Gustavo Sorá A Arte Da Amizade PDF

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I Seminrio Brasileiro sobre Livro e Histria Editorial


Realizao: FCRB UFF/PPGCOM UFF/LIHED
8 a 11 de novembro de 2004 Casa de Rui Barbosa Rio de Janeiro Brasil
O texto apresentado no Seminrio e aqui disponibilizado tem os direitos reservados. Seu uso est regido pela legislao de
direitos autorais vigente no Brasil. No pode ser reproduzido sem prvia autorizao do autor.

A arte da amizade
Jos Olympio o campo de poder e a publicao de livros autenticamente brasileiros

Gustavo Sor
1


"(...) Jos Olympio.
Brasileiro com B grande, 80 anos, amigo de Getlio, Z Amrico
Armando Salles, Juscelino Kubitschek, Antnio Carlos Magalhes
Golbery, Geisel, Altino Arantes, Luis Viana, Olavo Setbal, Nereu,
Caf Filho, Dutra, Negro, S Ferreira Alvim, Capanema, Etelvino Lins
Barbosa Lima Sobrinho, Agamenon, Ademar de Barros e Luca Garcez
(quando governador da minha terra almocei com eles, vrias vezes,
no Palcio dos Campos Eliseos), Washington Lus, Carlos Prestes,
Jlio Prestes, Filinto Mller e Joo Alberto"
(assinatura e post-data de uma carta de Jos Olympio a Carlos Atila,
secretrio do Presidente J. Figueiredo; 2/8/83)
2


No plano literrio e do pensamento social, a editora Jos Olympio foi responsvel por uma
parte consideravel do trabalho de unificao simblica que, imbricado aos processos de
monopolizao do espao fsico-territorial, da economa, do uso da violncia, marcaram a
construo do Estado e da cultura nacionai brasileiros. Entre meados das dcadas de 1930 e
1950, ser editado pela livraria Jos Olympio de Rio de Janeiro foi o desejo de todo autor.
Significou consagrao, incluso em um catlogo que reunia os autores e ttulos das obras
percebidas como "autnticamente brasileiras". A marca bastava. Como para todo o que
consagra, no era preciso saber as razes que produziam tal realidade. Na poca s se falava
do dom do editor, da sua genialidade como bom emprendedor cultural e como pessoa. Com o
declinio da posio desta editora a partir dos anos 60, as explicaes foram habilitadas pelas
vanguardas esttico-polticas da poca e ganharam o tom de uma acusaso: Jos Olympio era
amigo dos poderosos, de Vargas, dos militares, etc. Em resposta, as pessoas proximas do
editor, como Rachel de Queirz, Plnio Doyle, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto

1
Consejo Nacional de Investigaciones Cientficas y Tecnolgicas Museo de Antropologa de la Universidad
nacional de Crdoba, Argentina. A traducao do espanhol para o portugus foi realizada por Simone Silva
2
Carta arquivada no Acervo da Editora Jos Olympio. Exeto quando se aclara outra fonte documental, todos os
materiais de arquivo reproduzidos neste trabalho formam parte do acervo privado da editora. Sobre o acervo
documental da livraria Jos Olympio, sua histra e disperso, veja-se Sor 1998, Prefcio).
2
Freyre, funcionrios da Casa, familiares contestavam que "Jos Olympio no tinha possio
poltica nenhuma". Tal como expressa a auto-presentao do editor no epigrafe, diziam que a
arte de Jos Olympio era a amizade: ele era "amigo de todo o mundo", condio suficiente
para explicar por que foi ele o grande editor de um canone da cultura nacional impresa. A
amizade, atitude de dar sem interesse em receber, de construir relaes benficas, antepe a
fora do dom. Como as artes, sua possibilidade deve mais inspirao, natureza das pessoas
que tem o poder de encantar, que ao ensino e a adquisico por procurao. 'A arte da amizade
de Jos Olympio' condensa a fora de tudo o que o fez diferente. Develar as formas e poder
dessa arte se torna um propsito sociolgico de primeiro interesse para explicar fatos ainda
pouco explorados sobre a gnese da cultura brasileira impresa.
3


Se durante a vigncia do poder auretico da editora o seu dominio era incontestvel, logo
inquestionavel, induvitavel, posteriormente as percepes sobre o selo deslocado foram
enrarecidas, sua histria escurecida, seu conhecimento dificultado. A contrapelo dos elogios e
das acusaes, este trabalho revela algumas das condies materiais e afetivas que explicam
como e por que Jos Olympio Pereira Filho monopolisou a fins dos anos 30 a edio dos
livros considerados indispensaveis para sentir e pensar o pas. De um modo geral preciso
observar e diferenciar trs espcies de capitais que gravitaram em torno da pessoa: social,
econmico e poltico. Em primeiro lugar se devem remontar alguns aspectos da sua trajetria
pessoal: sua socializao e experincia inicial no mundo dos livros, a constituio e destinos
de sua famlia, considerada no senso lato dos laos consanguineos e por alianca. Estes ltimos
abarcam nao s os vinculos trazados por casamento, seno as relaes de interdependncia
com um amplo conjunto de pessoas que se consideravam irmos, padrinhos, amigos ntimos.
Em segundo lugar preciso tratar a incorporao e uso de habilidades comerciais na venda de
livros, de direitos, de bens propriamente editoriais. E em terceiro lugar deve ser pensada a
permanente relao de Jos Olympio com o entorno poltico e agentes de peso no campo de
poder.

Trajetria de Jos Olympio e acumulao primitiva de capitais editoriais

Jos Olympio Pereira Filho nasceu no dia 10 de dezembro de 1902, em Batatais, cidade
situada em Alta Mogiana, rica regio produtora de caf do interior do Estado de So Paulo.

3
Aqu se apresenta apenas um fragmento da anlise que orientada por esse objetivo deu forma minha tese de
doutorado (Sor 1998)
3
Jos Olympio Pereira, pai do futuro editor, nasceu em Paramirim, interior da Bahia, e mudou-
se para o interior paulista no final do sculo XIX. Em Batatais trabalhou como guarda-livros.
Sua mulher, Rita de Oliveira Junqueira, nasceu em Batatais, e era "filiada, pelo lado materno,
aos Junqueira de Ribeiro Preto" (Pereira 1973: X). Provinha de uma famlia paulista por
vrias geraes e foi criada entre Gois e o tringulo mineiro. Ao menos por parte materna,
uma intensa devoo catlica parece ter sido marcante. Jos Olympio Pereira Filho foi o
segundo de nove irmos (cinco homens e quatro mulheres), sendo o primeiro filho homem.
Assegurando formao bsica e parcialmente de segundo grau para todos os filhos, os Pereira
podem ser situados entre as camadas mdias urbanas em ascenso, posio prxima dos
imigrantes que povoaram a regio desde finais do sculo XIX, superavam com xito seu
assentamento rural e diversificavam suas reas de atividade. Observa-se, assim, uma
assimetria de capitais sociais entre a me e o pai de Jos Olympio. Pela linhagem materna se
geraram as razes da "escolha" de Altino Arantes para apadrinhar Jos Olympio,
circunstncia qual se ligam as condies de progresso que marcaram o seu porvir. Altino
Arantes era um dos homens de maior prestgio social e poltico entre os numerosos membros
das elites paulistas da primeira metade do sculo que surgiram nessa regio.
4
Chegou a ser
duas vezes presidente do Estado de So Paulo, presidente do banco do estado, membro da
Academia Paulista de Letras. Em 1899, Arantes casou-se em Paris com Maria Teodora de
Andrade Junqueira, parente longnqua da me de Jos Olympio. Por via da religio, Jos
Olympio Pereira Filho foi privilegiado por meio de uma estratgia de promoo social comum
em famlias sem recursos ou com fortunas dilapidadas, ao conseguir que o renomeado
conterrneo o aceitasse como padrinho de crisma.

