Monografia Educação e Pós-Modernidade, de Alex Sandro C. Sant'Ana
Monografia Educação e Pós-Modernidade, de Alex Sandro C. Sant'Ana
Monografia Educação e Pós-Modernidade, de Alex Sandro C. Sant'Ana
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PÓSGRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FORMAÇÃO DE ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
EDUCAÇÃO E PÓSMODERNIDADE: PROBLEMATIZAÇÕES
EFÊMERAS A PARTIR DAS IDÉIAS DE ZYGMUNT BAUMAN E
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
VITÓRIA
2006
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
EDUCAÇÃO E PÓSMODERNIDADE: PROBLEMATIZAÇÕES
EFÊMERAS A PARTIR DAS IDÉIAS DE ZYGMUNT BAUMAN E
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
VITÓRIA
2006
2
S231 Sant’Ana, Alex Sandro C.
Educação e Pósmodernidade: Problematizações efêmeras a partir das idéias de
Zygmunt Bauman e Boaventura de Sousa Santos / Alex Sandro C. Sant’Ana. – 2006.
73 f.
Orientador: Carlos Eduardo Ferraço
Monografia (especialização) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de
Educação.
1. Educação. 2. Pósmodernidade. 3. Bauman. 4. Boaventura. I. Ferraço, Carlos
Eduardo. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU 37
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PÓSGRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FORMAÇÃO DE ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO
ALEX SANDRO C. SANT’ANA
EDUCAÇÃO E PÓSMODERNIDADE: PROBLEMATIZAÇÕES EFÊMERAS A
PARTIR DAS IDÉIAS DE ZYGMUNT BAUMAN E BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS
Monografia apresentada ao curso de Pósgraduação lato sensu em Formação de Especialistas em
Educação, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, como parte dos
requisitos para obtenção do Grau de Especialista em Educação, na área de concentração em Gestão
Escolar, Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Inspeção Escolar.
Aprovada em 17 de julho de 2006.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
_____________________________________________
Prof. Dr. Hiran Pinel
Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Fernando Ferrari s/n – Campus Goiabeiras
29060900 – Vitória – Espírito Santo
TEL.: (27) 33352548 FAX: (27) 3335 2531
4
À Santa de Jesus, minha mãe querida.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu (co)orientador, Prof. Dr. Hiran Pinel, por todos os seus
comentários (pós)críticos (im)pertinentes acerca dos meus modos idiossincráticos de
sersendo pesquisadoreducadorpedagogoprofessor. Agradeço ainda ao meu
orientador, Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço, por seu tecimento significativo de
comentários (pós)críticos à monografia, e que em muito contribuíram para o
desenvolvimento desta obra. De forma alguma poderia deixar de prestar
agradecimentos a Profª. Dra. Janete Magalhães Carvalho, que me incentivou neste
desafio de abordar a temática “pósmodernidade e educação”. Fazse necessário
lembrar ainda de agradecer aos eternos colegas do curso de especialização, que de
forma subjetivamente inclusiva 1 “acolheram” este autor, aceitando as múltiplas
formas do mesmo sersendo (pós)universitário. Há ainda os funcionários do Centro
de Educação, que sustentam e fazem manutenção de todo o aparato físico da
universidade e que não são de forma alguma figurantes, mas atores/atrizes
importantes do/no/com o cotidiano universitário.
Ilustração 1 – Apesar da incompletude de meus agradecimentos, sinto que o mesmo se torna um
discurso local e total na medida em que me é perpassado pelos múltiplos e diferentes agentes que
me coabitaram e ainda coabitam em meu devirpesquisador.
1
SANT’ANA, Alex Sandro C. et al. Dora e Josué: (Pró)curando uma “subjetividade inclusiva” em
contextos não escolares informais a partir dos escolares, na fílmica de Valter Salles, “Central do
Brasil”. In: Seminário Capixaba de Educação Inclusiva, 9., 2005, Vitória. Anais Ressignificando
conceitos e práticas: a contribuição da produção científica. Vitória: Fórum Permanente de
Educação Inclusiva/ES, 2005. v. 1, p. 304306.
6
Finalmente, agradeço especialmente e principalmente a minha mãe, Santa de Jesus,
que tanto me sustentou psicologicamente, eticamente, moralmente e também, não
poderia deixar de mencionar, financeiramente, acreditando e crendo em meus ideais
quando decidi migrar para Vitória e me matricular no curso de pósgraduação lato
sensu da UFES. Esses ideais são, tal como afirmou José Arthur Giannotti 2 , os de
que “o importante da educação não é apenas formar um mercado de trabalho, mas
formar uma nação, com gente capaz de pensar”. Nesse sentido, sinto que o curso de
Especialização em Educação em muito contribuiu para o delineamento de um plano
de vida acadêmicocientífica, no qual percebo que alcançarei, panoramicamente e
superficialmente, a maior parte desses meus objetivos socialmente efêmeros.
A vida é um carrossel,
dá muitas voltas sobre si mesma
Subindo e descendo num movimento
ondulante, conforme as circunstancias
Precisamente como os cavalos,
carrinhos e outros bonecos em madeira
como há nos carrosséis por esse mundo fora
Girando sempre no sentido do destino,
como gira, gira a nossa vida
num estontear,
de sobe e desce permanente
Seguindo sempre o rumo
por Deus traçado, desde o inicio
Que só termina quando faz um clique,
porque a respiração ali findou,
acabando a vida nesse preciso momento,
como se o empregado do carrossel
desligase a corrente elétrica,
chegando ali o seu final de viagem
A vida é um carrossel,
que irá perpetuar sempre,
e sempre através dos tempos
3
Nós só temos de seguir o seu percurso (Ramos , 2005)
2
BRAGA, Rosana (Coord.). Recados da Razão. São Paulo: Escala, [19??]. ISBN 8575560786.
3
RAMOS, Fernando. A vida no seu carrossel. Disponível em:
<http://meuslivros.weblog.com.pt/arquivo/2005/10/>. Acesso em: 14 jul. 2006.
7
Ilustração 2 O Alfaiate: O desejo do ser humano de transcender o plano de imanência sempre
excede as capacidades de adaptação dos mesmos e talvez seja isso que potencialize a sua
evolução.
“Papai e mamãe, me desculpem por ser
um filho ingrato.
Não há pior desgraça que um filho morrer
antes dos pais, isso foge a ordem
natural das coisas.
No meu silêncio já refleti muito sobre
o sentido e a finalidade desta guerra.
Mas estar aí junto a vocês seria
uma grande humilhação...”
([Kamikase] Kato Matsuda, 19271945)
... confortame aquele velho ditado japonês:
“A morte é mais leve do que uma pluma.
A responsabilidade de viver é
tão pesada quanto uma montanha.”
Adeus Kato
(Imagem e pensamentos capturados do filme “Nós que aqui estamos por vós
esperamos ”, Direção de Marcelo Masagão, 1998)
8
RESUMO
9
ABSTRACT
It presents problematizations on possible relations between the education, the
knowledge and the culture in postmodernity, by means of a postcritical bibliographical
research of inter(in)vention of the current "malaise" of the contemporarilly and its
respective influences in the field of the education. Uses a postcritical perspective of
research the daily postmodern, that is a research of "invention" and not of
"evidence" of that already it was systemize. Problematizate ephemerally
postmodernity and its possible influences in the society contemporary, intending to
blow up felt and to make to jump what still notit was meant, what was unsignificant,
from the following questionings: Postmodernity is a paradigmatical change? A
revolution? A renewal? A rupture? A crisis of modernity? An exit of modernity? A
period of transition? And what is it occurring with the education in the current world,
of the form as is interrogated by all its agents, like parents, teachers, pupils and
intellectuals? Which is the interrogation that implicit or explicitly is formulated from
the individual experiences of its actors, of institucional environments, the societies as
a whole? Which the new challenges that place for the education in the context
contemporary? And, at last, what human to educate? Of this form, it was not
objectified to define and to objective effect permanent conclusions concerning what
would be, specifically and objectively, postmodernity, but to make only some
ephemeral considerations on thematic extremely (im)pertinent in the "malaise" of the
current times and its interrelation with the education, from the ideas of Zygmunt
Bauman and Boaventura de Sousa Santos.
Keywords: Education. Postmodernity. Bauman. Santos. Contemporarilly.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Incompletude........................................................................................06
Ilustração 2 – O Alfaiate.............................................................................................08
Ilustração 3 Mídia.....................................................................................................14
Ilustração 4 – Mapamúndi.........................................................................................17
Ilustração 5 Amazônia..............................................................................................20
Ilustração 6 – Sala de Aula.........................................................................................23
Ilustração 7 Alunos...................................................................................................26
Ilustração 8 Carência...............................................................................................32
Ilustração 9 – Malestar..............................................................................................34
Ilustração 10 Cansaço..............................................................................................36
Ilustração 11 – Corpos plastificados...........................................................................40
Ilustração 12 Uniforme escolar.................................................................................41
Ilustração 13 Educação bancária.............................................................................42
Ilustração 14 O estranho na cidade pósmoderna...................................................43
Ilustração 15 Jovem aproveita o status do celular na hora de paquerar..................45
11
Ilustração 16 – O Inferno de Dante............................................................................46
Ilustração 17 – Novas Tecnologias............................................................................50
Ilustração 18 – Educação Inclusiva?..........................................................................53
Ilustração 19 – O jogador...........................................................................................60
Ilustração 20 – Educar na contemporaneidade..........................................................64
Ilustração 21 – Consumismo desenfreado.................................................................65
12
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................14
5. Problematizações Acerca Do Paradigma Da Ciência Moderna, Para Se
Pensar a Ciência Pósmoderna, A Partir De Boaventura De Sousa
Santos.............................................................................................................51
6. PÓSESCRITO................................................................................................64
REFERÊNCIAS...............................................................................................70
13
1. INTRODUÇÃO
Ilustração 3 – Cada vez mais a mídia perpassa os indivíduos com sua publicidade alucinante e
alienante mas também significante, bem como os indivíduos produzem um discurso de resistência
com a mídia, vivendoa com todo o seu corpo de desejos e sensações.
4
Baseado em conhecimento, observação, análise, sendo fundamentalmente objetivo e factual.
(Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível na Internet, Acesso em 1 jan. 2006)
5
Importante explicação acerca das citações de artigos disponíveis na Internet, no âmbito desta
monografia: toda vez que for citado apenas o ano do artigo, significa que efetivamente ele foi
produzido no ano mencionado [de acordo com a fonte acessada]; mas quando for citado apenas
“Acesso em 2005”, por exemplo, significa que ele foi acessado no ano mencionado, mas que o ano
em que ele foi produzido não constava na fonte original e, por isso, não pôde ser mencionado ou
citado.
14
O leitor ou a leitora não encontrará nesta monografia “soluções” para o malestar
(Bauman) ou desassossego (Santos) que tem (in)surgido na (pós)modernidade, mas
apenas problematizações efêmeras acerca dessa temática interrelacionandoa com
a educação. O que isso (a)significa? (A)Significa que, tal como é feito na
cartografia, foram tecidas algumas considerações efêmeras sobre a modernidade e
pósmodernidade, sendo que tal paisagem contemporânea está em permanente
estado de mutação e, portanto, será o leitor ou leitora que, caso queira, deverá
pensar em “soluções” para as malezas e desassossegos deste contexto sócio
histórico nãodeterminado, que invade e insurge no cotidiano dos indivíduos, seja no
campo da educação, do conhecimento ou da cultura, isso quando tal próparadigma 6
processual não os excluem de tal possibilidade, resignandoos e, portanto deixando
os as margens do que se passa na sociedade contemporânea.
6
Chamo de “próparadigma” (termo que inter(in)ventei) porque tal contexto contemporâneo ainda
está em processo de cristalização ou mutação.
7
A inter(in)venção (termo que também inter(in)ventei) é simultaneamente intervenção e invenção,
com base em uma filosofia póscrítica que “rejeita a noção de consciência e de subjetividade, porque
não acredita em nenhum processo de libertação que torne possível o surgimento de um Eu livre e
autônomo, e olha com desconfiança para os conceitos de alienação, emancipação, libertação,
conceitos que supõem uma subjetividade que precise ser restaurada.
Entretanto, a filosofia póscrítica permite novas proposições, outras composições. Desde Foucault e o
conceito de biopoder, o poder sobre a vida, sabese que a esse poder se voltaria uma resistência de
mesma força e tipo: o poder da vida. A filosofia póscrítica confia na revolução molecular, numa
reversão e numa reinvenção que pode instaurar uma democracia biopolítica, baseada numa
economia imaterial.” (POUGY, 2006, Disponível na Internet)
15
emancipação (SANTOS, 2002) e suas respectivas influências na educação, no
sentido de se estabelecer um conhecimento prudente para uma vida decente.
A pesquisa bibliográfica mereceu utilização sistemática e destacada, tendo por base
Santos, A. R. (2002, p. 81), que afirma que tal método “estará presente em qualquer
processo de pesquisa. Com efeito, a respeito de quase tudo que se deseje
pesquisar, algo já foi pesquisado de forma mais básica, ou idêntica ou correlata”.
