Suzana - RECEITA PARA ENSINAR A LER E A ESCREVER PDF
Suzana - RECEITA PARA ENSINAR A LER E A ESCREVER PDF
Suzana - RECEITA PARA ENSINAR A LER E A ESCREVER PDF
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Suzana Schwartz
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Resumo: Existem receitas para ensinar? E para aprender? No, receitas no existem! Mas, possvel
pensar em alguns pressupostos tericos bsicos para os processos de ensino e de aprendizagem da
leitura e da escrita. E para este objetivo que se direciona este artigo: refletir criticamente sobre o
que precisa embasar teoricamente a prtica pedaggica de professores e professoras alfabetizadores .
Palavras chaves: receita, ensinar, aprender, ler e escrever.
INGREDIENTES:
1. AMBIENTE ALFABETIZADOR
2. CLIMA PROPCIO PARA A APRENDIZAGEM
3. OLHAR DE CRENA/CONVICO DO PROFESSOR
4. DEFINIO E ACOMPANHAMENTO DO PERFIL DA TURMA
5. PARTIR DO QUE O ALUNO J SABE PARA IR ALM
6. CONSTITUIO DO GRUPO
7. PRIVILEGIO DA LGICA DA APRENDIZAGEM E NO A DO CONTEDO
8. FUNAO MATERNA E FUNAO PATERNA = ACOLHIMENTO X RUPTURA
9. AVALIAR PARA AGIR
10. ALFABETIZAR = PROCESSO DE INSERO NA CULTURA ESCRITA
ESCLARECIMENTOS NECESSRIOS PARA A ELABORAO DA RECEITA
Ouso (no sentido freiriano
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da palavra) afirmar que o professor alfabetizador que
considerar imprescindveis na prtica pedaggica os 'ingredientes' acima, que estiver
subsidiado por fundamentao terica consistente e que atue de maneira coerente com
ela, tem possibilidades, incrivelmente favorveis, de desempenhar o papel que cabe a
todos os professores e professoras: alfabetizar todos seus alunos! Se a prtica
pedaggica for embasada pelo pressuposto, cientificamente comprovado, de que a
inteligncia no um dom, mas sim um processo em que se fica inteligente aprendendo,
e que todos podem aprender, o papel que precisa ser compreendido e desempenhado
pelo professores o de alfabetizar todos os alunos, sem aceitar evaso e nem
possibilidade de repetncia.
MODO DE FAZER
- Localize-se uma sala de aula. No precisa ser grande nem bem equipada, apenas
com classes e cadeiras mveis que possam ser dispostas em crculos, duplas e
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Artigo publicado EM: ABRAHAO, Maria Helena M.B. (org). Professores e alunos: aprendizagens
significativas em comunidades de prtica educativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p.161-182.
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Doutora em Educao PUCRS Professora UNIPAMPA Curso Pedagogia Campus Jaguarao
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FREIRE, Paulo & SCHOR, Ira. Medo e ousadia, o cotidiano do professor. So Paulo: Paz e Terra, 1987
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grupos de no mximo quatro elementos, dependendo da atividade proposta. Mas,
precisa sim, ser limpa e organizada;
- Exponha-se um referencial do alfabeto, que dever ser trocado pelo menos
quatro vezes ao longo do ano letivo, e v se acrescentando, quando possvel,
outros portadores de texto significativos;
- Estabelea-se com os alunos um contrato pedaggico que explicite o que vieram
fazer ali (rotina organizada e combinada no rotina rotineira), onde:
proibido proibir sem dialogar;
O erro bem vindo, pois expresso das hipteses em construo dos
alunos, as quais precisam ser conhecidas do professor para o planejamento
das intervenes;
- Encaminhando-se um clima de sala de aula propcio aprendizagem, em que o
grupo possa se constituir como tal: pessoas, reunidas num mesmo espao e local,
com um objetivo comum: aprender a ler e a escrever;
- Superando-se assim o que parece ser uma antinomia: autoritarismo versus
espontanesmo, ambas as atitudes antidemocrticas, caracterizando-se pela
ausncia de compromisso com as autorias;
- Acrescentando-se a estes ingredientes, o olhar de crena/convico do professor
na possibilidade da aprendizagem de todos e:
- A investigao inicial das hipteses dos alunos a fim de diagnosticar o perfil do
grupo e planejar as intervenes pedaggicas para o avano.