Jos foi alfabetizado pela me, no concluiu o segundo grau (ginsio) e, ainda com onze anos,
comeou a trabalhar numa farmcia da cidade. Ao fazer quinze anos escreveu a Altino
Arantes, que por essa poca transitava pela segunda vez na presidncia do Estado (1916-
1920), pedindo-lhe um emprego na capital. Seu plano teria sido trabalhar num "armazm de

4
Altino Arantes nasceu em Batatais, em 1876. Era filho do coronel Francisco Arantes Marques e Maria Carolina
de Arantes. Realizou sua formao bsica em Itu (SP) e, com 16 anos, ingressou na tradicional Academia de
Direito da capital estadual. Graduou-se em 1895 e abriu um escritrio de advocacia em sua cidade natal, onde
atendia a importantes personagens do interior do estado. No incio do sculo ligou-se ao Partido Republicano
Paulista (PRP) e, em 1906, foi eleito deputado federal. Reeleito, validou este cargo at 1911. Suas posies na
cmara foram conservadoras, em defesa dos interesses dos bares do caf e da Igreja Catlica. Ops-se
supresso de uma representao diplomtica no Vaticano e aderiu a propostas de expulso dos estrangeiros. Em
1915, sua esposa faleceu e ficou encarregado dos dois filhos. Entre 1916 e 1920 ocupou por primeira vez a
Presidncia do Estado de So Paulo. Foi dissidente da candidatura de Washington Lus e comandou uma ala
opositora no interior do partido nico paulista e, at a Revoluo Constitucionalista de 1932, sempre teve uma
posio de primeira linha entre os representantes das elites do estado de So Paulo (Beloch e Abreu 1984).
4
secos e molhados", onde, dizia-se, davam alojamento e comida: "Os rapazes que saam de sua
pequena cidade para tentar a aventura da vida na Capital falavam maravilhas da firma Arajo
Costa, atacadista de armarinhos" (Barbosa 1962: XXXV). Desta forma, ele poderia concluir
sua educao, estudar direito, ser promotor, ser algum na vida. No dia 7 de junho de 1918,
Jos Olympio pai recebeu uma carta do coronel Afro Rezende, chefe da Casa Militar do
Presidente do Estado, na qual lhe comunicavam a colocao do adolescente num emprego,
embora no fosse no local por ele pretendido. Um ms depois, o prprio coronel levou Jos
Olympio Pereira Filho Casa Garraux, onde o recebeu seu dono Charles Hildebrand, que o
encaminhou seo de livros sob o comando do famoso livreiro Jacinto Silva. O modesto
ingresso no alcanava para um sustento minimamente independente, como alugar um quarto
de penso. Por beneplcito do padrinho, foi acolhido para dormir num pequeno quarto dos
stos do Palcio de Governo (Campos Elsios) e partilhar as refeies com os funcionrios
de baixo escalo. Nessas condies viveu trs anos. Indo diariamente do palcio dos Campos
Elsios Casa Garraux, o jovem Jos Olympio no demoraria muito a encontrar seu lugar nas
comarcas do poder local.
5
Durante 13 anos, a Casa Garraux foi o meio no qual Jos Olympio
realizou uma carreira ascendente at ocupar uma posio privilegiada como gerente livreiro.

J no comeo do sculo, Garraux era a principal loja de So Paulo: "grande magazine
importador, em torno do qual girava tda ou quase tda a vida social, poltica e intelectual de
So Paulo" (Barbosa 1962, p. XXXI). A casa Garraux estava situada no chamado "bairro
acadmico", entre o largo de So Francisco, onde se alojava a Faculdade de Direito, e a S.
Esta zona era um micro-cosmos fechado, com cafs, livrarias e todos os comrcios onde se
abastecia e se expunha socialmente a aristocracia do caf, os bacharis e os restantes setores
participantes do espao de poder da pujante cidade. Garraux possua a maior oferta de venda
de livros da cidade, representando um plo "francs" ou de mxima distino social e cultural
para os padres estticos e de gosto da poca. Portanto, dominava econmica, cultural e
socialmente o rudimentar mercado local do livro.
6
Alm de livros, as pessoas da boa

5
As portas abertas por Altino Arantes, e posteriormente por outros personagens de diversas fraes do campo de
poder, foram de uma enorme importncia. Uma vez que Jos Olympio se afirmara como livreiro e editor, passou
a retribuir os dons, a equilibrar sua posio, com livros e "amizade".
6
As dimenses regionais dos mercados do livro at meados dos anos 30 indicam falta de regularidade na
distribuio alm das fronteiras estaduais. S a fins dos anos 30 se afirmaram condies econmicas e polticas
para garantir a unificao de um espao editorial nacional institucionalizado. A marca central deste processo foi
o aparecimento nessa poca dos primeiros distribuidores especializados (Cf. Sor 1998, captulos 1 e 5). Em
sntese, considero que as pesquisas sobre o mundo editorial brasileiro devem ter em conta as devidas dimenses
histricas da escala espacial dos mercados do livro, para progredir em hipteses que comumente foram a
valiade nacional dos fatos.
5
sociedade ali "compravam" vestimentas, propriedades, sabores, ornamentos, posturas,
conhecimentos, rumores, novidades, e todos os elementos necessrios carreira pela
distino. A clientela dirigia-se a este local no tanto para adquirir um objeto isolado, mas
para exibir suas condies de participao no universo da cultura legitima e da boa sociedade.
No interior do comrcio se condensava o mundo. Todas as posies possveis do campo de
poder "se faziam presentes", teatralizando entre suas sees batalhas simblicas para as quais
os indivduos se alinhavam e distribuam segundo os consumos escolhidos, as maneiras de
apropriar-se deles e outras formas de "estar" na Garraux.
7


Na Casa Garraux, a livraria oferecia, muito mais que as outras sees, bens e espao para a
expressividade das oposies sociais fundamentais do campo de poder. Nesse entorno, a
posio do livreiro gerente era uma plataforma privilegiada de observao e mediao dessas
contendas. Dessa qualidade derivava uma lgica de privilgios. Em 1926, o livreiro Lpes,
quem tinha remplazado a Jacinto Silva uma vez que este fundou o salo e a editora O Livro,
se afasta da Garraux e Jos Olympio assume a gerncia da livraria. Retrospectivamente, a
posio do afilhado do ex-governador tinha mudado consideravelmente. Por essa poca,
Altino Arantes presidia o Banco do Estado de So Paulo, cuja sede era prxima da Casa
Garraux, e todas as semanas convidava o gerente da livraria para almoar na "Brasserie da
Praa Antnio Prado, encontros sempre regados com Medoc ou um Chianti Ruffino".
8