8
Todo tipo de participação ativa em processos cognitivos, desde a célula viva até os processos sócio
culturais. (ASSMANN, 2004, p. 129)
16
Foram inseridas diversas ilustrações ao longo do texto e capturados,
cartograficamente, alguns pensamentos que as mesmas suscitavam. Mediante uma
fotolinguagem 9 que, a priori, é uma técnica de dinâmica de integração e
comunicação de grupos, mas que nesta monografia será concebida como um
método pósmoderno de pesquisa com o cotidiano, gerouse uma expost 10
problematização numa perspectiva póscrítica 11 . A partir dessas ilustrações
emergiram algumas indagações, tais como: que realidades são reveladas nessas
imagens? Qual a ligação entre elas? E, até mesmo, por que me identifiquei com
elas?
Ilustração 4 – Mapamúndi: EUA e Europa “em cima”; América do Sul e África “em baixo”; não há
nada de normal nisso: a opção de dispor os países nesse ângulo de visão é uma opção
eminentemente política – o que está “acima” costuma ser percebido socialmente como “superior e
melhor”; o que está “abaixo” costuma ser percebido como “inferior e ruim”, dentre outros juízos de
valor.
9
Olhando para as fotos sobre a realidade que se vive, aprendese a ligar dois ou mais fatos e ter uma
opinião sobre eles. Seria como um passeio sobre um mundo, no qual, fazendo observações
sistemáticas das imagens do cotidiano pudéssemos “escolher” fotos que tenham ligação entre si e, a
partir disso, cartograficamente, tecer problematizações acerca das redes de conhecimentos que
perpassam essas imagens.
10
Baseado em conhecimento, observação, análise, sendo fundamentalmente objetivo e factual.
(Dicionário HOUAISS da língua portuguesa, Disponível na Internet)
11
A pesquisa póscrítica é uma pesquisa de “invenção”, não de “comprovação” do que já foi
sistematizado. Sua principal contribuição é apenas a de ser aproveitável por outros/as
pesquisadores(as) como uma “sementeira” de sentidos imprevistos. Ela implode o sistema
consensual das formas em que habitualmente compreendemos, falamos e escutamos uma linguagem
curricular. Implosão de sentidos que, no mínimo, faz “saltar” o que estava ainda nãosignificado, o que
era asignificante. (CORAZZA, 2004)
As teorias póscríticas rejeitam a hipótese de uma consciência coerente, centrada, unitária. [...] Para
as teorias póscríticas, a subjetividade é já e sempre social. (SILVA, T. T., 2003, p. 149)
17
Ferraço questionoume, recentemente, de forma instigante mas simultaneamente
(im)pertinente, sobre “onde é que eu estaria nessa monografia”, no sentido “do que
ela me toca ou representa”. Eu diria que, em grande parte, esta obra expressa uma
alergia efêmera ao que há de anacrônico no século XXI e, superficialmente, ela
suscita alguns pensamentos delirantes em relação aos prazeres, desejos e
possibilidades de sersendo um agente vivo, participativo e colaborativo com um
cotidiano inventivo que a pósmodernidade (in)tenta (des)construir e enredar na
autopoiese 12 da teia da vida.
É de acordo com um dos pensamentos instigantes de Santos (2003, p. 23), que
defino o principal objetivo desta monografia, que é o de “descrever, ainda que
sucintamente, os principais traços do novo paradigma científico. [...] os protagonistas
do novo paradigma conduzem uma luta apaixonada contra todas as formas de
dogmatismo e de autoridade”.
12
Produção de si mesmo, autofazimento. Os processos autopoiéticos devem ser imaginados como
multiplicidade de níveis interligados e emaranhados. (Assmann, 2004, p. 136)
18
2. (Re)Iniciando Percursos Sobre A Modernidade E (Per)Correndo As Origens
Da PósModernidade
Fazse importante, inicialmente, apresentar efemeramente algumas questões acerca
da origem da pósmodernidade, seja conceitualmente seja filosoficamente, a partir
de pensamentos de diferentes autores, mas que possuem algo em comum: a
correlação de idéias acerca do malestar e desassossego contemporâneo e da
insurgência de um tempo frenético, cujas relações sociais e intersubjetivas dos
indivíduos são projetadas em discursos de poder com o cotidiano, num mundo
multipolarizado.
Santos afirma que
Quando em meados da década de 1980, comecei a usar as expressões pós
moderno e pósmodernidade, filo no contexto de um debate epistemológico.
Tinha chegado a conclusão que a ciência geral e não apenas as ciências
sociais se pautavam um paradigma epistemológico e um modelo de
racionalidade que davam sinais de exaustão, sinais tão evidentes que
podíamos falar de uma crise paradigmática. Esse paradigma, cuja melhor
formulação tinha sido o positivismo em suas várias vertentes, assentava nas
seguintes idéias fundamentais: distinção entre sujeito e objeto e entre
natureza e sociedade ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis
simples susceptíveis a formulação matemática; uma concepção de realidade
dominada pelo mecanicismo determinista e da verdade como representação
transparente da realidade; uma separação absoluta entre conhecimento
científico – considerado o único válido e rigoroso – e outras formas de
conhecimento como senso comum e estudos humanísticos; privilegiamento
da causalidade funcional, hostil a investigação das “causas últimas”,
consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e transformação da
realidade estudada pela ciência. (SANTOS, Acesso em 2005, Disponível na
Internet)
Segundo Anderson (1999, p. 9), o “’pósmodernismo’, como termo e idéia, supõe o
uso corrente de ‘modernismo’. Ao contrário da expectativa convencional, ambos
nasceram numa periferia distante e não no centro do sistema cultural da época: não
vêm da Europa ou dos Estados Unidos, mas da América hispânica”.
Ilustração 5 – Trote na internet (Amazônia internacionalizada em livro didático americano): a produção
de sentidos na contemporânea sociedade imagética se dá por meio da produção de simulacros que
forjam o pensar (pós)crítico acerca de problemáticas globais que, simultaneamente, se cristalizam em
questões extremamente (im)pertinentes de nível local.
Assim, segundo Anderson (1999, p. 9), “também a idéia de um ‘pósmodernismo’
surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração
antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos”.
20
Foi um amigo de Unamuno e Ortega, Federico de Onís, quem imprimiu o
termo postmodernismo. Usouo para descrever um refluxo conservador
dentro do próprio modernismo: a busca de refúgio contra o seu formidável
desafio lírico num perfeccionismo do detalhe e do humor irônico, em surdina,
cuja principal característica foi a nova expressão autêntica que concedeu as
mulheres. Onís contrastava esse modelo – de vida curta, pensava – com sua
seqüela, um ultramodernismo que levou os impulsos radicais do modernismo
a uma nova intensidade numa série de vanguardas que criaram então uma
“poesia rigorosamente contemporânea” de alcance universal. A famosa
antologia de poetas de língua espanhola organizado por Onís segundo esse
esquema foi publicada em Madri em 1934, quando a esquerda assumiu o
comando da república na contagem regressiva para a Guerra Civil. Dedicada
a Antonio Machado, seu panorama do “ultramodernismo” terminava em
Llorca, Vallejo, Borges e Neruda.
Criada por Onís, a idéia de um estilo “pósmoderno” entrou para o vocabulário
da crítica hispanófona, embora raramente usada por escritores subseqüentes
com a precisão que ele lhe dava; mas não teve maior ressonância. Só uns
vinte anos depois o termo surgiu no mundo anglófono, num contexto bem
diferente – como categoria de época e não estética. (ANDERSON, 1999, p.
10, grifo do autor)
Atualmente, há autores como Calloni (apud LAMPERT, 2005, p. 89), que entendem
o pósmodernismo
[...] como uma realidade que se apresenta não como um paradigma, mas
como uma manifestação cultural situada concretamente nas novas
orientações do capitalismo e a partir do aparato tecnocientífico que se
retroalimenta a uma velocidade espantosa, ocasionando formas de ser, estar
e sentir do indivíduo/sujeito enquanto fragmentado, vazio,
dessubstancializado, sem um referente real de sua identidade e de seus
projetos. O autor acredita que a educação, como instância sociocultural, sofre
das ambivalências (para o bem e para o mal) da característica pósmoderna,
mas também entende que a educação pode e deve ser um espaço
privilegiado para a reflexão de novos projetos de vida e de sociedade.
(LAMPERT, 2005, p. 89)
Ainda segundo Lampert (2005, p. 12), “o paradigma moderno, enquanto momento
histórico, referese à etapa suscitada pela Revolução Industrial na Inglaterra, pela
Revolução Francesa e pela influência exercida pelo raciocínio científico, que emergiu
do iluminismo, intencionando organizar racionalmente a vida social”. Mas tal
paradigma moderno não cumpriu seus objetivos utópicos de sanar grande parte dos
problemas da humanidade e por isso tem sido alvo de críticas de autores que
afirmam o (in)surgimento de um possível paradigma pósmoderno.
O paradigma moderno, muito criticado na era contemporânea por não ter
cumprido com as suas grandes promessas, foi um marco da história da
humanidade, pois além de se opor aos dogmas e às regras rígidas da Igreja,
introduziu, de forma sistemática, estudos científicos. Na educação, o
21
ambicioso programa de Comenius de ensinar tudo a todos de todas as
formas – bem como o pensamento de Rousseau , constituemse em
alicerces da educação contemporânea. (LAMPERT, 2005, p. 12)
Como ruptura e/ou continuidade do período moderno, surge então o próparadigma
da pósmodernidade.
No parecer de Lyotard, a pósmodernidade “designa o estado de cultura após
as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura
e das artes a partir do final do século XIX” (1998: XV). Eagleton (1998), que
explorou os primórdios, as ambivalências, as histórias, os sujeitos, as falácias
e as contradições do pósmodernismo, assinala que o termo pós
modernidade alude a um período histórico específico, que questiona as
noções clássicas da verdade, da razão, da identidade e da objetividade, da
idéia de progresso ou emancipação universal, dos sistemas únicos, das
grandes narrativas ou dos fundamentos definitivos de explicação. (LAMPERT,
2005, p. 1213)
Afirma Lampert (2005, p. 13), que “conceituar pósmodernidade não é algo fácil”.
[...] não se sabe com exatidão se esse fenômeno, relativamente recente,
representa um novo período na civilização; se é uma mudança paradigmática,
um movimento cultural ou se pode ser considerado como uma reavaliação
crítica dos modos modernos de pensamento, pois questiona as dicotomias
rígidas criadas pela modernidade entre realidade objetiva/subjetiva,
fato/imaginação, secular/sagrado, público/privado, científico/vulgar. Para
Terrén (1999), a análise do que vem depois da modernidade é complexa. O
discurso da pósmodernidade oferece uma série de dificuldades específicas
que obrigam a aceitálo como algo fragmentado, contraditório e incompatível.
(LAMPERT, 2005, p. 13)
Segundo Lampert (2005, p. 14), “a partir dos anos 1970, a noção de pósmoderno
ganhou difusão mais ampla e se espalhou por diferentes países”.
Em 1972, a publicação da Revista de Literatura e Cultura Pósmodernas, foi
um momento decisivo para que o termo fosse fixado e utilizado por diferentes
atores sociais, porém com conotações distintas. Em 1979, a obra A condição
pósmoderna, do filósofo JeanFrançois Lyotard, abordou a pósmodernidade
como uma mudança geral na condição humana. Em 1980, Harbermas [sic],
um dos opositores da pósmodernidade, proferiu a conferência Modernidade
– um projeto incompleto, em Frankfurt, na qual relacionou drasticamente o
pósmodernismo e neoconservantismo. Atacou ao mesmo tempo o
neoconservantismo social e o pósmodernismo artístico. Esse trabalho ocupa
posição peculiar no discurso da pósmodernidade. Em 1982, Jameson, o
maior crítico literário marxista do mundo na época, proferiu conferência sobre
o pósmodernismo, enfatizando o conflito estético entre o realismo e o
modernismo. Esse discurso provocou debates subseqüentes. Em 1989,
Callinicos, em sua obra Contra o pósmodernismo, fez uma análise do
background político. Harvey, em 1990, na obra Condição da pós
modernidade, ofereceu uma teoria mais completa de suas pressuposições
22
econômicas e, em 1996, na obra As ilusões do pósmoderno, Eagleton
abordou o impacto ideológico. (LAMPERT, 2005, p. 14, grifo do autor)
Ainda segundo Lampert (2005, p. 14), “em face da complexidade, abrangência,
ambivalências, contradições, indefinições, pouco consenso, muitos questionamentos
são suscitados em relação a pósmodernidade”, tais como:
Ilustração 6 – Quadro negro, escrivaninhas, giz e o professor... o que há de novo na educação
escolar contemporânea que difira da educação do século XIX ou XX? Como criar um ambiente de
aprendizagem mais significativo no ambiente escolar?
Lampert (2005, p. 15) afirma que, “grosso modo, podem auferir duas teses em
relação ao surgimento da pósmodernidade”.
A primeira consideraa um movimento que iniciou nos anos 1960, com o
esgotamento da modernidade mais especificamente com o movimento
estudantil, com o avanço da tecnologia, com a nova visão de consumo e do
capital internacional. Esta primeira concepção, constituiuse na face crítica da
sociedade moderna. No segundo argumento, a pósmodernidade representa
uma nova época histórica posterior à modernidade. (LAMPERT, 2005, p. 15)
23
Segundo Lampert (2005, p. 15), “Garboggini Di Giorgi (1993) percebeu o pós
modernismo como uma sensação e uma aposta”.