Intervenes que precisam ir ao encontro de aprendizagens j construdas, de
conhecimentos prvios; que privilegiem a lgica da aprendizagem e no a do
contedo ou do programa a ser vencido;
- As provocaes (conflitos cognitivos) devero ser planejadas para os momentos
adequados, que dependero da sensibilidade do mestre de perceber quando
necessrio acolher as hipteses do aprendiz, fortalecendo sua auto-imagem e
auto-estima, contribuindo para que ele se perceba como sujeito e no qualquer
sujeito, mas como um sujeito capaz, para depois desafi-lo a ir alm;
- Considerando tambm que leitura e escrita so processos cuja gnese implica
numa organizao ascendente de estruturaes incompletas, inseridas na cultura
escrita, encaminhando a compreenso dos alunos para a sua funo social,
buscando torn-los leitores e escritores que estejam habilitados a ler produzir
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e compreender diferentes tipos de portadores de textos que desejarem e/ou
necessitarem e que esta aprendizagem contribua para sua qualidade de vida.
Embora procurando respeitar a estrutura textual no pretendo criar uma receita
de alfabetizao, receitas no existem! Existem? Mas quero destacar pontos que
considero fundamentais no encaminhamento de uma prtica alfabetizadora consciente e
desejosa de ensinar a ler e a escrever nos significados amplos e complexos destes
conceitos. Mas, um alerta: esta 'receita ' no resultar produtiva para o professor cujo
desejo no estiver presente na prtica pedaggica, aquele que no se perceber com
prazer em ensinar.
DVIDAS FREQUENTES
Muitos professores no conseguem ensinar seus alunos a ler e escrever - utilizando
mtodos denominados tradicionais, que partem do menor para o maior, do que consideram fcil
para o difcil (tipo ba-be-bi-bo-bu) - e me perguntam: por que os alunos no aprendem se foi
assim que eu aprendi? Respondo que, entre outras razes, as solicitaes que o mundo fazia
ento eram muito diferentes das de hoje. A funo social da escrita era muito mais restrita e a
informao muito menos acessvel, por outros meios que no a escola. Atualmente, os
portadores de texto so diversificados e sua compreenso exige capacidades de pensamento com
outros enfoques. Porm, de acordo com os resultados de uma pesquisa realizada por alunas da
disciplina de Prtica de Ensino de uma Faculdade de Pedagogia de Porto Alegre, em 2004, em
escolas municipais, estaduais e particulares, 98% dos professores trabalham com mtodos
tradicionais de alfabetizao, sem considerar, por exemplo, as importantes descobertas
realizadas por Emlia Ferreiro e Ana Teberosky no final dos anos setenta.
Vinte e dois anos depois da descoberta da penicilina (a psicognese da lngua escrita)
ela ainda no est sendo utilizada para curar doenas associadas aprendizagem da leitura e
da escrita. Em educao isto acontece e os motivos apontados, dentre outros, so medo de
mudar, comodismo, carncia de ousadia, falta de motivao, resistncia ao novo, cegueira
paradigmtica. Apesar disto, os alunos conseguem se apropriar da leitura e da escrita. Embora
suas hipteses sobre como se l e como se escreve no sejam consideradas e muito menos
utilizadas como ponto de partida para construir conhecimento, eles aprendem (alguns
aprendem). Estatisticamente, os que tm mais oportunidades de interao com portadores de
texto, que vivem num ambiente alfabetizador, que so estimulados, obtm melhores resultados.
O que acontece, porm, com os que no tm acesso a este tipo de interao, ou a tm em menor
quantidade ou qualidade? Estes no aprendem a ler e escrever ou aprendem o bsico (assinar o
nome, identificar o nibus...). Seguem pela vida desenvolvendo estratgias de sobrevivncia
mal instrumentalizados para viver desfrutando de um mundo letrado, no qual desempenham
funes sociais.
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Pergunto sempre que tenho oportunidade de interagir com professores
alfabetizadores: por que pensam que alguns alunos se alfabetizam e outros no? As
respostas so quase sempre as mesmas: os que se alfabetizam tm um ritmo mais rpido
de compreenso, so mais inteligentes, esto na idade certa para aprender, tm o
interesse de outras pessoas envolvidas no processo, vivem num ambiente saudvel, no
bebem e nem so usurios de outras drogas, no tm fome e frio, so mais motivados.
Os que no aprendem porque no possuem parte ou nada disso. Simples assim!
Algumas raras vezes acontece de algum professor , mais reflexivo , dizer que tal
acontece porque os professores no sabem ensinar quele aluno . Este no saber
ensinar significa a assuno da incompletude, porm incompletude diferente da que
perpassa o senso comum quando afirma que errar humano, incluindo nesta fala a
possibilidade de repetir as mesmas faltas.
