EMBRAPA Livro - Biomassa PDF

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Biomassa

para Qumica Verde


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eSlvio Vaz Jnior
Editor Tcnico
A necessidade de desenvolvimento de novas matrias-primas renov-
veis para a qumica, em substituio ao petrleo, tem se mostrado como
um desafo estratgico para o sculo XXI. Neste contexto, o uso dos di-
ferentes tipos de biomassa vegetal - amilcea, lignocelulsica, oleaginosa
e sacardea - pode se consolidar tanto como uma alternativa de uso de
matrias-primas mais baratas e menos poluentes, bem como um modelo
de agregao de valor econmico s cadeias agroindustriais, como as da
soja, cana-de-acar, milho, forestas, entre outras. Tais linhas de ao
podero, sobretudo, contribuir para a sustentabilidade dos processos de
produo de diferentes tipos de produtos qumicos orgnicos, desde de-
tergentes a frmacos, os quais so de largo uso na atualidade.
A qumica verde surge como uma nova flosofa dentro das cincias
qumicas para quebrar velhos paradigmas, como a grande gerao de
resduos e o uso intensivo de petroqumicos, atravs de uma viso ho-
lstica dos processos em laboratrios e em indstrias. Tal viso, descrita
em 12 princpios, busca revigorar a qumica por meio da reduo da
gerao de resduos, economia atmica e energtica, e uso de matrias-
-primas renovveis, entre outras consideraes de grande relevncia.
Esta publicao trata do potencial tcnico-econmico da utilizao
da biomassa como matria-prima para a qumica, a partir da viso da
qumica verde, mostrando um cenrio relacionado com as perspectivas e
os desafos para o desenvolvimento de uma qumica renovvel brasileira.
ISBN 978-85-7035-230-9
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
Embrapa Agroenergia
Ministrio Agricultura, Pecuria e Abastecimento
Embrapa Agroenergia
Braslia, DF
2013
Biomassa
para Qumica Verde
Slvio Vaz Jnior
Editor Tcnico
Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:
Embrapa Agroenergia
Parque Estao Biolgica, PqEB s/n, Braslia, DF
CEP: 70770-901
Caixa Postal: 40.315
Fone: (61) 3448-4246
Fax: (61) 3448-1589
www.cnpae.embrapa.br
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Comit de Publicaes da Unidade
Presidente: Jos Manuel Cabral de Sousa Dias
Secretria-Executiva: Lorena Costa Garcia
Membros: Eduardo Fernandes Formighieri, Joo Ricardo Moreira de
Almeilda, Larissa Andreani, Leonardo Fonseca Valadares, Maria Iara
Pereira Machado
Superviso editorial: Jos Manuel Cabral de Sousa Dias
Reviso de texto: Jos Manuel Cabral de Sousa Dias
Normalizao bibliogrfca: Maria Iara Pereira Machado
Fotos da capa: Sergey Yarochkin/Fotolia, MK/Fotolia
Capa, projeto grfco, editorao eletrnica: Athalaia Grfca e Editora
Tratamento de ilustraes: Paulo Roberto Pinto
1
a
edio
1 impresso (2013): 500 exemplares
Todos os direitos reservados
A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo ou em
parte, constitui violao dos direitos autorais (Lei n 9.610).
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Embrapa Agroenergia
B 615 Biomassa para qumica verde / editor-tcnico, Slvio Vaz Jnior.
Braslia, DF: Embrapa Agroenergia, 2013.
196 p. ; il. color.
ISBN: 978-85-7035-230-9
1.Biomassa qumica verde. 2. Agroindstria Brasil. I.
Vaz Jnior, Silvio.
660.63 - CDD 22. Ed.
i Biomassa para Qumica Verde
Carlos A. M. Santana
Economista, Mestre e Doutor em Economia Agrcola; pesqui-
sador da Embrapa Estudos e Capacitao.
Clenilson Martins Rodrigues
Qumico, Mestre e Doutor em Qumica; pesquisador da Em-
brapa Agroenergia.
Dasciana de Souza Rodrigues
Qumica Industrial, Mestre e Doutora em Engenharia Qumi-
ca; pesquisadora da Embrapa Agroenergia.
Frederico O. M. Dures
Engenheiro Agrnomo, Mestre em Agronomia e Doutor em
Fitotecnia; pesquisador da Embrapa Produtos e Mercados.
Jos Dilcio Rocha
Engenheiro Qumico, Mestre em Planejamento de Sistemas
Energticos e Doutor em Engenharia Mecnica; pesquisador
da Embrapa Agroenergia.
Patrcia Verardi Abdelnur
Qumica, Mestre e Doutora em Qumica Orgnica; pesquisa-
dora da Embrapa Agroenergia.
Autores
ii
Biomassa para Qumica Verde
Peter Rudolf Seidl
Qumico Industrial, Mestre e Doutor em Qumica; professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Slvio Vaz Jr.
Qumico, Mestre em Fsico-Qumica e Doutor em Qumica
Analtica; pesquisador da Embrapa Agroenergia;
[email protected].
iii Biomassa para Qumica Verde
Os conceitos de biorrefinaria e qumica verde enfocam
o aproveitamento integral da biomassa, de modo que se crie
cadeias de valor similares quelas dos derivados do petrleo,
porm com menor impacto negativo ao meio ambiente, de
forma a contemplar sistemas integrados (matria-prima, pro-
cesso, produto e resduos) sustentveis, considerando-se, den-
tre outros aspectos, os balanos de energia e massa, o ciclo de
vida e a reduo de gases do efeito estufa.
Conceitos como estes so de fundamental importncia
para a explorao sustentvel do agronegcio brasileira, alm
de promover o desenvolvimento de tecnologias nacionais. As-
sim, esta obra busca contribuir para o avano no conhecimen-
to e na aplicao da biomassa na qumica, de modo a se criar e
consolidar novas oportunidades agroindustriais para o Brasil.
Boa leitura a todos!
Manoel Teixeira Souza Junior
Chefe-geral da Embrapa Agroenergia.
Apresentao
iv Biomassa para Qumica Verde
Os autores agradecem Embrapa Agroenergia pela opor-
tunidade de elaborao e publicao desta obra.
Agradecem, tambm, ao Prof. Dr. Cludio Mota do Ins-
tituto de Qumica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
pela reviso tcnica do texto.
Agradecimentos
v Biomassa para Qumica Verde
Prefcio 1
1 BIOMASSA E QUMICA VERDE 5
Princpios fundamentais 7
Oportunidades para a qumica verde no Brasil 11
Referncias bibliogrfcas 13
2 OFERTA E DISTRIBUIO DE BIOMASSA NO BRASIL 17
Matrias-primas oleaginosas 19
Matrias-primas sacardeas 26
Matrias-primas amilceas 30
Matrias-primas lignocelulsicas 40
Consideraes fnais 43
Referncias bibliogrfcas 45
3 ANLISE QUMICA DA BIOMASSA 49
Tcnicas analticas tradicionais aplicadas biomassa lignocelulsica 52
Determinao do teor de celulose, hemicelulose e lignina 54
Determinao do perfl de acares 55
Determinao do perfl de ligninas 57
Anlise composicional da biomassa 61
Tcnicas analticas avanadas aplicadas biomassa 65
Tcnicas espectroscpicas, cromatogrfcas e espectromtricas 65
Estudo de metablitos por metabolmica 72
Avaliao da biomassa processada 73
Consideraes fnais 75
Referncias bibliogrfcas 76
Sumrio
vi
Biomassa para Qumica Verde
4 PROCESSOS QUMICOS CATALTICOS 87
Processos catalticos aplicados biomassa lignocelulsica 90
Anlise da composio e caracterizao 93
Pr-tratamento 94
Sntese orgnica 95
Separao e purifcao 99
Estudo do potencial industrial 100
Escalonamento 101
Tratamento de efuentes residuais 102
Referncias bibliogrfcas 103
5 PROCESSOS BIOQUMICOS 111
Produtos obtidos da biomassa por processos bioqumicos 114
Processos bioqumicos para transformao da biomassa 115
Converso de matrias-primas lignocelulsicas 122
Converso de matrias-primas oleaginosas 124
Converso de matrias-primas sacardeas e amilceas 125
Avanos no desenvolvimento de processos bioqumicos 126
Processos microbianos 126
Processos enzimticos 128
Aproveitamento de componentes minoritrios da biomassa 131
Referncias bibliogrfcas 132
6 A PLATAFORMA TERMOQUMICA 139
A cogerao na indstria brasileira 143
O processo de pirlise rpida da biomassa 148
Os produtos primrios 151
A pirlise rpida como uma etapa de pr-tratamento de biomassa 154
Aplicaes potenciais dos produtos 154
Os gargalos das etapas de transformao 154
A carbonizao para a produo de carvo vegetal 159
O processo de gaseifcao para a produo de gs de sntese 161
As aplicaes do gs de sntese 163
Referncias bibliogrfcas 165
vii Biomassa para Qumica Verde
7 POTENCIALIDADES DA BIOMASSA PARA A QUMICA VERDE 169
Desafos cientfcos 177
Desafos tcnicos 177
Desafos econmicos 178
Referncias bibliogrfcas 179
1 Prefcio
A necessidade de desenvolvimento de novas matrias-
-primas renovveis para a qumica, em substituio ao pe-
trleo, tem se mostrado como um desafio estratgico para
o sculo XXI. Neste contexto, o uso dos diferentes tipos de
biomassa vegetal amilcea, lignocelulsica, oleaginosa e sa-
cardea pode se consolidar tanto como uma alternativa de
uso de matrias-primas mais baratas e menos poluentes, bem
como um modelo de agregao de valor econmico s cadeias
agroindustriais, como as da soja, cana-de-acar, milho, flo-
restas, entre outras. Tais linhas de ao podero, sobretudo,
contribuir para a sustentabilidade dos processos de produo
de diferentes tipos de produtos qumicos orgnicos, desde de-
tergentes a frmacos, os quais so de largo uso na atualidade.
A qumica verde surge como uma nova filosofia dentro
das cincias qumicas para quebrar velhos paradigmas, como
a grande gerao de resduos e o uso intensivo de petroqumi-
cos, atravs de uma viso holstica dos processos em laborat-
rios e em indstrias. Tal viso, descrita em 12 princpios, busca
revigorar a qumica por meio da reduo da gerao de resdu-
os, economia atmica e energtica, e uso de matrias-primas
renovveis, entre outras consideraes de grande relevncia.
No caso do uso de matrias-primas renovveis, esta
uma questo extremamente estratgica para o Brasil, por ser
Prefcio
2
Biomassa para Qumica Verde
um dos principais pases produtores de biomassa e, conse-
quentemente, um dos maiores geradores de resduos agroin-
dustriais. Desse modo, o aproveitamento da biomassa pela
qumica abre-se como uma nova possibilidade de negcios e
de gerao de riquezas para o pas, alm de propiciar menor
impacto negativo ao meio ambiente.
Os compostos qumicos so os produtos com maior po-
tencial de agregao de valor a uma determinada cadeia da
biomassa, dada importncia da indstria qumica conven-
cional e da qumica fina em diferentes setores da economia,
podendo-se destacar compostos que podem ser utilizados
como bloco-construtores, intermedirios de sntese e pol-
meros. Por outro lado, a necessidade de desenvolvimento de
tecnologias para a obteno desses produtos apresenta con-
siderveis gargalos a serem superados, tanto tcnicos, quanto
cientficos e de mercado.
Esta publicao trata do potencial tcnico-econmico da
utilizao da biomassa como matria-prima para a qumica, a
partir da viso da qumica verde, mostrando um cenrio rela-
cionado com as perspectivas e os desafios para o desenvolvi-
mento de uma qumica renovvel brasileira.
Slvio Vaz Jr.
Braslia (DF), setembro de 2013.
5 Biomassa e Qumica Verde
A questo ambiental tomou uma dimenso global nos
anos 1990 como consequncia de uma serie de acidentes qu-
micos, como o desastre de Bhopal na ndia, assim como pro-
blemas de contaminao por produtos usados como medica-
mentos ou defensivos qumicos (AMATO, 1993). A questo
do aquecimento global tem um impacto direto nas empresas,
que tm sido pressionadas a mudarem seus hbitos conven-
cionais de produo e de desenvolvimento de produtos. Hoje,
as organizaes no podem mais ignorar a questo ambiental
que, associada com diminuio progressiva das fontes fsseis
de energia e matria-prima, tem levado a mudana de para-
digmas e como consequncia, novos modelos de negcio.
A resposta da indstria qumica aos novos tempos foi o
movimento relacionado com o desenvolvimento da qumica
verde. Ela comeou no incio dos anos noventa, principalmente
nos Estados Unidos, Inglaterra e Itlia, com a introduo de no-
vos conceitos e valores para as diversas atividades fundamentais
da qumica, bem como, para os diversos setores correlatos da
atividade industrial e econmica. Esta proposta logo se ampliou
para envolver a IUPAC (International Union of Pure and Applied
Chemistry) e a OCDE (Organizao para Cooperao e Desen-
volvimento Econmico) no estabelecimento de diretrizes para o
desenvolvimento da qumica verde em nvel mundial.
Biomassa e Qumica Verde
Peter Rudolf Seidl
1
6
Biomassa para Qumica Verde
A contribuio da qumica para o desenvolvimen-
to sustentvel da biodiversidade brasileira foi objeto de um
workshop realizado em Manaus, AM, em novembro de 1993,
pouco depois da Rio-92. O evento serviu para evidenciar as
vantagens de agregar valor a produtos extrados de maneira
sustentvel em lugar de extinguir este valioso recurso natural.
Um longo esforo foi desenvolvido com o apoio dos represen-
tantes das vrias universidades, institutos de pesquisas, fede-
raes de indstrias, centros de pesquisas de empresas brasi-
leiras, organizaes de classe do setor qumico e do Senado
Federal, atravs da Comisso Mista de Acompanhamento das
Mudanas Climticas. Como fruto deste esforo, foi formali-
zada ao Ministro de Cincia e Tecnologia, em agosto de 2007,
a proposio de apoio governamental criao da Rede e da
Escola Brasileira de Qumica Verde, durante a realizao do
1 Workshop Internacional de Qumica Verde realizado em
novembro de 2007, em Fortaleza (CENTRO DE ENERGIAS
ALTERNATIVAS E MEIO AMBIENTE, 2007). Nesse con-
texto, o Ministrio de Cincia e Tecnologia encomendou ao
Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE) a proposta
de estruturao de uma Rede Brasileira de Qumica Verde e
da criao da Escola Brasileira de Qumica Verde, como pi-
lares organizacionais de uma estratgia nacional de C,T&I
na rea (CENTRO DE GESTO E ESTUDOS ESTRAT-
GICOS, 2010). O CGEE desenvolveu juntamente com uma
efetiva representao da comunidade cientifica e tecnolgica
nacional, inclusive empresas, um amplo estudo dos principais
temas correlacionados com a Qumica Verde, tendo como
foco, a experincia nacional nesta rea; bem como, as poten-
cialidades da nossa biodiversidade e a estreita cooperao
7 Biomassa e Qumica Verde
com a indstria nacional para compor uma proposta de de-
senvolvimento da qumica verde no Brasil.
A proposta assim colocada almeja integrar este esforo
com alguns programas que vem sendo desenvolvidos de forma
isolada e em desenvolvimento no pas, tendo em vista promover
a Qumica Verde no pas como uma estratgia de desenvolvi-
mento sustentvel nacional, tendo a ps-graduao nacional,
notadamente as reas da biologia, qumica e engenharia qumi-
ca, como o patamar deste salto cientfico e tecnolgico.

Princpios fundamentais
No decorrer das ltimas duas dcadas, formou-se um
consenso sobre doze princpios fundamentais da qumica ver-
de (TUNDO et al., 2000). So eles:

1. Preveno: prevenir melhor do que remediar reas
poludas;
2. Eficincia atmica: os mtodos sintticos devem ser
desenvolvidos de modo a incorporar o maior nmero
possvel de tomos dos reagentes no produto final;
3. Sntese segura: devem ser desenvolvidos mtodos sin-
tticos que utilizem e gerem substncias com pouca ou
nenhuma toxicidade sade humana e ao ambiente;
4. Desenvolvimento de produtos seguros: deve-se bus-
car o desenvolvimento de produtos que aps realiza-
rem a funo desejada, no causem danos ao ambiente;
8
Biomassa para Qumica Verde
5. Uso de solventes e substncias auxiliares seguros:
a utilizao de substncias auxiliares como solventes,
agentes de purificao e secantes precisa ser evitada ao
mximo; quando inevitvel a sua utilizao, estas subs-
tncias devem ser incuas ou facilmente reutilizadas;
6. Busca pela eficincia energtica: os impactos ambien-
tais e econmicos causados pela gerao da energia
utilizada em um processo qumico precisam ser consi-
derados. necessrio o desenvolvimento de processos
que ocorram temperatura e presso ambientes;
7. Uso de matrias-primas renovveis: o uso de bio-
massa como matria-prima deve ser priorizado no
desenvolvimento de novas tecnologias e processos;
8. Formao de derivados deve ser evitada: processos
que envolvem intermedirios com grupos bloqueado-
res, proteo/desproteo, ou qualquer modificao
temporria da molcula por processos fsicos ou qu-
micos devem ser evitados;
9. Catlise: o uso de catalisadores, to seletivos quanto
possvel, deve ser adotado em substituio aos rea-
gentes estequiomtricos;
10. Produtos degradveis: os produtos qumicos preci-
sam ser projetados para a biocompatibilidade. Aps
sua utilizao no deve permanecer no ambiente, de-
gradando-se em produtos incuos;
9 Biomassa e Qumica Verde
11. Anlise em tempo real para a preveno da polui-
o: o monitoramento e controle em tempo real, den-
tro do processo, devero ser viabilizados. A possibi-
lidade de formao de substncias txicas dever ser
detectada antes de sua gerao;
12. Qumica intrinsecamente segura para a preveno
de acidentes: a escolha das substncias, bem como
sua utilizao em um processo qumico, deve buscar
a minimizao do risco de acidentes, como vazamen-
tos, incndios e exploses.
Tais conceitos, que tambm se referem produo lim-
pa e a inovaes verdes, j esto relativamente difundidos em
aplicaes industriais, particularmente em pases com inds-
tria qumica bastante desenvolvida e que apresentam rigoroso
controle na emisso de agentes poluentes. Baseiam-se no pres-
suposto de que processos qumicos com potencial de impactar
negativamente o meio ambiente venham a ser substitudos por
processos menos poluentes ou no poluentes. Tecnologia lim-
pa, preveno primria, reduo na fonte, qumica ambien-
tal e qumica verde so denominaes que surgiram e foram
cunhadas no decorrer das ltimas duas dcadas para tradu-
zir esse importante conceito. A palavra verde sinnima de
limpo e tem uma conotao poltica; a qumica o centro da
questo ambiental; sustentabilidade ambiental, social e econ-
mica traduz o futuro desejado; e qumica verde reflete a unio
dessas ideias.
No caso do Brasil, o stimo princpio - uso de matrias-pri-
mas renovveis destaca-se como uma grande oportunidade
10
Biomassa para Qumica Verde
estratgica para o pas se inserir e at liderar segmentos rela-
cionados a diversas reas da qumica verde em nvel mundial,
como ser visto no item seguinte.
A Conferncia das Naes Unidas para o Desenvolvimen-
to Sustentvel, mais conhecida como Rio + 20 (CONFERN-
CIA DAS NAES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMEN-
TO SUSTENTVEL, 2012), propiciou uma oportunidade
para que os principais executivos da indstria qumica mun-
dial assumissem compromissos com a sustentabilidade em
nome de suas empresas (HOGUE, 2012). Estes compromissos
foram detalhados pelo representante da Associao Brasilei-
ra da Indstria Qumica (ABIQUIM) em uma mesa redonda
sobre Estratgias Brasileiras para a Incluso da Qumica Ver-
de sobre o Processo Produtivo (FREIRE, 2012). Interesse na
cadeia de valor baseada na transformao de matrias-primas
da biomassa em produtos qumicos est incentivando o desen-
volvimento de processos de fabricao sustentveis (GALLE-
ZOT, 2012). Neste particular cabe ressaltar a distino entre
qumica verde e o que conhecido como qumica do verde.
A primeira baseada nos 12 princpios anteriormente comen-
tados, que, em pases como o Brasil, coloca grande nfase em
matrias-primas renovveis. Por outro lado, ainda h certa
fascinao com tudo que natural, assim existem empresas
que fazem o seu marketing em produtos naturais ou isentos
de qumica. Existem vrios exemplos de processos baseados
em matrias-primas naturais, ou renovveis, que no so mais
favorveis que os baseados em matrias-primas fsseis em ter-
mos de critrios como: consumo de gua ou energia, emisso
de gases do efeito estufa, potencial de risco ou outro critrio
aplicado ao desenho de um processo verde.
11 Biomassa e Qumica Verde
Oportunidades para a qumica verde no Brasil
O Brasil se encontra em uma posio privilegiada para
assumir a liderana no aproveitamento integral da biomassa
pelo fato de possuir a maior biodiversidade do planeta; dispor
de: intensa radiao solar; gua em abundncia; diversidade
de clima e pioneirismo na produo de biocombustveis da
biomassa em larga escala, com destaque para a indstria cana-
vieira ou do etanol. O pas rene, ainda, condies para ser o
principal receptor de recursos de investimentos provenientes
do mercado de carbono no segmento de produo e uso de
bioenergia, por ter no meio ambiente a sua maior riqueza e
apresentar uma enorme capacidade de absoro e regenerao
atmosfrica.
O papel futuro do agronegcio brasileiro, que se con-
figura como uma das mais expressivas contribuies para
a economia nacional, agora apresenta uma oportunidade
real para instalar a inovao qumica atravs da agregao
de valor s matrias-primas renovveis permitindo, assim,
que se passe de uma economia de exportao de commodities
para uma economia de produtos inovadores e de alto valor
agregado a bioeconomia. A plena aceitao e adoo des-
te novo campo de atividades da qumica nos anos recentes
se deve ao esforo bem sucedido de se acoplar os interesses
da inovao qumica simultaneamente com os objetivos da
sustentabilidade.
No que diz respeito s matrias-primas, duas categorias
dominam a pesquisa hoje: primeira e de segunda gerao.
As de primeira gerao so produzidas a partir de culturas
ricas em carboidratos, amido e leo; as de segunda gerao
12
Biomassa para Qumica Verde
utilizam como biomassa o resduo de partes de culturas no
comestveis. Como exemplo, pode-se citar a rota sucroqumi-
ca onde, a partir da cana-de-acar, so produzidos produtos
qumicos dos mais diversos tipos e aplicaes, como plsticos
verdes, alm da produo do etanol como biocombustvel.
Neste contexto, as biorrefinarias se tornam uma alternativa
para o presente e o futuro da indstria qumica, pois com-
preendem instalaes e processos atravs dos quais matrias-
-primas renovveis e seus resduos so transformados em bio-
combustveis, produtos qumicos de alto valor agregado, alm
de energia, insumos e alimentos. uma estrutura anloga
das refinarias de petrleo, que fabricam mltiplos produtos,
como combustveis (em grande volume) e, com o objetivo de
ampliar a lucratividade, produzem uma parcela de produtos
qumicos de alto valor agregado.
O Brasil vem se destacando pela produo dos chama-
dos plsticos verdes, os quais apresentam uma srie de van-
tagens ambientais em relao aos produtos feitos a partir de
combustvel fssil, pois estudos demonstram que em mdia,
para cada tonelada de plstico verde produzido, 2,3 tonela-
das de CO
2
so capturadas da atmosfera durante o plantio da
cana-de-acar.
Desse modo, o potencial brasileiro de uso da biomassa
como matria-prima para a qumica se destaca frente a outros
pases devido, principalmente, a sua grande e diversificada
produo agroindustrial. Saber aproveitar estas vantagens de
um modo sustentvel, principalmente quanto ao meio am-
biente e biodiversidade, poder levar a uma grande gerao
de riquezas e de conhecimento estratgico para o pas.
13 Biomassa e Qumica Verde
Referncias bibliogrficas
AMATO, I. The slow birth of green chemistry. Science, Wa-
shington, v. 259, p. 1538 1541, 1993.
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BIENTE. Brazilian network on green chemistry aware-
ness, responsibility and action. CENEA: Fortaleza/CE, 18
a 21 de novembro de 2007.
CENTRO DE GESTO E ESTUDOS ESTRATGICOS. Qu-
mica verde no Brasil: 2010-2030. CGEE: Braslia/DF,
2010, 433 p.
CONFERNCIA DAS NAES UNIDAS SOBRE DESEN-
VOLVIMENTO SUSTENTVEL. Rio + 20. Disponvel
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FREIRE, E. Estratgia brasileira para incluso da qumica ver-
de no setor produtivo. Revista de Qumica Industrial,
Rio de Janeiro, v. 736, p. 11, 2012.
GALLEZOT, P. Conversion of biomass to selected chemical
products. Chemical Society Reviews, London, v. 41, p.
1538 - 1558, 2012.
HOGUE, C. Rio roundup. Chemical & Engineering News,
Washington, v. 28, p. 10 14, 2012.
14
Biomassa para Qumica Verde
TUNDO, P.; ANASTAS, P.; BLACK, D.S.; BREEN, J.; COL-
LINS, T.; MEMOLI, S.; MIYAMOTO, J.; POLYAKOFF,
M.; TUMAS, W. Synthetic pathways and process in green
chemistry introductory overview. Pure and Applied
Chemistry, London, v. 72, p. 1207 1228, 2000.
17 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
A biomassa vegetal um produto direto da fotossntese,
por meio da qual o gs carbnico (CO
2
) convertido em a-
cares, os quais, posteriormente, so convertidos nos polmeros
estruturais amido, celulose, hemicelulose e lignina. O aprovei-
tamento energtico e qumico da biomassa se d atravs de
plataformas tecnolgicas complexas, as quais dependem, por
sua vez, do tipo de matria-prima e da eficincia adequada dos
processos de converso. Neste captulo sero tratadas quatro
classes de biomassa a serem utilizadas como matrias-primas
renovveis para a qumica: as oleaginosas, as amilceas, as sa-
cardeas e as lignocelulsicas.
Quando buscada a utilizao da biomassa pela qu-
mica, h que se considerar a qualidade e a disponibilidade
competitiva da primeira, alm da eficincia de processos de
converso e aproveitamento de resduos/coprodutos, associa-
dos governana de ordenamento territorial, infraestrutura e
logstica; tais pontos constituem os fatores crticos para a ex-
plorao econmica da biomassa. A contribuio da biomas-
sa, por exemplo, para a sustentabilidade da matriz energtica
brasileira e mundial uma questo estratgica para os pases
e regies; porquanto, associa recursos naturais, inteligncia
e parcerias. Fundamentalmente, uma oportunidade para
Oferta e Distribuio
de Biomassa no Brasil
Carlos A. M. Santana e Frederico O. M. Dures
2
18
Biomassa para Qumica Verde
o desenvolvimento da agricultura de alimentos conjugado
com a agricultura de energia e com a agricultura de mat-
rias-primas. Os resultados e impactos esto na capacidade de
integrar a viso agrcola e industrial dos negcios de base tec-
nolgica. Biocombustveis, sobretudo etanol e biodiesel, so
produzidos em larga escala porque a energia advinda da bio-
massa baseia-se por alguns princpios fundamentais quanto
fonte primria ou secundria de energia, matrias-primas de
qualidade e disponibilidade, processos de converso eficien-
tes, infraestrutura e logstica, e uma crescente percepo cole-
tiva e individual de mudana de matriz energtica de fssil
para renovvel, com a ltima representada pela biomassa.
O Brasil, com 851 milhes de hectares territoriais e com-
provada evoluo competitiva no agronegcio tropical, apre-
senta condies naturais (solo, gua e clima), mo-de-obra,
tecnologia e capacidade gerencial e tcnica para ser um dos
principais players mundiais no negcio da biomassa, tanto
para fins energticos, como para a produo de compostos
qumicos renovveis. E, por certo, tem uma situao mpar
favorvel expanso das cadeias de produo. Uma questo
relevante, e que pode auxiliar ao desenvolvimento de princ-
pios de qumica verde em escala industrial, que o Brasil j se
constitui em um grande mercado consumidor de biocombus-
tveis - biodiesel e etanol.
Considerando-se o cenrio mundial de produo de bio-
massa, o Brasil se destaca por possuir uma grande variedade
de matrias-primas disponveis para a qumica verde ou para
a qumica renovvel, considerando-se que ambas aqui se re-
ferem ao uso da biomassa como matria-prima para a qumi-
ca. A disponibilidade das quatro classes de matrias-primas
19 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
anteriormente citadas, utilizadas na produo de biocombus-
tveis e outros produtos da qumica renovvel, tem crescido
substancialmente no Pas ao longo dos anos. Vrios fatores
explicam essa tendncia, entre outros, os avanos cientficos e
tecnolgicos registrados pela agricultura brasileira, o empreen-
dedorismo dos produtores nacionais, o ambiente de polticas
pblicas domsticas e a grande dotao de recursos naturais.
Matrias-primas oleaginosas
As principais matrias-primas oleaginosas para a qumica
renovvel compreendem a soja, algodo, mamona, palma-de-
-leo (dend), girassol e o amendoim. O primeiro desses pro-
dutos o principal insumo atualmente utilizado pela inds-
tria nacional na produo de biodiesel. A produo domstica
dessa oleaginosa expandiu a uma taxa mdia anual de 7,5% no
perodo 1991-2011, aumentando de 14,9 milhes de toneladas
para 74,8 milhes de toneladas. Geograficamente, a produo
se concentrou nas regies Centro-Oeste e Sul (Tabela 1). No
trinio 2009-2011 elas responderam por 83% da produo to-
tal brasileira deste produto.
Como produtos desta classe de matrias-primas podem-
-se destacar leos refinados e no refinados, cidos graxos,
biodiesel, glicerina, sabes e polmeros.
Em nvel estadual, a produo de soja tem sido maior no
Mato Grosso, Paran, Rio Grande do Sul, Gois e Mato Grosso
do Sul. No primeiro desses Estados, o volume produzido no
trinio 2009-2011 alcanou, aproximadamente, 19 milhes de
toneladas (Tabela 1); ou seja, a mais elevada entre todas as de-
mais Unidades da Federao. A produo de soja tem crescido
20
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substancialmente em outros Estados, particularmente naque-
les que conformam a regio conhecida como MATOPIBA
(Maranho, Tocantins, Piau e Bahia).
Uma segunda matria-prima oleaginosa largamente pro-
duzida no Brasil o algodo. O algodoeiro uma planta que
permite a produ o de vrios subprodutos, entre eles o leo
comestvel, a rao que fornece energia e protena para ru-
minantes, e a farinha de algodo, cujas propriedades para a
formao de filmes das protenas de algodo esto sendo pes-
quisadas para a produo de materiais biodegradveis. Vrios
estados brasileiros produzem algodo, principalmente aqueles
localizados na regio Nordeste e Centro-Oeste. Entretanto, a
produo mais acentuada na Bahia e no Mato Grosso (Tabela
2). No trinio 2009-2011, estes dois Estados responderam por
aproximadamente 82% da quantidade total produzida no Pas.
A mamona outra matria-prima oleaginosa disponvel no
Brasil. O leo produzido por ela possui alta viscosidade e alta so-
lubilidade em lcool a baixa temperatura. Ele utilizado de di-
ferentes maneiras, por exemplo, na produo de biodiesel e na
medicina popular como purgativo. A disponibilidade nacional
desta matria-prima bem menor do que vrias outras existentes
no Pas. No trinio 2009-2011, a produo brasileira de mamona
alcanou 102 mil toneladas (Tabela 3). A maior parte dessa quan-
tidade veio do Nordeste e em particular, da Bahia e do Cear.
Alm das oleaginosas acima descritas, o Brasil produz
tambm outras trs, a palma-de-leo (dend), o girassol e o
amendoim. A produo total da primeira delas aumentou de
611 mil toneladas no trinio 1991-1993 para 1,2 milho em
2009-2011 (Tabela 4). Praticamente, dois Estados foram res-
ponsveis os por este resultado - Par e Bahia.
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25 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
O girassol uma cultura relativamente nova no Pas. Ela
comeou a ser produzida na segunda metade dos anos 2000.
Durante o perodo 2005-2011 sua produo nacional expan-
diu a uma taxa mdia anual de 2,5%, passando de 60 mil to-
neladas para 78 mil (Tabela 5). O Centro-Oeste foi a regio
que apresentou o maior aumento de produo, seguida a uma
boa distncia pelo Sul e Sudeste, respectivamente. Os maiores
volumes de produo proveem de Mato Grosso e Gois.
A produo nacional de amendoim tambm cresceu sig-
nificativamente nos ltimos anos, aumentando de 156 mil to-
neladas no trinio 1991-1993 para 276 mil em 2009-2011. V-
rios Estados produzem esta oleaginosa; entretanto, So Paulo
tem sido responsvel por mais de 70% da quantidade total
produzida na ltima dcada.
Um segundo aspecto importante para o uso dessas ole-
aginosas como matrias-primas a distribuio da oferta ao
longo do ano. Nesse sentido, o calendrio de plantio e colheita
da principal matria-prima atualmente utilizada na produo
de biodiesel, a soja, indica um bom potencial de complemen-
tariedade com outras culturas oleaginosas, como as palmce-
as, para o suprimento do mercado domstico.
A maioria dos Estados brasileiros planta a soja no pero-
do outubro-dezembro e a colhem, em geral, em abril. Paran e
Mato Grosso, os dois maiores produtores, concentram o plan-
tio e a colheita em novembro e maro, respectivamente. Dado
esse calendrio, a indstria nacional conta com uma maior dis-
ponibilidade de soja no perodo maro-maio, quando ocorre
a principal fase de comercializao. No caso da mamona, mais
de 75% da produo nos ltimos cinco anos provem da Bahia.
Neste Estado, o plantio realizado principalmente durante o
26
Biomassa para Qumica Verde
perodo da 2 quinzena de novembro 1 quinzena de dezem-
bro, e a colheita nos meses de junho e julho. Portanto, os pe-
rodos de colheita da soja e da mamona proporcionam distri-
buio razovel de matria-prima oleaginosa para a indstria
qumica nacional. Essa distribuio poder tornar-se melhor
com a expanso da produo de palma-de-leo no Pas.
Matrias-primas sacardeas
A qumica renovvel brasileira dispe tambm de uma
oferta nacional importante de matrias-primas sacardeas.
De um modo geral, as matrias-primas sacardeas fornecem
a sacarose, dissacardeo formado por glicose e frutose, para
a obteno do etanol, a partir do qual pode-se obter steres,
teres, monmeros para a formulao de polmeros verdes
e de resinas; pode-se obter tambm outros compostos a partir
da sacarose, como cidos orgnicos. Convencionou-se chamar
de sucroqumica ao uso da sacarose pela indstria qumica, e
alcoolqumica ao uso do etanol como molcula precursora de
grande nmero de compostos qumicos de largo uso na inds-
tria qumica.
A principal das matrias-primas sacardeas na atualida-
de a cana-de-acar, devido a sua larga utilizao na pro-
duo de etanol, acar (sacarose) e eletricidade. A produo
domstica desta matria-prima expandiu substancialmente no
perodo 1991-2011 - taxa de crescimento anual mdia de 5,4%
- aumentando de 261 milhes de toneladas para 734 milhes.
Geograficamente, a produo tem como principal origem a
regio Sudeste. So Paulo e Minas Gerais so, na atualidade,
os maiores produtores. O primeiro registrou uma produo
27 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
mdia de 421 milhes de toneladas no trinio 2009-2011 e o
segundo 62 milhes (Tabela 6).
A regio Centro-Oeste tambm ocupa uma posio de
destaque em termos de produo de cana-de-acar. Gois e
Mato Grosso do Sul despontam entre as demais Unidades da
Federao por apresentar as taxas de crescimento de produo
mais elevadas. Como resultado deste desempenho, Gois pro-
duziu um volume mdio de 49 milhes de toneladas durante o
perodo 2009-2011 e Mato Grosso do Sul 32 milhes.
As regies Nordeste e Sul figuram em terceiro e quarto
lugar no ranking nacional de produo de cana-de-acar.
Pernambuco e Alagoas so os Estados que mais contribuem
para a produo nordestina e Paran o principal produtor na
regio Sul (Tabela 6).
Alm da cana-de-acar, a qumica renovvel brasileira
dispe tambm de outra matria-prima importante, o sorgo sa-
carino. Sua produo est apenas se iniciando no Pas; contudo,
apresenta um grande potencial de uso em diversos segmentos
da indstria. Atualmente, o segmento preferencial refere-se ao
cultivo de sorgo em usinas de grande porte para fornecer ma-
tria-prima na entressafra de cana para a produo de etanol.
Segundo May e Dures (2012), o sorgo sacarino a planta
que mais se adapta ao setor sucroalcooleiro, principalmente
quando cultivado no vero, visando fornecer matria-prima
de qualidade para abastecer o mercado na entressafra da cana-
-de-acar, de forma a reduzir a instabilidade do mercado de
etanol no Brasil. Na regio Centro-Sul, a colheita da cana vai
de abril a dezembro. O sorgo, plantado de setembro a novem-
bro, colhido entre janeiro a maro, poca de entressafra da
cana. Uma caracterstica adicional do sorgo que por ser uma
28
Biomassa para Qumica Verde
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planta de ciclo curto (110 a 120 dias), propagada por semen-
tes, totalmente mecanizvel e possvel de ser processado com
a mesma tecnologia industrial desenvolvida para a cana.
A cultura do sorgo sacarino ainda est em desenvolvi-
mento; portanto, no dispe de srie histrica oficial. Esti-
mativas recentes indicam que a rea plantada partiu de pouco
mais de 3.000 hectares na safra 2010/2011 para mais de 20.000
hectares na de 2011/2012. Considerando esta rea de 20.000
ha, com uma produtividade potencial de 2.000 L de etanol e
uma produo de 40 toneladas de colmos por hectare, espera-
-se um potencial de negcios equivalente a 40 milhes de L de
etanol. Ainda uma oferta tmida do produto perante o tama-
nho do mercado de etanol no Brasil, mas com a melhoria no
manejo da cultura e a introduo de novas cultivares de maior
potencial de produo, esses valores podem at duplicar por
rea cultivada.
O interesse pela cultura do sorgo sacarino est funda-
mentalmente relacionado ao setor sucroalcooleiro, abrangen-
do usinas de grande porte presentes, principalmente, no Cen-
tro-Oeste e no Sudeste do Brasil como negcio preferencial.
Entretanto, apresenta potencial de expanso em mini usinas
no Rio Grande do Sul, por meio da agricultura familiar.
Matrias-primas amilceas
Um terceiro grupo de matrias-primas brasileiras que,
juntamente com as anteriores, amplia a gama de fontes de bio-
massa disponveis para a indstria qumica nacional, compre-
ende as amilceas, ou seja, granferas, razes e tubrculos. Elas
produzem o amido, que um polmero cujo monmero a
31 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
glicose, que utilizado, principalmente, na produo de eta-
nol, o qual pode ser utilizado como um biocombustvel, para
fins alimentcios e farmacuticos, alm de servir como um
bloco-construtor para a alcoolqumica.
As matrias-primas amilceas mais abundantes no Pas
so o arroz, o milho e o sorgo granfero. A produo domstica
de arroz cresceu substancialmente no perodo 1991-2011 (1,5%
ao ano em termos mdios anuais), alcanando uma mdia de
12,4 milhes de toneladas no trinio 2009-2011 (Tabela 7).
Em termos de distribuio geogrfica, a produo encon-
tra-se concentrada na regio Sul onde esto localizados os dois
maiores estados produtores do Pas, Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Juntos, estes estados responderam por 72% da pro-
duo mdia observada no perodo 2009-2011. Como ilustra
a Tabela 7, a quantidade mdia produzida pelo Rio Grande do
Sul naquele perodo foi de aproximadamente 8 milhes de to-
neladas, enquanto que a registrada por Santa Catarina, segun-
do maior produtor, foi de 1 milho. Todas as demais Unidades
da Federao produzem arroz; porm, os volumes produzidos
so em geral relativamente baixos, com exceo de Mato Gros-
so e Maranho. Estes estados contriburam para a produo
mdia nacional do perodo 2009-2011 com 712 mil toneladas
e 636 mil, respectivamente.
Em comparao ao arroz, a produo brasileira de milho
expandiu de forma mais acentuada entre 1991 e 2011, isso de-
vido ao seu crescente uso em diferentes segmentos da econo-
mia, particularmente no setor de raes para animais. Espe-
cificamente, durante aquele perodo a quantidade produzida
cresceu a uma taxa mdia anual de 3,8%, aumentando de 24
milhes de toneladas para 56 milhes.
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Biomassa para Qumica Verde
Da mesma forma que o arroz, o milho tambm produzido
em todas as Unidades da Federao. Historicamente, a sua produ-
o tem sido maior na regio Sul e em seguida no Centro-Oeste
(Tabela 8). Paran o principal Estado produtor de milho do Pas;
entretanto, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tambm se desta-
cam como grandes fornecedores. No Centro-Oeste os principais
Estados produtores so Mato Grosso, Gois e Mato Grosso do Sul.
O sorgo granfero se destaca devido ao rpido crescimen-
to que vem experimentando no Pas, especialmente a partir de
2003. Sua produo aumentou de 236 mil toneladas em 1990
para 787 mil em 2003 e, posteriormente, registrou quantidades
superiores a 1,4 milho de toneladas em todos os outros anos.
Tal expanso ocorreu, principalmente, em Gois, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e Minas Gerais (Tabela 9) como resultado
do seu cultivo aps a colheita da soja.
Um fator importante com respeito disponibilidade das
matrias-primas amilceas mencionadas acima que elas so
cultivadas em diferentes perodos, o que permite uma maior
oferta ao longo do ano. O milho produzido em duas safras no
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paran, Bahia, Minas Gerais,
Esprito Santo e So Paulo. A primeira geralmente entre setem-
bro e janeiro, e a segunda de janeiro a junho. O arroz cultivado
nos principais Estados produtores de outubro a abril; e o sorgo,
na maioria dos casos, plantado aps a colheita da soja, ou seja,
em janeiro, e colhido em junho-julho.
O grupo das matrias-primas amilceas, formado por
razes e tubrculos inclui, principalmente, a mandioca. A
mandioca um dos principais alimentos energticos para um
grande nmero de pessoas no mundo. Alm disso, ele serve
para a alimentao animal.
37 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
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40
Biomassa para Qumica Verde
Como mostra a Tabela 10, a produo brasileira de man-
dioca cresceu moderadamente durante o perodo 1991-2011.
Concretamente, a quantidade mdia observada nos trinios
1991-1993 e 2009-2011 aumentou de 23 milhes de toneladas
para 25 milhes. Todas as Unidades da Federao a produzem
e, com exceo da regio Centro-Oeste, todas as demais re-
gies possuem pelo menos um Estado que figura na lista dos
seis principais produtores nacionais de mandioca. Esta lista
compreende o Estado do Par, maior produtor do Pas, Para-
n, Bahia, Maranho, Rio Grande do Sul e So Paulo.
Em relao disponibilidade da mandioca ao longo do
ano, o calendrio agrcola indica um bom suprimento duran-
te vrios meses do ano. A mandioca colhida nos diferentes
meses do ano, porm apresenta uma maior disponibilidade de
oferta entre janeiro e junho devido a intensificao da colheita
durante este perodo.
Matrias-primas lignocelulsicas
A perspectiva de esgotamento do petrleo, a elevao do
seu preo e as mudanas climticas tm motivado uma corrida
dos pases para a produo de energia a partir de fontes re-
novveis. Atualmente vrios pases, como o Brasil, dominam
e utilizam as tecnologias de produo de biocombustveis de
primeira gerao, por exemplo, o etanol produzido a partir da
cana-de-acar. Paralelamente ao uso dos biocombustveis de
primeira gerao, os governos e a iniciativa privada vm reali-
zando importantes esforos para desenvolver e aplicar tecno-
logias voltadas para a produo de combustveis de segunda
gerao, ou seja, aqueles obtidos por novas rotas tecnolgicas
41 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
que utilizam como matria-prima a biomassa lignocelulsi-
ca, especialmente a celulose; o mesmo tambm se d para a
utilizao da hemicelulose e da lignina na obteno de com-
postos qumicos renovveis, como bloco-construtores e inter-
medirios de sntese, que possam substituir os petroqumicos.
O Brasil, com sua grande biodiversidade, possui uma ampla
variedade de matrias-primas lignocelulsicas que, juntamen-
te com a capacidade de pesquisa e desenvolvimento do Pas,
pode torn-lo um dos principais produtores de biocombust-
vel de segunda gerao.
A biomassa lignocelulsica pode ser obtida de diferen-
tes matrias-primas tais como: madeira (florestas, bosques,
cavacos desclassificados de eucalipto e pinus, serragem, etc.);
resduos agrcolas de cereais (casca de arroz, sabugo do milho,
palha do trigo), bagao de cana-de-acar e de sorgo sacarino;
resduos da indstria de papel e celulose; e resduos munici-
pais. Tendo em vista a natureza desses materiais e o recente
desenvolvimento de atividades de pesquisa na rea de bio-
combustveis de segunda gerao, as estatsticas sobre a sua
disponibilidade escassa. Entretanto, existem algumas infor-
maes disponveis que proporcionam uma primeira quanti-
ficao, embora distante do que se percebe existir.
Por exemplo, Dos Santos et al. (2011) estimam que no
Brasil a quantidade de resduos lignocelulsicos gerada anual-
mente de aproximadamente 350 milhes de toneladas. Con-
siderando que uma das principais fontes de materiais lignoce-
lulsicos o setor sucroalcoleiro e, adotando o teor de celulose,
hemicelulose e lignina no bagao como parmetro de compa-
rao - 47% m/m de celulose, 27,5% m/m de hemicelulose e
20,3-26,3% m/m de lignina - chega-se a quantidade potencial
42
Biomassa para Qumica Verde
respectivamente de 164,5, 96,25 e 71,05 milhes de toneladas
destes componentes que podem ser obtidas a partir de resduos
lignocelulsicos no Brasil. claro que aqui no so conside-
rados outros tipos de resduos agroindustriais, o que pode au-
mentar em muito esta previso, como se v mais a frente.
Outras informaes que contribuem para uma primeira
compreenso sobre o potencial de matria-prima lignocelul-
sica existente no Brasil so: a quantidade produzida pelo Pas
de produtos agrcolas que como a cana-de-acar, arroz, sorgo
sacarino e vrios outros, produzem materiais/resduos ligno-
celulsicos; e a rea plantada com pinus e eucalipto.
Tabela 11. Brasil: rea plantada com eucalipto e pinus por Unidade da
Federao; valores acumulados em 31/12/2010 mil hectares.
Estados Eucalipto Pinus Total
Amap 12 0 12
Para 49 0 49
Bahia 439 83 522
Maranho 67 0 67
Piau 30 0 30
Esprito Santo 136 0 136
Minas Gerais 200 3 203
Rio de Janeiro 2 0 2
So Paulo 371 34 405
Paran 112 148 260
Rio Grande do Sul 189 11 200
Santa Catarina 17 125 142
Mato Grosso 1 0 1
Mato Grosso do Sul 158 0 158
Total 1.783 404 2.187
Fonte: ASSOCIAO BRASILEIRA DE CELULOSE E PAPEL (2013).
43 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
Em relao rea plantada com pinus e eucalipto a Tabela
11 indica que em 31 de dezembro de 2010 a superfcie cultivada
com esses dois tipos de florestas totalizava, em termos acumu-
lados, 2,2 milhes de hectares, sendo 1,8 milho com eucalip-
to e 404 mil com pinus. A maior disponibilidade de madeira
proveniente dessas florestas naquele ano correspondia regio
Sudeste e em seguida ao Nordeste e Sul. A Bahia se destaca en-
tre todos os estados por apresentar naquele ano a maior exten-
so de rea plantada com eucalipto e pinus no Pas. So Paulo,
Paran e Rio Grande do Sul tambm plantaram grandes reas
com essas florestas. A extenso dessas reas e a sua distribuio
geogrfica oferecem uma aproximao grosseira da oferta de
matria-prima lignocelulsica proporcionada pelas plantaes
de pinus e eucalipto no Pas naquele ano.
Consideraes finais
A demanda global por terras produtivas dever aumen-
tar. Primeiro, pode-se esperar um aumento da demanda por
alimentos e para produtos de origem animal na dieta, como
conseqncia do aumento da populao e de crescimento da
renda. Segundo, analistas de energia afirmam que o uso da
biomassa para fins energticos pode aumentar substancial-
mente, como um resultado de polticas para reduzir as emis-
ses crescentes de CO
2
. Terceiro, uma maior demanda por
fibras naturais tambm pode ser esperada. A crescente com-
petio por terras e insumos modernos para a produo de
alimentos, bioenergia e bioprodutos uma questo mundial.
Pde-se observar neste captulo que o Brasil tem potencial
para se tornar um dos lderes mundiais na economia baseada
44
Biomassa para Qumica Verde
na biomassa, ou bioeconomia, devido a sua variada e grande
produo agrcola.
Os estudos relacionados aos biocombustveis lquidos
avaliam a demanda e a capacidade de atendimento da mes-
ma, em toda a cadeia produtiva aqui faz-se uma analogia s
cadeias do petrleo, onde os combustveis, por serem de lar-
go uso e baixo valor, promovem em um primeiro momento a
viabilidade econmica para a produo dos petroqumicos, de
maior valor agregado. Cenrios internacionais diferenciados
de oferta e demanda de matrias-primas, recursos naturais e
tecnologias, demonstram forte tendncia para a expanso de
produo e uso de biocombustveis e bioprodutos da biomas-
sa, com vantagens comparativas para as regies tropicais, o
que produz significantes avanos na gerao de tecnologia. A
competitividade deve se dar atravs da melhoria da produtivi-
dade de matrias-primas utilizando-se mtodos biotecnolgi-
cos, uso racional de gua, fertilizantes e protetivos sanitrios,
de modo a promover o melhor aproveitamento de todo o po-
tencial da biomassa. Pode-se observar, contudo, uma eviden-
te preocupao objetiva ou difusa, quanto aos usos diretos
e indiretos da terra, competio entre alimentos e matrias-
-primas agroindustriais, balanos de massa e de energia, e o
aumento da produtividade com sustentabilidade.
Os avanos da cana-de-acar em regies distintas do
territrio nacional, e o amadurecimento das tecnologias agro-
nmicas e industriais resultaram em um padro tcnico, eco-
nmico, social e ambiental altamente competitivo para o setor
sucroalcooleiro, que podem servir como um modelo para o
uso da biomassa pela qumica. Nos ltimos 35-40 anos este
setor experimentou ganhos de produtividade e de viabilidade
45 Oferta e Distribuio de Biomassa no Brasil
tcnico-econmica, baseadas em ordenamento territorial, am-
pliao e uso de novos conhecimentos e de gesto, com agrega-
o de valor a produtos, resduos e coprodutos. Na atualidade,
existe um portflio diversificado de produtos: acar, etanol
de primeira gerao (1G), biofertilizante, biogs, bagao para
cogerao (calor e eletricidade) e material lignocelulsico
para o etanol de segunda gerao (2G). Tem-se tambm o de-
senvolvimento do potencial de agregao de valor s cadeias
agroindustriais, por meio de novos materiais, molculas e co-
produtos, o que constitui uma matriz tecnolgica em franca
evoluo. Isto implica em reconhecer que a aplicao do co-
nhecimento tem natureza diferenciada de livre a protegida.
E o domnio tecnolgico e os ativos negociveis passam a ter
alto valor de mercado, tornando-se moeda de troca tecno-
lgica. Desse modo, oportuno considerar que a agricultura
poder, em um futuro prximo, tornar-se a principal fornece-
dora de matrias-primas para a indstria qumica.
Referncias bibliogrficas
ASSOCIAO BRASILEIRA DE CELULOSE E PAPEL. Re-
latrio florestal 2010-2011. Disponvel em: <http://www.
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DOS SANTOS , M. F. R. F.; BORSCHIVER , S.; COUTO, M.
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XV, n.
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46
Biomassa para Qumica Verde
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATS-
TICA. Produo agrcola municipal. Disponvel em: <
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pes-
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MAY, A.; DURES, F. O. M. Sorgo sacarino a nova aposta
para produo de lcool. Campo & Negcios, Uberln-
dia, v. 9, n. 109, p. 64-65, 2012.
49 Anlise Qumica da Biomassa
Devido grande diversidade de biomassa disponvel,
necessrio e essencial realizar estudos analticos para melhor
compreender a composio qumica da mesma, alm das suas
propriedades fsico-qumicas. Esta etapa analtica primor-
dial para que se possa escolher a biomassa adequada para um
determinado processo e, como consequncia, obter o produ-
to final desejado com rendimentos economicamente viveis
(SLUITER et al., 2010). Um exemplo no caso da produo de
etanol, onde necessrio que a biomassa tenha altos teores de
carboidratos, pois os acares sero consumidos no processo
de fermentao.
Uma breve reviso de alguns processos de converso deve
ser aqui considerada. Para o processo de produo de biocom-
bustveis a partir da pirlise, o bio-leo o produto formado de
maior interesse, pois um lquido rico em hidrocarbonetos, com
potencial de ser convertido a combustivel lquido e substituir o
diesel e a gasolina (JARVIS et al., 2012). Neste caso, desejvel
Anlise Qumica da Biomassa
Patrcia Verardi Abdelnur
Clenilson Martins Rodrigues
3
50
Biomassa para Qumica Verde
que a biomassa tenha grande quantidade de compostos fenlicos
(provenientes da lignina), uma vez que estes possuem maior po-
der calorfico, sendo mais eficientes no processo de combusto.
Para a produo de biodiesel, a composio qumica da
biomassa influencia diretamente no produto gerado. O biodie-
sel produzido principalmente pela transesterificao metlica
dos triacilglicerdeos (TAG), presentes na matria-prima (gor-
dura animal ou leo vegetal). A distribuio de cidos graxos
em TAG varia substancialmente de acordo com a matria-pri-
ma utilizada, em termos do comprimento da cadeia e dos nveis
de insaturao. Alteraes na composio da mistura resultante
dos steres metlicos dos cidos graxos (FAME), produto final
de maior interesse, influencia nas propriedades fisico-qumicas
do biodiesel, podendo comprometer sua eficincia como com-
bustvel, como por exemplo, nos parmetros de corrosividade,
viscosidade e estabilidade (ABDELNUR et al., 2008).
Com base nestas informaes fica claro que o entendimen-
to da composio original da biomassa um fator chave em apli-
caes industriais, uma vez que os rendimentos, a composio, a
estrutura e outras propriedades dos produtos so influenciadas
pelas propriedades da matria-prima (GMEZ et al., 2007).
Na atualidade, diversos mtodos vm sendo utilizados para
a anlise composicional e a caracterizao de biomassa, desde os
considerados tradicionais, baseados em anlises mais robustas,
at aqueles que utilizam tcnicas avanadas. Neste contexto, di-
versos mtodos e tcnicas empregados na anlise e caracterizao
da biomassa sero apresentados ao longo deste captulo.
De modo a facilitar o entendimento do captulo, devemos
considerar a seguinte nomenclatura utilizada na qumica ana-
ltica (VAZ JNIOR; SOARES, 2012):
51 Anlise Qumica da Biomassa
A tcnica analtica utiliza-se de um fenmeno fsico
ou qumico para a identificao ou quantificao de
um composto qumico de interesse (analito);
O mtodo analtico aplica a tcnica analtica para a
determinao do composto em um meio especfico
(matriz analtica);
O procedimento um conjunto de detalhamentos tc-
nicos para a aplicao de um mtodo analtico em
uma amostra de interesse, considerando-se a amos-
tragem, a eliminao de interferentes e a validao
dos dados obtidos;
O protocolo um conjunto de orientaes detalhan-
do os procedimentos que devero ser seguidos para
que os resultados sejam aceitos por uma agncia ou
rgo regulador, baseando-se em uma legislao ou
norma existente.
Cabe ressaltar que quanto ao uso, as anlises qumicas
so empregadas para fins de identificao, quantificao ou
caracterizao. A identificao tem por finalidade observar a
presena do composto qumico em uma matriz (ex.: presena
de furfural no meio aquoso de reao); a quantificao deter-
mina a concentrao do composto presente (ex.: concentrao
de sacarose em caldo de cana-de-acar), enquanto que a ca-
racterizao determina preferencialmente o comportamento
do composto frente a um fenmeno fsico ou qumico (ex.:
bandas de absoro na regio do infravermelho mdio) (VAZ
JNIOR; SOARES, 2012).
52
Biomassa para Qumica Verde
Como j comentado no primeiro captulo desta obra, a
aplicao dos princpios da qumica verde de grande rele-
vncia para uma qumica menos agressiva ao meio ambiente;
nesse sentido, tais princpios devem ser observados no de-
senvolvimento e no uso dos mtodos de anlise qumica da
biomassa.
Tcnicas analticas tradicionais aplicadas biomassa ligno-
celulsica
A biomassa lignocelulsica composta majoritariamente
por celulose, hemicelulose e lignina e se destaca em termos
de produo em relao s demais classes da biomassa vegetal
oleaginosa, amilcea e sacardea, j que ela formada pe-
los polmeros naturais constituintes da estrutura morfolgica
dos vegetais. No entanto, existem outros compostos presentes
em menor quantidade, os quais podem ser classificados como
cinzas, extrativos, entre outros (Figura 1).
33%
28%
24%
15%
celulose
hemicelulose
lignina
outros
Figura 1. Composio mssica (% m/m) da biomassa lignocelulsica. Fon-
te: adaptado de Hon e Shiroshi (2001).
53 Anlise Qumica da Biomassa
Com base na Figura 1, considera-se, de forma geral, que
os compostos qumicos presentes em maior quantidade na
biomassa so os polmeros derivados de carboidratos (ce-
lulose e hemicelulose) e lignina. A celulose um polmero
composto por unidades monomricas de acares de seis
carbonos (hexoses); a hemicelulose um polmero ramifica-
do constitudo de acares de cinco carbonos (pentose) e de
seis carbonos (glicose). A lignina pode ser descrita como um
polmero fenlico complexo.
Apesar da presena e quantidade destes acares variarem
de acordo com a biomassa analisada, o acar mais abundante
nos diferentes tipos de material a glicose, seguida pela xilose
(ALMEIDA et al., 2011). Por exemplo, no bagao de cana-de-
-acar glicose e xilose podem representar, respectivamente,
at 62% m/m e 33% m/m dos acares totais deste material
(FERREIRA-LEITO et al., 2010).
Para utilizar esses trs componentes da biomassa ligno-
celulsica como matria-prima para a produo de produtos
de maior valor agregado, tais como biocombustveis, mate-
riais e produtos qumicos, essencial avaliar a composio
qumica das fraes lquidas dos processos de hidrlise de
biomassa e a distribuio molecular dos carboidratos e fe-
nis presentes na matriz analtica.
A disponibilidade de tcnicas e mtodos empregados na
determinao da composio qumica dos mais diversos tipos
de biomassa de extrema importncia em estudos que pre-
conizam a valorizao dos materiais lignocelulsicos (GOU-
VEIA et al., 2009).
54
Biomassa para Qumica Verde
Determinao do teor de celulose, hemicelulose e lignina
A determinao de celulose, hemicelulose e lignina (Figura
2) vem sendo realizada a partir de mtodos propostos por labo-
ratrios de referncia mundial. Tais mtodos so considerados
oficiais por muitas organizaes e instituies. A principal van-
tagem o fato deles estarem bem estabelecidos e validados.
Figura 2. Estrutura qumica dos principais polmeros constituintes da
biomassa vegetal: a) celulose; b) hemicelulose; e c) lignina.
O Laboratrio Nacional de Energia Renovvel dos Esta-
dos Unidos da Amrica (NREL National Renewable Energy
55 Anlise Qumica da Biomassa
Laboratory) possui procedimentos reconhecidos, os quais so
aplicados na determinao de diversos compostos presentes
na biomassa, como por exemplo, cinzas, carboidratos, ligni-
nas, acares, subprodutos, produtos de degradao, inibido-
res, entre outros. Esses mtodos so baseados em processos de
hidrlise cida e necessitam de vrias etapas sequenciais para
fazer a anlise composicional total da biomassa. So laborio-
sos, muitos deles morosos e que necessitam de muita ateno
aos detalhes dos procedimentos laboratoriais.
O NREL desenvolveu um sistema para coordenar os pro-
cessos e obter a anlise completa da biomassa. Os mtodos
analticos desenvolvidos esto disponveis em publicaes e
so chamados LAPs (Laboratory Analytical Procedures) (SLUI-
TER et al., 2010; TEMPLETON et al., 2010).
Os LAPs do NREL so divididos em: Fechamento da Mas-
sa Somativa; Preparao de Amostras para Anlises Compo-
sicionais; Determinao dos Slidos Totais em Biomassa e
Slidos Totais Dissolvidos em Amostras Lquidas do Processo;
Determinao de Extrativos em Biomassa; Determinao de
Cinzas em Biomassa; Determinao de Composio Protei-
ca em Biomassa; Determinao de Carboidratos Estruturais e
Ligninas em Biomassa (SLUITER et al., 2010). Tais publicaes
podem servir como documentos orientadores durante a realiza-
o de anlises qumicas da biomassa.
Determinao do perfil de acares
Existem alguns mtodos oficiais que abordam o moni-
toramento de acares (monmeros) e, dentre eles, o NREL
preconiza o emprego de protocolos validados baseados em
56
Biomassa para Qumica Verde
anlises por cromatografia lquida de alta eficincia (HPLC,
High Performance Liquid Chromatography) acoplada com de-
tector de ndice de refrao (RID, Refractive Index Detector)
(SLUITER et al., 2008a).
Durante certos pr-tratamentos da biomassa, uma poro
desses polissacardeos hidrolisada e acares so disponibili-
zados no meio lquido. Esse mtodo usado para determinar
tanto a quantidade total de carboidratos liberada em soluo,
quanto a quantidade de acares monomricos. Se os acares
esto presentes na forma oligomrica, necessrio realizar um
processo preliminar para transform-los nas formas mono-
mricas antes das anlises por HPLC.
Tratamentos por diluio cida e hidrlise enzimtica so
os procedimentos mais empregados atualmente. A hidrlise
por diluio cida considerado o procedimento mais rpido,
conveniente e barato, mas resulta no acmulo de compostos
que possuem caractersticas inibidoras de fermentao, tais
como furfural, hidroxi-metilfurfural (HMF) e outros deriva-
dos fenlicos. Esses compostos, dependendo de suas concen-
traes no meio de fermentao, podem inibir a microbiota e,
como consequncia, diminurem a taxa de crescimento espe-
cfica, afetando o rendimento celular.
Tendo em vista que a poro lquida pode conter tam-
bm produtos de degradao de carboidratos, tais como
HMF e furfural, bem como outros componentes de interesse,
como cidos orgnicos e poliis (polialcois: xilitol, manitol,
glicerol, etc.), esse mtodo usado para determinar o teor
desses produtos de degradao e subprodutos, sendo que to-
dos esses componentes so analisados por HPLC-RID, me-
todologia que serve tambm para determinar os parmetros
57 Anlise Qumica da Biomassa
ideais dos processos de produo ou para monitorar as eta-
pas dos mesmos.
A Figura 3 ilustra os compostos que podem ser formados
a partir da degradao de celulose e hemicelulose.
Figura 3. Compostos qumicos gerados aps a degradao da celulose
e da hemicelulose.
Determinao do perfil de ligninas
A lignina composta por unidades monomricas de fe-
nilpropanides, conhecidas como p-hidroxifenil (H), guaiacil
(G) e siringil (S), originrias de trs principais precursores: l-
cool trans-p-cumarlico; lcool trans-sinaplico e lcool trans-
-coniferlico, respectivamente (Figura 4).
Celulose
Acares totais
(mono e oligossacardeos)
Furfural e HMF
(Produtos de Degradao)
Poliis
(Xilitol, Manitol, Glicerol)
Pentose
(Monossacardeo)
Glicose
(Monossacardeo)
Celobiose
(Dissacardeo)
Hemicelulose
58
Biomassa para Qumica Verde
Ligninas so produzidas por catlise enzimtica, via pero-
xidase/H
2
O
2
com a polimerizao dos trs monolignis (H, G
e S) (GRABBER et al., 1997). A polimerizao dessas subuni-
dades conduz formao de trs tipos de ligninas. O primeiro
monolignol (com dois grupos metoxilas) chamado de unidade
siringil (S). O segundo (com um grupo metoxila) uma unidade
guaiacil (G) e a terceira unidade um derivado do p-hidroxi-
fenilpropano (H) (WHITE et al., 2011). O teor de lignina em
material celulsico pode variar de 22,7 a 25,8% m/m e a razo
S/G pode chegar a valores entre 1,8 e 2,3 (DAVISON et al., 2006).
Figura 4. lcoois precursores das unidades fenilpropanides guaiacil, si-
ringil e p-hidroxifenil: lcool coniferlico (G); lcool sinaplico (S); lcool
p-cumarlico (H), respectivamente em ordem da esquerda para a direita.
Em aplicaes industriais, a lignina diminui o branque-
amento (clareamento) no processo de produo de papis e
interage com diversos aditivos empregados na produo dos
mesmos. No entanto, a lignina considerada favorvel em al-
guns processos de polpao, onde a sua reteno aumenta o
rendimento da polpa de celulose (BARBOSA et al., 2008). A
59 Anlise Qumica da Biomassa
polpao qumica da celulose empregada quando uma efeti-
va deslignificao necessria e o cozimento Kraft (hidrxido
de sdio + sulfeto de sdio) o processo predominante (GO-
VENDER et al., 2009).
A razo S/G, presente em material lignocelulsico, conhe-
cida como um parmetro significante no processo de deslignifi-
cao e resultados recentes evidenciaram que essa razo pode ser
empregada na determinao da quantidade de etanol que pode
ser produzida em processos de fermentao durante a obteno
de etanol de segunda gerao (GOVENDER et al., 2009).
Estudos mostram correlao entre a produo de etanol
com o teor de lignina presente em biomassa. Por exemplo, em
experimentos, em que se usa cido sulfrico diludo para hi-
drolisar celulose a partir de espcies de eucalipto, foi consta-
tado que o aumento da produo de xilose tambm est rela-
cionado ao aumento da razo S/G (BOSE et al., 2009). Desta
forma, a razo S/G uma informao de extrema importn-
cia e serve como referncia para processos de produo, tanto
para fabricao de papel, quanto para outras aplicaes, como
a produo de etanol de segunda gerao.
Vrios mtodos analticos tm sido utilizados para estu-
dar a estrutura da lignina. No entanto, o mtodo padro mais
utilizado para determinar as propores S e G a oxidao por
nitrobenzeno em meio alcalino. Porm, este procedimento re-
quer anlises longas e o consumo de grandes quantidades de
reagentes (LIMA et al., 2008).
Mtodos espectroscpicos utilizando as espectroscopias
de absoro na regio do infravermelho (FTIR, Fourier Trans-
form Infrared) e de ressonncia magntica nuclear (RMN)
tambm so utilizados para determinar a razo S/G. No
60
Biomassa para Qumica Verde
entanto, difcil definir esta razo com preciso devido baixa
sensibilidade, baixa resoluo dos espectros e a necessidade da
extrao da lignina da madeira (BARBOSA et al., 2008).
A pirlise acoplada cromatografia gasosa e espectro-
metria de massas (py-GC-MS, pyrolisis-Gas Chromatography-
-Mass Spectrometry) (RALPH; HATFIELD, 1991; LIMA et al.,
2008; BARBOSA et al., 2008) e a pirlise acoplada espectro-
metria de massas com feixe molecular (py-MBMS) (EVANS;
MILNE, 1987; SYKES et al., 2008; HU et al., 2010) vm mos-
trando-se como tcnicas alternativas e interessantes para estu-
dos de amostras polimricas, como a lignina, a partir da quan-
tificao da razo S/G.
Essas tcnicas apresentam vantagens de no requererem
preparo de amostra, usar pequena quantidade e as anlises se-
rem rpidas e altamente sensveis para caracterizar as estrutu-
ras qumicas da lignina (BARBOSA et al., 2008). Na tcnica de
py-GC-MS, aproximadamente 100 g de amostra so coloca-
dos em um pequeno recipiente de platina, o qual inserido em
um tubo de quartzo dentro do pirolizador. A pirlise ocorre a
alta temperatura (aproximadamente 550
o
C) e por pouco tem-
po (cerca de 10 s). Os produtos da pirlise so transferidos
para o GC pelo prprio gs de arraste (hlio). Ao entrar na
coluna so separados e detectados por EI-MS (Electron Spray-
-Mass Spectrometry), a uma energia de 70 eV, e os compostos
so identificados aps a comparao com os espectros da bi-
blioteca do equipamento. Estimativas das concentraes po-
dem ser realizadas com base nas reas dos picos, e a razo S/G
pode ser calculada dividindo a soma dos picos referentes s
unidades siringil (4-etilsiringol, 4-vinilsiringol, homosirin-
galdedo, acetosiringona, siringilacetona) pela soma dos picos
61 Anlise Qumica da Biomassa
referentes aos derivados guaiacil (guaiacol, 4-metilguaiacol,
4-vinilguaiacol, vanilina) (LIMA et al., 2008).
Para a tcnica de py-MBMS (pyrolisis-Molecular Beam-
-Mass Spectrometry), aproximadamente 20 mg da amostra so
colocados em um tubo de quartzo, o qual inserido no piroli-
zador, que est acoplado ao espectrmetro de massas. O proce-
dimento de pirlise o mesmo descrito para py-GC-MS, com a
diferena de que os compostos proveniente do pirolizador en-
tram em contato com um feixe molecular (energia de 22,5 eV) e
passam para o quadrupolo, gerando um espectro de massas no
modo positivo, e neste caso no h separao cromatogrfica
prvia. A razo S/G estimada pela soma das intensidades dos
picos de siringil (siringol, etilsiringol, 4-metil-2,6-dimetoxife-
nol, siringaldeido, 4-propenilsiringol, aldedo sinaplico e lcool
sinallico) dividido pela intensidade dos picos guaiacil (guaia-
col, etilguaiacol, metilguaiacol, vinilguaiacol, alil-proenilguaia-
col, aldedo coniferlico) (HU et al., 2010).
Anlise composicional da biomassa
A anlise composicional da biomassa pode ser divida em
vrias etapas, dentre elas destacam-se a determinao de sli-
dos totais, cinzas, protenas, extrativos (materiais solveis de
meio aquoso e em meio orgnico), carboidratos estruturais,
lignina e amido. Para chegar ao fechamento do balano de
massa de amostras de biomassa necessrio realizar outros
procedimentos em conjunto, muitos deles discutidos em ou-
tros itens destacados ao longo deste captulo.
Devido a grande variabilidade no teor de humidade
para os diferentes tipos de biomassa, os resultados da anlise
62
Biomassa para Qumica Verde
composicional so expressos em termos do peso seco. Consi-
derando que o contedo da amostra de biomassa pode variar
rapidamente quando exposto ao ar, normalmente recomenda-
-se dividir a amostra e realizar simultaneamente cada uma das
etapas da anlise composicional.
A determinao de slidos totais obtida aps a secagem
da amostra de biomassa a 105C at peso constante. Se neces-
srio, o teor de umidade pode ser obtido a partir da diferena
encontrada na amostra original (SLUITER et al., 2008b).
A determinao de cinzas pode ser realizada por gravi-
metria e serve para determinar o teor de materiais inorgnicos
presentes em amostras de biomassa. Esta informao bas-
tante importante, uma vez que altos teores de cinzas podem
comprometer as etapas de hidrlise cida. Basicamente, o cl-
culo do teor de cinzas leva em conta a razo porcentual da
quantidade de cinzas geradas aps a exposio da amostra de
biomassa a 575C por seu peso seco (SLUITER et al., 2005a).
Matrias-primas vegetais empregadas na produo de
biocombustveis e produtos qumicos renovveis podem con-
ter significativas quantidades de protena e outros compos-
tos nitrogenados, os quais podem interferir na determinao
de lignina em anlises subsequentes. A determinao direta
do teor de protena um processo complexo, por essa razo,
protena em biomassa determinada de forma indireta e em
termos do teor de nitrognio. Em muitos casos, este teor ob-
tido aps a combusto da amostra ou a partir do mtodo de
Kjeldahl, e o teor de protena estimado usando um fator de
nitrognio apropriado (HAMES et al., 2008).
Materiais no estruturais da biomassa contribuem no ba-
lano de massa e podem interferir nas etapas de caracterizao
63 Anlise Qumica da Biomassa
de carboidratos e lignina. O processo de remoo destes ma-
teriais no estruturais baseia-se em etapas de extrao suces-
siva com etanol e gua, seguida de quantificao das pores
extradas por anlises gravimtricas. A extrao com etanol
requisito para todo tipo de biomassa, pois este processo garan-
te, principalmente, a remoo de graxas que podem precipitar
durante a filtrao na etapa de hidrlise cida. Os constituintes
da poro aquosa normalmente incluem compostos inorgni-
cos, protenas e diferentes tipos de acares, especialmente a
sacarose (SLUITER et al., 2005b). Quando necessri, essa por-
o pode ser analisada seguindo os procedimentos descritos
no item Determinao do perfil de acares.
Carboidratos estruturais e ligninas constituem a maior
poro da biomassa e a correta determinao desses consti-
tuintes depende de etapas preliminares de preparo das amos-
tras de modo que estejam disponibilizados para as anlises
subsequentes. Nessa etapa importante no haver extrativos
na amostra de biomassa, os quais podem atuar como interfe-
rentes. Normalmente, emprega-se a hidrlise cida para fra-
cionar a amostra e facilitar o processo de quantificao (SLUI-
TER et al., 2008c).
A lignina fica distribuda tanto no material solvel quanto
no material insolvel resultantes da hidrlise cida. A lignina
solvel pode ser avaliada por HPLC-PAD (Photodiode Array
Detector) ou por outras tcnicas, conforme descrito nos itens
Determinao do teor de celulose, hemicelulose e lignina
e Determinao do perfil de ligninas. Nessa mesma por-
o encontram-se os carboidratos estruturais que podem ser
analisados por HPLC, conforme descrito no item Determi-
nao do perfil de acares. A lignina insolvel obtida pelo
64
Biomassa para Qumica Verde
processo de hidrlise cida determinada gravimetricamente.
No entanto, essa poro insolvel pode conter cinzas e prote-
nas e tais constituintes devem ser descontados durante a an-
lise gravimtrica (SLUITER et al., 2008c).
O amido um polmero de alto peso molecular de for-
ma no cristalina que consiste de unidades de glicose uni-
das por ligaes -glicosdicas que podem gerar duas formas
polimricas, a amilose e a amilopectina. A determinao do
teor de amido em amostras de biomassa realizada a partir
da solubilizao seguida da digesto enzimtica do amido. O
processo enzimtico garante a hidrlise total do amido gli-
cose monomrica que pode ser quantificada por HPLC. Pelo
fato de no ser uma determinao direta, necessrio realizar
o processo de extrao para garantir a eliminao dos aca-
res no estruturais que podem superestimar o teor de amido
(SLUITER et al., 2008c).
Resumidamente, a Figura 5 ilustra algumas das tcnicas
e mtodos convencionais empregados na etapa de caracteriza-
o de biomassa.
Figura 5. Mtodos tradicionais utilizados para caracterizao da biomassa.
Celulose Cinzas Protenas Extrativos
Perfil de Acares
HPLC-RID
Gravimetria
S/G
py-GC-MS e py-MBMS
Hemicelulose Lignina
BIOMASSA
65 Anlise Qumica da Biomassa
Tcnicas analticas avanadas aplicadas biomassa
Conhecer a composio qumica dos diferentes tipos de
biomassa um fator chave para nortear potenciais usos ou
promover a agregao de valor essa matria-prima. A com-
posio qumica e as propriedades fsicas e qumicas da bio-
massa podem ser drasticamente alteradas conforme o proces-
so aplicado para desconstru-la, existindo diversas abordagens
para realizar essa etapa de desconstruo.
Tradicionalmente, anlises qumicas de componentes in-
dividuais de materiais lignocelulsicos (por exemplo, acar
e lignina) tm sido realizadas aps hidrlise cida seguida da
determinao gravimtrica de lignina e determinao croma-
togrfica de acares, conforme descrito anteriormente no
item Tcnicas analticas tradicionais aplicadas biomassa
lignocelulsica. Estes mtodos podem gerar dados de alta
preciso, mas so laboriosos, demorados, com alto consumo
de reagentes qumicos e dispendiosos. Alm do mais, no
permitem que as anlises sejam realizadas com alta frequn-
cia analtica (high-throughput analysis). Portanto, de grande
importncia o desenvolvimento de mtodos e procedimentos
analticos empregados na rpida caracterizao da composi-
o qumica da biomassa (KELLEY et al., 2004).
Tcnicas espectroscpicas, cromatogrficas e espectrom-
tricas