Uma sensação de que a modernidade está falida; de que a racionalização da
vida é inaceitável e desumana; de que a promessa de progresso é uma ilusão
e de que o universal é perigoso. Aposta porque os pósmodernos confiam na
heterogeneidade e na diferença; afirmam a fragmentação de experiências;
enfatizam a existência de micropoderes capilares no interior da sociedade e
consideram ilusórios o poderio do Estado e a dominação de classe. Já para
Gomes, ‘O mundo pósmoderno é descentralizado, dinâmico e pluralista. Nele
obsolesceram as regras da maioria absoluta, e cada vez mais há menos lugar
para a tirania da sociedade de massas... O sistema internacional passou a
ser multipolar, as minorias alcançaram o seu direito de expressão’ (1994:78).
(LAMPERT, 2005, p. 1516)
Lampert (2005, p. 18) afirma que “a história do pensamento ocidental passou por
diferentes megaparadigmas: o prémoderno, o moderno e o pósmoderno”. Após a
prémodernidade e modernidade, Filho (2000, p. 42, grifo do autor), afirma que “a
pósmodernidade é a terceira grande mudança paradigmática que, segundo alguns
pensadores contemporâneos (Lyotard, 1986; Rorty, 1979; Baudrillard, 1998;
Jameson, 1991), estamos vivendo a partir da segundo metade do século XX”.
Nesse sentido, Lampert (2005, p. 19), conclui que “o positivismo, como forma
hegemônica de gestar conhecimentos, perdeu seu monopólio e credibilidade, pois já
não é mais capaz de explicar a complexidade e a grande gama de fenômenos”.
A pósmodernidade, que não tornou obsoleta a modernidade, que questiona a
teoria cartesiana e que perdeu a âncora das metanarrativas, considera que
há multicamadas de interpretar a realidade e que a dúvida é condição
indispensável para a reflexão. Esse movimento cultural representa uma
abertura para novas possibilidades e, consciente dos limites da modernidade,
busca transformar o moderno em vez de rejeitálo totalmente. (LAMPERT,
2005, p. 21)
24
Em relação a uma das promessas da modernidade, que é ou foi a igualdade, pode
se afirmar que, segundo Lampert (2005, p. 24), nos “países capitalistas avançados,
com 21% da população mundial, controlam 78% da produção mundial de bens e
serviços e consomem 75% de toda a energia produzida”.
Segundo Calloni (2005, p. 5455), “a questão relativa à crise da educação tem a ver
com a crise da Razão moderna, do projeto de sociedade planejado no âmbito das
transformações socioculturais do ‘século das luzes’ precedido pelo século XVII, o
‘século científico’, e chega aos nossos dias como uma razão fragmentada,
emasculada das noções de totalidade, universalidade; enfim, fatigada por tanta
responsabilidade em tornar a nossa finitude e efemeridade terrenas em discurso
privilegiado da eternidade”.
Segundo Calloni (2005, p. 55), “os autores como David Harvey, Steven Connor,
Perry Anderson, Terry Eagleton, Anthony Giddens, Krishan Kumar, dentre muitos
outros, preocupamse fundamentalmente em debater as grandes questões da
contemporaneidade, valendose de reflexões, teorias e registros históricos que nos
incitam a repensar a educação hodierna a partir de novos elementos e de novas
abordagens”. Mas, tal como afirmou Calloni, esta monografia não se deterá
25
O questionamento de Harvey, numa epígrafe intitulada Como avaliar o pós
modernismo em geral?, segundo Calloni (2005, p. 5556, grifo do autor), “nos
permite justamente transitar da noção de pósmodernismo para a de pós
modernidade e viceversa, percebendo em ambos os conceitos um propósito
comum, colorações semelhantes, ainda que com tonalidades e nuanças
diferenciadas”.
Ilustração 7 – Como criar uma ecologia cognitiva em que os alunos e as alunas sejam efetivamente
agentes de sua aprendizagem?
Segundo Calloni (2005, p. 56), “o pósmoderno, por outro lado, enfatiza a
‘fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos
universais, ‘totalizantes’’ que, no dizer de Harvey, leva à emergência de uma nova
subjetividade”.
Krishan Kumar, enfatiza que, “qualquer que seja o significado que a pós
modernidade possa assumir, tem que derivar, de alguma maneira, de um
entendimento do que é modernidade” (Kumar, 1997:182). Para esse
pensador, modernidade referese a criações econômicas, tecnológicas,
políticas e, em muitos aspectos, intelectuais, das sociedades modernas no
período transcorrido desde o século XVIII (ibidem:182). Distinguese do
termo “moderno” no sentido de que “ser moderno” transcende a noção de
época ou período histórico com elemento explicativo das transformações
26
sociais. Ser moderno era, para o homem medieval, uma ameaça à estrutura
dos valores perenes, quando evocava alguma inovação ou modo de pensar
ousado para médium tempus, para o qual Petrarca, considerado o “pai do
humanismo”, cria o termo “Idade das Trevas”. Para esse período histórico e
até mesmo para a Renascença, os termos moderni e modernitas tornamse
conceitos depreciativos. Depreciativos, porque podem abalar a ordem, a
estabilidade, a manutenção do poder da Igreja e de seus dogmas. (CALLONI,
2005, p. 57, grifo do autor)
Segundo Calloni (2005, p. 58), “o termo ‘moderno’ está presente para o próprio
medievo e para a Renascença significando ‘qualquer novidade’ nãoconvencional,
fora dos costumes, por vezes ameaçadora dos valores, das normas sociais, da
cultura”.
Portanto, moderno não é um conceito que pode ser usado como sinônimo de
modernidade, como se pode observar. A noção de moderno transcende os
aspectos pontuais, epocais de cada período histórico, isto é, parece
independer das fases ou culturas históricas, uma vez que a idéia de moderno
– que empregamos para designar uma inovação, por exemplo – tem a
mesma gênese evocativa que havia para o homem medieval, isto é, referese
sempre à ‘época atual’, ao presente imediato, ainda que com inflexões de
sentidos por vezes distintos. É interessante constatar que, a partir do século
X, o adjetivo modernos muda de inflexão. Ou seja, “começa a tomar caráter
negativo. Assim, é usado o adjetivo moderni pelos padres de Igreja e pela
inquisição, a perseguir os defensores de heresias como divulgadores de
idéias ‘modernas’. Para eles tal fenômeno envolvia algo de satânico” (Mello e
Souza, 1994:24). (CALLONI, 2005, p. 58, grifo do autor)
Já o termo modernidade, segundo Calloni (2005, p. 58), “surgiu em meados do
século XIX, sendo que ‘um dos primeiros, senão o primeiro a usálo, foi Baudelaire’
(Mello e Souza, 1994:19). Baudelaire, talvez, usou o termo apressadamente em
relação aos tempos vindouros, talvez ‘por ser poeta e sentir a fluidez da transição do
século XIX’ ou, pelo menos, usouo de forma imprecisa em face de seu próprio
tempo de existência”.
Vejamos o que Terry Eagleton, professor da Universidade de Oxford, tem a nos dizer
sobre a pósmodernidade:
De fato, segundo Calloni (2005, p. 60), “a pósmodernidade pode ser considerada
um novo tipo de capitalismo (Harvey) ou um novo tipo de industrialismo (Jencks),
registra Kumar (1997:131)”.
Conclui efemeramente Calloni (2005, p. 6263), que “a pósmodernidade, como um
conceito situado na subjetividade das práticas humanas, traduz ao mesmo tempo a
racionalização do processo produtivo industrial em escala mundial e a crise instalada
no âmago da filosofia e das ciências”.
28
3. Algumas Considerações Sobre O Positivismo de Comte Na Atual
(Anti)Contemporaneidade
Augusto Comte, segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 7), era “filho de uma família pequeno
burguesa, católica e monarquista”; ele nasceu em “Montpellier em 19 de janeiro de
1789, e faleceu a 5 de setembro de 1857, em Paris”. Ele freqüentou alguns cursos
da Faculdade de Medicina e tornouse amigo e secretário do socialista Saint
Simon 13 , que exerce grande influência sobre sua formação intelectual. Foi, segundo
Ribeiro Jr. (1991, p. 8), “a partir da morte de Clotilde de Vaux, sua musa inspiradora,
e com quem manteve um intenso relacionamento amoroso, que Comte atribuise um
papel messiânico: supunha realizar uma missão de regeneração da humanidade”.
Assim, em 1847 é proclamada a religião da humanidade: o positivismo, que tanto
exerceu (e ainda exerce) influência nas redes cotidianas tecidas na escola moderna.
Ainda segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 10), toda a obra de Comte “é uma tentativa de
síntese geral dos conhecimentos de seu tempo, cujo programa fundamental era
unificar as duas culturas – a humanística e a científica – num novo humanismo,
fundado na ciência; uma ciência capaz de reavaliar a exigência humana, conferindo
lhe um significado de valor universal”. Um desses “valores universais” é o
conhecimento erudito, tão difundido e propagado nas escolas em detrimento do
conhecimento popular ou de “senso comum”, e que a universidade “pública e
gratuita” 14 brasileira, baseada num modelo de racionalismo cartesiano cuja base
prioritária tem sido extremamente as ciências naturais, tanto se utiliza para se
diferenciar epistemologicamente e, principalmente, sócioeconomicamente dos
13
A SaintSimon é convencionalmente atribuída a paternidade da teoria da modernização e da idéia
de converter a ciência e a tecnologia no grande motor do progresso que iria gradualmente
substituindo a política pela administração das coisas. (SANTOS, 2002, p. 116)
14
O uso de tal termo é questionável, visto que a universidade está sofrendo um processo de
privatização mediante a criação de autarquias federais que se (auto)inserem no âmbito acadêmico se
intitulando como “fundações sem fins lucrativos”, mas que inclusive têm passados por processos de
investigação sigilosos cujas acusações são desconhecidas pela sociedade.
29
demais setores da sociedade considerados marginais, despolitizados e inerudito
(desprovido de sabedoria).
Continua Ribeiro Jr. (1991, p. 11) afirmando que “o século XIX marca não só o
triunfo do liberalismo europeu, ligado ao direito natural, que considera a natureza
humana como base da própria lei natural, cuja única realidade é a liberdade do
homem; [mas] marca também o triunfo do cientificismo, que reconhece uma só
natureza material, que engloba e explica o mundo dos valores e o mundo dos fatos”.
Segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 14),
Segundo Santos (2002, p. 61), “sendo um modelo global, a nova racionalidade
científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o carácter [sic]
racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus
princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”. É nesse momento
30
sóciohistórico que os métodos positivistas, que são adotados como uma doutrina a
ser seguida pelos pesquisados das diversas ciências, ganha notoriedade.
Em todos os domínios, cuidavase de não procurar o porquê das coisas, de
não indagarlhes a essência. A palavra de ordem era desprezar a inacessível
determinação das causas, dando preferência à procura das leis, isto é, das
relações constantes que existem entre os fenômenos. Substituise o método
a priori pelo método a posteriori . Em suma, observase por toda parte o
mecanismo do mundo, ao invés de inventálo. (RIBEIRO JR., 1991, p. 1415,
grifo do autor)
Percebese aí um caráter mecânico de funcionamento de um mundo que não pode
ser (re)inventado mas apenas procurarlhes as suas leis.
O positivismo ainda afirma que há “leis naturais” nos quais os indivíduos teriam que
se submeterem como meros espectadores.
As leis naturais, assim descobertas, constituem a formulação geral de um fato
particular, rigorosamente observado; e daí resulta que a ciência, segundo
Comte, não é mais do que a sistematização do bom senso, que acaba por
nos convencer de que somos simples espectadores dos fenômenos
exteriores, independentes de nós, e que não podemos modificar a ação
destes sobre nós, senão submetendonos às leis que o regem. (RIBEIRO JR.,
1991, p. 15)
Não se pode fazer concebível tal afirmação visto que o ser humano, mediante sua
inteligência e desenvolvimento contínuo, tem a capacidade de projetar sua
imaginação na concretividade e modificála, compreendendoa mas,
simultaneamente, não se submetendo passivamente a ela. Prova disso são os
avanços de pesquisas científicas nas áreas de biotecnologia, nanotecnologia e
genoma humano que se apresentam como perspectivas de modificação das
características essenciais dos seres humanos, promovendo a geração de indivíduos
“póshumanos”.
Ainda segundo Santos (2003, p. 28), ao tecer críticas acerca do paradigma
positivista, observa que segundo essa lógica moderna “o que não é quantificável é
cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, o método científico assenta na
redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode
compreender completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois
poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou”.
31
Ilustração 8 – Alunos com déficit de atenção? Ás vezes, a única coisa que faltam às crianças é uma
alimentação que supra suas necessidades corporais básicas, acesso a bons serviços de saúde, uma
residência decente e, principalmente, um ambiente familiar acolhedor.
Sendo assim, Santos (2002, Disponível na Internet) postula, como um dos objetivos
de sua obra, “mostrar que o positivismo científico estava em crise à medida que a
história, a contingência, a incerteza, a irreversibilidade e a complexidade faziam a
sua entrada na ciência, não como corpo estranho, mas como produtos do próprio
desenvolvimento científico”. E não seria exatamente nessa perspectiva, a da
imprevisibilidade, que sempre perpassou a escola e que somente agora os sujeitos
contemporâneos se vêem instigados a (con)vivêla?