Esta incompletude a que me refiro, considera que ningum sabe tudo, ningum
sabe nada, que erros so construtivos quando construtiva for interveno do
professor (ABRAHO, 2004). Os aprendizes precisam construir hipteses mais
completas e complexas. E isto depende da interveno do professor nas hipteses
incompletas. Mas isto muito raro acontecer - algum assumir sua incompletude, alm
de apenas no discurso - assim como raro encontrar professores que percebam o
fenmeno da alfabetizao na dimenso de sua complexidade.
H pesquisas realizadas, (STERNBERG, 1985,1998; ALMEIDA, 1992, POZO,
1996, GEEMPA, 1998) que invalidam os argumentos da maioria dos professores no
que se refere s causas da no aprendizagem. Elas mostram que a inteligncia um
processo que se desenvolve aprendendo. Estabelecendo relaes entre o smbolo e a
realidade. No confirmam que a fome impede a aprendizagem (como aprenderiam os
alunos do interior baiano, do serto nordestino e muitos outros)? Tais fatores podem
dificultar a aprendizagem, porm se o professor intervir de uma forma que v ao
encontro da hiptese construda pelo aluno e se este estiver motivado, mesmo com fome
e frio todos podem aprender. (TEBEROSKY, 2005, TOLCHINSKY, 2005,
NEMIROVSKY, 2005, FERREIRO, 2002, GROSSI, 1998). As descobertas cientficas,
no entanto, tambm no so consideradas quando a professora precisa explicar para os
outros e, principalmente para si mesma por que os alunos no aprendem a ler e a
escrever. Parece 'bvio' que alunos com estes problemas no aprendam, a explicao
encontrada no senso comum... E aqueles que aprendem mesmo com fome, frio, lares
desestruturados?
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Aconteceu uma vez, de uma aluna minha do curso de Pedagogia, professora de
primeira srie de uma escola estadual, dar um depoimento neste sentido no final do
semestre das aulas de Metodologia da Leitura e da Escrita. Ela relatou que sempre, no
final do ano letivo reprovava cinco ou seis alunos e que, buscando compreender os
motivos da no aprendizagem destes sujeitos, comprovava que eram muito carentes,
os pais alcoolistas e/ou apanhavam da me, eram oriundos de lares desestruturados,
entre outras razes. E se sentia com a conscincia tranqila. Pensava: impossvel
aprender vivendo assim! Mas que depois de cursar a disciplina, e de ter alfabetizado
todos seus alunos naquele ano, resolveu ir buscar nos seus alfarrbios qual aluno tinha
aprendido primeiro. Surpreendeu-se por perceber que esta aluna, a que tinha aprendido
primeiro, era especialmente carente, o pai estava preso, a me desaparecida...
Completou ento seu relato, visivelmente emocionada, afirmando que havia percebido
que ela como professora alfabetizadora, s ia busca dos motivos externos a sala de
aula para os alunos que no aprendiam a ler e a escrever. E que havia percebido que o
uso que fazia destes motivos era o de justificar a sua (in) competncia em intervir
adequadamente com os alunos que no tinham aprendido.
Observar, compreender e intervir nos erros encaminha para os avanos
Os erros dos alunos contam histrias: o que j construram, os esquemas de
pensamentos, as tradues, as interpretaes que fizeram s suas experincias, que
referenciais utilizaram para ler o mundo. a observao/reflexo dos/sobre os erros que
instrumentaliza a interveno para o conhecimento avanar. Os acertos so o que j est
construdo, o que se pode, ver, fazer, o que sabem. Mas preciso conhecer as
incompletudes de suas hipteses acerca das coisas. E vejo isso nos erros, no nos
acertos. O erro pode ser construtivo quando desvela a falta, a incompletude. E demanda
do educador comprometido , que tem clareza do seu papel e de suas concepes, ao
no sentido de oportunizar que o aluno perceba/reflita sobre a falta. No atravs de o
mero assinalar do erro que o professor auxilia o aluno a super-lo, pelo contrrio. Ao
escolher esta atitude, a de assinalar erros apontando os acertos decide por tratar o
aluno no como ser pensante, mas ser repetidor, subjugado pelo pensamento do outro.
A perspectiva que temos do erro evidencia desde onde o percebemos. Se o
vemos como algo ruim, a ser evitado, um risco de perpetuao de sua produo se no
for imediatamente qualificado como tal, certamente no acreditamos no ser humano
como algum em processo de construo.
