição foram apontadas por Schick (1971). Apesar destas contradições, o conceito de operante
parece dar fundamento à concepção behaviorista mais viável acerca do propósito e da consciência.
O comportamento operante é, portanto, no dizer de Skinner, orientado para o futuro, embora não
possa ser explicado pela sua finalidade:
O propósito está, por assim dizer, embutido na própria definição do operante. Ou seja, ele tem um
caráter direcional em virtude do processo de diferenciação do comportamento que extraiu, da seqüência
indiferenciada de movimento do organismo, uma categoria de respostas funcionalmente intercambiáveis
em virtude de sua relação temporal com a conseqüência reforçadora. São as contingências de reforço que
permitem esta diferenciação de categorias orgânicas de ação; esta organicidade é assegurada pela
existência de contingências relativamente estáveis, mantidas pelo meio físico ou pelas práticas culturais.
Deste modo um operante não é simplesmente movimento "cego" do organismo, como afirmam
freqüentemente os adversários da posição behaviorista. A noção skinneriana de comportamento não se
confunde com a de movimento do organismo. O operante é uma categoria que sofreu um processo de
diferenciação que lhe confere uma relação especial com o meio. Ele pode incluir inclusive formas
distintas de movimentos (topografias distintas), que se tornaram funcionalmente intercambiáveis por sua
relação comum com o ambiente (recorde-se o exemplo do comportamento agressivo apresentado na
seção precedente).
É esta distinção entre comportamento e movimento que permite a Skinner considerar todas as
atividades chamadas mentais como exemplos de categorias comportamentais:
"Os seres humanos atentam para ou desconsideram o mundo em que vivem. Eles buscam coisas
neste mundo. Eles generalizam de uma coisa para outra. Eles discriminam. Eles respondem a aspectos
singulares ou a conjuntos especiais de aspectos, ‘abstraindo’ ou formando ‘conceitos’. Eles solucionam
problemas agrupando, classificando, arranjando e rearranjando as coisas. Eles descrevem as coisas e
respondem às suas descrições feitas por outros. Eles analisam as contingências de reforço no seu mundo e
extraem planos e regras que os habilitam a responder apropriadamente sem exposição direta às
contingências. Eles descobrem e utilizam regras para derivar regras novas a partir de antigas. Em tudo
isto e muito mais, eles estão simplesmente se comportando, e isto é verdadeiro mesmo quando seu
comportamento é encoberto. Uma análise comportamental não rejeita qualquer um desses “processos
mentais superiores”; ela tomou a liderança na investigação das contingências sob as quais eles ocorrem.
O que ela rejeita é a suposição de que atividades comparáveis têm lugar em um mundo misterioso da
mente" (Skinner, 1974, p. 223).
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4 A citação original é intraduzível para o português porque Skinner utiliza a expressão “in order that” para enfatizar
que a noção de finalidade deriva de uma seqüência temporal de eventos. Em outro texto (Skinner, 1964) ele afirma
que a relação entre comportamento e conseqüência no operante, constitui uma versão humeana de causalidade.
rejeitou os conceitos mentais enquanto operações fantasmais que precedem e causam o comportamento,
reinterpretando a mente como uma propriedade organizativa do próprio comportamento.
Há, no entanto, um sentido em que o propósito pode desempenhar um papel causal mais ativo;
isto ocorre quando o indivíduo torna-se capaz de tomar consciência do seu propósito. De fato, o
comportamento operante pode ocorrer sem que exista, por parte do indíviduo, consciência do que está
fazendo. Consciência aqui é entendida como a capacidade de relatar para os outros ou para si próprio o
que ocorreu. Na realidade, o comportamento operante é basicamente inconsciente, e a consciência só
surge, eventualmente, no curso da vida do homem, como um produto social. A consciência aí pode
envolver a capacidade de relatar a própria ação ou os sentimentos que a antecedem e, num nível bem
mais elaborado e mais difícil de atingir, o dar-se conta das razões do próprio comportamento.