Em 1928, Jos Olympio trouxe toda sua famlia para a capital. Graas a seu ofcio e relaes,
arrumou um emprego para o pai no Departamento do Caf, com remunerao de um conto e
duzentos por ms. Com o correr dos anos, trs dos irmos homens foram trabalhar no ramo
livreiro. No final da dcada, Jos Olympio conheceu Vera Pacheco Jordo, habitu da Casa
Garraux. Filha caula de Geraldo Pacheco Jordo, engenheiro de renome,
9
e Benedita
Marinho, representante de famlia "tradicional". Vera nasceu em Paris, em novembro de 1910,
formou-se em importantes colgios e transitava com fluidez pela cultura francfila da poca.
Ela e suas irms mais velhas chegaram a ser proprietrias de um Colgio. Finalmente, em
1931, Jos Olympio galgou sua prpria atividade comercial, ao adquirir uma das maiores

7
Cf. Broca 1956. Em certa medida, pode-se afirmar que na Garraux se gerava um microcosmos social anlogo
ao descrito por Habermas para os sales e cafs europeus, que at finais do sculo XVIII (Habermas 1984: 45).
8
Carta de Jos Olympio a "meu caro colega e Presidente Jnio Quadros", de 25/1/86, p. 3.
9
Este construtor foi responsvel por trazer da Frana o macadame no comeo do sculo.
6
bibliotecas particulares do Brasil, de propriedade de Alfredo Pujol.
10
Jos Carlos de Macedo
Soares
11
interveio tanto na aproximao de Jos Olympio com Vera, quanto na compra da
biblioteca de Pujol. Por um lado, Sebastio Pacheco Jordo, to de Vera, professor da
Faculdade de Direito, pediu informaes a Macedo Soares sobre o desconhecido pretendente
(Villaa 2001: 76). Mais tarde Macedo Soares seria o padrinho de casamento. A compra da
biblioteca de Pujol, por outro lado, lhe foi sugerida a Jos Olympio por Macedo Soares, quem
tambm era um reconhecido biblifilo. Pagada com um emprstimo de Macedo Soares, a
biblioteca foi escriturada em 14 de abril de 1931, um ano depois da morte do biblifilo.

Para Jos Olympio, o projeto de editar livros foi simultneo independncia como livreiro,
como o demonstra o lanamento do primeiro ttulo sob o selo com seu nome, apenas um ms
depois de inaugurada a livraria. A "psicologia" foi um primeiro filo do catlogo como indica
o ttulo escolhido para o primeiro lanamento: Conhece-te pela psicanlise, de Joseph Ralph,

cujos direitos de publicao contratou via Estados Unidos. Para o incio da edio de autores
nacionais, as escolhas no estiveram afastadas dos crculos de elite locais e dos eventos do
momento, de sucesso pblico garantido. Os episdios da Revoluo Constitucionalista
comearam a ser explorados em maio de 1932, com Itarar, Itarar. Notas de campanha, do
paulista Honrio de Sylos,
12
segundo ttulo do catlogo. O terceiro ttulo foi uma reimpresso
de A ronda dos sculos, contos de Gustavo Barroso. Este escritor, que na poca apregoava
um discurso anti-semita e passava a liderar o Movimento Integralista Brasileiro, acabava de
ser eleito membro da Academia Brasileira de Letras (Halewell 1985: 352). De um lado, a
possibilidade de editar este livro denota o prestgio que contava Jos Olympio como
personagem do mundo do livro em So Paulo, ainda antes de lanar-se a editar. No obstante,
observa-se que Barroso, assim como Plnio Salgado, o outro intelectual lder do integralismo,
atravessava uma fase de profusa edio de livros, que iam desde contos e poesias at panfletos
polticos e diatribes racistas. Barroso era preferentemente editado pela Civilizao Brasileira e
pela Companhia Editora Nacional, de propriedade de Octalles Marcondes Ferreira. Tanto

10
Alfredo Pujol (So Joo da Barra, RJ, 20/3/1865 - 20/5/30, So Paulo) foi um advogado consagrado no cenrio
intelectual do comeo do sculo, a partir de um estudo sobre Machado de Assis. Esta obra lhe valeu a eleio
para a Academia Brasileira de Letras, em 1917. Mas, alm do seu destaque como fundador, em 1916, da Revista
do Brasil, na capital se falava dele por conta de sua biblioteca.
11
Macedo Soares tinha sido presidente da Companhia Grfico Editora Monteiro Lobato ao tempo de sua
liquidao, em 1925. Tambm foi diretor do Banco de So Paulo e realizou carreira poltica depois de 1930.
(Hallewell 1985: 350).
12
Este tema foi realimentado no correr do ano e com a publicao de Sala de Capela, de Vivaldo Coaracy, no
final do ano, Jornal de um combatente desarmado, de Sertrio de Castro, em maro de 1934, e Cavaleiro de
Itarar, romance de Plnio Salgado, sobre quem nos referiremos mais adiante.
7
nestas editoras quanto na Jos Olympio e na Livraria do Globo de Porto Alegre, onde tambm
foram editados livros com mensagens anti-semitas (Hallewell op. cit.), no se pode comprovar
uma adeso doutrinria dos editores a algum dos movimentos polticos da poca. Tampouco
seria exato atribuir-lhes puros interesses comerciais. Mais que nada, as lgicas prticas que
guiavam o recheio dos catlogos respondiam s relaes pessoais com representantes de uma
multiplicidade de posies do campo de poder. Alm das alianas sociais, os capitais
adquiridos na Casa Garraux por Jos Olympio estavam representados por um ofcio e um
modo de servir a clientes das distintas fraes do campo de poder. Esta posio e habitus
deram vantagens decisivas sobre qualquer outro concorrente do perodo. O principio "social"
de seleo se torna mais ntido a partir de abril de 1933, quando adquirem maior volume as
atividades editoriais da livraria. Nesse ms, Jos Olympio passou a participar da corrida dos
editores para publicar Memrias e Dom Miguel no Throno, dois livros pstumos do
historiador e poltico Oliveira Lima, que sua mulher Flora oferecia desde Portugal. Esse ano
Altino Arantes estava exilado em Lisboa, e foi por seu intermdio que Jos Olympio obteve o
privilgio da viva de Lima.

De abril de 1933 tambm so as primeiras correspondncias de Jos Olympio com Humberto
de Campos, acadmico j abatido pela crtica como pr-modernista, mas de impressionante
sucesso de pblico mediante suas crnicas de jornal e romances satricos ou "psicolgicos",
segundo juzos crticos da poca.
13
diferena do caso dos livros de Lima, as vias que
levaram edio de Humberto de Campos desnudam uma habilidade especficamente
comercial de Jos Olympio e um triunfo propriamente editorial de sua livraria. Residente no
Rio de Janeiro, Campos era o autor de uma longa lista de livros editados pela Marisa Editora,
selo de escassa expressividade. Seu editor era o senhor M. Sobrinho, que, apesar do volume
de vendas de seu editado, no arriscava edies de mais de 2.000 exemplares. Jos Olympio
atraiu a Campos com uma proposta de risco para editar um livro de crnicas que o autor vinha
anunciando: pagaria 2.000$ de adiantamento e sugeriu tirar 5.000 exemplares de um livro
indito de 300 pginas. Sorprendido, Campos respondeu: "(...) no acha excessiva uma edio
de 5000 exemplares? No conheo os seus mercados; mas, se quiser tirar edio menor
fazendo abatimento nos lucros do autor, estou de acordo. Um homem de bem deve ser leal
com outro homem de bem. E um amigo que fala a outro amigo. Nestes dez ou doze dias vou
meter mo s Memrias. Ser voc o editor. Est dada a palavra, e fechado o negcio" (carta a