Algumas tcnicas espectroscpicas tm sido utilizadas
para a determinao da composio qumica e das proprie-
dades fsico-qumicas de diferentes biomassas. Dentre elas,
66
Biomassa para Qumica Verde
pode-se citar a espectroscopia de infravermelho por trans-
formada de Fourier com reflectncia difusa (DRIFT - Diffu-
se Reflectance Infrared Spectroscopy by Fourier Transform)
(SCHULTZ et al., 1985), a qual determina glicose, lignina e xi-
lose. Outra tcnica utilizada a FTIR, anteriormente comenta-
da (RODRIGUES, et al., 2001). Alguns estudos mostram o uso
das duas tcnicas para a anlise quantitativa da composio de
madeira (MEDER et al., 1999). Ambas as tcnicas fornecem
predies de alta qualidade sobre a composio qumica de
madeiras e dentre as duas tcnicas, devido a fcil manipulao
da instrumentao durante as anlises, a DRIFT recomenda-
da como tcnica mais adequada.
Por outro lado, a limitao destas tcnicas consiste no
adequado preparo da amostra. Mesmo no caso da DRIFT,
considerada a tcnica mais amigvel, as amostras precisam ser
modas at formao de um p homogneo, com as condies
de amostragem necessitando de alta representatividade e re-
produtibilidade, o que torna tal etapa bastante crtica durante
as anlises (KELLEY et al., 2004).
A NIR (Near Infrared Spectroscopy) pode ser utilizada
para coletar rapidamente espectros de uma ampla variedade
de amostras. Enquanto a DRIFT processa aproximadamente
8-10 amostras/hora, mais de 100 amostras/hora podem ser
processadas por NIR, o que torna essa tcnica muito atraente
para anlises de composio qumica de biomassa. Por conta
da sua versatilidade, essa tcnica tem sido utilizada no estudo
de caracterizao de diferentes tipos de biomassa (MARTIN;
ABER, 1994; KELLEY et al., 2004; TEMPLETON et al., 2009).
As tcnicas analticas de pirlise, que foram descritas an-
teriormente, tm sido utilizadas para determinar compostos
67 Anlise Qumica da Biomassa
especficos e a composio qumica de muitos tipos de bio-
massa. Alm da utilizao das tcnicas de py-MBMS e py-
-GC-MS na determinao de lignina em amostras, a partir da
quantificao da razo S/G, como descrito em item anterior,
estas podem ser utilizadas para a anlise de vrios compostos
presentes nas biomassas. A py-MBMS e py-GC-MS podem ser
utilizadas, por exemplo, para a determinao de um conjunto
complexo de produtos e componentes individuais de reaes
produzidas a partir de pirlise de madeira (EVANS; MILNE,
1987; AGBLEVOR et al., 1994); e tambm no estudo da es-
trutura da lignina, e determinao de lignina e carboidratos,
dentre outras aplicaes (RODRIGUES et al., 1999; IZUMI;
KURODA, 1997).
Devido especificidade por determinados compostos e
as limitaes de algumas tcnicas, alguns pesquisadores uti-
lizam duas tcnicas para testar a eficincia de cada uma e,
paralelamente, obter informaes mais completas a respeito
da composio qumica da biomassa, por exemplo, DRIFT e
FTIR (MEDER et al., 1999).
Uma limitao das anlises por py-GC-MS que os com-
postos presentes na biomassa podem sofrer degradao devi-
do alta temperatura da fonte de pirlise. Podem ainda ser
formados fragmentos no volteis a partir da pirlise, os quais
no podem ser detectados por GC-MS (KELLEY et al., 2004).
Para a anlise de compostos polares, as tcnicas mais in-
dicadas, e que no necessitam de pr-tratamentos baseados
em derivatizao da amostra, so a HPLC e a espectrometria
de massas. Os sistemas de HPLC podem ser acoplados a di-
ferentes detectores, os quais devem ser escolhidos de acordo
com as caractersticas dos compostos a ser detectados e da
68
Biomassa para Qumica Verde
matriz analtica. Por exemplo, utiliza-se o detector de PDA
para detectar compostos com grupos que absorvam na regio
do ultravioleta (UV), como compostos aromticos, carbonila-
dos, etc.; por sua vez, o detector RID capaz de analisar pra-
ticamente todos os compostos, independente da estrutura dos
mesmos; no entanto, com baixa sensibilidade e seletividade.
O espectrmetro de massas, alm de ser universal, sensvel,
seletivo, possui alta preciso e exatido nas anlises, e pode
ser acoplado ao HPLC ou realizar anlises introduzindo dire-
tamente a amostra no espectrmetro, no modo DIMS (Direct
Infusion Mass Spectrometry).
Atualmente, o avano da instrumentao analtica tem
viabilizado cada vez mais a melhoria de parmetros relacio-
nados ao aumento da sensibilidade, seletividade e capacidade
de processamento com que as anlises de matrizes complexas
so realizadas.
Para os estudos que necessitam de um nmero de de-
terminaes muito elevado, essencial utilizar protocolos de
preparo de amostras, que so aqueles mtodos oficiais das
agncias de controle e utilizados em documentos reguladores,
simples, rpidos e que possam minimizar a gerao de res-
duos laboratoriais. Essas mesmas caractersticas tambm so
esperadas para as tcnicas que daro a informao analtica
para um determinado estudo.
Nesse sentido, a adaptao dos atuais mtodos emprega-
dos na avaliao da biomassa s novas instrumentaes, prin-
cipalmente quelas baseadas em tcnicas cromatogrficas,
constitui uma promissora alternativa para a implantao em
centros de pesquisa que necessitam realizar estudos compre-
ensivos e com elevado nmero de amostras.
69 Anlise Qumica da Biomassa
A introduo da tcnica de cromatografia lquida de ultra
eficincia (UPLC, Ultra Performance Liquid Chromatography)
trouxe diversas vantagens sobre a cromatografia convencio-
nal, como a HPLC. Esse aprimoramento possibilita que os
sistemas de UPLC trabalhem com presses at seis vezes su-
periores aos sistemas convencionais e essa capacidade de tra-
balho em altssimas presses permitiu a reduo do tamanho
das partculas das fases estacionrias, bem como do dimetro
interno das colunas.
Alm do avano das fases estacionrias, melhorias no siste-
ma de aquisio, compatibilidade com a maioria dos detectores
conhecidos e facilidade no processamento dos dados gerados
constituem caratersticas que viabilizaram o aumento significa-
tivo da resoluo, da capacidade de separao e da deteco dos
analitos durante as anlises cromatogrficas, incluindo tempos
de aquisio extremamente curtos (SWARTZ, 2005).
Exemplo desse tipo de aplicao pode ser observado
no trabalho apresentado por Yizhe et al. (2008), no qual eles
desenvolveram uma metodologia empregada no controle de
qualidade de cidos graxos e steres metlicos de cidos graxos
presentes em amostras de biodiesel. Nesse trabalho os autores
usaram a tcnica de UPLC acoplada a detector evaporativo de
espalhamento de luz (ELSD, Evaporative Light Scattering De-
tector), sendo possvel determinar, simultaneamente, 11 anali-
tos em apenas cinco minutos.
Caractersticas similares podem ser levantadas sobre a
cromatografia gasosa convencional e a cromatografia gasosa
rpida ou ultrarrpida (fast-GC e ultrafast-GC). Nestas moda-
lidades, a resoluo cromatogrfica pode ser reduzida para um
valor mnimo, prximo do limite que no cause prejuzos na
70
Biomassa para Qumica Verde
etapa de separao e identificao dos componentes da amos-
tra. Com isso, h uma reduo considervel no tempo das an-
lises (SEQUINEL et al., 2010).
Atualmente, a maioria dos detectores que so utilizados
com a cromatografia gasosa clssica pode ser empregada na
fast-GC ou ultrafast-GC. O requerimento bsico para que
ocorra o processamento de bandas cromatogrficas com lar-
gura de at 50 ms existir detectores com alta frequncia de
amostragem, acima de 200 Hz (CRUZ-HERNANDEZ; DES-
TAILLATS, 2009).
Quanto maior a frequncia de aquisio, maior ser a
capacidade do detector para responder s mudanas de sinal
provenientes dos compostos que eluem da coluna. Dentre os
detectores usualmente empregados em cromatografia gasosa,
os detectores de ionizao por chama (FID, Flame Ionization
Detector) e detector de espectrometria de massas (MS) so os
de maior aplicabilidade na modalidade fast-GC (CRUZ-HER-
NANDEZ; DESTAILLATS, 2009).
Exemplo desse tipo de aplicao pode ser observado no
trabalho apresentado por Ficarra et al. (2010), em que diver-
sos mtodos de transesterificao e esterificao de cidos
graxos foram avaliados e os resultados expressos em termos
de anlises de ultrafast-GC-FID com tempo de aquisio in-
ferior a 2 minutos.
Para aplicaes no campo de caracterizao de biomassa,
as tcnicas cromatogrficas podem ser aplicadas na avaliao
de diversos tipos de analitos, o que pode incluir desde avalia-
es quali e quantitativa de ligninas, o perfil de acares pro-
venientes de biomassa hidrolisada, a formao de inibidores
de processos fermentescveis e outros compostos de interesse.
71 Anlise Qumica da Biomassa
Alm da caracterizao qumica da biomassa, h tam-
bm a caracterizao ultraestrutural da biomassa lignocelul-
sica observao dos componentes da parede celular, como
as microfibrilas celulsicas e as lamelas, bem como dos sub-
componentes de ambas - a qual pode ser feita por anlises
microscpicas. H diversos tipos de tcnicas microscpicas,
como microscopia tica, microscopia eletrnica de varredura
(SEM, Scanning Electron Microscopy), microscopia eletrni-
ca de transmisso (TEM, Transmission Electron Microscopy),
cada uma apresentando suas particularidades (JOY et. al 1986;
EGERTON, 1986; WILLIANS; CARTER, 1996). Para a obten-
o de informaes detalhadas da ultraestrutura da biomassa,
o ideal utilizar as diferentes formas de microscopia para a
obteno de um resultado completo, com todas as informa-
es complementares obtidas pelas diferentes tcnicas.
A Figura 6 ilustra as tcnicas aplicadas caracterizao
qumica e caracterizao estrutural.
Figura 6. Tcnicas analticas avanadas utilizadas na caracterizao qumica
e estrutural da biomassa.
Microscopia
tica
Microscopia
eletrnica de
varredura (SEM)
Microscopia
eletrnica de
transmisso (TEM)
Caracterizao Estrutural da Biomassa
DRIFT FTIR NIR
HPLC-PDA HPLC-RID HPLC-ELSD
py-MBMS py-GC-MS HPLC-MS DIMS
Caracterizao Qumica da Biomassa
72
Biomassa para Qumica Verde
Estudo de metablitos por metabolmica
A anlise completa do perfil metablico em amostras de
biomassa um desafio, principalmente devido alta comple-
xidade dos compostos presentes e s limitaes das tcnicas
analticas convencionais utilizadas para a caracterizao desse
tipo de matria-prima. Para contornar essa deficincia, o uso
de tecnologias mais avanadas vem se tornando vantajoso para
se obter anlises rpidas, seletivas, sensveis e com o maior n-
mero de compostos detectados por um mesmo equipamento e
na mesma anlise. Dentro deste contexto, a metabolmica e a
anlise do perfil metablico da biomassa por espectrometria de
massas mostram-se alternativas interessantes para a caracteri-
zao desse tipo de matriz analtica ou dos produtos gerados.
A tecnologia voltada para o reconhecimento de uma viso
geral, compreensiva, qualitativa e quantitativa dos metabli-
tos presentes em um organismo denominada metabolmica
(HALL, 2006). Os metablitos constituem um conjunto diverso
de arranjos atmicos, proporcionando uma ampla variao nas
propriedades fsicas e qumicas da biomassa. O grau de diversi-
dade indicado pelas anlises de metablitos orgnicos de baixo
peso molecular, polares e/ou volteis (etanol e isopreno) e pode
incluir at anlises de metablitos com maiores pesos molecula-
res, polares (carboidratos) e no polares (terpenides e lipdeos).
A metabolmica uma tecnologia capaz de determinar di-
ferentes compostos qumicos na mesma anlise sendo, portanto,
uma anlise mais completa dos metablitos presentes em uma de-
terminada amostra. A identificao e quantificao dos metabli-
tos necessitam de instrumentao sofisticada, como a MS, RMN e
fluorescncia induzida por laser (LIF, Laser Induced Fluorescence).
73 Anlise Qumica da Biomassa
Estratgias analticas que empregam MS esto sendo
consideradas como abordagens fundamentais em estudos de
metabolmica e tm sido as ferramentas analticas mais co-
mumente utilizadas (BEDAIR; SUMNER, 2008; LEI et al.,
2011). Isto porque as tcnicas de metabolmica baseadas em
MS oferecem uma excelente combinao de sensibilidade e se-
letividade, alm de gerarem informaes muito rpidas sobre
a composio qumica (LEI et al., 2011).
A Figura 7 apresenta um fluxograma geral da aplicao
da metabolmica no estudo da biomassa vegetal.