Neste último caso, Skinner sustenta, como Freud, que os seres humanos freqüentemente não têm
consciência da razão de sua conduta e, comumente, admitem razões distorcidas em virtude da repressão
ou outras formas de controle que têm origem no meio social. Nestes casos, os indivíduos não têm
consciência do real propósito de suas ações. Skinner (1974, capítulo 8) mostra que as razões pelas quais
um indivíduo se comporta são as conseqüências reforçadoras que mantêm o seu comportamento.
Quando o indivíduo tem consciência destas razões, pode-se dizer que o comportamento é proposital. A
consciência neste caso, como será discutido na seção seguinte, é resultado de poderosas contingências de
reforço, mantidas em certas culturas que dão especial valor ao autoconhecimento e encorajam o relato
verbal do comportamento e de seus objetivos ou razões.
"Uma pessoa pode estabelecer seu propósito ou intenção, contar-nos o que ela espera fazer ou
obter, e descrever-nos suas crenças, pensamentos e conhecimentos. (Ela não pode fazer isto, certamente,
enquanto não tenha se tornado ‘consciente’ das conexões causais). As contingências são, todavia, efetivas
mesmo quando a pessoa não pode descrevê-las. Nós podemos pedir a ela que faça uma descrição depois do
fato (‘Por que você fez aquilo?’), e ela pode então examinar seu próprio comportamento e descobrir sua
crença ou propósito pela primeira vez. Ela não tinha consciência do seu propósito quando agiu, mas pode
estabelecê-lo depois" (Skinner, 1969, p. 126).
Quando o indivíduo tem consciência do seu propósito ele pode explicitá-lo na forma de uma regra
de conduta ou uma resolução.5 Uma resolução pode ser expressa na forma de comportamento manifesto,
mas o que ocorre com maior freqüência é que o indivíduo a formulou apenas para si próprio, na forma
de comportamento encoberto. De qualquer modo, sempre dependendo da história anterior da pessoa, a
resolução assim formulada pode tomar parte nas contingências de reforço que controlam o
comportamento subseqüente, aumentando a probabilidade de que a resolução seja cumprida.
"Uma formulação mais explícita pode ser feita antes do ato: um homem pode anunciar seu
propósito, estabelecer sua intenção ou descrever os pensamentos, crenças e conhecimentos sobre os quais
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A resolução, neste caso, fará parte, juntamente com outros aspectos do ambiente, do primeiro
termo envolvido nas contingências de reforço, ou seja, a situação na qual um dado comportamento será
reforçado caso seja emitido. Neste caso, se o indivíduo tiver uma história anterior de freqüente
reforçamento quando cumpre suas próprias resoluções, pode-se dizer que a sua resolução ou decisão
determina, em parte, seu comportamento subseqüente. Ela determina um aspecto da contingência em
que o comportamento está envolvido, e que é efetivo somente em virtude da história particular do
indivíduo. Cabe ressaltar aqui que não há sentido, para Skinner, na idéia de uma causa única para o
comportamento: este é sempre multideterminado por um conjunto de aspectos da situação corrente em
interação com a história do indivíduo.
Tenho mostrado até aqui que o behaviorismo radical skinneriano não nega a existência dos
chamados fenômenos mentais. Ou seja, Skinner e seus seguidores não negam, como se afirma com
freqüência, que os seres humanos sentem, pensam, têm idéias e intenções, fazem planos etc. O
behaviorismo radical procura, no entanto, reinterpretar estas ocorrências como ações da pessoa, ou mais
apropriadamente, como relações entre a ação e o ambiente. Por ambiente entende-se aqui tanto o
ambiente interno, envolvendo a estimulação privada, quanto o ambiente físico e social que rodeia a
pessoa.