Segundo Santos (2002, p. 64, grifo do autor), “as leis da ciência moderna são um
tipo de causa formal que privilegia o como funciona das coisas em detrimento de
qual o agente ou qual o fim das coisas”. Sendo assim,
É por esta via que o conhecimento científico rompe com o conhecimento do
senso comum. É que enquanto no senso comum, e portanto no
conhecimento prático em que ele se traduz, a causa e intenção convivem
sem problemas, na ciência, a determinação da causa formal obtémse
ignorando a intenção. É este tipo de causa formal que permite prever e,
portanto, intervir no real e que, em última instância, permite à ciência
moderna responder à pergunta sobre os fundamentos do seu rigor e da sua
verdade com o elenco dos seus êxitos na manipulação e na transformação
do real. (SANTOS, 2002, p. 64)
32
Ainda segundo Santos (2002, p. 64), “um conhecimento baseado na formulação de
leis tem como pressuposto metateórico a ideia [sic] de ordem e de estabilidade do
mundo, a ideia [sic] de que o passado se repete no futuro”.
Mas a verdade é que a ordem e a estabilidade do mundo são a précondição
da transformação tecnológica do real. O determinismo mecanicista é o
horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e
funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender
profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar.
No plano social, é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos
interesses da burguesia ascendente, que via na sociedade, em que
começava a dominar, o estádio [sic] final da evolução da humanidade (o
estado positivo de Comte; a sociedade industrial de Spencer; a solidariedade
orgânica de Durkheim). Daí que o prestígio de Newton e das leis simples a
que reduzia toda a complexidade da ordem cósmica tenham convertido a
ciência moderna no modelo de racionalidade hegemônica que a pouco e
pouco [sic] transbordou do estudo da natureza para o estudo da sociedade.
Tal como foi possível descobrir as leis da natureza, seria igualmente possível
descobrir as leis da sociedade. (SANTOS, 2002, p. 6465)
Assim, na perspectiva positivista de Comte, a revolução social só se faz possível
descobrindo as “leis dos fatos sociais”, como se as idiossincrasias de diferentes
agrupamentos humanos não fossem legítimas o suficiente para reivindicarem um
status de cidadão. Assim relata Ribeiro Jr. (1991, p. 16) que
[...] para se reformar a sociedade fazse mister antes de tudo descobrir as leis
que regem os fatos sociais, cuidandose de afastar as concepções abstratas
e as especulações metafísicas, que são estéreis, segundo Comte. (RIBEIRO
JR., 1991, p. 16)
É, pois, segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 16), que o positivismo acredita que é “no
desenvolvimento das ciências naturais que se encontra o caminho a seguir”.
Obviamente que há muitos pesquisadores que se intitulam pósmodernos e que
criticam tal afirmação, mas cabe aqui uma observação extremamente (im)pertinente
teorizadas por Lopes e Macedo (Acesso em 2005, Disponível na Internet)
A despeito das inúmeras críticas ao positivismo construídas no campo das
ciências sociais neste século, sob enfoques os mais diversos, ainda hoje
podemos constatar a utilização de modelos e de conceitos das ciências
naturais nos processos de argumentação das ciência [sic] sociais. Tanto mais
facilmente essa apropriação de modelos ocorre, quanto mais estes se
apresentam como críticos do positivismo no âmbito das próprias ciências
naturais, como é o caso, por exemplo, da mecânica quântica e suas teses
indeterministas. Parece mesmo haver o entendimento de que a incorporação
de modelos das ciências naturais do século XIX caracterizarseia por uma
perspectiva positivista, enquanto a incorporação de modelos das ciências
naturais do século XX, especialmente no limiar do século XXI, caracterizarse
33
ia, necessariamente, por uma ruptura com perspectivas positivistas. (LOPES;
MACEDO, Acesso em 2005, Disponível na Internet)
Sendo assim, de acordo ainda com Lopes e Macedo (Acesso em 2005, Disponível
na Internet) “a incorporação de modelos das ciências naturais às ciências sociais
não pode deixar de ser positivista apenas porque os modelos incorporados são, em
seu contexto de produção, críticos ao positivismo mecanicista do século XIX. Ao
contrário, revelam a mesma perspectiva de pretender uma ciência unitária, cara ao
positivismo”.
Ilustração 9 – Um malestar “no ar”: Quais os caminhos percorridos pela educação escolar e não
escolar que nos ajudariam a pensar e problematizar as formas de educar na pósmodernidade?
Mas, segundo Cunha (Acesso em 2005, Disponível na Internet), “a razão
instrumental, que sempre esteve presente na esfera econômica, via ciência, através
do positivismo e do neopositivismo, penetrou também na esfera cultural, adquirindo
um discurso altamente sedutor, alterando a forma do seu canto de sereia, mas não
deixando de o ser. Em suma, o positivismo se sofisticou”. E lança a seguinte
questão: “O que significa isso, concretamente, para o campo do currículo?”.
E ainda afirma Ribeiro Jr. (1991, p. 16) sobre o positivismo que
Como sistema filosófico, segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 16), o positivismo “[...] busca
estabelecer a máxima unidade na explicação de todos os fenômenos universais,
estudados sem preocupação alguma das noções metafísicas, consideradas
inacessíveis, e pelo emprego exclusivo do método empírico, ou da verificação
experimental”.
Donde se conclui que, segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 17)
[...] o método positivo não assinala à ciência mais do que o estudo dos fatos e
suas relações, fatos esses somente percebidos pelos sentidos exteriores. Por
isso, podese dizer que o positivismo é um dogmatismo físico e um ceticismo
metafísico. É um dogmatismo físico, pois que afirma a objetividade do mundo
físico; e é um ceticismo metafísico, porque não quer pronunciarse acerca da
existência da natureza dos objetivos metafísicos. (RIBEIRO JR., 1991, p. 17)
Segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 18, grifo do autor), “Augusto Comte usa o termo
filosofia na acepção geral que lhe davam os antigos filósofos, particularmente
Aristóteles, como definição do sistema geral do conhecimento humano; e o termo
35
positiva designa, segundo ele, o real frente ao quimérico, o útil frente ao inútil, a
segurança frente à insegurança, o preciso frente ao vago, o relativo frente ao
absoluto”. Será que nas ciências humanas tudo é real, útil e seguro? Que precisão e
relatividade é essa que seria aplicável a todas as ciências, sem “contraindicações”?
Ilustração 10 – Que outras atividades poderiam ser desenvolvidas para além do ler e escrever, para
além da “educação na cabeça” e em função de uma educação com o corpo, ou seja, com todos os
sentidos, sentimentos, desejos e prazeres que o corpo pode proporcionar?
Ainda segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 68, grifo do autor), “a nossa bandeira, com seu
Ordem e Progresso, mostra quanto a doutrina positivista teve aceitação mesmo
entre nossos republicanos históricos. Ribeiro Jr. afirma que, “desse modo,
dominando as consciências das classes privilegiadas, o positivismo irá repercutir
intensamente nas escolas, influenciando a mocidade, cuja cultura intelectual era
mais literária do que científica”.
36
4. A Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman: Problematizações Acerca Do
Atual MalEstar Contemporâneo
Os indivíduos (con)vivem atualmente em uma modernidade líquida a qual, segundo
Bauman (1998, p. 78), se
[...] ganha alguma coisa mas, habitualmente, perde em troca alguma coisa:
partiu daí a mensagem de Freud. Assim como ‘cultura’ ou ‘civilização’,
modernidade é mais ou menos beleza (“essa coisa inútil que esperamos ser
valorizada pela civilização”), limpeza (“a sujeira de qualquer espécie parece
nos incompatível com a civilização”) e ordem (“Ordem é uma espécie de
compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente
estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo
que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão”).
(Bauman, 1998, p. 78)
15
Estética de escrita utilizada por Ferraço e Nilda Alves. Tentativa de, ao unir as palavras, inventar
uma nova que não seja “uma e outra” mas, uma terceira, diferente das duas anteriores, que surge da
fusão delas.
37
No sentido estabelecido pela modernidade, a escola não pode competir com a
sexualidade e muito menos vivêla como uma prática aprendente, agindo de forma a
silenciála o máximo possível, redirecionando a energia sexual dos sujeitos
aprendentes em função do discurso de poder do que está planejado pela escola e
seus profissionais.
É a partir de uma rebeldia em relação à ordem contemporaneamente moderna da
escola que (in)surgem os processos instituintes, no qual agrupamentos humanos se
revoltam contra o contemporâneo sistema sóciopolítico e econômico que se preza
pela manutenção de uma desigualdade social alarmante e a manutenção de um
estado de funcionamento permanente das instituições regulatórias coercitivas da
sociedade, cuja atual abundância de riqueza social e econômica de uma minoria é
justificada e pautada pelas leis em vigor, que não são feitas pela verdade, mas sim
pela autoridade autoritária.
Segundo Bauman (1998, p. 9), “em sua versão presente e pósmoderna, a
modernidade parece ter encontrado a pedra filosofal que Freud repudiou como uma
fantasia ingênua e perniciosa: ela pretende fundir os metais preciosos da ordem
limpa e da limpeza ordeira diretamente a partir do ouro do humano, do
demasiadamente humano reclamo de prazer, de sempre mais prazer e sempre mais
aprazível prazer um reclamo outrora desacreditado como base e condenado como
autodestrutivo”.
Você ganha alguma coisa e, em troca, perde alguma outra coisa: a antiga
norma mantémse hoje tão verdadeira quanto o era então. Só que os ganhos
e as perdas mudaram de lugar: os homens e as mulheres pósmodernos
38
trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por um quinhão
de felicidade. Os malestares da modernidade provinham de uma espécie de
segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da
felicidade individual. Os malestares da pósmodernidade provêm de uma
espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança
individual pequena demais. (BAUMAN, 1998, p. 10, grifo do autor)
É nessa ambigüidade que se situa o pensamento de Bauman: há uma malestar
contemporâneo, ligada a uma busca desenfreada pelo prazer em detrimento da
segurança individual, enquanto que na modernidade havia uma restrição dos
prazeres individuais por uma busca constante de uma ordem segura. É na discussão
dessa bipolaridade que se desenvolve grande parte das discussões de Bauman.
A cidade está crescendo muito rápido
A energia precisa de expansão
Minha cabeça não pára de pensar
Que o mundo precisa de atenção
E você, meu amigo, vai ficar aí parado sem fazer nada?
e você, meu amigo, não vai dar a sua opinião
Resgate! ao futuro e a verdade
Resgate! ao progresso e a dignidade
Causar impacto, chamar atenção, modificar, fazer a gente mesmo
Acrescentar, tornar possível, alcançar o céu rumo ao infinito
Vamo lá!! Vamo lá!!
Pra mudar essa situação
Escrever a nossa história
Da origem de tudo até agora nada, nada escapa da evolução
a solução para os problemas desse mundo é o que esperam dessa nova geração
E você, meu amigo, vai ficar aí parado sem fazer nada?
e você, meu amigo, não vai dar a sua opinião
Resgate! ao futuro e a verdade
Resgate! ao progresso e a dignidade
Causar impacto, chamar atenção, modificar, fazer a gente mesmo
Acrescentar, tornar possível, alcançar o céu rumo ao infinito
Vamo lá!! Vamo lá!!
Pra mudar essa situação
16
Escrever a nossa história (Letra da música “vamo lá”, da banda Jota Quest )
Havia uma ilusão na educação promovida na modernidade no qual se entendia que
o que se aprendesse na escola seria utilizável durante uma grande parte da vida de
um ser humano adulto. Nesse sentido, Bauman (1998, p. 21) afirma que
16
Vamo la: Jota Quest. Disponível em: <http://jotaquest.letras.terra.com.br/letras/81977/>. Acesso
em: 17 jul. 2006.
39
colocava no caminho do olhar; um mundo em que nada estragasse a
harmonia; nada “fora do lugar”; um mundo sem “sujeira”; um mundo sem
estranhos. (BAUMAN, 1998, p. 21)
E onde estarão os discursos de poder dos marginalizados sujeitos desprovidos de
acesso aos (des)saberes escolares? Bauman (1998, p. 23) afirma que
Assim, desprovidos do chamado “conhecimento erudito”, os sujeitos marginalizados
emitem discursos que muitas vezes não se encaixam nos padrões da vida social de
consumo capitalístico desenfreado, e não sendo, portanto, admitidos em tal meio
social por não conseguirem se apropriar dos dispositivos que lhe permitiriam viver
nesse âmbito social. A sociedade, por sua vez, emite discursos de poder que visam
despir as (des)identidades desses sujeitos, tentando fazer com que os mesmos
internalizem os discursos de inadequação a sociedade civilizada e, em seguida,
emitam discursos a partir de uma perspectiva de que são uma “sujeira” da pureza
pósmoderna.
Ilustração 11 – Corpos plastificados: Novas formas de produção de subjetividades estão sendo
forjadas mediante um paradigma estéticoexpressivo criado pela arte contemporânea.