13
Sobre a trajetria deste acadmico como um prottipo de escritor polgrafo, modelo de intelectual dominante
nos tempos da Repblica Velha, ver Miceli 1975.
8
Jos Olympio, 8 de junho de 1933). Embora depois Jos Olympio recuasse, reduzindo a
tiragem para 3000 livros, sua audcia cativou o acadmico e deixou para trs concorrentes
como Hildebrando de Lima, da livraria Civilizao Brasileira. Nas justificativas para a
mudana de editor, Humberto de Campos contrapunha a seriedade de Jos Olympio com a
mesquinharia de M. Sobrinho. Os Prias, o primeiro ttulo de H. De Campos editado por Jos
Olympio foi um dos maiores best-sellers de autor brasileiro da dcada. Em agosto de 1938 j
tinham sido publicados 22.000 exemplares a 10$000 (Catlogo de agosto de 1938, p.1). O
editor paulista passou a editar quase todos os livros do acadmico e em 1935 as Obras
Completas estiveram prontas. Com elas Jos Olympio afinou um motor comercial que
permitiria evoluir, diversificar os lanamentos, arriscar com valores novos e gneros inditos.

Dinheiro e afeto

Desde seu primeiro grande editado, Jos Olympio misturou o comrcio com o afeto, o pblico
com o privado. Desta frmula emanava o tipo de poder cultural que foi acumulando at
converter-se no "editor da Cultura Brasileira". Portanto, relevante destacar a dimenso
"ntima" dos laos entre Jos Olympio e seus editados como substrato da marca. medida
que o editor foi elevando sua prosperidade, grande parte dos benefcios de seu trabalho eram
revertidos em dons para os escritores, laos que asseguravam a identidade mais prxima
possvel com a Casa editora. Este tipo de relaes remontava aos familiares dos autores. No
caso dos herdeiros de Campos, podem-se encontrar correspondncias dos anos 40 em que
esposa e filho solicitam emprstimos e ajudas para solucionar uma situao econmica penosa
frente qual tiveram que ir vendendo os bens do escritor: "sei que o Sr. no tem obrigao
alguma quanto aos meus problemas, mas que o Sr. o nico homem que conheo dos que
papai chamava de amigo" (carta de H. de Campos F., de 12/2/47).

Igual habilidade como editor explica a forte relao que Jos Olympio teceu com Jos Lins do
Rego, a partir de 1933. Nesse mesmo ano iniciou uma competio com editores de vanguarda
esttica como Schmidt, Cruls e Grieco, ao propor a Jos Lins do Rego uma reedio de
10.000 exemplares de Menino de Engenho e um lanamento com 5.000 cpias para Bang,
terceiro ttulo deste autor paraibano. Com uma oferta semelhante, Jos Lins do Rego teria
continuado com os editores de Ariel, selo de seu segundo livro. Entretanto, tal proposta a um
escritor de vanguarda foi tomada, na poca, como uma audcia irracional, sem chances de
concorrncia. Em julho de 1934, Vargas foi confirmado como Presidente pela Assemblia
9
Constituinte e os livros de Jos Lins do Rego foram lanados em uma tarde de autgrafos
realizada trs dias depois da inaugurao da livraria Jos Olympio do Rio de Janeiro. No se
tratava de uma tomada de conscincia de um ser predestinado sobre os rumos da nova
literatura nacional. Tanto a aposta de risco em Rego como a ida para a capital esto
relacionadas a crise e a desestruturao do mundo no qual este livreiro estava formando-se
como ser social
14
. Uma demonstrao disso pode ser o fato de que demoraria anos para ter
Bang esgotado.

O vnculo de Jos Lins do Rego com este livreiro-editor em pouco tempo estendeu-se por um
amplo conjunto de bens de diversas espcies dispostos em um circuito de trocas. As altas
tiradas comprometiam ao autor a retribuir a confiana que o editor lhe depositou. A diferena
de Schmidt, que recrutava seus pares intelectuais em uma empresa "por amor a arte", sem
qualquer cuidado em matria de direitos autorais ou de retorno financeiro para o criador, Jos
Olympio destacou-se no somente por conceder regularmente 10% pelos direitos do autor,
como tambm pelo pagamento antecipado, ajudas pessoais e inclusive subsdios para liberar
seus melhores escritores de outras obrigaes, desenvolver pesquisas e colees de ensaios
com potencial. Meados da dcada de 1930 Jos Lins do Rego e Rachel de Queiroz viviam em
Macei, capital de Alagoas. L suas vidas literrias eram atradas pela fora de reunies de
uma roda de intelectuais na qual tambm participavam Graciliano Ramos, Alberto Passos
Guimares, Valdemar Cavalcanti, Aurlio Buarque de Holanda, Toms Santa Rosa,
Hildebrando e Jorge de Lima.
14
De sua maneira este restringido crculo de produo e difuso
cultural juntava-se a outros grupos modernistas do norte e de outros estados. As rodas de
intelectuais formavam um sistema de produo e circulao cultural, cuja dinmica era central
para a evoluo das prticas intelectuais e editoriais do incio do anos trinta. Em uma poca
em que a figura do distribuidor era inexistente, as polticas nacionais de educao estavam
sendo instauradas, a manuteno de filiais de editoras s comeavam a ser possveis para
editores de livros didticos, ou seja, um tempo em que a comunicao e trocas entre as
principais cidades estavam dominadas por aes personalizadas, o cuidado da relao com
Jos Lins do Rego por parte do editor, retribuiu em uma multiplicao de seu renome frente
aos vrios autores em situao semelhante pertencentes a um espao literrio nacional
incipiente. Para Jos Lins do Rego a grande tiragem de seus livros representava, como um

14
Refiro-me ao desmembramento de posies e projetos das elites paulistas nos primeiros anos da dcada de
1930, o qual provocou reconverses cujos xitos foram sentidos anos mais tarde.
14
Para uma anlise exemplar deste espao de produo intelectual e do funcionamento das rodas literrias nas
dcadas de 1920 e 1930, ver Silva 2004.
10
estoque de publicidade potencial, um compromisso moral com o editor. Isso explica seu
empenho para acelerar com seu prprio esforo a sada comercial de seus livros e a
divulgao de todo o catlogo Jos Olympio. Para tanto, passou a controlar o abastecimento
das livrarias do nordeste e a utilizar os rodaps de crtica dos principais jornais do perodo
nos quais ele e os escritores amigos escreviam. Mesmo quando a venda dos primeiros livros
desse autor no era boa, Jos Olympio redobrava as apostas no talento de um escritor que era
capaz de dar a luz a um romance por ano. Lentamente Jos Lins do Rego foi aproximando
outros amigos ao editor, como Gilberto Freyre, Jos Amrico de Almeida, Rachel de Queiroz,
autores cujo reconhecimento tambm tinha nascido da publicao inicial pelos selos dos
crticos literrios. Dinmica semelhante do catlogo Jos Olympio, tambm se verifica com
representantes de crculos de intelectuais de Minas Gerais e So Paulo.