A consciência, especialmente, tem sido considerada como o aspecto mais importante da vida
mental e o behaviorismo é freqüentemente rejeitado como incapaz de dar conta do fenômeno da
consciência. No entanto Skinner afirma que o behaviorismo radical oferece um tratamento mais eficaz da
consciência do que as Psicologias mentalistas:
"Uma ciência do comportamento não ignora, como se diz freqüentemente, a consciência. Pelo
contrário, ela vai muito além das Psicologias mentalistas ao analisar o comportamento autodescritivo.
Ela tem sugerido maneiras melhores para ensinar o autoconhecimento e também o autocontrole, que
depende do autoconhecimento" (Skinner, 1969, p. 245).
Para explicar a experiência consciente Skinner (1969, 1974) procura, em primeiro lugar, refutar a
idéia de que o organismo, de algum modo, faz cópias do mundo externo que são apreciadas em uma
espécie de teatro interno. Para tanto, Skinner interrelaciona um argumento lógico e um argumento
neurofisiológico.
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6 O professor Walter Cunha chamou-me a atenção para um notável exemplo literário desta forma de regra ou
resolução. Trata-se do episódio de Le Rouge et le Noir, de Stendhal, no qual Julien Sorel, para reforçar sua decisão de
tocar a mão da Sra. de Renal, decide que o fará inapelavelmente antes que se completem as doze badaladas da meia
noite. Se ao soar a última badalada ele não tiver realizado seu intento, subirá ao seu quarto e se suicidará. De fato, ao
soar a última badalada, Julien toca a mão da Sra. de Renal. O professor Cunha mostrava, com este exemplo, de que
modo um comportamento manifesto pode ser causado por um evento mental. Porém a resolução de Julien pode ser
entendida também como um comportamento encoberto que, apoiado por um estímulo externo, tem uma função nas
contingências de reforço que mantêm o comportamento manifesto. A aplicação da teoria skinneriana depende
criticamente da noção de comportamento encoberto que, em muitos casos, praticamente substitui a idéia de evento
mental. Esta noção, como muitos conceitos na teoria skinneriana, tem pouco apoio experimental (ao menos até o
presente), mas tem a função de assegurar a coerência do edifício teórico.
semelhança com os objetos vistos, e a semelhança é ainda menor no caso da audição e outras
modalidades sensoriais. O argumento principal é, no entanto, de caráter lógico: a reprodução interna do
mundo externo não pode explicar a visão ou qualquer outra forma de experiência, porque de qualquer
modo restaria explicar como o indivíduo vê a reprodução:
"Suponhamos que alguém cubra os lobos occipitais com uma emulsão fotográfica especial que,
quando desenvolvida, forneça uma cópia razoável de um estímulo visual corrente. Em muitas áreas isto
seria considerado um triunfo na fisiologia da visão. Contudo, nada poderia ser mais desastroso, porque
teríamos de começar tudo de novo e perguntar como um organismo vê um quadro em seu córtex
occipital, e teríamos agora muito menos cérebro disponível para procurar a resposta" (Skinner, 1969, p.
232).
A alternativa proposta por Skinner elimina a representação interna e considera a visão como uma
forma de comportamento:
"Em algum ponto o organismo deve fazer mais do que criar duplicatas. Ele deve ver, ouvir, cheirar e
assim por diante, como formas de ação e não de reprodução. Ele deve fazer algumas das coisas que são
diferencialmente reforçadas quando ele aprende a responder discriminativamente" (Skinner, 1969, p.
232).
Ver, ouvir, assim como sentir, são de acordo com Skinner, formas de comportamento
discriminativo, ou seja, comportamento que mantém uma correspondência com os padrões de
estimulação externa, de acordo com contingências de reforço mantidas pela comunidade verbal ou pelo
ambiente físico. Por exemplo, a pessoa aprende a ver cores diante de contingências mantidas pela
comunidade verbal, que a induz a nomear uma dada cor, aprovando quando o nome é adequado e
corrigindo quando não é. Uma pessoa não vê ou não conhece cores enquanto este comportamento
discriminativo de nomear diferentes cores não é estabelecido pela comunidade verbal. Diferentes
culturas podem variar as contingências mantidas, desenvolvendo uma discriminação de cores mais
refinada ou mais grosseira.