Figura 7. Fluxograma geral para estudo metablico de folhas.
Avaliao da biomassa processada
Os diferentes tipos de biomassa apresentam composies
qumicas distintas, as quais podem ser determinadas pelos
mtodos mostrados ao longo do captulo. As peculiaridades
Espectro de Massas Metablitos
Extrao
Filtrao
Extrato
DIMS
MS
74
Biomassa para Qumica Verde
dos produtos gerados a partir da biomassa esto diretamente
relacionadas com as caractersticas do material vegetal e com
o processo utilizado na sua transformao. Assim, necessria
a utilizao de tcnicas analticas para a anlise qumica em
todas as fases de processamento da biomassa.
Um exemplo a ser discutido o uso da tcnica de GC-MS
para a determinao, por exemplo, da composio qumica
de bio-leos. No entanto, esta tcnica limitada anlise de
compostos volteis, com cadeias pequenas e apolares. Traba-
lhos recentes mostram o uso de anlises diretas por ESI-MS
na caracterizao de bio-leo (SMITH et al., 2012; JARVIS et
al., 2012). Esse tipo de abordagem analtica possibilita detectar
vrios de compostos em uma nica anlise (Figura 8).
Alm da anlise de bio-leos, essa tcnica pode ser em-
pregada para a anlise de outros produtos gerados a partir do
pr-processamento da biomassa, como biodiesel, bem como na
identificao de produtos formados nas reaes, como inibido-
res. Por fim, tambm pode ser utilizada para acompanhamento
e otimizao de processos qumicos e biolgicos de diferentes
tipos de biomassa.
Figura 8. Fluxograma geral para caracterizao de produtos de biomassa
processada por tcnicas avanadas de espectrometria de massas de altssi-
ma resoluo (HRMS, High Resolution Mass Spectrometry).
Bio-leo
Biomassa
Espectrmetro
de massas
(ESI-HRMS)
Processo
(Rota termoqumica)
Diluio com
solvente
Infuso direto
75 Anlise Qumica da Biomassa
Consideraes finais
A complexidade qumica e estrutural de cada tipo de
biomassa pode variar drasticamente, o que pode inferir em
diferentes aplicaes, desde a produo de biocombustveis
de produtos qumicos renovveis. Portanto, a anlise compo-
sicional e a caracterizao detalhada de cada tipo de biomassa
so necessrias.
possvel analisar quimicamente a biomassa por diferen-
tes mtodos e tcnicas. Devido ampla diversidade da com-
posio qumica, nem sempre uma nica tcnica analtica
suficiente para gerar a informao desejada, seja ela referente
anlise composicional ou caracterizao das propriedades
fsicas e qumicas.
Atualmente, mtodos mais sustentveis e automatizados,
os quais geram menor carga de resduos laboratoriais, tm
sido desenvolvidos de modo a fornecer anlises mais rpidas,
seletivas e sensveis.
A literatura relata a utilizao de tcnicas espectroscpi-
cas, cromatogrficas e espectromtrica que apresentam grande
potencial na anlise qumica quali e quantitativa em amostras
de biomassa. No entanto, ainda necessrio avanar na apli-
cao dessas tcnicas, principalmente nas etapas de desenvol-
vimento e validao de mtodos baseados nessas tecnologias.
Tendo em vista as informaes apresentadas, torna-se
evidente a necessidade do uso de tcnicas analticas modernas
para realizar o mapeamento preciso da composio qumica
dos diversos tipos de biomassa. O reconhecimento do poten-
cial de aplicao de determinada matria-prima ocorrer, de
forma efetiva, no momento em que houver o monitoramento
76
Biomassa para Qumica Verde
de todas as etapas envolvidas nos processos de desconstruo
e de converso da biomassa a ser estudada e processada.
Atualmente, existem diversas demandas relacionadas no
apenas etapa de caracterizao de biomassa, mas tambm
de monitoramento dos produtos obtidos nos processos de
transformao desse material, seja no acompanhamento da ci-
ntica, do rendimento das reaes, na identificao dos com-
postos gerados ou na formao dos inibidores das reaes.
Para atender a tais demandas, ser cada vez mais comum
o emprego das tcnicas avanadas, as quais apresentam a ca-
pacidade de gerar resultados em curto espao de tempo, po-
dendo serem aplicadas em linha aos processos de converso
da biomassa.
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87 Processos Qumicos Catalticos
Os processos qumicos de converso baseiam-se em rea-
es qumicas e, na maioria das vezes, um componente da bio-
massa extrado e purificado, sendo posteriormente utilizado
como reagente de partida, ou precursor, em uma rota sinttica,
que frequentemente utiliza de catalisadores para o aumento
do rendimento do produto de interesse e para a diminuio
dos tempos de reao. Assim, possvel notar que vrios as-
pectos da qumica verde, como o uso de catalisadores e a redu-
o da gerao de resduos, podem ser aqui aplicados, sendo
que o primeiro aspecto pode se tornar um item extremamente
estratgico para este tipo de processo.
Os catalisadores permitem que a reao prossiga por um
caminho a uma menor energia de ativao (Figura 1), o que
leva a um aumento na velocidade de reao e diminuio do
tempo de reao. Eles podem ser heterogneos ou homogne-
os. Os primeiros encontram-se em um estado fsico diferente
do meio de reao, enquanto que os demais encontram-se no
mesmo estado fsico que o meio reacional.
O controle das reaes pode se dar da seguinte forma:
Controle termodinmico: obteno dos produtos
mais estveis, o que leva a maiores variaes da ener-
gia livre de Gibbs (G) para a reao;
Processos Qumicos Catalticos
Slvio Vaz Jr.
4
88
Biomassa para Qumica Verde
Controle cintico: obteno de produtos formados
com menor energia de ativao (E
at
) e maior veloci-
dade de reao.

A teoria do estado de transio considera a energia livre
de ativao (G
#
), sendo que a diminuio desta favorece a
formao dos produtos:
G
#
(kJ mol
-1
) = H
#
- T S
#
(4.1)
Onde H
#
a entalpia de ativao (kJ mol
-1
), T a tempe-
ratura do sistema (K) e S
#
a entropia de ativao (J K
-1
mol
-1
).
Coordenada da reao

E
Reao sem catalisador
Reao com catalisador
Produtos
Reagentes
E
at2
E
at1
Figura 1. Comparao entre as energias de ativao para uma reao com
a presena do catalisador (E
at1
) e sem a presena de catalisador (E
at2
).
89 Processos Qumicos Catalticos
Quanto cintica da reao, para uma reao hipottica
onde os reagentes A e B levam formao do produto C em
presena de um catalisador P, a velocidade da reao pode ser
expressa da seguinte forma:
v (s
-1
mol L
-1
) = k[A][B][P] (4.2)
Onde k a constante de velocidade (s
-1
, para reaes de
primeira ordem, ou dm
3
mol
-1
s
-1
, para reaes de segunda or-
dem), [A] e [B] so as concentraes dos reagentes (mol L
-1
) e
[P] a concentrao do catalisador (mol L
-1
).
Outra forma de se expressar a cintica de uma reao :
v (mol L
-1
s
-1
)= d[C] / dt (4.3)
Onde d[C] a concentrao do produto formado (mol L
-1
),
a partir de sua derivada primeira, e dt o tempo da reao (s),
tambm a partir de sua derivada primeira.
No entanto, a velocidade da reao pode ser diretamente
proporcional concentrao do catalisador:
v [P] (4.4)
E assim, a velocidade da reao pode ser inversamente
proporcional energia de ativao da reao, conforme repre-
sentado na Figura 1:
v 1 / E
at
(4.5)
90
Biomassa para Qumica Verde
Processos catalticos aplicados biomassa lignocelulsica
No caso do aproveitamento da celulose e da hemice-
lulose do resduo lignocelulsico, deve-se antes obter estes
polmeros e os seus acares constituintes, destacando-se a
glicose (hexose) e a xilose (pentose), respectivamente, para
a posterior obteno de molculas de interesse industrial
(KAMM et al., 2006). Para o caso da lignina, o que se bus-
ca inicialmente a quebra da estrutura molecular, de modo
a liberar, principalmente, compostos fenlicos que podero
ser testados, por exemplo, como monmeros em rotas de
preparao diversas a formao de compostos no polares
tambm poder ser obtida aps esta quebra estrutural, o que
depender dos tipos de reao e catalisadores.
A obteno de compostos bloco-construtores, que ori-
ginam um grande nmero de outros compostos de interesse
econmico, e de intermedirios de sntese, que podem ser uti-
lizados em qumica fina, a abordagem usual para os projetos
de P&D (UNITED STATES DEPARTMENT OF ENERGY
DOE, 2004; BOZELL; PETERSEN, 2010; UNITED STATES
DEPARTMENT OF ENERGY DOE, 2007). Compostos
bloco-construtores, como o furfural e o xilitol (oriundos da
xilose constituinte da hemicelulose) e hidroxi-metilfurfural
(oriundo da glicose), entre outros, podem adicionar grande
valor aos carboidratos (BOZELL; PETERSEN, 2010; KAMM
et al., 2006; VAZ JUNIOR, 2011).