40
Assim, “a preocupação de nossos dias com a pureza do deleite pósmoderno
expressase na tendência cada vez mais acentuada a incriminar seus problemas
socialmente produzidos” (BAUMAN, 1998, p. 25). Problemas esses que perpassam
a dinâmica do cotidiano escolar, na incriminação social do professor como “o
grande” responsável pelo fracasso escolar dos educandos, e que se expressam
relativamente, mas enfaticamente, nos discursos de poder dos sujeitos politicamente
envolvidos na sociedade.
Ilustração 12 Uniforme escolar: tentativa de padronização e enquadramento (nesta imagem,
metaforicamente).
Na modernidade, a ordem no cotidiano era expressa mediante uniformes que
geralmente expressavam o poderio estatal. Aparentemente, nada mudou
radicalmente no contexto contemporâneo: apenas a adoção do mesmo sistema de
padronização e enquadramento pelo poderio das instituições privadas. Segundo
Bauman (1998, p. 28)
Envergando uniformes, os homens se tornam esse poder em ação;
envergando botas de cano de alto, eles pisam, e pisam em ordem, em nome
do estado. O estado que vestiu homens de uniforme, de modo que estes
pudessem ser reconhecidos e instruídos para pisar, e antecipadamente
absolvidos da culpa de pisar, foi o estado que se encarou como a fonte, o
defensor e a única garantia da vida ordeira: a ordem que protege o dique do
caos. Foi o estado que soube o que a ordem devia parecer, e que teve força
e arrogância bastante não apenas para proclamar que todos os outros
estados de coisas são a desordem e o caos, como também para obrigálos a
viver sob essa condição. Foi este, em outras palavras, o estado moderno –
que legislou a ordem para a existência e definiu a ordem como a clareza de
aglutinar divisões, classificações, distribuições e fronteiras. (BAUMAN,1998,
p. 28)
41
Ilustração 13 Educação bancária: nesta imagem, metaforicamente, a recepção passiva dos
conteúdos escolares.
Na versão liberal da modernidade, segundo Bauman (1998, p. 29), “as pessoas são
diferentes [...] mas são diferentes por causa da diversidade das tradições locais e
particularísticas em que elas crescem e amadurecem. São produtos da educação,
criaturas da cultura e, por isso, flexíveis e dóceis de serem reformadas”. Reformas,
tais como as preconizadas por organismos financeiros internacionais (Bird, FMI,
OMC, entre outras) visam justamente homogeneizar um discurso de poder em prol
da proclamação universal de que a educação é um produto comercializável e que as
concepções de educação pública e gratuita atuais não atendem as demandas da
sociedade, desqualificando assim os saberesfazeres dos sujeitos da escola, bem
como marginalizando suas respectivas tentativas de resistência a um modelo
neoliberal de educação.
42
Ilustração 14 O estranho na cidade pósmoderna: "não posso sair, mas invento formas de ficar”
Segundo Bauman (1998, p. 4041), “na cidade pósmoderna, os estranhos
significam uma coisa aos olhos daqueles para quem a ‘área inútil’ (as ‘ruas
principais’, os ‘distritos agitados’) significa ‘não vou entrar’, e outra coisa aos olhos
daqueles para quem ‘inútil’” quer dizer ‘não posso sair’”. Tal percepção é similar na
atual escola moderna, no qual os educandos assumem efemeramente uma
identidade de “estranhos” e burlam uma série de possibilidades de estar num
ambiente extremamente formal e repressor, subvertendo a sala de aula tradicional e
invocando novos ambientes de manifestações sociais (Internet, pesquisa com a
comunidade, feiras livres, etc).
[...] enquanto os estranhos modernos tinham a marca do gado da
aniquilação, e serviam como marcas divisórias para a fronteira em
progressão da ordem a ser constituída, os pósmodernos, alegre ou
relutantemente, mas por consenso unânime ou por resignação, estão aqui
para ficar. Parafraseando o comentário de Voltaire a propósito de Deus, se
eles não existem, teriam de ser inventados. E são de fato inventados,
zelosamente e com gosto – improvisados a partir de protuberantes, salientes,
minuciosas e nãoimportunas marcas de distinção. Eles são úteis
precisamente em sua qualidade de estranhos: sua estranheza deve ser
protegida e cuidadosamente preservada. São indispensáveis marcos
indicadores sobre o itinerário sem nenhum plano ou direção: devem ser como
muitos, e como protéicos, e como as sucessivas e paralelas encarnações da
identidade na interminável busca de si mesmo. (BAUMAN, 1998, p. 43)
43
Segundo Lampert (2005, p. 25), “a exclusão trará à humanidade, a médio e longo
prazos, conseqüências incalculáveis e, a curto prazo, aumentará a pobreza, a
miséria, a desigualdade, a desobediência civil e a violência em todos os níveis e
esferas. Esse fenômeno provocará um medo generalizado em todas as instituições e
a dificuldade de se viver de forma harmônica e equilibrada”. E em relação a exclusão
ou simulacro da democracia no ambiente escolar não é diferente: as conseqüências
da ausência de políticas de inclusão aumentará a instabilidade na práxis pedagógica
dos educadores, a desigualdade na oportunidade de acesso a participação, a
desobediência como forma de confronto à ausência de possibilidades básicas de
sersendo cidadão póscrítico 17 , gerando desordem e práticas de desconhecimento
da heterogeneidade e hibridismos das relações socialmente efêmeras do cotidiano
escolar.
Podese considerar ainda que a exclusão acarrete sérios problemas na aprendência
(Assmann, 2004) dos excluídos, devido as possíveis turbulências sócioafetivas
derivadas da ausência de acesso aos serviços/produtos básicos de aprendizagem e,
consequentemente, de sua impossibilidade de seremsendo agentes aprendentes
neste atual mundo sócioeconomicamente capitalístico.
Ainda nesse sentido, segundo Bauman (1998, p. 59, grifo do autor), “cada vez mais,
ser pobre é encarado como um crime; empobrecer, como o produto de
predisposições ou intenções criminosas – abuso de álcool, jogos de azar, drogas,
vadiagem e vagabundagem. Os pobres, longe de fazer jus a cuidado e assistência,
merecem ódio e condenação – como a própria encarnação do pecado”. Assim, que
valores contemporâneos são estes que pregam de forma dogmaticamente sublimar
uma repressão agressiva e autoritária aos excluídos do sistema de ensino, que por
sua vez influenciam expressamente e freneticamente os discursos de poder dos
sujeitos da escola, alterando por sua vez as possibilidades dos mesmos serem
sendo agentes de inclusão?
17
Termo que inter(in)ventei para me referir a um cidadão cosmopolita, com um conhecimento local e
total, que subverte, burla, insurge, (trans)forma e (re)inventa o cotidiano diariamente, num sersendo
sujeitoparticipativo, com discursos de poder intrínsecos e extrínsecos, dentro de um meio ambiente
sóciohistoricamente nãodeterminado.
44
Ilustração 15 Jovem aproveita o status do celular na hora de paquerar: consumismo exacerbado que
segue a lógica do modo de produção capitalista, mas que simultaneamente é apropriado pelo sujeito
em seu discurso de poder como “cidadão do mundo” e “cosmopolita”.
Segundo Bauman (1998, p. 55),
A sedução do mercado é, simultaneamente, a grande igualadora e a grande
divisora. Os impulsos sedutores, para serem eficazes, devem ser
transmitidos em todas as direções e dirigidos indiscriminadamente a todos
aqueles que os ouvirão. No entanto, existem mais daqueles que podem ouvi
los do que daqueles que podem reagir do modo como a mensagem sedutora
tinha em mira fazer aparecer. Os que não podem agir em conformidade com
os desejos induzidos dessa forma são diariamente regalados com o
deslumbrante espetáculo dos que podem fazêlo. O consumo abundante, é
lhes dito e mostrado, é a marca do sucesso e a estrada que conduz
diretamente ao aplauso público e à fama. Eles também aprendem que
possuir e consumir determinados objetos, e adotar certos estilos de vida, é a
condição necessária para a felicidade, talvez até para a dignidade humana.
(BAUMAN,1998, p. 55)
Vivese, nesse sentido, numa sociedade no qual é mais importante tertendo
produtos capitalísticos do que sersendo cidadão póscrítico. Nesse contexto, os
educandos atualmente agem como nômades e, simultaneamente descobrem que
são arrivistas em relação ao cotidiano da escola.
Arrivista, alguém já no lugar, mas não inteiramente do lugar, um aspirante a
residente sem permissão de residência. Alguém que lembra aos moradores
mais antigos o passado que querem esquecer e o futuro que antes
desejariam longe; alguém que faz com que os moradores mais antigos
corram em busca de abrigo em escritórios de fornecimento de permissões,
apressadamente construídos. Ordenase ao arrivista que porte o rótulo
“recémchegado”, de modo que todos os outros possam confiar em que suas
tendas estejam talhadas na rocha. A permanência do arrivista deve ser
declarada temporária, de modo que a permanência de todos os outros possa
parecer eterna. (BAUMAN, 1998, p. 93, grifo do autor)
45
Assim, internalizase nos incluídos nos sistemas de ensino a identidade de
“educando arrivista”, mediante discursos de poder da instituição escolar que
desqualifica o ato do mesmo de estar na escola e se sentir um sujeito aprendente e,
ainda mais do que isso, um cidadão póscrítico com permissão para também emitir
discursos de poder que possam ser ouvidos e incluídos na dinâmica do cotidiano
escolar, promovendo sua (trans)formação.
Ilustração 16 – O Inferno de Dante: A sociedade saiu da neurose da moral, tanto criticada por Freud,
e entrou desenfreadamente em uma nova neurose: a do ato de gozar a qualquer preço, de todas as
formas possíveis e em todos os lugares, como sinônimo esquizofrênico de satisfação pessoal e
social.
Em relação a esse contexto contemporâneo, Bauman (1998, p. 99, grifo do autor)
afirma que “podese seguramente definir a modernidade [...] como uma condição
social sob a qual a cultura não pode servir à realidade senão minandoa”. Além de
minar o instituído, os educandos implodem um sistema de significação dos discursos
de poder de um dado contexto escolar, a partir das idiossincrasias que lhes são
46
peculiares, e tecem novas perspectivas de sersendo uma agente de mudança e
sujeito ativo da aprendizagem e de asignificação do status quo.
Mas daí também o caráter incomparavelmente trágico – ou é esquizofrênico?
– da cultura moderna, a cultura que só se sente verdadeiramente à vontade
em seu desabrigo. Nessa cultura, o desejo é manchado pelo medo, ao passo
que o horror possui atrações a que dificilmente se resiste. Essa cultura sonha
fazer parte, no entanto teme fechaduras e janelas cerradas; tem pavor à
solidão chamada liberdade, no entanto ainda mais do que qualquer coisa se
ressente com juramentos de lealdade. Para qualquer direção que se volte,
essa cultura – como os ratos famintos do labirinto de Miller e Dollard – se vê
suspensa à beira da ambivalência, onde se cruzam as linhas do fascínio
decrescente e da repulsa crescente. (BAUMAN, 1998, p. 99)
Ainda segundo Bauman (1998, p. 99), “a modernidade proclamou que nenhuma
ordem era intocável, visto que todas as ordens intocáveis deviam ser substituídas
por uma nova ordem artificial, em que são construídos caminhos que levam da parte
mais baixa ao topo e, portanto, ninguém faz parte de nenhum lugar eternamente”.
Concebendo a existência de “parte alta e baixa”, a escola moderna proferiu tal
discurso de poder em sintonia com a préintenção de desqualificar o/s outro/s e
(re)afirmar a legitimidade da superioridade de suas teorias e práticas em detrimento
dos saberesfazeres já existentes previamente no cotidiano e que se expressa no
discurso dos sujeitos aprendentes na escola.
A modernidade foi, assim, a esperança do pária. Mas o pária podia deixar de
ser pária somente ao se tornar – ao se esforçar para se tornar – um arrivista.
E o arrivista, por nunca haver apagado a mácula da sua origem, vivia sob a
constante ameaça de deportação de volta à terra de que tentou escapar.
Deportação caso fracassasse; deportação caso fosse bemsucedido de
maneira demasiadamente espetacular para o bemestar daqueles à sua
volta. Nem por um momento o herói deixou de ser uma vítima potencial.
Herói hoje, vítima amanhã – o muro divisório entre as duas situações era
muito estreito. Estar em movimento significava não fazer parte de nenhum
lugar. E não fazer parte de nenhum lugar significava não contar com a
proteção de ninguém: de fato, a quintessência da existência do pária era não
poder contar com proteção. Quanto mais depressa se corre, mais rápido se
permanece no lugar. Quanto maior o frenesi com que alguém luta para se
isolar da casta dos parias, mais se expõe, como o pária, a não fazer parte.