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Sendo assim, o desenvolvimento do conhecimento cientfico pode ser um meio
de percepo de erros e de batalha contra iluses. Porm, os paradigmas que orientam
as cincias podem contribuir no desenvolvimento de iluses e nenhuma teoria cientfica
est imune de erros. Na histria da cincia pode-se compreender isto. Desde a
percepo da terra como quadrada, ou do giro do sol em torno da terra, da cura de males
que pareciam incurveis, at a clonagem.
Neste sentido, no busco encontrar uma explicao, mas preencher uma lacuna
que penso existir no caminho que leva compreenso do distanciamento entre a teoria e
a prtica no processo de alfabetizao. Que mediaes contribuem para que os
alfabetizadores permaneam trabalhando de uma maneira que conduz a resultados to
pouco satisfatrios? Toda prtica tem uma teoria por trs, mesmo que no se perceba
(reflita sobre) qual. Ao buscar compreender as diferentes teorias que embasam as
prticas, podemos nos posicionar criticamente e encaminhar a ao ao encontro do
pensamento coerente com ela.
Pressupostos que embasam pensamentos
Acredito que a alfabetizao acontece ao longo de um processo que alm de
habilitar o aprendiz a ler, a produzir e compreender qualquer tipo de texto que desejar
e/ou necessitar precisa conduzir tambm para uma leitura critica da realidade,
auxiliando na percepo, conscientizao e desejo de transformao quando a realidade
assim o demandar.
Vejo a prtica pedaggica no com a meta de fazer com que os alunos e alunas
embarquem neste mundo assim como est, ou seja, adequ-los a vida que parece
esper-los, com critrios avaliativos antigos e ultrapassados, mas sim, como uma prtica
que pretende oportunizar tempo e meios para que possam decidir seu prprio futuro
numa sociedade que estaro habilitados a modificar se a realidade assim o demandar,
contribuindo para o desenvolvimento do senso critico.
Para alfabetizar preciso ser professor. Conhecer os processos de ensino e de
aprendizagem da leitura e da escrita articulados com embasamento terico consistente e
atual. No entanto, pode-se perceber que a formao de professores no Brasil tem
deixado a desejar quanto aos objetivos inerentes a esta formao, quando, ao
analisarmos os desempenhos dos alunos constata-se (PISA 2005) que a aprendizagem
tem se mantido em um patamar distante do desejado. Neste contexto, pode-se pensar,
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supor, que a maneira como se est ensinando a ler e a escrever no est contribuindo
para a formao de bons leitores e bons escritores. E, se considerarmos que a
aprendizagem da leitura e da escrita porta de entrada da cidadania consciente,
includente e atuante, podemos comear a compreender a importncia desta no
aprendizagem.
Aprender inerente ao ser humano. Todos podem aprender a ler e a escrever.
(TEBEROSKY, 2005, TOLCHINSKY, 2005, NEMIROVSKY, 2005, FERREIRO,
2002, GROSSI, 1998) A inteligncia um processo em que se fica inteligente
aprendendo, fazendo relaes, resolvendo problemas. No acredito, na hiptese inatista,
de que alguns nascem mais e outros menos inteligentes. Os sujeitos tm possibilidades e
limites, os limites sinalizam para a busca de estratgias para sua superao. Sendo
assim, como professora e como alfabetizadora de jovens e adultos acredito que todos
podem aprender a ler e a escrever num tempo delimitado para isto sendo este processo
conduzido por um profissional que conhea os meandros dos processos de ensino e de
aprendizagem da leitura e da escrita. Este tempo tanto pode ser de trs meses, como o
projeto de alfabetizao de jovens e adultos em que atuei como alfabetizadora, como de
cinco meses, como o tempo destinado para os alfabetizandos do projeto Alfabetizao
Solidria, como de um ano letivo. O que vai mudar a concepo de alfabetizao em
que estamos embasando a prtica.
Os dados do Quinto Indicador de Analfabetismo Funcional
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, de 2005, so
dramticos: no Brasil, cerca de 30% das pessoas consideradas alfabetizadas entre 15 e
64 anos s so capazes de entender informaes em enunciados simples, como o ttulo
de um anncio ou uma chamada de capa de revista. Outros 38% esto preparados para
ler e entender textos curtos, como uma carta ou uma pequena notcia de jornal. Restando
26% da populao considerada alfabetizada, ou seja, habilitada para ler, compreender e
produzir diferentes tipos de textos. Ou 64% de analfabetos funcionais! Isto sinaliza para
uma reflexo crtica para o como estes sujeitos esto aprendendo a ler e a escrever. Pois
os resultados esto sendo desastrosos. Que podemos fazer para mudar isto?