O mesmo pode-se estender
aos derivados da lignina.
A Figura 2 ilustra, de uma forma simplificada, a aplica-
o dos processos qumicos ao desenvolvimento de tecno-
logias de converso da biomassa. Inicialmente, a biomassa
91 Processos Qumicos Catalticos
dever passar por uma anlise qumica completa, que visa a
determinar a constituio qumica, alm de algumas proprie-
dades fsico-qumicas que sejam de interesse. Em seguida,
tem-se o seu pr-tratamento, quando este for necessrio, o
que permitir a separao da molcula precursora de interes-
se, e caso esta no possua a pureza adequada, realiza-se uma
etapa de purificao. Com a obteno da molcula precur-
sora, parte-se para a etapa de sntese orgnica, na qual est
envolvida a procura pelos melhores catalisadores (screening
de catalisadores diversos: heterogneos inorgnicos, e homo-
gneos inorgnicos e enzimticos) e a abordagem adequada
para o desenho das rotas de sntese. Aps a sntese do produ-
to-alvo, como um composto bloco-construtor, ele dever ser
devidamente identificado quanto sua estrutura qumica e
pureza. Feita a identificao qumica, parte-se para a etapa de
estudo do potencial do produto-alvo e de sua rota de sntese.
Quando o produto apresenta potencial industrial, a prxima
etapa o escalonamento visando produo industrial. Caso
produto e rota no apresentem viabilidade econmica, pode-
-se reiniciar a busca por nova molcula precursora, por novo
produto-alvo ou por ambos.
Cabe comentar o desenvolvimento e uso de catalisado-
res para esses processos, dada a importncia dos primeiros
para melhoria de rendimentos e seletividades - consideran-
do a enantioseletividade, a regioseletividade e a estereosele-
tividade. As zelitas tm sido aplicadas na glicolisao, oxi-
dao, hidrlise e pirlise de carboidratos e hidrogenao
da glicerina (RAUTER et al., 2010; MOTA et al., 2009), e
no cracking de ligninas (ZAKZESKI et al., 2010). Os metais
(sais solveis e insolveis, e complexos) tm sido aplicados
92
Biomassa para Qumica Verde

Molcula precursora
Sntese orgnica
Escolha da
abordagem sinttica
adequada
Screening de
catalisadores
Identificao estrutural dos
compostos obtidos
Estudo do potencial industrial
Pr-tratamento
Separao e
purificao
Anlise da composio e caracterizao
Escalonamento
Com potencial
Sem potencial
Biomassa
Figura 2. Fluxograma do desenvolvimento de molculas a partir da aplica-
o de processos qumicos de converso da biomassa.
93 Processos Qumicos Catalticos
em catlise heterognea (Ni, Pd/C, Ru/C, Co-Mo, Ni-Mo,
Ru/Al
2
O
3
, etc.) para a reduo de ligninas e de gliceri-
na (ZAKZESKI et al., 2010; BOZELL; PETERSEN, 2010);
complexos metlicos de V, Mn, Co, Pd, Fe, Re e Cu, como
catalisadores homogneos e heterogneos para a oxidao
de amido e celulose, entre outras reaes (COLLINSON;
THIELEMANS, 2010). J as enzimas extradas e purificadas,
como celulase, -glucosidase e xilanase, so largamente uti-
lizadas na hidrlise da celulose e da hemicelulose (SARKAR
et al., 2012).
Anlise da composio e caracterizao
Utilizando-se como exemplo a biomassa lignocelulsi-
ca como matria-prima, as amostras so preparadas com a
converso de uma variedade delas em um material uniforme
e adequado para a anlise da composio qumica, como o
teor de celulose e hemicelulose (NATIONAL RENEWABLE
LABORATORY, 2008a). A determinao do teor de cinzas
feito por oxidao trmica e posterior pesagem da amos-
tra remanescente (NATIONAL RENEWABLE LABORA-
TORY, 2005). A determinao de slidos insolveis feita
por meio de centrifugao, para separao da frao lqui-
da, e da filtrao, para a separao da frao slida, com as
posteriores secagem e pesagem destas fraes (NATIONAL
RENEWABLE LABORATORY, 2008b). A determinao es-
trutural de carbohidratos e da lignina se d por meio de ex-
trao slido-lquido, seguida de anlise por cromatografia
lquida de alta eficincia (CLAE) com um detector de ndi-
ce de refrao (para carbohidratos) e outro de absoro no
94
Biomassa para Qumica Verde
ultravioleta-visvel (para lignina) (NATIONAL RENEWA-
BLE LABORATORY, 2008c). A determinao de acares,
subprodutos e produtos de degradao feita tambm por
meio de anlises de CLAE-ndice de refrao (NATIONAL
RENEWABLE LABORATORY, 2006). J a determinao de
slidos totais e dissolvidos por meio de secagem direta para
a frao slida, e filtrao e secagem para a frao lquida,
seguidas de pesagem (NATIONAL RENEWABLE LABO-
RATORY, 2008d).
Este item detalhado no Captulo 3 que trata da Anlise
qumica da biomassa.
Pr-tratamento
Seguindo-se como exemplo de matria-prima a bio-
massa lignocelulsica, o pr-tratamento desta pode ser feito
por hidrlise cida com o uso de cido sulfrico diludo
temperatura branda (60
0
C) para a solubilizao da hemi-
celulose, seguida da precipitao de celulose e da lignina
(HON; SHIRASHI, 2001). No pr-tratamento por explo-
so a vapor a biomassa exposta a vapor pressurizado (2
atm), seguida de rpida reduo na presso, o que resulta
na quebra da estrutura ligninocelulsica, com a hidrlise da
hemicelulose em pentoses (majoritariamente a D-xilose), a
despolimerizao da lignina e o rompimento das fibras de
celulose e liberao de hexoses (MONTANE et al., 1998).
Depois de obtido o licor pelo mtodo mais apropriado, este
utilizado para a separao e purificao de molculas pre-
cursoras, como os acares (pentoses e hexoses) e a lignina.
95 Processos Qumicos Catalticos
Sntese orgnica
Para o uso da biomassa como matria-prima em sntese
orgnica, a utilizao de catalisadores importante e facilita
a formao de produtos-alvo, j que a cintica de reao sem
eles lenta na maioria das vezes. Mecanismos de reao base-
ados em substituio nucleoflica de primeira e segunda ordem
(SN1 e SN2) e eliminao de primeira e segunda ordem (E1
e E2) so frequentemente considerados no desenho de rotas
de sntese para derivados de biomassa tais mecanismos so
dependentes da cintica e da termodinmica da reao, consi-
derados no incio deste Captulo.
O micro screening de catalisadores heterogneos e ho-
mogneos, com o uso de microrreatores em fase lquida com
agitao mecnica, adequado para a realizao de testes cata-
lticos sob condies isentas de problemas de transferncia de
massa e calor (EHRFELD et al., 2000) reagentes, solventes e
catalisadores so adicionados ao micro reator sob condies
controladas de temperatura e presso; por exemplo, nas faixas
de 25 a 250
0
C, e de 1 a 50 atm. necessrio o monitoramento
permanente dos valores de pH do meio. Uma alternativa que
vem se mostrando eficaz a aplicao da abordagem sinttica
baseada em qumica combinatorial, por meio de testes para um
elevado nmero de rotas de sntese, por meio de planejamen-
to fatorial e posterior construo de bibliotecas de sntese, as
quais tambm podem ser utilizadas no screening de catalisa-
dores (YAN, 2004; RICHARDS, 2006). Utilizam-se mtodos
avanados de construo de bibliotecas, como a modelagem
cintica de alto rendimento, a partir de um modelo cintico
genrico que permita empregar diferentes condies de testes
96
Biomassa para Qumica Verde
para diferentes reaes e catalisadores, considerando o dese-
nho das condies experimentais que possibilitem determinar
os parmetros cinticos de interesse (atividade em funo do
tempo e seletividade), alm da considerao de possveis com-
plicaes decorrentes da desativao da reao ou do catalisa-
dor (FARRUSENG, 2008).
Os clculos dos rendimentos mssico (Equao 4.6) e
molar (Equao 4.7) para os produtos-alvo so de fundamen-
tal importncia para a verificao da eficincia do processo
idealizado.
R
mas
(%) = m
p
/ m
r
x 100 (4.6)
Onde m
p
a massa de produto formado (g, kg) e m
r
a
massa de reagente consumido (g, kg).
R
mol
(%) = n
p
/ n
r
x 100

(4.7)
Onde n
p
o nmero de mols de produto formado e n
r
o
nmero de mols de reagente consumido.
So verificadas, ainda, a converso (X) (Equao 4.8) e a
seletividade (S) (Equao 4.9) para cada catalisador testado.
X (%) = m
I
m
F
/ m
I
x 100 (4.8)
Onde m
I
a massa inicial do reagente (g ou kg) que rea-
giu e m
F
a sua massa final (g ou kg).
S (%) = m
R
/ m
C
x 100 (4.9)
97 Processos Qumicos Catalticos
Onde m
R
a massa de produto formado (g ou kg) e m
C

a massa do reagente convertido (g ou kg).
Rotas sintticas baseadas em reaes como substituio
eletroflica aromtica, substituio aliftica nucleoflica, adies
a ligaes C-C e C-O, eliminaes, rearranjos intramoleculares,
oxidaes e redues so de interesse quando o objetivo ob-
ter compostos qumicos a partir de componentes da biomassa,
como olefinas, acares, lignina e amido. O acompanhamento
do consumo da molcula precursora e da formao dos produ-
tos-alvo e subprodutos se d, geralmente, com o uso de tcnicas
cromatogrficas de separao acopladas s tcnicas espectros-
cpicas de deteco, como visto mais frente.
A aplicao de princpios de qumica verde deve ser esti-
mulada, por meio da economia atmica, economia energtica,
menor gerao de resduos e, claro, o uso de catalisadores ao
invs de reaes estequiomtricas. Dois parmetros que po-
dem ser aplicados so a Economia Atmica, para a reao, e o
Fator-E, para avaliar um possvel impacto ambiental da gera-
o de resduos (LAPKIN; CONSTABLE, 2009):
Economia Atmica = M
P
/ M
R
(4.10)
Onde M
P
a massa molecular do produto formado (g
mol
-1
) e M
R
a somatria das massas moleculares dos rea-
gentes (g mol
-1
).
Fator-E = m
res
/ m
P
(4.11)
Onde m
res
a massa de resduo formada (g ou kg) e m
P

a massa do produto-alvo formado (g ou kg).
98
Biomassa para Qumica Verde
O acompanhamento da formao de produtos e subpro-
dutos, e do consumo de molculas precursoras das reaes
qumicas pode ser feito com o uso da cromatografia gasosa
(CG) ou da CLAE, acopladas espectrometria de massas (CA-
ZES, 2004) os compostos so separados de acordo com a
polaridade, presso de vapor e solubilidade, para em seguida
serem detectados pelo espectrmetro, baseando-se na relao
massa/carga (m/z) das substncias formadas aps processos
de fragmentao de molculas e ons; molculas de baixa mas-
sa molecular podem ser analisadas por CG, enquanto que as
de alta massa molecular podem ser analisadas por CLAE.
A identificao espectroscpica dos produtos de interesse
realizada com o uso de absoro no infravermelho mdio
(intervalo de nmero de onda de 4.000 a 400 cm
-1
, em pastilha
de KBr), absoro no ultravioleta-visvel (intervalo de com-
primento de onda de 190 a 800 nm), ressonncia magntica
nuclear dos ncleos de
1
H e
13
C (estados lquido e slido) e
espectrometria de massas (SILVERSTEIN; WEBSTER, 1998).
Grupamentos e ambientes qumicos so caracterizados aps
a absoro da respectiva radiao incidente, produzindo um
sinal caracterstico a ser capturado pelo detector. Separaes,
purificaes e testes fsico-qumicos adicionais (pontos de
fuso e ebulio, determinao de frmula molecular, solubi-
lidade, pureza, ndice de refrao) podem ser aplicados caso
haja a necessidade de melhor entendimento da estrutura mo-
lecular (SHIRINER et al., 1983) uso de mtodos clssicos de
anlise orgnica, os quais baseiam-se em uma medida do valor
absoluto de uma determinada propriedade.
As medidas de cintica de reaes qumicas em meio
aquoso, que geralmente o meio onde se do as reaes com
99 Processos Qumicos Catalticos
componentes da biomassa, podem ser realizadas com o uso
da CLAE com um detector de absoro no ultravioleta-visvel
(MIKKOLA et al., 1999). Na determinao da converso e da
seletividade de catalisadores acompanha-se a formao de
produtos-alvo e subprodutos tambm por CLAE com um de-
tector de absoro no ultravioleta-visvel (CYBULSKI; MOU-
LIJN, 1998). Atribui-se um sinal caracterstico associado ao
consumo do reagente (converso) ou formao do produto/
subproduto (seletividade). A anlise superficial e estrutural de
catalisadores inorgnicos feita com o uso de difratometria de
raios X, espectroscopia fotoeletrnica de raios X ou microsco-
pia eletrnica de varredura (RICHARDS, 2006), sendo que as
amostras devero ser slidas (ps), sem preparo especial. A
anlise de processos redox de metais de transio utilizados
como catalisadores inorgnicos utiliza a voltametria cclica ou
a polarografia (ZOSKI, 2007).
Separao e purificao
A separao uma etapa crtica dos processos qumicos
catalticos aplicados biomassa, devido a dois fatores: a pre-
sena de gua no meio e o grande nmero de ismeros for-
mados. Como existe um nmero considervel de tecnologias
de separao, sero consideradas duas das mais promissoras:
membranas lquidas e nanofiltrao.
A separao por membranas lquidas consiste em usar
suporte microporoso de poli(difluoreto de vinilideno) im-
pregnado com uma soluo de metil-colato (soluo de arras-
te), tendo este ltimo a funo de facilitar o transporte e a di-
fuso dos compostos-alvo na membrana pela formao de um
100
Biomassa para Qumica Verde
complexo composto de arraste/composto-alvo (HASSOUNE et
al., 2006). Para a separao por nanofiltrao so utilizadas
membranas filtradoras comerciais, como DESAL-5 DK, DE-
SAL-5 DL e NF270, com a filtrao se dando em modo refluxo
total a 50
0
C, aplicando-se presses compreendidas entre 2 a
40 bar (SJMAN, et al. (2007). Desse modo, busca-se alcanar
um grau mnimo de pureza para as molculas precursoras e
para os produtos-alvo. Outros mtodos e tcnicas, como re-
sinas de troca, colunas semipreparativas e zelitas modifica-
das, podem tambm ser aplicados s fraes da biomassa e aos
seus produtos (COOKE et al., 2000).
Estudo do potencial industrial
So utilizados softwares de simulao como o ASPEN
PLUS (desenho e otimizao dos processos) e o ASPEN PRO-
PERTIES, para simulao de parmetros termodinmicos de
novas molculas. Desse modo, calculados o CAPEX e o OPEX
como parmetros para a avaliao da viabilidade industrial de
processos (TUFVESSON et al., 2011):
CAPEX a sigla para o termo em ingls capital expen-
diture, que relaciona os investimentos a serem feitos
em bens de capital, como infraestrutura (reatores, sis-
temas de separao, etc.);
OPEX a sigla para o termo em ingls operational
expenditure, que relaciona as despesas operacionais,
como energia, reagentes, homem/hora, etc.
101 Processos Qumicos Catalticos
Escalonamento
Validado o processo em escala laboratorial e confirmado
o seu potencial industrial, parte-se para o escalonamento, cujo
objetivo testar variveis operacionais crticas para a produ-
o do produto-alvo em grandes quantidades.
O desenvolvimento tpico de um processo qumico en-
volve as seguintes etapas:
1. Etapa de laboratrio: mL ou g;
2. Etapa pr-piloto: L ou kg;
3. Etapa piloto: 10
3
L ou tonelada;
4. Etapa de larga escala ou industrial: > 10
3
L ou milha-
res de toneladas.
Do ponto de vista econmico, conforme v se alterando
de etapas, por exemplo, da etapa 3 para a etapa 4, os custos de
produo diminuem, levando ao chamado ganho de escala.
Frequentemente, so utilizados softwares de simulao
como ferramentas para otimizar tempo e resultados para a
avaliao das etapas de escalonamento, os quais podem estar
conectados a microrreatores, conforme o que j foi comentado
no Item Sntese orgnica. Tais softwares podem utilizar as
seguintes equaes matemticas para a simulao do processo
baseadas, geralmente, em fenmenos fsico-qumicos (LUY-
BEN, 1996):
Equaes de continuidade;
Equaes de energia;
102
Biomassa para Qumica Verde
Equaes de movimento;
Equaes de transporte de massa;
Equaes de estado;
Equaes de equilbrio;
Essas equaes podem ser construdas a partir de equa-
es diferenciais ordinrias. A anlise estatstica pode ser feita
utilizando mtodos multivariados, como o PLS (Partial Least
Square). Exemplos de simulaes so: destilao binria em
coluna, destilao multicomponente em coluna e produo
em reator de batelada.
Tratamento de efluentes residuais
Como j tratado anteriormente, um dos princpios da
qumica verde a preveno da gerao do resduo em vez
do tratamento deste ltimo. No entanto, quando se trabalha
com processos qumicos catalticos em escala laboratorial ou
de produo, praticamente impossvel no haver a gerao
de efluentes residuais, sejam eles aquosos, orgnicos ou gaso-
sos. No objetivo deste Captulo descrever detalhadamente
os processos de tratamento de tais efluentes, mas sim o que
deve ser considerado para a sua aplicao.
Ali et al. (2005) observam ser necessrias as seguintes
consideraes a respeito da preveno e do tratamento de re-
sduos gerados em processos qumicos:
i. Avaliao da gerao do resduo quanto sua fonte,
onde so buscadas e interpretadas informaes sobre
103 Processos Qumicos Catalticos
o histrico do processo gerador e sobre a rea poten-
cialmente afetada;
ii. Viabilidade da implantao de procedimentos de pre-
veno, onde so propostas normas ou diretrizes que
buscam evitar a gerao do resduo;
iii. Gerenciamento dos resduos gerados, por meio de
procedimentos operacionais, aplicao de tecnologias
apropriadas e reaproveitamento dos resduos;
iv. Reciclagem, com suas opes e tecnologias, de modo
a ser dados novos usos ao resduo;
v. Tratamento do resduo, por meio de processos fsi-
cos (ex.: adsoro e separao), qumicos (ex.: oxi-
dao, reduo e fotodegradao) e biolgicos (ex.:
fermentao);
vi. Disposio do resduo por meio de incinerao com o
uso de tecnologias adequadas;
vii. Disposio final em aterros sanitrios, etc.
Desse modo, deve-se se ter especial cuidado nesta etapa
final dos processos catalticos, no se devendo acreditar que
por ser processos nos quais se usa a biomassa como matria-
-prima no exista o risco da gerao de efluentes potencial-
mente perigosos.
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111 Processos Bioqumicos
A utilizao de biomassa para a produo de combustveis
e produtos qumicos tem despertado grande interesse do pon-
to de vista industrial e cientfico. Isto se deve, principalmente,
ao carter renovvel desta matria-prima. Alm disso, a escas-
sez de petrleo em algumas regies do planeta, o desequilbrio
ambiental observado nos ltimos anos e o crescimento popu-
lacional tambm so fatores que indicam a necessidade do uso
desse tipo de matria-prima (DE JONG et al., 2012).
A transformao de biomassa em diferentes produtos
pode ocorrer pelo uso de processos qumicos, termoqumicos
ou bioqumicos. A escolha do processo a ser utilizado depen-
de, entre outros fatores, do produto desejado, do custo de pro-
duo, do tempo de reao, dos resduos gerados, etc.
O interesse no desenvolvimento de processos bioqumi-
cos deve-se possibilidade de converso da biomassa em pro-
dutos especficos sob condies brandas de temperatura, pH
e presso. Esses processos podem ser divididos em dois tipos
principais: microbiano e enzimtico.
Processos Bioqumicos
Dasciana de Souza Rodrigues
5
112
Biomassa para Qumica Verde
Em processos microbianos a converso da biomassa
catalisada pela ao de enzimas, as quais podem estar distri-
budas dentro e fora de microrganismos. Geralmente, alm
da fonte de carbono, outros compostos devem ser adicio-
nados ao reator para manter a viabilidade celular. Os mi-
crorganismos podem consumir diversos componentes da
biomassa, gerando produtos por meio de diferentes rotas
bioqumicas.
Muitos microrganismos so capazes de converter os mo-
nmeros provenientes de celulose e hemicelulose em diferen-
tes compostos como, por exemplo, lcoois (butanol, etanol,
propanodiol, etc.), steres derivados de diferentes cadeias de
cidos graxos (oleico, lurico, palmtico, mirstico, etc.) e ci-
dos orgnicos (actico, butrico, ctrico, fumrico, glicnico,
itacnico, kjico, ltico, mlico, propinico, succnico, tart-
rico e outros) (ALMEIDA, 2011; CARVALHO et al., 2005).
Atualmente, o uso de ferramentas como genmica, prote-
mica e bioinformtica, disponibiliza uma grande quantidade
de informaes que facilitam o desenvolvimento dos biopro-
cessos (HATTI-KAUL et al., 2007).
Um grande nmero de novas tecnologias envolvendo o
uso de microrganismos geneticamente modificados para a
produo de molculas sob medida tem surgido nos ltimos
anos. O melhoramento no rendimento para um determinado
produto tambm um dos focos de pesquisa nessa rea. Em-
presas como a Solazyme, a Amyris, a Lanzatech e a See Algae
so exemplos do uso da biotecnologia para o desenvolvimento
dos bioprocessos.
Os processos que utilizam somente enzimas isoladas tm
algumas vantagens sobre os processos microbianos. Nestes
113 Processos Bioqumicos
sistemas no necessria a adio de nutrientes, pois no h
clulas vivas presentes e as enzimas podem ser utilizadas nas
formas livre (solvel) ou imobilizada (partculas insolveis).
Porm tm como desvantagens o isolamento e a purificao
das enzimas, o que os tornam relativamente caros.
Enzimas imobilizadas so, por definio, enzimas retidas
ou confinadas em um espao e que podem ser usadas repe-
tidas vezes em um determinado processo (PEREIRA, 1999).
Como exemplo de enzimas imobilizadas tem-se: reatores de
membranas, em que o produto permeia a membrana, enquan-
to a enzima permanece retida; e enzimas ligadas a partculas
insolveis (suportes), em que ao final do processo possvel
separ-las por meio de filtrao. A prpria clula pode ser uti-
lizada como um suporte para imobilizao da enzima, visto
que aps a morte celular as enzimas podem permanecer en-
capsuladas de forma ativa no interior da clula, e serem recu-
peradas e utilizadas repetidas vezes.
Quanto aplicao de enzimas para transformao de
componentes da biomassa, os processos envolvendo a hidrli-
se de amido, celulose, hemicelulose e protenas, a esterificao
de cidos graxos e a transesterificao de glicerdeos so os
temas mais investigados atualmente.
Apesar dos avanos atingidos na identificao e melho-
ramento de microrganismos e enzimas para a converso dos
acares provenientes de biomassa em biocombustveis e
outros produtos qumicos, ainda h um grande desafio a ser
superado no campo de desconstruo da biomassa lignocelu-
lsica, ou seja, na converso de polissacardeos (celulose e he-
micelulose) em monmeros (glicose e xilose, principalmente).
Superar esse obstculo necessrio para reduzir a competio
114
Biomassa para Qumica Verde
por acares provenientes de fontes alimentcias, como do mi-
lho, beterraba, etc.
A liberao dos principais monmeros presentes na
biomassa lignocelulsica fundamental para que a grande
maioria dos microrganismos consiga metabolizar a biomas-
sa e gerar produtos de interesse. Atualmente, esta etapa do
processo realizada por mtodos qumicos ou termoqumi-
cos associados a processos enzimticos. As etapas qumica
e termoqumica (pr-tratamento) facilitam o acesso de en-
zimas aos polissacardeos, promovendo a desconstruo da
biomassa. Entretanto, muitos desses processos de pr-tra-
tamento levam degradao de componentes da biomassa,
gerando produtos que causam inibio nas etapas bioqumi-
cas posteriores.
Neste captulo, alguns processos bioqumicos para a uti-
lizao de biomassa na produo de combustveis e produtos
qumicos renovveis sero apresentados, discutindo-se algu-
mas tecnologias desenvolvidas recentemente.
Produtos obtidos da biomassa por processos bioqumicos
A partir da biomassa possvel obter uma boa parte dos
compostos qumicos produzidos a partir de fontes fsseis. En-
tretanto, os produtos da biomassa, geralmente, tem custo de
produo superior aos obtidos a partir de fontes fsseis. Por-
tanto, h a necessidade de aprimoramento dos processos exis-
tentes e de desenvolvimento de novos processos que viabilizem
economicamente a fabricao de produtos qumicos renovveis
(DE JONG et al., 2012). Atualmente, alguns compostos qumi-
cos de interesse comercial j podem ser produzidos a partir
115 Processos Bioqumicos
de biomassa, como os cidos succnico, ltico, mlico, ctrico,
propinico, levulnico, asprtico, glucrico, glutmico; glicerol
e seus derivados; propilenoglicol, sorbitol; xilitol; arabinitol;
hidrocarbonetos e etanol (DE JONG et al., 2012). Na Tabela 1
so apresentados alguns dos produtos obtidos a partir de di-
ferentes tipos de biomassa e o processo bioqumico utilizado
para a respectiva produo.
Alguns dos processos descritos na Tabela 1 j so bem es-
tabelecidos. Entretanto, para alguns compostos de grande in-
teresse industrial, a utilizao de processos bioqumicos ainda
se encontra em fase de provas de conceito - um exemplo disso
a produo microbiana de cido levulnico (ARZEDA COR-
PORATION, 2013).
Processos bioqumicos para transformao da biomassa