Na hierarquia de gneros, o catlogo Jos Olympio afirmou o romance como uma forma
ajustada s narrativas sobre um "pas" real e orientada, por oposio a poesia, gnero
anteriormente dominante, para um pblico "geral". O fundo editorial foi sedimentado por
duas linhas provedoras de prestgio cultural: por um lado a coleo "Documentos Brasileiros"
(histria, ensaio, sociologia, antropologia, biografias, poltica), uma "brasiliana" dirigida
sucessivamente por alguns dos intelectuais de maior renome no Rio de Janeiro (Gilberto
Freyre, seguido por Octvio Tarquino de Souza e Afonso Arinos de Melo Franco).
15
Por outro
lado, a edio do romance nordestino (Jorge Amado, Graciliano Ramos, Jos Lins do Rego,
Rachel de Queiroz, Jos Amrico de Almeida). Logo seguia a edio de poetas como Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Ceclia Meirelles, e uma diversidade de autores
filiados diferentes correntes modernistas. A demanda popular foi atendida com a obra do
decadente Humberto de Campos, colees policiais, romances para moas, crnicas de
pocas e best-sellers americanos escolhidos por Vera, a esposa de Jos Olympio.

Diferentemente dos editores "intelectuais", Jos Olympio no contava com uma "cultura
literria", no era um "leitor". Entretanto, a passagem pela Casa Garraux concedeu-lhe um
saber especfico para a comercializao de livros e de um extenso capital de relaes sociais e

15
Brasiliana uma palavra que baliza a histria do livro no Brasil. Indica o princpio mais poderoso para
organizar colees com aqueles livros que devem ser lidos para conhecer o Brasil. Denota uma biblioteca
metafrica do pas, onde um leitor de fora, por exemplo, possa, de uma s vez, ter toda a cultura nacional ao seu
alcance. Pontes (1988) fez uma anlise de trs variantes editoriais de colees brasilianas, entre elas a de Jos
Olympio. Num trabalho sobre a exposio do Brasil como pas tema da feira de Francfort em 1994, aprenstei
uma anlise da Brasiliana Frankfurt, criada pela Bibliotea Nacional para tal evento (Sor, 1996), atravs do qual
evidencia-se a vigncia desta palavra como princpio de classificao e disputas pela universalizao de autores e
obras necessrias ao recheio de seu significado.
11
polticas. Finalmente as condies de possibilidade para que um ser externo ao mundo
literrio realizara tamanha ao de profetismo cultural, estiveram associadas s propriedades
do espao de sua livraria num momento especfico da vida poltica do Brasil. A Livraria Jos
Olympio localizava-se na rua do Ouvidor, a mais nobre do centro do Rio de Janeiro, em frente
a tradicional livraria-editora Garnier.
16
Meados da dcada de trinta, a livraria ainda era uma
instituio dominante na atividade editorial e intelectual, abarcando funes como espao de
socializao e de formao de projetos culturais posteriormente arrebatados por outros
mbitos como, por exemplo, as universidades. Cada "gerao" literria se apropriava de uma
livraria em particular que passava a ser marcada por suas rodas de intelectuais.
17
A livraria
Jos Olympio nucleou as vanguardas intelectuais da dcada de trinta. Os autores da livraria
que com poucos recursos desciam do nordeste e de outros estados, l recebiam
correspondncias, marcavam encontros e debatiam pelas tardes, protestando contra a
Academia e os responsveis pelo atraso do pas. Sua diferenciao neste espao foi notria a
medida que Jos Olympio separou a livraria de um escritrio editorial estabelecido em 1935 a
quatro quadras daquela.

A identidade do grupo de autores do catlogo Jos Olympio foi reforada num contexto de
crescente interveno e represso cultural por parte dos aparatos ideolgicos e culturais do
vanguardismo. Desde 1937, quando Vargas deu o golpe que instaurou por oito anos o Estado
novo, a livraria passou a servir de refugio, como uma espcie de terra liberada. Uma vez
instalada no Rio de Janeiro, Jos Olympio aproximou-se de personagens chaves do crculo
poltico de Getulio Vargas, como e chefe da polcia Filinto Muller e o diretor do
Departamento de Imprensa e Propaganda, Lourival Fontes.
18
Estes vnculos permitiram, por

16
Este comrcio foi fundadoem 1852 por Louis Garnier, membro da tradicional famlia de livreiros parisienses.
Selo editor de Machado de Assis, Garnier representava uam livraria-salo, onde ocorria encontros e reunies
freqentadas pelas altas hierarquias poltica, literria e artstica do Imprio.
17
A "clssica livraria Garnier, onde antigamente marcavam reunies os fundadores da Academia Brasileira de
Letras, estava em decadncia. A Livraria So Jos era o mbito de uma roda de bacharis; Kosmos atraa gente
de cincias e biblifilos; "os filsofos mais velhos, tinham a Livraria Francisco Alves,; Humberto de Campos,
aquela gente anterior, eles tinham outras editoras e outras livrarias. Mas nosso grupo se reunia na Jos Olympio,
nossa gerao, digamos" (Entrevista a Rachel de Queiroz, 25/02/97, p.27)
18
Apenas instalado no Rio de Janeiro, Jos Olympio no s granjeou amizades com os grupos intelectuais de
vanguarda, mas tambm em meios polticos e militares do poder central. Em carta datada em 18/5/83, o editor
lhe contava ao presidente J. Figueiredo. "Vindo para o nosso Rio em 33/34 fui conhecendo e fazendo amizades
com militares, como Nelson de Mello (...) Eduardo Gomes, Juracy, Mrio Travassos de quem editei seu
excelente livro na Coleo Documentos Brasileiros. Outros editados da coleo foram Menezes Cortes (...),
Agildo Barata (...), Jos Aurelio Saraiva Cmara (...), Dutra, Afonso de Carvalho, etc. Filinto Mller (to negado
e vilipendiado, tendo sido mesmo um parlamentar da maior grandeza como Presidente do Congresso; fomos
amigos ntimos), Joo Alberto (outro caluniado...), Nelson Werneck Sodr, de quem fui editor de quase todos os
seus livros, Meira Mattos, Heitor Ferreira, do Presidente Castelo Branco (...)"

12
um lado, que seu comrcio se beneficiasse de privilgios oficiais num tempo em que o
mercado do papel importado era controlado pelo governo. Por outro lado as relaes de
servio oficial fizeram que Jos Olympio fosse escolhido como o editor de discursos e ensaios
do Chefe Nacional e de seus principais corifeus (Azevedo Amaral, Almir de Andrade,
Francisco Campos, Oliveira Viana, etc.). Ao tempo que a persecuo e priso fechou o cerco
em torno da vida de grande parte dos ensastas e romancistas da livraria, Jos Olympio
interveio junto as autoridades para liberar obras e autores. Esta atitude reforou a confiana e
a dvida dos autores em relao a um homem que por direita ou esquerda podia ser
considerado um indivduo fora de julgamento, um "amigo de todo mundo".

Uma famlia editora: patriarcalismo e parentesco prtico.