Produzindo pensamentos: tentativa de ordenar o caos para concretizar a
receita
4
INAF Instituto Paulo Montenegro setembro de 2005
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Segundo Tardiff (1999:20) ...uma boa parte do que os professores sabem sobre
o ensino, sobre os papeis do professor e sobre como ensinar provm de sua prpria
historia de vida e sobretudo de sua historia de vida escolar. Neste sentido,
complementa Morin (1997:90) sinalizando para uma possvel soluo: a
conscincia dos imprintings que deveria ser desenvolvida em cada um e em todos,
porque somente esta conscincia permite se libertar dela. Estas duas idias parecem
encaminhar para dois fatos antagnicos e complementares: 1) os professores e
professoras reproduzem na sua prtica pedaggica sua historia de aprendizagem; 2)
atravs da construo da conscincia desta reproduo, e da reflexo critica que
conduza a percepo de que o momento histrico, social, cultural outro que podero
modificar a prtica pedaggica alfabetizadora.
Quando os professores e professoras foram alfabetizados, acreditava-se que nem
todos podiam aprender e que aprender era ser capaz de copiar, memorizar, reproduzir
conhecimentos acabados. As metodologias utilizadas para alfabetizar quando a maioria
destes professores e professoras aprendeu a ler e a escrever eram embasadas na
epistemologia empirista e podiam ser classificadas como mtodos sintticos que
iniciavam pela letra, pelo fonema ou a slaba e/ou analticos que partiam da palavra, da
orao ou do conto. Nesta concepo de ensino e de aprendizagem utilizava-se
basicamente a cartilha que implicitamente (e explicitamente) considerava que se
aprendia a ler a escrever do que era considerado mais fcil para o mais difcil, do
simples para o complexo, numa viso de quem j construiu este conhecimento.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1985) o mtodo (como ao especfica do meio)
pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar a aprendizagem, mas no so os mtodos que
produzem aprendizagem, mas a interao que auxiliam a promover com o objeto de
estudo. No caso da aprendizagem especifica da leitura e da escrita, alguns tericos
afirmam que primeiro preciso aprender a codificar e decodificar para depois aprender
a produzir e compreender. Outros acreditam que preciso interagir com o objeto, pensar
sobre ele como um todo para aprender a ler, produzir e compreender. (FERREIRO,
TEBEROSKY, 1985). Aprender a ler e a escrever, lendo e escrevendo.
A convico sobre como os sujeitos aprendem precisa ser o componente bsico
para a prtica docente, ela que determina o sentido das aes, e preciso, ento, que o
professor e a professora tenham clareza quanto s teorias que embasam sua prtica (por
que sempre h uma, mesmo que no se tenha a clareza de qual) e no que reproduzam
simplesmente mtodos e aes conhecidas e aceitas pelo senso comum. Porm, como
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afirma MORIN uma teoria no o conhecimento, ela permite o conhecimento
(1999:35) o que sinaliza para a necessidade das teorias serem ressignificadas, ou seja,
interpretadas, reconstrudas, compreendidas.
Isto no significa dizer que cada um compreende e faz como quer. Seria cair
num tipo de espontanesmo. Significa que cada um precisa, com base nos seus
conhecimentos prvios, fazer relaes, articular os conhecimentos tericos
cientificamente construdos ao longo da historia da humanidade, e ao compreender,
traduzir e interpretar como os sujeitos aprendem significativamente, desenvolver
estratgias de soluo do problema de como ensinar/aprender com todos alunos .
Convido os leitores que me acompanharam at aqui para uma reflexo
articulada com o tema abordado: de acordo com Prot (2004) a gerao atual uma
gerao assistida. E, um sujeito assistido, perde algo de seu desejo prprio,
conseqentemente de sua autonomia. O assistencialismo cria uma dependncia pessoal.
(idem, p: 11) O contexto sociocultural acentua esta dependncia reduzindo as pessoas a
meros consumidores. Tanto de bens produzidos como de representaes sociais. Seus
desejos e necessidades so previstos antes mesmo que surjam... No precisam se
esforar para escolher, decidir, pensar. E a escola parece reforar isto. No indica a
preocupao em ensinar/aprender aos/com os alunos e alunas a pensar, a fornecer
ferramentas de responsabilizao que gere nos educandos construo de autonomia, de
aprendizagem, de significado, que no tenham relao com o consumo e sim com o
desejo, no com o ter, mas sim com o ser. Que estejam motivados para
aprender/ensinar.