"É comumente mais fácil para nós ver um amigo quando estamos olhando para ele, porque os
estímulos visuais, semelhantes aos que estavam presentes quando o comportamento foi adquirido,
exercem controle máximo sobre a resposta. Mas a mera estimulação visual não é o bastante; mesmo
depois de termos sido expostos ao necessário reforçamento, podemos não ver um amigo que esteja
presente a menos que tenhamos razão para fazê-lo. Por outro lado, se as razões são suficientemente
fortes, podemos vê-lo em alguém que tem apenas semelhança superficial com ele, ou mesmo quando não
há ninguém como ele" (Skinner, 1969).
No entanto, não é a visão de um objeto que levanta a questão do conteúdo da consciência. Esta
surge quando a pessoa é capaz de "ver-que-está-vendo", ou seja, quando o indivíduo pode relatar o seu
comportamento visual. Skinner admite que o indivíduo pode ver sem ver-que-está-vendo e isto é o que
acontece em condições normais. Nestes casos a pessoa pode ver e responder discriminativamente aos
estímulos visuais sem que possa "dar-se conta" do que viu, ou seja, sem ter a capacidade de relatar o que
viu para os outros ou para si próprio. Para que a pessoa aprenda a ver-que-está-vendo são exigidas
contingências especiais arranjadas pela comunidade verbal que fortalecem um repertório de auto-
observação (introspecção) e autoconhecimento. Quando este repertório introspectivo está estabelecido, o
comportamento de ver-que-está-o-vendo pode ocorrer quando o indivíduo vê um objeto presente e
também quando ele vê um objeto ausente. Não há diferença fundamental entre os dois casos, porque o
indivíduo não está relatando o objeto ou uma reprodução deste, mas o seu comportamento de ver.
Quando o indíviduo relata a visão de um objeto presente, o estímulo antecedente que exerce controle
discriminativo sobre o seu comportamento descritivo não é o objeto, mas o seu comportamento visual
juntamente com as conseqüências deste comportamento. Da mesma forma, quando o indivíduo relata um
sonho ou uma fantasia, é o seu comportamento visual que exerce controle discriminativo sobre o relato.
"O ponto central da posição behaviorista sobre o conteúdo da consciência pode ser sumarizado
deste modo: ver não implica algo visto. Nós adquirimos o comportamento de ver sob estimulação de
objetos reais, mas ele pode ocorrer, na ausência desses objetos, sob o controle de outras variáveis.
(Quando se considera o mundo debaixo da pele, ele sempre ocorre na ausência de tais objetos). Nós
também adquirimos o comportamento de ver-que-estamos-vendo quando estamos vendo objetos
presentes, mas ele pode também ocorrer na sua ausência" (Skinner, 1969, pp. 234-235).
"A comunidade está geralmente interessada no que um homem está fazendo, tem feito, ou planeja
fazer, e nos motivos desta conduta; ela arranja contingências as quais geram respostas verbais que
nomeiam e descrevem os estímulos externos e internos associados com estes eventos. Ela questiona o seu
comportamento verbal perguntando ‘Como é que você sabe?' e o locutor responde, se o faz, descrevendo
algumas das variáveis de que o seu comportamento verbal foi função. A ‘consciência' resultante de tudo
isto é um produto social" (Skinner, 1969, p. 229).