Numa poca em que os poderes "pblicos" alteraram todos os domnios da vida social, os
autores e a famlia do editor Jos Olympio levaram a um extremo as apreciaes da livraria-
editora como uma "Casa" e de seus vnculos como uma famlia:
"Quando me mudei par ao Rio em 39, a editora j era uma casa. Eu j tinha publicados
Caminhos de Pedras, As trs Marias e foi uma amor a primeira vista o que tive com a
casa. Desde ento permanecemos amigos pelo resto de nossas vidas. Jos Olympio foi
realmente um dos homens mais generosos, mais leais, mais descentes que j conheci. Seu
irmo, Daniel, era como se fosse meu irmo; ele era meu compadre e Diva, sua mulher,
minha comadre. Seu filho como meu afilhado e Beth, a filha me chama de tia. Ento a
famlia de Jos Olympio passou a ser a famlia que eu no tinha no Rio. Eu me
considerava como uma da famlia e eles me tratavam como tal: batismos, casamentos,
filhos pequenos. Eu estava com eles. Era engraado porque Jos no sabia nada de francs
mas mesmo assim me chamava de ma soeur (...) Desde 1939 passei a ser uma das ratas da
livraria, como tantos outros. ramos principalmente Graciliano, Z Lins, Jorge Amado,
Carlos Drummond. Jos tinha alma patriarca e os autores se tornavam seus amigos. Os
autores da casa nos encontrvamos na livraria, depois uns recebiam aos outros e se criava
aquele crculo maior (...) ramos um grupo de contemporneos e sobretudo de amigos."
- E que perfil tinha Jos Olympio como homem de negcios?
"Ele tinha uma presena um tanto majestosa. Ele era grande, gordo, e queria ser
muito austero. Sobretudo Jos Olympio era uma pessoa leal, com a que se podia
contar. Por exemplo, se algum atravessasse um momento difcil de sua vida, ele
conseguia uma traduo, inventava ou reeditava um livro esquecido para adiantar
dinheiro. Ningum vivia dos direitos do autor mas Jos Olympio sempre nos pagava
adiantado. Ns traduzamos porque precisvamos do dinheiro. Ele era uma pessoa
amiga dos amigos, muito leal e como editor tinha uma enorme capacidade. Ele era
guiado por um faro que lhe permitiu conhecer-nos quando ainda nem ramos
famosos. Isto lhe dava um orgulho que lhe levava a dizer: - De vocs rapazes,
ningum sabia! Eu lhes descobri, eu fui quem lhes descobri!."
- Entretanto havia figuras como Schmidt, ou Cruls que editavam livros inditos.
"Tem razo. Mas enquanto viveu Jos Olympio, ser editado pela Z Olympio, era um
sonho de todo novato (...) Quando eu recebi no Cear a carta do JO onde me dizia Eu
13
sei que voc tem um novo romance..., imagina, eu me achei muito gloriosa! Eu
permaneci na Casa at depois que eles morreram. Fui a ltima pessoa a sair. No era toa
que ele me dizia: Fidelidade, teu nome Rachel". (Rachel de Queiroz, 27/07/97)

A editora cresceu como uma famlia cultivando um esprit Maison. Editores e editados
referiam-se editora como a Casa, como uma entidade volitiva, ativa: "a Casa est bem", "a
Casa lanou...", "a Casa recebeu ao Presidente...". Os editores e os autores, que tambm eram
os principais selecionadores e tradutores, tratavam-se com uma linguagem de parentesco e
levaram seus entrelaamentos at o compadrio cruzado de muitos de seus filhos e netos,
inclusive.
19
Os laos da Casa, quando esta foi comandada por Jos Olympio, resumem-se, nos
temos de Weber, num modo de dominao patriarcalista e tradicional. Este editor destacou-se
como um bom homem de negcios, quando ainda no estavam reguladas as relaes jurdicas
entre autores e editores. Ele foi tido como um lder arbitrrio que de sua maneira se valia dos
escritores como irmos em troca de proteo com favores da casa. A estrutura do grupo da
Casa Jos Olympio, a identidade social dos membros, finalmente, as condies de
possibilidade das carreiras desses escritores em vanguarda, a reproduo de suas obras,
dependiam das funes fraternal e paternal que formavam o princpio de sua constituio e
organizao como grupo. A Casa se movia por uma rede privilegiada de relaes prticas, que
abrangia no somente as relaes genealgicas em funcionamento (parentesco prtico), mas
tambm um conjunto de relaes no genealgicas utilizveis frente a uma comunidade de
interesses (relaes prticas) (cf. Bourdieu, 1991: 276 e 1993).

Numa poca na qual a traduo no era monoplio de especialistas e os cursos universitrios
ainda no titulavam aos agentes habilitados para a "crtica", o reconhecimento como escritor
aglutinava um feixe de formas de autoridade quando algum era indicado para "dar a luz a
textos e leituras. Assim os autores estavam ligados s editoras no somente por seus prprios
livros. O grau de aproximao dos escritores com a editora expressava-se pelos trabalhos
subsidirios que Jos Olympio ia depositando neles e as condies que o editor criava para
que os escritores fizessem da escrita o momento culminante de um mundo de trabalho.
Certos autores da Casa, nem todos, passaram a usufruir da editora como uma fonte de
dedicao quase permanente vida literria. A maior aproximao ao editor tambm

19
Das relaes de fraternidade mais fortes destacaram-se Jos Lins do Rego, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz
e Carlos Drummond de Andrade. Foram raros os casos como o de Jorge Amado, quem no incio dos anos 40
rompeu com esta editora em busca de uma caracterizao de sua pioneira carreira como de "esquerda" e
"internacional". Sendo assim, passou a ser editado pela Livraria Martins Editora que iniciou a publicao de
livros em 1940 em So Paulo.
14
permitia-lhes ganhar preferncias como selecionadores de ttulos. Se as obras de risco cultural
emanavam dos escritores, as linhas orientadas ao grande pblico eram escolhidas pela esposa
e irmos de Jos Olympio.

Com o passar dos anos Jos Olympio foi incorporando seus irmos mais novos ao trabalho
editorial. A diviso de funes entre os irmos e escritores foi liberando progressivamente a
Jos para desdobrar a qualidade melhor incorporada desde os tempos da Garraux: as relaes
pblicas. Ao contrrio de editores como Augusto F. Schmidt e de uma maneira mais ntida
que Monteiro Lobato, Jos Olympio no era "um intelectual". Segundo os testemunhos de
Sebastio Macieira, um colaborador muito prximo de Jos Olympio a partir dos anos 50, na
sua sala o editor no lia originais. Ele passava grande parte do tempo lendo vrios jornais,
mantendo-se informado para trocar opinies sobre poltica e vida quotidiana com os autores,
polticos, amigos que o visitavam diariamente no escritrio. Pode-se afirmar que Jos
Olympio criou possibilidades inditas para a expressividade de um mundo literrio sem
pertencer a ele. Ele acolheu s vanguardas dos trinta em sua livraria, mas no possua as
ferramentas necessrias para participar dos debates que ali se geravam. Alm de todo o que
permite comprender em termos dos procesos de diferenciao do mundo do livro, a oposio
livraria escritrio de produo editorial central para comprender as diferenas internas ao
microcosmos social gerado por o emprendimento cultural comandado por Jos Olympio.