FREIRE & SCHOR (1987:15) afirmam que a motivao para aprender tem que
estar dentro do prprio ato de estudar, dentro do reconhecimento da importncia que o
conhecimento tem. Neste sentido, preciso significar o objeto do conhecimento, neste
caso, a leitura e a escrita, para que os alunos e alunas desejem aprender a ler e a
escrever, fazendo uso prazeroso destes conhecimentos.
A primeira srie ou ciclo correspondente seja do Ensino Fundamental ou do EJA
tem como objetivo principal desenvolver a competncia para a leitura e a escrita. Estas
so competncias que ao serem avaliadas - dependendo dos critrios avaliativos -
podem tornar-se claramente detectveis. Assim, conforme os objetivos propostos nestas
sries (ou ciclos), os resultados alcanados ou no pelos alunos , as aprendizagens
construdas ou no, ficam mais evidentes, (no possvel fingir ler ou escrever...) o que
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ser facilmente percebido pela comunidade escolar e talvez esta constatao gere o
sentimento de incompetncia nos professores , a falta de motivao ou de desejo de
trabalhar com estas sries (ou ciclos).
Mesmo que se tenha conscincia de que alfabetizao um processo, que a
leitura da palavra est articulada leitura de mundo, uma avaliao reducionista,
apoiada no Paradigma da Simplicidade (com base em MORIN, 1998), constata ou no a
capacidade de codificar ou decodificar que o aluno apresenta, e isto encaminhar
cobranas especficas para o professor alfabetizador .
A representao social culturalmente difundida, conhecida com relao
escola, e especificamente a primeira srie ou ciclo do Ensino Fundamental, tem se
caracterizado como um rito de passagem entre o brincar, a socializao, o prazer,
inerentes a Escola Infantil e o compromisso, a seriedade, a assuno da responsabilidade
de ir para a primeira srie. Os pais e as mes costumam preparar os filhos para esta
passagem com frases do tipo: bom agora acabou a brincadeira. Agora srio. Na
primeira srie tens que obedecer a professora, pedir para ir ao banheiro, copiar tudo
do quadro, ficar bem quietinho e fazer sempre as lies. Isto ser muito bom para teu
futuro. Que tipo de representaes este discurso encaminha na mente dos futuros
alfabetizandos? Que significados atribuem? E, principalmente, que expectativas
elaboram? No por acaso que nas filas, nos primeiros dias de aula das classes de
alfabetizao muitas crianas no desejam ir, choram, imploram para voltar para casa...
Os pais, professores, diretores, a cultura enfim, costumam discursar tentando
justificar a importncia da escola, dos contedos e do quanto isto representar para os
educandos no futuro. Toda esta autopropaganda da escola parece indicar uma
incapacidade de motivar na ao. impossvel desejar que os aprendizes cheguem
motivados na sala de aula no incio do semestre. Sem saber o que os espera como ser
desenvolvido o trabalho, onde pretendem chegar... Os sujeitos aprendem ao longo da
vida e, dependendo da cultura onde esto inseridos, motivos de poder, de qualificao,
de status, de aprovao, de acolhimento, de pertencimento... Estes desejos ou motivos
podem catalisar, ou no, aprendizagens.
Em classes de alfabetizao do Ensino Fundamental, freqentemente os
professores perguntam s crianas: para que estamos aqui? E elas geralmente
respondem em coro: para aprender a ler e a escrever. Esta resposta satisfaz o professor ,
na maioria das vezes. isso mesmo, diz. No devia! Pois, se o professor avanasse,
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como muitas professoras de escolas municipais e estaduais, me relataram,
informalmente, que fizeram, provavelmente iriam se deparar com um fato
surpreendente! Se a professora continuar a investigao das expectativas de seus alunos
e alunas e perguntar: mas e o que ler e escrever? As respostas so muito
surpreendentes! Relato as que me contaram: no sei o que professora, mas meu
irmo disse que horrvel aprender a ler e a escrever! A gente no pode fazer nada,
no pode falar, no pode ir ao banheiro, no pode tomar gua; tem que copiar rpido
do quadro seno a professora apaga; tem comer toda a merenda, seja boa ou ruim, e
no pode perguntar fora de hora. Outra resposta: no sei o que ler nem escrever,
mas meu pai disse que se eu no aprender, apanho! E mais outra: no sei o que ,
mas minha irm esta tentando aprender isto h trs anos. Minha me diz que ela
burra, igual a ela, por isto no aprende, mas eu, que sou homem vou aprender...