(BAUMAN, 1998, p. 99100)
Segundo Bauman (1998, p. 101), “talvez nós vivamos em uma era pósmoderna,
talvez não. Mas de fato vivemos em uma era de tribos e tribalismo. É o tribalismo,
miraculosamente renascido, que injeta espírito e vitalidade no louvor da
comunidade, na aclamação de fazer parte, na apaixonada busca da tradição. Neste
sentido, pelo menos, o longo desvio da modernidade levounos aonde nossos
47
antepassados outrora principiaram. Ou assim talvez pareça”. A partir desse
pensamento, é possível inferir que insurgem na educação tribos sintéticas, que
podem ser entendidas como uma forma de alguns indivíduos se sujeitarem a uma
política de desvalorização de seus discursos no qual os mesmos emitem um novo
discurso, com um novo palavreado, mas com discurso eminentemente capitalístico
devido os mesmos possuírem uma ínfima capacidade de consumo que consideram
a única forma de estarsendo cidadão numa sociedade que consideram sócio
históricamente determinada. É nesse momento, em que aparentemente a desordem
prevalece no cotidiano, que (in)surge o tribalismo real, no qual o caos aparece como
uma nova possibilidade de organização educacional, gerando por sua vez fractais
que repercutem os processos de singularização inerentes à vida que efetivamente
habita um cotidiano de aprendência que é inerente à criatividade da escola. Nesse
simulacro do dualismo “tribalismo sintético X tribalismo real”, habita um coletivo
pensante que vive com suas diferenças um cotidiano inventivo que permite
multiplicidade de encaixes de modos de sersendo no mundo, produzindo redes de
subjetividades nas quais não se autoafirmam numa bipolaridade, mas sim como um
uno singular que comporta particularidades que são, simultaneamente, locais e
totais.
Bauman (1998, p. 118, grifo do autor) adverte que “turistas e vagabundos são as
metáforas da vida contemporânea. Uma pessoa pode ser (e freqüentemente o é) um
48
turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para longe [...]”. Numa
perspectiva escolar, um educando turista perfeito seria aquele que vagueia pelos
meandros da instituição escolar, movimentandose como um arrivista apreciador da
paisagem instituída, mas simultaneamente mutante, no qual se apropria dos
dispositivos regulamentados para emitir discursos de poder em função de suas
necessidades básicas de aprendizagem e relacionamento social. Já um educando
vagabundo incurável, numa perspectiva moderna de escola, pode ser considerado
aquele que subverte e (in)tenta constantemente burlar o que está instituído no
contexto escolar, emitindo discursos de poder que não se enquadram na perspectiva
de um arrivista, mas sim de um sujeito sóciohistoricamente nãodeterminado e que
(in)tenta expor a sua singularidade como um dispositivo de mudança social. Os
educandos, nesse discurso que criei, aparecem em uma dualidade “educando turista
perfeito X educando vagabundo incurável”, o que é novamente um simulacro: é
nesse contexto do entre ‘x’ e ‘y’ que emerge o ‘z’, que não é a união de ‘x’ e ‘y’, mas
sim a confluência de ambos em um híbrido, gerando, metaforicamente, a percepção
do ato de fazerviver um cotidiano da diferença e do múltiplo e jamais da
bipolaridade.
Tendo isso em mente, sugirolhes que, em nossa sociedade pósmoderna,
estamos todos – de uma forma ou de outra, no corpo ou no espírito, aqui e
agora ou no futuro antecipado, de bom ou de mau grado – em movimento;
nenhum de nós pode estar certo/a de que adquiriu o direito a algum lugar,
para sempre, é uma perspectiva provável. Onde quer que nos aconteça parar
estamos, pelo menos, parcialmente deslocados ou fora do lugar. Mas aqui
termina o que há de comum na nossa situação e começam as diferenças.
Sugirolhes que a oposição entre os turistas e os vagabundos é a maior, a
principal divisão da sociedade pósmoderna. Estamos todos traçados num
contínuo estendido entre os pólos do “turista perfeito” e o “vagabundo
incurável” – e os nossos respectivos lugares entre os pólos soa traçados
segundo o grau de liberdade que possuímos para escolher nossos itinerários
de vida. A liberdade de escolha, eu lhes digo, é de longe, na sociedade pós
moderna, o mais essencial entre os fatores de estratificação. Quanto mais
liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia
social pósmoderna. As diferenças sociais pósmodernas são feitas com a
amplitude e estreiteza da extensão de opções realistas. (BAUMAN, 1998, p.
118119)
Assim, segundo Bauman (1998, p. 119120), “os vagabundos, as vítimas do mundo
que transformou os turistas em seus heróis, têm, afinal, suas utilidades. Como os
sociólogos gostam de dizer, eles são ‘funcionais’. É difícil viver em suas imediações,
mas é inconcebível viver sem eles. São suas privações gritantes demais que
reduzem as preocupações das pessoas com as inconveniências marginais. É a sua
49
evidente infelicidade que inspira os outros a agradecerem a Deus, diariamente, por
têlos feito turistas”. Novamente problematizando numa perspectiva escolar, o
educando vagabundo incurável seria um serestando num mundo que não lhe sacia
as necessidades básicas de aprendizagem e relacionamento social, sendo vítima de
discursos de poder que lhe internalizam uma identidade marginal e o transforma em
um símbolo de qualquer malestar que acontece no cotidiano escolar e ainda serve
de “bode expiatório” para a evidenciação do educando turista perfeito num status
social de aprendente “modelo a ser seguido” e desejável pela sociedade.
Ilustração 17 – Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (NTICs): Para além da informação
e comunicação mencionadas, tais recursos tecnológicos estão perpassando, frequentemente, a
produção de subjetividades dos alunos e alunas e se (trans)formando, implicitamente ou
explicitamente bem como impositivamente ou democraticamente, como um novo dispositivo para
educar.
50
5. Problematizações Acerca Do Paradigma Da Ciência Moderna, Para Se
Pensar a Ciência Pósmoderna, A Partir De Boaventura De Sousa Santos
Neste século XXI, que mais parece uma continuação das redes tecidas nos níveis
macro e microfenomenológico no século XX, segundo Santos (2002, p. 26),
“encontramonos perante a desordem tanto da regulação social como da
emancipação social. O nosso lugar é em sociedades que são simultaneamente
autoritárias e libertárias”. Como então uma educação que se proponha a formar um
cidadão póscrítico, apto a viver e conviver neste século XXI, poderá ser ou está
sendo instituída?
É num contexto como esse que Santos (2002, p. 29) afirma que
Podese afirmar que a instituição escolar, por não estar de forma alguma dissociada
de um contexto global, também se encontra em uma posição transicional, no qual a
pósmodernidade reconfortante freqüentemente insurge através de discursos de
poder neoliberais, que por sua vez desqualificam os discursos de poder dos sujeitos
das escola, intentando enquadrálos como arrivistas nesse meio ambiente de
aprendência, inculcandoos, freqüentemente, com a identidade de “responsáveis”
pelo fracasso das promessas da escola moderna. Simultaneamente insurgem
discursos de poder numa perspectiva que Santos denomina de pósmodernidade
inquietante ou de oposição, no qual estaria ocorrendo uma ruptura entre os
problemas da modernidade e algumas possíveis “soluções pósmodernas”, sendo
que tal problemática deveria ser assumida pelos sujeitos da escola e da sociedade
51
em função da construção de uma proposta de educação que se proponha formar um
cidadão póscrítico.
Santos (2002, p. 29) afirma ainda que “uma das fraquezas da teoria crítica moderna
foi não ter reconhecido que a razão que crítica [sic] não pode ser a mesma que
pensa, constrói e legitima aquilo que é criticável”. Assim, a sociedade moderna
utilizouse da instituição escolar para difundir seus discursos de poder objetivando a
estabelecimento de um ordenamento harmônico dos sujeitos da sociedade,
mediante divisões dos conhecimentos em disciplinas que facilitavam o controle do
que era difundido, em função de projetos de nações autoritárias que pensavam,
construíam e legitimavam enunciados passíveis de questionamentos e
problematizações.
Não há conhecimento em geral, tal como não há ignorância em geral. O que
ignoramos é sempre a ignorância de uma certa forma de conhecimento e
viceversa o que conhecemos é sempre o conhecimento em relação a uma
certa forma de ignorância. Todo o acto [sic] de conhecimento é uma
trajectória [sic] de um ponto A que designamos por ignorância para um ponto
B que designamos por conhecimento. No projecto [sic] da modernidade
podemos distinguir duas formas de conhecimento: o conhecimentoregulação
cujo ponto de ignorância se designa por caos e cujo ponto de saber se
designa por ordem e o conhecimentoemancipação cujo ponto de ignorância
se designa por colonialismo e cujo ponto de saber se designa por
solidariedade. Apesar de estas duas formas de conhecimento estarem
ambas inscritas na matriz da modernidade eurocêntrica a verdade é que o
conhecimentoregulação veio a dominar totalmente o conhecimento
emancipação. Isto deveuse ao modo como a ciência moderna se converteu
em conhecimento hegemônico e se institucionalizou como tal. Ao
negligenciar a crítica epistemológica da ciência moderna a teoria crítica
apesar de pretender ser uma forma de conhecimentoemancipação acabou
por se converter em conhecimento regulação.
Para a teoria crítica pósmoderna pelo contrário todo o conhecimento crítico
tem de começar pela crítica do conhecimento. Na actual [sic] fase de
transição paradigmática a teoria crítica pósmoderna constróise a partir de
uma tradição epistemológica marginalizada e desacreditada da modernidade
o conhecimentoemancipação. Nesta forma de conhecimento a ignorância é
o colonialismo e o colonialismo é a concepção do outro como objecto [sic] e
consequentemente o não reconhecimento do outro como sujeito. Nesta forma
de conhecimento conhecer é reconhecer é progredir no sentido de elevar o
outro da condição de objecto [sic] à condição de sujeito. Esse conhecimento
reconhecimento é o que designo por solidariedade. (SANTOS, 2002, p. 29
30)
52
problemas à escola (desordem). Assim, a escola está fincada atualmente num
conhecimento emancipação no qual (in)tenta constantemente emitir discursos de
poder contra o colonialismo buscando um ponto de saber que pode ser denominada
de solidariedade para com o educando, o professor e a construção de uma
sociedade com igualdade de oportunidades. Mas tanto o conhecimento regulação
quanto o emancipatório são passíveis de problematizações, visto não ser concebível
a existência de uma sociedade ordeira, bem como não se deveria buscar a
emancipação a partir de um discurso que já vê o outro como vítima de colonização.
Ilustração 18 – Imagem de uma Educação Inclusiva? Talvez, desde que o ato de estar com o
computador não seja um simples manuseio, mas sim uma prática que suscita frequentemente
desejos e prazeres no corpo aprendente.
Segundo Santos (2002, p. 41), atualmente “há um desassossego no ar. Temos a
sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro
que ainda não nasceu”. E que escola (re)nascerá de um presente quase a terminar?
53
ordem e desordem se misturam em combinações turbulentas. Os dois
excessos suscitam polarizações extremas que, paradoxalmente, se tocam.
As rupturas e as descontinuidades, de tão freqüentes, tornamse rotina e a
rotina, por sua vez, tornase catastrófica. (SANTOS, 2002, p.41)
Por que não dizer que a instituição escolar situa seus discursos de poder em
freqüentes rupturas que geram indeterminismos, que por sua vez geram as
imprevisibilidades e incertezas acerca de que cidadão formar, gerando ainda as
descontinuidades das propostas próeducativas 18 locais e que ainda subvertem o
que (in)tenta ser instituído pelas políticas governamentais do Estado, apesar de tais
polarizações se intercambiarem freqüentemente, tornando a rotina escolar uma
mesmice e, freqüentemente ocorrendo problemáticas catastróficas na aprendência
nos educandos?
Segundo Santos (2002, p. 41), “podese pensar que este desassossego é típico dos
tempos de passagem de século e, sobretudo, de passagem de milênio, sendo por
isso um fenómeno [sic] superficial e passageiro. [...] pelo contrário, o desassossego
que experienciamos nada tem a ver com lógicas de calendário”.
Não é o calendário que nos empurra para a orla do tempo, e sim a
desorientação dos mapas cognitivos, interaccionais [sic] e societais em que
até agora temos confiado. Os mapas que nos são familiares deixaram de ser
confiáveis. Os novos mapas são, por agora, linhas ténues [sic], pouco menos
que indecifráveis. Nesta dupla desfamiliarização está a origem do nosso
desassossego. (SANTOS, 2002, p. 41)
Quem poderá propor um novo mapa cognitivo, interacional e societal nesta
sociedade pósmoderna que (in)surge? Sem dúvida nenhuma, no âmbito da
educação, essa será uma tarefa para todos, mas principalmente para os sujeitos da
escola, coresponsáveis pela transformação e idealização de um projeto de nação
que seja familiarizável aos outros e que delineiem ainda algumas problemáticas
acerca de que cidadão formar para promover o progresso da sociedade.
Assim, segundo Santos (2002, p. 4142), “vivemos, pois, numa sociedade intervalar,
uma sociedade de transição paradigmática. Esta condição e os desafios que ela nos
18
Termo que inter(in)ventei para situar as propostas da escola como tendo intencionalidades
educativas: o próeducativo seria um entrelugar situado no que foi planejado pela instituição escolar
(currículo prescrito) e no que está sendo efetivamente feito no momento da práxis pedagógica
(currículo em ação ou currículo realizado).
54
coloca fazem apelo a uma racionalidade activa [sic], porque em transição, tolerante,
porque desinstalada de certezas paradigmáticas, inquieta, porque movida pelo
desassossego que deve, ela própria, potenciar”. E a escola também (con)vive num
devir (processo em mutação) rumo a um próparadigma que lhe propõe (isto é,
quando não impõem) novos desafios, inquietando e desassossegando os sujeitos da
escola que passam progressivamente a serem vistos como potencializadores da
aprendência (Assmann, 2004) do/no/com um cotidiano considerado inventivo.