A viabilidade econmica da produo de compostos qu-
micos a partir da biomassa vem sendo buscada por meio da
integrao de processos, a fim de torn-los eficientes e de bai-
xo custo. Outro fator importante na produo de compostos
renovveis o aproveitamento de infraestruturas j existente,
de modo a diminuir custos (DE JONG et al., 2012).
Considerando que a biomassa contm grande quantidade
de gua, percebe-se que o contedo real de energia baixo se
comparado a combustveis fsseis. O contedo de energia da
biomassa slida de 2-20 MJ kg
-1
, do carvo slido de 15-30
MJ kg
-1
, do petrleo lquido de 42 MJ kg
-1
, e do gs natural de
50 MJ kg
-1
(LEE et al., 2012). Portanto, o fracionamento dos
componentes da biomassa para a produo de biocombustveis
associada coproduo de compostos qumicos e materiais
116
Biomassa para Qumica Verde
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119 Processos Bioqumicos
importante para favorecer economicamente o aproveitamento
deste tipo de matria-prima (DE JONG et al., 2012).
O conceito de biorrefinarias, unidades de processamen-
to que recebem biomassa e fabricam um ou mais produtos
qumicos e/ou combustveis atravs de processos fsicos/qu-
micos/biolgicos, traduz uma importante estratgia para via-
bilizar o uso da biomassa na indstria qumica (PHAM; EL-
-HALWAGI, 2012). Dessa maneira, pode haver a produo
de grande volume de um determinado composto com baixo
valor agregado (por exemplo, biocombustveis) e pequenos
volumes de compostos com alto valor agregado (TURNER
et al., 2007).
Atualmente, muitas empresas biotecnolgicas esto bus-
cando o desenvolvimento de processos visando produo
de bloco-construtores, ou seja, molculas precursoras para
a sntese de vrios produtos. Um exemplo simples disto a
produo de etanol, o qual pode ser desidratado e conver-
tido a etileno e sequencialmente utilizado para a produo
de diferentes polietilenos (DE JONG et al., 2012; TURNER
et al., 2007).
A produo desses bloco-construtores e/ou produtos fi-
nais pode ser realizada utilizando diferentes matrias-primas,
como pode ser observado na Figura 1.
O esquema apresentado na Figura 1 destaca os quatro
tipos de biomassa utilizados atualmente para a produo de
produtos qumicos e biocombustveis.
Os biocombustveis etanol e biodiesel, e os produtos qu-
micos cido ltico e 1,3-propanodiol so produzidos na atuali-
dade utilizando-se amido, sacarose e leos vegetais como ma-
trias-primas (SHELDON, 2011). A escolha da matria-prima
120
Biomassa para Qumica Verde
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121 Processos Bioqumicos
a ser utilizada depende, entre outros fatores, da disponibilida-
de e dos preos de mercado. Portanto, em diferentes regies
do planeta diferentes tipos de biomassa so utilizados; como
exemplo, tem-se o milho, trigo, cana-de-acar, colza, algo-
do, sorgo, mandioca, resduos lignocelulsicos, etc. (TUR-
NER et al., 2007).
A transformao bioqumica da biomassa em produtos
de interesse exige etapas intermedirias de pr-tratamento
(quadros de cor cinza na Figura 1), como extrao com per-
xidos, cidos, solvente orgnico, exploso a vapor, ultrassom,
micro-ondas, entre outros (PENG et al., 2012). Esses pr-tra-
tamentos tm como objetivo o fracionamento dos componen-
tes da biomassa, alm de torn-los mais acessveis ao de
enzimas ou de microrganismos. Conhecer o tipo e a quanti-
dade de cada um dos componentes da biomassa importan-
te, quando sua utilizao em uma biorrefinaria desejada. O
conhecimento das caractersticas definir a melhor estratgia
para fracionamento destes componentes.
O grau de pureza de cada componente, aps o fraciona-
mento da biomassa, um fator importante para a etapa de con-
verso bioqumica em outros compostos, pois a presena de
molculas diferentes dos substratos pode causar a inibio dos
biocatalisadores. A severidade de pr-tratamentos, exigida para
separar eficientemente os componentes interligados, via liga-
es covalente e no covalente, geralmente causam degradao
de substratos e formao de inibidores (PENG et al., 2012).
Aps as etapas de separao ou converso dos compo-
nentes da biomassa em intermedirios de reaes, diferentes
processos fermentativos ou enzimticos podem ser utilizados
para a obteno de diferentes produtos. Esses processos, no
122
Biomassa para Qumica Verde
contexto da qumica verde, apresentam muitos benefcios,
pois as reaes so desenvolvidas sob condies brandas de
pH, temperatura e presso, utilizando solventes compatveis
com a gua (SHELDON, 2011).
Converso de matrias-primas lignocelulsicas

A transformao de biomassa lignocelulsica em outros
compostos qumicos um dos processos mais complexos, vis-
to que os componentes desta matria-prima interagem forte-
mente, tornando este material extremamente resistente des-
construo (BROWN, 2007).
Para acelerar a desconstruo enzimtica de biomassas,
necessrio um prvio afrouxamento da estrutura lignocelu-
lsica; isto pode ocorrer pelo uso de cidos ou lcalis, exploso
a vapor, etc.. Apesar de haver na natureza todas as enzimas
para a desconstruo completa da biomassa, este processo
muito complexo e lento. Portanto, a viabilidade na aplicao
de enzimas para desconstruo de biomassas deve utilizar
processos qumicos associados (VAZ JNIOR, 2012; CENTI
et al., 2011; SHELDON, 2011).
O pr-tratamento de materiais lignocelulsicos deve ser
severo o suficiente para afrouxar a estrutura do material. En-
tretanto, o excesso de severidade pode causar a degradao
qumica dos componentes, levando formao de inibidores e
reduzindo o desempenho dos catalisadores utilizados nas eta-
pas posteriores do processo.
Uma estratgia para a remoo de componentes indese-
jados, como cido sulfrico, cido actico, furfural e hidro-
ximetilfurfural, formados durante o pr-tratamento, o uso
123 Processos Bioqumicos
de membranas, as quais permitem a extrao de interferen-
tes, melhorando a eficincia dos bioprocessos (GRZENIA et
al., 2012).
O uso combinado de processos qumicos e bioqumicos
favorece a produo de compostos qumicos a partir da bio-
massa. Etapas em que o uso de microrganismos no vanta-
joso, por exemplo, na produo de hidrognio por microalgas,
onde h necessidade de grande volume de reator e baixo ren-
dimento, o uso de catalisadores qumicos pode ser mais indi-
cado (WESTERMANN et al., 2007).
Para o aproveitamento de um dos principais componen-
tes da biomassa, a lignina, como fonte renovvel para a pro-
duo de compostos aromticos, a despolimerizao qumica
tem sido investigada. Entretanto, este processo ainda deve ser
aperfeioado para viabilizar aplicaes industriais.
O uso combinado de catalisadores inorgnicos e bioqu-
micos em processos de uma etapa tem sido sugerido. Entre-
tanto, para isto, os catalisadores bioqumicos (enzimas) de-
vem ser estabilizados para suportar condies drsticas de
temperatura e presso, as quais podem ser exigidas para uso
de catalisadores inorgnicos (GASSER et al., 2012); visto que,
geralmente, os processos bioqumicos ocorrem a baixas tem-
peraturas e so mais lentos quando comparados a processos
termoqumicos (CHERUBINI, 2010).
Processos para o aproveitamento de celulose envolvem
etapas de pr-tratamento (remoo de lignina e hemicelulo-
se), seguidas de hidrlise enzimtica para liberao de glicose.
A glicose utilizada por muitos microrganismos para a pro-
duo de biocombustveis (etanol, butanol e biodiesel) ou ou-
tros compostos qumicos.
124
Biomassa para Qumica Verde
Outro componente importante de materiais lignocelul-
sicos a hemicelulose, polmero a partir do qual obtida a
xilose, um precursor para a sntese de xilitol. Apesar de que
xilose e a arabinose possam ser obtidos da biomassa lignocelu-
lsica, o custo de obteno destes compostos com alta pureza
ainda elevado (DE JONG et al., 2012).
Converso de matrias-primas oleaginosas

Vrias culturas ricas em cidos graxos como soja, palma
de leo (dend), girassol, canola, pinho-manso, entre outras
e algas oleaginosas, tm sido aproveitadas para produo de
biodiesel e outros compostos qumicos (POSADA et al., 2012;
DELLOMONACO et al., 2010).
leos, gorduras e seus derivados tm sido usados h mui-
to tempo na indstria qumica. Comparados a outros consti-
tuintes das plantas tais como carboidratos, protenas e lignina,
derivados de cido graxo so mais facilmente manuseados na
indstria, devido a sua natureza lquida e seu baixo contedo
de oxignio (DE JONG et al., 2012).
Diferentes rotas bioqumicas tm sido propostas para a
converso de oleaginosas. Por exemplo, foi desenvolvido um
processo metablico respiro-fermentativo em Escherichia coli
geneticamente modificada, que permite uma eficiente sntese
de combustveis e produtos qumicos a partir de cidos graxos.
A sntese de compostos como etanol, butanol, acetato, acetona,
isopropanol, succinato e propionato mostrou-se vivel por meio
desse sistema biolgico (DELLOMONACO et al., 2010).
Atualmente, microalgas naturais ou geneticamente mo-
dificadas vm se destacando no campo de produo de leos
125 Processos Bioqumicos
e, alm disso, vm ganhando espao na produo de combus-
tveis e produtos qumicos renovveis. Esses microrganismos
aproveitam energia de forma mais eficiente que as plantas, de-
vido sua simples estrutura celular, no competem por terra,
podem utilizar gua do mar para o crescimento, podem ser
cultivadas em fotobioreatores fechados e apresentam tolern-
cia a compostos txicos - podendo ser usadas para biorreme-
diao (RUPPRECHT, 2009).
Microalgas, as quais so consideradas matrias-primas
para combustveis de terceira gerao, podem produzir lipde-
os, protenas e carboidratos em grandes quantidades, permi-
tindo a produo de biodiesel, bioetanol, bio-leo, biohidro-
gnio e biometano por mtodos termoqumicos e bioqumicos
(DEMIRBAS, 2011). Porm, dificuldades principalmente na
etapa de separao tm sido o gargalo tcnico-econmico
para viabilizar o uso comercial.

Converso de matrias-primas sacardeas e amilceas
Esses dois tipos de biomassa so as matrias-primas de
maior uso nos bioprocessos, pois envolvem etapas de fermen-
tao para cada uma delas, etapas estas plenamente domina-
das pela indstria.
Exemplos de matrias-primas sacardeas so a cana-de-
-acar e o sorgo sacarino, que disponibilizam a sacarose para
a metabolizao por parte do microrganismo; a sacarose um
dissacardeo que tem a glicose como constituinte, alm da
frutose, que pode ser facilmente fermentada com o uso de le-
vedura, como a Saccharomyces cerevisiae - o processo usual
para a produo do etanol.
126
Biomassa para Qumica Verde
As matrias-primas amilceas, como o milho, o trigo e
a batata, entre outras, possuem o amido como o componente
a ser utilizado. O amido um polmero cujo monmero a
glicose e para utiliz-lo necessria a adio de uma enzima
(amilase) para catalisar a hidrlise, de modo a liberar a glico-
se, que pode ser fermentado como descrito para as matrias-
-primas sacardeas. Assim, o etanol tambm pode ser obtido a
partir das amilceas.
O etanol o composto qumico de maior interesse para
a qumica verde, pois ele pode ser utilizado como bloco-cons-
trutor na alcoolqumica, para a oteno de extensa rvore de
produtos e subpodutos.
Avanos no desenvolvimento de processos bioqumicos
Processos microbianos