Assim, em um nível elementar, pode-se dizer que um indivíduo tem consciência de uma dada
situação quando ele responde nessa situação de modo adequado para produzir um certo tipo de
conseqüência reforçadora. Um boxeador alerta responde aos movimentos do seu oponente e, neste
sentido, está consciente deles; ele também responde a vários eventos de seu mundo privado: ele poderá,
por exemplo, sentir a dor provocada por um golpe ou a fadiga ao final da luta. Já um boxeador
nocauteado está, como se diz usualmente, inconsciente: ele não responde aos movimentos do oponente,
juiz e demais pessoas em volta, assim como não responde a eventos do seu mundo privado, não sentindo
dor ou fadiga. Ele recuperará (provavelmente de modo gradual) a consciência quando for novamente
capaz de responder a esses estímulos.
Estas respostas são, em geral, relatos do próprio comportamento que, dependendo da cultura, são
especialmente encorajados e correspondentemente reforçados. Nestes casos, os estímulos (principalmente
proprioceptivos) originados pelo comportamento são a parte principal da situação na qual uma resposta
descritiva é freqüentemente reforçada por interesse, atenção ou especialmente por ações de outros
indivíduos. Quando uma pessoa é sensível a este tipo de contingência diz-se que ela é consciente de sua
ação.
"Nós estamos conscientes do que estamos fazendo quando descrevemos a topografia do nosso
comportamento. Estamos conscientes de porque o estamos fazendo quando descrevemos variáveis
relevantes, tais como aspectos relevantes da situação ou o reforço. A comunidade verbal produz
comportamento autodiscriminativo perguntando ‘O que você está fazendo?' ou ‘Porque você está
fazendo isto?' e reforçando adequadamente as respostas" (Skinner, 1969, p. 244).
"Ao tentar estabelecer tal repertório, contudo, a comunidade verbal atua com uma grande
desvantagem. Ela não pode arranjar sempre as contingências requeridas para discriminações sutis. Ela
não pode ensinar a criança a chamar um padrão de estímulos privados "timidez" e um outro
"embaraço" tão efetivamente quanto ela ensina a chamar um estímulo "vermelho" e um outro "laranja"
porque ela não pode estar segura da presença ou ausência de padrões de estímulos privados apropriados
para o reforçamento ou omissão do reforçamento. Assim, a privacidade causa problemas, antes de tudo,
para a comunidade verbal. O indivíduo, por sua vez, também se ressente. Uma vez que a comunidade
verbal não pode reforçar consistentemente as respostas autodescritivas, a pessoa não é capaz de
descrever ou de outro modo "conhecer" eventos ocorrendo debaixo de sua pele tão sutilmente e
precisamente como ela conhece os eventos do mundo ao redor" (Skinner, 1969, pp. 229-230, grifos e
aspas do autor).
Assim, como o autoconhecimento é de origem social, ele torna-se problemático quando os eventos
a serem conhecidos são inacessíveis ao grupo social que modela o repertório introspectivo e
autodescritivo e, desta forma, leva o indivíduo a se autoconhecer.
A comunidade verbal tem, de acordo com Skinner (1953, pp. 150 e 151), várias formas para
contornar o problema da privacidade. Ela pode recorrer a correlatos públicos de um evento privado:
quando a criança sorri, pula e faz festas, um adulto pode observar: "Como você está alegre!" ou quando
a criança bate a cabeça e chora o adulto pode observar: "Doeu". De acordo com Skinner, é quase certo
que a criança adquira inicialmente estas respostas sob controle dos mesmos eventos públicos que
exercem controle sobre o adulto, mas como, para ela, há eventos privados que os acompanham, a sua
resposta pode cair gradualmente sob controle dos eventos privados: este processo pode levar a distorções
porque a correlação entre os eventos públicos e privados dificilmente é perfeita.
De outro modo, respostas verbais adquiridas a eventos públicos podem ser usadas na
discriminação de eventos privados com base em propriedades comuns entre os eventos públicos e
privados:
"A linguagem da emoção, por exemplo, é quase inteiramente metafórica, seus termos foram
tomados emprestados de descrições de eventos públicos nos quais tanto a comunidade quanto os
indivíduos têm acesso aos mesmos estímulos. Aqui novamente a comunidade não pode garantir um
repertório verbal acurado porque as respostas podem ser transferidas dos eventos públicos para os
privados com base em propriedades irrelevantes" (Skinner, 1953, p. 150, trad. de J. C.Todorov e R.