A razão criticada por Santos (2002, p. 42), “é uma razão cuja indolência ocorre por
duas vias aparentemente contraditórias: a razão inerme perante a necessidade que
só ela pode imaginar como lhe sendo exterior; a razão displicente que não sente
necessidade de se exercitar por se imaginar incondicionalmente livre e, portanto,
livre da necessidade de provar a sua liberdade”. Essas duas vias mereceriam uma
discussão à parte, que não cabe a esta breve monografia: a razão inerme centra sua
lógica de entendimento no sersendo dos sujeitos aprendentes ou educadores em
contraposição ao que lhe é exterior; já a razão displicente, quando “domina” o
pensamento coletivo de uma escola ou mesmo de cada ação atitudinal de um
sujeito, imaginase como onipotente, onisciente e onipresente, não objetivando a
conquista de liberdades a cada dia. Santos propõe, por isso, a crítica da razão
indolente.
Bloqueada pela impotência autoinfligida e pela displicência, a experiência da
razão indolente é uma experiência limitada, tão limitada quanto a experiência
do mundo que ela procura fundar. É por isso que a crítica da razão indolente
é também uma denúncia do desperdício da experiência. Numa fase de
transição paradigmática, os limites da experiência fundada na razão indolente
são particularmente grandes, sendo correspondentemente maior o
desperdício da experiência. É que a experiência limitada ao paradigma
dominante não pode deixar de ser uma experiência limitada deste último.
(SANTOS, 2002, p. 41)
A crítica da razão indolente é efêmera, pois as problemáticas também são efêmeras,
mas a experiência é única e não se deveria desperdiçála em um processo de
ensinoaprendizagem (processo: remete a fábrica, mecanicismo) moderno, mas a
escola, como um coletivo transformador, poderia (in)tentarse numa experienciação
delirante num ambiente de aprendência como o é o inventivo cotidiano escolar.
55
Santos (2002, p. 49) tem “vindo a defender que estamos a entrar num período de
transição paradigmática”. Ele resume tal transição da seguinte forma:
Afirma Santos (2002, p. 50) que “o paradigma da modernidade é muito rico e
complexo, tão susceptível de variações profundas como de desenvolvimentos
contraditórios. Assenta em dois pilares, o da regulação e o da emancipação, cada
um constituído por três princípios ou lógicas”.
Existem muitas maneiras diferentes de conceitualizar a crise final da modernidade e
a transição paradigmática. A conceitualização, adotada por Santos (2002, p. 54),
pode ser designada por pósmodernidade inquietante ou de oposição, que seria
“uma conceptualização [sic] da actual [sic] condição sóciocultural que, embora
56
admitindo o esgotamento das energias emancipatórias da modernidade, não celebra
o facto [sic], mas procura antes oporselhe, traçando um novo mapa de práticas
emancipadoras”. Portanto, Santos propõe uma contraposição aos conhecimentos
regulação e emancipação mediante um próparadigma que denominada de pós
modernidade inquietante ou de oposição e que, no caso da educação, poderia ser
idealizado no sentido de não (in)tentar uma ordem ordeira e autoritária, mas
conceber uma outra forma de organização como o caos, além não conceber o
discurso do outro como sendo alienado e/ou vítima de colonização, mas como um
discurso de poder que visa a burla, a rebeldia e a transgressão de um status quo no
qual uma minoria é detentora de uma grande parte dos recursos naturais e
econômicos em detrimento de uma imensa maioria de excluídos de necessidades
básicas de aprendência e cidadania.
[...] como é que a ciência moderna, em vez de erradicar os riscos, as
opacidades, as violências e as ignorâncias, que dantes eram associados à
prémodernidade, está de facto [sic] a recriálos numa forma hipermoderna?
O risco é actualmente [sic] o da destruição maciça através da guerra ou do
desastre ecológico; a opacidade é actualmente [sic] a opacidade dos nexos
de causalidade entre as acções [sic] e as suas conseqüências; a violência
continua a ser a velha violência da guerra, da fome e da injustiça, agora
associada à nova violência da hubris industrial relativamente aos sistemas
ecológicos e à violência simbólica que as redes mundiais da comunicação de
massa exercem sobre as suas audiências cativas. Por último, a ignorância é
actualmente [sic] a ignorância de uma necessidade (o utopismo automático
da tecnologia) que se manifesta como o culminar do livre exercício da
vontade (a oportunidade de criar escolhas potencialmente infinitas).
(SANTOS, 2002, p. 58, grifo do autor)
57
Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que
temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres
da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e
inacessível à maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente
na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e
o saber fazer, entre a teoria e a prática? Perguntas simples a que Rousseau
responde, de modo igualmente simples, com um redondo não. (SANTOS,
2002, p. 59)
De forma semelhante poderia questionarse se há alguma enunciação que force
uma instituição escolar a desclassificar e marginalizar os discursos de conhecimento
de mundo que os educandos partilham em sua comunidade em função de um
“conhecimento erudito”, que autoritariamente se autolegitima a partir da opressão
desse conhecimento vulgar (senso comum)? Poderia a ciência moderna, tal como
está (mal) articulada com a comunidade discente e docente das escolas, convergir
em um conhecimento popular e, portanto, didaticamente acessível a todos/as?
Segundo Santos (2002, p. 60, grifo do autor), “Rousseau viveu no início de um ciclo
de hegemonia de uma certa ordem científica com cujo fim provavelmente nos
confrontamos hoje. Teremos forçosamente de ser mais rousseaunianos no perguntar
do que no responder. Numa época de hegemonia quase indiscutível da ciência
moderna, a resposta à pergunta sobre o significado sóciocultural da crise da ciência
moderna, ou seja, a démarche da hermenêutica crítica, não pode obterse sem
primeiro se questionarem as pretensões epistemológicas da ciência moderna”.
Segundo Santos (2002, p. 71), “depois da euforia cientista do século XIX e da
consequente [sic] aversão à reflexão filosófica, bem simbolizada pelo positivismo,
chegamos a finais do século XX possuídos pelo desejo quase desesperado de
complementarmos o conhecimento das coisas com o conhecimento de nós
próprios”. Em nós próprios habitaria, assim, um desejo intrínseco por uma sabedoria
coletiva, no qual o conhecimento científico fosse eficientemente difundido nas
comunidades que perpassam a escola, sendo apropriadas pelas mesmas como
dispositivos de (trans)formação do mundo.
O princípio da comunidade e a racionalidade estéticoexpressiva são, assim,
as representações mais inacabadas da modernidade ocidental. Por esta
razão, deve darse prioridade à análise das suas potencialidades
epistemológicas para restabelecer as energias emancipatórias que a
modernidade deixou transformar em hubris regulatória. Depois de dois
séculos de excesso de regulação em detrimento da emancipação, a solução
procurada não é um novo equilíbrio entre regulação e emancipação. Isso
seria ainda uma solução moderna cuja falência intelectual é hoje evidente.
Devemos, sim, procurar um desequilíbrio dinâmico que penda para a
emancipação, uma assimetria que sobreponha a emancipação à regulação.
Se a pósmodernidade de oposição significa alguma coisa, é justamente esse
desequilíbrio dinâmico ou assimetria a favor da emancipação concretizado
com a cumplicidade epistemológica do princípio da comunidade e da
racionalidade estéticoexpressiva. (SANTOS, 2002, p. 78, grifo do autor)
Mas, segundo Santos (2002, p. 79), a “realização deste equilíbrio dinâmico foi
confiada às três lógicas de racionalidade”: “a racionalidade moralprática, a
racionalidade estéticoexpressiva e a racionalidade cognitivoinstrumental”.
Nesse sentido, Santos (2002, p. 79) afirma que “é esta situação em que nos
encontramos e é dela que urge sair”.
Isto implica, por um lado, que se transforme a solidariedade na forma
hegemônica de saber e, por outro, que se aceite um certo nível de caos
decorrente da negligência relativa do conhecimentoregulação, o que obriga a
dois compromissos epistemológicos de monta. O primeiro consiste em
reafirmar o caos como forma de saber e não de ignorância, o que já começa
a acontecer, com as teorias do caos, no seio da própria ciência moderna
(Gleik, 1987; Hayles, 1990, 1991; Louçã, 1997). (SANTOS, 2002, p. 79)
59
Dada a hegemonia do conhecimento regulação, Santos (2002, p. 81) afirma que “a
solidariedade é hoje considerada uma forma de caos e o colonialismo uma forma de
ordem. Assim, não podemos prosseguir senão pela via da negação crítica”.
Ilustração 12 – Inferese aqui que seja preciso resgatar o ato de brincar na escola como uma prática
educativa em que o desejo e o prazer estão imbricados em uma simbiose que alcança devires
infindáveis aos alunos.
Ainda segundo Santos (2002, p. 82), “um conhecimento objectivo [sic] e rigoroso não
pode tolerar a interferência de particularidades humanas e de percepções
axiológicas. Foi nesta base que se construiu a distinção dicotómica [sic]
sujeito/objeto”. Logo, “o investimento epistemológico da ciência moderna na
distinção entre sujeito e objecto [sic] é uma das suas mais genuínas características”.
[...] as condições do conhecimento científico são mais ou menos arbitrárias,
assentando em convenções que, entre muitas outras condições possíveis,
seleccionam [sic] as que garantem o desenrolar eficiente das rotinas de
investigação. O objecto [sic] de investigação não é, afinal, mais do que o
conjunto das condições não seleccionadas [sic]. Se, por hipótese, fosse
possível levar até ao fim a enumeração das condições de conhecimento, não
restaria objecto [sic] para conhecer. Por outras palavras, é tão impossível um
conhecimento científico sem condições como um conhecimento plenamente
consciente de todas as condições que o tornam possível. A ciência moderna
existe num equilíbrio delicado, entre a relativa ignorância do objecto [sic] do
conhecimento e a relativa ignorância das condições do conhecimento que
pode ser obtido sobre ele. (SANTOS, 2002, p. 82)
Segundo Santos (2002, p. 83), “parafraseando Clausewitz, podemos afirmar hoje
que o objecto [sic] é a continuação do sujeito por outros meios. Por isso, todo o
conhecimento emancipatório é autoconhecimento”. Conhecendo nossos discursos
“educacionais” sobre o outro podemos perceber o quanto se representam
enunciações de poder num e, simultaneamente, sobre um contexto escolar sócio
historicamente nãodeterminado, gerando fluxos de autoconhecimento delineadores
60
de propostas de novas escolas, momentaneamente utópicas, mas passíveis de
construção como objetos de continuação e propagação de um novo senso comum
emancipatório.
Santos (2002, p. 85) ainda afirma que “a ciência moderna, além de moderna, é
também ocidental, capitalista e sexista. Esta tripla adjectivação [sic] não é
circunstancial. Com ela quero salientar que a ‘matriz de privilégio’ (Harding, 1993:
11) da produção científica moderna combina o racismo com o classismo e o
sexismo”.
Segundo Santos (2002, p. 95), “a ciência moderna teve de lutar com um inimigo
poderoso: os monopólios de interpretação, fossem eles a religião, o Estado, a família
ou o partido. Foi uma luta travada com enorme êxito e cujos resultados positivos vão
ser indispensáveis para criar um conhecimento emancipatório pósmoderno”. No
âmbito escolar, conceberiase a escola como uma coletividade de educadores e
educandos capazes de instaurar uma interpretação singular do contexto histórico em
que vivem e fazem viver muitos outros.
Santos (2002, p. 103) propõe um “conhecimento pósmoderno de oposição”, no qual
seja “um conhecimentoemancipação construído a partir das tradições
61
epistemológicas marginalizadas da modernidade ocidental”. “Este conhecimento
assume inteiramente o seu carácter [sic] retórico: um conhecimento prudente para
uma vida decente”.
Nesse sentido Santos (2002, p. 104) propõe uma “novíssima retórica” no qual
privilegie o “convencimento em detrimento da persuasão”, devendo “acentuar as
boas razões em detrimento da produção de resultados”.
Efectivamente [sic], a persuasão é uma forma de adesão que se adapta ao
utopismo automático da tecnologia moderna que é a expressão típicoideal da
subordinação das razões aos resultados. Se um dos principais objectivos [sic]
do conhecimento emancipatório pósmoderno é proporcionar uma crítica
radical desse utopismo, tal não é obtível através de um discurso
argumentativo que, por subordinar, ele próprio, as razões aos resultados
tende a transformarse num utopismo automático de outro tipo. Pelo contrário,
uma retórica que privilegie a obtenção de convencimento tenderá a contribuir
para um maior equilíbrio entre razões e resultados, entre contemplação e
acção [sic] e para uma maior indeterminação da acção [sic], dois
pressupostos de um conhecimento prudente para uma vida decente num
período de transição paradigmática. {SANTOS, 2002, p. 104105)
Assim, segundo Santos (2002, p. 108), “na ciência moderna, a ruptura
epistemológica simboliza o salto qualitativo do conhecimento do senso comum para
o conhecimento científico; no conhecimentoemancipação, esse salto qualitativo
deve ser complementado por um outro, igualmente importante, do conhecimento
científico para o conhecimento do senso comum”. Quando Santos se refere ao
senso comum que pode emergir do conhecimentoemancipação, ele está na
verdade se referindo a um novo senso comum emancipatório: nesta nova
perspectiva, o conhecimento científico permearia as relações sociais das
comunidades aprendentes, complementando um conhecimento já existente neste
meio ambiente próeducativo, bem como promovendo inovações nas técnicas e
tecnologias desenvolvidas por essa coletividade, respeitando as peculiaridades
locais que simultaneamente comportam peculiaridades totais.