A viabilidade tcnica para o aproveitamento dos dife-
rentes tipos de biomassa j foi demonstrada em muitos casos.
Entretanto, o grande desafio atualmente viabilizar economi-
camente a produo dos biocombustveis e produtos qumicos
a partir desse tipo de matria-prima. Para isto, muitos pes-
quisadores tm buscado o desenvolvimento de processos de
produo sob medida.
Um exemplo deste avano a utilizao de engenharia
metablica para produzir diesel da celulose com determi-
nadas propriedades fsico-qumicas de interesse, por meio
de processos fermentativos utilizando leveduras e bactrias,
ou diretamente de algas fotossintticas modificadas (SHEL-
DON, 2011).
127 Processos Bioqumicos
Quando se utiliza clulas microbianas em crescimento
em processo fermentativo, quantidades substanciais de bio-
massa residual podem ser geradas. Normalmente, ela dire-
cionada para alimentao animal, ou como fonte de energia
para o processo, vindo da oportunidades de desenvolvimento
de novos produtos. As desvantagens do uso de processos fer-
mentativos so:
Necessidade de uso de suplemento nutricional adicio-
nal durante a fermentao (KOUTINAS et al., 2007);
A baixa eficincia em muitos processos fermentativos,
devido ao uso de parte dos substratos para manuten-
o e crescimento celular, alm da formao de outros
produtos que no os de interesse.
Estratgias para superar tais limitaes envolvem: reali-
zar, primeiramente, uma etapa de crescimento celular e, em
seguida realizar a reao de interesse ou o uso de enzimas iso-
ladas (GHATAK, 2011).
Os organismos geneticamente modificados (OGM),
como bactrias e leveduras, vm despertando a ateno de-
vido possibilidade de aliar o alto potencial de produo de
compostos qumicos de diferentes estruturas em uma nica
fermentao, de modo otimizado e programado. Exemplos de
microrganismos que vm sendo modificados para aumentar a
tolerncia a compostos txicos, metabolizar diferentes fontes
de carbono (C5 e C6), melhorar a pureza e o rendimento dos
produtos so: Escherichia coli, Bacillus sp., bactria cido l-
tica, Corynebacterium glutamicum e Saccharomyces cerevisiae
(HASUNUMA et al., 2012).
128
Biomassa para Qumica Verde
A modificao de micrbios que j so utilizados in-
dustrialmente, por meio de ferramentas de gentica ou de
engenharia metablica, tem ocorrido nos ltimos anos.
Como exemplo, as cianobactrias utilizadas para a produ-
o de aminocidos vm sendo modificadas para metaboli-
zar substratos de cinco carbonos, como arabinose e xilose,
tendo a vantagem de suportar elevadas concentraes de
inibidores como furfural, hidroxi-metilfurfural e cidos or-
gnicos. A sntese de outros compostos qumicos utilizando
esses microrganismos tambm alvo de interesse (GOPI-
NATH et al., 2012).
Um dos principais problemas em processos bioqumicos
a inibio metablica. Por exemplo, o processo bioqumico
de produo de cido succnico inibido pelo prprio produ-
to, e isto limita o rendimento. Para solucionar este problema,
a remoo contnua do produto foi sugerida, e esta pode ser
realizada por meio de precipitao, eletrodilise e extrao re-
ativa (LYKO et al., 2009).
Processos enzimticos
Enzimas so biocatalisadores envolvidos em processos
biolgicos. Permitem menor consumo de energia e maior ren-
dimento no aproveitamento dos substratos. Podem catalisar,
de forma branda e seletiva, rotas de sntese com qualidade e
estabilidade do produto, quando comparadas a processos uti-
lizando catalisadores qumicos. As enzimas so de especial
interesse para a qumica verde devido sua baixa toxicidade
ambiental, aliada alta seletividade por stios ativos, o que
proporciona grande aumento na velocidade de reao.
129 Processos Bioqumicos
As converses, ou biotransformaes, podem ser realiza-
das utilizando enzimas isoladas ou clulas inteiras. As vantagens
de se usar enzimas isoladas so: enzimas podem ser purificadas,
o que evita reaes paralelas (como ao de proteases), alm de
poderem ser quimicamente estabilizadas. O uso de clulas in-
teiras tem como principal vantagem no ser necessrio o uso de
etapas de purificao de enzimas. Entretanto, no caso de clulas
mortas, a estrutura celular pode agir como um suporte de imo-
bilizao (SHELDON, 2011).
Muitos bioprocessos exigem enzimas operacionalmen-
te estveis em altas temperaturas, pois isto facilita a mistura,
melhora a solubilidade dos substratos, aumenta a velocidade
de transferncia de massa e reduz o risco de contaminao
(TURNER et al., 2007).
Os principais problemas relacionados aplicao de en-
zimas em processos industriais so: pouca estabilidade, no
so facilmente recicladas e operam com eficincia numa faixa
limitada de temperatura. Tais limitaes podem ser superadas
por meio da imobilizao das enzimas (GASSER et al., 2012).
Enzimas termoestveis geralmente so capazes de atuar
em condies exigidas para o processo. Uma enzima termoes-
tvel apresenta elevado tempo de meia vida, mesmo em tem-
peraturas superiores a 50C. Outra vantagem que podem ser
armazenadas temperatura ambiente por um tempo prolon-
gado, tendo maior tolerncia a solventes orgnicos, e reduzi-
dos risco de contaminao e perda de atividade durante o uso
(TURNER et al., 2007).
As enzimas podem catalisar uma ampla faixa de reaes,
por exemplo, oxidaes, redues, formao de ligaes car-
bono-carbono, hidrlises, as quais so de especial interesse
130
Biomassa para Qumica Verde
para a obteno de bloco-construtores derivados da biomassa.
Exemplos de ao de enzimas so (TURNER et al., 2007):
Monoxigenase: hidroxilao e oxidao;
lcool desidrogenase: reduo estereoseletiva de com-
postos carbonlicos para produo de alcool quiral;
Lipases ou oxidoredutases: sntese de epxidos;
Liases: formao de ligaes C-C;
Hidrolases e transferases: sntese de glicosdeos:
Enzimas com aplicaes industriais bem estabelecidas
so as proteases, as lipases e as glicosil-hidrolases.
Como exemplo de estudo de caso, trs enzimas so neces-
srias para a converso de xilana a xilitol: xilanase, xilosidase
e xilose redutase. Entretanto, a converso de xilose a xilitol
depende do uso de co-fatores, como NADPH, para reduzir o
custo do processo; o uso de enzima que recicle o co-fator ou o
uso de clula inteira necessrio. Algumas leveduras so capa-
zes de produzir xilitol; entretanto, reaes indesejadas como a
produo de xilulose observada (TURNER et al., 2007).
Um tema interessante de pesquisa atualmente o desen-
volvimento de catalisadores multifuncionais. A ideia consiste
em reunir numa mesma estrutura, ou partcula cataltica, dis-
tintos stios ativos, melhorando a velocidade e o rendimento
do produto desejado. Catalisadores enzimticos e inorgni-
cos podem ser combinados neste sistema, j que catalisadores
robustos e facilmente regenerados devem ser desenvolvidos
para viabilizar sua aplicao em meios complexos, contendo
131 Processos Bioqumicos
muitas impurezas (GALLEZOT, 2012), o que caracterstico
dos componentes da biomassa.
Aproveitamento de componentes minoritrios da biomassa
Alm de componentes como, lignina, celulose, hemice-
lulose e leos, outras molculas como as protenas podem ser
aproveitadas. O teor de protenas pode variar consideravel-
mente em funo da fonte. Considerando o enorme volume
de biomassa a ser processado, mesmo os materiais que apre-
sentam baixo percentual de protenas podem se tornar inte-
ressantes no aproveitamento da biomassa.
A aplicao de protenas vem sendo estudada tambm
para a produo de biocombustveis e produtos qumicos. Um
importante produto comercializado hoje, a glutationa, que
um tripeptdeo, utilizado na indstria farmacutica, de ali-
mentos e cosmticos, podendo ter a produo potencializada
pela adio de aminocidos aos meios de cultivo. A expresso
de proteases na superfcie celular de S. cerevisiae favorece o
uso direto de protenas para liberao dos aminocidos e au-
mento da produo de glutationa.
Uma alternativa para uso da frao proteica da biomassa
promover a deaminao microbiana de hidrolisados proteicos,
levando produo de lcoois C4 e C5 (HUO et al., 2011).
A produo de aminocidos e a converso destes tem se
tornado cada vez mais interessante, pois compostos qumicos
nitrogenados provenientes de aminocidos da biomassa po-
dem ser produzidos de forma econmica e ambientalmente
mais favorvel, quando em comparao aos mesmos compos-
tos obtidos a partir de hidrocarbonetos de petrleo.
132
Biomassa para Qumica Verde
Aminocidos como os cidos asprtico e glutmico, lisina
e fenilalanina, tm se destacado na obteno de produtos qu-
micos renovveis. Exemplos de aplicaes desses aminocidos
so a converso de lisina a caprolactana e a de penilalanina a
estireno (SHELDON, 2011).
O aproveitamento de protenas da biomassa pode ser re-
alizado usando um pr-tratamento adequado, como o AFEX
(ammonia fiber expansion), que utiliza amnia e liberao
explosiva de presso para a expanso das fibras. As protenas
so aplicadas principalmente como rao animal, e a hidrlise
delas pode gerar alimentos com maior valor nutricional para
alimentao de peixes (BALS et al., 2007).
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139 A Plataforma Termoqumica
A principal caracterstica dos processos termoqumicos
de converso de biomassa o fato de usarem altas temperatu-
ras para que ocorram as reaes qumicas. A faixa de tempe-
ratura ampla e depende do tipo de processo a ser realizado,
podendo variar de 200 a 1.200
o
C.
Sob a denominao de processos termoqumicos de con-
verso de biomassa encontram-se vrias tecnologias que con-
duzem a produtos primrios e secundrios diferentes, confor-
me esquematizado na Figura 1.
De todos os processos listados na Figura 1, a combusto
o nico que acontece em presena de excesso de oxignio. Ge-
ralmente, a combusto, tambm denominada queima direta,
a reao do combustvel com oxignio caracterizando, assim,
uma tpica reao de oxidao. Os produtos finais da combus-
to completa de um combustvel orgnico, biocombustvel ou
fssil, dixido de carbono ou gs carbnico (CO
2
), vapor de
gua e energia. Essa energia liberada na queima a energia til
usada nos processos industriais para aquecimento, resfriamento
e transformao em eletricidade (BARRETO et al., 2008).
O oxignio estequiomtrico a quantidade necessria
para a queima completa de um determinado combustvel. Nos
A Plataforma Termoqumica
Jos Dilcio Rocha
6
140
Biomassa para Qumica Verde
processos reais, quando se tem a conjuno de vrios efeitos
que dificultam as reaes, relacionados com a mistura, super-
fcie de contato, diluio, tamanho de partculas, etc., a quanti-
dade de oxignio geralmente usado em excesso, ou seja, aci-
ma do nmero estequiomtrico. Em caldeiras, equipamentos
nos quais os combustveis so queimados, existem entradas
primrias, secundrias e at tercirias de ar atmosfrico.
O ar atmosfrico uma mistura gasosa de aproximada-
mente 21% m/m de oxignio e 77% m/m de nitrognio, com
traos de outros gases (cerca de 2% m/m). O uso de ar em
excesso necessrio para garantir a combusto completa; o
que causa, tambm, uma grande diluio do meio reacional
Figura 1. Processos termoqumicos de converso de biomassa. Adaptado
de Bridgwater (2008).
141 A Plataforma Termoqumica
e grande quantidade de nitrognio introduzida no sistema,
ou seja, no interior do reator (caldeira); isto influencia a efi-
cincia, dimensionamento e outros aspectos da tecnologia.
O nitrognio frequentemente descrito como um gs inerte
na reao, porm, altas temperaturas, ele pode reagir e for-
mar compostos indesejveis, como os xidos nitrosos (gene-
ricamente denominados de NO
x
). O nitrognio orgnico dos
combustveis tambm pode ser oxidado a xidos nitrosos, o
que pode acontecer tambm com o enxofre (SO
x
). Esses gases
so poluentes e indesejveis nas emisses atmosfricas, por
influenciarem na formao de oznio a baixas altitudes e na
chuva cida, respectivamente. Geralmente, a biomassa no
rica nesses dois elementos; porm, existem algumas excees
que tornam necessrios o acompanhamento e controle das
emisses gasosas.
Desta forma, com exceo da combusto, os demais pro-
cessos termoqumicos de converso de biomassa so todos
realizados na ausncia ou deficincia de oxignio, lembrando
que a ausncia total desse gs muito difcil de ser obtida na
prtica. Assim, a diferena entre os processos est na tempera-
tura e na presso de operao, tempo de residncia, regime de
operao, tamanho de partculas e uso de catalisador.
A pirlise rpida assim denominada devido ao curto pe-
rodo de tempo que os reagentes ou matrias-primas levam para
entrar, reagir, formar os produtos e sair do reator. Esse tempo
chamado tempo de residncia. A pirlise rpida tambm assim
denominada para se diferenciar da pirlise lenta, conhecida mais
comumente como carbonizao. O tempo de residncia na pir-
lise rpida da ordem de segundos, ou seja, a biomassa leva de 2 a
3 segundos para se transformar em produtos. Na carbonizao, o
142
Biomassa para Qumica Verde
mesmo ciclo pode durar alguns dias ou at semanas. Essa diferen-
a to grande devido aos mecanismos de transferncia de calor
e massa, que na pirlise rpida quase instantnea e na carboni-
zao muito demorada. A principal influncia sobre o processo
decorre do tamanho de partcula, pois as partculas submetidas
pirlise rpida devem ter cerca de no mximo um milmetro
(1 mm) e no caso da carbonizao as partculas so troncos de
at um metro (1 m) de comprimento por vrios centmetros de
dimetro. Essas so diferenas fundamentais entre a pirlise r-
pida e a carbonizao; mas, alm disso, os produtos tambm so
bem distintos nos dois processos. A carbonizao produz, princi-
palmente, carvo vegetal; j a pirlise rpida tem como principal
produto o bio-leo. Entretanto, sempre ocorre formao de pro-
dutos slidos, lquidos e gasosos nesses processos, independente
da tecnologia aplicada. Muitas vezes, alguns desses produtos no
so recuperados ou aproveitados e simplesmente so despreza-
dos. o caso da produo de carvo vegetal em fornos de alvena-
ria no Brasil, que desperdia, em forma de emisses atmosfricas,
os produtos lquidos e gasosos da carbonizao.
A torrefao, tambm denominada pirlise branda, por
ser um tratamento trmico que acontece entre 250 e 280
o
C,
embora seja conhecido h muito tempo, tem recente interes-
se em processos que buscam preservar a maior parte da bio-
massa para a queima posterior e que necessitam de produtos
com alto poder calorfico (RODRIGUES, 2009). A torrefao
produz a biomassa torrada, que um combustvel slido in-
termedirio entre a biomassa in natura e o carvo vegetal. A
biomassa torrada vai alm da secagem da biomassa e incio
do processo da degradao trmica, interrompendo-se ain-
da na fase endotrmica da pirlise. Esse processo produz um
143 A Plataforma Termoqumica
biocombustvel de alta qualidade, alta densidade e melhores
propriedades de queima. Torrar biomassa poder vir a ser um
processo popularizado no futuro.
A gaseificao um processo atualmente muito usado e
com vrias tecnologias a ela associadas. A gaseificao de bio-
massa ainda demanda de desenvolvimento e inovao a serem
feitos, at atingir de forma abrangente o mercado; no entan-
to, a gaseificao de combustveis fsseis largamente usada
na indstria. Tanto o carvo mineral, como fraes pesadas
do petrleo, e at mesmo o gs natural, so todos gaseificados
atualmente. Gaseificar significa transformar o combustvel
inicial em gs de sntese (USHIMA et al. 2009).
A gaseificao tem muitas aplicaes, conforme veremos
nas sees subsequentes: para fins trmicos, de gerao eltri-
ca, para sntese de combustveis e matrias-primas similares
aos produzidos pelo refino do petrleo, para a produo de
hidrognio, de alcois, etc.
A liquefao de biomassa j foi muito estudada, porm
nunca teve uma aplicabilidade muito grande na indstria. Isso
pelo fato de ser um processo geralmente em batelada e no
contnuo e por usar reatores pouco convencionais. um pro-
cesso que acontece em meio lquido, em ambiente redutor sob
altas temperaturas. Existem diversos exemplos desse processo
e suas variaes, sendo que atualmente no tm sido muito
estudados e o interesse por eles baixo.
A cogerao na indstria brasileira
A cogerao de grande interesse na indstria brasilei-
ra, principalmente na agroindstria canavieira. Conforme
144
Biomassa para Qumica Verde
j foi explicado, a combusto ou queima direta o processo
como todo combustvel usado na gerao de energia, seja
ela trmica, eltrica ou motriz. J que a energia no gerada
ou produzida em processos termoqumicos, o termo correto
transformao, mas o termo gerao amplamente usado e
aceito, principalmente em engenharia. Por sua vez, a cogera-
o se refere gerao de mais de uma forma de energia de
uma s vez. Existe, ainda, outro termo pouco usado: a trige-
rao que se refere gerao de trs formas de energia: calor
ou frio de processo (ambos formas de energia trmica) e a
energia eltrica ou tambm a energia mecnica (ROSILLO-
-CALLE et al., 2005).
Uma termeltrica uma planta industrial na qual entra o
combustvel e sai a eletricidade. Ela constituda por turbinas
a vapor e turbinas a gs, caldeiras, geradores, condensadores
e trocadores de calor, bombas, pr-aquecedores, entre outros
equipamentos e componentes. Os combustveis podem ser
os mais variados; a biomassa, que o foco dessa publicao,
ser exaustivamente tratada, mas tambm pode ser o carvo
mineral, o gs natural, o leo combustvel ou o diesel (ambos
derivados do petrleo), ou mesmo o urnio, sendo que nesse
caso no ocorre a combusto e sim a fisso nuclear. Esse ltimo
processo libera grande quantidade de calor capaz de alimentar
as caldeiras, gerar vapor e acionar as turbinas, mas no ser
tratado aqui por no ser bioenergia.
No Brasil, o exemplo mais caracterstico de cogerao in-
dustrial a agroindstria da cana-de-acar; porm, a cogera-
o de energia tambm feita nas indstrias de celulose, nas
beneficiadoras de arroz e at mesmo em refinarias de petrleo.
Em todas as usinas de cana-de-acar no pas a queima de
145 A Plataforma Termoqumica
bagao movimenta as turbinas a vapor para gerar a energia
eltrica demandada nas unidades fabris, fornecendo todo o
calor de processo requerido para as operaes que compem
o processo completo de produo de acar e etanol (GOL-
DEMBERG et al., 2008). A cogerao a gerao simultnea
de energia trmica (calor ou frio) e energia eltrica, sendo que
essa ltima pode ser, inclusive, exportada para a rede de ener-
gia eltrica.
A eletricidade produzida pela queima do bagao de cana
denominada muitas vezes de bioeletricidade. Em vrias re-
gies brasileiras uma parte da eletricidade suprida pelas con-
cessionrias locais tem origem nas usinas de cana e, portanto,
trata-se de bioeletricidade. A interligao de uma usina de
cana, ou outra indstria com potencial de gerao excedente,
depende da existncia de subestaes e de linhas de transmis-
so at rede principal mais prxima. Essas subestaes e as
linhas de transmisso so caras e podem at mesmo inviabili-
zar o projeto, caso a localizao da usina for muito distante da
rede de transmisso e dos centros consumidores.
A tecnologia convencional de cogerao mais comum no
Brasil o ciclo a vapor ou ciclo Rankine. So usadas turbinas
a vapor acionadas por vapor dgua produzido em caldeiras.
Esse ciclo pode ter vrias configuraes a partir de gerao
de vapor de processo, o que seria uma aplicao trmica ape-
nas. Existem muitas caldeiras operando nessa configurao.
Todas as micro caldeiras de uso residencial para alimentar
sistemas de calefao e gua quente so bons exemplos dessa
modalidade.
Existem muitos processos que demandam grandes quan-
tidades de vapor e muitas vezes a indstria abastecida por
146
Biomassa para Qumica Verde
eletricidade da rede, precisando apenas de uma caldeira para
produzir o vapor necessrio. Os exemplos dessa aplicao so
as indstrias alimentcias, qumicas, entre outras. Nos pases
de clima temperado so muito comuns as centrais de aqueci-
mento e distribuio de gua quente nos domiclios, chama-
das de district heating, conforme mostrado na Figura 2.
Figura 2. Esquema de district heating servindo seis unidades domiciliares.
A corrente quente representada pela linha vermelha e a corrente fria pela
linha azul.
De modo oposto, existem indstrias que necessitam gerar
apenas energia eltrica e no necessitam de calor de processo.
Essa situao a mais comum no mundo.
O ciclo Rankine tambm conhecido como ciclo vapor
com condensao. Todo vapor condensado na sada da tur-
bina e retorna caldeira depois de passar pelo desaerador para
eliminar os gases absorvidos pelo vapor durante o processo.
Em todos os ciclos a vapor a gua deve ser tratada para evitar
147 A Plataforma Termoqumica
incrustaes nos equipamentos e diminuir sua vida til e os
custos de manuteno.
J a cogerao, que integra ambas as configuraes acima
descritas, tm duas variaes: o ciclo a vapor com condensa-
o e extrao, ou em contra-presso. A configurao do ciclo
a vapor em contra-presso para situaes nas quais a deman-
da por vapor de processo alta na planta industrial, ao passo
que a configurao condensao com extrao para peque-
nas demandas de energia trmica.
Todas essas modalidades usam as turbinas a vapor; po-
rm, elas no so os nicos tipos de turbinas usadas nos ci-
clos de cogerao. Outros equipamentos como turbinas a gs,
motores de combusto interna, motores stirling, etc., tambm
podem ser usados (LAVACA et al., 2009).
O ciclo Brayton essencialmente baseado em turbinas a
gs. Essa opo geralmente usada para a gerao ou cogerao
com gs natural, um combustvel fssil, ou em uma configura-
o ainda no comercial, que a gaseificao de biomassa. Essa
possibilidade ser vista na seo sobre gaseificao de biomassa.
O ciclo Brayton tambm pode ser operado aproveitando-se os
gases de exausto da turbina a gs em uma caldeira com turbi-
nas a vapor, ou seja, ciclo Rankine, assim a configurao toda
se torna um ciclo combinado. Os gases de exausto da turbina a
gs saem com temperaturas elevadas entre 450 e 550
o
C.
Os combustveis usados so os mais variados. Alm do
bagao de cana, existem termeltricas queimando casca de ar-
roz, resduos florestais e j se tem aquelas que queimam capim
elefante. A maioria dessas plantas, exceto aquelas com bagao
de cana, devido falta de demanda por calor de processos, no
cogeram, apenas geram eletricidade.
148
Biomassa para Qumica Verde
Mesmo sendo as tecnologias de cogerao bem conheci-
das, dominadas e praticadas industrialmente, ainda h espao
para muitas inovaes. Novas condies operacionais, como
aumento de presso e temperatura, aumentam os rendimentos
e tm interesse mercadolgico. Essas novas aplicaes deman-
dam novos equipamentos e novos materiais e isso geralmente
encarece os investimentos e necessitam de linhas especiais de
financiamento.
O processo de pirlise rpida da biomassa
A pirlise rpida pode ser vista como um processo pre-
cursor de BTL, biomassa para a produo de combustveis
lquidos (do ingls biomass to liquids). Assim como a gaseifi-
cao, a pirlise rpida tambm um processo de converso
termoqumica de biomassa. Caracteriza-se pela degradao
trmica do combustvel slido, na ausncia de oxignio, em
um curto tempo de reao, da ordem de alguns poucos segun-
dos (BRIDGWATER, 2008).
O bio-leo produzido por pirlise rpida de biomassa.
Nesse processo tambm produzido carvo vegetal particu-
lado (pequenas partculas), gases pirolticos e extrato cido,
uma frao aquosa (90% m/m de gua) devido umidade ini-
cial da biomassa, que deve estar entre 10 e 15% m/m, e gua
formada nas reaes de pirlise.
A pirlise rpida da biomassa deve ser entendida como a
degradao trmica acelerada das partculas de biomassa seca.
Para que esse processo acontea, a biomassa deve ter pequeno
tamanho de partcula, da ordem de 1 mm e deve ser previamen-
te seca, com 10 a 15% m/m de umidade. Ela acontece presso
149 A Plataforma Termoqumica
atmosfrica, o que se constitui em uma grande vantagem ope-
racional e de baixo custo de investimento, em temperaturas da
ordem dos 500
o
C. Existem limitaes para o aumento de escala
desse processo em todas as tecnologias j estudadas at hoje.
Conforme j tratado, pirlise rpida no deve ser confundida
com a queima ou combusto, mesmo usando um pouco de
oxignio; tanto a pirlise como a gaseificao trabalham com
deficincia desse gs oxidativo, ou seja, esses processos usam o
oxignio apenas como etapa intermediria de processo, como
fonte de calor, mas suas quantidades esto muito abaixo do va-
lor estequiomtrico demandado para a queima completa.
Diversas tecnologias j foram at o presente momento
propostas para a pirlise de biomassa, sendo que a mais aceita,
praticada e vivel em larga escala, o leito fluidizado borbu-
lhante e leito fluidizado circulante. Alm desta, j foram testa-
das as tecnologias de reator ablativo, pirlise a vcuo, reator de
cone rotativo e reator de leito de arraste.
A pirlise da biomassa para a obteno de bio-leo pode
ser vista como uma etapa de transformao da biomassa sli-
da, de baixa densidade, em um combustvel intermedirio no
estado lquido.
Existe muita discusso e controvrsias em torno da esca-
labilidade de plantas de pirlise de biomassa. A empresa mais
antiga neste segmento de negcio, a canadense Ensyn, produz
bio-leo desde 1989 em leito fluidizado circulante. Esse fabri-
cante tem uma capacidade de produo anual de 19 milhes
de litros de bio-leo em uma planta de 40 toneladas por dia
(1995), outra de 45 toneladas por dia (2002), ambas nos EUA,
e outras duas no Canad, de 80 e 160 toneladas por dia de
biomassa. As plantas nos EUA funcionam comercialmente.
150
Biomassa para Qumica Verde
J as do Canad no existe informao segura sobre operao
contnua.
Outra canadense, a Dynamotive, tem duas plantas no Ca-
nad de 130 e 200 toneladas por dia para utilizao de madei-
ra residual da construo civil como matria-prima; porm,
no provaram sua viabilidade tcnica, o que se d por meio
do acumulo de horas de operao estvel. Nessa empresa, a
tecnologia usada o leito fluidizado borbulhante.
No Brasil, os estudos chegaram at a escala de 200 kg h
-1
, com
plantas de 20 toneladas por dia j projetadas para serem constru-
das e testadas. A empresa Bioware tem trabalhado nessa pers-
pectiva, com o desenvolvimento de leito fluidizado borbulhante.
As grandes dificuldades tecnolgicas envolvidas esto ligadas aos
fenmenos de transferncia de calor e massa no meio reacional,
que no tem linearidade e tem muita influncia da geometria do
reator; problemas de homogeneidade reacional, excessiva de-
manda de energia quando a escala aumenta tambm devem ser
considerados. Alm do mais, a recuperao dos produtos outro
gargalo que deve ser resolvido de forma economicamente vivel.
As tecnologias canadenses para limpeza dos gases usam,
principalmente, precipitadores eletrostticos. Porm, a ten-
dncia no Brasil no usar estes equipamentos e sim solues
mais eficientes e mais baratas, como lavadores e recuperado-
res baseados no princpio Venturi. O mesmo se pode dizer
em relao ao sistema de alimentao de biomassa. Usam-se
fora do Brasil os caros sistemas pneumticos, enquanto que
aqui se opta por roscas transportadoras. A pirlise acontece
em presso atmosfrica e temperaturas moderadas entre 450
e 500
o
C. Essas condies operacionais so brandas e facili-
tam a construo e operao das plantas. No caso da pirlise
151 A Plataforma Termoqumica
a vcuo, o reator mantido presso reduzida. Outra varivel
importante o tempo de residncias que deve ser curto para
que os vapores no sofram craqueamento intenso e no ocorra
a gaseificao indesejada do bio-leo, ainda na fase vapor, afe-
tando negativamente o rendimento da frao lquida.
Admitindo-se que seja seguro alcanar uma taxa de ali-
mentao de at duas toneladas por hora, o que significa cerca
de 20 toneladas por dia, um cenrio possvel produzir o bio-
-leo de forma descentralizada e distribuda e concentrar toda
a produo para ser processada em um grande gaseificador,
usando oxignio e altas presses. Este poderia ser um arranjo
vantajoso do ponto de vista da logstica.
Dentro destas operaes de pr-tratamento, o uso da ener-
gia (balano de energia) e o consumo de gua (balano de mas-
sa) para a preparao das matrias-primas devem ser tambm
considerados, buscando o uso racional e a eficincia energtica
dos processos indo de encontro aos princpios da qumica ver-
de. Tal arranjo pode viabilizar a tecnologia de pirlise rpida de
biomassa no Brasil, com a vantagem se ter grande disponibili-
dade de matrias-primas e custos competitivos.
Os produtos primrios
O produto principal da pirlise rpida de biomassa o
bio-leo. Mas, tambm, tem-se a produo de carvo vegetal
na forma pulverizada, extrato cido e gases.
A Figura 3 ilustra os produtos da pirlise da palha de
cana-de-acar processada na planta de pirlise rpida com
capacidade de 200 kg h
-1
de biomassa, denominada PPR-200.
Esta tecnologia, baseada em leito fluidizado, foi desenvolvida
152
Biomassa para Qumica Verde
pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, em
parceria com a empresa Bioware Tecnologia, incubada e gra-
duada pela Incamp (Incubadora de Empresa de Base Tecnol-
gica da Unicamp).
Figura 3. A planta demonstrativa, a matria-prima e os produtos. Fonte:
Bioware Tecnologia.
Os gases, outro produto da tecnologia, no so mostra-
dos na Figura 3, porque so queimados e reaproveitados no
prprio sistema produtivo. A pirlise rpida de biomassa visa
maximizar os rendimentos de bio-leo. Para isso preciso ga-
rantir que a biomassa, usada como matria-prima, esteja com
partculas na faixa de tamanhos entre 1 e 4 mm e um teor de
umidade de at 15% m/m.
Os rendimentos dos produtos da pirlise rpida em es-
cala de laboratrio, usando equipamentos de recuperao de
bio-leo altamente eficientes, podem chegar at 75 % m/m
(Tabela 1). Esse rendimento considera a massa de lquido total
Carvo em p
Extrato cido
Bio-leo
Planta de pirlise rpida PPR-200
Palha de cana-de-acar
153 A Plataforma Termoqumica
recuperado, tais como: gua, cidos, extrativos e o bio-leo.
Em unidades piloto de pirlise, usando ar como agente de
fluidizao, os rendimentos de bio-leo (5-7% m/m de gua),
extrato cido e carvo, so apresentados na Tabela 2. A base de
clculo utilizada corresponde massa orgnica seca contida
na biomassa, a qual alimenta o reator. A massa orgnica cal-
culada subtraindo-se a quantidade de gua e cinzas presentes
na biomassa, descontando-se, ainda, o percentual de biomassa
que sofre combusto pelo oxignio contido no ar de fluidi-
zao. O uso de ar no processo de pirlise garante operao
auto-trmica do reator.
Tabela 1. Rendimentos dos produtos tpicos, em base seca, obtidos por meio
de diferentes processos de pirlise de madeira (BRIDGWATER, 2001).
Processo Condies de processo
% m/m de
lquido
% m/m
de carvo
% m/m
de gs
Pirlise rpida
Temperaturas
moderadas (450-550
o
C), curtos tempos de
residncia dos vapores
(0,5-3 s) e biomassa
com baixo tamanho de
partculas.
75 12 13
Carbonizao
Baixas temperaturas
(400-450
o
C), longos
tempos de residncia
(pode ser de horas
ou dias), partculas
grandes. (pedaos de
madeira)
30 35 35
Gaseifcao
Alta temperatura
(900
o
C) e alto tempo de
residncia dos vapores.
5 10 85
154
Biomassa para Qumica Verde
A pirlise rpida como uma etapa de pr-tratamento de
biomassa
A pirlise rpida tem duas caractersticas altamente van-
tajosas: (1) seu principal produto o bio-leo (combustvel
lquido) e (2) viabilidade tcnica e econmica em escala en-
tre 1 e 2 toneladas por hora de alimentao de biomassa. O
bio-leo a prpria biomassa na sua forma lquida, o que lhe
d vantagens em termos de transporte, bombeamento, esto-
cagem e manuseio, caractersticas que a biomassa slida, com
alto teor de umidade, no tem. Assim, o bio-leo pode se be-
neficiar de toda a estrutura usada atualmente para os combus-
tveis lquidos. No que diz respeito escalabilidade, as plantas
de pirlise rpida tm se mostrado muito mais eficientes em
pequena escala. Desta forma, pequenas plantas ou at mesmo
plantas mveis, podem ir ao local de processamento bem per-
to da biomassa, evitando o transporte caro da biomassa por
longas distncias. O transporte da biomassa no estado lquido,
ou seja, na forma de bio-leo, muito mais conveniente e fac-
tvel a longas distncias, devido sua alta concentrao ener-
gtica e menor umidade. A viabilidade econmica de plantas
de pequeno tamanho um diferencial desta tecnologia que
possibilita o uso descentralizado.
Aplicaes potenciais dos produtos
Todos os produtos da pirlise rpida tm aplicaes po-
tencialmente importantes, seja como intermedirios qumicos
em outros processos industriais, seja como produto final aps
o biorrefino ou diretamente, como combustvel renovvel,
155 A Plataforma Termoqumica
conforme mostrado na Figura 4. Em todas as possibilidades
de aplicaes, o bio-leo ser sempre um substituto renovvel
para combustveis ou matrias-primas tradicionalmente pro-
venientes de fontes fsseis.
Estudos esto sendo realizados, considerando um cenrio
no qual o bio-leo ser utilizado como fonte para a produo
de gs de sntese. O bio-leo ser obtido em planta de pirlise
rpida em leito fluidizado em pequena escala e a partir de uma
grande variedade de biomassa como resduo das diversas cul-
turas agrcolas, agroindustriais e agroflorestais. A mistura de
toda a produo de bio-leo ser armazenada em uma planta
de grande porte para ser gaseificada e produzir combustveis
sintticos, fertilizantes e outros produtos, via sntese orgnica
cataltica. Essa a descrio de uma biorrefinaria baseada em
gs de sntese (ROCHA, 1993; ROCHA, 1997). A estrutura
dessa biorrefinaria deve ser em larga escala, j que as plantas
de catlise so caras e apenas se justificam para grandes volu-
mes de produo. O modelo proposto admite e justifica o uso
da pirlise rpida em maior escala.
A principal vantagem de gaseificar o bio-leo, ao invs
de gaseificar a biomassa slida, que o sistema de gaseifica-
o pode ser pressurizado facilmente e assim pode-se utilizar
oxignio puro. Este mtodo produz gs de sntese de alta qua-
lidade, uma vez que evita a sua diluio em nitrognio do ar
atmosfrico e resulta em altas concentraes dos dois com-
ponentes do gs de sntese, o hidrognio (H
2
) e o monxido
de carbono (CO). Tambm a elevada presso utilizada para a
obteno do gs de sntese auxilia na etapa seguinte de sntese
cataltica, que necessita do gs de sntese a altas presses, na
faixa de 50 a 100 atm.
156
Biomassa para Qumica Verde
Figura 4. Produtos da pirlise rpida e suas aplicaes potenciais.
Matria prima para
produo de biodiesel leve
Substituio do carvo e da lenha, uso
em alto-fornos na indstria siderrgica
(carvo compactado, briquetado)
Substituio parcial
do fenol petroqumico
para produo de
resinas fenlicas
Aditivo para emulsionar
bio-leo em derivados
de petrleo gerao
de energia em sistemas
termeltricos
Como combustvel
renovvel em
substituio ao diesel e
ao leo combustvel na
gerao de energia em
sistemas termeltricos
Emulses
para asfalto
Emulses
para queima
Transporte de
petrleo de alta
viscosidade
BIO-LEO
CARVO
VEGETAL
EXTRATO
CIDO
Inseticida natural, adubo
orgnico, fungicida
Queima em suspenso
Pelotizao de
minrio de ferro
157 A Plataforma Termoqumica
Os gargalos das etapas de transformao
A biomassa para ser utilizada como matria-prima no
processo de pirlise rpida deve cumprir os requisitos de uni-
formidade de tamanho de partcula e de teor de umidade. O
primeiro passo cuidar da logstica para o acondicionamento
de biomassa polidispersa. O Brasil, um pas eminentemente
agrcola, produz anualmente, acima de 50 milhes de tone-
ladas de resduos agrcolas e agroindustriais (CORTEZ et al.,
2008). No entanto, apenas uma parte utilizada como fon-
te energtica, pois esses resduos apresentam caractersticas
energticas pobres (baixa densidade, baixo poder calorfico
e alta umidade), causando altos custos durante o transporte,
manuseio e armazenagem. Ou seja, a logstica para o uso in-
tensivo destes resduos in natura pode ser extremamente cara.
O que denominado de pr-tratamento da biomassa para
a converso termoqumica pode ser uma instalao industrial
to grande e cara quanto o processo principal. Pensar em to-
das as etapas de produo, por exemplo, de um biocombust-
vel, uma tarefa que pode variar profundamente dependendo
do tipo de matria-prima e do tipo de combustvel que se pre-
tende obter.
Toda a cadeia produtiva da biomassa apresenta diversas
operaes unitrias (coleta, transporte, condicionamento,
processamento) que podem inviabilizar seu uso devido aos
altos custos de produo. Assim, uma matria-prima flores-
tal ter necessariamente uma sequncia de operaes unit-
rias diferentes de matrias-primas de origem agrcola (palha
e colmo de milho, colmo de mandioca, etc.), agroindustrial
(bagao de cana, tortas de filtro, licor negro, etc.), pecuria
158
Biomassa para Qumica Verde
(esterco, sebo, cama de frango, etc.), biomassa aqutica (mi-
croalgas, aguap) ou resduos urbanos (podas de rvores,
lodo de esgoto, resduos slidos). Alm disso, os combust-
veis de origem fssil e os biocombustveis existem nos trs
estados: slido, lquido e gasoso. E, para cada um deles, essas
operaes variam bastante.
O estado slido, sendo a forma mais freqente na qual
os biocombustveis so encontrados, apresentam problemas
relacionados com diversidade de forma e tamanho das par-
tculas, umidade elevada e baixa densidade energtica. O es-
tado lquido, como o caso dos leos vegetais, sebo animal,
alcois, biodiesel, bio-leo, etc., a forma mais prtica dos
biocombustveis, facilitando seu manuseio e a logstica (SER-
VIO NACIONAL DE APOIO S MICRO E PEQUENAS
EMPRESAS, 2008). Os gases, como biogs, gs de aterro e gs
de lodo de esgoto, alm do gs de sntese, geralmente no po-
dem ser transportados em largas distncias e devem ser usa-
dos localmente.
A lgica da bioenergia muito diferente da lgica da
energia fssil. A bioenergia est mais ligada ao conceito de
gerao, produo e consumo distribudos e plantas de pe-
quena e mdia escalas, enquanto para os combustveis fsseis,
ou mais amplamente para a energia no renovvel, a gerao
e a produo mais centralizada e em larga escala (BRA-
SIL, 2006; BRAND, 2007; BLEY-JR. et al., 2009). As etapas de
minerao (prospeco e explorao) dos combustveis no
renovveis so substitudas pela etapa agrcola na bioenergia.
Os biocombustveis so constitudos, em geral, por compos-
tos oxigenados sem enxofre, e os fsseis so constitudos por
hidrocarbonetos que possuem o enxofre como o principal
159 A Plataforma Termoqumica
heterotomo. A presena de oxignio nos biocombustveis
reduz o seu poder calorfico; porm, lhes confere uma me-
lhor qualidade de queima, por j terem oxignio intramole-
cular, alm de promover uma queima mais limpa do que a
queima de hidrocarbonetos.
A carbonizao para a produo de carvo vegetal
A carbonizao um processo termoqumico relevante no
Brasil. Tambm denominada carvoejamento, uma variao
da pirlise descrita acima e mostrada na Tabela 1. Ela dura v-
rias horas e por isso um tipo de pirlise lenta. O objetivo prin-
cipal desse processamento de biomassa a produo de carvo
vegetal. O Brasil o nico pas que tem expressiva produo
siderrgica a carvo vegetal. Esse insumo geralmente asso-
ciado devastao de florestas nativas, mas deve ser encarado
como uma alternativa verde de produo de ao, que, mun-
dialmente, baseada no coque de carvo mineral. Para pro-
cessos que usam carvo vegetal tem-se como produto o ao
verde, com o carvo vegetal funcionando como agente redutor
para o minrio de ferro. As funes do carvo vegetal na side-
rurgia so de agente redutor e de fonte de energia do processo.
O uso da biomassa proveniente de matas nativas para a
produo de carvo vegetal no Brasil tem explicaes histri-
cas e naturais. O pas sempre teve grande cobertura florestal
nativa. Para a expanso das atividades econmicas, sejam elas
agropecurias, de urbanizao ou de ocupao estratgica de
partes do territrio nacional, geralmente, necessrio derru-
bar matas. Assim, parte dessa biomassa foi usada na produo
de carvo tanto para uso industrial, como para uso domstico.
160
Biomassa para Qumica Verde
O setor siderrgico a carvo vegetal tem como princi-
pais pontos fracos o baixo aproveitamento da matria-prima,
o uso de matria-prima no renovvel, a baixa utilizao de
tecnologias avanadas, e as questes scio-econmicas ligadas
s pssimas condies de trabalho. Esse quadro de profundo
desequilbrio em todos os aspectos deve ser mudado para um
sistema de produo que d sustentabilidade e o transforme
profundamente. Os pontos fracos descritos acima atingem
parte do setor; existe outra parte significativa com caractersti-
cas opostas, sendo produtoras de florestas plantadas para pro-
duzir sua prpria matria-prima renovvel e, dentro das me-
lhores tcnicas da silvicultura, utiliza tecnologias industriais
de carbonizao com mecanizao dos fornos e instalao
de sistemas para recuperao de volteis - o que aumenta os
rendimentos do processo - condies de trabalho adequadas e
aes que permitem a conservao do meio ambiente, remu-
nerao da mo-de-obra e rentabilidade do setor.
O principal aporte que o setor siderrgico a carvo vege-
tal dever dar ao pas daqui para o futuro o aumento de sua
sustentabilidade. Este setor tem importncia econmica e de-
ver abandonar o uso de florestas nativas, alm de introduzir
novas tecnologias e inovaes na cadeia produtiva do carvo
vegetal, o que permitir recuperar e aproveitar os compostos
volteis, como hidrocarbonetos, geralmente eliminados pelos
mtodos tradicionais na forma de emisses atmosfricas.
Embora o ao-verde, aquele produzido com carvo vege-
tal ao invs de usar coque de carvo mineral, responda apenas
por 30% da produo brasileira, o Brasil o nico pas que
utiliza este insumo em larga escala, tratando-se de uma aplica-
o que deve ser incrementada. Tal produto um diferencial
161 A Plataforma Termoqumica
que o pas deve levar aos fruns internacionais sobre mudan-
as climticas. Para que isso se converta em benefcios para a
sociedade, as deficincias descritas acima devem ser atacadas.
O melhor caminho para acelerar a evoluo do setor atravs
de parcerias pblico-privadas.
As mudanas do setor siderrgico usurio de carvo ve-
getal deve passar por uma anlise de sua cadeia produtiva, e
depois de identificadas pontualmente as deficincias, deve-se
tomar as aes. Pode parecer que a falta de tecnologias inova-
doras seja fcil de explicar, mas no ser to fcil de agregar ao
setor tradicional. Os baratos fornos de alvenaria, de fcil cons-
truo e transporte, ainda constituem a principal tecnologia
usada h sculos pelo setor. Algumas variaes deste modelo
tambm so aplicadas e algumas grandes empresas usam tec-
nologias sofisticadas de produo.
Do ponto de vista tecnolgico existe soluo. Vrias tec-
nologias esto hoje disponveis, dependendo apenas de testes
em larga escala e a replicao nas linhas de produo.
O processo de gaseificao para a produo de gs de sntese
O gs de sntese o principal produto da gaseificao. Ge-
ralmente, usa-se a abreviatura derivada do ingls syngas (syn-
thesis gas) para se referir a ele. Ser adotada essa nomenclatura
aqui por ser mais prtica. O syngas uma mistura gasosa com a
qual se pode sintetizar grande variedade de molculas orgnicas
com o uso de catalisadores apropriados. Ele composto de CO,
o monxido de carbono e H
2
, o hidrognio. As impurezas que
esto nele contidas so os alcatres e particulados, derivadas
da converso incompleta da matria-prima, seja biomassa ou
162
Biomassa para Qumica Verde
fssil. Os alcatres so agregados particulados residuais, con-
tendo hidrocarbonetos, que esto presentes no syngas em pe-
quenas quantidades, da ordem de ppm (partes por milho), que
comprometem a sua aplicao na sntese cataltica e tambm
na gerao eltrica em motores ou turbinas. Os particulados
so carves no convertidos e cinzas que deixam o reator e no
so transformados em gs ou retidos no leito. Outro fator que
diminui a qualidade do syngas a sua diluio em nitrognio
atmosfrico, quando a gaseificao da biomassa feita com ar.
Ainda no existe nenhum sistema em larga escala produzindo
syngas a partir de biomassa para sntese cataltica, mas existem
inmeras plantas industriais a partir de combustveis fsseis.
Um gaseificador de grande porte para produzir syngas, usando
como matria-prima biomassa, um sistema inovador de gran-
de interesse e com aplicaes amplas na indstria. Entre o ga-
seificador e o reator cataltico existem duas operaes unitrias
fundamentais para o funcionamento de uma planta industrial
de sntese: a purificao e a compresso do syngas. A purifica-
o a retirada dos alcatres, particulados e do nitrognio; e
vrios equipamentos so necessrios nessa etapa. A compresso
necessria, j que os sistemas catalticos funcionam a presses
elevadas da ordem de 50 a 100 atm. (BHATTACHARYA; AB-
DUL-SALAM, 2006; USHIMA, et al., 2009).
Aplicando o conceito de gaseificao como sendo a pro-
duo de syngas, qualquer combustvel slido, lquido e ga-
soso pode ser processado. Atualmente, gs natural (metano),
resduos de petrleo, como as correntes de alta viscosidade
provenientes do refino do petrleo bruto, assim como o car-
vo mineral, todos de origem fssil, so gaseificados. A ope-
rao de gaseificadores pressurizados muito mais fcil com
163 A Plataforma Termoqumica
matrias-primas lquidas. Pensando nessa possibilidade de ga-
seificar a biomassa no seu estado lquido, de modo a obter syn-
gas j previamente pressurizado e, utilizando oxignio puro ao
invs de ar atmosfrico, uma rota sugerida a gaseificao do
bio-leo produzido por pirlise rpida de biomassa.
A gaseificao de biomassa serve para vrias aplicaes,
como a gerao de energia trmica de processo, sendo que nes-
se caso o syngas diretamente queimado em uma cmara de
combusto. Esta aplicao a mais simples e no requer syngas
de alta pureza. Na aplicao para a gerao eltrica com injeo
direta em motores do ciclo Otto (gasolina), ou mesmo motores
ciclo Diesel, o syngas deve ser purificado por filtros antes de ser
injetado nos motores, para eliminar particulados e alcatro. A
sntese cataltica uma aplicao de grande interesse atualmen-
te; tambm conhecida como BTL (biomass to liquids) significa
uso de biomassa em processos termocatalticos para produo
de combustveis lquidos. Tambm pode ser usada a gaseifica-
o de biomassa para a produo de hidrognio puro e, por
exemplo, alimentar uma clula de combustvel.
As aplicaes do gs de sntese
Como j comentado, o gs de sntese uma mistura ga-
sosa de monxido de carbono e hidrognio (CO + H
2
). Com
estas duas molculas e um sistema cataltico apropriado, pode
-se sintetizar uma grande variedade de molculas orgnicas. A
sntese cataltica mais conhecida a de Fischer-Tropsch, de-
senvolvida h mais de 80 anos. uma rota til para obteno
de combustveis sintticos e outros insumos, como parafinas,
utilizando catalisadores de ferro, cobalto ou rutnio. Outras
164
Biomassa para Qumica Verde
rotas sintticas usando o syngas so a do metanol e do DME
(dimetil ter). Etanol tambm pode ser sintetizado a partir do
syngas e, nesse caso, catalisadores de cobalto ou rdio so usa-
dos; porm, a rota no ainda comercial.
Como exemplo, o DME pode ser obtido por duas rotas
distintas: via desidratao de metanol usando alumina (xido
de alumnio) ou diretamente sintetizado a partir do syngas. A
segunda opo tem sido muito estudada. A Petrobras junto
com o INT - Instituto Nacional de Tecnologia, ambos sedia-
dos no Rio de Janeiro, RJ, desenvolveram e patentearam um
inovador sistema cataltico para a sntese direta de DME.
um sistema resultante da mistura fsica de um catalisador de
sntese de metanol, tipicamente contendo sistemas metlicos
como Cu/Zn, Zn/Al, Zn/Cr, Cu/Zn/Al, Cu/Zn/Cr, Cu/Zn/Co
ou Cu/Cr/Fe, e algum catalisador que promove a desidratao
com o uso de zelitas. O DME um gs combustvel usado
como propelente em aerossis e que pode substituir o diesel.
As principais plantas industriais no mundo esto localizadas
na China. Nessas instalaes o gs natural gaseificado a syn-
gas para sintetizar o DME.
Uma interface entre rotas termoqumica e bioqumica a
fermentao do syngas. Nesta tecnologia o syngas produzido
por gaseificao de algum tipo de combustvel e, posterior-
mente, passa por processo biolgico que utiliza microorga-
nismos anaerbicos e, assim, produz etanol e outros produtos
qumicos. Alguns microorganismos que podem ser usados
so: Acetobacterium woodii, Butyribacterium methylotrophi-
cum, Clostridium carboxidivorans P7, Eubacterium limosu,
Moorella e Peptostreptococcus productus.
165 A Plataforma Termoqumica
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169 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
O cenrio econmico para o mercado mundial de pro-
dutos qumicos envolve valores em torno de US$ 100 bilhes
ao ano, onde cerca de 3% desse montante diz respeito aos
bioprodutos,ou derivados da biomassa, havendo uma estima-
tiva de aumento desta participao total para 25% at o ano
2025 (VIJAYENDRAN, 2010). Esses valores do uma ideia
das potencialidades econmicas e dos riscos envolvidos. Para
o caso das especialidades qumicas e da qumica fina, a atual
participao de renovveis em cerca de 25%, (para ambos os
segmentos) poder chegar a 50%, enquanto que para os pol-
meros, os atuais 10% podero chegar a 20%, tambm em 2025
(BIOTECHNOLOGY INDUSTRY ORGANIZATION, 2012).
A biomassa vegetal, conforme visto no Captulo 2, com-
pe-se de espcies sacardeas, amilceas, oleaginosas e ligno-
celulsicas. A Figura 1 ilustra o grande nmero de possibilida-
des para a aplicao industrial da, soja, a principal oleaginosa
cultivada no Brasil.
Pode-se notar que a Figura 1 ilustra uma biorrefinaria
pois a partir da matria-prima soja obtm-se produtos que
podem ser utilizados na indstria farmacutica e cosmtica
(tocoferol), na alimentcia (leo refinado e lecitina), na de
Potencialidades da Biomassa
para a Qumica Verde
Slvio Vaz Jr.
7
170
Biomassa para Qumica Verde
Figura 1. Fluxograma do aproveitamento industrial da soja.