A poltica da amizade

O poder de Jos Olympio se expressava na extenso e fora dos vnculos que ele teceu com
autores de sucesso, de vanguarda, com polticos de variadas tendncias, con elites sociais e
com personagens de "vida mundana". As formas de acumular e gerir seu capital social
explicam o que a racionalidade das teoras estticas e polticas no aceitam nem consiguem
dirimir: o fato de que Jos Olympio tenha se relacionado fraternalmente com autores como
Graciliano Ramos e com pessoas como Lourival Fontes; tenha criado condies essenciais
para a expressividade pblica das vangardas intelectuais dos anos trinta e monopolizado como
poucos os privilgios do mecenato estatal que de ali em mais dominou na evoluo da cultura
brasileira. Junto ao quadro sociolgico que apresenta a matriz das prticas, fundamental
recuperar as percepes e representaes dos prprios agentes sobre o seu mundo. Na
entrevista a Rachel de Queirz em 1997 lhe perguntei:
15
- Como foi a amizade de Jos Olmpio con Vargas ?
"Muito discreta. Ele dava apoio ao Getlio e uma vez por outra o Getlio dava uma
visita solene; visita de Estado Casa, quando ns, os comunistas, nos escapulamos
(...) Ele era um homem muito inteligente, e ele via que a Casa s podia viver.... livro
matria explosiva, n?... s podia viver dando-se bem com o governo. Como ns, os
autores, s falavamos mal do Getlio, nos artigos, tanto quanto a censura permitia, ele
tinha que ser o intermedirio, e na verdade nunca nossos livros foram confiscados nem
nada. Mas o Z Olympio nunca teve posio poltica nenhuma. No tinha mesmo. Ele
achava que as pessoas so as pessoas, a poltica a poltica; uns acertam outros erram.
Ele era um homem de risada muito larga, assim... muito generosa

possivel caracterizar uma narrativas sobre as relaes de Jos Olympio com o mundo da
poltica que pode ser sintetizada no seguinte argumento: "Jos Olympio era situacionista
(amigo dos homens fortes dos governos da vez), mas atuava pela liberdade de expresso de
seus editados". Essas formulaes funcionavam como um escudo de proteo diante de
qualquer insinuao sobre os privilgios de Jos Olympio com os benefcios do mecenato de
Estado entre 1930 e 1980. O argumento de Rachel de Queirz mais simples consciso em
palavras de Plnio Doyle:
- Quais eram as qualidades que faziam Jos Olympio to diferente dos outros editores?
A amizade dele; ele era amigo de todo mundo. A principal arte dele era a amizade.
Eu conheci quatro presidentes da Repblica l no escritrio dele. Ele era amigo de
Getlio porque editou a obra do Getlio, era amigo de Caf Filho porque editou a obra
de Caf Filho; era amigo do Juscelino, que freqentava a livraria; era amigo do
Castelo Branco, que freqentava a livraria (...)
- Em que ocasio voc conheceu Getlio?
Conheci l. Eu fui conversar, ele estava l e fui apresentado a ele.
- Mas Getlio freqentou a editora?
Ah!, de vez em quando aparecia l. O presidente da Repblica morava no Rio de
Janeiro, no ?
- Jos Olympio chegou a ser amigo dele?
Jos Olympio fazia amizade com todo mundo.
- Freqentava o Catete?
Freqentava o Catete. Chamava o Presidente para almoar.
- Ele demonstrava opinio poltica?
Muito; era muito poltico, vivia na poltica.
- De que maneira expressava isso?
Ah! Seguindo a poltica do governo e tal. No tinha nenhum partido em especial,
no. Se ele achava que o governo estava bom, ele continuava com o governo bom. Ele
queria amizade, ele queria amizade.
- Por exemplo, na poca do Estado Novo, travou amizade com Lourival Fontes.
Lourival Fontes era editado dele, era freqentador.
- E os contatos do Jos Olympio com o DIP, rgo que teve muitas edies publicadas
pela Jos Olympio?
No! Nunca se envolveu na Jos Olympio o DIP. Nunca se envolveu na Jos
Olympio.
(Entrevista com Plinio Doyle, 24/6/97)
16
Na memria coletiva emergem um par de episdios que revelam propriedades puras de Jos
Olympio, como pessoa acima das esprias rixas dos mundos da literatura e da poltica, uma
pessoa "carismtica" e "pragmtica", cujos interesses estariam focalizados alm das
afinidades eletivas entre igrejinhas intelectuais e campanhas de cooptao poltica. Como um
mago que encanta com o prprio material das crenas que a opinio pblica deposita sobre a
sua figura, o prprio Jos Olympio usava esta retrica:

Bilhete em 19.9.86

Amigos: Dona Marly, Sarney, Roseane, Marco Maciel, Jos Aparecido e o mais novo
mas j velho amigo General Denys.
Ao longo da minha vida tive uma montanha de amigos ntimos nas ou das chamadas
Foras Armadas. Vou tentar lembrar-me de alguns nomes: (...)
Quero aproveitar para contar a vocs certa curiosidade. Gostava e gosto muito do
Jorge Amado. Dele editei seus trs melhores livros: Jubiab, Mar Morto e Capites de
Areia. At me ajudava um pouco na Editora. Quando saiu Capites de Areia fiz na Bahia
um lanamento algo sensacional (...) Foram queimados, em cerimnia cvica, numa
determinada praa de So Salvador assim era chamada, nessa poca a capital baiana,
uma montanha de seus livros. S de Capites de Areia mil exemplares. De Jubiab, Mar
Morto, Paiz do Carnaval, Suor, de 200 a 300 exemplares de cada um. Tenho Auto de F
l nos meus arquivos na Casa Rui Barbosa. No estou conseguindo me lembrar do
autor da faanha. Foi em 1938.
15

Era o coronel X, interventor na Bahia. Inexplicavelmente sou depois surpreendido,
sem a menor explicao do Jorge Amado, sua passagem para a Editora Martins.
16
Antes
disso havia ocorrido isto: Jorge preso como comunista. Vou a Chefatura para tentar
solt-lo. Mando entregar ao Capito Miranda Corra, delegado da Ordem Poltica e
Social, pelo seu chefe de gabinete, meu carto. Manda entrar. Era um homem alto, forte,
bonito at. Porm, com cara de poucos amigos. Disse-lhe ao Capito Miranda Corra ao
que ira. Mas o Sr. Vem aqui a seco, sem uma apresentao, para um assunto to grave.
Eu lhe respondi, capito, o Sr. Me diga o que o Sr. Est fazendo sentado a frente de
sua escrivaninha. E acrescentei sem esperar a resposta dele. O Sr. Est a servio do
Brasil, como estou eu na minha sala, na Editora. Mas o Sr. Afirma que esse tal de
Jorge Amado no comunista. Afinal ou no ?. -Afirmo-lhe que no . Socialista ele
pode ser (eu estava cansado de saber que o Jorge era comunista, mas eu estava l, tinha
ido l, para solt-lo). Ser comuna naquele tempo, era um ato de coragem. Conheo bem
todas essas histrias.
Meu querido Graciliano, respondendo a um jornalista quais eram seus maiores
amigos, assim respondeu: So dois: Z Lins e Jos Olympio. Seu importante livro
Memrias do Crcere foi editado pela Casa, algum tempo depois da sua morte (...) Todo