Azzi).
Deste modo o conhecimento e o relato dos eventos privados é normalmemte mais grosseiro e
inexato. O indivíduo poderá sentir dores físicas com muita intensidade, mas terá provavelmente muitas
dificuldades ao descrevê-las a um médico: mesmo que ele possa localizá-las com razoável precisão, ele
certamente terá muitas dificuldades para dizer de que tipo de dor se trata. Por um lado, ele não adquiriu
um repertório verbal adequado para descrever com precisão o que ele sente e, por outro lado, como isto
decorre da falta de um treinamento para realizar discriminações refinadas. O indivíduo na verdade não
"conhece" com precisão o que ele está sentindo. O mesmo pode-se dizer do conhecimento dos chamados
estados subjetivos (Engelmann, 1978). O trabalho de Engelmann, embora não tenha especificamente este
objetivo, revela como é problemática para o indivíduo uma distinção sutil entre seus estados subjetivos.
A pessoa terá dificuldade em descrever o que sente, as descrições serão, provavelmente, inconsistentes de
pessoa para pessoa e haverá inconsistência também entre os diferentes relatos de uma mesma pessoa. A
comunidade verbal tem, certamente, muito menos confiança neste tipo de relato: se alguém diz que "está
desesperado", podemos achar que ele talvez esteja exagerando; talvez esteja apenas "triste" ou então
"algo deprimido" ou quem sabe "preocupado" ou "angustiado". Talvez ele esteja querendo apenas
atrair a nossa atenção. Se pouco depois o indivíduo tentar suicidar-se, já não duvidaremos de seu relato
anterior, porque este terá sido corroborado por um inequívoco evento público. No entanto, os estados
subjetivos são raramente acompanhados por eventos públicos assim inequívocos, tornando difícil para o
indivíduo distinguir entre eles, e tornando o seu relato pouco confiável para a comunidade:
"As deficiências que geram desconfiança pública levam, no caso do próprio indivíduo, à simples
ignorância. Parece não haver meios pelos quais o indivíduo possa aperfeiçoar a referência ao seu próprio
comportamento a esse respeito. Isto é particularmente mau, pois ele tem provavelmente inúmeras razões
para distorcer seu próprio relato para si mesmo" (Skinner, 1953, trad. de J. C.Todorov e R. Azzi, p. 151).
Concluindo, Skinner sustenta que o comportamento pode ocorrer sem que o indivíduo tenha
consciência dele, no sentido de que a pessoa não se dá conta do que faz e não é capaz de relatá-lo para os
outros ou para si própria. Entre estes comportamentos encontram-se os de ver, ouvir etc., os quais
podem ocorrer também na ausência dos objetos diante dos quais foram adquiridos.
A comunidade verbal usualmente arranja contingências de reforço especiais que levam o
indivíduo a discriminar e relatar seu comportamento e, em alguns casos, variáveis das quais eles são
função. A comunidade verbal também arranja contingências para ensinar o indivíduo a discriminar e
relatar eventos privados, mas neste caso as contingências são imperfeitas porque a comunidade não tem
acesso direto aos eventos. O autoconhecimento resultante é provavelmente mais grosseiro e
especialmente passível de distorção.
Assim, de acordo com Skinner, a consciência e autoconhecimento têm origem social e dependem
das práticas da comunidade verbal na qual o indivíduo está inserido. O indivíduo tem mais facilidade
para conhecer o mundo externo porque a comunidade pode modelar um repertório descritivo
apropriado. O conhecimento do mundo interno pode vir a ocorrer; mas será provavelmente imperfeito.
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