A ciência moderna ensinounos a rejeitar o senso comum conservador, o que
em si é positivo, mas insuficiente. Para o conhecimentoemancipação, esse
ensinamento é experenciado como uma carência, a falta de um novo senso
comum emancipatório. O conhecimentoemancipação só se constitui
enquanto tal na medida em que se converte em senso comum. Só assim
será conhecimento claro que cumpre a sentença de Wittgenstein: “tudo que
pode dizerse, pode dizerse com clareza” (Wittgenstein, 1973, §4.116). Só
assim será uma ciência transparente que faz justiça ao desejo de Nietzsche
quando diz que “todo o comércio entre os homens visa que cada um possa
62
ler na alma do outro, sendo a linguagem comum a expressão sonora dessa
alma comum” (Nietzsche, 1971: 136). O conhecimentoemancipação, ao
tornarse senso comum, não despreza o conhecimento que produz
tecnologia, mas entende que tal como o conhecimento deve traduzirse em
autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzirse em
sabedoria de vida. É esta que assinala os marcos da prudência à nossa
aventura científica, sendo essa prudência o reconhecimento e o controlo [sic]
da insegurança. Tal como Descartes, no limiar da ciência moderna, exerceu
a dúvida em vez de a sofrer, nós, no limiar de um novo paradigma
epistemológico, devemos exercer a insegurança em vez de a sofrer.
(SANTOS, 2002, p. 108109)
Santos (2002, p. 115) afirma que “o conhecimentoemancipação privilegia o próximo
como forma de conceber e compreender o real, mesmo que o real seja o global ou o
futuro. Só a ligação a proximidade, mesmo a uma proximidade nova e desconhecida,
pode conduzir ao reencantamento do mundo”. Mundo esse de aprendência, cujo o
reencantamento das ações próeducativas dos educadores poderiam incentivar a
solidariedade para com a proximidade de incertezas de um novo senso comum
emancipatório compartilhado e vivido por outros.
Santos (2002, p. 117) propõe, portanto, “a ideia [sic] de transição paradigmática para
uma nova forma de conhecimento”, que denomina de “conhecimentoemancipação”.
Ele imagina “estar a surgir um novo paradigma epistemológico e sóciocultural,
embora não se descortine, por enquanto, qualquer transição para lá do capitalismo”.
Finalizando, Santos (2002, p. 117) afirma que “daqui decorre a necessidade de uma
crítica da epistemologia hegemónica [sic] e a necessidade de invenções credíveis de
novas formas de conhecimento”. A escola, como uma instituição que habita seres
biopsicossociais, deve conceber que as interações em seu cotidiano ocorrem com
todo o corpo dos sujeitos que ali (con)vivem: seus modos de ser e estar no mundo,
com todas as percepções e sensações que lhe são inerentes. É nessa paisagem em
mutação que os educadores procurariam estabelecer vínculos de interatividade
(in)tentando tecer diversas invenções credíveis de novas formas de conhecimento.
63
6. PÓSESCRITO
O que Santos (2002, p. 41) denomina de desassossego, Bauman (1998, p. 89)
denomina de malestar, mas ambos confluem numa mesma perspectiva de que
temos a sensação de estar num presente quase a terminar e na iminência de um
futuro que (in)tenta nascer, numa contemporaneidade que não oferece mais
respostas aos problemas da modernidade e nem consegue formular questões pós
modernas discerníveis plenamente do que foi discursivamente proclamado até
então.
Ilustração 20 – Educar na contemporaneidade: o educador ou educadora continuará sendo um
grande protagonista na criação de ecologias cognitivas que suscitem desejos e prazeres com o corpo
aprendente dos alunos e alunas.
Uma divergência entre Santos e Bauman fica explícita na perspectiva de
problematização das questões contemporâneas: Santos concebe o desassossego
como um indicativo de que estamos numa transição paradigmática de um
conhecimento prudente para uma vida decente; já Bauman concebe o malestar
contemporâneo como um indicativo de que estamos (con)vivendo em um período de
crise da modernidade, que ele então passa a denominar de modernidade líquida.
Inferese efemeramente, nestas breves considerações finais, que “para além” das
questões que envolvem a influência do contemporâneo discurso de poder do
alienante sistema de produção capitalista, há vetores que indicam que a pós
modernidade é algo mais do que simples “modismo” ou manifestação “novidadeira”
ensaiada pela sociedade.
64
Inferese assim que não se pode conceber, considerando a insurgência pró
paradigmática de uma educação pósmoderna, uma etimologia tal a qual tem sido
concebida para o termo “cotidiano”: “No século 8º havia a forma cotidião, em
português. ‘Cotidiano’ vem do latim quotidianus, derivado de quotidie (cada dia), de
quotus, ‘quão numeroso’ porque conteria a idéia de que viver um dia após o outro
tende a ser angustiante. Essa idéia repercute em vários níveis” (Revista Língua
Portuguesa, 2006, p. 18, grifo do autor). Espiar a vida cotidiana por meio da
etimologia é uma forma de expandir um pouco mais nossa capacidade de pensar o
nosso próprio diaadia, por isso se faz necessário (re)pensar as ações pró
educativas que os educadores instituem em seu cotidiano e (in)surgir com processos
instituintes que se rebelem em relação as amarras implantas pelas instituições no
status quo dessa perspectiva de cotidiano da chamada “sociedade civilizada” ou
“civilização”. Considerase efemeramente, portanto, que “a lógica que preside o
desenvolvimento das ações cotidianas é profundamente diferente daquela com a
qual nos acostumamos a pensar na modernidade, na medida em que o cotidiano
tem como características fundamentais a multiplicidade, a provisoriedade, o
dinamismo, a imprevisibilidade” (OLIVEIRA, I. B., 2003, p. 52).
Ilustração 1 – Consumismo desenfreado: Ao Capitalismo Mundial Desorganizado não interessa mais
a promoção da alienação, mas, pura e simplesmente, a resignação das pessoas em modos de vida
excludentes ou em imersão contínua na exclusão, seja a nível psíquico seja a nível material.
65
E o que é então a pósmodernidade? Simplicando bastante, mas com o cuidado de
não ser simplista, podese afirmar que a pósmodernidade:
· É uma época ou período histórico;
· É uma fase cultural do capitalismo nos estágios mais avançados (LAMPERT,
2005, p. 7)
· É um novo sistema filosófico (desconstrucionismo) ou, no mínimo, uma nova
linha ou corrente de pensamento da filosofia que questiona as noções clássicas
de verdade, razão, identidade e objetividade, as idéias de progresso ou
emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os
fundamentos definitivos de explicação;
· É um malestar (Bauman) ou desassossego (Santos) moderno em relação ao
que está instituído ou é instituinte;
· É uma posição de oposição relativa ao que é moderno, o que na verdade se
torna um processo de autocrítica;
· É antipositivista;
· É a consideração da existência de micropoderes capilares no interior da
sociedade e a consideração ilusória do poderio do Estado e da dominação de
classe;
· É o cotidiano remetido a problemáticas conceituais tais como o nãomensurável,
o asignificante, o nãoquantificável, o heterárquico, o nãolinear, o caos como
outra forma de organização, a rede (de conhecimentos, de significados, de
informações, etc) como metáfora, o fluxo em oposição ao processo, a
multiplicidade de encaixes, a heterogeneidade, o multicultural, o híbrido, a ênfase
na subjetividade, a imprevisibilidade e incertezas do cotidiano, a autopoiese, a
autoorganização, os campos semânticos, a complexidade, a multi
referencialidade, os rizomas, a transversalidade, a complexidade, etc;
· É “a perda de expectativas em relação a um futuro promissor, a rápida expansão
do consumo e da comunicação de massa, o conhecimento como mercadoria e
meio de poder, a descrença nas metanarrativas, a valorização da cultura, etc”
(LAMPERT, 2005, p. 41);
· É uma transição paradigmática rumo a um conhecimento local e total, a não
dicotomização entre conhecimento científiconatural e científicosocial, ao fato de
66
que todo conhecimento é autoconhecimento e, finalmente, a um novo senso
comum emancipatório (Santos);
· É um mundo vivido como incerto, incontrolável, assustador e cuja universalização
do medo ou das perdas de estabilidade derivadas da troca da ordem pela busca
generalizada da liberdade se agravam e se aprofundam a cada instante.
Calloni (2005, p. 61) ainda aponta outras características marcantes do pós
modernismo:
perda da continuidade histórica (ênfase na presencialidade efêmera);
perda de projetos futuros (utopias);
descontinuidade;
perda da profundidade (fixação nas aparências, nas superfícies, nos
impactos imediatos que, com o tempo, não têm poder de sustentação;
fragmentação;
colapso de horizontes temporais;
preocupação com a instantaneidade (em parte devido às tecnologias. P.
ex.: mídia, multimídia, etc.);
rejeição da idéia de progresso;
reprodução e não produção (“A ficção do sujeito criador cede lugar ao
franco confisco, citação, retirada, acumulação e repetição de imagens já
existentes”) (Harvey:58).
des (referencialização) do Real (Ferreira dos Santos). (CALLONI, 2005, p.
6162)
Com base no que foi mencionado, podese afirmar, segundo Calloni (2005, p. 62),
que “não se esgotam aqui as características do pósmodernismo que, segundo seus
autores, permeiam a subjetividade do indivíduo. Podemos concordar ou discordar no
todo ou em parte dessas notações, mas é muito difícil, senão temerário, não admitir
que há uma crise instalada em relação ao paradigma que deu abrigo ao Iluminismo,
no racionalismo inscrito na modernidade”.
67
Portanto, segundo Lampert (2005, p. 46), “na pósmodernidade, a educação deve
ser um ato de coragem, de ousadia e um eterno desafio”.
Segundo Calloni (2005, p. 50, grifo do autor), partese “do pressuposto da existência
de uma nova produção cultural, em nível mundial, que permeia as subjetividades, o
modo de ser e estar em relação ao mundo contemporâneo, seus sentidos e
significados”. A essa nova produção cultural denominase pósmodernidade.
68
Assim, há autores como Bauman (GloboNews informação verbal), que já não falam
mais de uma pósmodernidade, mas de uma modernidade líquida, pois a mesma
conserva ou seria uma continuidade da modernidade mas com pressupostos “pouco
palpáveis” 19 , no qual os indivíduos procuram alcançar um estado de liberdade
correndo o risco de ampliar largamente o seu estado de insegurança e
imprevisibilidade na aprendência (Assmann, 2004) do/no/com o cotidiano.
Já em relação à escola no próparadigma da pósmodernidade, inferese aqui, tal
como conceitua Riccio (1998, p. 163), que “ao afrontar os problemas na escola, não
há espaço e tempo para experimentar e fazer as crianças experimentarem novos
caminhos de resolução além das costumeiras ou das encontradas na primeira
intuição”, pois no atual contexto contemporâneo a escola está extremamente
impregnada do cientificismo moderno, com seus métodos rígidos de quantificação e
mensuração. Falta, portanto “uma didática do pensamento divergente, criativo.
Somos habituados a ensinar estilos padronizados e generalizados de resolução de
problemas”. Nesse sentido, é preciso (re)pensar a prática idiossincrática 20 de ser
estando professor21
e problematizar a possibilidade de sersendo educador, no qual
os educadores adotem uma prática de saberesfazeres póscríticos, promovendo
inter(in)venções com o cotidiano escolar, conscientes de que suas ações pró
educativas e conseqüentes interações discursivas de poder no âmbito político,
cultural e social compromissadas são condição sine qua non para a (trans)formação
de cidadãos póscríticos e participativos, aptos a (con)viverem no malestar ou
desassossego da sociedade (anti)contemporânea ou (pós)moderna e capazes ainda
de implantar coletivamente uma sociedade mais harmônica (o que não significa a
supressão das diferenças), justa (com igualdade de oportunidades) e feliz
(exatamente no sentido de felicidade que temos no senso comum).
19
O sentido aqui é metafórico, pois se refere a uma palpabilidade em um sentido abstrato, numa
perspectiva de que há um fluxo de múltiplas referências sendo tecidos em rede, mas que ainda não
estão fixos e plenamente “visíveis” ou discerníveis.
20
Predisposição particular do organismo que faz que um indivíduo [professor, educador, pedagogo,
etc] reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores [Secretarias de Educação,
educandos ou alunos, diretora da escola, etc]. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível
na Internet, Acesso em 13 mar. 2006)
21
Termo que inter(in)ventei para me referir a uma prática descompromissada com a educação, no
qual o professor é mero profissional “auleiro” que não tem consciência das possíveis implicações de
suas práticas próeducativas no cotidiano escolar.
69
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didática. 2. ed. Piracicaba: Unimep, 1998. 263 p.
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