15
Em Vida de Lus Carlos Prestes, Amado narra o episdio de 19 de novembro de 1937, quando o coronel
Antnio Fernandes Dantas confiscou livros em vrias livrarias de Salvador. Os livros recolhidos eram queimados
em praas pblicas. Segundo o autor, nessa noite, em Salvador, o fogo incinerou 808 exemplares de Capites de
Areia, 223 de Mar Morto, 89 de Cacau, 93 de Suor, 214 de O pas do carnaval. De Jos Lins do Rego, 15 de
Doidinho, 26 de Pureza, 13 de Bang, 4 de Moleque Ricardo, 14 de Menino de engenho. Outros livros eram 23
exemplares de Educao para a democracia, seis de dolos tombados, dois de Idias, homens e fatos, 25 de Dr.
Geraldo, quatro de O Nacionalsocialismo germnico e um de Misria atravs da polcia (Hallewell 1985: 370).
16
As passagens de Jorge Amado e Graciliano Ramos para a Martins, no incio dos anos quarenta e sessenta,
respectivamente, envolvem particularidades cujos significados so tratados no ltimo captulo.
17
ms, durante algum tempo, levava um captulo e recebia seu dinheirinho adiantado. Isso
durou tanto tempo que s perguntando minha velha e querida amiga Helosa, sua viva,
que pode precisar o tempo que levou. Os captulos eram guardados no cofre da Casa.
Graciliano Ramos, quando no estava em casa, passava o dia na Livraria que era o
Centro Intelectual do Brasil. Havia gente que nem tinha coragem de entrar l, tais eram
as celebridades que l moravam. Graa passava o dia no banquinho do Pujol, dando seu
expediente e fumando seu cigarro Selma. Fumava at o fim do cigarro a ponto de viver
com seu dedo chamuscado. Um dois seus mais assduos interlocutores era o grande e
saudoso Carpeaux (...) Paulo Bittencourt, mais tarde levou-o para o Correio da Manh.
Coisas do saudoso lvaro Lins.
Mas precisamos concluir a histria do Jorge com o tal capito. O sr. Diz que ele
no comunista (vejam bem que eu estava conversando com o Delegado da Ordem
Poltica e Social do Chefe de Policia Filinto Mller, que, anos mais tarde, dada a minha
freqncia no Catete, nos tornamos amigos. Muito amigos e no mui amigos). O Sr,
capaz de assinar uma declarao afirmando no ser ele comunista?. No bato maquina
capito, porm poder o Sr. Fazer-me o favor de mandar bater a declarao para eu
assin-la. Pensou alguns segundos e me disse. Pode ir, sossegado, que vou mandar
soltar seu amigo, no vai depois arrepender-se. E nunca me arrependi. Depois precisei
soltar e soltei meu querido Santa Rosa. Gostaria antes de ir para o lado de l, ver o
grande Jorge Amado receber o Prmio Nobel.
Mas desejo continuar a narrar-lhes nomes de alguns militares amigos meus, alguns at
autores da Casa, e uns poucos amigos muito ntimos. H uma certa preveno contra a
classe Militar. Injusta (...)".

Na mesma carta de 1986, de dez pginas, Jos Olympio revelava como se reunisse os seus em
torno do fogo, neste caso o presidente da repblica Jos Sarney , familiares e entorno: "Estou
escrevendo um livro de Memrias Polticas, que pretendo concluir antes de ir para o lado de
l. Os originais ficaro lacrados na Casa Rui Barbosa, onde j se acham 70% da minha
correspondncia (...) Com tudo isso, minhas memrias polticas contem tantas indiscries,
tanta coisa reservada como essa degola da candidatura de Juracy - que meu livro somente
poder ser publicado a partir da primeira semana do Sculo XXI." Entre 1982 e 1988, Jos
Olympio escrevia longas cartas a presidentes da Repblica, especialmente Figueiredo e
Sarney, nas quais resumia passagens anedticas de sua convivncia com amplos elencos de
figuras do mundo poltico e literrio a que se foi unindo desde os tempos da Garraux. Tanto
na Casa Ruy Barbosa quanto entre pessoas prximas da vida do editor, no consegui
informao sobre a existncia ou no dos originais de um livro de memrias. possvel que a
escrita das longas cartas s quais estou me referindo tenham sido as preformas de um "livro"
finalmente no composto. Jos Olympio, nos anos 80, tambm planejava escrever um livro de
anedotas mais cotidianas para seus netos. No tempo de escrev-las, Jos Olympio saa de uma
longa fase de crise depressiva que o separou de qualquer mbito de sociabilidade, entre 1975
e 1982, lapso da maior crise da empresa, salvao pelo Estado e gerenciamento pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. As cartas transmitem as dificuldades para
18
"escrever um livro" de um editor que em sua trajetria no se submeteu a qualquer filtro
"regular" de um sistema escolar-intelectual. Sentindo o fim da vida, as memrias inditas
eram confiadas s mximas pessoas do poder nacional. Jos Olympio se sentia um igual,
algum que cumpriu uma misso para o Brasil, para todos. Se sentia alm das posies
mundanas, que a condio do poder que consagra. Por isso confesava suas memrias aos
Presidentes aos que tratava como colegas, como amigos:

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1986
Meu caro colega e Presidente Jnio Quadros

Hoje o dia dos seus dignssimos 69 anos, como tambm o dos 432 da nossa magnfica e
imensa Cidade de So Paulo (So Paulo da garoa, da Ladeira So Joo e do bonde Santa
Ceclia, do Prado da Mooca, do Fronto Boa Vista, do Caf Brando, do inesquecvel e
saudoso Casper Lbero, de Ju Bananere, do Paulistano de Antonio Prado Jr., do Friedenreich,
do Restaurante Jacinto, do Palestra Itlia e do Clube Tiet, do panfleto Parafuso, do
Tringulo, de Oswald de Andrade, do Fasli e do Bar Viaduto. Das mulheres caluniadas de
"vida alegre" da Rua Timbiras que se alugavam por 3 mil-ris, das da ento estreita Rua
Ipiranga por 5 e por 10 s francesas e s polacas da Rua Amador Bueno. Do Trenzinho da
Canteira, que de Trememb passava por Chora Menino, Santana e vinha desaguar na Vrzea
do Carmo), que conheci aos 15 anos de idade quando fui em junho de 1918 aprender lidar
com livros no princpio apenas espanando-os e onde, na Rua Quinze de Novembro meu
corpo de adolescente se formou, trabalhando de 7 da
manh s 7 da noite, de 2
a
a Sbado, e, muitas vezes com sero aos domingos, numa So
Paulo de trezentos mil habitantes. Hoje a cidade deve andar pela casa de treze milhes. Assim
que o impondervel me convocar quero ser cremado em So Paulo e aps a cremao desejo
que minhas cinzas sejam atiradas na Rua Quinze (...)" Jos Olympio

Concluses

A remontagem da trajetria de Jos Olympio mostra a imbricao de acontecimentos e
condies que foi reunindo para acumular um fondo editorial nico na histria cultural
brasileira. Os capitais sociais por ele reunidos foram decisivos para formar uma posio
segura diante de agentes das mais variadas esferas do campo de poder: polticos, financistas,
militares, escritores, crticos. Devendo tudo posio construda no mundo do livro,
concentrou todas as suas energias nas relaes pblicas, uma destreza sem igual para impor
sua competncia como editor, como um promotor de cultura que equilibra as apostas entre o
simblico, o econmico, o pblico.


O estudo detalhado e progressivo da trajetria de um indivduo e fundamental para mostrar a
complexidade de fatores que do razo s suas prticas, isto sentido, orientao, fora e
eficcia. Permite achar, ao mesmo tempo, elementos de validade geral num espao e tempo
19
social determinado. Em ltima instncia pode-se afirmar que a fora predominante nas aes
de Jos Olympio foi o capital social, para o qual ele subsumia ou reconvertia as outras
espcies em jogo no mundo editorial e literrio. Atravs do caso de um editor central na
histria do livro no Brasil, este trabalho buscou mostrar a complexa maneira como no Brasil
se impem as relaes sociais, a linguagem da amizade e do parentesco nas altas esferas do
poder. Assim buscou contribuir a uma tradio da antropologia brasileira que desde Gilberto
Freyre em diante ressalta a forca das relaes de interdependncia pessoais como uma
dimenso sociolgica transhistrica que, cada dia mais, parece absorber o todo.

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