Estas questes acima relatadas remetem-nos para o que chamo o bvio
na relao pedaggica (SCHWARTZ, FRISON 2008). Ou seja, o meu bvio no
igual ao teu. O que obvio para mim, no o necessariamente para ti. Porque o que
obvio para mim depende da minha vivencia, da minha interao com o mundo e com os
conhecimentos socialmente construdos nele, depende enfim de vrios fatores. Ou
como diz WEISZ (2000) ns s vemos o que temos instrumentos para enxergar...
Portanto, se para algum professor parece uma pergunta bvia esta a que viemos? e a
outra o que ler e escrever, no pense que elas so bvias para todas as pessoas, e
muito menos, para alfabetizandos jovens e adultos que j sobreviveram bastante tempo
em uma cultura escrita, e desenvolveram estratgias de soluo de problemas para nela
sobreviver sem ter a habilidade para lidar com ela.
Estas mesmas questes podem nos conduzir a outra reflexo: no
preciso fazer uma anlise de contedo cientfica nas frases destas crianas para perceber
o quanto de ansiedade est contido nelas; o quanto do medo do desconhecido; da
dificuldade desta aprendizagem; do que a no-aprendizagem significa e outros tantos
nichos de ansiedades que podemos perceber pela fala destes alunos assim como pela
atitude corporal dos alunos jovens e adultos quando chegam s classes de
alfabetizao. Eles tambm trazem esta dvida: o que ler, o que escrever, para que
serve? No que pode esta aprendizagem contribuir para minha vida? Estas questes
precisam ser esclarecidas no inicio, no primeiro dia se possvel, no contrato pedaggico.
Mas no adianta esclarecer logicamente uma questo e depois no corporificar as
palavras pelo exemplo. No adianta dizer como bom saber ler e escrever e no
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gostar nem de ler e nem de escrever... No precisamos de atitudes politicamente
corretas na sala de aula, precisamos de atitudes com sentido e significado, com crena,
convico e coerncia.
Lembro uma situao que vivi, que penso, explica o que estou tentando dizer
com palavras no pargrafo anterior: quando eu trabalhava no Programa Alfabetizao
Solidria viajava para o interior da Bahia para visitas de superviso dos professores e
professoras que tinham freqentado o curso de formao de professores conosco, na
PUCRS. Eram, naquela poca, quarenta professores, e mesmo que viajssemos em trs
colegas, geralmente fazamos as visitas em duas, e isso revertia em mais de vinte
professores para supervisionar em poucos dias. Isso no era o problema, pelo menos no
para mim. O que era problema era entrar em cada sala e fazer o mesmo discurso: boa
noite, me nome tal, vim de Porto Alegre para assistir uma aula com vocs, etc...
No ano em que realizei os estudos para minha dissertao (2000), viajei todos os
meses para a Bahia a fim de acompanhar o desenvolvimento do projeto, e foi numa
dessas vezes que, decidi que em vez de fazer sempre o mesmo discurso, levaria algum
texto para ler para eles. Mas tinha que ser um que eu gostasse muito, para poder
corporificar no exemplo a idia de que ler muito bom. Pois bem, escolhi uma poesia:
O Elogio do Aprendizado de Bertold Brecht (ver no final do texto). Esta uma das
poucas poesias que eu adoro (no sou muito f deste gnero).
Pois vivi uma experincia inesquecvel com esta idia! Entrava nas salas,
perguntava se lembravam de mim (j me conheciam...) e dizia que eu tinha trazido uma
poesia para ler, podia? Sim, respondiam. E eu lia, com a entonao de quem est lendo
algo que acha lindo, maravilhoso. No final, aplaudiam entusiasticamente. Muito bom!
Mas foi numa das ultimas salas visitadas que recebi o coroamento desta idia: depois de
ler, de todos aplaudirem entusiasticamente, um senhor, sentado l no fundo, disse
emocionado: para isto que estou aqui! Para poder ler, sozinho, coisas lindas como
esta! Ganhei meu dia! E aprendi na pratica como era corporificar pelo exemplo o prazer
de ler: lendo o que gostamos, o que nos d prazer.