Gro de soja

Moagem
Preparao
Extrao com solvente

Recuperao do solvente

n-Hexano

leo bruto

Farelo

Extrao
da lecitina



Extrao de
cidos carboxlicos

Desodorizao

Lecitina
cidos carboxlicos
Tocoferol
(vitamina E)
leo de soja Biodiesel
171 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
surfactantes (cidos carboxlicos) e de biocombustvel (bio-
diesel) e tambm protena para alimentao animal (farelo)
A cada dia novos produtos e aplicaes so buscados para
a biomassa, de modo a que a proposta de uma alternativa
verde aos petroqumicos seja efetivamente vivel. Exemplo
disto a glicerina obtida como subproduto da produo do
biodiesel; alm de seu largo emprego na indstria de cosm-
ticos, busca-se us-la para a obteno de monmeros, como
o cido acrlico, que podem ser utilizados na produo de
polmeros verdes.
Resduos agroindustriais representam uma das principais
fontes potenciais de fornecimento de matria-prima para a
qumica renovvel, devido grande quantidade produzida e
s cadeias bem estabelecidas, o que, em alguns casos, facilita
a utilizao dos mesmos. Nas Tabelas 1 e 2 so apresentadas
as potencialidades dos resduos das principais cadeias agroe-
nergticas brasileiras (etanol e biodiesel). Cabe comentar que
ao se buscar usos mais nobres para estes resduos, segue-se a
mesma lgica da indstria do petrleo; ou seja, a diversifica-
o do potencial da matria-prima leva a uma ramificao de
novos produtos a partir das fraes constituintes. Os resduos
lignocelulsicos refletem bem este modelo: as fraes celulose,
hemicelulose e lignina podem ser utilizadas como precursoras
de compostos qumicos e de materiais para utilizao em mui-
tos setores industriais e na obteno de biocombustveis.
Na Tabela 3 so identificados compostos qumicos a se-
rem obtidos da biomassa, os quais possuem alto potencial de
agregao de valor.
Na Figura 2 representada a aplicao do conceito de
qumica renovvel tendo-se a biomassa como matria-prima.
172
Biomassa para Qumica Verde
Tabela 1. Resduos da cadeia do etanol de cana-de-acar com potencial
na qumica renovvel.
Resduo Constituio principal Proposta de uso
Bagao
Lignina, celulose,
hemicelulose,
inorgnicos e gua
Alimentao animal
Compostos qumicos
renovveis substitutos dos
petroqumicos
Etanol de segunda gerao
Materiais alternativos
diversos
Palha
Lignina, celulose,
hemicelulose,
inorgnicos e gua
Compostos qumicos
renovveis substitutos dos
petroqumicos
Etanol de segunda gerao
Vinhaa
(efuente aquoso)
Matria orgnica
solubilizada, slidos
inorgnicos insolveis, sais
inorgnicos solveis e gua
Biogs
Fertilizante
Tabela 2. Resduos da cadeia do biodiesel com potencial de uso na qu-
mica renovvel.
Resduo Constituio principal Proposta de uso
Biomassa
lignocelulsica
Lignina, celulose, hemicelulose,
protenas, inorgnicos e gua
Alimentao animal
Materiais polimricos
Torta
Lignina, celulose, hemicelulose,
compostos orgnicos diversos
(protenas, steres, etc.),
oleafnas e gua
Alimentao animal
POME
(efuente aquoso)
Matria orgnica solubilizada,
slidos inorgnicos insolveis e
solveis, oleafnas e gua
Biogs
Biopolmero
173 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
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175 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
Figura 2. Ilustrao da aplicao do conceito de qumica renovvel e suas
potencialidades, tendo-se a biomassa como matria-prima.















Qumica Renovvel
Compostos Qumicos
Bloco-construtores
Intermedirios de sntese
Fertilizantes
Lubrificantes
Frmaco-qumicos
Ingrediente alimentar
Aditivos diversos
Materiais
Polmeros
Compsitos
Blendas
Fibras naturais e sintticas
Matria-prima renovvel (biomassa)
Aplicao dos conceitos de biorrefinaria,
qumica verde e bioeconomia
Bioprodutos
Ao se tornar uma alternativa de uso de matrias-primas
renovveis em qumica convencional, qumica fina e especia-
lidades, a biomassa, segundo o conceito ilustrado na Figura
2, pode contribuir para a reduo de impactos ambientais
negativos da produo dos compostos qumicos, fortemente
dependente do petrleo, como no caso dos polmeros. im-
portante considerar que o conceito de biorrefinaria prope o
aproveitamento total das potencialidades da biomassa, seguin-
do-se o modelo de uma refinaria de petrleo, com a obteno
de energia, insumos, matrias e produtos qumicos. Os funda-
mentos de qumica verde estabelecem, entre outros critrios,
176
Biomassa para Qumica Verde
a minimizao da gerao de resduos, o uso de catalisadores, a
economia energtica e atmica e o uso de matria-prima reno-
vvel na qumica; a bioeconomia prope a mudana de uma
economia baseada em recursos no renovveis, como o petr-
leo, por recursos renovveis, como a biomassa.
possvel entender o potencial econmico da qumica re-
novvel atravs de uma pirmide que representa valores e quan-
tidades para produtos (Figura 3). Nela, a qumica fina e as espe-
cialidades figuram no mais alto patamar de agregao de valor
biomassa, que definido segundo o conceito de biorrefinaria.
A partir da Figura 3, pode-se inferir que os setores eco-
nmicos englobados pela qumica renovvel so: qumico, far-
macutico, alimentao, agroqumico, construo, txtil, auto-
motivo, entre outros de menor impacto econmico.
Desse modo, quando se pensa na biomassa como substi-
tuta ao petrleo, seu potencial evidente. Porm, os desafios
tambm o so. E estes desafios envolvem questes tcnicas,
cientficas, econmicas e de poltica de estado.
Figura 3. Pirmide de valores para produtos da biomassa.

Qumica fina e
especialidades
Insumos qumicos
Alimentos
Biocombustveis
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177 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
Desafios cientficos
Os desafios cientficos envolvem a criao de ambientes
acadmicos e industriais propcios para o desenvolvimento de
mo-de-obra especializada, o que envolve formao e quali-
ficao em nvel tcnico, de graduao, de especializao, de
mestrado, de doutorado e de ps-doutorado. Isso demanda
uma viso estratgica do setor pblico e da iniciativa privada,
com uma parceria constante entre ambos os atores.
Outro desafio cientfico a ser superado diz respeito ao desen-
volvimento de conhecimento nacional e no somente a importa-
o de tecnologias, como frequente no Brasil. Esta uma questo
que define um pas como um player efetivo no cenrio ou como
um pas secundrio do ponto de vista de conhecimento de alto
valor, ou que s produza e exporte matrias-primas e commodities.

Desafios tcnicos
Os desafios tcnicos envolvem o desenvolvimento ou a
melhoria de tecnologias que permitam o escalonamento dos
processos desenvolvidos em laboratrio, como mtodos de
separao, otimizao de processos, eficincia energtica,
entre outros. Tambm devem ser consideradas melhorias e
inovaes dos processos j existentes.
A no superao deste tipo de desafio pode inviabilizar a
produo de uma determinada molcula que possa apresentar
um grande potencial de mercado em sua etapa de P&D. Por-
tanto, uma etapa bem planejada de P&D deve ter um apoio
tecnolgico devida altura, de modo a poder tornar a escala
laboratorial possvel de alcanar a escala industrial.
178
Biomassa para Qumica Verde
Desafios econmicos
Um dos principais desafios econmicos diz respeito
captao e ao aporte de recursos nos projetos de P&D&I e,
posteriormente, nos projetos de demonstrao de tecnologias.
Projetos industriais geralmente tm que captar recursos
dentro ou fora de suas organizaes. No Brasil o aporte de seed
money e de venture capital, recursos comumente utilizados
para negcios de alto risco, ainda bastante tmido, necessi-
tando um maior estmulo por parte das agncias de financia-
mento, como Finep e BNDES, em parceria com investidores
privados isto j vem sendo feito pelas duas instituies; po-
rm, necessita-se de maior agilidade.
Quanto captao de recursos junto a instituies de fo-
mento como CNPq e fundaes estaduais de apoio pesquisa,
a descontinuidade na aplicao de oramentos e o atraso na
liberao de recursos aprovados tm sido os maiores entraves
para a execuo dos projetos. Existe, ainda, a necessidade de
uma maior aproximao entre estas instituies de pesquisa e
a iniciativa privada, de modo a facilitar as aes de transfern-
cia de conhecimento.
A ascenso e o possvel declnio dos produtos qumicos
ditos verdes tambm algo a ser considerado no planeja-
mento oramentrio de projetos de desenvolvimento ou de
produo de compostos renovveis, j que cenrios interna-
cionais anteriores da indstria qumica apontam para o cuida-
do em relao a fatores externos de mercado (BIOTECHNO-
LOGY INDUSTRY ORGANIZATION, 2012).
Aqui tambm cabe considerar a importncia de polticas
pblicas de estmulo e de investimento. Sem uma estratgia de
179 Potencialidades da Biomassa para a Qumica Verde
governo sria e bem planejada dificilmente se alcanar todo o
potencial apresentado neste e nos demais captulos.

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Biomassa
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eSlvio Vaz Jnior
Editor Tcnico
A necessidade de desenvolvimento de novas matrias-primas renov-
veis para a qumica, em substituio ao petrleo, tem se mostrado como
um desafo estratgico para o sculo XXI. Neste contexto, o uso dos di-
ferentes tipos de biomassa vegetal - amilcea, lignocelulsica, oleaginosa
e sacardea - pode se consolidar tanto como uma alternativa de uso de
matrias-primas mais baratas e menos poluentes, bem como um modelo
de agregao de valor econmico s cadeias agroindustriais, como as da
soja, cana-de-acar, milho, forestas, entre outras. Tais linhas de ao
podero, sobretudo, contribuir para a sustentabilidade dos processos de
produo de diferentes tipos de produtos qumicos orgnicos, desde de-
tergentes a frmacos, os quais so de largo uso na atualidade.
A qumica verde surge como uma nova flosofa dentro das cincias
qumicas para quebrar velhos paradigmas, como a grande gerao de
resduos e o uso intensivo de petroqumicos, atravs de uma viso ho-
lstica dos processos em laboratrios e em indstrias. Tal viso, descrita
em 12 princpios, busca revigorar a qumica por meio da reduo da
gerao de resduos, economia atmica e energtica, e uso de matrias-
-primas renovveis, entre outras consideraes de grande relevncia.
Esta publicao trata do potencial tcnico-econmico da utilizao
da biomassa como matria-prima para a qumica, a partir da viso da
qumica verde, mostrando um cenrio relacionado com as perspectivas e
os desafos para o desenvolvimento de uma qumica renovvel brasileira.
ISBN 978-85-7035-230-9

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