Para finalizar esta receita, sinalizo para a realizao de reflexo crtica e de
debates sistemticos sobre os processos de ensino e de aprendizagem da leitura e da
escrita, a fim de que professores e professoras possam permanentemente (re) construir,
(re) significar suas prticas, (re) aprender a aprender, para que os alunos e alunas no
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venham a fazer parte dos ndices de analfabetismo funcional, mas que possam
apropriar-se da leitura e da escrita, como objeto sociocultural, histrico, habilitando-se
prazerosamente a transitar e a fazer uso da cultura escrita.
GLOSSRIO DO TEXTO
Ambiente alfabetizador: diferentes portadores de texto, com sentido e significado para
os alfabetizandos que tem objetivos definidos: servir de matria prima para produo
de pensamento;
Avaliar para agir: avaliao do processo, de onde partiu, aonde chegou, para planejar
como intervir para construir aprendizagens;
Clima propcio para a aprendizagem: clima da sala de aula, a configurao dinmica
das variveis do contexto criado pelo professor que ao atuar com as caractersticas
pessoais dos alunos e alunas influi na motivao (ou no) para aprender; clima onde os
alfabetizandos e os professores sintam suas hipteses acolhidas, sejam reconhecidos
como sujeitos que ensinam e aprendem e que j trazem conhecimentos diferentes para a
sala de aula, no mais nem menos, diferentes.
Constituio do grupo: um grupo uma reunio de sujeitos na mesma hora, no mesmo
local, com objetivos comuns, neste caso aprender a ler e a escrever, ser alfabetizado;
Contrato pedaggico: instrumento elaborado grupalmente, onde ficam explicitados: a
que viemos, o que vamos fazer para alcanar nossos objetivos, como ser desenvolvida
esta trajetria. Este instrumento ser elaborado, escrito e utilizado diariamente, e est a
servio de todos e dos objetivos a serem alcanados;
Definio e acompanhamento do perfil da turma: estratgia de soluo de problema
por parte do professor para saber quais so os conhecimentos prvios que os alunos
trazem sobre a leitura e a escrita e a percepo e explicitao de seus avanos;
Funo materna e funo paterna: acolhimento das hipteses dos alfabetizandos x
ruptura no momento adequado;
Motivao: o que mobiliza a energia canalizada para uma inteno, motor da ao;
bvio na relao pedaggica: o que obvio, evidente para quem sabe ler e escrever,
no para quem no sabe;
Privilgio da lgica da aprendizagem e no a do contedo: lgica do contedo =
linear, fcil para o difcil, menor para maior... lgica da aprendizagem = subjetiva o
que fcil para um no para outro, menor e maior tambm podem ser diferentes;
Rotina no rotineira: no expresso de algo que se arrasta tediosamente. Essa seria a
expresso pura de rotina, de muita repetio, pouca variao, homognea, autoritria.
Rotina no rotineira entendida como a cadncia seqenciada de atividades
diferenciadas, que se desenvolvem com caractersticas prprias, em cada grupo.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
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promoo. Psicologia: teoria e pesquisa, v.8, n.3, p.277-292, 1992.
14
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ELOGIO DO APRENDIZADO
15
Bertolt Brecht *
APRENDA O MAIS SIMPLES! PARA AQUELES
CUJA HORA CHEGOU
NUNCA TARDE DEMAIS!
APRENDA O ABC; NO BASTA, MAS
APRENDA! NO DESANIME!
COMECE! PRECISO SABER TUDO!
VOC TEM QUE ASSUMIR O COMANDO!
APRENDA, HOMEM NO ASILO!
APRENDA, HOMEM NA PRISO!
APRENDA, MULHER NA COZINHA!
APRENDA ANCIO!
VOC TEM QUE ASSUMIR O COMANDO!
FREQUENTE A ESCOLA, VOC QUE NO TEM CASA!
ADQUIRA CONHECIMENTO, VOC QUE SENTE FRIO!
VOC QUE TEM FOME, AGARRE O LIVRO: UMA ARMA!
VOC TEM QUE ASSUMIR O COMANDO.
NO SE ENVERGONHE DE PERGUNTAR, CAMARADA!
NO SE DEIXE CONVENCER
VEJA COM SEUS OLHOS!
O QUE NO SE SABE POR CONTA PRPRIA
NO SABE.
VERIFIQUE A CONTA
VOC QUE VAI PAGAR.
PONHA O DEDO SOBRE CADA ITEM
PERGUNTE: O QUE ISSO?
VOC TEM QUE ASSUMIR O COMANDO.
* Bertolt Brecht - dramaturgo e poeta alemo (1898-1956)